a política cultural norte-americana no brasil: o caso do...
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História
Linha de Pesquisa História das Relações Internacionais
A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do OCIAA e
o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946
Silvana de Queiroz Nery Mesquita
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ como requisito
à obtenção de grau de Mestre em História das Relações Internacionais. ORIENTADORA:
Profª. Drª Mônica Leite Lessa.
RIO DE JANEIRO
2002
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2
Agradecimentos
Gostaria de iniciar ressaltando o apoio e a contribuição de algumas
instituições e pessoas, no processo de elaboração desta dissertação que,
sem os quais, eu dificilmente teria chegado à finalização deste trabalho.
Primeiramente a Universidade do Estado do Rio de Janeiro pelo apoio e
incentivo, oferecendo as melhores condições para o debate acadêmico em
geral e, especificamente, na área de Relações Internacionais.
Ao Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC) e à Biblioteca Nacional para o levantamento e acesso às
inúmeras fontes primárias consultadas, “essenciais” na composição deste
trabalho.
Agradeço, particularmente à minha orientadora, Profº Drª Mônica Leite
Lessa, que desde o período do curso de especialização em História das
Relações Internacionais, acompanha a minha trajetória acadêmica sendo
responsável pelos meus estudos iniciais sobre a “dimensão cultural” como
objeto de análise das novas abordagens em Relações Internacionais, à
Mônica Leite Lessa, devo meu profundo respeito e agradecimento, por essa
contribuição e pela extrema paciência e dedicação que foi muito além de
uma orientação acadêmica formal.
Ao Profº Drº William Gonçalves da Silva, membro da banca examinadora,
que além de um grande incentivador na continuidade dos meus estudos em
História das Relações Internacionais, contribuiu com sugestões de extrema
valia, quando apresentei no exame de qualificação meu projeto de tese e
que foram prontamente incorporadas neste trabalho.
3
Ao Profº Drº Hugo Rogério Suppo, agradeço, particularmente, a precisão e
paciência com que leu o meu projeto de tese, quando membro da banca do
exame de qualificação, contribuindo de forma substancial no
desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço também às leituras e discussões propostas pela Profº Drª Miriam
Gomes Saraiva, no curso de Política Externa Brasileira do Programa de
Pós-Graduação, as quais acrescentaram importantes direcionamentos neste
trabalho.
Agradeço ao convite oferecido pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) através do Núcleo de Estudos Americanos (NEA) para ministrar
duas palestras sobre este trabalho e principalmente ao diretor do NEA,
Profº Drº Marcos Guedes, bem como, sua equipe, pela atenção quando da
minha estadia em Recife.
E em especial, ao meu marido, Paulo Roberto e a minha filha, Juliana, pelo
carinho, apoio e compreensão da longa ausência do convívio diário, da
esposa e mãe, que sem os quais não conseguiria realizar este trabalho.
4
RESUMO
Esta dissertação tem como proposta estudar a política externa norte-
americana durante a Segunda Guerra através da inserção das Relações
Culturais Internacionais como objeto das novas abordagens em Relações
Internacionais. Elegemos como estudo de caso a política cultural norte-
americana no Brasil representada pelo Office for Coordinator Inter-
American Affairs (OCIAA) e o papel das Seleções Reader’s Digest.
Procuramos a partir do diálogo com as Ciências Sociais estudar o
nacionalismo norte-americano e brasileiro bem como os aspectos da
identidade de cada nação
5
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to study the north american foreign
policy during World War II through the insertion of the International
Cultural Relations as an object of the new approaches in International
Relations. We have elected a study of case the north american cultural
policy in Brazil represented by the Office for Coordinator Inter-American
Affairs (OCIAA) and the role of the Seleções Reader’s Digest.From the
dialogue with the Social Science we’ve attempted to study the North
American and Brazilian nationalism as well as the aspects in the identity
of each of these nations
6
ABREVIATURAS
BN – Biblioteca Nacional CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação DE - Departamento de Estado DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda FGV - Fundação Getúlio Vargas IAA – Inventário Inter-Americano OCIAA - Office of Coordinator Inter-American Affairs RD- Reader’s Digest Seleções RD – Seleções do Reader’s Digest
7
SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................p.8
Capítulo 1 Nacionalismo e Política Externa
1.1A crise do entre-guerras............................................................................................p.24
1.2 Nação e Nacionalismo.............................................................................................p.27
1.3 A criação do OCIAA – Política cultural norte-americana......................................p.34
1.4 Departamento de Comunicações (Divisão de Filmes, Imprensa e Publicações)....p.39
1.5 O Basic Plan: Etapas da Estratégia de Ação do OCIAA........................................p.41
1.6 Interesse Nacional: Experiência Única, Missão e Isolamento................................p.46
Capítulo 2 O Relacionamento entre o OCIAA e o DIP
2.1 A Estratégia de Ação da Divisão de Filmes do OCIAA .........................................p.66
2.2 As Bases de uma Relação – OCIAA e DIP..............................................................p.73
2.3 Canal de Difusão: o jornal A Manhã .....................................................................p.87
2.4 O projeto nacional Brasileiro: entre a Tradição e a Modernidade..............................p.100
Capítulo 3 A Difusão do American way of Life nas Seleções RD (1942-1946)
3.1 Breve Histórico: The Reader’s Digest...................................................................p.117
3.2 O Universalismo nas Seleções RD ........................................................................p.119
3.3 O Papel das Seleções RD na estratégia da Política Cultural norte-americana....p.128
3.4 As Seleções RD na difusão da propaganda dos ideais pan-americanistas..........p.134
3.5 A Recepção das Seleções RD entre os formadores de opinião no Brasil.............p.141
3.6 A Difusão dos “traços culturais” do american way of life nas Seleções RD.......p.145
Conclusão.....................................................................................................................p.153 Anexo1 ....................................................................................................................... p.167 Anexo2......................................................................................................................... p.168 Fontes ......................................................................................................................... p.169 Bibliografia..................................................................................................................p.170
8
Introdução
O interesse pelo tema escolhido, relações culturais Brasil-EUA, foi gestado ao longo
do curso latu sensu em História das Relações Internacionais, cursado na UERJ em 1999.
A continuação natural dessa trajetória levou-me ao Mestrado em História e à
apresentação do Projeto intitulado “A Penetração Cultural Americana no Brasil 1940-
1946. A atuação do OCIAA na Imprensa e seus reflexos no DIP”. Saliento que o tema
das relações culturais entre os países não se constitui, ainda, em um campo de estudo
tradicional e portanto apresenta diversas possibilidades de pesquisas originais,
sobretudo no Brasil, onde a carência de uma bibliografia mais vasta atesta tal realidade.
Ao contrário, na Europa e nos Estados Unidos a “quarta dimensão das Relações
Internacionais”, se não foi entronizada no seio das problemáticas tradicionais –
econômica, política e militar – representa desde há algumas décadas um campo em fase
de consolidação seja pela anterioridade dos trabalhos publicados, seja pelo número
crescente desses trabalhos.
Tal constatação representou um duplo desafio: significou um redobramento de
esforços em encontrar uma bibliografia específica em relações culturais internacionais,
nem sempre disponível nas bibliotecas cariocas, e uma maior atenção e perspicácia de
investigação nos arquivos consultados, cujos instrumentos de pesquisa, os inventários
dos acervos, nem sempre foram organizados de maneira a destacar o tema das relações
culturais que, muitas vezes, encontrava-se arquivado em séries e sub-séries que cobriam
os mais variados assuntos ou eventos.
O trabalho aqui apresentado é portanto fruto de uma pesquisa árdua, devido às
dificuldades acima mencionadas, realizada ao longo de meses de investigação nos
9
Arquivos Histórico do Itamaraty (AHI), no Arquivo Nacional (AN), no Centro de
Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Biblioteca
Nacional (BN), no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC, na Biblioteca do
Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ) e em diversos sites nacionais e
estrangeiros.
O projeto original evoluiu de acordo com o curso do mestrado e com a pesquisa
paralelamente desenvolvida, resultando em uma redefinição da abordagem inicial pelas
leituras feitas e pelas fontes primárias consultadas. Redefinida a problemática, o
trabalho passou a chamar-se “A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do
OCIAA e o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946”. Assim, dois objetos de
análise norteiam e embasam este trabalho: as ações do OCIAA e o papel das Seleções
Reader’s Digest.
O Office for the Coordinator of Commercial and Cultural Relations between the
American Republics, é uma agência criada em 16 de agosto de 1940 pelo Conselho de
Defesa de Segurança Nacional dos Estados Unidos e que fez parte, dentre outras, do
Programa de Defesa Nacional implementado desde 1939 pelo governo Roosevelt. A
denominação da agência sofreu algumas modificações: de 30 de julho de 1941 a 23 de
março de 1945, passou a ser Office of Coordinator Inter-American Affairs, mais
conhecido como OCIAA. Após esse período mudou para Office of Inter-American
Affairs, permanecendo assim até a data de sua extinção em 20 de maio de 1946.
Para analisar a política cultural norte-americana desdobramos esse objetivo geral em
dois outros, mais específicos. O primeiro deles é analisar um dos campos de ação do
OCIAA, o da informação. Acreditamos ser o mais eficaz e importante campo da agência
em função de englobar diferentes mecanismos de “difusão cultural”. O segundo objetivo
10
é analisar o papel das Seleções Reader’s Digest na montagem e execução dessa política
cultural norte-americana bem como identificar alguns aspectos das “representações” do
“american way of life”.
Por outro lado, o interesse pelo estudo da “influência” e da “dimensão cultural” norte-
americana no Brasil, a partir de uma “política cultural” expressa pelo OCIAA, que
como estratégia principal preconiza a difusão do american way of life, não é devido
unicamente à importância do período “entre-guerras” e/ou da “influência” que esta
agência, juntamente com a nova edição, em 1942, da revista Seleções RD, exerceu
sobre uma certa “elite” cultural brasileira, mas, sobretudo, devido à importância da
política cultural desenvolvida nesses anos, peça fundamental da política externa dos
EUA.
Aliás, a relevância, a atualidade e a influência que a cultura norte-americana vem
exercendo ao longo de décadas sobre a sociedade brasileira, e que cada vez mais se
intensifica, dá-se, em grande medida, pela ampla aceitação, incorporação e absorção dos
produtos culturais norte-americanos. O gosto, o hábito, a atração por esses produtos,
quer sejam representados na alimentação, no vocabulário, na moda, nas músicas, nos
filmes, nos livros, no ensino, na formação de uma expressiva intelectualidade
acadêmica-científica1, na linguagem da propaganda dos meios de comunicação2 etc,
formam uma densa e profunda teia de influência. O resultado é que a cultura norte-
americana é uma das culturas e/ou “estilo de vida” que mais permeiam o imaginário
coletivo da sociedade brasileira.
1 Para conhecer a importante contribuição da Fundação Ford ao incremento das Ciências Sociais no Brasil: Miceli, 1990, 1993 e Marinho, 2001. 2 No momento tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei do PC do B que proíbe propagandas com slogans e expressões em inglês em outdoors nas cidades.
11
A “influência” dos EUA como modelo político de nação e sua sociedade como
paradigma da modernidade moldou o pensamento e/ou as idéias de importantes nomes
da literatura e da história política brasileira, envolvidos com o melhor “projeto de
nação” que remonta, pelo menos, aos últimos tempos do Império e aos primórdios da
instalação da República no Brasil.
O mesmo ocorrendo com relação ao processo de formulação da política externa
brasileira, vinculado aos “interesses nacionais” através das concepções dos primeiros
“policy-makers” da República, Rio Branco e Joaquim Nabuco. Ambos defend iam uma
aproximação com os EUA, como estratégica de política de poder em relação aos demais
países sul-americanos.3 Tais aspectos já foram amplamente analisados nos estudos sobre
as relações Brasil-EUA, por autores expoentes, porém tais obras analisaram a
importância do Tio Sam em nossa sociedade, em diferentes contextos internacionais,
sobretudo a partir de enfoques econômicos, políticos e/ou sociais4.
Além do interesse intrínseco ao tema escolhido, ressaltamos que a opção em abordar
a atuação do OCIAA sob o enfoque de uma política cultural se deve também a pouca
relevância que os estudiosos brasileiros das Relações Internacionais, atribuem ao tema
das Relações Culturais. Entretanto, mesmo sendo um tema novo, a nossa produção
acadêmica conta com importantes estudos através de alguns livros, monografias,
relatórios e artigos que são de extrema valia para quem se interessa por esse viés
analítico das Relações Internacionais.5
3 No campo da história do pensamento intelectual brasileiro ver: Oliveira,1990. Com relação à influência em suas concepções de visão de mundo e quanto à formulação da política externa brasileira Nabuco, 1948 e Silva, 1995. Sobre o discurso de separação entre o Brasil e a América Latina desde o período da independência Guimarães,1988 e Magnólio,1997. 4 Como uma breve amostra, destaco: Moura, 1980,1990; Bandeira,1973;Ianni,1988; Prado, 1980; Furtado, 1973, Guimarães,2001 e os brasilianistas Skidmore,1976, Morse,1986 e Hilton,1994. 5 No circuito diplomático Ribeiro, 1989; na academia, mais precisamente na área das Ciências Sociais, Miceli,1989; nas Ciências Políticas Herz,1986 e na História das Relações Internacionais Cervo,1992 e no campo específico da História das Relações Culturais Internacionais: Lessa,1994 e Suppo,1998.
12
Com relação ao tema das relações “culturais” Brasil-EUA e, mais especificamente,
sobre o OCIAA encontra-se poucos estudos: dois livros, dois relatórios e um trabalho.
Constata-se ainda que o OCIAA foi sempre contemplado tanto pela História quanto
pelas Ciências Políticas sob um mesmo enfoque: como sendo uma penetração
ideológica imperialista6.
Já no campo das Relações Internacionais, a ótica analítica é sempre a da estratégia de
“penetração política e ideológica”. O historiador Gérson Moura especialista em Política
Externa Brasileira dos anos 30 a 50, foi pioneiro em pesquisar o OCIAA e sua pesquisa
resultou no conhecido livro, Tio Sam chega ao Brasil: a Penetração Cultural
Americana. Destacam-se também, o relatório Zé Carioca o Embaixador de Duas Caras
e o trabalho A Política cultural norte-americana no Brasil durante a Segunda Guerra,
das especialistas em Relações Internacionais Mônica Herz e Alexandra de Mello e
Silva. Embora, utilizando o termo “política cultural” para analisar a atuação do OCIAA
no Brasil, as especialistas empregam o mesmo fio condutor de Gérson Moura, ou seja, a
ênfase no aspecto de “penetração ideológica”.
Dentre as contribuições dos trabalhos dos especialistas, Moura, Herz e Silva cabe
registrar o importante avanço na inserção de novos “temas” aos estudos das Relações
Internacionais ao lado de temas tradicionais como o político, militar e o econômico que,
em sua maioria, são privilegiados entre os especialistas da área.
6 Mais recentemente, como sendo uma ação de “penetração ideológica imperialista”, a partir do livro do historiador Antônio Pedro Tota O Imperialismo Sedutor – a americanização do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. No livro Tota se empenha em desvendar o processo de americanização do Brasil a partir da atuação do OCIAA. Para o autor, a penetração cultural norte-americana através do OCIAA é um instrumento de reprodução do capitalismo, no qual os EUA utilizam todo o aparato de propaganda e dos meios de comunicação como forma de reproduzir não somente sua ideologia mas como tentativa de seduzir corações e mentes. Já a cientista política Mônica Hirst em sua dissertação de Mestrado intitulada O Processo de Alinhamento nas relações Brasil-EUA: 1942-1945, procurou se distanciar do tradicional conceito de imperialismo de Lênin e George Liska e refutou o conceito de imperialismo de Benjamin Cohen Hirst define o conceito como “ um projeto imperial que pode se manifestar de forma diferenciada em função dos interesses da potência imperial. Sendo estes interesses que definem o formato do projeto imperial como um projeto integral e/ou fragmentado de dominação econômica, militar, política e ideológica”. A partir de sua definição, Hirst contempla uma pequena parte da sua dissertação para apresentar de forma geral, o OCIAA, o qual define como sendo mais uma estratégia do formato imperial norte-americano.
13
Um outro passo importante sobre os estudos do OCIAA foi o relatório de Letícia
Pinheiro, As Relações Culturais Brasil-EUA - 1940-1946. Utilizando o termo “relações
culturais” a autora, através de uma análise dos documentos do OCIAA, opta por mapear
os diferentes campos de “difusão cultural”: educação, imprensa, rádio e principalmente
a Divisão de Filmes, sendo este último, segundo ela, o instrumento mais eficaz deste
intercâmbio. Ao empregar o termo “relações culturais” Pinheiro não só amplia o
“escopo” analítico das relações culturais internacionais através da conexão entre cultura
e política, como possibilita um maior entendimento de como ocorreu a “recepção” da
cultura norte-americana através da propaganda do “american way of life” no Brasil,
analisando os contatos entre o OCIAA com alguns canais interlocutores brasileiros.
Assim, em muito nos beneficiamos das obras existentes, cuja importância
reconhecemos e assinalamos e que, nossos interlocutores constantes, nos instigaram a
ampliar os caminhos de nossa pesquisa. Além da análise da criação, implementação e
funcionamento do OCIAA nos debruçamos sobre o papel exercido pela revista Seleções
Reader’s Digest como parte da estratégia da política cultural norte-americana
implementada nos anos 40.
A extensa pesquisa e análise nos documentos referentes ao OCIAA revelaram que as
relações culturais não fizeram parte somente da formulação de metas e prioridades da
agenda da política externa norte-americana para atingir objetivos emergenciais do
governo, mas fizeram parte, também, de uma estratégia política mais ampla de
“interesses”. Neste sentido, o OCIAA não será mais uma das agências criadas pelos
“new-dealers” que chegam ao poder com Roosevelt, na reeleição de 1940, mas uma
agência que irá executar uma política cultural a qual ampliará e estenderá o seu raio de
ação através da interconexão entre diferentes campos como o da informação, saúde e
14
alimentação. Possuía o OCIAA uma dupla função: a de colocar em prática a vaga
“noção de bom vizinho” e a de somar esforços para a política hemisférica formulada
então pelo governo norte-americano.
O OCIAA sendo uma agência vinculada ao Conselho de Segurança nacional norte-
americano, instituição eminentemente ligada à defesa e segurança nacional evidencia de
forma mais estreita a conexão entre “relações culturais e interesse nacional”. Neste
trabalho, em um primeiro momento, apresentamos as diferentes definições das “relações
culturais” de alguns especialistas em Relações Culturais Internacionais7: “ação
cultural”, “relações culturais” e “política cultural”. Constatamos que mesmo se
apresentando sob diferentes enfoques analíticos, a “difusão cultural” possui um
significado “universal” sendo a base, portanto, de uma idéia e/ou pensamento comum de
uma certa elite intelectual e política que define a “cultura” como difusora de uma
“universalidade” na busca ao entendimento e aproximação entre povos e nações por
acreditar na “razão” universal dos indivíduos.
Assim, a “difusão cultural” tem como premissa o princípio iluminista de Kant para
quem a cultura: “seria a finalidade última da espécie humana, portanto, a finalidade da
natureza é a cultura, cenário de sabedoria suprema por ser aquilo que torna as pessoas
“suscetíveis às Idéias”8. A “difusão cultural” baseia-se nos preceitos éticos e morais dos
indivíduos se contrapondo, portanto, à teoria anárquica do Estado de Natureza de
Hobbes e ao papel do Estado como único e principal ator das Relações Internacionais:
“ são os indivíduos, os cidadãos, os atores das relações internacionais (...) o aspecto
mais relevante das relações internacionais é o potencial de cooperação que os
indivíduos guardam dentro de si.... existe uma razão humana que cria as condições de
7 Coombs, Frankell,Salon e Mitchell. 8 Emanuel.Kant, La philosophie de l’historie. Apud:Coelho,1999: 104.
15
possibilidade, os indivíduos terão oportunidade de desenvolver todo o seu potencial de
sociabilidade e conviver no seio de uma única comunidade, aquela formada pela
totalidade dos seres humanos”9.
Assim, para Kant, não é de todo impossível aos Estados agirem entre eles, segundo a
razão, pressupondo a possibilidade de toda a humanidade distinguir interesses comuns
de paz e de autodeterminação dos povos10.
O passo inicial para o incremento dos estudos das relações culturais internacionais,
pelo menos entre os autores anglo-saxões, através da idéia “universal” do “mutual
benefits” ocorreu durante os anos 60, nos EUA, através do relatório The fourth
dimension of foreign policy: educational and cultural affairs, do especialista Phillip H.
Coombs. O autor incorpora uma “dimensão política” às relações culturais internacionais
ao instrumentalizar e projetar as relações culturais e educacionais como sendo a “quarta
dimensão” da política externa dos EUA. No plano externo, as relações culturais
contribuiriam para melhorar tanto a qualidade do relacionamento norte-americano com
outras nações, consolidando o poderio do país num contexto internacional configurado
pela Guerra Fria e pelo aumento das nações independentes, já no plano interno as
relações culturais seriam um “recurso” estabilizador visando somar esforços ao
incremento dos “interesses nacionais” norte-americanos.11
Neste sentido, Coombs possibilitou estabelecer o campo das relações culturais
projetando sua importância enquanto “objeto de estudo” das Relações Internacionais e,
ao mesmo tempo, ampliou o escopo de “análise” da política externa norte-americana ao
9 Hedley Bull The Anarquical Society. A Study of Order in World Politics..Apud: Gonçalves, mimeo,s/d. 10Almino, 1987:.38. 11 Coombs,1964:136. O especialista enfatiza que em todos os lugares havia um consenso nas aspirações de milhares de pessoas com relação à busca por melhores condições de vida através da igualdade e oportunidade e que os diálogos entre as nações não deveriam se basear apenas nas suas diplomacias. Para tal, abrir o leque de investimentos em setores como o de intercâmbio e cooperação científica, ampliar os canais de ensino e estimular o setor das artes, filmes, rádio e televisão.
16
revelar a importante participação do Estado como coordenador de uma política cultural
que instrumentaliza setores da elite norte-americana intimamente ligada ao campo da
“difusão cultural”, para fazer a mediação entre Estado e sociedade. Coombs sepultou
assim a idéia de que a política externa é regida unicamente pelas dimensões do
econômico, do político e do militar.
Assim, analisamos até que ponto a idéia do “mutual benefits” foi o fio condutor das
relações culturais entre Brasil-EUA, através da ação do OCIAA. Levamos em
consideração os mecanismos de “difusão cultural”, os agentes envolvidos no âmbito
estatal que atuaram como formulador e interlocutor entre Estado-Sociedade e,
principalmente, os reais “interesses” que nem sempre se apresentam de forma explícita,
que podem determinar e/ou justificar “ações mais amplas” “principalmente” em
determinados contextos das Relações Internacionais.
Neste sentido, uma das hipóteses consiste em demonstrar como as relações culturais
expressam o nacionalismo como estratégia de mobilização e consolidação interna em
torno de valores e ideais nacionais e como recurso para incrementar e expandir
internamente a “ação” do Estado. Assim, a idéia do “mutual benefits” é apropriada
como estratégia política para não descortinar “interesses” mais amplos que estão em
jogo nos anos 40 e, ao mesmo tempo, como elemento diferenciador em relação as
Kulturpolitics européias, sobretudo, alemã. Procuramos, com esta hipótese, dimensionar
as relações Brasil-EUA através do OCIAA no campo das Relações Internacionais,
através do prisma de “penetração cultural” e sob o enfoque de propaganda “ideológica”
que, ao nosso entender, pode se prender ao campo das “ideologias” como puras
manipulações aleatórias, marcadas pela dominação, falsidade e/ou mistificação. Um
estudo sob este enfoque, segundo Eunice Durham, supõe que todo o universo simbólico
17
é ideológico não separando os conceitos de cultura e ideologia como dois campos
distintos. Para a especialista, torna-se necessário politizar a abordagem antropológica:
“é importante investigar de que modo grupos, categorias ou segmentos sociais
constroem e utilizam um referencial simbólico que lhes permite definir seus interesses
identificar inimigos e aliados, marcando as diferenças em relação a uns e
dissimulando-se em relação aos outros”.12
Assim, procuramos utilizar os novos enfoques teóricos e metodológicos que nutrem os
estudos da “nova” História Política13, a partir do conceito de “cultura política” e a sua
conexão com as Ciências Sociais, através dos estudos sobre as mentalidades coletivas
e/ou da história do pensamento político intelectual e literário.
Consideramos que o caráter “universal” que embasa as ações de “difusão cultural”,
através da idéia de “reconhecimento e autodeterminação dos povos” que tem como
premissa básica o pensamento de Kant, permeou as relações Brasil-EUA entre 1940-46,
através do OCIAA. Mesmo que o relacionamento tenha se caracterizado como
“assimétrico” constatamos que existiu uma relação de “mutual benefits” entre
interlocutores dos governos. Sendo o “pano de fundo” dos primeiros “contatos”
realizados entre os interlocutores do OCIAA com uma “certa” elite intelectual e política
brasileira nos anos 40. Evidentemente que a presença e influência norte-americana no
Brasil não era consensual, nos meios intelectuais, entretanto, aqui privilegiamos os
interlocutores oficiais bem como os simpatizantes das relações culturais entre Brasil-
EUA.
Utilizamos os conceitos de nacionalismo de Benedict Anderson e Ernest Gellner,
ambos do campo das Ciências Sociais. O primeiro através do conceito “comunidades
12 Durham,1984: 87. 13 Francisco Falcon, História e Poder In:Cardoso e Vainfas,1997 :.61- 89.
18
imaginadas”, quando destaca que as “raízes culturais” de uma “consciência nacional”
através do sentimento de reconhecimento e auto-identificação são (re)construídos
através de uma literatura nacional. O segundo quando enfatiza o importante papel
exercido por uma elite cultural e intelectual que instrumentalizada pelo Estado, promove
um amplo processo de “homogeneização cultural” com o objetivo de reforçar o
sentimento nacional e, ao mesmo tempo, responder às demandas do processo de
desenvolvimento industrial da economia nacional.
Nossa hipótese principal é que a criação do OCIAA como parte, ao mesmo tempo, da
vinculação entre pan-americanismo e política hemisférica nos coloca frente às principais
“representações” da identidade nacional norte-americana e que sempre serviram como
conceitos guias em relação à condução da política exterior norte-americana através das
idéias veiculadas a “experiência única”, “missão” e o “isolamento”.
Por nossa parte analisamos como essas “representações” da identidade nacional, que
fizeram parte da “construção imaginária” da nação, são “apropriadas” por uma certa
elite intelectual e política, como forma de obter o consenso interno através de uma
propaganda de (re)construção nacional e como instrumento que justifica e legitima
“ações mais amplas”.
Definimos a política representada pelo OCIAA e pelas Seleções RD a partir de dois
conceitos interligados: o primeiro fundamentado pelo “interesse nacional” e o segundo
como “política cultural”.14
14 Pierre Milza, Mônica Leite Lessa e Hugo Rogério Suppo. A política cultural se define: “como um conjunto de ações planejadas para há longo prazo, ampararem e/ou fomentarem a difusão de vendas dos seus produtos no exterior, pode ser desde a língua nacional ao produto de luxo, ou do produto cultural por excelência, o livro, ou às obras alçadas ao patrimônio cultural nacional: teatro, óperas, ballet, música, exposições de obras de arte, cinema. A política cultural visa igualmente estabelecer cooperações técnicas e científicas, intercâmbios e acordos universitários, difundir autores e/ou idéias através de conferências, organizar Exposições, festivais e Feiras Internacionais. A política cultural não se realiza sem a autorização, o acordo, o apoio (político e/ou econômico) do Estado, quando não é francamente planificada, dirigida e subvencionada pelo mesmo.
19
Nossa segunda hipótese é que a agência criada pelo governo norte-americano OCIAA
e o papel exercido pelas Seleções RD são representantes de uma política cultural que irá
difundir, em larga escala, no Brasil um amplo repertório de produtos culturais. Uma
política cultural que será coordenada pelo Estado que instrumentaliza sua elite cultural e
intelectual para promover uma ação de caráter nacionalista com objetivo de incrementar
uma expansão cultural.
Uma política cultural de propaganda nacional que se fundamenta através do
pensamento político de Hans Morgenthau a partir da idéia “universal” do “interesse
nacional”:
“(...) o tipo de interesse que determina a ação política em um período particular da
história depende do contexto político e cultural dentro do qual se formula a política
exterior.”15
O contexto cultural no qual ocorre a criação do OCIAA e a entrada das Seleções RD
no Brasil é marcado pela difusão dos nacionalismos europeus, sobretudo, o
nacionalismo “excludente” alemão. Sendo assim, a política cultural representada pelo
OCIAA e pelas Seleções RD, difunde o nacionalismo de teor político, segundo o
pensamento de Morgenthau, que se justifica pela defesa da “identidade física, política e
cultural” da nação norte-americana.
A identidade “física” representada pela idéia de “isolamento” é nascida da noção de
“espaço associado à fronteira” e que possui forte conteúdo e significado no imaginário
social norte-americano através da história e da literatura. A identidade “política”
Além de perseguir os objetivos acima anunciados, a política cultural visa lançar as bases (ou incrementar as já existentes) de uma propaganda nacional fator intrínseco a sua própria natureza, assegurando uma clientela cultural contribuindo para as exportações de suas indústrias. Tem a particularidade de abrigar a dimensão da propaganda nacional sem entretanto desvenda-la explicitamente. Dessa forma, preserva-se, ao mesmo tempo, das “rivalidades” das demais potências bem como das “desconfianças” ou nacionalismos locais. Apud:Mônica Leite Lessa Relações Culturais Internacionais.In:Menezes,2002. 15 Morgenthau,1948: 20.
20
representada nas idéias associadas à “liberdade”, “democracia”, “igualdade” e
“felicidade” que fazem parte da “experiência histórica norte-americana”. A identidade
“cultural” sendo representada pelo “americanismo’, o qual difunde idéias e/ou
pensamentos associados aos “traços culturais e intelectuais”, que representam e
sublinham o “caráter nacional16 americano” tais como: racionalismo, individualismo, fé,
determinação, otimismo e caráter empreendedor.
Uma terceira hipótese se delineou ao longo de nossa pesquisa, de que a política
cultural do OCIAA e o importante papel exercido pelas Seleções RD tiveram como
objetivo não somente difundir o “excepcionalismo norte-americano”, a principal
“representação” da “identidade” nacional norte-americana, mas, sobretudo, desenvolver
uma política cultural que possuía um objetivo mais amplo: incrementar internamente
uma “homogeneização cultural” através de uma propaganda nacional do
“americanismo” e incrementar a difusão do american way of life como sendo um “estilo
ideal de vida” para a América Latina e para o Brasil especificamente.
O primeiro capítulo contextualiza a criação do OCIAA no período da Segunda Guerra
e evidencia a instrumentalização das relações culturais como sendo a “quarta dimensão”
da política externa dos EUA. A política cultural tem como objetivo incrementar a
“propaganda nacional” de expansão política, econômica e cultural do país. Para tal
apresentamos como foram as etapas de formulação e criação da Divisão das Relações
Culturais do OCIAA. Procuramos destacar como o conceito de “difusão cultural”,
originário de Franz Boas, no sentido de “pensar as diferenças”17 é “assimilado” entre os
principais “policy-makers”, que elaboraram a filosofia do “Basic Plan” para a estratégia 16 “A influência do caráter nacional não pode estar ausente quando se trata de determinar o poder nacional, posto que quem trabalha para a nação tanto na guerra como na paz ... são depositários do espírito de suas qualidades morais e intelectuais que moldam o caráter de uma nação”. In: Morgenthau,op.cit:169. 17 Este conceito é profundamente enraizado na cultura norte-americana e a partir dos anos trinta terá o seu melhor campo de aprofundamento, através dos estudos interdisciplinares entre a Sociologia, Psicologia e Antropologia. Apud: Cuche,1999:.65 - 92.
21
de “ação” das relações culturais do OCIAA. Destacamos os principais mecanismos de
“difusão cultural” priorizados e analisamos algumas “representações” do imaginário da
nação. Mostramos ainda como essas idéias e/ou pensamentos são “assimiladas” e
“estrategicamente apropriadas” pela elite política e cultural norte-americana como
justificativa para incrementar uma expansão cultural no continente.
O segundo capítulo destaca a operacionalidade do “Basic Plan” na estratégia de
“ação” da Divisão de Filmes do OCIAA. Analisamos como foi o relacionamento entre o
OCIAA e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), examinando até que ponto
a idéia do “mutual benefits” realmente se consolidou entre esses dois interlocutores dos
governos. Acreditamos que além da trajetória de ascensão e consolidação política e
econômica dos EUA no continente, um dos fatores que contribuíram para o êxito da
propaganda do american way of life no Brasil, através de alguns produtos culturais, foi o
resultado da cooperação entre o OCIAA e o DIP. Por sua vez, esse processo é resultante
da especificidade do contexto nacional brasileiro então empenhado em um certo projeto
cultural do “novo” Estado Nacional brasileiro.
Sendo assim, apresentamos como foi à recepção de alguns produtos culturais norte-
americanos no Brasil, através de um dos principais canais de “difusão” do governo
brasileiro: o jornal “A Manhã”. Encerramos o capítulo esboçando o contexto político
nacional brasileiro a partir do papel de alguns “intelectuais” envolvidos no projeto
político do período.
No terceiro capítulo, demonstramos como a chegada no Brasil das Seleções RD, em
1942, era ligada ao setor de “informação” da política cultural implementada pelo
Departamento de Estado norte-americano. Identificamos através de documentos
filtrados e levantados durante a pesquisa e de alguns periódicos, como a propaganda de
22
difusão de idéias e/ou pensamentos veiculados nas Seleções RD, segue as “diretrizes” e
“metas” formuladas no “Basic Plan”, através dos seus dois pilares de sustentação:
“persuadir e influenciar”.
Por último, demonstramos através de alguns periódicos das Seleções RD como se deu
a propaganda norte-americana de “homogeneização cultural” e difusão dos “traços
culturais e intelectuais” que sublinham e identificam o “caráter nacional americano”.
Uma propaganda do “american way of life” que visava ao mesmo tempo, reforçar
internamente o sentimento de pertencimento e auto- identificação, sobretudo do
“americano médio comum”, bem como visava incrementar externamente o
desenvolvimento da indústria cultural norte-americana.
23
Capítulo I
Nacionalismo e Política Externa
“Ninguém discorda de que o nacionalismo tem estado “por aí” na face da Terra
há no mínimo dois séculos. O bastante, poder-se-ia supor, para que já fosse
entendido de maneira clara e generalizada. Mas é difícil pensar em algum
fenômeno político que continue tão intrigante quanto este e sobre o qual haja
menos consenso analítico. Dele não há nenhuma definição amplamente aceita.
Ninguém foi capaz de mostrar de forma conclusiva sua modernidade ou
antiguidade. Discorda-se sobre suas origens, seu futuro é incerto. Sua difusão
global ora é interpretada pela metáfora maligna da metástase, ora sob os signos
sorridentes da identidade e da emancipação; e onde começaram esses processos,
no Novo Mundo ou no Velho? ... Como se há de conciliar sua universalidade
com sua necessária particularidade concreta? Que disciplina contribui mais
profundamente para sua investigação: a história, a psicologia, a economia
política, a sociologia, a antropologia, a filosofia, a crítica literária, ou ..?”
(Benedict Anderson: Introdução: Um Mapa da Questão Nacional: 2000:7)
24
I.I O entre-guerras.
Segundo Amado Cervo, o entre-guerras correspondeu a um período das relações
internacionais para o qual os analistas não forjaram expressões uniformes, como ocorreu
com a Bipolaridade ou a Guerra Fria, entre 1947 e 1989. A preocupação em qualificar o
período está presente, todavia, nas interpretações dos historiadores das Relações
Internacionais que revela em seu conjunto um bloco de idéias e expressões que
convergem. Definições como “paz ilusória” ou “paz frustrada” para Jean-Baptiste
Durosselle de “crises” para Pierre Renouvin, de “turbulência européia”, para René
Girault e Robert Frank, um “arranjo de transição” entre vencedores, para Adam Watson,
uma “era de catástrofe” para Hobsbawm considerando um período mais amplo de 1914-
1945. O nascimento pleno de uma teoria sistemática das Relações Internacionais se deu
a partir da Segunda Guerra Mundial, entretanto, o entre-guerras será um “laboratório de
idéias”, de muitas teorias que irão alcançar seu pleno desenvolvimento no período da
Bipolarização. A aproximação racionalista da teoria de Edward Hallet Carr influenciou
entre outras, a teoria realista de política internacional de Hans Morgenthau.
Para Edward Carr, o entre-guerras é caracterizado tanto por uma indefinição na
correlação de forças a nível internacional, a qual gerou uma crise política, como pela
desarticulação a nível econômico da “harmonia de interesses”.18 Essa indefinição
política ocorreu em larga medida, devido às repercussões da falência da Liga das
Nações como congelamento de poder dos mais fortes, associada ao fracasso do elo
entre o internacionalismo preconizado pela harmonia de interesses com o interesse
comum pela paz.
18 Carr, 1981:.51 - 57.
25
Na órbita de poder internacional observa-se que o “darwinismo social incorporado à
política que deu resultado no século XIX em função do sacrifício de africanos e
asiáticos e que preconizava a doutrina do progresso fundamentado na harmonia de
interesses através da eliminação das nações inaptas industrialmente, parecia um
corolário justo da doutrina do progresso através da eliminação dos indivíduos inaptos”19
Esse sistema ético já mostrava os sinais de seu fracasso antes mesmo da eclosão da
Primeira Guerra e após o seu término os ecos negativos serão amplamente ouvidos
pelos principais atores do precário e dilacerado sistema europeu.
O fracasso e a ilusão de que as relações internacionais poderiam ser consideradas
exclusivamente pela velha noção de “equilíbrio de poder europeu” estava totalmente
equivocada. Na órbita de poder internacional, após a Primeira Guerra, surgem
correlações de forças antagônicas como a Alemanha e a União Soviética no plano
político- ideológico-econômico.
