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A POLÍTICA PÚBLICA DOS CENTROS IRRADIADORES DE MANEJO DE AGROBIODIVERSIDADE NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
Leônidas de Santana Marques Universidade Federal de Sergipe-UFS
Karla Christiane Ribeiro Tanan Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS
Resumo Este trabalho visa refletir sobre o desenvolvimento das políticas públicas do governo federal com relação à agrobiodiversidade, que têm como diretriz fundamental a iniciativa dos Centros Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade (CIMA). Inicialmente foram levantados os principais conceitos vinculados à temática, tais como comunidades tradicionais e terra de trabalho. Em seguida, foi traçado um histórico sobre as principais atividades relativas à agrobiodiversidade, como também foi analisado o papel do Estado como agente produtor do espaço a partir de políticas públicas. Por fim, foram analisadas as políticas públicas vinculadas à construção e consolidação dos CIMA, sua espacialização no território brasileiro e quais agentes se associam ao estabelecimento dos centros. Palavras-chave: Estado. Comunidades Rurais. Questão Agrária. Desenvolvimento Rural
Introdução
A noção de agrobiodiversidade está relacionada a uma ampla gama de combinações
entre quatro níveis de complexidade: diversidade de espécies; diversidade
intraespecífica; diversidade de ecossistemas e diversidade sociocultural. Esta concepção
associa-se às atuais discussões que envolvem o desenvolvimento socioambiental
sustentável, abrangendo notadamente comunidades rurais, quilombolas e povos
indígenas, que possuem um vasto conhecimento a partir das formas de uso da terra que
vêm sendo transmitidas desde tempos pretéritos.
O Ministério do Meio Ambiente compreende a agrobiodiversidade como sinônimo de
biodiversidade agrícola, que é o conjunto de espécies da biodiversidade utilizada pela
agricultura convencional e pelas populações tradicionais. A forma como as
comunidades tradicionais manejam as espécies é específico a cada localidade,
apontando para necessidade, segundo as atuais propostas do governo, de construir
mecanismos que proporcionem a manutenção destes modos de uso da terra. É neste
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contexto que este trabalho visa analisar como o desenvolvimento das políticas públicas
do governo federal com relação à agrobiodiversidade, que têm como diretriz
fundamental a iniciativa dos Centros Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade
(CIMA).
A construção deste trabalho seguiu quatro etapas. Inicialmente foram levantados os
principais conceitos vinculados à temática da agrobiodiversidade, tais como
comunidades tradicionais, sementes crioulas, biodiversidade e agroecologia, que
serviram de base para a compreensão das noções em que se baseiam o discurso formal
das atuais políticas do Estado brasileiro. Em seguida, foi traçado um histórico sobre as
principais atividades relativas à agrobiodiversidade, com ênfase para os princípios e
normas que regulam as políticas públicas para agrobiodiversidade. Foi analisado o papel
do Estado como agente produtor do espaço a partir de políticas públicas. Por fim, foram
analisadas mais detidamente as políticas públicas vinculadas à construção e
consolidação dos Centros Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade, sua
espacialização no território brasileiro e quais outros agentes se associam ao
estabelecimento de cada um dos centros, principalmente a partir de dados dos órgãos
oficiais, tais como publicações e site institucionais, vinculados essencialmente aos
Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário.
A intervenção do Estado no processo de produção do espaço tem nas políticas públicas
um dos principais mecanismos. Contudo, o próprio Estado e as políticas públicas vêm
passando por processos de transformação, assumindo novas características na
contemporaneidade. As políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente no âmbito
da agrobiodiversidade têm como ênfase as variedades crioulas, plantas medicinais e
aromáticas, a segurança alimentar, a inclusão social e a geração de renda além do
extrativismo sustentável. Indicam a importância da promoção do desenvolvimento
social e econômico, entendido, sobretudo, como desenvolvimento rural local. Tal
necessidade implica na inserção das entidades da sociedade civil organizada que tem na
manutenção e reprodução da agrobiodiversidade uma constante de sua reprodução
social e territorial.
