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A pontuação em narrativas infantis de diferentes gêneros SALEH, Pascoalina Bailon de Oliveira/ Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil) [email protected] Eje: Neurolinguística e Psicolinguística Tipo de trabajo: ponencia » Palavras chave: aquisição de linguagem; pontuação; gêneros narrativos. Resumo Em trabalho anterior (SALEH, 2012), tendo como principal aporte teórico na aquisição de linguagem os estudos de De Lemos (1997; 2001; 2005), levantei alguns aspectos do papel da pontuação na configuração das instâncias narrativas nos textos de uma criança. Interpretei os sinais de pontuação como marcas de um processo de subjetivação (BERNARDES, 2005; CHACON, 1998), reveladoras não só da especificidade da escrita dessa criança, mas também da importância da pontuação na construção do texto na sua especificidade de texto narrativo, uma vez que, nos textos dessa criança, a pontuação desempenha um papel importante na configuração do autor e do narrador. No entanto, apesar de haver no corpus textos de variados gêneros discursivos, tais como contos, diários, relatos de experiência pessoal e notícias, produzidos tanto em casa como na escola, tomei-os como textos que produzem efeito de narrativa em sentido amplo, sem distingui-los entre si. Diante disso e partindo da hipótese de que essa criança é sensível à especificidade do gênero e, que, por isso, pontuaria de forma diferente textos de diferentes gêneros, pretendo, neste trabalho, investigar possíveis regularidades e particularidades na pontuação de textos dos gêneros notícia e relato em diário. Introdução Embora, em termos de produção escrita, a narrativa seja seguramente a tipologia mais trabalhada no Ensino Fundamental I, são escassas as pesquisas que têm como foco a aquisição da narrativa escrita. VI Congreso Internacional de Letras | 2014 Transformaciones culturales. Debates de la teoría, la crítica y la lingüística ISBN 978-987-4019-14-1 1562

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A pontuação em narrativas infantis de diferentes gêneros

SALEH,PascoalinaBailondeOliveira/ Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil)–[email protected]

Eje:NeurolinguísticaePsicolinguística

Tipodetrabajo:ponencia

» Palavraschave:aquisição de linguagem; pontuação; gêneros narrativos.

› Resumo

Em trabalhoanterior (SALEH,2012), tendo comoprincipal aporte teóricona aquisiçãodelinguagemosestudosdeDeLemos(1997;2001;2005),levanteialgunsaspectosdopapeldapontuaçãonaconfiguraçãodasinstânciasnarrativasnostextosdeumacriança.Interpreteiossinaisdepontuaçãocomomarcasdeumprocessodesubjetivação(BERNARDES,2005;CHACON,1998),reveladorasnãosódaespecificidadedaescritadessacriança,mastambémda importância da pontuação na construção do texto na sua especificidade de textonarrativo, uma vez que, nos textos dessa criança, a pontuação desempenha um papelimportantenaconfiguraçãodoautoredonarrador.Noentanto,apesardehavernocorpustextos de variados gêneros discursivos, tais como contos, diários, relatos de experiênciapessoal e notícias, produzidos tanto em casa como na escola, tomei-os como textos queproduzemefeito denarrativa em sentido amplo, semdistingui-los entre si.Diantedisso epartindodahipótesedequeessa criançaé sensível àespecificidadedogêneroe,que,porisso, pontuaria de forma diferente textos de diferentes gêneros, pretendo, neste trabalho,investigarpossíveis regularidades e particularidadesna pontuaçãode textosdos gênerosnotíciaerelatoemdiário.

› Introdução

Embora, em termos de produção escrita, a narrativa seja seguramente a tipologiamaistrabalhadanoEnsinoFundamentalI, sãoescassasaspesquisasquetêmcomofocoaaquisiçãodanarrativaescrita.

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Emestudoanterior(Saleh,2012),tendocomoprincipalaporteteóriconaaquisiçãodelinguagemosestudosdeDeLemos(1997;2001;2002),levanteialgunsaspectosdopapeldapontuaçãonaconfiguraçãodessasinstânciasnostextosdeumacriança,Luisa.Paraisso,dirigi a minha atenção especialmente para os sinais que Dahlet (2007) consideraenunciativos:parênteses,sublinha,aspas,maiúsculascorridasemesmooasterisco1.