A Liga das Nações foi expressão da opinião organizada da humanidade e seu
controle de poder econômico e militar dos governos, ela que representava o mais
supremo dos poderes; a opinião pública internacional e a propaganda internacional de
um mundo sem fronteiras. Esta falácia do poder da opinião pública internacional foi
sendo gradualmente exposta e cada vez mais contraditória. Assim, segundo Carr:
“Todo país desejava atingir os objetivos de sua política sem guerra, e,
assim defendia a paz. Todo país desejava o desarmamento dos outros
países, ou o desarmamento de armas que não considerasse vitais aos
seus interesses. Após o colapso da Conferência de Desarmamento,
tornou-se claro para todos que a Liga das Nações só podia ser eficaz
na medida em que fosse um instrumento da política nacional de seus
membros mais poderosos. A opinião em favor da Liga deixou, 19 Carr, op.cit:.57
26
igualmente, de ser internacional, e se confinou aos países em que se
sentia que a Liga servia aos objetivos da política nacional”.20
A crença na eficácia de uma opinião pública internacional divorciada do poder
nacional pode ainda ser ilustrada pelo movimento e propaganda fascista que, em seus
primeiros tempos, era oficialmente descrito como não sendo um artigo para exportação.
E assim foi tratado o fascismo, por algum tempo, pelos países que o abraçaram mas, a
partir do final dos anos vinte e início dos anos trinta, o fascismo que teria começado
como um instrumento da política nacional, passa, gradativamente, a um instrumento da
opinião internacional.
Diante desse quadro, tem emergência um nacionalismo marcado pelo anti- fascismo
que, de certa forma, se assemelhava aos nacionalismos revolucionários dos séculos
XVIII e XIX, nos quais a luta nacional encontrava-se imbricada à luta pela soberania
popular, pela democracia e pela liberdade.
“... o espírito de um nacionalismo extremado estava produzindo um
sistema de culturas competidoras que dá vazão a uma percepção
depreciativa de outras culturas (..) obviamente a difusão do
nacionalismo extremo por parte de alguns atores europeus constituía a
própria oposição ao princípio da liberdade individual do século XIX;
políticas culturais totalitárias constituíam, se não uma ameaça
imediata, um desafio filosófico grave à crença norte-americana na
vitalidade de processos culturais liberais”. 21
O entre-guerras é o período em que ocorre a criação de instituições específicas no
âmbito cultural: França e Alemanha em 1920, Itália em 1925, EUA em 1938 e Grã-
Bretanha em 193422. A institucionalização de políticas culturais nesses países denota o
20 Idem:.135 21 Esta percepção é de Stephen Duggan, ex-catedrático do City College e Diretor do Institute of International Educational de Nova York, criado desde 1919. Apud:Ninkovich,1981:.23. 22 Coombs, op.cit:24 e 25.
27
“incremento” de uma propaganda nacional através da instrumentalização das relações
culturais, como sendo a “quarta dimensão” da política externa, vinculada aos “interesses
nacionais”.
Neste sentido, a “diferença” entre o nacionalismo alemão reside no seu caráter
“excludente” que se ampara numa homogeneidade étnico-cultural enquanto que o
nacionalismo norte-americano se ampara num discurso “universal” centrado em “pensar
as diferenças”. Esta característica do nacionalismo norte-americano é fundamental para
compreender a atuação dos EUA no cenário internacional contemporâneo.
1.2 Nação e Nacionalismo
A história do pensamento intelectual sobre a constituição da nação pode ser agrupada
em torno de dois enfoques principais : de um lado, estão aquelas que privilegiam a
cultura como fator primordial na construção da nação (critério objetivo) e, de outro,
aquelas que priorizam o elemento político (critério subjetivo). Neste sentido, a diferença
entre o nacionalismo cultural romântico e o nacionalismo político, que teve entre os
precursores respectivamente os filósofos Herder e Rousseau, no século XVIII, reside na
dimensão dos problemas internos que cada nação enfrentou ao procurar um destino
comum que proporcionasse à sua população uma auto- identificação e um sentido de
pertencimento.
A difusão do nacionalismo europeu ocorre num contexto internacional configurado
pelo darwinismo político e social do século XIX, a diferença entre o nacionalismo
cultural e o político tem que ser analisado sob esta ótica. Neste sentido, ambos possuem
28
uma dimensão política e cultural, entretanto, a especificidade se remete aos diferentes
critérios com que foram construídas as nações e sua estreita relação com os tipos de
definições atribuídos à cultura nos respectivos países.
Na Alemanha, a cultura foi definida como Kultur, “autenticidade”, “profundidade”,
“especificidade”. Na França a cultura estava associada à “civilização”, “progressos
coletivos da evolução”, da “razão universal”. Nos EUA, a partir do século XIX, a
cultura foi centrada no sentido de “pensar as diferenças”. 23
Tal qual a nação americana nascida a partir da Revolução Americana, a nação nascida
da Revolução Francesa, tinha como referência primordial um conceito político cuja base
era a soberania territorial, a igualdade de todos perante a lei, o respeito absoluto à
soberania da vontade política da nação, a visão do homem de Estado a serviço dos
“interesses nacionais”, a convergência entre a nacionalidade do governante e dos
governados, como principais fatores de constituição do Estado-nação. A França
representa, portanto, a matriz do nacionalismo político. A Alemanha, como matriz do
nacionalismo cultural, tendeu a rejeitar a liberdade individual como princ ípio fundador
da nação. Outras forças da vida social garantiriam a coesão para além da “escolha” dos
seus membros. “O espírito nacional assumiu um sentido místico e passou a ser visto
como fonte de valores e conduta”.24 A convicção primordial do nacionalismo romântico
é que a cultura, um estilo de vida especial e as instituições sociais mais importantes são
essencialmente formados e moldados pela nação através de um Estado unificador.25
No campo das Ciências Sociais Benedict Anderson e Ernest Gellner destacam-se pela
originalidade de suas propostas. Anderson propõe compreender as “raízes culturais” do
fenômeno do nacionalismo atual numa perspectiva da história universal do mundo 23 Cuche,op.cit:.67 24 Oliveira, op.cit:13 e14. 25 Guibernau,1997:.65.
29
moderno. Gellner atribui uma interpretação estritamente eurocêntrica ao fenômeno, a
partir do processo de industrialização europeu do século XIX.
O que é uma Nação? é o título da célebre conferência do escritor e historiador Ernest
Renan, proferida em 1882, na qual o autor procura se distanciar dos critérios objetivos
de raça, língua, religião e geografia, então instrumentalizados através da propaganda
política, no período da explosão dos nacionalismos europeus, em fins do século XIX.
Renan dá destaque ao advento do estado de direito no século XVIII com a Revolução
Francesa, quando o “significado” de pátria e cidadão estava intimamente ligado,
sugerindo uma congruência entre estado constitucional e nação. Para Renan, a nação se
define pela sua dimensão política, a partir de um legado histórico e cultural, e pelo
elemento subjetivo expresso pela cidadania, e por um ato de vontade26:
(...) O homem não é escravo de sua língua, raça, nem religião, nem
dos cursos dos grandes rios, nem da direção das cadeias de
montanhas. A nação é uma grande solidariedade, constituída pelo
sentimento dos sacrifícios que fizemos e daqueles que ainda estamos
dispostos a fazer. Ela supõe um passado; resume-se porém no
presente, por um fato tangível: o consentimento, o desejo claramente
expresso de continuar uma vida em comum. A existência de uma
Nação é um plebiscito cotidiano, como a existência de um indivíduo é
uma perpétua afirmação da vida. Uma Nação é um princípio espiritual
... o culto aos ancestrais é, entre todos, o mais legítimo, os ancestrais
fizeram de nós o que somos.27
26 Hobsbawm relativiza a definição de nação sob o critério “estritamente” subjetivo, formulado primeiramente por Renan; entretanto, o historiador não caracteriza a Revolução Francesa, por um sentido exclusivista, étnico ou lingüístico de nação. Segundo Hobsbawm: “A insistência francesa na uniformidade lingüística, desde a Revolução, foi realmente marcante para a época ... não era o uso nativo da língua francesa que fazia de uma pessoa um francês - e sim a disposição de adotar a língua francesa junto com outras coisas como as liberdades, as leis e as características comuns do povo livre da França. Em certo sentido, adotar o francês era uma das condições da plena cidadania francesa”. Entretanto, Hobsbawm salienta que o sentido “exclusivista” surge no final do século XVIII com as guerras revolucionárias e com a expansão napoleônica, ocorrendo uma contradição na ideologia nacional francesa que de um movimento de cunho internacionalista passa por outro lado, a um expansionismo imperialista, orientado e legitimado por bandeiras libertadoras”. Hobsbawm, 1998:34; 1997:.95. 27 Ernest Renan O que é uma nação? In: Rouanet,1997.
30
Neste sentido, é a partir de Renan que se consolida o conceito do nacionalismo de teor
político. Sob a influência do critério subjetivo, formulado primeiramente no texto de
Renan, Benedict Anderson surge no embate acadêmico contemporâneo, elaborando uma
interpretação antropológica sobre o nacionalismo: entender “a universalidade do
fenômeno com sua intrínseca particularidade”. Para Anderson, a nação se define como
uma “comunidade política imaginada - e imaginada como implicitamente limitada e
soberana”. Ela é limitada por fronteiras e soberana porque o conceito nasce numa época
em que o “Iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino
dinástico hierárquico divinamente instituído”.28 Neste sentido, Anderson procura
interpretar e compreender como esse profundo sentimento horizontal foi “construído” e
“cultuado” ao longo do tempo.
Estes arquétipos seriam “artefatos culturais” de um tipo peculiar, como os laços de
parentesco e religião, que transcendem ao tempo através da imaginação e fazem com
que o indivíduo assimile o sentimento de pertencer a uma Nação. Para Anderson, esse
processo antropológico que transcende ao tempo é o nacionalismo.
Anderson propõe compreender a anomalia dos nacionalismos atuais enquanto
“sistemas culturais” amplos que o precederam, a partir dos quais – bem como contra os
quais - passaram a existir. Ao utilizar o termo “sistemas culturais”, Anderson dialoga
com a história, sobretudo com a “Escola dos Annales” procurando se distanciar de uma
análise estrutural da cultura, segundo a definição de Lévi-Strauss:
“ Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas
simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se: a
linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a
ciência, a religião. Todos esses sistemas buscam exprimir certos
28 Anderson,1989:.14-16.
31
aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as
relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os
próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros”.29
Procurando acrescentar às “definições provisórias” quanto ao caráter cultural
(objetivo) do conceito de nação (que privilegia o compartilhamento de um sistema de
idéias, signos e associações, que teve em Herder seu principal formulador), bem como
se distanciar da definição voluntarista (subjetiva), a qual privilegia os artefatos das
lealdades e convicções que permitem e tem que existir, para criar o reconhecimento
mútuo de pertencimento a uma Nação, segundo Renan30, Gellner propõe um conceito de
nacionalismo baseado na “ação” da cultura sob o enfoque filosófico. Neste sentido, a
nação é o resultado de um processo de “homogeneização cultural”, sendo a cultura
entendida não como um valor natural, étnico, mas no sentido normativo, a cultura
letrada e erudita. Gellner parte da premissa de que o nacionalismo surgiu onde a
existência do Estado já havia obtido o seu consenso através de unidades politicamente
centralizadas que inseriram normas e criaram um clima político-moral:
“ Nem os Estados nem as Nações existiam sempre e em quaisquer
circunstâncias, o Nacionalismo defende que eles foram destinados um
ao outro, que um sem o outro estão incompletos. Mas antes que eles
pudessem vir a ser feitos um para o outro, cada um deles teve de
surgir, tendo esse aparecimento sido independente e contingente.... as
Nações, tal como os Estados são uma contingência e não uma
necessidade universal. Nem os Estados nem as nações existiram
sempre e em quaisquer circunstâncias. O Estado e a Nação não
apareceram simultaneamente. O Estado surgiu sem a ajuda da
Nação.”31
29 Levi Strauss Antropologie structurale Apud: Cuche, op.cit:.95. 30 Gellner,1993:19-20. 31 Gellner,op ciit:19
32
Assim, a cultura atua como fator determinante na consolidação das estratificações
sociais ainda que no estágio pré-agrário a cultura não tenha sido utilizada pelas elites
letradas como um instrumento político. A partir do momento em que esta elite letrada
atinge sua “universalização” e se torna coextensiva a toda sociedade foi possível obter a
sustentação política do Estado e este, por sua vez, tem um papel importante através do
processo educacional para incutir aquela cultura e assegurar o padrão adequado de
alfabetização e competência técnica, de maneira a garantir emprego e um rápido
revezamento de pessoal para atender às necessidades econômicas advindas do processo
industrial. Assim, a nação é criada pelo nacionalismo que representa uma ação racional
de uma elite cultural, política, moderna e estatal que se identifica através do
compartilhamento de signos, associações e idéias (cultural).
Gellner define o nacionalismo como “essencialmente um princípio político que
defende que a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma a outra, e
que exige que as fronteiras étnicas não atravessem as fronteiras políticas e,
especialmente, que as fronteiras étnicas não separem os detentores do poder do resto da
população”32. O nacionalismo é a transferência do foco da identidade do homem para
uma cultura mediada pela alfabetização e um sistema universal educativo formal e
extenso. Para Gellner, a nação surge a partir do desenvolvimento e aprofundamento de
uma ligação estreita entre o Estado e a cultura cabendo aos detentores do poder que
possuem acesso à cultura moldar e padronizar uma homogeneização cultural através da
alfabetização.
Diferentemente de Gellner, Anderson interpreta o nacionalismo atual como sendo
parte da história universal do mundo moderno, procurando compreender as tipologias e
interfaces do nacionalismo a partir de como ele é “assimilado”. Enquanto Gellner 32 Idem;12
33
interpreta o nacionalismo contemporâneo pela sua falta de “originalidade e
autenticidade” e atribui a origem do nacionalismo como sendo estritamente fruto do
modelo industrial europeu ocidental. Entretanto, é consensual entre os dois autores,
quer seja ampliando o “escopo” de análise, fora do circuito europeu, como Anderson, o
caráter “político” do nacionalismo.
Nesse sentido, sendo o nacionalismo um fenômeno político com dimensões culturais,
o estudo do político vai compreender não mais apenas a política em seu sentido
tradicional, mas a relação entre cultura e política, que num sentido amplo, é um
conjunto de idéias, crenças e práticas que organizam o relacionamento entre as pessoas
no interior de um grupo e/ou de uma sociedade, referindo-se, portanto, a dimensões
políticas que englobam o espaço público e social. E se o nacionalismo se tornou um
fenômeno universal foi porque o Estado-Nação, como forma de organização política, se
universalizou e a legitimidade atribuída a nação e ao princípio nacional aceitas desde o
século XIX, foi e é ainda, uma categoria política válida no cenário internacional atual.
Assim, a compreensão do fenômeno do nacionalismo faz parte de um estudo do
universo antropológico das mentalidades coletivas, dos imaginários sociais e/ou de uma
história do pensamento intelectual e literário.
Por outro lado, o nacionalismo é um processo dinâmico que está sempre em
(re)construção através do pensamento de uma “certa” intelectualidade que tem
sustentação política pois é mediadora entre o Estado e a sociedade. Sendo assim, a
pesquisa sobre o OCIAA teve como fio condutor procurar compreender e interpretar
como algumas palavras foram “assimiladas” e “apropriadas” pela história do
pensamento político e intelectual norte-americano. Certas palavras e/ou expressões que
apareceram de forma significativa durante a pesquisa, como american way of life,
34
“interesse nacional”, “nova fronteira”, “expansão”, “democracia”, formaram um
sugestivo vocabulário onde o significado é significante.
A próxima seção apresenta, sob uma perspectiva da história intelectual norte-
americana, o caso do OCIAA, uma agência que muito contribuiu na difusão do
nacionalismo norte-americano, no período da Segunda Guerra. Este é o momento em
que uma “certa” elite intelectual e cultural norte-americana, através de um discurso
centrado em “pensar as diferenças”, instrumentaliza as relações culturais como sendo a
“quarta dimensão” na formulação e implementação da política externa dos EUA então
baseada na razão “universal” do “interesse nacional”. Assim a ação nacionalista
expressa pelo OCIAA bem como o importante papel exercido pelas Seleções RD se
articula e se justifica sob duas perspectivas: contrapor-se ao nacionalismo cultural
“excludente” alemão e atender aos “interesses nacionais” definidos em termos de poder
para incrementar uma “expansão cultural” norte-americana no continente.
1.3 A criação do OCIAA - A Política Cultural norte-americana
O OCIAA nasce oficialmente em 16 de agosto de 1940 33 devido aos condicionantes
internacionais configurado pela “crise”, cada vez mais acentuada na Europa, após os
últimos resultados favoráveis obtidos pela Alemanha:
33 “a criação da agência ocorre no cenário político interno marcado pela (re)eleição de Roosevelt a presidência. Havia dois grupos que formulavam propostas diferentes para uma política latino-americana. O primeiro deles era liderado por Summer Welles, subsecretário de Estado, auxiliado por Adolf Berle, seu assistente e pelo líder da União Pan-Americana, Léo Rowe. O segundo grupo era organizado por Rockefeller. O objetivo do segundo grupo era impedir principalmente o crescimento do comércio e da influência do Eixo na América Latina, e para isso os Estados Unidos deveriam adequar sua política aos nascentes movimentos nacionalistas, ao invés de combate-los. Para sua realização, o programa promoveria a integração do governo federal americano com a iniciativa privada. Uma comissão interdepartamental, assessorada por representantes das empresas privadas e sob a coordenação do Departamento de Estado, se incumbiria de assegurar o bom andamento”. Apud:Tota,op.cit:47.
35
“ The United States Government agency which was to be known
through most of its existence as the Office of the Coordinator of Inter-
American Affairs was created as a result of world conditions existing
in the summer of 1940. With the success of German armies in
Western Europe which had resulted in the collapse and conquest of
Belgium and the Netherlands, the defeat of the British forces on the
continent, and the fall of France and organization of the Vichy
Government, the threat to the Western Hemisphere was intensified
even beyond a point at which the dangers involved had caused grave
concern to the Government of The United States”.34
O OCIAA é uma agência criada pelo Conselho de Segurança Nacional35 fazendo
parte dentre outras, do Programa de Defesa Nacional dos EUA. O projeto intitulado
Hemisphere Economic Policy foi aceito e ampliado pelo governo norte-americano
associando e entrelaçando comércio e cultura. A incorporação do “aspecto cultural tinha
sido proposto pelo próprio Presidente Roosevelt, conforme declaração de James
Forrestal, assistente-administrativo do Presidente, em 1º de novembro de 1945”36.
Além da crise internacional o relatório intitulado “The Founding of the CIAA”
destaca os interesses econômicos norte-americanos na América Latina apontando a
importância estratégica desta como grande fornecedora e exportadora de matérias –
primas que cada vez mais, estavam sendo exportadas para as potências do Eixo.
Contribuindo para o rearmamento militar, sobretudo alemão, gerando uma
desarticulação da unidade no Hemisfério Ocidental:
34 CPDOC/FGV-RJ RelatórioThe Founding of the CIAA,sob o código IAA. Coleção Foreign Office,15/04/1942, .p 2/3. 35 Segundo o relatório The Fouding of OCIAA, o Conselho de Segurança Nacional foi criado no contexto da Primeira Guerra sua autoridade e legitimidade foi assegurada pelo Ato de 29 de agosto de 1916 que definia a sua criação: “the council may investigations, either by the employment of experts or by the creation of committee of specially qualified persons to serve without compensation, but to direct the investigations of experts so employed”. (...) supervise and direct investigations and make recommendations to the President and the beads of executive departments as to ... the creation of relations which will render possible in time of need the immediate concentration and utilization of the recources of the Nations”. CPDOC/FGV-RJ, Relatório The Fouding of the CIAA, sob o código IAA. Coleção Foreign Office, 15/04/1942. Idem. 36 Idem p.11
36
“ In the first place, the Axis realized that the United States was a
potential enemy and that the creation of disunity in the Western
Hemisphere would greatly increase its chances for success in case of
war. Likewise, the other American republics had been important as
producers of raw materials to speed Germam rearmament”.37
O Relatório segue chamando a atenção de que as matérias primas sul-americanas eram
vendidas para a Alemanha através de um sistema de quotas e compensação subsidiado
pelo governo alemão, contrariando assim as bases e os princípios do laissez-faire. Não
somente o interesse econômico é ressaltado, como também o perigo da existência de
grandes núcleos pró-eixos instalados na América latina e organizados diretamente por
Berlim. Ressaltava-se que na América Latina encontrava-se uma grande quantidade de
cidadãos que não pertenciam somente à nacionalidade alemã mas eram também
japoneses, fascis tas italianos, falangistas espanhóis e elementos fascistas nativos de
outros países. Estes estrangeiros formariam, segundo o Relatório, uma ampla frente de
conexão denominada “hemisphere fifth column”38 que tinha como objetivo defender e
propagar seus princ ípios políticos nacionais.
O “The Founding of the CIAA” apontava ainda que esta propaganda estrangeira tinha
como um dos objetivos atacar e combater o “prestígio” dos EUA no continente “ their
part in the attempt to attack the prestige of the United States”. Esta propaganda era
subsidiada por agências do governo do Eixo, principalmente alemão, que controlavam
não somente estações de rádio mas produziam também filmes que, destinados às
escolas, centros culturais, clubes de esportes e outras sociedades, representariam um
perigoso combatente das forças do Eixo contra os EUA na América do Sul, devido ao
projeto hegemônico nazista:
37 Ibidem p.1 38 CPDOC/FGV-RJ. The Fouding of the CIAA, 15/04/42, p..2
37
“South and Central America had already been of importance in
several ways in the Nazi blueprint for world domination”.39
Assim o “The Founding of CIAA” enfatiza a importante função do OCIAA na
formulação e execução de programas ligados às artes e ciências, educação e viagem,
rádio, imprensa e cinema através de uma ação conjunta entre o Departamento de Estado
norte-americano e o setor cultural privado, visando favorecer a defesa nacional e
reforçar os vínculos entre as Nações do Hemisfério Ocidental40. O Relatório destaca
ainda a importante função dos EUA como sendo o ator protagonista cuja meta
fundamental seria o de reforçar e estreitar os laços de solidariedade entre as repúblicas
americanas a partir do incremento de uma política hemisférica cuja prioridade seria unir
o Hemisfério Americano a partir de bases multilaterais contra agressões externas.
A “estreita” conexão das metas a serem atingidas pelo o OCIAA com os objetivos da
Política da Boa Vizinhança é atestada pelos inúmeros documentos selecionados:
Relatórios, Telegramas Confidenciais e Minutas de Reuniões. Neste sentido, o OCIAA
vincular-se- ia aos dois objetivos prioritários do governo: a conexão entre a Política da
Boa Vizinhança e a Política Hemisférica. Esta última se definia em cinco pontos
prioritários:
1. eliminar a ameaça nazista no Hemisfério;
2. utilizar ao máximo o potencial militar da América Latina para tarefas
primordialmente defensivas;
3. utilizar bases navais e aéreas em solo latino-americano;
4. garantir a estabilidade política da região e sua cooperação com os EUA;
39 Idem, p.1 40 “Formulate and execute the programs in cooperation with the Department of States which by effective use of Government and private facilities in such fields as the arts and sciences, education and travel, the radio, the press and the cinema will further the national defense and strengthen the bonds between the nations of the Western Hemisphere”. Relatório The Fouding of the CIAA,15/04/42.
38
5. garantir o pleno acesso às matérias-primas estratégicas latino-americana.
Com relação à função do Coordenador do OCIAA, esta foi definida pelos seguintes
termos:
“ establish and maintain liaison between the Advisory Commission of
the Council of National Defense, the several departments and
establishments of the Government and such other agencies, public or
private, as be might deem necessary or desirable, to insure proper
coordination of, with economy and efficiency, the activities of the
Government with respect to Hemisphere Defense, with particular
reference to the commercial and cultural aspects of the problem. The
Coordinator was to review existing laws, coordinate research by the
several Federal agencies, and recommend to the Inter-Departmental
Committee such new legislation as might be deemed essential, to the
effective realization of the basic objectives of the Government’s
program”41.
Assim, o Office for Coordinator of Commercial and Cultural Relations primeira
denominação do OCIAA, terá uma ampla e complexa atuação no continente e para tal
contará com um total de 1100 pessoas trabalhando nos EUA e aproximadamente 300
técnicos trabalhando na América Latina. Essa rede complexa terá um substancial
financiamento por parte do governo e principalmente do setor privado que será
nacionalmente coordenado.
Neste sentido, a criação do OCIAA se insere numa “estratégia” política mais ampla do
governo norte-americano ao conectar relações culturais na defesa e promoção dos
“interesses nacionais”. Assim, no âmbito da formulação e implementação da política
externa, a instrumentalização das relações culturais aos objetivos emergenciais
dimensiona o poder de “ação” do Estado. A partir da cooptação de setores da elite norte-
41 Idem:13.
39
americana estritamente ligados ao campo da difusão cultural, o Estado alcança, ao
mesmo tempo, dois objetivos: um elemento diferenciador com relação as Kulturpolitics
européias para não descortinar interesses mais amplos então em jogo e ao mesmo
tempo, viabiliza a política interna no sentido de incrementar a indústria cultural norte-
americana.
A importância das relações culturais internacionais reside exatamente pela sua
“dimensão política”: agindo como um recurso estabilizador no plano político interno e
como instrumento estratégico das Relações Internacionais. Assim a ‘quarta dimensão”,
como aponta Coombs, proporciona novas formas de flexibilizar e ampliar os canais de
entendimento dos EUA com outras nações para promover e incrementar a viabilização
dos “interesses nacionais” norte-americanos:
“Finally, and most important, How can the quality and effectiveness
of our national effort be strengthned ? What role should government
play, and how can this role be played ?42
1.4 Departamento de Comunicações (Divisão de Filmes e a de Imprensa
e Publicações)
A estrutura do Office for Coordinator and Cultural Relations between the American
Republics, primeira denominação, será composta por três divisões: Divisão Comercial e
Financeira, Divisão de Comunicações e Divisão de Relações Culturais.
No Departamento de Comunicações43 se concentrava o campo da informação do
OCIAA que era composto pelas seguintes Divisões: de filmes, de ensino, de rádio e a de
42 Coombs, op.cit :4
40
imprensa e publicações. O campo da informação será o instrumento mais eficaz e
importante em função de englobar diferentes campos culturais propiciando um intenso
intercâmbio e propaganda de produtos culturais norte-americanos.
Com relação à Divisão de Imprensa e Publicações, podemos constatar a dimensão
estratégica desta Divisão, dentro do projeto político-cultural de propaganda nacional e
consolidação do american way of life no continente, devido à quantidade de
funcionários alocados nesta Divisão. Aproximadamente duzentos funcionários atuavam
e trabalhavam em tempo integral nos EUA e contavam, inclusive, com a participação de
alguns brasileiros como: Orígenes Lessa, Marcelino Carva lho, Raimundo Magalhães
(figura importante do DIP) Carlos Cavalcante entre outros.
Na área da imprensa passou-se a distribuir a revista Time em quase todo o continente,
a publicar uma edição em espanhol e português do Reader’s Digest e uma edição
panamericana da revista Newsweek.
Os conteúdos dos Relatórios e Memorandos da Divisão de Filmes são em sua maioria
organizados da seguinte forma: primeiramente anunciavam a proposta da Divisão de
Filmes, vinculando sua criação sob a autoridade do OCIAA como órgão oficialmente
instituído pelo Executivo norte-americano, sendo assim esboçavam o relacionamento, a
intercomunicação e colaboração desta Divisão com outras agências criadas pelo
governo: as Agências de Informação de Guerra, Fatos e Figuras e a Agência da Defesa
Civil. Após a apresentação da Divisão, os Relatórios especificam a delimitação dos
objetivos do projeto da Divisão de Filmes ou, como eles próprios denominam, o “Basic
Plan”44, que deveria ser seguido mas guardando a flexibilidade necessária para as
43 A documentação original ora refere-se ao Departamento ora a Divisão, a falta de rigor na nomenclatura das divisões internas da agência será aqui respeitada. 44 CPDOC/FGV – RJ Coleção Foreign Office documento intitulado The Fouding of the CIAA. A pesquisa documental nos revelou a importância do “Basic Plan” para as diretrizes e metas da política cultural norte-americana no período.
41
mudanças rápidas de condições que se processavam no mundo. Em seguida, os
Relatórios enumeram os critérios de operacionalização para a viabilização do “Basic
Plan” que será supervisionado por poucos mas experientes especialistas norte-
americanos, que sempre irão agir em conexão com outras agências do governo e em
especial, com o Departamento de Estado.
A leitura do “Basic Plan” evidencia não somente a preocupação do Estado norte-
americano na tentativa de coordenar e centralizar os objetivos e metas das agências
criadas neste período, como denota a vontade de articular e vincular a trajetória de
“ação” do OCIAA sob a orientação do Departamento de Estado. Como reitera Coombs
com relação ao papel do Estado como “articulador” na “definição” das funções a serem
executadas pelo setor privado:
“a more rewarding approach toward clarifying the division of labor is
to begin by recognizing, very pragmatically, that some things which
should be done, only govenment can do; other things only the private
sector can do or can do much better; while still others things requirer a
combined effort”45
1.5 O Basic Plan - Etapas da estratégia de ação do OCIAA
Para a cientista política Maria Regina Soares de Lima, um dos pontos mais
importantes para compreender a elaboração e implementação da política externa de um
país é analisar as “etapas” internas que incidem no processo de “formulação”:
“não se trata apenas de listar as influências internas que exercem sobre
a formulação da política exterior, mas sim, construir modelos
45 Coombs, op.cit:137.
42
analíticos que possam dar conta das interações entre o jogo
diplomático no campo internacional e o jogo político interno em torno
de questões que são simultaneamente internas e internacionais” 46.
Assim, a importância do “Basic Plan” reside no fato deste documento conter a
definição da “filosofia básica” e a estratégia de “ação” e “metas” da Divisão das
Relações Culturais do OCIAA. Tal documento adquire uma dimensão importante,
primeiramente porque permite identificar como a “difusão cultural”, através da
circulação de “traços culturais”, é “assimilada” entre os “policy-makers” e em seguida
permite conhecer quais os mecanismos de difusão cultural priorizados na formulação da
política externa norte-americana.
Para a formulação do Basic Plan47, o governo norte-americano cria um Comitê
Político Interdepartamental para fazer a conexão entre o Departamento de Estado e o
OCIAA. O Comitê possui como representante do Departamento de Estado o Dr.Robert
Caldwell e uma equipe de jovens executivos e especia listas em relações públicas sem
envolvimento em programas culturais ligados a um direcionamento político, dessa
forma evitava-se descortinar interesses mais amplos que estavam em jogo. Faziam parte
deste Comitê: Nelson Rockefeller, William Benton48, Henry R.Luce, John M.Clark e
Arthur Jones.
Ocorreram duas reuniões, entre 27 de setembro e 14 de outubro de 1940, para discutir
propostas e formas de como deveria ser conduzida a Divisão de Relações Culturais do
OCIAA, visando formular um programa muito bem articulado para obter a efetividade
do empreendimento.
46 Maria Regina Soares de Lima Enfoques Analíticos de Política Exterior: El Caso Brasileno. In: Russell,1991:78. 47 A cópia dos dois documentos que traçaram a filosofia básica para a Divisão das Relações Culturais do OCIAA se encontram no Anexo 1 e 2. 48 Vice-presidente da Universidade de Chicago e editor da Enciclopédia Britânica e a partir de 1945 assume a função de Assistente do Secretário de Estado. Cf.Coombs, op.cit:28
43
A instrumentalização das relações culturais é vista entre os “policy-makers” sob uma
perspectiva de “pensar as diferenças”, tal procedimento, aliás, fez parte do processo da
“experiência norte-americana” desde o século XIX, de um modelo de integração
original através do “relativismo cultural”, na compreensão de Franz Boas. Como
sublinha o etnólogo Denys Cuche:
“o mito nacional americano, segundo o qual a legitimidade da
cidadania é quase ligada à imigração – o americano é um imigrante ou
um descendente de imigrantes – é a base de um modelo de integração
original que admite a formação de comunidades étnicas particulares.
A vinculação do indivíduo à nação se dá paralelamente à participação
reconhecida em uma comunidade particular; esta é a razão pela qual a
identidade dos americanos foi chamada por alguns de “identidade com
hífen”; pode-se de fato ser “ítalo-americano”, “polono-americano”,
“judeu-americano”, etc. Daí resulta o que se pode chamar
de“federalismo cultural” segundo Schanapper, que permite uma certa
continuidade das culturas de origem dos imigrantes, não sem
transformações, devidas ao novo ambiente social”49.
Este conceito, a partir dos anos trinta, terá nos EUA o seu melhor campo de
aprofundamento, através do diálogo “interdisciplinar” com as Ciências Sociais que deu
origina a escola “cultura e personalidade”. A “nova” escola tem como premissa que não
são as variações psicológicas individuais que identificam um “tipo” de personalidade ou
“pattern cultural” apenas, mas o que os “membros” de um mesmo grupo “partilham” no
plano do comportamento e da personalidade”. 50
Neste sentido, a preocupação em “pensar as diferenças” entre norte-americanos e
latino-americanos pelos “policy-makers” está influenciada por esta “dinâmica interna”.
A tentativa em “pensar as diferenças”, pressupõe classificar “os outros”, ou seja, os 49 Cuche, op.cit:.66. 50 Como destaque desta escola, os antropólogos originários da escola de Franz Boas: Ruth Benedict, Margareth Mead e Ralph Linton. Idem:.83.
44
latino-americanos, a partir de um modelo e/ou “pattern” cultural, reconhecível e
“compartilhado” entre os formuladores e sendo representado pela cultura do WASP a
qual difunde o “caráter nacional americano”.
O WASP é a “matriz cultural” pela qual os imigrantes foram “assimilados”, através de
um amplo processo educacional de padronização da língua e homogeneização cultural a
partir do “americanismo” como um estilo de vida e comportamento através de
pensamentos e idéias associadas e veiculadas ao racionalismo, eficiência, fé,
determinação, trabalho, otimismo, individualismo e caráter empreendedor.
No processo de reconhecimento da existência de uma diversidade cultural entre os
povos latino-americanos, os “policy-makers” procuram selecionar “traços culturais e
intelectuais” específicos que permitam identificar um “tipo” de “personalidade básica”
entre as repúblicas latino-americanas. A partir dessa “identificação” nasce a formulação
da estratégia de ação do “Basic Plan” para as relações culturais do OCIAA. Tal pode ser
atestado, através das concepções do representante do Departamento de Estado, Robert
Caldwell:
“Os latino-americanos gostam de se ver como “herdeiros de todas as
eras” e são fortemente influenciados pela tradição romana. Os três
conceitos mais importantes para os latino-americanos são:
1. Fair dealing e garantia de observação da lei nos contratos (a
tradição romana) em oposição à força;
2. Ajuda mútua (a tradição cristã);
3. “Personalismo”, talvez melhor traduzido como direito de auto-
expressão (a idéia renascentista).” 51
Por isso, a preocupação em conhecer as “especificidades” culturais, por meio do
contato com as elites políticas e culturais de cada república latino-americana, é uma das
51 CPDOC/FGV-RJ.Documento intitulado Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division. IAA: 40.01.15.:2
45
estratégias de “ação” dos formuladores. Para eles isto garantirá a eficácia do “Basic
Plan” e será o fator determinante para o êxito de alguns projetos culturais no Brasil:52
“ ... é necessário utilizar o estoque de conhecimento já existente da
América Latina nas próprias Universidades desses países (..) para se
ter uma visão mais detalhada dos ideais de civilização Latino-
Americano (..) é necessário fazer uma pesquisa de informação de cada
país (...) O Dr. Caldwell apontou que os grupos formadores de opinião
mais importantes são bem menores na América Latina do que nos
EUA” 53
Os mecanismos de “difusão cultural” priorizados pelos “policy-makers” são aqueles de
rápido poder de “persuasão e influência”, destacando-se os setores de publicação e
informação, através da divulgação de livros, revistas e jornais respectivamente:
“ (...) O Comitê então discutiu a questão de persuadir ao invés de
oprimir por opressão Dr. Caldwell achou que de uma maneira geral
este país deve se basear na persuasão (...) as publicações não deveriam
ser uma grande parte do programa. Ele acha que os livros são um
método mais lento, embora possivelmente o mais sadio, de influenciar
as pessoas ... mas acredita que os resultados com livros deveriam ser
bem maiores e bem mais rápidos na América Latina do que aqui,
porque na América latina o grupo relativamente pequeno de pessoas
que lêem livros é o grupo que domina a política, os negócios e outros
campos (...) O Comitê achou que as revistas deveriam ser incluídas no
ramo de notícias ao invés de ser incluídas no ramo de publicações (...)
O Comitê achou que a curto prazo, os noticiários seriam da maior
influência muito mais que o rádio ou o cinema”. 54
“Persuadir e influenciar” através de pensamentos, idéias e produtos é o “fio condutor”
da política cultural norte-americana e será um dos critérios modulares para a “seleção”
52 As bases que assentaram o relacionamento entre os interlocutores do OCIAA no Brasil com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) são analisadas no Capítulo 2. 53 CPDOC/FGV-RJ-.Meeting of the Policy Committeee of the Cultural Relations Division. IAA: 40.01.15:4. 54 Ver Anexo 1 e 2.
46
de textos a serem publicados pela nova edição em português das Seleções RD que chega
ao Brasil em fevereiro de 1942. Sendo assim, os resumos de textos e romances de
autores consagrados nos EUA, que “devem” ser “publicados” e “lidos” bem como
artigos e resenhas científicas no campo da medicina, tecnologia e saúde possuem
estreita consonância com as “d iretrizes e metas” formuladas pelo “Basic Plan” para a
Divisão das Relações Culturais do OCIAA. 55
Assim, a formulação da política cultural dimensiona a “ação” do Estado. Este
instrumentaliza o setor privado nacional ligado ao campo cultural na execução dessa
política e se “apropria” do nacionalismo em prol da causa nacional. Dessa forma, o
Estado reforça internamente o seu poder e no plano externo justifica a formulação de
um “projeto político” de interesses mais amplos:
“a razão universal seria a garantia de que através de uma diplomacia
cultural internacionalista recomporíamos os desastrosos efeitos da
Torre de Babel. Sendo assim, governo e empresa privada se lançaram
na nova campanha com todo o fervor e entusiasmo de uma cruzada
religiosa. A América Latina tornou-se a moda ou mais ainda - a
missão.”56
1.6 Interesse Nacional: Experiência única, missão e isolamento
Para Morgenthau a nação se define como uma sociedade integrada que é reunida por
um forte consenso através de um poder supremo e depositária dos mais altos valores
fundamentais através de uma lealdade secular. 57 O nacionalismo é um processo
55 A análise de algumas resenhas publicadas sob forma de artigos definidos como de “interesse universal” e de alguns textos de livros serão analisadas no Capítulo 3. 56 Ninkovich,op.cit.:182. 57 Hans Morgenthau,In Escritos sobre política internacional, 1990:.90.
