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Introdução Este texto tem o objetivo de mostrar que a agenda ambiental contemporânea foi construída quase integralmente por cientistas filiados às ciên- cias naturais ou tecnológicas. Considero, por con- seqüência, que os cientistas sociais chegaram a ela de forma retardatária e, por vezes, parcial- mente equivocada. Este texto foi motivado por uma antiga constatação de ordem pessoal, qual seja, a de que os cientistas sociais em geral resis- tem à primazia dos cientistas naturais na questão ambiental, e por isso se permitem ignorar suas contribuições, ou – o que dá no mesmo – criticá- las de forma errada e empobrecedora. Não sustento que quem “chegou primeiro” tenha toda a virtude, nem que quem “chegou depois” careça de qualquer virtude, pois não se trata de uma corrida, e sim de um processo de construção do conhecimento. A “lição” mais rele- vante a tirar desse fato é prosaica: os cientistas sociais interessados em estudar a questão ambien- tal têm e continuarão a ter muito a aprender com os cientistas naturais. Embora o inverso também seja verdadeiro, em muitos casos foram os próprios cientistas sociais que, infelizmente, contribuíram para enquadrar os pioneiros da questão ambiental em rótulos desqualificantes e equivocados – tais como serem “insensíveis aos problemas sociais”, “neomalthusianos”, “naturalistas”, “preocupados apenas com plantas e animais” e assim por diante. A PRIMAZIA DOS CIENTISTAS NATURAIS NA CONSTRUÇÃO DA AGENDA AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA* José Augusto Drummond RBCS Vol. 21 nº. 62 outubro/2006 * Versão revista do texto “Os cientistas sociais na construção da agenda ambiental contemporânea: uma participação retardatária e parcialmente equi- vocada”, apresentado no XXVIII Encontro Anual da Anpocs (Caxambu, outubro de 2004). Agradeço a José Luiz de Andrade Franco pela leitura crítica a uma versão anterior deste texto. Artigo recebido em janeiro/2005 Aprovado em abril/2006

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Page 1: A PRIMAZIA DOS CIENTISTAS NATURAIS NA CONSTRUÇÃO DA … · leva a um cifra cuja unidade pode ser, por exem-plo, o número de indivíduos por hectare. Aplicado às sociedades humanas,

Introdução

Este texto tem o objetivo de mostrar que aagenda ambiental contemporânea foi construídaquase integralmente por cientistas filiados às ciên-cias naturais ou tecnológicas. Considero, por con-seqüência, que os cientistas sociais chegaram aela de forma retardatária e, por vezes, parcial-mente equivocada. Este texto foi motivado poruma antiga constatação de ordem pessoal, qual

seja, a de que os cientistas sociais em geral resis-tem à primazia dos cientistas naturais na questãoambiental, e por isso se permitem ignorar suascontribuições, ou – o que dá no mesmo – criticá-las de forma errada e empobrecedora.

Não sustento que quem “chegou primeiro”tenha toda a virtude, nem que quem “chegoudepois” careça de qualquer virtude, pois não setrata de uma corrida, e sim de um processo deconstrução do conhecimento. A “lição” mais rele-vante a tirar desse fato é prosaica: os cientistassociais interessados em estudar a questão ambien-tal têm e continuarão a ter muito a aprender comos cientistas naturais. Embora o inverso tambémseja verdadeiro, em muitos casos foram os próprioscientistas sociais que, infelizmente, contribuírampara enquadrar os pioneiros da questão ambientalem rótulos desqualificantes e equivocados – taiscomo serem “insensíveis aos problemas sociais”,“neomalthusianos”, “naturalistas”, “preocupadosapenas com plantas e animais” e assim por diante.

A PRIMAZIA DOS CIENTISTASNATURAIS NA CONSTRUÇÃO DAAGENDA AMBIENTALCONTEMPORÂNEA*

José Augusto Drummond

RBCS Vol. 21 nº. 62 outubro/2006

* Versão revista do texto “Os cientistas sociais naconstrução da agenda ambiental contemporânea:uma participação retardatária e parcialmente equi-vocada”, apresentado no XXVIII Encontro Anual daAnpocs (Caxambu, outubro de 2004). Agradeço aJosé Luiz de Andrade Franco pela leitura crítica auma versão anterior deste texto.

Artigo recebido em janeiro/2005Aprovado em abril/2006

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Este texto discute primeiro o conceito de“desenvolvimento sustentável”, importante marcoestabelecido há cerca de quinze anos e que balizao pensamento de quase todos os cientistas sociaisque hoje se ocupam de temas ambientais.Segundo, analisa a resistência generalizada doscientistas sociais ao estudo das questões ambien-tais emergentes. Em seguida, com a finalidade decontextualizar a “linha de ascendência” do con-ceito de desenvolvimento sustentável, focaliza ascontribuições mais antigas de cientistas “ícones” dadescoberta ou formulação das grandes questõesambientais dos últimos setenta anos –Paul Sears,Aldo Leopold, Rachel Carson, Paul Ehrlich, DonellaMeadows, Garrett Hardin e James Lovelock. Essesautores são abordados em separado, de acordo comtópicos que descrevem a contribuição principal decada um, mas buscando também identificar algumaslinhas de continuidade ou, ao menos, de contatoentre eles.

Esses autores – ao contrário do que se divulgapersistentemente entre os cientistas sociais – mostra-ram, sim, sensibilidade quanto às questões humanasou sociais, entendidas como conexas aos – e causa-das ou causadoras dos – problemas ambientais ounaturais, mesmo sendo todos formados nas ciênciasnaturais ou da tecnologia – biologia, ecologia, quími-ca, física, medicina etc. Argumento ao longo destetexto que os cientistas sociais ainda têm muito a apren-der com esses “pioneiros”, caso se disponham aconhecer em fonte direta suas contribuições. Isso ser-virá para melhor entender e aplicar, entre outras coi-sas, o paradigma mais conhecido e consensual dodesenvolvimento sustentável.

O conceito de desenvolvimentosustentável

O conceito de desenvolvimento sustentável eo paradigma da sustentabilidade foram amplamen-te veiculados pelo documento intitulado Our com-mon future, escrito em meados da década de 1980pela Comissão Mundial de Meio Ambiente eDesenvolvimento, da ONU, chefiada por GroBrundtland. No Brasil, esse relatório (por vezesconhecido como “Relatório Brundtland”) foi publica-do em 1987 com o título Nosso futuro comum(CMMAD, 1987).

Publicado em muitos idiomas, esse texto tevelarga divulgação e aceitação em muitos fóruns cien-tíficos, governamentais, intergovernamentais, não-governamentais e empresariais, não obstante as ine-vitáveis polêmicas em torno de um conceito tãocomplexo quanto o de desenvolvimento sustentá-vel. Considero que o principal motivo para a suagrande divulgação e aceitação foi o equilíbrioalcançado no equacionamento conjunto dos pro-blemas propriamente ecológicos ou biofísicos domundo natural, de um lado, e das questões sociaiscorrelatas, de outro. Esta é, de fato, uma forte vir-tude presente no conceito. Quase duas décadasdepois de sua formulação original, o conceito e oparadigma da sustentabilidade continuam a seramplamente adotados como componentes de ummodelo interpretativo a um só tempo abrangentee sintético, o que mostra que há uma tendênciano sentido de ganhar cada vez mais espaço.

Produzido pela chamada Comissão Brundtland,tal relatório formulou sinteticamente o conceito dedesenvolvimento sustentável como “aquele desenvol-vimento que atende às necessidades do presente semcomprometer as possibilidades de as gerações futurasatenderem às suas próprias”. Essa formulação é ino-vadora sob diversos aspectos, embora não o seja emoutros. O componente da “solidariedade intrageracio-nal”, por exemplo, é mais comumente conhecidacomo eqüidade. No entanto, ele faz parte de muitosideais, ideologias e conceitos mais antigos e bas-tante disseminados. Já o preceito de visar ao bem-estar das gerações futuras, além de também não seroriginal, é apresentado pela CMMAD sem qual-quer fundamentação capaz de resgatá-lo de merasadvinhações bem-intencionadas sobre o que seriabom para as gerações futuras – no limite, ele seresume a conselhos genéricos quanto a atitudes deprudência.

De toda forma, reunir sustentabilidade, eqüi-dade e preocupação com as gerações futuras ésuficiente para garantir a originalidade e a rele-vância do conceito. O que interessa destacar aquié que a idéia de desenvolvimento sustentável bus-cou explicitamente atingir um equilíbrio entre umavisão “naturalista” e uma visão “social” da moder-na questão ambiental, conforme ela foi construídanas décadas anteriores. O Relatório Brundtlandconectou, com sucesso, dois conjuntos de proble-mas: (1) os propriamente ecológicos do mundo

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natural, decorrentes das ações humanas (uso ouescassez de recursos naturais, extinção de espé-cies, poluição, contaminação, aquecimento global,desertificação etc.) e (2) os propriamente sociais(doença, fome, pobreza, exclusão etc.).

No entanto, é necessário fazer uma granderessalva. Rigorosamente, a dimensão ecológica doconceito de desenvolvimento sustentável tambémcarece de originalidade, pois nasce de um con-ceito estabelecido há décadas na ciência da bio-logia – “capacidade de carga” (carrying capacity),ou “capacidade de suporte”. A “novidade” é a suaaplicação sistemática para o estudo de sociedadeshumanas, o que é fruto do trabalho de cientistasnaturais interessados nas questões ambientais.

“Capacidade de carga” é definida em obrasde referência de várias formas parecidas. Afirma oA dictionary of ecology da Oxford University Press,por exemplo, que se trata da “população máximade um determinado organismo que pode ser sus-tentado por um ambiente particular” (Allaby, 1998,p. 73). “Capacidade de suporte” é definida poroutra fonte de referência como “a população limi-te de uma espécie num sistema natural” ou a “den-sidade populacional que pode ser sustentada porrecursos limitados” (Silva et al., 2002, p. 40).Munidos desse conceito, biólogos e ecólogos cria-ram e aplicam há muitas décadas métodos paradescobrir quantas plantas ou animais de certasespécies podem ser sustentados “indefinidamente”por um ecossistema, ou seja, sem causar umcolapso nele ou sem eles mesmos entrarem emcolapso a ele. Isso depende de diversas variáveis,como a posição da espécie estudada na cadeia tró-fica, suas necessidades de alimento e abrigo, suataxa de reprodução e a competição que ela sofrede outras espécies com que disputa alimento eabrigo. Esses estudos buscam resolver uma fraçãocujo numerador é o número de indivíduos de umaespécie que vive numa área e cujo denominadoré dado pela quantidade de recursos da mesmaárea usados “indefinidamente” pela espécie, o queleva a um cifra cuja unidade pode ser, por exem-plo, o número de indivíduos por hectare.

