a presenca da igreja nos lares p jorge batista dietrich de oliveira (2)

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  • ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

    PPG PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    JORGE BATISTA DIETRICH DE OLIVEIRA

    A PRESENA DA IGREJA NOS LARES

    UM ENSAIO SOBRE A CAPILARIDADE DA IGREJA NO CONTEXTO URBANO

    So Leopoldo

    2010

  • 1

    JORGE BATISTA DIETRICH DE OLIVEIRA

    A PRESENA DA IGREJA NOS LARES

    UM ENSAIO SOBRE A CAPILARIDADE DA IGREJA NO CONTEXTO URBANO

    Trabalho de Concluso de

    Especializao em Misso Urbana

    Para obteno do grau de

    Especialista em Teologia

    Escola Superior de Teologia

    Programa de Ps Graduao

    Orientador: P. Ms. Martin Volkmann

    So Leopoldo

    2010

  • 2

    SUMRIO

    INTRODUO..........................................................................................................................3

    1 A REALIDADE DA CIDADE...............................................................................................6

    1.1 A cidade como desejo e frustrao............................................................................7

    1.1.1 A crise da qualidade dos servios urbanos................................................8

    1.1.2 A crise da forma e a mentalidade urbana..................................................9

    1.1.3 A crise da identidade e do modo de vida.................................................10

    1.1.4 A crise do Estado - organizao poltica.................................................11

    1.2 O pluralismo religioso............................................................................................12

    2 O DESAFIO DA MISSO...................................................................................................17

    2.1 A misso como manifestao do reino de Deus.....................................................17

    2.2 A Igreja como instrumento da misso de Deus......................................................18

    2.3 A importncia da casa na misso de Deus.............................................................19

    2.3.1 A casa como chave hermenutica da cidade...........................................19

    2.3.2 A casa no NT como expresso do reino de Deus....................................20

    2.3.3 A casa para Lutero e o sacerdcio geral de todos os crentes...................22

    2.3.4 A casa e a dinmica dos pequenos grupos na atualidade........................24

    3 A DIVERSIDADE DE PROPOSTAS MISSIONRIAS NA REALIDADE URBANA ...27

    3.1 Alguns modelos que esto influenciando as igrejas evanglicas no Brasil............27

    3.1.1 Igreja nos lares.........................................................................................27

    3.1.2 Igreja em clulas......................................................................................28

    3.1.3 Rede ministerial.......................................................................................30

    3.1.4 Igreja com propsito................................................................................31

    3.1.5 Desenvolvimento natural da igreja..........................................................32

    3.2 Avaliao das propostas missionrias....................................................................34

    4 IMPLANTANDO PEQUENOS GRUPOS NOS LARES....................................................36

    4.1 O porqu de pequenos grupos nos lares.....................................................37

    4.2 Comeando pequenos grupos nos lares......................................................38

    4.3 O funcionamento dos pequenos grupos nos lares.......................................39

    4.4 Formando lideranas para os pequenos grupos nos lares...........................41

    4.5 Como o pequeno grupo e a grande celebrao se relacionam....................42

    CONCLUSO..........................................................................................................................45

    BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................48

  • 3

    INTRODUO

    Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), existe uma

    tendncia crescente da urbanizao no Brasil. Os nmeros do Censo Demogrfico 2000

    confirmaram que 81,23 % dos brasileiros moram na cidade1. Alm da rpida urbanizao

    2,

    acontece tambm o fenmeno da metropolizao das cidades; cerca de 22% da populao

    urbana se concentra em apenas treze municpios com mais de um milho de habitantes3. Esse

    fenmeno da migrao para grandes cidades no um fato isolado do contexto brasileiro.

    Conforme dados da Organizao das Naes Unidas (ONU), estima-se que at 2030, 83 % da

    populao da Amrica Latina ser urbana4.

    A cidade atrai pessoas e oferece muitas oportunidades. Mas tudo tem o seu preo e

    viver na cidade significa enfrentar a poluio, os congestionamentos no trnsito, a violncia e

    a falta de saneamento e segurana. O que as grandes cidades oferecem em oportunidades

    acabam por tirar em qualidade de vida. O modelo de Igreja rural j no corresponde s

    necessidades urbanas, pois os habitantes da cidade criam novos horizontes de pensar e de agir.

    A teologia e a misso urbana no podem ignorar essa realidade. Precisam encontrar caminhos

    para uma presena pblica satisfatria da Igreja na cidade grande.

    A Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil (IECLB) se faz presente nos

    grandes centros urbanos atravs de seu modelo de parquia e comunidade. Nelas as pessoas se

    encontram para partilhar experincias e viver a f. No entanto, o modelo familiar conhecido

    na realidade rural sofre na cidade muitas transformaes, e os membros de confisso luterana

    esto cada vez mais espalhados pelas periferias e entorno das grandes cidades.

    A evangelizao que acontecia no convvio familiar j no funciona mais.

    Enfrentamos um dilema: ou a IECLB descobre uma forma criativa de evangelizar, ou ela no

    encontrar mais lugar na realidade urbana.

    1INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Tendncias demogrficas: uma

    anlise dos resultados da sinopse preliminar do censo demogrfico 2000. Departamento de Populao e

    Indicadores Sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p.15. Disponvel em: . Acesso em: 20 nov. 2009. 2Entende-se urbanizao como processo de transio de uma sociedade rural para uma mais urbana, por meio da

    migrao zona rural-cidade. J a metropolizao o processo em que cidades de uma determinada regio esto

    em via de se tornarem uma metrpole, ou seja, prestes a abrigar mais de um milho de habitantes em uma regio

    ou apenas em uma cidade. 3IBGE, 2001. p. 23. Do conjunto dos municpios mais populosos, treze apresentaram, em 2000, populao

    superior a um milho de habitantes e reuniram 36,2 milhes de pessoas que correspondem a 21,36% da

    populao do Pas. 4MARTINE, George. Situao da populao mundial 2007. Fundo de Populao das Naes Unidas (UNFPA).

    Nova Iorque: UNFPA. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 20 nov. 2009.

  • 4

    Na tentativa de encontrar respostas para esse desafio, o presente estudo opta pelo

    mtodo que se tornou conhecido na realidade latino-americana (ver, julgar e agir). Busca-se

    ver a realidade urbana; ilumin-la com a palavra de Deus, com a tradio da Igreja e com os

    valores da f. E, por ltimo, busca-se encontrar caminhos de ao construindo uma proposta

    onde a vida e a f das pessoas possam encontrar seu lugar e ser partilhadas.

    No primeiro captulo, analisamos a situao complexa das grandes cidades e

    perguntamos no final de cada parte por perspectivas para a realizao da misso urbana nesse

    contexto.

    No segundo captulo apresentamos o desafio da misso e a importncia da casa como

    local de vivncia da f e da presena do reino de Deus. Identificamos no Novo Testamento o

    incio da igreja primitiva e o seu crescimento que ocorria a partir do ministrio desenvolvido

    nas casas. Apontamos para a contribuio de Martim Lutero na valorizao da casa como

    local de culto e na redescoberta do sacerdcio geral de todos os crentes. E, para finalizar este

    captulo, analisamos a dinmica dos pequenos grupos na atualidade. No temos a pretenso de

    elaborar um estudo que abarca todas as questes que envolvem o desenvolvimento histrico

    dos pequenos grupos caseiros (embora isso fosse o ideal), porm temos algumas pistas que

    podero abrir horizontes para a valorizao e o resgate da casa como local de encontro e

    partilha da palavra de Deus.

    No terceiro captulo, apresentamos de forma resumida os principais modelos que esto

    influenciando as igrejas evanglicas no Brasil, seguidos de uma breve reflexo teolgico-

    pastoral. Esta anlise torna-se pertinente, porque tais modelos esto no mago das grandes

    mudanas que ocorrem hoje nas igrejas evanglicas em todo o Brasil. Nas principais livrarias

    evanglicas, encontramos vasta literatura sobre essas diversas propostas de igreja. Tambm,

    em quase todas as denominaes, do assim chamado mundo evanglico, percebemos a

    influncia e a penetrao destas propostas, inclusive em muitas comunidades da IECLB.

    No quarto captulo, procuramos elaborar uma proposta de grupos de estudo bblicos

    caseiros a ser aplicada na realidade urbana. Antes, porm, preciso dar conta que importar

    modelos de outros e seguir estratgias pode at ser eficiente para encher igrejas, mas copiar

    sempre uma tentativa frustrada que, no mximo, torna a cpia uma verso pobre e mal feita

    do original. Por isso, precisamos aprender com os outros, mas descobrir e desenvolver o

    nosso jeito de ser e de fazer misso, especialmente no contexto urbano.

    Assim sendo, este trabalho quer ser um ensaio sobre a capilaridade da igreja no

    contexto urbano. Entendemos que a igreja precisa espalhar-se pelas casas dos bairros de

    nossas cidades, levando a comunho assim como o sangue leva a vida at s extremidades do

  • 5

    corpo humano atravs dos vasos capilares. Estes vasos existem em grande quantidade no

    nosso corpo e constituem a rede de distribuio e recolhimento do sangue nas clulas.

    Tambm nossas comunidades de confisso luterana necessitam criar redes de articulao,

    comunicao e interao que afirmam sua presena pblica em toda a cidade. Assim, os

    pequenos grupos caseiros, interligados com a vida de nossas comunidades, podem vir a ser

    um excelente instrumento de misso e transformao na cidade.

  • 6

    1 A REALIDADE DA CIDADE

    Compreender a cidade um grande desafio para a misso urbana. Para conhecer o

    rosto da cidade5 preciso insero e capacidade de ler a realidade. O conhecimento de uma

    cidade fundamental para uma ao ou ministrio abrangente dentro da mesma.

    Ajudam o conhecimento da cidade alguns elementos de sua histria, sua geografia e

    arquitetura. Sua importncia regional na poltica e na economia, bem como sua projeo para

    o futuro. Alm destes elementos, convm analisar sua situao no processo urbanizatrio.

    O processo de urbanizao no Brasil tem origem na industrializao, pois a cidade

    oferece as oportunidades de emprego que o campo no oferece populao. No entanto, esse

    processo urbanizatrio, cada vez mais acelerado, tem como resultado a grande concentrao

    de renda na mo de uma minoria e a mais trgica pobreza da maioria das pessoas condenadas

    marginalidade nas periferias e favelas. Arzemiro Hoffmann, analisando este tema, afirma:

    A sociedade brasileira foi palco de um imenso processo de migrao do campo para a

    cidade. [...] Essa migrao afetou profundamente as cidades, as instituies e as

    pessoas. Resultou na desintegrao da famlia; revolucionou as relaes de trabalho,

    pois, da noite para o dia, jogou uma multido de campesinos no exrcito de reserva de

    mo-de-obra no qualificada. Desestabilizou os valores e os padres dos

    relacionamentos humanos, sociais e espirituais6.

