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A Política Agrícola e de Desenvolvimento Rural: O Contributo Conceptual da Gestão Económica, com apartes Carlos Alberto Falcão Marques * Lição Inaugural do Dia da Universidade, Ano lectivo de 2010-2011, Sala dos Actos da Universidade de Évora, 1 de Novembro de 2010. * Professor catedrático

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A Política Agrícola e de Desenvolvimento Rural:

O Contributo Conceptual da Gestão Económica,

com apartes

Carlos Alberto Falcão Marques∗

Lição Inaugural do Dia da Universidade, Ano lectivo de 2010-2011, Sala dos Actos da Universidade de Évora, 1 de Novembro de 2010.

∗ Professor catedrático

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Magnífico Reitor da Universidade de Évora

Senhor Presidente do Conselho Geral

Senhora Governadora Civil do Distrito de Évora

Excelência Reverendíssima

Senhor Presidente do CRUP

Senhores Deputados

Senhores Presidentes das Câmaras Municipais de Évora e de outros concelhos do Alentejo

Demais digníssimas entidades Civis, Militares e Religiosas

Senhor Presidente da Associação de Estudantes

Caros Estudantes,

Prezados Colegas Professores,

Estimados Funcionários

Minhas Senhoras e Meus Senhores

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Confrontei-me com a ideia de vir, um dia, a apresentar a lição inaugural, no Dia da Universidade, na sessão de Abertura Solene das Aulas, muito antes de ter sido convidado para o fazer. As razões para tal são de diversa natureza.

Primeiro, o facto de estar no topo da carreira profissional, quase há uma dezena de anos, faz, naturalmente, com que me sinta corresponsável pela afirmação, sucesso e dignidade da instituição. Depois, pela ligação académica e profissional que tenho à nossa Universidade. Assisti e participei na sua reinstalação e desenvolvimento, como um dos seus primeiros alunos, no seu segundo ano de funcionamento, e, posteriormente, como seu trabalhador, tenho tido a oportunidade de lhe dar o meu contributo profissional. Mas também por me sentir orgulhoso de alguns factos que, simultaneamente, o fado me reservou, por exemplo, de ser o primeiro licenciado da Universidade de Évora a obter o grau de doutor. Também por ter uma ligação afectiva duradoura com este Colégio do Espírito Santo que usufruo, desde criança de 10 anos de idade, quando entrei para o Liceu Nacional de Évora pois também aqui, nas mesmas salas deste claustro, fiz o meu curso dos liceus.

Em seguida, por na participação regular na celebração desta cerimónia me imaginar, esporadicamente, no lugar dos professores da Universidade que o fizeram ao longo dos anos, que nesta oportunidade gostaria de aproveitar para lembrar e honrar, simbolicamente nas pessoas dos seus antigos e actual reitores, Professores Àrio de Azevedo, Santos Júnior, Jorge Araújo (em 1990), Manuel Patrício (em 1997) e Carlos Braumann (em 1995).

Quando fui indicado pelo Conselho Científico, por proposta do seu presidente e Reitor, para o fazer nesta sessão,

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apercebi-me que essa hora tinha chegado. Quero começar por agradecer a indicação que considero uma honra, mas também um prazer e uma oportunidade para comunicar e testemunhar às autoridades civis, militares e religiosas que hoje nos acompanham, e através delas à comunidade, bem como internamente à Universidade, aos alunos, funcionários e professores, o que escolhi transmitir-lhes. É também um privilégio poder falar sobre um tema à nossa escolha.

Esse é necessariamente o próximo passo, isto é, definir o que consideramos oportuno transmitir. Ou seja, a seguinte questão com que nos confrontamos neste processo é a escolha do tema e, posteriormente, do título que queremos ou decidimos dar a esta lição. Pensei em diversas opções e acabei por escolher, também, por diversas razões, o que vos apresento, “A Política Agrícola e de Desenvolvimento Rural: O Contributo Conceptual da Gestão Económica, com apartes” .

Primeiro, porque penso ter tomado em boa conta o conselho de um dos meus mestres de que a oportunidade e a audiência a que nos dirigimos devem determinar o conteúdo e a forma da mensagem que queremos transmitir. Trata-se de um tema actual com a preparação da reforma da Política Agrícola Comum (PAC) pós-2013, cuja aplicação considero de grande relevância para Portugal e para o Alentejo. Ou seja, quero transmitir uma mensagem com utilidade para a nossa circunstância de Portugueses e Alentejanos. Também, porque sou professor, devo transmitir-vos essa mensagem de forma apropriada e pedagógica, espicaçar a vossa curiosidade e ganhar a vossa atenção.

Segundo, obviamente, porque respeita à minha área de Gestão e Economia e âmbito da minha actividade

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pedagógica e científica e do meu trajecto profissional, também ligado às estatísticas oficiais e às políticas regionais, predominantemente aplicadas à agricultura.

Por fim, porque há muita iliteracia económica e, também, pouco esforço pedagógico e preocupação da parte dos gestores e economistas para explicar aos cidadãos o contributo da Gestão e Economia para a formulação e resolução de questões sociais. Tenho-me confrontado, ao longo de muitos anos, com uma tão errada e persistente percepção e interpretação dos conhecimentos da minha profissão, inclusive, por parte de amigos, que entendi ser oportuno abordar o tema, publicamente.

Esta lição começa, na introdução, por abordar esse ponto. A organização da lição inclui, em seguida, por contraponto, a óptica da análise da gestão económica da eficiência e a explicação da análise custo-benefício como método da avaliação da relevância da afectação de recursos a projectos alternativos. A generalização dessa análise para o modelo científico da gestão económica e das suas componentes chave, os recursos, os objectivos e a decisão, são depois analisadas do ponto de vista teórico e ilustradas através da sua aplicação à agricultura. As falhas de mercado, pelas externalidades e características dos bens públicos, constituem a próxima secção, para suportar a importância de complementar a competitividade dos mercados com políticas públicas, aplicando ao caso da a política agrícola e de desenvolvimento rural. Termina com uma brevíssima conclusão. Finalmente, pareceu-me muito importante, dada a audiência generalista que tenho na lição do dia de hoje, ao longo da exposição elucidar e ilustrar as minhas opiniões com aplicações dos conceitos a casos da actualidade, a que chamei apartes. Num texto pedagógico constituiriam “caixas”.

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Introdução

Parecerá paradoxal, para quem me esteja a ouvir, que alguém que se dedica ao ensino destas áreas, como é o meu caso, diga que o tema que, originalmente, lhe serviu de inspiração para esta lição foi o de “como não falar de Gestão e Economia”. Mas, naturalmente, nem tudo o que parece é.

Tenho ouvido homens e mulheres da política, da cultura, de todos os sectores, incluindo até gestores e economistas, usar expressões relacionadas com a Gestão e Economia, para transmitir a ideia de que se trata apenas de uma visão, uma perspectiva ou uma abordagem limitada, incompleta, restrita, ressaltando inclusive nessas afirmações, por vezes, uma ideia depreciativa e de tacanhez da capacidade de formulação e de avaliação de planos, políticas, propostas ou acções (conjunto de respostas para a resolução de problemas sociais que passarei a designar durante esta lição apenas por projectos), confundindo-a, geralmente, com questões exclusivamente financeiras ou de financiamento.

A título de exemplo, refiro algumas ocorrências e os seus sujeitos. Mário Soares, numa entrevista recente sobre o futuro da Europa, referia-se aos “critérios economicistas” dos líderes europeus. Na SIC, no dia 25/08, no Jornal das Nove, um escultor, Francisco Simões, divulgando uma exposição sua patente nos jardins do Casino do Estoril, queixava-se de uma “visão economicista”. Num programa da manhã, um dos colaboradores para assuntos criminais, no espaço habitual no pico das audiências, quase à hora de almoço, referia-se à não utilização da prisão preventiva e aplicação de outras medidas de coação, como a prisão domiciliária, termo de identidade e residência, como “medidas economicistas” destinadas fundamentalmente a

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conter custos com as cadeias. Lembro, também como exemplo, mas para contrastar, a frase paradigmática de Jorge Sampaio “Há vida para além do deficit” já muito mais rigorosa, situando a questão em causa de uma forma muito mais apropriada face aos objectivos pretendidos. Foi daqui que parti.

Tendo-me dedicado ao longo da carreira docente especificamente aos aspectos da Gestão e Economia, particularmente analisando e estudando a aplicação de políticas agrícolas, entendi ser pertinente elucidar através desse caso os aspectos fundamentais que vou apresentar para, de forma benevolente, contrariar essas afirmações.