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Aspectos gerais das políticas públicas para a Agrobiodiversidade
Os principais agentes dos Centros Irradiadores são as comunidades tradicionais: povos
indígenas, assentados da reforma agrária e agricultores camponeses. Para Diegues
(2000, p.87), “comunidades tradicionais estão relacionados com um tipo de organização
econômica e social com reduzida acumulação de capital, não usando força de trabalho
assalariado”.
Nessa perspectiva, também é relevante conceituar o que são comunidades tradicionais
na concepção do Ministério do Meio Ambiente, embasada no Decreto 6.040/07
(BRASIL, 2007), que coloca que são
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
As comunidades tradicionais são reconhecidas como pertencentes a um certo grupo
social, apresentando também uma relação muito forte com a natureza. Um elemento
importante para essa relação é a noção de território que segundo Godelier (1984 apud
DIEGUES, 2000, p.83).
[...] pode ser definido como uma porção da natureza e espaço sobre o qual uma sociedade determinada reinvidica e garante a todos, ou uma parte de seus membros, direitos estáveis de acesso, controle ou uso sobre a totalidade ou parte dos recursos naturais aí existentes que ela deseja ou é capaz de utilizar.
As comunidades tradicionais podem ser associadas a uma forma de uso da terra
semelhante ao modo de produção pré-capitalista, cujo trabalho ainda não se tornou
mercadoria e há uma dependência dos recursos naturais, embora não se extinguindo a
necessidade do mercado para as compras de produtos que não são encontrados no
campo. Portanto essas comunidades estão voltadas para relações não-capitalistas, não
existindo o acumulo de capital. A terra é vista como uma terra de trabalho, voltada para
a reprodução do trabalhador e, deste modo não é instrumento de exploração.
Um outro aspecto fundamental é que estas comunidades possuem uma ligação com a
natureza que é marcada pela idéia de associação com o meio para dependência dos seus
ciclos básicos de reprodução. Sendo assim, os conhecimentos tradicionais que essas
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comunidades possuem é algo valiosíssimo, pois representam uma herança para a
manutenção da comunidade através da cultura (compreendendo esta como uma
produção social).
Deste modo, uma das características fortes destas comunidades é a manutenção da
agrobiodiversidade, que significa diferentes formas de vida na agricultura. Como
colocado na principal publicação do MMA sobre agrobiodiversidade, esta pode ser vista
como
[...] um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, e todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais, plantas e microorganismos, nos níveis genético, de espécies e ecossistemas, os quais são necessários para sustentar funções chaves dos agroecossistemas, suas estruturas e processos (MMA, 2006, p. 44).
É relevante frisar que a agrobiodiversidade concebe uma gama abundante de
combinações entre quatro níveis de complexidade: diversidade dentro de espécies;
diversidade entre as próprias espécies; diversidade entre os ecossistemas e também
diversidade etno-cultural. Sendo assim, tais elementos são importantes para o
desenvolvimento sócio-ambiental sustentável. Dessa forma, as comunidades rurais,
quilombolas, povos indígenas, possuem um vasto conhecimento sobre o que foi
transmitido pelos seus antepassados.
Uma das estratégias propostas para a manutenção das variedades crioulas está no
incentivo à agricultura ecológica. A agroecologia segundo Saquet (2005, apud ALVES
et al, 2010), é uma nova abordagem da agricultura, sustentada no uso racional dos
recursos naturais, produzindo assim alimentos mais saudáveis e naturais sem o uso de
insumos químicos. “As transformações no sistema global de produção e consumo de
alimentos estão acontecendo em ritmo acelerado em vários locais do planeta fazendo
com que o uso da agrobiodiversidade perca o seu lugar no espaço agrícola”
(MEIRELLES; RUPP, 2006, p. 53).
No que diz respeito às sementes crioulas, o MMA (2006, p. 25) conceitua que
[...] a semente crioula é uma variedade local, ou regional, de domínio de povos indígenas, comunidades locais ou quilombolas ou pequenos agricultores, composta de genótipos com ampla diversidade genética adaptados a habitats específicos, como resultado de seleção natural combinada com a pressão de seleção humana no ambiente local.