    A migrao do campo para a periferia urbana trouxe uma mudana radical nos

    comportamentos e relacionamentos. No campo existia um forte controle social, papis bem

    definidos para cada membro da famlia, conduta tica e participao na comunidade de f. No

    meio rural havia uma sociedade organizada, com regras rgidas, por vezes discriminatrias.

    Quando as pessoas do campo vm para as cidades, no encontram as mesmas condies que

    tinham antes e entram na periferia. A desintegrao urbana afeta a famlia, gera a misria e o

    sofrimento de milhares de migrantes. Cresce nas grandes cidades a periferia de misria.

    Arzemiro assim descreve esse processo:

    Enfim, o Processo Urbanizatrio brasileiro foi uma experincia de violncia

    institucionalizada. Suas feridas continuam escancaradamente abertas espera de

    solues que ultrapassem as promessas de poltica eleitoreira vigente no pas. A

    sociedade brasileira, neste particular, no se constitui em ilha na histria da construo

    urbana. A construo das cidades antigas (bblicas ou no) j apresenta sinais de uma

    5 No existe um nico rosto da cidade latino-americana. Cada cidade tem seu rosto. A grande cidade plural, por

    isso no existe um modelo padro que se aplique a todas as cidades. 6 HOFFMANN, Arzemiro. A cidade na misso de Deus: o desafio que a cidade representa para a Bblia e

    misso de Deus. Curitiba: Encontro, 2007. p. 11.

  • 7

    lgica que privilegia os projetos de poder do que os verdadeiros projetos de

    sociedade.7

    Refletindo sobre a pastoral urbana, Joo Batista Libnio analisa algumas

    caractersticas urbanas fundamentais e as chama de "lgicas", pois configuram a cidade como

    as regras de um jogo. Quando se vive numa cidade, seguem-se suas regras, suas lgicas,

    seus cnones. Se se desvendam tais lgicas, mais facilmente consegue-se viver nela de

    maneira consciente e livre8. Segundo ele, as lgicas da cidade definem nosso pensar, sentir,

    agir e viver na cidade. Ele destaca a cidade moderna onde o espao cede importncia ao

    interesse. Nela o tempo acelerado e o lazer uma necessidade crescente. O pluralismo

    religioso uma realidade onde a crise da tica ou a mudana rpida e radical dos valores

    constante. Tambm o trabalho e o poder fazem parte deste jogo que viver na cidade.

    1.1 A cidade como desejo e frustrao

    As cidades tm um grande encanto por causa de sua variedade, seus eventos, suas

    possibilidades de escolha e uma atmosfera intensa de estimulao que muitas pessoas

    consideram desejvel para suas vidas. A cidade um campo aberto de possibilidades e

    relacionamentos. Ela oferece uma enormidade de acessos, afinidades e oportunidades como

    estudar e conseguir um bom emprego. Nela encontram-se servios que no existem no campo:

    escolas, mdico, hospital, comrcio. Entretanto, existem outros motivos que atraem as pessoas

    para a cidade. Jos Comblin, ocupando-se com esse tema, levanta a suspeita de que existem

    outros fatores, alm do processo urbanizatrio, para as pessoas trocarem o campo pela cidade.

    A cidade atrai. Nela as pessoas encontram-se e acontecem coisas que divertem.

    A cidade novidade, diversidade, mobilidade, movimento. Na cidade h uma

    infinidade de objetos que se mostram. Uma cidade uma exposio permanente: o

    comrcio, os supermercados, e, sobretudo, os shopping centers oferecem brilhantes

    espetculos. Mesmo para quem no pode comprar, s olhar j vale a pena!9

    Migrar para a cidade representa um ato de emancipao do controle social da famlia,

    dos costumes e normas que julgam e dominam de forma implacvel. A cidade liberdade; ela

    representa o sonho de ganhar dinheiro e viver sem precisar prestar contas a ningum. Por isso,

    a cidade oferece encanto e fascnio. De modo geral, o ser urbano mostra-se orgulhoso da sua

    cidade e, mesmo passando dificuldades para nela sobreviver, no a troca pela zona rural.

    7 HOFFMANN, 2007, p. 11.

    8 LIBNIO, Joo Batista. As lgicas da cidade. O impacto sobre a f e sob o impacto da f. So Paulo: Loyola,

    2001. p.16. 9 COMBLIN, Jos. Viver na Cidade. Pistas para a pastoral urbana. So Paulo: Paulus, 1996. p.9-10.

  • 8

    possvel afirmar que a cidade proporciona opes que nenhum outro arranjo social

    permite, mas h tambm um lado negativo. Evaldo Luis Pauly, refletindo sobre a pastoral

    urbana, afirma que existe uma crise da lgica urbana. Ele analisa a crise da cidade afirmando

    que esta a crise dos servios urbanos; uma crise formal; crise de um modo de vida;

    crise do Estado; uma crise de identidade10

    . A seguir sero analisadas essas causas divididas

    em quatro crises principais.

    1.1.1 A crise da qualidade dos servios urbanos

    As pessoas, na cidade, dependem dos servios pblicos como gua, esgoto,

    eletricidade, coleta de lixo, acesso sade, transporte, educao, lazer e segurana. A

    urbanizao deveria abranger a existncia de uma infra-estrutura capaz de colocar ao alcance

    da populao esses servios pblicos essenciais para o bem viver na cidade. Mas o que

    acontece que as aglomeraes de pessoas, que mudam do campo para a cidade, no

    encontram condies essenciais para se estabelecer. A grande maioria no encontra emprego

    nem moradia. Com isto surgem os cintures de misria nas periferias das cidades e o

    crescimento das favelas. Ocorre ento um inchamento das cidades e no um processo

    urbanizatrio, pois esse crescimento desordenado traz problemas com o trnsito, violncia,

    poluio, falta de moradia, sade, educao e outros. A cidade torna-se uma grande

    contradio onde uns esbanjam, outros mendigam; uns tm direitos e poderes, enquanto

    outros no os tm.

    A urbanizao no Brasil foi realizada para a elite burguesa e excluiu das conquistas e

    melhorias de vida a grande maioria da populao das cidades11

    . Por isso, a grande cidade

    desintegradora e conflitiva. Vive-se, por um lado, o anonimato e, por outro, a saudade e o

    anseio por relaes pessoais. Isso gera um intenso sofrimento e tenso decorrentes de uma

    prtica de injustias institucionalizadas12

    .

    A misso urbana precisa considerar esta realidade. Precisa ouvir o clamor do povo

    urbano e encontrar caminhos para a promoo do evangelho que visa a salvao da cidade e

    no a sua destruio.

    10

    PAULY, Evaldo Luis. Cidadania e pastoral urbana. So Leopoldo: Sinodal, 1994. p. 35. 11

    HOFFMANN, 2007, p. 118-120. 12

    HOFFMANN, 2007, p. 122-125.

  • 9

    1.1.2 A crise da forma e a mentalidade urbana

    Existe uma relao entre a forma urbana e sua influncia sobre o ser humano. A

    estrutura formal da cidade, seus prdios, ruas, trnsito e outros influenciam a estrutura mental

    das pessoas, gerando nelas uma intensificao dos estmulos nervosos13

    . A vida urbana, como

    ns a experimentamos, constitui uma contnua srie de encontros com sobrecarga e de

    adaptaes da resultantes. A sobrecarga deforma a vida diria em diversos nveis, incidindo

    no desempenho de papis, na evoluo de normas sociais, no funcionamento cognitivo e no

    uso de recursos.

    O ser humano se torna mais objetivo, racional, calculista, superficial nos

    relacionamentos, vive o anonimato e o carter transitrio das relaes sociais urbanas. Georg

    Simmel assim o justifica: Os relacionamentos e afazeres do metropolitano tpico so

    habitualmente to variados e complexos que, sem a mais estrita pontualidade nos

    compromissos e servios, toda a estrutura se romperia e cairia num caos inextrincvel14.

    Por isso, a pontualidade, a calculabilidade e a exatido so requisitos da vida urbana

    que possui um calendrio estvel e impessoal, onde o relgio e o sinal de trnsito

    simbolizam a base da nossa ordem social15.

    Os elementos principais que caracterizam a mentalidade, o esprito e o modo de vida

    urbano so: autonomia; individualismo; resistncia a uniformidade e a intensificao dos

    estmulos nervosos. A pessoa urbana reage com a cabea e no com o corao, quer preservar

    a autonomia e o individualismo em face das esmagadoras foras sociais e culturais da

    sociedade.

    Em meio ao caos urbano, h algo que precisa ser preservado, algo de prprio. A

    pessoa resiste a ser nivelada e uniformizada por um mecanismo sociotecnolgico. A

    personalidade se acomoda nos ajustamentos s foras externas: tempo, ritmo, diviso social

    do trabalho, necessidade de especializao. A mente moderna torna-se mais e mais calculista,

    pois o ser urbano precisa calcular seu salrio e suas despesas, seno no sobrevive.

    A pessoa urbana, devido a sobrecarga de estmulos nervosos, tem diminuda a sua

    capacidade de discernir e discriminar. Tudo parece igual, objeto algum merece destaque. Essa

    atitude de no discernir e de indiferena a ltima possibilidade de acomodar-se vida

    urbana. A autopreservao comprada ao preo da desvalorizao que leva ao sentimento de

    13

    SIMMEL, Georg. A metrpole e a vida mental. In: VELHO, Otvio G. (Org.). O fenmeno urbano. 4 ed. Rio

    de Janeiro: Guanabara, 1987. p.11-25. 14

    SIMMEL. In: - VELHO, Otvio G., 1987. p. 14. 15

    WIRTH, Louis. O Urbanismo como um modo de vida. In: VELHO, Otvio G., 1987. p. 96.

  • 10

    igual inutilidade. Essa atitude mental podemos chamar de reserva ou desconfiana. [...]

    uma leve averso, uma estranheza e repulso mtuas, que redundaro em dio e luta no

    momento de um contato mais prximo, ainda que este tenha sido provocado16.

    Podemos afirmar ento que o ser urbano desconfiado, frio e desalmado. No entanto,

    se ele fosse sensvel e agisse em funo de cada impulso altrusta evocado no desafio urbano,

    ele teria dificuldade em cuidar de suas prprias necessidades e at mesmo em sobreviver.

    1.1.3 A crise da identidade e do modo de vida

    O ser urbano livre, mas tambm solitrio e perdido. Esse o preo que ele paga

    pela sua independncia, pois a cidade confere liberdade ao indivduo que pode esconder-se na

    multido e no anonimato, mas tambm lhe causa fragmentao e isolamento. O modo de vida

    na cidade faz a maioria das pessoas entrarem em crise porque mercantiliza o desejo. Evaldo

    Luis Pauly afirma: O mundo urbano [...] destri um modo de vida humano e digno impondo

    a todas as pessoas a lgica da mercadoria, ou seja, a lgica do objeto produzido 17.