Quando “se “debruçam” sobre a realidade, também os gestores e economistas tentam olhá-la como um todo, trazendo para a análise e avaliação todas as componentes relevantes, tal como, com certeza, partindo da sua óptica de análise o tentam fazer todas e cada uma das outras ciências ou profissões.

A gestão científica e a ciência económica não olham para a realidade social duma maneira “atamancada”, com palas ou baias, ou num termo em inglês “shortsided”, ou seja, com visão curta. O modelo conceptual da Gestão Económica olha para essa realidade através dos múltiplos e amplos aspectos da finalidade da realização da vida .

Como em todas as ciências, as representações dos modelos de decisão incluem os aspectos fundamentais da realidade, com desejada e procurada simplicidade, para garantir a sua utilidade na investigação científica através da formulação de hipóteses e construção das teses que lhes estão associadas. Esses modelos são, também, particularmente simplificados quando têm um objectivo

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fundamentalmente pedagógico. Mas, mesmo assim, há muito que esses modelos deixaram de incluir apenas agentes, variáveis e fluxos económicos e empresariais como as Famílias e as Empresas, para referir os mais simples, mais o Estado e o Exterior, para um maior realismo, e os respectivos fluxos entre eles, o Trabalho, os Salários, a Produção e o Consumo, os Impostos e os Gastos Públicos, as Importações e as Exportações. O desenvolvimento das ciências, em geral, tem promovido a sua interdisciplinaridade e transdisciplinaridade e, à medida que o corpo de conhecimentos científicos se expande, os modelos científicos vão, sucessivamente, integrando agentes, variáveis e fluxos de diferentes naturezas.

Por exemplo, na representação da decisão na economia ambiental e dos recursos naturais (ver figura 1) são incluídos como inputs a energia, que alimenta o processo de produção que transforma as matérias-primas em produtos para o consumidor, o ar, a água e um conjunto de amenidades, como por exemplo a paisagem, e como ouputs a poluição do ar, resíduos sólidos, perdas de calor e poluição da água.

Com base neste modelo de decisão, e este é o primeiro aparte, como é que poderíamos avaliar os custos da recente fuga do poço de petróleo da BP? Será que alguém pensaria que um gestor ou economista os avaliaria pelo valor das reparações necessárias para retomar a exploração? Ou também, apenas contabilizando adicionalmente o petróleo perdido? E os custos de limpeza? E os custos de compensação pelos prejuízos causados? E os custos de reparação? E o custo de opção ou uso alternativo dos recursos? E o custo de não uso ou de preservação dos recursos ambientais afectados?

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Figura 1: Modelo de decisão Da Economia Ambiental

FONTE: TIETENBERG, P17.

Eficiência e alternativas

Conceptualmente, é bem conhecida a abordagem normativa dos gestores e economistas para avaliar a decisão de realização ou não de um projecto. O critério em que se baseia o processo de tomada de decisão é a análise custo-benefício (Cost-Benefit analysis). Os benefícios líquidos (o excedente social) resultantes da diferença entre os benefícios dados pela disponibilidade para pagar dos consumidores, representada pela procura, e dos custos dados pela valorização do uso dos recursos ao custo de oportunidade, representada pela oferta, são a estrutura teórica básica da ciência económica e o suporte quantitativo dos métodos da ciência da gestão (Winston and Albright, p.2).

Avaliar benefícios e custos significa primeiro analisar e quantificar efeitos físicos e, posteriormente, dar-lhes um valor. Podemos ter que valorizar stocks e fluxos de recursos e as componentes de valor de uso, valor de opção

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e valor de não uso. Sabemos que algumas destas componentes são menos tangíveis quando há valores individuais envolvidos e mais tangíveis, aqueles a que pode razoavelmente ser afecto um valor monetário, quando são transaccionáveis. Os intangíveis, os que não se podem valorizar monetariamente, por indisponibilidade de informação ou porque não é claro como podem ser medidos, devem ser quantificados e a sensibilidade da avaliação deve ser analisada para intervalos de variação desses benefícios ou custos para conhecer a sua influência na robustez da solução que suporta a decisão.

Este é também o tratamento da variável risco quando não são conhecidas as distribuições das probabilidades de ocorrência de diversos cenários de variáveis relevantes e resultados do projecto.

A importância da variável tempo na avaliação impõe a necessidade da valorização na actualidade (o benefício líquido actual ou net present value) dos custos e dos benefícios incorporando a forma como se realizam na vida útil em que afectam o nosso futuro. O factor de actualização é o custo de oportunidade do capital e inclui o custo do capital e o prémio de risco. Este custo é um valor determinante da afectação de recursos entre gerações.

Mesmo quando outros critérios são invocados para a tomada de decisão, especialmente os políticos, a adequada aplicação da análise custo-benefício permite avaliar e quantificar esses custos. Numa sociedade democrática é desejável conhecer o custo das decisões políticas cabendo aos eleitores, conscientes das alternativas e dos seus custos, validar ou não em sede apropriada, as eleições, as decisões tomadas.

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O segundo aparte é sobre a avaliação e realização de projectos em parcerias público-privadas, (PPPs), como constantemente se ouve referir a elas na comunicação social. Como o nome indica, são estabelecidas entre o Estado e empresas privadas, para levar por diante os investimentos e a exploração de infra-estruturas, nomeadamente de transporte rodoviário e ferroviário. Estas PPPs são contratos em que o financiamento dos investimentos se faz por conta das receitas futuras do próprio investimento e, complementarmente, de pagamentos de rendas futuras a acordar com o Estado, para garantir uma determinada rentabilidade do projecto que, por um lado, garanta o seu financiamento e, por outro, a retribuição da participação e envolvimento dos privados. Estas rendas futuras vão, obviamente, onerar os orçamentos do Estado dos próximos anos pelo que estes compromissos devem ser planeados e controlados pois são, realmente, investimentos e não custos anuais sem implicações futuras. Adicionalmente, o risco inerente ao projecto não deve ser exclusivamente suportado pelo Estado mas participado em função da parceria acordada. A sublinhar é, também, a vantagem de, em muitos casos, se conseguirem co-financiamentos comunitários a fundo perdido, logo de por essa via ser possível levar a cabo os projectos. Por outro lado, sendo o financiamento do investimento calculado em função da taxa de juro que o Estado consegue obter, normalmente mais baixa do que os privados, a parceria consegue obter vantagens de financiamento do projecto. O problema que se pode por é o de o Estado para promover o financiamento do projecto diminuir a liquidez do mercado, o que tende a aumentar as taxas de juro. Pior ainda, como no caso presente, é financiar o projecto em tempo de taxas de juro muito elevadas que reflectem o risco da dívida soberana do próprio Estado. Também, como tem sido referido, ao levar por diante o projecto nestas circunstâncias estamos a empurrar para um horizonte temporal cada mais afastado o payback total do projecto, isto é, o prazo de tempo em que

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se vai pagar e, realmente, a afectar recursos futuros que comprometerão níveis de bem-estar de gerações vindouras.

O passo seguinte que a gestão económica utiliza para avaliar projectos é alargar a avaliação custo-benefício de uma escolha específica para a avaliação de escolhas alternativas para, entre elas, seleccionar a “melhor”. Utilizei aspas para simbolizar que utilizei a designação de “a melhor” sem ter necessariamente que implicar que seja a óptima, mas uma adequada no sentido da teoria de decisão dos comportamentos racionais de Simon e March, que deu um prémio Nobel ao primeiro, pela qual os indivíduos e as organizações escolhem as soluções examinando um série limitada de alternativas e baseando-se nas regras e experiências que dispõem (Teixeira, pp.15 e 16).

Os recursos são por natureza escassos e a eficiência da sua utilização para além de exigir um benefício líquido, ou seja, um benefício maior do que o seu custo, requer, adicionalmente, escolhendo o indicador sugerido por Henrique de Barros (Barros, p. 62), que a rendabilidade global dos factores seja a mais elevada, para não dizer a óptima, termo que menciono para, naturalmente, me referir ao método científico da optimização a que dá origem. A regra de decisão simples que garante a optimização da afectação de recursos ao projecto designada eficiência de Pareto, é a de só se conseguirem benefícios adicionais deixando alguém pior.

Ao formular desta forma o problema de avaliação dos projectos alternativos, implicitamente seleccionei como objectivo a maximização do benefício líquido e considerei inerentes as limitações da disponibilidade dos recursos.

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O verdadeiro “busilus” da gestão económica começa aí. Que objectivos individuais e colectivos nos guiam para, alternativamente, afectar os recursos escassos de que dispomos como indivíduos e como sociedade a projectos alternativos? E como valorizamos os atributos que caracterizam esses objectivos?

