a política cultural norte-americana no brasil: o caso do...

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História Linha de Pesquisa História das Relações Internacionais A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do OCIAA e o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946 Silvana de Queiroz Nery Mesquita Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ como requisito à obtenção de grau de Mestre em História das Relações Internacionais. ORIENTADORA: Profª. Drª Mônica Leite Lessa. RIO DE JANEIRO 2002

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História

Linha de Pesquisa História das Relações Internacionais

A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do OCIAA e

o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946

Silvana de Queiroz Nery Mesquita

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ como requisito

à obtenção de grau de Mestre em História das Relações Internacionais. ORIENTADORA:

Profª. Drª Mônica Leite Lessa.

RIO DE JANEIRO

2002

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Agradecimentos

Gostaria de iniciar ressaltando o apoio e a contribuição de algumas

instituições e pessoas, no processo de elaboração desta dissertação que,

sem os quais, eu dificilmente teria chegado à finalização deste trabalho.

Primeiramente a Universidade do Estado do Rio de Janeiro pelo apoio e

incentivo, oferecendo as melhores condições para o debate acadêmico em

geral e, especificamente, na área de Relações Internacionais.

Ao Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas

(CPDOC) e à Biblioteca Nacional para o levantamento e acesso às

inúmeras fontes primárias consultadas, “essenciais” na composição deste

trabalho.

Agradeço, particularmente à minha orientadora, Profº Drª Mônica Leite

Lessa, que desde o período do curso de especialização em História das

Relações Internacionais, acompanha a minha trajetória acadêmica sendo

responsável pelos meus estudos iniciais sobre a “dimensão cultural” como

objeto de análise das novas abordagens em Relações Internacionais, à

Mônica Leite Lessa, devo meu profundo respeito e agradecimento, por essa

contribuição e pela extrema paciência e dedicação que foi muito além de

uma orientação acadêmica formal.

Ao Profº Drº William Gonçalves da Silva, membro da banca examinadora,

que além de um grande incentivador na continuidade dos meus estudos em

História das Relações Internacionais, contribuiu com sugestões de extrema

valia, quando apresentei no exame de qualificação meu projeto de tese e

que foram prontamente incorporadas neste trabalho.

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Ao Profº Drº Hugo Rogério Suppo, agradeço, particularmente, a precisão e

paciência com que leu o meu projeto de tese, quando membro da banca do

exame de qualificação, contribuindo de forma substancial no

desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço também às leituras e discussões propostas pela Profº Drª Miriam

Gomes Saraiva, no curso de Política Externa Brasileira do Programa de

Pós-Graduação, as quais acrescentaram importantes direcionamentos neste

trabalho.

Agradeço ao convite oferecido pela Universidade Federal de Pernambuco

(UFPE) através do Núcleo de Estudos Americanos (NEA) para ministrar

duas palestras sobre este trabalho e principalmente ao diretor do NEA,

Profº Drº Marcos Guedes, bem como, sua equipe, pela atenção quando da

minha estadia em Recife.

E em especial, ao meu marido, Paulo Roberto e a minha filha, Juliana, pelo

carinho, apoio e compreensão da longa ausência do convívio diário, da

esposa e mãe, que sem os quais não conseguiria realizar este trabalho.

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RESUMO

Esta dissertação tem como proposta estudar a política externa norte-

americana durante a Segunda Guerra através da inserção das Relações

Culturais Internacionais como objeto das novas abordagens em Relações

Internacionais. Elegemos como estudo de caso a política cultural norte-

americana no Brasil representada pelo Office for Coordinator Inter-

American Affairs (OCIAA) e o papel das Seleções Reader’s Digest.

Procuramos a partir do diálogo com as Ciências Sociais estudar o

nacionalismo norte-americano e brasileiro bem como os aspectos da

identidade de cada nação

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ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to study the north american foreign

policy during World War II through the insertion of the International

Cultural Relations as an object of the new approaches in International

Relations. We have elected a study of case the north american cultural

policy in Brazil represented by the Office for Coordinator Inter-American

Affairs (OCIAA) and the role of the Seleções Reader’s Digest.From the

dialogue with the Social Science we’ve attempted to study the North

American and Brazilian nationalism as well as the aspects in the identity

of each of these nations

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ABREVIATURAS

BN – Biblioteca Nacional CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação DE - Departamento de Estado DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda FGV - Fundação Getúlio Vargas IAA – Inventário Inter-Americano OCIAA - Office of Coordinator Inter-American Affairs RD- Reader’s Digest Seleções RD – Seleções do Reader’s Digest

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SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................p.8

Capítulo 1 Nacionalismo e Política Externa

1.1A crise do entre-guerras............................................................................................p.24

1.2 Nação e Nacionalismo.............................................................................................p.27

1.3 A criação do OCIAA – Política cultural norte-americana......................................p.34

1.4 Departamento de Comunicações (Divisão de Filmes, Imprensa e Publicações)....p.39

1.5 O Basic Plan: Etapas da Estratégia de Ação do OCIAA........................................p.41

1.6 Interesse Nacional: Experiência Única, Missão e Isolamento................................p.46

Capítulo 2 O Relacionamento entre o OCIAA e o DIP

2.1 A Estratégia de Ação da Divisão de Filmes do OCIAA .........................................p.66

2.2 As Bases de uma Relação – OCIAA e DIP..............................................................p.73

2.3 Canal de Difusão: o jornal A Manhã .....................................................................p.87

2.4 O projeto nacional Brasileiro: entre a Tradição e a Modernidade..............................p.100

Capítulo 3 A Difusão do American way of Life nas Seleções RD (1942-1946)

3.1 Breve Histórico: The Reader’s Digest...................................................................p.117

3.2 O Universalismo nas Seleções RD ........................................................................p.119

3.3 O Papel das Seleções RD na estratégia da Política Cultural norte-americana....p.128

3.4 As Seleções RD na difusão da propaganda dos ideais pan-americanistas..........p.134

3.5 A Recepção das Seleções RD entre os formadores de opinião no Brasil.............p.141

3.6 A Difusão dos “traços culturais” do american way of life nas Seleções RD.......p.145

Conclusão.....................................................................................................................p.153 Anexo1 ....................................................................................................................... p.167 Anexo2......................................................................................................................... p.168 Fontes ......................................................................................................................... p.169 Bibliografia..................................................................................................................p.170

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Introdução

O interesse pelo tema escolhido, relações culturais Brasil-EUA, foi gestado ao longo

do curso latu sensu em História das Relações Internacionais, cursado na UERJ em 1999.

A continuação natural dessa trajetória levou-me ao Mestrado em História e à

apresentação do Projeto intitulado “A Penetração Cultural Americana no Brasil 1940-

1946. A atuação do OCIAA na Imprensa e seus reflexos no DIP”. Saliento que o tema

das relações culturais entre os países não se constitui, ainda, em um campo de estudo

tradicional e portanto apresenta diversas possibilidades de pesquisas originais,

sobretudo no Brasil, onde a carência de uma bibliografia mais vasta atesta tal realidade.

Ao contrário, na Europa e nos Estados Unidos a “quarta dimensão das Relações

Internacionais”, se não foi entronizada no seio das problemáticas tradicionais –

econômica, política e militar – representa desde há algumas décadas um campo em fase

de consolidação seja pela anterioridade dos trabalhos publicados, seja pelo número

crescente desses trabalhos.

Tal constatação representou um duplo desafio: significou um redobramento de

esforços em encontrar uma bibliografia específica em relações culturais internacionais,

nem sempre disponível nas bibliotecas cariocas, e uma maior atenção e perspicácia de

investigação nos arquivos consultados, cujos instrumentos de pesquisa, os inventários

dos acervos, nem sempre foram organizados de maneira a destacar o tema das relações

culturais que, muitas vezes, encontrava-se arquivado em séries e sub-séries que cobriam

os mais variados assuntos ou eventos.

O trabalho aqui apresentado é portanto fruto de uma pesquisa árdua, devido às

dificuldades acima mencionadas, realizada ao longo de meses de investigação nos

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Arquivos Histórico do Itamaraty (AHI), no Arquivo Nacional (AN), no Centro de

Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Biblioteca

Nacional (BN), no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC, na Biblioteca do

Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ) e em diversos sites nacionais e

estrangeiros.

O projeto original evoluiu de acordo com o curso do mestrado e com a pesquisa

paralelamente desenvolvida, resultando em uma redefinição da abordagem inicial pelas

leituras feitas e pelas fontes primárias consultadas. Redefinida a problemática, o

trabalho passou a chamar-se “A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do

OCIAA e o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946”. Assim, dois objetos de

análise norteiam e embasam este trabalho: as ações do OCIAA e o papel das Seleções

Reader’s Digest.

O Office for the Coordinator of Commercial and Cultural Relations between the

American Republics, é uma agência criada em 16 de agosto de 1940 pelo Conselho de

Defesa de Segurança Nacional dos Estados Unidos e que fez parte, dentre outras, do

Programa de Defesa Nacional implementado desde 1939 pelo governo Roosevelt. A

denominação da agência sofreu algumas modificações: de 30 de julho de 1941 a 23 de

março de 1945, passou a ser Office of Coordinator Inter-American Affairs, mais

conhecido como OCIAA. Após esse período mudou para Office of Inter-American

Affairs, permanecendo assim até a data de sua extinção em 20 de maio de 1946.

Para analisar a política cultural norte-americana desdobramos esse objetivo geral em

dois outros, mais específicos. O primeiro deles é analisar um dos campos de ação do

OCIAA, o da informação. Acreditamos ser o mais eficaz e importante campo da agência

em função de englobar diferentes mecanismos de “difusão cultural”. O segundo objetivo

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é analisar o papel das Seleções Reader’s Digest na montagem e execução dessa política

cultural norte-americana bem como identificar alguns aspectos das “representações” do

“american way of life”.

Por outro lado, o interesse pelo estudo da “influência” e da “dimensão cultural” norte-

americana no Brasil, a partir de uma “política cultural” expressa pelo OCIAA, que

como estratégia principal preconiza a difusão do american way of life, não é devido

unicamente à importância do período “entre-guerras” e/ou da “influência” que esta

agência, juntamente com a nova edição, em 1942, da revista Seleções RD, exerceu

sobre uma certa “elite” cultural brasileira, mas, sobretudo, devido à importância da

política cultural desenvolvida nesses anos, peça fundamental da política externa dos

EUA.

Aliás, a relevância, a atualidade e a influência que a cultura norte-americana vem

exercendo ao longo de décadas sobre a sociedade brasileira, e que cada vez mais se

intensifica, dá-se, em grande medida, pela ampla aceitação, incorporação e absorção dos

produtos culturais norte-americanos. O gosto, o hábito, a atração por esses produtos,

quer sejam representados na alimentação, no vocabulário, na moda, nas músicas, nos

filmes, nos livros, no ensino, na formação de uma expressiva intelectualidade

acadêmica-científica1, na linguagem da propaganda dos meios de comunicação2 etc,

formam uma densa e profunda teia de influência. O resultado é que a cultura norte-

americana é uma das culturas e/ou “estilo de vida” que mais permeiam o imaginário

coletivo da sociedade brasileira.