47
dinâmico que está sempre em (re)construção através da “ação” de uma certa
intelectualidade que possui “influência” política a partir da sustentação do Estado e atua
como “articuladora” e “formuladora” de “projetos nacionais”.
Assim, o pensamento de Morgenthau será a premissa básica na formulação da política
externa norte-americana para o continente americano. O Estado, em nome do “interesse
nacional”, será o interprete e o depositário dos valores fundamentais e seculares em
torno dos ideais nacionais como será o elemento aglutinador em prol da causa nacional
para atender as metas da Política Hemisférica, então formulada, a qual o OCIAA estava
articulado:
“ in this cooperation we may properly give due consideration to the
national interest of the United States, but in so doing we must not
confuse the national interest with that of particular group interest.”58
Neste sentido, a legitimidade do “interesse nacional” se determina frente a possível
usurpação de interesses supranacionais, infranacionais e/ou de outras nações. Isto
possibilita o “consenso interno” necessário para pôr fim aos diferentes conflitos de
interesses como justifica o incremento do poder de “ação” do Estado. Assim, para
Morgenthau, o “interesse nacional” é transcendente frente ao liberalismo pois é o
resultado de um acordo frente a diferentes interesses de grupos dentro de uma Nação e
frente, também, ao marxismo que com uma visão internacionalista anula o sentido do
“interesse nacional. Para Morgenthau, a moral se baseia no cálculo correto entre os
objetivos do Estado e os recursos de que dispõe para alcançá-los59.
A relação entre poder, moralidade e interesse dificilmente entram em controvérsia no
plano interno, para Morgenthau, porque o “interesse nacional” é constante durante
58 CPDOC/FGV-RJ IAA 15/04/1942.Objectives of Hemisphere Policy 59 Hans Morgenthau, Another Great Debate: The national Interest of the United States In:Truyol y Serra,1999:XLII.
48
longos períodos e todos os elementos materiais e ideológicos que constituem seu
“conteúdo” estão subordinados aos requisitos que determinam a sobrevivência da nação
e a preservação de sua “identidade”. E estes, não são suscetíveis de mudanças rápidas.
Em contrapartida, a relação entre interesse e poder, para Morgenthau, é diferente no
plano internacional, porque neste caso o poder está associado aos interesses de uma
nação concreta e, como vimos anteriormente, faz parte de um fenômeno universal da
história moderna. Para Morgenthau, a política exterior opera através de um padrão de
“interesse nacional”, e sendo assim, faz necessariamente referência à identidade física,
política e cultural da Nação:
“todas as nações estão obrigadas a proteger sua identidade física,
política e cultural frente à usurpação por parte de outras nações...”.60
Quanto ao caráter de moralidade do “interesse nacional” Morgenthau respondeu às
diversas críticas, se remete a própria tradição da política externa norte-americana :
“ o conteúdo esta determinado pelas tradições políticas e o contexto
cultural global dentro do qual uma nação formula sua política
exterior... qualquer política que opera com o padrão de interesse
nacional, deve fazer necessariamente, alguma referência a identidade
física, política e cultural que denominamos nação”. 61
Para Morgenthau o “conteúdo” do “interesse nacional” é um componente do espírito
dos “pais fundadores” sendo, portanto, uma espécie de conceito guia 62 da política
exterior dos Estados Unidos desde a fundação da República:
60 Morgenthau, 1951:.100. 61 Idem.Idem. 62 Para um exame da importância da “tradição” na política externa norte-americana, ver Morgenthau, American foreign policy- a critical examination. Ituassu,2000: 8-10. A partir da experiência histórica norte-americana Morgenthau examina as peculiaridades da política externa norte-americana através das idéias sobre a experiência única, missão e isolamento em três períodos respectivamente: o realista, representado pela atuação de Alexander Hamilton; o ideológico, de Thomas Jefferson e Quincy Adams; e o utópico e moralista de Woodrow Wilson..
49
“Los fundadores entendieron que el gobierno em acción es poder.
Intentaron ubicar las ambiciones, intereses y fuerzas de los seres
humanos em tres departamentos, enfrentados los unos a los otros, de
tal manera que se evitara que un grupo de agentes obtuviera el poder,
convertièndose en peligrosamente poderoso”. 63
Podemos considerar que o significado do “conteúdo” do “interesse nacional” que
existe durante longo período definido em termos de poder de uma nação e que se
justifica através da defesa da identidade política, física e cultural faz parte das
“representações”64 da identidade nacional norte-americana : o “excepcionalismo norte-
americano ou experiência única” ligada às idéias 65 “de liberdade, democracia e
felicidade”; a “missão” como destino e dever e o “isolamento” através da idéia
veiculada sobre a “fronteira” em relação à tradição européia de disputas políticas de
poder
A identidade nacional, como todo processo de construção de identidade, possui uma
dimensão interna na qual se “acentuam” os traços de similaridade e, ao mesmo tempo,
uma dimensão externa que define a “diferença” em relação ao “outro”. Assim as
“representações” da identidade nacional norte-americana fizeram parte da “experiência
histórica norte-americana”, esta teve que recorrer à construção de uma “idéia sobre a
nação”capaz de fornecer sentimentos comuns de pertencimento a uma população
heterogênea: que falava diferentes línguas e pertencia a distintos grupos religiosos.
Neste processo de construção de uma “idéia nacional” recorrer a “mitos fundadores”
contribui para tornar comum o que era diferente e, assim, formar a “trama” de uma
nação que teve como questão central sua “legitimidade” e “permanência”. 63 Morgenthau, 1951:.125 64 O conceito de representação através da diferença é um conceito-chave do discurso histórico como identidade é o conceito que define a natureza desse discurso” Apud:Francisco Falcon In: Cardoso e Malerba, 2000:.48-49. Falcon procura descrever as relações entre história e representação, a partir das noções de diferença e identidade. 65 Nos filiamos a noção de idéia através da concepção de Ernest Cassirer “são as relações entre idéias que permitem ao historiador conhecer a “fenomenologia do espírito de uma época”. Francisco Falcon..In Cardoso e Vainfas,1997:107.
50
Na trama de construção de uma consciência nacional, a idéia de “experiência única”
tem suas raízes desde os tempos dos “founding-fathers” como podemos comprovar pela
declaração de Thomas Jefferson:
“Before the establishement of the American states nothing was know
to history but the man of the Old World, crowed within limits either or
overcharged, and stuped in the vices which that situation
generation”. 66
Com relação à tradição da idéia do “isolamento”, Morgenthau a interpreta não como
sendo uma mera passividade em relação aos objetivos primários de disputa de poder da
Europa e da Ásia e, muito menos como uma posição desinteressada do cenário político
internacional. O tipo de interesse estava exatamente na espera que, após o
estabelecimento da democracia em todos os lugares, os EUA the final curtain would fall
and game of power politics would no longer be palyed”67.
No tocante à missão, esta se refere aos termos humanitários e morais, à ação de caráter
altruísta e providencial:
“A providência têm se satisfeito em dar este país ligado a um povo
unido – um povo que descendeu dos mesmos ancestrais, falando a
mesma língua, professando a mesma religião, ligado aos mesmos
princípios de governos muito semelhantes em suas maneiras e
costumes”68.
A tradição na idéia da “experiência única norte-americana” associada à religião como
sendo um “povo eleito” que fez um contrato com Deus, vem desde o período de uma
literatura colonial através dos sermões de John Winthrop líder da Companhia da Baía de
Massachusetts, em 1630. Em seu sermão, “Modell of Christian Charity”, Winthrop
afirmava que: 66 Ituassu.op.cit: 10. 67 Idem:.9 68 Higham, 1988:3.
51
“os puritanos haviam firmado um contrato com Deus, que os trouxera
para a América em segurança, para que lá eles agissem em estrita
conformidade com Sua Vontade, tal como se encontra expressa na
Bíblia. A argumentação de Winthrop exorta os habitantes desta Nova
Sião a se constituírem em um modelo de sociedade, um “farol sobre o
monte”, que iluminasse com o seu exemplo todos os povos e nações e
o “novo povo eleito” não poderia falhar”69.
No campo da política externa norte-americana, a idéia da “experiência única”,
segundo Morgenthau, também permite estabelecer contato com a “expansão” histórica
norte-americana. Para Morgenthau, a partir da guerra contra a Espanha, a expansão
norte-americana foi feita com base na distinção no “isolamento” e na “superioridade
moral” de sua política externa. A idéia da “experiência única” pôde assim ser vista
como um ato civilizador e não de conquista, aparecendo de forma essencialmente
diferente e superior ao imperialismo europeu de guerras e aquisições coloniais 70.
Ainda segundo Morgethau, a idéia da “experiência única” possui um outro lado: o de
“encobrir” fatores como invasão territorial e diferenças de poder, entre norte-
americanos e índios, com a idéia de um desenvolvimento natural, o “destino manifesto”,
cuja base é a crença na “especificidade libertária” da política externa dos EUA em
relação aos países europeus, envolvidos em lutas de poder.
Neste sentido, a luta pelo poder no cenário internacional seria apenas um acidente
histórico, estaria naturalmente associada com governos não democráticos e fadada a
desaparecer com o “triunfo” da democracia no mundo.
69 Gerald Grob & George Billias, George, org. Interpretations of American History. Apud:Nogueira, 1996. 70 “Esta identificación de poder político com aristocracia encontro sustento em la experiência norteamericana. Podemos distinguir três elementos em esa experiência: el carácter único de la experiência norteamericana, la ajenidad del continente americano com respecto a los focos de conflicto mundiales del siglo XIX y el pacifismo y antiimperialismo humanitários de la ideologia política norteamericana.Morgenthau,1948:.51.
52
O conteúdo libertário da “especificidade” da democracia norte-americana que permeia
o imaginário de construção da nação, vem desde a origem da sua formação constando
em sua Declaração de Independência como sendo resultado de um contrato e por um ato
de vontade:
“Consideramos como uma das verdades evidentes por si mesmas que
todos os homens são iguais; que receberam de seu Criador, certos
direitos inalienáveis, entre os quais figuram a vida, a liberdade e a
busca da felicidade”. 71
A origem política da Nação a partir da Revolução Americana é um como um
consenso na historiografia norte-americana que vem desde o início, através de uma
história literária no século XIX que mesmo criticada como não científica pela “história
progressista” do início do século XX perpassa a corrente crítica dos anos trinta
desencadeando na corrente da história intelectual e/ou das idéias dos anos 40.72
Mesmo especialistas da nascente história intelectual, como John Higham, que se
distancia da historiografia consensual norte-americana pós-Segunda Guerra que
sublinha a continuidade da experiência nacional dos EUA e determina os elementos de
permanência que seriam os definidores do “caráter americano”, também “reitera” a
“idéia da excepcionalidade” norte-americana, a partir da Revolução Americana, como
sendo “básica” fazendo parte, portanto, de um “sistema de pensamento coletivo
interno”:
“Os americanos viam a liberdade política como seu principal tributo
nacional e seu maior feito, diferentemente do que se sucedeu durante
outras revoluções em outras terras, a revolução americana envolveu
relativamente pouca transformação política e social; seus líderes
71 Grimberg, 1990, vol.X: 39 72 Para conhecer um levantamento do percurso historiográfico através da análise dos diferentes paradigmas que embasaram o desenvolvimento da História como disciplina nos EUA e os novos rumos e impasses atuais ver Moura,1995.
53
tinham como objetivo aperfeiçoar a sociedade existente e não
construir uma nova sob suas ruínas”. 73
A tradição em recorrer aos “mitos fundadores” da nação através da idéia veiculada à
“experiência única” que permitira a sua permanência e continuidade como nação será
articulada enquanto forma de justificar a sua expansão e consolidação de poder no
continente americano e, ao mesmo tempo, como forma de reforçar internamente o
sentimento nacional através da difusão dos “traços culturais e intelectuais” do
“americanismo” o qual determina o “caráter nacional americano” 74.
A estratégia política definida em termos de poder no cenário internacional é uma
forma de defender e imprimir a sua própria identidade física, política e cultural como
nação. Neste sentido, o OCIAA e as Seleções RD representam uma ação de caráter
nacionalista que tem como objetivo colocar em prática, e de forma convincente, a então
“vaga” noção de bom vizinho e somar esforços em prol dos “interesses nacionais” mais
amplos definidos pela Política Hemisférica formulada nos anos 40.
Neste sentido, o “conteúdo” do “interesse nacional” como o único intérprete na
defesa e promoção dos ideais nacionais justifica internamente o incremento do poder de
“ação” do Estado. O Estado instrumentaliza o nacionalismo, que representa um legado
histórico e cultural comum através de um compartilhamento de artefatos, lealdades e
convicções presentes desde os tempos da formação política da nação, fazendo parte das
suas “tradições” como forma de mobilização em torno dos ideais nacionais e como
estratégia na formulação de um “projeto” político mais amplo.
73 Higham,op.cit:1-11. Higham procura pesquisar as raízes do preconceito e da diversidade étnica na sociedade americana nos anos 50. Neste sentido, o historiador busca uma perspectiva histórica do nacionalismo através de um “tipo” de história intelectual que desse conta e sintetizasse as mudanças políticas, sociais e econômicas. Em Strangers in the Land, Higham aponta os padrões de construção que moldaram o forte sentimento anti-estrangeiro do final do século XIX e XX nos EUA, destacando que as bases culturais , já tinham sido lançadas desde o fim do século XVIII, através de um “pattern” ancorado na tradição de um nativismo anti-católico, anti-racial e Anglo-saxão. 74 Ver no Capítulo 3, sobretudo, na última seção, a propaganda de difusão dos “traços culturais e intelectuais” do “americanismo” nas Seleções RD.
54
A formulação da retórica pan-americanista nos anos trinta, a partir dos ideais de
“dever” e “moral”, se entrelaça ao mesmo tempo com as idéias que representam a
construção imaginária de nação - a “experiência única”, “missão” e o “isolamento”:
“Os princípios da Política da Boa Vizinhança destacam a fé nas
instituições republicanas, lealdade à democracia como um ideal,
reverência pela liberdade, aceitação da dignidade do indivíduo e seus
direitos pessoais invioláveis, crença na resolução pacífica das
disputas, aversão ao uso da força como um instrumento de política
nacional e internacional, esperança de estabelecimento de uma paz
duradoura para todas as Nações”. 75
A crença no “triunfo” e na “especificidade” da democracia norte-americana e do
“american way of life” está presente nas concepções dos “policy-makers” e na
formulação da estratégia de “ação” do “Basic Plan”. Esta possui portanto, um forte
“significado” entre os formuladores e é articulada ao pan-americanismo e difundida
como estratégia de expansão de poder no continente:
“ o verdadeiro problema do Comitê era buscar algo para substituir o
“Novo Modo de Vida” que estava sendo pregado pelos Fascistas ...
Agora sentimos o mundo se fechando é essencial que divulgássemos o
nosso estilo de vida, Democracia .. o conceito de Democracia poderia
ser apresentado a América Latina como os “Os Princípios de Bolívar e
Washington.”76
Dessa forma a Política da Boa Vizinhança não seria somente um instrumento eficaz
para assegurar a causa comum entre as Repúblicas americanas, liberdade e democracia ,
ou melhor, reforçar e propagar a identidade política da nação através da “experiência
única norte-americana” – mas, estaria revestida de uma legitimidade de poder moral e
político - a missão como dever e moral de propagar este ideal. Entretanto, a política da
75 CPDOC/FGV.RJ:IAA,28/05/1942. Objectives of Hemisphere Policy. 76 CPDOC/FGV-RJ IAA: 27/09/1941. Meeting of the Policy Committee of Cultural Relations Division. Anexo 1.
55
Boa Vizinhança será articulada aos objetivos da Política Hemisférica formulada no
período, segundo o Relatório Objectives of Hemisphere Policy:
“o desenvolvimento de relações interamericanas não deveria estar
sendo empreendido com o objetivo de se criar um isolamento
hemisférico, a partir da exclusão de benefícios de cooperação
econômica com o resto do mundo. Entretanto, o hemisfério teria que
ser protegido contra o perigo de ações econômicas unilaterais
indevidas e desfavoráveis contra qualquer poder externo”. 77
O caráter de “missão como sendo providencial” é ressaltado como justificativa, na
criação do OCIAA, como pode ser atestado no Relatório “The founding of the CIAA”:
“defender os princípios democráticos, em contraponto à propaganda
totalitária, principalmente alemã, no continente... esta propaganda
atacava o prestígio dos EUA e caberia a este, combater o “the Nazi
blueprint for world domination78”.
A estratégia em utilizar as relações culturais a partir de um discurso universal de
civilização que se fundamenta nos preceitos éticos morais é amplamente encontrado nos
documentos referentes ao OCIAA através das expressões: “defesa dos povos livres”,
“mutual benefits”, “mutual relationship”, “stimulate the Democracy.”
“... precisamos enfatizar e falar em termos de expansão dos fatores
comuns das nossas culturas, as Repúblicas Americanas “devem dar as
mãos para preservar valores mútuos” ... precisamos incrementar o
entendimento que a nossa civilização não pode sucumbir a Hitler e
Mussolini já que suas raízes estão bem aquém, este argumento é mais
apelativo na América Latina do que aqui”.79
Com relação a tradição do “isolamento” como forma de defender a “identidade física”
da nação através da idéia sobre a “fronteira”, esta faz parte de uma das “representações”
77 CPDOC-FGV-RJ. IAA:28/05/1942.Objectives of Hemisphere Policy. 78 CPDOC/FGV.-RJ:IAA. 15/04/1942 Relatório The Fouding of the CIAA 79 CPDOC/FGV-RJ. IAA: 27/09/41.Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division.
56
nacionais mais preservadas e que tem na figura do historiador Frederick Jakcson Turner,
através do ensaio O Significado da Fronteira na História Americana apresentada, na
reunião da American Historical Association em Chicago (1893) onde também ocorria a
Exposição de World’s Columbian, neste ensaio Turner, seu mais ardente defensor,
mostra ao mundo o modelo de progresso de civilização que a partir da fronteira a
América ao criar um novo tipo de self-government, conseguiu se livrar das doenças do
Velho Continente consagrando assim o excepcionalismo norte-americano o qual
possibilitou e permitiu o isolamento em relação aos distantes conflitos europeus desde o
século XVIII e XIX:
“...as terras livres em recessão contínua na direção do Oeste, esse
renascimento perene, essa fluidez da vida americana, essa expansão
para o Oeste, com suas novas oportunidades, sua relação contínua com
a simplicidade da sociedade primitiva, fornecem as forças dominantes
do caráter americano”. ... De acordo com Turner, a fronteira
promoveu a formação de uma nacionalidade compósita, diminui nossa
dependência da Inglaterra, condicionou a legislação que mais
desenvolveu os poderes do governo nacional, legislou sobre terras,
tarifas e melhoramentos internos, promoveu a democracia e ajudou a
construir os traços intelectuais típicos do homem norte-americano”. 80
Assim a idéia veiculada sobre a “fronteira” tem como significado não ser apenas uma
continuidade de unidade nacional, proposta pela história literária norte-americana, mas
como sendo um símbolo do movimento pela “democracia” da nova corrente
historiográfica progressista que inovou o campo através de uma aproximação com as
Ciências Sociais. A partir de um determinismo físico e geográfico a “nova história
progressista” tem o pensamento no presente e busca no passado respostas e novas
interpretações para atender a demanda da grande transformação urbano- industrial após o
80 Frederick Jackson Turner The Significance of the Frontier in American History In: The Frontier in American History,1996:10.
57
final do século XIX pela qual passava os EUA. A nova corrente de historiadores estava
mais preocupada em investigar e interpretar a mudança e participar dela.
O mito americano do começo absoluto a partir de um novo Éden, da natureza inocente
e de um novo homem, despido dos vícios do velho continente, encontrou, assim, abrigo
nos estudos históricos pelas mãos de Turner. Na releitura do Oeste elaborada pelo
historiador norte-americano Henry Nash Smith da corrente consensual dos anos 50, que
buscava a continuidade nacional não sublinhando conflitos de interesses, o historiador
discute a “experiência do Oeste”, em termos de “símbolos e mitos”, no qual define,
como “representações coletivas”, em que se fundem conceitos e emoções oriundas da
“experiência social”. Neste sentido, Smith “recusa a ver os mitos puras distorções dos
fatos empíricos”, chamando a atenção para a importância que eles tiveram no “processo
histórico” e como parte dos problemas nacionais:
“a identificação plena das terras livres com a natureza encantada,
produtora de riqueza, felicidade, igualdade e democracia, que excitou
a imaginação de seus contemporâneos e alterou os rumos da
historiografia norte-americana, foi sem dúvida responsabilidade de
Turner”81.
No campo da literatura, o significado da “fronteira” foi tema central do escritor
Fenimore Cooper que publica no início do século XIX cinco romances pioneiros
chamados Tales of Leatherstocking (Contos de Desbravadores), os romances possuem
forte influência no imaginário social americano :
81 Como reitera o historiador da Universidade de Colúmbia, Richard Hofstadter no texto The Thesis Disputed que faz parte da coletânea de análises sobre “The Significance of the Frontier in American History in Frederick Jackson Turner p.101.“The existence of an area of free land, its continuous recession, and the advance of American settlement westward explain American development. American evolution, Turner believed, had been a repeated return to primitive conditions on a continually receding frontier line, a constant repetit ion of development from simple conditions to a complex society. From this perennial rebirth and fluidity of American life, and from its continual re-exposure to the simplicity of primitive society, had come the forces dominant in the American character. And as the frontier advanced, society moved steadily away from European influences, grew steadily on distinctive American lines. To study this advance and the men who had been fashioned by it was “to study the really American part of our history”.
58
“a narrativa do Oeste norte-americano permitiu uma (re) construção
da identidade norte-americana que através de escritores, jornalistas e
políticos estimulavam a anexação territorial e mostravam o
“pioneiro”, a partir de uma identificação com o homem comum que se
deslocava em direção ao Oeste – o homem branco, protestante e
anglo-saxão – como o tipo que construía o novo país”.82
Na trama que envolve a “construção” de identidades nacionais através de conflitos e
escolhas entre as diferentes propostas de “representação” sobre a nação que a
identificam permitindo a sua continuidade, o significado da “fronteira associada a
expansão” será transplantada para um “espaço” mais amplo, qual seja, o “continente
americano”.
A “idéia da fronteira” está presente na estratégia de “ação” para a Divisão das
Relações Culturais do OCIAA. É “compartilhada entre os formuladores” e possui forte
identificação e significado:
“ a idéia de “Novas Fronteiras” é vital sob o nosso ponto de vista mas
este conceito e o de Democracia tem pouco significado para os latino-
americanos... A democracia carrega consigo a felicidade e o
desenvolvimento”. 83
Na análise do historiador Richard Hosfstader: “o tempo é a dimensão da História, mas
a dimensão básica da imaginação norte-americana é o espaço. Os norte-americanos
tratam de compensar o sentido de tempo que careciam, por meio de um sentido amplo
de espaço. Seu pensamento não remonta a uma Antigüidade que não conhecem, se
dirige para fora, a um teatro geográfico de ação mais amplo, não ao teatro do passado
e sim ao futuro84.
82 Junqueira,2000:53-94. 83 CPDOC/FGV-RJ Meeting of Policy of the Cultural Relations Division.CF. Anexo 1 84 Hofstader,Richard LosHistoriadores ProgressistasTurner,Beard,Parrington.Apud: Junqueira,op.cit:.69.
59
Assim, no âmbito da formulação da política externa a noção de “espaço” associado à
idéia de “fronteira” e “democracia” será transplantado para um “espaço geográfico”
mais amplo e cabe ao OCIAA colocar em termos mais efetivos a “vaga” noção de “bom
vizinho” a fim de não descortinar “interesses” mais amplos:
“o tema “bom vizinho” deveria partir da “necessidade da América de
se expandir”. Ele explicou que o termo expansão não era expansão
militar, mas expansão de mercado, de comércio e de idéias que eram
importantes para nós. Até a Guerra Mundial, estávamos preocupados
com a expansão dentro do nosso próprio país e achávamos de uma
maneira geral, que a expansão mundial não era tarefa nossa .. o
conceito positivo de expansão, ao invés da idéia, de prevalecer e
proteger os nossos interesses.”85
Neste sentido, a idéia de “expansão”, segundo os “policy-makers”, é vista sob uma
perspectiva “positiva” e deve ser articulada ao pan-americanismo como “exemplo” de
sucesso para o mundo. Ao mesmo tempo cumpre o objetivo de não desnudar
“interesses” mais amplos, como aponta o Relatório intitulado “Objetivos da Política
Hemisférica”:
“A permanência da Política da Boa Vizinhança como um
instrumento efetivo das relações internacionais depende de um mundo
no qual o ideal de justiça, paz, humanidade, e progresso prevaleça; a
vitória é indispensável para fazer com que tais ideais prevaleçam”86.
Observa-se então que os conceitos-guia da política externa norte-americana se
entrelaçam com a própria “experiência histórica norte-americana”. Isto se dá através do
resgate de uma memória coletiva de um universo cultural reconhecível e compartilhado
por uma intelectualidade, em diferentes períodos que envolveram a construção de uma
consciência nacional, como forma de obter o consenso interno necessário e como
85 CPDOC/FGV-RJ.Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division. Idem. 86 CPDOC/FGV.RJ:IAA. Objectives of Hemisphere Policy .Coleção Foreign Office.
60
instrumento que justifica ações de expansão, intervenção externa e/ou consolidação de
poder, tendo como suporte o “conteúdo” do “interesse nacional”.
Acreditamos que a “razão” de Estado, mola propulsora do pensamento político de
Morgenthau, se fundamenta no significado do “conteúdo” do “interesse nacional” que,
por sua vez, se justificou ao longo do tempo através das “tradições” que remontam a um
legado de lealdades e convicções. Neste sentido, o “conteúdo” do “interesse nacional”
será o elemento aglutinador em prol da causa nacional que visa incrementar, através da
ação do OCIAA e das Seleções do RD, uma propaganda nacional de difusão do
“american way of life”. Tais são os argumentos do redator internacional da Reader’s
Digest para convencer um empresário norte-americano a se engajar na causa nacional:
“ Agora existem razões ainda mais fortes para que Seleciones seja
vista como um meio de alavancar os interesses do nosso negocio e da
nação. Agora é momento em que a propaganda, tanto institucional
como de produtos na América Latina, é a coisa mais importante que o
negócio Americano pode fazer..”87
Neste sentido, o Estado instrumentaliza o setor cultural norte-americano através de
revistas, livros e filmes para somar esforços aos interesses nacionais. O apoio material
da indústria cinematográfica será de extrema importância porque ao evocar os interesses
do Estado em defesa dos ideais nacionais que esta acima de conflitos de interesses,
possibilita o consenso interno para a implementação da política externa e contribui para
incrementar a própria indústria cultural norte-americana. Sendo assim, a indústria
cinematográfica será cooptada na estratégia política cabendo- lhe uma dupla função:
incrementar a propaganda de difusão do “american way of life” no continente e produzir
“filmes educativos”:
87 CPDOC/FGV-RJ, IAA: Coleção Foreign Office, Reader’s Digest.
61
“A Sociedade Cinematográfica para as Américas tinha sob sua
responsabilidade, desenvolver a indústria cinematográfica como
representação da democracia norte-americana. Utilizando como
recurso potencial, os filmes educativos, a Sociedade procura
aprofundar a unidade do Hemisfério através do mútuo reconhecimento
sobre a arte, música, literatura, história e estilo de vida de cada
nação”. 88
A produção de “filmes educativos” será destinada ao público latino-americano e
norte-americano, evidenciando assim uma propaganda externa e interna de difusão do
“american way of life”, como aponta os formuladores: “vários scripts de qualidade
serão introduzidos no programas regulares dos estúdios”89. Entretanto, a meta
perseguida segundo o “Basic Plan” é “persuadir e influenciar”, sobretudo, o público
latino-americano, segundo os “policy-makers”:
“Persuadir os produtores de que não seria prudente distribuir nas
outras Américas filmes que criem uma má impressão dos EUA e do
american way of life.”90
A propaganda da democracia e do “american way of life” em contraponto ao
totalitarismo, é o fio condutor na produção dos primeiros “filmes” da série “ideológica”:
“A série ideológica tem como objetivo defender a democracia em
contraponto aos regimes autoritários e fazer a propaganda do
“american way of life”. .. a série é composta de filmes claros e
emocionantes que mostram a comparação entre o estilo de vida
democrático e o estilo de vida na Alemanha, Itália e Japão. O filme
“Liberdade de Imprensa”, por exemplo, deixará claro que as pessoas
vivendo sob um regime democrata prosperam ao ter conhecimento da
verdade da maneira mais completa e rápida ao passo que as
88 CPDOC/FGV-RJ,, IAA: Coleção do Departamento de Estado, DE, The Other Side of Hollywwod 89CPDOC/FGV-RJ,IAA: Motion Picture Division 15/02/1943. O Relatório destaca a qualidade dos filmes produzidos em Hollywood através do grupo sob liderança de Jack Chertock, um conhecido produtor de Curtas e Filmes da Warner Brothers, incrementando os trabalhos da Divisão Cinematográfica do OCIAA. 90 CPDOC/FGV-RJ,IAA: Relatório Motion Picture Division 15/02/1943.
62
populações de países controlados pelo Eixo têm conhecimento apenas
daquilo que é fornecido pelas agências de propaganda do governo. O
filme “Os Planos de Hitler para as Américas” irá mostrar que os
Nazistas planejam dominar a América Latina destruindo a indústria,
encorajando uma economia sob bases agrícolas e dependente e
criando um continente de serviçais.”91
A estratégia de “ação” da Divisão Cinematográfica do OCIAA e o papel das Seleções
RD se articulam sob uma dupla dimensão: incrementar internamente o sentimento
nacional em torno das idéias veiculadas e associadas à democracia, liberdade e
igualdade que “representam” a identidade nacional, ou seja, o “excepcionalismo norte-
americano”. Como objetiva externamente difundir o “american way of life” como um
estilo“ideal” de vida para o continente: “Every effort should de made to show that the
U.S. is now the cultural center of the world”. 92
Neste sentido a instrumentalização das relações culturais e educacionais, a “quarta
dimensão” da política externa dos EUA, através da difusão de inúmeros filmes, revistas
e livros é um dos “métodos” empregados pelo Estado norte-americano para atender às
“metas” na formulação de um “projeto político imperial”. Como aponta Morgenthau
através da análise das diferentes “metas” do Imperialismo: o império mundial, o império
continental e a preponderância local:
“O imperialismo cresce a partir de três situações típicas,
conseqüentemente se move para três objetivos típicos. O imperialismo
pode ser o domínio de todo o mundo politicamente organizado ou o
que é o mesmo que chegar a um império mundial. Pode ser também
um império hegemônico com dimensões aproximadamente
continentais. Ou pode ser uma preponderância de poder estritamente
91 idem 92 CPDOC/FGV –RJ,IAA: “Contend trend material to be regurlarly sent to field.” s/n
63
localizada. Pode também, ter limites geograficamente determinados,
tal como as fronteiras físicas de um continente que não se determina
limitado pelos propósitos localizados do próprio poder imperialista”. 93
E com relação aos diferentes “métodos” do Imperialismo: imperialismo militar,
econômico e cultural, Morgenthau define este último como:
“ Também descrito como imperialismo ideológico; ideológico que se
refere a luta de uma filosofia política. Não obstante há razões que
parecem aconselhar ao termo cultural. Primeiro porque por uma parte
engloba a todos os tipos de influências intelectuais, políticas e de
outras classes que funcionam como meios para os objetivos
imperialistas. ..Assim, o chamado imperialismo cultural é mais sutil,
de maior êxito das política imperialistas. Não pretende a conquista de
um território e/ou o controle econômico, mas sim o controle das
mentes dos homens como ferramentas para a modificação das relações
de poder entre as nações. Se pudermos imaginar a cultura e mas,
particularmente, a ideologia política de um estado A com todos seus
objetivos imperialistas concretos de conquistar as mentalidades de
todos os cidadãos que fazem a política do estado B, observaríamos
que o primeiro dos estados consegue uma vitória mais que completa
em haver estabelecido seu domínio sobre uma base mais sólida que
qualquer conquista militar ou econômica. O estado A não necessita
ameaçar com sua força militar ou usar pressões econômicas para
chegar aos seus objetivos. Para isto, a subordinação do estado B a sua
vontade é produzida pela persuasão de uma cultura superior e pelos
meios mais atrativos de sua filosofia política”94.
Em suma, o nacionalismo norte-americano em nome da defesa dos ideais seculares
de lealdades e convicções é “apropriado” pelo Estado para atender aos “interesses
nacionais” que estão articulados na consecução das “metas” de um “projeto imperial”.
O “método” utilizado é o poder de “persuasão” através da difusão do “american way of
93 Idem:.81. 94 Morgenthau,1948, op.cit.p.86
64
life” então apresentado como uma cultura superior, e a “influência” de sua filosofia
política associada aos ideais democráticos de “igualdade”, “liberdade” e “felicidade”.
A partir da difusão de idéias e/ou pensamentos veiculados a “construção imaginária”
da nação, instrumentalizadas através da “ação” de uma elite intelectual que possui
“influência”, atuando como mediadora entre o Estado e a sociedade. Incrementa o
vínculo de pertencimento e auto- identificação em torno dos ideais nacionais como
elemento aglutinador, e neutralizador de conflitos de interesses internos, como forma de
manter a coesão social e como instrumento que justifica “ações” ma is amplas de
expansão e consolidação de poder.
65
Capítulo II
O Relacionamento entre OCIAA e DIP
The motion picture developed under democratic conditions, thriving under
the basic freedom which is freedom of expression. In the democracies,
public support carries with it public responsibility. The motion picture,
product of democracy, has had that support and now gladly shoulders its
responsibility. In the service of the way of life which created it, the motion
picture industry dedicate itself to the democracies! (The Other Side of
Hollywood, Division of the American Republics: Coleção do Departamento
de Estado-DE:IAA:18/06/1941-CPDOC/FGV.)
66
2.1 – A Estratégia de ação da Divisão de Filmes do OCIAA
Como já descrito em páginas anteriores, a agência OCIAA era composta por três
divisões: Divisão Comercial e Financeira, Divisão de Comunicações e Divisão de
Relações Culturais. No Departamento de Comunicações se concentrava o campo da
informação do OCIAA que era composto pelas seguintes divisões; de filmes, de ensino,
de rádio e a de imprensa e publicações.
Com relação aos conteúdos dos Relatórios e Memorandos da Divisão de Filmes
deveriam seguir os objetivos do “Basic Plan”, embora guardando uma certa
flexibilidade devido às mudanças que se processavam no cenário internacional. Os
objetivos da Divisão incluíam;
“ Um aumento na produção norte-americana de filmes, curtas e
noticiários sobre os EUA e das Américas para serem distribuídos no
Hemisfério; Produzir e estimular a produção de filmes sul-americanos,
principalmente curtas e noticiários, para que pudessem ser exibidos
efetivamente no mercado norte-americano; Evitar que filmes
produzidos e patrocinados pelos países do Eixo sejam exibidos no
Hemisfério; Induzir a indústria cinematográfica a não produzir e/ou
distribuir nas outras Américas filmes aos que se tenha algum tipo de
objeção total ou parcial”.95
O Relatório Motion Picture apresentando a estratégia de operação da Divisão, seguia
os passos estabelecidos pelo “Basic Plan”: “(1) Supervisão dos trabalhos por um
número relativamente pequeno, mas experiente de especialistas; (2) Recrutamento de
pessoal da indústria cinematográfica; (3) Adaptação sempre que possível dos filmes às
diretrizes do Basic Plan, ao invés de iniciar-se uma nova produção; (4) Gastos do
governo somente se for o último recurso, e ainda assim, se possíve l, na forma de
95 CPDOC/FGV –IAA: 02/15/1943. Relatório Motion Picture Division. P.2
67
garantias contra perdas ao invés de compras de imediato ou subsídios; (5) Consulta
ativa com outras agências do governo, particularmente com o Departamento de Estado,
para evitar erros de política ou duplicação.”96
Em relação à organização operacional e distribuição dos filmes da Divisão, o mesmo
Relatório especifica que:
“A Divisão terá dois Departamentos – teatral e não-teatral, ambas
operando seguindo o mesmo arranjo. Os filmes não-teatrais97 ou de
16mm são designados à distribuição nas outras Américas através de
Comitês de Coordenação estabelecidos em cada país. Esses comitês
irão trabalhar em estreita cooperação com as Missões do
Departamento de Estado”.98
No tocante à política e planejamento, o documento aponta que estes estão
centralizados em Washington, as operações e produções não-teatrais em New York e as
produções teatrais em Hollywood. Destaca também que a Divisão de Filmes emprega
em média 35 pessoas regularmente formando um staff executivo que será selecionado
entre operadores experientes nas divisões teatrais e não-teatrais da indústria.