O modelo geral da Gestão Económica e as suas componentes chave

As matérias que vos apresentei até aqui, podem e devem ter um enquadramento teórico mais genérico. É chegada a altura de o apresentar para responder a estas questões. Os recursos de que falei, os objectivos a que me referi e o método da avaliação custo-benefício que sucintamente caracterizei, aplicados aos breves exemplos que dei, constituem as componentes chave da Gestão (Marques, p. 80). Essas componentes ressaltam da definição mais elementar e, por isso, generalizadamente utilizada de Gestão como “o processo de tomada de decisão de como afectar recursos limitados entre usos alternativos de modo a optimizar determinados objectivos” (Kay, p.4).

Depois de ter identificado nesta definição geral essas palavras críticas, ou seja, as determinantes chave da Gestão, sublinhando-as, de recursos, objectivos e processo de tomada de decisão, vou passar a analisar e caracterizar essas componentes globalmente, em relação à Gestão e Economia, e particularmente, no que toca à agricultura ou ao sector agro-alimentar. Muitas das particularidades e especificidades da agricultura, a que mais à frente me dedicarei, derivam destas componentes. A elipse central da figura 2 apresenta essas componentes e ilustra os pontos que seguirei ao longo da sua caracterização.

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Figura 2: As componentes chave da Gestão

FONTE: MARQUES, 1993.

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Permitam-me que, antes de o fazer, refira apenas que o nível de análise a utilizar depende do decisor e do projecto em causa. Pode ser, predominantemente, o micro-económico, referindo-nos ao agente individual, fundamentalmente ao empresário ou ao agricultor no caso da agricultura. Nesse nível a análise pode ser alargada aos agentes a montante e a jusante da empresa agrícola, ou seja, fornecedores e clientes das cadeias e do sector agro-alimentar. Mas, também podemos analisar as questões de gestão económica de forma mais agregada ao nível meso e macro-económico, para uma região ou para o país, em que o projecto é do interesse público e colectivo e a decisão é política. Por outras palavras, o objecto e as determinantes da gestão podem ser analisados ao nível individual dos agentes económicos, das empresas pelos empresários, ou ao nível colectivo da sociedade, das organizações e instituições do Estado pelos governantes e dirigentes públicos.

Há um outro aspecto que quero referir e que é fundamental quando a análise tem objectivos a nível colectivo. É a caracterização objectiva da realidade socio-económica em observação. O serviço de estatísticas oficiais deve responder, genericamente, a esse desígnio. Por outro lado, o utilizador tem a responsabilidade de utilizar a informação disponível de forma adequada aos objectivos em vista. Vem este terceiro aparte, a que a partir deste ponto comecei a dedicar-me, a propósito do tema que escolhi relacionado com o desenvolvimento rural. Designei-o de “como não fazer e utilizar estatísticas”.

Há alguns meses, colaborarei com uma colega num artigo sobre “ o papel futuro da agricultura no desenvolvimento rural multifuncional” em Portugal. Tratava-se da contribuição portuguesa para um estudo comparativo dos

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diversos países europeus, da sua situação e das perspectivas da sua evolução nestas matérias. Quando actualizava os indicadores estatísticos nacionais e regionais, tendo como fonte o Relatório Anual de Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia, confrontei-me com dois gráficos interessantíssimos. Resolvi, hoje, mostrar-vos esses gráficos para deles retirarmos as devidas conclusões.

Trata-se da definição e identificação geográfica das áreas rurais em Portugal, que tem por base a classificação proposta da OCDE dessas áreas (ver figura 3). É um bom exemplo de o que não se deve fazer para definir e apurar informação estatística.

A OCDE classifica as áreas em predominantemente urbanas, intermédias e predominantemente rurais. Não é relevante para o nosso objecto a explicitação dos critérios que utiliza para o efeito pelo que me irei abster de os apresentar. Segundo este mapa, todo o território continental português é classificado na classe intermédia (a amarelo na figura) com excepção do Alentejo caracterizado como predominantemente rural (a verde na figura) e Lisboa como predominantemente urbana (uma pequena área a vermelho no gráfico). Nada mais errado.

Como sabemos, todas as NUTS II portuguesas incluem uma área litoral e uma área interior de grande dimensão. Há um contraste muito nítido destas áreas. Todas as áreas litorais são predominantemente urbanas (ver na figura 4 das NUTS III). Vejam-se as diferenças quando os dados são tratados ao nível das NUTS III. Por isso, os dados tratados ao nível das NUTS II são médias que distorcem completamente qualquer análise e conclusões a retirar. Utilizar este nível de agregação para caracterizar as áreas

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Figura 3: Áreas rurais europeias, ao nível das NUTS 2, de acordo com a metodologia da OCDE

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FONTE: RURAL DEVELOPMENT IN THE EUROPEAN UNION – STATISTICAL AND ECONOMIC INFORMATION – REPORT 2009

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Figura 4: Áreas rurais europeias, ao nível das NUTS 3, de acordo com a metodologia da OCDE

FONTE: RURAL DEVELOPMENT IN THE EUROPEAN UNION – STATISTICAL AND ECONOMIC INFORMATION – REPORT 2009

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rurais portuguesas seria totalmente inapropriado e sem sentido.

A conclusão ou recomendação é a de que o tratamento e apresentação estatística de dados é uma condição necessária mas não é condição suficiente para a caracterização objectiva da realidade socio-económica de uma área pois requer um conhecimento empírico da situação em análise que fundamente um nível adequado de desagregação de dados.

Os recursos

Os recursos são por definição limitados. O grau de acesso a esses recursos, habitualmente agrupados nas designações agregadas de terra, trabalho, e capital, varia entre produtores ou empresários e entre regiões e países (ver elipse da direita da figura 2). A sua disponibilidade pode mudar do curto para médio e longo prazo, mas regra geral tem sempre um limite. A forma e as proporções quantitativas e qualitativas em que se combinam estes tipos de recursos constituem a tecnologia disponível. É através dessa tecnologia, "o estado da arte", que caracteriza o grau de desenvolvimento de uma economia ou de uma agricultura, que esses recursos são afectados a usos alternativos gerando riqueza, i.e., acrescentando valor aos recursos usados no processo adoptado. A combinação quantitativa e qualitativa dos recursos para gerar riqueza, depende de três grandes tipos de factores: Os naturais, os técnicos e institucionais, e os económicos (C.I.H.E.A.M. p. 4). Os factores naturais dizem respeito aos recursos naturais em sentido lato, à posição geográfica, ao património natural e ambiental, aos recursos de base ou endógenos de agricultor, uma região e de um país. Na agricultura constituem os climas (nomeadamente a temperatura e a

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precipitação que os caracteriza), a relativa disponibilidade de terra, dos tipos de solos, e do seu potencial uso alternativo e à sua influência nas leis biológicas a que a agricultura está naturalmente condicionada, em especial as relacionadas com as condições necessárias ao crescimento das plantas e dos animais. Numa interpretação ampla do termo estes factores englobam-se na designação tradicional de “terra”. Estes factores estão relacionados com a eficiência da produção dos países, das regiões, dos empresários, em geral, e da agricultura e dos agricultores, em particular. São conhecidos os efeitos deste tipo de factores nos padrões de desenvolvimento e de comércio dos diferentes países, nomeadamente à sua especialização ou não na produção de bens em que têm vantagem comparativa ou em que são relativamente mais abundantes, nomeadamente os modelos e teorias de Ricardo a Hecsher-Ohlin-Samuelson (Ethier, Cap. 1 e 3).

Os factores técnicos e institucionais são os relativos aos efeitos estruturais e operacionais das políticas gerais e agrícolas de desenvolvimento. Traduzem-se na existência e sistemas de funcionamento de infra-estrutras e serviços das mais diversas áreas, nomeadamente as acessibilidades e transportes, o saneamento básico, água e electricidade, comunicações, alojamento e habitação, saúde, educação, cultura e lazer, administração pública e serviços especializados, entre outras. A da ciência e tecnologia e de ensino superior diz particularmente respeito às Universidades. Na agricultura, reflectem-se numa determinada estrutura agrária determinada por essas políticas estruturais, que se caracteriza pela estrutura fundiária, pelo capital humano do sector e pela infra-estrutura rural que o serve, nomeadamente os sistemas de aprovisionamento e distribuição dos factores, (como sementes, fertilizantes e crédito), os canais de

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armazenamento e de comercialização dos produtos, e a infra-estrutura institucional pública nacional e desconcentrada de apoio à educação, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e ao seu aproveitamento, através da adopção de novas ou melhores tecnologias, e à extensão e apoio ao desenvolvimento rural. Estes factores estão relacionados com a eficiência da produção agrícola e do sistema de aprovisionamento, armazenamento, transporte e venda de factores e/ou produtos.

