a praÇa e o povo

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Page 1: A PRAÇA E O POVO
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ALBERTO S. GALENO

A PRAÇA E O POVO( homens e acontecimentos que

fizeram história 'na Pra~ado Ferreira )

2º Edição- 2000-

Page 3: A PRAÇA E O POVO

CAPA:

Rubens Azevedo

REVISÃO:

Barros Alves

COORDENAÇÃO:

Lima Freitas

IMPRESSÃO:

Multigraf Editora Ltda.

CATALOGAÇÃO NA FONTE: ANA CRISTINA AZEVEDO URSULlNO

G 153p Galeno, Alberto S.

A Praça e o Povo: Homense Acontecimentos que Fizeram Históriana Praça do Ferreira.- Fortaleza: Multigraf, 2000 - 2ª Edição

100p

1. Fortaleza - História I. Título.

C.D.U.981 (813.11)

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o POVO HERÓiCO DE CORREIA BRACIM

Permita-nos o Or. Correia Bracim, orador sem igual noscomícios de Franco Rabelo, que ao iniciarmos a presente escriturafaçamos uso do fraseado com o qual ele costumava saudar a massade cabeças-chatas na Praça do Ferreira:

- Povo heróico da minha terra!Era uma maneira cortês e exata de dirigir-se ao povo de

Fortaleza, tão sofrido, tão insultado, tão caluniado pelos escribasreacionários como o advogado Gomes de Matos, para quem o povoera massa falida, ou o Senhor Gustavo Barroso, em cujo vocabulárioo povo é tratado de gentalha, ralé, zépovinho, massa ignara e outrosque tais. Por sua vez o Comendador Nogueira Acioly, ocupante porlongos e sucessivos anos do governo do Estado, sempre que sereferia ao povo era para chamá-Io de arraia miúda. A um povo tãoespezinhado, tão sofrido quanto o cearense, eram negados todose quaisquer direitos pelas classes dominantes. De lei só o arbítrio ea violência dos poderosos. Todavia, os ofendidos reagiam com asarmas de que dispunham contra as ofensas dos opressores. Osapelidos, as vaias, os quebra-quebras, o que eram senão formasde vingança, de reação? Os poderosos mandavam quebrar jornais,prender, surrar, matar jornalistas, tentando desta forma impedir adivulgação de fatos que pretendiam ignorados do povo. Mas, emcontrapartida surgia na Praça do Ferreira o jornalismo falado. Os

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papeadores encarregavam-se em divulgar aquilo que os jornaisescritos não conseguiam divulgar. Certa vez o ComendadorNogueira Acioly mandou reprimir a pata de cavalo uma passeatade crianças contra o seu governo. A cavalaria caiu sobre os mirinsespancando e matando vários deles. O que não esperava o manda-chuva era pela reação que se fez. A "arraia miúda" pegou em armasdepondo o mandão após três dias de luta. Correia Bracim tinharazão quando chamava o seu povo de heróico. Um povo que seinsurge em armas contra tiranos como o Acioly e Pedro I, que usandode outras formas de luta resiste contra o sistema de servidão a queé submetido, não tenhamos dúvida, é um povo heróico. Nunca umamassa falida, como pretendia o advogado Gomes de Matos. É umapena que os nossos historiadores evitem abordar taisacontecimentos para se fixarem nas batalhas da Guerra do Paraguai,tragédia da qual o grande sacrificado foi o povo cearense, cujos"voluntários" eram cassados como bichos do mato, amarrados eenviados aos "postos de recrutamento", que eram as própriasdelegacias de polícia. Todavia, sempre que se referem à hecatombemotivada pela política intervencionista dos imperadores do Brasileles fogem da verdade dos fatos para se perderem na exaltaçãodos generais que comandaram a carnificina, esquecidos de quebatalhas mais árduas do que as da Guerra do Paraguai têm sido asbatalhas travadas pelo povo desarmado contra os seus opressores,em busca das liberdades democráticas. Aqui em "A Praça e o Povo"o que procuramos apresentar são fatos como estes,.alguns vividospelo narrador; outros que nos chegaram através da tradição oral. Averdade para nós é a verdade dos oprimidos, nunca a dosopressores. Sabemos que ao nosso posicionamento não faltaráquem nos chame de engajados. Mas, engajado quem não o é?Ficamos engajados com o povo heróico do Or. Correia Bracim.Quanto aos opressores do povo, aos senhores das classesdominantes, que se danem.

Alberto S. GalenoFortaleza, novembro de 1990

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-1-Em busca da Praça do Ferreira - Onde encontrá-Ia?

- Onde a Coluna da Hora? E o Abrigo Central?- A vingança dos gol pistas de 64 contra os papeadores

da Praça - Lembranças do Papão e dosfreqüentadores do Banco dos Comunistas.

A lembrança do presídio procurávamos afastar da memória.Ficara para trás o Paulo Sarasate (1) com seus horrores como ocastigo da nossa resistência contra a ditadura militar. Agora emliberdade condicional buscávamos os lugares por nós antesfreqüentados. Reencontrar velhos amigos, bater um papo, tomarum cafezinho no Abrigo Central ou, para variar, um pega-pinto noMundico. A Praça? Sim, buscávamos a Praça do Ferreira! Qual ohabitante desta Cidade do Forte que não se encontra por este ouaquele motivo ligado ao logradouro que nasceu sob o carisma doBoticário Ferreira? Mas, onde encontrá-Ia? Pelos nossos cálculosdeveríamos estar no espaço ocupado pela Praça do Ferreira. Mas,onde a Coluna da Hora? E o Abrigo Central? Por mais que nosesforçássemos não conseguíamos encontrá-I os. O que víamos emseus lugares eram aqueles estirões de cimento armado, decinqüenta metros ou mais, como se fossem jazigos destinados asepultar gigantes. Um cemitério surrealista com certeza. Fortaleza

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possuía destas extravagâncias. Olhassem o Passeio Público. O queera o Passeio Público senão um pedaço mal retratado da Gréciaantiga, com seus duendes e deuses mitológicos. E a fonte da Praçada Lagoinha? Uma lenda alemã dos tempos medievais! Só o quenão se via era a presença da cultura autóctone. Haviam se esquecidodos nossos índios, suas lendas e seus heróis, dos bichos de nossafauna: onças, emas, veados, cavalos e bois. E, por sua vez, dosheróis do Trabalho, responsáveis pelo surgimento econômico esocial do Ceará: vaqueiros, escravos, jangadeiros, trabalhadoresdo eito, os verdadeiros servos da gleba nordestina. Por último, comose não bastasse tamanho menosprezo pelas nossas origensculturais, achavam de construir aquele cemitério surrealista. Erademais! Colonialismo cultural! Pelo visto faltava aos nossosgovernantes uma consciência nacionalista.

Estávamos em meio das elocubrações quando sentimos umpousar de mão sobre os ombros. Viramo-nos rapidamente. Era oJoão de Alencar, um companheiro de bate-papo no Banco dosComunistas.

- Veja, companheiro, o desmantelo que o Zé Walter (2) andoufazendo - disse ele de sopetão. Um desastre. Tudo para que o povonão tivesse acesso à Praça.

Concordamos com o amigo. Na verdade, estávamo-nosesforçando por descobrir se estávamos na Praça ou se noutro local,tamanha a descaracterização. Aquilo acolá podia se parecer comtudo: com cemitério, com anfiteatro romano, menos com obra dearquitetura com a qual estávamos acostumados. Lembramos MárioRosal, o Velho do Facão. Coisa de doido! Mas, não era só. Alencartinha razão. O que haviam pretendido com a malsinada reformafora afastar o povo do local. Contudo, esta não era a primeira vezque tal acontecia. Rememoramos o sucedido por ocasião dachamada Revolução Constitucionalista de São Paulo, quando oChefe de Polícia do Interventor Carneiro de Mendonça, um certoCoronel Falconiére, chegara a proibir os bate-papos na Praça. Tudopara impedir que o povo tomasse conhecimento dos fatos, viesse ase esclarecer. Entretanto, nenhum governante até então haviachegado ao extremo de destruir o logradouro com o fim de evitaros ajuntamentos populares, de impedir que os cidadãos secomunicassem, que houvesse a troca de idéias. As ditaduras - hoje

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como ontem - temiam o povo esclarecido, temiam o julgamentopopular. Alencar deu-nos mais algumas notícias. Disse-nos dosucedido com o Passeio Público e a General Tibúrcio, cercados degrades para que o povo não tivesse ingresso. E, o que era maisgrave, com a Praça Clóvis Beviláqua, transformada pela Companhiade Águas e Esgotos (CAGECE) numa imensa cisterna. Esse ZéWalter de quem o amigo falava com tanta familiaridade, não haviadúvida, inviabilizara o que Fortaleza possuía de mais atraente: aPraça do Ferreira, a General Tibúrcio, a Clóvis Beviláqua e o PasseioPúblico. Foi quando acorreu-nos a lembrança de reis e generaisvingativos de antigamente - assírios, persas, gregos e romanos -destruidores de cidades vencidas como castigo aos derrotados.Que fizera Fortaleza pra merecer a vindita dos vitoriosos de 1º. deabril de 1964? O fato de ser a capital de um povo insubmisso quejamais se curvara aos poderosos, que amava a liberdade acima detudo? De possuir a fama de cidade heróica, cujas ruas conservamos nomes de seus heróis e mártires - os patriotas da Confederaçãodo Equador? Nosso amigo - que trazia nas veias o sangue de DonaBárbara de Alencar e de Tristão Gonçalves - fez-nos ver que oresponsável principal por tamanhos desmantelos não era rei e nemgeneral, mas, um engenheiro de máquinas, antigo dirigente da RedeFerroviária Federal. O que serve para caraterizar o desastre, dizemosnós.

A seguir perguntamos pelo Banco dos Comunistas e pelospapeadores que nele tomavam assento para discutir assuntos depolítica. O que era feito do Papão? E do Batista Neto? Do AluísioGurgel? Do Professor Josafá Linhares? Do alfaiate Mário Souto?Do Raimundo Vermelho? Do Galego? Do Professor Gabriel LopesJardim? Do Pedro Jerônimo? Alencar entristeceu de repente.Fugiram-lhe as palavras. Só a muito custo não chegou às lágrimas.Sabíamos, na verdade, do sacrifício de Pedro Jerônimo de Sousa,o ativista político assassinado pelos torturadores do DOI-CODI. Anotícia havia-nos chegado no Paulo Sarasate (IPPS). Seperguntávamos era por desejarmos obter detalhes mais completos.Quanto aos demais componentes do Banco não sabíamos notícias.Nosso interlocutor acendeu um cigarro e só depois de algumasbaforadas foi que pôde iniciar o seu relato. Papão morrera faziaalgum tempo, acometido de males próprios da velhice. Findara-se

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com mais de oitenta anos. Galego, que era chegado à Macumba,morrera em conseqüência de queimaduras, quando em meio degarrafas de cachaça, velas e charuto trabalhava com seus orixás.Quanto ao Professor Gabriel, fora o coração que baquearasobrecarregado com cento e cinqüenta quilos de peso. Por último,Pedra Jerônimo, que morrera como um bravo, torturado até à mortesem que apontasse os companheiros do Partido. Alencar fez umapausa enquanto puxava uma baforada do cigarra. - E os demais? -voltamos a insistir. Bem, os outros andam soltos por aí, escapandocomo podem. Aqui é que eles não botam os pés, pois seria umatemeridade se o fizessem. Estariam entregando-se à Polícia. - Comoassim? - voltamos a insistir. - Ora, companheiro, só em estarmosaqui já estamo-nos arriscando. Saiba você que tanto antes comodepois da transformação da Praça, isto aqui tornou-se um lugarperigoso.

Os papeadores passaram a ser considerados ora comosubversivos; ora como vadios, presos e espancados pela polícia. Ànoite fica tudo escuro como breu. Deixam de acender as luzes e aescuridão é de meter medo.

Alencar despediu-se. Estávamos em um domingo de céulimpo e muito sol. Mesmo assim o local permanecia deserto.

-11-Nossas vivências na Praça do Ferrelra

- Os comícios da ANL - Aprendizado político- O interventor Felipe Moreira Lima,

exemplo de democrata- Breve período de liberdades para o povo cearense.

Nossa vivência na Praça do Ferreira começou nos idos de1935, quando, rapazola matuto, viemos estudar numestabelecimento de ensino da Capital. Confesso que as lições deverdade sobre a História do Brasil- ou, mais precisamente, sobre ahistória do Povo Brasileiro - não nos foram ministradas nos salõesde aulas do colégio, mas, ali ao redor da Coluna da Hora, servindo-nos de professores os pregoeiros da Aliança Nacional Libertadora(ANL).

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Foi, na verdade, dito por Pedro Mota Lima, Benjamim Cabelo,os comandantes Sisson e Hercolino Cascardo - ex-interventoresdo Rio Grande do Norte - que aprendemos ser o Brasil um paísimensamente rico com um povo imensamente pobre. Que os falsoshistoriadores sociais encobriam a verdade alegando que o fato sedevia ao analfabetismo e à inferioridade racial quando, na realidade,eram causados pelo atraso do latifúndio e a exploração imperialista.Eram as lições teóricas que eles estavam nos ministrando. Porqueas lições práticas, estas já havíamos recebido no interior cearense,assistindo à labuta dos trabalhadores do campo nas fazendas doscoronéis, pelejando de sol a sol em troca de um salário miserável;ou a exploração dos pequenos proprietários e meieiros, entregandoquase de graça à SANBRA e à Anderson Clayton a produçãoalgodoeira.

O que eram os coronéis senão representantes do latifúndio?E a SANBRA e a Anderson Clayton senão o próprio imperialismo?Era preciso acabá-tos. Trazíamos conosco a revolta silenciosa dosexplorados e dos oprimidos.

Ingressar nas hostes da ANL foi um ato que não se fez esperar.Governava o Ceará a esse tempo o Interventor Felipe Moreira Lima,sem favor, o governante mais democrata que o povo cearense jáconheceu. Isso, o que era de admirar, numa época de arbítrio comoera a ditadura então existente, durante a qual dispunham osinterventores de poderes discricionários. Pois Moreira Lima, aocontrário não só dos governantes anteriores como de muitos que osucederam, assegurou ao povo cearense liberdades jamaisexperimentadas. Permitiu a liberdade de opinião e de críticas, aliberdade de reunião e - o que era inadmissível na época - o direitode greve. Esta maneira democrática de governar do interventor veioassegurar-lhe grande popularidade, valendo-lhe a escolha do nomepara governador do Estado nas eleições indiretas de 1935 pelascamadas progressistas do povo cearense. Ao tempo de MoreiraLima floresciam no Ceará, como foi dito, as liberdades democráticas.Os jornais de oposição - notadamente "O Nordeste" e "A Rua" -atacavam rudemente a maior autoridade do Estado sem querecebessem a menor repressão. Estudantes e trabalhadoresrealizavam greves e passeatas sem que fossem molestados pelaPolícia. (3)

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Na fábrica São José, do capitalista Pedro Filomeno Gomes,arrastava-se a mais prolongada greve por aumento de salários deque havia notícias. Os grevistas saíam em passeata pela Praça doFerreira carregando faixas e cartazes, cantando com suas vozesrouquenhas, corroídas pela tuberculose, um hino revolucionário cujaletra dizia:

De pé, oh, vítimas da fome!De pé famélicos da Terra ...Uma Terra sem amos ...

Era o Hino da Internacional Comunista.- Mas isso é a bolchevização do Ceará! - berravam os

clericais fascistas. Quando foi que se viu disso no Ceará? Porquedesacostumados com a prática da democracia ditos reacionáriospretendiam, certamente, o retorno aos abusos de autoridade antestão freqüentes. Recordavam-se do tempo da interventoria FernandesTávora, quando duas dezenas de líderes populares foramdeportados pelo fato de pretenderem realizar uma passeata contraa fome e o desemprego em Fortaleza. Ou de Carneiro de Mendonça,cuja polícia prendera e espancara os dirigentes sindicais dostrabalhadores gráficos por empreenderem uma campanha poraumento de salários. Como se não bastasse, tentaram repetir omesmo com Júlio de Matos Ibiapina, diretor do Jornal "A Nação", oúnico que se atrevera a denunciar a arbitrariedade. Ibiapina, paranão ser massacrado teve de ausentar-se do Ceará. Tempo deliberdade, tempo de democracia o tempo de Moreira Lima. Oretrocesso, no entanto, logo viria com a eleição e posse do ProfessorMenezes Pimentel no governo do Estado.

-111 -As agitações na Praça - Os comícios-relâmpago

- Uma galinha, pomo de discórdias - Integralistasversus allanclstas - Lembranças de Amorim Pargas.

Todos os dias ao entardecer surgiam na Praça os ativistaspolíticos empenhados em conseguir adeptos. De um lado estavamos integralistas; do outro os partidários da Aliança Nacional

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Libertadora. Os primeiros ficavam nos bancos ou formando rodas,procurando atrair os circunstantes, com as suas camisas verdes eos seus "anauês", o que dava motivos aos apupos dos contrários.Galinhas verdes era a alcunha dos adeptos de Plínio Salgado. Certavez alguns estudantes prepararam uma gaiatice de conseqüênciassinistras. Levaram uma galinha de verdade, pintada de verde,soltando-a em frente de um banco onde se achavam os integralistas.Anauê! Anauê! Eram os gritos que partiam de todos os lados,seguidos de grande assuada. Os atingidos com os insultosprocuraram a polícia reclamando providências. Que prendesseaqueles canalhas! Mas os guardas responderam que nada podiamfazer em face dos que vaiavam. Não era um nem dois, mas umamultidão. A recusa deixou indignados os que se davam porofendidos, motivando a odiosidade dos verdes contra os guardascivis. Mais tarde eles se vingariam massacrando os policiais, fatoocorrido no último dia de carnaval daquele ano, 1935. (4) Já osaliancistas apelavam para os comícios-relâmpago. Reuniam-se aosmagotes em redor da Coluna da Hora, indicavam os oradores quesubiam as escadas, dando início à falação. Palavras até antesdesconhecidas do povo como imperialismo, latifúndio, oligarquia,passavam a ser repetidas a cada instante. A massa, não haviadúvida, começava a se politizar.

Havia um agrupamento de cinqüenta alunos ou mais, do Liceudo Ceará, que nunca faltavam nesses comícios realizadosinesperadamente, à revelia da polícia. Eles se chegavam dando"vivas!" e "morras!", cantarolando estribilhos revolucionários, tendoà frente o ardoroso tribuno que era Amorim Pargas, um jovem'maranhense, acadêmico da Faculdade de Direito, arrebatava asmultidões com o seu verbo inflamado. Ativista político de primeiralinha, ele atraía sobre si as iras da reação. Logo após a decretaçãodo Estado de Sítio, em 1935, Pargas seria preso na Praça do Ferreira,levado para a Polícia Marítima e deportado para o sul do país, issodepois de vários meses de prisão. O episódio seria recordado,decorridos 25 anos, numa solenidade do Partido ComunistaBrasileiro, em Fortaleza, pelo próprio Amorim Pargas. Sorridente,ele afirmava para os ouvintes ter nascido com vocação para hóspededo Estado, pois, coincidentemente, estava decorrendo naquele dia,25 anos de sua deportação pelo Capitão Cordeiro Neto, na época

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Secretário de Polícia. Agora retornava a Fortaleza encontrandoCordeiro Neto não mais como Secretário de Polícia, mas feitogovernador da Cidade. E, nesta posição, lhe reservava hospedagemem vez da cadeia num hotel de primeira ordem. Jornalista eempresário, diretor de uma agência de notícias, Amorim Pargasviera a Fortaleza escrever uma série de reportagens sobre a capitalcearense. Foi tomado de emoção que passou a recordar episódiosvividos antes e depois do advento do Estado Novo, os meses quepassara encarcerado na Delegacia de Polícia Marítima, as surpresasque o aguardavam na 3ª. classe do navio que o conduzira para odegredo do Sul. O moço de bordo chegou-se risonho e depois decumprimentá-Io:

- Olhe esta encomenda. É para o senhor!- Uma encomenda para mim?Quem estaria naquela altura dos acontecimentos a se lembrar

de um preso político? Abriu o caixote. No interior garrafas de águamineral da fonte do Garcia e maços de cigarro da Fábrica Araken.A mesma água e o mesmo cigarro do seu uso, quando livre emFortaleza. Quem estaria a se lembrar dele? No fundo do caixoteestava um cartão, no qual se achava escrito: "Ao companheiroAmorim Pargas a solidariedade da classe operária do Ceará".Noutras palavras: era o socorro vermelho em ação. (5)

No Rio, Amorim não teve demora. Seguiu logo para a Espanha,onde foi lutar ao lado do governo republicano. As últimas notíciasque tivemos dele foi-nos dada em artigo de jornal pelo seucoestduano, o escritor Josué Montello. Costumava, um pouco antesde morrer, caminhar pela Praça Gonçalves Dias, em São Luís, noMaranhão, a cantar a Marselhesa. Amorim Pargas, que sempre lutarapela liberdade, morrera durante a ditadura dos generais.

-IV-O carnaval de 1935 em Fortaleza - Surge uma tragédiana Praça do Ferreira - O massacre dos guardas civis

pelos integralistas, crime que ficou impune.

O carnaval, festa que no Ceará jamais conheceu o brilho e apopularidade tão comuns em Pernambuco, na Bahia e no Rio de

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Janeiro, alcançava em Fortaleza, naquele ano de 1935, um sucessonunca visto. Ainda não havia os maracatus, aqui chegados dePernambuco somente dez anos depois. No entanto, não erampoucos os blocos que se improvisavam, alguns dos quaisperdurariam por muitos anos, como o das Balarias e o Prova deFogo, este formado por militares do 23 SC. O sucesso era atribuídoem grande parte ao clima de liberdade reinante no Ceará. O povoaproveitava a oportunidade para brincar e ao mesmo tempo criticarentidades e personagens que não gozavam de sua simpatia. Nocorso momino não eram poucos os foliões que se apresentavamtrajados de padres e de freiras. Havia até um bloco cuja letramusicada constituía uma sátira contra os integralistas: "A minhagalinha verde pôs um ovo no quintal/ venham todos, minha gente/festejar o carnaval."

Às mulheres das pensões alegres, antes proibidas de sair àrua durante o tríduo momino, foi-Ihes permitido que largassem osseus guetos e viessem cantar e pular como as demais criaturas deDeus. Ora, tudo isso incomodava os conservadores dos velhoscostumes, para quem o povo que não tinha qualificação deveriaviver era no regime da mordaça e do chicote.

Um plano sinistro foi arquitetado pela ração visando,principalmente, desestabilizar a interventoria Moreira Lima,asseguradora do clima de liberdade reinante no Estado. A GuardaCivil, corporação popular graças a sua morigeração, seriamassacrada! A execução do crime caberia aos militares integralistase seus afins. Estes tinham contas a ajustar com a Guarda desde oincidente surgido com o episódio da galinha verde. Pois era chegadaa hora da desforra. O desfecho sangrento ocorreu às 21 horas doúltimo dia de carnaval daquele ano, aos 4 de março, na Praça doFerreira.