Aplicado às sociedades humanas, o conceitode capacidade de carga levou diversos cientistasnaturais a enxergarem os limites relativos ao quea espécie humana poderia retirar do planeta comoum todo para reproduzir sua existência sem pre-

judicar os ecossistemas. Isso direcionou a atençãode parcelas crescentes de cientistas, governantes ecidadãos para uma grande variedade de questõesambientais, associadas a usos e abusos que associedades humanas fazem dos recursos naturaisfinitos do planeta.

Com efeito, tal conceito, quando aplicadoaos humanos, diz respeito, antes de tudo, àquelafração já mencionada, em que:

1. O numerador é o número de seres humanosque consomem os recursos escassos (ouseja, como sources, ou fontes) e geram resí-duos que têm lugares escassos (ou seja,como sinks, ou pias) ou para serem “jogadosfora”.

2. O denominador é a soma de duas parcelas:(1) os recursos naturais finitos e/ou escassosconsumidos pelos humanos + (2) a capaci-dade limitada dos ecossistemas naturais deassimilar as pressões e os resíduos geradospelo modo de vida humano (o que não deixade ser uma outra forma de escassez) – ouseja, souces + sinks.

3. O resultado da fração é uma cifra que indicaquantas pessoas podem ser sustentadas poruma unidade do recurso (em volume, empeso, em área etc.), quer como source,como sink, quer como ambos.

O relatório da Comissão Brundtland veio naesteira de pelo menos quarenta anos de preocupa-ções ecológicas-ambientais entre cientistas naturaise de aplicação do conceito de capacidade de cargaao que hoje chamamos de questões ambientais.Quem pensou sobre essas questões, pioneiramen-te, foram os cientistas naturais que, trabalhandoindividualmente ou em grupos, redes e comissões,produziram estudos tão importantes e influentes,guardadas as especificidades de época, quanto orelatório da Comissão Brundtland, embora emgeral tenham tido uma recepção mais polêmica.

Sem que ninguém pudesse prever, essesestudos cumpriram, no entanto, a difícil tarefa defundar ou codificar as grandes questões ambien-tais reconhecidas e debatidas contemporaneamen-te. O texto da Comissão nasceu, portanto, numterritório já aberto por esses pioneiros – territórionão apenas temático, mas também conceitual.

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Sustento, portanto, que o conceito de desenvolvi-mento sustentável é, por assim dizer, um “filho”sociológico do conceito biológico de capacidadede carga.

Cabe ressaltar que a grande maioria doscientistas sociais que hoje se interessa pelas ques-tões ambientais usou como “porta de entrada” oconceito mais recente de desenvolvimento sus-tentável. Mas, infelizmente, poucos conhecem otrabalho daqueles cientistas naturais pioneiros, ealguns ainda proclamam que é preciso “derrubara ditadura dos biólogos” – exortação acompanha-da às vezes por declarações “ousadas” a favor dainterdisciplinaridade.

Não há dúvida de que os textos fundadoresda questão ambiental foram quase todos escritospor cientistas naturais ou da área tecnológica – bió-logos, ecólogos, químicos, analistas de sistemas,físicos etc. Foram eles que identificaram, publica-ram trabalhos a respeito e levaram para a agendapública as grandes questões ambientais modernas –esgotamento e poluição de recursos naturais (solos,água, minérios, atmosfera), extinção de espécies eperda da biodiversidade, estrangulamentos e exter-nalidades da produção de energia, desertificação,efeito estufa, destruição da camada de ozônio, des-tinação inadequada de resíduos, reciclagem e re-uso, entre outras – de que se ocupam hoje novasgerações de cientistas naturais e sociais, além decidadãos, organizações civis, governantes e empre-sários.1 Para quem conhece em primeira mão a lite-ratura produzida por aqueles autores e, de início,sua limitada receptividade entre cientistas sociais domundo inteiro, é patente a constatação de que mui-tos cientistas sociais persistem como retardatáriosna questão ambiental.

A resistência dos sociólogos àquestão ambiental – fundamentos

O marco do desenvolvimento sustentávelevoluiu, como vimos, na esteira de um prolonga-do debate, explicitado a partir da década de 1950,dentro de um novo campo de preocupações quesequer angariara para si a chancela de “científica”ou o nome de “ambiental”. É certo afirmar queesse campo foi fundado com um viés que hoje sechama pejorativamente de “naturalista”, refletindo

a formação científica daqueles pioneiros. Nãoobstante, seria errôneo afirmar que aqueles cien-tistas não tinham preocupações com a sociedadehumana e que foi preciso a intervenção “salvado-ra” de cientistas sociais para que emergissem taispreocupações.

Vale dizer, em primeiro lugar, que, ao “inven-tarem” a questão ambiental moderna, aqueles cien-tistas pagaram preços altos, uma vez que entraramem confronto direto com interesses poderosos.Refiro-me (1) ao mainstream do pensamento cien-tífico de muitas disciplinas estabelecidas e podero-sas, (2) a órgãos governamentais, (3) a gruposempresariais, e (4) a agências financiadoras de pes-quisas. Esses grupos sequer admitiam a existênciados problemas apontados e/ou não admitiam quesuas atividades fossem de alguma forma limitadaspelo reconhecimento de tais problemas. Estudar aquestão ambiental nas décadas de 1950 e 1960estava, pois, ainda longe de ser uma opção pro-missora para consolidar ou iniciar carreiras cientí-ficas bem-sucedidas. Era muito mais uma manei-ra de abalar o status quo científico-tecnológico, oque nunca se faz sem reações de grupos podero-sos e sem implicações sociais.

Em segundo lugar, é preciso ter em menteque, nessa fase e mesmo muitos anos depois, oscientistas sociais foram quase sempre indiferentes àmatéria, mesmo nos países desenvolvidos. Dunlape Catton (1979), por exemplo, mostram que a dis-ciplina da sociologia como um todo (representadaprincipalmente, mas não unicamente, pela produ-ção em língua inglesa, original ou traduzida) deuuma atenção “tardia” às questões que hoje chama-mos de ambientais. Além de tardia, foi tambémlimitada, pois havia ainda uma questão de fundo,metodológica ou filosófica, qual seja, a recusaimplícita – e às vezes explícita – dos cientistassociais de levar em conta fatores naturais e biofí-sicos como variáveis legítimas da análise socioló-gica. Ou seja, os sociólogos entraram na nascen-te era ambiental portando o que considero umsério handicap – o princípio durkheimiano deque só é possível explicar o social pelo social.Perderam, assim, a chance de ter um papel signi-ficativo na emergência dos estudos e das pesqui-sas sobre as questões ambientais, em que o socialera definido, desafiado, limitado ou condicionadopelo natural.

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Dunlap e Catton argumentam que sociólogosclássicos como Durkheim, Weber e Marx, apesarde admirarem o triunfo do evolucionismo biológi-co darwinista, construíram modelos explicativosda sociedade tacitamente concebidos para diferirdo modelo biológico. Fred Buttel (1986) afirmaque o estilo de trabalho eclético desses e deoutros clássicos da sociologia permite que seencontre em seus trabalhos alguma atenção afatores naturais – como espaço, densidade popu-lacional e escassez de recursos, em Durkheim;complexas tecnologias agrícolas e industriais, emWeber; e a ciência dos solos e a agronomia emMarx. No entanto, a emergência, no final do sécu-lo XIX e início do século XX, do “darwinismosocial” de Spencer e de teorias racistas ou de“espaço vital” (como a de Ratzel), inclusive comimplicações belicistas e genocidas, fez com queos cientistas sociais seguidores dos clássicos dis-pensassem as variáveis naturais, que já eramempregadas de maneira tão frágil, como instru-mentos da explicação sociológica.

Dunlap e Catton sustentam também que, emmeados do século XX, quando emergia a questãoambiental, os sociólogos estavam imersos num“paradigma de imunidade humana” (humanexemptionalism paradigm), que se baseava naimunidade das sociedades humanas em relação àsvariáveis naturais. Explicar o social pelo social eranesse momento um traço mais do que cinqüente-nário das ciências sociais. Duas ou três geraçõesde sociólogos tinham sido treinadas para estudaros processos e os eventos sociais e culturais comofenômenos imunes ao alcance das variáveis natu-rais. Foi isso que prevaleceu na disciplina.

Esses autores constatam, ainda, que essasituação mudou mais recentemente, com a for-mação de um campo de “sociologia ambiental”,mas insistem no fato de que isso só ocorreu devi-do a pressões “externas”, na forma de questõesambientais cada vez mais visíveis, mais graves emais amplas, e que resistiam a explicações pura-mente sociológicas. Lembram que essas questõesforam identificadas e estudadas por cientistasnaturais e da área de tecnologia, cujo trabalhopropriamente científico (em alguns casos, eles setornaram também ativistas ambientais, empenhan-do-se na divulgação dessas questões) deu margemà emergência de uma consciência ambientalista

entre parcelas crescentes da população. Em outraspalavras, a emergência de um “novo paradigmaambiental” entre os sociólogos não decorreu deuma mudança endógena no âmbito da perspecti-va e da metodologia da disciplina. Escrevendo em1986, Buttel afirmava que a “sociologia ambiental”de língua inglesa, mesmo depois de vinte anos deprodução e ganhando legitimidade crescente nosmeios sociológicos, não conseguira dar uma novaforma ou direção à sociologia praticada nosEstados Unidos.2

Destaque-se ainda que, para a maioria dossociólogos, mesmo entre os que ingressaram naquestão ambiental pelo portal mais recente dasustentabilidade, continuou a prevalecer o “para-digma da imunidade humana”. Essa é, a meu ver,a mais grave limitação à eficácia das intervençõesde cientistas sociais no estudo das questõesambientais.

As ciências naturais e a “invenção”das grandes questões ambientais

A seguir, examino as contribuições de setecientistas naturais que, a partir da década de 1930,“criaram” ou contribuíram para disseminar os prin-cipais problemas que hoje classificamos consen-sualmente como “ambientais”. Esse tipo de pro-blema é tão facilmente identificado hoje graças aopioneirismo, à competência, à ousadia e, porvezes, à capacidade “cidadã” desses cientistas delutar e divulgar suas descobertas fora do meiocientífico, remando contra “marés” pouco propí-cias, como, por exemplo, a generalizada indife-rença e eventual hostilidade que suas contribui-ções mereceram de cientistas sociais.