Em relação à cooperação industrial o Relatório aponta que: “caberá a um staff de
especialistas fazer a coordenação dos contatos entre New York com os produtores de
documentários e de outras produções não teatrais, com a indústria cinematográfica,
através de dois comitês principais, um composto dos presidentes das companhias mais
influentes e o outro de gerentes de exportação”. 99
Segundo o mesmo relatório, o Departamento teatral da Divisão de Filmes em
Hollywood conta com a colaboração de uma corporação sem fins lucrativos da
96 CPDOC/FGV-RJ, IAA:15/02/1943. Motion Picture Division. P.2 97 No Relatório e nos inúmeros documentos referentes à Divisão de Filmes do OCIAA, encontramos diversas vezes o termo técnico non-theatrical. 98 CPDOC/FGV-RJ.idem. 99 CPDOC/FGV-RJ. IAA- 15/02/43. Motion Picture Division. p.3
68
Califórnia, estabelecida para efetivar a cooperação entre o Coordenador da Divisão de
Filmes dos produtos cinematográficos de todos os projetos e problemas relacionados às
outras Américas. Esta corporação é denominada Sociedade Cinematográfica para as
Américas100:
“os membros do Diretório da Sociedade e o Comitê Executivo da
Associação dos Produtores são praticamente os mesmos – O Diretório
da Sociedade, inclui, além disso, os chefes da Corporação e os agentes
e especialistas em todas as fases de outras operações cinematográficas
americanas. A Associação dos Produtores inclui os homens mais
importantes da indústria de produção e os respectivos gerentes dos
campos de Curta Metragem, Estórias, Talentos, Arte, Música e Filmes
Estrangeiros. Esses comitês não apenas aconselhavam a Sociedade e a
Divisão mais assumiam responsabilidade direta por grande parte do
trabalho”.101
Com relação à censura aos filmes, é descrito como sendo feito por um Comitê de
Gerentes Estrangeiros composto por especialistas estrangeiros designados pelo
Escritório do Produtor Executivo de cada estúdio, sendo que um dos especialistas é
escolhido pela Associação dos Produtores em Hollywood, a pedido do próprio
Escritório, para fazer uma consulta ativa com cada membro em relação à produção de
seus respectivos estúdios. Esses especialistas atuavam voluntariamente, organizando
tanto a censura aos filmes americanos, em conexão com as outras Américas, como
discutiam soluções para evitar problemas reincidentes. Além disso:
100 Faziam parte do Comitê de Diretores da Sociedade: Edward Arnold, presidente do Screen Actors Guild; .Frank Freeman, presidente da Association of Motion Picture Producers; Frank Capra, presidente do Screen Directors Guild; e Sheridan Gibney, presidente do Screen Writer’s Guild. Este último era composto por um elenco de roteiristas como: Louis B.Mayer,.Samuel Goldwyn, Harry M.Warner,. Walter Wanger, Darryl F.Zanuck, David Sleznick, George Schaefer, Clifford P. Work e Samuel J. Briskin. A Sociedade Cinematográfica para as Américas tinha como secretário executivo Mr.Kenneth Thomson escolhido pelo Comitê Político Interdepartamental para trabalhar em conjunto com o chefe da Divisão de Filmes do OCIAA, Mr.John Hay Whitney .CPDOC/FGV-RJ, IAA, 18/06/41 – Coleção do Departamento de Estado, DE, The Other Side of Hollywood. Division of The American Republics. 101 CPDOC/FGV-RJ, IAA Motion Picture Division, 15/02/43 p.3
69
“O Comitê Externo também age com capacidade de aconselhamento
da Censura dos EUA em Los Angeles. Em sua maioria os membros
devem ser especialistas qualificados em relações externas, incluindo
aquelas relacionadas às Américas.”102
No tocante à participação das indústrias norte-americanas para com a Divisão de
filmes, a Companhia RCA Victor é destacada como um exemplo de contribuição, seja
pela cessão dos royalties do processamento de som dos filmes distribuídos pelo OCIAA,
seja pelos royalties das regravações dos Discos Victor usados para as trilhas sonoras dos
filmes. Destaca-se também a importância da colaboração da Sociedade Americana de
Compositores, Autores e Editores (ASPAC) que cedeu todos os royalties da Sociedade
quando a música pertencente a ASCAP fosse usada pela Divisão Cinematográfica. Da
mesma forma que o Presidente da Confederação Americana de Músicos concordou em
cooperar com a Divisão a fim de que as taxas cobradas pela União e os custos
trabalhistas fossem reduzidos.
O documento supracitado acrescenta ainda que a Divisão Cinematográfica também
obteve a cessão dos manufaturados da Columbia Records, Decca Records e Vocallion
Records para que os filmes produzidos pelo OCIAA fossem regravados. Como os
principais estúdios de Hollywood também concordaram em disponibilizar o uso, sem
custo, das trilhas musicais selecionadas pela Divisão Cinematográfica.103 Assim: “mais
de 30 filmes produzidos por outras agências do governo como: o Departamento de
Informação de Guerra, Departamento de Agricultura, As Autoridades do Vale
Tennesse, o Serviço de Saúde Pública dos EUA e o Departamento do Interior também
102 Idem. 103 “Através da cooperação de produtores de filmes patrocinados por organizações comerciais e industriais muitas produções foram disponibilizadas para o OCIAA sem custo. A Corporação de Exportação de Aço Americana Aeronaves Bell, Companhia de Ônibus Bell, Marcas Standard, American Can e a Corporação de Alumínio da América, não apenas deram o direito de distribuir seus filmes, como também arcaram com os custos de adaptar suas produções em Espanhol e Português para uso da Divisão”. Cf. CPDOC/FGV-RJ, 15/02/43 Motion Picture Division. P.4
70
ajudaram o trabalho do OCIAA”104. Em relação à cooperação industrial o Relatório
Motion Picture aponta:
“a indústria teatral de cinema, sob nosso pedido tem contribuído com
os custos nos projetos de boa vontade. Uma viagem de vários atores e
executivos a Cidade do México na primavera de 1942, patrocinada
pelo Presidente Ávila Camacho, representou uma despesa à indústria
de mais de 75.000 dólares. A recepção dada a Almirantes Sul
Americanos em 1941, por vários estúdios de Hollywood foi um outro
projeto que criou uma reação favorável e válida de ser mencionada.
Recepções são continuamente feitas para outras pessoas notáveis da
América Latina”. 105
Em virtude da importância atribuída pelas potências do Eixo em utilizar como veículo
de potencialização do poder nacional a informação através da propaganda em jornais, o
Relatório destaca que o setor de Jornais Cinematográficos deveria ser prioritário neste
momento. Sendo assim, após outubro de 1940 ocorreu um estreitamento de interesses
entre os principais representantes dos periódicos de Jornais Cinematográficos com a
indústria cinematográfica norte-americana 106:
“devido à velocidade de produção e flexibilidade, os Jornais
Cinematográficos são uns dos mais eficientes instrumentos para a
disseminação rápida de idéias na forma visual. A seção dos Jornais
Cinematográficos da Divisão Cinematográfica tem sido
particularmente eficiente em reorientar o tratamento dado pelo Jornal
Cinematográfico aos acontecimentos na América latina.”107
Entretanto os problemas da Divisão Cinematográfica e os Jornais Cinematográficos
envolviam vários aspectos: (1) Conseguir a inclusão de material favorável aos EUA nos
104 Idem. 105 Ibidem p.5 106 O Relatório destaca que Jornais como Paramount, Pathe, Universal, Fox-Movietone e News of the Day que não haviam feito até então, qualquer tipo de esforço a favor da política da boa vizinhança passam a aderir ao plano do governo. CPDOC/FGV-RJ – IAA, 15/02/43 Motion Picture Division, p.6 107 idem
71
rolos de filmes exportados para a América Latina; (2) Incluir material favorável das
Repúblicas Americanas nos rolos de filmes exportados para o sul, para agradar os
Latino-Americanos e, ao mesmo tempo, fazer com que esses vissem o que as outras
nações no Hemisfério faziam para eliminar a ameaça do Eixo ; (3) Eliminar material
desfavorável aos EUA e das outras Repúblicas americanas dos rolos de filmes indo para
o sul; (4) Inserir mais histórias sobre a América latina em filmes distribuídos nos EUA
para fazer com que os cidadãos americanos fiquem familiarizados com seus vizinhos do
Hemisfério; (5) Eliminar as fitas do Eixo.
Para resolver os problemas advindos das melhores propostas de divulgação do
material a ser distribuído para a América Latina, uma das primeiras investidas da
Divisão Cinematográfica foi o estabelecimento de uma organização de trabalho, bem
próxima, as Companhias de notícias Americanas:
“o objetivo do OCIAA não é tentar de forma alguma censurar o
material que ele envia a América Latina. Isto é feito pelo
Departamento de Censura no entanto, alcançamos resultados reais no
aconselhamento de eliminação de assuntos impróprios para
distribuição na América Latina. Também foi obtida a inclusão em
nosso Jornal Cinematográfico de material que não apenas fosse de
interesse especial para as platéias latino-americanas mas que também
transmitissem a idéia que estivessem dentro do escopo da política da
coordenação. Relatórios confidenciais recebidos por nossas
Embaixadas latino-Americanas através de nosso contato próximo com
o Departamento de Estado têm nos guiado na determinação dos
assuntos. A Divisão Cinematográfica organizou um sistema de
monopólio do qual ela e todas as Companhias de Jornais
Cinematográficos participavam para manter um câmeraman em várias
72
cidades latino-americanas e assim fornecer uma fonte contínua de
histórias para os Jornais sobre as outras Américas”. 108
Seguindo as diretrizes do “Basic Plan” em relação à contenção do Comitê de gastos
desnecessários para o governo, determinando sempre que possível à adaptação de filmes
ao invés do financiamento de uma nova produção, o Relatório Motion Picture destaca o
importante trabalho de colaboração que a Divisão Cinematográfica obteve após o
contrato feito com o MOMA, tal contrato consistia 109.
“no uso de especialistas do MOMA como técnicos,salas de projeção,
escritórios e equipamentos e acesso à biblioteca de 90.000.000 de pés
de filmes sem custo algum para o Escritório do Coordenador. Sob
este contrato somente despesas diretas como, os salários dos
tradutores espanhóis e portugueses, editores e compositores, o
processamento de filmes, gravação e regravação, envio e outras
despesas”110.
Em suma, como pôde ser constatado, os objetivos e os métodos de operação da
Divisão Cinematográfica do OCIAA são articulados e orientados pelas “diretrizes” e
“metas” formuladas pelo “Basic Plan”, evidenciando a tentativa do Departamento de
Estado em centralizar a política para não haver erros de conduta em relação à forma e a
maneira de atuação entre a Divisão de Relações Culturais e a Divisão de Filmes do
Departamento de Comunicação do OCIAA. Este último, através dessa Divisão, será um
dos mais importantes instrumentos na estratégia de “ação” do OCIAA para alcançar as
metas emergenciais do governo. Através do apoio material, cooperação técnica e
atuação de especialistas dos diversos setores que englobam e sustentam todo o aparato
da indústria cinematográfica norte-americana tais como: produtores, autores, roteiristas,
108 CPDOC/FGV-RJ, IAA, 15/02/1943 Motion Picture Division p.7 109 Para saber mais detalhes sobre a importante atuação do MOMA na estratégia de ação do governo ler O Imperialismo Sedutor op.cit. 110 CPDOC/FGV-RJ, IAA, 15/02/1943 Motion Picture Division p.10
73
compositores, tradutores, técnicos e artistas. Além de contar com a adesão de
importantes jornais norte-americanos que passam, a cooperar com a estratégia de “ação”
do OCIAA, através da seção de cine-jornais cuja prioridade será cumprir as diretrizes e
metas do “Basic Plan”.
Sendo assim, a Divisão Cinematográfica torna-se de suma importância na estratégia
de “ação” da política cultural implementada pelo governo norte-americano, pois através
de seus produtos incrementa e promove a difusão do “american way of life” através de
inúmeros filmes, curtas e cine-jornais que chegam ao Brasil.
2.2 Bases de uma Relação – OCIAA e Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP)
Dentre os canais interlocutores do OCIAA no Brasil o DIP foi de enorme significação
para o êxito dos projetos na área cinematográfica; que para seu pleno sucesso, teriam
que ser concebidos sob bases mútuas:
“ou seja, tão importante quanto educar o povo americano sobre a
cultura da América latina era mostrar o american way of life para
outras Repúblicas Americanas”111.
As bases de “ação” do OCIAA deveriam repousar sobre a “simpatia e confiança”
entre brasileiros e norte-americanos:
“...para se ganhar a simpatia da América latina teria que falar em “fair
dealing” e ajuda mútua. ... precisamos enfatizar e falar em “termos de
expansão dos fatores comuns das nossas culturas, que devem ser
salvas neste momento, da revolução mundial, em outras palavras, as 111 CPDOC/FGV-RJ IAA Motion Picture Division, 15/02/1943.
74
Repúblicas Americanas “devem dar as mãos para preservar valores
mútuos”112
As origens do Departamento e Imprensa e Propaganda remontam a um período
anterior ao Estado Novo. Em 1934 Getúlio Vargas já defendera a necessidade do
governo associar rádio, cinema e esportes em um sistema articulado de educação
mental, moral e higiênica. Esta idéia começou a se concretizar no ano seguinte, quando
o primeiro escalão do governo se reuniria para fazer uma avaliação da repressão à
Intentona Comunista. Nesta reunião, seriam lançadas duas sementes de rápida
frutificação: o DIP e o Tribunal de Segurança Nacional. Criado pelo decreto
presidencial de dezembro de 1939, o DIP, sob direção de Lourival Fontes, viria
materializar toda a prática propagandista da política cultural do governo. A entidade
abarcava os seguintes setores: divulgação, radiofusão, teatro, cinema, turismo e
imprensa. 113
Desde a criação em outubro de 1940 da Divisão Cinematográfica114, as Companhias de
filmes Americanas lançaram 29 filmes teatrais baseados em temas Latino-Americanos
ou de interesse particular para os Latino-Americanos. Incluídos nesse grupo estão
112 Ver Anexo 1. 113 Estava incumbida também de coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa; fazer censura a teatro, cinema, funções esportivas e recreativas; organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos e conferências, dirigir e organizar o programa de radiofusão oficial do governo. Em vários Estados, o DIP possuía órgãos filiados (DEIPs), que estavam subordinados ao Rio de Janeiro. Esta estrutura altamente centralizada iria permitir ao governo exercer eficiente “controle da informação, assegurando-lhe considerável domínio em relação à vida cultural do país para implementação do projeto do novo Estado Nacional. A centralização administrativa era apresentada como fator de modernidade, apelando-se para os princípios de sua eficácia e racionalidade” In: Veloso,1987: 6 - 10. 114 As produções de filmes do OCIAA deveriam perseguir os seguintes objetivos: “a) produzir cada vez mais filmes baseados em temas latino-americanos e mostrando a crescente habilidade dos EUA em manter a doutrina de liberdade para as Américas b) ao se recusar a produzir filmes que pudessem irritar a sensibilidade latino-Americana. Como conseqüência dos esforços da Divisão Cinematográfica, a indústria americana de filmes está mostrando uma crescente consciência de suas obrigações com a unidade interamericana. A Divisão foi bem sucedida em particular nos seus esforços em evitar que filmes produzidos e patrocinados pelos países do Eixo fossem distribuídos e exibidos pelo Hemisfério. Isto foi alcançado com a cooperação das outras Américas, como também através de produtores de filmes e equipamentos”. CPDOC/FGV-RJ -IAA :15/02/1943,.Motion Picture Division.
75
produções como “Sangue e Areia”, “Hold back the Dawn”, “Aquela noite no Rio”,
“Agora, Voyager”, “Você nunca foi amável”115.
A Divisão Cinematográfica lançou 69 filmes para serem distribuídos para as
repúblicas americanas e 34 filmes para distribuição nos EUA, evidenciando assim o
incremento de uma política cultural tanto interna como externa. As temáticas dos filmes
tratavam sobre a produção de guerra, ciência, educação e governo, com “objetivos de
aumentar e agilizar a troca de conhecimento e entendimento mútuo entre os povos do
hemisfério. Até dezembro de 1942 os coordenadores pretendiam lançar mais 300 filmes
de curta-metragem que estariam disponíveis para uso geral”116.
Vale ressaltar que apesar da importante “ação” do OCIAA e, mais especificamente da
Divisão Cinematográfica, e a despeito do caráter assimétrico117 da relação Brasil-EUA
sem o contato, a colaboração e a cooperação do DIP, o sucesso da propaganda cultural
do OCIAA no Brasil através do cinema não teria alcançado tamanho êxito.
Evidentemente, a idéia do “mutual benefits” está presente mais como uma retórica e
não como uma prática efetiva de cooperação visando desenvolver uma indústria
cinematográfica no Brasil118. Conforme as diretrizes do “Basic Plan”: “devido ao
caráter emergencial, de longe a ênfase na interpretação dos EUA para a América latina
115 Estavam em andamento a produção de 25 filmes adicionais dentre os quais se destacam filmes considerados Classe A, pelos coordenadores como: “Por que os Sinos Dobram”, “Tropicana”, “América”, “Navio da Liberdade” e “Tampico”. CPDOC/FGV-RJ, IAA, Relatório Motion Picture Division 15/02/1943. 116 CPDOC-FGV/RJ:IAA, 4/06/1942. De acordo com o documento para divulgação imediata -Office for Emergency Management. 117 Pierre Milza Culture et relations internacionales in Relations Internationales. Apud: Lessa, op.cit:8. 118 Exceção feita ao programa mexicano de desenvolvimento da indústria cinematográfica. Este programa consistia em suprir as necessidades mexicanas através de uma ação conjunta entre OCIAA e o Comitê de Coordenação para Promoção de Indústria Cinematográfica Mexicana, através do fornecimento de equipamentos e máquinas, acompanhamento e treinamento de técnicos mexicanos por especialistas americanos e pagos pelo OCIAA; inclusive providências junto à indústria cinematográfica americana, no sentido de contribuírem para a distribuição de filmes mexicanos em outros países”..Memorandum de Francis Alstock a Rockefeller, 10/06/43, NA RG 229/99. In Pinheiro,op.cit: 55. O apoio e incentivo ao desenvolvimento da indústria cinematográfica dos países latino-americanos é negado pelo próprio Departamento de Estado através do Adviser on Political Relations with Latin América, Laurence Duggan que dava o parecer negativo às pretensões do governo brasileiro: “a qualquer espécie de assistência financeira do governo americano para compra de equipamentos e máquinas não ser possível; o caso mexicano no momento, tinha razões específicas e merecia atenção especial por parte do Departamento”. Idem,:56 -57.
76
deveria ser priorizada”119. No entanto, a produção de filmes latino-americanos deveria
ser feita pelo próprio OCIAA devido à escassez de filmes sobre os países latino-
americanos nos EUA como aponta os formuladores:
“A constatação da escassez de material cinematográfico sobre as
repúblicas americanas nos EUA se dava em função da ausência prática
de bons filmes sobre a América Latina existentes nos EUA. E tal troca
de filmes seria difícil, senão impossível, numa tela teatral por causa da
inexistência de qualque r (grifo nosso) produção cinematográfica nas
outras Américas”.120
A baixa qualidade técnica dos filmes latino-americanos, em contraposição ao alto
padrão dos filmes norte-americanos, era o argumento utilizado pelos coordenadores
como forma de justificar que caberia ao OCIAA, coordenar e produzir o que deveria ser
exibido tanto às platéias norte-americanas quanto latino-americanas:
“Ao revermos o material existente, foi descoberto que enquanto havia
uma enorme quantidade de assuntos sobre a América do Norte para
ser distribuído para as outras Repúblicas Americanas, havia uma
grande falta de bons filmes (grifo nosso) sobre a América Latina”. 121
Neste sentido, o OCIAA é o agente natural na produção dos filmes pedagógicos que
deveriam ser exibidos ao público norte-americano com o objetivo de educá-lo sobre os
aspectos geográficos e culturais dos “bons vizinhos” latino-americanos. È o OCIAA o
agente que deve suprir o mercado interno desses países com o objetivo de difundir o
119 CPDOC-FGV, IAA Relatório Motion Picture-15/02/1943:“ The Committee unanimously agreed that in view of the emergency nature of the problem by far the greatest emphasis should be placed on interpreting the United States to Latin America rather than vice versa”. 120 CPDOC-FGV, IAA idem “Conseqüentemente, os contratos eram firmados com produtores bem conhecidos, como Julian Bryan, para visitarem uma ou mais repúblicas latino-americanas e prepararem tais filmes”. 121 CPDOC-FGV Idem,15/02/1943. No que diz respeito ao nível de produção dos filmes nacionais brasileiros, observa-se através das considerações da Divisão Brasileira do OCIAA, em resposta as pretensões do Diretor de Produção da Seção de Filmes dos EUA, Kenneth Mac Gowan, ao aproveitamento de filmes brasileiros para distribuição nos EUA. A Divisão avalia o assunto da seguinte forma: “In spite of the fact that prizes were awarded by Brazilian authorities to these films, they are distinctly amateurish and would not be fair to Brazil to show these pictures at the present time; latter when a higher degree of perfection has been reached, the matter might will be considered”. (Memorandum da Divisão Brasileira a K.Mac Gowan. 20/03/42). NA RG 229/99. In: Pinheiro,op.cit:.61
77
“american way of life”, através de um dos produtos culturais que mais o representa - os
filmes – assegurando assim os investimentos empreendidos pela indústria
cinematográfica norte-americana.
Entretanto, a preocupação em não ferir as suscetibilidades nacionais das Repúblicas
americanas é determinante para a eficácia e sucesso do empreendimento. Entrar em
contato com as elites políticas e/ou culturais de cada país, para atingir os objetivos mais
emergenciais mesmo que tenham que ampliar o leque de cooperação. Para preservar os
interesses nacionais norte-americanos a cautela e observância eram imprescindíveis no
contato mais estreito com os órgãos políticos locais no momento da formulação das
propostas temáticas. As propostas temáticas buscavam “identificar culturalmente” cada
República latino-americana e desde os primeiros contatos realizados entre o DIP e o
OCIAA este determinou as bases em que deveriam assentar esta relação.
A participação do DIP e as tentativas de Lourival Fontes122 em instrumentalizar o
mutual benefits, conjugado a importância do apoio brasileiro à política externa norte-
americana com a possibilidade de beneficiar o desenvolvimento de uma propaganda
cultural brasileira cujo ator privilegiado seria o governo, é flagrante:
“Não devemos atribuir, tão só, os frutos e os resultados obtidos ao
ativo de pessoas, serviços ou organizações. A posição internacional do
Brasil, o seu prestígio crescente, o seu desenvolvimento econômico e
a sua expansão comercial e industrial, a sua obra de cooperação e
solidariedade com os outros povos, as suas bases aéreas que se
transformaram em percurso obrigatório das linhas de comunicação
entre o novo e o velho mundo, a participação na guerra e a ação contra
o inimigo, o plano de reformas sociais e políticas inaugurado pelo
122 A título de registro, cabe ressaltar os esforços de Assis Figueiredo, Coelho dos Reis e Israel Souto no tocante à aquisição de máquinas e equipamentos, através de um programa de desenvolvimento e incentivo a indústria cinematográfica brasileira, que deveria ser nos mesmos moldes do efetuado pelo México. Memorandum da Divisão Brasileira a Alstock, 19/09/42, NA RG 229/99. In Pinheiro,.op.cit: 55 -61.
78
governo, tudo isso evidentemente suscitou e deslocou para o nosso
país as atenções, o interesse e a curiosidade externa. Neste sentido,
impõe-se um esforço sistematizado, contínuo, metódico, intenso e
extenso, em todos os setores da opinião, em todas as zonas de
atividade, em todas as classes e graus da sociedade para que o Brasil
seja apercebido, sentido, materializado”123.
Entre os dias 14, 20 e 26 de agosto e 1º e 2º de setembro de 1941, contatos
significativos são realizados entre o DIP e o OCIAA. Enquanto os representantes do
OCIAA sondavam questões relativas à censura no Brasil e de que forma a propaganda
norte-americana estava sendo recebida em função da imprensa do Eixo, esta, há muito
vinha questionando a democracia norte-americana e seus agentes, sugerindo que os
EUA estariam tentando impor sua forma de governo a outros países, quer esta forma
fosse adequada ou não, Lourival Fontes percebia o quanto esse momento seria
“benéfico” para incrementar uma projeção brasileira no continente.
Visando neutralizar as propagandas do Eixo e procurando não ferir as
suscetibilidades nacionais dos países latino-americanos, o governo norte-americano, via
o OCIAA, envia a Lourival Fontes uma cópia da declaração Roosevelt-Churchill, a
qual afirmava, entre suas intenções, o reconhecimento dos EUA e Inglaterra ao direito
de toda nação em escolher sua forma de governo. O documento inicia destacando as
relações promissoras entre o grupo Disney e o DIP:
“ Fomos visitar Lourival Fontes novamente no dia 14 de agosto para
discutirmos os arranjos para o Grupo Disney. Novamente Lourival
Fontes foi bastante cordial e demonstrou grande interesse pelo projeto
Disney. Ele esta organizando um grande jantar para homenagear o
123 Carta de Lourival Fontes a Oswaldo Aranha, 17/07/1943. CPDOC/FGV-RJ.Arquivo Osvaldo Aranha .AO.
79
grupo e os detalhes da visita foram ajustados para satisfação de
todos”. 124
A seguir os interlocutores da Divisão Brasileira do OCIAA relatam a reação positiva
de Lourival Fontes ao ler a declaração Roosevelt-Curchill:
“Ele disse que acreditava se tratar de um dos mais importantes
progressos da guerra. Lourival Fontes disse que muitos brasileiros,
não o governo brasileiro, há muito questionavam o quanto de verdade
havia nessas alegações da imprensa do Eixo. Esta declaração conjunta,
segundo Lourival Fontes, esclarece o último e principal
questionamento no relacionamento Brasil-EUA e deveria estabelecer
finalmente um fundamento sólido de amizade entre os dois países. Ele
ficou muito satisfeito e entusiasmado com a declaração. Os jornais
brasileiros de hoje, conforme já mencionamos em nossas mensagens
por cabo, dedicaram um grande espaço de suas publicações para a
declaração e a receberam num espírito dos mais favoráveis”125.
No mesmo documento, os agentes do OCIAA procuram sondar o grau de
relacionamento que o Brasil mantinha com Portugal, trazendo à tona o assunto da
Missão Portuguesa que tinha ocorrido no Brasil e que causou grande euforia no circuito
oficial brasileiro126. Lourival Fontes responde que as relações entre Brasil e Portugal
seriam cada vez mais parecidas com as relações entre os EUA e a Inglaterra, embora
dentro de uma esfera mais restrita:
“Lourival Fontes diz que espera chegar a um acordo com o Escritório
de Propaganda Português através do qual aquele escritório
representaria os interesses brasileiros em Portugal, e que ele
124 CPDOC/FGV.RJ.CO-Nº.43, p.1 :IAA .Estiveram presentes no encontro, John Rose do escritório Disney, Bill Wieland da embaixada norte-americana, Berent Friele e Frank Nattier. Memorandum de 18/08/1941 de Berent Friele e Frank Nattier em atenção a Don Francisco e Mr.Jamieson coordenadores em Washington das Divisões de Rádio e Imprensa respectivamente. 125 CPDOC/FGV.RJ. IAA 18/08/1941. CO-Nº.43. 126 A Missão Portuguesa teve a frente o Embaixador Júlio Dantas e foi recepcionada pelo Ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, o Embaixador Afrânio de Mello Franco e por vários intelectuais brasileiros dentre os quais Levi Carneiro e Gustavo Barros através de sessões solenes no Salão de Conferências da Biblioteca do Itamaraty e na Academia Brasileira de Letras. BN-RJ – jornal A Manhã sob o código PR SPR 7 10/12/13/14 de agosto de 1941.
80
representaria os interesses de Portugal no Brasil... Culturalmente,
Portugal tem uma grande influência no Brasil, conforme foi mostrado
pela recepção dada a esta Missão. Politicamente, ele disse, é o Brasil
que exerce grande influência política em Portugal127. “Mais adiante
ele afirmou que a política do Brasil deve ser orientada com uma base
continental. Devido ao seu tamanho e recursos, os EUA são capazes
de tomar parte na política mundial. O Brasil não tem tal capacidade.
Qualquer que seja o curso que os EUA determine, ele disse, é possível
que este país precise do apoio do Brasil. Em seguida, Lourival Fontes
sugeriu que o Brasil poderia ser de grande ajuda aos EUA na
resolução de problemas que pudessem surgir nos Açores e nas Ilhas de
Cabo Verde”128.
A segunda reunião ocorreu em 26 de agosto de 1941 estando presentes Berent Friele,
Frank Nattier, Lourival Fontes, Assis Figueiredo, J.Whitney e o Sr.Zucchi129. Nesta
reunião, os interlocutores da Divisão de Filmes do OCIAA propõem um
relacionamento mais estreito e de mútuo reconhecimento entre os dois países:
“A reunião inicia com J.Whitney enfatizando que graças à divisão
cinematográfica do OCIAA, o povo brasileiro tem uma visão bem
melhor dos EUA do que este último tem do Brasil, e que ele estaria no
Brasil para buscar melhores formas de mudar esta situação.
Acreditando que a divisão cinematográfica, é a forma mais difundida
da educação visual, em função de oferecer os meios mais atraentes
para alcançar este objetivo, Whitney propõe a Lourival Fontes que
qualquer sugestão seria bem vinda no sentido de minimizar tal
127 A preocupação dos representantes do OCIAA não era sem fundamento. Os artigos publicados pelo jornal A Manhã durante todo o período de permanência da Missão Portuguesa no Brasil, foi destaque em várias seções do jornal. Na seção de comemoração, João do Rio (Paulo Barreto) foi lembrado como um defensor de um relacionamento mais estreito entre Brasil e Portugal. Ver BN-RJ, jornal A Manhã sob o código PR SPR 7 18/08/1941. Atestamos contatos mais significativos e promissores não somente na esfera das relações culturais como no âmbito militar entre Brasil e Portugal, através da nota publicada pelo jornal do Comandante Vasco Lopes Alves, representante da Missão Militar Lusitana: “Brasil e Portugal devem constituir um poderoso bloco que não será determinado apenas por motivos egoístas da defesa de mútuos interesses nacionais, mas por altas razões universais e humanas”. Idem: A Manhã 14/08/1941. 128 CPDOC/FGV-RJ:IAA..Memo nº43. 18/08/1941. 129 CPDOC/FGV –RJ:IAA, Memorandum CO-No.61 de 2/09/1941. Berent Friele e Frank Nattier ao Coordenador Mr. Francisco. Subject: “Visit with Dr.Lourival Fontes”, August 26.
81
problema. E apresenta a Lourival Fontes uma lista de perguntas130 que
ele havia preparado com este objetivo em mente”.
Ao falar sobre a censura, Lourival Fontes disse que havia sido necessário a proibição
de apenas alguns filmes, provavelmente não mais do que cinco ou seis ao longo dos seis
anos de funcionamento do DIP. Em seguida foram apresentados três tipos de filmes que
seriam proibidos de exibição no país:
“ 1. Filmes que degradassem um governo estrangeiro ou chefe de
Estado de um país com o qual o Brasil mantivesse um relacionamento
amigável. Devido aos filmes ocasionarem reclamações por parte das
representações diplomáticas dos países afetados, e o problema
causado pode ser evitado com a proibição da exibição do filme.
Lourival afirma que o Brasil é um país neutro, e assim deve ser, pois
ele ainda não se igualava a Europa industrialmente, e sua política em
relação a países beligerantes é determinada de acordo com a situação.
2. Filmes que violam o código moral do povo brasileiro. Mencionando
que alguns filmes são liberados pelo censor, mas proibidos a menores
quando forem inadequados para as crianças mas não por
apresentarem outro motivo. 3. Filmes que denigram o sistema de
governo brasileiro e/ou oficiais do governo brasileiro. Ressaltando que
não haveria qualquer objeção ao uso da palavra democracia. No
entanto, um filme que fale sobre democracia de tal forma que propicie
reflexões desfavoráveis ao sistema de governo brasileiro não seria
permitido” 131.
Entretanto, Lourival Fontes observou que a censura havia se tornado mais branda e
que no momento, filmes anteriormente censurados poderiam dentro de dois meses ou
130 Cabe registrar que a lista de perguntas é apenas citada no documento. Neste sentido, não podemos definir sobre que bases assentavam tal proposta. Entretanto, como este documento relata a reunião do dia 26/08, atesta-se que Lourival Fontes foi quem tomou a iniciativa das melhores sugestões temáticas que deveriam ser incorporadas à produção dos filmes brasileiros para que o público norte-americano conhecesse mais o Brasil. No documento Lourival Fontes sugere três tipos de filmes: 1- noticiários sobre assuntos atuais e personalidades; 2- panoramas ou filmes de viagem; 3- filmes sobre assuntos e figuras históricos. Como exemplo do último filme, Lourival Fontes sugeriu uma estória (termo utilizado pelos interlocutores do OCIAA) sobre a vida de D.Pedro II. A título de destaque, o documento registra que Lourival Fontes iniciou a reunião falando em francês. Cf. CPDOC/FGV-RJ. IAA Memo 2/09/1941. 131 Cf. CPDOC/FGV-RJ – IAA Memo CO-Nº 61- 02/09/1941.
82
mais serem exibidos. Do ponto de vista técnico Lourival Fontes embora concordando
com a idéia de incentivo à produção nacional, acreditava que devido à superioridade
técnica norte-americana seria mais eficaz que a filmagem fosse feita por uma equipe
desse país que treinaria técnicos brasileiros. Ao fim dessa importante reunião entre os
representantes do DIP e do OCIAA e após a anuência de John Whitney à proposta de
Lourival Fontes, este reitera cooperação dos serviços do DIP e que um brasileiro fosse
enviado pelo DIP a Hollywood132 como conselheiro pois :
“ o povo brasileiro se mostra sensível ao falar do seu país e se sente
ofendido por filmes que façam troça do Brasil ou que enfatizem os
aspectos desfavoráveis do país”. 133
Em 1º de setembro de 1941, Lourival Fontes reponde a John Whitney acrescentando
tanto sugestões temáticas nacionais que deveriam ser incorporadas aos filmes
brasileiros, através de um trabalho de cooperação, como informações em relação à
censura no Brasil. O longo documento transcrito abaixo atesta como algumas dentre as
várias propostas temáticas do DIP serão utilizadas, sobretudo, pelo projeto Disney, que
trabalhou em conjunto com o OCIAA a partir de 1942:
“1. O que mais nos agradaria seriam filmes produzidos sobre assuntos
brasileiros, nos EUA ou no Brasil, com artistas americanos e, quando
possível, com o emprego de alguns elementos brasileiros. A principal fonte a
explorar, nesse terreno, seriam os episódios ligados a nossa história, como
por exemplo, a epopéia dos Bandeirantes, os episódios da catequese pelos
jesuítas as lutas da independência, (como a Inconfidência Mineira), os
132 Em fevereiro de 1942, o ex-Diretor da Divisão de Rádio do DIP, Júlio Barata que pedindo demissão de seu cargo e indicado pelo próprio Lourival Fontes, chefia um grupo de brasileiros que irão trabalhar nos escritórios do OCIAA, em Washington. O OCIAA por sua vez, envia ao Rio em 1941, William Murray para permanecer por seis meses e ajudar nos projetos de produção de noticiários e curtas-metragens atendendo a dois objetivos simultâneos - os pedidos de treinar técnicos brasileiros pelo DIP e às necessidades do OCIAA em manter o público norte-americano atualizado com os acontecimentos que ocorriam no Brasil. CPDOC/FGV-RJ, 1941 Confidential Memo for Coordinator Committees. “Activities of the Motion Picture Division OCIAA”. 133 CPDOC/FGV-RJ, IAA 2/09/1941, documento intitulado: Visit with Dr. Lourival Fontes, August 26.
83
episódios da corte de D.João VI, de D.Pedro I e D.Pedro II, que põem em
relevo o espírito nacional brasileiro.
2. Os artistas dos EUA são os mais populares, entre os que o público
brasileiro admira. A gradação dessa admiração é, mais ou menos, a mesma
do público dos EUA. Entre os artistas nacionais recomendar-se-ia o
aproveitamento de algumas figuras mais ou menos familiarizadas com o
idioma inglês e de categoria artística reconhecida, como Dulcina de Morais,
Sonia Oiticica, Bibi Ferreira, Sady Cabral.
3. Existem no Brasil várias organizações dedicadas à produção de jornais,
sobressaindo entre estas as seguintes: Cinédia, Filmoteca Cultural, Botelho
Film e o próprio DIP, que edita o Cine – Jornal Brasileiro..
1.Seria muito fácil estabelecer a base de uma permuta de jornais e filmes
naturais, sobretudo objetivando essa permuta o recebimento, no Brasil, de
negativos de filmes culturais ou geográficos. O DIP poderia estabelecer essa
permuta, fornecendo as Companhias americanas, negativos referentes a
assuntos brasileiros, selecionados entre os melhores. Entretanto, seria
preferível que as companhias americanas mandarem seus próprios
operadores ao Brasil, como, aliás, já esta acontecendo.
1. A Censura é exercida da maneira mais benévola possível. São raros os
casos de interdição de filmes. Os casos de censura previstos em lei dizem
respeito134:
a) filmes que incitem à rebelião das massas, ao desrespeito às
autoridades, á greve ou ao terrorismo e sabotagem;
134 No tocante à censura e/ou proibição da circulação de filmes no Brasil, produzidos pela Alemanha, Chekoslováquia, Itália e Polônia através da atuação do DIP, este se mostrou eficaz. A partir de 1942, não existia a circulação desses filmes no circuito brasileiro, havendo um consenso entre DIP e OCIAA. Cf. Memorando da Divisão Brasileira IAA 21/06/41. Entretanto, as críticas ao famoso discurso anti-fascista de Chaplin em The Great Dictator, não foram bem recebidas pelo DIP através do Major Coelho dos Reais: “que inclusive, chegou a ameaçar o cancelamento da licença da United Artists no Brasil a menos que suas instruções fossem acatadas”. Memorandum de W.Murray a Alstock, 21/08/42, NA RG 229/99 in Pinheiro, op.cit:.51. Este incidente poderia causar inflexões nas relações Brasil-EUA devido ao antagonismo dos regimes políticos entre os dois países. A importância do filme em defender e propagar os ideais democráticos estava em perfeita consonância aos interesses emergenciais norte-americanos e foi objeto de atenção por parte do Departamento de Estado através dos telegramas do Sub-Secretário Summer Welles a Berent Friele, Rockefeller e Francis Alstock (chefe atual da Divisão Cinematográfica substituindo Whitney após a sua entrada na guerra, como capitão junto ao comando da Inteligência da Força Aérea em 4 de junho de 1942) . No entanto, a questão foi encaminhada pela liberação de sua exibição, sem cortes, desde que suprimidas as legendas que o governo brasileiro considerasse inapropriadas. CPDOC/FGV-RJ, IAA Telegramas 13 e 14/10/1942. Departamento de Estado DE. .
84
b) os que contém insulto a chefes de Estado estrangeiros e a credos
religiosos, ou que constituam ofensas aos sentimentos nacionais;
c) os que induzam ao desregramento e à dissolução social.
2. O público brasileiro se interessa grandemente pelos filmes de
reconstituição histórica e pelas películas culturais, como os “tapetes
mágicos” e “Viagens” de Fitzpatrick, etc.