Era grande a animação momina com o local repleto de foliões,quando espoucaram os primeiros tiros desfechados traiçoeiramente,ao que se dizia por soldados' e outros inferiores do 23 SC, tendo àfrente Cincinato Furtado Leite, o mesmo que seria anos depois eleitodeputado em sucessivas legislaturas pelo eleitorado de cabresto.Três guardas tombaram sem vida, um dos quais ao pé da Colunada Hora. (6) Houve corre-corre com muitos feridos em conseqüênciadas quedas e dos encontrões. A Praça esvaziava-se dentro de dois

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tempos. É quando chega uma viatura do Exército comandada porum tenente, não para prender os militares assassinos, mas paraprender os guardas civis escapos do massacre. Momentos depoischegava também ao local, vestido de oficial do Exército, o CoronelFelipe Moreira Lima. Assistimos à confrontação havida entre os dois.Nervosamente o tenente bate continência ao superior hierárquico.Como resposta Moreira Lima solta-lhe uns gritos que ecoam pelosquatro cantos da Praça do Ferreira. Que soltasse os presos e serecolhesse imediatamente ao quartel de sua corporação, no quefoi prontamente obedecido. Mais ainda: que no Ceará havia governoe que ele não admitia nenhuma intervenção nos assuntos do Estado.O Coronel Drácon Barreto, comandante do 2 BC, teria ordenado aabertura de inquérito policial-militar destinado a apurarresponsabilidades, o qual depois de concluído teria sido remetidoà 7ª. Região Militar, no Recife. Peça inteiramente desnecessária,sem o menor resultado, pois o comandante da 7ª. Região Militarnão era outro senão o General Newton Cavalcanti, um dosconstituintes da "Câmara dos 40", o órgão máximo da AçãoIntegralista. Que providências poderiam ser esperadas?

-v-A Praça do Ferreira, berço da opinião pública no Ceará- Ferreira e sua botica - Antecipando-se ao rádio e àtelevisão, os papeadores criam o jornalismo falado

- As perseguições contra os papeadores- A Praça continuará.

Os bate-papos na Praça vinham de longe, pois no tempo emque a Prefeitura era chamada de Intendência, o Estado de Provínciae no país reinavam os testas-coroadas, os avós dos nossos avósreuniam-se no local para discutir, entre outras coisas, política,negócios, literatura e um mal que não é de hoje: a carestia de vida!Os encontros, no começo, tinham lugar na Botica do Ferreira, oprimeiro "Pai dos Pobres" (7) de que há notícias em Fortaleza.Depois, com o correr do tempo a botica tornou-se pequena paratanto papeador. Foi quando estes começaram a se agrupar em frenteao dito estabelecimento, levando para a praça que surgia o nome

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do proprietário da botica, o benemérito Ferreira, que além demanipulador de "meizinhas" (8), era político de largo prestígio, eleitosucessivas vezes Intendente de Fortaleza. Ele constituía, certamente,a principal atração do local. Pois, do contrário, iriam todos para oPasseio Público, curtir a brisa e escutar de perto a pancada do mar,acontecimento sem igual para os cabeças-chatas. Mas, não!Preferiam antes ficar nos arredores da botica, afastados váriosquarteirões da orla marítima, no meio do casario emergente. Oimportante nos bate-papos era o fato de permitirem, através dosdebates, da troca de idéias, a formação de uma opinião pública.Nos bancos da Praça uns discutiam, outros escutavam. Surgiamas indagações, sempre que necessárias. Não haveria exagero emse dizer que no Ceará a opinião pública formava-se na Praça doFerreira. Nos bate-papos eram muitas as questões em debate.Problemas de interesse regional ou nacional, as mutretas dospolíticos, tudo era analisado em tais ocasiões. Pelo que diziam ospapeadores podia-se considerar a opinião dos cearenses.

Conta-nos o historiador Gomes de Freitas um fato bemcaracterístico. Aconteceu quando os artífices da politicagem nacionalacordaram transferir a Coroa de um Pedro para outro Pedro. Emboranão fossem convocados a opinar, os papeadores logo externaramseu repúdio à barganha em andamento. - Pedro? - diziam uns paraos outros - nem tê-Io nem havê-Io! Sendo preto ...vendê-Io! (9)Quanta audácia! Quanta ironia em tal pronunciamento! Ojerisa aostestas-coroadas. Era a sátira empregada como arma no combateaos abusos políticos dos monarquistas, idênticos aos que seriamrepetidos nas diversas fases da República que se Ihes seguiu. E,considere-se que três lustros antes, pelo fato de consideraremindigna a família imperial, não foram poucos os cearenses quepagaram com a prisão, o exílio e com a própria vida, o atrevimentode que deram mostras. Referimo-nos à Confederação do Equador.

Ao comentarem os acontecimentos políticos e sociais daépoca, antes da existência do Rádio e da Televisão, os papeadoresestavam, sem que o soubessem, criando um tipo novo de jornalismo.Era o jornalismo falado que surgia. Pois o que é comentar, criticar,comunicar senão fazer jornalismo? Certos acontecimentos que osjornais escritos dificilmente conseguiriam divulgar, dado os rigoresda censura oficial, chegariam ao conhecimento do povo graças ao

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trabalho desses divulgadores anônimos. Assim acontecera porocasião da Revolta de 1924. Assim se repetiria mais tarde, durantea Revolução Constitucionalista de São Paulo e, por último, duranteo Estado Novo. No fato de comunicar, de esclarecer, de tornarpúblicos acontecimentos que os governos antipovo preferiamconservar ignorados, está a razão do combate aos papeadores daPraça do Ferreira, formadores da opinião pública em Fortaleza,precursores dos atuais jornais falados do Rádio e da Televisão.Contudo, o que não se atreveram a realizar governos arbitrárioscomo os de Moreirinha, Carneiro de Mendonça e Menezes Pimentel,seria intentado por um preposto da Revolução de 1º. de abril: acabarcom a Praça do Ferreira e seus papeadores.

-VI-as prefeitos e a Praça

- Do Boticário a José Walter Cavalcante

Variava a maneira como as autoridades consideravam a Praçado Ferreira. Para os chefes de polícia, zelosos pela manutenção daordem social dos governadores antipovo, a Praça constituía umverdadeiro transtorno. Local de falatórios, de vaias e de passeatas,era lá onde se dava a malhação dos maiorais do situacionismo.Desconhecedores das liberdades democráticas, desacostumadoscom a crítica, eles teriam de recorrer à violência policial contra osmanifestantes. Isto os preocupava, pois ficavam temerosos dasconseqüências. Nunca esquecer que em razão de uma dessasrepressões foi que se deu a deposição do Comendador Acioly. Acavalaria pisou a criançada, o povo endoidou, pegou em armas.Três dias de combates e, como resultado, o fim da oligarquia e afuga do oligarca. O fato permanecia como uma advertência.

Já para os prefeitos de Fortaleza era bem diferente. Comopolíticos eles necessitavam de uma boa imagem perante o povo. Ea melhor maneira de consegui-Ia: seria cuidando bem do logradouroconsiderado a sala de visitas da Cidade, apesar das manifestaçõesde protesto dos insatisfeitos com a ordem social. E não podia serdiferente. Senão a Praça não seria de todos: dos acomodados edos revoltados com a situação política e social. Ora, a Praça possuía

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suas benesses. Ela projetava os edis que zelavam por conservá-Iasempre bela, sempre atraente. A começar pelo boticário. Pois, nãohaviam colocado de lado o nome do Imperador, o Pedro 11,para emseu lugar colocarem o do Ferreira? E o Godofredo Maciel? O quese conhece de suas realizações? Sabe-se, no entanto, que foidurante sua administração que se fez uma reforma na Praça doFerreira. Ele mandou retirar os velhos quiosques de madeira esubstituir parte da arborização. Neste tocante foi cometido um erroirreparável: abateram o Cajueiro Botador, também conhecido comoo Cajueiro da Mentira, dado o fato, certamente, de papearem àsombra dele os mais famosos potoqueiros da cidade. Em todo 1º.de abril os que se reuniam à sombra da árvore elegiam o maiormentiroso do ano. Uma pena terem abatido o Cajueiro Botador!Continuasse de pé e hoje poderia servir de tribunal para o julgamentodos grandes mentirosos da política nacional, sem esquecer aquelesque fizeram uma "revolução" num certo 1º. de abril.

Por outro lado, Godofredo Maciel mandou construir o famosoCoreto, no qual se exercitariam muitos dos futuros tribunos do Ceará.Em meio das pândegas oratórias sucediam-se no Coreto os alunosdo Liceu e um debilóide chamado Zé Levi, candidato perpétuo àCâmara dos Vereadores.

Entretanto, caberia a Raimundo Girão operar a melhor plásticajá experimentada pela Praça. Aboliu o Coreto, modernizou-a. Tornou-a mais atraente com a construção de jardins e de confortáveisbancos de madeira. Chamou o Engenheiro Clóvis Janja, dando-lhecomo tarefa a construção da Coluna da Hora, o big-ben doscabeças-chatas.

Acrísio, este não tocou na fisionomia da Praça. Mas, por outrolado, deu-nos o Abrigo Central, o mais democrático parlamento quese conheceu no Ceará, local por todos preferido para o cafezinho,para os debates, freqüentado por gente de todas as classes.

Por último, José Walter Cavalcante. Este nada fez deproveitoso. Pelo contrário: desfez o que os outros fizeram para darlugar ao cemitério surrealista que lá se encontra, para tristeza dosfortalezenses. A destruição da Praça foi uma cena indescritível. Oexplodir das dinamites casava-se com o bater das picaretas. Porterra o Abrigo Central, os jardins, a Coluna da Hora. Onde era queestávamos? O espetáculo terrível assemelhava-se à destruição de

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Guernica pelos fascistas espanhóis. Ou, mais remotamente, oincêndio do templo da deusa Diana, na cidade de Éfeso, o maisbelo monumento do mundo antigo. Este José Walter entrará,certamente, para a História igualmente o grego Heróstrato: por havertocado fogo no templo da deusa Diana.

-VII-Sequeira contesta o português dos cabeças-chatas

- O incidente da "lisbonense" e as louvaminhasao "Leão do Norte".

Já o português José de Sequeira fazia o seu aprendizado nãosó de história social como, principalmente, de lingüística, ali bemperto, a dois passos da Praça do Ferreira. Foi nos balcões da PadariaLisbonense, convivendo com as empregadinhas domésticas, ossoldados e os homens da rua, que Sequeira chegou à constataçãode que a língua falada no Ceará não era a mesma de Portugal.Variação na pronúncia das palavras. Certos verbos irregulares comopor exemplo o verbo egüar. Preciosismo de linguagem como osuperlativo paidegüíssimo. Na verdade, a mãe do cavalo surgia acada instante na conversação dos cabeças-chatas. Foi não foisoltavam um arre égua, um vá para a baixa da égua, um mamana égua ou um filho duma égua. E a maneira de tratar aspersonalidades? Quem foi que viu em Portugal tratar por tu umhomem de tantos merecimentós como o senhor General JuarezTávora? Em Portugal seria excelência. Vossa excelência para todosos efeitos. No entanto, aqui as empregadinhas, os varredores derua cantarolavam tratando por tu o "General da Vitória", o "Leão doNorte", conforme o texto da louvação. Esta proposição de Sequeiramais se fortaleceu depois do furdunço promovido pelo SargentoBaima, comandante do Corpo de Guardas do Interventor Carneirode Mendonça, no recinto da Padaria Lisbonense. Tudo,simplesmente, devido a uma incompreensão.

Uma mulher bem trajada e muito perfumada chegou-se aobalcão e pediu um mercado de biscoitos, ficando a uma certadistância o militar que lhe fazia companhia. Na demora doatendimento aproxima-se um vendedor ambulante - um garapeiro

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- interessado em comprar alguns pães. Ao notar a presença dohomem do povo - suado e fedorento - a dondoca faz uma careta eafasta-se com ares de repugnância.

- O que foi que tu viu ~ reage o vendedor de garapa. Afinal,tu é rapariga!

Para que falou o garapeiro! Maio homem fecha a boca e viu-se agarrado e esbofeteado pelo acompanhante da mulher. Emconseqüência da agressão o ambiente da padaria ficouemporcalhado, uma verdadeira garapeira, com cacos de garrafa,sanduíches e refrescos espalhados por todos os lados.Esbravejando, o ferrabrás chama um soldado e ordena que entregueo garapeiro na delegacia de plantão. Era o Sargento Baima, doPalácio do Governo, quem mandava.

- Mas, o que foi que houve - indaga o Sequeira nervosamenteaos patrícios. O que foi que ele disse demais? Chamou a cachopade rapariga. Mas, o que é rapariga? Não é donzela?

- Lá em Portugal - responde outro - porque aqui para oscabeças-chatas rapariga é o que lá nós chamamos de rameira.

- Pois, pois! - exclamou Sequeira admirado.Nesse ínterim chega o Sargento Baima, que percebendo a

conversa dos balconistas ordena autoritário:- Bico calado cambada de marinheiros! Senão eu mando

fechar esta pinóia e meter vocês todos em cana!- Mas, nós não somos marinheiros! - reage Sequeira.- Assim como a dona da confusão não é rapariga - faz ver o

patrício.É quando o gerente ordena aos balconistas que se dispersem.

Bicos calados. Senão, senão!Dias depois, nas horas de folga, Sequeira era visto a cantar a

louvação feita a Juarez pelo cantor Carlos Galhardo. Só que emnova versão, respeitosamente, como se estivesse no seu Portugal.Ele havia substituído, cautelosamente, a forma tu por vós. Ostranseuntes do Beco dos Pocinhos riam-se a mais não poder aoouvi-Io cantarolar em seu sotaque minhoto: "Senhore GeneralJuarez, Senhore General Juarez/ o vosso nome é uma glória/ o Brasilvos proclama/ o General da Vitória/ o vosso nome está gravado/para nós até a morte/ no Brasil sois proclamado/ o bravo Leão doNorte!" .

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- Ei, marinheiro - grita um transeunte do Beco dos Pocinhos.Deixemos de cerimônias. Pode tratar o Juarez mesmo por tu.

- Não, senhore! - responde Sequeira. A intimidade fica paraos senhores que são patrícios do homem. Pois, pois!

- VIII -O aparelho repressor do Estado - Polícia Militar e

Cavalaria contra o povo - O massacre que determinoua queda de Acioly - Outras corporações militares.

Para reprimir as lutas reivindicatórias do povo cearense, osgovernantes reacionários criaram várias corporações policiais, asquais entraram para a memória dos conterrâneos graças aos atosde violência cometidos. Destas corporações, a mais antiga é a PolíciaMilitar, cujos soldados apelidados de meganhas pelos matutos,encheram de terror os sertões ao tempo do cangaço. Sob o pretextode combater os grupos bandoleiros, o que na verdade eles fizeramfoi massacrar pacíficos sertanejos. Também na capital os meganhaseram empregados para acabar com os comícios e greves. Dosquadros da Polícia Militar nasceu o Esquadrão de Cavalaria, nãomenos famoso do que a entidade que lhe deu origem. No passadofoi a Cavalaria que, pelo excesso de violências cometidas emFortaleza, abriu caminho para a deposição do Comendador Acioly.Em janeiro de 1912, uma passeata de crianças que reivindicava ofim da oligarquia, ao penetrar na Praça do Ferreira foi rudementeatacada pelos cavalarianos, no que resultou na morte de váriosmanifestantes. O povo revoltado pegou em armas, depondo o Aciolye pondo fim à sua oligarquia. Mas, nem por isso a lição serviu deexemplo.

Vários governos que sucederam ao de Acioly continuaram afazer uso, embora de maneira cautelosa, da Cavalaria. Moreirinha,Matos Peixoto, Faustino de Albuquerque e, por último, Raul Barbosadela fizeram uso para dissolver comícios e passeatas em Fortaleza.Vale recordar, ao tempo de Faustino de Albuquerque, o ataquelevado a efeito contra comício antifascista na Praça José de Alencar,em agosto de 1949, e a dissolução de uma passeata dos alunos daEscola de Agronomia. Na gestão de Raul Barbosa, a corporação

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odienta esteve várias vezes, com o fim de intimidar o povo, na Joséde Alencar e na Praça do Ferreira. Extinto ao tempo de PauloSarasate, o Esquadrão de Cavalaria ressurge no Governo de TassoJereissati, sem a arrogância e a pompa marcial de antigamente. Oscavalarianos já não usam lanças, espadas e capacetes revestidosde crinas de cavalo, mas fardas simples e chapéus de abas, àmaneira dos caubóis norte-americanos. Cabe-Ihes o policiamentonoturno do centro de Fortaleza. Antes, até a década de 30, a tarefaera realizada em nossos subúrbios, ganhando a corporação tristefama em conseqüência dos seus cometimentos.

Por ocasião das paradas militares em Fortaleza, a Cavalariadespertava a atenção, principalmente entre a criançada, pelamaneira espalhafatosa como se apresentava. Montados em seuscorcéis, portando lança e espada, os capacetes de aço revestidosde crinas de cavalo, havia no garbo e na apresentação dos soldadosalgo dos tempos medievais. Mas, apesar das encenações, oscavalarianos não recebiam as palmas da assistência, reservadas,sim, para os integrantes do Corpo de Bornbeircs. Os soldados dofogo, pelo seu desempenho heróico e por serem contrários àviolência, eram os únicos a serem aplaudidos pela multidão. Semestardalhaços na apresentação, a Guarda Civil gozava, por sua vez,das simpatias populares. Como polícia preventiva cabia-lhe opoliciamento das ruas centrais de Fortaleza, o que era feito commuito acerto. Usavam os guardas civis revólver, cassetete, um apitoe uma lanterna de mão. Destes apetrechos, o de que eles maisfaziam uso era o apito. Ao escutá-Io, larápios e desordeiros tratavamde cair fora. Pouco chegados aos atos de violência, eram raros osdelitos por eles cometidos. Este, certamente, o motivo da extinçãoda Guarda Civil logo após 1964. A "Revolução" queria violênciacontra o povo, nunca moderação.

Já a Polícia Especial - Gestapo estadonovista - se tornariatristemente célebre pelos atos de violência e terror praticados.Embora criada como o braço armado da Delegacia de OrdemPolítica e Social, era chamada pelas outras delegacias em casosde emergência, a fim de fazer rondas, dissolver ajuntamentos e atosde protesto. Seus integrantes eram uns brutamontes de quase doismetros de altura, analfabetos ou semi-analfabetos, mas doutoresna prática da violência. O povo vingava-se deles como podia. Os

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estudantes gritavam e assoviavam na Praça do Ferreira, vaiando-os sempre que possível. Alguns dos seus integrantes, como nocaso dos famigerados inspetores Apolinário e Herondino, (10)terminariam assassinados por suas vítimas em atos de vingança.Findo o Estado Novo, a Polícia Especial, no Ceará, teve continuidadenos governos de Faustino e Raul Barbosa. Porque, apesar daseleições de 1945 e da Constituição de 1946, continuava vivo oespírito da ditadura estadonovista, com governadores eleitos quenada ficavam a dever aos antigos interventores.

-IX -Uma Bastilha nas proximidades da Praça - Comosurgiu a Central de Polícia - Cordeiro Neto e o

regime da lata - Os orimes do Estado Novo.

Para confrontar com a Praça do Ferreira, a Interventoria deMenezes Pimentel fez construir bem próximo, na Praça dosVoluntários, um arremedo de Bastilha. Era a confrontação da tiraniacontra a liberdade. De um lado o reduto da resistência popular; dooutro, a cidadela das forças opressoras buscando esmagá-Io. Aedificação de pedra e cal foi erguida no local antes ocupado peloLiceu do Ceará. De início foi cometido um crime contra o nossopassado histórico e cultural. Ora, destruir-se um casarão daqueles,antes freqüentado por tantos e tantos cearenses ilustres, parasubstituí-Io por um presídio, era inadmissível. Notadamente quandoa ordem partia de um educador, pois Pimentel, além de proprietáriode colégio, era mestre na Faculdade de Direito. Contudo,considerando bem, crime maior havia sido cometido no Crato, coma destruição da casa-fortaleza de Dona Bárbara de Alencar. Sim,haviam demolido o prédio onde residira a heroína, um próprio doEstado, para no lugar erguerem um modesto sobrado. Desculpaapresentada: o prédio enfeava a praça na qual se achava ... Naverdade, o que se pretendera, num e noutro caso, fora apagar damemória do povo fatos relacionados com o seu passado histórico.

Outro crime que não deve ser esquecido vamos encontrar nosistema de trabalho empregado na construção da Bastilha dePimentel. Trabalho escravo no duro! A maior parte do operariado

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empregado na construção era constituída de presos correcionaisforçados a trabalhar de graça para o Estado. Apenas refeiçõesmiseráveis, o necessário para a sobrevivência. E ai de quem senegasse a obedecer! Morreria de tanto apanhar. Estavam osdesgraçados sob o regime da lata, sistema de trabalho escravoimposto aos filhos do povo pelo Chefe de Polícia, Capitão CordeiroNeto. O mesmo que havia comandado a destruição do Caldeirãodo Beato José Lourenço e fundado no Arraial Moura Brasil o guetode prostitutas, apelidado de Curral das Éguas. Época de ditadura,de Estado Novo. A figura do ditador Getúlio Vargas não podia seresquecida. Desta forma, concluída a edificação, levantaram-lhe emfrente um monumento de bronze. Era Pimentel homenageando aditadura e o ditador. Agora, a praça antes ocupada pelos liceístas,fervilhava de soldados. Entre eles destacavam-se uns brutamontesde quase dois metros, gorros vermelhos e farda cáqui com debrunsda mesma cor. Formavam ditos brutamontes a famigerada PolíciaEspecial, a Gestapo cabocla responsável pela manutenção doterrorismo oficial no Ceará durante o Estado novo, e os governosantipovo que se seguiram.

Nas dependências da Bastilha estadonovista, cujo nome oficialera Central de Polícia, funcionavam as diversas delegacias, sempreabarrotadas de presos de toda a sorte. Os contraventores comuns,os filhos do povo, depois de surrados eram encaminhados para otrabalho escravo do regime da lata. O mesmo já não acontecia comos beberrões e desordeiros pertencentes à classe alta. Useiros evezeiros na prática de quebra-quebra nos bares e nas pensõesalegres. Estes, após algumas horas de detenção, eram postos emliberdade, cabendo-Ihes pagar os prejuízos ocasionados. Havia emFortaleza um médico chamado Amadeu Sá, o qual se tornara famosopelo cometimento desse tipo de arruaça. Amadeu, certa vez praticouum quebra-quebra no bar do Majestic, na Praça do Ferreira, tendoque enfrentar todo um pelotão da Polícia Especial. Dominado e presofoi horas depois posto em liberdade. Valeu a condição social dehomem da classe dominante. O mesmo, entretanto, já não aconteciacom os valentões sem eira nem beira. Cacheado, um popular comfama de valente no Campo do Pio; e Barroso, no Coqueirinho, ambosforam assassinados traiçoeiramente pela Polícia sem qualquermotivo que o justificasse. Simplesmente por gozarem da fama de

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valentes.Homens e mulheres estiveram aos milhares na Bastilha da

Praça dos Voluntários, sofrendo horrores, deixando cada um noscárceres um pouco de si. Apesar dos rigores da censura oficial,houve casos que lograram escapar do controle das autoridades,chegando ao conhecimento público e despertando opiniõesapaixonadas. Dentre estes casos figura o sucedido com o malsinadoDanilo Borges, um moço de família distinta, mas que nem por issodeixava de cometer desordem quando alcoolizado. Durante umaconfrontação com a Polícia Especial, Danilo deu e levou pancadas,sendo afinal subjugado e preso. No dia seguinte o rapaz amanheceuenforcado. Pela versão da Polícia Danilo teria se suicidado. Mas,para a família e amigos do morto ele teria sido assassinado pelospoliciais que, praticado o crime, simularam o suicídio. O casoapaixonou a opinião pública chegando, apesar da censura, até àspáginas dos jornais.

Noutro caso que muito deu o que falar figurava Fidélis Silva,ex-secretário do Interventor Menezes Pimentel, acusado da autoriade um desfalque. Para confessar o delito que não teria cometido,colocaram-no numa masmorra sob um lâmpada de 500 velas,durante várias horas. Ainda não eram conhecidos o pau-de-arara,os choques elétricos e outras formas de tortura advindas com a"Revolução" dos generais. Em conseqüência dos padecimentosFidélis adoeceu seriamente, tendo de ser hospitalizado. Temposdepois, levado a júri, foi absolvido por falta de provas.