Abordarei esses autores – reitero: Paul Sears,Aldo Leopold, Rachel Carson, Paul Ehrlich,Donella Meadows, Garrett Hardin e James Loveloc– seguindo um roteiro de tópicos (parcialmenteem ordem cronológica) de que me vali paraenquadrar suas contribuições mais expressivas.3

A desertificação esteriliza projetos humanos4

Focalizo primeiramente uma obra editadaem 1935, cerca de vinte anos antes do início da

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disseminação da preocupacão ambiental modernaem meados da década de 1950. Foi escrita porPaul Bigelow Sears (1891-1990), botânico norte-americano que fez parte de um grupo de cientis-tas naturais advindos de diferentes países, dedica-dos a estudar o fenômeno da desertificação emescala planetária. Este grupo formou duradouraslinhas e redes de pesquisa e de monitoramentoque se tornaram a base de políticas públicas eque atuam de maneira contínua há sete décadas,às vezes com apoio de organizações intergover-namentais, como, por exemplo, a FAO – UnitedNations Food and Agriculture Organization. Entreoutras coisas, essas linhas e redes fizeram dosdesertos ecossistemas mais conhecidos cientifica-mente do que as florestas tropicais úmidas, valo-rizadas apenas mais recentemente. O livro maisfamoso de Sears, Deserts on the march (1988[1935]), foi lançado quando os Estados Unidosvivenciavam, em seus desertos ou quase-desertos,um dos maiores desastres ambientais registradosno mundo moderno – as tempestades de vento eareia que ganharam o apelido de Dust Bowl,amplas e graves conseqüências para os habitantesda região dos Great Plains, limítrofe a vários deser-tos, a oeste e sudoeste, o que despertou temoresquanto à expansão dos mesmos.

Conhecido livro de divulgação científica,Deserts on the march focaliza o rumoroso DustBowl e deve parte de sua popularidade ao medo“doméstico” dos norte-americanos ante o desastreambiental e a perspectiva de ampliação dos jáextensos desertos do país. No entanto, Sears tratados desertos de uma maneira em geral, em outroscontinentes e de períodos da história antiga e con-temporânea. Narra dezenas de processos e episó-dios em que sociedades diversas foram algozes desi mesmas, ao praticar extrativismo, agricultura,pecuária, corte de árvores e manipulações da águaque ajudaram a formar ou a ampliar desertos esté-reis, incapazes de sustentar as atividades humanas.

Apesar de se basear principalmente em con-ceitos e análises oriundos da geologia, da climato-logia e da botânica, áreas nas quais desenvolviatrabalhos estritamente “naturalistas”, sobre os quaisacumulou prêmios, homenagens e honrarias, Searsnotabilizou-se precisamente por documentar comomuitos povos – denominados por ele “fabricantesde desertos” – cavaram o seu próprio abismo,

repetindo erros e recusando-se a respeitar os limi-tes que a natureza impõe às sociedades humanas.Ele não lamentava “naturalisticamente” a erosãodos solos ou o secamento dos rios, o sumiço daflora ou a morte da fauna – o que lhe interessavaera mostrar os efeitos desastrosos da desertificaçãosobre homens e mulheres de muitos lugares e dife-rentes épocas. Vale lembrar que muitos desertosconsolidados do mundo continuam a se expandirhoje em dia, mesmo depois de décadas da atençãoe da intervenção fundadas por Sears e contempo-râneos, e que há muitos outros lugares – inclusiveno Brasil – sujeitos a processos menos adiantadosde desertificação.

“Não é apenas o solo, nem a planta, nem oanimal, nem o clima que precisamos conhecermelhor, mas principalmente o próprio homem”;“Não se consegue conquistar a natureza, a não sernos seus próprios termos” (Idem, pp. xiv, 3) sãofrases lapidares que ilustram de maneira precisa oponto que desejo destacar, a saber, o fato de essescientistas naturais terem usado seus conhecimentossobre a natureza e seus processos para diagnosti-car problemas que estavam longe de ser apenasnaturais. Em outras palavras, eles tentaram explicarcomo esses fenômenos eram ligados a atividadeshumanas e como interferiam no bem-estar e naprópria sobrevivência dos humanos. Interessavam-se em discutir como tais problemas poderiam serevitados e como suas conseqüências poderiam sermitigadas ou revertidas pela ação coletiva de socie-dades e governos. Nem sempre foram os analistasmais bem preparados ou mais competentes das cau-sas e das implicações sociais, econômicas e políticasdesses problemas naturais, e nem sempre propuse-ram ações viáveis. No entanto, foram eles que trou-xeram tais problemas para a agenda pública, abrin-do espaço para que cientistas sociais, entre outrosgrupos, pudessem examiná-los com o instrumentalpróprio de suas ciências e propusessem ações viá-veis, embora isso, infelizmente, quase sempre tenhademorado décadas para ocorrer.

A ética da terra – ou a questão docomportamento humano

Aldo Leopold (1887-1948), norte-americano,formou-se em engenharia florestal, mas sua famacomo cientista se deve principalmente ao seu

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papel de fundador de uma nova disciplina científi-ca, denominada “manejo de vida silvestre” (wildli-fe management). Fez carreira como funcionário doUS Forest Service e, depois, como diretor associa-do do importante Laboratório de Produtos Florestaisda University of Wisconsin. Nessa mesma universi-dade, fundou uma cadeira pioneira dessa disciplina,por meio da qual ajudou a formar centenas de estu-diosos e gerentes de áreas preservadas, especiali-zados em reconhecer e neutralizar os percalçosque a vida selvagem e seus habitats sofrem com aexpansão das atividades humanas, dentro e fora deunidades de conservação. O departamento e ocurso de pós-graduação de manejo de vida silves-tre da University of Wisconsin existem até hoje econtinuam na vanguarda da área.

Leopold foi também um ativista ambiental.Em 1924, ajudou a fundar a Wilderness Society,importante organização civil ambientalista que sededica principalmente à proteção de animais selva-gens e de seus habitats, apoiando a criação e aadministração de UCs, fazendo lobby a favor de leisprotetoras da fauna e da flora e engajando-se emcampanhas educacionais e protetoras. Além dissocomprou uma fazenda falida em Wisconsin e gas-tou grande parte do seu tempo livre tentando res-taurar o ecossistema nativo (pradarias de gramasaltas), trabalho que se conectou com o de outrosgrupos de cientistas que ajudaram a University ofWisconsin a emergir na vanguarda da ainda jovemciência de restauração de ecossistemas.

Como se pode observar, Leopold tinha asmãos repletas de tarefas “naturalistas”, aparente-mente desconectadas de problemas “sociais”. Pode-ria se ocupar delas por toda a vida, se quisesse.Porém, poucos meses antes de morrer acidental-mente combatendo um incêndio nas proximidadesde sua fazenda, entregou a uma editora os originaisdo que viria a ser um dos textos mais influentespara a formação da moderna consciência ambien-talista – A Sand County almanac (Leopold, 1984[1949]). O livro reuniu escritos inéditos e alguns dosseus muitos textos publicados em diversas fases desua vida de profissional e ativista.

As primeiras duas partes do livro consistemde relatos, em forma de vinhetas e crônicas, sobremudanças na natureza que ocorriam em suafazenda e vizinhança, causadas tanto pela suces-são de estações como por atividades produtivas

das fazendas. Aparentemente simplórios e “natura-listas”, esses textos breves de história natural con-têm, no entanto, ricas observações registradas peloseu olho bem treinado para distinguir mudançasnaturais das mudanças de origem antrópica – umadistinção nada banal para quem lida com a ques-tão ambiental. A terceira parte reúne textos publi-cados anteriormente sobre a paisagem rural-selva-gem de várias regiões dos Estados Unidos,iniciativas de proteção de paisagens e espécies etc.Tudo “naturalista” demais, talvez, para alguns cien-tistas sociais. Na quarta parte, porém, Leopold dáum salto e adentra o terreno da filosofia, dos valo-res e do comportamento humano em relação ànatureza. Ele trata do conceito de land ethic,expressão que se pode traduzir como “ética daterra” ou “ética ambiental”. Esse seria o tipo deética que a sociedade deveria assumir para ter umcomportamento conseqüente em relação aoambiente – uma ética a ser praticada não apenasentre seres humanos, mas também entre esses eos demais membros da “comunidade biótica”.Leopold destacava a expansão da ética na históriadas sociedades ocidentais, de forma a protegercírculos cada vez maiores de pessoas – mulheres,pobres, escravos e estrangeiros – das arbitrarieda-des e da violência de seus semelhantes. Fazia umparalelo disso com a nova expansão ética queteria que ocorrer nas relações entre os homens ea terra. Assim como não mais se admite nas socie-dades modernas que se cometam arbitrariedadescontra seres humanos, dizia Leopold que a terra –se se deseja que ela seja protegida– não maispoderia ficar a mercê da arbitrariedade dos com-portamentos humanos. A relação puramente eco-nômica dos homens com a terra, segundo ele,criaria apenas privilégios unilaterais, e não obri-gações e restrições mútuas, levando a um trata-mento predatório sistemático em relação a ela.Ou seja, ele propunha uma relação estreita entreas formas com que os homens se tratam e amaneira que eles interferem nos demais compo-nentes do mundo natural.

Leopold via no ainda nascente movimentoambiental uma nova força social capaz de, final-mente, incluir a terra no rol dos entes eticamenteprotegidos. A ética da terra não poria fim ao ine-vitável uso humano dos componentes da nature-za, mas “afirmaria o seu [da natureza] direito à

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existência contínua”, até mesmo no que concerneo estado natural ou intocado, em alguns casos. Oautor afirmava que a conservação baseada apenasnuma ética econômica ou utilitarista era insufi-ciente, pois deixaria de fora a maior parte da florae da fauna (por serem “inúteis”), as terras não-agricultáveis, os minérios sem uso, as paisagens“feias” e assim por diante.

A ética proposta por ele abarcaria a socieda-de humana e todos os componentes da naturezanuma única e abrangente “comunidade biótica”.Isso é outra maneira de dizer que a natureza e seuscomponentes não precisam ser úteis para os huma-nos para merecerem proteção ou uso cuidadoso –eles têm um valor intrínseco, independente de eirredutível à sua utilidade. Vale lembrar que esse éo núcleo conceitual de uma sofisticada e radicalcorrente ambientalista contemporânea, desenvolvi-da décadas depois, principalmente por filósofos edenominada “ecologia profunda” (deep ecology).

Leopold sabia que, ao propor uma posturacomo essa, estava exigindo muito… Coerente-mente, considerava que a conservação da nature-za baseada nessa ética não seria tarefa a serdesempenhada por governos vigilantes e repres-sivos, dedicados a espionar minuciosamente oscidadãos; seria tarefa de cidadãos virtuosos, edu-cados, conscientizados de que a ética da terraseria a melhor para todos. A conservação, nessestermos, não consistia um empreendimento repres-sivo, embora fossem necessárias leis severas. Oautor reconhecia que se tratava de uma missãopara gerações, no sentido de convencer e educara população em geral, trabalho que certamenteseria conduzido por uma minoria ativa e desinte-ressada, visando à mudança de comportamentosprofundamente enraizados. Somente cidadãos,fazendeiros e industriais convencidos da validadeda ética da terra seriam capazes de tratar a natu-reza de forma não-destrutiva. Pode-se dizer queLeopold era um otimista, pois via na história filo-sófica humana uma passagem profícua da barbá-rie, em que os homens se encontravam num esta-do hipotético de natureza, à formalização de umaética primeiramente limitada a alguns círculossociais e, depois, inclusiva de todos os sereshumanos. Estender tal ética aos componentes danatureza seria um grande passo, mas nada tão oumais difícil do que a humanidade já conseguira.