Assumi (Saleh, 2005a e 2005b) que as instâncias narrativas são configuradas peloprópriotextoaindaqueesteproduzaefeitoderelato2,einterpreteiossinaisdepontuaçãocomomarcasdeumprocessodesubjetivação(Bernardes,2002;Chacon,2003),reveladorasnãosódaespecificidadedaescritadessacriança,mastambémdaimportânciadapontuaçãonaconstruçãodotextonasuacondiçãodetextonarrativoescrito.Tomeicomocorpustextosqueproduzemefeitodenarrativaemsentidoamplo,ouseja,hátextosdevariadosgênerosdiscursivos que se encaixariam no que Dolz e Schneuwly (2004) denominam gêneros daordem do narrar e gêneros da ordem do relatar, tais como contos, diários, relatos deexperiênciapessoalenotícias.

Para prosseguir no estudo sobre a relação entre as instâncias narrativas e apontuaçãonos textosdeLuisa,neste trabalho, retomoreflexõesanteriores sobreo tema (Saleh,2012,2005ae2005b)eabordoapontuaçãonostextosdosgênerosrelatoemdiário3e notícia, de forma a verificar se há neles regularidades e particularidades no uso dapontuaçãoquepossamestarrelacionadasàconfiguraçãodessasinstânciaseàespecificidadedessesgêneros4.

Luisaéumagarotadeclassemédiacujospaispossuemnívelelevadodeletramento.Os textos foram selecionados dentre as produções, realizadas tanto em ambiente familiarcomoescolar,escritasporLuisaentreos5e12anosdeidade.Originalmenterecolhidaspelamãe, foram posteriormente disponibilizadas, para utilização irrestrita em pesquisa, àProfessoraClaudiaMendesCampos5,daUFPR,queà épocamecolocouemcontato como

1 Dahlet (2002) não considera o asterisco um sinal de pontuação. Porém, seu uso, implica o retorno do autor empírico sobre seu próprio texto, o que o aproxima de alguns dos sinais considerados enunciativos pela autora; implica, além disso, a necessidade de lidar com a distribuição do texto no espaço gráfico. Esses dois aspectos me levaram a incluí-lo na análise. 2Usootermorelatoparadistinguirdasnarrativasqueproduzemefeitodeficção.3Utilizoessadenominaçãoporqueparece-mequeodiáriopodeabrigartextosdediferentescaracterísticas,inclusiveaquelesqueproduzemefeitoderelato.4Silva(2010)identificaecompara,emtermosdequantidadeedevariedade,ossinaisdepontuaçãoeasestratégiasdeseuempregoporalunosde6.ºanoemtrêsgênerosdiscursivosdistintos,incluindoumafábulaeumanotícia.Oautorlevantahipótesesexplicativasparaapresençaearecorrênciadecertossinaisemfunçãodecertascaracterísticasdosgêneros,taiscomoapresençadodiálogonasfábulas,masnãodetalhaessesaspectosnaanálise.5 Uma seleção dessas produções constituiu o corpus da sua tese de doutoramento, intitulada Efeitosargumentativosnaescritainfantilouailusãodaargumentação,defendidanoIEL/Unicampem2005.

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amploconjuntodeproduções,dasquais,selecionei,semnenhumcritérioadicional,cercade100textosnarrativosqueserviramdebaseparaumestudoexploratório(Saleh,2012).Paraeste trabalho, o corpus inclui outros textos da garota que foram analisados pelapesquisadoraemsuatese(Campos,2005), jáquecercade30destessãonarrativosenãocoincidemcomaquelespormiminicialmenteselecionados.

