a previdência injusta

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BRIAN NICHOLSON A PREVIDÊNCIA INJUSTA Como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil GMCÃO m orni

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Agora todo mundo vai conhecer e entender a realidadeda previdência brasileira. Neste A previdência injusta —Como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil o jornalistainglês Brian Nicholson inova ao mostrar, de maneiraclara e simples, a ligação entre a previdência e a injustiçasocial no país.

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BRI ANNI CHOLSONAPREVIDNCIAINJUSTAComo o fim dos privilgios pode mudar o BrasilGMCOmorniAgora todo mundo vai conhecer e entender a realidade da previdncia brasileira. Neste A previdncia injusta Como o fim dos privilgios pode mudar o Brasil o jornalista ingls Brian Nicholson inova ao mostrar, de maneira clara e simples, a ligao entre a previdncia e a injustia social no pas. O autor prope uma Nova Previdncia, igual para todos, com uma breve transio, para reduzir o fosso entre ricos e miserveis e resolver o problema fiscal. Dirigido ao leigo, a cada um de ns, este um livro essencial para quem se preocupa com o prprio futuro e do pas.Por BrianNicholsonA PREVIDNCIAINJUSTAC o m o o f i md o s p r i v i l g i o sPODEMUDAROBRASILGERAODEDICAOAos milhes de brasileiros e brasileiras que tiveram a infelicidade de nascer sem nenhum direito adquirido, numa das sociedades mais desiguais e injustas do mundo.A PREVIDNCIA INJUSTAComo o fim dos pr ivil gios pode mudar o Br asilCopyright 2007 by Brian Nicholson i edio -julho de 2007Distribuio Nova Fronteira Rua Bambina, 25 -Botafogo CEP: 22251-050 -Rio de Janeiro -RJ Tel.: (21) 2131-1121 -Fax: (21) 2537-2009 www.novafronteira.com.brA G er a o E d i t o r i a l u ms el o d a E d i o u r o P u b l i c a esGerao de Comunicao Integrada ComercialLtda.Rua Major Quedinho, 111-20 andar CEP: 01050-904-So Paulo-SP Tel.: (11) 3256-4444 -Fax: (11) 3257-6373 www.geracaoeditorial.com.brEditor e Publisher Luiz Fernando EmediatoDiretora Editorial FernandaEmediatoProjeto grfico e diagramao Alan MaiaPreparao Hugo AlmeidaRevisoJosias A. AndradeDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Nicholson, Brian A previdncia injusta: como o fim dos privilgios pode mudar o Brasil / por Brian Nicholson. - So Paulo:Gerao Editorial, 2007.ISBN 978-85750915621. Previdncia social - Brasil I. Ttulo.07-3724CDD: 368.400981ndices para catlogo sistemtico:1. Brasil: Previdncia social368.4009812007 Impresso no Brasil Printed in BrazilSUMRIOUM PREFCIO PESSOAL..............................................................111AVERGONHOSAETEIMOSA DESIGUALDADEBRASILEIRACAPTULO1Desigualdade tem explicao..................................................21CAPTULO2Solues mticas, hericas, mirabolantes e... sensatas...............30CAPTULO3Na pista do problema............................................................... 41PREVIDNCIANUMA SOCIEDADEINJUSTACAPTULO4Previdncia - todo mundo quer................................................55CAPTULO5A previdncia brasileira hoje..................................................... 618BRIANNICHOLSONCAPTULO6O que valor justo? O que privilgio?................................... 77CAPTULO7Quem so os privilegiados?.......................................................85CAPTULO8Ser que h mesmo um dficit?..............................................165%UMANOVAPREVIDNCIAPARA UMA SOCIEDADEMAISJUSTACAPTULO9Por que no melhorar a previdncia que temos?...................195CAPTULO10Princpios ticos para uma Nova Previdncia......................... 201CAPTULO11A estrutura da Nova Previdncia............................................ 215CAPTULO12Transio - como atravessar o Rubico?.................................2424DIREITO ADQUIRIDO?OUPRIVILGIOADQUIRIDO?CAPTULO13Direito adquirido - uma lei a servio de quem?.......................261CAPTULO14A temeridade de discutir mudanas.......................................267A PREVIDNCIA INJ USTA9CAPTULO15Parece que a sociedade apia os direitos adquiridos.............281CAPTULO16Algumas dvidas finais.............................................................291f=S|5CONCLUSESCAPTULO17Que pas deixaremos para os nossos filhos?............................ 301 NDICE REMISSIVO................................................................... 327ANEXOSOs Anexos deste livro, mencionados no texto, oferecem mais informaes e detal hamento dos clculos. Encontram-se para download gratuito no site do livro, junto com alguns dos documentos, estudos e relatrios mencionados no texto; notcias e matrias da imprensa sobre o livro, e espao para comentrios e debate sobre o tema www.previdenciainjusta.com.brUM PREFCIO PESSOALPor que este livro?que levaria um ingls meio abrasileirado mistura de jornalista e economista, que aqui aportou h 30 anos como hippie, de jeans e mochila a dedicar mais de um ano para escrever sobre a previdncia e seu papel na perpetuao da desigualdade? E por que me arriscar em portugus, essa bela segunda lngua que adquiri com a pacincia dos amigos, amigas e balconistas de botequim, aps a temeridade de aqui chegar sem saber falar nem bom dia?Como sempre, em perguntas desse naipe, a resposta pode ser breve ou demorada. Superficialmente, podemos dizer que escrevi este livro porque no sei fazer outra coisa. Passei a maior parte da minha vida trabalhando como correspondente estrangeiro, relatando o Brasil para o mundo, e depois em vrios tipos de jornalismo econmico, principalmente escrevendo para empresrios e potenciais investidores. No sei fazer sapato, muito menos vend-los, nem dirigir multinacional ou criar gado. Por bem ou por mal, s sei pesquisar, escrever e explicar. Isso seria a resposta mais simples. Mas a resposta verdadeira outra.Logo depois de chegar no Brasil, tive a oportunidade de passar um ano numa antiga fazenda no interior do Rio. Lugar de rara beleza, cado, mas, ainda assim, cinematogrfico. Uma casa-sede com capela prpria, tartarugas centenrias no jardim interno e samambaias de metro numa varandona enorme, de frente para magnficos terreiros de pedra cortada mo por escravos. E tudo isso na maior decadncia econmica, a terra esgotada h muito tempo pelo caf. O que gerara riqueza fabulosa para poucos agora rendia pouco para ningum, nem para os donos, nem a meia dzia de colonos que ali moravam e trabalhavam, descendentes daqueles que, h trs ou quatro geraes, assim fazia sem opo. E quais reais opes, eu vinha a me perguntar, tinham estes que, um sculo depois da abolio, herdaram pouco alm da misria?12BRIANNICHOLSONNos anos seguintes, viajei bastante pelo Brasil, ganhando a vida como correspondente estrangeiro. Entrevistei favelados na periferia de So Paulo, prostitutas mirins no interior do Par e uma famlia que morava numa caixa de papelo no centro do Rio isto num dia de Natal. O marido cuidava da filhi- nha no calado da Rua Uruguaiana enquanto a mulher devidamente uniformizada, claro servia mesa numa casarona na Barra da Tijuca. Se Deus quisesse, voltaria noite com restos. Ao longo dos anos conversei com polticos, diplomatas, empresrios, torturados e torturadores, economistas, padres, velhinhos e milhares de cidados annimos. Aventurei-me na selva amaznica com o Exrcito brasileiro, nos alicerces de uma Itaipu ainda em construo e em fbricas do ABC rodeadas pela Tropa de Choque. Vi brucutus em praa pblica e o Congresso fechado. Ouvi panelao ecoar pela Zona Sul do Rio, exigindo Direitas J, e senti a dor resignada de um povo inteiro quando morreu Tancre- do Neves. E neste tempo todo, acreditei fielmente como, alis, acreditou a grande maioria dos meus amigos brasileiros que a volta da democracia traria dias melhores. Que a dvida social seria resgatada. Que se iniciaria a terraplanagem do abismo que sempre separou ricos e pobres.Pois ento... Sabemos que o Brasil avanou muito. Nestas ltimas dcadas as instituies democrticas se firmaram, a sociedade civil tambm. Para as camadas mais favorecidas, os avanos so inegveis. praxe dizer o contrrio, que as coisas eram melhores, mas isso de fechar os olhos aos enormes avanos na medicina e nas comunicaes, abertura cultural e modernizao dos produtos e servios. Em muitos sentidos, boa parte do Brasil se juntou ao resto do mundo. As melhorias vieram no somente no qualitativo, mas tambm no quantitativo, pelo maior acesso aos produtos e servios bsicos. Em meados dos anos 1970, aproximadamente a metade dos domiclios tinha gua encanada. Hoje, so quatro em cada cinco. Um em cada quatro era conectado rede de esgoto. Hoje, a proporo dobrou. Luz faltava num tero dos lares. Agora, em somente um em cada 20. A metade das famlias tinha geladeira e TV; hoje nove em cada dez. O brasileiro agora vive mais tempo, seus filhos tm menos probabilidade de morrer na infncia e mais chance de ir escola.1Se falarmos somente isso, e pararmos aqui, seria legtimo imaginar que esteja tudo resolvido, ou pelo menos bem encaminhado. Seria s continuar em frente.1 Comparaes baseadas em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Hoj e'quer dizer dados de 2005.APREVIDNCIAINJ USTA13Mas infelizmente, no bem assim, e por duas razes. O Brasil progrediu, sim, mas muito, muito menos que podia, ou que precisa. E o progresso que houve deixou quase inclume o maior dos flagelos nacionais, a desigualdade, tanto que o pas, depois de ostentar as mais altas taxas de crescimento econmico do mundo durante boa parte do sculo 20, rompeu o novo milnio tarjado da mais desigual de todas as grandes naes. Nos ltimos anos houve uma pequena queda na desigualdade, graas em parte ao aumento real do salrio mnimo e expanso de programas de transferncia, como o Bolsa-Famlia. Trata-se de uma queda real e bem-vinda, mas que ainda deixa o Brasil com uma estrutura social inaceitvel por qualquer tica de justia social.Este livro, ento, fruto inicial da uma tentativa pessoal de entender o porqu deste drama perene. Como seria possvel o Brasil passar de ditadura militar para democracia, de hiperinflao para estabilidade, de economia fechada a aberta, de exportador de caf a exportador tambm de jatos, e a desigualdade quase no mudar? Em alguns momentos, at piorar?Digo fruto inicial porque este livro no traz todas as respostas, e certamente no aponta todas as solues. Trata, primordialmente, da previdncia, e do impacto dessa na desigualdade. H uma razo muito simples para essa focalizao. Se podemos chamar a desigualdade de o pior problema social do Brasil, ento a verdade chocante que o maior gasto social do pas pouco ou nada contribui, e em alguns anos talvez chegue a piorar, seu maior problema social. Parece to absurda que se precisa ler duas vezes para ver se no pulou algumas palavras. Mas assim. E o mais incrvel, talvez, que os peritos sabem disso. Escrevem teses e fazem conferncias sobre o assunto. Mas o que de amplo conhecimento dos especialistas vive soterrado debaixo de complicados textos acadmicos e matemtica assustadora. A mensagem morre na porta da faculdade. O grande pblico ressente as aposentadorias astronmicas, principalmente de uma minoria no setor pblico, mas simplesmente no sabe da existncia generalizada dos subsdios e privilgios, e seu papel na perpetuao da desigualdade.Um livro, portanto, que nasceu com a proposta de tratar de vrios aspectos da desigualdade