Um caso diferente aconteceu com Asciepíades, chantagistainterestadual que se fazia passar por emissário de Getúlio Vargas.Jornalista desempregado, dotado de grande lábia e conhecendoos expedientes usados nos meios oficiais, o chantagista se diziaenviado pelo ditador, a fim de auscultar a opinião dos interventoresacerca da situação política nacional e internacional. Já haviapercorrido várias capitais com a mesma conversa, extorquindo dosinterventores a quem visitava hospedagem nos melhores hotéis,dinheiro e passagens aéreas. Descoberta a esperteza, Asclepíadesfoi preso e transferido do Excelsior Hotel para um dos cárceres daPolícia Central. Colocaram-no em uma das celas externas dopresídio, a fim de que melhor pudesse ser visto pelos curiosos.Muito bem trajado, risonho e descontraído, Asclepíades não se

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deixava abater, cumprimentando cortêsmente a quantos iam vê-Io.Os jornais abriram-lhe as páginas, publicando suas fotosacompanhadas de longas entrevistas. Não faltavam paraAsclepíades até namoradas, embora a situação embaraçosa emque se achava.

-x-Apelidos e vaias como forma de protesto

- Uma herança atávica?- Nem o sol escapou de ser vaiado na Praça do Ferreira.

Um povo sofrido, espezinhado como o cearense, haveria deencontrar maneiras de vingar-se de seus detratores. E uma dasmaneiras encontradas foi através dos apelidos, verdadeirascaricaturas das pessoas enfocadas, usadas com o fim de expô-Iasao ridículo. A outra seria através das vaias. Aliás, tanto num comonoutro caso parece haver uma herança atávíca, pois os índios,nossos avós, como é sabido, eram useiros e vezeiros nos apelidos.Costumavam também fazer grandes assuadas sempre quedescontentes com este ou aquele acontecimento. E nós cearensestemos muito de índio em nossa formação. Mas, desta ou daquelaforma, o fato é que no Ceará nenhum mandão detestado pelo povoescapou de um apelido. Nem mesmo os pretensos representantesde Deus na Terra, a exemplo dos arcebispos Dom Manoel e DomAntônio Lustosa. O primeiro apelidado de "Bolo Enfeitado"; e osegundo, de "Envelope Aéreo". E se o povo não poupava osdetentores do poder espiritual como Dom Manoel da Silva Gomes,com forças para mandar aos infernos quantos entendesse, que dizerdos detentores do poder temporal?

Ora, o Comendador Acioly, o mandão mais odiado de quantosjá pisotearam os cearenses costumava chamar o povo de "arraiamiúda". Os agraciados por sua vez chamavam-no de "Babaquara",pelo fato de Acioly viver se babando. Outro governante, o PresidenteJoão Tomé, que era engenhei"rOe inventor de uma máquina de fazerchover, ganharia o apelido de "Manda Chuva". O Dr. Jorge Moreirada Rocha, um moço tolo, filho do Presidente Moreirinha, na Praçado Ferreira só o chamavam de 'Jorge Besteira". "Pé-de-valsa" era o

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Presidente Matos Peixoto, e "Maravilhas" os que formavam a suacurriola. Faustino de Albuquerque seria o último dos mandões aganhar apelido: "Chiquita Bacana". (11) Ficavam a salvo dosapelidos os governantes benquistos, a exemplo de Paulo Sarasate,Porque os apelidos, como foi dito, constituíam uma maneira do povovingar-se daqueles que o ofendiam.

As vaias surgiam sempre que a massa entrava emdiscordância contra fatos geralmente banais, mas por elaconsiderados chocantes. Contra, por exemplo, a maneira esquisitaou fora de moda no trajar com que alguém se apresentava empúblico. Contra ditos, juízos ou afirmações em choque com oconsenso das pessoas. Contra, finalmente, as presençasindesejadas. A assuada - gritos, assovios, risadas - surgia de todosos lados, despertando as atenções da polícia, que ficava atenta,procurando em alguns casos conter os manifestantes. Sempre queisso acontecia a própria polícia entrava também na vaia. A massanão fazia concessões. Certa vez fora o Barão de Studart que, aoatravessar a Praça trajando fraque, cartola e guarda-sol, era atingidopela irreverência popular.

- Jararaca! Cobrão! - eram os gritos que se ouviam.A polícia entrou em cena distribuindo pancadas, realizando

prisões, pondo a salvo o barão. A massa ignara parecia desconhecero representante máximo da historiografia cearense.

Mas, não era só na Praça do Ferreira onde se sucediam asvaias. Certa vez, na década de 1950, quem levou bruta vaia empleno Tribunal do Júri, em Fortaleza, foi o Promotor de JustiçaZacarias do Amaral Vieira. Estava sendo julgado, acusado de crimede calúnia pelo Prefeito Paulo Cabral, o Jornalista Vieira Monte. Ojúri despertava grande interesse popular, achando-se o salão, asescadarias e a calçada do prédio do Fórum ocupados pela massapopular. Durante os debates, Zacarias dirigindo-se ao advogadoJáder de Carvalho, acusou-o de pretender "fazer média" com amassa ignara ali presente. O edifício do Fórum quase vai abaixocom tanto grito e assovio. O juiz ordena aos guardas que evacuemo salão. Mas, como fazê-Io se o edifício se achava literalmenteocupado? No entanto, a maior de todas essas manifestações dedesagrado estaria reservada ao Senhor Manoel Sátiro, um políticodo tempo do Império, por ocasião da campanha eleitoral de 1937.

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Partidário ardoroso da candidatura Armando Sales de Oliveira, otabaréu compareceu à recepção prestada no aeroporto ao candidatodos banqueiros paulistas à presidência da República. Em frente doExcelsior Hotel, onde ficaria hospedado o político bandeirante,juntara-se uma multidão que se estendia até a Barão do Rio Branco,composta na maior parte de curiosos, pois o candidato preferidoda maior parte dos cearenses era o Ministro José Américo deAimeida. Questão de identidade, de relacionamento, deregionalismo. Havia a controvérsia Norte/Sul. Armando, além desulista, era o representante dos banqueiros de São Paulo, enquantoJosé Américo era nordestino, filho da Paraíba, muito benquisto pelaassistência prestada aos flagelados da seca de 1932. Daí aspreferências pelo Ministro de Viação e Obras Públicas.

Em frente do hotel iam descendo dos automóveis um a umdos participantes da recepção. A massa de expectadores chiavabaixo, manifestando desta forma a sua desaprovação. É quandodesce do veículo, Manoel Sátira, apoiado em uma bengala que maisparecia um bastão. Olha furibundo para os expectadores eacenando a cartola no ar exclama a plenos pulmões:

- Viva o Brasil, canalhas!A massa, que até então chiava baixinho, prorrompeu aos gritos

e assovios na maior vaia já presenciada naquelas redondezas.Curioso é que Armando Sales e sua caravana, não compreendendoo sucedido, assomaram nas janelas do Excelsior, entrando tambémna vaia. Ora o Barão, ora o Coronel Manoel Sátiro. O povo da Praçanão Ihes reconhecia as nobiliarquias. Maior do que eles era o sol,apelidado de astro-rei, pela nobreza literária do Art Nouveau. Pois osol, nem este escapou de ser vaiado pelo povaréu da Praça doFerreira. Passou o astro-rei uma semana sem aparecer, escondidopor trás das nuvens. Até que no sétimo dia, nove horas da manhã,ele achou de dar o ar de sua graça, reaparecendo sobre a Colunada Hora. O povaréu surpreendido com o acontecimento prorrompeunuma vaia, ao mesmo tempo em que, apontando para o céu, numgesto digno da indiada, não cessava de exclamar: - Olha ele! Olhaele!

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-XI-Os quebra-quebras da Praça do Ferreira - O legado dosíndios - Odiosidade contra os ingleses da Ceará Light

- 18 de agosto de 1942.- Os quebra-quebras queempurram o Brasil para a Segunda Guerra.

Nos quebra-quebras iríamos encontrar a forma mais violentae asselvajada dos cabeças-chatas, mas contundentes, sem dúvida,do que os apelidos e as vaias. Era quando a massa enfurecidaapelava para as depredações, seguidas muitas vezes de incêndios.Desta forma reagiram nossos avós tapuias contra os colonizadoresbrancos - lusitanos e holandeses - nos primeiros dias da capitalcearense. Decorridos trezentos anos do evento, a nova indiada aindausaria dos mesmos procedimentos dos avoengos, não mais contraos colonizadores lusitanos e batavos, já desaparecidos, mas contraos continuadores daqueles: ingleses, italianos e alemães.Principalmente contra os ingleses. A Ceará Light and Power,companhia imperialista que explorava a iluminação e o transporteem Fortaleza, era o alvo predileto da fúria popular. Sempre queacontecia alguma alteração da ordem pública a multidão investiacontra os bondes da Praça do Ferreira, deixando-os em pandarecos.

Todavia, a mais violenta dessas reações populares verificou-se no dia 18 de agosto de 1942, por ocasião da 2ª. Guerra Mundial.Os submarinos alemães haviam afundado nada menos do que setenavios de bandeira brasileira, ocasionando a morte de centenas depatrícios nossos. A tragédia feriu os sentimentos patrióticos do povo,cuja aversão aos nazi-fascistas se fizera sentir desde o início doconflito. Em Fortaleza, Natal e em Recife o povo reagiuviolentamente, quebrando e incendiando os bens dos cidadãosalemães, italianos e japoneses, forçando, desta forma, o governoGetúlio Vargas a declarar guerra aos países do Eixo RomajBerlimjTóquio. Acompanhamos de perto as ações predatórias da Praçado Ferreira e adjacências. Um grupo de jovens em fila, empunhandobandeirinhas e cantando o Hino Nacional, desfila pelo logradouro,tendo à frente o Professor Euclides César. Eram os alunos do Cursode Conversação Inglesa. O povo logo engrossou a fileira de jovensque, penetrando no Beco dos Pocinhos, foi ter em frente da Padaria

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e Confeitaria Napolitana, onde iniciou-se o quebra-quebra. Depoisde apedrejar e quebrar as vitrines, os manifestantes invadiram oestabelecimento, revirando balcões, rasgando e derramando ummonte de sacos de farinha guardados em depósito. O advogadoda firma ainda tentou demovê-Ios, alegando que o estabelecimentodeixara de ser propriedade de italianos, adquirido que fora porbrasileiros. Isto sem resultados, pois jogaram-lhe em cima porçõesde farinha, escapando por pouco de uma asfixia certa. Depredadaa Napolitana, a turba retorna à Praça do Ferreira, invadindo equebrando a Casa Veneza, de propriedade do Cônsul da Itália,arrancando das vitrines e rasgando uma bandeira daquele país,revirando os balcões e atirando na rua as mercadorias aliencontradas: roupas, sapatos e peças de tecido. A seguir foi a vezdas Lojas Pernambucanas, onde houve depredações seguidas deincêndio.

O quebra-quebra generalizava-se. Grupos de manifestantesdeixavam a Praça do Ferreira em busca dos bairros onde seachavam os estabelecimentos dos imigrantes dos países do Eixo.Na zona da praia vários estabelecimentos do comércio exportador,todos de proprietários alemães, foram depredados. E no bairro deOtávio Bonfim um japonês teve o seu jardim invadido e quebrado.Não pouparam sequer as dálias e tulipas do nipônico, arrancadase jogadas no meio da rua. Vingança, pura vingança. Osdepredadores não se apossavam de coisa alguma. Houve saques,é verdade, mas praticados por outros que não eles: flagelados daseca, quando não por indivíduos ligados à própria polícia.

- XII-As procissões da Igreja evitavam a Praça - Precaução

contra as vaias e mangoças - Reacionarismo- A impopularidade dos dignitários católicos.

As procissões da Igreja passavam longe da Praça do Ferreira.Era o temor, ao que se dizia, da língua do povo. Este cuidado,entretanto, se livraria os religiosos de possíveis vaias e mangoças,não os livraria da maledicência de seus críticos. Pois, os mesmossempre que se referiam ao Bispo Dom Manoel o faziam chamando-

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o pelo apelido ganho no Aracati: "Bolo Enfeitado".Por sua vez o sucessor de Dom Manoel, só o chamavam de

"Envelope Aéreo". Já os "filhos de Maria" tinham o apelido de"Biscoitos de Monsenhor Tabosa", o diretor da Congregação noCeará. E as velhotas rezadoras só as chamavam de "Baratas deSacristia". Desta forma, os adversários da Igreja, que não erampoucos, vingavam-se das ofensas recebidas dos padres furibundosque a todos - maçons, protestantes, espíritas, livre-pensadores ecomunistas - apontavam como criaturas demoníacas, indignas deconviver com os católicos. Esta postura dos clérigos surtira efeitonas eleições do ano anterior, 1934, influenciando o eleitoradofeminino a votar em peso na Liga Eleitoral Católica-LEC, umacoligação formada pelo que havia de mais reacionário no Ceará,em prejuízo do Partido Social Democrático - PSD, agremiação naqual se abrigava a burguesia liberal do Estado. Daí o acirramentodos ânimos contra o clero e a própria Igreja.

Pelo visto a Igreja de então não havia perdido o ranço dostempos medievais. Ela exigia dos seguidores a mais absolutaobediência: a excomunhão. Neste particular era useiro e vezeiro oBispo Dom Manoel. Certa vez ele convocou os bispos de Crato eSobral para juntos amaldiçoarem o Jornalista Júlio de MatosIbiapina, diretor do Jornal "O Ceará". De outra feita, em 1926,excomungara uma comissão formada de vinte e tantos moradoresdo município, a qual havia ido ao Palácio São Joaquim implorar aobispo reconsiderasse a interdição da Capela de São Pedro, degrande significação para aquela boa gente. Reconsiderar? Istonunca! E como castigo a maldição dos insatisfeitos com a medidaepiscopal.

As procissões, por sua vez constituíam espetáculos dignosdos tempos medievais. Os préstitos desfilavam pelas ruas deFortaleza anunciados pela barulheira ensurdecedora de umamatraca acionada pelo sacristão. Seguiam-se os irmãos doSantíssimo metidos em seus corpetes e gorros vermelhosempunhando enormes castiçais, colocando-se em redor do páliosob o qual se abrigavam o bispo e os demais dignitários da Igreja.Perto destes achava-se o Interventor Menezes Pimentel e o seusecretariado. Por último os filhos e as filhas de Maria vestidos debranco, fitas azuis ao pescoço, entoando o bendito da confraria:

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"No céu, no céu com minha Mãe estarei! Na santa glória um diajunto a Virgem Maria, com minha Mãe estarei". Acompanhava-os amassa de fiéis. O préstito encaminhava-se pela Castro e Silva indoaté à Sé, livrando-se prudentemente de quaisquer manifestaçõesdos irreverentes aficionados da Praça do Ferreira.

- XIII -Os poetas e a Praça

- Das papeações no Café Riche e no Art Nouveau.

Uma confraria muito chegada à Praça era a dos poetas. Elesbuscavam de preferência os cafés para as suas papeaçõesluminosas, havendo estabelecimentos que Ihes tocavam de pertocomo o Café Riche e o Maison Art Nouveau. Era lá onde osmenestréis maiores do Ceará reuniam-se para declamar seus versosde ouro, enchendo o ambiente de ritmos e de magnificência. Cruzfilho, Mário da Silveira, José Albano, Alf de Castro, Otacílio deAzevedo, Júlio Maciel, Carlos Gondim e mais uma ou outra raridadebrilhante ali nunca faltaram no decorrer dos anos 20. Constituíameles uma plêiade de clássicos parnasianos e simbolistas. Mas, comochamá-tos? Poetas do Ceará ou poetas da Grécia, de Portugal ouda França? Porque estranhos não seriam apenas os seus modosde versejar, os preciosismos estilísticos, mas, principalmente asmotivações. Em seus versos parecíamos estar na Grécia antiga,

. com tantos deuses e deusas. E os heróis da Guerra de Tróia? Ulisses,Helena, Aquiles e caterva? Teríamos que retroceder no tempo e noespaço para alcançá-Ios, tarefa que não se apresentava difícil aossenhores Alf de Castro e Cruz Filho.

Mais chegados ao nosso jeito eram, decerto, aqueles poetasque no ano de 1892, no quiosque de um certo Mané Coco, fundarama Padaria Espiritual. Estes pelo menos tiveram o espírito crítico doscabeças-chatas, tão presente ali mesmo na Praça do Ferreira.Insurgiram-se contra a velharia da arte poética, não poupandocríticas aos usos e costumes da burguesia cabeça-chata. Isto valeuaos "padeiros" ameaças dos poderosos, o que os forçou a admitirum guarda protetor, assassinado ao que se dizia a mando de JoãoBrígido. Os "padeiros", não há dúvida, fizeram uma revolução em

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nossas letras, antecipando-se em trinta anos aos renovadores daSemana de Arte Moderna. Vivessem eles não em Fortaleza, masem São Paulo, e os louros da glória seriam seus.

Alguns dos menestréis do Maison Art Nouveau tiveram vidae morte parecidas com as das personagens nas quais buscaraminspiração. Do absinto tão freqüente em seus versos de ouro nãolograram provar, visto tratar-se de uma bebida oriental em desuso.Mas usaram e abusaram de bebidas menos raras como o vinho, oconhaque, a cerveja e, em último caso, a nossa popularíssimacachaça. Seguindo o exemplo dos cavaleiros medievais, elesmataram e morreram pelas suas bem amadas. Carlos Gondim, porexemplo, curtia cadeia (12) nos começos da década de 20, porhaver morto a um homem por questão de mulher. Anos depois seriaassassinado misteriosamente quando participava de bacanal emcompanhia do Poeta Sidney Neto. Na mesma época Mário daSilveira era abatido a tiros, na Praça do Ferreira, por um cavaleirode nome Olavo Gomes do Rego, na disputa de uma bela moça, asertaneja Anita Barbosa Lima. Por sua vez, José Albano morrerialouco, recitando Homero no idioma grego. Cruz Filho sobreviveuaos confrades do Art Nouveau. Morreu quase nonagenário, em 29de agosto de 1974, abandonado pelos deuses e pelas deusas,solteirão impenitente, tendo por companhia um macaco pré-histórico- o pitecantropus erectus - cuja estatueta em bronze erguia-se sobresua escrivaninha.

Policiador do vernáculo, Cruz Filho não admitia qualquerdeslize gramatical. Ai de quem fosse falar em sua frente derenomado em vez de renomeado. Ou de em mãos em vez de emmão, que não fosse imediatamente corrigido. Privamos de suaamizade o que nos valeu saber de muitos acontecimentos nãoregistrados pelos historiadores das classes dominantes, inclusiveele próprio, que também era historiador. Conveniências!Conveniências! Certa vez Cruz Filho nos comunicou o desejo deter, após a morte, a estatueta do pitecantropus aposta sobre o seutúmulo. Aplaudimos a idéia, dizendo-lhe mais que no Ceará aspessoas de classe alta deveriam todas possuir sobre os túmulos aimagem dos macacos.

- Mas, por quê? - indagou-nos o poeta.- Ora, onde foi que já se viu "macaquear" tanto como a gente-

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bem do Ceará?Cruz Filho concordou com a nossa assertiva. Contudo,

familiares não concordaram com a pretensão dele de homenagearo pitecantropus, dando outro encaminhamento ao macaco que nãoo do Cemitério São João Batista. Pobres poetas!

-XIV-Quintino Cunha, o Poeta da Praça,

defensor da cearensidade- Alguns episódios dos quais participou o poeta.

Nunca será demais falar-se de Ouintino Cunha, o Bocage e oHomero dos cabeças-chatas. Poeta por excelência da Praça doFerreira, defensor intimorato da cearensidade. Havia muitos poetasna Praça. Uns fazendo versos à lua; outros às mulheres, elevadas àcategoria de deusas; outros, ainda, à bicharada insignificante:borboletas e colibris. Mas, nenhum, a exemplo do filho de Itapajé,para buscar motivação para os seus versos nos heróis anônimosque mourejavam no mais cearense dos nossos logradouros. Paraque buscar heróis na Grécia antiga quando ali bem perto encontrava-se o Zé Ninguém, deixando-se cair do sétimo andar do Excelsiorem construção, a fim de que sobrevivesse o companheiro detrabalho, pai de quatro filhos? Ouintino seria o Homero. Mas, doseu povo, os cabeças-chatas. A tragédia noticiada resumidamenteem um jornal, tão resumida que nem os nomes dos protagonistasaparecem, foi aproveitada por Ouintino que fez em versos aexaltação do herói anônimo. Um filho da classe operária, emboraum herói, que importância poderia ter para menestréis da linhagemdos freqüentadores do Art Nouveau? O próprio noticiarista do jornalse esquivara em saber-lhe o nome. Ouintino, no entanto,compreendendo a grandeza do ato fez a exaltação do herói, que afalta de subsídios preferimos chamar de Zé Ninguém. A poesia quetomou o nome de Sublime Heroísmo é a que segue:

Do alto andar de um arranha-céu fraquejae rui um andaime que se despedaça.Todo o infortúnio por maior que seja,não é completamente uma desgraça.

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E viu-se, então, - oh! santa maravilha,dois operários presos deste modo:pendurados a um cabo de manilha,fraco ameaçando rebentar-se todo.

Um, pelo menos, salvar-se-ia à vindade um socorro qualquer neste transporte.Mas o heroísmo não esqueceu aindaquem com amor e virtude enfrenta a morte.

Vendo que num esforço derradeiroUm podia salvar-se ... Extraordinário!'!- João - lhe diz resoluto o companheiro -,qual será de nós dois mais necessário?

- Eu tenho quatro filhos - lhe murmurao camarada. - "Então, eu te consolo".E deixou-se cair da imensa alturasobre a aspereza sepulcral do solo.

Querem exemplo maior de abnegação e heroísmo? Leônidasatirando-se do alto das Termópilas? Não! O herói, um trabalhadorcearense, dando mostras de quanto é capaz a solidariedade daclasse operária. O nome do herói cabeça-chata permanecedesconhecido, recordado apenas na poesia de Quintino Cunha. Acearensidade de Quintino Cunha não conhecia limites. Que ninguémfalasse mal em sua frente da terra natal. Ele, a exemplo de PaulaNey, podia afirmar: - Pelo Brasil eu morro, mas pelo Ceará eu mato!

Certa vez, no Café Baturité, um sertanejo de Quixadá emvésperas de migrar para Goiás gritava que ia embora porque o Cearánão prestava. Era uma terra onde não chovia ... O poeta protestouimediatamente: - Meu amigo, neste caso, o que não presta não é aterra. O que não presta é o céu.

De outra feita, na Ponte Metálica de Fortaleza, um turistaportuguês ao desembarcar foi atingido por uma onda ficandocompletamente molhado. Como não podia deixar de ser o lusosoltou uma infinidade de palavrões contra a terra à qual estavachegando. - No Ceará é assim - advertiu o poeta - português antes

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de entrar tem que tomar banho.Para definir o seu povo ele o faz servindo-se das três virtudes

teologais da religião católica: fé, esperança e caridade. E, diga-sede passagem, até hoje ninguém o fez com tanto acerto:

O cearense em criançaNasce na fé, com verdade;Cresce e vive na esperançaE morre na caridade.

Neste versos toda a odisséia dos cabeças-chatas em lutacontra o flagelo das secas.