Referencialteórico

O estudodaaquisiçãodenarrativas inclui oobjetivodedar contadoprocessoquelevaacriança,inicialmentedependentedafaladoadulto,asustentarsozinhaofionarrativo,ou seja, a produzir o textonarrativo sema ancoragemna faladooutro. Esseprocesso foiestudado por Perroni (1992), cujos achados trouxeram importantes contribuições para acompreensãodoprocessodeaquisiçãooraldenarrativas.

Noqueserefereàaquisiçãodenarrativasescritas,comoobserveiemSaleh(2005a),Rojo (1989 e 1990) teve omérito de aliar a preocupação com a estrutura da narrativa àemergência da figura do narrador, tendo como pano de fundo a questão dos subtiposnarrativos,relatoeestória.Massuadiscussãoficaprejudicadajustamentepelaatribuiçãodeumpapelexcessivamenteforteàestrutura(eàoposiçãoentreorealeaficção)nahipóteseque equaciona a relação entre esses aspectos. Assim, os tipos narrativos são definidos apartir da composição da estrutura narrativa: são estórias as narrativas que apresentamcomplicaçãoeresolução;sãorelatosasqueprescindemdessescomponentes.Paralelamente,a figuradonarrador é atrelada à estória.Alémdisso, vincula-se o relato à representaçãoacuradadovividoeostextosficcionaisàimaginaçãoeàcriaçãoe,consequentemente,atrela-se o relato a um narrador empírico e a estória a um narrador criado. Paralelamentepressupõe-seumadistinçãoentreumleitorrealeumleitorvirtual.

Noentanto,otextonarrativo6,independentementedogênerodiscursivo,caracteriza-seporcolocarumnarradoremcena,umavozqueassumeumaperspectivaapartirdaqualos eventos narrados são configurados. Essa voz, conforme Mieke Bal, é de um “sujetolingüísticoelcualseexpressaenellenguagequeconstituyeeltexto”(Bal,1987,p.125),ouseja,onarrador,éumaentidadedelinguagem.

Naminhatesededoutoramento(Saleh,2000),defendiquearealidadeconfiguradananarrativainfantildecorredeumaredederelaçõesentretextos,pormeiodosquaisacriançadásentidoaovividoe,porisso,mesmonaaquisiçãodelinguagem,adistinçãoentrerelatoe

6 Tomo narrativas aqui em sentido genérico, incluindo tanto o que Dolz e Schneuwly (2004) denominamgênerosdaordemdonarrarcomogênerosdaordemdorelatar.

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ficção/“estória”deveserpensadaenquantoefeitodanarrativa.Ouseja,nanarrativainfantil,aindaqueestaproduzaoefeitoderelato7,asinstânciastextuaissãoconfiguradasnoprópriotexto (cf. Saleh,2005ae2005b),oqualpermiteconstruiro referencial,opontodevistaapartir do qual os eventos são relatados e, portanto, o narrador textual. Um relato emprimeirapessoa tendeentãoaproduzirumefeito imagináriode identidadeentre,porumlado, narrador, personageme autor, por outro, entre essas três instâncias e a criançaqueproduziuotexto.

Umdosaspectosquedávisibilidadeàconstruçãosolidáriadasinstânciasnarrativassão os comentários do narrador (Saleh, 2005a), como na notícia abaixo, “Bebê achado”,produzidaporLuisaaos08anose09meses.

Figura1.Bebêachado.NotíciaproduzidaporLuisaaos08anose09meses.

Fonte:Campos(2005,p.162).

Sequências como “(quemãemais desnaturada, né?)” colocamem cenao autor, poisembora elas interrompam o fio narrativo, não promovem ruptura no texto, ao contrário,sugerem que o sujeito controla o seu dizer. É interessante observar que, nesse caso, acriança, autora empírica, literalmente abre parênteses para inserir o comentário, o queindica que ela o interpreta como uma interrupção do fluxo da notícia. Tais ocorrênciasecoam uma voz outra, que não a do narrador, e dão relevo ao jogo de máscaras que,conformeTodorov,caracterizaonarrador8:

7Usootermorelatoemsentidogenérico,paradistinguirdasnarrativasqueproduzemefeitodeficção.8 Todorov, no entanto, se refere à narrativa literária.