3. Todos os filmes de caráter construtivo, todas as películas de fundo
educativo, que divirtam e contribuam para a elevação do nível cultural
das massas, serão apreciadas preferencialmente pelo governo brasileiro;
4. O DIP, como órgão do governo, dará todas as facilidades para o
estabelecimento de um intercâmbio nesse sentido;
5. Nesse particular, possuímos um vasto campo a explorar. Acredito que
seriam interessantes:
a) Filmes sobre as grandes quedas d’água do Brasil, como Iguassú,
Avanhandava e Paulo Afonso;
b) Filmes sobre a região amazônica: rios, fauna e flora;
c) A extração do quartzo, em Minas Gerais (material estratégico de que
o Brasil é o maior e quase o único produtor mundial);
d) Experiências brasileiras sobre o ofidismo e o Instituto Butantan;
e) O Instituto de Manguinhos, grande centro de estudos de moléstias
tropicais, mantido pelo governo brasileiro;
f) A arte religiosa colonial de Minas Gerais e obras do Aleijadinho;
g) O problema das secas do Nordeste brasileiro e as grandes obras
realizadas para combatê-las;
h) A extração da cera de carnaúba (de tão grande emprego na
indústria americana) nas regiões do Nordeste;
i) A vida dos jangadeiros;
j) A vida dos “gaúchos” nas fazendas do Rio Grande do Sul;
k) As lavras diamantíferas de Minas Gerais e Mato Grosso;
l) A lavra do ouro e as minas (São João Del Rey, Mining Co., Morro
Velho, etc.); e uma infinidade de outros temas que, de certo, despertariam
a atenção do público de qualquer latitude, através de uma boa
apresentação artística.
85
12. Com o máximo interesse, uma vez que esses filmes fixam problemas de
real importância e ligado à defesa comum das Américas.”135
No documento de 2 de setembro de 1941, da Divisão Brasileira do OCIAA para
Don Francisco, coordenador da Divisão de Rádio do Departamento de Comunicação
em Washington, J.Whitney expõe a Lourival Fontes, os problemas para a
implementação de uma cooperação cinematográfica efetiva entre os dois países. As
bases desse relacionamento, ou seja, o “mutual benefits”, somente ocorreria “sob certas
condições”. Segundo Whitney: “um dos problemas que poderá surgir com a Divisão
Cinematográfica norte-americana será o de assegurar e convencer a indústria que esta
não será prejudicada com o programa”136. Procurando assegurar os interesses da
indústria cinematográfica norte-americana, Whitney sonda Lourival Fontes sobre qual
seria o tipo de “concessão” que o governo brasileiro estaria disposto a fazer para a
implementação efetiva do programa levantando:
“o problema referente à lei brasileira, na qual estabelecia que 10% do
total de filmes exibidos por companhias estrangeiras no Brasil,
deveriam exibir em seus próprios países, filmes referentes ao
Brasil”137.
Em resposta, Lourival Fontes afirma que:
“tal lei não estava mais em vigor, já que seus objetivos foram
alcançados mais por cooperação do que por coerção. E que ele poderia
conseguir um decreto com o presidente revogando a lei a qualquer
momento, o que foi sugerido por Whitney que tal procedimento seria
135 CPDOC/FGV-RJ, IAA 1/09/1941 C-284. p.4 136 “stated that one of the problems in the Motion Picture Division Program was to secure the cooperation of the United States Movie Industry and to convince the industry that it will not be injured by the program”. CPDOC/FGV-RJ, IAA: 2/09/1941. Co-Nº61 p.2. 137 Idem. P.3
86
bastante eficiente como um gesto de cooperação do governo
brasileiro”138.
Além do empenho político do DIP, seu representante multiplica as ações que
garantem o sucesso da cooperação entre o OCIAA e o DIP. Assim, Lourival Fontes
segue se oferecendo para levar Whitney a um dos mais influentes estúdios do Rio afim
de mostrar- lhe o trabalho então desenvolvido. Whitney menciona também o problema
do imposto que o governo brasileiro tem cobrado pela remessa de valores que as
companhias de filmes locais têm feito para os produtores nos EUA. Neste ponto,
Lourival Fontes confessa não ter nenhuma informação sobre o assunto mas promete
providenciar uma solução favorável.
Sendo assim, uma cooperação mais estreita entre os dois países deveria ocorrer sob
certas “condições” que não afetassem os “interesses” do governo norte-americano em
assegurar lucros ao setor privado nacional, no caso a indústria cinematográfica. Por sua
vez, o governo brasileiro se esforça em proteger e desenvolver a indústria
cinematográfica brasileira. Portanto as propostas do DIP irão servir de material ao
“Projeto Disney” que trabalhou em conjunto com o OCIAA na produção139 de filmes
educativos, em meados de 1942, no Brasil. Aparentemente o sucesso alcançado pelo
projeto Disney no Brasil teve como um dos condicionantes os contatos realizados entre
o DIP e o OCIAA neste período. Assim sendo, um dos projetos mais bem sucedidos, o
filme Alô Amigos140, expressa as bases de um relacionamento mais estreito de
cooperação refletindo uma “troca mútua de interesses” entre governos. Pois do lado
138 Lourival Fontes enfatiza que graças a lei que determinava aos cinemas brasileiros exibir um certo número de filmes brasileiros, foi possível desenvolver a indústria cinematográfica no Brasil. CPDOC/FGV-RJ IAA 02/09/1941 Memo: CO-N°61.p.2 139 “O Projeto Disney foi financiado pelo plano de garantia contra-perdas. O Escritório do Coordenador adiantou 70.000 dólares por conta do tour, que foi provavelmente a mais bem sucedida aventura de boa-vontade jamais feita e entrou com uma garantia de 150.000 dólares contra-perdas numa série de 12 assuntos”. CPDOC/FGV-RJ IAA Relatório CIAA: Motion Picture Division 15/02/1943. 140 O sucesso e o conteúdo do filme serão analisados nas duas seções seguintes.
87
norte-americano, o filme atendeu às formulações do “Basic Plan” em colocar na prática
a vaga “noção” de “bom vizinho” na medida em que educou o povo norte-americano em
relação aos vizinhos sul-americanos e contribuiu também com a propaganda nacional
interna do “american way of life”, visto que os filmes eram exibidos simultaneamente
nos dois países. Serviu também como elemento diferenciador em relação as
Kulturpolitics européias e, principalmente, como um veículo estratégico de não
descortinar interesses norte-americanos mais amplos no continente, conforme as
formulações do “Basic Plan”.
Do ponto de vista brasileiro, o filme evidenciou as pretensões do governo de garantir
uma propaganda política para o estrangeiro com o intuito de obter um maior prestígio e
influência continental. Como internamente o filme incrementou o próprio projeto
político brasileiro de (re)construção nacional, em pleno desenvolvimento, veiculado por
símbolos nacionais representados na música, aspectos geográficos e personagens como
ao mesmo tempo, contribui através da mensagem veiculada de amizade e cordialidade
entre brasileiros e norte-americanos lograr uma propaganda positiva em prol de uma
aproximação mais estreita com o Tio Sam.
2.3 Canal de Difusão – o jornal A Manhã –
Um dos maiores êxitos do projeto Disney no Brasil foi sem dúvida à realização e
exibição do filme “Saludos”. Isto porque este filme atendeu, ao mesmo tempo, aos
objetivos comerciais do OCIAA e serviu como instrumento eficiente da propaganda
pan-americanista. O sucesso do filme é relatado em 4/09/1942 através da Divisão
88
Brasileira do OCIAA, ao coordenador da Divisão Cinematográfica, Francis Alstock,
em Washington, da seguinte forma:
“Depois de retornar ao Rio de Janeiro de Washington, Berent Friele foi
assistir ao filme “Saludos”, em companhia do Presidente Vargas e seus
familiares no Palácio da Guanabara. Dr. Assis Figueredo do DIP, ficou tão
entusiasmado em assistir que assegurou que o filme seria um grande
sucesso, a família do Presidente e um grupo de amigos também gostaram
muito.
O filme do Walt Disney no Rio esta entrando na sua segunda semana e
tem alcançado grande nível de popularidade nos famosos circuitos de teatros
como o Vital Ramos de Castro e em cinco diferentes salas de exibição: Plaza,
Parisiense, Ritz, Olinda e Astória.
Dizer que a reação foi sensacional é pouco, a julgar pela onda de aplausos
no final do filme, em todas os cinco cinemas espalhados por diferentes partes
da cidade. A seqüência brasileira foi tão bem feita e o final tão perfeito que
mesmo que um rabugento quisesse reclamar que alguma coisa havia sido
exagerada ou não verdadeira, não há nada para a qual ele pudesse apontar.
Devido ao fato de que o tempo de exibição do filme é de apenas 45 minutos, e
seguindo o padrão de dar ao público uma exibição de duas horas, muito dos
cinemas estavam exibindo um outro filme da Disney, que foi necessário
cortar os curta metragens e encurtar o programa que era geralmente de 2
horas para 1:30.
Bruno Chilli da RKO Pictures fez um belo trabalho de promoção do filme.
Todos os jornais, em troca de anúncios habituais, deram resmas e resmas de
publicidade tanto antes como durante a exibição do filme. Além disso, um
lindo pôster colorido de duas folhas foi espalhado por toda cidade.
Um outro tipo de promoção talvez usado no Rio pela primeira vez foi mandar
um cartão postal como o que vai em anexo para uma longa lista de pessoas
via correio. Nada deixou de ser feito e se os cinemas não estão lotados com
antecedência, não há dúvida de que este filme tremendamente popular
poderia ficar três ou possivelmente quatro semanas com filas de espera.
89
A RKO e todos acham que a Walt Disney fez um excelente trabalho com este
filme no sentido de consolidar as relações cordiais entre os dois países. É
geral o sentimento de que mais filmes seguindo esta linha irão desvendar
para os Norte-Americanos este belo país abaixo do Rio Grande”.141
Antes da estréia de Saludos no Brasil, Walt Disney já desfrutava um ambiente
favorável e receptivo dentre alguns dos intelectuais que atuavam como “formadores de
opinião” da nova edição do Jornal “A Manhã”, em 9/08/1941.142 Desde a “premiére” de
seu filme Fantasia em 25/08/1941143, a opinião de alguns desses intelectuais foi
impressa pela nova edição do jornal através da matéria: “Primeira projeção no Brasil do
primoroso trabalho de Walt Disney – Fantasia- está desde já destinada a ruidoso
sucesso”. A opinião positiva de Peregrino Júnior, Raimundo Magalhães e Nóbrega da
Cunha são publicadas respectivamente:
“Walt Disney, esse poderoso criador de uma humanidade nova no
cinema, trouxe para a tela duas contribuições importantíssimas: a
poesia e o maravilhoso. Criou com o desenho animado uma
humanidade super humana no cinema e foi essa a maior revelação da
arte cinematográfica do nosso tempo.”
“Tudo quanto eu possa dizer sobre Walt Disney não será mais do que
repetição do que mesmo e tantos outros já escreveram. Todos os
adjetivos parecem gastos e insonoros, quando aplicados a ele, que é
um inovador por excelência. “Fantasia” representa uma invasão de
fronteiras um extravasamento do mundo do desenho animado para o
mundo da música sinfônica. Walt Disney prova ser um orquestrador
141 CPDOC/FGV-RJ. IAA Cf. Memo Co nº 1810 de 04/09/42. 142 O Jornal A Manhã começa a circular no Rio de Janeiro entre 1935 até 1937. A partir de agosto de 1941, é reeditado a nível nacional sob a direção de Cassiano Ricardo. BN-RJ cód. PR SPR 7. Seção de Periódicos. 143 A “premiére” foi patrocinada pela Srª Darcy Vargas e promovida pela Srª Adalgisa fontes, esposa de Lourival Fontes. A renda do primeiro espetáculo no Rio foi reservada a instituição beneficiente “Cidade das Meninas” . BN-RJ código Pr SPR 7 Jornal A Manhã 16/08/1941.
90
com a força de Stokowiski, um contrapartida do colorido, um
compositor de imagens capazes de acompanhar as audácias líricas de
Stravinsky e de Dukas. Vi “Fantasia” e posso dizer que sentados na
platéia os cegos verão, verão, através da música, a festa das suas
imagens, a torrente de sons desse maravilhoso concerto.”
“Walt Disney não inventou o desenho animado. Já o encontrou criado
e aperfeiçoado pro outros. Deu- lhe, entretanto: vida, pois suas figuras
não se movem somente: vivem, embora ilusoriamente na tela. Suas
composições coloridas são verdadeiras obras primas que ficarão
encantando a humanidade pelos séculos em fôra, porque, como notou
com absoluta segurança o Ministro Osvaldo Aranha, em opinião já
divulgada, o seu gênio é igual ao de Esop, Phoedro e La Fontaine,
creadores de fábulas imperecíveis.”144
A incumbência na escolha do diretor da nova edição do “A Manhã” foi destinada ao
coronel Luiz Carlos da Costa Neto, superintendente das Empresas Incorporadas ao
Patrimônio da União, que tomando as providências necessárias indicou o nome de
Cassiano Ricardo para ser o novo diretor da nova edição. Coube a Cassiano Ricardo dar
ao jornal uma dupla função: como porta-voz didático e veículo doutrinador do projeto
nacional do governo:
“ O Jornal A Manhã não se contenta em ser um mero jornal, no
sentido de “mais um jornal”. Ele quer ser um novo órgão da imprensa
pela sua amplitude nacional, uma vez que o será para o todo: pela sua
feição própria, do ponto de vista técnico: e pelo seu espírito, por ter
uma razão doutrinária que lhe justifica o aparecimento. Do ponto de
vista espiritual, será o seu roteiro uma fixação de atitude diante dos
problemas que tecem o destino da cultura e da civilização dentro da
144 BN-RJ sob o código PR SPR 7 A Manhã. 12/08/1941.Em 13/08/1941 o A Manhã publica: O maior dos poetas: Nossos brilhantes colegas do Diário da Noite resolveram proceder a um inquérito entre os homens de letras do Brasil, para saber que conceito têm eles do grande artista do desenho animado. Assim Manuel Bandeira, o grande poeta de “Carnaval” e de “Estrela da Manhã”, pronunciou-se por esta forma sobre Disney: “ Nos desenhos animados de Walt Disney é que se encontra hoje a maior poesia”. Alceu Amoroso Lima depõe: “ Walt Disney rejuvenesce os adultos”. Múcio Leão o definiu como sendo o “maior poeta do mundo contemporâneo”. Idem, PR SPR 7 A Manhã.
91
área onde as sugestões de que for capaz – tanto as intelectuais como as
emotivas – deverão atuar com maior eficiência.
Cabe-lhe: ainda, outro papel, e esse de grande sentido doutrinário.
Será o de colaborar na formação da consciência brasileira, na defesa
do nosso sistema de vida e no combate às ideologias malsãs e
forasteiras que pretendem violentar a índole do nosso povo”. 145
O jornal contava com o reforço e a colaboração de intelectuais como Múcio Leão,
orientador do suplemento inédito Autores e Livros, Ribeiro Couto, coordenador do
suplemento Pensamento da América, Viriato Corrêa, Alcides Maia, Tristão de Ataíde,
Oswaldo Orico, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes e José Lins do Rego. Logo na
estréia do jornal, Cassiano Ricardo ressalta o importante “papel” desses intelectuais na
estratégia de articulação do projeto político cultural do Estado Novo:
“Pela primeira vez se dá, no Brasil, ao exercício da inteligência a alta
significação que ele deve ter. Enquanto que, no velho regime liberal e
difuso a inteligência era tida como uma força dissociada do Estado e
inimiga da ordem dando margem aos “hábitos do intelectualismo
ocioso e parasitário”, o que sucede, agora, é coisa inteiramente
diversa. O Jornal passou a ser uma função pública. Pouco importa,
pelo costume dos exames superficiais, haja quem confunda o nosso
atual regime com alguns regimes autocráticos em voga. A confusão,
neste caso, não recomenda a cultura nem a inteligência dos
respectivos confucionistas. A missão do Estado moderno – sabem-no
todos – não é tornar os homens mais livres senão mais felizes. E até
uma possível discrepância, que tanto, se tem querido desvirtuar, entre
o novo tipo de Estado brasileiro e os demais Estados americanos
decorrerá menos de suas características formais do que das
peculiaridades inerentes ao nosso estilo de convivência humana.
O objetivo principal de “A Manhã” é trabalhar por essa obra de
confraternização brasileira e espelhar os fastos deste instante emotivo
145 BN-RJ código PR SPR 7 A Manhã 9/08/1941. Seção de Acervo de Periódicos.
92
e criador. O seu rumo esta, assim, definido: ela pretende ser o
pensamento brasileiro em função dos novos ideais de nacionalidade.
No mundo moderno, trabalhado pela lição da angústia, não há espaço
para os que deixaram de optar. Um jornal que surja como produto de
tal inquietude que, lúcida, toca as raízes mais íntimas do nosso
processo de evolução, terá que ser um instrumento coordenador das
novas idéias, no dinamismo da coletividade.”146
Assuntos dos mais variados interesses compreendiam todos os ângulos da vida
brasileira, matérias sobre temas trabalhistas, jurídicos, sociais, políticos, educacionais,
cinema, rádio, teatro, artes e ciências compunham as colunas: “Palavras ao
Trabalhador”, “Professores e Estudantes”, “Perguntas Brasileiras” e o Suplemento
“Juvenil”. A nova edição do “A Manhã” publicou o suplemento semanal intitulado
“Pensamento da América” que tinha o objetivo divulgar os valores literários e artísticos
dos demais povos do continente. O suplemento tinha à frente Ribeiro Couto, membro
da Academia Brasileira de Letras, que anunciava a proposta do suplemento147:
“Houve tempo – ainda em nossos dias – em que reinava nos países do
Novo Mundo um certo separatismo de ordem moral e política;
procurava-se opor à América inglesa à América Espanhola, assim
como esta ou aquela (ou ambas) – à América portuguesa. A lição da
hora presente é outra. Qualquer que seja a sua origem étnica e
qualquer que seja a forma das instituições de cada povo – há uma
unidade americana.
Essa convicção não é só dos governos: é das multidões. Trata-se de
nações ricas e poderosas, trata-se de nações economicamente mais
modestas, por toda parte o cidadão destes países se sente pertencer a
uma só família humana.
146 BN-RJ - PR SPR-7 A Manhã 9/08/1941. 147 Como proposta para contribuir aos pesquisadores de antropologia e sociologia que buscam a historicidade de suas disciplinas e como acréscimo substancial, ao estudo sobre a história do Brasil, através de uma cultura histórica nacional construída durante o Estado Novo, destacamos o livro História e Historiadores, de Ângela de Castro Gomes. A historiadora elege como fonte de análise o suplemento Autores e Livros, do Jornal A Manhã e a revista mensal, Cultura Política, publicada pelo DIP, ambos circulando entre 1941 e 1945.
93
A Essa consciência histórica e geográfica deve corresponder um
interesse profundo pelo que estamos realizando, em todo o continente,
nas letras e nas artes.
Assim, vem sucedendo, por exemplo, na Argentina, cujos maiores
jornais e magazines dedicam freqüentemente algumas páginas à
produção intelectual dos países vizinhos. Assim esta sucedendo
igualmente nos EUA; cujas esplêndidas universidades tem cátedras
especializadas, de língua e literatura dos países ibero-americanos.
Para a obra de mútuo conhecimento dos valores intelectuais do
continente o A Manhã deseja contribuir. Desde a poesia – gênero cuja
transposição noutras línguas oferece tantas dificuldades – até a
história e a etnografia, passando pela novela e pela crítica, este
suplemento publicará trabalhos de autores continentais,
cuidadosamente traduzidos por escritores brasileiros.
Procurará também divulgar a obra de pintores, escultores, arquitetos e
outros artistas do Novo Mundo. Dedicar-se-á, em suma, a tudo que
possa valer como revelação da riqueza espiritual da família americana,
de cuja força e de cuja originalidade se pode dizer que já constituem
as linhas mestras de uma civilização própria”148.
Vários escritores, poetas e ensaístas latino-americanos e americanos eram publicados
sob forma de resenhas e artigos, da mesma forma que poetas estrangeiros eram
difundidos, como os poemas de Archibald Mac Leish, diretor da Biblioteca do
Congresso de Washington, então traduzidos por Manuel Bandeira e os de Pablo Neruda
apresentados através das resenhas do filólogo espanhol Amando Alonso.
Escritores como Vitor Londono (colombiano), Gonzáles Carvalho (argentino), Pablo
Rojas (venezuelano) e Rafael de La Fuente (peruano) foram apresentados por resenhas
assinadas por Gilberto Freire. Artigos publicados pela The Hispanic American
148 Cf. Jornal A Manhã PR SPR 7 9/08/1941.
94
Historical Review nos EUA, sobre assuntos relativos a história da América Espanhola e
Portuguesa também compunham o Suplemento.
Por sua vez, a história brasileira era apresentada sob a perspectiva da história política
tradicional através da seleção dos principais fatos e acontecimentos publicados sob
forma de textos que englobava uma boa parte das páginas do Suplemento “Pensamento
da América”. Atendendo aos objetivos pedagógicos do projeto político do governo de
construir o passado através da “tradição” selecionando o quê e de que forma deveria ser
lembrada a história nacional. Dentre os princ ipais acontecimentos históricos a herança
portuguesa, desde a chegada da família real ao Brasil e a política exterior do Império
tinha destaque nas páginas do Suplemento. Como pode ser constatado pelo texto
publicado no primeiro número do suplemento Pensamento da América, intitulado,
“Lord Strangford e D.João VI”.149
Em 1º/01/1942, antes da entrada do Brasil na Segunda Guerra, o “A Manhã” publica
na coluna “especialmente”150 reservada à propaganda das principais “metas e diretrizes”
do projeto político do Estado Novo, as concepções de Menotti Del Picchia sobre a
defesa e legitimidade dos ideais pan-americanistas, através da matéria intitulada,
“Americanismo uma Ideologia”:
“Se quiser enquadrar a guerra entre dois pólos ideológicos, cujos
destinos se resolveu na ensaguentada neve da Rússia, restringindo o
duelo à luta mortal entre dois extremos teremos excluído do quadro a
mais jovem e vitoriosa força, a que fatalmente triunfará e que se
exprime por uma terceira ideologia: a do sentido americano da vida.
Há tempos, no movimento cívico e cultural realizado em São Paulo e
animado pelos fulgurantes nomes de Cassiano Ricardo, Motta Filho,
149 Idem A Manhã 12/08/1941. 150 A partir da extensa pesquisa levada a cabo nos inúmeros periódicos do “A Manhã”, constatou-se que o espaço onde se concentrava mais fortemente a propaganda política do governo era sempre na quarta e/ou quinta página do jornal.
95
do pranteado Alcântara Machado e de outros, batíamo-nos por uma
concepção nova de vida que transbordava das fronteiras extremistas
da direita e da esquerda, e também do demagogismo em que
superfectaram os excessos do liberalismo que viciava o conceito
meramente formal de democracia... O “americanismo”, como
concepção ideológica, nutre-se de um conceito altamente cristão da
convivência humana, dentro do qual não cabem, ódios de raça, lutas
de credo, prevenções de origem. É a realização da “democracia” na
fórmula mais alta e mais bela da fraternidade. É justamente esse ponto
que caracteriza e nebilita o espírito da América.
O Brasil levou para campo a sua legislação essa nobre ideologia,
através de sua avançada legislação social e dos meios de que se armou
para que a liberdade fosse uma realidade e não um fermento de
indisciplina e de turbulência. O “new deal” rooseveltiano é outro
movimento no sentido de realizar os fins cristãos e humanitários desse
impulso ideológico.”151
A edição especial comemorando o primeiro ano do jornal foi bastante significativa
constando textos que englobavam assuntos de interesse nacional e compunham de
quatro a cinco páginas “inteiras” do “A Manhã”. Textos de intelectuais que contribuíam
ativamente no jornal, alguns como coordenador de suplementos, outros como escritor
de artigo e resenhas, foram então publicados como: Gilberto Freire em “A Propósito da
Política do Brasil na América”; Cândido da Motta Filho em “Rui Barbosa, esse
desconhecido”; Renato de Almeida em “Quinze variações sobre a Música Brasileira”;
Múcio Leão em “O Roteiro de Duas Gerações”; Gustavo Barros “Esquematização da
história Militar no Brasil” (com direito a foto); Roquete Pinto “O Brasil e a Raça”;
Manuel Bandeira “As Artes Plásticas no Brasil”; Ribeiro Couto “O Brasil sua
151 BN-RJ, jornal A Manhã, código: PR SPR 7, RJ, 1º/01/1942.
96
democracia e os problemas da cooperação Intelectual” e o último de Afonso Arinos de
Mello Franco “Reflexões sobre a História do Brasil”.152
Logo após a entrada dos EUA na Segunda Guerra, o Suplemento “Pensamento da
América” publica, em 8/01/1942, matérias altamente favoráveis aos EUA através de
resenhas de livros “recentemente publicados” neste país, evidenciando o incremento de
uma propaganda nacional norte-americana. Por exemplo, a resenha assinada por
Martins Alvarez era sobre o livro “Os EUA de Ontem e de Hoje”, de Ray F. Nichols,
William C. Bagley e Charles A. Beard. O tema era sobre a história política norte-
americana sustentada pelos seus principais pilares: liberdade, fé e democracia.
Selecionamos a resenha do livro feita por Martins Alvarez, na qual sublinha o caráter
missionário dos norte-americanos:
“ Pela oportunidade que marcou o seu aparecimento no nosso
mercado livresco, poderia parecer, à primeira vista, que se trata de um
livro de propaganda. Isso, porém, não passa de mera coincidência.
Quem conhece “Os Estados Unidos de Ontem e de Hoje” sabe que
está em face de um trabalho honesto onde a sinceridade caminha de
braço dado com a análise desapaixonada dos fatos e a lógica das
conseqüências se impõe, desafiando a argúcia dos sofistas.
Desde o drama das suas origens, em que as dificuldades ambientais
são vencidas pacientemente pela bravura, resistência e tenacidade dos
seus primeiros povoadores, até a vitória definitiva das 13 colônias que
empenharam as rédeas de seu destino, compreendemos que não vamos
assistir as aventuras de um menino prodígio.
E o “pacto do Mayflower”,considerado a primeira constituição escrita
no mundo, vem reforçar a nossa convicção de que unido pelo bem
comum vai ser o facho da vitória da grande nação setentrional do
continente.
152 BN-RJ, jornal A Manhã, código PR SPR 7, 9/08/1942.
97
Não é possível ser, mais altruísta e mais empreendedor do que esse
povo descendente de peregrinos fanáticos de caracteres de bronze, que
para torcerem a vergontea de uma idéia religiosa preferiram vencer os
mares, dominar as selvas, lançar à aventura o destino, a tranqüilidade,
a paz, a felicidade.
Se não fosse o ardor desse altruísmo e a impetuosidade dessa ânsia de
querer sempre, certamente não teriam construído essa pátria
extraordinária para a sua liberdade de pensamento e ação. Construídos
sobre os alicerces da fé e trabalhos dia a dia pelo estoicismo
evangélico dos seus principais colonos e eternos orientadores, os EUA
sempre tiveram uma missão a cumprir.
Por último, Martins Alvarez transcreve as considerações finais dos autores norte-
americanos:
“A missão dos EUA não é adquirir um grande império territorial
projeto que dominou certa feita o pensamento do nosso povo, e ao
qual renunciamos de uma vez em benefício da paz e da amizade com
as outras nações. Nem é aquela extravagante prosperidade e o ganhar
dinheiro que parecia constituir o objetivo da nação, em 1920. Mais do
que isso,acreditamos hoje que a missão é a de contribuir para a
civilização mundial. Num mundo que esta perdendo a fé na
democracia, a missão dos EUA é propagar a renovação da esperança
nos sólidos princípios que servem de fundamento à nossa civilização:
os governos tiram sua força do consentimento dos governados e todos
os homens são iguais no seu direito à liberdade e à justiça”.153
A campanha de lançamento do filme “Alô Amigos” foi significativa por várias
razões: pelo “apoio” do governo brasileiro, via o jornal “A Manhã” e por sua
“intensidade”. Antes da estréia em 24/08/1942 de “Alô Amigos”, cujo primeiro título
era “Alô Amigos – Aquarela do Brasil” para o público carioca, chama atenção o tipo de
“estratégia” publicitária adotada pelo “A Manhã”. Desde 6/08/1942, opiniões favoráveis
153 BN-RJ, jornal A Manhã, código PR SPR 7, RJ, 8/01/1942. Seção de Acervos de Periódicos.
98
desfilavam nas páginas do Jornal suscitando a expectativa e a curiosidade do público
leitor:
“O mais vultoso contrato que se realizou no Rio nestes últimos
tempos! –“Alô Amigos” – Aquarela do Brasil – será estreado em 5
dos maiores cinemas da Empresa V.R. Castro, sob o patrocínio da
Exmª, Senhora Darcy Vargas”. 154
Uma semana antes, o A Manhã, já preparava o terreno receptivo através da opinião
entusiasta de seus redatores, recebendo um espaço destacado no Jornal:
“Alô Amigos” – Aquarela do Brasil – É uma apoteose ao nosso país,
o nosso povo, a nossa música ... nesse filme, vemos pela primeira vez,
nossas coisas enriquecidas pelo lápis maravilhoso de Disney e pelo
colorido sem igual de suas tintas. Disney quando aqui esteve no ano
passado não escondeu o seu deslumbramento por tudo o que viu e,
prometeu, ao regressar à Hollywood tudo transportar para a tela. E a
promessa de Disney acaba de ser cumprida de uma maneira que
encherá de satisfação todos os brasileiros”155.
Entre os dias 21 e 24/08, data da estréia, o anúncio publicitário do filme era
publicado em um pequeno espaço no final da página, mas diariamente o espaço se
tornava maior chegando a constar duas vezes no mesmo periódico. Dois dias antes da
estréia, o anúncio publicitário já abarcava um espaço considerável na página do A
Manhã e no dia da estréia conquistou quase a metade de toda a página.
“Disney escolheu o Brasil para a estréia de Alô Amigos. Ao contrário
do que sempre aconteceu, um filme deixará de ser estreado nos EUA
para o ser antes no Brasil. .. Zé Carioca, o papagaio ensina a língua
brasileira aos artistas de Disney.. É o Zé Carioca que desvenda ao Pato
os mistérios do samba...”156
154 BN-RJ, Jornal A Manhã, PR SPR 7, 6/08/1942. 155 Idem, 20/08/1942. 156 BN-RJ, Jornal A Manhã código PR SPR 7, RJ, 22/08/1942. A matéria trazia foto do público na estréia do filme.
99
Na mesma semana em que o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, ocorre a
estréia de “Saludos” no Rio de Janeiro. Atendendo as expectativas, o “A Manhã”
publicou matéria intitulada “Em homenagem ao Brasil e aos brasileiros” a qual
enfatizava o forte impacto que este filme suscitou no público carioca:
“É grande o entusiasmo do nosso público pelo Zé Carioca, o “astro”
de Alô Amigos o 1º filme feito pelo grande artista sobre temas sul-
americanos. O público que enchia literalmente aquelas casas de
espetáculos, ria gostosamente com o nosso papagaio e, aplaudiu”.157
“Alô Amigos que não é filme de propaganda política, foi
aplaudidíssimo, fato extraordinário numa época em que somente os
filmes políticos tem merecido os aplausos da multidão”. 158
A propaganda do Brasil ou de produtos norte-americanos ligados ao Brasil no “A
Manhã” era bastante ampla. Assim, em número de 18/08/1942 o Jornal dedica
manchete e páginas inteiras a Bahia. A forte propaganda turística consistia em enaltecer
as belezas naturais desse estado através de fotos de várias regiões e da elaboração de um
mapa didático do estado que ocupava uma página inteira. Além da publicação dos
últimos acontecimentos políticos e sociais e da propaganda dos projetos do
desenvolvimento turístico postos em andamento no estado pelo governo federal. Neste
sentido, como o jornal A Manhã possuía uma importante função na difusão do projeto
político e cultural do governo Vargas e portanto sendo um de seus veículos
“preferenciais” de propaganda nada do que era publicado era por acaso e muito menos
uma mera coincidência. Assim o curto espaço de tempo entre a estréia do filme Alô
Amigos e a extensa propaganda dedicada à Bahia foi seguida da divulgação do filme
157 BN-RJ, Jornal A Manhã PR SPR 7, RJ, 26/08/1942. 158 Idem.
100
Você já foi a Bahia?, produto do Projeto Disney e do OCIAA, o que nos permite
relacionar a conexão e o “mútuo interesse” entre os governos envolvidos.
2.4 O Projeto Nacional Brasileiro - Entre a Tradição e a Modernidade
Como pôde ser atestado através dos documentos aqui selecionados e de uma pequena
amostragem das matérias publicadas pelo jornal A Manhã, o filme “Alô Amigos”
recebeu uma recepção altamente favorável do público brasileiro, especialmente o
carioca. Entretanto, o que permitiu essa identificação? Não é nossa proposta uma análise
detalhada do filme, porém, o trabalho segue apresentando um “esboço” de como se
encontrava o contexto brasileiro através da cultura política do período com o objetivo de
refletir sobre as seguintes questões: Como será o perfil do nacionalismo brasileiro, via
autoritarismo que buscou a sua legitimação e consolidação a partir do resgate das
“tradições” brasileiras para responder aos impasses da problemática realidade social e,
ao mesmo tempo, se apoiou na “modernidade” para responder aos objetivos e
orientações do Estado? Em suma, como será (re) construído o “novo” Estado Nacional
brasileiro?
Para alguns autores, é por volta de 1870 que se identifica na literatura brasileira
formas de se pensar e “imaginar a nação”. Entretanto, o nacionalismo com suas
diferentes formas e estilos de pensar a nação, em conexão com o Estado se desenvolve
com muito mais intensidade na Primeira República através da literatura de uma
101
expressiva intelectualidade política brasileira a qual originou um amplo debate acerca
do melhor projeto de Nação.159
O curto período do Estado Novo privilegiado neste trabalho somado a complexidade e
singularidade de então na história política brasileira nos permite estabelecer um vínculo
entre “tradição e modernidade”. Assim a “comunidade politicamente imaginada como
limitada e soberana” será “reconstruída” no Estado Novo sendo agora o “novo” Estado
Nacional. Este Estado tem doravante um papel determinante e soberano, porém
limitado, na medida em que precisa elaborar todo um aparato cultural e político para
obter a legitimidade e consolidação do “novo” Estado. É novo porque, pela primeira vez
se apresenta voltado oficialmente para as raízes da nacionalidade brasileira. Estas, por
sua vez, resgatadas através de um retorno ao passado e através das “tradições” para
então serem propagadas a partir de um amplo sistema de educação e padronização da
língua a nível nacional.
Tradições não no sentido de tradições inventadas,160 mas tradições ligadas a um
passado que faz parte de uma memória coletiva, embora “filtradas, escolhidas e
reinterpretadas” por uma certa “elite intelectual” que através da sustentação política do
Estado é mediadora entre a alta cultura e a sociedade.
O estilo e a particularidade do nacionalismo reside exatamente nas “representações”
que lhe são próprias ligadas aos artefatos culturais de um tipo associado ao parentesco e
159 Oliveira, 1990. A partir de um extenso mapeamento no campo do pensamento intelectual brasileiro, a autora aborda as diferentes concepções que permearam o amplo debate. Dentre as diferentes matrizes de modelo de civilização, francesa, inglesa e/ou norte-americana, uma expressiva intelectualidade brasileira elegia e propunha um “projeto de Nação”. Neste mosaico de diferentes estilos e nuances sobre o melhor projeto nacional observam-se influências do nacionalismo político francês, do tipo jacobino e/ou o novo nacionalismo político francês revisto e reformulado bem como, a influência federalista e progressista norte-americana presente na nossa Constituição, uma forte evidência de traços da nova roupagem ou releitura do nacionalismo cultural alemão e/ou o modelo político de monarquia inglesa. 160 Hobsbawn,1997: “as tradições inventadas são respostas a situações novas que tomam forma fazendo referência a situações e idéias antigas, sendo a “criação”, no presente, de um passado próprio através de repetições, sendo freqüentes em contextos de rápidas transformações na sociedade, quando novas circunstâncias enfraquecem ou destroem os padrões sociais correntes”.
102
religião. Neste sentido, a identidade é um objeto de construção, não sendo, porém, um
espaço de pura manipulação aleatória, na medida em que seu conteúdo é parte de um
universo cultural reconhecível e compartilhado161. Assim a família patriarcal e os
valores espirituais da colonização católica, trarão o passado para o presente, ou seja, o
passado se apresenta como “modelo” do presente, ainda que seja necessária sua
modernização, sua atualização.
A (re)construção imaginária da nação através de idéias e/ou pensamentos que
remontam a um passado cultural comum resgatado pela “tradição” que traga ao
indivíduo à vontade de pertencer e imaginar a nação tendo como suporte o Estado será
a nova nação brasileira que está sendo reconstruída e “renovada”.
O eixo que possibilita entrar em contato com o processo de (re)construção do “novo”
Estado Nacional é a conexão que se estabelece, nesse período, entre os conceitos de
cultura e política. Para Almir de Andrade, um dos principais “formuladores” e diretor da
revista Cultura Política, arcabouço doutrinário do regime, o sentido de renovação
significava :
“renovar é avançar dentro da realidade da evolução, é trazer algo de
novo que “revigora e aperfeiçoa o que existe”. É impossível viver sem
renovar; impossível renovar sem continuar; impossível continuar sem
conservar; entretanto não se pode inovar sem interromper, nem se
pode interromper, sem ferir a integridade da vida, sua continuidade
evolutiva, suas bases de sustentação, sua fortaleza, sua
espontaneidade”. 162
161 Schwartz,2002,site jboline.terra. 162 Andrade,1940.:38/39
103
Segundo Almir de Andrade a nação se definia:
“não apenas como uma fronteira geográfica, um mapa político, uma
convenção internacional, pela qual não valha a pena, sacrificar vidas,
nem empenhar responsabilidades. Uma nação é uma realidade viva, é
um núcleo de problemas sociológicos objetivos, é uma entidade
concreta e indestrutível – é, em suma, “o espírito e a organização
política de uma cultura””163.
Com relação ao papel do intelectual na construção do “novo” Estado Nacional,
Almir de Andrade reitera a importância da atuação deste como o fio condutor entre a
cultura e a política:
“Já que a cultura tem sua literatura, sua técnica, sua formação
histórica, seria natural que possuísse o seu sistema de vida política. (..)
a organização do estado é a concretização das necessidades de uma
cultura. O pensamento político é uma interpretação intelectual da vida,
gerada em contato íntimo e profundo com a vida (..) O doutrinador
político não improvisa soluções é um intérprete da cultura e das
tendências sociais, é um espelho vivo do seu meio e do seu tempo, do
sentido da evolução social: ao se integrar às correntes da vida, ele as
traduziria em ações, em decisões”.164
Por outro lado, Almir de Andrade amplia o conceito de cultura no sentido de “pensar
as diferenças” acentuando os aspectos comuns da evolução, influenciado pelos novos
estudos “interdisciplinares” norte-americanos desenvolvidos no campo das Ciências
Sociais. Para tanto ele lançou mão do conceito de cultura para formular uma
interpretação da vida social brasileira. Neste sentido, ele procurou afastar o conceito de
cultura alemão, que pretendeu dar conta da consciência de uma nação obrigada a se
perguntar sobre sua característica específica para consolidar sua fronteiras políticas.