1 Para conhecer a importante contribuição da Fundação Ford ao incremento das Ciências Sociais no Brasil: Miceli, 1990, 1993 e Marinho, 2001. 2 No momento tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei do PC do B que proíbe propagandas com slogans e expressões em inglês em outdoors nas cidades.

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A “influência” dos EUA como modelo político de nação e sua sociedade como

paradigma da modernidade moldou o pensamento e/ou as idéias de importantes nomes

da literatura e da história política brasileira, envolvidos com o melhor “projeto de

nação” que remonta, pelo menos, aos últimos tempos do Império e aos primórdios da

instalação da República no Brasil.

O mesmo ocorrendo com relação ao processo de formulação da política externa

brasileira, vinculado aos “interesses nacionais” através das concepções dos primeiros

“policy-makers” da República, Rio Branco e Joaquim Nabuco. Ambos defend iam uma

aproximação com os EUA, como estratégica de política de poder em relação aos demais

países sul-americanos.3 Tais aspectos já foram amplamente analisados nos estudos sobre

as relações Brasil-EUA, por autores expoentes, porém tais obras analisaram a

importância do Tio Sam em nossa sociedade, em diferentes contextos internacionais,

sobretudo a partir de enfoques econômicos, políticos e/ou sociais4.

Além do interesse intrínseco ao tema escolhido, ressaltamos que a opção em abordar

a atuação do OCIAA sob o enfoque de uma política cultural se deve também a pouca

relevância que os estudiosos brasileiros das Relações Internacionais, atribuem ao tema

das Relações Culturais. Entretanto, mesmo sendo um tema novo, a nossa produção

acadêmica conta com importantes estudos através de alguns livros, monografias,

relatórios e artigos que são de extrema valia para quem se interessa por esse viés

analítico das Relações Internacionais.5

3 No campo da história do pensamento intelectual brasileiro ver: Oliveira,1990. Com relação à influência em suas concepções de visão de mundo e quanto à formulação da política externa brasileira Nabuco, 1948 e Silva, 1995. Sobre o discurso de separação entre o Brasil e a América Latina desde o período da independência Guimarães,1988 e Magnólio,1997. 4 Como uma breve amostra, destaco: Moura, 1980,1990; Bandeira,1973;Ianni,1988; Prado, 1980; Furtado, 1973, Guimarães,2001 e os brasilianistas Skidmore,1976, Morse,1986 e Hilton,1994. 5 No circuito diplomático Ribeiro, 1989; na academia, mais precisamente na área das Ciências Sociais, Miceli,1989; nas Ciências Políticas Herz,1986 e na História das Relações Internacionais Cervo,1992 e no campo específico da História das Relações Culturais Internacionais: Lessa,1994 e Suppo,1998.

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Com relação ao tema das relações “culturais” Brasil-EUA e, mais especificamente,

sobre o OCIAA encontra-se poucos estudos: dois livros, dois relatórios e um trabalho.

Constata-se ainda que o OCIAA foi sempre contemplado tanto pela História quanto

pelas Ciências Políticas sob um mesmo enfoque: como sendo uma penetração

ideológica imperialista6.

Já no campo das Relações Internacionais, a ótica analítica é sempre a da estratégia de

“penetração política e ideológica”. O historiador Gérson Moura especialista em Política

Externa Brasileira dos anos 30 a 50, foi pioneiro em pesquisar o OCIAA e sua pesquisa

resultou no conhecido livro, Tio Sam chega ao Brasil: a Penetração Cultural

Americana. Destacam-se também, o relatório Zé Carioca o Embaixador de Duas Caras

e o trabalho A Política cultural norte-americana no Brasil durante a Segunda Guerra,

das especialistas em Relações Internacionais Mônica Herz e Alexandra de Mello e

Silva. Embora, utilizando o termo “política cultural” para analisar a atuação do OCIAA

no Brasil, as especialistas empregam o mesmo fio condutor de Gérson Moura, ou seja, a

ênfase no aspecto de “penetração ideológica”.

Dentre as contribuições dos trabalhos dos especialistas, Moura, Herz e Silva cabe

registrar o importante avanço na inserção de novos “temas” aos estudos das Relações

Internacionais ao lado de temas tradicionais como o político, militar e o econômico que,

em sua maioria, são privilegiados entre os especialistas da área.

6 Mais recentemente, como sendo uma ação de “penetração ideológica imperialista”, a partir do livro do historiador Antônio Pedro Tota O Imperialismo Sedutor – a americanização do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. No livro Tota se empenha em desvendar o processo de americanização do Brasil a partir da atuação do OCIAA. Para o autor, a penetração cultural norte-americana através do OCIAA é um instrumento de reprodução do capitalismo, no qual os EUA utilizam todo o aparato de propaganda e dos meios de comunicação como forma de reproduzir não somente sua ideologia mas como tentativa de seduzir corações e mentes. Já a cientista política Mônica Hirst em sua dissertação de Mestrado intitulada O Processo de Alinhamento nas relações Brasil-EUA: 1942-1945, procurou se distanciar do tradicional conceito de imperialismo de Lênin e George Liska e refutou o conceito de imperialismo de Benjamin Cohen Hirst define o conceito como “ um projeto imperial que pode se manifestar de forma diferenciada em função dos interesses da potência imperial. Sendo estes interesses que definem o formato do projeto imperial como um projeto integral e/ou fragmentado de dominação econômica, militar, política e ideológica”. A partir de sua definição, Hirst contempla uma pequena parte da sua dissertação para apresentar de forma geral, o OCIAA, o qual define como sendo mais uma estratégia do formato imperial norte-americano.

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Um outro passo importante sobre os estudos do OCIAA foi o relatório de Letícia

Pinheiro, As Relações Culturais Brasil-EUA - 1940-1946. Utilizando o termo “relações

culturais” a autora, através de uma análise dos documentos do OCIAA, opta por mapear

os diferentes campos de “difusão cultural”: educação, imprensa, rádio e principalmente

a Divisão de Filmes, sendo este último, segundo ela, o instrumento mais eficaz deste

intercâmbio. Ao empregar o termo “relações culturais” Pinheiro não só amplia o

“escopo” analítico das relações culturais internacionais através da conexão entre cultura

e política, como possibilita um maior entendimento de como ocorreu a “recepção” da

cultura norte-americana através da propaganda do “american way of life” no Brasil,

analisando os contatos entre o OCIAA com alguns canais interlocutores brasileiros.

Assim, em muito nos beneficiamos das obras existentes, cuja importância

reconhecemos e assinalamos e que, nossos interlocutores constantes, nos instigaram a

ampliar os caminhos de nossa pesquisa. Além da análise da criação, implementação e

funcionamento do OCIAA nos debruçamos sobre o papel exercido pela revista Seleções

Reader’s Digest como parte da estratégia da política cultural norte-americana

implementada nos anos 40.

A extensa pesquisa e análise nos documentos referentes ao OCIAA revelaram que as

relações culturais não fizeram parte somente da formulação de metas e prioridades da

agenda da política externa norte-americana para atingir objetivos emergenciais do

governo, mas fizeram parte, também, de uma estratégia política mais ampla de

“interesses”. Neste sentido, o OCIAA não será mais uma das agências criadas pelos

“new-dealers” que chegam ao poder com Roosevelt, na reeleição de 1940, mas uma

agência que irá executar uma política cultural a qual ampliará e estenderá o seu raio de

ação através da interconexão entre diferentes campos como o da informação, saúde e

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alimentação. Possuía o OCIAA uma dupla função: a de colocar em prática a vaga

“noção de bom vizinho” e a de somar esforços para a política hemisférica formulada

então pelo governo norte-americano.

O OCIAA sendo uma agência vinculada ao Conselho de Segurança nacional norte-

americano, instituição eminentemente ligada à defesa e segurança nacional evidencia de

forma mais estreita a conexão entre “relações culturais e interesse nacional”. Neste

trabalho, em um primeiro momento, apresentamos as diferentes definições das “relações

culturais” de alguns especialistas em Relações Culturais Internacionais7: “ação

cultural”, “relações culturais” e “política cultural”. Constatamos que mesmo se

apresentando sob diferentes enfoques analíticos, a “difusão cultural” possui um

significado “universal” sendo a base, portanto, de uma idéia e/ou pensamento comum de

uma certa elite intelectual e política que define a “cultura” como difusora de uma

“universalidade” na busca ao entendimento e aproximação entre povos e nações por

acreditar na “razão” universal dos indivíduos.

Assim, a “difusão cultural” tem como premissa o princípio iluminista de Kant para

quem a cultura: “seria a finalidade última da espécie humana, portanto, a finalidade da

natureza é a cultura, cenário de sabedoria suprema por ser aquilo que torna as pessoas

“suscetíveis às Idéias”8. A “difusão cultural” baseia-se nos preceitos éticos e morais dos

indivíduos se contrapondo, portanto, à teoria anárquica do Estado de Natureza de

Hobbes e ao papel do Estado como único e principal ator das Relações Internacionais:

“ são os indivíduos, os cidadãos, os atores das relações internacionais (...) o aspecto

mais relevante das relações internacionais é o potencial de cooperação que os

indivíduos guardam dentro de si.... existe uma razão humana que cria as condições de

7 Coombs, Frankell,Salon e Mitchell. 8 Emanuel.Kant, La philosophie de l’historie. Apud:Coelho,1999: 104.

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possibilidade, os indivíduos terão oportunidade de desenvolver todo o seu potencial de

sociabilidade e conviver no seio de uma única comunidade, aquela formada pela

totalidade dos seres humanos”9.

Assim, para Kant, não é de todo impossível aos Estados agirem entre eles, segundo a

razão, pressupondo a possibilidade de toda a humanidade distinguir interesses comuns

de paz e de autodeterminação dos povos10.

O passo inicial para o incremento dos estudos das relações culturais internacionais,

pelo menos entre os autores anglo-saxões, através da idéia “universal” do “mutual

benefits” ocorreu durante os anos 60, nos EUA, através do relatório The fourth

dimension of foreign policy: educational and cultural affairs, do especialista Phillip H.

Coombs. O autor incorpora uma “dimensão política” às relações culturais internacionais

ao instrumentalizar e projetar as relações culturais e educacionais como sendo a “quarta

dimensão” da política externa dos EUA. No plano externo, as relações culturais

contribuiriam para melhorar tanto a qualidade do relacionamento norte-americano com

outras nações, consolidando o poderio do país num contexto internacional configurado

pela Guerra Fria e pelo aumento das nações independentes, já no plano interno as

relações culturais seriam um “recurso” estabilizador visando somar esforços ao

incremento dos “interesses nacionais” norte-americanos.11

Neste sentido, Coombs possibilitou estabelecer o campo das relações culturais

projetando sua importância enquanto “objeto de estudo” das Relações Internacionais e,

ao mesmo tempo, ampliou o escopo de “análise” da política externa norte-americana ao

9 Hedley Bull The Anarquical Society. A Study of Order in World Politics..Apud: Gonçalves, mimeo,s/d. 10Almino, 1987:.38. 11 Coombs,1964:136. O especialista enfatiza que em todos os lugares havia um consenso nas aspirações de milhares de pessoas com relação à busca por melhores condições de vida através da igualdade e oportunidade e que os diálogos entre as nações não deveriam se basear apenas nas suas diplomacias. Para tal, abrir o leque de investimentos em setores como o de intercâmbio e cooperação científica, ampliar os canais de ensino e estimular o setor das artes, filmes, rádio e televisão.