Não há dúvida, portanto, de que essainfluente reflexão desse cientista natural sobre asrelações humanas e entre os humanos e a nature-za nada tem de “naturalista”.

Poluição e contaminação – de passarinhos,peixes e pessoas

Depois da década de 1950, na esteira deSears, Leopold e outros cientistas naturais, os bió-logos lideraram a formulação das grandes ques-tões ambientais do nosso tempo e o seu enqua-dramento simultâneo como questões sociais.Muitos autores que se dedicam a estudar as ori-gens do movimento ambiental contemporâneoconsideram que o marco fundador foi o lança-mento, em 1962, do livro Silent spring (1962), dabióloga norte-americana Rachel Carson (1907-1964). O livro causou forte e duradoura comoçãopública nos Estados Unidos e em outros países,influenciou carreiras científicas, criou linhas depesquisa e desdobrou-se em regulamentos e leisque tiraram do mercado produtos modernos e dealto valor agregado. É comum cientistas e ativistasambientais veteranos, de muitas partes domundo, afirmarem hoje em dia que se “converte-ram” à questão ambiental lendo esse livro e teste-munhando sua repercussão.

Ao contrário do que geralmente se pensa,no entanto, Silent Spring foi para Carson um livrode maturidade e quase de ruptura. Antes de 1962,ela publicara ao menos outros três livros (ver,entre eles, Carson, 1941; 1950), cujas narrativas efoco eram inteiramente diferentes de SilentSpring. Tratava-se de textos que a inseriam noque hoje se chama – quase sempre pejorativa-mente – de campo “naturalista”. Ela praticava umaespécie de história natural dos mares, oceanos elitorais, e dos seres vivos que neles habitavam,dando atenção apenas secundária às sociedadeshumanas. Publicou em editoras e revistas de pres-tígio, lecionou em universidades renomadas, tevebolsas de pesquisa, ganhou prêmios literários efoi bastante homenageada. Trabalhou como bió-loga (e depois como editora) de um órgão fede-ral que mais tarde assumiria grande importâncianas políticas ambientais dos Estados Unidos (USFish and Wildlife Service).

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Silent Spring é uma obra bem diferente. Trata-se de um livro de denúncia. Carson narra as som-brias descobertas e constatações (suas e de outroscientistas naturais) a respeito das conseqüênciasdiretas e indiretas, na natureza e na sociedade, douso indiscriminado dos modernos pesticidas, herbi-cidas e fungicidas agrícolas (e substâncias associa-das). O título refere-se, um tanto poeticamente, aofato de que certas espécies de pássaros dos EstadosUnidos, antes com populações muito numerosas,tornaram-se raras, “silenciando” as primaveras antesmarcadas pelos seus cantos. Suas pesquisas mos-traram que essas aves estavam sendo eliminadaspelos efeitos diretos e indiretos daquelas substân-cias, em alguns casos aplicados em áreas agrícolassituadas a centenas de quilômetros dos litorais edos estuários atlânticos nos quais a autora realiza-va suas pesquisas.

Não se trata, porém, de um livro lírico sobrepassarinhos, mas um relatório sério, áspero e per-turbador sobre os riscos e as calamidades que asociedade mais próspera do planeta estava introdu-zindo voluntária e entusiasticamente no ambientenatural do seu próprio território. Contestou, comsólida base científica, a moderna, dinâmica e lucra-tiva prática agrícola – propiciada por conglomera-dos e produtos industriais de prestígio inabalado –que criava efeitos deletérios de longo prazo sobre oambiente natural e as sociedades humanas, uma vezque essas também eram altamente suscetíveis aosefeitos negativos dos agrotóxicos. Assuntos “desa-gradáveis” como câncer, mutações genéticas, lesõesnervosas, intoxicações, defeitos congênitos, envene-namentos – tudo isso em seres humanos – abundamnos concisos e bem organizados parágrafos deCarson. Ela por certo abordava pássaros raros e pei-xes envenenados, mas estava preocupada, antes detudo, com a saúde e o bem-estar dos humanos.

Silent Spring desencadeou um movimentosocial que, entre outras coisas, levou ao bani-mento do DDT e ao controle sobre outros agro-tóxicos e substâncias tóxicas nos Estados Unidos,um dos primeiros casos de controle público sobreatividades produtivas modernas. Embora algunscientistas sociais equivocados ainda hoje pensemque Carson se preocupava apenas com passari-nhos, já em 1962 os executivos de empresas pro-dutoras de pesticidas, o lobby dos fazendeirosmodernizados e os dirigentes de alguns órgãos

públicos sabiam muito bem que ela estava desa-fiando o seu poderio econômico. Tentaram, semsucesso, desqualificá-la como cientista e estigmati-zá-la como alarmista, mas foram derrotados com obanimento da produção e do uso nos EstadosUnidos do DDT, símbolo maior da primeira gera-ção de pesticidas sintéticos. Mesmo assim, esseproduto continuou a ser fabricado e usado emoutras regiões do mundo que desprezaram asconstatações de Carson e de outros cientistas que,desde então, monitoram os efeitos negativos desucessivas gerações de pesticidas sintéticos. Graçasa ela, no entanto, o tema dos efeitos potencial-mente perigosos de pesticidas e de muitas outrassubstâncias sintéticas foi inscrito permanentementena agenda ambiental, quer nas ciências, nas polí-ticas públicas, quer no campo do ativismoambiental.5

Crescimento populacional – os humanossobrelotam o planeta

A questão do crescimento populacional tam-bém fez parte da “invenção” da questão ambientalcontemporânea. O melhor registro disso são osescritos de Paul R. Ehrlich (1932), biólogo norte-americano. Ele fez carreira na University deStanford (Califórnia, Estados Unidos) como profes-sor de estudos populacionais (trata-se de popula-ções de plantas e animais). Ehrlich iniciou sua car-reira na década de 1950, pesquisando casualmenteum assunto que preocupava bastante RachelCarson no final de sua carreira – o desenvolvimen-to de populações de insetos (considerados “pra-gas”) resistentes aos pesticidas, por via da seleçãogenética. Ehrlich tornou-se um perito em popula-ções, co-evolução, dinâmicas reprodutivas de ani-mais e biologia da conservação, além de ser umimportante divulgador do darwinismo e do concei-to de serviços ecossistêmicos. São assuntos mais doque suficientes para compor uma bem-sucedidacarreira científica na disciplina da biologia. Ehrlichpoderia ter prosseguido estudando exclusivamentea dinâmica reprodutiva das populações de sim-plórias e incontroversas borboletas checkerspotsresidentes nas vizinhanças do campus de Stanford.No entanto, a partir de 1968, ele se deteve no estu-do da reprodução dos seres humanos. Publicou

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um livro que se tornaria um clássico da questãoambiental – The population bomb (Ehrlich, 1986[1968]), um dos grandes best-sellers mundiais desua época. Com ele, Ehrlich passou a ser porta-voze protagonista do movimento ambientalista, já queo livro é uma conclamação à ação. A “bombapopulacional” de que ele tratou não era a das ino-fensivas moscas Drosophila (cuja resistência aoDDT ele estudara no início da sua carreira), mas ade seres humanos. Como vemos, era mais um bió-logo a tratar de uma questão a um só tempo socialambiental, sob a ótica da sustentabilidade.

Ele deve ter sido o primeiro autor bastantedifundido que transferiu explicitamente para oestudo das sociedades humanas o conceito decapacidade de carga. Aplicou esse conceito emescala planetária e chegou a conclusões alarmis-tas – quando não catastrofistas – de crises emesmo de colapsos iminentes na produção de ali-mentos e na oferta de matérias primas em geral.Apesar de seu tom sombrio e alarmista (aspectoaliás muito comum em várias correntes da literatu-ra ambientalista, até hoje) e de alguns cálculosequivocados, trata-se de um estudo do que hojechamamos de “sustentabilidade ecológica” da espé-cie humana como um todo, tendo como base osrecursos naturais do planeta.

A recepção à obra foi polêmica, originandodebates sérios e duradouros. Os críticos logo com-pararam Ehrlich a Thomas Malthus (1766-1844),economista político britânico que, no século XVIII,propôs a existência de uma relação direta entre afome e o crescimento acelerado da populaçãocarente na Grã-Bretanha. Ehrlich e outros cientistase ativistas que o apoiavam foram instantaneamen-te rotulados de “neo-malthusianos”, o que não eraexatamente um elogio, pois seus críticos queriammostrar que, tal como supostamente fez Malthus,Ehrlich via a pobreza (e a degradação ambiental)como conseqüência do aumento da populaçãocarente. Sendo evolucionista, ou seja, um herdeirointelectual de Charles Darwin, tal crítica não éinfundada, uma vez que o próprio Darwin apontao trabalho de Malthus como a matriz da idéia de“economia da natureza”, o contexto original de suateoria da evolução das espécies via seleção natural.

Em geral, os cientistas sociais ignoraram-noou estigmatizaram-no. Em primeiro lugar, estra-nhavam que um biólogo aplicasse aos humanos

um método próprio para estudar animais e plantas.Este é um exemplo claro do quanto esses sociólo-gos estavam tomados pelo já citado “paradigma daimunidade humana” às variáveis naturais – ou seja,a idéia de que os homens seriam a única espéciecujo crescimento exponencial não teria limites nemimplicações sobre a natureza. Em segundo lugar,rejeitavam a perspectiva malthusiana de Ehrlich,estabelecendo-se firmemente no campo daquelespara quem o crescimento populacional não é umproblema grave, ou sequer um problema. issoderiva de uma visão profundamente utilitaristasobre a natureza, que defende a expansão contí-nua da espécie humana para além de quaisquerconsiderações sobre a base de recursos naturaisque sustentam a espécie.

De fato, havia um tom malthusiano em Thepopulation bomb se pensarmos nos dados sobre apobreza com que Ehrlich lidava. No entanto, oautor afirmou que também as populações dos paí-ses ricos tinham crescido exponencialmente, ouseja, não os “inocentava” – detalhe importante queos críticos não sabem justamente porque não oleram devidamente. Ehrlich focalizava a tensão queconsiderava mais alarmante, qual seja, a coincidên-cia de haver cada vez mais pessoas e menos comi-da nos países pobres; foi por esse motivo que sedeteve no estudo desses países. Fundou um movi-mento/organização denominado ZPG (Zero Popu-lation Growth [Crescimento Populational Zero]),incentivando campanhas para conter o crescimentopopulacional e estimular o planejamento familiar,tanto em países ricos como pobres.6

Ehrlich logo incorporou parte das críticasrecebidas. Em outro livro – The end of affluence,lançado em 1974, com a colaboração da sua espo-sa, Anne Ehrlich, deu o devido peso ao papel dosníveis elevados de consumo dos países mais ricosno quadro do esgotamento de recursos naturais.Embora menos numerosos e com crescimentopopulacional muito mais lento (no século XX) emcomparação com o que ocorria em países subde-senvolvidos, esses países consumiam proporcio-nalmente muito mais recursos naturais e, por isso,tinham um maior peso na destruição ambiental emescala planetária. Esse tipo de “regra de três” sebanalizou, aliás, na literatura ambientalista, princi-palmente na dos ambientalistas “sociais” ou parti-dários da “ecologia política”, que muitas vezes

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pensam que um biólogo não possui a sensibilida-de para perceber as nuanças que envolvem asquestões ambientais – pensam assim porque nãoleram Ehrlich. Este autor passou a cruzar os dados eas taxas de crescimento populacional com os níveismédios de consumo. Em The end of affluence, osautores discutem, para além da análise de paísessubdesenvolvidos, indicações da insustentabilidadedo moderno modelo industrial de países ricos,enfocando sua voracidade por recursos naturais.

