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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL MODALIDADE A DISTÂNCIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
A POLÍTICA HABITACIONAL EM JOÃO PESSOA/PB: uma análise
sobre a implementação do Conjunto Residencial Monte Cassino
Jaiane Rodrigues de Morais
Pós-graduanda lato sensu em Gestão Pública Municipal - UFPB
Herbert de Oliveira Rêgo
Professor do Departamento de Finanças e Contabilidade - UFPB
RESUMO
A questão da moradia representa um dos principais desafios enfrentados pelos gestores de
todo o País. Em João Pessoa a Habitação de Interesse Social tem ganhado papel de destaque
no âmbito da Prefeitura Municipal, demonstrando o comprometimento da gestão com o
enfrentamento do problema habitacional na cidade. O presente artigo visa analisar a
implementação do Residencial Monte Cassino, um dos Projetos Habitacionais de Interesse
Social executados no âmbito da Gestão Municipal de João Pessoa. Trata-se de um estudo de
caso, baseado em uma pesquisa qualitativa de cunho fundamentalmente explicativo. O
trabalho pretende abordar o tratamento que a questão habitacional recebeu no Brasil ao longo
dos anos e que serviram de referência para a Política Nacional, suscita a produção de
Unidades Habitacionais no âmbito da Prefeitura Municipal de João Pessoa – PB, focando a
análise nos resultados alcançados com a implantação do Residencial Monte Cassino. Como
metodologia foram utilizadas essencialmente pesquisas documentais e análise de conteúdo. O
resultados mostraram que através da implementação do Residencial Monte Cassino, a gestão
municipal garantiu a efetivação do direito à moradia e o resgate da cidadania, no entanto, há
necessidade de aprimoramento da gestão, de modo a adotar uma visão estratégica, superando
os limites organizacionais, técnicos e políticos que tanto dificultam a implementação das
políticas públicas.
Palavras-chave: Habitação, moradia, políticas públicas.
1. INTRODUÇÃO
A busca por um abrigo sempre esteve presente na trajetória humana de luta por
sobrevivência, sendo considerada uma das necessidades básicas à reprodução social.
Percebida como expressão da questão social, a questão da moradia é agravada, especialmente,
2
pela crescente concentração de renda, aliada ao intenso processo de crescimento das cidades
e, sobretudo, ao papel do Estado frente à oferta de moradias.
O acesso à habitação insere-se no campo dos direitos sociais, pois reflete o
atendimento das necessidades humanas básicas, mas apesar de afiançado em âmbito
internacional através da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é só a partir da
emenda constitucional nº 26/2000 que a moradia passa a ser reconhecida enquanto direito
social formalmente explicitado no Brasil, mas para que esse direito tenha eficácia jurídica e
social torna-se necessário a ação positiva do Estado por meio de execução de políticas
públicas.
Mas, a despeito desses instrumentos, o Brasil entra para o século XXI com um déficit
habitacional de quase 10 milhões de habitações; a dívida social acumulada no país em relação
à carência habitacional impressiona, de acordo com o Caderno MCidades: Habitação (2004),
são mais de sete milhões de famílias que precisam de novas moradias, além de 10 milhões de
domicílios com problemas de infraestrutura básica.
As desigualdades sociais e a concentração de renda, características da sociedade bra-
sileira, se manifestam fisicamente nos espaços segregados das nossas cidades. Nelas, as
carências habitacionais constituem-se um dos maiores problemas: a falta de moradia digna
para população mais carente responde por 83% do déficit habitacional brasileiro (ROLNIK,
2008). De acordo com Bonduki [200-], o crescimento das favelas e loteamentos irregulares no
país é um dos grandes indicadores de gravidade da situação urbana no Brasil. É notória a
permanência do déficit habitacional concentrado na população de baixa renda, situação que se
agravou, sobretudo, ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso.
Nota-se, portanto, que a origem dos problemas habitacionais é fruto de uma herança
histórica relacionada ao modelo de política adotado ao longo do tempo, pautado em
programas isolados e constantemente alterados, que apesar de necessários para minimizar a
questão da moradia, não são suficientes para solucioná-la.
A questão da moradia surge, assim, como objeto de análise especialmente para quem
atua no âmbito da gestão pública, tendo como marco a Constituição de 1988, quando a
habitação torna-se uma atribuição concorrente nos três níveis de governo, atribuindo-se
especialmente ao poder local a responsabilidade pelo equacionamento das demandas sociais,
notadamente por estar em contato direto com os problemas da população carente.
No município de João Pessoa, a atual política tem privilegiado a implementação, em
parceria com o Governo Federal, de programas que visem reduzir, gradativamente o déficit
habitacional, garantido mais que um imóvel, um local dotado de infraestrutura e
3
equipamentos comunitários que confiram habitabilidade aos moradores. Sobre o conceito de
habitabilidade, a Cartilha Produção Social do Habitat ([200-], p. 8) define:
A habitabilidade é um conceito complexo, o qual envolve diversos aspectos
que afetam a qualidade da moradia, como a qualidade da casa em termos de
material de construção, área construída, divisões internas e instalações, a
segurança da posse da terra, a infra-estrutura de abastecimento de água,
esgoto, drenagem, sistema viário, forma do bairro e disponibilidade de
equipamentos urbanos e serviços públicos, transporte, segurança, áreas de
lazer e convivência comunitária, dentre outros.
Entre as ações de enfrentamento ao déficit habitacional no município, destaca-se a
criação de vários conjuntos habitacionais a exemplo do Residencial Monte Cassino, entregue
em 2010, beneficiando diretamente 250 famílias em situação de vulnerabilidade social, que
habitavam irregularmente uma área de preservação ambiental localizada no Bairro de
Jaguaribe.