    A vida na cidade marcada, por um lado, pelo anonimato, por outro, pela saudade e

    pelo anseio por relaes pessoais. As pessoas que migram para a cidade sofrem o

    desenraizamento. Por isso, experincias relacionais so determinantes para essas pessoas, pois

    a religiosidade deixa de ser vivida em comunidade e torna-se uma relao de consumo

    individual. Isso facilita o afastamento dos fiis da igreja. As pessoas urbanas que assumem

    compromissos pessoais com a comunidade religiosa so raras.

    Afloram as religies utilitrias que funcionam no esquema do dom e do contra dom,

    onde se leva oferendas para Deus para ser abenoado. O sacrifcio e o despacho ganharam

    novos significados atravs da oferta, pois o dinheiro no mundo neopentecostal vale mais do

    que qualquer coisa. A crise dos valores e da f a primeira vtima desse novo contexto

    urbano. Por outro lado, isso pode ser uma oportunidade para a misso urbana. A experincia

    urbana oportuniza que a igreja seja buscada como um local de silncio e recolhimento onde as

    pessoas trabalham mais o seu ser interior.

    A igreja tem assim o papel de acolher pessoas oferecendo-lhes um espao relacional e

    auxili-las a ter identidade e pertencimento. Nesta perspectiva a pequena comunidade ou o

    16

    SIMMEL, In: VELHO, Otvio G., 1987. p.17. 17

    PAULY, 1994, p. 42.

  • 11

    grupo dentro da grande cidade pode promover vitalidade espiritual. Para isso a misso urbana

    precisa retomar a experincia da mstica crist e da espiritualidade.

    1.1.4 A crise do Estado organizao poltica

    O Estado moderno impe limites severos cidadania, participao poltica e

    democracia, pois se mostra cada vez mais incapaz de administrar o planejamento urbano e

    administrar a cidade para o bem-estar de todos. Jos Saramago em sua obra intitulada Ensaio

    sobre a cegueira,18

    traz uma crtica ao Estado, sua inoperncia e sua violncia. Ele mostra o

    desmoronar completo da sociedade capitalista ps-moderna que, por causa de uma epidemia

    de cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilizao e volta barbrie. Mostra

    como o poder do Estado feroz e capaz de isolar as pessoas de forma brutal.

    Diante de um mal, cujas causas so to misteriosas quanto as da prpria loucura, o

    governo submete as pessoas infectadas a uma quarentena, confinando-as, por ironia ou no,

    em um antigo hospcio da cidade. No existe nenhuma assistncia mdica ou

    acompanhamento para os doentes. So confinados como num campo de concentrao.

    Vemos, desta forma, que tudo o que desconhecido precisa ser afastado ou at eliminado. Os

    cegos, que se rebelavam e tentavam questionar, chegando perto dos soldados, eram fuzilados.

    Tal atitude caracteriza, sem dvida, uma forma de governo autoritria e desigual, um regime

    totalitrio disfarado de democracia.

    Saramago apresenta uma denncia da perda da essncia humana na ps-modernidade

    em que as pessoas sero cada vez mais alienadas, cada vez mais guiadas pelo princpio do

    ter em detrimento do ser, cada vez mais afastadas da verdadeira humanidade. Apesar de

    ser da natureza humana a busca da felicidade, a nica coisa que poder conquistar a

    infelicidade, pois o que impera so as trevas da ignorncia, da ganncia e do egosmo

    Percebe-se a inteno do autor em mostrar que a desconstruo era necessria para que

    desse lugar ao resgate de algo que valia mais do que qualquer conquista aparentemente

    civilizada. A cegueira branca19 possibilita que se enxergue outros valores mais solidrios

    e fraternos, a recuperao da lucidez e o resgate da essncia humana. Somente diante do

    horror, o ser humano capaz de recuperar sua humanidade e produzir algo nobre.

    18

    SARAMAGO, Jos. Ensaio sobre a cegueira. So Paulo: Companhia das Letras, 1995. 19

    "Cegueira branca" - assim chamada, pois as pessoas infectadas passam a ver apenas uma superfcie branca em

    vez de total escurido.

  • 12

    A misso urbana precisa reparar o mundo catico ao seu redor. Perceber que o

    mundo civilizado, moderno, tecnolgico, democrtico no capaz de se fazer

    coerente em seus objetivos, focalizando apenas lucros em detrimento da prpria vida, j que a

    destruio do meio ambiente caminha a passos largos, o que leva inevitavelmente perda de

    toda a vida presente em nosso planeta.

    A misso urbana precisa ter olhos para ver o poder do sistema econmico que aliena e

    escraviza o ser humano que, na busca pelo prazer, deixa-se anestesiar por uma sociedade de

    consumo, ao invs de manter o censo crtico e lutar pela transformao da realidade. O

    resultado disso todo um povo incapaz de organizar-se para reagir, questionar, reivindicar

    seus direitos.

    Sabemos que toda essa alta tecnologia do mundo civilizado nunca constituiu um

    bem comum a todos, mas apenas a uns poucos favorecidos, os detentores de maior poder

    aquisitivo. Por isso, a misso na cidade precisa perceber a realidade que nos cerca: pessoas

    que vivem no completo abandono, muitas vezes se matando por comida nos lixes das

    grandes cidades. Milhares de pessoas pelo mundo sem acesso ao saneamento bsico, vivendo

    em meio ao esgoto aberto, expondo-se a todo tipo de infeces e doenas, sem acesso ao

    mnimo necessrio para ter dignidade humana.

    Em busca de uma coerncia que falta a um mundo cheio de tantas conquistas materiais

    e avanos tecnolgicos, que se tornam repentinamente inteis, se faz necessrio o resgate da

    solidariedade e da fraternidade.

    1.2 O pluralismo religioso

    Segundo os dados do IBGE20

    , podemos afirmar que o Brasil continua sendo

    fortemente cristo, pois o cenrio dominante o do cristianismo catlico. Mas no se pode

    negar que a identidade catlica no Brasil complexa e plural.

    Os processos de dupla filiao religiosa, de trnsito e sincretismo, so comuns no

    Brasil. Muitos devotos catlicos e tambm evanglicos transitam muito bem na umbanda e no

    kardecismo, pois os caminhos que levam a Deus no so compreendidos como excludentes,

    mas envolvem trocas, relacionamentos e ajustamentos. Aquilo que poderia significar para a

    doutrina oficial das igrejas crists um sinal de superstio, heresia ou ignorncia, para o

    20

    JACOB, Cesar Romero et al. Atlas da filiao religiosa e indicadores sociais no Brasil. Rio de Janeiro: PUC-

    Rio, So Paulo: Loyola, 2003. p. 15-18; 33-34; 39-44; 69-73; 101-103; 115-116.

  • 13

    devoto popular representa um modo de ampliar as possibilidades de proteo. Em geral,

    podemos afirmar que o budismo, o hindusmo e o espiritismo permitem essa associao

    religiosa, pois no levam a rupturas. Por isso, na realidade urbana, muitas ovelhas esto

    pastando em vrios pastos diferentes, nenhum pastor tem o controle, pois a fidelidade no

    mais uma constante.

    Vivemos num mundo de convergncias e ressignificaes em que a pessoa, que

    transita entre muitas propostas religiosas, no apaga o seu passado, apenas ressignifica-o. Um

    exemplo disso a umbanda que est popularizando o hindusmo quando diz: esse o teu

    carma. Temos, no Brasil, conflitos estruturantes no campo da religio com uma tradio

    reencarnacionista e outra ressurreicionista. Elas comeam a fazer um processo de confluncia.

    Exemplo disso a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) que se mostra como um

    fenmeno hbrido, uma espcie de umbanda evanglica. O mundo moderno est levando a

    religio para um cripto-budismo em que muitas pessoas afirmam: eu me salvo.

    Nesse sentido, a tese de Colin Campbell em relao ao paradigma religioso que

    emergiu na modernidade nos ajuda a entender nossa realidade21

    . Ele constata que est

    acontecendo uma orientalizao do ocidente. Esse processo ultrapassa o fenmeno da

    novidade de consumo daquilo que produzido do outro lado do mundo. E tambm ultrapassa

    o interesse dos cidados ocidentais pelas prticas orientais como ioga, acupuntura e outros.

    Trata-se de uma mudana sintomtica do paradigma cultural ou teodiceia: uma troca na matiz

    crist da lgica do pensamento ocidental nas concepes subjetivas do como se entende o

    Sagrado e no que constitui sua natureza.

    Na teodiceia oriental, o divino imanente em todas as coisas e parte do mundo

    incluindo a humanidade. J na teodiceia ocidental, o divino transcendente, separado do

    mundo, controlando-o de cima, por ser seu criador. Campbell continua sua argumentao,

    afirmando que novo paradigma emergente aquele que tradicionalmente caracterizou o

    oriente, isto , o misticismo, j existente tambm na tradio pag. Depois de quase vinte

    sculos de domnio do cristianismo, seu retorno deu-se via oriente. Essa tradio abrange,

    diante do vazio existencial, desde a tendncia refletividade e globalizao cultural,

    retomando seu espao e incorporando-se cultura ocidental moderna, at retomar suas

    prprias razes msticas, o neopaganismo na Europa, os diversos misticismos das tradies

    indgenas, africana e tambm nas Amricas. Para explicar esse processo de mudana,

    Campbell recorre a Marx Weber e ao telogo protestante Ernst Troeltsch, que agregou a

    21

    CAMPBELL, Colin. A orientalizao do Ocidente: reflexes sobre uma nova teodiceia para um novo milnio.

    In: Revista Religio e Sociedade, vol. 18, nmero 1. Rio de Janeiro: ISER, 1997. p. 5-22,

  • 14

    tipificao sociolgica de Weber o conceito de religio mstica. Segundo Troeltsch, h uma

    centelha divina no ser humano e por isso Deus imanente o Deus que est dentro.

    Na tradio ocidental, Deus vem de fora. Ele o criador. Na tradio hindusta, Deus

    est dentro, por isso no h o dualismo. A salvao consiste em se fundir ao todo que o

    divino. Troeltsch considera a religio mstica como a mais provvel de florescer no mundo

    moderno por causa do individualismo.

    A teodiceia que tem mais aceitao a de matriz reencarnacionista, pois permite a

    idia de continuidade. A noo de religio deslocada para a ideia de que todos os seres

    existem numa escala de espiritualidade que leva ao pantesmo. Deus est em tudo e tudo

    Deus, e as pessoas esto conectadas a uma energia csmica do universo. Sendo assim, quando

    tropeo numa pedra, peo desculpas para ela, pois ela parte do divino.

    A teodiceia oriental estimula a individualizao: cada um cuida de si, responsvel

    por si, no precisa uma filiao. H uma simbiose de religio e cincia. As pessoas esto

    ligadas por uma energia csmica, ao mesmo tempo em que, politicamente, vivemos um

    momento de globalizao, onde o que liga as pessoas o mercado.