Tribuno inflamado, Ouintino - fosse nas sessões do júri, comoadvogado; fosse nos comícios da Praça do Ferreira - arrebatava asmultidões com a eloqüência do verbo. Nunca houve no Cearácampanhas de justa causa que não contassem com suaparticipação. A exemplo do Homero da lIíada e da Odisséia, oHomero dos cabeças-chatas terminaria os seus dias inteiramentecego. Mesmo assim ele não abandonaria a Praça do Ferreira, razãode ser do seu bem-querer. Conduzido por um sobrinho, o humoristaRenato Sóldon, ele era encontrado diariamente no Café Globo,bebendo cerveja e divertindo os presentes com a sua verve. Morreupobre e cego, o Bocage dos cabeças-chatas. Ouintino findou-seaos 68 anos de idade, pois nascido em 1875, veio a falecer no anode 1943. Antes, porém, deixara escrito seu epitáfio, conservado atéhoje no São João Batista:

O Padre Eterno, segundoRefere a História Sagrada,Tirou o mundo do nadaE eu nada tirei do mundo.

-xv-Quintino no "Ceará Moleque" - anedotas, repentes

e epigramas atribuídos ao grande humorista.

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Ouintino como poeta, r.epentista e trocadilhista usou muitasvezes do chamado humor negro, servindo-se de palavras e deimagens repudiadas pela gente dita de bons costumes. Era esse,

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decerto, o lado de sua criatividade literária mais apreciado pelospapeadores da Praça do Ferreira, chamada de "Ceará Moleque"pelos falsos moralistas. Das poesias do gênero a mais citada era a"Casinha da Fome". O poeta atuando como advogado fora atenderprofissionalmente a certo fazendeiro em Quixadá. Deixa que ocoronel era resina a mais não poder. Destinara para o hóspede umacasinha arredada dentro da fazenda, dando-lhe como suprimentoságua e bolachas. Quintino, que não tinha vocação para faquir,resolveu cair fora. Antes, porém, deixou escrita em uma das paredesa sua despedida:

Adeus casinha da fome,Nunca mais me verás tu,Criei ferrugem nos dentes,Teia de aranha no cu.

Por volta de 1928, Walter Pompeu e Moésia Rolim tentaramfundar no Ceará um partido político composto inteiramente demoços. De elementos, portanto, não corrompidos pelo vírus dapoliticagem. Seria o nosso primeiro Partido da Juventude. (13) Aotomar conhecimento da novidade, Quintino procuram os mentoresda nova agremiação pedindo a sua inscrição.

- É uma pena, poeta! - respondeu-lhe Walter Pompeu. - Masvocê, infelizmente não pode ser membro do nosso partido.

- Não posso por quê? - indagou surpreso o rejeitado.- Não pode - retornou Walter - por ser avançado nos anos.

Mas, em todo caso eu vou falar com o Moésia. Ver se a gente dáum jeito criando um Conselho de Honra ... então você seráaproveitado.

- Quero mais não - protestou Quintino.- Por quê? - indaga Walter.E Quintino com toda a veemência:- Porque não quero pertencer a um partido cujos membros

se medem pelos ânus.O dito valeu como se fosse a cassação do nascente Partido

da Juventude. Porque a partir daquele instante não houve quemdesejasse pertencer a um partido no qual os membros se mediampelo ânus.

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-XVI-A Polimática, uma academia diferente

- As reuniões eram na Praça e destinavam-se ao povo- A figura extraordinária de Euclides César

- O educador, o idealista, o democrata.

...

Embora homem de letras, Euclides César se destacaria maiscomo educador e promotor de eventos sócio-culturais do quepropriamente como literato. Isto ele mesmo reconheceria, figurandocomo um dos motivos de sua renúncia a uma vaga na AcademiaCearense de Letras. Contudo, mestre Euclides não deixaria defundar e dirigir, entre os anos de 1922 e 1924, a Polimática, a maisdemocrática e eficiente de quantas academias já existiram nestepaís. Ao contrário de suas congêneres que se afastavam do povo,a Polimática buscava o povo .com o fim de esclarecê-Ia e educá-Ia.Porque a Cultura, conforme considerava o fundador darevolucionante entidade, não devia ser um privilégio das elites esim um bem de toda a sociedade. E por assim entender era que assessões do órgão, considerado uma academia popular deeducação, tinham lugar em plena Praça do Ferreira, contando coma participação tanto de personalidades como de todo o povo.

Ao benemérito professor da Fênix Caixeiral vieram juntar-semestres do Liceu do Ceará, como Eduardo Mata, os literatosprogressistas e jovens ardorosos, como Walter Pompeu e MoésiaRolim. A Polimática, cujos associados tratavam-se por "espirituaisconfrades", chegaria a contar, de acordo com uma estimativa, comcerca de mil associados. As datas históricas como as daProclamação da República, Libertação dos Escravos e outras mais,eram comemoradas a céus abertos, mediante palestras que seconstituíam em verdadeiras aulas de civismo, ministradas porabalizados mestres e homens de letras, e encerradas com passeataspelas ruas da cidade. Noutras ocasiões, poetas e escritores, taiscomo Guerra Junqueiro, Castro Alves e Júlio Dantas, cujos textosse achavam no "index" da Igreja, eram representados pelo povoem plena Praça do Ferreira. Certa vez, Moésia Rolim representava,a pedidos, a "Ceia dos Cardeais", de Júlio Dantas, arriscando-sedesta forma a ser amaldiçoado pelo bispo Dom Manuel. Comof

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o professor Euclides César ao tempo de Academia Polimática

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sociedade eclética que era, a Polimática não adotava nenhum credopolítico ou religioso tendo, no entanto, como objetivo, combater osprocedimentos de classe, educar civicamente as criaturas,considerando os indivíduos como irmanados entre si, tanto assimque se tratavam por "espirituais confrades". O fato devia constituirmotivo de constrangimento para os intelectuais elitistas,acostumados a ver o povo de maneira desprezível. "Massa falida"era como o considerava o advogado Raimundo Gomes de Matos eGustavo Barroso, o historiador maior das elites reacionárias. Estesempre que se referia ao povo o fazia chamando-o entre outrasexpressões degradantes de gentalha, poviléo, arraia miúda, canalha,zé povinho e massa ignara. Fácil, portanto, de se imaginar a situaçãoembaraçosa dos intelectuais, mesmo dos menos vaidosos, empertencer a uma entidade estruturada nas bases da Polimática.Então, se considerar "espiritual confrade" do homem do povo, objetode tanta degradação da sociedade dominante!!! E ter de falar empraça pública para essa mesma gente, classificada de massa falidaou de massa ignara pelos senhores Rairnundo ~()mes de Matos eGustavo Barroso? Ter de ficar exposto às picuinhas dos senhoresda alta roda? Mais cômodo, mais representativo, seria freqüentar oCafé Riche e o Maison Art Nouveau do que a Praça do Ferreira!

A debandada ocorreu tão logo teve de ausentar-se oPresidente da entidade, forçado por motivos de saúde. A Polimáticamorria repentinamente. E por mais que se esforçasse o seu criadorem ressuscitá-Ia, não houve jeito de operar-se o milagre pretendido.Oesgostoso com o desaparecimento da Polimática, nem por issoEuclides César se afastaria do povo e da sua Praça do Ferreira. Elecontinuaria inarredável, lado a lado com o tribuno Eduardo Mota,participando corajosamente das manifestações populares contra aCeará Light e contra a carestia de vida, arriscando-se muitas vezesante as patas dos cavalos do Esquadrão da Polícia Militar. Com omesmo denodo, anos depois ele participaria da luta contra o nazi-facismo e pela democratização do Brasil. Em pleno Estado Novo,fundara mestre Euclides o Circle of English Conversation, com ofim de ensinar aos jovens um aprendizado da língua de Shakespearee da luta pela liberdade. No 19 de agosto de 1942, um pouco antesdo quebra-quebra contra os estabelecimentos dos cidadãos do Eixo,mestre Euciides e seus educandos desfilaram pela Praça do Ferreira

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conduzindo bandeiras e cantando o Hino Nacional. Era o protestocontra o afundamento dos navios brasileiros pelos submarinosnazistas. Momentos depois o povo, tomado de furor patriótico, davainício as depredações. Fatos idênticos verificavam-se noutrascapitais nordestinas como Recife, Natal e João Pessoa, forçando ogoverno de Getúlio a tomar posição ao lado das democraciascapitalistas. Euclides César, paraibano de nascimento, professorde línguas, maçon e livre pensador, morreu octogenário emFortaleza, no ano de 1973. O Ceará muito lhe deve pelo que elerealizou em prol da liberdade e do progresso do seu povo.

- XVII -Os cafés da Praça do Ferreira, ninhos de poetas e

prosadores - Sua contribuição para odesenvolvimento cultural do Ceará

Ao facilitarem as reuniões dos nossos literatos, estavam oscafés da Praça do Ferreira colaborando valiosamente para odesenvolvimento cultural do Ceará. Quanta verve, quanta poesia,quanta prosa espargindo-se nos salões daquelas casas de pasto,para depois ganharem corpo, espalhando-se pela Terra do Sol edas Secas, fonte maior de inspiração! Primeiro foi Manuel Coco,sediando em seu quiosque a Padaria Espiritual. Depois foi a vez doCafé Riche e do Art Nouveau, ninho de Parnasianos e Simbolistas.Por último o Café Globo. No Globo, aí por entre as décadas de 40e 50, os maiores astros do humorismo cearense. Alí nunca faltavamQuintino Cunha, Renato Sóldon, Leonardo Mota, Padre Quinderé,o advogado Gomes de Matos, Silveira Marinho e Jáder de Carvalho,postos a divertirem os circunstantes com a sua verve inesgotável.Mais do que nas academias de letras - de reuniões secretas comoas da Maçonaria - havia presença, animação e criatividade nessasreuniões dos cafés da Praça do Ferreira. Ainda no Café Globonasceria, no após guerra, uma sociedade integrada de jovensliteratos, que recebeu o nome de Grupo Clã. Esta entidade, aexemplo da Padaria Espiritual, se propunha a fazer uma renovaçãona literatura cearense, o que em parte foi conseguido. Seusexpoentes não foram longe, buscando aqui mesmo a temática a

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ser explorada literariamente.Fran Martins desponta com "Poço dos Paus", "Ponta de Rua"

e outros mais, onde além do drama da seca, são exploradas outrastemáticas sociais. João Clímaco Bezerra, Braga Montenegro, StênioLopes e José Maria Moreira Campos surgem no romance, no ensaioe no conto. Na poesia destacaram-se Antônio Girão Barroso,parafraseando Luiz Trindade com "O Trem da Pacatuba", o qualem vez de bolachas, como acontecia com o "Trem da Central" chiavaespalhando bananas secas para todos os lados. Jairo Martins Bastosse ocupava com uma baleia que foi ter ao Pirambu. - Seja bemvinda a baleia! - gritavam os favelados. E a seguir, munidos defacas, facões, serras e machados foram ao encontro do gigantemarinho, transformando em grelhado sete toneladas de baleia. Jairoteve a sorte de abordar o tema, deixando claro o problema da fomeem Fortaleza. Uma temática séria.

Teve mais sorte do que o parnasiano Alf de Castro, que anosantes explorava em sua poética banalidades tais como as aventurasde "jovens sereias", "coisas das calendas qreqas" Contudo, o maiorpoeta do Grupo Clã foi Aluísio Medeiros com seu "LatifúndioDevorante". Poesia revolucionária, no duro.

Com a valorização dos imóveis da Praça do Ferreiradesapareceram os "cafés", que tantas e tão valiosas ocasiõesofereceram aos nossos literatos, contribuindo desta forma para odesenvolvimento cultural do Ceará. Desapareceram para ceder lugara outros estabelecimentos mais lucrativos, como os bancos,armazéns e magazines.

- XVIII-Os americanos na Praça do Ferreira - Um bar onde os

cearenses não eram bem aceitos - As "coca-colas"- Tentativas de quebra-quebra no ':.Jangadeiro".

Com a entrada do Brasil na guerra contra o Eixo, Fortalezaencheu-se de soldados e marinheiros norte-americanos em trânsitopara os campos de batalha na Europa. Procuravam os "boys",enquanto aqui permaneciam, divertir-se o mais que podiam, nãoIhes sendo difícil atrair muitas moças da classe média e da classe

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alta, que logo se tornaram suas namoradas. Coube a estas moçasousadas realizar uma verdadeira revolução na Fortaleza provincianade então. Elas acabaram com o tabu de que as donzelas nãodeveriam sair desacompanhadas dos pais ou dos irmãos, a sós, nacompanhia dos namorados. E, muito menos, quando essas saídasfossem à noite, depois das nove batidas do relógio da Coluna daHora. Pois as "coca-colas", como foram apelidadas essas moças,ousaram fazê-Io para vergonha das mães e espanto das avozinhas.Elas saíam de braços dados com os namorados estrangeiros, fossedia fosse noite, tendo como roteiro, entre outros, o bar "OJangadeiro", na Praça do Ferreira.

Quanto aos "boys", coube-Ihes realizar outra revolução,também em nossos costumes. Eles descobriam para os "filhos defamília" (14) as excelências da cachaça cearense. No ':Jangadeiro"os gringos pediam que lhe servissem uísque.

- Está faltando na Praça ~ respondiam os graçons.- Então, outra bebida forte.E os garçons empurravam a nossa aguardente. A cachaça,

uma vez misturada com a coca-cola, era muito apreciada pelossoldados e marinheiros de Tio Sam. E, como no Ceará as elitescostumam macaquear tudo o que fazem os estrangeiros, logo setornou moda beber cachaça com a coca. A partir de então a cachaçaganhou status de bebida de classe. Perdeu a triste fama de bebidade desclassificados sociais, para ganhar o título de uísque nacional.(15) Para beber cachaça os "filhos de família" já não faziamescondidos, por trás dos "reservados" dos botequins. Faziamabertamente, para quem quisesse ver. Agora beber cachaça comcoca-cola tornara-se moda.

Enquanto isto no bar e sorveteria "O Jangadeiro" surgia sériodesentendimento entre os rapazes do soçaite e os garçons. Estesesquivavam-se de servi-Ios, preferindo os americanos. Porque osgringos, além de pagarem regiamente, ainda o faziam em dólares.Chamado à fala o dono do estabelecimento, o sobralense José FrotaPassos, não titubeou. A freqüência não lhe interessava. Preferiu antesos americanos, que não olhavam para o montante das despesas. Aresposta do homem de negócios irritou a rapaziada que logo tentouquebrar "O Jangadeiro". Algumas mesas e cadeiras chegaram aser quebradas, enquanto na Praça juntava-se gente pronta para a

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depredação. Todavia, a turma do deixa disso entrou em ação,conseguindo acalmar os ânimos. Tudo por conta do nosso esforçode guerra.

-XIX-O homem dos espíritos

- Humberto Cruz e suas crendices.

Aquele homem imenso, alto, gordalhão, de quase duzentosquilos de peso era, no entanto, pouco voltado para a matéria bruta.A sua preocupação maior achava-se, por estranho que pudesseparecer, nos seres invisíveis, impalpáveis, de existências duvidosas.Os espíritos e a teoria a eles referente, este o fraco de HumbertoCruz. Fosse nos escritos que publicava nos jornais, fosse nos bate-papos da Praça do Ferreira, o assunto por ele abordado erainfalivelmente o Espiritismo. Os contestadores faziam-lheindagações capciosas. Que desse ele provas da existência dosespíritos.

- Querem provas? Ora, são muitas - respondia o sabatinado.- A inteligência do homem, por exemplo. A consciência, a memóriasão manifestações inequívocas do espírito, respondiavitoriosamente.

No entanto, logo surgia um gaiato para defender, entre risos,a inteligência do papagaio. A ave seria tão inteligente quanto ohomem. E citava casos de papagaios que rezavam até os ofíciosda Igreja, apesar de escritos em latim. Então, o papagaio possuíaalma? O riso e a galhofa tomavam conta da roda. Humberto puxavauma baforada no charuto enorme e procurava desconversar.Todavia, de suas teorias sobre os invisíveis, a mais curiosa einsustentável era, certamente, a que dizia respeito à missão exercidapelos homicidas. Os assassinos seriam justiceiros utilizados pelaProvidência Divina, dando cumprimento ao preceito segundo o qual"quem com o ferro fere com o ferro será ferido". Quanto aosassassinados, estes estariam pagando com as próprias vidas oscrimes cometidos nas encarnações passadas. Convencido destepressuposto, Humberto, que exercia graciosamente as funções derábula, nunca se negou em defender os autores dos mais repelentes

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homicídios. Não só em defendê-Ios na tribuna do júri, como emajudá-Ios pecuniariamente.

Esmolava durante a noite na calçada da Guilherme Rocha,próximo à Praça do Ferreira, um mendigo repelente odiado porquantos lhe conheciam as façanhas criminosas. Era o Santo Cristo,antigo soldado de polícia, ex-integrante das famigeradas volantes,que sob o pretexto de combaterem o cangaço deslocavam-se parao sertão, terminando por cometerem mais malfeitorias do que ospróprios cangaceiros. Santo Cristo respondia pela morte de vinte etantos inofensivos "paisanos". Cumprindo pena na Cadeia Pública,fora o miserável acometido de lepra. Foi quando a direção dopresídio, considerando o perigo oferecido pelo detento, resolveusoltá-Io. Agora feito mendigo, aqueles que o reconheciam passavama insultá-Io impiedosamente.

- Assassino! Perverso! Estás pagando pelo que fizeste.Santo Cristo limitava-se a sorrir resignado. Era quando

chegava o "irmão" Humberto. Em vez de palavras de agravo, eleprocurava consolar o infeliz. Depois, antes de retirar-se, passava-lhe uma cédula graúda como esmola. Aos que o censuravam peloato, Humberto tornava a repetir a sua teoria em favor dos homicidas.Eram uns justiceiros a serviço da Providência Divina. Sem cobrarhonorários pela advocacia que exercia geralmente em favor dosréus pobres, pois os ricos não iam procurá-Io, Humberto Cruzsubstituía vantajosamente aos chamados advogados de ofício, queembora pagos pelo governo, não pisavam nas com arcas para asquais haviam sido indicados.

Certa vez a assistente social Nenzinha Galeno solicitou-lhe adefesa de uma ré pobre que iria ser julgado pelo júri de Itapipoca.O rábula atendeu-a prontamente oferecendo ainda carona no seujipe para ambas, a ré e a assistente social. Na cadeia de Itapipocaencontravam-se dois pobres-diabos para ser julgados, também semdefensores. O bom Humberto, embora sem conhecê-Ios, prontificou-se a defendê-Ios gratuitamente. A recompensa viria depois com aabsolvição dos três indiciados. Então, o rábula tomado de justificadoenvaidecimento telegrafa para todos os jornais de Fortalezacomunicando o acontecimento e dizendo mais que Itapipoca haviavibrado com o resultado do júri, quando, na verdade, aos moradoresdo lugar pouco havia interessado a sorte daqueles desgraçados.

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Advogado provisionado, panfletário, maçon, espírita,anticlerical ferrenho, Humberto Cruz buscava meios desobrevivência no comércio que fazia de aguardente e fumo de rolo.Faleceu já em meia idade, no primeiro de janeiro de 1962.

-xx-Surge o Abrigo Central, o mais democrático

parlamento do Ceará - A confraternização de classes- Acrísio, Paulo Sarasate e o comandante

da 10ª RM no Abrigo Central.

Os deputados largavam o Palácio Senador Alencar, situado apoucos passos e vinham tomar o seu cafezinho no Abrigo Central.Trocavam, no caso, um Parlamento reacionário, onde imperava avoz do coronelismo, pelo mais democrático parlamento do Ceará.E, se em vez do cafezinho, pretendessem os deputados saborearum refresco, uma bananada, um pastel, uma abacatada, não faltariaonde encontrá-Ios. Porque .bern perto achava-se o "Pedào daBananada" e, rodeado de garrafas de refresco, a comergulosamente, o imenso Gabriel Lopes Jardim, professor efuncionário da Secretaria da Fazenda. Gabriel recomendaria commuito gosto as especialidades do "Pedâo": os refrescos de cajá,graviola, murici, caju, tamarindo, sem esquecer as bananadas eabacatadas. Já para os notívagos havia o "Tetéu", um frege ondenunca faltavam as comidas e bebidas típicas do Ceará, aspaneladas, mão de vaca, sarrabulho, caldos e pirões. E, para tirar osebo dos cozidos, uma boa cachaça velha.

Contudo, não se pensasse fosse o Abrigo Central, com seuscafés e merendeiras apenas uma casa de pasto. Não! O principaldestinado ao povo era o lazer, o entretenimento, o debate. Era sepoder conversar, debater livremente, sem qualquer separação declasse. O Abrigo que o Prefeito Acrísio Moreira da Rocha mandaraconstruir para os passageiros de ônibus logo se transformara emlocal de encontros e debates preferidos de todos. Era freqüentever-se deputados esquecidos de que estavam no Abrigo e não noPalácio Senador Alencar, a se tratarem em suas parlengas por "vossaexcelência", enquanto ao lado, na roda que discutia futebol, os

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torcedores exclamando a cada instante um "arre égua!" ou um "paid'égua!". Democracia - pelo menos formal - devia ser assim. Comliberdade e igualdade.

O Abrigo aproximava as pessoas. Cercado de populares, adistribuir sorrisos, e pancadinhas nas costas dos circunstantes,podia ser visto o Prefeito Acrísio Moreira da Rocha. Ao mesmotempo, na outra lateral, um senhor baixo, moreno, vestido de branco,conversava reservadamente com o Deputado Paulo Sarasate. Ohomem de branco era o Comandante da 10º. Região Militar, oGeneral Humberto de Alencar Castelo Branco, aquele que mais tardehaveria de chegar, de maneira antidemocrática, à presidência daRepública.

Malgrado as amizades comprometedoras e pertencendo aosquadros de uma agremiação política reacionária como a UniãoDemocrática Nacional- UDN, Sarasate preferiu, no entanto, seguirpelos caminhos democráticos. Durante o seu governo, os cavalosdo Esquadrão jamais foram vistos a pisotear o povo em praçapública, o que não acontecia ao tempo de Faustino de Albuquerquee Raul Barbosa. Cidadão do Abrigo Central, era como devia ter-sesentido Paulo Sarasate. Conta-nos o Pe. Alberto de Oliveira, queSarasate após tomar posse no governo do Estado, seguiuacompanhado do Secretário José do Nascimento para o cafezinhono Abrigo. Era o seu primeiro ato público como governador doEstado.

Estas liberalidades únicas no Abrigo Central chocavam oselitistas e reacionários, que não paravam de mover campanhascontra o estabelecimento. Reclamavam das linhas arquitetõnicasdo edifício. Um aleijão! Reclamavam da suposta sujeira existenteno local. Para terminarem clamando pela destruição do AbrigoCentral. Na verdade, o que desagradava a esta gente era o climade liberdade reinante no Abrigo, para ricos e pobres. Por sua vez, oPrefeito Acrísio Moreira da Rocha, que administrava de maneirapopular e progressista, nunca deixara de ser mal visto pelos referidossetores. Eles não perdoavam, entre outras coisas, o ato deencampação da Ceará Light.

A concessão feita pelo Estado à companhia imperialista estavavencida fazia mais de dez anos. De acordo com os termos docontrato, os gringos, vencido o prazo, deveriam entregar à prefeitura

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todo o acervo da Ceará Light and Power, incluindo a usina deiluminação e força, os bondes e demais pertences. Todavia, osingleses tão ciosos quanto aos seus direitos (16), esquivavam-sede cumprir com os compromissos assumidos. Também faltava quemos executassem. As autoridades governamentais ... Como executá-los quando o Secretário do Interior e Justiça, de Menezes Pimentel,O Professor José Martins Rodrigues, figurava como advogado daCeará Light? Foi necessário que houvesse o fim do Estado Novo eo surgimento de Acrísio na administração do Estado para que sedesse a encampação de direito. De tendência caudilhesca, AcrísioMoreira da Rocha gozava de grande popularidade, tendo-se elegidoprefeito de Fortaleza por duas vezes seguidas. Entre suasrealizações podem ser apontadas a criação das feiras livres, aberturade ruas, a ligação do bairro da Aldeota com a orla marítima,arborização e calçamento de ruas etc. Cometeu desacertos, nãohá dúvida. Contudo, foi um -dos bons prefeitos que Fortaleza jápossuiu.