Nessa perspectiva, destacamos como objetivo geral do artigo: analisar a
implementação do Conjunto Residencial Monte Cassino, para tanto se fez necessário traçar os
seguintes objetivos específicos: conhecer a proposta inicial do projeto; analisar o
cumprimento dos seus objetivos; e verificar, a partir de documentos oficiais, se o resultado
pretendido foi alcançado.
Cabe ressaltar que parte das impressões presentes nesse estudo advém das
experiências enquanto profissional do Serviço Social na Prefeitura Municipal de João Pessoa,
durante os anos de 2007 a 2011, especificamente no acompanhamento às famílias
beneficiadas pelos Projetos de Habitação de Interesse Social, onde o Trabalho Técnico Social
é um quesito obrigatório. Trata-se de um conjunto de ações educativas e planejadas,
adequadas à realidade socioeconômica e cultural da população e às características da área de
intervenção, respeitando as diretrizes do programa habitacional, visando ao desenvolvimento
comunitário e a sustentabilidade do empreendimento.
Pretende-se inicialmente abordar a questão da moradia enquanto necessidade humana,
objeto de intervenção do Estado, num segundo momento será traçado um breve histórico da
Política Habitacional no Brasil, posteriormente discute-se a provisão habitacional no
município de João Pessoa e, por fim, será analisada a implementação do Residencial Monte
Cassino, buscando verificar os resultados alcançados com a intervenção.
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. A questão habitacional: considerações históricas
A necessidade de abrigar-se sempre esteve presente na trajetória humana, estando
relacionada à própria luta por sobrevivência. O direito à moradia pode ser definido, portanto,
como o direito que se tem a um lugar adequado para se viver, em que haja possibilidade de
uma vida digna e saudável, ou seja, corresponde ao direito de viver com segurança, paz e
dignidade, incluindo serviços públicos, saneamento, infra-estrutura urbana, transporte,
trabalho e lazer.
De acordo com Rodrigues (2003), o ato de morar é uma das necessidades básicas do
indivíduo, pois não é possível viver sem ocupar espaço, contudo o acesso à habitação, assim
como aos meios de consumo coletivos são historicamente diferenciados, em outras palavras o
tipo de abrigo será determinado pela renda que, por sua vez, define a inclusão no mundo
capitalista.
No Brasil, o acesso à moradia sempre esteve articulado a interesses contraditórios. As
primeiras ações voltadas para a moradia, além de ajudarem a consolidar a classe operária no
País, foram articuladas por diversas forças sociais, a exemplo do próprio Estado. Segundo
Rodrigues (2003) no final do século XIX e início do século XX, as cidades apresentavam um
padrão concentrado, com a maioria dos trabalhadores morando em cortiços. Durante esse
período, a intervenção estatal na área habitacional esteve intrinsecamente ligada ao
autoritarismo sanitário, na tentativa de impedir a expansão desse tipo de moradia através de
incentivos à produção de casas higiênicas, impondo limites à construção dos cortiços, por
considerar que estes propiciavam a contaminação e a disseminação de epidemias, mas apesar
da ação repressora do Estado não foi possível impedir a proliferação de moradias precárias.
Nesse período, o padrão de habitação nas cidades estava baseado na moradia alugada, para os
trabalhadores de baixa renda a única alternativa eram os cortiços, enquanto para os
trabalhadores de classe média ou trabalhadores formais existiam as vilas ou conjuntos de
pequenas casas construídas pelas fábricas onde trabalhavam. Nota-se que a habitação era
elemento de formação ideológica, política e moral do trabalhador.
Já nos anos 40, foi criado o primeiro órgão voltado para prover habitação à população
de baixa renda, a Fundação Casa Popular que possuía uma ação limitada, pautada no
clientelismo. Sobre a atuação da Fundação Azevedo e Andrade (2011, p. 9) contribuem:
5
Em princípio, a seleção da cidade para a construção de conjuntos deveria
levar em conta as necessidades locais, o apoio da prefeitura e a ordem das
solicitações. Nem sempre as decisões se pautaram exclusivamente por
aspectos técnicos. O número de solicitações excedendo as possibilidades da
Fundação da Casa Popular dava a esta última posição privilegiada de
escolha. Sendo a casa um recurso escasso e politicamente rendoso, a decisão
de onde construir muitas vezes baseou-se em considerações de interesse
clientelístico. Motivações políticas teriam, entretanto, peso ainda maior na
alocação das casas entre os postulantes.
É só a partir de 64, contraditoriamente aos fatos políticos e sociais inerentes à época,
que a habitação popular passa a ser assumida como questão social; elabora-se a Política
Habitacional Brasileira – PHB e cria-se o Banco Nacional de Habitação - BNH, sem, contudo,
abrir mão da centralização da política (PAULO NETTO, 2002).
O BNH passou a financiar a construção de várias unidades habitacionais no país,
contudo, tratava-se de uma estratégia tipicamente keynesiana de impulsionar a economia por
meio de incremento à construção civil e da geração de empregos, num contexto de total
ausência de transparência e controle dos gastos públicos (CIGNOLLI apud BEHRING;
BOSCHETTI, 2007).
De acordo com os dados do relatório do BNH apresentado por Rodrigues (2003, p.59):
“de 1964 a 1984 [...] foram financiadas 4 milhões e 369 mil unidades, sendo milhões e 557
mil na faixa de interesse social, o que representa 58,5% do total de unidades financiadas (...)”.