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revelar a importante participação do Estado como coordenador de uma política cultural

que instrumentaliza setores da elite norte-americana intimamente ligada ao campo da

“difusão cultural”, para fazer a mediação entre Estado e sociedade. Coombs sepultou

assim a idéia de que a política externa é regida unicamente pelas dimensões do

econômico, do político e do militar.

Assim, analisamos até que ponto a idéia do “mutual benefits” foi o fio condutor das

relações culturais entre Brasil-EUA, através da ação do OCIAA. Levamos em

consideração os mecanismos de “difusão cultural”, os agentes envolvidos no âmbito

estatal que atuaram como formulador e interlocutor entre Estado-Sociedade e,

principalmente, os reais “interesses” que nem sempre se apresentam de forma explícita,

que podem determinar e/ou justificar “ações mais amplas” “principalmente” em

determinados contextos das Relações Internacionais.

Neste sentido, uma das hipóteses consiste em demonstrar como as relações culturais

expressam o nacionalismo como estratégia de mobilização e consolidação interna em

torno de valores e ideais nacionais e como recurso para incrementar e expandir

internamente a “ação” do Estado. Assim, a idéia do “mutual benefits” é apropriada

como estratégia política para não descortinar “interesses” mais amplos que estão em

jogo nos anos 40 e, ao mesmo tempo, como elemento diferenciador em relação as

Kulturpolitics européias, sobretudo, alemã. Procuramos, com esta hipótese, dimensionar

as relações Brasil-EUA através do OCIAA no campo das Relações Internacionais,

através do prisma de “penetração cultural” e sob o enfoque de propaganda “ideológica”

que, ao nosso entender, pode se prender ao campo das “ideologias” como puras

manipulações aleatórias, marcadas pela dominação, falsidade e/ou mistificação. Um

estudo sob este enfoque, segundo Eunice Durham, supõe que todo o universo simbólico

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é ideológico não separando os conceitos de cultura e ideologia como dois campos

distintos. Para a especialista, torna-se necessário politizar a abordagem antropológica:

“é importante investigar de que modo grupos, categorias ou segmentos sociais

constroem e utilizam um referencial simbólico que lhes permite definir seus interesses

identificar inimigos e aliados, marcando as diferenças em relação a uns e

dissimulando-se em relação aos outros”.12

Assim, procuramos utilizar os novos enfoques teóricos e metodológicos que nutrem os

estudos da “nova” História Política13, a partir do conceito de “cultura política” e a sua

conexão com as Ciências Sociais, através dos estudos sobre as mentalidades coletivas

e/ou da história do pensamento político intelectual e literário.

Consideramos que o caráter “universal” que embasa as ações de “difusão cultural”,

através da idéia de “reconhecimento e autodeterminação dos povos” que tem como

premissa básica o pensamento de Kant, permeou as relações Brasil-EUA entre 1940-46,

através do OCIAA. Mesmo que o relacionamento tenha se caracterizado como

“assimétrico” constatamos que existiu uma relação de “mutual benefits” entre

interlocutores dos governos. Sendo o “pano de fundo” dos primeiros “contatos”

realizados entre os interlocutores do OCIAA com uma “certa” elite intelectual e política

brasileira nos anos 40. Evidentemente que a presença e influência norte-americana no

Brasil não era consensual, nos meios intelectuais, entretanto, aqui privilegiamos os

interlocutores oficiais bem como os simpatizantes das relações culturais entre Brasil-

EUA.

Utilizamos os conceitos de nacionalismo de Benedict Anderson e Ernest Gellner,

ambos do campo das Ciências Sociais. O primeiro através do conceito “comunidades

12 Durham,1984: 87. 13 Francisco Falcon, História e Poder In:Cardoso e Vainfas,1997 :.61- 89.

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imaginadas”, quando destaca que as “raízes culturais” de uma “consciência nacional”

através do sentimento de reconhecimento e auto-identificação são (re)construídos

através de uma literatura nacional. O segundo quando enfatiza o importante papel

exercido por uma elite cultural e intelectual que instrumentalizada pelo Estado, promove

um amplo processo de “homogeneização cultural” com o objetivo de reforçar o

sentimento nacional e, ao mesmo tempo, responder às demandas do processo de

desenvolvimento industrial da economia nacional.

Nossa hipótese principal é que a criação do OCIAA como parte, ao mesmo tempo, da

vinculação entre pan-americanismo e política hemisférica nos coloca frente às principais

“representações” da identidade nacional norte-americana e que sempre serviram como

conceitos guias em relação à condução da política exterior norte-americana através das

idéias veiculadas a “experiência única”, “missão” e o “isolamento”.

Por nossa parte analisamos como essas “representações” da identidade nacional, que

fizeram parte da “construção imaginária” da nação, são “apropriadas” por uma certa

elite intelectual e política, como forma de obter o consenso interno através de uma

propaganda de (re)construção nacional e como instrumento que justifica e legitima

“ações mais amplas”.

Definimos a política representada pelo OCIAA e pelas Seleções RD a partir de dois

conceitos interligados: o primeiro fundamentado pelo “interesse nacional” e o segundo

como “política cultural”.14

14 Pierre Milza, Mônica Leite Lessa e Hugo Rogério Suppo. A política cultural se define: “como um conjunto de ações planejadas para há longo prazo, ampararem e/ou fomentarem a difusão de vendas dos seus produtos no exterior, pode ser desde a língua nacional ao produto de luxo, ou do produto cultural por excelência, o livro, ou às obras alçadas ao patrimônio cultural nacional: teatro, óperas, ballet, música, exposições de obras de arte, cinema. A política cultural visa igualmente estabelecer cooperações técnicas e científicas, intercâmbios e acordos universitários, difundir autores e/ou idéias através de conferências, organizar Exposições, festivais e Feiras Internacionais. A política cultural não se realiza sem a autorização, o acordo, o apoio (político e/ou econômico) do Estado, quando não é francamente planificada, dirigida e subvencionada pelo mesmo.

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Nossa segunda hipótese é que a agência criada pelo governo norte-americano OCIAA

e o papel exercido pelas Seleções RD são representantes de uma política cultural que irá

difundir, em larga escala, no Brasil um amplo repertório de produtos culturais. Uma

política cultural que será coordenada pelo Estado que instrumentaliza sua elite cultural e

intelectual para promover uma ação de caráter nacionalista com objetivo de incrementar

uma expansão cultural.

Uma política cultural de propaganda nacional que se fundamenta através do

pensamento político de Hans Morgenthau a partir da idéia “universal” do “interesse

nacional”:

“(...) o tipo de interesse que determina a ação política em um período particular da

história depende do contexto político e cultural dentro do qual se formula a política

exterior.”15

O contexto cultural no qual ocorre a criação do OCIAA e a entrada das Seleções RD

no Brasil é marcado pela difusão dos nacionalismos europeus, sobretudo, o

nacionalismo “excludente” alemão. Sendo assim, a política cultural representada pelo

OCIAA e pelas Seleções RD, difunde o nacionalismo de teor político, segundo o

pensamento de Morgenthau, que se justifica pela defesa da “identidade física, política e

cultural” da nação norte-americana.

A identidade “física” representada pela idéia de “isolamento” é nascida da noção de

“espaço associado à fronteira” e que possui forte conteúdo e significado no imaginário

social norte-americano através da história e da literatura. A identidade “política”

Além de perseguir os objetivos acima anunciados, a política cultural visa lançar as bases (ou incrementar as já existentes) de uma propaganda nacional fator intrínseco a sua própria natureza, assegurando uma clientela cultural contribuindo para as exportações de suas indústrias. Tem a particularidade de abrigar a dimensão da propaganda nacional sem entretanto desvenda-la explicitamente. Dessa forma, preserva-se, ao mesmo tempo, das “rivalidades” das demais potências bem como das “desconfianças” ou nacionalismos locais. Apud:Mônica Leite Lessa Relações Culturais Internacionais.In:Menezes,2002. 15 Morgenthau,1948: 20.

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representada nas idéias associadas à “liberdade”, “democracia”, “igualdade” e

“felicidade” que fazem parte da “experiência histórica norte-americana”. A identidade

“cultural” sendo representada pelo “americanismo’, o qual difunde idéias e/ou

pensamentos associados aos “traços culturais e intelectuais”, que representam e

sublinham o “caráter nacional16 americano” tais como: racionalismo, individualismo, fé,

determinação, otimismo e caráter empreendedor.

Uma terceira hipótese se delineou ao longo de nossa pesquisa, de que a política

cultural do OCIAA e o importante papel exercido pelas Seleções RD tiveram como

objetivo não somente difundir o “excepcionalismo norte-americano”, a principal

“representação” da “identidade” nacional norte-americana, mas, sobretudo, desenvolver

uma política cultural que possuía um objetivo mais amplo: incrementar internamente

uma “homogeneização cultural” através de uma propaganda nacional do

“americanismo” e incrementar a difusão do american way of life como sendo um “estilo

ideal de vida” para a América Latina e para o Brasil especificamente.

O primeiro capítulo contextualiza a criação do OCIAA no período da Segunda Guerra

e evidencia a instrumentalização das relações culturais como sendo a “quarta dimensão”

da política externa dos EUA. A política cultural tem como objetivo incrementar a

“propaganda nacional” de expansão política, econômica e cultural do país. Para tal

apresentamos como foram as etapas de formulação e criação da Divisão das Relações

Culturais do OCIAA. Procuramos destacar como o conceito de “difusão cultural”,

originário de Franz Boas, no sentido de “pensar as diferenças”17 é “assimilado” entre os

principais “policy-makers”, que elaboraram a filosofia do “Basic Plan” para a estratégia 16 “A influência do caráter nacional não pode estar ausente quando se trata de determinar o poder nacional, posto que quem trabalha para a nação tanto na guerra como na paz ... são depositários do espírito de suas qualidades morais e intelectuais que moldam o caráter de uma nação”. In: Morgenthau,op.cit:169. 17 Este conceito é profundamente enraizado na cultura norte-americana e a partir dos anos trinta terá o seu melhor campo de aprofundamento, através dos estudos interdisciplinares entre a Sociologia, Psicologia e Antropologia. Apud: Cuche,1999:.65 - 92.

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de “ação” das relações culturais do OCIAA. Destacamos os principais mecanismos de

“difusão cultural” priorizados e analisamos algumas “representações” do imaginário da

nação. Mostramos ainda como essas idéias e/ou pensamentos são “assimiladas” e

“estrategicamente apropriadas” pela elite política e cultural norte-americana como

justificativa para incrementar uma expansão cultural no continente.

O segundo capítulo destaca a operacionalidade do “Basic Plan” na estratégia de

“ação” da Divisão de Filmes do OCIAA. Analisamos como foi o relacionamento entre o

OCIAA e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), examinando até que ponto

a idéia do “mutual benefits” realmente se consolidou entre esses dois interlocutores dos

governos. Acreditamos que além da trajetória de ascensão e consolidação política e

econômica dos EUA no continente, um dos fatores que contribuíram para o êxito da

propaganda do american way of life no Brasil, através de alguns produtos culturais, foi o

resultado da cooperação entre o OCIAA e o DIP. Por sua vez, esse processo é resultante

da especificidade do contexto nacional brasileiro então empenhado em um certo projeto

cultural do “novo” Estado Nacional brasileiro.