Vale lembrar da crítica ao Brasil numa breveseção intitulada “O Brasil: o gigante adormecidoque pode morrer em breve” (pp. 128-137), que sesegue a outra seção – igualmente crítica – sobre o“sobre-desenvolvimento” japonês no período pós-1945. Ehrlich critica o Brasil não apenas pelo cres-cimento populacional, mas também por sua adoçãosôfrega de um modelo de crescimento acelerado,baseado em grandes unidades de produção e noconsumo abundante de energia. Mais especifica-mente, a crítica recai sobre o que chamamos de“milagre brasileiro” da década de 1970, alvo detodo ambientalista que se preze. É curioso vercomo esse texto breve e até superficial, bastantedesconhecido entre os brasileiros, contém argu-mentos (certos ou equivocados) que hoje estãointegralmente incorporados nas análises de neófi-tos do ambientalismo “social” ou “de esquerda”brasileiros – disparidades regionais do desenvol-vimento, concentração de renda, expansão dasoja e outras monoculturas, ocupação desordena-da da fronteira amazônica, inadequação dos solosamazônicos para cultivos de grande escala, esca-lada da construção de estradas, deslocamento depopulações indígenas, posição “pró-poluição” dadelegação brasileira na Conferência de Estocolmoetc. Trata-se de uma agenda de temas sociais bas-tante respeitável para um “simples naturalista”…

Assim, para Ehrlich, o foco no crescimentopopulacional não foi um obstáculo para a constru-ção de uma relação mais racional entre os sereshumanos e os meios de suporte extraídos domundo natural. Ainda baseado no conceito bioló-gico de “capacidade de carga” do planeta, eleintroduziu nesse segundo livro, como variáveisintervenientes, a moderna tecnologia de grandeescala e os níveis médios diferenciados de consu-mo dos recursos naturais dos países ricos – e atéde um país emergente como o Brasil.

Desde então o conceito biológico de “capaci-dade de carga” se inscreveu de modo indelével –se bem que nem sempre explicitamente – na lite-ratura científica e nos debates políticos e ideológi-cos sobre o meio ambiente. Muitos cientistas eambientalistas “sociais” ainda o ignoram ou sim-plesmente o desconsideram. No entanto, o maismoderno e flexibilizado conceito de sustentabilida-de, proposto pela Comissão Brundtland, nasceu daconcepção de “capacidade de carga”, buscando,além disso, resolver a mesma fração implícita nessaidéia. Ninguém mais se choca hoje em dia quando,por exemplo, um estudioso divide a oferta de águadoce dos mananciais de uma bacia hidrográficapelo número de consumidores e chega a uma cifraindicativa do nível alegadamente “sustentável” deconsumo por habitante. Isso se tornou um proce-dimento tão imprescindível quanto banal.

A implicação mais ampla da reflexão deEhrlich sobre o crescimento populacional é que ahumanidade trilha um caminho insustentável, poistende a consumir mais do que a natureza tem aseu dispor e mais do que a capacidade produtivainstalada pela sociedade humana consegue aten-der. Pode-se discordar dele, ou chamá-lo decatastrofista e neo-maltuhisiano, mas é precisoadmitir que, no final das contas, Ehrlich não é tão“naturalista” assim…

A extinção de espécies e a biodiversidade –efeitos sobre os homens

Extinction: the causes and consequences ofthe disappearance of species (Ehrlich e Ehrlich,1985 [1981]) contribuiu decisivamente para inserirna agenda ambiental global dois outros tópicosbastante correlacionados – a extinção de espéciese a proteção da biodiversidade. Novamente, trata-se de um cientista natural analisando um proble-ma natural que, por sua vez, se tornou tambémambiental, ou seja, um problema situado na inter-face natureza-sociedade. É verdade que há déca-das botânicos e zoólogos já lidavam com o pro-blema de extinção de espécies (e da conseqüenteperda de diversidade), advindo tanto de causaspuramente naturais, como das atividades huma-nas. No entanto, os cientistas sociais só prestaramatenção nesse problema depois que um grupo de

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cientistas naturais sistematizou dados a esse res-peito em escala planetária, estabelecendo correla-ções importantes entre extinção de espécies e ati-vidades humanas – desmatamento, caça ou pescaindiscriminada, poluição, eliminação de habitats,expansão de fronteiras agrícolas etc. –; ressaltou,ainda, o valor da biodiversidade para o bem-estardos humanos, discutindo sobre isso por muitotempo e incansavelmente. Ehrlich foi um dos líde-res desse grupo.7

Focalizado, é evidente, em plantas e animais,no entanto, esse estudo sistematiza (principalmen-te no Capítulo 4) informações e análises sobre osbenefícios que aqueles trazem para a humanidade,em termos de alimentos, remédios, materiais deconstrução, fontes de energia, controle biológico(de “pragas”), serviços ambientais etc. Basta ler ostítulos de capítulos ou seções – por exemplo,“Benefícios econômicos diretos da preservação deespécies”; “Extinções e serviços ecossistêmicos”; “Ocomércio de animais selvagens”; “Energia e destrui-ção de habitats”; “Reprodução em cativeiro”;“Geração e manutenção de solos”; “Desenho dereservas”; “Recuperação de ecossistemas”; “Regula-ção da oferta de água doce”; “Polinização” – paraver que se trata principalmente de um livro sobrecomo as atividades humanas influenciam a vida nanatureza, de um lado, e como as plantas e os ani-mais atuam em nosso benefício, de outro. É umprecursor de muitas pesquisas, impulsionou car-reiras científicas e desencadeou políticas de prote-ção de espécies. Três capítulos inteiros (8, 9 e 10),bem ao gosto do ativista Ehrlich, são dedicados ao“que estamos fazendo e o que podemos fazer”,ressaltando leis, políticas e práticas relevantes quetiveram êxito em muitos países.

No Capítulo 3, o autor envereda por umcampo mais propriamente filosófico, sistematizan-do razões “simbólicas” para não se extinguir ani-mais e plantas – compaixão, estética, fascinação eaté o seu “direito intrínseco à existência”. Nesseaspecto Ehrlich, tal como fez Leopold quase trin-ta anos antes, com mais profundidade, tangenciaa raiz de uma corrente do ambientalismo contem-porâneo, a deep ecology, ou “ecologia profunda”,que assume uma posição biocêntrica ou ecocên-trica. Em outras palavras, o “naturalista” Ehrlichmais uma vez extrapola seu nicho e trata de ati-vidades produtivas, valores humanos, argumentos

utilitaristas e filosóficos, áreas em que muitoscientistas sociais, engajados apenas recentementena questão ambiental, acreditam-se pioneiros.8

Esgotamento de recursos naturais –a dispensa planetária se esvazia

Outro tema importante para a formação docampo do ambientalismo moderno é o do esgota-mento da oferta de recursos naturais. Esse temapreocupou cientistas e governantes europeus demeados do século XX, porém por razões especifi-camente políticas, ou seja, o esgotamento derecursos como conseqüência dos bloqueioscomerciais ocorridos nas duas grandes guerrasmundiais, do fim do colonialismo e das ameaçasou práticas de boicotes durante a Guerra Fria. Noentanto, foi apenas no âmbito da nascente preo-cupação ambiental global que a escassez passou aser vinculada ao funcionamento “normal” da eco-nomia mundial, e não uma decorrência de guer-ras, boicotes etc.

A questão emergiu como problema ambien-tal pleno com a publicação de um livro que teveuma enorme divulgação e influência duradoura,intitulado The limits to growth (Meadows et al.,1978 [1972]), também conhecido informalmentecomo “Relatório do Clube de Roma”. Foi traduzi-do para cerca de trinta línguas, em grandes tira-gens e debatido durante anos em todo o mundoe todo tipo de fórum. Trata-se de um estudo cole-tivo, interdisciplinar e bastante inovador, realiza-do por um grupo de dezessete pesquisadores dealto nível, oriundos de pelo menos seis países eliderados por Dennis Meadows e Donella H.Meadows, do Massachusetts Institute of Techno-logy (Estados Unidos) – peritos em teoria dos sis-temas, informática, recursos naturais, poluição,agricultura, mineralogia, econometria, ciênciapolítica e administração.

Embora seu marido, Dennis Meadows, fosseo diretor do projeto e detivesse os direitos autoraisdo relatório que deu origem ao livro, foi a norte-americana Donella Meadows (1941-2001) quememergiu como o porta-voz do grupo. Graduadaem química com Ph. D. em biofísica, era tambémanalista de sistemas; fez carreira no MassachussetsInstitute of Technology e no Dartmouth Colllege,

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e, graças à repercussão do livro e ao fato de tersido uma exímea debatedora e divulgadora dasidéias ali propostas, tornou-se, por assim dizer,uma “cidadã do mundo”.

Por anos a fio esse livro gerou polêmicas edesencadeou eventos, pautou o trabalho deoutros cientistas, inspirou relatórios similares,tanto aliados como rivais, e influenciou a discus-são de tratados internacionais e planos de desen-volvimento. Donella Meadows aproveitou essemovimento para criar o International Network ofResource Information Centers, também chamadode Grupo Balaton. Essa rede é uma espécie dethink tank que reúne analistas de sistemas de cin-qüenta países, comprometidos com o aumento daeficiência no manejo de recursos naturais, tendoem vista seu uso sustentável. Em 1992, ainda naesteira do impacto do livro lançado vinte anosantes, Donella Meadows lançou outro livro, quepode ser considerado uma atualização do primei-ro: Beyond the limits (Meadows et al., 1992). Comefeito, quando muitos cientistas sociais começa-vam a se interessar pela questão ambiental,Meadows já estava dando continuidade àqueleprojeto ambiental fundador.

Em The limits to growth, o grupo de pesqui-sa do MIT discutiu cinco fatores como limitadoresdo crescimento econômico global: aumento dapopulação, estagnação da produção agrícola (porcausa da exaustão de solos apropriados), exaus-tão dos recursos naturais (principalmente petró-leo e certos minérios), pressões da produçãoindustrial crescente e poluição. Nenhum delespode ser considerado um assunto exclusivamente“natural”, pois todos têm causas e implicaçõessociais. Vale lembrar que, mesmo com a ausênciade biólogos na equipe, continuavam em evidên-cia temas, como crescimento populacional e“capacidade de carga” do planeta, tão caros aosbiólogos.