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Nós temos portanto uma quantidade de informação sobre ele (o narrador) quedeverianospermitirapreendê-lo,situá-locomprecisão[...]masestaimagemfugidianão se deixará aprisionar e ela se reveste constantemente de máscarascontraditórias indo daquela de autor em carne e osso àquela de um personagemqualquer.(Todorov,citadoporKuroda,1975,p.263).Ou seja, o narrador é textualmente construído, indicando que, em termos do

funcionamentodotexto,avozdoautorédependentedavozdonarrador.Emcomentáriosdessanatureza,airrupçãodainstânciaautorestárelacionadaàescutadoprópriotextopelacriança. Através do narrador – e do autor que semostra na voz do narrador – a criançaestabeleceumadistinçãoentreoqueproduzefeitodenarrativaeoqueseapresentacomoumcomentário.

Baseando-me emDe Lemos (1997; 2001; 2002), interpretei essemovimento comorevelador da posição em que a criança se encontra em relação à língua no processo deaquisiçãodalinguagem.Naconcepçãodaautora(DeLemos,1997),darcontadoprocessodeaquisiçãodalinguagemédarcontadamudançadarelaçãodacriançacomalíngua,ou,emoutros termos,explicitara trajetóriapelaqualacriançapassada“posiçãode interpretadopelooutroàposiçãodeintérpretedafaladesteedasuaprópriafala(p.4).

ConformeDeLemos(2001),acriançaé“capturadapelofuncionamentodalínguanaqual é significada por um outro”, e com isso é colocada em “uma estrutura em quecomparece o outro como instância de interpretação e o Outro como depósito e rede designificantes”(p.29).Aautoraformulaahipótesedequeoprocessodeaquisiçãosedácomomanifestação da predominância de um dos três elementos que compõem essa estrutura,configurando-seasposiçõesou“modosdeemergênciadosujeitonacadeiasignificante”(p.1).Dessaforma,enquantoaprimeiraposiçãosemanifestapeladominânciadafaladooutronafaladacriança,asegundaexibeadominânciadofuncionamentodalínguanessafalaeaterceira a escuta do sujeito em relação à sua própria fala e à fala do outro. A noção deestrutura, como se pode inferir, impede que se conceba a possibilidade de superação deposiçõesemdeterminadomomentodoprocessodeaquisição.

Emsuatesededoutorado,Bernardes(2002) tambémsevoltaparaapontuaçãonaescrita dacriança.Seucorpuséconstituído detextosproduzidosemsituaçõesdiversas,mastendoemcomumasingularidadedapontuação.Paraaautora,aescritainicialconstitui-se como um lugar privilegiado para a reflexão sobre a pontuação, uma vez que ofereceresistênciaàscertezasdoadulto,estas,porsuavez,mediadaspelosabernormativo9.

9Naverdade,pormaisquedopontodevistadoleigoapontuaçãosejapensadaapartirdeumsaberconstruídocombasenasregrasnormativasequeestasdefatoinfluenciemdealgumaformaaescrita,a

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Aautoravêapontuaçãocomoummecanismodeinterpretaçãoe,portanto,comoumadasmarcasprivilegiadasdeinscriçãodosujeitonoseutexto.Trata-se,pois,deumaspectoprivilegiado de manifestação da singularidade da inserção e da relação do sujeito com alinguagem (Bernardes, 2002), o que a leva a tomar o estilo como a forma singular de osujeitoinserir-senalinguagempormeiodapontuação.“Reconhecerumestiloé,pois,seguiressesvestígiossingularesnousodalinguagem,édepreenderumamarcaqueserepete[...]10”(p.75).

Voltandoànotícia “Bebêachado”aquemereferinaseçãoanterior,acreditoque airrupçãoda instância autor, indicada tantopelo comentário em si comopela sua inserçãoentreparênteses,relaciona-seàterceiraposiçãoque,comovimos,sedistinguedasdemaispelofatodenelaacriançaescutaroseuprópriodizer.