educao, gastos sociais, estrutura fiscal, discriminao racial e polticas de desenvolvimento, por exemplo , acabou mirando a previdncia. No por ser ela a nica coisa que o pas precisa resolver para atacar a desigualdade, longe disso. Mas por ser este, o maior gasto social do pas, um inquo freio ao progresso econmico e social, quando deve ser e pode serexatamente o contrrio.14BRIANNICHOLSONUma pessoa que no existe...Neste livro, vamos conhecer a figura singela e batalhadora da dona Maria. Ela no existe. Mas, de certa maneira, todos ns j a conhecemos, j a vimos. A minha dona Maria mora preferencialmente no Vale do Jequitinhonha, longe de qualquer cidade, aps quilmetros de estrada de cho. Mas h muitas opes, e cada leitor tem a liberdade de escolher a dona Maria que quiser. Dona Maria quem aparece na televiso, sempre que haja uma seca, ou enchente na periferia, ou deslizamento em rea de risco, ou clera num mangue invadido por palafitas. Dona Maria aparece tambm na fila do INSS, de madrugada, sem dinheiro para comprar uma senha para receber o que garantido de graa pela Constituio. Sempre que a TV traz um problema destes para dentro de nossas salas, l estar a dona Maria.Podemos descrever a dona Maria de muitas maneiras, mas basta uma. Dona Maria o Brasil que no deu certo. Ela uma das dezenas de milhes de cidados que, apesar das palavras bonitas de sete constituies federais, no tm direito adquirido a nada.Num determinado momento, pensei em dar vida a dona Maria identificar um caso apropriado, entrevistar, fotografar e colocar no livro. Mas desisti, porque a dona Maria vive em tantas situaes diferentes que nenhum exemplo seria representativo. E ao escolher uma, talvez daria a idia de que as outras seriam menos importantes. Ao destacar uma dona Maria do serto, arriscamos esquecer da dona Maria da periferia.Tambm, sei que no preciso descrever a pobreza e a desigualdade brasileira. Quem vive no Brasil j as conhece muito bem. As injustias sociais no precisam de ainda mais descries comoventes, ou de fotos emotivas em preto-e- branco. Precisam mesmo de solues. Portanto, prefiro que cada leitor, enquanto ler sobre os privilgios da previdncia, pense sobre todas as donas Marias que conhece, e sobre aqueles rios de dinheiro pblico que hoje fluem para uma minoria privilegiada, e como eles podem ser mais bem usados.H outra razo para no descrever casos individuais. Enquanto pensarmos na misria e na desigualdade em termos de casos especficos, corremos o risco de imaginar que a soluo vir com ajustes pontuais, por exemplo, o aumento da assistncia aqui ou ali. sempre mais fcil pensar assim, certamente mais conveniente. Mas no verdade. No jargo mais moderno, a desigualdade brasileira estrutural, e sua perpetuao sistmica. Estar conosco enquanto ficamos de olhos fechados necessidade de mudanas estruturais.A PREVIDNCIA INJ USTA15Dito isso, nunca podemos esquecer que qualquer discusso de problemas sociais ser, no final das contas, uma discusso que envolve pessoas de carne e osso. Falar que existem 50 milhes de pobres no Brasil, vivendo com menos de meio salrio mnimo por pessoa por ms, ou 20 milhes de indigentes com menos de um quarto de um mnimo, descrever uma estatstica. Outra coisa imaginar na prtica como seria, na sua prpria famlia, sobreviver com R$ 6,34 ou R$ 3,17 por pessoa por dia, em valores de 2007. algo que, para a grande maioria dos leitores deste livro, e tambm seu autor, seria to irreal quanto imaginar a vida em outro planeta.2Duas lebres que podem ser levantadas...Algumas pessoas vo dizer que estrangeiro no deve se meter em assuntos assim. Se para criticar, que volte ao seu pas de origem, que certamente no ser perfeito. E ponto de vista que respeito, mas com o qual obviamenteno posso concordar. Somos todos membros da sociedade em que moramos, independentemente do documento que carregamos no bolso. Condenvel mesmo seria exatamente o contrrio dizer que quem passa a vida num outro pas pode se isentar dos seus problemas sociais, se eximindo de qualquer responsabilidade para com sua soluo. De qualquer maneira, o livro fala por si. O que importa so os argumentos expostos, e no o lugar de nascimento do autor.Outras pessoas, talvez as mais jovens, podem achar que previdncia no assunto que lhes interesse que algo s para velhinhos, ou quem logo ser. Em outras palavras, algo com o qual se pode preocupar mais tarde. Ledo engano. Se os jovens adultos de hoje no lutam para mudanas fundamentais, eles arriscam passar as prximas trs ou quatro dcadas pagando impostos e contribuies para subsidiar privilgios de outras pessoas. E no adianta pensar, que sua vez vir. totalmente impossvel imaginar que nos meados do sculo 21,2 H vrias maneiras de cal cular o nmero de pobres e indigentes no Brasil. Tudo depende das definies. Em geral, vamos usar a seguinte definio: indi gnci a (extrema pobreza) = renda domiciliar per capi t a de menos de umquarto deum salriomnimoporms.Pobreza=rendadomiciliar per capi t ademenosdamet ade deum salrio mnimo por ms. Segundo o Rodar Social 2006 do Ipea, usando dados do IBGE, havia em 2004 no Brasil 52,5 milhes de pobres, sendo 19,8 milhes deles indigentes. Em valores do salrio mnimo de 2007, de R$ 380, significaria uma pessoa viver com menos de R$ 6,34 (pobreza) ou R$ 3,17(indigncia) por dia.O nmero de pobres e indigentesflutua,conformeoval ordosalriomnimo,distribuiodebenefcios sociais,et c.,ehouvenosanos Tecerfres uma queda, graas ampl i ao entre outros, do Bolsa-Famlia e da AposentadoriaRural.Paranossas finalidades, podemos usar nmeros redondos de 50 milhes de pobres e 20 milhes de indigentes.16BRIANNICHOLSONquando a proporo de idosos no Brasil ser o triplo de hoje, o pas vai poder bancar privilgios remotamente parecidos com os atuais.3Ao mesmo tempo, enquanto no redirecionar os gastos sociais para os mais pobres e para a educao fundamental, os jovens brasileiros de hoje vero seu pas se arrastar durante muitas dcadas com a desigualdade acima do aceitvel e o crescimento econmico abaixo do possvel. Pensando assim, podemos dizer que, em muitos sentidos, so os jovens adultos de hoje que seriam os mais interessados em mudar a previdncia.Trs ressalvas essenciais...Este livro no tem a proposta de comparar governos. Vamos falar bem e mal de coisas feitas em vrias administraes, mas no h nenhuma tentativa, por exemplo, de selecionar dados que coincidem com determinados mandatos presidenciais. Ao contrrio, usamos sempre os dados melhores e mais recentes disponveis, no momento de escrever. Quanto ao INSS e o regime dos servidores federais, os ministrios da Previdncia e do Planejamento oferecem muitos dados, mas os dados dos Estados e municpios so mais escassos e em alguns momentos precisamos usar compilaes eventuais de terceiros. E quando referimos previdncia brasileira ou a previdncia nacional, isso quer dizer todos que recebem dinheiro pblico INSS, servidores civis e militares, juntos. Ao falar especificamente sobre o INSS ou o regime dos servidores, chamamos por estes nomes.Este livro inclui vrias comparaes internacionais, algumas das quais bastante reveladoras. Mas nunca fazemos isso para sugerir que o Brasil deva copiar ou rejeitar este ou aquele exemplo. sempre til ver os erros e acertos dos outros pases, mas todas as sociedades so nicas. O Brasil tem caractersticas prprias de previdncia existente, populao, distribuio de renda e economia informal que exigem uma soluo prpria. Nada de copiar e colar. E por extenso, vamos lembrar que todos os pases tm seus problemas. Alguns lidam melhor ou pior com determinados assuntos, mas nem por isso so melhores ou piores no conjunto. Cabe a cada sociedade se estruturar na maneira que reflete os desejos dos cidados. E se porventura, a maioria dos brasileiros mas a maioria mesmo, e no somente a maioria dos mais ricos aprova a atual extrema desigualdade,3 Em 2050 as pessoas aci ma de 60 anos representaro um em c ad a quatro brasileiros, compar ado com um em c ad a onze em 2005.APREVIDNCIA INJ USTA17e acha legal os privilgios na previdncia, e quer continuar assim, ento no h por que mudar. E este livro perdeu sua razo de ser.Agora, uma palavra aos peritos. Trata-se de um livro para leigos. No foi escrito para economistas com Ph.D. da Universidade de Harvard. Espero que os peritos o leiam, e o critiquem, mas que no reclamem da ausncia daquelas frmulas matemticas assustadoras ou dos grficos complicados que infestam as pginas da maioria dos textos sobre o assunto. Uma das razes pela qual o Brasil convive h tanto tempo com uma previdncia to injusta que ela , por natureza, um assunto desgraadamente complicado, um labirinto de leis, regras e tabelas. Quem no do ramo acaba refm de declaraes incompreensveis, erradas, mal-intencionadas ou at desonestas por exemplo, quando algum alega que no podemos mexer na previdncia porque ela sustenta milhes de pobres, sem mencionar que ela tambm paga benefcios superprivilegiados para uma minoria, e muito bem podia fazer uma coisa sem a outra.Por no ser dirigido aos peritos, este livro no exige do leitor nenhuma competncia em matemtica ou economia. Quem entende de porcentagens no ter problema em acompanhar o raciocnio. Em alguns momentos, fazemos alguns clculos, por exemplo para mostrar o tamanho dos subsdios, mas as partes mais detalhadas esto sempre em anexos, disponveis na internet no site www.previ- denciainjusta.com.br, ou eventualmente em notas no final do livro. E mesmo assim, nunca vamos alm das quatro operaes bsicas.Eos muitos agradecimentosNessa empreitada, me apoiei no trabalho de tcnicos, peritos, ministrios, instituies e at jornalistas especializados. O crdito est no texto, ou uma nota no final.Sem os sites do Ipea, da Unicamp, do Banco Mundial, dos ministrios da Previdncia e da Justia, e do Banco Central, este livro no teria sido possvel. Uma das glrias da internet de aproximar o cidado comum das fontes de informao e conhecimento.Vrias pessoas tiverem a gentileza e a generosidade de me ajudar de forma mais imediata. O economista Fbio Giambiagi (Ipea) e Jos Cechin, ministro arevidncia em 2002 e secretrio-executivo do ministrio nos seis anos anteriores, tiverem a pacincia de ler o texto central quando ainda num estgio18BRIANNICHOLSONbeta. Seus amplos comentrios certamente me salvaram de vrios erros tcnicos e conceituais. O professor Rodolfo Hoffmann, da Unicamp, e os advogados Mrio Paiva, de Belm, e Plauto Rocha, de So Paulo, fizeram o mesmo sacrifcio com, respectivamente, a primeira seo e aquela que trata do direito adquirido. E o senador Eduardo Suplicy e o socilogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Pesquisas Sociais e Polticas Pblicas, me receberem para valiosas conversas. Tom Murphy,Tania Celidnio, Jurandir Craveiro, Gustavo Barbosa e Ricardo Soares, todos amigos queridos, leram e criticaram vrias partes do texto. E a minha famlia esposa Anne, filho Eric e cachorros Bren- da e Oliberto me oferece uma vida alm do computador. Para todas essas pessoas, meus profundos agradecimentos.E as duas ressalvas essenciais o fato de pessoas terem me ajudado com essa tarefa, inclusive lendo e comentando o texto, no quer dizer que concordam, ou no, com as teses e propostas. Essas bem como eventuais erros e omisses so da inteira responsabilidade do autor.SEO 1A VERGONHOSA E TEIMOSA DESIGUALDADE BRASILEIRACAPTULO1Desigualdade