    Somos profundamente dependentes de smbolos. Os smbolos religiosos formulam

    uma congruncia bsica da vida particular com sua viso de mundo, e o meio atravs do qual

    isso ocorre o ritual. Os rituais encerram um domnio especial de ao, que rompe com os

    parmetros da vida cotidiana de seus participantes numa mudana de atitude e ateno. Eles

    transformam aquilo que comum, corriqueiro em algo que tem sentido para a vida.

    O ser humano pode adaptar-se a qualquer coisa que sua imaginao possa comportar,

    mas no consegue conviver com o caos. Quando se estabelece o caos, a tendncia buscar a

    reorganizao da vida pela analogia mais prxima, visando construir um novo sistema de

    referncias em que os smbolos so vises de mundo e vises de vida. Assim, a religio abre

    caminhos para uma explorao ativa de novos modos de ser no mundo. A religio

    ingrediente poderoso na construo das identidades dos povos. ela que lhes d uma aura de

    mstica e de esperana. Quando essas culturas se sentem ameaadas pela globalizao,

    agarram-se religio para autoafirmar-se. Da emergem excluses e violncias contra aqueles

    que os ameaam.

    Leonardo Boff22

    nos ajuda a entender esse fenmeno quando conceitua o

    fundamentalismo. Este est presente nas religies, culturas e ideologias, pois o

    22

    BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalizao e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

    p. 7-53.

  • 15

    fundamentalismo tem vrias faces: religiosa, poltica, econmica e ideolgica. Na verdade,

    enfrentamos em nossos dias uma forte corrente fundamentalista em todas as religies.

    Fundamentalista a pessoa que afirma seu ponto de vista como o nico verdadeiro.

    Quem diz ser o portador exclusivo da verdade est condenado intolerncia contra outros

    grupos, portadores de outros pontos de vista. Boff afirma que o fundamentalismo tem uma

    ntima relao com os conflitos atuais e discute alternativas para a construo de uma

    sociedade sem guerras. Sugere o caminho do dilogo incansvel, baseado na compreenso e

    no respeito s diferenas e na valorizao do outro.

    Na obra O mal-estar da ps-modernidade, o socilogo polons Zygmunt Bauman,

    argumenta que o ser humano contemporneo, mesmo diante de tantos avanos cientficos e

    tecnolgicos, ainda se acha angustiado23

    . Isso acontece, sobretudo, porque corresponde

    caracterstica da ps-modernidade uma sociedade marcada pelo capitalismo ps-industrial,

    consumo exacerbado, movimento constante, efemeridade e fragilidade dos laos afetivos

    entre as pessoas. Bauman lida com a universalizao do medo ou das perdas derivadas da

    troca da ordem pela busca da liberdade e afirma que esse martirizante terror da insuficincia

    [...] nos deixa suscetveis a uma mensagem religiosa24. No entanto, essa incerteza no gera a

    procura da religio. Ela concebe, em vez disso, a procura sempre crescente em especialistas

    na identidade 25.

    A ps-modernidade concentrou a ateno na vida no aqui e agora. A religio se

    tornou uma atividade de lazer. O que vale o prazer e a liberdade composta de escolhas

    arriscadas, que sempre significam aproveitar algumas oportunidades e perder outras.

    Enfrentamos um dilema. Como podemos viver a liberdade e ao mesmo tempo viver neste

    mundo como indivduos que experimentam a segurana de pertencer a um determinado grupo.

    Bauman afirma que isso no possvel. Ou escolhemos a liberdade e a insegurana que ela

    traz, ou o grupo que traz segurana, mas limita o indivduo. Parece no haver sada.

    Entretanto, a concluso a que se chega : o ser humano no auto-suficiente e no

    pode salvar a si mesmo. Ele precisa ser guiado, dirigido e informado do que fazer. Neste

    sentido, o fundamentalismo torna-se um remdio radical, pois, ao prometer compensar a

    incurvel insuficincia do indivduo, ele elimina a liberdade e concede infinitos poderes ao

    grupo. Justifica-se desta maneira a subordinao das escolhas a normas proclamadas em nome

    23

    BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da ps-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 190-230. 24

    BAUMAN, Zygmunt, 1998, p. 211. 25

    BAUMAN, Zygmunt, 1998, p. 222.

  • 16

    do grupo. Bauman conclui dizendo que dessa forma o fundamentalismo religioso pode contar

    com uma clientela sempre crescente.

    Outro autor que analisa como as religies atuam no mercado Jos Comblin26

    . Ele

    aponta a relao entre religio e marketing. Ele expe em poucas pginas o porqu do sucesso

    do neopentecostalismo que se adaptou ao mercado. Eles abandonaram os elementos cristos e

    se inculturaram no mercado. Adotaram o marketing religioso sem escrpulos, porque j

    haviam abandonado a mensagem do Evangelho. No existe mais a ligao com a mensagem e

    a tradio crist.

    Diante disso, a misso urbana precisa retomar o sentido bblico da cidade como espao

    de realizao humana, espao de comunho e de vida. A misso de Deus para as pessoas que

    vivem na cidade vai alm das fronteiras denominacionais. A igreja de Deus na cidade uma

    s, pois ele vocacionou a cidade para ser um espao que favorece a misericrdia e o amparo

    vida. A comunidade de f uma expresso dessa igreja na medida em que alimenta a

    vivncia de uma f cidad que promove a paz, e pratica o direito e a justia na realidade

    urbana.

    26

    COMBLIN, Jos. Os desafios da cidade no sculo XXI. So Paulo: Paulus, 2002. p. 44-50

  • 17

    2 O DESAFIO DA MISSO DE DEUS

    Inmeros estudos e pesquisas tm demonstrado, nos ltimos anos, o desafio da misso

    urbana em definir critrios e sinais que permitam discernir o que corresponde de fato f e

    misso da igreja na realidade urbana. Um dos maiores desafios reconhecer que a misso

    essencialmente de Deus. Existe uma grande dificuldade de compreender missio Dei como

    ao soberana de Deus, que age apesar de ns, mas prefere contar conosco. Como igreja crist

    somos chamados a participar da misso de Deus, que ama e deseja salvar este mundo, e no a

    realizar a nossa misso, tantas vezes limitada por conceitos e preconceitos que nos levam a

    realizar muitas coisas consideradas importantes, menos a vontade daquele que nos chamou.

    Outro equivoco que tem dificultado a misso urbana a confuso que se faz entre

    reino de Deus e igreja. Vejamos brevemente aqui a diferena entre estes dois importantes

    conceitos.

    2.1 A misso urbana como manifestao do reino de Deus

    O reino de Deus o centro da pregao de Jesus (Mc 1.14s). algo presente (O reino

    est dentre vs), conforme Lc 17.20, mas ainda no em toda a sua plenitude. Esse reino tem a

    ver com o poder dinmico de Deus por meio do qual os cegos vem, os coxos andam, os

    leprosos so purificados, os surdos ouvem, os mortos so ressuscitados, e aos pobres est

    sendo pregado o evangelho (Mt 11.5). Quando Deus reinar entre ns, as crianas no

    morrero desnutridas, nem se prostituiro; os ndios e os agricultores sem-terra no sero

    assassinados; nem haver mais discriminao, preconceito, desigualdades, explorao e

    opresso. Quando Deus reinar, haver justia, amor, solidariedade, po, casa, sade, emprego

    e vida digna para todos.

    O reino pertence a Deus e, na vida e obra de Jesus, tornou-se uma realidade presente.

    Por isso, todas as vezes que vivermos o amor ao prximo, a solidariedade e a justia

    ensinados por Jesus, estaremos contribuindo para que o reino de Deus se faa presente em

    nossa sociedade. A parbola da semente de Mc 4.26-29 um bom exemplo da dinmica de

    crescimento do reino de Deus, pois este cresce independente da ao humana. Assim como a

    terra faz a semente germinar, sem a participao daquele que a semeia, tambm o reino de

    Deus tem uma dinmica prpria de crescimento que depende inteiramente de Deus.

  • 18

    Nossa tarefa colocar sinais deste reino no mundo em que vivemos, ou seja: semear a

    semente (Mc 4.26). Somos instrumentos de Deus, servos chamados para fazer parte desta

    misso evangelizadora do prprio Deus que deseja transformar a realidade urbana,

    restaurando a sua criao e promovendo a dignidade humana, a justia e a paz na construo

    de uma sociedade mais eqitativa e solidria. Considerando que as grandes cidades so as que

    mais poluem o ar, a terra e os rios, precisamos levar em conta que o destino e o bem-estar da

    criao esto entrelaados com o destino humano. Por isso precisamos resgatar a importncia

    da defesa do nosso meio ambiente, pois toda a criao, a um s tempo, geme, suporta

    angstias e anseia por redeno (Rm 8.19-23).

    2.2 A igreja como instrumento da misso de Deus

    A igreja a comunidade do reino, mas nunca o reino. O reino o reinado de Deus. A

    igreja sinal do reino, uma sociedade de pessoas, a congregao dos santos na qual o

    evangelho pregado de maneira pura e os sacramentos so administrados corretamente.27

    o convvio de pessoas chamadas por Deus e unidas pelo mesmo batismo, f e esperana.

    Jesus o seu fundamento (Ef 2.19ss) e o Esprito Santo quem chama, congrega, ilumina e

    santifica os cristos no mundo.28

    Por isso, a igreja depende do Esprito Santo para sua prpria

    existncia.

    A igreja chamada a ser instrumento a servio do reino de Deus. Seu propsito

    refletir e viver os valores do reino, aqui e agora. Ela tem a tarefa de anunciar a boa-nova da

    salvao por graa, mediante a f; promover a comunho e concretizar o amor. Faz isso,

    colocando-se a servio da preservao de toda a criao e do bem-estar de todas as pessoas,

    denunciando as injustias e tudo aquilo que se ope vida plena.

    A igreja , por definio, missionria, pois surgiu e existe para ser usada por Deus em

    sua misso. Ela cumpre a ordem de Jesus: Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes,

    batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Esprito Santo; ensinando-os a guardar todas

    as cousas que vos tenho ordenado... (Mt 28.19s). No entanto, a misso no pertence igreja

    e sim a igreja pertence misso de Deus.

    A misso de Deus, a ao incondicional de Deus para a salvao de toda a criao.

    O centro da misso Jesus Cristo e o objetivo incorporar no reino de Deus a humanidade e

    27

    A CONFISSO DE AUGSBURGO: 1530 -1980. So Leopoldo: Sinodal, 1980. p.20. 28

    LUTERO, Martinho. Os Catecismos. So Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concrdia, 1983. p.371

  • 19

    compartilhar com ela as ddivas do reino, que so a justia, a paz, o amor. Sendo assim, no

    podemos realizar a nossa misso particular, mas apenas participar na misso de Deus que quer

    alcanar todos os povos, tambm os habitantes das grandes cidades.