A estes factores correspondem as designações tradicionais de trabalho e capital, que numa terminologia mais moderna podem assumir apenas o ultimo destes termos, englobando simultaneamente o capital humano, representando a formação e conhecimento que está incorporado na sua utilização, e outras formas de capital, ou conhecimento incorporado na evolução das tecnologias e dos factores, como bens de capital físico acumulado.

A vantagem comparativa dos países, regiões e empresários agrícolas, depende dois primeiros tipos de factores. Também na agricultura, estes dois tipos de factores, o último subdividido em factores de moderna tecnologia (fertilizantes e maquinaria) e capital humano (educação geral e profissional), são considerados os factores explicativos da diferença da produtividade do trabalho em agriculturas de países em desenvolvimento e de países desenvolvidos (Hayami e Ruttan, p. 139).

O meu próximo aparte tem a ver com o capital humano da nossa agricultura. Que recursos humanos temos para enfrentar os desafios da inovação tecnológica na agricultura que enfrentamos nos nossos dias (ver figura 5). Em termos gerais podemos concluir que há diferenças claras dos países da Europa do Sul, naturalmente em que

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Figura 5: Percentagem de agricultores com formação agrícola, ao nível das NUTS III

FONTE: RURAL DEVELOPMENT IN THE EUROPEAN UNION – STATISTICAL AND ECONOMIC INFORMATION – REPORT 2009.

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nos incluímos, relativamente aos do Norte e centro da Europa.

Mas, curiosamente, quero sublinhar a particularidade da NUTS III, Alentejo central, a única portuguesa que atinge o terceiro escalão, pois tem, com certeza, a ver com impacto da Universidade de Évora na formação na área agrícola.

Os factores económicos dizem respeito às políticas gerais macroeconómicas (fiscal, monetária e cambial) e às políticas sectoriais que são seguidas e respectivos efeitos no investimento e rendimentos das empresas e dos consumidores. No caso da agricultura é, obviamente, indispensável sublinhar a importância e os efeitos das políticas agrícolas nos preços dos produtos alimentares e nos rendimentos dos agricultores e empresários agrícolas, i.e., na retribuição dos seus factores próprios. É claro que neste âmbito, nos nossos dias, pela magnitude dos impactos no rendimento temos em primeiro lugar que referir a PAC. Mas, não devem ser descuradas outras políticas nomeadamente a fiscal (lembro o aumento do IVA) e a salarial (cortes na retribuição do regime de trabalho em funções públicas). De particular importância, e resultante destas medidas, é o nível abertura e de protecção da agricultura dado ou suportado pelas diferentes políticas gerais e sectoriais adoptadas.

A competitividade dos países, das regiões e dos empresários depende, para além dos anteriores dois tipos, destes factores económicos.

Outra forma de agrupar os diferentes tipos de factores que determinam a competitividade, numa óptica mais moderna da Economia da inovação ou da Gestão estratégica e aceleradores da inovação (que tem como percursor

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Michael Porter da Harvard Business School), sublinha as diferenças da competitividade baseada em vantagens competitivas pelos custos dos factores pelo custo que suporta uma estratégia de concorrência pelo preço, e pela diferenciação, através da qualidade, suportada pelo aproveitamento do potencial da cadeia de valor da indústria (p. 67, Teixeira, 2005).

A figura 6, que em seguida se apresenta, enquadra e agrupa um conjunto de quase três dezenas de factores determinantes da competitividade nas duas componentes de custo e valor. Realce para os factores no lado esquerdo da figura que permitem aproveitar a cadeia da oferta (supply chain) ou cadeia de valor através de conjuntos de actividades no processo de produção e distribuição e a estrutura de elos dessas actividades e processos (Boehdge, p. 1032).

Não se pense, no entanto, que a terminologia de aceleradores, que atrás usei, seja ela própria inovadora. Para referir o caso da agricultura, a educação, o crédito e o associativismo, são incluídos nos já designados aceleradores do desenvolvimento agrícola por Mosher (1966).

Os Objectivos

A segunda palavra-chave da definição de gestão, que referimos e sublinhámos anteriormente, e que neste ponto nos propomos analisar são os objectivos (ver elipse da esquerda na figura 2).

Quer em termos colectivos, ou seja da sociedade como um todo, ou em termos individuais, isto é, dos diferentes

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Figura 6: As grandes determinantes da competitividade

Fonte: Mateus, p. 61.

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agentes, por exemplo os empresários ou os agricultores, é consensual admitir que o objectivo agregado é a realização da vida humana com o respeito pelas outras espécies o que, obviamente, obriga à preservação do ambiente ou do capital natural. Esta é praticamente a definição de desenvolvimento sustentável. De sublinhar que implicitamente na definição há a consideração de aspecto não unicamente antropocêntricos e também de objectivos das gerações futuras.

A designação mais generalizadamente utilizada para representar este objectivo é a de bem-estar. Numa anterior lição o colega da minha Escola professor Carlos Zorrinho referiu-se à “felicidade”. Na formulação teórica e matemática é substituída pela de utilidade. O termo satisfação também é frequentemente utilizado. Do ponto de vista individual e no caso da agricultura, os objectivos dependem fundamentalmente do tipo de produtor agrícola e da fase do ciclo de vida da empresa-família (estabelecimento, consolidação ou saída) em que ela se encontra.

Os objectivos dos produtores agrícolas variam, consoante os recursos disponíveis. Em empresas e agriculturas muito pouco desenvolvidas, obter um nível mínimo de produção para auto-consumo da família, ou seja, para subsistir fisicamente, é o objectivo primordial. Só depois de assegurado um nível de auto-consumo o produtor tem em consideração, ou responde, a variáveis económicas, nomeadamente preços (marketed surplus and household models). A maximização do lucro ou do património, i.e., da riqueza, é um dos objectivos dos empresários cujas empresas estão viradas para o mercado, consolidadas económica e financeiramente. Entre estes objectivos extremos, e simultaneamente, os empresários agrícolas

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têm geralmente outros objectivos, tais como: a sobrevivência económica, em que o empresário quer assegurar um rendimento, ou retorno mínimo, que não ponha em perigo a situação financeira da empresa agrícola; a estabilidade de rendimentos em que a relação benefício-custo entre o máximo do lucro e a variabilidade desse lucro de um empresário é valorizada subjectivamente pelo seu grau de aversão ao risco; a conservação do recurso base, que se traduz no desejo de manter a capacidade produtiva dos factores naturais que detêm e de conservar o ambiente que os rodeia; e o bem-estar e o laser, que traduzem a necessidade de dispor de tempo para outras actividades familiares e sociais, de acordo com as suas motivações e preferências.

Estes objectivos são também particularmente influenciados pelo facto dos empresários agrícolas se constituírem, na grande maioria das empresas que formam o sector, em empresários individuais. Essa característica tem um conjunto de implicações que se relacionam com o facto da vida da empresa e da vida da família se confundirem, nomeadamente em termos de recursos e objectivos. A empresa tem um ciclo de vida que corresponde às etapas da vida do agricultor empresário. Ambos, o agricultor e a sua empresa, passam normalmente pelas três fases de estabelecimento, expansão e consolidação e de retirada que, obviamente, determinam objectivos particulares em cada uma dessas fases.

Mas em termos colectivos também há objectivos globais, específicos ou não da agricultura, particularmente relevantes. Por exemplo, a constituição de uma rede de segurança contra a pobreza e a possibilidade de acesso a serviços de saúde e de ensino independentemente da disponibilidade de rendimento das famílias e dos cidadãos são objectivos fundamentais do nosso sistema político, que

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inclusive constam dos direitos fundamentais na nossa lei fundamental. Também há objectivos colectivos para a agricultura como por exemplo a garantia do abastecimento público de bens e da segurança em termos de saúde pública dos bens alimentares à disposição dos cidadãos.

O processo de tomada de decisão A última das componentes chave a que nos queremos referir da definição de gestão é o processo de tomada de decisão (ver elipse em baixo na figura 2).

Os passos do processo de decisão podem ser agrupados em três funções da gestão que são o planeamento, a implantação e o controlo.

Para a tomada de decisão, o empresário planeia, identificando e definindo o problema que está sujeito a uma decisão, recolhe a informação relevante, analisa soluções alternativas, e toma a decisão. Estes passos do processo de decisão constituem o planeamento, que constitui a base de avaliação que justifica o ajustamento empresarial a mudanças ou modificações do ambiente natural, técnico e institucional, e económico.

Em seguida, o empresário implanta a decisão tomada, programando, organizando, executando e coordenando as acções necessárias

Finalmente, procede ao controlo avaliando os resultados, das actividades e da exploração, que lhe fornecem, quando comparados com os resultados planeados, desvios cuja análise pode confirmar a decisão ou indicar a necessidade de ajustar ou rever a decisão que tomou.