Cabe ressaltar que a gestão empreendida pelo BNH esteve pautada no autoritarismo
típico do regime militar; na ausência de participação na concepção dos programas e projetos;
na falta de controle social na gestão dos recursos; dentre outros. Nessa perspectiva, Bonduki
([200-], p. 73) afirma que: muito embora a produção habitacional, durante esse período, tenha
sido significativa, ela esteve aquém das necessidades geradas pelo intenso processo de
urbanização ocorrido no Brasil na segunda metade do século XX. De acordo com o autor
dentre outras características da política desenvolvida nesse período destaca-se a opção por
grandes conjuntos localizados na periferia das cidades, a desarticulação entre os projetos
habitacionais e a política urbana, a utilização de soluções uniformizadas, padronizadas, sem
nenhuma preocupação com a qualidade da moradia.
Com o fim do regime militar e a extinção do BNH deixa-se de ter uma estrutura de
caráter nacional responsável pela política habitacional, abrindo espaço para uma nova fase na
política conhecida como pós-BNH, período no qual os Estados e Municípios passam a
enfrentar a questão habitacional a partir de modelos alternativos. Progressivamente essa
responsabilidade passa a ser transferida para os Estados e Municípios, tendo como marco a
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Constituição Federal de 1988, que tornou a habitação uma atribuição concorrente dos três
níveis de governo, processo que se deve, sobretudo, pelas crescentes mobilizações em torno
da moradia, consolidando o poder local enquanto principal interlocutor das organizações
populares, acentuando a tendência à descentralização dos programas habitacionais.
Nesse período, surgem paralelamente às intervenções tradicionais, diversas
experiências municipais de habitação de interesse social, além de programas que adotam
pressupostos inovadores dentre os quais: desenvolvimento sustentável; diversidade de
tipologias; estímulo a processos participativos, além de projetos integrados (grifo nosso) e a
articulação com a política urbana (BONDUKI, [200-]).
Embora rompendo com a concepção herdada do BNH, essas alterações não
conseguiram impulsionar uma nova política. As ações habitacionais durante o governo FHC
não conseguiram combater o déficit habitacional 1que se concentrava nos segmentos de baixa
renda, uma vez que os financiamentos para a obtenção da casa própria se concentravam nas
faixas de renda acima de cinco salários mínimos. Como consequência acesso à terra
urbanizada, dotada de serviços, equipamentos e infraestrutura tornou-se cada vez mais caro,
impulsionando aqueles que não tem recursos a habitarem locais cada vez mais distantes,
precários, irregulares e insalubres. Nessa perspectiva Rolnik (2008, p. 26) ressalta que:
Os terrenos que a lei permite urbanizar, assim como os financiamentos que a
política habitacional praticada no país tem disponibilizado, estão reservados
ao restrito círculo dos que têm dinheiro e propriedade da terra. [...] Para as
maiorias, sobram os mercados informais e irregulares, em terras que a
legislação urbanística e ambiental não disponibilizou para o mercado formal:
áreas de preservação, zonas rurais, áreas non-edificandi, parcelamentos
irregulares.
No entanto, após um longo processo de discussão, um importante avanço foi
alcançado: a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), criando novos
instrumentos urbanísticos para viabilizar a regularização fundiária, fazendo cumprir a função
social da propriedade. Com sua aprovação ficou regulamentado o capítulo da política urbana
da Constituição Federal de 1988.
1 O déficit habitacional pode ser traduzido em déficit quantitativo, ou seja, necessidade quantitativa de moradias,
decorrente da coabitação familiar, do ônus excessivo com aluguel e dos domicílios improvisados, já o déficit
qualitativo está relacionado à precariedade da moradia, decorre da deficiência no acesso à infraestrutura e de
irregularidades fundiárias.
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A partir de 2003, surge uma nova interface para a política de habitação no país, com a
criação do Ministério das Cidades2, incumbido de exercer a coordenação da Política Urbana
Nacional. Sua criação representou um grande avanço no âmbito da gestão pública, pois
pressupõe um tratamento integrado da questão urbana, sendo considerado o mais importante
órgão responsável pelo enfrentamento à questão da moradia desde a extinção do BNH.
Dentre os princípios que regem a nova política ganham destaque: o direito à moradia
digna como vetor de inclusão social, que pressupõe não só o acesso à unidade habitacional,
mas a diversos serviços que garantam um padrão mínimo de habitabilidade; função social da
propriedade urbana; gestão democrática com participação dos diferentes segmentos sociais e
da articulação à política urbana, de modo integrado às demais políticas sociais e ambientais, e
tem como principal objetivo promover condições de acesso à moradia digna para todos
especialmente os segmentos de baixa renda, historicamente excluídos, com os quais há uma
enorme dívida social a ser resgatada.
Outra importante inovação foi a inclusão, em 2003, do trabalho social em todos os
programas em que o Ministério das Cidades concede recursos a fundo perdido ou através de
empréstimos aos Estados e Municípios. O trabalho Social passa a ser um componente
essencial na política habitacional e urbana, tendo como principal objetivo contribuir com a
melhoria da qualidade de vida, a defesa dos direitos e a promoção da inclusão social das
famílias beneficiadas pelos projetos.
2.2. A Política Habitacional em João Pessoa
A evolução espacial de João Pessoa reflete a dinâmica da urbanização nacional
consolida numa forte disparidade, que ultrapassa as desigualdades entre as Regiões Nordeste e
o Sudeste, alcançando os limites da própria cidade, na qual é possível observar um
planejamento guiado pela lógica capitalista do preço do solo urbano, que continua segregando
para a periferia parcela significativa da classe trabalhadora que se encontra no limite da
sobrevivência.
