a produção dos produtores de conhecimento

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A produção dos produtores de conhecimento: divisão do trabalho e formação de novos pesquisadores em um centro de pesquisa em genética humana e médica Mariana Toledo Ferreira * Resumo O artigo discute a divisão do trabalho científico entre pesquisadores sêniores e juniores em um laboratório brasileiro de genética humana e médica. Partindo da discussão contemporânea sobre o progressivo embricamento entre ciência e tecnologia – com progressiva fusão entre ambas, que evoca noções como a de tecnociência – é possível verificar, na subárea específica, velocidades crescentes na produção de dados, que pressionam pesquisadores de maneiras distintas: pelo crescente custo das inovações tecnológicas, e pela necessidade de métodos mais complexos para a análise. É nesse contexto que analisa-se as questões relativas à especialização do trabalho científico, à separação entre concepção e execução, e às correlatas transformações na formação de novos pesquisadores. Parte-se do pressuposto teórico-metodológico de que a atividade científica não pode ser tratada de forma homogênea, existindo configurações distintas de acordo com o espaço disciplinar, organização institucional e a tradição * Mestre em sociologia, é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo e bolsista do CNPq. Endereço eletrônico: [email protected] 1

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A produo dos produtores de conhecimento: diviso do trabalho e formao de novos pesquisadores em um centro de pesquisa em gentica humana e mdicaMariana Toledo Ferreira*ResumoO artigo discute a diviso do trabalho cientfico entre pesquisadores sniores e juniores em um laboratrio brasileiro de gentica humana e mdica. Partindo da discusso contempornea sobre o progressivo embricamento entre cincia e tecnologia com progressiva fuso entre ambas, que evoca noes como a de tecnocincia possvel verificar, na subrea especfica, velocidades crescentes na produo de dados, que pressionam pesquisadores de maneiras distintas: pelo crescente custo das inovaes tecnolgicas, e pela necessidade de mtodos mais complexos para a anlise. nesse contexto que analisa-se as questes relativas especializao do trabalho cientfico, separao entre concepo e execuo, e s correlatas transformaes na formao de novos pesquisadores. Parte-se do pressuposto terico-metodolgico de que a atividade cientfica no pode ser tratada de forma homognea, existindo configuraes distintas de acordo com o espao disciplinar, organizao institucional e a tradio cientfica local, entendida enquanto empreendimento historicamente enraizado e social e culturalmente contingente.Palavras chave: diviso do trabalho cientfico; formao; estudos de laboratrio; gentica humana e mdica; tecnocincia.Abstract

Introduo

O presente artigo discute o processo de formao de pesquisadores luz da diviso e especializao do trabalho cientfico no interior de um laboratrio brasileiro de gentica humana e mdica, em um contexto de trabalho de investigao marcado por um crescente predomnio tecnolgico da pesquisa e pela velocidade crescente na produo de dados, que pressionam pesquisadores de maneiras distintas: pelo crescente custo das inovaes tecnolgicas, pela necessidade de mtodos mais complexos para a anlise e pela diversificao da formao dos jovens pesquisadores. O objetivo especfico consiste em olhar para a maneira pela qual os jovens pesquisadores vm sendo socializados no interior da disciplina gentica humana e mdica, verificar que qualidades e habilidades eles consideram essenciais para se tornar bons profissionais, quais so suas concepes da profisso acadmica e que identidades assumem no interior do laboratrio.

Os resultados apresentados fazem parte de pesquisa de mestrado (Ferreira, 2013), cujo objetivo era analisar a maneira pela qual se d a organizao social da produo de conhecimento e da produo de produtores de conhecimento em uma rea especfica de pesquisa a gentica humana e mdica em um pas perifrico, ainda que relativamente moderno, no que diz respeito s tradies centrais que dominam o desenvolvimento da cincia moderna. A gentica humana, enquanto disciplina, foi o objeto da minha pesquisa e, dentro dela, escolheu-se um centro de pesquisa em gentica humana, localizado na Universidade de So Paulo (USP). Sua importncia como estudo de caso se d no s por ser um centro reconhecido e legitimado em sua rea de atuao, conjugando verbas de trs das principais agncias de fomento pesquisa brasileiras (Fapesp, CNPq e Finep), mas sobretudo por ser percebido como modelo a ser seguido por outras instituies.

A partir desse estudo emprico foram observados indcios de mudanas significativas na subrea da gentica humana e mdica a partir dos anos 1970 e, de forma mais acentuada, a partir dos anos 1990 no que diz respeito presena da tecnologia definindo a atividade cientfica local e contribuindo para o aumento na velocidade das transformaes da pesquisa, a partir do constante aprimoramento de instrumentos e tcnicas. Essas mudanas de predomnio tecnolgico, encontradas no Centro, so correlatas aos desdobramentos que a pesquisa teve no cenrio internacional.

Uma questo correlata ao predomnio tecnolgico a velocidade cada vez maior da produo de dados, devido ao aprimoramento das tcnicas de sequenciamento, que pressiona os pesquisadores de duas maneiras diferentes: pelo crescente custo dessas inovaes tecnolgicas o que dificulta seu acompanhamento e tambm pela necessidade de mtodos de anlise mais complexos e refinados, incluindo conhecimentos avanados de estatstica e computao, menos imprescindveis em momentos anteriores. Essas transformaes tm impacto significativo na diviso do trabalho no interior do laboratrio, como se procurar mostrar.

O recorte em uma rea especfica do conhecimento e em uma instituio particular est baseado no pressuposto, largamente partilhado por uma vertente contempornea da sociologia da cincia (Shinn; Ragouet, 2008; Bourdieu, 2001; Kreimer, 2010), de que a atividade cientfica no pode ser tratada de maneira uniforme, existindo configuraes distintas de acordo com a rea de conhecimento, o espao disciplinar, a organizao institucional e a tradio cientfica qual se filia, esta ltima entendida no como esttica, mas como empreendimento historicamente enraizado e social e culturalmente contingente.

O eixo central consistiu na realizao de detalhada pesquisa de campo, atenta descrio de elementos pertinentes atividade cientfica, suas instituies e prticas, em consonncia com a recomendao de que, antes de fazer diagnsticos gerais sobre as transformaes da cincia contempornea, necessrio realizar estudos empricos aprofundados para saber o que est, de fato, acontecendo nos diferentes espaos disciplinares (Elzinga, 2002).

Essa premissa terico-metodolgica torna-se ainda mais importante quando se leva em conta que as principais teorias sobre as transformaes da cincia contempornea que conseguem universalizar-se so elaboradas nos pases centrais, e geralmente a partir dos centros de pesquisa mais avanados. A ttulo de exemplo, tem-se diagnsticos como o da emergncia de uma cultura ps-acadmica (Ziman, 1990), de um futuro sem disciplinas cientficas (Gibbons et. al., 1994), de sistemas nacionais de inovao (Nelson, 1993; Freeman, 1995), entre outros.

No entanto, a compreenso do processo de transformao da atividade cientfica pressupe a realizao de pesquisas que privilegiem os contextos nacionais e a diversidade de instituies. Noutras palavras, trata-se de investigar os modos pelos quais as tendncias globalizantes na produo cientfica e tecnolgica geram heterogeneidade de resultados passveis de serem observados empiricamente. Considera-se que no processo de contextualizao local das tendncias globalizantes, elementos de diferentes nveis podem ligar-se de modos muito variados tradio local de pesquisa, podendo tanto refrear como reforar aspectos dessas tendncias (Garcia; Carlotto, 2012).

O artigo estrutura-se em quatro partes. A primeira seo discute as principais referncias tericas, enfatizando a noo de disciplina, a partir das contribuies de Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Timothy Lenoir. A segunda seo apresenta a pesquisa de campo e fornece as caractersticas principais do centro estudado. Em seguida, busca-se contextualizar a discusso sobre a diviso do trabalho cientfico e a produo de produtores de conhecimento no debate contemporneo sobre a tecnocincia, devido principalmente percepo de uma progressiva imbricao, na gentica, entre cincia e tecnologia, com progressivo predomnio da segunda, que evoca as discusses mais recentes relativas noo de tecnocincia. A seguir, busca-se descrever com mais detalhes a transformao da pesquisa em gentica humana e mdica e como o centro estudado lidou com elas, a partir do contexto especfico em que est inserido. Por fim, analisa-se com maior detalhe a diviso do trabalho no interior do centro de pesquisa, bem como os processos de formao dos jovens pesquisadores, apontando, na concluso, para os principais achados e questes que precisam de posterior aprofundamento.

1. Formao de pesquisadores no interior de uma disciplina

O locus do processo de formao dos jovens pesquisadores a disciplina; ela emerge como espao crucial, pois, assim como laboratrios e espaos de aprendizagem so essenciais para organizar e reforar as economias de habilidade necessrias para conduzir a cincia localmente, as disciplinas so as estruturas em que essas habilidades so reunidas e reproduzidas como conjuntos coerentes, apropriados para a conduo de uma prtica cientfica estvel mais globalmente (Lenoir, 2003). As disciplinas so a infraestrutura da cincia corporificada, antes de qualquer coisa, nos departamentos universitrios, nos cursos de graduao e ps-graduao, nas sociedades profissionais, nos manuais e livros didticos. A disciplina forma a identidade de um investigador, estabelecendo problemas e definindo ferramentas para abord-los.