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Os métodos de implantação das decisões analisam as formas possíveis para organizar a empresa e avaliam a eficiência no uso dos seus recursos.

Os métodos de controlo têm por base a elaboração, e análise e comparação de indicadores e rácios baseados nos registos técnicos e contabilísticos obtidos para avaliação das componentes financeira, económica, de estrutura, de eficiência e das actividades da empresa agrícola. Os métodos de planeamento, ou de modelação do processo de tomada de decisão incorporam, mais ou menos elaboradamente, implícita ou explicitamente, os objectivos dos empresários, tendo em conta os recursos que os condicionam e modelam as diferentes decisões alternativas e seus ajustamentos face a alterações de factores naturais, técnicos e institucionais e económicos. A base metodológica destes métodos são os princípios económicos da teoria da produção e da teoria dos mercados, que através da estática comparada permitem avaliar as deslocações na (s) ou da (s) curvas da procura de factores e oferta de produtos. Esses princípios e, por conseguinte, os métodos de planeamento baseiam-se, directa ou indirectamente, nas funções de produção e no funcionamento dos mercados dos factores e dos produtos. Menos ou mais elaborados do ponto de vista de formulação e exigência de dados, os métodos de planeamento da empresa agrícola incluem: os orçamentos (com uma óptica privada e/ou social) parciais de actividade ou de substituição, e globais económicos ou financeiros, que se caracterizam por serem estáticos e baseados em preços absolutos; os projectos de investimento e a análise custo-benefício, que incorporam a variável tempo, e por conseguinte, captam os efeitos do valor temporal do capital; os modelos de simulação que, embora sem poderem contar com um suporte teórico, permitem analisar

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tendências e projectar cenários de evolução, como por exemplo avaliar efeitos ambientais de longo prazo das tecnologias nos recursos, tais como de poluição e de erosão dos solos; os modelos de programação matemática ou de optimização condicionada, em que é explicitamente modelada uma função que expressa o objectivo do empresário que é sujeita ao conjunto de restrições de diversa natureza que a condicionam; lineares para geralmente representar o objectivo da maximização do lucro ou com formas funcionais alternativas (quadrática, potência, exponencial, logarítmica ou translogarítmica) para incorporar múltiplos objectivos, incluindo o risco, representados pela função de utilidade e por forma a satisfazer os pressupostos teóricos, incluindo o do comportamento de aversão ao risco.

Esses métodos são também os disponíveis para ajudar os agentes políticos ou os fazedores de políticas do termo policymakers nas suas decisões. Em termos da sociedade, também podemos considerar e construir funções de utilidade agregadas como forma de contemplar e modelar o conjunto dos objectivos comuns da nossa sociedade que atrás referi de desenvolvimento sustentável, de bem-estar ou de utilidade. Naturalmente, que para a avaliação ou procura da eficiência das decisões dos projectos nas diversas áreas sectoriais para além da economia e finanças, esta formulação simplificada baseada na função de utilidade, pode ser utilizada para a saúde, o emprego e a segurança social, a educação, a ciência tecnologia e ensino superior, a cultura, a administração interna, os negócios estrangeiros, a economia e inovação e, também para a agricultura. Basta em cada área sectorial definir e modelar os objectivos e os recursos que os condicionam. Dito de forma mais científica, se definirmos uma função de utilidade como objectivo, que pode ter múltiplos atributos, considerando a relação desses atributos com os recursos, podemos escolher os projectos com maior eficiência.

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Tal como para a decisão individual, os recursos a incluir nestes métodos não são necessária e unicamente o capital financeiro. Por exemplo, o capital científico pode ser visto como uma das barreiras à inovação & desenvolvimento. As infra-estruturas de saúde determinam uma capacidade instalada que não pode ser excedida. Todas as limitações ou estrangulamentos que considerarmos relevantes à realização do bem-estar potencial podem ser modeladas com o objectivo de analisarmos e apurarmos as que mais condicionam o nosso bem-estar. Por exemplo, nível cultural e educacional, recursos naturais físicos, administração pública e organização social e governance.

A questão crucial a que temos que responder é, por conseguinte, como sociedade que atributos queremos incluídos e valorizados na nossa função de utilidade agregada ou social, ou seja, o que consideramos “bem-estar”? Por outras palavras, quais são os nossos desígnios e o que pretendemos para nós próprios e para os nossos semelhantes, como povo e como parte da humanidade? O que nos move como parte de uma civilização? Como valorizamos na nossa função de utilidade o direito internacional, em particular os direitos humanos (nomeadamente, a violência, a fome ou a pobreza), o ambiente (naturalmente a poluição, a biodiversidade), a saúde (por exemplo a mortalidade infantil e o apoio aos idosos), a educação e o conhecimento científico (a história, o património, a ciência), a cultura e as artes (a música, a pintura, o cinema e o teatro), o desporto (em particular o futebol), e por aí adiante. É claro que as respostas a estas questões radicam na essência dos princípios e dos valores que comungamos, ou dito de outra forma, o que queremos que a sociedade valorize. Respostas a estas questões explicitam os atributos da nossa função de utilidade mas nem a Gestão Científica nem qualquer outra ciência humana e social os determina. No máximo, podemos dizer

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que a evolução do potencial humano de uma sociedade as influencia, determinadamente, no longo prazo.

A afectação dos recursos vai ter lugar em função dos atributos e indicadores escolhidos. Sempre que os atributos e indicadores escolhidos não coincidam com os desejados pela sociedade como um todo, há quebras potenciais de bem-estar pois o uso efectivo dos recursos diverge do uso colectivo que garantiria a eficiência.

Por que falei da importância do capital humano, é altura para mais um aparte, desta vez um relacionado com a sociedade em geral. A sua relevância vem a propósito da definição e prossecução da função de utilidade social. Mas, em verdade, lembrei-me de o fazer por me parecer particularmente útil no contexto da reflexão que se fez, recentemente, por ocasião das celebrações do centenário da república. O analfabetismo de quase oitenta por cento da população foi referido como um dos aspectos fundamentais caracterizadores da população portuguesa e a alteração dessa situação como um objectivos do novo regime político.

Obviamente, que a situação do nosso país nos nossos dias é incomparavelmente diferente no que toca à alfabetização. Mas, passado um século, importa, fundamentalmente, analisar a situação em termos evolutivos, ou seja, fixando como patamares de análise níveis de formação mais elevados, e em termos relativos, isto é, comparando os nossos resultados com os dos outros países.

Também para a colaboração no estudo sobre desenvolvimento rural que atrás referi, tive a oportunidade de apreciar alguns dos nossos indicadores. A figura que, em seguida apresento (ver na próxima página) é, também,

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Figura 7: Percentagem de adultos (25 a 64 anos de idade) com formação secundária e superior, ao nível das NUTS 2.

FONTE: RURAL DEVELOPMENT IN THE EUROPEAN UNION – STATISTICAL AND ECONOMIC INFORMATION – REPORT 2009

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Tabela 1: Percentagem de adultos (25 a 64 anos de idade) com formação secundária e superior ao nível das NUTS 2.

FONTE: RURAL DEVELOPMENT IN THE EUROPEAN UNION – STATISTICAL AND ECONOMIC INFORMATION – REPORT 2009

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em termos globais, particularmente reveladora do atraso dos países da Europa do Sul, em que nos incluímos, relativamente aos do Norte da Europa.

Fiquei curioso em relação à posição no intervalo apresentado. Quando verificamos na tabela 1 a nossa posição relativa nos países do Sul ficamos mais constrangidos.Em primeiro lugar, sendo apenas apresentados resultados agregados ao nível das NUTS 2, sabemos que os resultados das áreas predominantemente rurais dizem respeito exclusivamente ao Alentejo e os das zonas intermédias às outras NUTS 2 (excluindo a zona urbana referida na NUTS 2 de Lisboa e Vale do Tejo) pelo que, como já enunciamos, não faz qualquer sentido analisar este indicar para diferentes zonas, nomeadamente para as predominantemente rurais, como seria desejável. Analisemos, por conseguinte, apenas as médias para os países.

Em Portugal, cerca de 28,2 por cento dos adultos têm educação secundária e superior. Apenas Malta, apresenta um valor mais baixo, 27,5 por cento, sendo essa percentagem para os restantes países europeus do Sul dada por 51 % na Espanha, 53,3 % na Itália e 61,1 % na Grécia. A média comunitária varia entre os 66,7 e os 78,8 %, consoante o grupo de países comunitários considerados.