tem explicaoEste livro, como todos, tem razes. Mas esto perdidas no passado, em algum momento entre a chegada de Pedro Alvares Cabral e agora, quando o Brasil enfrenta o novo milnio ostentando o ttulo vergonhoso de o mais desigual de todos os grandes pases. Vamos tocar s de passagem nestes cinco sculos, porque embora haja aceitao geral de que o sistema de colonizao, explorao e escravido deu o pontap para a desigualdade, este no um livro de histria. Tambm vamos tocar s de leve no impacto das vrias polticas econmicas aplicadas no sculo 20, e agora no incio do sculo 21, embora no reste dvida que algumas aumentaram a injustia social. Nosso desafio menos de estudar as origens da desigualdade, e muito mais de entender por que ela continua to firme e forte, e de pensar em como podemos reduzi-la.Nesta primeira seo, veremos as enormes distores nos gastos sociais no Brasil. Em vez de centrar fogo nos mais pobres e na reduo da desigualdade, estes gastos acabam favorecendo principalmente a classe mdia e os mais ricos. E vamos ver que o sistema previdencirio, que de longe o maior dos gastos sociais, de fato acaba reforando a injustia.A partir dessa constatao esdrxula, na Seo 2 descascamos a previdncia, rea por rea, para entender como seria possvel um absurdo desses. Veremos que a previdncia brasileira tem seu lado bom, beneficiando milhes de pobres. Mas veremos tambm que a maior parte do bolo vai para uma minoria que desfruta de mordomias que superam de longe os benefcios pagos nos pases mais ricos do mundo. E lembrando que apenas criticar fcil, na Seo 3 detalhamos uma Nova Previdncia, que acaba j com os privilgios e dota o pas de um sistema enraizado na justia social uma proposta que vai melhorar a vida de milhes de pobres enquanto libera bilhes de reais para a22BRIANNICHOLSONeducao fundamental e a sade popular. Uma vez que os privilgios so em geral protegidos pelo direito adquirido, na Seo 4 discutimos as opes para mudana constitucional. E finalmente, na Seo 5, pensamos sobre o pas nas prximas dcadas, o Brasil de nossos filhos, com e sem um tratamento de choque na desigualdade.Este livro no tem ideologia. No da esquerda, nem da direita. Mas ele se baseia em alguns fundamentos da democracia. importante enfatizar isso, dado que uma altssima autoridade judicial dizia que os privilgios da previdncia s poderiam mudar com uma revoluo.O autor deste livro entende, primeiro, que uma sociedade verdadeiramente livre ser organizada sempre para o bem e o benefcio da maioria o que no quer dizer que as minorias sero sacrificadas. Numa sociedade livre, as pessoas decentes sero sempre abertas aos interesses e s necessidades das outras. Afinal, todos ns somos, ou seremos em algum momento, parte de uma minoria.Segundo, entendo que os cidados numa sociedade livre tm sempre o direito de decidir quais so seus reais interesses. Numa sociedade livre nenhuma pessoa, nenhuma minoria e nenhuma instituio fala mais alto que a vontade da maioria. E na expresso dessa vontade, cada cidado tem voz e valor iguais.O terceiro princpio, que realmente decorre dos dois primeiros, que numa sociedade livre, dinheiro pblico tem dono. Pertence sociedade. No pertence ao governo, nem aos ricos, nem aos pobres, mas a todas as pessoas, igualmente. E como dinheiro pblico pertence ao povo, este tem pleno direito de decidir o que fazer com aquele que seu. Tambm tem o direito, futuramente, de mudar de idia. E finalmente, uma conseqncia bastante importante o fato de uma pessoa contribuir mais aos cofres pblicos, e outra pessoa menos, no d quela o direito de influenciar mais no seu uso.Alm destes trs princpios, este livro se apia numa suposio, a de que a grande maioria dos brasileiros quer viver numa sociedade mais justa. No vamos propor nenhuma utopia socialista, onde todos ganham salrio igual, nem vamos gastar tempo debatendo em exatamente qual momento a desigualdade deixa de ser inaceitvel, para se tornar uma caracterstica normal de uma sociedade livre e capitalista, na qual todos tm habilidades e objetivos diferentes.APREVIDNCIAINJ USTA23Mas vamos entender que, do jeito que est hoje, a desigualdade brasileira no reflete a vontade da grande maioria. Nem de longe.Essas observaes iniciais so necessrias por uma razo simples. Com quase dois sculos de independncia, e mais de cem anos de repblica, e mais de duas dcadas de democracia plena, o Brasil ainda ostenta uma das piores distribuies de renda do mundo. Se, h duzentos anos, este era o pas da casa-grande e senzala, hoje o pas do BMW blindado e do menino de rua. isso que o povo quer? essa a vontade da maioria? E supondo que no seja, estamos forados a perguntar por que, ento, continua assim? O que aconteceu? Ou talvez devemos perguntar: o que no aconteceu?O pior do mundo? O segundo pior?H trinta anos, o economista brasileiro Edmar Bacha cunhou a imagem do Brasil como Belndia, um pas imaginrio composto de uma minoria que vivia com padres europeus, por exemplo, a Blgica, e uma grande maioria que vivia (ou existia) com padres dignos dos pases mais pobres do mundo, por exemplo, a ndia. Desde ento, duas coisas continuam a excelncia da imagem, e tambm sua validade, porque o Brasil continua to desigual quanto era. Se no piorou.O que queremos dizer, ao descrever um pas como desigual? Afinal, em todos os lugares do mundo existe gente que ganha mais, outras que ganham menos. No vamos gastar horas debatendo se a desigualdade inerente condio humana, mas simplesmente reconhecer que hoje, na etapa atual da evoluo da nossa espcie, a desigualdade existe em todas as sociedades. A questo de grau alguns pases so muito desiguais, outras bem menos.Uma maneira bastante fcil de medir a desigualdade dentro de um pas comparar a renda mdia das pessoas mais ricas com aquela das mais pobres, esquecendo a turma do meio. O mais simples de tudo seria comparar dois grupos iguais, por exemplo, os 10% mais ricos com os 10% mais pobres. Mas os peritos preferem usar um grupo maior de pobres, para evitar imprecises que possam acontecer na estimativa das rendas muito pequenas. Portanto, vamos comparar a renda mdia dos 10% mais ricos com a renda mdia dos 40% mais pobres. H muitas maneiras bem mais sofisticadas de medir a desigualdade, mas para nossas finalidades basta uma ferramenta simples. Para o Brasil, vamos usar os dados mais24BRIANNICHOLSONrecentes do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, e para o resto do mundo, as informaes mais recentes do Banco Mundial.4Primeiro, uma ressalva alguns peritos acham que os dados estariam mag- nificando um pouco a desigualdade brasileira, em comparao com alguns outros pases. Nada de conspirao, simplesmente uma questo de diferenas tcnicas no processo estatstico. Pode ser que, mudando a metodologia do IBGE, o Brasil subisse alguns degraus no ranking mundial. Mas nunca ao ponto de imaginar que o pas no muito desigual.Pelos dados do IBGE, ento, os 10% de brasileiros mais ricos embolsam 45% da renda no pas, enquanto os 40% mais pobres ficam com somente 9%. Isso quer dizer que os ricos ganham em mdia 20 vezes mais que os pobres. Tem baixado um pouco nos ltimos anos, mas continua sendo uma das piores taxas do mundo. Vamos ver como ela se compara com alguns outros pases:20 VEZES-BRASIL0AMRICA LATINA 0SIA 0FRICA 0 PASES DESENVOLVIDOS20 vezes COLMBIA 10 vezes CHINA 18 vezes FRICA DO SUL 7 vezes ESTADOS UNIDOS17 vezes MXICO vezes INDONSIA 13 vezes NIGRIA 7 vezes PORTUGAL15 vezes ARGENTINA 6 vezes VIETN 7 vezes REINO UNIDO5 vezes NDIA 6 vezes AUSTRUA5 vezes RSSIA vezes ITLIA4 vezes CORIA DO SUL 5 vezes ESPANHA5 vezes FRANA4 vezes ALEMANHA3 vezes JAPO4 Aqui , j estoufazendoumabarbeiragem,usandofonteseanosdiferentes.OsdadosdoBrasilvmda Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios. Pnad -IBGE, via IpeaData, de 2004, enquanto os internacionais so cal culados apartir da Tabela2.7doWorld Development Indlcators 2005,disponvelnosite doBancoMundi al, onde os dados so de 2000 a 2002. Seria possvel usar dados do Brasil damesma poca, mas se fizssemos isso, omitiramos a queda mais recente na desigual dade brasileira. A t abel a mostra a mdi a per capi t a do rendiment odomiciliarbruto- incluindotransfernciascomoaposentadorias,antesdeimposto.Existemvriasfrmulas matemticas para medir a desigual dade. Qualquer que seja o mtodo escolhido -o mais comum o coefi ci ent e deGini -el epode ser usadoparacomparar salrios brutos, ou salrioslquidos depoi s deimpostos eoutras dedues.Podemos incluir ou excluir rendimentos de outras fontes, por exempl o, juros, aluguis e benefcios da previ dncia. Podemos medir renda ou consumo. Es para compli car, podemos comparar indivduos, ou famlias, ou a renda mdi a por pessoa em cada famlia, ou em cada domiclio (que a base da t abel a).Cad a mt odo t em suas vantagens e limitaes.APREVIDNCIAINJ USTA25So excludos da lista pases como Botsuana, Nambia, Haiti, Lesoto, Serra Leoa e Paraguai, que juntos com o Brasil so as tradicionais lanternas em tabelas de desigualdade. No se trata de nenhuma tentativa de maquiar a lista. E que, com todo respeito queles pases, eu diria no so ou no devem ser boas comparaes para o Brasil.Agora, o que podemos dizer sobre a lista?Primeiro, que a desigualdade visivelmente maior na Amrica Latina e na frica que no restante do mundo. E o Brasil aparece na mesma faixa da frica do Sul, pas que sofreu com dcadas de apartheid.Segundo, que no h muita relao entre o nvel econmico de um pas e seu grau de desigualdade. Os pases mais ricos so, em geral, mais iguais, mas muitos pases pobres, principalmente na sia, tambm tm baixa desigualdade. Os Estados Unidos so bem mais desiguais que a ndia, mas em mdia o americano 13 vezes mais rico, mesmo ajustando pela diferena nos preos. O brasileiro mdio trs vezes mais rico que o vietnamita, mas o brasileiro pobre ganha menos que o do Vietn. E o Banco Mundial, ao comparar o Brasil com outros pases que tm o mesmo nvel de PIB per capita, estimou que a alta desigualdade brasileira cria 29 milhes de pobres adicionais. De fato, Fernando Henrique Cardoso tinha razo ao martelar sempre que o Brasil no um pas pobre, um pas injusto.5Terceiro, fica bvio que no h relao entre tamanho de populao e igualdade. Indonsia, ndia e China so todos maiores que o Brasil, e mais pobres, mas so sociedades mais iguais. verdade que a desigualdade na China vem aumentando, com a industrializao, mas continua bem abaixo da do Brasil.Por que o Brasil continua campeo invicto, a mais desigual das grandes naes? Vamos ver, rapidamente, de onde vem essa desigualdade. E depois, vamos ver possveis solues.De fato, o Brasil nunca foi nenhum paraso de justia social pelo menos depois da chegada de Cabral. Passou de colnia escravista para monarquia escravista, com uma pequena quantidade de ricos e profissionais, e com muita gente livre, mas basicamente indigente. Disse a economista Maria Cristina5 Acomparaoentreos10%maispobresnoBrasileVietnvemdorelatriodoProgramadasNaes Unidas para oDesenvolvi mento(Pnud)2005,pg.6.A esti mativadonmeroadicionaldepobres,dorelatrio Brazil: Inequality and Economic Devel opment (Banco Mundial, 2003).26BRIANNICHOLSONCacciamali, da USP: O passado colonial e escravocrata o ponto de partida da concentrada distribuio de riqueza e da renda no Brasil.6A imigrao europia e asitica acelerou a formao de um pequeno ncleo de classe mdia urbana, que