-XXI-Um louco apelidado de "Prefeito" usado na crítica

aos coronéis - O comércio de votos noAbrigo às vésperas do pleito de 1954.

Antevésperas das eleições de 1954. Comércio de votos. Oshomens de negócios enriquecidos durante a guerra graças aocâmbio negro e ao contrabando, pretendiam agora ingressar napolítica. Queriam, para legalizar as traficâncias, os diplomas dedeputados e senadores. Não possuíam eleitores, era verdade, maspossuíam com que comprá-Ios. E o Abrigo Central viu-setransformado em bolsa de valores eleitorais, com os compradoresde votos arrematando para os senhores do câmbio negro e docontrabando os currais de eleitores do chefes matutos. Negociarcom eleitores tornara-se mais lucrativo do que negociar com boisou algodão. É quando chega no Abrigo um aloucado se dizendoprefeito e dono de currais de eleitores em cima da serra de Baturité.Quem se interessava em comprá-Ios? Logo surgiram gaiatos paraexplorar o forasteiro, apresentando-se como se fossem cabos

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eleitorais de Carlos Jereissati, Horácio Pereira, Furtado Leite e dosirmãos Pinheiro Maia, os principais investidores no comércio devotos. As propostas do ofertante começam altas, cabendo aosarrematadores diminuí-Ias gradativamente. Por ultimo, "Prefeito"acabava entregando seus currais de eleitores em troca de pastéis ede refrescos a serem pagos no "Pedào da Bananada", ou demodestas refeições no ''Tetéu''. Na hora de assinar o comprovanteda transação ele se esquivava. Era de fato, analfabeto. Deixava comorecibo a palavra empenhada.

Através da figura ridícula do aloucado - baixo, gordo, amareloe cheio de embromações - divertiam-se os críticos do coronelismo,ao mesmo tempo em que procuravam ridicularizar os edisinterioranos donos de currais de eleitores, useiros e vezeiros emtoda sorte de traficâncias. Para a melhor caracterização de Prefeito,arranjaram-lhe roupa de casem ira, óculos escuros e uma pasta cheiade papéis que ele carregava sempre embaixo do braço. Levadopela curiosidade que o cercava, "Prefeito" não perdia os embarquese desembarques no Pinto Martins, dos maiorais da politicagemcearense. Embora analfabeto era, no entanto, desembaraçado ecomunicativo. Faleceu no ano de 1967, depois de muito haverdivertido com as suas loucuras os freqüentadores do Abrigo Central.

- XXII-Mário Rosal antecede Jânio Quadros - O facão como

símbolo na campanha política - Surge o Velho do Facãocomo candidato de protesto - Quase dez mil votos

Sempre que se aproximava uma nova eleição acorriam aoAbrigo os candidatos com suas promessas salvadoras. Ospleiteantes da vez anterior, 1954; os milionários do contrabando edo câmbio negro estavam todos eleitos. Isto para vergonha eprejuízo do povo cearense. Os coronéis haviam cumprido com apalavra despejando-Ihes os votos vendidos, votos de cabrestoarrancados do eleitorado dependente e despolitizado do sertão.Que poderia o povo esperar de parlamentares eleitos em taiscondições? Evidentemente o que pretendiam os ditos homens denegócios eram as imunidades de congressistas para o

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acobertamento de suas negociatas. Através de um instituto deprevidência Armando Falcão logra eleger-se deputado federal,fazendo do Congresso a escada pela qual chegaria aos mais altospostos. Isto para melhor servir aos governos autoritário. Já NapoleãoBonaparte Pinheiro Maia ou, de acordo com a sigla comercial,Bonaparte P.Maia, forneceria motivos suficientes para as gozaçõesdos colunistas sociais. Ele tomaria posse no Congresso trajandofraque e cartola à maneira dos condestáveis do Império. Quanto aCincinato Furtado Leite caberia inaugurar a mais longa e inútil daslegislaturas. Mais de trinta anos de silêncio e inatividade parlamentar.

E o mais grave é que não havia perspectivas para melhorar arepresentação popular, com os partidos de esquerda na ilegalidade,e os partidos burgueses em funcionamento - PSD, UDN, PSP ePTB - controlados pelo que havia de mais reacionário no Ceará. Équando resolve candidatar-se pela legenda de um pequeno partido,o Republicano, dos irmãos Moreira da Rocha, o popularíssimo MárioRosal Roberto, muito conceituado entre os freqüentadores do Abrigopelos seus desejos de salvação nacional. Mário tinha um passadode honradez. Funcionário da antiga Inspetoria Federal de ObrasContra as Secas - IFOCS, fora demitido por haver denunciado asirregularidades ali existentes. Nunca deixara de condenar, alto ebom som, as falcatruas dos políticos e dos governantes. Diante dacrise de candidatos capazes, ele resolve lançar-se como candidatode protesto. Seu programa de ação parlamentar: lutar contra oscorruptos e pela moralização dos costumes políticos eadministrativos. Não tinha dinheiro para gastar com propaganda

•. eleitoral e muito menos com eleitores. Quem estivesse de acordo~ com o programa que lhe desse voto. E, antecipando-se a Jânio

Quadros, criou um símbolo para sua campanha: o facão. Seriaimperioso cortar o mal pela raiz. Não apenas varrê-I o como proporiamais tarde o político bandeirante.

O candidato Mário Rosal fez do Abrigo o seu quartel general.Lá ele era visto a esbravejar de facão em punho, numa permanenteameaça aos corruptos, aos contrabandistas e aos ladrões dos benspúblicos. Se eleito, prometia combater sem descanso a estesinimigos sociais. Realizado o pleito, abertas as urnas, o candidatoMário Rosal Roberto despontava com quase dez mil votos,classificando-se como suplente de deputado federal pelo Partido

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Mário Rosal Boberto, o Velho do Facão

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Republicano. O voto de protesto havia funcionado. Os pés-de-chinela, os mangas-de-camisa da Praça do Ferreira votando naquelehomem atrevido e simples, mas honesto, por muitos consideradoum louco, protestavam contra a comercialização do voto, deixandoclaro o seu desejo de mudanças em nossos costumes políticos.

-XXIII-Retrato do Velho do Facão

- Uma personagem aventurosa e discutível,dona de um passado de lutas e sacrifícios.

Mas, quem era este Mário Rosal Roberto, alcunhado de Velhodo Facão, candidato de protesto dos cidadãos do Abrigo Central eda Praça do Ferreira, tendo recebido uma votação de quase dezmil votos? Um Antônio Conselheiro do asfalto a insurgir-se contra arepública do latifúndio, do contrabando e do câmbio negro? Umlouco? Um aventureiro? Um visionário? Sim, havia em Mário Rosalum pouco de tudo isso. Natural de Cariús, zona sul do Ceará, teveMário uma mocidade cheia de turbulências, o que era comum naépoca do cangaço. Participou de lutas armadas. Como lembrançadessa época de violência recebera um balaço que o forçava amanquejar de uma das pernas. Antes, atendendo a convocação deFloro Bartolomeu, participou dos famigerados batalhões patrióticosde Juazeiro, criados para dar caça aos revoltosos da Coluna Prestes.

Era o tenente Gordinho um fervoroso devoto do padim CíceroRomão. Uma vez desengajado, deram-lhe de recompensa umemprego na Inspetoria de Obras Contra as Secas. Acontece queMário Rosal não era homem para silenciar diante das falcatruas,principalmente quando estas eram cometidas com o dinheirodestinado aos flagelados das secas. Denunciou as irregularidadesna IFOCS, o que lhe valeu perder o emprego. Casado duas vezes,encaminhou a maior parte dos filhos para as Forças Armadas.Destes, um chegaria ao posto de major do Exército. Como todo ovisionário, louco ou aventureiro, Rosal sentia-se fascinado pelosminérios. Era de impressionar a sua empolgação sempre quediscorria sobre as nossas riquezas minerais. Ouro, prata, diamante,petróleo ... No Amazonas havia montanhas de ouro, prata, diamante

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e muito petróleo. Isso ele dizia muito antes da descoberta de SerraPelada, ao tempo em que não faltava quem assegurasse ainexistência a é de petróleo no Brasil. Pois, Mário, antecipando-seaos geólogos oficiais fazia a previsão de nossas riquezasdesconhecidas.

Surpreendendo-o nessa pregação ufanista, o poeta FilgueirasLima se deixou inspirar dedicando-lhe uma bela poesia, na qual ovisionário era chamado de "Fernão Dias Paes Leme da Caatinga".Ocorre que a terra natal do novo bandeirante era pobre de minérios.Aqui nem ouro, nem prata, nem diamantes. Não obstante, ovisionário dando segmento a sua vocação de minerador haveria dearrancar fosse o que fosse das entranhas da terra. E, como nãohouvesse nem ouro, nem prata, nem diamantes no subsolocearense, ele viria explorar um minério menos valioso: o mármore.Encontrando depósitos deste minério na antiga São Mateus, passoua explorá-Ios em condições pouco lucrativas. Mármore, ao que dizia,superior em qualidade ao de Carrara, na Itália. Não dispondo derecursos para uma exploração intensiva, Rosallimitava-se a produzirpequenos blocos de mármore, que eram vendidos como enfeitesou contra pesos de papéis destinados aos escritórios comerciais.

Baixo, gordo, moreno, ele era visto a manquejar conduzindouma pasta, na qual se achava a sua mercadoria. Este, o Mário Rosal,encontradiço no Abrigo da Praça do Ferreira.

-XXIV -Mário Rosal na poesia de cordel.

Outros poetas, sem falar em Filgueiras Lima, haveriam deaparecer tecendo loas ao minerador de São Mateus. Entre estes,figura Zé da Mata (17) que, embora amigo de Rosal, o que faz édesestimulá-Io em seu profícuo labor. Eis o que diz o cordelista emversos, apresentando-se como se fora o próprio Rosal:

Cavei pedra, fiz buracoandei debaixo do chão,na procura de minérioperdi meu último tostão,agora no miserérioa todos estendo a mão.

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Ouro ... pedras preciosas?Se havia já hão mais há,Sob as terras ociosasdeste pobre Ceará.

Areia! Pedra e areiafoi o que colheu em vão,Rosal, o minerador,que agora te estende a mão.

Convém dizer que estes versos de advertência foram feitoscom intenções brincalhonas pelo cordelista, amigo do Velho doFacão, com quem gostava de caçoar. Longe de pensar estivesseditando uma profecia que mais tarde teria realização. Com o adventoda contra-revolução de 1964, Mário Rosal adere aos golpistas vendoneles os salvadores da pátria. Iriam moralizar os costumes do Brasil.Botar na cadeia os políticos corruptos, os contrabandistas e osladrões de altos coturnos.

Quanta ingenuidade, Senhor Deus!Para melhor servir aos senhores do novo situacionismo Rosal

se fez de poeta. Começa por cometer uma subversão no léxico,acrescentando nas palavras a terminação ério, com o sentido deaumentativo ou de quantitativo. Exemplo: rato leontério.

- Mas, o que é isto seu Mário?- É um rato grande como um leão!Outra: o poetério estava reunido.- Poetério? O que é poetério, seu Mário?- Ora, meu amigo, um ajuntamento de poetas.Usando destes artifícios e de uma linguagem tão estéril quanto

o solo no qual fazia mineração, Rosal engendra algumas louvaçõesem forma de versos aos cabeças da pretensa revolução de 1s deabril de 1964. Pena que nada haja nos restado destas produções.Mas é sempre assim. Cada revolução tem os poetas que merece. ARevolução Russa teve Essenine; a chinesa, Mao Tse Tung; avietnamita, Ho Chi Min; a dos gorilas, Mário Rosal.

Em resposta à louvação feita por Rosal a Juarez Távora eCastelo Branco, o cordelista Zé da Mata saiu-se com a versalhadaabaixo, na qual inclui o Velho do Facão. No cordel, que tomou o

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título de "Louvação para Mário Rosal, o Poeta da Revolução dosMacacos", são usados os artifícios da linguagem criada pelo ditocujo. Vejamos:

Fazer quero a louvaçãoEm verso escrito no "ério"Ao velho Mário RosalO tal que foi do facãoE agora é do "poetério"

Nascido no berço "estério"De Castelo e JuarezEu digo sem "mistifério"Que o pensamento de umÉ o pensamento de três.

Peço não me levem a malPois nunca falei a esmoMas neste ou noutro hemisférioLevando ou não batistérioMacaco é macaco mesmo.

Levá-Ios quem pode a sérioEm qualquer situaçãoVestindo farda ou pijamaNo batalhão ou na cama,De espada ou de facãoMacaquinho ou macacão,Sempre o mesmo despautério,A mesma esculhambação.

Cada qual o mais "temério"Em sua obstinação,Rosal atrás do minérioQue aqui não existe não.Juarez matando o "misério"Funcionário da Nação,Enquanto o maior da taba,O macaco Saporuga,

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A testa feroz enrugaE olhando para o BrasilLavra a sentença "funério":- Você desta vez se acaba!

Não longe um corvo gralhaSobre o país-cemitério.Embora de céu de anilEle anuncia a mortalhaDo moribundo Brasil.

Depois da "rebolição"De primeiro de abrilHouve grande "bestifério"Neste infeliz Brasil,Quebraram tudo em caco,Fizeram um "dicionério"Na linguagem do macaco.

Rico em mistificaçãoO tal do "dicionério"Bestialógico do macacoVale como adultérioDa palavra na expressão.

Bajulando o "macaquério"Numa falta de critérioSurge agora o RosalCoxo, puxando do pé,Falando a língua boçalDo macaco chimpanzé.

Macaco tem bom "digério",Banana não lhe faz mal!O meu braço eu desmantelo,Mas, descasco desta vezBananas para o Castelo,Bananas pro Juarez.

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E, chegando no final,Bananas para o RosalQue não achando minérioExplorou o "poetério"Embora se dando mal.

VocabulárioBestifério - Palavra empregada no lugar de bestialidade.Dicionério - Dicionário.Digério - Digestão.Ério - Terminação com o significado de aumentativo e de

quantitativo.Estério - Leia-se estéril.Funério - Fúnebre.Macaco Sapuruga - Alusão ao ditador Humberto de Alencar

Castelo Branco.Macaquério - Macacada.Misério - O mísero.Mistifério - Mistério.Poetério - Ajuntamento de poetas.Rebolição - Termo empregado no lugar de revolução.Temério - Leia-se temível, muito temível.Um corvo gralha ... - Àlusão a Carlos Lacerda, então

governador do Estado da Guanabara, hoje extinto.

-xxv-O triste fim de Mário Rosal

- Louco, esmolando na Praça do Ferreira.

Mário para ser poeta não precisaria ter escrito versos, porsinal sem sentido, extremamente ruins. Há poetas que nuncaescreveram versos e que nem por isso deixam de sê-Io. São poetaspelo idealismo, pelas posições que adotam na vida social. Outrosque nem sabem ler, como Zé de Matos, mestre de rapadura noCariri, cujos versos são recitados pelos conterrâneos cem anosdepois de sua morte. O que era o Rosal que falava de ouro noAmazonas antes de Serra Pelada, senão um visionário, um poeta,

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portanto?! Ao se apresentar escrevendo versos, Mário Rosal estavalouco. A arteriosclerose o perseguia tenazmente.

Não sabemos qual a ligação existente entre poesia e loucura.Mas, o fato é que Deus - ou os deuses, como preferiam os greco-cabeças-chatas do Maison Art Nouveau - parecem castigar osmenestréis com a loucura. Ora, o José Albano! ... José Albano,considerado tão grande quanto o próprio Camões, terminaria louco.Outros muitos poetas de nomeada terminariam acometidos domesmo mal. Isto sem falar nos poetas de vôo curto nos céus doParnaso. O Professor José Valdevino ao ler a autobiografia do Eliardoem seu livro de estréia: "E dizer que eu nasci filho de um galinhaverde/ que punha ou ainda põe os ovos goiros do fascismo",sentenciou: Este rapaz está doido! E estava de fato. O mesmopoderia ser dito de Mário Rosal e de tantos e tantos poetas denomeada, sem esquecer os parnasianos e os simbolistas que faziamponto no Art Nouveau.

Agora atacado pela arteriosclerose, Rosal mendigava à noiteestirado nas calçadas do Edifício Granito, na f'íaça do Ferreira.Muitos já não o reconheciam. Até que alguns dos antigos seguidoresdo Velho do Facão, sabedores do seu triste Estado, o recolheram auma casa de saúde, onde ele morreria meses depois, em 1976.

-XXVI-O Abrigo, local de paz e compreensão

- Um mínimo de ocorrências delituosas.

Que não se pense fosse o Abrigo Central, dado a mistura deindivíduos de diversas classes, dado as discussões acaloradas queali se sucediam, um local de violências, de registros criminais. Não!Ali de violências só mesmo as verbais. No mais era o Abrigo umlocal de paz e confraternização.

De ocorrências delituosas, ao que se saiba, apenas duasdurante os dez anos em que funcionou. A primeira foi a agressãofeita ao Desembargador José Pires de Carvalho pelo Poeta EliardoFarias. O poeta acabara de sair de um congresso de poesia

~ organizado pelo também Poeta Antônio Girão Barroso, certame noqual tivera de espremer a cuca para defender teses arrojadas, iguais

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aquelas de que nem Juvenal Galeno e nem Castro Alves erampoetas. Excesso de palavras, falta de ação no verso ... Não, elesnão eram poetas. Terminado o congresso, ele estava com a cacholaavariada. Dera para confundir as pessoas e as coisas criando, nãoraro, vexames para aqueles de quem se acercava.

No bar do Passeio Público confundira um pacato agentecomercial com o líder Luiz Carlos Prestes, na época procurado pelaspolícias de todo o Brasil. O homem bebia descontraidamentequando Eliardo dele se acercou.

- Como vai-esta personalidade?- Eu, personalidade? ... -redargüiu o homem de negócios.-

O senhor deve estar enganado, porque eu não sou nenhumapersonalidade. Sou um agente comercial e vendedor de cosméticos.

- Qual nada, o Senhor é o Luiz Carlos Prestes. Eu o conheçomuito - reafirmou Eliardo.

De nada valeu o caixeiro viajante mostrar a sua carteira deidentidade. Continuava sendo Luiz Carlos Prestes para o aloucadopoeta.

Dias depois foi o incidente com o Desembargador José Piresde Carvalho, no Abrigo Centrat. O magistrado conversava numaroda de amigos quando chega Eliardo a lhe indagar pela batina.

- Batina! Mas, que batina, rapaz? Você ficou louco? Eu souo Desembargador José Pires de Carvalho.

- Qual nada! Você não me engana. É o Dom Antônio deAlmeida Lustosa.

E tome braço por conta do Arcebispo de Fortaleza. ODesembargador foi ao chão quebrando uma das mãos. CordeiroNeto, que se achava presente dominou o desatinado poeta, levando-o diretamente para o Asilo de Parangaba.

Conseqüências mais graves decorreriam do entrevero havidoentre o Inspetor de Polícia Mavignier e o recém-nomeado delegadode Polícia de Maranguape, fato testemunhado de perto por estememorialista.

- Prepare-se para morrer - disse Mavignier.E o delegado, que bebia despreocupado o seu cafezinho,

sacou do revólver atirando no adversário. Houve troca de tiros, findaa qual achava-se morto o delegado e ferido gravemente o agressor.Estes, ao que se saiba, os dois únicos delitos registrados no Abrigo

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durante os seus dez anos de funcionamento.

- XXVII-Dois livreiros da Praça: Edésio e Manoel Raposo.

As livrarias e papelarias de Fortaleza ficavam na Praça doFerreira ou nas adjacências. Destas, merece especial destaque aLivraria Edésio, de propriedade de José Edésio de Albuquerque.Porque Edésio não era apenas um comerciante de livros, comotantos outros, empenhado tão só na busca de lucros. Ele era antesde tudo um difusor da cultura, um idealista. E, neste mister, nuncatemeu arriscar a própria liberdade, contanto que chegassem àsmãos dos leitores os jornais, revistas e livros condenados pelacensura policial.

Lembramo-nos daquele homem encuravado, baixo e magro,por trás do balcão, a vender a nós estudantes, os livros condenadospelo obscurantismo estadonovista. Eram romances de José Linsdo Rego, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Depois da entrega dosvolumes, muito bem enrolados, vinha a advertência: cuidado jovem,isto pode dar cadeia.

No limiar do Estado Novo, Edésio tornou-se editor, passandodesta forma não só a vender como a publicar livros. E foi graças aoEdésio-editor, que estreantes nas letras, hoje escritores famososcomo Fran Martins, Moreira Campos, Braga Montenegro, Jáder deCarvalho, Abelardo Montenegro, tiveram suas obras publicadas.Politicamente, Edésio formava ao lado daqueles que lutavam porum Brasil melhor, cabendo-lhe nos idos de 1935, a presidência donúcleo estadual da Aliança Nacional Libertadora. Isto, entretanto,não constituía obstáculo para afastá-Io do Catolicismo. MozartSoriano Aderaldo - que nunca foi da Praça, mas da Igreja - confessatê-lo encontrado várias vezes assistindo às santas missas. Aliás,este o único ponto de convergência dos dois: a Igreja.

Seguindo a trilha de Edésio - embora em situação menosembaraçosa - vem Manoel Coelho Raposo, fundador da LivrariaFeira do Livro. Raposo monta uma filial em plena Praça, nasproximidades da atual banca de jornais do Bodinho, passando acomercializar, como acontece em todas as feiras, com revistas, livros

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e jornais. No local, Jáder de Carvalho lançou "Aldeota", o seudiscutido romance de costumes. Tempos depois era Jorge Amadoquem promovia ali mesmo uma noite de autógrafos. Edésio eRaposo, dois legítimos representantes dos livreiros cearenses.

- XXVIII-Uma personagem de Graciliano Ramos na Praça doFerreira - O fracasso comercial do "português que

cantava de galo" - Sidney Neto, freguês sem futuro.

A presença de Manoel Batista na Praça do Ferreira se fez notara partir de 1943, ano em que ele chegava para se estabelecer comum boteco. Isto depois de livrar-se da Ilha Grande. Este ManoelBatista, também Ferreira no sobrenome, não era outro senão o"português que cantava de galo", de quem nos fala GracilianoRamos nas "Memórias do Cárcere". Pois Batista estivera na ilha-presídio cumprindo pena, de mistura com malandros, assassinos,ladrões, militantes políticos de esquerda e um preso muito especial:o escritor Graciliano Ramos.

José Leite Filho, o Jurandir, dá-nos seu depoimento sobreManoel Batista Ferreira: "Era um insubordinado. Durante as revistas,pela manhã e à tarde, os presos teriam de cruzar os braços emsinal de submissão. Ele, no entanto, nunca se sujeitou à exigência,preferindo as bordoadas dos guardas a ter de cruzar os braços.Botavam-no para trabalhar na limpeza dos canais. Papão era bomna enxada como poucos. Quando lhe escapavam as baratas d'águado mar, mariscos muito apreciados por nós que sofríamos de fomecrônica, ele nos gritava: olha o baratão! Era proibido aos presoscomer qualquer coisa afora as rações miseráveis do presídio.Entretanto, havia guardas que fechavam os olhos, deixando quecomêssemos cruas as baratas do mar."