As instâncias narrativas e a pontuação nos textos de Luisa

AsnarrativasproduzidasporLuisaaos5e6anosapresentam-sebasicamente sempontuação,mas,comoprocureimostraremSaleh(2012),antesdos8anosjáháumefeitodeadequaçãobastantegrandedos sinaisempregados,ou seja, jánessa idadeapontuaçãoemseustextostransgridemuitopoucoapontuabilidade,istoé,aspossibilidadesvirtuaisdesegmentação da cadeia sintagmática do texto11 (Bernardes, 2002). Por outro lado, jáocorremaíosparênteseseestesserãorecorrentesnostextosnarrativosdeLuisa.Masatéos9anosjáterãotambémaparecidosublinhas,aspas,maiúsculascorridaseatéasteriscos,emgeralsemprovocarrupturamasefeitodetextualidade.

Embora os discursos sobre as convenções referentes ao uso da pontuaçãoprovavelmentefizessempartedocotidianodeLuisa,jáqueelafreqüentavaregularmenteaescola e seus pais possuem nível elevado de escolaridade, não se trata de supor que eladetivesseumsabersobreas regrasnormativasdapontuação12,asquaispermitiriamaela

pontuaçãoemtextosreaisestálongedesertotalmenteexplicadaporessasregras.Dopontodevistadosestudoslinguísticossóserápossívelcompreenderoestatutodapontuaçãoapartirumateoriaquereconheçaaespecificidadedaescritaemrelaçãoaooral,oquenãosignificadesconsideraraheteregoneidadedessesdoismodosdeenunciação(Correa,2004)10Chacon(2003)tambémindicaessadireção.11ConformeBernardes(2002),apontuabilidaderefere-seàspossibilidadesvirtuaisdesegmentaçãodacadeiasintagmáticadotexto,enquantoapontuaçãoéorecortequesefazdessaspossibilidades.Nãohácoincidênciaentreessasduasordens-ovirtualeorealizado.Afinal,seassimfosse,apontuaçãoseriadispensável.Ouseja,apontuaçãorestringeaspossibilidadesdeinterpretação,orientandoaleituradotexto.12Éprecisoconsiderarqueoensinodapontuação,assimcomodeoutrosaspectosdalinguagemquerecebemtratamentonatradiçãogramatical,éaindaessencialmentenormativo,tendocomoalcanceafrase.Nessaperspectivaaescritaéconcebidacomouma“umaformafracaedesviadadooral”(DAHLET,2002,p.31),na

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umjulgamentodiferencialdotipocorreto/incorretoquedeterminariaassuasescolhas.Ouseja,comoafirmaBernardes(2005)nãoéa“exposiçãodaregraquefarácomqueacriançapontue seu texto mais ou menos corretamente: isto seria imaginar a transparência narelaçãodosujeitocomalinguagem[...]”(p.16).

Uma importante ferramenta para abordar o papel da pontuação nas notícias e nosrelatosemdiáriodeLuisaéfornecidaporDahlet(2002;2007).Aautoraentendeaescritacomoumespaçográficobidimensionalcujofuncionamentoédistintodooraltantononíveldas unidades distintivas quanto no nível dos marcadores sintático-enunciativos. Nessecontexto, a pontuação é um sistema de sinais “vi-lisíveis”, os quais, a partir das funçõespredominantesquedesempenham,separam-seemduasclasses(Dahlet,2007):1-sinaisdesequencialização, englobando os sinais que operam em nível sintagmático e segmentam ocontínuo da escrita guiados por parâmetros sintáticos, semânticos e discursivos: alínea, oponto e seusderivados - pontode exclamação ede interrogação, reticências - o ponto-e-vírgulae avírgula;2 - sinaisdeenunciação, incluindoossinaisquemanifestam interaçãocomoco-enunciador.Assim,segundosuaclassificação,algunssinais-pontodeexclamação,de interrogação e reticências - figuram tanto como sinais de sequencialização como deenunciação;damesmaforma,ummesmosinalpodeadquirirvalordistintoseocotextoformonologaloudialogal.