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Tais sementes são legados das gerações passadas e como já foi elucidado é rico em
variabilidade genética. É de suma importância frisar que é um acúmulo de
conhecimento tradicional ao longo do tempo. Um dos aspectos significativos com
relação a sementes crioulas é que são altamente adaptáveis à agricultura camponesa;
sendo assim a diversidade continua não só através da seleção natural, mas em função
dos próprios agricultores por optarem em continuá-las mantendo. Segundo o Santilli
(2005, apud HERINGER, 2007, p. 137)
A biodiversidade pertence tanto ao domínio do natural como do cultural, mas é a cultura, como conhecimento, que permite às populações tradicionais a entendê-las, representá-la mentalmente, manuseá-la, retirar suas espécies e colocar outras, enriquecendo- a, com freqüência.
No atual modelo de produção capitalista, onde as relações de produção são baseadas no
processo de separação dos trabalhadores dos seus meios de produção, a luta pela
permanência dessas sementes crioulas no campo é uma batalha constante. Nas áreas
agrícolas que estão voltadas apenas para a reprodução ampliada do capital, a terra
deixou de ser para o trabalho e passou a ser a terra de negócio onde para os fazendeiros
o que importa é o acumulo de capital e não a preservação de recursos naturais.
“Nos últimos 50 anos, a Revolução Verde (adubos, agrotóxicos, tratores) tem acelerado
as transformações nos ambientes naturais e no modo de vida das populações rurais”
(MEIRELLES; RUPP, 2006, p 18). Com a modernização da agricultura os insumos
tradicionais foram sendo deixados para trás para dar lugar aos que são produzidos pela
indústria, assim como as variedades das sementes passaram a ser substituídas pela
produzidas de forma induzida, tais como as híbridas e atualmente as transgênicas, e
como conseqüência dessa modernização há uma perda da agrobiodiversidade no campo
brasileiro. No Quadro 01, podemos observar as principais razões para a perda da
biodiversidade.
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Quadro 01. Elementos determinantes na perda da biodiversidade/erosão genética nos sistemas agrícolas.
Características da agricultura tradicional
Características da agricultura moderna/industrial
As sementes crioulas são disseminadas entre as famílias
As indústrias vendem as suas sementes hibridas e transgênicas. A comercialização de variedades crioulas é dificultada pela legislação.
O financiamento dos sistemas agrícolas é feito pelas próprias famílias.
Crédito agrícola somente vinculado ao uso e sementes da indústria.
A propaganda é local e baseada nos conhecimento das características das variedades.
A propaganda e o marketing das grandes empresas nos veículos de comunicação (jornais, revistas, rádios, canais de televisão) despertam o interesse de agricultores e consumidores pelas sementes da indústria.
As formas de comercialização aceitam a diversidade de produtos
O mercado globalizado e a comercialização com grandes agroindústrias impõem a padronização dos cultivos.
A agricultura é vista como um modo de vida.
A mercantilização transforma o agricultor num profissional especializado. A agricultura torna-se unicamente uma profissão ou um negócio.
As práticas agrícolas evoluem de acordo com as características do agroecossistema local.
As praticas agrícolas são determinadas pela indústria, muitas vezes disfarçadas de pesquisas científicas.
Os agricultores estimam seu conhecimento e preservam sua história.
Os agricultores se envergonham de seu conhecimento e negam sua própria história.
A semente é a parte da história e da vida.
A semente é uma mercadoria.
. FONTE: MEIRELLES; RUPP, 2006.
O que podemos observar que há vários impactos negativos sobre as comunidades
tradicionais e a agricultura camponesa com a perda da biodiversidade ou redução
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genética das variedades. Meirelles e Rupp (2006) apontam esses impactos como:
redução da segurança alimentar, elevação dos custos de produção com a compra de
sementes industrializadas, redução de autonomias das famílias e comunidades agrícolas.
Para Oliveira (2001), estamos diante de uma das formas do processo de monopolização
do território pelo capital.