163 Idem:.31 164 Ibidem:80
104
Sendo assim, a definição de cultura segundo Almir de Andrade, estava envolta sob o
viés das Ciências Sociais:
“a cultura é para designar tudo o que o homem produz em sociedade,
tudo o que é gerado pelo seu esforço coletivo de adaptação ao meio e
de realização das suas próprias necessidades: o estudo da cultura
abrange todos os costumes, instituições, obras de arte e de
pensamento, técnica, economia e política “específicas” de um
povo.”165
A importância da atuação de Almir de Andrade como diretor da revista Cultura
Política consiste na sua capacidade de atrair para esse projeto a convivência de
intelectuais de diferentes origens e percepções: Cassiano Ricardo, Azevedo Amaral,
Menotti Del Picchia, Mário Casasanta, Nélson Werneck Sodré, Francisco Venâncio
Filho, Jaime de Barros, José Maria Belo, Ademar Vidal, Gilberto Freire e Álvaro Vieira
Pinto. A importância desses intelectuais e suas várias vertentes é que possibilitará, ao
nível das mentalidades coletivas um papel vital na formulação das interpretações do
passado. Assim para Almir de Andrade as “tradições” estariam nas raízes culturais da
formação histórica e social brasileira:
“Na unidade da cultura, o passado e o presente se fundem, formando
um todo indissolúvel. A alma e a cultura brasileira tem um passado,
que nos mostra a sua maneira de ser, o seu espírito, as suas tendências,
as suas aspirações mais profundas. Nossas tradições nos indicam os
caminhos de hoje e os de amanhã, dos quais não é possível fugir sem
perder as nossas características. As tradições constituem uma lei
social, são, por assim dizer, uma direção histórica imanente à própria
vida social é a elas que devemos respeitar. As tradições nos mostram o
165 Através do livro Aspectos da cultura brasileira, publicado em 1939, Almir de Andrade retrata alguns aspectos da vida brasileira, a obra de aleijadinho, Carnaval, lendas do mar, cinema, rumos da Sociologia (ênfase especial em Gilberto Freire); da literatura (romance e poesia); da cultura científica (psicanálise, tuberculose, higiene alimentar, estudo de línguas). Andrade, op.cit: 91.
105
verdadeiro espírito nacional, o significado do passado e a tendência do
futuro. Sua essência está nas conexões de sentido que se vão
estabelecendo entre o novo e o antigo, entre as transformações atuais e
as causas históricas”.166
Neste sentido, a “tradição” é construída pelo esforço de recuperação de uma
“dimensão” do passado contribuindo decisivamente para a “legitimação” da autoridade
política. Para Almir de Andrade, essa “tradição” era herdeira direta do período colonial
e do “traço cultural” específico do colonizador português:
“o português veio para a América com outro espírito – mais plástico,
mais transigente, menos rígido em seus princípios, menos intolerante
na imposição dos seus costumes, mais aberto a simpatia e a influência
do meio brasileiro. Esse espírito tornou possível essa mistura de
elementos de cultura negra e de cultura indígena, que é tão poderosa
na vida brasileira, e sem a qual toda a nossa história e toda a nossa
fisionomia social não teriam sentido”. 167
Entretanto, Almir de Andrade não tenciona discutir até que ponto essa “mentalidade”
é benéfica e/ou até prejudicial na formação social brasileira porque para o formulador:
“Sem dúvida, no estado atual do mundo, quando necessidades novas
exigem das nações um espírito de luta, de sacrifício e de heroísmo,
para não perecer nas guerras de conquista, o espírito contemporizador
e plástico, o “espírito cordial” do homem brasileiro, tão bem definido
por Sérgio Buarque de Holanda, possui aspectos bastante
desvantajosos para nós. Mas o período de lutas em que vivemos é um
período de transição. A evolução futura do mundo nos reserva
acontecimentos extraordinários. E talvez essas circunstâncias
peculiares da nossa formação nos tragam futuramente benefícios, que
hoje ainda não podemos sequer suspeitar... Demais, uma sociedade
166 Idem:41 167 Ibidem:94
106
não muda de cara. Uma mentalidade social nova não se improvisa
num dia, nem se impõe pela fôrça. ”168
Assim Almir de Andrade procura enfatizar os aspectos “positivos” da herança
portuguesa na formação brasileira através dos traços típicos de cordialidade,
plasticidade e adaptação como fatores de “contribuição” nos quais geraram uma
mentalidade política original do brasileiro. Neste sentido, segundo o formulador, a
autoridade política e social, fora deslocada das mãos do Estado para a família patriarcal,
traços típicos do coronelismo e esse localismo trouxe um contato direto entre governo e
governado fazendo com que o brasileiro se “habituasse” a uma forma concreta, íntima e
pessoal de dominação. E esta mentalidade política teria permanecido e seu “traço”
predominante, “o espírito cordial”, marcado toda a vida do homem brasileiro. E esse
legado cultural, segundo Almir de Andrade, representava a formação da mentalidade
brasileira.
Face ao exposto compreende-se o forte empenho e a estratégia do jornal “A Manhã”
para que o filme “Alô Amigos” tivesse êxito no Brasil, bem como compreender os
elementos que propiciaram a forte “identificação” que o filme suscitou no público
brasileiro, especialmente no carioca.
O filme “Alô Amigos” além de contar com o tema musical “Aquarela do Brasil”
enaltece as belezas e as potencialidades naturais do Brasil que há longo tempo
representam as especificidades brasileiras. Características físicas que foram
“selecionadas” desde o período Imperial por uma elite intelectual, através da noção do
“exótico” como forma de procurar uma identidade marcada, sobretudo pela
“diferença”169 são ali enaltecidas. Especificidades e diferenças, que a partir dos anos
168 Andrade, op.cit: 101-103 169Schwarcz,op.cit:1.
107
vinte retornam através da tradição ufanista da Primeira República e que também teve
no movimento modernista verde-amarelo um dos seus pontos máximos são resgatadas
no filme. Acrescido a esses “artefatos culturais”, “Alô Amigos” traz como um de seus
astros o papagaio Zé Carioca que com seu estilo contemporizador, amável, cordial,
simpático e irreverente representa o “espírito” nacional brasileiro. Os problemas
relacionais entre dominante/dominado são contornados pelo “espírito cordial” do
brasileiro, e ao seu poder de “adaptação e plasticidade”. E não por acaso Zé Carioca é
um papagaio, uma das aves mais significativas da “Terra Brasilis”170 desde os tempos
mais remotos da construção imaginária da nação brasileira.
O nacionalismo via Estado trará através de um tempo histórico todo um legado e
herança cultural comum, a partir do resgate das “tradições”. Assim é possível construir
o “novo” através do “velho” entretanto sob uma “nova” leitura e interpretação, num
sentido positivo de “evolução” como enfatiza Almir de Andrade:
“Contudo, não terá absolutamente compreendido a alma brasileira
quem tomar esse espírito de cordialidade e tolerância como um indício
de fraqueza. Ao contrário, é possível demonstrar e essa demonstração
é precisamente o sentido de uma das faces mais importantes da nossa
evolução atual .. Esse espírito foi o segredo da política colonial
portuguesa e que tornou possível a construção da maior civilização
tropical do mundo”. 171
Por todas essas razões, a política cultural do “novo” Estado Nacional utiliza como um
dos recursos “potenciais” para a consecução de seus objetivos os “filmes educativos” de
maneira a incrementar o sentimento de auto- identificação e reconhecimento do
indivíduo com a nação, em torno dos “novos” ideais de nacionalidade, para atender às
orientações do Estado Novo.
170 Pereira,1999. 171 Andrade, op.cit:101-103
108
Não somente o período colonial será resgatado pelas “tradições” mas principalmente
o período Imperial quando a construção do Estado-Nação impôs-se aos brasileiros.
Segundo Ângela de Castro Gomes, em sua análise sobre os textos e documentos
históricos publicados pela revista Cultura Política, os números de documentos do
período Imperial são de 44% em relação aos documentos e textos históricos dos
períodos da Colônia 27% e da Primeira República 18.5%.172 O Império surge como o
momento privilegiado, encarnando de maneira evidente no Segundo Reinado através
dos vultos históricos que segundo a autora, resumiam em si mesmos as qualidades
desse “coletivo” e, em o fazendo, asseguravam tanto a continuidade quanto às
transformações de nossa sociedade. Esses heróis representantes dos princípios
formadores do povo brasileiro, que podiam exprimir seus sentimentos, necessidades e
aspirações eram homens do “espírito brasileiro”, em sua tarefa construtora.
Sendo assim, um espaço considerável era reservado na seção diária do jornal “A
Manhã” intitulada “Nomes do Dia” para homenagear figuras importantes do país e do
estrangeiro que eram geralmente representantes da ordem pública, vultos históricos e
personalidades que atuavam em vários setores da sociedade. A cada número do “A
Manhã” os “formadores de opinião” “selecionavam” três personalidades brasileiras
e/ou estrangeira de todos os gêneros: estadistas, artistas, cientistas e figuras ilustres da
vida pública tais como: Presidente Roosevelt, Gustavo Capanema, Érico Veríssimo,
Marechal Petáin, Léo Rowe (presidente da União Pan-americana), Pedro Alba (vice-
presidente da União Pan-americana), Summer Welles, Rodrigues Alves, Osvaldo
Aranha, Srª Darcy Vargas etc. As personalidades eram apresentadas ao leitor através de
172 Gomes,1999:181/182.
109
ilustrações e resumos de suas principais obras e realizações173 assim podia se definir o
valor de um “novo” pelo valor de suas “elites”.
Além da política cultural de instrumentalizar como recurso potencial os “filmes
educativos” objetivando difundir a língua e os aspectos culturais da nacionalidade
brasileira a “educação”, sob a forma escrita, foi um dos instrumentos mais importantes
utilizados pelo Estado brasileiro pós-1937. Em 1939, Lourenço Filho, então Diretor do
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, definia os objetivos do projeto educacional
do governo:
“tinha como fito capital homogeneizar a população, dando a cada
nova geração o instrumento do idioma, os rudimentos da geografia e
da história pátria, os elementos da arte popular e do folclore, as bases
da formação cívica e moral, a feição dos sentimentos e ideais
coletivos, em que afinal, o senso de unidade e de comunhão nacional
repousam”.174
O projeto nacional de educação deveria atender aos objetivos do projeto de
desenvolvimento econômico através da promoção e o incremento de um padrão
adequado de alfabetização visando assegurar uma competência técnica através da
padronização da língua a nível nacional. Entretanto, este objetivo conflitava em parte
sob duas perspectivas: a existência de experiências pedagógicas distintas e
freqüentemente incompatíveis entre si, que deveriam ser controladas mediante a
“padronização do ensino” através da unidade de programas e currículos e pela
“homogeneização cultural” devido à constatação cada vez mais crescente, da existência
de núcleos de imigrantes residentes no sul do país.
173 BN-RJ, jornal A Manhã, PR SPR 7. 174 Schwartzman,2000: 95
110
A defesa da nacionalização do ensino através da racionalização e padronização da
língua possuía um forte conteúdo moral e cívico sendo definida como um “problema
nacional”, como podemos constatar no “A Manhã” através das considerações de
Lourenço Filho:
“A educação especialmente de 1834 a 1930, não era encarada como
problema nacional. E porque não o foi até 1930, quando uma
revolução vitoriosa injetou sangue novo no precocemente gasto
organismo do país. Essa nacionalização empreendida pelo governo
atual é obra que por si só recomenda e situa admiravelmente bem um
governante... Na desnacionalização existiam perigos que logo depois
de rebentada a Segunda Guerra Mundial se evidenciaram de maneira
alarmante para a nossa própria soberania. Colocando a educação como
problema “verdadeiramente nacional”175.
E em outro número, lê-se:
“A necessidade da nacionalização do ensino é da imposição do
sentimento cívico do Brasil. O governo começou a encara-la a sério
precisamente no momento em que o país sentia os primeiros esforços
da reorganização nacional.. No Rio Grande do Sul, em São Leopoldo,
foram apreendidos materiais destinados a escolas alemãs, em
completo desacordo com os regulamentos de ensino nacional, como
livros editados em língua estrangeira”. 176
Através da seção diária “Professores e Estudantes” do jornal “A Manhã” um canto
permanente era destinado aos assuntos da Educação a partir da difusão das “diretrizes”
do projeto nacional sendo a educação definida:
“ Tudo que se refere ao adestramento, ao aperfeiçoamento físico,
intelectual e moral do homem, de modo a adapta- lo às condições do
175 BN-RJ, jornal A Manhã PR SPR 7, 17/07/1942. 176 BN-RJ, A Manhã,,idem, 1º/01/1942.
111
meio em que vive tornando-o útil e sendo tarefa precípua da família e
dos poderes públicos”. 177
“O Brasil caminha para a fixação do seu sistema nacional de
“educação” ou seja sob o prisma da nacionalidade, do conseguimento
dos objetivos da grandeza nacional”. 178
Com relação ao “padrão adequado de assistência técnica”, este era sintetizado
através da fórmula “aprender fazendo” e será implantado por medidas como a adição
dos trabalhos manuais nas escolas e a difusão e valorização do ensino
profissionalizante179. Assim a criação da Escola Brasileira Nacionalizadora deverá
atender as demandas do projeto de desenvolvimento e industrialização do “novo”
Estado Nacional:
“As escolas técnicas que constituem o tipo mais elevado de
estabelecimento de ensino industrial são as que ministram um ou mais
cursos técnicos: industria mecânica, eletrotécnica, construção, tecido,
pesca, química industrial, minas e metalurgia, construção naval e
aeronáutica. O Programa das Escolas Técnicas abrange, como se vê,
todo o campo moderno da atividade industrial. Dá-se a cada
especialização toda a eficiência, todo o material, toda a prática
necessária para que se formem jovens profundamente conhecedores
do assunto. Estes técnicos – selecionados pela sua capacidade de
trabalho, de inteligência e pela habilidade irão constituir a equipe de
forjadores da base física de nossa civilização. São os bandeirantes
“equipados de uma nova técnica que integrarão o Brasil na posse
efetiva de suas limitadas riquezas” ”. 180
Observa-se que a construção do “novo” Estado Nacional pós-37 no Brasil engloba
uma visão ampla do conceito de nacionalismo. O nacionalismo político enquanto 177 Idem, idem, 9/08/1941 178 Idem, 3/01/1942. A matéria tratava da Conferência proferida em 30/12/1941 por Álvaro Neiva sobre a nova experiência em educação secundária. 179 Cabe registrar que a partir da grande reforma implementada pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema o ensino secundário torna-se uma realidade no país através da criação do Serviço Nacional de Ensino Industrial (Senai) ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. In: Tempos de Capanema op.cit 180 BN, Jornal A Manhã, código: PR SPR 7, RJ, 6/08/1942. Acervo de Periódicos da Biblioteca Nacional
112
legitimador e reformador do Estado que a partir da implementação de uma ampla
política cultural objetiva centralizar em âmbito nacional a educação através da
padronização da ortografia e da língua. Assim “ações” como a criação do Instituto
Nacional do Livro, em 1937, da reedição em âmbito nacional do jornal “A Manhã” e,
em 1942 com a incorporação de “filmes educativos”, a política cultural implementada
pelo Estado Novo potencializa seu objetivo para viabilizar um amplo programa de
conscientização em torno dos “novos” ideais de nacionalidade.
Neste sentido, a peculiaridade, complexidade e singularidade do “novo” Estado
Nacional é que ele consegue estabelecer um vínculo entre “tradição e modernidade”.
Entretanto, a “modernidade” que tinha como padrão cultural, de civilização, a Europa
e, principalmente, a França, após a Primeira Guerra, este será visto como um modelo
em decadência nas “formulações” de Almir de Andrade que considera o
“universalismo” europeu como “idealista” aos novos impasses do mundo atual:
“A velha substituição do velho ideal liberal-democrático por um
critério realista de governo resultou da compreensão de que o
idealismo político só traz decepções e falências desastrosas. Assim, as
condições atuais do mundo, a complexidade das relações sociais, a
evolução das idéias políticas impõem aos povos e aos governos a
procura, não do que é “mais ideal”, mas do que é “mais útil”. Do que
“melhor convém”, do que “mais satisfaz” às suas necessidades
primárias de subsistência, de produção, de expansão e de progresso...
A realidade da nação é uma realidade econômica e, sobretudo,
cultural. Seus problemas não podem ser resolvidos dentro de um
princípio e normas universais: seria violentar a realidade das coisas.. a
ideologia liberal da Revolução Francesa que fez da data da queda da
Bastilha um feriado universal, comemorativo da “libertação” de todos
os povos foi na realidade, um dos meios mais eficazes de expansão
colonial e imperialista das grandes nações da Europa, foi, sobretudo,
113
um meio de catequisar os povos jovens da América, os da Oceania, os
da própria Ásia multi-secular.”181
Ao afirmar a “decadência” do modelo europeu Almir de Andrade permite entrar em
contato com o que existe de mais nacional através das “tradições” e ao mesmo tempo
direcionar para um outro modelo representativo da “modernidade”, que no caso é o da
civilização Americana. Este será o padrão cultural que mais “convém” e “satisfaz” os
interesses de modernização e progresso do “novo” Estado Nacional brasileiro:
“... para os povos americanos, o nacionalismo se impõem como um
imperativo histórico e cultural despido de aspirações guerreiras e
conquistadoras. Toda campanha contra o espírito nacional é inimiga
da segurança, do futuro e da liberdade dos povos americanos.
Repetimos que o anti-nacionalismo e as ideologias universalistas
servem apenas a uma causa : a expansão econômica das grandes
nações imperialistas.. a interdependência das nações na comunhão
universal impõe limites a sua expansão, assim como a
interdependência dos homens na vida social impõe limites a sua
liberdade. È necessário que haja, de parte à parte, renúncias e
concessões, tolerância e solidariedade. As condições do nacionalismo
na América não precisa revestir-se do aspecto guerreiro, nem adotar o
espírito de violência política dos nacionalismos de certos países do
Velho Mundo”. 182
A difusão de idéias e/ou pensamentos em prol dos valores culturais comuns dos povos
americanos estão presentes de forma bastante acentuada nas páginas do “A Manhã” fato
constatado não apenas pela incorporação do suplemento semanal, Pensamento da
América, mas, sobretudo, a universalização desses valores foi inclusive um dos
“objetivos” que mobilizaram a criação da “nova” edição do jornal:
181 Andrade, op.cit:15 - 32. 182 Andrade, op.cit: 36-51
114
“O A Manhã, fiel ao seu programa de brasilidade e de americanismo,
levanta a idéia de um monumento a Alexandre Gusmão que conseguiu
ver o Brasil suas fronteiras oficialmente reconhecidas. Ele foi o
precursor autêntico do pan-americanismo, na justa observação dos
historiadores. A América é apenas membro de uma cultura e de uma
civilização. Esta no seu papel defender e lutar por esta civilização,
pela sua unidade de que a Europa representa uma parte ameaçada de
mutilação. Qualquer ideologia bárbara que se apodere deste membro a
que somos ligados causará sérias modificações, senão a morte do
organismo de que dependemos, da civilização que nos é comum”.183
Antes da realização em 15/01/1942 da 3ª Reunião de Chanceleres dos Países
Latino-americanos sediada no Rio de Janeiro, o jornal “A Manhã” publicava vários
artigos favoráveis à propaganda dos ideais pan-americanos, a título de exemplo segue
um trecho da matéria intitulada “A Diretriz americana”:
“A América nasceu sob o signo da liberdade. A gente deste hemisfério
– acostumada à liberdade de movimento no imenso território em que
nasceu e se desenvolveu. A orientação da Conferência do Rio de
Janeiro encontra-se, portanto, pré-fixada pela história americana.
Em nome dos princípios que o gênio continental - depois de anos de
luta em grandes assembléias políticas do mundo – conseguiu despertar
na consciência da maioria dos povos civilizados, em nome dos nossos
ideais de justiça, de paz, de harmonia social e política. As nações
americanas não improvisaram, portanto, uma doutrina política e não
precisam elaborar as pressas. Ao contrário: procuram – através de
medidas práticas de caráter político, militar e econômico – realizar a
missão que – pelas tradições, sentimentos e ideais do continente - lhes
é indicada por mais de quatro séculos de existência a serviço da
bondade e da justiça”. 184
183 BN,-RJ, jornal A Manhã, PR SPR 7, RJ 7/01/1942. 184 Idem, A Manhã, 9/01/1942.
115
Assim, os valores em torno dos ideais comuns de civilização são os da América e o
padrão cultural é o sistema de vida norte-americano que representa o melhor modelo de
“modernidade” devido ao avanço e progresso tecnológico, a influência de sua filosofia
política e o respeito às particularidades e especificidades culturais dos povos latino-
americanos.
Em suma, como podemos constatar, já havia um ambiente político brasileiro
altamente favorável através da “ação influente” de uma certa “intelectualidade” para a
recepção da cultura norte-americana. Assim, a partir de 1942 a política cultural norte-
americana no Brasil agrega um segundo produto cultural que, ao mesmo tempo, é
também agente difusor do “american way of life” e intensificador da “presença” cultural
norte-americana no Brasil: as Seleções RD.
116
Capítulo III
A Difusão do American way of Life nas Seleções RD: 1942-1946
Essa in iciativa Americana foi a maneira mais direta de dissipar das
mentes dos Latino-Americanos a velha idéia do “Colosso do Norte”
que os agentes do Eixo estavam divulgando maciçamente em todas as
partes. Mas, devido ao amplo sucesso que Seleciones obteve no
mercado latino-americano, devido a benção de todas as autoridades
públicas interessadas nos EUA e o apoio entusiástico dos homens de
negócios Americanos, foi preciso apenas um ano após a sua primeira
edição em espanhol para ela ser comprada em cada país por
aproximadamente 400.000 latino-americanos. (Carta de Barclay
Acheson Redator Internacional da Reader’s Digest:1943: IAA/FGV-
RJ).
117
3.1 Breve Histórico: The Reader’s Digest
A história da “matriz” americana é apresentada ao público leitor brasileiro no terceiro
periódico das Seleções RD, em maio de 1942, o qual relatava a trajetória ascendente da
revista no campo das publicações periódicas nos EUA. Criada pelo casal DeWitt
Wallace e Lilla Acheson Wallace, filhos de pastores protestantes de origem
presbiteriana 185, no ano de 1922, com sede em Pleasantiville, uma pequena cidade
próxima a NY, a revista que nasce com uma tiragem de 5.000 exemplares nos anos
vinte. Com rápido crescimento, o Reader’s Digest chega em 1942 com mais de
5.000.000 de assinantes, distribuídos por vários países do mundo e a partir de novembro
desse ano obtém uma tiragem mundial de 7.000.000 de exemplares.186
DeWitt Wallace e Lila Acheson Wallace nasceram nos estados do Oeste dos EUA, no
final do século passado, e procuraram tornar evidente esta origem em vários exemplares
da revista. O Reader’s Digest tornou-se um sucesso absoluto nos Estados Unidos, ao
tratar temas profundamente enraizados no “imaginário social norte-americano”,
veiculando inúmeros artigos tratando do Oeste e de seus personagens lendários, temas
formados pelas ideais puritanas de temor a Deus e assistência missionária, baseados em
valores morais que os fundadores consideravam como sendo temas “universais”187.
O projeto do Reader’s Digest consistia em selecionar artigos/temas que pudessem
alcançar o maior número de leitores: artigos sobre religião, problemas do cotidiano
185 O pai de DeWitt Wallace, o pastor protestante James Wallace, foi professor de teologia e inglês arcaico (old English) em vários Colleges presbiterianos. Quando DeWitt Wallace e Lila Wallace fundaram a revista, estes e mais alguns funcionários, também filhos de pastores protestantes eram chamados carinhosamente de PK – Priest Kids (filhos de pastores). HEIDENRY, John.Theirs Was the Kingdom. Lila and DeWitt Wallace and Story of the Reader’s Digest,Apud: Junqueira,op.cit:.23. 186 Cabe registrar que o número de assinantes da revista é colocado no alto da capa de todos os periódicos das Seleções RD entre 1942-46, objetivando reiterar o prestígio e o sucesso internacional alcançado pela revista de maneira a “influenciar” o público leitor. 187.Junqueira,op.cit:24.
118
familiar, vultos históricos, lendas nacionais, política, curiosidades, humor, viagens,
aventuras, charadas, piadas. Seu objetivo era proporcionar um tipo de leitura até então
inexistente nos EUA cuja singularidade residia na informação de forma condensada. O
público alvo era a classe média norte-americana cujas pessoas trabalhavam muito e não
tinham tempo para ler publicações como livros, jornais e revistas mais densas, por isso a
escolha de artigos ou resenhas densos porém curtos. Ao todo eram 61 redatores que
liam o melhor das revistas e publicações especializadas e os condensavam sob forma de
artigos para a revista. Inicialmente a revista foi pensada para ser encardenada e a cada
seis edições era possível encadernar um volume, fazendo com que cada ano fosse
condensado em dois volumes.
Entre os seus 61 redatores permanentes figuravam antigos diretores-gerentes de
revistas bastante conhecidas, jornalistas e colaboradores especializados em publicações
literárias, científicas, religiosas, comerciais e educativas. Esses redatores filtravam e
condensavam os principais editoriais e revistas norte-americanas como New York
Times, Fortune, Monthly Review of World Affairs, Rotarian, Harper’s, Tribune,
Redbook Magazine, Vogue, Science News Letter, Blackwood’s Magazine, selecionando
artigos que englobavam assuntos dos mais variados interesses.
Com o tempo, o Reader’s Digest expande a sua circulação e atinge vários segmentos
da sociedade norte-americana através de um extenso programa de promoções como a
concessão de 600.000 exemplares da revista através de desconto escolar especial aos
professores e alunos que usassem a revista para fins docentes e 250 assinaturas
oferecidas as Bibliotecas de diversas penitenciárias. Em seguida, o Reader’s Digest
passa a ser publicada em braile e seu material serve para gravação de discos
119
exclusivamente reservados aos cegos bem como a promoção de assinaturas-prêmio aos
melhores estudantes das 29.000 escolas superiores dos EUA e Canadá188.
Durante e após a Segunda Guerra Mundial, a revista foi lançada em vários outros
países, transformando-se num verdadeiro império das comunicações. Primeiramente,
alcança os EUA, Canadá e Austrália e em 1938 a Inglaterra. A partir de 1941 países de
língua espanhola: América do Sul e Central. Em 1942, Brasil, Portugal, África
Ocidental e Oriental Portuguesa, Índia, China e África do Sul. A partir de 1944, publica
uma nova edição em árabe e passa a circular no Egito e em outros países do norte da
África como em uma parte do Oriente Médio. Entretanto, o sucesso da revista no mundo
árabe, durou apenas durante o período da Guerra.
Após 1945 o Reader’s Digest começa a circular na França, Itália, Bélgica, Espanha,
Suécia e Japão. Estes países são destacados através de um mapa-mundi publicado pelas
Seleções RD no periódico de junho de 1944. 189 Entretanto, a partir dos anos 70, com o
envelhecimento de Lila e DeWitt Wallace, a revista foi aos poucos passando para as
mãos de outros executivos se distanciando do projeto original. Mesmo assim, em 1972,
o casal foi condecorado com a Medalha da Liberdade pelo presidente Nixon na Casa
Branca190.
3.2 O Universalismo nas Seleções RD : 1942-46
As impressões abaixo são do escritor chinês, Lin Yutang, conhecido nos EUA através
dos livros A Importância de Viver e Momento em Pequim, e fazem parte da contra-capa
188 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, maio de 1942. 189BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest,idem, junho de 1944. 190 Nas palavras de Nixon “A medalha era o reconhecimento da América pela criação e desenvolvimento da revista que “havia ensinado milhões de leitores a desejar uma vida comum e a alegria do trabalho”. Cabe ressaltar que a revista continua sendo uma das preferidas pelo público norte-americano..Cf. Junqueira, op.cit:.31.
120
da “nova” edição das Seleções RD de 1942. Não estão neste número por acaso, mas
atendeu ao propósito de imprimir o novo formato “universal” da revista.
“A Leitura – Chave do Encanto Pessoal”. Há duas espécies de
leitura, a leitura como uma necessidade profissional e a leitura como
prazer. O segundo tipo é um privilégio, algo que aumenta a riqueza e a
alegria da vida e proporciona um instante de evasão da cadeia física
em que nos encerra o imediato cotidiano, para o reino maravilhoso da
vida contemplativa.
E que indefectível encantamento confere ao leitor! O poeta chinês
Huang Shanku disse de uma feita: “Um estudioso que passou três dias
sem ler nada sente que sua palavra não tem graça e que sua face ficou
feia ao refletir-se num espelho”. Estranho feito este que a leitura
produz no homem! Embora não seja cosmético, cria mais encantado
que todos os artifícios. Quantas faces lindas já nos enfadam em cinco
minutos de conversa, ao passo que abrem a boca, a despeito de possuir
feições não mui graciosas! É que estas últimas, com o espírito
enriquecido por muita leitura, observaram a vida agudamente,
meditaram sobre as coisas, acompanharam os acontecimentos, e
adquiriram um ponto de vista - tudo o que aguça o apetite do ouvinte e
conquista a sua estima.
Na compreensão do poeta chinês, esse é o sabor que a leitura
comunica. E provêm desse tipo de leitura que é oferecido pelas
Seleções RD, variada e sem ordem aparente, porém não promíscua:
leve, mas não inútil nem estimuladora da preguiça mental; rica de
pensamento, sem ter a fastidiosa gravidade acadêmica; intelectual,
mas não pesadamente doutoral: fomenta no leitor uma saudável
curiosidade e tem leitores nas 105 nações do mundo”191
191 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, código IV-299.1 02, abril de 1942. Cabe ressaltar que a Ásia e mais particularmente a China, desde os anos trinta, fazem parte das preocupações dos principais “policy-makers” norte-americanos ligados aos programas culturais e durante a guerra será tal qual a América latina prioridade da propaganda do governo. Cf. Ninkovich, op.cit: 51-60.
121
O “melhor” no âmbito do indivíduo, segundo os redatores, era selecionado pelas
Seleções RD com o objetivo de informar e difundir o que havia de mais moderno nos
últimos avanços alcançados pelo indivíduo nas Ciências e tecnologia, principalmente no
campo da saúde e medicina. Os textos eram condensados e a “informação” utilizada
objetivava “influenciar e moldar opiniões” através da difusão de pensamentos, idéias e
produtos. Cientistas e escritores, principalmente “norte-americanos”, premiados
internacionalmente devido às suas contribuições científicas, eram “selecionados” pelas
Seleções RD através de livros sob forma de romance e/ou novela e artigos científicos.
Sob o formato de livro “enquanto guardam-se livros, descartam-se revistas e jornais”,
as Seleções RD eram padronizadas da seguinte forma: possuíam em torno de 200
páginas sendo que as últimas vinte páginas eram “sempre” reservadas para o espaço da
propaganda dos produtos culturais norte-americanos. Aproximadamente de 28 a 30
artigos qualificados como sendo de “interesse permanente e/ou universal”192, eram
“selecionados” pelos redatores da revista estabelecidos em Nova York.
Para o cargo de gerente-geral da nova edição em português foi escolhido A.L. Cole e
para a sub-gerência Mervin Mc Cord Lowes, Robert C. Sanchez e Fred D.Thompson Jr.
A função de redator-chefe coube ao jornalista colombiano Eduardo Cárdenas193 que
durante 14 anos foi diretor do Editor’s Press Service, uma renomada agência de
notícias de Nova York. O cargo de co-redator destinado ao escritor português José
Rodrigues Miguéis194 e o de redator-secretário ao baiano e ensaísta crítico Afrânio
192 Entretanto, após os anos 60 e 70, mudanças ocorreram quanto aos critérios qualificados pelos redatores das versões em português e espanhol do Reader’s Digest. Os artigos passam a ser qualificados sob três tipos: “É digno de ser lido”, “ É aplicável aos interesses da maioria” e “ É de interesse permanente”. Cf. Junqueira, op.cit.:33. 193 Consta que Eduardo Cárdenas trabalhava também para o War Office Information que no pós-guerra deu origem a CIA norte-americana. Idem: 40 194 Importante escritor cuja novela “Páscoa Feliz” obteve em 1932, o prêmio da Casa de Imprensa de Lisboa. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, maio/ 1942.
122
Coutinho195, ex-bibliotecário da Faculdade de Medicina e ex-professor da Faculdade de
Filosofia da Bahia. Para os cargos de redator- internacional e redator-correspondente
Barclay Acheson e Desmond Holdridge, respectivamente.
Um espaço considerável das Seleções RD era contemplado para incrementar a
difusão e venda de livros, através de uma seção específica, a “seção de livros”:
“Seleções do Reader’s Digest seguirá os mesmos princípios que
fizeram de The Readers Digest e de sua edição em espanhol,
Selecciones, as revistas mais populares de quantas haja sido
publicadas, em idioma inglês ou espanhol. Além da seleção de artigos
a redação tratará também de inteirar-se dos livros de publicação
recente, com o fito de escolher, entre os que forem dados à
publicidade, alguns que possam ser oferecidos aos leitores em
resumos que representem aquilo que tenha maior significação na
literatura contemporânea.”196
Biografias de personalidades expoentes que dedicaram a maior parte de sua trajetória
acadêmica aos avanços das ciências em prol da humanidade assim como obras de vultos
da história universal eram objetos de atenção por parte dos redatores e apresentados ao
público sob uma forma condensada. Em seu primeiro periódico a “seção de livros”
dedicou páginas à renomada cientista polonesa, Madame Curie, através do livro “Marie
Curie, My Mother”, escrito por Eve Curie. O livro reproduzido, sob forma condensada,
relatava a biografia excepcional da cientista que ganhou o Prêmio Nobel de Química em
1911. A vida da cientista era apresentada como exemplo de desprezo ao luxo, de paixão
intelectual e de desejo de bem servir a humanidade.
195 Autor dos livros “A Filosofia de Machado de Assis e “L’exemple du métissage” em L’homme de couleur, da Cole”. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, código IV-299.1.2, maio/1942. 196 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest idem, março /1942..
123
Em março de 1942, a “seção de livros” publica a biografia condensada do livro
escrito por Stefan Zweig197, “Fernão de Magalhães o Dominador dos Mares”, na qual o
autor objetivava, segundo a revista, corrigir injustiças através do reconhecimento da
importante contribuição do desbravador português para a História das Civilizações:
“A História tem consagrado páginas sem conta a Colombo, a Cortês
e a Francis Drake, mas só se limita a mencionar o nome de Fernão de
Magalhães, o genial navegador português que demonstrou, com sua
viagem de circunavegação, a forma esférica da Terra. Os reis de
Portugal tinham talvez razões práticas e geográficas para recusar a
Magalhães os meios de tentar sua surpresa. Foi, assim, sob o
estandarte espanhol que Magalhães se imortalizou. Mas a
impraticabilidade da rota das Índias, por ele revelada, deixou seu
nome longo tempo esquecido. Stefan Zweig fez emergir Fernão de
Magalhães dentre as páginas desta obra, como uma figura a um tempo
heróica e sóbria, que tudo ousou lutando obstinadamente, para enfim
perecer, triunfando a maneira dos heróis antigos”. 198
Em dezembro de 1943, a seção selecionou o condensado do livro Lafayette, A Life,
traduzido como “Lafayette, Apóstolo da Liberdade” por Andréas Latzka. Em janeiro de
1944 foi a vez do livro Abraham Lincoln: The War years de Carl Sandburg, traduzido
como “Agora ele pertence à Posteridade” e condensado por Robert E. Sherwood. O
último livro foi destacado pelas Seleções RD que enalteceu o trabalho do autor, que
durante vinte anos se dedicou a escrever a mais “completa, rica e compreensiva” de
todas as biografias de Lincoln e que juntos iriam integrar-se, como o próprio Lincoln, ao
patrimônio da família humana 199.
197 Cabe registrar que o escritor foi um dos “selecionados” na seção “Nomes do Dia” do jornal A Manhã que homenageava as personalidades mais importantes do momento. BN-RJ, jornal A Manhã, sob o código PR SPR 7. 1942. 198 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, março/1942. 199 BN-RJ , Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, dezembro/1943 e janeiro/1944.
124
Procurando enaltecer os ideais comuns de civilização dos países sul-americanos, no
exemplar de julho de 1943, Simon Bolívar é prestigiado por Thomas Rourke, através da
adaptação do livro “Man of Glory” que recebeu a tradução “Bolívar, o Libertador”:
... Mais de um século depois de sua morte, Simon Bolívar ainda hoje é
uma espécie de divindade para muitos milhões de sul-americanos.
Muito mais do que qualquer figura histórica da América anglo-
saxônica, o Grande Libertador permanece vivo na consciência dos
seus povos, como se presente ainda estivesse entre os homens..200.
Em seu terceiro exemplar, a revista selecionou um recordista de vendas em 1935, nos
EUA, “O Homem esse Desconhecido”, livro do norte-americano e ex-biólogo, Dr.
Aléxis Carrel, ganhador do Prêmio Nobel em 1922 e da medalha Nordhoff-Jung, a
chamada do livro era apresentada da seguinte forma: 201
“No livro há abundância de assuntos que nos provocam inúmeras
conjecturas, e nele se encontra uma visão sadia e satisfatória da vida
moderna, assim como um guia para a felicidade, cheio de inspiração
espiritual. Em estilo claro e cativante, o conhecido cientista nos ensina
como é feito o nosso corpo e quais as funções dos órgãos, apontando o
caminho para a obtenção da saúde física e mental”.
A diversidade cultural e étnica entre os povos foi tema selecionado no periódico de
julho de 1942, através do livro “Shake Hands with Dragon”, de Carl Glick traduzido
como “Fraternizemos com o Dragão”. O autor, a partir de uma narrativa interessante e
espirituosa, relatava como ocorreu o processo de contato cultural entre alguns sinos-
americanos residentes, em Chinatown, Nova York, procurando mostrar um exemplo de
tolerância e correção política:
200 BN-RJ, idem, julho/1943 201 O cientista-escritor trabalhou como pesquisador durante 33 anos no Instituo Rockefeller no qual se dedicou às pesquisas relacionadas ao sistema de vaso sanguíneo e câncer. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, abril/1942.