O processo de urbanização da cidade começa a se redesenhar, incentivado pelo
crescimento dos serviços públicos, a partir do deslocamento dos senhores de engenho e
fazendeiros do campo para a cidade exigindo novos serviços de transportes e abastecimento
de água. Aqui, como em qualquer cidade brasileira, não é difícil visualizar as desigualdades
2 A criação do Ministério das Cidades representou o atendimento de uma demanda antiga dentre as mobilizações
pela reforma urbana, com o horizonte de retomar a agenda de uma política nacional, integrando os setores de
habitação, saneamento ambiental e transportes em um mesmo órgão. (ROLNIK, 2008)
8
de condições de vida existentes, frutos de um processo de precarização da classe trabalhadora,
o que agrava ainda mais os problemas urbanos.
De acordo com Vale e Garcia (2008), em João Pessoa os principais investimentos na
questão da moradia se deram a partir de 64, quando começaram a ser construídos conjuntos
habitacionais seguindo a política do BNH, direcionando a expansão urbana a partir de dois
eixos: norte, onde se concentrava a população de melhor poder aquisitivo, e sul, onde
prevalecia a população de baixa renda. Entre a década de 1970 e 1980 a cidade estende-se em
direção ao Sudeste, processo que se deu através da construção de habitações populares pelo
poder estatal, a exemplo dos conjuntos habitacionais Ernesto Geisel, José Américo de
Almeida, Mangabeira e Valentina de Figueiredo.
A partir de 1997, o poder público municipal passa a desenvolver diversos programas
habitacionais como o “É pra Morar”, “Habitar Brasil” e “Morar Melhor” beneficiando
diversas famílias através da construção de unidades habitacionais em condomínios localizados
nas áreas periféricas da cidade. A política desenvolvida nesse período foi resultante de um
modelo predominantemente elitista que não refletia as demandas da população, nesse período
eram comuns processos de remoção das famílias que habitavam áreas inadequadas, estas eram
deslocadas para locais distantes das áreas dinâmicas economicamente como também do lugar
onde foram construídas historicamente as relações sociais e sem as mínimas condições de
habitabilidade.
A respeito desse assunto, Rua (2009) destaca que o modelo elitista vê a política como
resultado de preferências e valores de elites governamentais; portanto, a política pública não é
vista como reflexo das demandas dos governados e não surge das massas, mas das elites.
Segundo dados do IBGE (2010), João Pessoa possui hoje uma população de 720.789
habitantes sendo predominantemente urbana3. Contudo, sua evolução espacial não pode ser
dissociada da dinâmica da urbanização nacional, aqui também é possível observar um
planejamento guiado pela lógica capitalista do preço do solo urbano, que continua segregando
para a periferia parcela significativa da classe trabalhadora. Sem recursos, a única alternativa
para a essa população é construir em etapas a casa própria, em assentamentos precários, como
loteamentos clandestinos, vilas, favelas, alagados, etc.
Nessa perspectiva, Rolnik (2008, p.23) contribui ao afirmar que a Organização das
Nações Unidas – ONU define assentamento precário da seguinte forma:
3 A taxa de urbanização do município é de 99.62%.
9
Trata-se de um assentamento contíguo, caracterizado por condições
inadequadas de habitação e/ou serviços básicos. Um assentamento precário é
frequentemente não reconhecido/considerado pelo poder público como parte
integral da cidade. Cinco componentes refletem as condições que
caracterizam os assentamentos precários: status residencial inseguro; acesso
inadequado à água potável; acesso inadequado a saneamento e infra-
estrutura em geral; baixa qualidade estrutural dos domicílios; adensamento
excessivo.
Sabemos que a política fundiária tem um papel importante para a implantação da
política habitacional, mas para que essa se viabilize é fundamental a implementação de
instrumentos como os Planos Diretores Municipais, que garantam a função social da
propriedade, e de Regularização Fundiária, que ampliem o acesso da população de baixa
renda à terra urbanizada, além da revisão urbanística.
Na tentativa de minimizar esses problemas a Prefeitura Municipal de João Pessoa
criou, no ano de 2006, o órgão responsável exclusivamente por coordenar a elaboração e a
implementação de programas habitacionais e de regularização fundiária, a Secretaria
Municipal da Habitação Social – SEMHAB.
De acordo com o portal da SEMHAB4 as Diretrizes da Política de Habitação Social do
município de João Pessoa estão baseadas nos seguintes elementos:
- Desenvolvimento de projetos habitacionais que considerem as
características da população local, suas formas de organização, condições
físicas e econômicas;
- Estímulo a participação e controle social na definição das políticas e
prioridades da produção habitacional;
- Promoção da regularização física e fundiária de assentamentos já
consolidados e das unidades construídas;
- Intervenção em áreas degradadas e de risco, tendo em vista garantir a
integridade física, o direito à moradia e a recuperação da qualidade
ambiental dessas áreas.
É necessário ressaltar que concomitantemente às obras físicas (construções) é
desenvolvido o Trabalho Técnico Social (TTS), componente obrigatório em todos os projetos.
O TTS é desenvolvido durante e após a entrega das unidades habitacionais, período, pós-
ocupacional, e possui um caráter informativo, educativo e de promoção social, visando o
desenvolvimento comunitário e a sustentabilidade do empreendimento, com ações divididas
nos eixos Mobilização e Organização Comunitária, Educação Sanitária e Ambiental e
Geração de Trabalho e Renda. As atividades desenvolvidas nos eixos visam estimular a
4 Para maiores informações consultar o portal: < http://www.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/semhab/> Acesso
em: set. 2010.
10
participação ativa dos moradores e seus processos de organização e decisão através de
oficinas e reuniões; sensibilizar os moradores quanto à correta seleção, armazenamento e
destinação do lixo, saneamento e abastecimento de água, conservação dos imóveis, poluição
atmosférica e sonora, além de promover a formação e qualificação profissional, inclusão
produtiva e geração de renda dos moradores, conforme o interesse, habilidade e demanda do
mercado.