Com a entrada do Brasil na guerra contra o nazi-fascismo, ospresos da Ilha Grande foram libertados. Batista rumou para TeófiloOtoni, onde foi ajustar contas com certo hoteleiro espanhol de quemera sócio antes de ser preso. Embolsado em sua cota-parte, Batistase fez no rumo de Fortaleza, onde veio arriscar-se com um pequenonegócio. Alugou um ponto na Praça do Ferreira, passando a

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comerciar com vinhos e frituras. Nascia, desta forma, mais umboteco na Praça do Ferreira, ao qual o proprietário deu o nome de"O Papão", como homenagem ao partido político de sua opção.Ora, o comunismo era o bicho-papão para muitos e ele sendocomunista se julgava como tal. O estabelecimento teve curtaduração. Faliu deixando ao dono o nome como alcunha. Tudo porfalta de uma pesquisa mercadológica.

Na Praça eram muitos os bares e botecos. Ademais cearensenão era de beber vinho. Aqui a bebida preferida do povo é a cachaça,depois a cerveja. Vinho só quem toma são os grã-finos. Mas, estesnão iriam freqüentar um boteco acanhado como "O Papão".Rareavam os fregueses. Quando chegava algum era como o SidneyNeto, com fome e sem dinheiro, querendo comer e beber de graça.Vale recordar o encontro entre os dois, o poeta e o botequinheiro.

Era tempo de guerra, tempo de blecaute e Sidney chegouquase na hora de fechar. Olhos as comezinhas expostas,interessando saber do que se tratava. Empadas de bacalhau epastéis de camarão, informou-lhe o vendeiro. E o poeta, aliciante: -Pelo visto o amigo cozinha muito bem. É uma pena eu não terdinheiro. Se tivesse iria já saborear os seus quitutes.

Papão olhou o recém-chegado com aquelas barbas quelembravam seu patrício, o Poeta Guerra Junqueiro, e ficoupenalizado. - Por isso não! Mesmo eu já estou para fechar e amanhãas frituras estariam azedas. Ato contínuo passou-lhe as empadasde bacalhau e pastéis de camarão. Sidney, enquanto se regalavacom os quitutes do português, não tirava os olhos das prateleiras,lamentando a falta de um acompanhante de vinho, do bom vinhodo Porto. - Ah, isso não! reagiu Papão. Vinho é luxo. Se você nãotem com que pague a comida, como quer beber?

O malandro depois de encher a pança e de agradecer,despediu-se com um até logo. No dia seguinte, às mesmas horas,Sidney não faltava no boteco. E tome empadas, e tome pastéis,tudo de graça. Na terceira tarde, Papão arriscou algumasindagações.

- Como é, o amigo está desempregado, não é?- Eu, desempregado? Mas eu sou artista, meu velho! Um

poeta! Eu não tenho emprego, foi a resposta.E o Papão sem compreender, tentando conquistar um adepto

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Manoel Batista Ferreiro, o Papâo

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para a sua grei:- Veja como o Estado capitalista é injusto. Você, que se diz

artista, um poeta, e no entanto, na pobreza, abandonado, curtindoprivações. Pois, na União Sov.iética, os artistas são amparados peloEstado. Desde, porém, que trabalhem, que produzam obras de arte.

- Você é comunista? - indaga o Sidney, espantado.- Sou, perfeitamente, reponde Papão. Tanto assim que acabo

de chegar da Ilha Grande.E o Sidney, procurando uma confrontação:- Pois eu não! Eu sou é integralista.- Você, integralista? - investe Papão. Pois, fora daqui seu

patife, já e já.Alguns populares intervieram evitando que os dois fossem às

vias de fato. Enquanto Papão, num desabafo:- Vejam só, eu trabalhando para dar de comer a um galinha

verde. Pois, pois.

-XXIX-De pasteleiro a professor de Ciências Sociais

- O episódio. do Porto de Lisboa- Os estrategistas enxotam os poetas do "Café Globo"

- Mestre Papão, o cursinho e seus alunos.

A vivência de Manuel Batista Ferreira como negociante devinhos e de frituras demorou pouco. Porque o boteco, como era dese esperar, logo foi à falência, deixando ao falido o nome comercialque ele havia engendrado. Manoel Batista perdia, desta forma, agraça batismal, para ser tratado de Papão pelo resto da vida.Fechada a venda, Papão tomou umas férias por conta própria, oque era muito justo e necessário. Foi quando passou a freqüentar aBiblioteca Pública e os bancos da Praça do Ferreira, fazendo amigose admiradores, entre os quais o prestamista Raimundo Saraiva, oVelho, e o alfaiate Mário Souto. Já na época o comunismo deixavade ser o espantalho de muitos, o bicho-papão comedor decriancinhas (18) de que falavam os padres reacionários, paratransformar-se na vedete dos novos tempos. Isto graças às vitóriasdo Exército Vermelho no Leste europeu.

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Joaquim Batista Neto, deputado constituinte - 1946

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..

Timoshenko e seus generais conseguiam o milagre detransformar o feio no belo, uma megera na fada branca de neve.Havia interesse, notadamente entre os jovens, de conhecer as teoriasmarxistas, de saber como funcionava o Estado na União Soviética.Porque de notícias militares os jornais estavam cheios. No CaféGlobo os estrategistas improvisados tomavam o lugar dos poetasantigos e modernos. Antônio Girão Barroso era deposto por AluísioGurgel do Amaral, advogado do Banco dos Proprietários,estrategista que nunca foi à guerra. E nos mármores das mesas decafé já não se liam escritos a lápis, os versos deixados pelosmenestréis, mas os mapas das frentes de batalhas. Timoshenko nolugar de Bilac e de Fernando Pessoa. De tanto citá-I o o estrategistado Banco dos Proprietários terminaria apelidado com o nome dofamoso cabo de guerra. Isto, a exemplo do sucedido com ManoelBatista Ferreira - o Papão - e do que sucederia com o carnavalescoDaniel Carneiro Job. Aluísio seria o Timoshenko e Daniel, que previacom exatidão as vitórias soviéticas, o Profeta da Cova.

Mas, enquanto isto, como conhecer as teorias pelas quais seregiam os comunistas? Da Biblioteca Pública haviam retirado, logoque se iniciara o Estado Novo, todo e qualquer livro de tendênciaesquerdista. E as seleções organizadas pela "Caramuru" no lusco-fusco de 1934/35 não havia quem as tivesse. Era motivo de cadeiadurante o Estado Novo alguém possuir livros consideradossubversivos. Enquanto isto, Papão era sabatinado pelos que orodeavam interessados em saber das condições de vida da UniãoSoviética. É quando ele funda na espelunca do Beco dos Pocinhos,onde era hospedado, o cursinho dito de iniciação marxista. Nasaulas de mestre Papão havia muito de pessoal, de pitoresco, defolclórico até.

Sempre que abordava o tema da produção e da apropriaçãona sociedade capitalista, ele recordava o episódio do Porto deLisboa, acontecimento que o levara a interessar-se pela questãosocial. Batista encontrava-se no Porto fazendo não sabemos o quê,quando chegam de alto mar três embarcações carregadas desardinhas. Esperando os navios achava-se um informante. Nocomércio de Lisboa sobrava a mercadoria. Sabedor da situação, oempresário dos barcos ordena que despejem no mar ocarregamento de pescado.

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- Mas isto é uma loucura, isto é um crime! - protesta o jovemBatista. Jogar-se peixe no mar quando há tanta gente passandofome em Lisboa!

Ao que responde o dono dos barcos e das sardinhas:- A canalha tem fome, mas não tem com que compre.O episódio levou Papão a' interessar-se pela questão social.

Pouco depois, ele ingressava no Movimento Anarquista de Portugal.- Ora, rapazes! - observa Papão - Isto somente se vê nos

países capitalistas, onde a produção é social, mas a apropriação éindividual. Quer dizer, quando é a vez de produzir todos produzemem conjunto. Mas produzem para o patrão. Nem sempre o produtorse beneficia com aquilo que produziu. Ao contrário do que acontecena União Soviética, onde a produção pertence ao Estado e não aopatrão. Lá o Estado é o povo. O Estado distribui com o povo aquiloque foi produzido coretivamente.

O fenômeno da antropofagia, como não podia deixar de ser,constituía tema para debates nas aulas de Papão.

- Os padres católicos nos acusam de comedores decriancinhas, de antropófagos, portanto. - dizia ele. Quando, narealidade, antropófagos são eles, os padres, antropófagos são oscatólicos. O que é a hóstia consagrada? Os padres dizem que elarepresenta o corpo e o sangue de Jesus Cristo. Pois ao degluti-Iaestão os católicos a cometer um ato de antropofagia. A observação,aliás, não é minha. É do senhor Gondim da Fonseca, famoso escritorbrasileiro.

Todavia, o que Papão nunca contou para os alunos foi ahistória daquela lenda tão do seu gosto. Rodeando o emblema dafoice e do martelo, com o qual ele carimbava os cadernos de seusdiscípulos, achava-se a inscrição em latim: In hoc signo vincit.Noutras palavras: "Com este sinal vencerás". Acontece queoriginariamente aquela legenda não havia sido inscrita em redor dafoice e do martelo, o emblema dos marxistas; mas da cruz, oemblema dos cristãos. E havia sido adotada por um monarca, oRei Constantino, considerado o primeiro rei dos cristãos. Engano?Fraude? Apropriação indébita? Uma gaiatice do Papão. Ele haviabolchevizado Constantino, um rei dos cristãos.

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-xxx-o banco dos comunistas e seus freqüentadores

- Batista Neto, constituinte de 1946- Papão, Timoshenko e outros - O fim do banco

- Prisões - O sacrifício de Pedro JerÔnimo.

No começo, o banco era formado apenas do Papão, do alfaiateMário Souto, do prestamista Raimundo Vermelho, do Galego, doPixito e de mais um ou outro circunstante. Depois foi que sechegaram o Aluísio Gurgel, o então liceísta Gabriel Leônidas Jardim,o caixeiro-viajante Pedra Jerônimo de Sousa e outros. Quando foi avez de Joaquim Batista Netà, o banco dos comunistas atingiu omáximo. Não faltaram curiosos para vê-Ios e ouvi-tos. Porque BatistaNeto, agora reduzido à condição de vendedor prestamista, haviasido deputado federal pelo Partido Comunista. Ele tinha a assinaturana Constituição de 1946. Desta forma, não faltava mesmo quemprocurando fazê-Io reviver as posições perdidas, o chamasse dedeputado e de excelência.

As afirmações de Batista eram devidamente consideradas.Ele, se não participava agora da bancada do Partido na Câmarados Deputados, participava da bancada da Praça do Ferreira. Valiaa pena estudá-Io. Suas lutas no Arsenal de Marinha em defesa dacausa dos trabalhadores navais. Como recompensa, a votaçãomaciça que o elegera deputado federal. Por último, a sua atuaçãono Congresso Nacional. Mas houve o desentendimento com adireção do Partido. E Batista Neto, a exemplo do caranguejo quese desvincula da pata, não vacilou em desvincular-se do cargo.Renunciou. Todavia, permaneceu no Partido. Ao contrário de outrosque em tais circunstâncias mandariam o partido para o brejo. Umsujeito extraordinário, sem dúvida, esse Joaquim Batista Neto,cearense de Maranguape.

Outra personagem ilustre que não tardou a se achegar foi oProfessor Josafá Unhares. Era uma potencial idade. Economista,escritor, professor de escola superior com várias teses defendidasbrilhantemente era, no entanto, de uma modéstia sem par. PreferiaJosafá ensinar e aprender com o povo do que, a exemplo dosliteratos da torre de marfim, afundar-se no silêncio dos gabinetes.

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Pedro [erõnimo de Sousa

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Aluísio Gurgel assumia ares de Rui Barbosa na Corte de Haia.Sempre que dissertava sobre a ilegalidade da presença norte-americana no Vietnã, um grande papo, sem dúvida, o nossoTimoshenko. Mas, havia os momentos fora de sério. Era quandointervinham o Raimundo Vermelho e o Mário Souto com suasanedotas e seus comentários engraçados. Dois bons humoristas,indiscutivelmente, o Vermelho e o Mário Souto.

Galego, embora desacreditado como feiticeiro, não deixavade proclamar seus trabalhos com os invisíveis. Ao ouvi-Io, HumbertoCruz tentava desestimulá-Io. Que largasse a linha negra, a linha doMal, transferindo-se para a linha do Bem, a da Umbanda.

Papão, que há tempos não se avistava com Humberto Cruz,perguntou por um irmão deste, um seu freguês de jornais e revistas.

- O Aristides?- Ora, o Aristides desencarnou!- Desencarnou? - indaga Papão. Mas o que vem a ser isto?E Humberto, solenemente:- Foi o espírito que largou a matéria em busca do Infinito!Houve risos na roda.- Quer dizer que ele fodeu-se! - completou o português.Calmo e ponderado, Pedro Jerônimo de Sousa não era de

muita conversa. Escutava mais do que falava. Aparecia no bancode raro em raro, pois, caixeiro-viajante que era, trabalhando nocomércio de medicamentos, estava freqüentem ente a viajar pelointerior do Ceará, Piauí e Maranhào. Sempre que aparecia fazia-seacompanhar de Dâmaso Araújo, um companheiro de profissão. Umapersonalidade de escol, esse Pedro Jerônimo de Sousa.

Corajoso, solidário, abnegado até ao sacrifício. Membro doPartido Comunista, nunca rejeitara tarefas por mais arriscadas quefossem. No 3 de janeiro de 1951, quando contra a vontade da políciase comemorava o aniversário de Luiz Carlos Prestes, PedroJerônimo, apesar dos riscos que teria de enfrentar, não deixou departicipar dos festejos. Ele e o Dâmaso moravam no terceiro andardo Edifício Brasil, há poucos passos do Palácio da Luz. Mesmoassim não deixaram de participar da grande alvorada do Cavaleiroda Esperança. Mal despontava o dia, puseram-se os dois a soltarbombas do alto do edifício, acordando com os estrondos oGovernador Faustino de Albuquerque. A polícia logo entrou em cena,

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prendendo os dois insolentes festeiros.Instalada a ditadura militar de 1964, Pedro Jerônimo continuou

na luta democráica, sendo eleito para a direção municipal deFortaleza, do Movimento Democrático Brasileiro - MDB. Durante arepressão policial-militar contra as organizações de esquerda, aotempo de Garrastazu Médici, Pedro Jerõnimo não escapou de serpreso. Era a caminhada para a morte. Aprisionado no dia 11 desetembro de 1975, pelo DOI-Codi e recolhido às dependências daPolícia Federal, Pedro Jerônimo sucumbia seis dias depois, no dia17 do mesmo mês, vitimado pelas torturas a que fora submetido.Morreu como um bravo, sem apontar os companheiros daresistência democrática. Um herói! Mais um mártir das lutasdemocráticas do povo cearense. (19)

Logo após 01 º. de abril de·1964, começou a repressão policialcontra os freqüentadores do banco dos comunistas, e de umamaneira generalizada contra quantos papeavam na Praça doFerreira. Papão foi preso e conduzido ao quartel do 23 BC, ondepassou vários dias detido. Contava então 80 anos de idade. Foiesta a sua última prisão, tendo falecido quatro anos depois. A seguirfoi a vez de Aluísio Gurgel e Mário Souto, presos arbitrariamentepor vários meses. Por último, Alberto S. Galeno. Quanto aos demaisfreqüentadores do banco, se não foram detidos deve-se ao fato dehaverem se precavido. Daí por diante não houve mais condiçõespara a continuidade do banco dos comunistas.

- XXXI-Uma personagem mais novelesca do que as de

Graciliano Ramos - A vida tumultuosa de Manoel BatistaFerreira, o Papão - Perdera a conta das prisões - O fim

melancólico em Fortaleza: morreu na Santa Casa eenterrou-se como indigente no São João Batista.

Os leitores com certeza irão exigir maiores informações sobrea personagem de quem estamo-nos ocupando, o português ManuelBatista Ferreira, o qual embora pertencente à vida real, afigura-se-nos mais novelesca do que as próprias personagens dos romancesde Graciliano Ramos. De nossa parte, sentimo-nos felizes em

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atendê-Ios, uma vez que somos os primeiros a nos ocupar depersonagens como o Papão, Mário Rosal, Humberto Cruz e outros,escapos da visualidade de. certos historiógrafos, que somenteconhecem a Praça do Ferreira do alto, dos aviões.

Temos de início que proclamar a nossa ignorância quanto àgenealogia do bioqratado. Desconhecemos qualquer parentescoseu com Pedro Alvares Cabral, Vasco da Gama e demaisnavegadores do caminho das índias. Tudo, 'entretanto, leva-nos acrer que o nosso Papão não descendia de nobiliarquias lusitanas,e sim da plebe rude dos arrabaldes de Lisboa, pois as evidênciasassim estavam a indicar. Mais ainda: nascido no ano de 1884,emigrara aos 20 anos de idade para o Brasil, retornando apenasuma vez em visita a Portugal. Isto, pela primeira e última vez. Porqueera propósito seu rever a santa terrinha somente quando o Salazarhouvesse largado o poder. Acontece que Sal azar demorou 50 anosou mais de posse do governo, obrigando Papão a morrer de velhosem rever as terras de Trás os Montes.

Papão perdera o número de suas prisões políticas. Sabiaapenas que as primeiras datavam do ano de 1910, quando contavacom poucos anos de Brasil. Haviam, então, assassinado DomCarlos, Rei de Portugal. Muito choro, muita revolta. Os ricaçosportugueses de São Cristóvão, no Rio de Janeiro mandavamcelebrar missas pelo monarca assassinado. Enquanto isto, osanarquistas portugueses reuniam-se na pracinha fronteiriça da igrejapara as manifestações de desagravo. Vivas e morras. Por fim,acabavam se engalfinhando monarquistas e anarquistas. Eraquando chegava a polícia levando-os encanados.

Depois foi a vez do surgimento do Partido Comunista Brasileiro- PCB e das sucessivas greves no Rio e em São Paulo. Papão deuum salto qualitativo, passando-se do Movimento Anarquista para oPartido Comunista. Mais prisões até que, afinal, a Ilha Grande.Contudo, os revezes não lograram abater o ânimo de ferro do nossoherói. Em Fortaleza, ele daria continuidade às atividades políticasantes exercidas no Rio, em Minas e em São Paulo. Era um ativistaque não enjeitava tarefas, fossem quais fossem. Colaborava no setorde educação e propaganda do Partido, divulgando jornais, revistase folhetos de orientação marxista, sem esquecer as cautelas econvites de tudo quanto era de rifas e piqueniques. Ajudava,

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destarte, tanto no serviço de educação e propaganda daorganização como no de finanças.

Aquele homem de idade madura, mas de aspecto jovial,fumando charuto e trazendo uma papoula vermelha na lapela,tornara-se por demais conhecido na Praça do Ferreira. Chegava aocair da tarde vindo da garapeira do turco, na Praça do Carmo, ondepassara o dia ao pé do balcão vendendo bolos e refrescos. Semperda de tempo ia oferecendo aos presentes as publicaçõesretiradas do fundo da velha pasta de couro. jornais como "NovosRumos", "A Classe Operária" e a "Imprensa Popular"; revistas como"Problemas", "Estudos" e a "URSS". Enquanto vendia aspublicações, entabulava discussão com os fregueses. Certa vez,ao oferecer o jornal "Classe Operária" a um senhor muito bemtrajado, recebeu como resposta: - Meu amigo, eu sou um homemde negócio, um burguês. Deixe o seu jornal para os assalariados,pois só a eles deve interessar. Ao que respondeu prontamente ovendedor: - É burguês, o que vale dizer que vive da exploração daclasse operária, a produtora de todas as riquezas do mundo. Oricaço não ficou com o jornal. Entretanto, alguns estudantes quepresenciaram o incidente, logo vieram adquiri-Io. Só depois de fazera ronda na Praça era que Papão tomava assento no banco, onde aesperá-Io já se achavam os papeadores de sempre.

Os pichamentos constituíam o meio de propaganda maisutilizado pelos militantes esquerdistas para a difusão de suas idéias.As inscrições eram feitas de preferência nas calçadas e nos muros,locais mais expostos à visibilidade dos transeuntes. O fato provocavadebate, despertando o interesse do povo para os temas abordados.Alguns slogans, tais como os do "O Petróleo é Nosso", "NenhumSoldado para a Guerra da Coréia" e o que dizia "Paz, sim - guerra,não!" lograriam, graças ao piche popularidade influindo na formaçãoda opinião pública.

Papão, sempre que lhe sobrava tempo escrevia nas paredesnão só estes slogans, como outros inventados por ele. Haja vistaaquele do "Preste ou não preste o homem é o Prestes". A entradada padaria onde Papão fazia compras achava-se infestada comaqueles dizeres. Até que avisada a polícia, o pichador erasurpreendido em ação. Levado ao DOPS, após algumas horas dedetenção, o delegado não quis levá-Io a sério.

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- Então, meu velho, - disse ele - me contaram que você écomunista. Mas, isto não é verdade ou é?

Resposta do preso:- No inverno e no verão!a delegado achou graça com o dito, mandando que Papão

fosse embora. A mesma benevolência, entretanto, não haviaconhecido Papão anos antes, quando na companhia de DâmasoAraújo e de Vilebaldo Teles fazia, no Passeio Público, inscrições dacampanha d"'a Petróleo é Nosso". Foram os três presos por umapatrulha e levados ao quartel do 23 BC, onde curtiram mais de ummês de prisão. Motivo alegado pelas autoridades coatoras: ospresos estavam atentando contra a segurança nacional ... Coisasda época: para o oficialismo reacionário, a tese nacionalista daexploração do petróleo brasileiro pelo Estado era subversiva.

Enquanto isto, o General Juarez Távora, Chefe do Estado-maior das Forças Armadas, defendia ardorosamente a entrega dopetróleo brasileiro a Standard Oil Company. Porque, conformealegavam, nós não tínhamos técnicos e nem dinheiro paradesenvolvermos uma indústria petrolífera.

A última prisão de Manoel Batista Ferreira ocorreu em abril de1964, após a contra-revolução dos generais, quando ele contava80 anos de idade. Quatro anos depois, em maio de 1968, Papãomorria vitimado por um edema pulmonar na Santa Casa deMisericórdia, em Fortaleza, sendo enterrado como indigente noCemitério São João Batista. Morreu levando uma grande tristeza: atristeza de deixar o Brasil, a pátria adotiva, sob o guante de umaditadura tão odiosa quanto a reinante em Portugal, a pátria que eledeixara para trás.

- XXXII-Aluísio Gurgel, O Tlmosenko que nunca foi aguerra - A batalha das finanças do Partido- Aluísio e Batista Neto, dois exemplos de

trabalho, idealismo e abnegação.

Terminada a guerra de verdade nos campos de batalha daEuropa, o nosso Timoshenko que lá nunca pusera os pés, passaria

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Aluísio Gurgel do Amaral, o Timosenko

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a participar de uma guerra diferente, para a qual se achavadevidamente preparado. Era a guerra de finanças para amanutenção do Partido Comunista. O Partido, recém-saído dailegalidade, havia-se multiplicado, crescendo rápida edesordenadamente. Fazia-se imperioso educar os militares dentrodos princípios marxistas-Ieninistas. E uma das maneiras deconsegui-Ia seria através da criação de jornais e revistas. AluísioGurgel entrou em campo, conseguindo juntamente com os médicosAlísio Mamede e Raimundo Vieira da Cunha os recursos necessáriospara a aquisição do jornal "O Democrata", antes pertencente aoSenador Olavo Oliveira. O feito lhe valeria ser condecorado com aMedalha de Ouro pelo Comitê Nacional do PC. Ele haviaconquistado a sua Stalingrado.

Encorajado com a vitória, o nosso Timoshenko continuaria aganhar novas batalhas na guerra de finanças pela sustentação doPartido. Para tanto não bastavam as mensalidades pagas pelosmilitantes. Era necessário mais dinheiro. E ele, juntamente com osmédicos Raimundo Vieira da Cunha, Alísio MA.mede, VulpianoCavalcante e do advogado Aldir Mentor, lutavam frente aosburgueses progressistas ou não, para conquistar os cruzeiros tãonecessários.