Meadows e equipe usaram uma modelagemcomputadorizada, muito sofisticada para a época,para desenvolver cenários baseados em análisemultifatorial e em correlações simples e múltiplas.Este é hoje um procedimento comum adotadopor universidades, planejadores governamentais,grupos de pesquisa, consultores e empresas. Osmodelos absorviam e processavam, segundo osdiferentes cenários programados, grandes volu-

mes de dados sobre a disponibilidade de recursos(solos agrícolas, minérios e fontes de energia), oconsumo de recursos naturais e alimentos, o cres-cimento populacional, as cargas de poluição lan-çadas nas águas e no ar etc. Todos os cenáriosdesenvolvidos (que incluíam mudanças “atenuan-tes”, como a multiplicação hipotética de reservasde minérios ou o aumento da produtividade agrí-cola) indicavam fortes possibilidades de colapsossociais, econômicos e ecológicos globais, advin-dos da fome, da exaustão de petróleo e de certosminérios cruciais para a vida industrial, da des-truição de solos agrícolas e da contaminação doambiente natural por substâncias tóxicas. Algunsocorreriam dentro de poucas décadas, caso as ati-vidades produtivas e a população continuassem acrescer no mesmo ritmo.

Para alguns o livro era uma profecia catastró-fica e iminente, para outros, um diagnóstico alar-mante, mas representou antes de tudo um modelopara realização de novos estudos. Contudo, foiduramente criticado por marxistas e estudiosos deoutras linhagens, por nacionalistas e por cientistasdo terceiro mundo. Eles o consideraram determi-nista, alarmista, insensível à capacidade humana defazer adaptações políticas e sociais que pudessemevitar as catástrofes previstas. Creio que seja umacrítica injusta, pois a própria teoria dos sistemas(que orientou a equipe de Meadows) pressupõe aocorrência de “retroalimentações positivas”, combase em constatações, decisões e mudanças decomportamento capazes de reverter ou suavizar acrise de qualquer sistema.

Por causa de sua preocupação com o cresci-mento populacional, o livro também foi rotuladode “neomalthusiano”, o que era previsível. A críti-ca de políticos e cientistas dos países subdesenvol-vidos incidiu sobre o fato de eles o consideraremuma tentativa “imperial” dos países ricos de res-tringir o processo de desenvolvimento dos maispobres, em nome da amenização dos impactos dasatividades humanas sobre o ambiente natural emescala global. Cientistas sociais que também o cri-ticaram ainda sucumbiam ao paradigma do “socialpelo social” e reduziam a questão ambiental a maisum item das polaridades entre países ricos epobres, mas ao menos começavam a prestar aten-ção à questão ambiental e aos dados necessáriospara aferir sua existência e mensurá-la.

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Independentemente de errar em quase todasas suas previsões – risco inerente à construção decenários –, há dois méritos relevantes que nãopodem ser esquecidos: (1) a idéia de que a con-tinuidade da espécie humana precisa ser debatidano contexto das limitações biofísicas do meionatural e (2) o impulso à realização de estudossimilares, de caráter global, regional ou nacional,focalizados de forma abrangente nas relaçõesentre os estoques de recursos naturais e as ativi-dades humanas. Ou seja, Meadows e co-autoresmantiveram em pauta o conceito de “capacidadede carga” como instrumento legítimo de pesquisasobre problemas sociais e econômicos. Esses doispreceitos estão na linhagem ascendente direta doconceito de desenvolvimento sustentável.

A “tragédia” dos recursos de propriedadecomum – desafios à capacidade deorganização social

Outro texto de forte influência no campo doambientalismo é um pequeno artigo intitulado“The tragedy of the commons”, de Garrett JamesHardin (1915-2003), publicado originalmente em1968 na revista Science. Norte-americano, forma-do em zoologia e com Ph.D. em microbiologia,Hardin fez uma longa carreira universitária naUniversity of California (Santa Barbara), onde setornou professor emérito de ecologia humana.Era um perito em questões de dinâmica de popu-lações, humanas ou não. Entre sua extensa obra –350 artigos e 27 livros – o artigo supracitado foirepublicado em mais de cem coletâneas, obtendogrande repercussão no mundo inteiro e foi duran-te muitos anos o artigo científico mais lido, citadoe debatido em todo o mundo. Em 2003, num tri-buto ao autor, a revista Science dedicou um núme-ro especial aos 35 anos de contínuos debates emtorno do polêmico artigo originalmente divulgadoem suas páginas. Hardin foi, portanto, mais umprestigiado cientista natural que formou a basepara o debate ambiental contemporâneo.

Não só cientistas naturais, mas também eco-nomistas, sociólogos, antropólogos, cientistas políti-cos e psicólogos discutiram suas idéias. Assim comooutros autores já citados, Hardin estimulou, de umlado, cientistas naturais a se ocuparem das dimen-

sões sociais e políticas das questões ambientais e, deoutro, desafiou sociólogos a abrir novas linhas depesquisa, utilizando-se de seus instrumentais. Alémdisso, era engajado em organizações e causas sociais,como a legalização do aborto, a referida ZeroPopulation Growth (fundada por Ehrlich) e o com-bate à imigração ilegal nos Estados Unidos.

Apesar de sua formação, a abordagem deHardin nesse famoso artigo – que no Brasil émuito mais citado do que lido – era visceralmen-te cultural ou política, e não naturalista. Segundoele, no uso de recursos naturais de propriedadecomum, o interesse individual tende a prevalecersobre o interesse coletivo se não houver regraseficazes de acesso e uso. Isto é, nesse caso a dinâ-mica do uso dos recursos é movida pela ambiçãode usufruí-los individualmente, em detrimento dointeresse geral a curto ou a longo prazo. SegundoHardin, o acesso não-regulamentado a uma áreacomum ou a um estoque de recursos naturaistende a facilitar um uso irracional e, eventualmen-te, gerar seu esgotamento, com prejuízo paratodos, independentemente da intenção de cadausuário, que apenas procura maximizar seu ganhoindividual. Chamou isso de “tragédia dos recursosde propriedade comum”.

O exemplo que usou no famoso artigo é sim-plório e, rigorosamente, contraditório à sua pre-missa, conforme apontado por sociólogos e antro-pólogos. Ele imaginou uma situação em que umacomunidade camponesa hipotética mantém umaárea de pastagem comum que, no entanto, acabasendo sobre-explorada pelo acúmulo de decisõesindividuais maximizantes – o aumento de animaisno pasto para além do ecologicamente possível –,levando a uma eventual degradação deste. Oexemplo de fato não é dos mais felizes, pois a pre-valência do interesse individual significa que asregras de uso comum são fracas ou inexistentes.Ou seja, a situação imaginada de uma proprieda-de comum deteriorada não previa regras social-mente acatadas. Além do mais, há o equívoco“etnográfico” de supor que nessa comunidade apastagem seria de propriedade comum, mas osanimais, propriedade individual. Isto é, cada donode animais estaria submetido também a regrascomunitárias referentes ao pastoreio, o que impli-ca regras não apenas “deterioradas”, mas dealcance limitado.

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No entanto, a concepção trágica inferida notexto não é invalidada pela fragilidade do exem-plo. Hardin tinha por base o conceito biológicoda “capacidade de carga”; ele associava, assimcomo Ehrlich, a “tragédia” ao crescimento popu-lacional explosivo da humanidade, de recursosmuito mais volumosos mas tão finitos quanto osde um pasto. No caso do exemplo, a comunida-de camponesa entraria em colapso por causa dadestruição dos recursos naturais que lhe davamsuporte, alimentando seu rebanho.

O inevitável rotulamento de “neomalthusia-no” foi a crítica menos contundente que Hardinrecebeu. Em contrapartida, foi considerado umdefensor da privatização desregrada dos recursosnaturais. De fato, foi um crítico severo de muitosmecanismos estatais de controle sobre os recursose simpatizante de algumas soluções de mercado.Curiosamente, no entanto, sua posição – geral-mente surpreendente para críticos que nuncaleram sua obra – era de que os recursos naturaissó seriam usados racionalmente com a existênciade regras de acesso acatadas e bem definidas, fos-sem elas públicas ou privadas.

A fé de Adam Smith de que a “mão invisíveldo mercado” levaria ao bem comum no domínioeconômico e social não ecoa no pensamentoambiental de Hardin, que supunha precisamente ocontrário, ou seja, decisões individuais, pulveriza-das e desregradas, levariam ao esgotamento dosrecursos naturais e, conseqüentemente, a um “malcomum”.

O fato de Hardin ser cético quanto a certasregras governamentais ou coercitivas não significaque ele era contra todas as regras, ou a favor ape-nas de regras liberais. Na verdade, parte das “solu-ções” que ele propunha se baseavam no “altruís-mo” (assunto ao qual se dedicou extensamenteem outros textos), ou seja, uma postura ética emque cada indivíduo deveria se preocupar com asimplicações de suas decisões sobre o bem-estarcomum. Tal preocupação só ocorreria com a inter-nalização de regras adequadas de comportamentoque levassem em conta o próximo. Ainda assim,Hardin era cético quanto à eficácia do altruísmopara além de pequenos grupos sociais. Sustentavaque este se diluiria em meio a rivalidades e egoís-mos étnicos e nacionais das grandes e complexassociedades modernas. Com certeza, Hardin, tal

como Aldo Leopold, pensou a questão ambientaltambém no terreno da filosofia, da ética e dos fun-damentos do comportamento humano.

As questões levantadas naquele pequenoartigo em torno da propriedade comum – ou, maisfreqüentemente, da propriedade pública ineficaz –dos recursos naturais em face do seu esgotamento,do crescimento populacional e das formas de açãocoletiva apropriadas no sentido de aproveitá-losracionalmente estimularam cientistas sociais a cons-truírem um campo de estudo novo e bastante rele-vante – Common Property Resources (CPR) –, queatraiu, entre outros, cientistas políticos, como ElinorOstrom (ver Ostrom, 1990), e economistas, comoMancur Olson (ver Olson e Landsberg, 1973).Talvez devamos a Hardin a importante inovaçãoconceitual de abordar de maneira sociopolítica osrecursos naturais como bens públicos, isto é, comobens cuja disponibilidade depende de ação coleti-va e de regras construídas por grupos sociais e pelopoder público. O resultado mais pragmático dessaidéia talvez tenha sido apresentar a necessidade dacriação de regras de acesso e de uso dos estoques derecursos naturais de maneira teórica e conceitual, oque hoje é um consenso. Novamente, vemos umbiólogo abordando um tema ambiental de fundo,com reflexões sobre o seu conteúdo social, eco-nômico, cultural e político; nesse caso o autor che-gou a estimular os cientistas sociais a desenvolve-rem abordagens mais inovadoras.