Na implementação dessa política são observados alguns critérios/prioridades para a
seleção dos beneficiários como: cidadãos idosos, na forma da Lei nº 10.741, 1º de outubro de
2003, ou cidadãos portadores de necessidades especiais, na forma do Decreto nº 5.296, de 2
de dezembro de 2004; famílias com menor renda per capita; famílias com maior números de
dependentes; além de mulheres responsáveis pelo domicílio.
Percebe-se, portanto, que a Política Pública geralmente envolve mais que uma decisão,
requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas
(RUA, 2009). Contudo, introduzir o planejamento habitacional, firmar a habitação como
política social de estado a partir de princípios comuns, recursos compatíveis e ações
articuladas, nem sempre é uma tarefa fácil. Na prática, a implementação de uma política
pública versa sobre um conjunto de decisões e ações direcionadas para a consecução de
objetivos estabelecidos sobre determinada política, ou seja, consiste em fazer uma política sair
do papel e funcionar efetivamente.
Nesse sentido, a construção do Residencial Monte Cassino pode ser classificada como
uma tentativa de minimização do déficit habitacional no município de João Pessoa. Destinado
a 250 famílias em situação de risco e vulnerabilidade social da antiga Comunidade Paulo
Afonso, localizada em área de preservação ambiental de 3.204 ha, num dos bairros mais
tradicionais da cidade, o bairro de Jaguaribe.
Figura 1. Mapa de Localização do Residencial Monte Cassino.
Fonte: Projeto de Trabalho Técnico Social (2007)
11
O início do seu povoamento se deu há 20 anos quando através do processo de
autoconstrução foram erguidas as primeiras casas com os mais diversos materiais: alvenaria,
madeira, misto, taipa. Sobre a autoconstrução Rodrigues (2003, p. 30) afirma:
A construção da casa se prolonga por muitos anos, absorvendo maior parte
do “tempo livre” da família. [...] O ritmo da construção depende do “tempo
livre”, do dinheiro disponível para a compra do material de construção e da
contratação eventual de um trabalhador especializado para determinadas
etapas da construção. [...] A autoconstrução é um processo de trabalho
extremamente penoso, com elevados custos individuais que recaem sobre os
setores mais pauperizados. [...] O produto – a casa – embora seja muito
precário – pela qualidade do material de construção, da edificação – é uma
alternativa de moradia.
A comunidade dispunha mesmo de forma irregular de água, energia elétrica, coleta de
lixo, telefonia pública. Sua única via de acesso além de não ser pavimentada, não permitia a
circulação de automóveis, os esgotos eram lançados na rua e apesar da coleta de lixo regular
eram comuns os despejos na Mata do Buraquinho.
Figura 2. Deficiência de infraestrutura da
comunidade.
Fonte: Projeto de Trabalho Técnico Social – 2010.
Figura 3. Área ocupada pela antiga Comunidade
Paulo Afonso.
Fonte: Projeto de Trabalho Técnico Social – 2010.
O Projeto Paulo Afonso surgiu como fruto da luta dos moradores, que após vários
mandados judiciais, exigindo a realocação das famílias residentes na área de preservação
ambiental para outra área, conquistaram junto à Prefeitura Municipal de João Pessoa o direito
à moradia digna.
12
Os recursos investidos no projeto totalizam R$ 3.353.330,74, sendo R$ 2.925.000,00
em recursos federais, através do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS, e
R$ 428.330,74 através de contrapartida da gestão municipal.5
A intervenção teve como proposta a realocação das famílias residentes na comunidade
Paulo Afonso para uma área regular, situada a poucos metros da área de preservação
ambiental. A área do novo empreendimento foi declarada de utilidade pública, conforme
Decreto nº 5.651de 09 de junho de 2006, tendo sido adquirida sob desapropriação amigável.
O processo de construção das unidades habitacionais iniciou-se em 2007, e a previsão
de entrega das novas unidades habitacionais era de 180 dias. Paralelamente à execução das
obras físicas, construção das residências, desenvolvia-se o trabalho social com as famílias.
De acordo com o projeto inicial as novas unidades, do tipo “Duplex”, com dois
quartos, sala, cozinha e banheiro, com área de 40,5 m² construída em alvenaria em tijolo
cerâmico, rebocado e pintado, piso cimentado, telhado em madeira aparelhada e telha canal,
esquadrias e portas de madeira, bancada em resilínea, cerâmica em todo o piso do banheiro,
bem como em sua parede até 1,50m. Previa, ainda, a execução da distribuição de água e
iluminação pública, a implantação de meio-fio e pavimentação em paralelepípedo em todas as
ruas, além do acesso a transportes coletivos de diversas linhas. Outro aspecto importante com
a mudança das famílias: a área desocupada seria destinada ao seu propósito, a preservação
ambiental.
2.3 A perspectiva avaliativa na Gestão Pública
Feita algumas considerações sobre a questão habitacional no país e a política
habitacional em João Pessoa, cabe ressaltar um dos importantes elementos do processo de
implantação de uma política pública, elemento este de responsabilidade prioritária da Gestão
Pública na perspectiva de aferir a eficiência e a eficácia da política, trata-se da avaliação.
Sabe-se que o poder público se destaca entre os vários agentes que produzem o solo
urbano, contudo a atuação dos gestores varia de acordo com determinantes que vão desde a
necessidade, a existência de recursos e principalmente o interesse político ou econômico, por
isso é imprescindível a intervenção de um Estado capaz de agir no interesse público,
desenvolvendo políticas públicas.
5 Informações disponíveis no Portal da Transparência: <http://www.portaldatransparencia.gov.br>. Acesso em:
dez. 2011.