125
“adaptando velhos hábitos orientais à vida moderna do Ocidente,
encontraram solução para muitos dos problemas que nos embaraçam:
educação infantil, delinqüência juvenil, seguros sociais, e o
aproveitamento do ócio e da idade provecta202”.
Condensados de livros de romance e/ou relatando as terríveis experiências da guerra,
envoltos por um forte teor comercial e patriótico compõem gradativamente o espaço da
seção a partir de agosto de 1942. O condensado do livro Falling through Space de
Richard Hillary que traduzido como “Meu Batismo de Fogo na R.A.F”203 narrava a
história do autor, um experiente piloto norte-americano da aeronáutica, pintava um
quadro dramático e absorvente do ciclone da guerra e dos seus efeitos sobre os
indivíduos.
O resumo do livro “Dress Rehearsal”, de Quentin Reynolds, traduzido como o
“Ensaio geral de invasão - A Epopéia de Diepe” era apresentado com grande destaque
na “seção de livros” de setembro de 1943:
“O autor foi durante 10 anos co-redator do Collier’s e desde 1940
tem sido correspondente de guerra dessa revista. Presenciou o colapso
da França e o blitz sobre Londres. Durante uma batalha na Líbia, ele
estava com um grupo de soldados ingleses cercados por tanques do
Eixo e submetidos ao bombardeio aéreo. Com sua experiência da
guerra, já publicou 4 livros todos de grande êxito”. 204
202 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, julho de 1942. Entretanto, nos anos vinte e trinta, vários artigos racistas relacionados aos imigrantes, foram veiculados pela “matriz” norte-americana. Um dos primeiros tinha o título Can We Have a Human Beautiful Race? de 1922, o texto informava que haviam chegado aos portos do país milhares de mulheres imigrantes: the ugly women. Mulheres que tinham em média três filhos, enquanto a americana – the beautiful women of the old América – tinha, em média, um único filho. Deixando clara a posição da Reader’s Digest em favor do controle de natalidade, apresentando de forma negativa a “alta fertilidade” das mulheres pobres e imigrantes. Esse era um período em que circulavam as idéias racistas, quando a higienização de territórios, a cura de doenças e a melhoria das raças, funcionando como remédio para diagnóstico de vários países. No discurso do Reader’s Digest, percebe-se o temor de que a imigração viesse a “contaminar” a população branca, anglo-saxã. Apud: Junqueira,op.cit:.29 203 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299.1.2, agosto de 1942. 204 Idem, sob o código IV-299.1.3, setembro/1943.
126
O livro “Pied Piper” resumido por Nevil Shute e traduzido como “Bola de Neve”,
nele o horror da guerra dava lugar a um romance que enaltecia a cooperação e ajuda
mútua, contando a história de como um velho inglês, herói tímido e fleumático ajudou
um grupo sempre crescente de crianças refugiadas numa França invadida na época da
Primeira Guerra:
“.. tal como bola de neve, que aumenta à medida que rola montanha
abaixo. Este romance de arrebatador interesse foi unanimemente
saudado por críticos como obra de primeira ordem, devido à pena de
um consumado narrador. Um romance de guerra que nos faz esquecer
da guerra. É a história, contada com ternura e íntimo sabor poético
...”205
O universalismo também está presente no artigo condensado por Edwin Muller do
The Nations sobre Einstein intitulado “Einstein, Exemplo de Simplicidade” em abril de
1943, a seção publica o condensado de Irving Stone do livro, “Alma Torturada”, sobre a
história de Van Gogh. Dentre os vários artigos figuram cientistas-escritores, em sua
maioria, norte-americanos, como jornalistas e correspondentes internacionais que
atuavam na Ásia e especialistas ligadas ao comércio. Artigos como os do
bacteriologista, Paul de Kruif, ex-pesquisador do Instituto Rockefeller, autor de
importantes trabalhos centrados no avanço da saúde que após abandonar a carreira
científica, consagra-se no campo literário dos EUA, através dos livros: “Microbe
Hunters”, “Men Against Death” e “The Fight for Life”.
No artigo “Roubados às Garras da Morte”, Paul de Kruif difunde as importantes
pesquisas realizadas pelos cientistas norte-americanos no combate ao micróbio através
da descoberta da sulfadiazina.
205 BN-RJ, sob o código IV-299. 1.02, setembro/1942
127
A difusão universal através do mutual benefits esta particularmente presente no
artigo “A Última e melhor Esperança da Terra” condensado da revista The Atlantic
Monthly por Harry Scherman, em fevereiro de 1942. O artigo inicia com as palavras
de Abraham Lincoln “Podemos salvar nobremente, ou deixar que se perca, sem
nobreza, a última e melhor esperança da Terra.”
No artigo promove-se a interdependência cultural e econômica entre povos e nações
como “exemplo” de correção política:
“A cultura, por seu turno, não conhece fronteiras, grande parte da
humanidade está hoje ligado por fortes laços espirituais e uma mútua
compreensão. Os cientistas, particularmente, concorrem, mais que
ninguém, para o convívio entre os povos. Trabalham, como em ação
coordenada, em todas as latitudes, e qualquer novo conhecimento a
que cheguem é de utilização universal. Na, atual guerra, portanto, o
que há a derrotar é o insano esforço de um povo, que pretende a
supremacia, para seu próprio e especial proveito, em uma sociedade
mundial já unificada. Os adversários da Alemanha combatem por
preservar uma união econômica “livre” e bem estabelecida, ainda que
sem forma de contrato, e com imperfeições a corrigir.
Churchill e Roosevelt tentaram elaborar um projeto de paz. Porque
esta, como é claro, deve ser uma paz praticável, e a condição sine qua
non de praticabilidade é o ajuste e o acordo entre os povos, a de que
todos os diversos povos, no planeta que habitamos, se acham
inseparavelmente ligados em uma união econômica mundial.
Ao passo que a unificação cultural e econômica do mundo tem
marchado rapidamente, o contrário acontece no que tange à unificação
política, e esse retardamento é responsável por uma obstrução
indefinida à interdependência econômica entre as nações. Difícil fora
achar, em qualquer país adiantado, um artigo de uso comum, cujo
preço, constituição ou qualidade não dependa, de alguma forma, de
128
produtos estrangeiros. Há uma clara indivisibilidade planetária de
produção e utilização”206.
Como podemos constatar através desta amostragem, a “difusão cultural” através da
idéia do “mutual benefits”, não pode ser desconsiderada ao ler alguns periódicos das
Seleções RD. Entretanto, para um iniciante aos estudos das Relações Internacionais e
não, um simples leitor, cabe buscar os reais “interesses” que nem sempre se apresentam
de forma explícita, permitindo codificar o que esta por detrás da informação, o que é
“selecionado”, o que “deve” ser lido e porquê “determinados” textos. Neste sentido, a
pesquisa documental é fundamental para estabelecer uma análise mais precisa. A seção
seguinte permite interligar a política cultural norte-americana via OCIAA e a entrada
das Seleções RD no Brasil, como “etapas” de uma mesma “estratégia” articulada pelo
Departamento de Estado norte-americano de “expansão cultural” do American way of
Life no continente.
3.3 O Papel das Seleções Reader’s Digest na estratégia da Política
Cultural norte-americana
A partir de agosto de 1940, o Reader’s Digest passa a ter um importante papel na
difusão do pan-americanismo e na estratégia política cultural do governo norte-
americano. No Brasil, a entrada da sua edição em português, em fevereiro de 1942, não
foi por acaso e muito menos uma coincidência de fatos. O início da circulação e
propagação das Seleções RD bem como, a sua publicação no idioma espanhol
206 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.02, fevereiro/1942.
129
Selecciones Del Reader’s Digest,207 não ocorreu devido a uma estratégia interna de
ampliação de mercado. O lucro nesse empreendimento não era o fator determinante mas
sim, um projeto de “longo prazo”.
O fator crucial que serviu como condicionante e que mobilizou a entrada e circulação
desta revista no mercado latino-americano, e em especial no mercado brasileiro, foi a
sua adesão em primeiro plano à defesa no “interesse nacional” norte-americano.
Através de uma importante carta redigida em fins de 1943, pelo correspondente
internacional, Barclay Acheson, irmão de Lila Acheson e conseqüentemente cunhado de
DeWitt Wallace, atestamos não somente o forte empenho à causa nacional mas o
relevante papel que o Reader’s Digest sempre “teve e que deveria” continuar a ter,
agora mais do que nunca, no combate à agressiva penetração ideológica e econômica do
Eixo na América Latina.
Na carta, Barclay Acheson utilizando um discurso direto e contumaz, propõe a um
importante empresário norte-americano unir esforços em prol da causa nacional a partir
de um trabalho conjunto:
“estou lhe escrevendo porque acredito firmemente que você e nós
podemos e devemos trabalhar juntos nesses dois novos “fronts” – A
Reader’s Digest no front ideológico, e sua importante companhia no
front econômico”. 208
Barclay Acheson segue relatando ao empresário a trajetória da revista no mercado
latino-americano, colocando que o início da publicação do Reader’s Digest em
espanhol, mesmo sem lucro algum, foi porque eles acreditavam ser uma forma de
207 Consta que DeWitt Wallace foi consultado pelo próprio Departamento de Estado em 1939, para considerar a possibilidade de uma tradução da RD em língua espanhola e que Rockefeller insistiu junto ao Departamento, para que providenciasse uma edição em português para ser distribuída tanto no Brasil quanto em Portugal. A partir de 1942 a Reader’s Digest a convite do Office of War Information, foi lançada nos novos fronts de propaganda: Suécia, Turquia e Egito. Junqueira, op.cit: 38 208 CPDOC-FGV .IAAColeção Foreign Office. Reader’s Digest 1943.
130
apresentar diretamente às pessoas da América Latina o melhor das esperanças e ideais e
o melhor da prática comercial. E segue na sua tentativa de convencer o empresário:
“sem a cooperação de uma lista de anunciantes que lêem
sistematicamente o melhor na área de comércio Americano, o
extraordinário sucesso da Selecciones não teria sido possível”. “(Não
buscamos nenhum lucro com as Seleciones. Mas o custo relativamente
baixo que ela tem na América Latina – 10 centavos- requer que uma
renda com a propaganda para evitarmos uma perda irreparável.).
Somos gratos por esta cooperação. Mas agora existem razões ainda
mais fortes para que a Seleciones seja vista como um meio de
alavancar os interesses do nosso negócio e da nação209.
Agora é o momento em que a propaganda tanto institucional como
de produtos na América Latina é a coisa mais importante que o
negócio Americano pode fazer – quase sem considerar qualquer lucro
ou disponibilidade de bem. Assim, de todas as maneiras, vamos usar
nossos ganhos da guerra para preservar e desenvolver o mercado
latino-americano que iremos precisar tão desesperadamente quando a
guerra acabar”210.
E continua o forte empenho em convencer o empresário:
“Quando você se decidir, eu peço que não olhe isto como um gasto
com propaganda corriqueiro. Nunca foi tão importante manter o nome
dos produtos americanos e de instituições como a sua diante do
público Latino-Americano. Somente ao fazer isso agora – sem levar
em conta as dificuldades de manufatura e entrega – é que o negócio
Americano espera para manter seu lugar depois da guerra neste
mercado em crescimento. Além disso, cada dólar que você investir em
Selecciones vai comprar munição para ajudar na grande batalha de
209 O grifo consta no documento original. CPDOC-FGV,.IAA, Coleção Foreign Office. 210 Idem
131
idéias que nesta guerra vai de mão em mão com a batalha de
armas”211.
Com relação ao espaço de propaganda da revista, Barclay Acheson qualifica como
sendo propositalmente limitado, mas mesmo assim, este já estava 75% vendido para
Março de 1942 e Fevereiro de 1943. Entretanto, o espaço publicitário disponível eles
ansiavam em alocar com mais propagandas.
Barclay Acheson, termina sua carta reiterando o empenho da revista e esperando, o
mais urgente possível, uma resposta favorável do empresário, no sentido de juntar
esforços como forma não somente de mostrar uma reflexão mais confiável do American
way of Life, mas propor um retrato variado dos produtos e serviços americanos que
tornam este estilo de vida possível.
Outro documento da Divisão Brasileira do OCIAA a Francis Alstock, então Diretor
Geral da Divisão de Filmes em Washington que substitui John Way Withney em 1942,
constata-se o importante papel que as Seleções RD possuía na estratégia de propaganda
dos filmes produzidos pelo OCIAA no Brasil.212
No documento, a Divisão Brasileira solicita ao Diretor Geral que informe a todos os
produtores do National Screen Service para que quando estes anunciassem os
próximos, traillers em português, de novelas populares ou peças de teatro norte-
americanas, posteriormente transfo rmadas em filmes e publicadas pela revista Reader’s
Digest, que eles devessem mudar o nome de Reader’s Digest para Seleções, porque era
assim que a revista era popularmente conhecida pelos brasileiros.
A Divisão Brasileira cita como exemplo o trailler do último filme de Tyrone Power e
Joan Fontaine, intitulado “This Above All”, que já publicado em formato original de 211 Ibidem, Ibidem. 212 CPDOC/FGV: doc. Subject “Refering to “Seleções” instead of “RD”, IAA, Coleção Foreign Office,16 de Janeiro de 1943.
132
novela, condensada, pela revista, mas que no trailler do filme constava ainda como
sendo publicado pelo Reader’s Digest e não pelas Seleções. Se o trailler do filme
colocar Seleções, em vez de “RD”, todos os brasileiros saberiam qual a revista que
publicou.
Podemos considerar então que o vínculo entre OCIAA e Seleções era sutil, eficiente
e coordenado. Cabia as Seleções RD também fazer propagandas dos filmes conhecidos
do público norte-americano que seriam lançados brevemente pelo OCIAA, publicando
de maneira condensada sob forma de novelas, peças e/ou livros ao público brasileiro.
O OCIAA, por sua vez, se beneficia da popularidade e prestígio alcançado pelas
Seleções RD junto a uma certa elite política brasileira, incluindo em seus traillers
comentários de que estes, já podiam ser encontrados de forma condensada nos artigos
de novela e/ou peça nas Seleções RD. Neste sentido, as Seleções RD preparava o
terreno propício de entrada no mercado brasileiro junto aos “formadores de opinião” de
alguns filmes que seriam produzidos pelo OCIAA.
O vínculo entre Seleções RD e OCIAA é mais amplo, detectamos através da análise
de alguns periódicos da revista, como os temas dos artigos selecionados bem como
resumos de alguns livros possuem uma conexão embora mais aprofundados, com as
temáticas dos “filmes educativos” produzidos pelo Projeto Disney e OCIAA.
Filmes cuja temática envolve pagamento de impostos, a importância da agricultura
para a guerra, aperfeiçoamento de técnicas agrícolas e quanto à necessidade de
economizar evitando desperdícios são encontradas respectivamente em “The New
Spirit”, “Food will win the war”, “Out of the frying pan into the firing line”.”The spirit
of 43”.
133
Com relação à higiene e medicina, foram produzidos “The winged Scourge” e sobre a
malária “Water friend and enemy”, filmes também sobre propaganda anti-nazista como
“Der Fucher’s Face”, “Reason and Emotion” e “Education for Death”213. Ao mesmo
tempo, as Seleções RD publicava e “selecionava” artigos enaltecendo temas sobre o
progresso da humanidade associado a liberdade do indivíduo como sendo de “interesse
universal”: “Represente bem o seu papel”, “Como os homens são engenhosos”, “Os
Oitos Grandes Mistérios das Ciências”, “Um metal que não se cansa”, “O que você fizer
influirá no mundo”, “Assim se conquista a personalidade”, “Inteligência e Caráter Irão
sempre a par ? ” e muitos outros.
Como pode ser atestado o papel das Seleções RD será de extrema importância. O seu
formato, até então inédito, permitir englobar em um mesmo número, a utilização da
“informação” com o intuito de transmitir a partir da “difusão” de pensamentos e/ou
idéias objetivando “persuadir” o público leitor à causa universal enfatizando a “boa
vontade e ajuda mútua” entre nações. Afastando neste sentido, a velha idéia de “Colosso
do Norte” difundida pelo eixo, na América Latina principalmente.
Como objetiva também, através da difusão de livros “influenciar”, selecionando “o que
deve ser lido”, em função da importância do livro como sendo o meio mais eficaz e de
“longo prazo”, segundo as formulações do “Basic Plan”. Sendo assim, as Seleções RD,
atende as “metas” e “prioridades” formuladas pelos “policy-makers” de incrementar
uma expansão da indústria cultural “persuadindo” através da boa vontade,
“influenciando” idéias, pensamentos e produtos culturais nos quais imprimem o
“american way of life”, como sendo o estilo “ideal” de vida no continente e no Brasil
particularmente.
213 O título do filme é o mesmo do livro publicado com grande destaque na “seção de livros” das Seleções do Reader’s Digest em julho/1942. Cf. próxima seção p.135
134
3.4. As Seleções RD na difusão dos ideais pan-americanistas
Segundo os redatores das Seleções RD: “A Revista anuncia pôr em prática extenso
programa de cooperação com os principais editores do Brasil, para a publicação de
artigos originais de escritores brasileiros sobre assuntos brasileiros. Desse modo,
Seleções do R.D contribuirá para facilitar a um bom número de pessoas, tanto na
América Latina como na América de língua inglesa, uma compreensão mais clara das
correntes de pensamento e dos problemas do mundo atual, concorrendo também para
dar uma demonstração inequívoca da comunhão de idéias e interesses que liga as
nações deste hemisfério”.214
Entretanto, a partir do extenso levantamento realizado entre os vários periódicos da
revista, constatou-se que o “mutual benefits” perdeu para a “unilateralidade”. Como a
ênfase era priorizar a propaganda política e cultural do “american way of life”, segundo
as formulações do “Basic Plan”, o esforço das Seleções RD será o de articular este
objetivo à difusão dos ideais pan-americanistas. Como podemos observar através do
próprio Secretário do Departamento de Estado, Cordell Hull quando evoca os leitores da
“matriz” norte-americana a contribuírem com a nova edição em espanhol do Reader’s
Digest que brevemente seria lançada:
“Prezo em saber que The Reader’s Digest esta planejando uma edição
em língua espanhola e que estão convidando muitos leitores nos
Estados Unidos a cooperar, proporcionando a mais completa
distribuição possível. O livre intercâmbio de idéias entre nações, tanto
quanto entre indivíduos, é a maneira mais amigável para enaltecer e
manter o entendimento. Cidadãos dos Estados Unidos que avaliarem
214 BN-RJ, Seleções Reader’s Digest, sob o código IV-299.1.2, abril de 1942. Seção de Acervo e Periódico.
135
esta oportunidade encontrarão uma forma prática de fazer a sua parte
individual na, agora vital causa da unidade pan-americana”. 215
Neste sentido, a estratégia da política cultural adotada possibilita interligar o
“interesse mútuo” entre as repúblicas americanas se distanciando das Kulturpolitic
como ao mesmo tempo não descortina “interesses” mais amplos que estão em jogo.
Entretanto, filtramos um artigo que trata particularmente do Brasil, sendo publicado
logo no primeiro exemplar da “nova” edição das Seleções RD. O artigo foi condensado
do jornal Correio da Manhã e tratava da vitória científica brasileira no combate ao
extermínio do mosquito gambiae. O artigo recebe o título “Como o Brasil Abateu um
Invasor” e foi condensado por Mattoux Miller.
O artigo informava como o governo brasileiro, a partir de 1939, através de decreto
presidencial, atacou e dirigiu esforços no combate ao “anofeles gambiense” através da
criação do Serviço de Malária do Nordeste. Destacando também, o trabalho de
cooperação da Fundação Rockefeller com o governo brasileiro através da contribuição
de mais de 100.000 dólares para as pesquisas no combate ao mosquito.
Este artigo é interessante porque ele atende dois objetivos emergenciais do governo
norte-americano: o de articular os ideais pan-americanistas aos “interesses nacionais”
devido à preocupação do governo norte-americano com sua base militar localizada no
nordeste brasileiro e, ao mesmo tempo, utilizava-se o Brasil como exemplo de vontade
política, devendo ser seguido pelos vizinhos sul-americanos:
“os homens de ciência do Brasil relutam em pretender que a espécie
tenha sido “exterminada” neste hemisfério. Não obstante o êxito da
sua campanha deixou a mais funda impressão entre os cientistas de
todo o mundo, porque o fato se mantém, de que a espécie gambiase
não tornou a ser vista no Brasil desde novembro de 1940. 215 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2. setembro/1940.
136
O Brasil tendo reduzido ao nada essa ameaça na saúde e a segurança
do Novo Mundo, deu também às outras nações da América uma “lição
de cousas” que daqui em diante todas as autoridades de saúde pública
terão dificuldades em ignorar”216.
Já o artigo condensado por Webb Waldrom em março de 1942, intitulado “Jovens
“Yankees” nos Lares Sul-Americanos” difundia a boa vontade e o esforço norte-
americano em dissipar das mentes latino-americanas, a idéia do “Colosso do Norte”
pregado pela propaganda nazi- fascis ta:
“estudantes que vivam nos lares, tomem parte nas atividades
familiares, aprendam a língua, as idéias, os costumes do país, e, por
sua vez, pelos seus modos, caráter e comportamento, façam conhecer
a seus anfitriões a verdadeira América”217.
Este artigo presta homenagem a Donald B.Watt, criador e chefe do “Ensaio
Experimental de Convívio entre as Nações”, projeto posto em andamento na América
Latina a partir de 1940, que tinha o objetivo de desenvolver relações de amizade
através de um intercâmbio218 mais efetivo entre estudantes sul-americanos e norte-
americanos. Segue apresentando a trajetória de Donald B.Watt que desde a 1º Guerra
Mundial se dedicava aos trabalhos sociais patrocinados pela Associação Cristã,
prestando socorro aos refugiados e que a partir dos anos trinta, começa sua experiência
enviando grupos de estudantes a França, a Alemanha e a Itália.
Outro artigo de outubro de 1943, com a chamada: “Precisam-se de milhares de
moços capazes de seguir na pegada de um “pioneiro” da boa-vizinhança”, intitulado
216 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, fevereiro/1942. 217 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299.1.2, março/1942. 218 No tocante ao intercâmbio de estudantes entre Brasil-EUA no período, Gérson Moura chama a atenção na “assimetria” do mesmo, devido à quantidade de pedidos de vistos de estudantes brasileiros que iam para os EUA em relação aos vistos de entrada de norte-americanos que vinham morar no Brasil. Cf. Moura, Tio Sam chega ao Brasil op.cit. e Autonomia na Dependência Ed. Nova Fronteira, 1984.
137
“Precursor da boa vizinhança”, condensado do “Future” por J.P. McEvoy destacava
Cuba, como país promissor para futuros investimentos norte-americanos.
O artigo apresentava a trajetória excepcional de Dayton Hodges, mais um “cidadão
norte-americano”, que graças ao “trabalho” e “determinação”, saiu dos EUA e
conseguiu construir a primeira e a principal usina de algodão em Cuba. No artigo,
Dayton Hodges relatava sua experiência:
“Minha mulher, meus filhos e eu, temos vivido e trabalhado aqui no
campo, entre os cubanos, nossos vizinhos e amigos: acho que
podemos dizer que os conhecemos bem. E se como vizinhos, os temos
ajudado, é mais para que eles se ajudem a si próprios. Não se trata de
filantropia – o benefício é mútuo, para a empresa e para os
empregados. Assim é que eu entendo a política da boa vizinhança. ...
Ao jovem americano que, depois desta guerra, se orientar para o Sul-
não faltarão ocasiões de começar como empregado de alguma filial de
qualquer empresa norte-americana, até ter aprendido a língua e os
costumes do país, e possuir o conhecimento direto das oportunidades
que o novo ambiente lhe oferece”.219
Em abril de 1942, as Seleções do RD concede um espaço cada vez maior a uma dos
objetivos prioritários dos “policy-makers” o de incrementar uma forte propaganda anti-
nazista agilizando neste sentido, informações sobre os últimos resultados “favoráveis”
obtidos pelos aliados na guerra. O artigo condensado da revista Harper’s Magazine
escrito por Edwin Muller, intitulado “Os Últimos Dias do Bismarck” é um dentre os
vários “selecionados” pela revista.
O artigo relatava o sucesso obtido pela marinha inglesa no confronto com a marinha
alemã, através do episódio do afundamento do encouraçado Bismarck, um dos maiores
símbolos do orgulho alemão, em 22 de maio de 1941.
219 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299 1.3., outubro/1943.
138
No periódico de julho de 1942, a “seção de livro” seleciona a publicação do
condensado do livro “Educando para a Morte!”, de Gregor Ziemer220. As Seleções RD
dá grande destaque ao livro devido à experiência in loco do autor, que durante 10 anos
ocupou o cargo de presidente da Escola da Colônia Americana em Berlim.
No resumo descrevia-se o sistema educacional germânico através dos métodos
empregados pelos nazistas e como este sistema criava meninos e meninas a morrerem
pelo nazismo. É interessante notar o forte conteúdo anti-nazista em contraposição ao
sistema educacional democrático norte-americano como podemos observar através de
algumas passagens do texto:
“... A educação americana foi sempre uma educação para a vida.
Insistimos sempre, e sempre trabalhamos, na base duma vasta cultura
geral, mesmo para aqueles que vão especializar-se em artes e ofícios,
por crermos que o conhecimento de muitas cousas torna mais grata a
existência. Os nossos métodos educativos estão sendo agora
severamente postos à prova: a mocidade hitlerista berra que o nosso
sistema está em decadência, aponta desdenhosamente a nossa falta de
entusiasmo, de disciplina e seriedade; diz ela que nós não sabemos
ensinar a devoção a uma cousa. (..) Se nos dispusermos a combater a
mentalidade da juventude hitleriana com a nossa própria mentalidade
democrática, esta terá que se transfigurar em um espírito
rejuvenescido, tão ardente na sua concentração como é o caso do
nazismo nas escolas da Alemanha. (...) A nossa palavra de ordem não
é “ Eu quero morrer por Hitler! (bradava um rapazinho alemão,
moribundo) mas “Eu quero viver pela América..”
220O resumo do livro traz na capa a seguinte chamada: “Esta bem claramente demonstrada na maneira como as crianças alemãs são educadas para a morte e para a destruição. Nesta obra, vê-se exposto, em todo o seu horror e em toda a sua crueldade, o sistema de perversão de que os nazis se têm servido, desde sua subida ao poder, para degradar propositadamente os espíritos e a moral da nova geração alemã. Observado o tratamento que Hitler dá a juventude, percebemos, melhor que de qualquer outro modo, todo o aspecto vil e repugnante do nazismo”. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299 1.03, julho/1942.
139
Outro livro “Behind the Steel Wall”, condensado por Arvid Fredbarg, ex-
correspondente sueco em Berlim, é publicado na “seção de livros” em maio de 1944221.
O condensado tratava da história do jornalista sueco que tinha permanecido em Berlim e
regressado há poucos meses ao seu país e relatava a intolerável impertinência com que
as autoridades do Reich, constantemente interferiam nas suas atividades jornalísticas. O
livro tem grande destaque na seção, como sendo a primeira reportagem a chegar aos
EUA com os últimos acontecimentos da crise ascendente na Alemanha, após a retirada
dos representantes da imprensa norte-americana, em dezembro de 1941.
Artigos qualificados como de “interessante universal” também evidenciam uma forte
propaganda anti- fascista como “Os Gangsters” Patrióticos do Japão” condensado do
periódico Events: A Monthly Review of World Affairs por Dennis McEroy, o qual
relata como o liberalismo no Japão foi reprimido pelos terroristas e “Os Entorpecentes –
Nova Arma do Japão”, condensado de “Commentator” por Carl Crow, informava:
“como o exército japonês estava corrompendo uma nação,
procurando, a um tempo, facilitar a conquista da mesma, e ganhar
dinheiro com o comércio do ópio”. 222
Nas últimas vinte páginas da revista que “estrategicamente” estão sempre reservadas
a “propaganda” dos produtos culturais norte-americanos, os ideais pan-americanistas
são amplamente encontrados através de slogans bem sugestivos como: As Américas
Unidas Vencerão, propaganda de televisão da Philco, O Patrimônio do Novo Mundo, da
Westinghouse, José Martí – símbolo de determinação latino-americana, slogan da
Bausch & Lomb; Tratores Ociosos não ganham Guerras, dos pneus Diesel, Ponha sua
fé no futuro das Américas, da Kodak .
221 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299 1.3, maio/1944. 222 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2., maio/1942.
140
Resumos de livros que tratam de temas da história política norte-americana também
são “selecionados” pelos redatores, como o “The man who killed Lincoln” condensado
por Philip van Doren Stern publicado pelas Seleções RD em janeiro de 1943:
“Nas páginas que vão ler, baseadas em pesquisas meticulosas e
profundas, expõe-se o caso de John Wilkes Booth e a parte que ele
tomou num dos episódios mais trágicos da história americana.”223
No mesmo periódico, outro condensado de livro abordando propaganda favorável ao
liberalismo político contra a “quinta-coluna” e com forte apelo comercial: “Sabotagem!
A Guerra Secreta contra a América” de Michael Sayers e Albert E.Kahn:
“ Sabotagem! não é apenas história: fará história também, disse Carl
van Doren, autor da monumental “História Secreta da Revolução
Americana”. A maioria das pessoas nem sequer sonham o que se tem
passado, e continuará a passar-se subterraneamente nos EUA, se a
nação inteira não for a tal respeito esclarecida.
Os autores, aliás, já tinham produzido alguns trabalhos em que, juntos,
denunciavam as manobras de ocultos inimigos. Albert E.Kahn é
diretor de “The Hour”, boletim de notícias confidenciais publicado
para uso de jornalistas e comentaristas de rádio, que conquistou
merecida reputação na América, mercê dos seus “furos” sobre as
manobras do Eixo nos EUA. Antes da guerra, Michael Sayers estudou
pessoalmente o trabalho dos quinta-colunistas na Europa, e foi o 1º a
desmascarar com minúcia as intrigas fascistas na França, Inglaterra e
Irlanda, através de publicações de larga tiragem nos EUA”.224
E o artigo “A Força de Stálin na América” resumido do The American Mercury por
Max Eastman, ex-professor de Filosofia da Universidade de Colúmbia enfatiza
claramente uma forte propaganda anti-comunista:
223 BN-RJ, idem, janeiro/1943. 224 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1. 2, janeiro/1943.
141
“o artigo esclarece a insidiosa técnica pela qual os comunistas estão
ilaqueando a boa fé a milhões de leais americanos, e estabelecendo
controle oculto do Soviet sobre organizações supostamente
humanitárias. Sobre o autor Max Eastman entre 1913 e 1922 os
semanários comunistas The Masses e The Liberator, e passou os 5
anos seguintes no estrangeiro, estudando de perto os reflexos da
revolução russa. Voltou totalmente desiludido com o socialismo em
ação, e seus livros sobre o assunto foram qualificados por Edmund
Wilson “os mais profundos e o melhor informados entre os de língua
inglesa”225:
Artigos tratando especificamente de temas políticos, como o de Walter Lippmann, um
dos escritores políticos de maior projeção, publicado em novembro de 1943, “A Política
Externa dos Estados Unidos”, evidenciava um forte conteúdo liberal- internacionalista;
bem como “Roosevelt, o Homem e o Político” resumo do livro do biógrafo e conhecido
escritor da história política americana, Gerald W. Johnson publicado pelas Seleções RD
em maio de 1942 e “MacArthur, Herói de Bataan” condensado do “The Philadelphia
Record” por Tom Wolf, publicado no mesmo periódico.
3.6 A Recepção das Seleções RD entre os Formadores de Opinião no
Brasil
No Brasil, a primeira edição em espanhol Selecciones Del Reader’s Digest foi tão
surpreendente que a demanda por uma edição em português logo se fez necessário. O
primeiro número da “Seleções RD” alcançou 100.000 cópias sendo que a partir do
terceiro número, em maio de 1942, o sucesso da revista era amplamente anunciado na
contra-capa:
225 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2, fevereiro/1942.
142
“Por todo o país encontrou Seleções o mais lisonjeiro acolhimento,
desde o Pará, Bahia ao Rio Grande do Sul. Todos os exemplares do 1º
número estavam vendidos em muitas cidades, ao cabo de uma semana
– freqüentemente, dentro de 2 ou 3 dias. Os 100.000 exemplares da 1º
edição esgotaram rapidamente, e os agentes telegrafaram a pedir com
urgência novas remessas. Como resultado de tão cordial recepção que
excedeu todas as expectativas, a distribuição das Seleções no Brasil
será ampliada para 150.000 exemplares, os brasileiros compraram, só
por si, mais exemplares do primeiro número de Seleções, do que toda
a América espanhola do primeiro número de Selecciones”226.
A ampla aceitação das Seleções RD por uma elite intelectual emergente, bem como
por alguns intelectuais que faziam parte do projeto político do Estado Novo e pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda, era o melhor passaporte de entrada e de
credibilidade que as Seleções RD poderia ter. Logo no seu primeiro exemplar
publicado em português, o sucesso e a ampla receptividade da revista é enfatizado por
personalidades importantes da sociedade e da política, ou melhor, os “formadores de
opinião”. Este grupo é apontado pelos “policy-makers” nas formulações da estratégia do
“Basic Plan” como podemos observar através das considerações de Robert Caldwell:
“... os grupos formadores de opinião mais importantes são bem
menores na América Latina do que nos EUA ... este grupo
relativamente pequeno de pessoas controlam a opinião pública na
América Latina.”227
Neste sentido, podemos considerar que o sucesso alcançado no Brasil pelas Seleções
RD em relação aos demais países sul-americanos teve como um dos condicionantes a
anuência dos “formadores de opinião” no Brasil. Assim através da seção intitulada,
Aplausos Representativos, importantes personalidades brasileiras desfilavam nas contra-
226BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código, maio/1942. 227CPDOC-FGV,Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division: IAA:40/01/15. VerAnexo 1.
143
capas endossando a importância da entrada das Seleções RD no Brasil e alguns
esboçavam até mesmo uma certa euforia pela publicação em português. Como Almir de
Andrade um dos principais “formuladores” do projeto nacional brasileiro:
“Esta de parabéns o público brasileiro pela tradução em nosso
idioma do “Reader’s Digest”, cujo excelente plano de informações
culturais virá prestar enorme serviço ao público brasileiro pondo ao
alcance da grande massa de leitores uma publicação de mérito já
firmados”. 228
Para o Reitor da Universidade de São Paulo, Dr. Jorge Americano, a publicação do
primeiro número da “RD”, em português, é recebida calorosamente e, em poucas
palavras, o presidente dos Diários Associados, Assis Chateubriand reitera a importância
do Reader’s Digest:
“Na América, a existência de 3 idiomas dificulta a difusão do
pensamento continental. O Reader’s Digest, editado em 3 línguas, é
um veículo de pensamento acessível a todos os povos americanos.
Devemos- lhe este grande serviço.”
“Pode-se aferir das linhas de humanidade do indivíduo pela sua ânsia
em assimilar o “RD”. 229
Já para Eduardo Espínola, Ministro do Supremo Tribunal Federal a recepção é
aplaudida:
“Habituei-me a ler” Selecciones del Reader’s Digest o que faço
sempre e com muito prazer e proveito. Acredito, entretanto, que uma
edição em língua portuguesa aproveitaria a muitíssimos brasileiros e
seria um grande sucesso”230.
228 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest código IV-299 1.2, fevereiro/1942. 229 Idem, idem, idem 230 ibidem, idem.
144
Uma recepção entusiasta é observada nas considerações de Levi Carneiro, Presidente
da Academia Brasileira de Letras:
“Parecia impossível reunir periodicamente num pequeno nº de
páginas o que de mais interessante se publica em centenas ou milhares
de livros e revistas. A“RD” realizou o milagre condensado em cada
edição mensal uma verdadeira biblioteca e oferecendo uma súmula de
empolgante interesse de toda a atividade mental da humanidade nos
variados setores em que se desenvolve. Sua publicação na língua
portuguesa será verdadeiramente um bom serviço prestado à nossa
cultura”.231
A celebração mais marcante vem do próprio DIP, através de Cândido da Motta Filho,
Diretor Geral do DIP de São Paulo e pelo próprio Diretor Geral do DIP, Lourival
Fontes, respectivamente:
“A edição portuguesa da“RD” vem, efetivamente abrir um caminho
novo nas relações tão necessárias entre a cultura americana e a cultura
brasileira. Com ela, com certeza, o sentido da união americana se
fortificará ainda mais porque é pela comunhão espiritual que se
definem os interesses primordiais das nações cultas”.
“É com a mais viva satisfação que escrevo estas palavras, destinadas
ao primeiro nº da nova edição do “Reader’s Digest”. Ninguém pode
deixar de reconhecer que esse empreendimento representa, antes de
mais nada, uma prova do prestígio do nosso idioma, falado atualmente
por quase 80 milhões de pessoas, no Brasil, Portugal, colônias
portuguesas da África, Ásia e centros de imigração lusa dos EUA. A
direção de “RD” fixou essa circunstância, que dá ao nosso idioma
preponderância sobre muitos outros. Os brasileiros recebem com o
mais intenso regozijo esta nova edição de “RD” que muito poderá
contribuir para desenvolver as boas relações entre os EUA e o Brasil,
231 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest código IV-299 1.2, fevereiro/1942.
145
cuja a amizade é tão antiga quanto à independência de ambas as
nações e tem sido reforçada, no curso da história, por iniludíveis
demonstrações de solidariedade e afeto. Que esta de “RD” possa ser
mais um elemento de aproximação, pela cultura e pelo espírito, do
povo das duas Nações – a de Washington e a de José Bonifácio”. 232
Jornalistas e escritores de outros jornais como “O Diário” e “A Tarde” de Belo
Horizonte, também forma “selecionados” pelos redatores das Seleções RD e fizeram
parte da seção como Antônio Osmar Gomes e Thomas Bernardino respectivamente:
“Seleções tem conquistado as preferências gerais do público, que, sem
tempo para leituras meditadas e ruminadas, tem fome de
conhecimentos intelectuais e culturais”.
“A revista Seleções do Reader’s Digest é uma publicação moldada no
espírito dinâmico do século. As suas qualidades de órgão informador
dos que não dispõem de muito tempo, alia o seu porte cômodo, que
permite a sua condução na bolsa, para que seja lida no trem, no
cinema enquanto se espera a sessão, ou em grande parte quando se
espera um momento disponível”. 233
3.7 A difusão dos “traços culturais” do american way of life nas Seleções
R D
Para Franz Boas: “Cada cultura é dotada de um “estilo” particular
que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes, também
da arte, mas não apenas dessa maneira. Este “estilo”, este “espírito”
próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos...
o relativismo cultural seria o princípio metodológico e que a partir
desse relativismo, levaria a um princípio ético no qual exalta, o 232 Idem,Idem. 233 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2, outubro/1942.