Foram recentemente publicados os indicadores da OCDE relativos à educação. Alguns, recordo-me por exemplo do relativo ao investimento na educação, mereceram ampla divulgação na comunicação social. Tendo como universo os países da OCDE, esse relatório também é claro (ver figura 8). Em 2008, a percentagem da população adulta (25-64 anos) com educação secundária indicada para Portugal também é de 28 %, a menor entre todos os

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países. É naturalmente maior nos jovens adultos (47% no escalão etário dos 25-34 anos apenas superior à do México e Turquia) e menor nos escalões etários mais elevados (13% no escalão dos 55-64 anos, a mais baixa de todos os países da OCDE). Registe-se que a média dos países da OCDE é de cerca de 71%. e de 72% na EU 19, para salientar o gap educacional com que nos deparamos.

Figura 8: Percentagem de adultos (25-34 e 55-64 anos de idade) com formação secundária e superior, por país da OCDE (2008).

FONTE: EDUCATION AT A GLANCE, OECD INDICATORS, 2010 .

Apesar do esforço de investimento na educação, na última década apenas conseguimos manter o pior score entre os países da OCDE. Quem sabe, se não teria sido esta a razão da necessidade da “paixão pela educação” de um recente primeiro-ministro português, das “novas

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oportunidades” do actual governo ou do contrato de confiança do actual ministro da Ciência & Tecnologia e Ensino Superior. Mas, em minha opinião, o mais importante é que esses esforços em termos reais ou efectivos qualifiquem e aumentem o capital humano dos portugueses.

Que custo representa este atraso estrutural para Portugal e como nos coloca relativamente aos outros países em termos de desenvolvimento humano é algo em que temos de analisar e avaliar em termos de consequências e políticas, fundamentalmente, para as futuras gerações.

Os preços, as falhas de mercado e os bens públicos

Mas, há ainda outra questão crucial a que é necessário responder: Como valorizamos os atributos que queremos incluídos na nossa função de utilidade social ou agregada? E que valor atribuímos ao contributo relativo dos diferentes atributos e qual a sua própria escala, em termos absolutos? Talvez uma escala do conhecimento do nosso mundo, ou melhor, do nosso universo, da eterna caverna de Platão, com que o Prof. Leite Videira nos deslumbrou na sua lição inaugural no dia 1 de Novembro de 1999, fosse a escala ideal. Como a poderíamos construir? Como valorizaríamos o “magnífico casal de bisontes” que há catorze mil anos atrás homens como nós ali esculpiram? E como relacionaríamos essa escala com a nossa escala de realização da nossa vida?

Para cada tipo de benefícios e custos em cada área de aplicação a gestão económica desenvolveu métodos e técnicas de avaliação dos custos e dos benefícios específicos a considerar. No entanto, a necessidade de um denominador comum, traduz-se num equivalente cardinal,

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com interpretação específica, ou apenas num ordinal, para indicar a preferência à luz dos atributos ou critérios definidos.

É preciso uma valorização monetária ou em moeda? A resposta é não necessariamente. Mas é desejável que haja um padrão de valor. O equivalente cardinal mais desejável em termos de valor é, naturalmente, a moeda. Permite a expressão do valor dos benefícios e custos pelo valor de troca. A sua avaliação é, por isso, para os bens transaccionáveis obtida com facilidade através do preço de mercado. Os preços, ou seja a valorização dada pelos mercados aos bens transaccionáveis, permitem uma valorização monetária imediata. Para a fazer basta conhecer os preços e quantidades dos bens e serviços, a valorização dos recursos utilizados ou inputs e dos produtos produzidos ou outputs.

Os preços traduzem a competitividade dos países, das regiões e dos agentes individuais, seja dos empresários, através da retribuição da gestão e do risco, seja dos trabalhadores, a competitividade dos salários. Dito de outra forma, os preços reflectem as diferenças de recursos, tecnologias, condições infraestruturais e socio-económicas de desenvolvimento e políticas pois, verificadas determinadas condições (equilíbrio de mercado e rendimentos constantes à escala), o valor dos bens representa a soma das retribuições dos factores utilizados (Euler´s theorem).

Por isso, supostamente, devemos apostar em bens e serviços em que tenhamos vantagens competitivas que consigamos produzir com menor custo ou com mais qualidade incorporada, ou seja, com menor preço ou com mais valor que outras empresas, outras regiões ou outros países, como já vimos. Com um determinado potencial de

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possibilidades de produção e de transformação, promovendo a abertura económica e trocando com outros, podemos obter ganhos do comércio e conseguir mais bem-estar, ou seja, um nível utilidade mais elevado do que o conseguido numa economia fechada. Eis que cheguei à justificação económica para a globalização, ou à necessidade da interdependência, que não seria diferente se invocasse outras razões, por exemplo, as ambientais, pois a argumentação seria comparável e, também, baseada na interdependência.

Os preços internacionais não devem, por isso, estar distorcidos e as políticas que influenciam artificialmente os preços de mercado devem ser controladas. Essa é a razão para a negociação internacional, em rounds primeiro e, posteriormente, para a organização mundial do comércio, em se procuram definir regras e níveis de protecção “toleráveis”. Importa conhecer os efeitos nesses preços do aumento da procura e do bem-estar das populações dos países emergentes, a China e a Índia, do que podem significar a distorção de preços por razões socio-económicas, nomeadamente por políticas salariais e de direitos sociais. É claro que a necessária abertura e a participação desses povos nos fóruns mundiais também vai criando efeitos políticos, nomeadamente as relacionadas com os direitos humanos, que são de grande relevância humanitária e que, a prazo, também trazem efeitos económicos.

Os preços também resultam da confiança dos agentes de mercado. Todos os preços, inclusivé o do dinheiro, a taxa de juro, têm influência na valorização dos custos e dos benefícios. O aumento da taxa de juro de um País endividado e cuja expectativa de solvabilidade é ameaçada influência definitivamente os resultados dos projectos.

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Os objectivos sociais com determinados bens comportam diferentes naturezas e tipos de custos e benefícios que devem ser incorporados nos seus modelos de decisão cuja valorização monetária é complexa. Para bens e serviços não transaccionáveis a tradução financeira ou monetária dos custos e ganhos futuros é, muitas vezes, difícil de se conseguir. O mesmo se passa com as variáveis tempo e risco. Então, a análise deve referir se são ou não considerados, se são ou não relevantes, e se devem ou não ser incluídos.

Os métodos de decisão também incluem técnicas para lidar com estas dificuldades de valorização. Nesses casos, é possível, por exemplo, aplicar a Análise de Custos Efectiva. Trata-se de, quando não é possível realizar ou garantir com o mínimo de rigor e segurança da avaliação, fixar metas ou limites inferiores e superiores e margens de segurança para indicadores do projecto considerados fundamentais e, seguidamente, avaliar custos das formas alternativas que os permitem atingir. A análise de sensibilidade é, complementarmente, outra técnica potencial a utilizar em que através da simulação de diferentes cenários de estados de natureza e probabilidades de ocorrência, por exemplo das taxas de desconto social e dos níveis de risco, melhorar a robustez da decisão relativamente ao projecto.

Esse é sempre o trabalho do investigador que perante uma hipótese tem que construir o modelo de análise, quantitativo ou não, definindo o que deve fazer parte desse modelo. O técnico que faz assessoria ao decisor político tem a obrigação de lhe colocar os cenários possíveis, as potenciais alternativas e a sua influência na decisão. Só maus gestores e economistas não relevam o que fica de fora da análise e com que pressupostos a analisam em cada caso em que apresentam as suas conclusões.

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Mas, a valorização de bens e serviços com características especiais não pode ser dada pelo mercado pois o preço de mercado não constitui o valor adequado da transacção do bem ou serviço. Incluem-se neste último ponto todos os casos que resultam nas chamadas falhas de mercado (market failure). Dessas quero falar-vos, dado o tema que pretendo focar da política agrícola e desenvolvimento rural, em particular de falhas de mercado por existência de externalidades e por se tratarem de bens públicos.

Nestes casos levantam-se questões particularmente relevantes de avaliação de alguns dos atributos dada a sua natureza. Nesses bens e serviços os interesses individuais ou de grupos divergem dos interesses colectivos da sociedade. Por isso, o preço de mercado, só por si, não gera uma afectação de recursos eficiente que garanta um nível de oferta de bens e serviços adequada.

A existência do mercado de um bem ou serviço tem três pressupostos fundamentais relacionados com as características ou os direitos de propriedade do bem e serviço em consideração. Esses pressupostos base são a exclusividade, a transferibilidade e a segurança. Pela exclusividade todos os benefícios e os custos que resultam da utilização do bem e serviço são apenas do detentor dos direitos ou de terceiros por venda desses direitos. Os direitos serem transferíveis significa que podem ser negociados ou trocados voluntariamente. Finalmente, os direitos de propriedade não podem ser contestados ou postos em causa por terceiros.