13
Nesse sentido, torna-se necessário que os gestores orientem suas ações de forma a
provocar mudanças efetivas na situação da população beneficiária. Isso implica não apenas
cumprir metas relacionadas a atividades e recursos, mais que isso implica planejar e orientar a
gestão em busca de resultados.
A avaliação cumpre um papel importante no ciclo das políticas públicas, pois
possibilita medir a efetividade das intervenções, auxiliando a tomada de decisões. Avaliar,
portanto, significa julgar a importância de uma ação e no âmbito da gestão pública traduz uma
obrigação pública e um dever ético, uma vez que as políticas públicas envolvem recursos da
coletividade.
Mas, apesar de sua importância no ciclo de políticas, a incorporação efetiva da
avaliação na agenda pública esbarra em vários limites dentre os quais a ausência de uma
cultura de avaliação, a baixa capacidade de produzir indicadores, a falta de pessoal
capacitado, quiçá o principal limite esteja também na dificuldade de alterar a forma
tradicional da administração pública.
De acordo com Cano (2006), a avaliação de impacto ou resultado procura verificar se
os efeitos finais forma alcançados. Segundo o autor, um programa pode ser perfeitamente
implementado e não consegui os resultados previstos.
Nessa perspectiva, a concepção adotada neste trabalho considera a avaliação como o
julgamento dos resultados objetivos e práticos da intervenção realizada, tendo como
referência a integração da análise documental com a análise dos resultados.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os investimentos da gestão municipal na área habitacional demonstram a capacidade
desta em formular propostas a partir de demandas que afetam a coletividade. Assim, o
presente trabalho tem como particularidade contribuir para a construção de reflexões acerca
da provisão habitacional em João Pessoa, tendo como referência a implementação do
Residencial Monte Cassino.
Observa-se que são relativamente poucos os trabalhos onde o foco analisado é a
implementação de ações na área habitacional. É importante ressaltar que esse estudo visa
contribuir para o processo de consolidação da capacidade de implementação dessa política,
tendo em vista tratar-se de uma demanda que consubstancia uma das expressões da questão
social, objeto de intervenção dos gestores públicos municipais.
14
Dessa forma, a metodologia aqui adotada constitui-se na sistematização e utilização de
métodos específicos que garantam uma melhor apreensão do empírico. Trata-se de um estudo
de caso, cujo objeto é a análise da implementação do Residencial Monte Cassino, com
destaque para o cumprimento ou não dos objetivos iniciais da proposta. Para a concretização
do objetivo ora exposto, a pesquisa será de cunho essencialmente qualitativo, priorizando a
análise dos discursos, a análise do conteúdo, confrontando-as com as informações construídas
pela academia por meio das referências bibliográficas adotadas.
É imperioso destacar que a análise empreendida neste trabalho estará centrada nos
efeitos finais alcançados pela intervenção, destacando as razões de sucesso ou fracasso.
Portanto, a pesquisa será fundamentalmente explicativa, uma vez que a preocupação estará
centrada na identificação de fatores determinantes ou contributivos aos desencadeamentos dos
fenômenos (ZANELLA, 2010).
Ressalte-se, ainda, que o presente artigo fundamenta-se no plano teórico em
contribuições de autores como: Bonduki ([200-]), Rodrigues (2003), Rolnik (2008), Rua
(2009) entre outros pesquisadores sobre o assunto.
Quanto aos procedimentos adotados para a coleta de dados apontados por Zanella
(2010) foram utilizadas para viabilização deste artigo pesquisas bibliográficas, por meio de
artigos e livros sobre o objeto da pesquisa, em acervo pessoal e portais eletrônicos, além de
visitas de campo à Prefeitura Municipal, na perspectiva de buscar consolidar informações
essenciais para o desenvolvimento desse trabalho. Com destaque para a pesquisa documental,
principal técnica utilizada para a coleta das informações aqui presentes. Buscou-se o acesso
aos documentos referentes ao projeto inicial, documentos de monitoramento, relatórios
mensais e relatório final.
4. ANÁLISE DE RESULTADOS
Nos últimos anos as ações de habitação social no âmbito da gestão pública municipal de
João Pessoa têm ganhado visibilidade. O balanço das unidades já construídas demonstra a
dimensão desse investimento. De acordo com o Relatório de Ações (2010)6, a gestão
municipal já construiu e entregou 5 mil casas, e outras 5 mil já possuem projeto ou estão em
fase de licitação, a construção do Residencial Monte Cassino representa parte desse
investimento.
6 Para maiores informações consultar o portal <http://www.joaopessoa.pb.gov.br/acoes/relatorios/#habitacao>.
15
A proposta de avaliação da implantação do residencial levou em consideração as
diretrizes da política nacional, os objetivos iniciais do projeto, incluindo o tempo previsto
para a conclusão das obras, bem como o trabalho social realizado durante e após a execução e
entrega das unidades habitacionais.
O Projeto Paulo Afonso foi elaborado em março de 2007 tendo como objeto de
intervenção uma ocupação irregular em área de preservação ambiental no bairro de Jaguaribe,
conhecida por Comunidade Paulo Afonso. A proposta da gestão municipal era a remoção dos
moradores e a liberação da área ocupada, garantindo a todas as famílias uma nova unidade
habitacional em outra área. Inicialmente o projeto previa a construção de 259 unidades
habitacionais e a realização do Trabalho Técnico Social. De acordo o Projeto de Trabalho
Técnico Social – Paulo Afonso (2007) a previsão para a conclusão das obras seria de 180 dias,
porém a paralisação destas ocasionou morosidade na conclusão e entrega das novas unidades
habitacionais no Residencial Monte Cassino, prevista para o ano de 2008.