146
respeito e a dignidade de cada cultura na medida em que cada cultura
exprime um modo único de ser do homem, ela tem o direito à estima e
à proteção, se estiver ameaçada”. 234
Já abordamos, no primeiro capítulo do trabalho, como o conceito de “pensar as
diferenças”, originário de Boas, teve nos EUA o seu melhor campo de aceitação e
aprofundamento, para atender as questões políticas, sociais e/ou econômicas que a
nação norte-americana teve ao longo de sua formação. Tal aceitação permitiu a
construção de um modelo “original” de integração nacional.
A presente seção apresenta alguns artigos e/ou condensados de livros publicados
pelas Seleções RD que evidenciam pistas do processo de (re) construção nacional a
partir da difusão de alguns “traços culturais e intelectuais” através da propaganda do
“americanismo” como sendo um “estilo” de vida e comportamento através de idéias
e/ou pensamentos associados a “eficiência”, “fé”, “progresso”, “determinação” e
“caráter empreendedor” nos quais sublinham e representam o “caráter nacional
americano”.
Essas “idéias”, para DeWitt Wallace, possuem um forte “significado”, sobretudo
porque o criador do Reader’s Digest viveu sua adolescência nos últimos momentos da
“América Inocente”, quando a idéia de “fronteira” estava desaparecendo dentro do
próprio país. “Por isso DeWitt Wallace procurava introduzir temas tradicionais norte-
americanos veiculados à “América construída pelo homem comum.” 235
Artigos como o do jornalista norte-americano George Kent que atuava como
correspondentes da United Press na Ásia, intitulado “Um chofer de Táxi na Estrada da
234 Franz Boas. Apud: Cuche,op.cit: 45e46.
235 A expressão “América Inocente” simbolizava a pretensa unidade da cultura protestante de origem anglo-saxã que no início do século, com a imigração, teria acontecido o fim da “América Inocente” e da unidade anglo-saxã, em função da diversidade cultural que passava a tomar corpo nos EUA, implementando transformações na sociedade. Apud: Junqueira,op.cit:.24.
147
Birmânia”, difundia os “traços culturais” do “americanismo” utilizando como exemplo,
um certo cidadão norte-americano que atendendo a solicitação do governo vai para
Birmânia com o objetivo de organizar o projeto de tráfego do governo chinês.
O artigo enfatizava que devido à “capacidade” e “rigidez” de “caráter”, o cidadão
tinha conseguido regularizar o tráfego em uma estrada vital para os chineses bem como
conseguiu persuadir funcionários do governo birmanense, a abolirem uma taxa que
custava milhões à China.
O cidadão é Daniel Arnstein, que segundo a chamada do artigo: “é mais um como
tantos outros cidadãos que começam pobres e acabam ricos nos EUA,”236 um ex-chofer
de táxi de Chicago que após cinco anos de intenso trabalho se tornou proprietário de
uma dúzia de carros e que atualmente aos 50 anos, dirige uma frota de 7000 táxis em
N.Y e 8000 caminhões, tornando-se um dos empresários mais bem sucedido no setor de
transporte nos EUA.
Outro artigo de J.D. Ratclif, condensado da revista The Living Age, “Médicos
Americanos no“Front” Inglês”, descreve a trajetória de um grupo de cirurgiões
voluntários norte-americanos que saíram dos EUA desde o término da Primeira Guerra
para trabalhar no hospital de base em Park Prewetl, perto de Londres, para desenvolver
pesquisas científicas através da utilização do gesso no aperfeiçoamento de técnicas de
cirurgias reparadoras da face de soldados feridos em combate. A iniciativa dos
cirurgiões é apresentada no artigo como “missão”, semelhante aos antigos “pioneiros”
que chegaram aos EUA237:
... um grupo de voluntários pioneiros realiza milagres em cirurgias de
guerra ... o grupo sob o comando de um conhecido cirurgião Dr.
236 BN-RJ,.Seleções do Reader’s Digest sob o código IV 299.1.2, fevereiro/1942. 237 Idem, novembro/1942.
148
Phillip D.Wilson, chefe do Hospital de Cirurgia Especial de New
York que recrutando mais seis jovens de sua equipe partem para a
Inglaterra, em navio beligerante sem conforto e escolta (semelhante
aos piligrinos) ...
A “fé” um dos temas preferidos pelos fundadores DeWitt e Lila Wallace, haja vista a
própria formação e origem protestante, aparece em alguns periódicos das Seleções RD,
como o artigo “A Prece é Força” do biólogo Aléxis Carrel.
No artigo Aléxis Carrel relatava sua experiência ao constatar que muitos fenômenos
que ocorriam não podiam ser explicados cientificamente, citando como exemplo, a cura
milagrosa de uma ferida cancerosa ser reduzida a uma cicatriz, durante sua estada em
Lurdes238.
Em novembro de 1942, a seção de livros seleciona o romance de guerra “Noites Sem
Lua”, condensado do livro The Moon is Down, de John Steinbeck, no qual destaca que
o romance tinha sido um dos maiores acontecimentos literários nos EUA na primavera
passada e que tinha esgotado em um só mês cerca de meio milhão de exemplares. A
“fé” associada à “liberdade” e ao “individualismo” como sendo valores “universais” são
destaques:
“A obra dá testemunho de uma fé profunda: que um povo livre não
pode ser vencido e subjugado para todo o sempre. Para dar corpo à sua
tese, Steinbeck imaginou a ocupação estrangeira dum pequeno estado
independente. Para dar universalidade ao entrecho, evitou as
designações específicas, muito embora se torne evidente que tinha em
vista os Nazis e a ocupação da Noruega”. 239
O condensado do romance “Hostages”, um dos livros, segundo as Seleções RD, de
maior êxito nos EUA, narrava num tom tenso e brutal a história dos acontecimentos que
238 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2,, fevereiro/1942. 239 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, código IV-299.1.2, novembro/1942.
149
se desenrolaram em Praga após o misterioso desaparecimento de certo oficial das tropas
alemãs de ocupação. O livro traduzido por Stefan Heym como “Reféns”, enfatiza a “fé”
ardente com que um povo resistia à opressão estrangeira:
“Não tardei, pois, em me convencer de que as Seleções prestam
indiscutíveis serviços à saúde do espírito, de vez que se trata de uma
verdadeira revista de higiene mental, que renova a fé na bondade e no
destino humano, proporcionando assim inestimável orientação aos
jovens e aos doentes”. 240
Consta que os artigos de “auto-ajuda” relacionados aos problemas do cotidiano do
indivíduo: falta de autoconfiança, desânimo, pessimismo, problemas no relacionamento
conjugal, educação de crianças e/ou temas estritamente veiculados ao universo feminino
como o divórcio e o controle da natalidade, foram constantemente “selecionados” por
Lila Acheson, desde a criação da “matriz” norte-americana 241. Tema presente também
na versão brasileira, quando os redatores selecionam em sua seção, o condensado: “24
Horas de Renda Diária” do livro “How to live on twenty-four hours a day” de Arnold
Bennett no qual tratava o tema da “auto-ajuda” como solução para os problemas do
cotidiano. 242
Na contra-capa as Seleções RD informava que o livro era considerado como um
pequeno clássico da ciência do auto-domínio, oferecendo um antídoto infalível à inércia
mental através de uma técnica da qual resultava num renovado gosto pelas atividades
cotidianas. Em junho de 1943, a seção de livros publica o condensado do livro “On
Being a Real Person” de Harry Emerson Fosdick traduzido como “Em busca do Caráter
Integral”. Na contra-capa as Seleções RD informava as referências do autor:
240 Idem, Idem outubro de 1943. 241 Sendo inclusive apontado pelos pesquisadores da revista, como uma das causas do Reader’s Digest ter sofrido poucos abalos durante a depressão de 1929, o mesmo não ocorrendo com vários editoriais norte-americanos que entraram em colapso durante a crise Cf. Junqueira,op.cit:.26. 242 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest IV-299 1.2, maio/1942.
150
“ Tornou-se internacionalmente conhecido como pregador professor e
escritor. Autor de livros traduzidos em numerosas línguas, como The
Meaning of Faith, As I see Religion, Living Under Tension e outros.
Para lidar com a imensa diversidade de problemas pessoais que
reclamam a sua atenção, Fosdick estudou as técnicas psicológicas e
psiquiátricas, e em certos casos socorre-se do parecer de
especialista”243.
A “determinação” e “força de vontade” é a tônica do resumo “O Mundo na ponta dos
dedos”, do livro autobiográfico de Karsten Ohnstad, The World at my fingertips
“Karsten Ohnstad era um jovem ginasiano como tantos outros,
quando, em conseqüência de um insignificante acidente no curso de
uma partida de futebol, começou a perder a vista. Desde então (tem
hoje 29 anos) a cegueira ensinou-o a servir melhor dos outros
sentidos, ele aprendeu e aplicou com brilho a difícil lição. O livro é
uma autobiografia onde o leitor encontrará uma das mais
impressionantes descrições, até hoje escritas; representando muito
mais do que uma narrativa pessoal cheia de interesse: é uma história
de indômita coragem, e um exemplo animador do triunfo da vontade
sobre os obstáculos”. 244
O “imaginário da fronteira” relacionado ao “Oeste” norte-americano é selecionado na
edição em português do Reader’s Digest. Em abril de 1943, a “seção de livros” publica
o condensado “No Life for a Lady” de Agnes Morley Cleancland, contando a trajetória
feliz da vida da escritora que em fins do século XIX, havia mudado com sua família
para o Velho Oeste nos EUA, onde os valores “tradicionais” norte-americanos ainda
permaneciam e não haviam sido corrompidos. As Seleções informava que o livro tinha
243 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, idem, junho/1943 244 Idem, Idem, dezembro/1942.
151
merecido as honras do 1º prêmio no concurso aberto pelos editores em Boston que
depois o lançaram com o título “A vida na América”245.
Em suma, o que foi apresentado ao longo do capítulo, através de alguns artigos e
resumos de livros publicados nos periódicos das Seleções RD, denota a estratégia da
política cultural norte-americana que instrumentaliza as relações culturais como sendo a
“quarta dimensão” da política externa em prol do incremento dos “interesses nacionais”
norte-americanos. Através da difusão de idéias e/ou pensamentos associados como
“democracia”, “progresso”, “determinação”, “fé”, “caráter empreendedor”, “trabalho”,
“individualismo”, “ajuda mútua”, “liberdade”, “patriotismo” etc. que ora são veiculados
estrategicamente aos ideais pan-americanistas ora como produto de propaganda
nacional. Afinal, essas idéias e/ou pensamentos possuem forte “influência” no
imaginário social norte-americano, sobretudo, para a classe média branca americana,
que representa o homem comum como sendo o “tipo” que (re) constrói o país. Sendo
assim, possuem forte clamor nacional porque difundem o “caráter americano” que foi
(re)construído ao longo do tempo, através do imaginário sobre a “fronteira”. Imaginário
que não atuou somente na dinâmica de “americanização” dos traços europeus, mas
sobretudo como uma válvula de segurança para os conflitos sociais a partir das grandes
extensões de terras livres nas quais promoveram e desenvolveram a “especificidade” da
“democracia” norte-americana. Como voltamos mais uma vez a tese de Turner sobre o
significado da fronteira:
“na fronteira, a natureza domina o adventício, fazendo com que o
europeu se obrigue a adotar maneiras e utensílios indígenas. Somente
em um segundo momento, após a adaptação ao novo ambiente e ao
nativo, o colonizador poderia rearticular seu legado anterior,
adequando-o então às novas condições de vida. Os valores europeus 245 Idem, Idem, abril/1943.
152
são, nesse processo, transformados. Assim a fronteira é a linha de
mais rápida e efetiva americanização”.246
Sem deixar de considerar que essas idéias e/ou pensamentos associados, moldaram o
próprio sistema educacional nos EUA. Uma vez que o sistema esteve voltado para criar
cidadãos americanos, cidadãos práticos e úteis para o funcionamento da democracia
norte-americana, através de uma educação que valorizava a fé no progresso industrial,
no valor do trabalho e das ciências, para atender o processo de modernização e
industrialização em pleno curso nos EUA, desde o final do século XIX. Sendo a base
e/ou a matriz na qual os imigrantes foram “assimilados”, como podemos observar nas
considerações de Lúcia Lippi de Oliveira:
“Aprender a língua, educar e trabalhar foram estratégias dos novos
imigrantes para se tornarem americanos”. 247
Assim a propaganda de difusão do “american way of life” nas Seleções RD atende
aos “interesses nacionais” formulados pela elite política e intelectual norte-americana
que cooptada pelo Estado afirma: o “excepcionalismo norte-americano”, o self
government, o “politicamente correto”, em relação ao nacionalismo explícito das
Kulturpolitics européias, sobretudo alemã, que estão cada vez mais próximas do
“isolamento geográfico do espaço da fronteira” como instrumento político de
incrementar uma propaganda nacional, fator intrínseco à própria natureza das políticas
culturais, no sentido de reforçar os vínculos de pertencimento e auto- identificação do
indivíduo a nação, não sublinhando conflitos de interesses internos e ao mesmo tempo,
responder as demandas do processo de desenvolvimento e expansão da industria
cultural norte-americana.
246 Turner,op.cit: 29. 247 Oliveira, 2000:176.
153
Conclusão
Este trabalho se apoiou em três pontos básicos: em primeiro lugar, inseriu o tema
das “relações culturais internacionais” como objeto de estudo das relações Brasil-EUA
visando contribuir aos estudos das Relações Internacionais Contemporâneas.
Procuramos assim, dimensionar o leque de análise dos especialistas da área no Brasil
que, em grande parte, privilegiam o campo estritamente político, militar e/ou econômico
como sendo os principais pólos de análise das Relações Internacionais e colocando as
relações culturais num plano secundário no processo de formulação da política externa
dos países.
Neste sentido, a busca por uma bibliografia internacional especializada em relações
culturais possibilitou ampliar o leque de análise residindo no primeiro passo para a
compreensão do objeto de estudo.
O que podemos constatar através do caso do OCIAA e do papel das Seleções R D é
que a partir da utilização dos vários mecanismos de difusão cultural (filmes, livros e
revistas) através da ação da sua elite política e cultural instrumentalizada pelo Estado,
permitiram ao OCIAA e as Seleções RD não somente a viabilização como a
concretização dos objetivos políticos, econômicos e até militares. Exatamente pelo fato
das relações culturais englobarem a utilização de vários recursos e diferentes vias de
acesso, através da difusão de idéias que por meio delas impõe produtos e negociam
alianças, as relações culturais internacionais proporcionam uma “dimensão” própria sem
precedentes em relação aos demais campos. Como aponta o especialista na área, Edgar
Telles Ribeiro:
154
“Qualquer que seja o cenário internacional, o Estado continua a deter
uma função primordial nesses processos de aproximação
internacional: a de assegurar e facilitar esse fluxo de trocas que os
homens espontaneamente estabeleceram entre si. E, ao faze- lo, cada
vez mais os Estados vêm procurando tirar partido desses canais
naturais de comunicação, para conferir uma dimensão cultural às
relações diplomáticas que mantêm entre si. Assim, quase todos os
países desenvolvidos (ainda que seus objetivos declarados sejam
outros) tiram enorme partido da emergência do fator cultural que
procuram entrosar às diversas vertentes de suas atuações diplomáticas
(...) Valendo-se dessas avenidas espontaneamente abertas pelos
homens, multiplicam suas interligações culturais e, por meio delas,
circulam idéias, impõem produtos e negociam alianças”. 248
Se o fator cultural age como importante instrumento para beneficiar a política externa
de um país “independente” do cenário internacional, então podemos considerar o
OCIAA como sendo um recurso de extrema importância na formulação da política
externa norte-americana neste período. Pelo fato de que não houve espontaneidade em
sua criação, muito pelo contrário, foi fruto de um planejamento cuidadoso do governo
norte-americano e ademais ligado à defesa e segurança nacional, em função da
conjuntura de guerra. Neste sentido, as relações culturais, ou a “quarta dimensão” das
relações internacionais, não foi somente um instrumento a beneficiar os outros campos
da política externa norte-americana, mas agiu como o fator condicional para atingir
interesses mais amplos que estavam em jogo.
Procuramos “filtrar” na pesquisa sobre o OCIAA os documentos mais importantes que
determinaram a importância das relações culturais na formulação da política externa
norte-americana neste período. De maneira a compreender de que “forma”, “como” e
“quais” os mecanismos de difusão cultural priorizados e, principalmente, apresentar
248 Ribeiro,op.cit: 23.
155
como a “difusão cultural” foi articulada entre os “policy-maker” nas etapas do processo
de formulação da estratégia de ação do “Basic Plan”.
A análise do “Basic Plan” adquiriu uma dimensão importante constando em várias
seções do trabalho, ora como acréscimo na análise conceitual do “conteúdo” do
“interesse nacional” através da “influência” que certas idéias possuem e como são
“assimiladas” entre os “policy-makers”; ora como “pano de fundo” na análise do
relacionamento entre o OCIAA e o DIP e/ou como “suporte” para interligar a entrada
das Seleções RD, como sendo mais uma “etapa” da estratégia de “ação” da política
cultural norte-americana implementada no período.
O segundo ponto do trabalho contextualizou a criação do OCIAA no período entre-
guerras como uma ação contra a difusão do nacionalismo europeu através da
instrumentalização das relações culturais na defesa e promoção dos “interesses
nacionais” norte-americanos. Para tal nos apropriamos do conceito de nacionalismo de
Anderson e Gellner que nutrem os estudos contemporâneos, como suporte teórico para
analisar sob uma perspectiva histórica o tema do nacionalismo.
Utilizamos o conceito de Anderson como forma de desvincular o fenômeno do
nacionalismo do campo das ideologias e/ou do estritamente ideológico, associado a
fascismo e/ou liberalismo e o de Gellner com relação ao importante papel exercido por
uma certa elite cultural que através de um amplo processo educacional atuando como
mediadora entre o Estado e a sociedade, promoveu uma homogeneização cultural, para
atender as demandas do processo de industrialização e aumentar o poder do Estado.
Igualmente buscamos compreender como o nacionalismo é interpretado na história
intelectual norte-americana, através da análise do pensamento político de Morgenthau,
centrado no “interesse nacional”.
156
A partir de um exame crítico da história da política externa norte-americana,
Morgenthau forneceu o suporte para compreender como o “conteúdo” do “interesse
nacional” está presente durante longo período: desde a formação política da nação,
através da “experiência norte-americana”. Sendo uma espécie de guia de ação da
política exterior que se vincula com a própria expansão histórica norte-americana no
continente. Assim, a legitimidade do “conteúdo” do “interesse nacional” se justificou ao
longo do tempo, frente à usurpação de outras nações, principalmente européias, através
da defesa da identidade física, política e cultural da nação norte-americana, a partir dos
três fios condutores associados às idéias veiculadas a “missão”, “experiência única” e o
“isolamento”.
Procuramos apresentar também como essas idéias fazem parte das representações
imaginárias da nação estando presente na literatura nacional, fazendo parte, portanto,
das “tradições” de uma mentalidade coletiva de uma certa elite intelectual. Tais idéias
foram ao longo do tempo, (re)construídas, não aleatoriamente, e apropriadas como
instrumento político objetivando incrementar o vínculo de sentimento e auto-
identificação para obter a continuidade e soberania da nação e como instrumento de
coesão social objetivando não sublinhar conflitos de interesses internos.
O terceiro ponto do trabalho fo i analisar como ocorreu o relacionamento entre o
OCIAA e o DIP no qual procuramos relativizar o potencial explicativo em torno da
idéia universal do “mutual benefits”. O que podemos verificar é que o conceito de
“mutual benefits” defendido por Coombs, em termos “efetivos” no sentido de promover
o desenvolvimento a partir de uma cooperação mais estreita na área cinematográfica no
Brasil, não ocorreu no período.
157
Por outro lado, o “caráter universal” que “embasa” os estudos das relações culturais a
partir da idéia de “reconhecimento e autodeterminação de povos e nações”, foi o pano
de fundo do relacionamento entre os dois países. O apoio e a defesa dos ideais e valores
culturais comuns em prol da “nova” civilização americana foram consensuais entre os
intelectuais “selecionados” possuindo forte “influência”, seja para o “formulador” Almir
de Andrade:
“A comunhão universal do futuro terá que apoiar-se num justo
equilíbrio dos nacionalismos –tomando-se o nacionalismo naquele
sentido novo e realista a que nos referimos, isto é, como expressão
político de uma cultura ou de um grupo de culturas irmãs... O
nacionalismo que ressurge é com a renovação política do mundo
moderno, contrapeso natural a essa política de infiltração, é uma
condição insubstituível de liberdade e progresso.” 249
Seja para intelectuais como Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia que atuavam
como “articuladores” e “formadores de opinião” do jornal “A Manhã”:
“Não há tipo de regimes universais: o que há são regimes nacionais.
Desse princípio decorre o direito de autodeterminação segundo o qual
cada povo escolherá livremente a sua forma de governo. Jornal para o
Brasil e jornal para todos, múltiplos e variados são os aspectos da vida
nacional e se consagram também os princípios de solidariedade pan-
americana, pela difusão dos seus valores espirituais e sociais”250.
“Combatendo as ideologias extremistas procurávamos as razões mais
fundas da “democracia” no estilo de vida americano, transformando
numa generosa e humana ideologia a substância socia l do nosso tipo
de civilização. Infensos à violência nazista; contrários à força
niveladora do comunismo; procurando dar um sentido orgânico à
liberdade definidas suas fronteiras com nitidez através da ação
249 Andrade,op.cit:.34-46. 250 BN-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 9/08/1941.
158
disciplinadora do Estado forte, imprimamos ao movimento a profunda
originalidade o próprio estilo de vida das nações americanas”.251
Assim para esta “intelectualidade” brasileira que atuava como mediadora entre Estado
e sociedade, o contato mais estreito com os interlocutores do OCIAA foi visto como o
momento oportuno de beneficiar tanto a política interna como externa brasileira, haja
vista a importância do Brasil como um aliado estratégico aos “interesses nacionais”
norte-americanos, como vimos nas concepções de Lourival Fontes e/ou o que melhor
“convém” e “satisfaz” ao desenvolvimento e progresso do país, segundo as
“formulações” de Almir de Andrade. Neste sentido, o relacionamento entre os
interlocutores oficiais dos governos teve como pano de fundo a defesa e promoção
mútua dos “interesses nacionais”.
É neste quadro pela busca na construção de uma consciência nacional mais próxima às
raízes da nacionalidade brasileira é que se explica a absorção de representantes da
vertente verde amarela modernista intelectual brasileira. Entretanto, essas “raízes” da
nacionalidade que se recupera não é aquela que incorporava uma busca mais crítica,
como a corrente de “vanguarda” modernista; mas aquela pela qual a noção de
brasilidade passava pela história tradicional, mitificadora dos heróis e das instituições
nacionais e o culto às autoridades. Assim, a corrente intelectual “verde amarela”
“conservadora” é aquela que mais atende aos interesses do Estado centralizador, no
sentido de “construir” e “reforçar” vínculos de sentimentos e auto- identificação, através
das “tradições” como instrumento de manter a estabilidade social e política para obter a
legitimidade e continuidade do “novo” Estado Nacional, como aponta Cassiano
Ricardo:
251 BN-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 1º/01/1942.
159
“Há um Brasil permanente, em cuja tradição teremos que ir buscar,
muitas vezes, o alimento espiritual de que necessitamos para viver a
hora atual. Assim, A Manhã é defensora do Brasil puro e íntegro que
nos vem do passado, com toda a poesia da experiência humana. Mas é
antes de tudo, a hora presente, no seu esplêndido e matinal convite ao
nosso espírito de criação”. 252
Como a corrente “verde-amarela” se apóia na “modernidade” para atender as metas do
projeto nacional brasileiro de desenvolvimento econômico através do incremento de
uma política para o interior. Como podemos observar através da seção “diária”
intitulada “Marcha para o Oeste” de Cassiano Ricardo, do jornal “A Manhã”, inspirada
no “modelo” de desenvolvimento norte-americano:
“Um país novo, mas de intensa capacidade evolutiva, como o Brasil,
não pode deixar de se instruir com as experiências já verificadas em
outros pontos da terra -para aproveitar com os bons exemplos de
umas, e acautelar-se dos desastrosos de outras.
“Marcha para o Oeste”, não é uma simples frase. A civilização de
fachada, que o admirável sociólogo dos “Sertões” condenava não era
certamente, a que convinha aos interesses do Brasil. Torna-se urgente
abandonar o comodismo da cidade e voltar a fase heróica dos
primitivos desbravadores para fortalecer a raça e consolidar a riqueza
do país.. Depois da Guerra de Secessão nos EUA, a primeira
preocupação dos homens de governo foi reformar os métodos de
educação do povo, em bases adequadas à grave situação econômica do
momento histórico. Não era possível pensar em um programa
meramente literário, quando o país atravessava a maior crise
econômica. Preparar portanto a mentalidade da juventude norte-
americana para explorar todas as riquezas que a terra apresentava,
constituía o dever do administrador. País que conta o seu maior
potencial econômico na agricultura e na pecuária, não pode o Brasil
permitir que continue em segundo plano o ensino rural. 252 BN -RJ, o jornal A Manhã, PR SPR-7:9/08/1941.
160
A política do Estado Nacional, que é o completo aproveitamento das
energias humanas, não poderia esquecer a massa enorme dos
trabalhadores dos campos, livrando-se dos flagelos da malária, das
verminoses.. E é da renovação substancial que presentemente anima o
Brasil, que estamos recolhendo, esses resultados.. Goiânia a capital do
oeste, situada em pleno sertão, com todo o conforto que a civilização
exige, já representa um orgulho para o espírito de iniciativa de nossa
gente.. É a primeira cidade que o Estado Novo vai inaugurar. Cidade
pioneira que abre ao Brasil a estrada de seu destino.. O Brasil
genuinamente nacional, em 1942, reunirá em Goiânia todos os
elementos de sua cultura na mais confortadora parada de patriotismo e
de confiança”. 253
Por conseguinte, esta modernização prescindia em desenvolver uma educação ligada
ao campo da medicina social que tinha como pressuposto a conexão entre raça e nação,
sendo uma das preocupações da política cultural do governo como constatamos através
do jornal “A Manhã” quando este concede um espaço considerável em suas páginas na
publicação do evento “Semana da Raça”, que teve a participação de várias autoridades
militares, representantes da cúpula do governo e membros da Sociedade Brasileira de
Medicina:
“Já passou a época em que a expressão raça precisava exclusivamente
um conceito étnico. Hoje, raça e nação tendem a confundir-se e aquela
não é apenas, como disse Júlio Dantas, um conjunto de caracteres
antropológicos mas a memória das gerações que se sucedem, se
estratificam, se fixam à terra, na capitalização hereditária dos mesmos
costumes, das mesmas tradições e do mesmo sentimento ancestral
criando, na sua expressão unitária, a consciência de perpetuidade e de
indissolubilidade. Promover e propagar a saúde da raça no Brasil é
desse modo, lutar pela força da nação.. O nosso problema primeiro é
assim um problema de população, mas não de população no sentido
253 BN-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 9/08/1941.
161
quantitativo, e sim também, e sobretudo, no sentido, qualitativo, isto é
civilizado, sã e vigorosa.. É certo, nas conferências que serão
realizadas na semana da raça, nas lições que dela resultarão,
encontraremos as bases, seguras dos rumos que nos devemos traçar
para ter um Brasil cada vez mais pujante e forte”.254
Neste aspecto, pode-se entender como o nacionalismo cultural “excludente” alemão
não conseguiu obter êxito no contexto nacional brasileiro, reconhecido como o grupo
estrangeiro mais fechado em torno de sua própria cultura, sendo apontado pelo “A
Manhã”, como um “problema nacional” ligado à desnacionalização:
“A imigração estrangeira que se vinha fazendo desordenadamente,
havia criado sérios problemas no Estado do Rio Grande do Sul, onde-
se fez sentir sua maior afluência, concorrendo assim, na sua infiltração
perniciosa, para o enfraquecimento da alma nacional.”255
Por outro lado, o nacionalismo norte-americano centrado em “pensar as diferenças”
entre norte-americanos e latino-americanos, através de critérios igualitários e
universalizantes a partir do reconhecimento e auto-determinação dos povos latino-
americanos não feria suscetibilidades nacionais ao respeitar os aspectos e valores
“culturais” de cada nação. Atendendo neste caso aos “interesses nacionais” do Estado
Novo.
Assim o DIP através dos amplos mecanismos de difusão que estão sob sua “ação” e
controle se beneficia de uma maior aproximação com os interlocutores do OCIAA no
Brasil no sentido de promover um amplo processo da padronização da língua e dos
“novos” ideais de “nacionalidade” através da difusão de “filmes educativos”. Citamos
como exemplo o filme Alô Amigos, que obteve uma ampla receptividade no Brasil,
254 BN,-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 13/01/1942. Os temas propostos eram relacionados à moralização da sociedade e desenvolvimento social: exame pré-nupcial, estudo médico-social do meretrício; educação sexual, luta venérea etc. 255 Idem, idem, 1º/01/1942.
162
especialmente no público carioca, sendo apontado inclusive pelos interlocutores do
OCIAA, como um dos melhores êxitos no intercâmbio na área cinematográfica entre
Brasil-EUA.
“Olá Amigos, o primeiro filme sob o contrato, tem sido tão bem
sucedido comercialmente e do ponto de vista da boa-vontade que
todos os 70.000 dólares do governo vai ser sem dúvida recuperado e o
lucro será suficiente para cobrir as garantias de outros filmes”. 256
O filme evidencia não somente a “harmonia e o mútuo interesse” entre as nações
como denota o emprego do conceito “cultura e personalidade”257 na construção dos
“personagens” Zé Carioca e Pato Donald. Assim podemos considerar que a “difusão
cultural” no sentido de “pensar as diferenças” levou necessariamente a uma busca das
raízes culturais que a partir das “tradições” possibilitaram incrementar os vínculos de
pertencimento e auto- identificação do indivíduo a nação não sublinhando conflitos de
interesses internos e ao mesmo tempo reforçar o poder de “ação” do Estado. Na busca
de “pensar as diferenças” culturais de cada nação incrementa-se a própria referencia
cultural e/ou matriz que no caso norte-americano é o “espírito do americanismo” e o do
brasileiro é o “espírito cordial”258.
Neste sentido, a propaganda nacional visa incrementar aspectos da “identidade”
através da difusão dos “traços culturais e intelectuais da personalidade básica” que
256 CPDOC-FGV .IAA Coleção Foreig Office, Relatório Motion Picture Division, 15/02/1943. 257 Esta escola se detém a pesquisar como a cultura é incorporada nos seres humanos e como estes vivem sua cultura, através do estudo de como cada cultura determina um certo estilo de comportamento comum ao conjunto dos indivíduos que dela participam. Para a antropóloga Ruth Benedict cada cultura se caracteriza por um pattern,isto é uma certa configuração e modelo numa totalidade homogênea e coerente. Já Margareth Mead procura orientar suas pesquisas em direção a maneira como um indivíduo recebe sua cultura e as conseqüências que isto provoca na formação de sua personalidade e para Ralph Linton o que varia de uma cultura à outra, é a predominância de um tipo de personalidade que os mesmos grupos partilham no plano de comportamento e da personalidade. In: Cuche,,op.cit:74-84. 258 Cabe ressaltar a influência norte-americana na formação de Gilberto Freire. O intelectual estudou em um colégio batista em Recife, onde se tornou protestante, estudou na Universidade de Baylor, no Texas (1918-20) e na Universidade de Colúmbia, Nova York, sendo orientado pelo próprio Franz Boas. Sem desconsiderar sua influência do historicismo de Dilthey, Simmel e Weber. Apud: Reis,2001:.53
163
representa e sublinha o “caráter nacional” de cada nação: o “espírito cordial”259 do
homem brasileiro através do personagem Zé Carioca e o espírito do “americanismo”,
através do significado da “América Inocente” representado pelo “homem comum
americano da classe média”260, caracterizado no personagem Pato Donald. Como
voltamos mais uma vez às concepções de Almir de Andrade com relação ao “espírito
cordial”:
“Esses traços psicológicos favoreceram-no, na colonização do Brasil,
seu caráter vago, indeciso, contemporizador, sem princípios rígidos,
sem normas intransigentes de conduta, se bem que passível de censura
permitiu que ele obtivesse os melhores resultados enquanto
colonizador... Esse patrimônio de tradições não é apenas uma herança
útil: é também um conjunto de “motivos” inspiradores das nossas
ações, que não podemos, nem devemos rejeitar. É a própria alma do
Brasil que aí se contém: É preciso que não nos esqueçamos nunca
desses traços personalíssimos da alma brasileira, encarnado em nossas
tradições.”261
Assim, o nacionalismo adotado é o renovador nas bases do “realismo
contemporâneo”, no sentido da organização do Estado que é a concretização das
necessidades de uma cultura segundo Almir de Andrade:
“ O realismo político, que renasce, procura, todavia, outros
fundamentos para o espírito nacional, se este deve subsistir, precisa
apoiar-se em realizadas, e não em ficções. Uma nação representa, na
comunidade universal, o que representa o indivíduo na comunidade
universal: um núcleo de problemas específicos, uma equação
original”.262
259Com relação ao embate que ocorreu na época, entre as diferentes concepções intelectuais de Sérgio Buarque de Holanda e Cassiano Ricardo acerca da interpretação do “esp írito cordial”, destacamos Wegner, 2000: 53-58. 260 Para conhecer a influência social do imaginário da fronteira nos EUA, Junqueira,op.cit: 53-93 261 Andrade,op.cit:.90 262 Idem, op.cit:27
164
E como “modelo” de “ação” os “novos” ideais do “universalismo nacionalista” nos
parâmetros do “realismo” político segundo o pensamento de Morgenthau:
“O nacionalismo de hoje, que é realmente um universalismo
nacionalista, tem somente uma coisa em comum com o nacionalismo
do século XIX: a nação como ponto de referência fundamental para as
ações de lealdades políticas. ...Para o universalismo nacionalista do
fim do século XX a nação é tão somente o ponto de partida de uma
missão universal cuja meta final se expande até os confins do mundo...
Enquanto o nacionalismo queira que cada nação integre um Estado e
nada mais, o universalismo nacionalista do nosso tempo clama por
uma nação e um Estado que tenham o direito de impor seus próprios
modelos de ação sobre as demais nações”263
Em suma, este trabalho procurou compreender como o nacionalismo busca o poder
do Estado e como este se “apropria” do nacionalismo para adquirir maior conseqüência
na construção da nação e na defesa e promoção dos “interesses nacionais”. A
congruência entre Estado e nação se faz necessária para a sua legitimidade, estabilidade
e coesão interna e como elemento aglutinador em prol da causa nacional. E se o
nacionalismo se tornou um fenômeno universal foi porque o Estado-Nação, como forma
de organização política se universalizou bem como, a legitimidade universalmente
atribuída à nação e ao princípio nacional, foram e são categorias “pontuais” nos
discursos de legitimação dos Estados Nacionais.
O fenômeno do nacionalismo é um processo dinâmico que esta sempre em
(re)construção, quer seja nas nações mais jovens e/ou mais antigas, através da “ação” de
uma certa elite intelectual que atua como articuladora e construtora de “projetos
nacionais”. O importante ao nosso ver é tentar compreender como ele é “assimilado”
263 Morgenthau,1948:385.
165
internamente para interpretar de que forma ele se justifica e se “dissimula”
principalmente em determinados contextos internacionais, quando o nacionalismo é
“apropriado” para atender interesses “estratégicos” mais amplos.
O que podemos constatar é que a “ação” do OCIAA e o papel das Seleções RD além
de difundir os “ideais” universais do “novo” nacionalismo dentro dos parâmetros do
“realismo” político, fizeram parte também e, sobretudo, das “etapas” do “projeto
imperial” norte-americano. Projeto cuja “meta” é o de estabelecer uma hegemonia
continental utilizando como “método” o poder de persuasão e “influência” de sua
“cultura” e da “atração” de sua filosofia política como instrumento de consolidação de
poder.
Por último, algumas considerações, com relação à opção em fazer um trabalho que
tem como pano de fundo o tema do nacionalismo, sobretudo o norte-americano.
Conforme o trabalho se desenrolava através da pesquisa árdua na Coleção Foreign
Office referente ao OCIAA, que engloba em torno de 1850 folhas de documentos,
somado aos periódicos das Seleções RD e, sobretudo, do jornal “A Manhã”, nos
deparamos com os acontecimentos terríveis dos atentados terroristas que abalaram o
cenário internacional e a resposta norte-americana aos atentados. Neste sentido, nos
preocupamos em redobrar as pesquisas e aprofundar os estudos no sentido de
compreender mais de perto o “outro” devido à própria perplexidade que impera entre os
especialistas em Relações Internacionais através das críticas acirradas ao atual modelo
de condução da política exterior norte-americana.
Assim sendo, o trabalho adquiriu uma dimensão atual, na qual podemos constatar
como o “conteúdo” do “interesse nacional” é o fio condutor da política externa norte-
americana e que se justifica ao longo do tempo e que atualmente através de uma ação
166
estritamente “unilateral” tanto no plano político, econômico e militar, será o guia da
política do governo norte-americano.
Por outro lado, consideramos que o ponto de partida para uma melhor compreensão
do “nacionalismo” é tratar como sendo realmente “universal” e que deve estar centrado
através de uma prática “efetiva” na qual prevaleça critérios igualitários de mútuo
reconhecimento e auto-determinação dos povos e nações. Este é o fio condutor das
Relações Culturais Internacionais que tem como objeto de estudo a “cultura” sob o
enfoque “universal de civilização” para buscar um melhor entendimento e compreensão
das Relações Internacionais e que tenha como premissa “básica” e não como retórica de
discurso: a aceitação, o reconhecimento e o respeito das “diversidades” e
“especificidades” “culturais” de cada nação como um valor do direito universal.
167
Anexo 1
168
Anexo 2
169
Fontes Primárias
CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil), Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.
Setor de Documentação - Inventário Inter-Americano:
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-------------------------------------- Coleção do Departamento de Estado
Seção de Periódicos – Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
-------------------------------------- Jornal “A Manhã”.
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