Os sinais queme chamaram a atenção nos textos de Luisa pela sua recorrência -parênteses, aspas, maiúsculas corridas, as sublinhas - figuram na segunda classe daclassificaçãodeDahlet(2007).Nocasodofragmentodanotícia“Bebêachado”acima,ousodos parênteses indica a avaliação do narrador quanto ao seu próprio dizer e,consequentemente, quanto à natureza do dado acrescentado/informado ao seu“interlocutorvirtual”pormeiodapontuação.Osparêntesesindiciam,então,umaatividadeenunciativa,ouseja,revelamtraçosinteracionaisquemarcamdiscursivamenteapresençado sujeito que produz o texto, assim como o seu interlocutor. O fato de o comentárioocorrer entre parênteses está relacionado ao distanciamento da autora empírica emrelação ao seu próprio texto e, portanto, à sua condição de escutar o seu próprio dizer,movimentoqueconsideromanifestaçãodeautoria.

Vale notar ainda que o comentário é encerrado com uma pergunta que se dirigeclaramente ao leitor, instando-o a se posicionar em relação à atitude da mãe que teriajogadoemumsacodelixoobebêqueacabaradenascer-“quemãemaisdesnaturada,né?”-oqueevidenciaafunçãoenunciativadopontodeinterrogação.

Passoagoraaumapanhadodasnotíciasquecompõemcorpuse,nasequência,volto-

qualcabeàpontuaçãoopapeldecompensarasperdasresultantesdapassagemdooralaoescrito,semjamaisconsegui-lototalmente(Chacon,1997;Dahlet,2002e2007).

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meparaosrelatosemdiário.Encontramosnotíciasproduzidasnodecorrerdosétimoedooitavoanodevidade

Luisa. O primeiro bloco de textos desse gênero foi escrito13 em torno dos 7,6 anos emambientedoméstico comopartedeumcadernodiário; nelenãoháocorrênciade sinaisenunciativos.Jáostextosdoanoseguinte,quatroaotodo,foramproduzidosbasicamentecomoatividadesescolares,durantea2.ªsérie,nointervalode8anose6mesesa8anose9meses.Naprimeiranotíciadessebloconãohánenhumsinalenunciativo.AsegundaéaqueseguenaFigura2,ondeaparecemaspasnotítulo“Dalmatas”:

Figura2.Dalmatas.NotíciaproduzidaporLuisaaos08anose07meses.Fonte:

Campos(2005,p.159).

Naterceira,otítuloestáemmaiúsculascorridas.Jáaquarta,“Bebêachado”,apresentadanaseção2,contémpontodeexclamaçãonotítulo,bemcomoosparêntesesqueencerramo comentário finalizado com um ponto de interrogação. Considerando a sequência, asituação do gênero notícia parece representativa da tendência geral de aparecimento eincremento dos sinais enunciativos no decorrer do processo de aquisição da escrita porLuisapormimdetectadoemSaleh(2012).Épossível,porém,queoforteapeloemocional

13Trata-sedecurtosrelatosdesituaçõesgeralmentevivenciadaspelaprópriaLuisa.Nãovoudiscutiraquiapertinênciadasuaclassificaçãocomonotícia.

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dotemadaúltimanotíciapossaterfavorecidoapresençamaisacentuadadapontuaçãoenunciativanessetexto.

Quanto aos relatos emdiário, quandoLuisa jáhavia completado8 anos, podemosencontrar em seus diário um número significativo de relatos em que aparecem osparênteses. Além disso, os títulos de filmes e livros aparecem sistematicamente entreaspas,comonotextoabaixo:

Figura3.Cinema.RelatoemdiárioproduzidoporLuisaaos08anos.

Otextoabaixo,escritoumpoucomaisdedoisanosdepois,confirmaatendênciadousodapontuaçãoenunciativaporLuisa.Nele,constatamososinaldeexclamaçãoquefechatodosostrêsenunciadosdocorpodotexto,bemcomoasmaiúsculascorridas,quetambémaparecemtrêsvezesecujoestatutoenunciativoéreforçadopor“caixas”quecircundamaspalavraseexpressõesescritascomessetipodeletra.