A entrega do empreendimento foi concretizada em fevereiro de 2010, sem, contudo
beneficiar a todos os moradores da comunidade, essa constatação está fundamentada na
análise do Relatório Final do Trabalho Técnico Social (2011) no qual figura como atividades
executadas a realização de “Reunião com os moradores excedentes da comunidade Paulo
Afonso” e a “Remoção de duas famílias desabrigadas para um Galpão no [bairro] Distrito
Mecânico”. Observa-se, assim a incompletude da intervenção que não beneficiou o total de
famílias inicialmente previsto. Nesse sentido a existência de 11 famílias excedentes reflete
dois principais aspectos: as falhas no processo de cadastramento das famílias, que em geral é
realizado por equipes mal preparadas e diversas daquelas que irão executar o projeto, e um
monitoramento ineficaz, que não consegue traduzir as demandas reais, consequentemente não
se consolida um sistema de informações e indicadores confiáveis, o que inviabiliza a
avaliação interna e o possível redirecionamento das ações.
Com relação ao monitoramento Rua (2009) destaca que esta é uma ferramenta de gestão
interativa e proativa, que utiliza as informações com a profundidade necessária para a sua
finalidade, qual seja: obter mais eficácia, eficiência e efetividade, subsidiando a tomada de
decisões, característica que não foi observada na realidade investigada, nesse sentido percebe-
se que o monitoramento é visto como uma operação técnica desvinculada das etapas do ciclo
de políticas, caracterizando-se como uma ferramenta emergencial, utilizada apenas quando se
necessita de uma informação a fim de subsidiar a elaboração de relatórios.
Embora, não atendendo todas as famílias, observa-se que a gestão municipal garantiu
o princípio da função social da propriedade, estabelecido na Constituição Federal e no
16
Estatuto da Cidade, à medida que respeitou o direito da população permanecer em uma área
próxima, adequada ambiental e socialmente, preservando assim os vínculos sociais
estabelecidos na região, o entorno e sua inserção na estrutura urbana. Se comparada à política
desenvolvida nas gestões anteriores, a intervenção realizada na comunidade Paulo Afonso
refletiu as demandas dos moradores que almejavam ser realocados para uma área regular
favorecida com serviços de saúde, educação, cultura, meio ambiente e desenvolvimento
social, localizada a poucos metros da anterior.
É importante ressaltar que esse processo não se deu de forma harmoniosa, apesar da
população não ter sido deslocada para uma área distante, houve muita resistência. As
discussões versavam sobre o padrão das novas habitações. A proposta da prefeitura era a
construção de residências no formato duplex (Ver figura 4), garantindo o atendimento ao
maior numero de famílias em detrimento do espaço do terreno. No entanto essa proposta não
favorecia o desenvolvimento das atividades de reciclagem exercidas por alguns moradores
que com a intervenção não teriam onde armazenar os materiais recolhidos.
Figura 4. Residencial Monte Cassino antes da entrega.
Fonte: Projeto de Trabalho Técnico Social – 2010.
No tocante aos critérios de inclusão observa-se que a política desenvolvida seguiu as
diretrizes que orientam a Política Nacional de Habitação – PNH, com destaque para a
promoção do atendimento à população de baixa renda, onde se concentra o déficit qualitativo
e quantitativo, priorizando as famílias com renda de até 03 (três) salários mínimos. Levando
em consideração tal critério observa-se que a intervenção ora analisada alcançou o público
alvo, tendo em vista todas as famílias beneficiadas apresentarem renda familiar inferior a 1
17
(um) salário mínimo, aliada a essa constatação há uma série de limitações a exemplo das
precárias condições de sobrevivência, onde o desemprego, a informalidade e a inserção
precária são marcas presentes. Na Comunidade Paulo Afonso 28.96% dos chefes de família
estavam inseridos no mercado de trabalho informal, 42.47% encontravam-se em situação de
desemprego e apenas 11.97% estavam empregados formalmente (PTTS, 2007).
De acordo com o Projeto de Trabalho Técnico Social (2010) parcela significativa dos
moradores tinha como principal fonte de renda a coleta de materiais recicláveis. Na
perspectiva de contornar o conflito ocasionado com o formato das habitações a serem
construídas, foi realizado o cadastramento desses trabalhadores, no intuito de subsidiar a
construção de uma estrutura para armazenar o material coletado, ou seja, a construção de um
galpão para os recicladores, contudo a proposta não foi concretizada.
O projeto contemplou ainda um eixo de ação voltado para geração de emprego e renda,
através do qual foram desenvolvidas oficinas, cursos profissionalizantes e capacitações.
Contudo, percebe-se que o alcance dessas ações foi bastante limitado e deficiente. Apesar da
maioria dos beneficiários estarem na faixa de idade produtiva poucos foram aqueles que se
inseriram nos cursos e capacitações ofertados tendo em vista a baixa escolaridade ser um dos
fatores determinantes.
Outra característica identificada foi o significativo crescimento de famílias chefiadas
por mulheres, traço marcante na sociedade contemporânea e contemplada nos programas de
habitação de interesse social desenvolvidos pela Prefeitura de João Pessoa, que estabelece,
dentre outros critérios para a inclusão nos projetos habitacionais, a preferência por famílias
em que mulheres são as responsáveis pelo domicílio. Sobre esse fato Oliveira e Cassab (2010,
p. 83) destacam que “(...) a preferência pela mulher ocorre pelas qualidades que a mesma
possui na relação de vínculos afetivos estabelecidos com a família, na responsabilidade de
garantir abrigo, na manutenção do lar e, principalmente, pela persistência na luta pela
aquisição da casa própria.”
Na Comunidade Paulo Afonso essa foi uma característica presente uma vez que das
250 famílias beneficiadas, 178 eram chefiadas por mulheres, o que corresponde a 68,73%
desse universo. Tal presença gera a importância de se considerar no trabalho social as relações
de gênero e as manifestações a ela inerentes.