Ao mesmo tempo, disciplinas so tambm instrumentos para distribuir status; ao fundar especialidades e habilidades, a disciplina estabelece limites e demarca hierarquias entre especialistas e amadores. Alm disso, como tanto Michel Foucault quanto Pierre Bourdieu tm insistido, olhar para as disciplinas no simplesmente dar conta de uma preocupao com as instituies e a profissionalizao do trabalho cientfico; , acima de tudo, uma preocupao com os corpos. Disciplinas so formaes institucionalizadas para organizar esquemas de percepo, apreciao e ao, bem como para inculc-los como ferramentas de cognio e comunicao (Bourdieu, 2000). Lenoir, a partir da releitura crtica de Foucault, busca tratar o conhecimento como uma construo social, evitando um relativismo radical e o antirrealismo: um realismo mais pragmaticamente orientado emerge da considerao de que os produtos dos sistemas sociotcnicos que chamamos de cincia e tecnologia, funcionam precisamente porque esto engastados em nossas prticas e estabilizados em nossas tecnologias para produzir verdade (Lenoir, 2003, p. 66).

Aqui, crucial a formulao de Foucault de que cada sociedade est baseada em um regime de verdade; a relevncia do autor para a discusso do contedo de verdade do conhecimento disciplinar e da relao do conhecimento disciplinar com o sistema das relaes de poder reside em sua insistncia de que o poder deve estar baseado na verdade. Para Foucault, a verdade no deve ser considerada uma realidade objetiva, socialmente independente, mas sim um sistema de procedimentos ordenados para a produo, regulao, distribuio, circulao e manejo de afirmaes (Foucault, 2013). Por regime de verdade, Foucault tem em mente o corpo de prticas e os tipos de discurso que uma sociedade aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instncias que permitem a algum distinguir afirmaes verdadeiras e falsas e os meios pelos quais cada uma delas sancionada; as tcnicas e procedimentos a que se d valor na aquisio de verdade; e o estatuto daqueles que so encarregados de dizer o que conta como verdade. central, para essa concepo da relao do poder com o conhecimento, a noo de que esse poder no uma fora negativa que pesa sobre ns, mas uma fonte construtiva, que atravessa e produz coisas. preciso consider-lo uma rede produtiva que corre atravs de todo corpo social, muito mais do que uma instncia negativa cuja funo reprimir (Foucault, 1988).

com esse aspecto de controle, no em um sentido externo ou repressivo, mas antes por meio da internalizao de padres de discurso, de estruturas de conhecimento e de modos de prtica, que possvel relacionar a presente discusso da disciplina cientfica. Desse ponto de partida, as disciplinas podem ser consideradas estruturas essenciais para sistematizar, organizar e incorporar as prticas sociais e institucionais das quais dependem tanto o discurso coerente quanto o exerccio legtimo do poder (Lenoir, 2003). So essas mesmas prticas que precisam ser incorporadas pelos novos integrantes das disciplinas.

Mas, ao mesmo tempo, a abordagem arqueolgica de Foucault no ilumina a formao das disciplinas, embora ajude a conceitu-las. A considerao das disciplinas como mediadores para economias de prtica sugere um caminho alternativo. Isso faz sentido, inclusive, tendo em vista a insistncia de Foucault no carter disperso das formaes discursivas, na ideia de que ningum cria disciplinas. Seguindo Bourdieu, possvel associar as disciplinas ao conceito de campo cientfico: disciplinas como lugares de competio pelo monoplio da autoridade cientfica, que inseparavelmente definida como capacidade tcnica e poder social.

Com a noo de campo cientfico, Bourdieu (2001) quer romper com a falsa oposio entre anlise interna e anlise externa da cincia, afirmando que no h "escolha" cientfica do campo da pesquisa, dos mtodos utilizados, do lugar de publicao; ou, ainda, escolha entre uma publicao imediata de resultados parcialmente verificados e uma publicao tardia de resultados plenamente controlados que no seja uma estratgia poltica de investimento orientada para a maximizao do lucro propriamente cientfico, isto , para a obteno do reconhecimento dos pares-concorrentes.

O campo cientfico de Bourdieu tem uma lgica prpria e uma forma especfica de capital. O campo no apenas um domnio de posies intelectuais diferencialmente construdas; ele tambm inclui instrumentos de circulao, como jornais e editoras, que escolhem publicar artigos e livros de acordo com certos critrios e com audincias especficas em mente. Cada campo tem tambm instituies preocupadas em consagrar bons trabalhos mediante, por exemplo, outorga de prmios e admisses em academias. Alm disso, cada campo tem instituies responsveis pela circulao e reproduo de outros participantes nele, a saber, as instituies educacionais, cursos recomendados, inclusive instituies pblicas como museus, que disseminam as concepes das fraes dominantes no campo para outros grupos. No caso de campos nas cincias naturais, um meio adicional de circulao a produo de instrumentos cientficos, incluindo sua padronizao e venda para outros profissionais da cincia.

Cada campo, at os mais puros, como o campo artstico ou o cientfico, tem um ponto de vista constitutivo que precisa ser aceito tacitamente por seus membros, e que define o pensvel e o impensvel, matriz de todas as questes pertinentes. Cada campo define, assim, o que vale a pena se interessar ou disputar , algo que pode no fazer sentido para aqueles que se situam fora do campo (Bourdieu, 2001b). Nesse sentido, cada campo possui sua doxa especfica, conjunto de pressupostos cognitivos e avaliativos, o que permite a existncia de adversrios cmplices no interior do campo: ocupando polos opostos, esto de acordo e reconhecem o que os ope, delimitando, assim, o espao legtimo de discusso.

Esses pressupostos aparecem como que inscritos na natureza das coisas e exigem uma adeso tcita, uma forma particular de crena, a illusio, condio indiscutida da discusso em um campo (Bourdieu, 2001b). Essa adeso tcita se d, no caso do campo cientifico, a partir de um longo processo de socializao na disciplina escolhida. Para que esse jogo acontea, Gingras (1991) afirma que recursos materiais e instituies tem que estar disponveis, para que os agentes possam produzir o conhecimento que circula no campo. ao colocar em prtica estruturas institucionais que favorecem a produo do conhecimento e a reproduo dos agentes portadores das disposies necessrias, que os cientistas so capazes de se reproduzir enquanto grupo e de participar das atividades que constituem um campo cientfico.

Considerando que a atividade de pesquisa realizada por agentes sociais com caractersticas particulares, sua descrio supe explicar a produo desse tipo de agente e sua relao com o campo cientfico. O processo de socializao dos cientistas tende a produzir pessoas que esto to comprometidas com os valores centrais de sua disciplina que os aceitam sem pensar; a atividade de pesquisa aparece como natural para eles. Esse comprometimento o resultado de um prolongado processo de treinamento, que ser esquadrinhado a partir de dados referentes a um centro de pesquisa em gentica humana na USP.2. Sobre o estudo de caso

O centro de pesquisa estudado foi criado em 2000, a partir da justaposio de laboratrios de gentica humana e mdica previamente existentes na USP, e desenvolve pesquisa bsica e aplicada, atividades ligadas educao e transferncia de tecnologia, alm de fornecer servio de aconselhamento gentico. Oficialmente composto por sete laboratrios, cada um chefiado por uma pesquisadora snior, professora da USP.

Ele um dos onze Centros de Pesquisa, Inovao e Difuso (Cepid) da Fapesp, programa inspirado no modelo norte-americano adotado em 20 Centros de Cincia e Tecnologia da National Science Foundation e tem como objetivo, segundo Fernando Perez, diretor cientfico da Fapesp quando do lanamento do programa:estabelecer um novo paradigma para a pesquisa cientfica. O maior desafio da poltica cientfica e tecnolgica, que o desafio dos Centros, propor uma viso integrada da atividade de pesquisa com a transferncia de conhecimento para o setor pblico e privado e a educao (Fapesp, 2000: 12).

Nesse sentido, o objetivo do programa era selecionar grupos que realizam pesquisa de ponta, de carter multidisciplinar, que pudessem subsidiar polticas pblicas ou contribuir para a criao de novas tecnologias. possvel afirmar que o Cepid segue os modelos organizacionais norte-americanos, inspirados nos diagnsticos gerais sobre a organizao da cincia.

O Centro recebe financiamento tambm do Programa Institutos Nacionais de Cincia e Tecnologia, do CNPq, que tem como objetivo estimular o desenvolvimento de pesquisa cientfica e tecnolgica, associada a aplicaes, para promover a inovao em reas prioritrias para o desenvolvimento regional e nacional. Por fim, recebe verbas da Finep, a partir do edital de criao de Centros de Terapia Celular, que tem como objetivo desenvolver tcnicas de cultivo de clulas-tronco humanas, qualificar equipes para a Rede Nacional de Terapia Celular (RNTC) e para a indstria, e fornecer clulas-tronco cultivadas em condies de boas prticas de manufatura para os ensaios clnicos da RNTC.