Estes pressupostos garantem que a troca, ou seja, a compra e venda, promove a eficiência. Os preços equilibram o mercado promovendo a eficiência dada pelo excedente social que resulta das componentes dos excedentes do consumidor, o comprador, e do produtor, o

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vendedor. O sistema de preços induz os comportamentos dos consumidores e produtores eficientes do ponto de vista da sociedade.

Na realidade, a característica da exclusividade não é garantida na generalidade dos bens e serviços. Quando um agente não suporta as consequências totais das suas acções não se produz uma afectação eficiente. Neste caso produz-se uma externalidade positiva ou negativa consoante o agente não paga o custo total das suas acções ou é penalizado pelos custos da acção de outro agente. O efeito da poluição atmosférica de uma fábrica numa pequena cidade é uma externalidade negativa pois é a população que sofre as consequências ou custos sociais que deveriam ser suportados pelo proprietário da fábrica. A preservação da paisagem é uma externalidade positiva para quem por ela passa e a aprecia pois recebe os efeitos positivos da sua fruição sem suportar os custos das operações culturais que são necessários para a manter.

Em ambos os casos o custo social dado pelo custo marginal de produção incluindo a externalidade não é o custo privado dado pelo custo marginal de produção sem o custo da externalidade. O bem-estar da população depende não apenas das suas actividades mas também das actividades controladas ou geridas pelo proprietário da fábrica. A poluição é imposta como um custo externo à população. O bem-estar dos viajantes depende não apenas das suas actividades mas também das actividades controladas ou geridas pelo agricultor da exploração agrícola. A beleza da paisagem constitui um benefício externo dos viajantes.

Se não houver uma compensação exterior, a sociedade impõe esse custo externo aos agricultores pois esse custo não é reflectido nos preços dos produtos. Os preços dos

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bens produzidos pelo agricultor são mais altos do que o nível eficiente e o nível de oferta do bem é inferior ao desejado ou ao eficiente do ponto de vista da sociedade.

Numa externalidade negativa passa-se exactamente o contrário. Se não houver um controlo exterior da poluição a oferta da fábrica é superior ao nível eficiente e os preços dos bens produzidos são mais baixos do que o nível eficiente. A sociedade suporta o custo externo da poluição.

Os efeitos externos podem ser positivos ou negativos (economias e deseconomias externas). Um exemplo de economia externa que é interessante referir é o dos clusters. As economias externas são a fonte de desenvolvimento de clusters que são considerados a característica base de economias regionais e nacionais com importante influência da inovação, competitividade e performance económica. Os clusters são uma concentração geográfica próxima de companhias, fornecedores, serviços e instituições associadas num determino ramo interligadas por externalidades de vários tipos (Porter, p. 562).

Estes efeitos de equilíbrio parcial dos mercados destes bens e serviços não deixam de se propagar em termos de equilíbrio geral. Acabam por afectar a procura de matérias-primas, consumos intermédios, trabalho, os níveis de preços respectivos e a economia no seu todo.

As características que referi também não são globalmente garantidas pelos mercados num tipo particular de bens que importa caracterizar pois são de especial importância para o nosso tema. Como já indiquei são os bens públicos. Estes bens exibem a característica da indivisibilidade, isto é, o consumo do bem por um utilizador não diminui a

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quantidade disponível para os restantes. A consequência desta característica é que o bem é fornecido ao utilizador mesmo que ele não pague pelo benefício da sua utilização (free rider). A biodiversidade, a paisagem, a protecção de incêndios ou o ar puro são exemplos destes bens. Todos podemos beneficiar simultaneamente qualquer que seja o nível oferecido destes bens. A principal questão que se põe à sociedade neste tipo de bens é saber se o mercado, ou seja, se os agentes que fornecem estes bens o fazem a um nível eficiente. Há mais um aparte que, hoje, tenho que fazer pelas razões óbvias. Tenho que sublinhar as características de bem público da formação superior. O capital intelectual acumulado por qualquer humano por via da sua formação é detido por ele próprio ou é sua “propriedade”. Os resultados da aplicação desse capital resultam numa retribuição pessoal da sua utilização, o seu salário. Mas, a sociedade também é beneficiada colectivamente com esse contributo. Há externalidades positivas da aplicação do capital humano que resultam em mais desenvolvimento e bem-estar social. Por isso, se deixássemos exclusivamente ao mercado o fornecimento deste tipo de bens não teríamos uma afectação de recursos eficiente, ou seja, o nível de formação superior seria menor do que o desejado em termos da sociedade. Este fundamento aplica-se à investigação científica, à formação cultural, bem como à organização política dos cidadãos para combater grupos que procuram extracção de rendas ou mesmo à própria participação da sociedade civil numa democracia (Tietenberg, p.76). Os mercados também falham do ponto de vista da eficiência social por outras razões também ligadas à não verificação dos pressupostos que referi. A existência de

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mercados imperfeitos, em que a troca dos direitos de propriedade é influenciada por um participante com poder de mercado, resulta em afectações eficientes individual mas ineficientes colectivamente. È o que se verifica se as políticas de gestão da oferta de recursos forem dominadas por cartéis ou se verificarem acordos entre empresas para controlo dos mercados. Trata-se de práticas que violam a livre concorrência. As sociedades tentam contrariar e desincentivar estas actuações tratando-as como “crimes” económicos, impondo pesadas multas, por entidades para a livre concorrência, quando as mesmas são provadas ou actuando através de entidades reguladoras desses mercados constituídas para controlar esses efeitos. As falhas de governo também são fontes de ineficiência. As actividades de rent seeking bem sucedidas traduzem-se em medidas políticas de protecção de interesses específicos em prejuízo do bem comum. Alguns exemplos na agricultura são a protecção por cotas de importação, fixação de preços para suportar rendimento, subsídios ao consumo para determinados produtos.

A política agrícola e de desenvolvimento rural

A Comissão Europeia divulgou um “discussion paper” (EC, Dezembro 2009) em que sintetiza os aspectos que considera fundamentais relativamente à necessidade da PAC. O título do documento é mesmo “Porque precisamos de uma PAC”. Esse é também o título do segundo sub-ponto. O que está em causa é, obviamente, o futuro da PAC pós-2013.

Muito recentemente, ao nível nacional, um documento elaborado pelo Grupo de Peritos criado por Despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das

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Pescas (Avillez e outros), titulado “A agricultura portuguesa e o futuro da PAC pós-2013”, analisa a mesma temática numa óptica prospectiva de áreas de intervenção, prioridades, objectivos e instrumentos e de pressupostos base para análise do futuro da PAC pós-2013.

O meu propósito foi, também, o de dar um contributo teórico-conceptual para essa discussão.

Os pontos anteriores das determinantes da competitividade e das falhas de mercado fornecem a estrutura conceptual para analisar os fundamentos da existência de uma política agrícola e de desenvolvimento rural e as funções que deve desempenhar.

Adoptando, desde logo, a nossa estrutura conceptual teórica da gestão económica, queremos que para a agricultura o mercado produza uma afectação de recursos eficiente. Para tal, como vimos, pretende-se que o sector agro-alimentar seja competitivo no mercado global. A agricultura tem que ter uma orientação para o mercado aberto em que vivemos. Essa é a forma de a sociedade, ou seja, todos nós consumidores, dispor de produtos alimentares ao melhor preço. O mesmo é dizer que esses produtos têm o melhor custo. Os produtores têm que se reestruturar e inovar adaptando-se a contínuas mudanças das tecnologias e dos mercados.

Esta é a orientação que a agricultura europeia seguiu nas últimas duas décadas por força do contexto de globalização mundial em que está envolvida e, consequentemente, das sucessivas reformas da PAC, adoptadas para esse efeito.

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Mas na avaliação dos custos e benefícios, ou seja, do aumento da eficiência promovida por esta orientação, há alguns aspectos fundamentais a considerar. Em primeiro lugar é fundamental garantir um sistema internacional fiável. Depois, mesmo com um sistema de comércio internacional estável, o aumento dos níveis de trocas internacionais traz um aumento de variabilidade dos preços ou de volatilidade dos mercados.

Estes dois aspectos têm a ver com a função fundamental que a sociedade pede à agricultura e ao sistema agro-alimentar de garantir o abastecimento de bens alimentares às populações a preços justos. No fundo, para além de um conjunto de outras questões relacionadas com a agronomia dos sistemas de produtos alimentares que justificam a intervenção dos governos na agricultura (Goldberg, p. 3), a segurança de abastecimento alimentar (food security) e a volatilidade dos mercados do sistema alimentar são fundamentos para a existência de medidas de política agrícola que controlem estes aspectos em níveis adequados.