Quanto aos critérios de acessibilidade, todas as pessoas idosas e com deficiência da
comunidade foram contempladas com moradias em conformidade com as leis que garante
cotas do benefício e a acessibilidade (Estatuto do Idoso, Lei n. 10.098, Normas da ABNT -
NBR 9050/2004).
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Figura 5: Vista parcial do Residencial Monte Cassino.
Fonte: Acervo pessoal – Data: 01 dez. 2011.
No tocante à execução do Trabalho Técnico Social observa-se que este foi desenvolvido
de forma gradual durante as fases de planejamento, execução e pós-ocupação, totalizando um
período além do previsto (180 dias) para o um período de mais de dois anos. Contudo, embora
o período para a execução do projeto tenha sido extenso, as atividades desenvolvidas:
reuniões, oficinas, cursos profissionalizantes, não representaram uma alteração significativa
na vida desses moradores. Apesar de todo o estimulo à participação, promovido pela gestão
municipal aos beneficiários do projeto, nota-se a discrepância no envolvimento destes nas
atividades sócioeducativas desenvolvidas, a exemplo do eixo empreendedorismo (Geração de
Trabalho e Renda/ Capacitação Profissional), que de acordo com os dados do Relatório Final
do Trabalho Técnico Social teve participação inferior a 50% nas 26 atividades realizadas.
Por fim, cabe ressaltar que através das ações apontadas no decorrer deste texto, a gestão
municipal procurou garantir um padrão mínimo de habitabilidade, infra-estrutura, saneamento
ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais.
5. CONCLUSÕES
O desenvolvimento e execução de políticas públicas são fundamentais para reverter o
quadro de exclusão social em que vivem milhões de habitantes deste país. Sabe-se a questão
habitacional está longe de ser solucionada, contudo algumas iniciativas começaram a ser
tomadas.
Através desse estudo foi possível identificar a forma de atuação da gestão municipal
de João Pessoa no enfrentamento à questão habitacional e inferir o quão necessário se faz
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acompanhar o processo de implementação dessa política, identificando questões relevantes,
muitas vezes observadas no processo de formulação da proposta e que chegam a influenciar
diretamente os resultados pretendidos.
Tomando como referencial o Residencial Monte Cassino, foi possível identificar que
as ações estão centradas no conceito da efetivação do direito à habitabilidade e no resgate da
cidadania, atendendo às referências institucionais da política nacional.
Como pontos positivos das ações desenvolvidas no projeto destacam-se: a opção de
remanejar as famílias para uma área próxima do local de origem, medida esta de extrema
dificuldade para os gestores públicos, especialmente diante da escassez de áreas públicas em
bairros antigos e centrais; o atendimento quase que na totalidade das famílias da comunidade
e também o projeto arquitetônico que levou em consideração as necessidades especiais de
idosos e deficientes físicos.
Contudo, são identificadas fragilidades que acabam por prejudicar a eficiência e a
eficácia das ações a exemplo, como citamos anteriormente as deficiências no monitoramento
do projeto, a ausência de uma cultura de avaliação e do fortalecimento da capacidade de
execução. No tocante às ações implementadas na comunidade destaca-se a pouca ou nenhuma
iniciativa eficaz para contornar a questão da precarização do trabalho dos moradores
beneficiados.
Cabe ressaltar ainda, que as análises feitas sobre o Relatório Final do Trabalho
Técnico Social atreladas as experiências vivenciadas em projetos semelhantes no leva a
perceber que muitas decisões relevantes não são tomadas na fase de formulação da proposta,
sendo adiadas para a fase de implementação, além disso, percebe-se que as ações propostas
pelo projeto apresentam-se de forma fragmentada, como consequência estão presentes no
projeto equívocos de execução que refletem diretamente na qualidade do trabalho
desenvolvido.
Dessa forma torna-se necessário o aprimoramento da gestão, de modo a adotar uma
visão estratégica, superando os limites organizacionais, técnicos e políticos que tanto
dificultam a implementação das políticas públicas.
Percebe-se que os problemas da habitação não se resolvem apenas mediante vontade
política, são necessários recursos e ações articuladas que sejam capazes de traduzir as
demandas postas pela sociedade de forma participativa e inovadora.
É importante ressaltar que, apesar de algumas limitações, as ações realizadas pela
gestão municipal contribuíram significativamente para a melhoria da qualidade de vida da
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população beneficiada que deixou para trás casas improvisadas sem a mínima condição de
habitabilidade, passando a habitar em uma área regular dotada de infraestrutura.
Recomenda-se, assim, o estreitamento das relações entre a Secretaria de
Desenvolvimento Social e a Secretaria Municipal de Habitação, órgãos responsáveis pela
execução dessa política, na perspectiva do melhor atendimento as demandas. É imperiosa
também a necessidade de uma assessoria que contribua com a identificação dos desafios e a
elaboração de propostas participativas e inovadoras, além da realização de encontros entre
técnicos e gestores da área. Por fim, espera-se que as reflexões tecidas ao longo deste artigo
contribuam para o aprimoramento da atuação de técnicos e gestores públicos envolvidos nesse
processo.
Jaiane Rodrigues de Morais
Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba em 2006, atuou na
elaboração e gestão de projetos sociais na área de habitação, junto à Secretaria de
Desenvolvimento Social do Município de João Pessoa, especificamente no Projeto de
Trabalho Técnico Social – PTTS. Foi Diretora da Casa Educativa, unidade de ressocialização
para adolescentes do sexo feminino, em conflito com a Lei. É Assistente Social do Ministério
Público da Paraíba.
e-mail: [email protected]
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