Marcos legais sobre a agrobiodiversidade
O histórico das políticas públicas voltadas para a agrobiodiversidade apresentado aqui
foi fundamentado nos dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2006). Os
principais caminhos para as políticas relacionadas à agrobiodiversidade no Brasil estão
ligados a vários marcos como:
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
A CDB é o mais importante acordo internacional sobre diversidade biológica. Essa
convenção tem como pilares a conservação da diversidade biológica, a utilização
sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios
derivados do uso dos recursos genéticos.
A convenção tem como marco inicial a ECO 92, realizada no Rio de Janeiro no ano de
1992, da qual emergiram três grandes tratados internacionais: a CDB; a Convenção
sobre Mudanças Climáticas e a Agenda 21 (MMA, 2006). Mas foi em 1996 que a CDB
passou a abordar diretamente questões relacionadas às práticas agrícolas tradicionais, o
uso sustentável e à conservação dos recursos genéticos.
A CDB toma as suas deliberações por meio das conferências das partes (COP), nas
quais cada país-membro tem direito a voto. A COP III foi realizada na cidade de Buenos
Aires, também no ano também de 1996, e nela foi introduzida a discussão para a criação
de um programa de trabalho sobre Biodiversidade agrícola.
Em 2000, durante a COP V, realizada no Quênia, foi efetuada a revisão da primeira etapa do Programa de Trabalho sobre Biodiversidade Agrícola. A Decisão V/5 reconhece a contribuição dos agricultores, povos indígenas e comunidades locais para a conservação e uso sustentável da biodiversidade agrícola, destacando a necessidade de participação dessas comunidades na implementação do programa de trabalho, bem como de subsidiar a sua capacitação e a troca de informações entre as mesmas (MMA, 2006, p.48).
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O decreto da Política Nacional da Biodiversidade
O decreto 4.339, de 22 de agosto de 2002, foi instituído com os seguintes fundamentos:
a) conhecimento da biodiversidade; b) conservação da biodiversidade; c) utilização
sustentável dos componentes da biodiversidade; d) monitoramento, avaliação,
prevenção e mitigação de impactos sobre a biodiversidade; e) acesso aos recursos
genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados e repartição de benefícios; f)
educação e sensibilização pública, informação e divulgação; e) fortalecimento jurídico e
institucional para a gestão da biodiversidade.
O Tratado Internacional de Recursos Filogenéticos
Tem por objetivo promover a conservação e a utilização sustentável dos recursos
filogenéticos para a alimentação e agricultura, além da distribuição justa e equitativa
dos benefícios derivados da utilização dos próprios recursos, em harmonia com a CDB.
Outro instrumento que deu força a conservação da agrobiodiversidade foi a Lei
10.711/03 e o decreto 5.153/04, que estabeleceram o Sistema Nacional de Sementes e
Mudas, tendo como objetivo “garantir a identidade e a qualidade do material de
multiplicação e de reprodução vegetal produzido, comercializado e utilizado em todo o
território nacional”.
A Lei define como cultivar local, tradicional ou crioula: variedade desenvolvida, adaptada por agricultores familiares, assentados da reforma agrária ou indígenas, com características fenotípicas bem determinadas e reconhecidas pelas respectivas comunidades (MMA, 2006, p.49).
A lei 10.711/03 é regida por dois instrumentos principais: o Registro Nacional de
Sementes e Mudas (RENASEM) e o Registro Nacional de Cultivares (RNC). A lei
também estabelece que as pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividades de
produção, beneficiamento, embalagem, armazenamento, análise, comércio, importação
e exportação de sementes e mudas ficam obrigadas à inscrição no RENASEM.
Por outro lado, a lei para a agricultura familiar determina que “ficam isentos da
inscrição no RENASEM os agricultores familiares, os assentados da reforma agrária e
os indígenas que multipliquem sementes ou mudas para a distribuição, troca ou
comercialização entre si”.
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Este Hábito, que também possui um sentido de solidariedade, de gentileza e de manutenção dos laços de amizade, tem sua origem nos primórdios da agricultura e faz parte do processo de domesticação e manutenção das variedades crioulas (MEIRELLES; RUPP, 2006, p.13).