Dessa breve descrio possvel notar que esse centro reconhecido e legitimado em sua rea de atuao, conjugando verbas de trs agncias brasileiras de fomento pesquisa Fapesp, CNPq e Finep. Esta uma das razes que fazem dele um caso exemplar, percebido pela comunidade cientfica como um modelo a ser seguido por outras instituies. Procedimento de escolha semelhante feito por Shinn e Marcovich (2009), que estudaram os ganhadores do Prmio Feynman de Nanotecnologia para poder identificar e discutir o que considerado, entre os praticantes da pesquisa em nanoescala, como pesquisa de ponta e investigao promissora, ou seja, o que visto como excelente, modelar, digno de recompensa. Nesse sentido, o suporte ao laboratrio por trs agncias de financiamento aparece nesta pesquisa como indicador de legitimidade semelhante a uma premiao, que reconhece o valor do que foi realizado pela pesquisa anterior e a um estmulo para novas realizaes.

As duas principais linhas de pesquisas do centro so: 1) definir os fatores genticos responsveis por doenas em humanos incluindo a identificao de genes responsveis por doenas genticas, estudos cromossmicos, estudo das doenas complexas e a variao gentica da populao; 2) desenvolver abordagens teraputicas para doenas genticas, incluindo o estudo do potencial regenerativo das clulas-tronco de diferentes origens e abordagens farmacolgicas.

Alm da pesquisa, o centro presta diversos servios, seguindo os moldes propostos pelo programa Cepid, destacando-se entre eles os testes e aconselhamento genticos. Para alm desses servios de extenso no sentido mais clssico, de aplicao de conhecimento para a prestao de servios especializados populao externa ao laboratrio e universidade, o Centro realiza tambm servio de sequenciamento de DNA para outros pesquisadores que no tenham acesso a essa tecnologia.

Para tanto, conta com uma equipe de aproximadamente 90 pessoas, entre professores, pesquisadores, ps-doutorandos, mdicos e tcnicos especializados, alm de estudantes de graduao e ps-graduao. Oficialmente so doze os pesquisadores seniores vinculados ao Centro, sendo sete as pesquisadoras mais atuantes, cada uma delas com laboratrio prprio. O Centro , em grande medida, uma espcie de conglomerado dos sete laboratrios, que existiam antes de 2000, e se juntaram em busca de maior financiamento e melhor estrutura para pesquisa.

Foram contactadas para esta pesquisa as sete coordenadoras dos laboratrios bem como jovens pesquisadores de cada grupo, totalizando 28 entrevistas, realizadas em 2013. Inspirando-se no trabalho de Terry Shinn (1988), os entrevistados foram divididos nas categorias de pesquisadores seniores e pesquisadores juniores, devido s caractersticas partilhadas. Tem-se como seniores as sete pesquisadoras que coordenam os laboratrios e como juniores aqueles que realizam sua formao em um desses laboratrios, geralmente no nvel de doutorado ou ps-doutorado.

Todos os jovens pesquisadores entrevistados estavam no doutorado ou ps-doutorado, mas o tempo de experincia em pesquisa variou significativamente, alguns j no segundo ps-doutorado, outros no segundo ano do doutorado. importante destacar que o termo jnior ou jovem pesquisador nesse caso no se refere de modo algum a uma idade biolgica, mas a um certo status no interior da carreira acadmica, com caractersticas compartilhadas que sero delimitadas mais a frente. Nesse sentido, uma gerao no apenas um corte etrio, mas est ligada a processos de socializao distintos, pessoas que se formaram em pocas diferentes, em estados do campo distintos (Bourdieu, 1986).

Este artigo centra-se, principalmente, nas 21 entrevistas aprofundadas e semi estruturadas realizadas com jovens pesquisadores em gentica humana e mdica, cuja trajetria se localizava entre o doutorado e o ps-doutorado. As entrevistas tratavam do cotidiano de trabalho dos jovens pesquisadores, sua formao e processo de aprendizagem de novas tcnicas e mtodos de pesquisa, suas motivaes e aspiraes, estratgias, e horizontes de carreira profissional. A quantidade restrita de entrevistas realizadas no permite fazer generalizaes sobre a formao atual do geneticista humano no Brasil, mas sero delineados alguns elementos encontrados nesta pesquisa e que podem, posteriormente, ser objeto de pesquisa mais aprofundada.

Para encerrar, importante destacar que o Centro no foi tomado nesta pesquisa nem como caso exemplar que poderia ser usado, por exemplo, para subsidiar polticas pblicas para a cincia nem como caso representativo mdio passvel de generalizaes apressadas , mas sim como um caso que permite a anlise pormenorizada das questes apresentadas. O estudo situado dessa maneira permite contribuir para a teoria sociolgica pondo em prova generalizaes anteriores, estabelecendo novos desafios interpretativos, e sugerindo novas questes de pesquisa.3. Cincia, tecnologia e tecnocincia: a diviso do trabalho cientfico em um contexto em mutao

Na literatura sobre cincia, no mbito da sociologia, da filosofia e dos estudos sociais da cincia, h um debate sobre as mudanas recentes na relao entre cincia e tecnologia e a emergncia da tecnocincia. H pouco consenso entre os pesquisadores sobre o que seria a tecnocincia e muitos dos usos desse termo carecem de fundamentao terico-metodolgica.

Bensaude-Vincent, por exemplo, explora a tese de que a tecnocincia representa uma mudana radical no projeto epistemolgico da cincia moderna: inegvel que a tecnocincia transforma nossa viso da natureza e nossa forma de lidar com ela. Mesmo quando os objetivos da pesquisa so cognitivos e no tecnolgicos () as questes endereadas natureza se modificaram. Ao invs de perguntar por qu?, pergunta-se como funciona (2009: 117). Para a autora, a tecnocincia envolve a nfase nos usos dos objetos do conhecimento para fins prticos ou instrumentais, salientando o controle das condies para a interveno humana com e nesses objetos, estando intrinsecamente ligada ao projeto de dominao da natureza.

A partir do estudo sobre o desenvolvimento da qumica, Bensaude-Vincent rejeita a separao entre uma poca pura da cincia, que se desenvolve sem a interveno da tecnologia e de interesses e valores, e uma poca em que a cincia corrompida pelos interesses da guerra e da indstria e se mescla completamente aos desenvolvimentos tecnolgicos.

Para Nordmann (2012), no se trata de opor cincia e tecnocincia, mas consider-las como conceitos ideal tpicos que podem aparecer como mais puros ou mais relacionados. O que seria distintivo na tecnocincia a constituio e o tratamento tecnolgico dos objetos de pesquisa, mais do que o interesse na aplicao e utilidade. A tecnocincia no envolve a criao de leis mais gerais, mas um conhecimento do detalhe, das variveis, do contexto.

Nordmann enfatiza cinco caractersticas do conhecimento tecnocientfico: 1) ele considerado objetivo e pblico quando exibido e documentado; 2) no sinnimo de tecnologia, que geral e, portanto, disponvel tambm aos leigos; ao contrrio, ele pressupe um contexto tecnolgico e cultural especfico; 3) comunicvel, ainda que a habilidade propriamente no seja; 4) pressupe conhecimento das relaes causais; 5) sedimenta-se enquanto hbito de ao.

J Pablo Mariconda (2012) destaca que o financiamento da pesquisa e a ideia de cincia aplicada so indispensveis para a compreenso da tecnocincia, alm de enfatizar como centrais as questes de controle e dominao. As atividades tecnocientficas seriam novas formas de organizao institucional, que exploram oportunidades na produo e nos servios, oportunidades tornadas possveis pela atual infraestrutura tecnolgica.

Para Marcovich e Shinn (2012), tecnocincia no existiria enquanto atividade de pesquisa distinta e especfica, atividade essa em que as fronteiras entre as disciplinas no seriam respeitadas. Ao contrrio, existiriam regimes de produo cientficos e tecnolgicos, altamente diferenciados e especializados. Propem uma viso pluralista de cincia e tecnologia que incorpora mltiplos regimes historicamente estabelecidos de produo e difuso de conhecimentos. Essa concepo pluralista permite especificar seus numerosos desenvolvimentos histricos, modos de produo, mercados de difuso, sem ser necessrio fazer uso do conceito de tecnocincia. Para os autores, o nascimento do modelo da tecnocincia, que obteve considervel sucesso recentemente, pode ter derivado, em parte, de uma m interpretao de experincias histricas e atuais em cincia e tecnologia, onde no foram devidamente levados em conta estruturas, como disciplinas, e dinmicas, como a circulao.

Hugh Lacey (2012) considera tecnocincia um termo descritivo, no muito terico, nem muito preciso. Ainda assim, defende sua utilizao, em um contexto em que foras sociais, econmicas e polticas enfatizam o valor da tecnocincia, em detrimento de outras formas de produo de conhecimentos. O autor mostra que essas foras levam a tecnocincia a deslocar outras formas de cincia, de modo que a cincia enquanto fenmeno social torna-se efetivamente identificada com a tecnocincia, e a metodologia cientfica torna-se identificada com aquela usada na tecnocincia.