    2.3 A importncia da casa na misso de Deus

    A realidade urbana, especialmente das grandes cidades, apresenta o desafio para a

    misso de resgatar a importncia da casa como local de vivncia do reino de Deus. Este

    estudo pretende analisar a importncia da casa para quem mora na cidade. Tambm pesquisar

    a casa como espao de vivncia da f tanto no Novo Testamento, bem como na Reforma

    Luterana. E, finalmente, investigar sobre a importncia dos grupos caseiros para a misso na

    cidade.

    2.3.1 A casa como chave hermenutica da cidade

    A casa exerce uma importncia muito grande na vida de quem mora na cidade. Ela no

    apenas o lugar para morar, ela o lar, o lugar de refgio, descanso e convvio com a famlia.

    Nas grandes cidades, existem os condomnios fechados, bem arborizados e com casas

    pensadas para serem bem habitadas. Ali se vive com alegria e satisfao. Estas habitaes so

    um bem de consumo que responde a imperativos funcionais, mas tambm so um bem

    cultural possuindo uma boa arquitetura residencial e amplo espao que traz segurana,

    conforto e prazer em morar bem. Percebe-se isso nas inmeras propagandas e anncios de

    vendas de novos condomnios.29

    De outro lado, existem as caixas sobrepostas onde vivem os habitantes da classe

    mdia nas grandes cidades. Os edifcios e os apartamentos onde famlias se apertam dentro de

    espaos reduzidos. H tambm os barracos nos loteamentos irregulares e as favelas nas

    periferias das grandes cidades. Ali falta qualidade de vida e sobra misria, violncia e

    insalubridade. Constata-se assim o grande paradoxo da cidade. Uns residem em manses e

    outros se recolhem em favelas ou dormem na rua embaixo de marquises, pontes e viadutos.

    Mesmo assim, o ser urbano sonha com a casa prpria, mesmo que seja a mais humilde das

    moradias, pois ter um barraco prprio, independente do mundo do trabalho, constitui fonte

    de orgulho e de autonomia. Afaga o senso de propriedade to arraigado nas pessoas 30

    29

    Confira os encartes e anncios de venda de apartamentos e condomnios nos jornais. Exemplo: Jornal Zero

    Hora, Porto Alegre, 20 de jan. 2010 ; 21 de jan. 2010. 30

    LIBNIO, Joo Batista. As lgicas da cidade. So Paulo: Loyola, 2001, p.33.

  • 20

    Percebe-se, ento, que independente do modelo ou da realidade da casa, seja ela uma

    manso ou um simples barraco na favela, ela referncia, pois expressa algo fundamental do

    ser humano.

    Saber interpretar essa realidade fundamental para a misso urbana, pois a casa torna-

    se a chave de interpretao da cidade. Ela indica a situao social do seu morador, criando

    estigma ou conferindo status, pois quem mora na favela tratado de modo diferente de quem

    mora em bairros nobres da cidade. A partir da moradia se tem inmeras pistas para pensar a

    misso urbana.

    A misso urbana no pode estar centralizada exclusivamente no templo, nem ficar

    esperando que as pessoas venham at ele. Precisa ir s casas das pessoas. A misso precisa ter

    capilaridade, se espalhar e alcanar familiares, vizinhos e amigos daqueles que abraam a f

    crist.

    Ao redor da casa de cada membro da igreja h dezenas de famlias fechadas nas suas

    fortalezas que no receberiam um estranho e nem aceitariam o convite para ir at ao templo

    participar de um culto nos moldes tradicionais que realizamos. Contudo, poderiam ser

    alcanadas atravs de um convite para participar de um pequeno grupo domstico que se

    rene para compartilhar a Palavra de Deus, relacionando-a com fatos concretos da vida diria

    das pessoas.

    Um modelo baseado em pequenos grupos que se renem nos lares pode ser de grande

    contribuio para a edificao de comunidades e para a misso da igreja na cidade.

    2.3.2 A casa no NT como expresso do reino de Deus.

    Lendo o Novo Testamento (NT), percebe-se que a casa era o local de reunio da

    maioria dos primeiros cristos. Havia as sinagogas, mas a reunio em casas privadas parece

    ser uma prtica comum, pois em vrias passagens podemos ver referncias a comunidades

    domsticas (At 12.12; 16.40; 20.7-12; 20.20; Rm 16.3-5; 14,15,23). Elas eram a clula bsica

    do movimento iniciado por Jesus que cresceu e se espalhou pelo mundo. Marga Strher,

    abordando este tema, afirma: o culto domstico no foi uma inovao das primeiras

    comunidades crists. Ele tinha paralelo no mundo adjacente31. Mas o modelo cristo foi

    inovador. Ele no se restringiu ao tipo de igreja domstica sinagogal, nem se caracterizou

    como escola filosfica. Seguindo o ensinamento de Jesus, a partir do discipulado de iguais, as

    31

    STRHER, Marga. A Igreja na Casa dela. Ensaios e Monografias n 12, So Leopoldo: IEPG, 1996, p.17.

  • 21

    mulheres participavam de igual para igual com seus companheiros da organizao e direo

    das primeiras comunidades e do trabalho missionrio.

    Nos relatos dos evangelhos percebe-se que boa parte do ministrio de Jesus foi

    realizado ao ar livre ou at mesmo na sinagoga, mas uma grande parte de seu trabalho

    aconteceu nos lares e com pequenos grupos de pessoas. Ele pregava para as multides, mas

    investia num pequeno grupo de discpulos. Jesus visitava as pessoas e hospedava-se em suas

    casas (Mt 8.14s; 9.23; Mc 2.1ss; Lc 7.36; 10.38; 14.1-6). Neste convvio ele ensinava, curava,

    fazia milagres e trazia libertao para os oprimidos.

    O ambiente do lar era to importante que Jesus enviou seus discpulos para a misso

    dando, tanto aos doze (cf. Mt 10.5-15), como aos setenta (cf. Lc 10.1-12) instrues para se

    hospedar nas casas das pessoas e ali anunciar que o reino de Deus est prximo.

    No livro de Atos dos Apstolos podemos perceber que as casas eram centros

    estratgicos na vida da igreja primitiva. Ela nasceu numa casa (At 2.1ss), reunia-se

    regularmente de casa em casa (At 2.46-47); pregava e ensinava de casa em casa (At 5.42). Ao

    lado do templo, que a casa da grande comunidade, os lares eram parte fundamental da

    vida e do crescimento da igreja como a casa de Cornlio que abriu a porta aos gentios (At 10).

    Eram centros de expresso e extenso do reino de Deus. A casa era o local de reunio da

    maioria dos grupos cristos primitivos (At 12.12; 16.40; 20.7-12; 20.20; Rm 16.3-5;

    14,15,23).

    Tambm no ministrio do apstolo Paulo se constata a importncia das casas como

    local de encontro e de culto. Repetidas vezes, no final de suas cartas, ele envia uma saudao

    igreja que se rene em uma ou outra casa (Rm 16.5-3-16; 1Co 16.19-24; Cl 4.16). Percebe-

    se ento que no incio do cristianismo surgiram vrias igrejas domsticas. Havia uma igreja na

    casa de quila e Priscila (1Co 16.19), outra na casa de Ninfa (Cl 4.15), outra na casa de Gaio

    (Rm 16.23) e ainda outra na casa de Filemom (Fm 1.2). Podemos ver que as casas eram muito

    mais do que o abrigo e o endereo de cada famlia da igreja; elas sediavam as comunidades

    crists que suportavam em amor uns aos outros como a todo o trabalho desenvolvido pela

    igreja. Essas reunies no eram meros encontros amigveis, mas sim, uma estratgia eficiente

    para a pregao do Evangelho e pastoreio mtuo.

    Vincent Branick, 32

    em seu estudo sobre esse tema, expe claramente como as igrejas

    domsticas transformaram-se em igreja institucionalizada, mostrando o caminho que as levou

    s baslicas. O autor tambm aborda as questes de evoluo teolgica que embasaram essa

    32

    BRANICK, Vincent. A igreja domstica nos escritos de Paulo. So Paulo: Paulus, 1994.

  • 22

    transformao e registra que numa reunio ocorrida em algum perodo entre os anos 360 e

    370 d.C., um snodo de Laodicia proibiu a realizao da eucaristia nos lares.33 Branick

    observa:

    A proibio de Laodicia completa o ciclo crtico. A ceia do Senhor mudara-se de

    uma refeio noturna para um ritual estilizado. A assemblia mudara-se da sala de

    jantar para um salo sagrado. A liderana, dos membros da famlia para um clero

    especial. Agora, a forma original da igreja fora declarada ilegal.34

    A consequncia natural desse processo foi a centralidade cada vez maior do culto no

    templo e o esvaziamento do modelo primitivo dos pequenos grupos nas casas. Entretanto,

    percebe-se na literatura estudada que faz parte do testemunho cristo, desde a sua origem, a

    hospitalidade e que a igreja primitiva, que se reunia nos lares, cresceu e se expandiu pelo

    mundo greco-romano a partir das casas que acolhiam e apoiavam os pregadores itinerantes.

    Missionrios ambulantes e igrejas nas casas foram centrais para o desenvolvimento do

    movimento cristo primitivo, que dependia de mobilidade e estrutura local para consolidar um

    grupo. Para isso dependiam da hospitalidade e do apoio das igrejas domsticas.35

    Assim, podemos concluir que o desenvolvimento do movimento cristo primitivo foi

    favorecido basicamente pelo modelo de igreja domstica e o trabalho de missionrios

    itinerantes.

    2.3.3 A casa para Lutero e o sacerdcio geral de todos os crentes

    Em seu escrito de 1526, traduzido como Missa e ordem do culto alemo, Lutero

    apresenta trs formas de missa para o povo alemo36

    . A primeira forma a latina, publicada

    anteriormente com o ttulo: Formula Missae. A segunda a Missa e Ordem de Culto Alemo

    que tinha em vista os leigos simples: Pois aqui ainda no h uma comunidade ordenada e

    organizada, em que se pudesse usar o evangelho para dirigir os cristos; ao contrrio, deve

    ser usado publicamente para provocar a f e o cristianismo 37. J a terceira forma destina-se

    para o culto domstico. Veja-se o que ele afirma:

    A terceira forma deveria ser uma ordem verdadeiramente evanglica, e no deveria ser

    realizada em lugar to pblico para todo tipo de povo. Mas os que querem ser cristos

    com seriedade e que confessam o evangelho com mos e boca deveriam assinar o seu

    nome e reunir-se entre si, em alguma casa, para orar, ler, batizar, receber o sacramento

    e fazer outras obras crists. De acordo com essa ordem se poderia conhecer,

    33

    BRANICK, 1994, p.134. 34

    BRANICK, 1994, p.135. 35

    FIORENZA, Elisabeth S. As origens crists a partir da mulher. So Paulo: Paulinas, 1992, p.200-201. 36

    LUTERO, M. Pelo Evangelho de Cristo: obras selecionadas de momentos decisivos da Reforma. So

    Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concrdia, 1984, p. 217 231. 37

    LUTERO, 1984, p. 220.