Sendo assim, apresentamos como foi à recepção de alguns produtos culturais norte-

americanos no Brasil, através de um dos principais canais de “difusão” do governo

brasileiro: o jornal “A Manhã”. Encerramos o capítulo esboçando o contexto político

nacional brasileiro a partir do papel de alguns “intelectuais” envolvidos no projeto

político do período.

No terceiro capítulo, demonstramos como a chegada no Brasil das Seleções RD, em

1942, era ligada ao setor de “informação” da política cultural implementada pelo

Departamento de Estado norte-americano. Identificamos através de documentos

filtrados e levantados durante a pesquisa e de alguns periódicos, como a propaganda de

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difusão de idéias e/ou pensamentos veiculados nas Seleções RD, segue as “diretrizes” e

“metas” formuladas no “Basic Plan”, através dos seus dois pilares de sustentação:

“persuadir e influenciar”.

Por último, demonstramos através de alguns periódicos das Seleções RD como se deu

a propaganda norte-americana de “homogeneização cultural” e difusão dos “traços

culturais e intelectuais” que sublinham e identificam o “caráter nacional americano”.

Uma propaganda do “american way of life” que visava ao mesmo tempo, reforçar

internamente o sentimento de pertencimento e auto- identificação, sobretudo do

“americano médio comum”, bem como visava incrementar externamente o

desenvolvimento da indústria cultural norte-americana.

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Capítulo I

Nacionalismo e Política Externa

“Ninguém discorda de que o nacionalismo tem estado “por aí” na face da Terra

há no mínimo dois séculos. O bastante, poder-se-ia supor, para que já fosse

entendido de maneira clara e generalizada. Mas é difícil pensar em algum

fenômeno político que continue tão intrigante quanto este e sobre o qual haja

menos consenso analítico. Dele não há nenhuma definição amplamente aceita.

Ninguém foi capaz de mostrar de forma conclusiva sua modernidade ou

antiguidade. Discorda-se sobre suas origens, seu futuro é incerto. Sua difusão

global ora é interpretada pela metáfora maligna da metástase, ora sob os signos

sorridentes da identidade e da emancipação; e onde começaram esses processos,

no Novo Mundo ou no Velho? ... Como se há de conciliar sua universalidade

com sua necessária particularidade concreta? Que disciplina contribui mais

profundamente para sua investigação: a história, a psicologia, a economia

política, a sociologia, a antropologia, a filosofia, a crítica literária, ou ..?”

(Benedict Anderson: Introdução: Um Mapa da Questão Nacional: 2000:7)

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I.I O entre-guerras.

Segundo Amado Cervo, o entre-guerras correspondeu a um período das relações

internacionais para o qual os analistas não forjaram expressões uniformes, como ocorreu

com a Bipolaridade ou a Guerra Fria, entre 1947 e 1989. A preocupação em qualificar o

período está presente, todavia, nas interpretações dos historiadores das Relações

Internacionais que revela em seu conjunto um bloco de idéias e expressões que

convergem. Definições como “paz ilusória” ou “paz frustrada” para Jean-Baptiste

Durosselle de “crises” para Pierre Renouvin, de “turbulência européia”, para René

Girault e Robert Frank, um “arranjo de transição” entre vencedores, para Adam Watson,

uma “era de catástrofe” para Hobsbawm considerando um período mais amplo de 1914-

1945. O nascimento pleno de uma teoria sistemática das Relações Internacionais se deu

a partir da Segunda Guerra Mundial, entretanto, o entre-guerras será um “laboratório de

idéias”, de muitas teorias que irão alcançar seu pleno desenvolvimento no período da

Bipolarização. A aproximação racionalista da teoria de Edward Hallet Carr influenciou

entre outras, a teoria realista de política internacional de Hans Morgenthau.

Para Edward Carr, o entre-guerras é caracterizado tanto por uma indefinição na

correlação de forças a nível internacional, a qual gerou uma crise política, como pela

desarticulação a nível econômico da “harmonia de interesses”.18 Essa indefinição

política ocorreu em larga medida, devido às repercussões da falência da Liga das

Nações como congelamento de poder dos mais fortes, associada ao fracasso do elo

entre o internacionalismo preconizado pela harmonia de interesses com o interesse

comum pela paz.

18 Carr, 1981:.51 - 57.

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Na órbita de poder internacional observa-se que o “darwinismo social incorporado à

política que deu resultado no século XIX em função do sacrifício de africanos e

asiáticos e que preconizava a doutrina do progresso fundamentado na harmonia de

interesses através da eliminação das nações inaptas industrialmente, parecia um

corolário justo da doutrina do progresso através da eliminação dos indivíduos inaptos”19

Esse sistema ético já mostrava os sinais de seu fracasso antes mesmo da eclosão da

Primeira Guerra e após o seu término os ecos negativos serão amplamente ouvidos

pelos principais atores do precário e dilacerado sistema europeu.

O fracasso e a ilusão de que as relações internacionais poderiam ser consideradas

exclusivamente pela velha noção de “equilíbrio de poder europeu” estava totalmente

equivocada. Na órbita de poder internacional, após a Primeira Guerra, surgem

correlações de forças antagônicas como a Alemanha e a União Soviética no plano

político- ideológico-econômico.

A Liga das Nações foi expressão da opinião organizada da humanidade e seu

controle de poder econômico e militar dos governos, ela que representava o mais

supremo dos poderes; a opinião pública internacional e a propaganda internacional de

um mundo sem fronteiras. Esta falácia do poder da opinião pública internacional foi

sendo gradualmente exposta e cada vez mais contraditória. Assim, segundo Carr:

“Todo país desejava atingir os objetivos de sua política sem guerra, e,

assim defendia a paz. Todo país desejava o desarmamento dos outros

países, ou o desarmamento de armas que não considerasse vitais aos

seus interesses. Após o colapso da Conferência de Desarmamento,

tornou-se claro para todos que a Liga das Nações só podia ser eficaz

na medida em que fosse um instrumento da política nacional de seus

membros mais poderosos. A opinião em favor da Liga deixou, 19 Carr, op.cit:.57

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igualmente, de ser internacional, e se confinou aos países em que se

sentia que a Liga servia aos objetivos da política nacional”.20

A crença na eficácia de uma opinião pública internacional divorciada do poder

nacional pode ainda ser ilustrada pelo movimento e propaganda fascista que, em seus

primeiros tempos, era oficialmente descrito como não sendo um artigo para exportação.

E assim foi tratado o fascismo, por algum tempo, pelos países que o abraçaram mas, a

partir do final dos anos vinte e início dos anos trinta, o fascismo que teria começado

como um instrumento da política nacional, passa, gradativamente, a um instrumento da

opinião internacional.

Diante desse quadro, tem emergência um nacionalismo marcado pelo anti- fascismo

que, de certa forma, se assemelhava aos nacionalismos revolucionários dos séculos

XVIII e XIX, nos quais a luta nacional encontrava-se imbricada à luta pela soberania

popular, pela democracia e pela liberdade.

“... o espírito de um nacionalismo extremado estava produzindo um

sistema de culturas competidoras que dá vazão a uma percepção

depreciativa de outras culturas (..) obviamente a difusão do

nacionalismo extremo por parte de alguns atores europeus constituía a

própria oposição ao princípio da liberdade individual do século XIX;

políticas culturais totalitárias constituíam, se não uma ameaça

imediata, um desafio filosófico grave à crença norte-americana na

vitalidade de processos culturais liberais”. 21

O entre-guerras é o período em que ocorre a criação de instituições específicas no

âmbito cultural: França e Alemanha em 1920, Itália em 1925, EUA em 1938 e Grã-

Bretanha em 193422. A institucionalização de políticas culturais nesses países denota o

20 Idem:.135 21 Esta percepção é de Stephen Duggan, ex-catedrático do City College e Diretor do Institute of International Educational de Nova York, criado desde 1919. Apud:Ninkovich,1981:.23. 22 Coombs, op.cit:24 e 25.

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“incremento” de uma propaganda nacional através da instrumentalização das relações

culturais, como sendo a “quarta dimensão” da política externa, vinculada aos “interesses

nacionais”.

Neste sentido, a “diferença” entre o nacionalismo alemão reside no seu caráter

“excludente” que se ampara numa homogeneidade étnico-cultural enquanto que o

nacionalismo norte-americano se ampara num discurso “universal” centrado em “pensar

as diferenças”. Esta característica do nacionalismo norte-americano é fundamental para

compreender a atuação dos EUA no cenário internacional contemporâneo.

1.2 Nação e Nacionalismo

A história do pensamento intelectual sobre a constituição da nação pode ser agrupada

em torno de dois enfoques principais : de um lado, estão aquelas que privilegiam a

cultura como fator primordial na construção da nação (critério objetivo) e, de outro,

aquelas que priorizam o elemento político (critério subjetivo). Neste sentido, a diferença

entre o nacionalismo cultural romântico e o nacionalismo político, que teve entre os

precursores respectivamente os filósofos Herder e Rousseau, no século XVIII, reside na

dimensão dos problemas internos que cada nação enfrentou ao procurar um destino

comum que proporcionasse à sua população uma auto- identificação e um sentido de

pertencimento.

A difusão do nacionalismo europeu ocorre num contexto internacional configurado

pelo darwinismo político e social do século XIX, a diferença entre o nacionalismo

cultural e o político tem que ser analisado sob esta ótica. Neste sentido, ambos possuem

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uma dimensão política e cultural, entretanto, a especificidade se remete aos diferentes

critérios com que foram construídas as nações e sua estreita relação com os tipos de

definições atribuídos à cultura nos respectivos países.

Na Alemanha, a cultura foi definida como Kultur, “autenticidade”, “profundidade”,

“especificidade”. Na França a cultura estava associada à “civilização”, “progressos

coletivos da evolução”, da “razão universal”. Nos EUA, a partir do século XIX, a

cultura foi centrada no sentido de “pensar as diferenças”. 23

Tal qual a nação americana nascida a partir da Revolução Americana, a nação nascida

da Revolução Francesa, tinha como referência primordial um conceito político cuja base

era a soberania territorial, a igualdade de todos perante a lei, o respeito absoluto à

soberania da vontade política da nação, a visão do homem de Estado a serviço dos

“interesses nacionais”, a convergência entre a nacionalidade do governante e dos

governados, como principais fatores de constituição do Estado-nação. A França

representa, portanto, a matriz do nacionalismo político. A Alemanha, como matriz do

nacionalismo cultural, tendeu a rejeitar a liberdade individual como princ ípio fundador

da nação. Outras forças da vida social garantiriam a coesão para além da “escolha” dos

seus membros. “O espírito nacional assumiu um sentido místico e passou a ser visto

como fonte de valores e conduta”.24 A convicção primordial do nacionalismo romântico

é que a cultura, um estilo de vida especial e as instituições sociais mais importantes são

essencialmente formados e moldados pela nação através de um Estado unificador.25

No campo das Ciências Sociais Benedict Anderson e Ernest Gellner destacam-se pela

originalidade de suas propostas. Anderson propõe compreender as “raízes culturais” do

fenômeno do nacionalismo atual numa perspectiva da história universal do mundo 23 Cuche,op.cit:.67 24 Oliveira, op.cit:13 e14. 25 Guibernau,1997:.65.