O autor define a tecnocincia como um tipo de atividade cientfica caracterizada pela pesquisa a partir de estratgias descontextualizadas (principalmente no laboratrio), e pelo uso de tecnologia avanada para a produo de instrumentos, objetos experimentais, novos materiais e estruturas. Nesse sentido, a tecnocincia pode fazer parte da cincia cujo objetivo obter conhecimento em novas reas, especialmente a compreenso de novas possibilidades para o desenvolvimento de produtos, como aqueles ligados qumica e industria farmacutica. Ou seja, conhecimento que leva inovao, guiado por valores de mercado, como crescimento econmico e desenvolvimento de vantagens competitivas.

No est reduzindo a cincia tecnocincia, nem negando que exista um deslocamento na interao dinmica entre ambas, mas destaca a onipresena da tecnologia em todos os aspectos de certas pesquisas cientficas, onipresena tamanha que muitas vezes parece arbitrrio tentar distinguir o que cincia do que tecnologia.

Baseando-se nas ideias de Lacey e Shinn, e seguindo a premissa apresentada na introduo da necessidade de realizao de pesquisas em contextos locais e institucionais especficos , defende-se neste artigo que uma ruptura epistemolgica ocasionada pela tecnocincia deve ser tratada como hiptese que necessita de maior investigao e no como um dado da realidade. Simultaneamente, partindo dessas breves consideraes sobre cincia, tecnologia e tecnocincia, aparece como inegvel a presena constante da tecnologia nas pesquisas cientficas, algo que foi constatado neste estudo em um centro de pesquisa em gentica humana, que com o desenvolvimento da automao e instrumentao em ritmo cada vez mais acelerado, teve que lidar com novas dinmicas de diviso do trabalho e de produo de conhecimento.

A seguir, busca-se discutir brevemente as principais transformaes na pesquisa em gentica humana e mdica e como elas foram incorporadas no centro de pesquisa aqui analisado, para mostrar a progressiva modificao no apenas das questes de pesquisa, como das tcnicas, instrumentos e demais prticas de pesquisa, principalmente a partir da crescente incorporao da biologia molecular no estudo do humano e a passagem da gentica clssica para a nova gentica ou genmica.

De maneira bastante esquemtica possvel definir a gentica clssica e a genmica da seguinte maneira: 1) a gentica mendeliana ou clssica aquela que estuda a correlao entre um nico gene e um trao (cor dos olhos, por exemplo) ou uma doena (monognica). Entre humanos, esse conhecimento segue a anlise do padro familiar de repetio. 2) A genmica, por sua vez, o estudo direto de genes, de suas funes e interaes simultneas (Correa, 2002). Alm das doenas monogenticas, ela tem como objeto doenas polignicas, que envolvem a interao entre diferentes genes e destes com fatores ambientais. O marco mais emblemtico dessa nova gentica , sem dvida, o Projeto Genoma Humano (PGH).

As pesquisas em cincias humanas sobre o PGH tm explorado o desenvolvimento de tcnicas laboratoriais cruciais para o PGH, como o desenvolvimento do PCR (Rabinow, 1996), o desenvolvimento de tcnicas de mapeamento, computao e automao dos processos (Mackenzie, 2003), as modificaes na prtica clnica (Lock, 2008), alm das implicaes ticas de tal empreendimento (Dreguer, 2000). De forma resumida, possvel afirmar que o PGH foi um mega projeto que associou desenvolvimentos da pesquisa em gentica, biologia molecular, biofsica, teoria da informao e computao (Sloan, 2000), marcando a converso da pesquisa biolgica a um modelo predominantemente molecular.

A biologia molecular, que promoveu o desenvolvimento de projetos genomas, desenvolveu-se ao longo do sculo XX e apresenta trs marcos relevantes: o descobrimento da estrutura de DNA (1953), das tcnicas de RNA recombinante (1970) e de novas tcnicas e equipamentos que automatizaram o processo de sequenciamento (1995). Durante muito tempo, a biologia molecular se concentrou no estudo de micrbios, vrus, bactrias e outros organismos mais simples e, a partir deles, desenvolveu uma srie de tcnicas moleculares que puderam ser, posteriormente, utilizadas na gentica humana (Rheinberger, 2000).

Foi a partir de 1970 que o desenvolvimento de tcnicas permitiu de forma mais consistente a migrao das bactrias para os humanos, com destaque para o desenvolvimento da cariotipia, da eletroforese em gel, e da hibridizao in situ (Wilkie, 1994). Outro marco fundamental para o desenvolvimento da nova gentica humana deu-se em 1977, quando Fred Sanger na Inglaterra e Walter Gilbert e Alan Maxam, nos EUA, desenvolveram independentemente mtodos para a leitura rpida da sequncia de pares de bases em qualquer trecho do DNA. Em meados da dcada de 1980 tornou-se disponvel uma nova tcnica que permitiu produzir bilhes de cpias de um nico fragmento de DNA, a reao em cadeia da polimerase (PCR) (Rabinow, 1996).

Um dos primeiros triunfos da introduo das tcnicas da biologia molecular em gentica humana ocorreu em 1986, com a descoberta do defeito gentico responsvel pela distrofia muscular Duchenne. Trs anos depois do isolamento desse gene, a nova gentica registrou mais um xito, dessa vez com relao ao defeito monognico mais comum entre os europeus do norte: a fibrose cstica (Wilkie, 1994).

A noo de uma cincia em nvel molecular varia consideravelmente conforme os agentes que a empregam, sendo considerada por alguns como uma disciplina cientfica com status cognitivo autnomo (Abir-Am, 1982; Kay, 1993), e por outros como um grande e potente conjunto de tcnicas para a compreenso de fenmenos complexos em toda sorte de organismos (Sloan, 2000). Seja como for, essa forma de prtica cientfica passou a dominar institucional e conceitualmente os departamentos de biologia tradicionais em grande parte do mundo ocidental aps os anos 1960 e passou a ser estendida, a partir da dcada de 1970, para a gentica humana com base no PGH.

No final da dcada de 1990, o sequenciamento em larga escala do genoma teve considervel impulso devido ao aperfeioamento contnuo, automao do processo e, tambm, pelo avano da tecnologia computacional de anlise de sequncias de DNA (Baltimore, 2001). nesse sentido que alguns autores afirmam que o desenvolvimento da pesquisa em gentica molecular marcado pelo uso intensivo de aparatos tecnolgicos e informacionais, com uma transformao contnua de suas bases tecnolgicas (Silva; Costa, 2012). Essa transformao contnua e sua relao com a produo do conhecimento cientfico em um momento em que as fronteiras entre cincia bsica e tecnologia aplicada tornam-se difceis de serem definidas so fundamentais para a compreenso da diviso do trabalho no interior dos laboratrios.

Internacionalmente, o campo da genmica ganha destaque a partir dos anos 1970, sobretudo pelos avanos dos projetos de sequenciamento gentico de uma diversidade de organismos. Essa nova forma de fazer pesquisa reconfigurou os rumos da comunidade cientfica em relao s reas prioritrias para a formulao de programas e para o destino de recursos financeiros para pesquisa (Silva; Costa, 2012). No Brasil, a partir da dcada de 1990 h um aumento considervel no financiamento da pesquisa em gentica, na esteira dos desdobramentos da biologia molecular e da genmica nos grandes centros de pesquisa internacionais.

A Fapesp tornou um de seus objetivos institucionais a criao dessa nova subrea de pesquisa no Brasil, para permitir que a produo cientfica nacional participasse da comunidade genmica internacional (Dal Poz, 2002). Para tal, foi formulado o primeiro Projeto Genoma Brasileiro, possuindo trs metas: formar um grande nmero de pesquisadores, participar internacionalmente como protagonista das pesquisas genmicas, e estimular a criao e incorporao da biotecnologia no setor produtivo (Henriques, 2010). A partir desse primeiro projeto, constituiu-se uma orientao de poltica de C&T no Estado de So Paulo (e depois no resto do pas), preocupada com o desenvolvimento de uma infraestrutura cientfica e tecnolgica que estimulasse a pesquisa de fronteira em genmica, principalmente aplicada medicina.

Do ponto de vista do centro analisado, possvel verificar essas transformaes a partir da pesquisa em distrofias musculares, uma das doenas estudadas de forma mais duradoura, desde os estudos de ps-graduao da coordenadora da instituio, em meados da dcada de 1970. A localizao do gene da distrofia muscular de Duchenne s se tornou possvel a partir de 1981; at ento, a identificao de portadores era feita com base na dosagem da enzima creatino-quinase (Zatz et al., 1976).Enquanto estava terminando meu doutorado em um tema, vamos dizer, um pouco antigo, de estudos de enzimas no msculo, foi descoberto o gene da Distrofia de Duchenne, que foi um marco na pesquisa. Ento mudou radicalmente toda a maneira de se fazer pesquisa []. De repente, PUM!, mudou tudo. Porque passamos para ferramentas moleculares, voc vai direto no gene, v se acha a alterao no gene, se acha a alterao voc vai direto na me do paciente para ver se ela portadora (pesquisadora snior 3).

Ento do comeo do meu doutorado em diante eu tive que fazer uma transio dos cromossomos para a molcula do DNA, e aprender a lidar com um monte de tcnicas relativamente novas no Brasil, e tentar aplic-las na resoluo de problemas das doenas humanas (pesquisadora snior 4).