O Estado brasileiro vem sendo um dos agentes que tem se voltado para as políticas
públicas ligadas à conservação da agrobiodiversidade. O país apresenta uma rica
sociodiversidade representada por mais de 200 povos indígenas, uma diversidade de
comunidades locais (quilombolas, caiçaras, seringueiros, etc.) que reúnem um
inestimável acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação e uso da
biodiversidade.
Estado, produção do espaço e políticas públicas
De forma bastante genérica, é possível conceituar o Estado como sendo “um poder
político que se exerce sobre um território e um conjunto demográfico (isto é, uma
população, ou um povo); e o Estado é a maior organização política que a humanidade
conhece” (GRUPPI, 1996, p. 7). O surgimento do Estado, de forma geral, remonta às
sociedades grega e romana. Estas, contudo, tinham uma concepção distinta desta
organização, que ainda sofreu variadas transformações durante a Idade Média, com sua
vinculação à esfera religiosa, relacionando o poder do Estado a uma designação divina
(FONT; RUFI, 2006). Foi com Maquiavel que esta concepção foi se transformando para
o que hoje caracterizamos de Estado moderno. Segundo este pensador, existe uma
necessidade da existência de um poder amplo que possa se impor ao indivíduos, com
vistas à ordem (GRUPPI, 1996).
Um aspecto importante que merece destaque dentro das discussões acerca do Estado é o
seu atual processo de reconfiguração, também chamado de crise (FONT; RUFI, 2006).
Nesta perspectiva, atualmente, o Estado vem passando por uma reestruturação que
atende a mudanças tanto com relação a aspectos globais, quanto a aspectos locais.
Na última década foram muitos e variados os discursos que argumentam que o Estado moderno é uma instituição em processo de dissolução, seja devido aos impulsos homogeneizadores da globalização, seja devido à fragmentação das identidades (FONT; RUFI, 2006, p. 105).
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Quanto ao processo de globalização, o que se presencia é uma complexidade de relações
em nível global, nas quais o Estado (neste caso encarado mais como Estado-nação) não
consegue, por si só, responder a suas demandas. Um exemplo disto é a perda de
soberania em questões que não são mais resolvidas dentro de cada Estado, mas no
contexto dos blocos econômicos. “De 194 Estados representados na ONU, cerca de 110
são integrantes, partes ou membros de tratados de integração regional” (CASTRO,
2003, p. 176). De certa forma, isto representa uma mudança na concepção de soberania,
antes retida basicamente à esfera nacional.
O Estado, desta forma, segundo Becker (2000, p. 286) encontra-se em “um espaço
global/fragmentado, global porque homogeneíza, facilitando a interagilidade dos lugares
e dos momentos; fragmentado porque apropriado em parcelas”. Mas não pode se
constatar com isto que o Estado perdeu sua importância, pois continua sendo uma das
principais organizações sociais responsáveis pelo processo de produção do espaço.
O que deve ser guardado para o entendimento da relação entre a tecnologia e a sociedade é que o papel do Estado, seja interrompendo, seja promovendo, seja liderando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral, à medida que expressa e organiza as forças sociais dominantes em um espaço e uma época determinados (CASTELLS, 1999, p. 49).
Sendo assim, por mais que hoje seja latente o (discurso do) intenso processo de
reestruturação do Estado, ele continua sendo um dos principais agentes sociais e é
necessária sua análise, incluindo, neste bojo, os processos que se dão a nível local.
Para análise específica da realidade da produção do espaço agrário, Santos e Silva
(2010) apontam alguns agentes, tais como os proprietários de terra, os assalariados
rurais, os parceiros, os arrendatários, os meeiros, os empresários rurais, os movimentos
sociais de luta pela terra, o Estado e as organizações civis, considerados relevantes
nesse processo. Mesmo compreendendo toda esta multiplicidade de agentes, o Estado é
ressaltado como fundamental no processo de produção do espaço por possuir “maior
capacidade de fazer agir todos os demais” (SANTOS; SILVA, 2010, p. 82).