Aluísio Gurgel casara-se na terceira idade. Agora, aos 83 anos,cercado da mulher, do filho e dos netos, enlevos de sua velhice, elenão pára de remem orar os feitos do passado. A prisão e as torturassofridas no Rio de Janeiro durante o Estado Novo. As vitóriasconquistadas, não só no campo das finanças, como no campo dadiplomacia. Porque Aluísio Gurqel não era só um dos financistasdo Partido. Ele se destacava também como um diplomata. Era orelações públicas do Partido, incumbido de fazer ligações e tratarde outros assuntos junto às autoridades e outras personalidadesda vida política e social.

Batista Neto não lhe ficava atrás. Contando 85 anos - eletrabalhara até recentemente com uma livraria -, vive os seus últimosanos ativo e lúcido, cercado dos familiares, a recordar episódiosdos quais participara nos anos difíceis da vida política nacional.Rememora envaidecido suas proezas no Arsenal de Marinha, edepois a participação que tivera na Câmara dos Deputados comoconstituinte de 1946. Dois exemplos de trabalho, idealismo e

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abnegação dignos de serem recordados: Aluísio Gurgel e JoaquimBatista Neto.

- XXXIII-Bares e botecos da Praça do Ferreira e adjacências

- Cachaça, bebida discriminada- Violências da polícia contra os cachaceiros.

Não eram poucos os bares e os botecos em funcionamentona Praça do Ferreira e adjacências. Na Liberato Barroso, no Becodos Pocinhos, Guilherme Rocha, São Paulo e Travessa Parásucediam os ditos estabelecimentos, cada qual procurando atrairfregueses com os tira-gostos expostos nas vitrines. E que tira-gostos!Era o que havia de melhor: cajus, cajás e sirigüelas, que é umafrutinha vermelha chegada dos Andes e aclimatadas no Ceará. Ouquando não, caranguejos, siris e os peixinhos do Cocó, muitossaborosos e de grande procura. (20)

Também as marcas de cachaça. Os donos dos botequinsesforçavam-se em agradar os fregueses com as cachaças velhas,macias como veludo ao serem ingeridas. Havia marcas muitoapreciadas, como a Cumbe, Sapupara, Colonial, Fonseca e Rosada Fonseca, consideradas no gênero como as melhores do Brasil.Mesmo assim eram grandes os preconceitos contra a cachaça e oscachaceiros. Todo alcoólatra, todo bêbado desclassificado, fossede que bebida fosse era chamado de cachaceiro, quando de acordocom a boa semântico cachaceiro deveria ser o fabricante e não oconsumidor da cachaça.

O poeta Teixeirinha considerava esta impropriedade vernacularindagando: digam-me quem é o sapateiro? Quem usa ou quemfabrica os sapatos? E o padeiro? Quem come ou aquele que fabricao pão? Então, por que nos chamar de cachaceiros? Ora, cachaceirossão os donos de engenhos, os produtores de cachaça, e não osconsumidores. Fosse, no entanto, o vernaculista dizer aosfabricantes das aguardentes - entre os figurava o interventorMenezes Pimentel, dono da "Uruguaiana"- que eles eram unscachaceiros. Apostamos como iria bater com os costados noxilindró. Pois o dito constituía ofensa tão grande, como chamar as

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donzelas de raparigas ... No entanto, embora os preconceitosarraigados contra a cachaça, não faltaria gente de cartaz, pessoasinovadoras a desafiar o label infamante. Eram. Entre outros, osartistas - poetas, violonistas, cantores, compositores, jornalistas -gente como Sidney Neto, Rogaciano Leite, Afonso Aires, CarlosTeixeira Mendes, Lauro Mala, José Jatahy e tantos e tantos outros.Eles faziam a alegria dos bares e botecos da Praça do Ferreira eadjacências. Certamente por se tratar de uma bebida do povo. Ofato é que a polícia procurava dificultar a venda da cachaça.

Nos três dias de carnaval os bares e botequins ficavamproibidos de comercializá-Ia. O mesmo acontecendo nos outrosdias, a partir do anoitecer. Poderiam vender a cerveja, os vinhos econhaques - bebidas que fugiam ao consumo popular -, porém acachaça, não. As rondas policiais saíam dando caça aos infratores.Não eram raros os incidentes como aquele em que se viu envolvidocerto oficial do Exército, homem de cor e grande apreciador dapopular bebida. Ele se achava à paisano, bebericando numbotequim da São Paulo, quando se aproxima a ronda policial. Osoutros que se achavam a bebericar, largaram os copos e caíramfora. Menos o forasteiro, que permanecia indiferente a entornar abebida proibida. Os policiais não tiveram conversa. Levaram obaiano aos sopapos e empurrões. No dia seguinte, no prédio daPolícia Central, quando o agente de plantão vistoriava as celas foiindagado em tom autoritário: - "Cadê o delegado, já chegou?Quando ele chegar diga-lhe que o capitão fulano (disse o nome)quer vê-Io." Não foi pequeno o reboliço na bastilha da Praça dosVoluntários. Delegados e outras autoridades foram, chamados àspressas. Médicos e enfermeiros convocados, muitas desculpas e apromessa de um inquérito para apurar responsabilidades. Não iriam,no caso, punir os autores de um delito, como facilmente sedepreende, mas aos agressores de um oficial do Exército.

A clandestinidade da cachaça permaneceria ainda por muitotempo, mesmo depois de haver os soldados e marinheiros de TioSam proclamado a sua excelência. Somente a partir do carnaval de1974 ela foi liberada inteiramente ao consumo do povo, graças auma autorização do Secretário de Polícia, General Assis Bezerra,que afirmou considerá-Ia com o mesmo teor alcoólico do uísque ede outras bebidas fortes, não vendo, portanto, motivos para adiscriminação. A cachaça era o uísque do povo. (21)

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- XXXIV-"O Oliveira", um boteco diferente- Papeação, cachaça e meizinhas.

Diferente dos outros botequinheiros era o Oliveira, dono deum boteco que lhe guardava o nome na Guilherme Rocha, a doisquarteirões da Praça do Ferreira. Nada de tira-gostos e nem demarcas especiais de aguardentes para atrair os fregueses. Estesse chegavam naturalmente, atraídos antes pelo papo é pelasmeizinhas do dono do negócio. Oliveira era um papeador sem igual.O boteco, instalado em um pardieiro imundo, dispunha de umamesa e de vários tamboretes destinados àqueles que ali faziamcátedra. Nas prateleiras, ao lado das garrafas de cachaça in natura,viam-se diversas outras contendo infusórios das cascas, folhas eraízes de plantas medicinais. Eram meizinhas indicadas para otratamento de gripes e constipações, infusórios de cascas deimburana de cheiro. De folhas de eucalipto e raízes de muçambê.Ou de cascas de laranja, aconselhados para os desarranjosestomacais.

Oliveira preparava na hora umas batidinhas feitas na base demel de abelha, limão e cachaça, que tanto serviam de aperitivo comode imunizante contra as gripes e resfriados. Homem letrado, donode uma cultura conseguida graças aos jornais e revistas, Oliveiraencontrava nos bate-papos a sua cachaça. Mal avistava os amigosda opa, puxava conversa para indagar sobre a guerra do Vietnã, oarrombamento do açude Orós ou as últimas do DesembargadorFaustino de Albuquerque. Que achavam de tudo aquilo? E quandoos debates chegavam aos extremos, com os "melados" a discutiremacaloradamente, ele invocava o regulamento da Casa. Era proibidodiscutir política e religião ... Na pauta das proibições estaria o debatesobre o desastre do Orós. Quando o acontecimento se tornara pordemais polêmico, ele achara por bem tornar proibidas as discussõessobre o arrombamento do açude. Escusado dizer que a voz docensor somente se alevantava nos casos extremos, com o fim deevitar perturbações da ordem e a intervenção da polícia.

Entre a freguesia do Oliveira encontrava-se gente de todas asclasses. Trabalhadores de folga, desempregados, funcionários

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públicos, ativistas políticos, jornalistas boêmios e principiantes naliteratura. Gente como Durvai Aires, Germano Pontes, José Hélderde Sousa, Pompílio Filho e Luciano Barreira. Cabia-Ihes amenizar oambiente com as suas tiradas literárias. Situações anedóticas doOuintino e Padre Ouinderé; recitativos com os versos de RogacianoLeite, Cego Aderaldo, Dantas Ouezado e Patativa do Assaré. Osautores do nosso romance social- José Uns do Rego, Jorge Amado,José Américo de Almeida, Graciliano Ramos e Jáder de Carvalho -tinham em debate, vez por outra, as suas obras.

O mesmo já não acontecia com os poetas das elites, fossemeles parnasianos, simbolistas ou modernistas. Fernando Pessoa, éverdade, foi certa vez invocado pelo repórter Alberto S. Galeno, istograças ao telurismo daquela sua poesia - poesia ou prosa? - sobreo rio de sua aldeia. "Maior do que o Tejo é o rio que passa na minhaaldeia!" Por que não faziam o mesmo os poetas da Pacatuba, o"príncipe" e a sua corte? Parafraseando o vate português, eles bempodiam escrever algo parecido: "Maior do que o Jaguaribe é o Cocó/Porque o Cocó é o rio que nasce na minha aldeia" Mas não o faziam.Complexo de inferioridade. Não o faziam por ser o Cocó - emboradadivoso, embora questionado - o menor rio do Ceará.

A mini-academia do Oliveira, muito mais dinâmica do que ado cartorário Cláudio Martins, funcionou até a década de 70, quandodesapareceu juntamente com o boteco, absorvido pela voragemdas imobiliárias. Foi uma perda para os meios culturais da cidadede José Walter Cavalcante. O Oliveira, cujo nome de batismo eraEgídio, faleceu dez anos depois, em 4 de outubro de 1980.

-xxxv -Nas mesas dos bares e cafés o elogio das bebidas

prediletas - Cachaça, cerveja e pega-pintoem ritmo de trova.

Nas mesas de bares e cafés da Praça do Ferreira os poetasboêmios escreviam em versos o elogio das bebidas do seu gosto.Ouçamos o que diz o trovador Carlos Teixeira Mendes, o nossoinefável Teixeirinha, sobre a cachaça, bebida da sua preferência,também chamada de cana, branquinha, aguardente e de água-que-

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passarinho-não-bebe:Uns gostam dela moída,Outros preferem chupada,A minha cana queridaEu só quero engarrafada.

Já o poeta Batista Soares, mais chegado às bebidas de baixoteor alcoólico, prefere fazer o elogio da cerveja:

Não vejo nenhum desdoiroEm se beber raramenteAlgo de um líquido loiroQue afoga as mágoas da gente.

O Professor Alberto Sá, engenheiro e poeta, tanto apreciavaa cachaça, como a cerveja e os conhaques. Entretanto, mais doque as bebidas alcoólicas ele apreciava o pega-pinto, um refrescosaboroso e medicinal, preparado com as raízes de uma planta deigual nome. Leiamos o que ele diz sobre o pega-pinto da "Gruta",um bar e restaurante que marcou época na Praça do Ferreira:

Satisfeito só me sinto,Com esta quentura bruta,Quando tomo o pega-pintoQue se vende lá na "Gruta".

Por último, Osvaldo de Aguiar, promotor de Justiça emMaranguape, sujeito ranzinza que não bebia nem cachaça, nemcerveja e nem mesmo o saboroso e medicinal pega-pinto da "Gruta".De vícios, só mesmo o cigarro. Desde, porém, que não lhedesagradasse o paladar. Porque, neste caso, ele fazia o anti-elogiodo produto, como o fez do cigarro "Sonho Azul", um lançamentoda fábrica Araken:

"Sonho Azul" ... não é perfeito,Sempre que fumo me entalo,Parece que o bicho é feitoDe excremento de cavalo.

Mas, chega de encher lingüiça. Vamos ficar por aqui.

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-XXXVI-As lutas sociais das décadas de 40 e 50 - O PC,

sindicatos e outras associações nas lutas patrióticase democráticas - O assassínio de Jaime Calado

- A participação dos jovens e das mulheresnas lutas populares - Outras notas.

Saído da clandestinidade em que se achava desde o ano doseu surgimento - 1922 - o Partido Comunista, depois de breveperíodo de legalidade, retornava à vida clandestina. A legalidadeservira-lhe para esclarecer o povo acerca dos seus objetivos eaumentar consideravelmente as suas bases. Sempre cheia demilitantes, a sede do PC ficava no cruzamento da Guilherme Rochacom a Barão do Rio Branco, tendo como campo de ação as praçasdo Ferreira e José de Alencar. Num e noutro local sucediam-se oscomícios-relâmpagos, as panfletagens e os pichamentos.

Estávamos na época do culto à personalidade. A dataaniversária de Luís Carlos Prestes, Secretário-Geral do Partido,embora proibida pela polícia era comemorada festivamente pelosmilitantes, com foguetórios, pichamentos e bandeiras vermelhasno alto dos edifícios. No cumprimento dessas tarefas, geralmentearriscadas, destacavam-se os militantes da juventude comunista.Entre eles sobressaíam-se jovens como Aldovandro Oantas, VascoOamasceno Weyne, Francisco Cândido Feitosa, José Ferreira deAlencar e outros. No 3 de janeiro de 1951 eles, além das salvascom bombas e foguetes e das panfletagens da Praça do Ferreira,hastearam bandeiras vermelhas no alto da Rotisserie e do São Luís,verdadeira temeridade. Contudo, destes desafios contra o governo,o de maior repercussão pela. audácia de que se revestiu, foram ospichamentos exigindo a renúncia do presidente da República. Certanoite, logo após o fechamento do partido, em 1948, as praças doFerreira e José de Alencar foram inteiramente pichadas, com dizeresreclamando a renúncia do ditador Gaspar Outra. E denunciando ainterferência do imperialismo norte-americano na política interna doBrasil. A polícia entrou em ação, prendendo meia centena depichadores. Com efeito, o ato proibitório do General Outra valia comoo engajamento do seu governo na guerra fria desencadeada pelos

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ianques contra a URSS e o socialismo.Ações de massa mais enérgica não se fizeram tardar. Assim é

que no ano seguinte - agosto de 1949 - o partido concitava o povode Fortaleza a impedir a realização, no Teatro José de Alencar, deum congresso dos integralistas, dirigidos por Plínio Salgado. Outrahavia solicitado a Faustino de Albuquerque que assegurasse arealização do conclave. No hall do Teatro, após uma confrontaçãocom os verdes, era assassinado a tiros o dirigente comunista JaimeCalado. O crime serviu para acirrar ainda mais os ânimos.Convocada pelo Partido, por deputados e entidades democráticas,uma multidão de cerca de dez mil pessoas se fez presente na Joséde Alencar, a fim de protestar contra o conclave integralista e apresença de Plínio Salgado em Fortaleza.

Faustino de Albuquerque, dando cumprimento ao apelo deEurico Gaspar Outra, não vacilou em jogar o Esquadrão de Cavalariae toda a polícia contra o povo. Durante várias horas, polícia ecavalarianos investiram contra a massa popular, interrompendo ocomício que se realizava, dissolvendo a multidão e deixando comoresultado várias dezenas de pessoas feridas. No comício, entre osoradores, haviam-se feito ouvir Jáder de Carvalho e MargaridaCalado, viúva de Jaime Calado.

As décadas de 1940 e de 1950 foram de muitas lutas sociaise de muita repressão no Ceará, principalmente em Fortaleza. Grevesdos operários das fábricas de tecido de Fortaleza por aumento desalário; greve geral em Camocim contra a retirada dos trens daRVC; organização e luta dos trabalhadores do campo contra aexploração patronal e pela reforma aqrária; luta das mulheres contraa carestia de vida, contra o envio de soldados brasileiros para aGuerra da Coréia e pela paz; luta dos estudantes e de todo o povoem defesa da campanha do "petróleo é nosso".

Estas lutas tiveram seus mártires e seus heróis. Entre osprimeiros destaca-se Jaime Calado, imolado no hall do Teatro Joséde Alencar, em agosto de 1949. Já no comando das lutas de massadesencadeadas pelo PCB sobressaíram-se, entre outros, José Bentode Sousa, (22) Humberto Lopes e Lauro Garcia. Aldovandro Oantas,Vasco Oamasceno e Francisco Cândido Feitosa, pela juventudecomunista; Bárbara Feitosa, Fernanda Ferreira e outros, pelaFederação das Mulheres do Ceará; Carlos Jatahy, Luís Oliveira e

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outros dirigentes sindicais em Fortaleza; José Leandro Bezerra,presidente da Faltac, dirigente sindical no campo; os médicos JúlioCésar Gurgel e Edmilson Barros de Oliveira, juntamente com oVereador José Júlio Cavalcante, o estudante João Elmo Moreno eo advogado e jornalista Olavo de Sampaio, dirigentes do Centro deEstudos e Defesa do Petróleo.

Continuadores do Estado Novo, apesar da Constituição de1946, os governos do Desembargador Faustino de Albuquerque edo Dr. Raul Barbosa oprimiram o mais que puderam os cearensesem luta por conquistas sociais.

-XXXVII-A Assembléia Legislativa e seus recessos - Sempre que

tocavam as cornetas o Senador Alencar fechava as portas- As bancadas da LEC e do PSD - Sua composição.

A sede da Assembléia Legislativa do Estado, mal saída deuma recessão de mais de cinco anos, estava agora estourando degente, num verdadeiro sufoco. Muita animosidade, muitodesapontamento entre vencidos e vencedores no pleito ocorridono ano anterior de 1934. Havia duas bancadas: a da Liga EleitoralCatólica - LEC e a do Partido Social Democrático - PSD. A primeiraresultante do conluio entre o clero, os coronéis latifundiários e osintegralistas, congregava o que havia de mais reacionário nasociedade cearense. Já a segunda, integrada em sua maior partepor representantes das chamadas profissões liberais, eraideologicamente mais arejada. Podiam ser vistos entre estes,maçons e livres-pensadores, o que era inadmissível nas hosteslecistas. Vejamos algumas das vedetes dos dois grupos. Tomaramassento na bancada da LEC, os integralistas Carlito Benevides eUbirajara índio do Ceará; José Martins Rodrigues, redator de "ONordeste", o jornal dos clericais fascistas, e advogado da CearáLight; o advogado Dário Correia Lima e o Coronel Chico Monte, deSobral, o mais famoso dos coronéis matutos do Ceará Na bancadado PSD destacavam-se o médico Amadeu Furtado e o lojista JoséRamos Torres de Meio, ambos maçons; Paulo Sarasate, do Jornal"O Povo", no início da carreira parlamentar; Duarte Júnior, advogado,

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brilhante represer:-nte do Cariri.Dário Correia Lima e Duarte Júnior eram os tribunos da Casa.

Um e outro logravam empolgar a assistência sempre que usavamda palavra. Duarte no ataque e Dário na defesa do governo dePimentel. Os aplausos e as vaias misturavam-se. Era quando opresidente da Mesa, o médico César Cais, ordenava à polícia queevacuasse as galerias, ocupada em grande parte pelos estudantes.Todavia, embora a problemática do Estado - que não era pequena-, os debates nunca passavam da trilha das questões político-partidárias. Perseguições políticas no interior, prisões arbitrárias,demissão em massa de funcionários públicos adversários do novogoverno. Onde a promessa de Pimentel de que governaria "sob opálio de amor e liberdade?" E assim prosseguiram as increpaçõesaté ano de 1937, quando as cornetas voltaram a tocar anunciandomais um golpe de Estado. Era à Estado Novo que se iniciava.

O casarão da São Paulo - que ainda não havia adotado onome do Senador Alencar - fechou novamente as suas portas, destavez por dez longos anos. Duarte e Dário desapareceram comotribunos. Mais alto do que suas vozes ecoava a corneta dos militaresgolpistas.

- XXXVIII-A Biblioteca Pública - Por que Menezes Pimentel?- Heloneida, a futura romancista - O sacrifício de

Colombo Távora, mártir das lutas populares.

Nos baixos da Assembléia, lado da Floriano Peixoto,funcionava a Biblioteca Pública do Estado. Sentada a escreverqualquer coisa achava-se uma moçoila, filha da diretora darepartição. A moçoila chamava-se Heloneida Studart e seria, nofuturo, romancista de algum sucesso e deputada pelo Estado daGuanabara. Havia também um jovem funcionário, que pensava esonhava com um futuro melhor para o seu povo. Era ColomboTávora, um dentre os muitos mártires das lutas libertárias do povobrasileiro. Pouco antes do golpe getulista que implantaria o EstadoNovo, Colombo facilitara a subida para o lado da Assembléia deum grupo de pichadores, os quais nas caladas da noite encheram

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o recinto de inscrições contra o governo. Facilmente descoberta asua conivência, Colombo foi preso e conduzido para o DOPS(Delegacia de Ordem Política e Social), onde sofreria as maiorestorturas. Além dos espancamentos diários, forçavam-no a ingeriróleo de rícino, método de depuração ideológica usado pelosintegralistas. Isto, durante meses a fio. Até que não resistindo aotratamento terrível, o preso foi acometido de tuberculose. Soltaram-no para que morresse em casa, no meio dos seus e não no presídio.

Depois a biblioteca foi transferida para a General Bezerril, paraa Tristão Gonçalves e, por último, para a Av. Presidente CasteloBranco (Leste-Oeste). Não se sabe a razão que levou os governantesda época - 1972 - ali acrescentarem o nome do ex-interventorMenezes Pimentel. Pergunta-se: quem sabe de alguma produçãoliterária de Pimentel, em prosa ou verso? Então, por que BibliotecaPública Menezes Pimentel e não José de Alencar? Alencar foi ocriador do romance brasileiro, além de ser cearense. Seria umahomenagem justa e merecida. Senão, Biblioteca Juvenal Galeno.Pois Juvenal, além de poeta famoso, foi diretor durante muitos anosda Biblioteca Pública. Mas, não! Era Biblioteca Menezes Pimentelpara todos os efeitos. Afinal, toda classe social tem os seus heróis,as suas personagens representativas. Para os reacionários daRepública dos Generais no Ceará, a personagem de escol eramesmo Pimentel.

- XXXIX-Uma denominação para a Assembléia do Ceará. Para

quem o laurel: Correia Bracim, Walter de Sá ou oSenador Alencar? - Uma sumidade o filho de DonaBárbara - Surgem os verdadeiros representantes

do povo cassados pelos militares golpistas- Depois dos Braganças a dinastia dos generais.

Os trabalhadores e o povo teriam, afinal, representantescondignos na Assembléia, embora por pouco tempo. Foi no apósEstado Novo, saídos das urnas de 1948. Seus nomes: José Marinhode Vasconcelos, pedreiro; e. José de Pontes Neto, médico. Elessouberam ser dignos da confiança popular, levantando com

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seriedade, no Legislativo, os problemas que afetavam o povo. Porisso mesmo foram cassados. Sim, não escaparam do golpe brancodesfechado pelo governo de Outra contra as instituiçõesdemocráticas, sob o pretexto de expurgo dos comunistas. Cassadosos dois parlamentares populares, só depois de vários anos teriameles substitutos dignos de ocupar-Ihes as cadeiras. Seriam estes otambém comunista Aníbal Bonavides e os social-trabalhistasRaimundo Ivan de Oliveira e Amadeu Arrais.