  • 23

    repreender, corrigir, afastar ou excomungar de acordo com a regra de Cristo em

    Mateus 18.15-17 os que vivessem uma vida crist. A tambm se poderia solicitar aos

    cristos contribuies gerais que ento fossem dadas e distribudas de boa vontade aos

    pobres segundo o exemplo de S. Paulo em 2 Corntios 9. No haveria necessidade de

    muito canto elaborado. Poderia estabelecer-se uma forma simples e boa para o

    batismo e o sacramento e centralizar tudo na palavra, na orao e no amor. A se

    precisaria de um bom e breve catecismo sobre o credo, os dez mandamentos e o pai-

    nosso. Em resumo, se se tivesse o tipo de gente e pessoas que desejassem seriamente

    ser cristos, as regras e as formas estariam prontas sem demora. Mas ainda no posso

    nem desejo atualmente organizar ou formar uma tal congregao ou reunio. Pois

    ainda no tenho gente e pessoas para isso, nem vejo muitos que esto inclinados para

    isso. Mas se eu tiver de faz-lo e for solicitado e no puder de s conscincia deixar de

    faz-lo, de bom grado contribuirei com a minha parte e ajudarei com o melhor que

    puder. 38

    Percebe-se que Lutero permite ao culto domstico tudo o que acontece no culto

    realizado no templo, como orar, adorar, realizar ofertas, batizar e celebrar a Santa Ceia.

    Entretanto, ele no levou adiante essa ideia por entender que no tinha pessoas preparadas e

    inclinadas para isso.

    No entanto, a grande contribuio de Lutero para a misso urbana foi a doutrina do

    sacerdcio geral de todos os crentes. Em seu escrito de 1520, traduzido como nobreza

    Crist da nao alem, acerca do melhoramento do estado cristo39, ele convocava as

    autoridades civis crists a assumirem, como batizados conscientes, a reforma da igreja, uma

    vez que a hierarquia eclesistica mantinha-se omissa. Em nome do evangelho, Lutero

    afirmava a igualdade de todos os cristos diante de Deus; a liberdade da Palavra de Deus

    testemunhada na Bblia; e a corresponsabilidade de todos pela igreja, negando o privilgio da

    classe dos clrigos e do papado.

    O ponto central dessa doutrina a ideia de que no existe mediao humana entre

    Deus e o cristo, exceto o prprio Cristo e sua Palavra. Nega-se a existncia de uma instncia

    de tutela da f e retira-se da hierarquia eclesistica o monoplio da interpretao da

    Escritura.40

    Lutero baseava-se em 1Pedro 2.2-10 e ensinava que cabia aos cristos e s crists

    praticar o sacerdcio geral de todos os crentes, divulgando o evangelho l onde estavam, seja

    no trabalho, na vizinhana ou at mesmo na famlia. Pois, todos os batizados so chamados a

    participar do ministrio da Igreja que o de testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo. Todo

    cristo um sacerdote vocacionado para servir a Deus na sua profisso41

    .

    38

    LUTERO, 1984, p. 220-221. 39

    LUTERO, 1984, pg. 75-142 40

    HOCH, Lothar. O ministrio dos leigos: genealogia de um atrofiamento. Estudos Teolgicos, So Leopoldo,

    ano30, n.3, 1990. p. 261. 41

    As palavras, vocao e profisso tm a mesma origem no vernculo alemo: Beruf. O Sacerdcio Geral de

    todos os crentes se realiza no dia a dia quando o cristo serve a Deus na sua profisso. Lutero dizia: minha profisso minha vocao.

  • 24

    Na Reforma tambm se fala de ministrios especficos para que a igreja possa

    desempenhar seu ministrio42

    . Mas a ordenao do ministro o incumbe de servir numa funo

    especfica e no lhe confere status acima dos outros. Todos esto na mesma posio diante de

    Deus e so chamados para participar da misso de Deus a partir da vivncia da f na sua

    profisso43

    .

    Lutero no chegou a elaborar uma teologia especfica da misso, pois toda a sua

    teologia missionria.

    Lutero no conhece um ministrio missionrio especfico. Para ele, a misso

    incumbncia tanto dos ministros ordenados como do sacerdcio geral de todos os

    batizados. Onde a situao o exige, cabe a todos os cristos e todas as crists serem

    missionrios e missionrias. "Todos os cristos so sacerdotes por igual", nas palavras

    de Lutero. Seus "ofcios" so: "ensinar, pregar e anunciar a Palavra de Deus, batizar e

    consagrar ou ministrar a Eucaristia [Santa Ceia], ligar e absolver [dos pecados], orar

    por outros, sacrificar e julgar todas as doutrinas e espritos". O supremo entre esses

    "ofcios" "o ministrio da Palavra", "comum a todos os cristos", onde e quando a

    situao o exigir. Lutero deu essa orientao a comunidades num contexto cristo para

    situaes em que os ministros ordenados distorcem o Evangelho.44

    Conclui-se que Lutero traz uma preciosa contribuio para a misso urbana, pois o

    papel desempenhado pelos sacerdotes no-ordenados a chave para a misso na cidade.

    Especialmente na busca pela capilaridade da igreja no contexto urbano. A misso urbana no

    pode depender exclusivamente do ministrio ordenado. Precisa contar com o sacerdcio geral

    de todos os crentes.

    2.3.4 A casa e a dinmica dos pequenos grupos na atualidade

    Ao longo da histria, a casa sempre foi local importante de encontros e celebraes.

    Desde os primeiros sculos do cristianismo, ela serviu a grupos que ficaram margem da

    igreja e foram considerados herticos e cismticos. Mas tambm serviu a movimentos de

    renovao que permaneceram dentro da estrutura eclesial como pequenos grupos de estudo

    bblico. No contexto luterano reformado foi o movimento pietista liderado por Philipp Jakob

    Spener que resgatou essa dinmica atravs dos grupos caseiros chamados de Collegia

    Pietatis.45

    Tambm John Wesley experimentou, no despertamento do movimento metodista, a

    42

    VOLKMANN, Martin. Edificao de Comunidade a partir do Ministrio Compartilhado. Estudos Teolgicos,

    ano.37, n. 2, p. 154-170, 1997. 43

    VOLKMANN, Martin. Teologia Prtica e o ministrio da Igreja In: SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph

    (Org.) Teologia Prtica no contexto da Amrica Latina. So Leopoldo : Sinodal : ASTE, 1998. p. 90. 44

    FISCHER, Joachim. Reforma Luterana e Misso. Estudos Teolgicos, So Leopoldo, ano 41, n. 3, p. 5-21,

    2001. 45

    Collegia pietatis uma expresso latina que descreve os grupos que surgiram na igreja reformada alem,

    destinados a promover a leitura da Bblia e a comunho. Quem inciou estes grupos foi o telogo alemo Philipp

    Jakob Spener, com o intuito de continuar a Reforma Protestante. Confira: SPENER, Philipp Jakob. Pia

    Desideria. So Bernardo do Campo, SP: Imprensa Metodista, 1985.

  • 25

    fora dos pequenos grupos de estudo bblico que mantiveram acesa a chama da comunho46

    .

    No Brasil, a maior e mais profunda experincia so as Comunidades Eclesiais de Base

    (CEBs), incentivadas pelo Conclio Vaticano II (1962 1965), e que surgiram nos anos 70 e

    se espalharam por toda a Amrica Latina. Atualmente este movimento se encontra

    enfraquecido. 47

    .

    So comunidades ligadas Igreja Catlica Apostlica Romana (ICAR), que se renem

    em pequenos grupos, geralmente em funo da proximidade geogrfica. So compostas

    principalmente por membros das classes populares, moradores de um mesmo bairro e esto

    vinculadas a uma parquia e organizadas por leigos, padres e bispos. O objetivo dos encontros

    a leitura bblica em articulao com a vida. Atravs do mtodo ver-julgar-agir, buscam

    olhar a realidade em que vivem, julg-la com os olhos da f e buscar caminhos de ao

    impulsionados por este mesmo juzo luz da f48

    .

    A partir da reflexo sobre os problemas da famlia, do trabalho e do bairro, as CEBs

    ajudaram a criar movimentos sociais para organizar a luta por melhores condies de vida na

    cidade. Surgiram as associaes de moradores, os clubes de mes, a insero no movimento

    operrio e outras iniciativas que fortaleceram o movimento social.49

    Isso representou um

    resgate significativo no exerccio do sacerdcio geral de todos os crentes, pois oportunizou a

    vivncia da f no dia a dia onde cada cristo um sacerdote na sua profisso.

    Por suas caractersticas ecumnicas, o movimento extrapolou os limites da Igreja

    Catlica, e as comunidades passaram a contar com representantes tambm de outras igrejas

    como Metodista, Luterana e Presbiteriana. Assim, esse modelo pode ser uma importante

    estratgia da misso urbana, pois traz a importncia do respeito ao outro, do dilogo e da

    caminhada ecumnica na construo de relacionamentos marcados pelo amor, solidariedade,

    justia e paz.

    As CEBs so uma tentativa de responder fragilidade dos vnculos familiares e de

    relacionamentos com vizinhos e amigos. Elas combatem o individualismo e resgatam uma

    tradio bblica da importncia dos grupos pequenos como espao de comunho e articulao

    da vida.

    Nas grandes cidades faz-se cada vez mais necessrio investir em propostas que

    promovam a comunho, a solidariedade, a justia e a vida. Por isso, a misso urbana no pode

    46

    Wolfgang Simson desenvolve melhor a contribuio de Philip Jakob Spener e John Wesley na histria dos

    pequenos grupos. Conferir em Casas que transformam o mundo, p.86-90. 47

    Este tema merece um estudo mais profundo e documentado que no temos condies de realizar no momento. 48

    BETTO, Frei: O que Comunidade Eclesial de Base. So Paulo: Editora Brasiliense, 1981. 49

    BETTO, 1981.

  • 26

    estar centralizada exclusivamente no templo. Precisa ir s casas das pessoas. A misso precisa

    ter capilaridade, espalhar-se.

    A misso urbana traz o desafio da descentralizao dos programas e a criao de

    pequenos grupos que possam oportunizar dilogo, troca de experincias e comunho. A

    centralidade dos programas no templo e a dificuldade de acesso s casas, que so cada vez

    menores e abrigam famlias pequenas, atrofiam a capacidade missionria da igreja e limitam

    sua presena e ao na cidade.

  • 27

    3 A DIVERSIDADE DE PROPOSTAS MISSIONRIAS NA REALIDADE URBANA

    Na realidade urbana brasileira existe uma diversidade de propostas missionrias em

    franco desenvolvimento. Muitas das comunidades de confisso luterana so influenciadas por

    estas propostas. A misso urbana no pode desconsiderar esta realidade. Precisa analisar o

    cenrio urbano brasileiro com sua diversidade de propostas missionrias, avaliar tais

    propostas e buscar respostas satisfatrias para uma atuao pblica e ecumnica na cidade.