Quanto a forma de intervenção do Estado no processo de produção do espaço, é
possível concebê-la de duas formas básicas: direta e indiretamente. No primeiro caso, o
Estado cria condições de infraestrutura, atuando sobretudo naquilo que concerne aos
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objetos geográficos (SANTOS; SILVA, 2010). No que tange às ações indiretas, estas
acontecem
[...] através de instituições educativas, de parcerias com sindicatos e associações, de empresas, a gestação de ações que modificam a organização social de um lugar ou região, criando, por exemplo, novas mentalidades ou novas maneiras de agir sobre o espaço, o que conseqüentemente leva a sua reorganização (SANTOS; SILVA, 2010, p. 81).
Embora o Estado não seja o único agente produtor do espaço, como já foi explicitado, é
importante ressaltar a sua importância diante dos demais agentes. Assim, “a ação do
Estado é suficiente, porém não necessariamente exclusiva, para fomentar um amplo
processo de interação entre pessoas, firmas e instituições” (SILVA, 2008, p. 44). E
mesmo que atualmente se questione cada vez mais a forma como se configura o Estado,
este ainda deve ser visto com destaque dentre os diversos agentes produtores do espaço.
Uma das principais formas de intervenção do Estado no processo de produção do
espaço é a partir de políticas públicas de desenvolvimento. Contudo, assim como o
próprio Estado vem passando por processos de transformação, as políticas públicas
também se enquadram neste contexto, assumindo novas características na
contemporaneidade. Sobre este aspecto, Steinberger (2006, p. 30) coloca que “urge
levar em conta que o Estado de agora não pode ser mais aquele que desconhecia a
existência de poderes plurais”. Neste bojo estão presentes os poderes dos movimentos
sociais, tanto urbanos como rurais, o que apontam para esta instituição uma forma de
intervenção que possa inserir de algum modo esta complexidade na qual se encontra.
“Enfim, a expectativa é que se adote um planejamento compartilhado entre o Estado e a
Sociedade, por meio da construção de pactos e compromissos enunciados em políticas
públicas nacionais cuja finalidade última seja promover transformação social”
(STEINBERGER, 2006, p. 30). Desta forma, é possível compreender a política dos
Centros Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade como uma forma do Estado
inserir estes sujeitos sociais, sem contudo afirmar que estaríamos presenciando uma
inversão de prioridade. Por mais que seja uma iniciativa que reforça elementos contra-
hegemônicos da sociedade, é preciso ponderar que a ‘menina dos olhos’ do Estado
ainda é o agronegócio exportador.
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Os Centros Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade (CIMA’s)
A agrobiodiversidade, entendida como sinônimo de biodiversidade agrícola, é
compreendida pelo Ministério do Meio Ambiente, de modo geral, como um conjunto de
espécies da biodiversidade utilizada por populações tradicionais (MMA, 2010). A forma
como estas comunidades manejam as espécies dá um caráter específico a cada
localidade, demonstrando assim a importância de incentivar esta forma de uso da terra
quando se objetiva a manutenção da agrobiodiversidade. É neste contexto que estão
presentes as políticas públicas do governo federal com vistas a esta problemática, e que
tem como norteadora a iniciativa dos Centros Irradiadores de Manejo de
Agrobiodiversidade.
A proposta dos CIMA surgiu a partir de um plano interministerial, enquadrado na lógica
das novas proposições de políticas públicas de desenvolvimento local/territorial. Para
Vázquez Barquero (1995, p. 236), “a estratégia de desenvolvimento local deve ser
concebida como uma resposta do sistema sócio-institucional aos desafios colocados
pelas mudanças no modelo de acumulação”. Desta forma, as novas políticas de
desenvolvimento são pensadas como uma resposta “espontânea” ao processo de
globalização, que tem como uma de suas principais características o aumento da
competitividade global. Assim, os processos a nível local, na concepção dos teóricos
que propõe a endogeneização do desenvolvimento, são analisados como a nova solução
para os problemas econômicos contemporâneos, posto que assumem papel central como
elementos que podem dinamizar a produção a partir de uma relação de cooperação entre
empresas, além de parcerias públicos-privadas.