A saúde do planeta e dos humanos

O inglês James E. Lovelock (1919) formou-se em química e pós-graduou-se em medicina ebiofísica. Ele próprio se define como um pesqui-sador independente, mas em diversos momentosde sua carreira esteve ligado à Oxford Universitye a outras universidades e institutos de pesquisa,como Yale e Harvard. É outro cientista que pode-ria ter-se dedicado apenas a uma carreira “natura-lista”, com grande sucesso e impacto. Inventou,em 1957, um aparelho conhecido como ECS(Electron Capture Detector), que permite analisara composição química de misturas de gases (pormeio da cromatografia), podendo identificar tra-ços de gases muito rarefeitos de até uma partepor trilhão (ppt). Esse aparelho revolucionário

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ajudou na análise de muitos aspectos da atmosferaterrestre e também de outros planetas. Foi usadopara identificar sinais de vida em outros planetas,quando Lovelock, a serviço da Nasa, na década de1960, ajudou na concepção da sonda interplanetá-ria Voyager.

Outra descoberta científica pioneira deLovelock foi a do destino dos gases CFCs, produ-zidos sinteticamente em larga escala desde adécada de 1930 e disseminados pelo mundo aforapor sistemas de refrigeração. Inspirado em RachelCarson, que mapeou a maneira pela qual o sinté-tico DDT se espalhava pelos ecossistemas e orga-nismos, Lovelock, no final da década de 1960,decidiu se empenhar em descobrir onde se esta-beleciam esses gases sintéticos, cujos efeitos dele-térios ainda eram insuspeitados. Em 1972, adaptouseu aparelho ECD e embarcou numa longa viagemde barco, de norte a sul do oceano Atlântico.Documentou, então, pela primeira vez concentra-ções significativas dos CFCs na atmosfera.9 Issodesencadeou o que ele chamou de “guerra doozônio”, ou seja, o longo e complexo debate emtorno da destruição da camada de ozônio pelaação dos CFCs liberados na atmosfera.

Esse debate, por sua vez, deu origem a umvolume inédito de pesquisas sobre a atmosfera,suas mudanças e seus efeitos sobre o clima glo-bal. Lovelock fez outras descobertas importantessobre a distribuição e os papéis biológicos e cli-máticos de outras substâncias (naturais e sintéti-cas), não apenas na atmosfera, mas também nosoceanos e na crosta terrestre. Dessa forma, essecientista também participou dos primórdios dadiscussão sobre o tão conhecido atualmente “efei-to estufa” – aquecimento planetário causado ouacelerado pelo aumento de concentrações de cer-tos gases na atmosfera, e as conseqüências emtermos de mudança climática. Vale lembrar queao longo de sua carreira teve como principal cola-boradora e co-autora de muitos textos a bióloganorte-americana Lynn Margulis.

Ainda em plena atividade, Lovelock é hojeum dos mais influentes cientistas e divulgadoresdas questões ambientais. Sua fama decorre princi-palmente dos livros Gaia: a new look at life onearth (1979) e The ages of gaia (1988). O primeiroapresenta uma “hipótese” ou a “teoria de Gaia”; osegundo responde a críticas, mostrando novas evi-

dências e novas argumentações a respeito de suateoria. Trata-se de uma forma singular de entendernosso planeta como um grande organismo vivo. Aatmosfera, os oceanos, os continentes e todas asformas de vida formam, segundo Lovelock, umsistema complexo e ativo, capaz de agir e reagir aalterações (“naturais” ou induzidas pelos homens)e de restabelecer as condições necessárias para oprosseguimento e a evolução da própria vida.

Ele afirma que o princípio básico da “teoria deGaia” lhe ocorreu quando se deu conta do caráterquimicamente “inerte” ou “entrópico” das atmos-feras de outros planetas. Em contraste, a atmosferada Terra, sua temperatura e a salinidade dos ocea-nos, entre outros aspectos, apresentam conteúdosdinâmicos e “altamente improváveis”, mas aindaassim relativamente equilibrados e duráveis, reve-lando-se não-entrópicos. A explicação disso, paraele, é que esses compartimentos do planeta são,por assim dizer, “manipulados” pela vida parareproduzir as condições favoráveis a ela.

Apesar das críticas e contestações que apon-tam falhas como, por exemplo, certo teleologismoe uma implausível intencionalidade da vida emperpetuar a si mesma, a hipótese de Gaia ajudoumuitos cientistas a contextualizar os problemasambientais atuais em escalas de tempo maisamplas, em escalas espaciais globais e num abran-gente esquema de auto-regulação por forças bio-geofísicas que agem muito além da esfera e dacapacidade de intervenção da cultura humana.

Em termos sociais ou filosóficos – a dimensãoque nos interessa aqui –, a hipótese de Gaia temcontribuído para que muitos estudiosos considerema humanidade uma variável tardia e periférica nosgrandes processos de mudança e de manutençãoda vida e, por conseqüência, nas questões ambien-tais. Lovelock entende que a humanidade gera, sim,ameaças à vida, mas sobretudo em suas manifesta-ções “macro”. Podemos extinguir espécies macro(mesmo não querendo fazê-lo); no entanto, somosincapazes de extinguir os microorganismos (mesmoque quiséssemos); estes são, na visão do autor, abase dos grandes processos mantenedores da vida.Assim, Lovelock também se preocupa com a sus-tentabilidade da vida, mas o faz a partir de umparadigma biogeofísico, no interior do qual a aven-tura humana é uma parte ínfima de processos avas-saladoramente maiores e mais complexos.

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O pensamento de Lovelock, portanto, apre-senta um aparente paradoxo: sua preocupação coma continuidade da vida no planeta convive com avisão de que o ativismo, o planejamento e o geren-ciamento ambientais talvez não sejam tão eficazesquanto podemos imaginar para a manutenção davida. Para aqueles convencidos de que a açãosocial pode “salvar o planeta”, esse é um pecadoimperdoável do autor. De fato, a visão decorrenteda “teoria de Gaia” “apequena” a ação dos huma-nos no contexto de processos complexos e delongo prazo, nos quais não se pode interferir ousua interferência é diminuta. O máximo queLovelock considera que os homens podem fazerpara ajudar a perpetuar a vida (e conservar oambiente natural) é interromper atividades alta-mente destrutivas. Isso não significa que ele “libe-ra” a humanidade para destruições “menores”; aocontrário, ele participa, como cientista e cidadão,de iniciativas favoráveis à conservação do meioambiente. No entanto, duvida da eficácia de muitasiniciativas de grande escala anunciadas como “sal-vadoras” do planeta.

Por conta disso, muitos cientistas sociais eambientalistas “sociais” hesitam em avaliar Lovelock.Se, de um lado, aprendem com a “teoria de Gaia” –apreciando especialmente sua visão “organicista”que enfatiza o equilíbrio dos grandes processosvitais e a capacidade da vida de lutar pela sua pró-pria continuidade; de outro, preferem agir ou apoiarações e atitudes que Lovelock considera fúteis, criti-cando-o por estimular o grande público a assumiruma atitude contemplativa em relação a atividadesnotoriamente deletérias à vida. Em meados de2004, Lovelock decepcionou alguns de seus admi-radores ao se manifestar publicamente em favor daexpansão da energia nuclear, mas ele se justifica deforma previsível – considera a energia nuclear maislimpa e segura, uma forma menos impactante deproduzir a energia necessária para movimentar asatividades humanas.

De qualquer maneira, temos também emLovelock um cientista natural que discute temasnovos e caros aos ativistas e sociólogos interessa-dos na questão ambiental, se bem que de umaforma que curiosamente qualifica certas açõeshumanas como irrelevantes perante as grandesforças da natureza. Dos autores analisados nesteartigo, é o que mais se aproxima do chamado

“naturalismo”, embora tenha conseguido mobili-zar a atenção e a ação de milhões de pessoas, degovernos nacionais e de organismos internacio-nais para muitos problemas naturais com implica-ções sociais.10

Considerações finais

Espero ter ao menos ilustrado a contentoque a base das principais questões que hoje cha-mamos de ambientais está no trabalho árduo deestudiosos do campo das ciências naturais, assimcomo ter logrado alertar os cientistas sociais parao quanto ainda podem aprender com a leituradessa literatura.

Além do seu pioneirismo propriamente “te-mático”, tentei mostrar que o moderno conceitode sustentabilidade – dentro do qual trabalha agrande maioria dos cientistas sociais que atual-mente se ocupam da questão ambiental, em qual-quer de suas dimensões – tem raízes no conceitobiológico de capacidade de carga, o qual foi lar-gamente utilizado nas pesquisas ilustradas nesteartigo. Com efeito, esses trabalhos foram tambémpioneiros em termos conceituais e metodológicos.Reitero, portanto, a necessidade desse alerta nosentido de aprimorar a pesquisa no contexto deconcepções atuais que trabalham com o conceito“brundtlandiano” mais abrangente de sustentabili-dade, e assim avançar o conhecimento.

É um fato relevante – nem sempre destacadono campo das ciências naturais – que países sub-desenvolvidos consomem recursos e poluemmuito menos do que países ricos, mas essa distin-ção não muda a substância da fração básicadesenvolvida nos estudos de capacidade de carga.Essa constatação apenas pondera os componentesdo denominador, mas a fração continua a ser ins-trumento fundamental da análise socioambiental,como afirmei no início deste artigo.

A sustentabilidade, versão revista e ampliadado conceito de capacidade de carga, complemen-ta-se com a inclusão dos princípios e requisitos deeqüidade social e econômica (entre países e povos,e dentro de cada povo e cada país) e de solidarie-dade intergeracional. No entanto, esses dois últi-mos elementos são mais éticos ou normativos doque científicos. Além do mais, eles estão presentes

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na filosofia e nas ciências sociais do Ocidente hápelo menos dois séculos. Ou seja, o núcleo pro-priamente científico do moderno conceito de sus-tentabilidade tem raízes na biologia.

Quanto mais cedo os cientistas sociaisentenderem e aceitarem isso, mais bem lidarãocom o enorme legado criado por aqueles pesqui-sadores que, na verdade, “inventaram” a modernaquestão ambiental. Com certeza, a cooperaçãodireta e indireta com cientistas naturais vislumbraganhos de conhecimento, uma vez que a inter-disciplinaridade exigida para a análise científicada questão ambiental vai muito além de tertúliasentre disciplinas irmãs, como a antropologia, asociologia e a ciência política.11

Notas

1 Exceções são os trabalhos do inglês E. F.Schumacher (1973) e do polonês-francês IgnacySachs (1986), dois economistas que abordaramquestões ambientais de forma vigorosa, influente ecriativa em momentos em que elas ainda estavamem fase de construção. Esses autores foram, aomenos, reconhecidos e valorizados quase imedia-tamente, ao contrário de um outro pioneiro, osociólogo norte-americano W. Frederick Cottrell(1955), cuja obra inovadora padeceu décadas deesquecimento.

2 Para uma visão diferente, expressa por dois soció-logos rurais norte-americanos contemporâneos deButtell, Dunlap e Catton, ver Field e Burch Jr.(1988).