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moderno. Gellner atribui uma interpretação estritamente eurocêntrica ao fenômeno, a

partir do processo de industrialização europeu do século XIX.

O que é uma Nação? é o título da célebre conferência do escritor e historiador Ernest

Renan, proferida em 1882, na qual o autor procura se distanciar dos critérios objetivos

de raça, língua, religião e geografia, então instrumentalizados através da propaganda

política, no período da explosão dos nacionalismos europeus, em fins do século XIX.

Renan dá destaque ao advento do estado de direito no século XVIII com a Revolução

Francesa, quando o “significado” de pátria e cidadão estava intimamente ligado,

sugerindo uma congruência entre estado constitucional e nação. Para Renan, a nação se

define pela sua dimensão política, a partir de um legado histórico e cultural, e pelo

elemento subjetivo expresso pela cidadania, e por um ato de vontade26:

(...) O homem não é escravo de sua língua, raça, nem religião, nem

dos cursos dos grandes rios, nem da direção das cadeias de

montanhas. A nação é uma grande solidariedade, constituída pelo

sentimento dos sacrifícios que fizemos e daqueles que ainda estamos

dispostos a fazer. Ela supõe um passado; resume-se porém no

presente, por um fato tangível: o consentimento, o desejo claramente

expresso de continuar uma vida em comum. A existência de uma

Nação é um plebiscito cotidiano, como a existência de um indivíduo é

uma perpétua afirmação da vida. Uma Nação é um princípio espiritual

... o culto aos ancestrais é, entre todos, o mais legítimo, os ancestrais

fizeram de nós o que somos.27

26 Hobsbawm relativiza a definição de nação sob o critério “estritamente” subjetivo, formulado primeiramente por Renan; entretanto, o historiador não caracteriza a Revolução Francesa, por um sentido exclusivista, étnico ou lingüístico de nação. Segundo Hobsbawm: “A insistência francesa na uniformidade lingüística, desde a Revolução, foi realmente marcante para a época ... não era o uso nativo da língua francesa que fazia de uma pessoa um francês - e sim a disposição de adotar a língua francesa junto com outras coisas como as liberdades, as leis e as características comuns do povo livre da França. Em certo sentido, adotar o francês era uma das condições da plena cidadania francesa”. Entretanto, Hobsbawm salienta que o sentido “exclusivista” surge no final do século XVIII com as guerras revolucionárias e com a expansão napoleônica, ocorrendo uma contradição na ideologia nacional francesa que de um movimento de cunho internacionalista passa por outro lado, a um expansionismo imperialista, orientado e legitimado por bandeiras libertadoras”. Hobsbawm, 1998:34; 1997:.95. 27 Ernest Renan O que é uma nação? In: Rouanet,1997.

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Neste sentido, é a partir de Renan que se consolida o conceito do nacionalismo de teor

político. Sob a influência do critério subjetivo, formulado primeiramente no texto de

Renan, Benedict Anderson surge no embate acadêmico contemporâneo, elaborando uma

interpretação antropológica sobre o nacionalismo: entender “a universalidade do

fenômeno com sua intrínseca particularidade”. Para Anderson, a nação se define como

uma “comunidade política imaginada - e imaginada como implicitamente limitada e

soberana”. Ela é limitada por fronteiras e soberana porque o conceito nasce numa época

em que o “Iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino

dinástico hierárquico divinamente instituído”.28 Neste sentido, Anderson procura

interpretar e compreender como esse profundo sentimento horizontal foi “construído” e

“cultuado” ao longo do tempo.

Estes arquétipos seriam “artefatos culturais” de um tipo peculiar, como os laços de

parentesco e religião, que transcendem ao tempo através da imaginação e fazem com

que o indivíduo assimile o sentimento de pertencer a uma Nação. Para Anderson, esse

processo antropológico que transcende ao tempo é o nacionalismo.

Anderson propõe compreender a anomalia dos nacionalismos atuais enquanto

“sistemas culturais” amplos que o precederam, a partir dos quais – bem como contra os

quais - passaram a existir. Ao utilizar o termo “sistemas culturais”, Anderson dialoga

com a história, sobretudo com a “Escola dos Annales” procurando se distanciar de uma

análise estrutural da cultura, segundo a definição de Lévi-Strauss:

“ Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas

simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se: a

linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a

ciência, a religião. Todos esses sistemas buscam exprimir certos

28 Anderson,1989:.14-16.

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aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as

relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os

próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros”.29

Procurando acrescentar às “definições provisórias” quanto ao caráter cultural

(objetivo) do conceito de nação (que privilegia o compartilhamento de um sistema de

idéias, signos e associações, que teve em Herder seu principal formulador), bem como

se distanciar da definição voluntarista (subjetiva), a qual privilegia os artefatos das

lealdades e convicções que permitem e tem que existir, para criar o reconhecimento

mútuo de pertencimento a uma Nação, segundo Renan30, Gellner propõe um conceito de

nacionalismo baseado na “ação” da cultura sob o enfoque filosófico. Neste sentido, a

nação é o resultado de um processo de “homogeneização cultural”, sendo a cultura

entendida não como um valor natural, étnico, mas no sentido normativo, a cultura

letrada e erudita. Gellner parte da premissa de que o nacionalismo surgiu onde a

existência do Estado já havia obtido o seu consenso através de unidades politicamente

centralizadas que inseriram normas e criaram um clima político-moral:

“ Nem os Estados nem as Nações existiam sempre e em quaisquer

circunstâncias, o Nacionalismo defende que eles foram destinados um

ao outro, que um sem o outro estão incompletos. Mas antes que eles

pudessem vir a ser feitos um para o outro, cada um deles teve de

surgir, tendo esse aparecimento sido independente e contingente.... as

Nações, tal como os Estados são uma contingência e não uma

necessidade universal. Nem os Estados nem as nações existiram

sempre e em quaisquer circunstâncias. O Estado e a Nação não

apareceram simultaneamente. O Estado surgiu sem a ajuda da

Nação.”31

29 Levi Strauss Antropologie structurale Apud: Cuche, op.cit:.95. 30 Gellner,1993:19-20. 31 Gellner,op ciit:19

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Assim, a cultura atua como fator determinante na consolidação das estratificações

sociais ainda que no estágio pré-agrário a cultura não tenha sido utilizada pelas elites

letradas como um instrumento político. A partir do momento em que esta elite letrada

atinge sua “universalização” e se torna coextensiva a toda sociedade foi possível obter a

sustentação política do Estado e este, por sua vez, tem um papel importante através do

processo educacional para incutir aquela cultura e assegurar o padrão adequado de

alfabetização e competência técnica, de maneira a garantir emprego e um rápido

revezamento de pessoal para atender às necessidades econômicas advindas do processo

industrial. Assim, a nação é criada pelo nacionalismo que representa uma ação racional

de uma elite cultural, política, moderna e estatal que se identifica através do

compartilhamento de signos, associações e idéias (cultural).

Gellner define o nacionalismo como “essencialmente um princípio político que

defende que a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma a outra, e

que exige que as fronteiras étnicas não atravessem as fronteiras políticas e,

especialmente, que as fronteiras étnicas não separem os detentores do poder do resto da

população”32. O nacionalismo é a transferência do foco da identidade do homem para

uma cultura mediada pela alfabetização e um sistema universal educativo formal e

extenso. Para Gellner, a nação surge a partir do desenvolvimento e aprofundamento de

uma ligação estreita entre o Estado e a cultura cabendo aos detentores do poder que

possuem acesso à cultura moldar e padronizar uma homogeneização cultural através da

alfabetização.

Diferentemente de Gellner, Anderson interpreta o nacionalismo atual como sendo

parte da história universal do mundo moderno, procurando compreender as tipologias e

interfaces do nacionalismo a partir de como ele é “assimilado”. Enquanto Gellner 32 Idem;12

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interpreta o nacionalismo contemporâneo pela sua falta de “originalidade e

autenticidade” e atribui a origem do nacionalismo como sendo estritamente fruto do

modelo industrial europeu ocidental. Entretanto, é consensual entre os dois autores,

quer seja ampliando o “escopo” de análise, fora do circuito europeu, como Anderson, o

caráter “político” do nacionalismo.

Nesse sentido, sendo o nacionalismo um fenômeno político com dimensões culturais,

o estudo do político vai compreender não mais apenas a política em seu sentido

tradicional, mas a relação entre cultura e política, que num sentido amplo, é um

conjunto de idéias, crenças e práticas que organizam o relacionamento entre as pessoas

no interior de um grupo e/ou de uma sociedade, referindo-se, portanto, a dimensões

políticas que englobam o espaço público e social. E se o nacionalismo se tornou um

fenômeno universal foi porque o Estado-Nação, como forma de organização política, se

universalizou e a legitimidade atribuída a nação e ao princípio nacional aceitas desde o

século XIX, foi e é ainda, uma categoria política válida no cenário internacional atual.

Assim, a compreensão do fenômeno do nacionalismo faz parte de um estudo do

universo antropológico das mentalidades coletivas, dos imaginários sociais e/ou de uma

história do pensamento intelectual e literário.

Por outro lado, o nacionalismo é um processo dinâmico que está sempre em

(re)construção através do pensamento de uma “certa” intelectualidade que tem

sustentação política pois é mediadora entre o Estado e a sociedade. Sendo assim, a

pesquisa sobre o OCIAA teve como fio condutor procurar compreender e interpretar

como algumas palavras foram “assimiladas” e “apropriadas” pela história do

pensamento político e intelectual norte-americano. Certas palavras e/ou expressões que

apareceram de forma significativa durante a pesquisa, como american way of life,

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34

“interesse nacional”, “nova fronteira”, “expansão”, “democracia”, formaram um

sugestivo vocabulário onde o significado é significante.

A próxima seção apresenta, sob uma perspectiva da história intelectual norte-

americana, o caso do OCIAA, uma agência que muito contribuiu na difusão do

nacionalismo norte-americano, no período da Segunda Guerra. Este é o momento em

que uma “certa” elite intelectual e cultural norte-americana, através de um discurso

centrado em “pensar as diferenças”, instrumentaliza as relações culturais como sendo a

“quarta dimensão” na formulação e implementação da política externa dos EUA então

baseada na razão “universal” do “interesse nacional”. Assim a ação nacionalista

expressa pelo OCIAA bem como o importante papel exercido pelas Seleções RD se

articula e se justifica sob duas perspectivas: contrapor-se ao nacionalismo cultural

“excludente” alemão e atender aos “interesses nacionais” definidos em termos de poder

para incrementar uma “expansão cultural” norte-americana no continente.