Nesse sentido, os artigos publicados at o final da dcada de 1980 analisavam o paciente sob um ponto de vista de suas condies fsicas, por sexo ou etnia, dos sintomas das doenas, e das estatsticas da doena na populao. A partir da dcada de 1990 a anlise pela biologia molecular tornou-se preponderante, e de 2000 em diante, as pesquisas com clulas-tronco, combinadas com as ferramentas da biologia molecular, passaram a ocupar espao hegemnico na agenda de pesquisa do Centro. possvel vislumbrar trs fases da pesquisa em distrofias musculares: gentica clssica, entre 1970 e 1990; biologia molecular/genmica, a partir de 1990 e clulas-tronco, a partir de 2005. Em cada perodo percebe-se que os problemas de pesquisa elaborados pelas pesquisadoras relacionam-se s ferramentas de anlise disponveis (Osada, 2012).

A transio para a anlise molecular dependeu, em grande medida, da capacitao dos pesquisadores em laboratrios na Europa e EUA. Essa transio teve incio com a ida de uma pesquisadora Inglaterra, quando de seu ps-doutorado, em 1988. As mudanas na pesquisa ocorreram relativamente rpido, sendo que um laboratrio de biologia molecular foi montado quando do retorno da pesquisadora:Acho que a gente deu realmente um grande passo fazendo isso, porque a defasagem entre Brasil e exterior era enorme []. E acho que isso realmente causou uma pequena revoluo tecnolgica aqui, porque isso permitiu comear a responder um monte de novas perguntas, que antes a gente no conseguia (pesquisadora snior 1).

A partir de entrevistas com pesquisadoras do Centro, possvel detectar trs tipos de idas a outros centros de pesquisa: 1) para o aprendizado de tcnicas ainda no disponveis no laboratrio; 2) para realizar com maior rapidez procedimentos que j existem, mas ainda no foram bem estabelecidos no laboratrio; e 3) para entrar em contato com a pesquisa em outros centros e estabelecer colaboraes cientficas. A ida para o aprendizado de uma nova tcnica talvez a experincia mais comum entre os pesquisadores entrevistados, tanto juniores quanto seniores, no incio de suas carreiras cientficas: fui para o Canad, fiquei l um ms, para aprender tcnica de western blot, que ainda no se conseguia fazer direito aqui e eu trouxe essa metodologia (pesquisadora snior 1).

A questo da velocidade tambm foi considerada importante para as duas geraes de pesquisadores, destacando-se, por exemplo, a economia de cerca de metade do tempo: eu passei um ms e meio na Universidade de Iowa. Fui para ficar trs meses, mas as coisas l funcionavam muito bem, ento acabei voltando antes (pesquisadora jnior). Ou ainda: nas visitas Universidade de Leiden tinha tcnicas que eu queria aprender, especificamente. As duas vezes que fui l foi um pouco para isso. s vezes tinha coisas que demoram muito para fazer aqui a eu fazia l e fazia rpido (pesquisadora snior 1).

Apesar de ser de mais curta durao e geralmente mais especializada, a ida ao exterior continua sendo fundamental para a atualizao das pesquisas no Centro, principalmente em um contexto em que a pesquisa em gentica e, principalmente, as tcnicas de pesquisa, mudam com muita velocidade, incentivadas tanto pelo andamento das pesquisas cientficas quanto pelo estabelecimento de empresas que realizam pesquisa e empresas voltadas exclusivamente para o desenvolvimento de modernos equipamentos e reagentes. O surgimento de empresas de biotecnologia (Garcia; Martins, 2009) voltadas ao desenvolvimento de produtos e servios como medicamentos e exames diagnsticos, como a Celera e a 23andMe, e de empresas de pesquisa clnica, associadas indstria farmacutica, marcam a pesquisa em genmica, principalmente nos EUA (Osada, 2012).

Essas mudanas na pesquisa no ocorrem a partir do Brasil e sim dos grandes centros dos EUA e Europa, o que faz com que a corrida para se manter atualizado nunca se encerre. Com a grande rapidez da mudana nos instrumentos, os grupos de pesquisa no pas, ainda que possam ter recursos financeiros razoveis, acabam no conseguindo competir com os grupos estrangeiros, por no acompanharem com a mesma velocidade todas as mudanas tecnolgicas, tendo que correr atrs delas, a partir de suas dificuldades, que passam pelo financiamento e pela importao dos equipamentos e seus trmites burocrticos.

O estgio atual das pesquisas em gentica humana se caracteriza pela elevao dos custos de organizao e manuteno da infraestrutura de pesquisa, qual o grupo de cientistas estudado tenta fazer frente mediante a articulao de recursos provenientes de diversas fontes. Alm do aumento dos custos, houve um aumento considervel da complexidade e das exigncias no s em termos de habilidades de gesto com o desenvolvimento da subrea de gentica humana: um aumento na complexidade do estilo de pesquisa, da manipulao de equipamentos e incorporao de novas tcnicas e tambm de novos modos de financiamento. possvel verificar, ento, que a produo do conhecimento cientfico foi impactada a partir da introduo de tcnicas da biologia molecular e do treinamento de novos pesquisadores, dos esforos de pesquisadores em adaptar seus laboratrios a essa nova maneira de fazer pesquisa, e dos vultuosos investimentos em projetos genoma por parte das agncias estaduais e federais de fomento pesquisa cientfica.

De toda forma, importante destacar que uma caracterstica comum de todos os laboratrios que compem hoje o Centro analisado que a atualizao nas novas tcnicas e instrumentos foi realizada pelos pesquisadores mais novos, durante o doutorado e/ou o ps-doutorado, e no pelos pesquisadores seniores. Esse padro seguido tambm atualmente: as pesquisadoras juniores dos anos 1980 e incio dos anos 1990, que so agora coordenadoras de seus prprios laboratrios, deixam a cargo dos estudantes a busca de novas tcnicas e a manipulao de novos instrumentos. Essa constatao fundamental para compreender, em maiores detalhes, a diviso do trabalho no interior do laboratrio e a formao de novos pesquisadores.4. A produo dos produtores de conhecimento

O processo de formao dos novos cientistas uma dimenso central no estudo sociolgico da cincia (Ben-David, 1974; Bourdieu, 2001; Shinn, 1988) pois ao longo dele que os cientistas incorporam a tradio cientfica (e a tradio local) de sua rea de pesquisa. Fazer cincia pressupe um longo perodo de formao, entre iniciao cientfica e ps-graduao, incluindo tambm alguns anos de ps-doutorado. nessa socializao na cincia que os indivduos entraro em contato com uma tradio profissional de teorias, tcnicas e habilidades.

Para Bourdieu, por exemplo, umas das caractersticas que distingue o campo cientfico de outros campos o fato de os requisitos de admisso no campo cientfico serem adquiridos por um longo processo de formao, que assegura aos novos cientistas o domnio da linguagem especfica da cincia (Bourdieu, 2003). Na disciplina de gentica humana, as credenciais para a insero no campo esto definidas, no mnimo, pelo doutorado, mas, devido ao aumento geral quantitativo da formao de doutores no pas, escassa disponibilidade de postos na carreira acadmica e a consequente competio por postos o ps-doutorado aparece progressivamente como etapa igualmente fundamental.

A maior parte dos jovens entrevistados cursou cincias biolgicas como formao na graduao, como pode ser visto na tabela abaixo:Tabela 1 Curso de graduao feito pelos jovens pesquisadores do CEGH:

Fonte: Entrevistas e plataforma lattes

Elaborao: prpria

Outra caracterstica dos jovens pesquisadores entrevistados que muitos deles no fizeram a graduao na USP, tendo frequentado outras universidades como a UFRGS, UFPE, UFPR, UFAL, Unicamp, Unesp e Mackenzie. Tendncia semelhante foi encontrada por Carlotto (2013) no estudo do Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron, em que a autora aponta uma tendncia centrpeta na formao dos pesquisadores, se dirigindo s instituies mais centrais e legitimadas do campo cientfico, conforme segue-se o percurso de formao acadmica. Nesse sentido, todos os entrevistados que fizeram a graduao em outras instituies justificam a mudana na busca por uma melhor infraestrutura de pesquisa, tecnologia mais atualizada e maiores financiamentos.

A insero na ps-graduao para todos se deu da mesma maneira, a partir do contato com a orientadora pretendida. Mas, quando um novo aluno quer se juntar equipe, ele depende de o professor em questo ter necessidade de um novo aluno, espao no laboratrio e vagas a oferecer na ps-graduao. Se essas trs condies forem satisfeitas, apresenta-se as linhas de pesquisa do laboratrio para o aluno e o professor indica onde tem mais necessidade de aloc-lo. Nesse sentido, geralmente os estudantes no escolhem seus temas de investigao, e se inserem na linha de pesquisa que no momento necessite de mais pessoas.