cresceu com a industrializao, mas foi um processo que em grande parte deixou de lado os escravos libertados e seus descendentes, e tambm aquela massa enorme de indigentes. Se pensarmos na imagem de Belndia, podemos dizer que a parte Blgica cresceu no sculo 20 como uma pequena ilha dentro de um imenso mar de ndia.Mas outros pases grandes tambm eram colnias, e tiveram escravido, mais notavelmente os Estados Unidos. O Brasil conseguiu sua independncia depois dos EUA, verdade, mas no muito depois. E mesmo assim, a independncia no mudou fundamentalmente a situao da grande maioria dos brasileiros. Por que ser que o Brasil no seguiu um caminho parecido de desenvolvimento, uma vez livre das argolas de ferro de seu algoz colonial?Economistas e historiadores oferecem dezenas de explicaes para trajetrias diferentes de desenvolvimento em pases diferentes, incluindo recursos naturais, posio geogrfica, clima, educao, valores religiosos e culturais e abertura ao comrcio. s vezes a discusso ganha fortes conotaes ideolgicas, e como sempre o caso, os peritos brigam muito entre si. Seria uma leviandade tentar resumir um enorme debate em poucas linhas. Mas ao pensar especificamente no Brasil e nos Estados Unidos, parece evidente que um fator fundamental foi a natureza da colonizao dos dois pases. Nos Estados Unidos, alm das grandes atividades escravistas, surgiu em muitas regies uma economia local vivel enquanto o Brasil continuou essencialmente como exportador de matria-prima durante muito tempo depois da independncia. Talvez mais importante ainda: nos EUA houve uma sociedade com forte vis democrtico, com a criao de instituies robustas e a importao acima de tudo de idias modernas da Europa. No Brasil colonial, as estruturas e valores socais refletiam o lado atrasado do Velho Mundo. Um exemplo s, mas bastante simblico: a primeira grfica no que seriam os Estados Unidos foi instalada em 1638, e antes de 1800 surgiram mais de 130 jornais, inclusive com nomes sugestivos tais como Centinel of Freedom e Guardian of Liberty. No Brasil, a primeira grfica chegou em 1808, com a Corte, basicamente para6 Distribuio de renda no Brasil: persistncia do elevado grau de desi gual dade' , publ i cado no livroManualde Economia, de Pinho & Vasconcellos, 2002. Cacciamal i li vre-docente e professora titular d aUniversidade de So Paulo (USP), com ps-doutorado no Massachusetts Institute of Technology.A PREVIDNCIA INJ USTA27imprimir decretos, e o primeiro jornal, A Gazeta do Rio de Janeiro, saiu naquele ano com censura prvia.Mas, como vimos na tabela, o problema da desigualdade no somente do Brasil. A Amrica Latina conhecida, entre os peritos, por suas disparidades sociais. Segundo um relatrio da Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe (Cepal) no incio de 2005, a regio se distingue como a mais atrasada do mundo em termos de eqidade ao constatar o contraste marcado entre a participao na renda dos 5% mais ricos e dos 5% mais pobres. Ou seja, o Brasil pode ser destaque, mas certamente no o nico com culpa no cartrio.Enquanto as trajetrias do Brasil e seus vizinhos nos ltimos 500 anos certamente no eram idnticas, os peritos enxergam traos em comum. Os economistas Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff, especialistas no desenvolvimento econmico das Amricas, afirmam: Nas sociedades que nasceram com extrema desigualdade, as elites tinham a vontade e a capacidade de estabelecer um arcabouo jurdico bsico que lhes assegurava uma fatia maior do poder poltico e de usar essa influncia para estabelecer regras, leis e outras polticas governamentais que lhes davam maior acesso s oportunidades econmicas que o resto da populao, dessa maneira contribuindo para com a persistncia do alto grau de desigualdade. Trata-se de uma anlise geral da regio, mas que se encaixa como uma luva para o Brasil.7Temos, portanto, um pas sado do escravido com a elite bem entrincheirada, uma pequena classe mdia em formao e um mar de pobres simplesmente na espera. No houve nenhuma mobilizao significativa para construir uma sociedade mais igualitria. Houvesse, no fim da escravido ou nas primeiras dcadas do sculo 20, uma reforma agrria para valer, no resta dvida que o Brasil de hoje seria outro. Mas no houve, o momento passou e no adianta, em pleno sculo 21, tentar voltar o relgio. O que aconteceu foi a expanso da economia moderna, ora mais rpida, ora mais lenta, mas sempre como uma ilha no meio de um oceano de atraso. Algumas pessoas conseguiram pular da ndia para a Blgica, mas a maior parcela da velha economia simplesmente marcou passo. E medida que cresceu a parte mais moderna da economia a Blgicaos grandes servios pblicos de educao, sade e previdncia foram evoluindo juntos, mas quase sempre reservados principalmente para ela.7 Notexto FactorEndowments,Inequality,andPathsofDevelopment AmongNewWorldEcomomies" (Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff -NBER 9259, de 2002).28BRIANNICHOLSONVoltamos s palavras de Maria Cristina Cacciamali, da USP: A massificao da escola que se inicia aps os anos 40 no atingiu a maior parte da populao, mas principalmente as camadas mdias dos centros urbanos mais importantes. At os dias de hoje, o Brasil no dispe de um sistema pblico de boa qualidade de ensino fundamental e de segundo grau.Chegamos, ento, ao milagre econmico do governo militar, poca em que o ento general-presidente Emlio Garrastazu Mdici dizia que o pas vai bem, o povo vai mal. Vrios indicadores sugerem que a desigualdade que j era ruim aumentou nas dcadas de 1960 e 70. Peritos oferecem diferentes razes para isso, e mais uma vez no vamos tomar lado, mas simplesmente ver algumas das explicaes mais comuns. Dizem alguns economistas que a rpida industrializao fez explodir a demanda para profissionais e trabalhadores mais capacitados, o que teria puxado para cima seus salrios. Tambm a economia estava crescendo exatamente nos setores que pagavam melhor as montadoras do ABC seriam um exemplo tpico e foram criados milhes de empregos bons. Dizem outros que o governo militar favoreceu a classe mdia e quem vivia da especulao financeira, enquanto reprimiu os sindicatos. Assim os mais ricos fizeram festa, enquanto os trabalhadores mais humildes tiveram de aceitar ajustes menores. De qualquer maneira, o pas cresceu, e a desigualdade tambm.Depois do milagre, chegamos aos anos 1980 e 90, quando o Brasil passou boa parte do tempo atolado em sucessivas crises de inflao e dvida. O pouco crescimento que houve beneficiou muito mais a classe mdia e os ricos, tanto que as famlias mais pobres principalmente nas cidades experimentaram crescimento de renda abaixo da mdia. Desde o Plano Real a desigualdade vem cedendo um pouco, graas em parte estabilidade da economia e os aumentos reais no salrio mnimo que impactam os benefcios mnimos da previdnciae tambm expanso dos programas de transferncia de renda, com destaque para o Bolsa-Famlia. Um recuo bem-vindo, sem dvida, mas nada que deixe o Brasil num patamar aceitvel. Nem perto. E certamente, nada que possa nos levar a pensar que a questo da desigualdade est em vias de ser resolvida.Ao longo dessas dcadas, e mesmo em momentos de aumento da desigualdade, houve substancial migrao da ndia para a Blgica. No exatamente igual migrao do campo para a cidade, porque muitos pobres simplesmente trocaram a misria rural pela misria urbana, sem entrar na Blgica. Mas quem no conhece uma famlia que saiu do Nordeste e conseguiu se estabelecer numa das grandes cidades? Talvez a primeira gerao trabalhou na construo,A PREVIDNCIAINJ USTA29ou em fbrica, mas a segunda fez faculdade. O Brasil tem milhares de histrias assim, de gente batalhadora que deu certo, tanto que muitas pessoas ainda acreditam que aquela ilha Blgica pode continuar a crescer at absorver o restante daquele mar de ndia. tentador pensar que este processo e a expanso dos benefcios assistenciais seriam suficientes para resolver as grandes desigualdades, sem grandes sacrifcios. Podemos at ir por este caminho, sem maiores esforos desde que aceitemos esperar mais um sculo.CAPTULO 2Solues mticas, hericas, mirabolantes e... sensatasDesde que economia se conhece por cincia, h mais ou menos 300 anos, duas das suas maiores reas de interesse tm sido crescimento e desigualdade. Crescimento relativamente fcil. Todo mundo gosta do crescimento econmico, pelo menos enquanto no traz inflao, danos ambientais, perda de lazer, destruio de valores tradicionais ou vrios outros inconvenientes, e h uma presuno geral de que quanto maior, melhor. Pode haver briga de foice em torno das polticas mais adequadas para se conseguir tal crescimento, mas h pouco debate quanto sua desejabilidade em si. Desigualdade bem mais espinhosa. Podemos dizer que h concordncia nos extremos. Salvo talvez os economistas da extrema esquerda e aqueles que moram em comunas, poucos defendem igualdade total de renda, e mais difcil ainda seria achar algum que apie (pelo menos em pblico) a desigualdade brasileira. Mas entre a utopia impraticvel e a realidade inaceitvel, qual seria o nvel correto de igualdade?A resposta simples que no h nvel ideal ou correto, e cada sociedade tem percepes diferentes do que seria justo. Tanto assim que, numa pesquisa de opinio nos pases da Amrica Latina em 2001, a ONG Latinobarme- tro detectou bem menos aceitao da desigualdade na Argentina que no Brasil, embora como vimos a Argentina seja menos desigual.Vamos resolver essa questo de maneira simples e pragmtica vamos ignor-la. Vamos entender que a grande maioria dos brasileiros considera a desigualdade alta demais, e queira reduzi-la. Mas como? Passaremos rapidamente por algumas das sugestes mais freqentes de como promover maiorAPREVIDNCIAINJ USTA31igualdade e, como este livro no um manual de economia, os comentrios so bastante resumidos.Primeiro, as solues mticas, hericas e mirabolantes que s vezes se escuta:Cr es c i m en t o econmi coEste o maior de todos os mitos. E aquela lengalenga do bolo que precisa crescer, para depois ser repartido. E claro que queremos o crescimento econmico, e que isso desejvel para o pas. E claro que o crescimento poderia, sim, reduzir a desigualdade. Mas tambm poderia aument-la. Alis, acabamos de ver que a desigualdade piorou no Brasil em perodos de alto crescimento. E sempre possvel imaginar condies nas quais o crescimento pode reduzir a desigualdade. Por exemplo, se vier acompanhado de polticas proativas de distribuio, quem sabe atravs de impostos. Mas se realmente houvesse vontade poltica de redistribuir renda, tais polticas podem ser adotadas agora, com o bolo que temos. Para que esperar? De fato, aquela histria do bolo soa, muitas vezes, como tentativa cnica de adiar qualquer mudana, ou de sugerir que uma sociedade pode fazer uma redistribuio de renda sem nada mudar. Talvez o pior e algo que os defensores do bolo no comentam que alta desigualdade pode at dificultar o crescimento econmico. Voltaremos ao assunto no captulo final.R e j e i t a ra g l o b al i za oH quem culpe a globalizao pela desigualdade brasileira. De um lado isso seria ridculo, pois o pas sempre foi bastante desigual, muito antes da palavra globalizao se tornar a nova bte noire dos radicais nos bares da Vila Madalena, em So Paulo. Do outro, h indicaes de que, sim, a globalizao estaria aumentando a desigualdade interna em alguns pases. Com