1.3 A criação do OCIAA - A Política Cultural norte-americana

O OCIAA nasce oficialmente em 16 de agosto de 1940 33 devido aos condicionantes

internacionais configurado pela “crise”, cada vez mais acentuada na Europa, após os

últimos resultados favoráveis obtidos pela Alemanha:

33 “a criação da agência ocorre no cenário político interno marcado pela (re)eleição de Roosevelt a presidência. Havia dois grupos que formulavam propostas diferentes para uma política latino-americana. O primeiro deles era liderado por Summer Welles, subsecretário de Estado, auxiliado por Adolf Berle, seu assistente e pelo líder da União Pan-Americana, Léo Rowe. O segundo grupo era organizado por Rockefeller. O objetivo do segundo grupo era impedir principalmente o crescimento do comércio e da influência do Eixo na América Latina, e para isso os Estados Unidos deveriam adequar sua política aos nascentes movimentos nacionalistas, ao invés de combate-los. Para sua realização, o programa promoveria a integração do governo federal americano com a iniciativa privada. Uma comissão interdepartamental, assessorada por representantes das empresas privadas e sob a coordenação do Departamento de Estado, se incumbiria de assegurar o bom andamento”. Apud:Tota,op.cit:47.

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35

“ The United States Government agency which was to be known

through most of its existence as the Office of the Coordinator of Inter-

American Affairs was created as a result of world conditions existing

in the summer of 1940. With the success of German armies in

Western Europe which had resulted in the collapse and conquest of

Belgium and the Netherlands, the defeat of the British forces on the

continent, and the fall of France and organization of the Vichy

Government, the threat to the Western Hemisphere was intensified

even beyond a point at which the dangers involved had caused grave

concern to the Government of The United States”.34

O OCIAA é uma agência criada pelo Conselho de Segurança Nacional35 fazendo

parte dentre outras, do Programa de Defesa Nacional dos EUA. O projeto intitulado

Hemisphere Economic Policy foi aceito e ampliado pelo governo norte-americano

associando e entrelaçando comércio e cultura. A incorporação do “aspecto cultural tinha

sido proposto pelo próprio Presidente Roosevelt, conforme declaração de James

Forrestal, assistente-administrativo do Presidente, em 1º de novembro de 1945”36.

Além da crise internacional o relatório intitulado “The Founding of the CIAA”

destaca os interesses econômicos norte-americanos na América Latina apontando a

importância estratégica desta como grande fornecedora e exportadora de matérias –

primas que cada vez mais, estavam sendo exportadas para as potências do Eixo.

Contribuindo para o rearmamento militar, sobretudo alemão, gerando uma

desarticulação da unidade no Hemisfério Ocidental:

34 CPDOC/FGV-RJ RelatórioThe Founding of the CIAA,sob o código IAA. Coleção Foreign Office,15/04/1942, .p 2/3. 35 Segundo o relatório The Fouding of OCIAA, o Conselho de Segurança Nacional foi criado no contexto da Primeira Guerra sua autoridade e legitimidade foi assegurada pelo Ato de 29 de agosto de 1916 que definia a sua criação: “the council may investigations, either by the employment of experts or by the creation of committee of specially qualified persons to serve without compensation, but to direct the investigations of experts so employed”. (...) supervise and direct investigations and make recommendations to the President and the beads of executive departments as to ... the creation of relations which will render possible in time of need the immediate concentration and utilization of the recources of the Nations”. CPDOC/FGV-RJ, Relatório The Fouding of the CIAA, sob o código IAA. Coleção Foreign Office, 15/04/1942. Idem. 36 Idem p.11

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36

“ In the first place, the Axis realized that the United States was a

potential enemy and that the creation of disunity in the Western

Hemisphere would greatly increase its chances for success in case of

war. Likewise, the other American republics had been important as

producers of raw materials to speed Germam rearmament”.37

O Relatório segue chamando a atenção de que as matérias primas sul-americanas eram

vendidas para a Alemanha através de um sistema de quotas e compensação subsidiado

pelo governo alemão, contrariando assim as bases e os princípios do laissez-faire. Não

somente o interesse econômico é ressaltado, como também o perigo da existência de

grandes núcleos pró-eixos instalados na América latina e organizados diretamente por

Berlim. Ressaltava-se que na América Latina encontrava-se uma grande quantidade de

cidadãos que não pertenciam somente à nacionalidade alemã mas eram também

japoneses, fascis tas italianos, falangistas espanhóis e elementos fascistas nativos de

outros países. Estes estrangeiros formariam, segundo o Relatório, uma ampla frente de

conexão denominada “hemisphere fifth column”38 que tinha como objetivo defender e

propagar seus princ ípios políticos nacionais.

O “The Founding of the CIAA” apontava ainda que esta propaganda estrangeira tinha

como um dos objetivos atacar e combater o “prestígio” dos EUA no continente “ their

part in the attempt to attack the prestige of the United States”. Esta propaganda era

subsidiada por agências do governo do Eixo, principalmente alemão, que controlavam

não somente estações de rádio mas produziam também filmes que, destinados às

escolas, centros culturais, clubes de esportes e outras sociedades, representariam um

perigoso combatente das forças do Eixo contra os EUA na América do Sul, devido ao

projeto hegemônico nazista:

37 Ibidem p.1 38 CPDOC/FGV-RJ. The Fouding of the CIAA, 15/04/42, p..2

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37

“South and Central America had already been of importance in

several ways in the Nazi blueprint for world domination”.39

Assim o “The Founding of CIAA” enfatiza a importante função do OCIAA na

formulação e execução de programas ligados às artes e ciências, educação e viagem,

rádio, imprensa e cinema através de uma ação conjunta entre o Departamento de Estado

norte-americano e o setor cultural privado, visando favorecer a defesa nacional e

reforçar os vínculos entre as Nações do Hemisfério Ocidental40. O Relatório destaca

ainda a importante função dos EUA como sendo o ator protagonista cuja meta

fundamental seria o de reforçar e estreitar os laços de solidariedade entre as repúblicas

americanas a partir do incremento de uma política hemisférica cuja prioridade seria unir

o Hemisfério Americano a partir de bases multilaterais contra agressões externas.

A “estreita” conexão das metas a serem atingidas pelo o OCIAA com os objetivos da

Política da Boa Vizinhança é atestada pelos inúmeros documentos selecionados:

Relatórios, Telegramas Confidenciais e Minutas de Reuniões. Neste sentido, o OCIAA

vincular-se- ia aos dois objetivos prioritários do governo: a conexão entre a Política da

Boa Vizinhança e a Política Hemisférica. Esta última se definia em cinco pontos

prioritários:

1. eliminar a ameaça nazista no Hemisfério;

2. utilizar ao máximo o potencial militar da América Latina para tarefas

primordialmente defensivas;

3. utilizar bases navais e aéreas em solo latino-americano;

4. garantir a estabilidade política da região e sua cooperação com os EUA;

39 Idem, p.1 40 “Formulate and execute the programs in cooperation with the Department of States which by effective use of Government and private facilities in such fields as the arts and sciences, education and travel, the radio, the press and the cinema will further the national defense and strengthen the bonds between the nations of the Western Hemisphere”. Relatório The Fouding of the CIAA,15/04/42.

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38

5. garantir o pleno acesso às matérias-primas estratégicas latino-americana.

Com relação à função do Coordenador do OCIAA, esta foi definida pelos seguintes

termos:

“ establish and maintain liaison between the Advisory Commission of

the Council of National Defense, the several departments and

establishments of the Government and such other agencies, public or

private, as be might deem necessary or desirable, to insure proper

coordination of, with economy and efficiency, the activities of the

Government with respect to Hemisphere Defense, with particular

reference to the commercial and cultural aspects of the problem. The

Coordinator was to review existing laws, coordinate research by the

several Federal agencies, and recommend to the Inter-Departmental

Committee such new legislation as might be deemed essential, to the

effective realization of the basic objectives of the Government’s

program”41.

Assim, o Office for Coordinator of Commercial and Cultural Relations primeira

denominação do OCIAA, terá uma ampla e complexa atuação no continente e para tal

contará com um total de 1100 pessoas trabalhando nos EUA e aproximadamente 300

técnicos trabalhando na América Latina. Essa rede complexa terá um substancial

financiamento por parte do governo e principalmente do setor privado que será

nacionalmente coordenado.

Neste sentido, a criação do OCIAA se insere numa “estratégia” política mais ampla do

governo norte-americano ao conectar relações culturais na defesa e promoção dos

“interesses nacionais”. Assim, no âmbito da formulação e implementação da política

externa, a instrumentalização das relações culturais aos objetivos emergenciais

dimensiona o poder de “ação” do Estado. A partir da cooptação de setores da elite norte-

41 Idem:13.

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americana estritamente ligados ao campo da difusão cultural, o Estado alcança, ao

mesmo tempo, dois objetivos: um elemento diferenciador com relação as Kulturpolitics

européias para não descortinar interesses mais amplos então em jogo e ao mesmo

tempo, viabiliza a política interna no sentido de incrementar a indústria cultural norte-

americana.

A importância das relações culturais internacionais reside exatamente pela sua

“dimensão política”: agindo como um recurso estabilizador no plano político interno e

como instrumento estratégico das Relações Internacionais. Assim a ‘quarta dimensão”,

como aponta Coombs, proporciona novas formas de flexibilizar e ampliar os canais de

entendimento dos EUA com outras nações para promover e incrementar a viabilização

dos “interesses nacionais” norte-americanos:

“Finally, and most important, How can the quality and effectiveness

of our national effort be strengthned ? What role should government

play, and how can this role be played ?42

1.4 Departamento de Comunicações (Divisão de Filmes e a de Imprensa

e Publicações)

A estrutura do Office for Coordinator and Cultural Relations between the American

Republics, primeira denominação, será composta por três divisões: Divisão Comercial e

Financeira, Divisão de Comunicações e Divisão de Relações Culturais.

No Departamento de Comunicações43 se concentrava o campo da informação do

OCIAA que era composto pelas seguintes Divisões: de filmes, de ensino, de rádio e a de

42 Coombs, op.cit :4

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40

imprensa e publicações. O campo da informação será o instrumento mais eficaz e

importante em função de englobar diferentes campos culturais propiciando um intenso

intercâmbio e propaganda de produtos culturais norte-americanos.

Com relação à Divisão de Imprensa e Publicações, podemos constatar a dimensão

estratégica desta Divisão, dentro do projeto político-cultural de propaganda nacional e

consolidação do american way of life no continente, devido à quantidade de

funcionários alocados nesta Divisão. Aproximadamente duzentos funcionários atuavam

e trabalhavam em tempo integral nos EUA e contavam, inclusive, com a participação de

alguns brasileiros como: Orígenes Lessa, Marcelino Carva lho, Raimundo Magalhães

(figura importante do DIP) Carlos Cavalcante entre outros.

Na área da imprensa passou-se a distribuir a revista Time em quase todo o continente,

a publicar uma edição em espanhol e português do Reader’s Digest e uma edição

panamericana da revista Newsweek.

Os conteúdos dos Relatórios e Memorandos da Divisão de Filmes são em sua maioria

organizados da seguinte forma: primeiramente anunciavam a proposta da Divisão de

Filmes, vinculando sua criação sob a autoridade do OCIAA como órgão oficialmente

instituído pelo Executivo norte-americano, sendo assim esboçavam o relacionamento, a

intercomunicação e colaboração desta Divisão com outras agências criadas pelo

governo: as Agências de Informação de Guerra, Fatos e Figuras e a Agência da Defesa

Civil. Após a apresentação da Divisão, os Relatórios especificam a delimitação dos

objetivos do projeto da Divisão de Filmes ou, como eles próprios denominam, o “Basic

Plan”44, que deveria ser seguido mas guardando a flexibilidade necessária para as

43 A documentação original ora refere-se ao Departamento ora a Divisão, a falta de rigor na nomenclatura das divisões internas da agência será aqui respeitada. 44 CPDOC/FGV – RJ Coleção Foreign Office documento intitulado The Fouding of the CIAA. A pesquisa documental nos revelou a importância do “Basic Plan” para as diretrizes e metas da política cultural norte-americana no período.