De acordo com Delamont (2000), existem dois modos bsicos pelos quais um estudante de doutorado socializado no mundo acadmico e em sua disciplina, em particular. No que ele chama de modo posicional, o estudante se torna parte de um grupo de pesquisa e trabalha em um tema que contribui para os esforos do grupo; geralmente a escolha desse tpico realizada pelo orientador. O status e papel do jovem pesquisador relativamente bem definido: ele um aprendiz que vai ganhando mais independncia ao longo do processo de treinamento. A obteno do ttulo de doutor visto como um dos passos na carreira, um passo importante, mas ainda assim um passo. O suporte do grupo, especialmente dos ps-doutorandos fundamental.

No modo pessoal de socializao, mais comum nas cincias sociais e humanidades, o estudante de doutorado trabalha de forma mais independente e seus interesses pessoais so decisivos na seleo do tema de pesquisa; alm disso, considerado normal que ele passe tempo considervel elaborando suas questes de pesquisa. H grandes chances de ele ser tratado mais como um colega do que um aprendiz e espera-se que a tese seja uma contribuio original para a disciplina, se tornando a base de publicaes posteriores. Hakala (2002) nota que em muitos pases esse modo de socializao, que reflete a tradio alem, est diminuindo, e que o modo posicional, que reflete a tradio americana, vem se estabelecendo inclusive nas cincias sociais.

Hackett (1990) argumenta que a transformao em direo a um clima mais competitivo e comercializvel na academia, em muitos campos, vem levando a uma prematura especializao entre doutorandos; como resultado, tem-se uma reduo de suas capacidades de realizar trabalhos independentes. Quando um cientista escolhe um doutorando para seu projeto, suas responsabilidades para com o estudante podem colidir com suas responsabilidades para com o projeto. A deciso pode ser entre treinar o estudante para se tornar um pesquisador independente ou usar seu trabalho da forma mais eficiente por exemplo, dar a ele as tarefas de rotina, permitindo que os pesquisadores sniores tenham tempo para as tarefas mais complexas.

No laboratrio estudado, o jovem pesquisador est claramente em uma posio subordinada em seu grupo de pesquisa mas, diferente do modelo posicional discutido acima, ele includo em todas as fases do processo de pesquisa. Ainda que no escolha seu tema de investigao, ele aprende como desenhar um projeto, como prestar contas, e como escrever os resultados de forma apropriada. Para os novos entrantes, a aprendizagem se d, na maioria das vezes, com os colegas com mais tempo de trabalho, e com os funcionrios de cada laboratrio. Como destaca uma das pesquisadoras juniores, esse processo de treinamento feito geralmente na oralidade: engraado isso, o cientista to protocolar, n? Voc acha que chega e tudo muito assptico, que voc pega um protocolo, segue ele risca e as condies de temperatura e presso... No, tudo muito na oralidade. O comeo da biologia molecular, as coisas bsicas como PCR, a gente aprendeu com colegas, um ensina o outro, que ensina o outro, que ensina o outro (jovem pesquisadora).

Esse aprendizado informal, oral, prtico, cria uma dinmica prpria no laboratrio, com ps-doutorandos ensinando doutorandos recm-chegados, mestrandos ensinando alunos da graduao, em uma estrutura fluida. Essa dinmica de colaborao parece ser mais comum entre os jovens pesquisadores do que entre as pesquisadoras sniores, e costuma ser baseada em laos de amizade, entre pessoas que estudaram juntas no Instituto de Biocincias USP. Um dos problemas desse tipo de organizao do trabalho, baseado na competncia adquirida pelos estudantes, que se outros estudantes no se interessarem em utilizar a tcnica aprendida e padronizada, esse conhecimento se perde quando o primeiro estudante encerra sua participao no laboratrio. Caso algum pesquisador deseje fazer uso dessa tcnica alguns anos depois, ela precisar ser novamente aprendida.Eu sempre tinha essa sensao, "estou sempre aqui inventando a roda, n?". Tudo que aprendia nesses laboratrios eu tinha que voltar aqui e estabelecer []. Ento foi um doutorado um pouco desbravador nesse sentido, porque foi penoso aprender as novas tcnicas. E uma coisa louca, supermutante, ento a gente se esfalfava para estabelecer uma coisa e o projeto dos alunos no usava mais a tal tcnica e ela se perdia (jovem pesquisadora).

Para o aprendizado de tcnicas menos rotineiras, ou que ainda no so competncia estabelecida no laboratrio de que fazem parte, necessrio que os estudantes recorram literatura especializada e a colegas de outros grupos que tenham domnio na tcnica almejada. Para aquelas cujo uso mais raro ou ainda muito inicial, necessrio fazer colaboraes formais com laboratrios de outros departamentos ou instituies brasileiras ou, o mais comum, com instituies no exterior. No entanto, os estudantes entrevistados destacam menos as colaboraes e mais o trabalho independente na busca de solues como o fundamental no aprendizado. Nesse sentido, a autonomia para buscar solues parece uma habilidade fundamental para a realizao da pesquisa na disciplina que escolheram. Um dos jovens pesquisadores descreve da seguinte maneira essa busca de solues:Olha, a parte de biologia molecular que no a parte mais importante nessa fase do meu projeto, eu aprendi na graduao. Novos mtodos eu aprendi aqui. Mtodos de anlise eu estou aprendendo on-demand. difcil, eu estou estudando estatstica constantemente, estou lendo bastante sobre o assunto. Neuroanatomia, por exemplo, algo que a gente viu como parte de uma disciplina da graduao, ento eu estou aprendendo sozinho, praticamente, eu consulto algumas pessoas, fao alguns cursos, curso online, curso presencial, enfim. Ento meio que um walk alone, voc vai andando e vai pegando o que voc consegue, na medida em que voc precisa. E, claro, a experincia nos d um pouco de facilidade para aprender algumas coisas, n? (jovem pesquisador).

Ao fim e ao cabo, possvel afirmar que a formao dos jovens pesquisadores depende em grande medida de seus colegas de trabalho e de muito trabalho independente, muitas vezes regido pela dinmica tentativa e erro. Est claro que os jovens pesquisadores nesse centro tem pouco poder para influenciar seu tpicos de pesquisa, ainda que enfatizem que os pesquisadores sniores faam o possvel para levar seus desejos em considerao. E, at o momento, se eles tm ou no liberdade acadmica no lhes parece uma grande preocupao.

5. Diviso do trabalho cientfico e constituio de identidades

A nfase dos jovens pesquisadores, quando perguntados sobre seu processo de formao na ps-graduao, no aprendizado de novas tcnicas de pesquisa e na manipulao de instrumentos, e a maneira como descreveram a relao com suas orientadoras de pesquisa, deram indcios importantes para analisar uma diviso de trabalho bem marcada, no interior dos sete laboratrios analisados, entre pesquisadores sniores e juniores.

importante destacar que o laboratrio no uma entidade isolada e que a diviso do trabalho, seguindo as pistas de Bourdieu, no pode ser entendida como um elemento de deciso racional dos membros dos sete grupos de pesquisa analisados. Ela precisa ser compreendida luz de alguns elementos, tais como a crescente complexidade tcnica da pesquisa em gentica humana e a correlata crescente especializao do trabalho, alm de questes de mbito institucional, tal como as restries nas modalidades de contratao de pesquisadores e pessoal tcnico e seu impacto na escolha dos temas de investigao e na formao dos juniores.

O Centro, por ser um grupo de pesquisa vinculado universidade, tem caractersticas institucionais bem definidas, sendo uma delas o fato de seus participantes serem professores concursados da USP, funcionrios tambm concursados da USP, e bolsistas de diferentes instituies de fomento. A dificuldade de contratao de pesquisadores com outro vnculo que no via concurso pblico realizado quando h disponibilidade de vaga e oramento um dos fatores que contribuem para que os projetos dos jovens pesquisadores bolsistas sejam construdos de maneira a suprir determinada lacuna no grupo, fazendo com que poucos jovens pesquisadores de fato escolham seu tema de pesquisa, inserindo-se, geralmente, no projeto de que a orientadora tem necessidade no momento.

Mesmo a ps-graduao sendo um momento de formao para os estudantes, ela tambm possibilita, ainda que de modo s vezes precrio, a constituio de grupos de pesquisa nas universidades brasileiras. Essa organizao, ao olhar para os sete laboratrios, tem como consequncia uma diviso de trabalho bem marcada, que deixa a cargo dos jovens pesquisadores o domnio do mtodo experimental, o aprendizado das tcnicas de pesquisa, em mudana em ritmo acelerado. , ento, uma tarefa fundamental dos jovens pesquisadores manter os grupos atualizados, atravs de estgios no exterior ou em outros laboratrios do Brasil, e padronizar as tcnicas aps seu retorno, para estarem disponveis como competncia local de seu grupo.

Os jovens pesquisadores destacam que muito difcil o orientador acompanhar em primeira mo todos os desdobramentos da disciplina, em termos de mtodos e tcnicas de pesquisa, ficando a cargo dos ltimos o auxlio em questes mais amplas:O orientador acaba ficando um pouco ausente disso [dos avanos da pesquisa em gentica], porque ele no est mais na bancada, n? Ento ela tem o conhecimento de leitura, mas acaba no tendo o nosso conhecimento que a prtica, n? J no tem mais o mesmo jogo de cintura de bancada, ento tem detalhes de bancada que a gente sabe que mais fcil discutir entre a gente, ou com algum ps-doc mais velho que j tem experincia. Mas de ideias de projetos, perguntar para ela se est bom ou no, o que ela acha de determinado artigo, para isso certamente bom conversar (jovem pesquisadora).