a globalizao, os setores mais competitivos nos pases em desenvolvimento tm oportunidades inditas de se relacionar com o Primeiro Mundo. O grande exemplo disso a terceirizao para a ndia, por exemplo, processando cartes de crdito dos Estados Unidos e da Europa, mas tambm h empresas brasileiras que se tornaram fornecedoras mundiais. De qualquer maneira, uma vez que o Brasil no pode mudar os rumos do planeta, quais so suas reais opes? Seria melhor o pas se fechar de novo, como nos anos 1980, quando a gente ia a Disney e voltava com computador escondido na mala? Ou seria melhor tirar proveito da globalizao e ao mesmo tempo modernizar a economia e a sociedade para resistir aos lados negativos do processo? E sendo o segundo, to obviamente o caminho melhor, a32BRIANNiCHOLSONlgica nos diz que a globalizao seria mais uma razo para o Brasil atacar, urgentemente, a desigualdade e as grandes lacunas no ensino fundamental. Enfrentar o mundo globalizado do sculo 21 com a desigualdade da poca colonial realmente brigar com uma das mos amarrada nas costas. D e c l a r a r m o r a t r i an ad v i d ae x t er n a Que pode, pode. Mas para qu? E com qual custo depois? A dvida externa agora tem custo relativamente baixo, graas queda na taxa de risco Brasil. Ento, moratria para negociar termos melhores, no estilo da Argentina, no faria sentido.B ai x aros j u r o sLegal, seria excelente para a economia. Mas tem que ser de verdade, nada de artifcios. No adianta legislar uma queda nos juros, como os governos militares expurgaram o chuchu da inflao. Temos que resolver as causas dos juros altos, e no simplesmente culpar o termmetro. Uma boa reforma fiscal seria uma contribuio enorme. Se baixar os juros, vai sobrar dinheiro pblico. Mas quem garante que este dinheiro adicional seria distribudo de forma mais justa que os gastos atuais? E se para distribuir de forma mais justa o dinheiro economizado, por que no comear agora, com os gastos atuais?Ren u n c i ar on eo l i b er al i s m oTambm pode. Mas primeiro, teria que instituir o neoliberalismo, definido pelo dicionrio Houaiss como doutrina que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrio interveno estatal sobre a economia, s devendo esta ocorrer em setores imprescindveis e ainda assim num grau mnimo. E isso que temos no Brasil? Quem acha que sim, podia muito bem pensar nas relaes trabalhistas, ainda amarradas numa camisa-de-fora copiada da Itlia na poca de Mussolini, ou na vasta influncia do governo no setor energtico...Ren u n c i ar oc ap i t al i s mo Podemos tentar reduzir a desigualdade fora, com algum tipo de ditadura que fixe preos e salrios, mas as experincias deste naipe j feitas no mundo no se mostraram exatamente exitosas. Algumas sociedades socialistas podem at ser melhores que a podrido que existia antes Cuba, talvez , mas isso no altera a falta de liberdade e prosperidade que tem sido marca registrada dos regimes comunistas. A desigualdade pode ser menor, sem dvida, mas a que preo?APREVIDNCIAINJ USTA33De fato, as solues mticas, hericas e mirabolantes, ou so irrelevantes desigualdade, ou so potencialmente danosas economia e/ou ruins para os pobres e, portanto, aptas a piorar em vez de melhorar a distribuio de renda. difcil no chegar concluso de que so sugeridas s vezes dentro de uma viso ideolgica, e no como propostas pragmticas para melhorar a vida dos eternos excludos. Afinal, podemos construir em volta do Brasil uma muralha igual da China, estatizar os telefones e proibir toda e qualquer cobrana de juros, e nada disso iria alterar o fato de que a previdncia paga benefcios altamente privilegiados para uma minoria. Felizmente, caso a sociedade queira realmente reduzir a desigualdade, temos opes mais sensatas.Na busca de solues viveis, nosso essencial ponto de partida entender e aceitar que, numa sociedade livre, pessoas de habilidades e ndoles diferentes tero rendas diferentes, devido em boa parte s foras da oferta e da procura, o chamado livre mercado. Essa desigualdade gerada pelo livre mercado inclui no somente os salrios, mas todas as fontes de dinheiro que uma pessoa possa ter aluguis, juros, lucros, etc., mas excluindo o dinheiro que vem do governo na forma de benefcios assistenciais.Caso uma sociedade entenda que a desigualdade criada pelas diferenas pessoais e pelo mercado alta demais o que normalmente o caso , ela trata de reduzi-la. Para tanto, necessrio pensar em dois horizontes, o imediato e o de longo prazo, para os quais existem estratgias e armas diferentes: H o j e para reduzir a desigualdade agora, a estratgia transferir renda, algo que acontece em todas as sociedades modernas. As principais armas so os impostos e os gastos sociais. No Brasil, o Bolsa-Famia o exemplo mais comentado. Mas devemos examinar todos os gastos do dinheiro pblico.A m a n h para construir um pas mais igualitrio, onde a desigualdade que vem das diferenas pessoais e do mercado menor, a estratgia assegurar que nossos filhos todos eles possam fazer jus a salrios melhores. Nossas armas principais so educao, sade e infra-estrutura. E dessas, a mais importante para o Brasil, hoje, a educao fundamental.88 Trata-se obvi amente deuma simplificao, separar tais coisas em" i medi ato' e longo prazo' .Sade tem a ver com desigual dade atual e estrutural, infra-estrutura fsica t ambm.Eprogramas de transferncia de renda, quando bem desenhados e implementados, podem ter impactos imediatos e estruturais. Tambm impostos sobre heranas e grandes fortunas podem i mpactar os dois horizontes.34BRIANNICHOLSONAs propostas feitas neste livro trabalham nos dois horizontes, o imediato e o de longo prazo, porque ao eliminar j os privilgios da previdncia, vamos provocar dois impactos positivos. Vamos reduzir a desigualdade atual, distribuindo dinheiro pblico de forma mais justa, e vamos liberar bilhes de reais para reforar aqueles programas que vo mudar o Brasil de amanh. Agora, o fato de este livro focar mais a previdncia no quer dizer, de maneira alguma, que compensar a desigualdade atual mais importante que reduzir as injustias estruturais. Ambos so essenciais. Mas enquanto os problemas da educao brasileira so relativamente bem difundidos, as grandes iniqidades da previdncia so quase desconhecidas.9Ultraje social...Como o Brasil lida com sua grande desigualdade? O que a sociedade faz atualmente, ou poderia fazer, para aliviar a desigualdade excessiva, criada pelas diferenas pessoais e pelo mercado? Os instrumentos clssicos so: impostos e programas sociais. Em termos simples, uma sociedade cobra impostos de si mesma para pagar as coisas que ela decide fazer de forma coletiva estradas, hospitais, educao, defesa, assistncia social e assim vai. Quase como num condomnio gigante. Um erro comum pensar que podemos impactar a desigualdade somente pelo lado dos gastos, com programas sociais. De fato os dois lados do processo so importantes. Nos impostos, o que importa no somente a quantidade total, mas tambm as maneiras como arrecadamos o dinheiro necessrio. Quem paga e quanto? Nosso ponto de partida, portanto, ser ver o impacto naquela desigualdade que vem do mercado, de tudo que a sociedade faz de forma coletiva, somando impostos e gastos sociais. E aqui que as coisas comeam a ficar anuviadas. O Ministrio da Fazenda oferece uma comparao fascinante entre o impacto dos impostos e benefcios na Europa e no Brasil. Na Europa, em mdia, a combinao dos impostos e benefcios reduz a desigualdade em 37%. Em pases como Blgica, Dinamarca e Finlndia, a queda quase pela metade. No Brasil, a reduo de somente 11%.109 Paraquemquiserlermaissobreosproblemasdaeducao,recomendoosvriostrabal hosdeSimon Schwartzman, comeando por Os desafios da educao no Brasil, org. Colin Brock (Nova Fronteira, 2005) e o site del e -http://www.schwartzman.org.br/simon/. Tambm A ignorncia custa um mundo por Gustavo loschoe (Ed Francis, 2004).'10VejaOramento Social do Governo Federai 2001-2004, de abril de 2005, disponvel no site do ministrio.Os dados europeus vm do Euromod, um projeto que rene universidades d e 15 pases para acompanharos i mpactosdosimpostosebenefciossociaisnocontinente,enfatizandoprinci palmenteareduod apobreza-APREVIDNCIA INJ USTA35Temos, ento, nossaprimeira constatao preocupante', a soma das aes que a sociedade brasileira faz para reduzir sua desigualdade tem muito menos impacto que as aes dos pases mais ricos do mundo. Em palavras simples: o Brasil, que muito mais desigual, faz menos esforo para melhorar.Caso algum se assuste com essa nossa, primeira constatao preocupante^ melhor que se prepare, porque tal desempenho to ruim no surge por ocaso. Ele acontece por uma razo bastante lgica. Os dois lados do processo, impostos e gastos, embutem fortes elementos de injustia. Vamos comear com os impostos. Todo mundo sabe que o rico paga mais imposto que o pobre, est certo? Bem, talvez nem sempre, pelo menos em termos proporcionais. Segundo os peritos, possvel que o Brasil arranque proporcionalmente mais imposto dos pobres que dos ricos.Supondo que todo mundo pague direitinho seus impostos, sem sonegao, ento no h dvida de que o rico paga mais Imposto de Renda. Porm, precisamos pensar no imposto total, contando no somente o IR chamado de imposto direto mas tambm na garfada que todos ns levamos ao comprar alguma coisa os chamados impostos indiretos. A que o negcio complica. Em mdia, nos pases ricos do mundo, os impostos diretos e indiretos tm pesos mais ou menos iguais. Para cada euro arrecadado pelos impostos diretos, outro vem pelos impostos indiretos. Mas no Brasil, os impostos indiretos tm peso dobrado geram R$ 2 para cada RS 1 de imposto direto. Do ponto de vista da justia social, isso pssimo. H muito tempo os economistas nos alertam que os impostos indiretos pesam relativamente mais no bolso dos pobres, porque o pobre gasta uma proporo maior do seu dinheiro com compras. No fenmeno s do Brasil, acontece no mundo inteiro, mas, uma vez que o Brasil arrecada proporcionalmente mais com impostos indiretos, a conseqncia que o Brasil joga relativamente mais peso de tributos indiretos nos ombros dos pobres.11Alguns exemplos da incidncia dos impostos indiretos um estudo do Ipea, publicado em 2000, indica que os alimentos da cesta bsica embutem impostos de 13,5%, isso nas principais regies metropolitanas do pas. Mas se algum se atrever a comprar, alm de comida, produtos de limpeza, ou material escolar, que se cuide. Segundo a Associao Comercial de So Paulo, o preohttp://www.iser.essex.ac.uk/msu/emod/. Os dados do Brasil vm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, Pnad -IBGE, de 2003. As comparaes so feitas em termos do Gini, e a queda mdi a nos15 pases da " ant i ga'E.U. de 0,51par a 0,32, enquanto no Brasil a queda de 0,63 para 0,56.As aposentadorias e outros benefcios representam 0,05 da queda brasileira, e impostos diretos somente 0,02.Na Europa, a queda devi da aos impostos diretos de aproxi madamente 0,04.O estudo no levaem cont a o i mpacto dos impostos indiretos e, portanto, t ende a mascarar um pouco o pssimo desempenho brasileiro na reduo da desigual dade. nOECD Economfc Surveys -Brazil 2005 .36BRIANNICHOLSONfinal do sabo em barra esconde 40,5% de impostos, um lpis ou caderno universitrio, 36,2%; um apontador ou uma borracha, 44,4%. E se ligar a luz em casa, para o filhinho estudar noite, l se vo mais 