As questões relativas à segurança alimentar e volatilidade dos preços são particularmente relevantes assim que há retoma na economia mundial, pois o crescimento aumenta a procura e o preço do petróleo, o que traz associado o aumento dos preços dos bens alimentares e das matérias-primas agrícolas. Adicionalmente, o crescimento económico e as mudanças de hábitos alimentares dos países emergentes têm provocado um constante aumento da procura e, consequentemente, dos preços dos alimentos (Marti, p.5). Estes efeitos continuarão a fazer-se sentir no futuro.

O tema da segurança do abastecimento alimentar tem também importância por razões de natureza ambiental por

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várias razões, entre as quais são destacadas as mudanças climáticas e o aumento da escassez de água.

Um dos principais desafios da humanidade para as próximas décadas é o de ser capaz de conciliar segurança do abastecimento alimentar e sustentabilidade ambiental (Avillez e outros). O grupo de peritos criado pelo MADRP refere que as mais recentes previsões apontam para a necessidade de um aumento de cerca de 70% da produção vegetal e animal até 2050. Simultaneamente, é necessário assegurar uma gestão sustentável dos recursos naturais e a coesão económica e social das áreas rurais.

A PAC pós-2013 vai revisitar o seu primeiro desígnio, o objectivo inicial, de assegurar a oferta de produtos alimentares: “the first and foremost role of European agriculture is to supply food”, refere o documento. A segurança do abastecimento alimentar é assumida como um objectivo estratégico. A prossecução deste objectivo depende do funcionamento do sector agrícola, da manutenção da capacidade de produção e de um sistema estável de relações comerciais. Os agricultores têm que produzir a preços competitivos produtos de qualidade, seguros, utilizando tecnologias de produção amigas do ambiente e do bem-estar animal.

Assim, em primeiro lugar há que definir o âmbito espacial para o fazer. A nossa produção nacional tem baixado para níveis sucessivos de auto-suficiência. Mas, devemos questionarmo-nos sobre a necessidade de uma segurança alimentar em termos nacionais. Por outras palavras, no caso de Portugal, deve ser feito ao nível nacional ou supranacional, no caso, comunitário europeu? Depois é necessário definir o nível adequado e ter políticas que mantenham em condições de funcionamento a exploração agrícola que garanta o nível definido?

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Quanto à primeira questão os dias que vivemos são bem demonstrativos dos riscos, mesmo em termos de soberania económica, quanto mais do ponto de vista alimentar, Estamos numa união europeia com políticas económicas, nomeadamente financeiras e monetárias, com uma moeda única, e políticas alimentares comuns, pelo que estamos interligados e a procura de soluções para a nossa agricultura nos garantir a segurança de abastecimento alimentar ter que ser enquadrada nesse âmbito.

Quanto à segunda, para manter uma agricultura, operante, em funcionamento, é necessário manter o potencial de produção desejado. Para tal temos que avaliar o potencial de produção que temos em termos relativos. Em mercado aberto apenas uma parte da nossa agricultura tem a capacidade de produzir a preços competitivos, de responder a oportunidades de novas tecnologias e novos mercados, de inovar nos desafios da qualidade, da segurança alimentar, da eficiência ambiental e bem-estar animal das actividades agro-pecuárias.

Uma política de armazenamento para um período de tempo suficiente para garantir o retomar da produção seria uma alternativa principalmente para controlar a volatilidade dos preços mas, menos apropriada para a garantia duradoura ou permanente de abastecimento alimentar.

Realmente, a intervenção do estado para assegurar o abastecimento alimentar e controlar a variabilidade excessiva de preços apresenta, em sentido genérico, as características dos serviços ou bens públicos. Esses serviços constituem, simultaneamente, um benefício para todos os consumidores. Qualquer consumidor beneficia deste tipo de bens, não este ou aquele consumidor por

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razões determinadas, e o facto de um ou mais consumidores beneficiarem dessa intervenção ou serviço não diminui a garantia para os restantes. Ou seja, para estes bens, em termos latos, não há exclusividade nem divisibilidade no consumo.

Os agricultores produzem, geralmente, efeitos positivos. A sociedade é afectada positivamente pelos seus serviços. Nesse caso, o mercado forneceria bens em quantidades menores do que o nível eficiente pois os preços não se ajustariam para os compensar do ponto de vista social por esses serviços. A política agrícola e de desenvolvimento rural internaliza esse custo realizando essa compensação ao agricultor e promovendo a sua oferta ao nível eficiente. Dessa forma a política agrícola e de desenvolvimento rural regula a oferta, ou seja o abastecimento alimentar para níveis adequados, maiores do que de os existentes sem intervenção pública, e a menores níveis de preços, do que de outra forma teriam os preços bens alimentares, para benefício do consumidor e da sociedade em termos colectivos.

Mas há, também, um conjunto diverso de bens públicos de natureza social, para além da segurança alimentar, relacionados com a viabilidade das áreas rurais, o despovoamento e a saúde e bem-estar animal.

As actividades e operações agrícolas envolvem a prestação desses serviços e bens públicos à sociedade. Como vimos atrás, a prestação destes bens públicos exige uma intervenção, se tivermos como objectivo uma afectação de recursos eficiente, o mesmo é dizer, se pretendermos alcançar mais bem-estar. A oferta destes bens teria níveis inferiores aos que a sociedade precisa e que, cada vez mais, valoriza. Essa é, também, uma razão fundamental e uma prioridade para a existência de uma

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política pública para a agricultura e desenvolvimento rural, ou seja, da PAC.

Os bens públicos fornecidos pela agricultura estão, também, pelas características específicas das actividades de produção vegetal e animal muito ligados ao ambiente. Incluem as paisagens agrícolas e rurais, a biodiversidade das terras agrícolas e a funcionalidade dos solos, a qualidade e disponibilidade de água, a qualidade do ar, a estabilidade climática, a resistência a fogos e inundações e a desertificação (Coopere et al., p. 2).

Alguns destes bens são fornecidos por serem produtos secundários e sub-produtos das actividades e operações agrícolas. Outros, são fornecidos com esforços adicionais fruto das próprias preferências dos agricultores mas também comuns às da sociedade como um todo.

Há evidência e preocupação pública pelo ambiente, nomeadamente pela perda de biodiversidade, alterações climáticas, poluição da água e do solo e degradação de recursos naturais. A procura e o acesso da sociedade pelo campo e por áreas protegidas para visitar e mesmo para viver tem aumentado e as preferências sociais incluindo de não-uso com preocupação fundamental de preservação, mesmo não sendo de utilizadores directos, têm-se modificado.

O mercado, só por si, não é capaz de garantir este conjunto de funções sociais e ambientais. Também não é possível equacionar a oferta destes bens e serviços públicos de forma desligada da agricultura. Essa alternativa traria maiores custos à sociedade e alguns desses bens dificilmente poderiam ser oferecidos. Por exemplo, a viabilidade socio-económica das áreas rurais baseia-se na

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agricultura. O potencial dos recursos naturais em muitas áreas adequa-se a uma exploração que não é competitiva em termos económicos e exige uma utilização para a sua própria preservação. Logo, os bens e serviços públicos que a sociedade quer que agricultura desempenhe e forneça são uma razão para devem ser objecto de acções suportam uma política pública de desenvolvimento rural.

As funções que a sociedade quer ver garantidas de segurança do abastecimento alimentar, de gestão sustentável da terra e de contribuição para novos desafios ambientais, e de viabilidade socio-económica das áreas rurais têm todas a ver com a prestação de bens públicos que o mercado não valoriza, que não presta à sociedade e que por isso a agricultura é chamada pela sociedade a desempenhar através de uma política agrícola e de desenvolvimento rural.

Concluindo, uma política pública para a agricultura e desenvolvimento rural tem como fundamento garantir o fornecimento de bens públicos sociais e ambientais que a sociedade precisa e que os mercados do sistema alimentar não conseguem fornecer. O fornecimento desses bens públicos através de política agrícola e de desenvolvimento rural visa em termos globais garantir a segurança alimentar e manter o património do ambiente rural.

Conclusão

Não quero deixar de dizer, antes de terminar, que penso ter conseguido demonstrar, ilustrando com a aplicação à agricultura e desenvolvimento rural, que a abordagem da realidade pela Gestão ou pela Economia não merece o tratamento especial das expressões usadas por muitos cidadãos da cultura, da tecnologia ou da política, a que me

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referi no início. Mas, naturalmente, compreendo que o façam numa forma simplista, empírica ou prática de olhar essa realidade, da mesma forma que os gestores e economistas como cidadãos vêm e analisam as obras e as realizações da cultura, da técnica ou da política, isto é, aos “olhos” do conhecimento geral e específico que acumularam na vida e por que a “vêm”.

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