Esse tipo de organizao pesquisadores sniores dedicados s questes mais amplas, determinao de objetivos e anlise refinada dos dados, e jovens pesquisadores dedicados ao trabalho prtico no uma caracterstica apenas desses laboratrios, e segue o padro dos centros de pesquisa visitados no exterior pelos estudantes. O aprendizado com os sniores, tanto nos laboratrios da USP quanto nos estgios no exterior, estaria centrado na anlise de dados ou na insero desses dados em uma perspectiva mais ampla da disciplina:O que diferencia um pesquisador do incio, o que torna o indivduo um pesquisador a capacidade que ele desenvolve de interpretar aquilo que est vendo. Se voc der para mim um resultado e der para a minha orientadora, ela vai conseguir enxergar muito mais do que eu. Porque, na verdade, em biologia molecular, em gentica, quando voc obtm um resultado no laboratrio, ele nunca vai ser ruim, porque tudo novo. Agora, a sua capacidade de associar aquilo ao sistema que uma coisa que vem com a vivncia e exatamente isso que o aluno vai aprendendo ao longo do tempo (jovem pesquisadora).

Nesse sentido, as citaes em que os pesquisadores juniores afirmam que suas orientadoras perderam as habilidades para trabalhar na bancada devem ser compreendidas luz da noo de diviso do trabalho dentro dos grupos de investigao, em que pesquisadores sniores e juniores realizam atividades distintas na pesquisa. Diferentes tipos de atividades constroem identidades especficas, no caso dos jovens pesquisadores tem-se uma associada valorizao do domnio da prtica experimental. Essa identidade definida justamente a partir dessa diviso do trabalho (e dessa oposio) em que os experimentos ficam a cargo dos jovens pesquisadores e a anlise mais aprofundada a cargo dos pesquisadores sniores.

importante destacar, no entanto, que a prtica experimental no exatamente rotineira, no uma simples questo de aplicar ou reproduzir um experimento: ela exige dos jovens pesquisadores um domnio dos instrumentos, reagentes e outros materiais disponveis, e justamente esse domnio definir o sucesso do experimento. O domnio da prtica experimental pressupe um conhecimento dos jovens pesquisadores em estado prtico que s pode ser incorporado atravs de um longo perodo de formao (Bourdieu, 2001). Dominar a prtica experimental dominar quais questes podem ou no ser feitas na utilizao de determinada tcnica ou instrumento. De maneira geral, os estudantes se reconhecem nesse trabalho, valorizam esse trabalho e, assim, diferenciam-se de seus orientadores, criando uma identidade prpria.

Mas a contrapartida desse conhecimento muito especializado pode ser justamente um menor tempo dedicado leitura e anlise dos dados e, principalmente, menor habilidade de vincular os dados a questes mais gerais da gentica humana e mdica. Para esse trabalho, os estudantes contam com o auxlio de suas orientadoras e reconhecem nelas essa competncia especfica, diferente da deles: no necessariamente um aluno sai do doutorado sabendo interpretar um resultado, tendo essa maturidade, mas a partir do momento que ele se dispe a ter a carreira, a ele passa a perceber a diferena de um chefe, quando ele pega um resultado e interpreta, em relao ao aluno (jovem pesquisadora). Ou seja, os estudantes reconhecem que necessrio tempo e maturidade para atingir o tipo de conhecimento que as pesquisadoras sniores detm e que tambm so fundamentais para a produo de resultados relevantes.

um fenmeno bastante discutido na sociologia da cincia a emergncia de quase firmas na universidade (Etzkowitz, 1992), para fazer referncia aos casos em que o orientador se transforma em gerente, separa-se do exerccio direto da pesquisa para concentrar-se nas tarefas de gerenciamento do prprio grupo, como se esse fosse uma pequena empresa. A maior parte de seu tempo passa a ser dedicado elaborao de propostas para obter financiamentos, escrever artigos com os resultados de pesquisa da equipe, efetuar a seleo de novos integrantes, resolver problemas internos e realizar tarefas administrativas da universidade. Nesse sentido, destaca-se que todas as pesquisadoras sniores ocupam ou ocuparam cargos administrativos, seja no prprio centro, seja na USP, alm de exercerem a atividade docente tanto na graduao quanto na ps-graduao; participam, tambm, do servio de aconselhamento gentico.

Foram criadas uma srie de estratgias no interior dos grupos para dar conta das novas demandas da pesquisa em gentica humana e mdica em um contexto de crescentes custos de pesquisa, crescente complexificao tcnica e especializao, em um cenrio institucional com limitaes de ordem oramentria e com pouca flexibilidade (sempre falando em termos relativos) para se adequar s transformaes. Inserir alunos de ps-graduao em linhas de pesquisa de acordo com as necessidades mais abrangentes uma estratgia importante, face dificuldade de contratar pessoal especializado para a realizao de determinada tarefa.

Quando um jovem realiza sua ps-graduao em um dos laboratrios, ele est, de alguma maneira, vinculado ao padro do trabalho intelectual autnomo. Ento, ainda que muitas vezes no possa de fato escolher seu tema de pesquisa, tem flexibilidade para escolher a literatura com a qual trabalhar e as tcnicas que eleger. Mas sua experincia no laboratrio evidencia as dificuldades para realizar um trabalho que seja articulado com o dos colegas e capaz de gerar resultados que tenham aplicao, no modelo do pesquisador autnomo. Ao identificar as dificuldades, alguns defendem um outro modelo de organizao, em que as coordenadoras dos laboratrios exeram de forma mais ativa a figura de chefes e o controle e a definio da pesquisa seja feito de modo a desenhar um trabalho mais articulado que possa produzir resultados padronizados e comparveis. Nenhum desses dois modelos de pesquisa se realiza completamente, havendo adaptaes, oscilaes e mistura entre eles. De forma esquemtica pode-se caracterizar dois modelos, de um lado aquele do pesquisador individual, autnomo e independente, da universidade, com liberdade de pesquisa, de outro, o modelo contemporneo das grandes equipes de pesquisa, especializadas e hierarquizadas, em que o pesquisador teria menos liberdade para escolher seus temas e abordagens.

De toda forma, um dos pontos fundamentais o de que a formao de identidades acadmicas est relacionada a mudanas estruturais, como as nos padres de financiamento e formatos organizacionais. No entanto, tambm vem sendo mostrado que mudanas nos nveis macro no determinam como elas sero interpretadas e ativadas nem quais identidades vo emergir (Collinson, 2003). Em outras palavras, mudanas no nvel macro no se traduzem automaticamente em certos tipos de identidades; ao contrrio, identidades so construdas entre mudana e permanncia, dependem das imagens da academia e, no menos importante, dos valores, normas e prticas do campo cientfico, assim como das caractersticas nacionais e locais.

Tal representao de si (Goffman, 2013), para os jovens pesquisadores, inclui se mostrar proficiente nas atividades mais tcnicas da pesquisa, e participar de numerosas atividades que no so estritamente vinculadas a sua tese, como a a participao em numerosos cursos, seminrios, workshops. Ao se engajar nessas diversas atividades, os jovens pesquisadores sinalizam, para os pesquisadores sniores, que seu comprometimento extrapola em muito meras obrigaes contratuais. Nesse sentido, sua representao de si crucial, porque vai estabelecer sua reputao como algum que detm competncias tcnicas acima da mdia, que so valiosas para o laboratrio.

A diviso do trabalho pode tambm ser analisada considerando, como prope Bourdieu (2001), o laboratrio como um campo; apesar de se definir por uma determinada posio na estrutura do campo disciplinar, o laboratrio possui uma autonomia relativa e funciona como um espao de posies que contribui para definir as estratgias dos agentes, a partir da distribuio de dois tipos de capital, cientfico e administrativo. Aqui, concentrou-se em um tipo de relao e de posio , entre pesquisadores juniores e sniores, mas poderamos pensar em outras, como as disputas entre as pesquisadoras sniores e entre os sete laboratrios.

No necessrio uma anlise pormenorizada para afirmar que as pesquisadoras sniores ocupam posio dominante em relao aos jovens pesquisadores. Para alm do fato evidente de as primeiras j terem assegurado uma posio permanente na universidade que lhes permite fazer pesquisa, enquanto os segundos ainda sobrevivem de bolsas de pesquisa que tm prazo para terminar, o monoplio (relativo) da agenda de pesquisa do laboratrio permite um grande controle do que produzido e dos lucros simblicos que so auferidos ao trabalho. Nessa dinmica, notvel que as orientadoras recolham boa parte das recompensas dos trabalhos de seus orientandos, aumentando sua visibilidade e seu capital cientfico. Alm disso, como os jovens pesquisadores no detm nenhum capital administrativo ou capital cientfico temporal, eles dependem em muito do renome de suas orientadoras para conseguir bolsas de pesquisa e para completar sua formao em laboratrios nos Estados Unidos ou Europa.