O surgimento da política de desenvolvimento local e sua evolução representam uma resposta espontânea às mudanças produtivas, tecnológicas e comerciais ocorridas desde a metade dos anos 70. As políticas regionais e setoriais tornaram-se obsoletas e não acompanharam os processos de reestruturação produtiva, induzindo os gestores públicos locais a lançarem iniciativas visando promover o ajuste produtivo. Esse processo de mudança foi estimulado pelas adaptações a que tiveram de se submeter as instituições e pelo aparecimento de novas teorias e abordagens do desenvolvimento econômico (VÁZQUEZ BARQUERO, 2001, p. 210).
No caso da política dos Centros Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade, a
proposta se articulou a partir do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério de
Desenvolvimento Agrário, a partir do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
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Agrária (INCRA). O projeto partiu do Programa Terra Sol, que tem em seu bojo a
lógica de apoio a iniciativas de desenvolvimento rural sustentável a partir,
principalmente, de áreas de reforma agrária. Os recursos de financiamento deste projeto
vieram do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária
(Ates) e do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). No geral, esta proposta visa a
inserção de áreas de comunidades rurais vinculadas à produção de cultivares com
características específicas, principalmente relacionadas a assentamentos rurais de
reforma agrária (INCRA, 2010).
As políticas públicas propostas neste bojo têm como ênfase as variedades crioulas,
plantas medicinais e aromáticas, além do extrativismo sustentável. A segurança
alimentar, a inclusão social e a geração de renda também se enquadram nesta política do
MMA, indicando a importância da promoção do desenvolvimento social e econômico,
entendido, sobretudo, como desenvolvimento rural local, por inserir assim entidades da
sociedade civil organizada que tem a manutenção e reprodução da agrobiodiversidade
uma constante de reprodução social e territorial (MMA, 2010).
Antes de nos referirmos mais diretamente aos Centros Irradiadores, vamos apontar aqui
algumas das atividades já realizadas pelo MMA, de acordo com o site oficial (MMA,
2010). 1) Encontro Nacional sobre Agrobiodiversidade e Diversidade Cultural (2003),
realizado em Brasília juntamente com o Ministério da Cultura, sendo o evento norteador
para o delineamento das políticas ligadas ao tema. 2) Workshop Internacional sobre
Melhoramento da Mandioca (2006), realizado em Brasília juntamente com a
EMBRAPA, representando uma importante intercâmbio técnico-científico. 3)
Seminário sobre a Iniciativa Biodiversidade, Alimentação e Nutrição (2006), realizado
em Curitiba em parceria com o IPGRI e a FAO, destacando-se pela consolidação de
parcerias. Além destes, também ocorreram as reuniões com organizações da sociedade
civil para discutir a elaboração da Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos e as reuniões do Conselho Gestor dos Centros Irradiadores.
Quanto ao projeto dos CIMA, existe como objetivo principal a promoção da segurança
alimentar com a conservação da agrobiodiversidade. É uma iniciativa que surgiu a partir
da parceria entre o Estado, alguns movimentos sociais e organizações não-
governamentais, tendo como objetivos específicos: a) estimular o associativismo e a
participação social; b) planejar atividades sobre questões de gênero e geração; c)
capacitar agricultores, técnicos e lideranças; d) implantar módulos de atividades
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demonstrativas e comunitárias. Em 2007, existiam vinte e dois Centros Irradiadores de
Manejo de Agrobiodiversidade em todo o país, conforme mostrado na Figura 01 e no
Quadro 02, muito embora a metade ainda estivesse em fase de implantação.
Figura 01. Centros Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade no Brasil em
2007.
FONTE: MMA, 2010.