45,8%.12Conseqncia o sistema fiscal no Brasil contribui com muito pouco para reduzir a desigualdade, e talvez at faa piorar a situao. Para o Banco Mundial, nas reas metropolitanas brasileiras em 1999, o impacto geral dos impostos foi no sentido de aumentar a desigualdade, exatamente porque o impacto bom dos impostos diretos foi superado pelo impacto ruim dos impostos indiretos. Nessas regies, segundo o Banco Mundial, os 40% mais pobres recebem bem menos que 10% da renda total, mas pagam 16% do total do imposto indireto.13Para o OCDE, a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico, que rene os pases desenvolvidos, possvel que no Brasil como um todo os impostos faam uma pequena contribuio positiva para reduzir a desigualdade, mas nada da magnitude que seria de se esperar. No seu relatrio de 2005, aps comentar o pouco xito dos programas sociais em reduzir a desigualdade brasileira, a entidade concluiu: Tampouco o sistema tributrio contribui para melhorar a distribuio de renda. Enquanto na maioria dos pases do OCDE, existe uma diferena significativa entre a distribuio da renda bruta e da renda lquida, no Brasil isso no acontece. A razo que o impacto dos impostos diretos na distribuio de renda quase totalmente neutralizado pelo impacto dos impostos indiretos....14Certamente no queremos mudar o sistema tributrio a ponto de jogar o peso total nos assalariados mais ricos e no lucro das empresas, e assim talvez aumentar a sonegao e reduzir o incentivo para trabalhar e investir. Mas certamente h muito espao para melhorar.Eis, portanto, nossa segunda constatao preocupante', no Brasil, o pobre paga uma fatia relativamente grande dos impostos, fazendo com que o sistema fiscal tenha pouco ou nenhum impacto sobre a desigualdade.Nossa prxima fonte de preocupao vem do outro lado do processo, e parecida: no Brasil, o custo dos programas sociais cai em boa parte sobre os ombros dos prprios pobres e da classe mdia baixa. Pode parar e ler de novo, mas isso12Os dados da Associao Comercial de So Paulo se referem especi ficamente ao Estado de So Paul o, e cert ament e haver di ferenas entre Estados.Em 2002 a Cmara Americana de So Paulo cal culou que o custo de isentar de ICMS os alimentos da cesta bsica seria US$1bi lho ao ano.,3 Brazil: Inequality and Economi c Development, Banco Mundial, 2003.,4 OECD Economic Surveys -Brazil 2005. pg.134 e135.A PREVIDNCIA INJ USTA37mesmo. Sempre imaginamos que os programas sociais seriam a maneira pela qual os mais ricos ajudavam os mais desafortunados. Seria, efetivamente, uma transferncia de renda que levaria a sociedade na direo certa, mesmo que lentamente. Pois vamos l. Com a palavra, os peritos Helmut Schwarzer e Ana Carolina Querino, do Ipea: ... possvel dizer que historicamente grande parte do financiamento das polticas sociais com nfase especial nos gastos redis- tributivos foi sustentada pela parcela menos abastada da sociedade brasileira.... O argumento de Schwarzer e Ana Carolina o de que os programas sociais tm sido financiados principalmente atravs de contribuies sobre salrios ou seja, pelos trabalhadores e os empregadores e isso aumenta os preos. Assim, o pobre e o assalariado pagam pelos programas sociais de trs maneiras nos descontos na folha, nos preos e impostos na loja, e na disponibilidade menor de empregos. E devemos ter em mente, como acabamos de ver, que o pobre tambm carrega um peso relativamente alto dos impostos.15Chegamos, portanto, nossa terceira constatao preocupante: no Brasil, as camadas que menos tm, arcam com uma parcela desproporcional do custo dos programas sociais.De tudo isso, devemos tirar uma lio importante: as coisas nem sempre so o que parecem ser. Quem no perito provavelmente pensou, como eu pensava, que era bvio que o rico pagasse mais impostos e bancasse os programas sociais. Como acabamos de ver, no bem assim.Outro mito que o Brasil desigual porque gasta pouco na rea social e que, por tabela, teria de gastar muito mais para melhorar a situao. Com a palavra, a OCDE, no mesmo relatrio: O Brasil gasta aproximadamente um quarto do seu PIB em programas sociais pagos pelos cofres pblicos (incluindo educao, sade, moradia, saneamento, previdncia, assistncia e seguro-desemprego). Trata-se de uma quantidade grande, pelos padres internacionais, e bem acima da mdia dos gastos em pases com nvel de renda parecido. Depois de reconhecer a melhoria de alguns indicadores sociais nos ltimos anos, a entidade observa que a15 No texto n.2929 do Ipea:Benefcios sociais e pobreza -programas no contribufivos d a seguridade social brasileira,de2002.Depois,SchwarzersetornousecretriodePrevidnciaSocial,nogovernoLula.Aci t ao compl et a:Valeressaltar que.desdeadcadade1920, e especi al mente duranteoregimemilitar, foiimpl ement ada no Brasil a lgica do autofi nanciamento da poltica social, ou seja. os fundos destinados aos programas sociais originavam-se das contribuies sobre a folha de pagamento.Dessa forma, a car ga da redistribuio era transferida aos trabal hadores assalariados formais e seus empregadores.Estes, na maioria das vezes, repassavam os custos para os consumidores, el evando os preos em um contexto inflacionrio. Apesar de isso nunca ter sido exdiamente medido,possvel dizer que historicamentegrande partedo fi nanci amento daspolticas sociais -comnfaseespecialnosgastosredistributivos- foisustentadapel aparcel amenosabast adadasoci edade brasileira por mei o dos preos dos produtos, das altas contribuies incidentes sobre a folha salarial e os conseqentes ba\xos nveis de emprego e salrio real".38BRIANNICHOLSONdistribuio de renda continua teimosamente desigual, devido em parte ao fato de que uma fatia considervel dos gastos sociais nem chega aos pobres.16A que vamos chegando raiz do problema. O Brasil gasta bastante na rea social, mas tradicionalmente gasta mal, o que contribui para perpetuar a desigualdade. Com a palavra, Marcelo Neri, economista da FGV e um dos maiores peritos brasileiros em poltica social: Uma das causas fundamentais da nossa desigualdade inercial so transferncias de renda s avessas, patrocinadas pelo Estado brasileiro... a luta contra desigualdade inercial se d inicialmente no redirecionamento das polticas de rendas do Estado.E tambm Marcelo Estvo de Moraes, outro especialista em polticas sociais: A poltica social brasileira tem sido mais mecanismo de reproduo da desigualdade estrutural do que instrumento de incorporao dos segmentos economicamente excludos, ou de reduo das diferenas sociais. Na verdade, no chegamos a conhecer o Estado de Bem-Estar Social. A cultura do privilgio nos levou muitas vezes ao Estado de Mal-Estar Social que, ao reproduzir as estruturas de desigualdade social, no foi capaz de resolver os problemas das maiorias.17 importante observar o que Neri e Moraes falavam h alguns anos. Recentemente, o Bolsa-Famlia representou um passo no sentido correto Neri o descreveu como um eficiente programa de transferncia de renda, que vem contribuindo com a queda recente na desigualdade.18Mas, tambm necessrio dizer que o Bolsa-Famlia representa uma parcela pequena dentro do gasto social total do pas, que na sua grande maioria continua com srios problemas.Como seria possvel existir polticas sociais que gastam to mal? Seria devido corrupo algum metendo a mo no dinheiro? Ou talvez incompetnciacestas bsicas esquecidas no galpo da prefeitura, enquanto muita gente passa fome? Obviamente isso pode acontecer, em qualquer pas, mas o problema16A OCDE estimou o total dos gastos sociais no Brasil em 244% do PIB. comparado com 25.6% par a a mdi a dos pases membros da enti dade.O maior gasto percentual era da Frana, com 34.2% do PIB, e em seguida da Alemanha, com 31,7%. Bastante parecidos com o Brasil estavam a Holanda, com 26,0%, e a Espanha, com 23,9%. Comnveis bemmaisbaixos que oBrasil,osEstadosUnidos,com19,5%;Mxi co,16,6%;e Cori ado Sul,10.4%. Dados do Brasil so de 2002; os outros, de 2001.17No texto *Seguridade Social e Direitos Humanos", apresentado em seminrio do Ipea (dezembro de 2002). Moraes,doNcleodePesquisaemPolticasPblicasdaUnB, foientre1990 e 2000 secretrionosMinistriodo Trabalho, Previ dncia e Justia -neste ltimo, secretrio de Estado adjunto dos Direitos Humanos.18Escrevendo no jornalValor Econmi co, em 29 de abril de 2003, e em entrevista no site do PNUD em setembro de 2005- http://www.pnud.org.br/noticias/impressao.php7id01=1442.A PREVIDNCIAINJ USTA39maior no Brasil no por a. O problema conhecido pelos peritos como fo- calizao. Em termos simples, quando um programa social for bem focalizado, ele concentra seus gastos nas pessoas mais necessitadas. E quando no for...No que todos os programas sociais sejam ruins, longe disso. O Brasil tem vrios que esto muito bem focalizados, com impacto positivo na desigualdade. Exemplos seriam os benefcios assistenciais da LOAS, a educao primria, urbanizao de favelas, merenda escolar e Bolsa-Famlia. O programa de erradicao de trabalho infantil ganhou elogios internacionais sem falar nos imitadores. Mas existem outros gastos sociais, principalmente aposentadorias, ensino superior e crdito imobilirio, que focam nitidamente na classe mdia. E esses programas tm peso grande no bolo total. O resultado, segundo o Banco Mundial, que os gastos sociais como um todo esto mal distribudos os pobres recebem proporcionalmente menos que os mais ricos.19Agora, o fato de existir bons programas sociais em nada justifica a existncia dos ruins. Todos devem ser bons, por que no? Devem estar sempre muito bem focalizados nos mais necessitados, o que no exclui programas totalmente igualitrios, como a vacinao contra sarampo, ou o ensino fundamental, cuja distribuio rigorosamente democrtica trs gotinhas ou uma carteira por criana, seja rica ou pobre. Entre os programas que impactam diretamente a renda, a grande maioria est pessimamente focada, e o resultado no poderia ser outro. Conforme o Ministrio da Fazenda, no estudo que vimos h pouco, os 20% dos mais ricos embolsam 60% das chamadas transferncias monetrias, o dinheiro que o governo d aos cidados, seja na forma de aposentadoria ou penso, auxlio-doena, seguro-desemprego ou programas como Bolsa-Famlia. Enquanto isso os 20% mais pobres recebem aproximadamente 3% das transferncias monetrias. Na Europa, em mdia, os 20% mais pobres recebem em torno de 20% das transferncias. possvel que isso tenha melhorado ligeiramente, mas nada que mude o quadro geral.Nossa quarta constatao preocupante, portanto, que o Brasil gasta bastante na rea social, mas gasta muito mal, favorecendo os mais ricos e reforando a desigualdade.19 DorelatrioBrazil: Inequality and Economi c Development.pg.30.LOAS aLeiOrgni ca da Assistncia Social. Duas ressalvas. Embora a distribuio dos gastos totais seja ruim, menos desigual que a desigual dade de vwKta. Portanto,osgastos sociais,emboramalfocali zadosemmuitos casos,aj udamareduzir adesigual dade geral. Na linguagem t cni ca, os gastos so regressivos, mas menos regressivos que a distribuio geral da renda. O relatrio se refere a dados de 1997. bem possvel que t enha havido melhorias desde ent o, por exempl o, com maiores gastos no Bolsa-Escola.Mas continua forte a regressividade dos principais gastos.40BRIANNICHOLSONObservou o Ipea, em 2006: No Brasil, nem os gastos pblicos beneficiam prioritariamente os mais pobres nem os impostos incidem