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mudanças rápidas de condições que se processavam no mundo. Em seguida, os

Relatórios enumeram os critérios de operacionalização para a viabilização do “Basic

Plan” que será supervisionado por poucos mas experientes especialistas norte-

americanos, que sempre irão agir em conexão com outras agências do governo e em

especial, com o Departamento de Estado.

A leitura do “Basic Plan” evidencia não somente a preocupação do Estado norte-

americano na tentativa de coordenar e centralizar os objetivos e metas das agências

criadas neste período, como denota a vontade de articular e vincular a trajetória de

“ação” do OCIAA sob a orientação do Departamento de Estado. Como reitera Coombs

com relação ao papel do Estado como “articulador” na “definição” das funções a serem

executadas pelo setor privado:

“a more rewarding approach toward clarifying the division of labor is

to begin by recognizing, very pragmatically, that some things which

should be done, only govenment can do; other things only the private

sector can do or can do much better; while still others things requirer a

combined effort”45

1.5 O Basic Plan - Etapas da estratégia de ação do OCIAA

Para a cientista política Maria Regina Soares de Lima, um dos pontos mais

importantes para compreender a elaboração e implementação da política externa de um

país é analisar as “etapas” internas que incidem no processo de “formulação”:

“não se trata apenas de listar as influências internas que exercem sobre

a formulação da política exterior, mas sim, construir modelos

45 Coombs, op.cit:137.

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analíticos que possam dar conta das interações entre o jogo

diplomático no campo internacional e o jogo político interno em torno

de questões que são simultaneamente internas e internacionais” 46.

Assim, a importância do “Basic Plan” reside no fato deste documento conter a

definição da “filosofia básica” e a estratégia de “ação” e “metas” da Divisão das

Relações Culturais do OCIAA. Tal documento adquire uma dimensão importante,

primeiramente porque permite identificar como a “difusão cultural”, através da

circulação de “traços culturais”, é “assimilada” entre os “policy-makers” e em seguida

permite conhecer quais os mecanismos de difusão cultural priorizados na formulação da

política externa norte-americana.

Para a formulação do Basic Plan47, o governo norte-americano cria um Comitê

Político Interdepartamental para fazer a conexão entre o Departamento de Estado e o

OCIAA. O Comitê possui como representante do Departamento de Estado o Dr.Robert

Caldwell e uma equipe de jovens executivos e especia listas em relações públicas sem

envolvimento em programas culturais ligados a um direcionamento político, dessa

forma evitava-se descortinar interesses mais amplos que estavam em jogo. Faziam parte

deste Comitê: Nelson Rockefeller, William Benton48, Henry R.Luce, John M.Clark e

Arthur Jones.

Ocorreram duas reuniões, entre 27 de setembro e 14 de outubro de 1940, para discutir

propostas e formas de como deveria ser conduzida a Divisão de Relações Culturais do

OCIAA, visando formular um programa muito bem articulado para obter a efetividade

do empreendimento.

46 Maria Regina Soares de Lima Enfoques Analíticos de Política Exterior: El Caso Brasileno. In: Russell,1991:78. 47 A cópia dos dois documentos que traçaram a filosofia básica para a Divisão das Relações Culturais do OCIAA se encontram no Anexo 1 e 2. 48 Vice-presidente da Universidade de Chicago e editor da Enciclopédia Britânica e a partir de 1945 assume a função de Assistente do Secretário de Estado. Cf.Coombs, op.cit:28

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A instrumentalização das relações culturais é vista entre os “policy-makers” sob uma

perspectiva de “pensar as diferenças”, tal procedimento, aliás, fez parte do processo da

“experiência norte-americana” desde o século XIX, de um modelo de integração

original através do “relativismo cultural”, na compreensão de Franz Boas. Como

sublinha o etnólogo Denys Cuche:

“o mito nacional americano, segundo o qual a legitimidade da

cidadania é quase ligada à imigração – o americano é um imigrante ou

um descendente de imigrantes – é a base de um modelo de integração

original que admite a formação de comunidades étnicas particulares.

A vinculação do indivíduo à nação se dá paralelamente à participação

reconhecida em uma comunidade particular; esta é a razão pela qual a

identidade dos americanos foi chamada por alguns de “identidade com

hífen”; pode-se de fato ser “ítalo-americano”, “polono-americano”,

“judeu-americano”, etc. Daí resulta o que se pode chamar

de“federalismo cultural” segundo Schanapper, que permite uma certa

continuidade das culturas de origem dos imigrantes, não sem

transformações, devidas ao novo ambiente social”49.

Este conceito, a partir dos anos trinta, terá nos EUA o seu melhor campo de

aprofundamento, através do diálogo “interdisciplinar” com as Ciências Sociais que deu

origina a escola “cultura e personalidade”. A “nova” escola tem como premissa que não

são as variações psicológicas individuais que identificam um “tipo” de personalidade ou

“pattern cultural” apenas, mas o que os “membros” de um mesmo grupo “partilham” no

plano do comportamento e da personalidade”. 50

Neste sentido, a preocupação em “pensar as diferenças” entre norte-americanos e

latino-americanos pelos “policy-makers” está influenciada por esta “dinâmica interna”.

A tentativa em “pensar as diferenças”, pressupõe classificar “os outros”, ou seja, os 49 Cuche, op.cit:.66. 50 Como destaque desta escola, os antropólogos originários da escola de Franz Boas: Ruth Benedict, Margareth Mead e Ralph Linton. Idem:.83.

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latino-americanos, a partir de um modelo e/ou “pattern” cultural, reconhecível e

“compartilhado” entre os formuladores e sendo representado pela cultura do WASP a

qual difunde o “caráter nacional americano”.

O WASP é a “matriz cultural” pela qual os imigrantes foram “assimilados”, através de

um amplo processo educacional de padronização da língua e homogeneização cultural a

partir do “americanismo” como um estilo de vida e comportamento através de

pensamentos e idéias associadas e veiculadas ao racionalismo, eficiência, fé,

determinação, trabalho, otimismo, individualismo e caráter empreendedor.

No processo de reconhecimento da existência de uma diversidade cultural entre os

povos latino-americanos, os “policy-makers” procuram selecionar “traços culturais e

intelectuais” específicos que permitam identificar um “tipo” de “personalidade básica”

entre as repúblicas latino-americanas. A partir dessa “identificação” nasce a formulação

da estratégia de ação do “Basic Plan” para as relações culturais do OCIAA. Tal pode ser

atestado, através das concepções do representante do Departamento de Estado, Robert

Caldwell:

“Os latino-americanos gostam de se ver como “herdeiros de todas as

eras” e são fortemente influenciados pela tradição romana. Os três

conceitos mais importantes para os latino-americanos são:

1. Fair dealing e garantia de observação da lei nos contratos (a

tradição romana) em oposição à força;

2. Ajuda mútua (a tradição cristã);

3. “Personalismo”, talvez melhor traduzido como direito de auto-

expressão (a idéia renascentista).” 51

Por isso, a preocupação em conhecer as “especificidades” culturais, por meio do

contato com as elites políticas e culturais de cada república latino-americana, é uma das

51 CPDOC/FGV-RJ.Documento intitulado Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division. IAA: 40.01.15.:2

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estratégias de “ação” dos formuladores. Para eles isto garantirá a eficácia do “Basic

Plan” e será o fator determinante para o êxito de alguns projetos culturais no Brasil:52

“ ... é necessário utilizar o estoque de conhecimento já existente da

América Latina nas próprias Universidades desses países (..) para se

ter uma visão mais detalhada dos ideais de civilização Latino-

Americano (..) é necessário fazer uma pesquisa de informação de cada

país (...) O Dr. Caldwell apontou que os grupos formadores de opinião

mais importantes são bem menores na América Latina do que nos

EUA” 53

Os mecanismos de “difusão cultural” priorizados pelos “policy-makers” são aqueles de

rápido poder de “persuasão e influência”, destacando-se os setores de publicação e

informação, através da divulgação de livros, revistas e jornais respectivamente:

“ (...) O Comitê então discutiu a questão de persuadir ao invés de

oprimir por opressão Dr. Caldwell achou que de uma maneira geral

este país deve se basear na persuasão (...) as publicações não deveriam

ser uma grande parte do programa. Ele acha que os livros são um

método mais lento, embora possivelmente o mais sadio, de influenciar

as pessoas ... mas acredita que os resultados com livros deveriam ser

bem maiores e bem mais rápidos na América Latina do que aqui,

porque na América latina o grupo relativamente pequeno de pessoas

que lêem livros é o grupo que domina a política, os negócios e outros

campos (...) O Comitê achou que as revistas deveriam ser incluídas no

ramo de notícias ao invés de ser incluídas no ramo de publicações (...)

O Comitê achou que a curto prazo, os noticiários seriam da maior

influência muito mais que o rádio ou o cinema”. 54

“Persuadir e influenciar” através de pensamentos, idéias e produtos é o “fio condutor”

da política cultural norte-americana e será um dos critérios modulares para a “seleção”

52 As bases que assentaram o relacionamento entre os interlocutores do OCIAA no Brasil com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) são analisadas no Capítulo 2. 53 CPDOC/FGV-RJ-.Meeting of the Policy Committeee of the Cultural Relations Division. IAA: 40.01.15:4. 54 Ver Anexo 1 e 2.

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de textos a serem publicados pela nova edição em português das Seleções RD que chega

ao Brasil em fevereiro de 1942. Sendo assim, os resumos de textos e romances de

autores consagrados nos EUA, que “devem” ser “publicados” e “lidos” bem como

artigos e resenhas científicas no campo da medicina, tecnologia e saúde possuem

estreita consonância com as “d iretrizes e metas” formuladas pelo “Basic Plan” para a

Divisão das Relações Culturais do OCIAA. 55

Assim, a formulação da política cultural dimensiona a “ação” do Estado. Este

instrumentaliza o setor privado nacional ligado ao campo cultural na execução dessa

política e se “apropria” do nacionalismo em prol da causa nacional. Dessa forma, o

Estado reforça internamente o seu poder e no plano externo justifica a formulação de

um “projeto político” de interesses mais amplos:

“a razão universal seria a garantia de que através de uma diplomacia

cultural internacionalista recomporíamos os desastrosos efeitos da

Torre de Babel. Sendo assim, governo e empresa privada se lançaram

na nova campanha com todo o fervor e entusiasmo de uma cruzada

religiosa. A América Latina tornou-se a moda ou mais ainda - a

missão.”56

1.6 Interesse Nacional: Experiência única, missão e isolamento

Para Morgenthau a nação se define como uma sociedade integrada que é reunida por

um forte consenso através de um poder supremo e depositária dos mais altos valores

fundamentais através de uma lealdade secular. 57 O nacionalismo é um processo

55 A análise de algumas resenhas publicadas sob forma de artigos definidos como de “interesse universal” e de alguns textos de livros serão analisadas no Capítulo 3. 56 Ninkovich,op.cit.:182. 57 Hans Morgenthau,In Escritos sobre política internacional, 1990:.90.