Quadro 02. Dados do Centro Irradiadores de Manejo de Agrobiodiversidade em
2007
PROPONENTE MUNICÍPIO(S) UF FASE
1 Associação Nacional de Cooperação
Agrícola (ANCA)
Candiota e Hulha
Negra
RS Implantado
2 Associação Riograndense de Pequenos
Agricultores (ARPA)
Tupanciretã RS Implantado
15
3 Instituto Técnico Educacional de
Pesquisa Agrária (ITEPA)
São Miguel do
Iguaçu
PR Implantado
4 Associação Regional de Cooperação
Agrícola do Pontal do Paranapanema
(ACAP)
Teodoro Sampaio e
região do Pontal do
Paranapanema
SP Implantado
5 Fundação Pau-Brasil Ribeirão Preto e
Serrana
SP Implantado
6 Centro Integrado de Desenvolvimento
dos Assentados e Pequenos
Agricultores do Espírito Santo
(CIDAP)
São Mateus e região
norte do Espírito
Santo
ES Implantado
7 Associação das Cooperativas dos
Assentados do Estado de Goiás
(ASCAEG)
Campestre, Guapo e
Palmeira de Goiás
GO Implantado
8 Cáritas Água Branca, Ouro
Branco e Pariconha
AL Implantado
9 Associação Estadual de Cooperação
Agrícola (AESCA/RN)
Mossoró RN Implantado
10 Centro de Educação Popular em
Defesa do Meio Ambiente (CEPEMA)
Itapipoca e Tururu CE Implantado
11 Associação Estadual de Cooperação
Agrícola (AESCA/MA)
Açailândia, Gov.
Edison Lobão e
Igarapé do Meio
MA Implantado
12 Sindicato dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar (SINTRAF)
Anchieta SC Em
implantação
13 Associação Nacional de Cooperação
Agrícola (ANCA)
Abelardo Luz SC Em
implantação
16
14 Centro de Desenvolvimento
Sustentável e Capacitação em
Agroecologia (CEAGRO)
Cantagalo PR Em
implantação
15 Centro de Capacitação e Pesquisa
Geraldo Garcia (CEPEGE)
Sidrolândia MS Em
implantação
16 Associação Estadual de Cooperação
Agrícola (AESCA/MG)
Cap. Enéas, Montes
Claros e Pirapora
MG Em
implantação
17 Associação de Pequenos
Trabalhadores Rurais de Uirapuru
(ASPETRU)
Campinorte, Crixás,
Divinópolis, Goiás,
Itaberaí Niquelândia
e Uirapuru
GO Em
implantação
18 Associação de Cooperação Agrícola
de Pernambuco (ACAPE)
Petrolândia PE Em
implantação
19 Associação de Cooperação Agrícola
da Paraíba (ACAPB)
Patos, São José de
Espinharas e Teixeira
PB Em
implantação
20 Associação dos Pequenos Agricultores
do Estado do Piauí (APAESPI)
Acauã, Germiniano,
Jacobina, Paulistana e
Queimada Nova
PI Em
implantação
21 Fundação Viver, Produzir e Preservar
(FVPP)
Santarém e Brasil
Novo
PA Em
implantação
22 Centro de Pesquisa, Capacitação e
Desenvolvimento Mártires de Março
(CTERRA)
Eldorado dos Carajás,
Marabá e São Félix
PA Em
implantação
FONTE: MMA, 2010 (COM ADAPTAÇÕES).
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Considerações finais
As políticas públicas voltadas para a agrobiodiversidade ainda são muito restritas, além
de estarem em estágio inicial. A construção de eventos tem sido um aspecto interessante
de divulgação desta temática, muito embora tenha ocorrido sobretudo em apenas um
local (cidade de Brasília). Na proposta, a noção de agrobiodiversidade é bastante
pertinente e merece ser aprofunda, mas é bem importante considerar também os
aspectos práticos desta iniciativa, principalmente quanto aos Centros Irradiadores de
Manejo de Agrobiodiversidade.
Os vinte e dois centros implantados ou em processo de implantação mostram como a
proposta pretende ser abrangente, principalmente por englobar as cinco regiões
administrativas do Brasil. Mas muito ainda precisa ser implantado, principalmente se
considerarmos que tanto no bioma amazônico como no Pantanal a presença é muito
limitada. É uma discussão bastante pertinente e precisa ser aprofundada, não só por
representar uma nova forma de política do Estado, mas principalmente por significar
uma forma contra-hegemônica de apropriação do território. Os documentos sobre esta
discussão são ainda muito restritos, principalmente quanto aos impactos sócio-
territoriais destas políticas em áreas de agricultura camponesa.
Referências
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