Figura3.AuladeEstudosSociais.RelatoemdiárioproduzidoporLuisaaos10anose08meses.Fonte:Campos(2005,p.145).

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Nessecaso,talvezaindamaisfortementequenaFigura1,Bebêachado,apontuaçãoindica o nível de envolvimento de Luisa com os fatos narrados, o que é reforçado pelapresençadaexpressão“comraiva”nofechodorelato.

Nos relatos em diário, há, entre os 8 e 10 anos, uma tendência crescente àdiversificaçãoeintensificaçãodosusosdesinaiseminentementeenunciativos,oquetalvezpossa estar relacionado não só à emergência de um estilo individual, mas às condiçõesespecíficas de produção em diário, que implica um alto nível de envolvimento da criançacomoseudizer

Asocorrênciasdepontuaçãoenunciativa,especialmenteasaspas,osparênteseseasmaiúsculascorridas,confirmamoquedefendiemSaleh(2012),ouseja,indicamaavaliaçãodonarradorquantoaoseuprópriodizer,revelando,alémdisso,umaatividadeinteracionale,portanto,apresençadosujeitoque,aoproduzirotexto,põeemcenaoseuinterlocutor.IndicamaindaqueLuisaescutaseuprópriodizeredialogacomele,ouseja,trata-sedeummovimentodeautoria,querelacionoàterceiraposiçãodeDeLemos(1997).

Porém, nos textosdogêneronotíciaerelatoemdiárioanalisados atéomomentoaindanãonãofoipossíveldetectarespecificidadesnousodapontuaçãoqueconfirmemahipóstese inicialdo trabalhodequea criança seria sensível à especificidadedogêneroe,que,porisso,pontuariadeformadiferentetextosdediferentesgêneros.

Considerações finais

A pontuação nas narrativas de Luisa reflete, sem dúvida, o seu processo deletramento,ahistóriadeseupermanentecontatocomtextosescritosimpressos,indicando,portanto,um fazerenunciativoprópriodaescrita,oqual, assimcomonoadulto,de formaalgumapodesergarantidonempelasuaspráticasoraisnempelosabernormativotalcomoensinadona escola, ainda que pressuponha traços/manifestações dessas práticas e dessesaber(Correa,2003).

Alémdisso, esteestudoconfirmaque, nos textosdeLuisaaqui analisados,háumaestreitarelaçãoentreapontuaçãoeaconfiguraçãodasinstânciasnarrativas,especialmenteautorenarrador,quesemostranodecorrerdoprocessodeaquisiçãodaescrita, e queapontuaçãoéumamarcadeestiloquediz respeitoàsuarelaçãosingularcoma linguagemescrita (Saleh, 2012). No entanto, não foi possível confirmar a hipótese que motivou arealizaçãodestetrabalho,ouseja,apossívelespecificidadenousodapontuaçãoporLuisaem função do gênero. Essa situação por si só não invalida a hipótese, mas indica anecessidadedeampliar onúmero detextos decadagênerocontempladonocorpus,bem

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comoprocederàanálisedeproduçõesdeoutrosgêneros,oqueviabilizaráumpanoramaaomesmotempomaisdetalhadoemaisamplosobreousodapontuaçãoporessagarota.

A essa hipótese, ainda em investigação, este trabalho acrescenta uma outra: aexistênciadeumaprovávelrelaçãoentreopontuaçãoempregadaeoníveldeenvolvimentoda criança com aquilo que narra. Acredito que a continuidade da investigação sobre apontuação de Luisa em textos de outros gêneros, além da notícia e do relato em diário,permitiráavaliarapertinênciadessahipótese.Dequalquerforma,osachadossobreopapeldapontuaçãonos textosnarrativosobtidosatéomomento meparecem um importantepasso para a compreensão do processo de aquisição da narrativa escrita, o qual podecontribuirparase(re)pensaroensinodaproduçãodetextosnarrativos,inclusivedeformaassociadaàpráticadeanáliselinguística(Geraldi,1984;Brasil,1998).

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