    Apresentaremos a seguir os principais modelos que esto influenciando as igrejas evanglicas

    no Brasil. No se trata de um estudo amplo, mas de indicaes dos elementos mais

    importantes destes modelos, com uma breve avaliao teolgico-pastoral.

    3.1 Alguns modelos que esto influenciando as igrejas evanglicas no Brasil

    Existem diversos modelos de igrejas domsticas e grupos familiares. Alguns so

    sectrios e apresentam uma proposta de casas que so igreja, colocando-se contra o culto no

    templo. J outros apresentam uma proposta de continuidade entre o culto dominical no templo

    e os encontros semanais domsticos. So as igrejas nas casas.

    3.1.1 Igreja nos lares

    O pesquisador e escritor alemo Wolfgang Simson, em sua Obra Casas que

    transformam o mundo descreve a viso de igreja nos lares que milhares de cristos ao redor

    do globo comearam a experimentar (China, Vietn, ndia, Egito, Indonsia, Bangladesh,

    EUA e Brasil). Trata-se de uma volta ao modelo dos primeiros cristos que viviam o

    cristianismo em suas prprias casas como um estilo de vida e no como uma sucesso de

    eventos religiosos. Simson defende a idia da Reforma das Estruturas. Em contraposio ao

    modelo da igreja tradicional, ele afirma: De um mximo de organizao com um mnimo de

    organismo preciso passar novamente para um mnimo de organizao com um mximo de

    organismo 50. Para isso a igreja precisa encolher antes que possa crescer, pois a maioria das

    igrejas crists grande demais para proporcionar espao para a comunho. Nos pequenos

    grupos caseiros encontramos novamente o espao para compartilhar a vida.

    50

    SIMSON, Wolfgang. Casas que Transformam o Mundo. Igreja nos lares Curitiba: Esperana, 2001. p. 13.

    Outros autores que trabalham esse tema: Robert Fitts e Frank Viola. Cf.:< http://www.igrejanoslares.com.br>.

  • 28

    Igrejas nos lares so igrejas aptas a exercer todas as funes e ofcios e esto

    aliceradas no que o autor chama de Ministrio Quntuplo (apstolos, profetas, pastores,

    evangelistas e mestres, conforme Efsios 4.11-13). Trata-se da substituio dos sacerdotes

    ordenados pelo sacerdcio geral de todos os que creem. Pessoas simples, chamadas por Deus,

    fazem uso dos dons e vivem a f no dia-a-dia transformando a idia do vinde at ns para o

    ide da igreja at as pessoas. Simson tambm descreve quatro elementos bsicos das igrejas

    nos lares. So eles: 1 - Refeies conjuntas, pois os cristos se encontram para comer e a

    igreja no lar uma comunho de mesa; 2 - Ensinamento dinmico, participativo e cintico,

    baseado na cultura hebraica onde o pai tinha a tarefa de ensinar e ajudar os filhos a

    tornarem-se praticantes da palavra; 3 - Partilha dos bens materiais e espirituais e 4 - Orao

    comunitria com confisso mtua de pecados51

    .

    Esse modelo responde muito bem aos desafios da realidade urbana onde o ser humano

    necessita pertencer a um grupo e nele se relacionar com outros e viver a sua f. Alm disso,

    pode ser facilmente implantado, pois no precisa de uma fortuna em dinheiro, dispensa

    retrica religiosa e no necessita de heris carismticos. Igrejas nos lares possuem um

    potencial de crescimento muito grande atravs de uma multiplicao constante e rpida. No

    entanto, a aplicao desta proposta implicaria na eliminao do modelo de igreja que

    conhecemos na IECLB, e que tem sido ao longo de tantas dcadas instrumento de Deus para a

    misso em solo brasileiro.

    3.1.2 Igreja em clulas

    Surgiu na dcada de 70, na Coria do Sul, com o pastor Paul Yonggi Choo que

    implantou uma estratgia de evangelismo e de reunies nas casas dos membros, o que fez

    com que a igreja crescesse bastante52

    . A partir dos anos 90, esse modelo tem se multiplicado

    no mundo inteiro atravs de Ralph Neighbour Jr., que elaborou juntamente com diversos

    obreiros e igrejas as bases atuais da Igreja em Clulas53

    .

    51

    SIMSON, 2001, p. 97-104. 52

    COMISKEY, Joel. Crescimento Explosivo da Igreja em Clulas. Curitiba: Ministrio Igreja em Clulas, 1997.

    p. 24-25. 53

    Ralph W. Neighbour, Jr. autor de muitos livros e cursos de treinamento relacionados com o movimento

    igreja em clulas. Ele introduziu o Ano da Transio ( um treinamento em quatro mdulos oferecido pelo Ministrio Igreja em Clulas para igrejas que desejam implantar esse modelo) a mais de 1.000 igrejas na frica

    do Sul. Pastores de muitas naes, inclusive do Brasil, j usaram esse treinamento. No Brasil, um dos grandes

    divulgadores desse trabalho o Pastor Robert M. Lay, da Igreja Irmos Menonitas de Curitiba (PR) onde fica a

    sede do Ministrio Igreja em Clulas. Mais informaes em: .

  • 29

    De acordo com Neighbour, clula um pequeno grupo de sete a quinze pessoas que

    tem como caracterstica o fato de se reunir uma vez por semana num rodzio constante entre

    as casas dos membros. Tem como meta praticar o evangelismo e o discipulado, e multiplicar-

    se regularmente a fim de continuar atingindo o seu objetivo 54

    .

    O nome clula usado em virtude de seu crescimento ser similar ao das clulas de um

    corpo humano. A idia simples: assim como uma criana cresce pela multiplicao

    constante das clulas de seu corpo, a igreja tambm deve ter crescimento pela multiplicao

    rpida de suas clulas que so os pequenos grupos. Neste modelo de igreja, cada clula conta

    com cinco sistemas que ajudam a cumprir o seu propsito, so eles:55

    1. Sistema de vida que garante a comunho e a edificao dos membros da clula.

    2. Treinamento de cada membro da clula de forma prtica.

    3. Sistema de prestao de contas que promove a responsabilidade, o compromisso e a

    possibilidade de detectar problemas ainda em fase inicial.

    4. Em cada clula lderes so formados com vistas multiplicao, pois o potencial da

    evangelizao est na quantidade de clulas espalhadas pela cidade.

    5. Evangelismo na prtica por meio de ferramentas acessveis e que todos do conta de

    usar.

    A igreja em clulas tem como lema: "Cada casa uma igreja, cada membro um

    ministro, vivendo em Cristo de casa em casa e na grande congregao".56

    Enfatiza bastante

    o sacerdcio universal de todos os crentes, afirmando que a estrutura de pequenos grupos

    possibilitaria que cada crente pudesse exercitar seus dons.

    Analisando este modelo de reunies em pequenos grupos, pode-se afirmar que cada

    clula funciona como uma igreja local, inclusive com a celebrao dos sacramentos. Portanto,

    a proposta desta viso que todos, indistintamente, renam-se em clulas. Cada clula uma

    igreja, uma pequena comunidade crist. Avalia-se que este modelo de igreja mais do que

    uma simples reunio semanal, um estilo de vida. Por isso, no existe o imperativo de

    manter outros programas, pois as necessidades fundamentais de cada membro so providas

    dentro da clula que se torna para ele a sua igreja. Sendo assim, esse modelo se torna

    incompatvel com a estrutura eclesial tradicional que praticamos na IECLB. Quem quiser

    54

    NEIGHBOUR JR. Ralph. Manual do Lder de Clula. Fundamentao espiritual e prtica para lderes de

    clulas.Curitiba: Ministrio Igrejas em Clulas. 2001.p.13. 55

    LAY, Robert Michael. Apostila Clulas... o que isso? Viso e Estrutura do Sistema. Ministrio Igreja em

    Clulas: Curitiba. [s.d]. p.18. 56

    LAY, Robert Michael. [s.d]. p.1.

  • 30

    seguir esse modelo ter que realizar uma mudana radical na estrutura e vida de sua igreja.

    Vejamos o que diz Neighbour:

    J cheguei a uma concluso: no se pode guardar vinho novo em odres velhos! Espero

    que voc entenda isso e no procure misturar este leo com a gua morna das

    estruturas eclesisticas tradicionais. No escrevi este manual a fim de transformar

    estruturas eclesisticas j existentes. Escrevi-o, isto sim, para aquelas milhares de

    comunidades crists que finalmente chegaram seguinte concluso: Fora com a vida

    tradicional de igreja! No queremos transformar nada; queremos ser novas, assim

    como era nova a igreja do sculo I.57

    Percebe-se que Neighbour apresenta a Igreja em Clulas como uma revivescncia da

    comunidade primitiva de Atos dos Apstolos. Ele critica a igreja organizada e transmite uma

    imagem de impossibilidade de adaptao do seu modelo de igreja em clulas realidade das

    igrejas tradicionais. Seus escritos tm influenciado grande parte da liderana evanglica

    brasileira que reproduz esta viso.

    3.1.3 Rede ministerial

    Modelo de igreja desenvolvido pelos lderes norte-americanos Bruce L. Bugbee,

    fundador e presidente da Network Ministries International (Califrnia, EUA) e Bill Hybels,

    pastor e fundador da Willow Creek Community Church (Chicago, EUA). Tem como alvo

    auxiliar os cristos a serem frutferos e realizados no servio a Cristo. Os ministrios so a

    base principal da igreja e os pequenos grupos so para apoio e mutualidade. Cada pessoa

    encorajada a descobrir seus dons e us-los no corpo de Cristo. A rede ministerial tem como

    lema: "A pessoa certa no lugar certo pelas razes certas 58. Para isso possui oito passos:

    1. Estabelecer relacionamentos ntegros.

    2. Verbalizar a f.

    3. Promover encontros facilitadores.

    4. Agregar-se grande congregao.

    5. Fazer parte de um grupo pequeno.

    6. Buscar aperfeioamento prtico.

    7. Servir num ministrio significativo.

    8. Ser um bom mordomo de Cristo.

    57

    NEIGHBOUR JR, 2001, p.8. 58

    BUGBEE, Bruce L. e HYBELS, Bill. Rede Ministerial: pessoas certas, nos lugares certos, pelas razes certas.

    So Paulo: Vida.1996. p.21.

  • 31

    A Willow Creek Community Church de Bill Hybels considerada a segunda maior

    igreja protestante na Amrica do Norte e tida como modelo de crescimento de igreja. 59

    Essa proposta de igreja parece muito interessante, na medida em que se orienta pelo

    exerccio dos dons espirituais no servio do corpo de Cristo. A rede ministerial ajuda o

    membro da igreja a servir de acordo com o seu dom, para que possa servir com mais

    entusiasmo, de modo mais competente e com maior liberdade. Como resultado, percebe-se

    que: aqueles que so bons no ensino ensinam; aqueles com os dons de administrao

    organizam e desenvolvem as estratgias para os ministrios; os lderes lideram de maneira

    eficaz; os auxiliadores auxiliam; os contribuintes contribuem de forma mais generosa ; os

    misericordiosos confortam. A rede ministerial transforma a igreja num corpo com mais

    entusiasmo, com maior compromisso, cujos membros servem uns aos outros em amor.