proporcionalmente mais sobre os mais ricos.20Resumindo: vimos que o Brasil, o mais desigual dos grandes pases, faz menos esforo para melhorar, que o pobre paga uma fatia relativamente pesada dos impostos e vem bancando boa parte do custo dos programas sociais, e que o pas gasta muito na rea social, mas gasta mal, com muitos programas favorecendo os mais ricos e reforando a desigualdade. este, ento, o cenrio com o qual precisamos lidar. Nossa prxima tarefa descobrir o porqu deste cenrio, to visivelmente inadequado s necessidades da maioria dos brasileiros.20 Not at cni ca sobrea recentequeda d a desigual dadede renda noBrasil deagostode2006 - anlise coor denadaporRicardoPaesdeBarroseMireladeCarvalho,comaparti ci paoderenomadosperitos internacionais.CAPTULO 3Na pista do problemaVamos fazer um mergulho rpido por dentro dos programas sociais. J vimos que o Brasil gasta aproximadamente um quarto do PIB com educao, sade, previdncia, assistncia, seguro-desemprego, agricultura familiar, cultura, saneamento e moradia popular, principalmente. Cerca de metade disso gasto pelo governo federal, a outra metade pelos Estados e municpios. Podemos gastar mais, mas no necessrio, e muitos pases gastam menos. O problema no est na quantidade do gasto, mas sim na qualidade.De cada quatro reais que a sociedade brasileira gasta atravs de seus governos, trs vo para a rea social. O outro fica dividido entre estradas, aeroportos, energia, Judicirio, Legislativo, as Foras Armadas, policiamento, cadeias, o servio diplomtico e assim por diante. E no bolo geral dos gastos sociais, a previdncia de longe a maior. Ela recebe quase a metade do total mais que sade e a educao juntas. No nvel do governo federal, a previdncia consome dois teros dos gastos sociais.21 interessante ver como o Brasil se compara com a mdia dos pases ricosno caso, com a mdia da OCDE. Em termos de porcentagens do PIB, o Brasil em 2001 e 2002 gastou abaixo da mdia na educao e sade, e acima da mdia na previdncia isso, falando s dos gastos pblicos, sem contar os gastos privados. E veja bem, no estamos falando de valores absolutos, porque obviamente um pas grande e rico como os Estados Unidos sempre vai gastar mais no total. Estamos falando em termos proporcionais. Agora, uma vez que o Brasil, comparado com os pases ricos, tem relativamente mais jovens e mais21 Os dados vm do relatrio da OCDE e do textoOramento Social do Governo Federal 2001-2004, ambos j citados. Os dados so de 2001/02 e excluem juros. A previdnciarepresenta 43,7% do gasto social t otal, educao 22.0% e sade19,2%. A previ dncia foi responsvel por 67,4% do gasto social federal .Eo gasto social totalfoi 244% do PIB. dentro de um gasto pbli co total (excluindo juros) de 31,6% do PIB.42BRIAN NICHOLSONpobres, e relativamente menos idosos, seria de pensar que o Brasil gastaria relativamente mais na educao e sade, e relativamente menos na previdncia. Mas acontece exatamente o contrrio.Vamos ser bastante claros: no h nada que obrigue um pas a gastar mais numa rea, e menos numa outra. deciso soberana. O Brasil vive em plena democracia h mais de 20 anos, ento seria de supor que o dinheiro pblico vem sendo gasto na maneira que a maioria do povo quer, na maneira que representa os anseios e as prioridades nacionais. Teoricamente, possvel que gastar menos na sade e na educao, e mais na previdncia, represente a vontade do povo. Mas ser que representa mesmo?De fato, h no Brasil um gasto totalmente desproporcional na previdncia, algo que veremos em breve. Mas, primeiro, precisamos ressaltar a diferena entre quantidade e qualidade. possvel gastar muito, mas gastar mal. Os peritos nos ensinam que todas as trs grandes reas de ao social sade, educao e previdncia tm seus defeitos. s vezes gastamos com programas que chegam aos pobres, mas de maneira ineficiente programas mal pensados, ou mal executados. Mas o defeito principal aquele que j foi apresentado a m focali- zao. Ou seja: o dinheiro no vai prioritariamente para os mais necessitados.Antes de falar da previdncia, vamos ver rapidamente algumas maneiras em que o dinheiro pblico mal direcionado na educao e na sade, dentro da tica de reduzir a desigualdade.Na educao, h uma forte distoro dos gastos em favor das universidades pblicas. De todos os estudantes brasileiros custeados pelos cofres pblicos (desde pr-escola at o ensino superior), 2% esto nas universidades, mas estes recebem 20% da verba. razovel gastar mais por aluno na faculdade do que na pr-escola afinal, microscpio custa mais que baldinho e areia. Mas a diferena no Brasil grande demais, e o resultado um custo altssimo por aluno na faculdade, relativo ao nvel de renda no pas. Segundo a OCDE, o Brasil gasta com cada estudante nas universidades pblicas um valor equivalente a 150% do seu PIB per capita. trs vezes mais que a mdia dos pases ricos.Uma conseqncia inevitvel desse gasto pesado nas faculdades pblicas o gasto relativamente pequeno no restante do ensino pblico. Por exemplo, o pas dedica a cada aluno no ensino mdio pblico menos de 7% do que destina, a cada aluno na faculdade pblica.A distoro em favor das universidades pblicas piora com o fato de elas receberem majoritariamente filhos de famlias relativamente ricas, que estudamA PREVIDNCIA INJ USTA43em boas escolas particulares e depois abocanham a fatia do leo dos lugares nas faculdades gratuitas. O governo PT ensaiou algumas tentativas de melhoria, com cotas para estudantes oriundos do ensino pblico e minorias tnicas, e a disponibilizao de vagas em faculdades particulares, mas faria todo sentido, em nome da justia social, cobrar mensalidade nas universidades pblicas, com bolsas para estudantes pobres de qualquer raa. Uma alternativa seria instituir uma mensalidade para estudantes acima de certo nvel de renda familiar. Em qualquer caso, o dinheiro economizado iria para o ensino fundamental. H uma proposta neste sentido no livro A ignorncia custa um mundo, de Gustavo Ioschpe.22Na sade, h vrios programas direcionados fortemente aos mais pobres, e a distoro geral provavelmente menor. Mas existe. O Sistema nico de Sade (SUS), financiado com dinheiro pblico, oferece hospitais e postos de atendimento em geral melhores e tratamento mais rpido que nos hospitais e postos pblicos de sade. Mas quase quatro entre cada cinco pacientes nos hospitais conveniados ao SUS vm da metade mais rica da populao. Para os mais pobres, sobram os hospitais pblicos... ou nada.23Um freio* para areduo da desigualdade...Agora, vamos falar da previdncia. E vamos chegar ao cerne do problema. Em termos proporcionais, os pases ricos tm entre duas e trs vezes mais idosos que o Brasil. Ento, seria de pensar que, tambm em termos proporcionais, eles gastariam entre duas e trs vezes mais que o Brasil com aposentadorias e penses. Mas de novo acontece o contrrio. E o Brasil que gasta mais, 10,7% do seu PIB comparado com uma mdia de 8,5% nos pases em geral ricos que compem a OCDE.24Descobrir o porqu dessa gritante distoro, naquele que de longe o maior dos gastos sociais, o primeiro dos grandes objetivos deste livro. O segundo oferecer uma soluo.22Fontes:relatrio da OCDE J cit ado; t ambmDesigualdade e polticas compensatrias,por Joo Batista de Arajo e Oliveira, um capt ul o no livroOs desafios da educao no Brasil (ed. Schwartzman e Brock).Eai nda o texto'The poverty reduction strategy ofthe govemment ofBrazll: a rapid appr ai sar . de Jos Mrcio Camargo e Francisco Ferreira, da PUC-Rio (2002).23Camargo e Ferreira (2002), cit ando dados dos anos 1990. possvel que tenha havido melhoria desde ento.24Fonte para popul aes -IBGE e OCDE (Relatrio -Brazil 2005, pg. 34).NoBrasil, 8,3% das pessoas t m 60 anos ou mais (em 2001).Nos pases membros da OCDE, entre15% e 24%. A compar ao dos gastos com aposentadorias e penses t ambm do OCDE, pg.125.44BRIANNICHOLSONComo veremos nos prximos captulos, a previdncia brasileira contando o INSS e os regimes dos servidores tem acertos e vcios, no em termos fiscais, ou da eficincia burocrtica, mas sim da justia social. Veremos que a previdncia melhora a vida de milhes de pobres, ao mesmo tempo que paga benefcios altssimos para uma minoria. Segundo o Banco Mundial, os 20% de brasileiros mais ricos embolsam 61% do dinheiro pblico pago em aposentadorias e penses. Nos EUA, os 20% mais ricos recebem 26%. Enquanto isso os 40% mais pobres no Brasil recebem 9%; nos EUA 29%. Dizendo isso de outra maneira: nos Estados Unidos, covil do capitalismo selvagem na viso de alguns, o velhinho rico recebe do governo em mdia 1,8 vez mais que o pobre. No Brasil, 13,6 vezes mais.25Mais adiante, veremos que a maioria dos benefcios no Brasil embute um subsdio, mas os subsdios para a classe mdia e os mais ricos representam um pesado privilgio. E veremos que, efetivamente, a sociedade transfere dinheiro pblico para as pessoas mais abastadas. E a que chegaremos a uma das causas bsicas desta situao to absurda, em que um dos pases mais desiguais do mundo tem gastos sociais iguais ou maiores que muitos pases ricos, mas no consegue reduzir sua desigualdade. No caso da previdncia, h evidncias de que os gastos em alguns momentos podem at piorar a desigualdade, ou atuar como um freio para qualquer melhoria.Rodolfo Hoffmann, professor de economia na Unicamp, perito em distribuio de renda no Brasil. J dissecou a relao entre a desigualdade e fatores tais como posse da terra, consumo de alimentos e educao escolar. Nos ltimos anos, Hoffmann focou sua lupa na previdncia. Suas concluses devem servir como motivo de sria reflexo para todos que se preocupam com a desigualdade no Brasil, mas acima de tudo para aqueles da esquerda que militaram contra as recentes reformas. Avisou Hoffmann: ...as aposentadorias e penses pagas pelo sistema (INSS mais servidores) esto contribuindo para aumentar a desigualdade da distribuio da renda no Brasil.Para chegar a essa concluso, Hoffmann trabalhou com valores de 2003, quando o salrio mnimo era de R$ 240. Ele comparou famlias com rendimento por pessoa abaixo de R$ 200 com aquelas acima de R$ 1,0 mil. Ou seja, no caso de famlias de quatro pessoas, rendimento total abaixo de 3,3 mnimos ou acima de 16,7 mnimos. Ele chamou estes dois grupos de pobres e ricos.25Do relatrio " Brazil: Inequalli y and Economic Devel opmenf , pg. 26 (2003).A PREVIDNCIA INJ USTA45Hoffmann descobriu que, no rendimento total, de todas as fontes, o grupo dos ricos recebia 2,5 vezes mais que o grupo dos pobres. Mas, ao analisar somente a renda recebida do INSS e dos regimes dos servidores, ele descobriu que os ricos recebiam 3,0 vezes mais que os pobres. Ou seja: a distribuio das aposentadorias e penses era mais desigual que a distribuio da renda geral.Hoffmann alerta que imperfeies nos dados podem, talvez, estar exagerando um pouco o impacto. Mas nunca ao ponto de tornar o sistema previdencirio uma fora progressiva, algo que melhore a distribuio geral.Na mesma linha, o economista e socilogo Marcelo Medeiros, do Centro Internacional de Pobreza da ONU, concluiu num estudo publicado em 2005 que os 2% dos brasileiros mais ricos recebiam o mesmo total de dinheiro, na forma de aposentadorias e penses, que os 60% dos brasileiros mais pobres, e observa que isso seria ...o oposto do que se poderia esperar de um sistema que tivesse como objetivo a reduo das desigualdades sociais.26 importante dizer que esses