3 Por falta de espaço, alguns cientistas naturais fun-dadores da questão ambiental serão apenas men-cionados. Vale esclarecer que esta amostra das con-tribuições desses autores é enviesada, uma vez queinclui apenas autores que escreveram originalmen-te na língua inglesa. Esta seção se baseia quaseexclusivamente nos escritos originais ou “primários”citados, de autoria desses cientistas. Não abordareios numerosos textos de comentaristas, discípulos ecríticos. No entanto, alguns dados biográficos ebibliográficos foram obtidos em sites acessados viapesquisas simples no browser Google, usando ape-nas os nomes dos autores. Alguns deles – comoMeadows, Hardin e Lovelock – têm sites especifica-mente dedicados a eles.

4 Os subtítulos desta seção indicam as distintas ques-tões ambientais que cada autor identificou e con-

tribuiu para divulgar com publicações a respeito.Não devem ser entendidos, no entanto, como umasugestão de que cada autor tratou apenas da ques-tão à qual está referido neste texto, nem que tenhasido o único a tratar da mesma.

5 Há referências a um episódio – que não conseguiconfirmar – que indica o quão perigoso esse livrofoi considerado: seus herdeiros (ela faleceu em1964) teriam vendido os direitos autorais do recém-lançado Silent Spring a uma indústria de pesticidas,que, assim, impediria novas edições do livro.Contudo, em diversas edições mais recentes, nadaconsta sobre isso. O livro vem sendo reeditadoregularmente pelo menos desde a década de 1980.Se alguma empresa tentou tirá-lo de circuito, fra-cassou.

6 Não entrei no mérito da questão de os autores aquiexaminados serem ou não de “direita”, como forame são muitas vezes qualificados por diferentes leito-res. Para a discussão aqui proposta, basta saber queeles foram, todos, renovadores ou mesmo icono-clastas em suas respectivas comunidades científicas.Além do mais, tais qualificativos ideológicos apre-sentam opções no mínimo esdrúxulas quando apli-cados a certas questões. Defender o controle popu-lacional seria uma visão de “direita”, e o laissez-fairereprodutivo, seria de “esquerda”? Denunciar a for-mação de desertos seria uma postura de “direita” e,em contrapartida, fomentar sua expansão, poderiaser considerada de “esquerda”? Apontar a iminênciado esgotamento de recursos naturais seria uma con-cepção de “direita”, ao passo que esgotá-los seriade “esquerda”? Ou ainda, a defesa da biodiversida-de poderia ser considerada uma visão de “direita”,e sua destruição seria de “esquerda”?

7 Edward O. Wilson (zoólogo), em suas memórias,refere-se jocosamente a alguns membros dessegrupo como a “máfia das florestas úmidas”. O grupoera formado, , além dele mesmo, por Ehrlich (bió-logo) e outros cinco cientistas naturais: JaredDiamond (médico e biólogo), Thomas Lovejoy (bió-logo), Norman Myers (biólogo e perito em manejode vida silvestre), Thomas Eisner (ecólogo) eDaniel Janzen (biólogo). Eles certamente ajudarama introduzir na agenda ambiental não apenas aquestão da extinção de espécies, mas a causa cor-relata da preservação das florestas tropicais (emvirtude dos altos índices de biodiversidade), temaconsideravelmente relevante para o desenvolvi-mento da consciência ambiental brasileira, pormotivos óbvios. A esse respeito, ver Wilson (1994).

8 Chega a ser constrangedor a apropriação equivo-cada, por parte de cientistas sociais novatos na área

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de ambientalismo, de temas e termos relacionados àextinção de espécies e à proteção da biodiversidade. Em dois encontros recentes de estudiosos e ativis-tas do meio ambiente (um deles realizado noBrasil), ouvi sociólogos afirmarem publicamenteque certos grupos sociais – indígenas, seringueirose outras populações “tradicionais” da Amazônia –protegem e mesmo enriquecem a biodiversidade,pois “criam espécies novas”. Solicitados pelas pla-téias a identificarem que espécies seriam essas, ospalestrantes citaram arroz, milho, cana-de-açúcar,laranja e manga, ou seja, espécies domesticadas, ori-ginárias de outras regiões, continentes ou biomas. Aânsia de defender as virtudes ambientalistas dessesgrupos se soma à ignorância sobre o que seja acriação de uma espécie, o que gera afirmaçõescanhestras como essas, que fazem cair no ridículoas causas que pretendem defender.

9 Foi-lhe negado o apoio financeiro solicitado aosórgãos ingleses de fomento à pesquisa para a via-gem. Os pareceristas a consideraram implausível eirrelevante. Lovelock financiou a viagem e a pes-quisa que se seguiu a ela com recursos próprios.Isso mostra que as próprias instituições de pesqui-sa tinham resistência em apoiar estudos ambientais.

10 Não pude, no espaço restrito deste artigo, dar omerecimento devido a outros cientistas pioneirosou “ícones” da questão ambiental. Apresento, pois,de forma breve autores também relevantes nessesentido: Edward O. Wilson (1929), zoólogo, umdos principais codificadores das questões acercada biodiversidade, da extinção de espécies e daproteção dos ecossistemas (inclusive florestas tro-picais úmidas); Stephen J. Gould (1941-2002),paleontólogo, um dos renovadores do darwinismoque contribuiu muito para o melhor entendimentoda extinção contemporânea de plantas e animais;Amory Lovins (1947), físico, que se notabilizou pordiscutir os aspectos ambientais, sociais, econômicose políticos das diversas modalidades (soft e hard)de energia; Barry Commoner (1917), ecólogo, pro-lífico divulgador das dimensões políticas e tecnoló-gicas das questões ambientais; Lester Brown (1940),agrônomo e economista agrícola, fundador dofamoso Worldwatch Institute. No Brasil, merecementrar em lista similar: Alberto José Sampaio (botâ-nico), Frederico Carlos Hoehne (biólogo), Cândidode Mello Leitão (zoólogo), José Cândido de MeloCarvalho (veterinário), Luiz Emygdio de MelloFilho (botânico), João Murça Pires (agrônomo),Augusto Ruschi (biólogo), Ibsen de GusmãoCâmara, Paulo Moreira da Silva, José Luiz Bélart(oficiais da Marinha de Guerra), Wanderbilt Duarte

de Barros (agrônomo), Alceo Magnanini (biólogo),Harald Edgard Strang (agrônomo), Paulo NogueiraNeto (biólogo), Adelmar Coimbra Filho (biólogo),Olivério Pinto (biólogo), Helmut Sick (biólogo),Maria Tereza Jorge Pádua (agrônoma), JoséLutzemberger (agrônomo), Flávio Lewgoy (geneti-cista e químico) e Sebastião Pinheiro (agrônomo).Sobre esses pioneiros cientistas brasileiros envolvi-dos na questão ambiental, ver Franco (2002) eUrban (1998; 2001).

11 Não abordei aqui as questões relativas à “determi-nação genética” do comportamento humano e daaplicabilidade das leis da evolução e do mecanismoda seleção natural à cultura humana. Por seremmuito mais complexas e polêmicas, ainda estãolonge de atrair cientistas naturais, de um lado, ecientistas sociais, de outro, para um campo comum.Com efeito, essas questões vão além da criação detemas e de linhas de pesquisa, pois se encontramna raiz da própria identidade dessas ciências, mos-trando a origem comum das ciências sociais com abiologia. Para quem se interessa pela interfaceentre a biologia e a sociologia, é um tema de gran-de relevância, no qual biólogos e sociólogos têmfeito investimentos consideráveis. Edward O.Wilson defende desde a década de 1970 uma abor-dagem “dura” – a sociobiologia –, apresentadamais recentemente de forma um pouco mais“suave” (consilience), mas ainda assim bastanteassertiva (cf. Wilson, 1975, 1978, 1998). Ele defen-de nada menos do que a “unificação” do sabercientífico sobre a cultura humana sob a liderançada biologia evolutiva. Para uma discussão maisponderada – mesmo que próxima da de Wilson –sobre a questão nature versus nurture (naturezaversus cultura), ver Ehrlich (2002).

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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 161

A PRIMAZIA DOS CIENTISTASNATURAIS NA CONSTRUÇÃO DAAGENDA AMBIENTALCONTEMPORÂNEA

José Augusto Drummond

Palavras-chave: Questãoambiental; Poluição; Crescimentopopulacional; Recursos naturais;Desertificação; Extinção de espécies.

Este artigo discute as contribuições desete cientistas naturais – Paul Sears,Aldo Leopold, Rachel Carson, PaulEhrlich, Donella Meadows, GarrettHardin e James Lovelock – na cons-trução da agenda ambiental contem-porânea. O autor sustenta que oscientistas sociais chegaram a ela deforma retardatária e, por vezes, par-cialmente equivocada por se apega-rem a uma tradição de explicar o“social apenas pelo social”. Muitoscometeram ainda o erro de ignorar ascontribuições daqueles pioneiros, comprejuízo para as suas próprias análi-ses. Creio que seja imprescindível quepesquisadores do campo das ciênciasexatas e humanas dialoguem deforma mais intensa sobre os temas daagenda ambiental.

NATURAL SCIENTISTS ASLEADERS IN THE CREATION OFTHE CONTEMPORARYENVIRONMENTAL AGENDA

José Augusto Drummond

Keywords: Environmental issues;Pollution; Population growth;Natural resources; Desertification;Extinction of species.

The article discusses the contribu-tions made by seven natural scien-tists – Paul Sears, Aldo Leopold,Rachel Carson, Paul Ehrlich, DonellaMeadows, Garrett Hardin, and JamesLovelock to the establishment of thecontemporary environmental agen-da. It argues that almost every majorissue in this agenda was brought upand publicized originally by naturalscientists. Social scientists interested inthese issues were latecomers, mostlybecause they held on to the “humanexemption paradigm.” Sometimesthey also ignore the contributions oftheir colleagues in the natural sci-ences, a flaw that affects negativelythe quality of their own endeavors.The article proposes that social scien-tists and natural scientists shoulddeepen their exchanges on environ-mental matters.

LA PRIMAUTÉ DESSCIENTIFIQUES NATURELS DANSLA CONSTRUCTION DEL’AGENDA ENVIRONNEMENTALCONTEMPORAIN

José Augusto Drummond

Mots-clés: Environnement; Pollution;Croissance démographique;Ressources naturelles; Désertification;Extinction des espèces.

L’article aborde les contributions desept chercheurs du domaine dessciences naturelles – Paul Sears, AldoLeopold, Rachel Carson, Paul Ehrlich,Donella Meadows, Garrett Hardin etJames Lovelock – à la constructionde l’agenda environnemental con-temporain. L’auteur défend que lesscientifiques sociaux ont conçu cetagenda de façon retardataire et, par-fois, partiellement inexacte, car ils sesont attachés à une tradition quiexplique le social uniquement par lesocial. Nombreux sont ceux qui ontcommis l’erreur d’ignorer les contri-butions de ces pionniers, au détri-ment de leurs propres analyses stric-tement sociales. Le texte proposeque les chercheurs, dans les domai-nes des sciences sociales et dessciences naturelles, dialoguent demanière plus intensive sur les thèmesde l’agenda environnemental.