Nesse mesmo sentido, possvel afirmar que o capital cientfico acumulado por trabalhos de pesquisa de maior envergadura, que se utilizam de dados produzidos por mais de um orientando, mais valorizado, no campo cientfico, que o trabalho hiper especializado realizado pelos jovens pesquisadores. Como dito mais acima, esse modelo de formao, fortemente ancorado na diviso do trabalho, coloca como questo se esses jovens pesquisadores conseguiro se formar pesquisadores independentes, com as habilidades e competncias prticas e simblicas de se tornarem snior naquela ou em outra instituio.

Ao mesmo tempo, se a formao consiste no primeiro estgio da reproduo do habitus de pesquisa em uma disciplina, para que ela se mantenha necessrio que esses alunos encontrem posies que lhes permitam fazer pesquisa. Em outras palavras, so necessrios espaos para a reproduo institucional (Gingras, 1991). Se os pesquisadores sniores j tm seus postos de trabalho garantidos, estabilidade e condies mnimas para realizar pesquisa no interior da universidade, os jovens pesquisadores tm insero necessariamente instvel e transitria, e talvez seja essa a principal caracterstica que permita trat-los como um grupo, a despeito de todas as diferenas individuais evidenciadas nas entrevistas.

Consideraes finais

O artigo discutiu a diviso do trabalho cientfico entre pesquisadores sniores e juniores em um laboratrio brasileiro de gentica humana e mdica em contexto de desenvolvimento acelerado da instrumentao e de crescentes custos da pesquisa. Foi realizado um breve panorama das transformaes da rea disciplinar em questo, centrando-se sobre como pesquisadores em um contexto especfico, com caractersticas institucionais definidas e limitaes de ordem oramentria e organizacional, lidaram com essas transformaes.

Debateu-se mudanas e consequncias da instrumentao, mas continua difcil falar em tecnocincia, considerando o forte componente disciplinar do Centro, o fato de a maior parte das pesquisas ser realizada no modelo clssico da tese de doutoramento, numa disciplina especfica, ainda que contribuies de outras disciplinas, como a estatstica e a bioqumica, sejam cada vez mais importantes para o bom andamento das pesquisas. Alm disso, as questes de pesquisa, ainda que usem elementos de outras disciplinas, esto profundamente ancoradas na matriz disciplinar, inserida no centro da agenda de pesquisa da gentica humana e mdica. Ao mesmo tempo, inegvel a importncia da tecnologia na pesquisa cientfica, de matriz disciplinar, permitindo falar numa nova disciplinaridade (Shinn; Marcovich, 2012).

Mostrou-se como a transio para novas modalidades de produo e anlise de dados dependeu, em grande medida, da capacitao dos pesquisadores em centros de pesquisa na Europa e EUA, e que essa atualizao foi sempre realizada pelos jovens pesquisadores da instituio. Esse processo atualiza uma diviso de trabalho marcada, que deixa aos jovens pesquisadores o domnio do mtodo experimental e aos pesquisadores seniores a definio da agenda de pesquisa, auxilio na anlise, busca de financiamento e obrigaes de ordem burocrtica. Essa dinmica remete, em certa medida, a uma separao entre concepo e execuo, mas seria necessrio realizar uma pesquisa mais detalhada sobre esse tema, para compreender pormenorizadamente os meandros dessa separao.

Simultaneamente, pesquisadores seniores e juniores tm de lidar com outra consequncia das transformaes da pesquisa, decorrente da ampliao do espectro de instrumentos mtodos e tcnicas, e a presso por maior especializao no interior dos grupos de investigao. Foram criadas uma srie de estratgias, em um cenrio institucional com limitaes de ordem oramentria e pouca flexibilidade (em termos relativos), como incluir alunos de ps-graduao como membros mais ativos do grupo de pesquisa. Mas, paralelamente s presses e estmulos para a configurao de grupos de pesquisa no sentido forte do termo (ou de quase firmas, para falar com Etzkowitz, 1992), com diviso do trabalho em que cada um faz partes de uma mesma pesquisa, tem-se, tambm, o modelo do padro do trabalho intelectual autnomo, com cada pesquisador responsvel por viabilizar uma pesquisa mais ou menos individual.

Nenhum dos modelos se realiza completamente, sendo um achado desta pesquisa que h formas prticas de justaposio, compatibilizao e mesmo complementaridade de caractersticas identificadas aos dois modelos. Fazer pesquisa em uma disciplina e contexto bem delimitados , de certo modo, discutir como modelos gerais sobre o funcionamento da cincia geralmente elaborados nos pases centrais a partir dos centros de pesquisa mais avanados e das reas de ponta so incorporados em um processo de contextualizao local das tendncias globalizantes.Referncias bibliogrficasABIR-AM, P. G. (1982), The discourse of physical power and biological knowledge in the 1930s: a reappraisal of the Rockefeller Foundation's 'policy' in Molecular Biology, Social Studies of Science, 12 (3), pp. 341-82.BALTIMORE, G. (2001), Our genome unveilled, Nature, 409, pp. 814-6.BEN-DAVID, J. O papel do cientista na sociedade. So Paulo: Pioneira, 1974.

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*Mestre em sociologia, doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade de So Paulo e bolsista do CNPq. Endereo eletrnico: [email protected]

A RNTC formada por oito Centros de Tecnologia Celular localizados em cinco estados brasileiros e por 52 laboratrios selecionados pelo CNPq e pelo Departamento de Cincia e Tecnologia do Ministrio da Sade.

A expresso nova gentica foi cunhada em 1980 por David Comings, editor da revista American Journal of Human Genetics, ao comentar as novas tcnicas para anlise do DNA (Wilkie, 1994).

Outra mudana correlata so os custos crescentes da pesquisa em nvel molecular que, por muito tempo, ficou restrita a poucos pases do globo (Garland, 1983).

O primeiro projeto foi o sequenciamento da bactria Xylella Fastidiosa, causadora da praga do amarelinho nas plantaes de laranja, afetando, assim, um importante produto do agronegcio brasileiro.

Entre o comeo da dcada de 1980 e o incio do Projeto Genoma Fapesp, a maioria dos pesquisadores brasileiros que aplicavam tcnicas de sequenciamento de DNA em seus laboratrios havia sido treinada em estgios de pesquisa na Europa ou nos EUA.

Bourdieu (2001) aponta que, medida que o ttulo, enquanto capital escolar reconversvel em capital universitrio e cientfico, encerra uma trajetria provvel, ele comanda, por meio das "aspiraes razoveis" que ele autoriza, a escolha de temas mais ou menos "ambiciosos". Assim, a oposio, por exemplo, entre os investimentos seguros da pesquisa intensiva e especializada e os investimentos arriscados da pesquisa extensiva que pode conduzir a vastas snteses tericas (revolucionrias ou at eclticas) tende a produzir a oposio entre trajetrias elevadas e trajetrias inferiores no interior da disciplina. Infelizmente, no foi possvel realizar esse tipo de anlise para os trabalhos dos jovens pesquisadores. Alm disso, em uma disciplina com crescente especializao e predomnio tecnolgico, a distino entre a pesquisa especializada e o trabalho de cunho mais terico ou abrangente precisaria ser muito matizada, sendo necessria uma anlise mais pormenorizada do campo da gentica humana e mdica para compreender em maiores detalhes quais seriam os temas que conduziriam a trajetrias mais prestigiosas.

Aqueles que no fizeram, durante a graduao, estgio ou iniciao cientfica no laboratrio em que pretendem realizar a ps-graduao, geralmente realizam um estgio informal para conhecer a dinmica de trabalho, os procedimentos adotados e as tcnicas e instrumentos mais rotineiros nele utilizados.

Para a discusso detalhada das transformaes da pesquisa em gentica humana e mdica no Brasil e no cenrio internacional ver Ferreira (2013).

Embora a quantidade de estudantes entrevistados no permita generalizaes, destaca-se que a mdia de tempo de trabalho que os estudantes afirmaram passar na bancada de 70%.

Olhar para a relao entre pesquisadores sniores e juniores enquanto competio no interior do laboratrio, entendido como um campo, um processo de anlise que destoa das falas que ressaltam o carter de interdependncia, complementaridade e ajuda mtua. Nesse sentido, o mais profcuo compreender as relaes no interior do laboratrio como sendo, ao mesmo tempo e inseparavelmente, de competio e cooperao.

Um trabalho de maior flego precisaria compreender no s as aspiraes razoveis e as trajetrias provveis dos entrevistados, mas realizar uma anlise objetiva do campo da gentica humana e mdica no Brasil, de modo a delimitar com mais preciso que postos esto, de fato, abertos a esses jovens pesquisadores. Alm disso, seria interessante olhar para a percepo que esses jovens tm do futuro e das oportunidades que estariam mais ajustadas as suas expectativas e formao. Essas questes esto ainda sendo trabalhadas pela presente pesquisa e sero apresentadas em oportunidade posterior.

Caracterizar melhor os entrevistados. Principalmente genero e idade

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_2147483647.xlsPlanilha1

GraduaoEntrevistados

Cincias biolgicas16

Biomedicina2

Farmcia1

Odontologia1

Cincias moleculares1

Total21

&C&A

&CPgina &P