estudos analisam a situao antes de a sociedade sentir o pleno impacto das reformas da previdncia dos governos FHC e Lula. E como mencionamos no primeiro captulo, houve nos ltimos anos uma pequena, mas bem-vinda, queda na desigualdade no Brasil. Comeou no governo FHC, e continuou no governo Lula. Entre os fatores, esto: estabilidade da economia, programas assistenciais tais como o Bolsa-Famlia e aumento no valor do salrio mnimo (e por tabela benefcios mnimos da previdncia). E como houve aumento no valor real no piso dos benefcios, a tentao seria pensar que a previdncia, finalmente, vem contribuindo para baixar a desigualdade. Mas, desgraadamente, os benefcios da previdncia como um todo (INSS, previdncia dos servidores e benefcios assistenciais) continuam sendo mais desiguais que a renda em geral, porque o salrio mnimo tambm subiu. Como concluiu Hoffmann no final de 2006, aps analisar dados do IBGE at 2005: O conjunto das aposentadorias e penses pagas pelo governo federal ou por instituto de previdncia constituem um freiopara a reduo da desigualdade....2726Cit aes do arti goO estudodos ricos no Brasil, publi cado emEconmica,revistadaps-graduao em Economi a da Universidade Federal Fluminense (junho de 2005), analisando dados de1997-99, e com definio de rico" bem mais restrita que a definio de Hoffmann -http://www.uf f .br/cpgeconomi a/economi ca.ht m.27O estudooriginal deHoffmann chama-seInequality inBrazil:The Contribution ofPensions.Foi publi cado em 2002, usando dados de1999 da Pesquisa Nacionalpor Amostragem Domiciliar (Pnad), do IBGE.Num clculo posterior, usando dados da Pnad de 2003, com valores de corte de R$ 200 e R$1.000 de rendimento por pessoa, o bl oco de pobres" inclua 52,8% da popul ao nacional; o bl oco dos ricos". 6,6%. Para facilitar a compreenso por leigos, este livro fala de"famlias" quando o correto seriadomiclios", mas a di ferena pequena. Se analisarmos a renda proveniente de trabal ho, o grupo dos ricos tinha 2.45 vezes mais que os pobres. Mas os ricos recebi am 2.98 vezes mais do rendimento proveniente de aposentadorias e penses pagos pelo governo -do INSS e dos regimes dos servidores. Segundo Hoffmann,oi mpactoregressivodosbenefciosnotadobasicamentenascidades,porquenocampo46BRIANNICHOLSONO fato que as reformas j feitas foram muito tmidas, tanto para resolver problemas fiscais (que no so nossa preocupao principal), quanto para atacar os privilgios. De fato, vrios dos piores privilgios nem foram eliminados. E as aposentadorias e penses j concedidas pelas regras antigas vo durar dcadas. Portanto, se nada for feito, o pas fica condenado a subsidiar durante muito tempo uma previdncia que faz piorar a desigualdade.Alguns finalmentes espinhosos...Como j vimos, pobreza e desigualdade de renda so bichos diferentes. Vivem na mesma floresta, mas no necessariamente andam juntos. Podemos imaginar um pas onde absolutamente todas as pessoas existiam na pior misriaat os banqueiros, empresrios e polticos! Seria o pas mais igual do mundo, mas no o modelo que queremos. Tambm podemos imaginar um paraso s de ricaos, com alguns bilionrios e o restante somente milionrios pobreza zero, mas desigualdade alta.No mundo real, todos os pases tm algum grau de desigualdade, com uma mistura de ricos, classe mdia e pobres. A questo como mudar de um nvel inaceitvel para um nvel razovel um grau de desigualdade que a sociedade em geral percebe como justo. O mais provvel que, ao atacar a pobreza, por exemplo, com programas sociais bem focalizados, vamos ajudar a reduzir a desigualdade. E ao diminuir a desigualdade, por exemplo, com reformas estruturais do tipo proposto neste livro, a tendncia natural ser de reduzir sensivelmente a pobreza. Portanto, pobreza e desigualdade podem ser males diferentes, mas o remdio para um provavelmente ajude o outro.Qual seria a prioridade nacional focar na desigualdade ou na pobreza? No final das contas, trata-se de uma questo de valores pessoais. Pelo ponto de vista deste livro, o Brasil precisa atacar ambas, agora e ao mesmo tempo. Noquase todas as aposentadorias rurais tm valor bsico.Infelizmente a Pnad no distingue entre aposentadorias do INSS e dos regimes dos servidores.Se fizesse, certamenteoresultado seriaum impacto regressivomuitomaior dos benefcios dos servidores, enquanto o INSS como um todo, incluindo os benefcios rurais, provavel mente seria progressivo. O texto de 2002 est disponvel no site da FGV -htt p://epge.fgv.br/portal/pesquisa/producao/4590.html.A anlise de 2006 tem o ttulo deTransferncias de renda e a r eduo d a desigual dade no Brasil e 5 regies entre1997 e 2005.Hoffmann t ambm t em um texto que oferece uma excelente introduo questo geral da desi gual dade de renda no Brasil.Explica em termos simples (pelo menos inicialmente) as vrias maneiras de medi-la, e discorre sobrequemseria'ri co' e' pobr e' .Intitula-seDistribuio da renda noBrasil: poucos com muit oemuitoscom mui to pouco -t ambm um captulo do livro Economi a Social do Brasil, organi zado por L.Dowbore S.Kilsztajn (Senac, 2001). http://wvyw.eco.uni camp.br/nea/rurbano/textos/downlo/textos.html.A PREVIDNCIAINJ USTA47captulo final, veremos que na viso de muitos economistas, reduzir a desigualdade pode estimular o crescimento da economia, com benefcios para todos. Mas com ou sem crescimento, o Brasil precisa atacar com urgncia a pobreza e a desigualdade de renda. Nada de esperar mais um sculo para deixar o bolo crescer. Em termos de justificao moral ou tica, porm, o livro no oferece nenhuma. Concorda quem quer.Da mesma maneira que desigualdade de renda e pobreza so diferentes mas associadas, desigualdade de renda e injustia social tambm o so. Uma sociedade pode ser injusta em muitas maneiras, mas na prtica a desigualdade de renda provavelmente a maior delas. Muitos fatores contribuem para a desigualdade de renda a educao, a classe social dos pais, a infra-estrutura residencial, gnero, a regio onde uma pessoa mora, preconceitos raciais e religiosos, e at atributos fsicos, embora at que ponto alguns desses so causa ou conseqncia da desigualdade econmica, a so outros quinhentos. Uma pessoa pobre porque mora numa favela e mal completou o quarto grau? Ou mora numa favela e mal completou o quarto grau porque pobre? A discriminao tambm importante. Peritos do Banco Mundial nos informam que a mulher brasileira ganha 29% menos que o homem, embora ela hoje comece a trabalhar com um ano a mais de estudo. E em termos relativos, o impacto da cor na desigualdade cinco vezes mais forte no Brasil que nos EUA.28Trata-se de um assunto amplo e complexo, que este livro vai em grande parte ignorar. Vamos falar em desigualdade e injustia social para, em geral, nos referirmos grande diferena que h entre ricos e pobres. E da mesma maneira que vamos supor que a maioria dos brasileiros quer uma sociedade mais igual, vamos supor que a maioria das pessoas, no seu ntimo, enxerga o atual grau de desigualdade como injusto. Mas, mais uma vez, este livro no vai oferecer qualquer comprovao para essa suposio. Concorda quem quer.Outra briga sobre a definio de quem rico e pobre. relativamente bvio que no h uma linha exata que separa um do outro fulano pobre, mas se ganhar um centavo a mais seria rico. Obviamente que no. Mas os problemas so outros. Primeiro, a complicada questo de percepo. Pouqussimas pessoas se acham ricas. como dizia Millr Fernandes, escritor, humorista e observador28Do relatrio Brazil: Inequallty and Economic Deveiopment. pg.15 (2003).48BRIANNICHOLSONpor excelncia da condio humana: Quanto muito? Quanto demais? Eu, por exemplo, que moro no Rio beira-mar, tenho carro (1998, verdade) e como nos melhores restaurantes, me considero um homem pobre.29Ento, vamos ser honestos e pragmticos ao mesmo tempo. Seremos honestos o suficiente para reconhecer que eventuais dificuldades em bater martelo sobre definies nunca podem ser desculpa para fingir que o Brasil no tem pobres e ricos, ou que a distncia entre eles no grande demais. Afinal, como dizia Bob Dylan, em Subterranean Homesick Blues: No precisamos de meteorologista para saber como est ventando. E seremos pragmticos, porque vamos simplesmente esquecer do problema. Afinal, no vamos mexer nos salrios. J decidimos que no vamos propor nenhum tipo de ditadura, que vamos atacar a desigualdade dentro de um sistema livre e capitalista. Portanto, no cogitamos nenhuma lei dizendo que fulano tem que ganhar mais e beltrano, menos. No por a a soluo da desigualdade. A soluo ou pelo menos grande parte dela vem pela incluso social, criando condies para que cada cidado possa ganhar um salrio decente, algo que a sociedade brasileira hoje nega a milhes de seus membros ao recusar-lhes boa educao, sade e infra- estrutura. O caminho, portanto, vai pela distribuio correta dos gastos sociais, focando preferencialmente nos cidados mais necessitados, e nunca subsidiando aqueles que mais j tm.Mesmo sem definir rico e pobre, vamos usar estes termos com freqncia. E peo um pouquinho de compreenso do leitor, porque vamos usar essas palavras em algumas maneiras diferentes:Ao comentar estudos de terceiros, vamos explicar os critrios dos respectivos autores.Quando falar em termos gerais da sociedade brasileira, vamos usar pobres, classe mdia e ricos para indicar os grandes grupos, mas sem muita preciso.Ao examinar como a sociedade distribui o dinheiro pblico hoje, e pensar em como devemos distribu-lo para atacar a desigualdade, vamos usar uma definio bastante clara. Para ver quem deve receber subsdios, vamos dividir a29RevistaVeja. 20 de outubro de 2004.APREVIDNCIAINJ USTA49sociedade no meio, entre ricos e pobres, baseada numa fria estatstica quem tem mais e quem tem menos. E uma diviso que vai angustiar muita gente, e certamente vai colocar a grande maioria dos leitores deste livro no lado dos ricos. Pensei em criar um eufemismo, alguma frase de conforto, por exemplo, os relativamente mais abastados e os relativamente menos afortunados. Mas decidi que no. Nada de subterfugio. Nunca vamos resolver a desigualdade brasileira se ficarmos fingindo que estamos todos pobres.A renda mdia no Brasil estava em torno de quatro salrios mnimos. Recentemente seu valor real ficou estagnado em cerca de R$ 1.050 e hoje seria equivalente a algo como trs mnimos, devido em boa parte ao aumento no valor real do salrio mnimo.30Importante, porm, entender que a maioria dos trabalhadores brasileiros no ganha nem isso, porque a mdia puxada para cima pela alta desigualdadepelo peso dos salrios top. Seria igual ter um jogador como Ronaldo ou Ronaldinho num time da terceira diviso. Seriam dez cabeas-de-bagre que ganham quase nada, e um gnio com salrio galctico. A mdia dos salrios no time seria razoavelmente alta, puxada pelo grande craque, mas com todos os outros jogadores ganhando bem abaixo da mdia. E assim no Brasil de cada quatro trabalhadores, trs ganham abaixo da mdia nacional.Quando o objetivo reduzir a desigualdade, direcionando os gastos pblicos para os mais necessitados, tentador usar o salrio mdio como referncia. Mas precisamos ser mais focados, e priorizar ao mximo a metade mais pobre da populao. A lgica para fazer isso simples. Imagine que existam vrias pessoas com vrios graus de fome, e s um biscoito. Obviamente, ele deve ir para o indivduo na pior situao. O segundo biscoito, quando houver, para o segundo pior,