    Entretanto, corre o risco de gerar uma estrutura verticalizada, criando distino entre os

    melhores dons e a sensao nas pessoas de sentir-se excludas por no possuir tais dons. A

    igreja que se envolver com este modelo dever, necessariamente, estar disposta a flexibilizar

    sua estrutura de ministrios e seu quadro de lderes e voluntrios.

    3.1.4 Igreja com propsito

    Modelo criado pelo pastor Rich Warren, fundador da Saddle Back Church na

    Califrnia, EUA, e uma das maiores e mais conhecidas igrejas do mundo. Warren, que em

    1980 comeou com uma famlia em sua sala de estar, hoje conta com cerca de 10 mil pessoas

    aos finais de semana60

    . Segundo ele, para uma igreja ser saudvel, deve ser impulsionada por

    propsitos e edificada sobre cinco dimenses de crescimento que esto presentes no modelo

    da igreja de Atos 2.42-47. Ele afirma: Toda igreja deve crescer mais calorosa por meio do

    companheirismo, mais profunda por meio do discipulado, mais forte por meio da adorao,

    mais abrangente por meio do ministrio e mais numerosa por meio do evangelismo.61 A

    partir do texto de Atos, percebe-se cinco princpios que Warren utiliza para fundamentar sua

    proposta. So eles: reunir; edificar; adorar; ministrar; evangelizar (Atos 2.42-47).

    59

    BUGBEE, Bruce L. e HYBELS, Bill,1996. p.15. Mais informaes em: . 60

    Rick Warren tambm fundou o Purpose Driven Ministries que conta com mais de 400 mil pastores conectados

    em 163 pases. Seus livros foram traduzidos para mais de 30 idiomas e venderam mais de 20 milhes de cpias.

    Mais informaes em: . Veja tambm: . 61

    WARREN, Rick. Uma Igreja com propsitos. So Paulo: Editora Vida, 2005. p.52.

  • 32

    Seguindo estes cinco princpios da igreja primitiva, o autor apresenta cinco propsitos

    para a igreja hoje. So eles:62

    1. Amar a Deus com todo o corao (Adorao).

    2. Amar ao prximo como a si mesmo (Ministrio).

    3. Ir e fazer discpulos (Evangelismo).

    4. Batizar (Edificar, ensinar).

    5. Ensinar a obedincia (Discipulado, fidelidade).

    Para Warren: cada um dos cinco propsitos da Igreja do Novo Testamento deve estar

    em equilbrio com os outros para que possa existir sade. Isso no acontece naturalmente.

    Na verdade, devemos trabalhar continuamente para corrigir os desequilbrios.63 Enfocando

    igualmente todos os cinco propsitos, a igreja ir desenvolver um equilbrio sadio, que

    produzir um crescimento duradouro

    Esse modelo afirma seguir o exemplo bblico do Novo Testamento e apresenta uma

    proposta consistente. Pode dar certo. Quem adotar essa proposta ter que replanejar

    totalmente sua igreja, renunciando a forma tradicional de organizao e funcionamento da

    mesma e assumir um novo paradigma. Entretanto, corre o risco de transformar-se em uma

    administrao por objetivos, numa corporao eclesistica em vez de comunidade.

    3.1.5 Desenvolvimento natural da igreja

    Este modelo tem origem no trabalho de Christian Schwarz que pesquisou mais de mil

    igrejas de todos os tamanhos e denominaes em trinta e dois pases nos cinco continentes,

    obtendo 4,2 milhes de respostas, que foram analisadas atravs de um software de ltima

    gerao, desenvolvido nas universidades alems64

    .

    A pesquisa mostrou que h oito princpios universais de crescimento que estavam mais

    significativamente presentes nas igrejas que cresciam do que nas em declnio. Os princpios,

    tambm denominados marcas de qualidade, so:

    62

    WARREN, 2005, p.105-108. 63

    WARREN, 2005, p.53. 64

    Christian Schwarz fundador e presidente do Instituto de desenvolvimento natural da Igreja, localizado na

    Alemanha. Entre 1994 e 1996 ele organizou o projeto de pesquisa mais abrangente das causas do crescimento da

    igreja at hoje realizado. Seus livros foram publicados em mais de 40 idiomas. Aqui no Brasil as publicaes e o

    Seminrio do DNI esto sob a responsabilidade da Editora Evanglica Esperana (http://www.esperanca-

    editora.com.br/), sob a liderana do pastor Walter Feckinghaus.

  • 33

    1. Liderana capacitadora: a liderana que constantemente gera novos lderes.

    2. Ministrios orientados pelos dons: baseia-se na certeza de que Deus deu dons

    especficos aos cristos para servirem a sua igreja atravs dos diversos ministrios.

    3. Espiritualidade contagiante: uma espiritualidade que leve os cristos a viverem a sua

    f de uma maneira autntica e com entusiasmo.

    4. Estruturas funcionais: estruturas que se orientam nas necessidades reais, buscando

    supri-las e contribuindo para que o crescimento seja facilitado.

    5. Culto inspirador: proporciona ao participante ter uma experincia inspiradora e na qual

    se sinta aceito e amado.

    6. Grupos familiares (ou grupos pequenos): grupos, nos quais ocorre o aprofundamento

    dos relacionamentos e o atendimento das necessidades individuais.

    7. Evangelizao orientada pelas necessidades: aqui no se tem em mente primeiramente

    as pessoas com o dom de evangelista, mas sim como cada cristo pode testemunhar

    Cristo em seus contatos naturais do seu dia-a-dia.

    8. Relacionamentos marcados pelo amor fraternal: visa tornar mais visvel o amor de

    Cristo em todos os relacionamentos, especialmente entre os cristos.

    A abrangncia da pesquisa de Schwarz permitiu definir a igreja com qualidade mdia

    como aquela em que todas as oito marcas apresentam o ndice igual a cinqenta por cento.65

    J as igrejas que crescem esto com o valor de qualidade significativamente acima da mdia

    em todas as oito marcas de qualidade (ndice igual ou superior a sessenta e cinco por cento). 66

    As igrejas com declnio numrico apresentam ndice de qualidade abaixo do valor mdio nas

    diversas marcas. Percebe-se ento que a chave para o crescimento est na ao conjunta,

    harmoniosa de todos os oito elementos.

    De todas as oito marcas de qualidade, os grupos familiares so a mais importante.

    Schwarz diz: Se um dos princpios estudados deve ser considerado o mais importante,

    ento , sem dvida, a multiplicao de pequenos grupos.67

    A pesquisa de Schwarz tambm mostrou que quanto maior a igreja, tanto maior a

    importncia e necessidade de grupos pequenos que se renem sistemtica e regularmente68

    . A

    vida acontece nos pequenos grupos e no culto dominical celebramos esta vida. Nos pequenos

    grupos as pessoas esto como que em famlia, pois ali encontram ateno, ambiente

    65

    CHWARZ, Christian A. O desenvolvimento natural da Igreja. Curitiba: Esperana. 1996. p.20. 66

    SCHWARZ. 1996, p.40. 67

    SCHWARZ. 1996, p.33. 68

    SCHWARZ. 1996, p.33.

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    propcio para falar de suas alegrias e dores, oportunidades para estudar a Bblia e espao para

    a orao.

    O Desenvolvimento Natural da Igreja (DNI) descreve princpios universais que podem

    ser utilizados independentemente de fatores culturais ou estilo espiritual, pois parte do

    princpio de que a igreja um organismo vivo, dotado de potencial natural de crescimento

    dado por Deus, cabendo-nos to somente trabalhar para limitar o que atrapalha o seu

    crescimento.69

    Analisando a literatura disponvel, percebe-se que o DNI no um programa pr-

    fabricado ou uma receita de como fazer. antes uma proposta de trabalho e de avaliao

    objetiva dos resultados desse trabalho, possibilitando o acompanhamento e as necessrias

    correes de rumo. Pode-se conhecer a atual situao de uma comunidade, submetendo-a

    avaliao do DNI atravs de questionrios, prprios para isto, preenchidos pelas lideranas70

    .

    Quem quiser adotar esse modelo poder partir da atual estrutura de sua comunidade

    que ser diagnosticada, porm o processo de anlise poder ser considerado muito demorado.

    3.2 Avaliao das propostas missionrias

    Avaliando as cinco propostas missionrias aqui apresentadas, podemos afirmar que o

    DNI diferencia-se das outras quatro. Desenvolvimento Natural da Igreja fruto de uma

    pesquisa cientfica amplamente documentada sobre o crescimento da igreja. O foco no

    sobre o crescimento numrico, mas na melhoria da sade da igreja, com a compreenso de

    que a igreja um organismo vivo que precisa ser saudvel para crescer. Sendo assim, o

    DNI pode ser uma grande ajuda para descobrir e liberar o potencial de crescimento da igreja,

    pois quando esta suficientemente saudvel o crescimento numrico acontece.

    Analisando os outros quatro modelos aqui apresentados71

    podemos afirmar que todos

    eles afirmam que seguem o modelo de Igreja do NT. Todos desenvolvem o pastoreio atravs

    69

    SCHWARZ. 1996, p.10. 70

    SCHWARZ, Christian A.; SCHALK, Christoph. A prtica do desenvolvimento natural da igreja. Curitiba:

    Editora Evanglica Esperana, 1998, p.12. Este livro utilizado para aplicar na igreja local os princpios

    descritos no livro anterior (O desenvolvimento natural da igreja). Ou seja, fazer o diagnstico e o levantamento

    do perfil da comunidade, detectar os pontos fracos e fortes e investir no crescimento natural da igreja. Quem

    adquire este livro passa o ter direito de utilizar os questionrios e o software do perfil da igreja (CORE). Esse

    material pode ser adquirido na Editora Evanglica Esperana. Outro livro da srie DNI igualmente importante

    como ferramenta de diagnstico (desta vez, a nvel pessoal) : SCHWARZ, Christian A. O teste dos dons.

    Curitiba: Editora Esperana, 2007. 71

    So eles: Igreja nos lares, Igreja em clulas, Rede ministerial e Igreja com propsitos.

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    de pequenos grupos, valorizando o uso dos dons e enfatizando o sacerdcio geral dos que

    creem. Formam, em geral, comunidades urbanas de crescimento rpido, pois todos tm um

    enfoque nico de misso que percebido e afirmado pela maior parte dos membros destas

    congregaes. Alm disso, todos os membros tm uma dedicao tarefa evangelizadora de

    tornar Cristo conhecido em seu bairro