Foi por essa época que entrou em debate a escolha de umadenominação para o edifício da Assembléia. Quanto cearense ilustre,digno da homenagem! ... Alguns lembraram o nome de CorreiaBracim, avô de Emília Correia Lima, a nossa Miss Brasil e pai dotribuno Dário Correia Lima. O indicado, apesar de gago, ganharafama de orador eloqüente nos comícios de Franco Rabelo. Quemnão lhe conhecia a maneira cativante usada sempre que se dirigiaàs multidões? - O povo heróico de minha terra! - Era como eledizia. E a massa popular vibrava cheia do mais puro contentamento.Advogado e político militante, Correia Bracim (23) deixara um nomeaureolado de muita fama. Por que não dar-lhe o nome ao edifício-sede da Assembléia Legislativa do Ceará?

Outros lembraram o nome de Walter de Sá Cavalcante,deputado federal pelo PSD, então recentemente falecido. Foi quandoentrou de cheio o Deputado Bonavides:

- Nem Correia Bracim e nem Walter de Sá Cavalcante. Ohomem é o Senador José Martiniano de Alencar, grande tribuno,grande estadista, o maior representante do povo cearense em todosos tempos!

Bonavides ia bem fundamentado. Levava embaixo do braçoum relatório escrito por Raimundo Girão, o maioral da historiografiacearense, no qual eram examinadas meticulosamente a vida e aobra do padre e senador do Império, pai do criador de Iracema.Currículo riquíssimo, dos mais invejáveis. O padre era umaverdadeira sumidade. Grande tribuno, ministro do Império, senador,presidente da província, suas realizações eram verdadeiramenteextraordinárias. Até um banco provincial ele fundara quandopresidente do Ceará, lançando, desta forma, a idéia do futuro BEC.

Combatente das lutas da independência, participara daRevolução de 1817 e da Confederação do Equador, quando teve a

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cabeça posta a prêmio. Antecipara-se em muitos anos ao MarechalDeodoro da Fonseca, proclamando a república na matriz do Crato,isto em 1817. E ninguém mais falou em Correia Bracim e nem emWalter de Sá Cavalcante. Alencar teve o seu nome aprovado porunanimidade como patrono da Assembléia Legislativa do Ceará.

Um fato, no entanto, ficou esquecido no relatório de Girão. Ohistoriador não disse da besteira cometida pelo ministro do Império,ao conceder maioridade a um fedelho de quatorze anos, neto deCarlota Joaquina e do Papa-frangos, tornando-o rei dos brasileiros.Por causa desta besteira tivemos de suportar durante meio séculoa chateação de um Pedra 11. Quando o padre podia ter repetido ogesto histórico da matriz do Crato, proclamando a república emandando de volta a Portugal o príncipe e sua patota. Hoje osbrasileiros se vangloriariam em pertencer a uma república quenascera civilista e não como o resultado de uma aventura militar.Conseqüentemente ficaríamos a salvo da praga dos golpes e dostutores saídos dos quartéis.

Passado algum tempo da escolha do patrono da Assembléia,as cornetas voltaram a estrugir. A soldadesca deixou os quartéis,marchando pelas ruas num confronto com o povo. Mais um golpede Estado. Já havíamos experimentado a "revolução" dos tenentes.Agora seria a "revolução" dos generais. Desta vez as portas doPalácio Senador Alencar não foram fechadas. E nem se fazianecessário, pois a maior parte dos deputados estava conluiada comos golpistas. Limitaram-se a prender a levar para o quartel aBonavides, Amadeu e Raimundo Ivan, deputados que souberamhonrar o mandato do povo. Os outros permaneceram comoestavam. Iriam legislar de agora em diante de acordo com osfamigerados Atos Institucionais. Melhor que tivessem fechado ocasarão. Pelo menos sairiam com dignidade.

Curioso é que o maioral dos gol pistas, um certo GeneralHumberto de Alencar Castelo Branco, se apresentava comodescendente do Senador Alencar. Seria, no caso, o descendentefortuito dando continuidade ao ato infeliz do ascendente ilustre. Seo Ministro José Martiniano dera prosseguimento à dinastia dosBraganças, agora era a vez do rebento dos Alencares criando umanova dinastia, tão perniciosa quanto a primeira: a dinastia dosgenerais. Desta dinastia se sucederam no poder, além do fundador,

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os generais Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e JoãoBatista de Figueiredo. Uma calamidade a mais para o povo brasileiro,já por demais sofrido.

Em frente ao prédio da Assembléia havia uma estátua deCapistrano de Abreu, o Herôdoto da nossa História. Embaixo, nomármore, como uma advertência: aos deputados, a sentença lapidar:"Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha". Sim, Capistrano sepropusera a fazer um projeto de Constituição para o Brasil, cujoartigo primeiro e único constava daquela sentença. Agora, mais doque nunca cabia aos brasileiros, principalmente aos deputados,terem vergonha. Dada a grande atualidade da propositura dohistoriador, decidiu a prefeitura remover o busto para outro local.

Encontrava-se sem serventia na Praça da Lagoinha a basede uma fonte luminosa belle époque. A fonte reproduzia uma lendagermânica dos tempos medievais, onde apareciam três corcéismontados por várias nereidas. O prefeito dos gol pistas não tevedúvida em alterar a montagem, retirando as nereidas e colocandono lugar dos cavalos o busto de Capistrano. Uma maneira decastigar e não de homenagear o grande cearense pelo seupronunciamento.

A Assembléia Legislativa, por sua vez, não tardaria em serremovida da zona central para os arredores de Fortaleza. O mesmojá havia acontecido com a sede do governo do Estado e com aBiblioteca Pública. Afastar do povo os órgãos do governo, esta eraa ordem do regime autoritário. Construíram no bairro da Estânciaum casarão nos moldes dos mosteiros de beatos do Padre Cícero.E, no frontispício, o nome que surgiu foi, não o do Senador Alencar,o de Correia Bracim ou o de Walter de Sá Cavalcante, mas o doCoronel Adauto Bezerra, o novo tuchaua do Ceará. - Ó tem pores,ó mores! - como repetia Dom Manoel da Silva Gomes.

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-XL-Um assunto polêmico: onde nasceu Castelo Branco?No Ceará ou no Piauí? - Os piauienses e as glórias

cearenses. Nem Iracema escapou- Que ficassem com o gorila, mas nos deixassem

com a índia dos lábios de mel.

A cearensidade do novo ditador estava longe de entusiasmaros conterrâneos. Desta vez já não se repetiam os gestos deendeusamento dispensados a um outro cearense, o Capitão JuarezTávora, por ocasião da "revolução" dos tenentes, em 1930. O físicode Castelo, é verdade, não ajudava. Baixo, atarrachado, de arsorumbático, ele se tornaria o alvo preferido dos gaiatos, entrandosem demora para o nosso anedotário. Mas, não era só o físico. Oque mais pesava contra Humberto de Alencar Castelo Branco,tornando-o mais antipático ainda aos olhos do povo, era o fato derepresentar ele a ditadura que se instalava no país, a ditadura dosgenerais reacionários, testas-de-ferro do latifúndio e do imperialismo.

O povo estava cansado de golpes militares, de promessasde salvação nacional. De revolução só mesmo a revolução civilistaque vinha sendo posta em prática por João Goulart, com o apoiodos setores mais progressistas da nação. Uma revolução agrária eanti-imperialista. Ora, o que pretendiam os generais do primeiro deabril era exatamente impedir que se realizassem essastransformações. O que eles se aventuravam a fazer, portanto, erauma contra-revolução e nunca uma revolução. Contudo, nãofaltariam pesquisadores e genealogistas, os primeiros atrás de sabero lugar de nascimento e os últimos de conhecer a árvore genealógicade Humberto de Alencar Castelo Branco. Quanto ao lado genético,não havia dúvida. Castelo era, na verdade, um rebento da mesmaárvore do Senador Alencar. Divergências surgiram, sim, quanto aolugar de nascimento. Pois não faltou quem assegurasse haver oditador nascido no Piauí, e não no Ceará. A controvérsia adquiriaforos de verdade na terra onde meu boi morreu. - Vocês piauienses- dissemos numa discussão inflamada na Academia de Letras doPiauí, estão a se apossar das glórias cearenses. Primeiro foi o casoda Jovita Feitosa. A nossa heroína da Guerra do Paraguai seria

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piauiense e não cearense. Agora é o Castelo Branco. Castelopiauiense? Se verdadeira esta pretensão seria até um alívio paranós cabeças-chatas. Deixaríamos de ser pichados comoconterrâneos do ditador.

Foi quando uma jovem e simpática beletrista, até entãosilenciosa, achou de entrar no debate.

-- Mas não é só a Jovita Feitosa - disse ela muito espevitada.E se eu lhe disser que a Iracema de José de Alencar é tambémpiauiense?

- Essa não! - respondemos admirados.- Pois é como eu lhe digo - prosseguiu a nossa oponente.

Iracema era piauiense! Quem afirma não sou eu, mas o próprioJosé de Alencar. Senão atente para o que ele diz no início doromance: "Além, muito além daquela serra que azula no horizontenasceu Iracema, a virgem dos lábios de mel!" Ora, a serra que ficaentre os dois Estados é a da lbiapaba. O romancista posicionava-se do lado cearense. Eu pergunto: o que fica além da Ibiapaba, a"serra que azula no horizonte"? O Piauí! Pois Iracema se nasceualém da Ibiapaba é piauiense e não cearense. Queiram ou nãovocês, cabeças-chatas.

Despedimo-nos desapontados dos vizinhos piauienses. Queficassem com o gorila, mas nos deixassem com a índia dos lábiosde mel.

NOTAS

1 - Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS)2 - Engenheiro José Walter Cavalcante, ex-prefeito de

Fortaleza, nome do Conjunto Habitacional, antes denominado CasaPopular.

3 - Amorim Parga, que possuía entrada franca no Palácioda Luz, contou-nos ter escutado uma conversa entre o InterventorMoreira Lima e o Industrial Pedra Filomeno, ocasião em que ointerventor aconselhara o dono da fábrica São José a fazer umacordo com os operários em greve, pois no seu governo os grevistasnão seriam presos e nem espancados.

4 - Os jornais de Fortaleza por conveniência política outemerosos de vinditas, atribuíram a autoria do massacre aos

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soldados da Polícia Militar e não do Exército, mancomunados comos integralistas, como de fato ocorreu.

5 - Entidade criada pelo PC para prestar assistência aospresos políticos.

6 - Tombaram assassinatos o sub-inspetor da Guarda Civil,Raimundo Correia Lima; e os guardas Marcus Ribeiro Magalhães eEldair Correia Lima.

7 - Pai dos Pobres: pessoa caritativa, amigo dos pobres.8 - Medicamentos manipulados pelos boticários, tais como

pomadas, xaropes.9 - Gomes de Freitas em "Inhamuns - Terra e Homens".1O - O Inspetor Apolinárío, servindo de guarda-costa do Vice-

governador Stênio Gomes, foi assassinado no bairro dePorangabussu, por ocasião de um comício do presidenciávelAdemar de Barros. Indo a um boteco tomar café, ali encontrou-secom o carroceiro conhecido por mestre Manoel, seu inimigo figadal.O carroceiro investiu contra Apolinário, abatendo-o com numerosasfacadas. Cometido o crime, mestre Manoel fugiu para o interior doEstado, onde se tornou pistoleiro. Antes, Apollnário e um filho denome Geraldo, também da PE (Polícia Especial), haviam-no feridomortalmente. Apolinário era negro arbitrário e perverso, trazido dePernambuco para integrar a PE. Por sua vez, o Inspetor Herondino,também da PE, foi assassinado a tiros em 1982, a mando dosparentes de um rapaz a quem havia assassinado bárbara eperversamente. Era o povo vingando-se dos seus algozes.

11 - Mas não era só na Praça do Ferreira onde tinha lugar asvaias. Certa vez, na década de 50, quem levou uma baita vaia empleno tribunal do júri foi o Promotor de Justiça Zacarias do AmaralVieira. Estava em julgamento acusado de crime de calúnia peloPrefeito Paulo Cabral, o Jornalista Vieira Monte. O julgamentodespertava grande interesse popular. Durante os debates, Zacariasdirigindo-se ao advogado Jáder de Carvalho acusou-o de pretender"fazer média com a massa ignara ali presente". O edifício do Fórumquase vai abaixo com tantos gritos e assovios. O juiz ordenou aossoldados que evacuassem o prédio. Mas, como cumprir a ordemse o edifício se achava literalmente ocupado?

12 - Na Cadeia Pública de Fortaleza, onde cumpria pena,Carlos Gondim escreveu o "Poema do Cárcere", no qual se

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encontram versos como estes: "Que ironia perversa a do destino/Restringindo-me a um cárcere sem luz/ Depois que carreguei comoo Rabino/ Durante toda a vida a minha cruz/li Sou apenas o reversodo que fora/ Que estupenda, que enorme diferença/ Ontem, umaalma crente e sonhadora/ Hoje, uma alma sem sonho e sem crença."

13 - Revelação feita ao autor pelo Poeta e Historiador Joséda Cruz Filho.

14 - Dada a fama de bebida popular, a chamada "gente boa"envergonhava-se de beber cachaça, preferindo a cerveja e osconhaques. A polícia criava restrições à venda da aguardente nosestabelecimentos especializados, não permitindo que acomercialização se fizesse depois das dezoito horas e tampouconos dias de carnaval.

15 - "Filhos de família" era como eram chamados os filhosde famílias distintas da elite. Eles evitavam entrar em contato com opovo formando entre si verdadeiros clãs.

16 - Em 1927 a Ceará Light processou judicialmente oEmpresário Oscar Pedreira pelo tato de rodarem os seus ônibussobre os trilhos dos bondes, tendo um juiz do Fórum de Fortaleza,o despi ante de condenar à prisão o referido empresário.

17 - Pseudônimo de Alberto S. Galeno.18 - Nas eleições de 1934 o clero reacionário havia

espalhado esta fantasmagoria no interior cearense, obtendo oresultado esperado. Ultimamente o Coronel Adauto Bezerra repetiua farsa, sendo fragorosamente derrotado. Adauto era candidato aogoverno do Estado. Os tempos eram outros e ele não percebia.

19 - Pedro Jerônimo de Sousa nasceu aos 30 de junho de1912, na localidade de Mutamba, município de Icapuí, Ceará,morrendo nas dependências da Polícia Federal, em Fortaleza, nodia 11 de setembro de 1975, contando, portanto, mais de 63 anosde idade. Após sua morte foi simulada a farsa de um suicídio porenforcamento com a utilização de uma toalha de banho, farsa estatestemunhada por um contrabandista uruguaio detido na PF.Preocupados em livrarem-se do cadáver, os algozes de PedroJerônimo conduziram-no às pressas à Polícia Central, na Praça dosVoluntários, onde foi deixado. O crime que ficou impune teria sidocometido pelo famigerado Tenente Horácio Gondim, da Polícia Militardo Ceará.

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20 - No bar "O Cobra", no Beco dos Pocinhos, osfreqüentadores faziam fila para tomar a sua bicada, atraídos queeram pelos tira-gostos ali servidos. Peixinhos do Cocó fritos no azeite.Os pescados do Cocó gozavam de grande fama, tendo AraripeJúnior feito referência a sua gostosura em "O Cajueiro do Fagundes".

20 - O General Assis Bezerra, Secretário de Polícia doGoverno Virgílio Távora, acabou com a proibição da venda decachaça no carnaval de 1980 (fevereiro).

21 - José Bento de Sousa, ex-garçon e ex-secretário do PCno Ceará, foi assassinado no Maranhão, no ano de 1967.

23 - Augusto Correia Lima era o verdadeiro nome do famosoadvogado conhecido pela alcunha de Correia Bracim. O cognomedeve-se ao fato de possuir ele um braço mais curto do que outro.

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íNDICE

o Povo Heróico de Correia Bracim 5

Em busca da Praça do Ferreira - Onde encontrá-Ia? - Onde a Colunada Hora? E o Abrigo Central? - A vingança dos gol pistas de 64contra os papeadores da Praça - Lembranças do Papão e dosfreqüentadores do Banco dos Comunistas 7

Nossas vivências na Praça do Ferreira - Os comícios da ANL -Aprendizado político - O Interventor Felipe Moreira Lima, exemplode democrata - Breve período de liberdades para o povocearense 10

As agitações na Praça - Os comícios-relâmpago - Uma galinha,pomo de discórdias - Integralistas versus aliancistas -Lembranças de Amorim Parga 12

O carnaval de 1935 em Fortaleza - Surge uma tragédia na Praça doFerreira - O massacre dos guardas civis pelos integralistas, crimeque ficou impune 14

A Praça do Ferreira, berço da opinião pública no Ceará - Ferreira esua botica - Antecipando-se ao rádio e à televisão, os papeadorescriam o jornalismo falado - As perseguições contra ospapeadores - A Praça continuará 16

Os prefeitos e a Praça - Do boticário a José Walter Cavalcante .. 18

Sequeira contesta o português dos cabeças-chatas - O incidenteda "Lisbonense" e as louvaminhas ao "Leão do Norte" 20

O aparelho repressor do Estado - Polícia Militar e cavalaria contra opovo - O massacre que determinou a queda de Acioly - Outrascorpo rações militares 22

Uma bastilha nas proximidades da Praça - Como surgiu a Centralde Polícia - Cordeiro Neto e o regime da lata - Os crimes doEstado Novo 24

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Apelidos e vaias como forma de protesto - Uma herança atávica? -Nem o sol escapou de ser vaiado na Praça do Ferreira 27

Os quebra-quebras da Praça do Ferreira - O legado dos índios -Odiosidade contra os ingleses da Ceará Light - 18 de agosto de1942 - Os quebra-quebras que empurram o Brasil para aSegunda Guerra 30

As procissões da Igreja evitavam a Praça - Precaução contra asvaias e mangoças - Reacionarismo - A impopularidade dosdignitários católicos 31

Os poetas e a Praça - Das papeações do Café Riche e no ArtNouveau 33

Quintino Cunha, o Poeta da Praça, defensor da cearensidade -Alguns episódios dos quais participou o poeta 35

Quintino Cunha no "Ceará moleque" - anedotas, repentes eepigramas atribuídos ao grande humorista 37

A Polimática, uma academia diferente - As reuniões eram na Praçae destinavam-se ao povo - A figura extraordinária de EuclidesCésar - O educador, o idealista, o democrata 39

Os cafés da Praça do Ferreira, ninhos de poetas e prosadores -Sua contribuição para o desenvolvimento cultural do Ceará .. 42

Os americanos na Praça do Ferreira - Um bar onde os cearensesnão eram bem aceitos - As "coca-colas" - Tentativa de quebra-quebra no ':Jangadeiro" 43

O homem dos espíritos - Humberto Cruz e suas crendices 45

Surge o Abrigo Central, o mais democrático parlamento do Ceará-A confraternização de classes - Acrísio, Paulo Sarasate e ocomandante da 10ª. Região Militar no Abrigo 47

Um louco apelidado de prefeito usado na crítica aos coronéis - Ocomércio de votos no Abrig~ às vésperas do pleito de 1954 ..49

Mário Rosal antecede Jânio Quadros - O facão como símbolo nacampanha política - Surge o Velho do Facão como candidato deprotesto - Quase dez mil votos , 50

O retrato do Velho do Facão - Uma personagem aventurosa ediscutível, dona de um passado de lutas e sacrifícios 53

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Mário Rosal na poesia de cordel 54

O triste fim de Mário Rosal Louco, esmoi ando na Praça doFerreira 58

O Abrigo, local de paz e compreensão - Um mínimo de ocorrênciasdelituosas 59

Dois livreiros da Praça: Edésio e Manoel Raposo 61

Uma personagem de Graciliano Ramos na Praça do Ferreira - Ofracasso comercial do português que cantava de galo - SidneyNeto, freguês sem futura 62

De pasteleiro a Professor de Ciências Sociais - O episódio do Portode Lisboa - Os estrategistas enxotam os poetas do Café Globo-Mestre Papão, o cursinho e seus alunos 65

O Banco dos comunistas e seus freqüentadores - Batista Neto,constituinte de 1946 - Papão, Timoshenko e outros - O fim doBanco - O sacrifício de Pedra Jerônimo 69

Uma personagem mais novelesca do que as de Graciliano Ramos- A vida tumultuosa de Manoel Batista Ferreira, o Papão -Perdera a conta das prisões - O fim melancólico em Fortaleza:morreu na Santa Casa e enterrou-se como indigente no São JoãoBatista 72

Aluísio Gurgel, o Timosenko que nunca foi à guerra - A batalha dasfinanças do partido - Aluísio e Batista Neto, dois exemplos detrabalho, idealismo e abneqaçào 75

Bares e botecos da Praça do Ferreira e adjacências - Cachaça,bebida discriminada - Violências da polícia contra oscachaceiros 78

"O Oliveira", um boteco diferente - Papeação, cachaça e meizi-nhas 80

Nas mesas dos bares e cafés o elogio das bebidas prediletas -Cachaça, cerveja e pega-pinto em ritmo de trova 81

As lutas sociais das décadas de 40 e 50 - O PC, sindicatos e outrasassociações nas lutas patrióticas e democráticas - O assassíniode Jaime Calado - A participação dos jovens e das mulheresnas lutas populares - Outras notas 83

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Mário Rosal na poesia de cordel 54

O triste fim de Mário Rosal Louco, esmoi ando na Praça doFerreira 58

O Abrigo, local de paz e compreensão - Um mínimo de ocorrênciasdelituosas 59

Dois livreiros da Praça: Edésio e Manoel Raposo 61

Uma personagem de Graciliano Ramos na Praça do Ferreira - Ofracasso comercial do português que cantava de galo - SidneyNeto, freguês sem futuro 62

De pasteleiro a Professor de Ciências Sociais - O episódio do Portode Lisboa - Os estrategistas enxotam os poetas do Café Globo -Mestre Papão, o cursinho e seus alunos 65

O Banco dos comunistas e seus freqüentadores - Batista Neto,constituinte de 1946 - Papáo, Timoshenko e outros - O fim doBanco - O sacrifício de Pedro Jerônimo 69

Uma personagem mais novelesca do que as de Graciliano Ramos- A vida tumultuosa de Manoel Batista Ferreira, o Papão -Perdera a conta das prisões - O fim melancólico em Fortaleza:morreu na Santa Casa e enterrou-se como indigente no São JoãoBatista 72

Aluísio Gurgel, o Timosenko que nunca foi à guerra - A batalha dasfinanças do partido - Aluísio e Batista Neto, dois exemplos detrabalho, idealismo e abneqaçào 75

Bares e botecos da Praça do Ferreira e adjacências - Cachaça,bebida discriminada - Violências da polícia contra oscachaceiros 78

"O Oliveira", um boteco diferente - Papeação, cachaça e meizi-nhas 80

Nas mesas dos bares e cafés o elogio das bebidas prediletas -Cachaça, cerveja e pega-pinto em ritmo de trova 81

As lutas sociais das décadas de 40 e 50 - O PC, sindicatos e outrasassociações nas lutas patrióticas e democráticas - O assassíniode Jaime Calado - A participação dos jovens e das mulheresnas lutas populares - Outras notas 83

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Assembléia Legislativa e seus recessos - Sempre que tocavam ascornetas o Senador Alencar fechava as portas - As bancadas daALEC e do PSD - Sua composição 85

A Biblioteca Pública - Por que Menezes Pimentel? - Heloneida, afutura romancista - O sacrifício de Colombo Távora, mártir daslutas populares 86

Uma denominação para a Assembléia do Ceará. Para quem o laurel:Correia Bracim, Walter de Sá ou o Senador Alencar? - Umasumidade, o filho de Dona Bárbara - Surgem os verdadeirosrepresentantes do povo cassados pelos militares golpistas -Depois dos Bragança a dinastia dos generais 87

Um assunto polêmico: onde nasceu Castelo Branco? No Ceará ouno Piauí? - Os piauienses e as glórias cearenses. Nem Iracemaescapou - Que ficassem com c gorila, mas nos deixassem coma índia dos lábios de mel 91

Notas 92

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