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dinâmico que está sempre em (re)construção através da “ação” de uma certa

intelectualidade que possui “influência” política a partir da sustentação do Estado e atua

como “articuladora” e “formuladora” de “projetos nacionais”.

Assim, o pensamento de Morgenthau será a premissa básica na formulação da política

externa norte-americana para o continente americano. O Estado, em nome do “interesse

nacional”, será o interprete e o depositário dos valores fundamentais e seculares em

torno dos ideais nacionais como será o elemento aglutinador em prol da causa nacional

para atender as metas da Política Hemisférica, então formulada, a qual o OCIAA estava

articulado:

“ in this cooperation we may properly give due consideration to the

national interest of the United States, but in so doing we must not

confuse the national interest with that of particular group interest.”58

Neste sentido, a legitimidade do “interesse nacional” se determina frente a possível

usurpação de interesses supranacionais, infranacionais e/ou de outras nações. Isto

possibilita o “consenso interno” necessário para pôr fim aos diferentes conflitos de

interesses como justifica o incremento do poder de “ação” do Estado. Assim, para

Morgenthau, o “interesse nacional” é transcendente frente ao liberalismo pois é o

resultado de um acordo frente a diferentes interesses de grupos dentro de uma Nação e

frente, também, ao marxismo que com uma visão internacionalista anula o sentido do

“interesse nacional. Para Morgenthau, a moral se baseia no cálculo correto entre os

objetivos do Estado e os recursos de que dispõe para alcançá-los59.

A relação entre poder, moralidade e interesse dificilmente entram em controvérsia no

plano interno, para Morgenthau, porque o “interesse nacional” é constante durante

58 CPDOC/FGV-RJ IAA 15/04/1942.Objectives of Hemisphere Policy 59 Hans Morgenthau, Another Great Debate: The national Interest of the United States In:Truyol y Serra,1999:XLII.

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longos períodos e todos os elementos materiais e ideológicos que constituem seu

“conteúdo” estão subordinados aos requisitos que determinam a sobrevivência da nação

e a preservação de sua “identidade”. E estes, não são suscetíveis de mudanças rápidas.

Em contrapartida, a relação entre interesse e poder, para Morgenthau, é diferente no

plano internacional, porque neste caso o poder está associado aos interesses de uma

nação concreta e, como vimos anteriormente, faz parte de um fenômeno universal da

história moderna. Para Morgenthau, a política exterior opera através de um padrão de

“interesse nacional”, e sendo assim, faz necessariamente referência à identidade física,

política e cultural da Nação:

“todas as nações estão obrigadas a proteger sua identidade física,

política e cultural frente à usurpação por parte de outras nações...”.60

Quanto ao caráter de moralidade do “interesse nacional” Morgenthau respondeu às

diversas críticas, se remete a própria tradição da política externa norte-americana :

“ o conteúdo esta determinado pelas tradições políticas e o contexto

cultural global dentro do qual uma nação formula sua política

exterior... qualquer política que opera com o padrão de interesse

nacional, deve fazer necessariamente, alguma referência a identidade

física, política e cultural que denominamos nação”. 61

Para Morgenthau o “conteúdo” do “interesse nacional” é um componente do espírito

dos “pais fundadores” sendo, portanto, uma espécie de conceito guia 62 da política

exterior dos Estados Unidos desde a fundação da República:

60 Morgenthau, 1951:.100. 61 Idem.Idem. 62 Para um exame da importância da “tradição” na política externa norte-americana, ver Morgenthau, American foreign policy- a critical examination. Ituassu,2000: 8-10. A partir da experiência histórica norte-americana Morgenthau examina as peculiaridades da política externa norte-americana através das idéias sobre a experiência única, missão e isolamento em três períodos respectivamente: o realista, representado pela atuação de Alexander Hamilton; o ideológico, de Thomas Jefferson e Quincy Adams; e o utópico e moralista de Woodrow Wilson..

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49

“Los fundadores entendieron que el gobierno em acción es poder.

Intentaron ubicar las ambiciones, intereses y fuerzas de los seres

humanos em tres departamentos, enfrentados los unos a los otros, de

tal manera que se evitara que un grupo de agentes obtuviera el poder,

convertièndose en peligrosamente poderoso”. 63

Podemos considerar que o significado do “conteúdo” do “interesse nacional” que

existe durante longo período definido em termos de poder de uma nação e que se

justifica através da defesa da identidade política, física e cultural faz parte das

“representações”64 da identidade nacional norte-americana : o “excepcionalismo norte-

americano ou experiência única” ligada às idéias 65 “de liberdade, democracia e

felicidade”; a “missão” como destino e dever e o “isolamento” através da idéia

veiculada sobre a “fronteira” em relação à tradição européia de disputas políticas de

poder

A identidade nacional, como todo processo de construção de identidade, possui uma

dimensão interna na qual se “acentuam” os traços de similaridade e, ao mesmo tempo,

uma dimensão externa que define a “diferença” em relação ao “outro”. Assim as

“representações” da identidade nacional norte-americana fizeram parte da “experiência

histórica norte-americana”, esta teve que recorrer à construção de uma “idéia sobre a

nação”capaz de fornecer sentimentos comuns de pertencimento a uma população

heterogênea: que falava diferentes línguas e pertencia a distintos grupos religiosos.

Neste processo de construção de uma “idéia nacional” recorrer a “mitos fundadores”

contribui para tornar comum o que era diferente e, assim, formar a “trama” de uma

nação que teve como questão central sua “legitimidade” e “permanência”. 63 Morgenthau, 1951:.125 64 O conceito de representação através da diferença é um conceito-chave do discurso histórico como identidade é o conceito que define a natureza desse discurso” Apud:Francisco Falcon In: Cardoso e Malerba, 2000:.48-49. Falcon procura descrever as relações entre história e representação, a partir das noções de diferença e identidade. 65 Nos filiamos a noção de idéia através da concepção de Ernest Cassirer “são as relações entre idéias que permitem ao historiador conhecer a “fenomenologia do espírito de uma época”. Francisco Falcon..In Cardoso e Vainfas,1997:107.

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50

Na trama de construção de uma consciência nacional, a idéia de “experiência única”

tem suas raízes desde os tempos dos “founding-fathers” como podemos comprovar pela

declaração de Thomas Jefferson:

“Before the establishement of the American states nothing was know

to history but the man of the Old World, crowed within limits either or

overcharged, and stuped in the vices which that situation

generation”. 66

Com relação à tradição da idéia do “isolamento”, Morgenthau a interpreta não como

sendo uma mera passividade em relação aos objetivos primários de disputa de poder da

Europa e da Ásia e, muito menos como uma posição desinteressada do cenário político

internacional. O tipo de interesse estava exatamente na espera que, após o

estabelecimento da democracia em todos os lugares, os EUA the final curtain would fall

and game of power politics would no longer be palyed”67.

No tocante à missão, esta se refere aos termos humanitários e morais, à ação de caráter

altruísta e providencial:

“A providência têm se satisfeito em dar este país ligado a um povo

unido – um povo que descendeu dos mesmos ancestrais, falando a

mesma língua, professando a mesma religião, ligado aos mesmos

princípios de governos muito semelhantes em suas maneiras e

costumes”68.

A tradição na idéia da “experiência única norte-americana” associada à religião como

sendo um “povo eleito” que fez um contrato com Deus, vem desde o período de uma

literatura colonial através dos sermões de John Winthrop líder da Companhia da Baía de

Massachusetts, em 1630. Em seu sermão, “Modell of Christian Charity”, Winthrop

afirmava que: 66 Ituassu.op.cit: 10. 67 Idem:.9 68 Higham, 1988:3.

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“os puritanos haviam firmado um contrato com Deus, que os trouxera

para a América em segurança, para que lá eles agissem em estrita

conformidade com Sua Vontade, tal como se encontra expressa na

Bíblia. A argumentação de Winthrop exorta os habitantes desta Nova

Sião a se constituírem em um modelo de sociedade, um “farol sobre o

monte”, que iluminasse com o seu exemplo todos os povos e nações e

o “novo povo eleito” não poderia falhar”69.

No campo da política externa norte-americana, a idéia da “experiência única”,

segundo Morgenthau, também permite estabelecer contato com a “expansão” histórica

norte-americana. Para Morgenthau, a partir da guerra contra a Espanha, a expansão

norte-americana foi feita com base na distinção no “isolamento” e na “superioridade

moral” de sua política externa. A idéia da “experiência única” pôde assim ser vista

como um ato civilizador e não de conquista, aparecendo de forma essencialmente

diferente e superior ao imperialismo europeu de guerras e aquisições coloniais 70.

Ainda segundo Morgethau, a idéia da “experiência única” possui um outro lado: o de

“encobrir” fatores como invasão territorial e diferenças de poder, entre norte-

americanos e índios, com a idéia de um desenvolvimento natural, o “destino manifesto”,

cuja base é a crença na “especificidade libertária” da política externa dos EUA em

relação aos países europeus, envolvidos em lutas de poder.

Neste sentido, a luta pelo poder no cenário internacional seria apenas um acidente

histórico, estaria naturalmente associada com governos não democráticos e fadada a

desaparecer com o “triunfo” da democracia no mundo.

69 Gerald Grob & George Billias, George, org. Interpretations of American History. Apud:Nogueira, 1996. 70 “Esta identificación de poder político com aristocracia encontro sustento em la experiência norteamericana. Podemos distinguir três elementos em esa experiência: el carácter único de la experiência norteamericana, la ajenidad del continente americano com respecto a los focos de conflicto mundiales del siglo XIX y el pacifismo y antiimperialismo humanitários de la ideologia política norteamericana.Morgenthau,1948:.51.

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O conteúdo libertário da “especificidade” da democracia norte-americana que permeia

o imaginário de construção da nação, vem desde a origem da sua formação constando

em sua Declaração de Independência como sendo resultado de um contrato e por um ato

de vontade:

“Consideramos como uma das verdades evidentes por si mesmas que

todos os homens são iguais; que receberam de seu Criador, certos

direitos inalienáveis, entre os quais figuram a vida, a liberdade e a

busca da felicidade”. 71

A origem política da Nação a partir da Revolução Americana é um como um

consenso na historiografia norte-americana que vem desde o início, através de uma

história literária no século XIX que mesmo criticada como não científica pela “história

progressista” do início do século XX perpassa a corrente crítica dos anos trinta

desencadeando na corrente da história intelectual e/ou das idéias dos anos 40.72

Mesmo especialistas da nascente história intelectual, como John Higham, que se

distancia da historiografia consensual norte-americana pós-Segunda Guerra que

sublinha a continuidade da experiência nacional dos EUA e determina os elementos de

permanência que seriam os definidores do “caráter americano”, também “reitera” a

“idéia da excepcionalidade” norte-americana, a partir da Revolução Americana, como

sendo “básica” fazendo parte, portanto, de um “sistema de pensamento coletivo

interno”:

“Os americanos viam a liberdade política como seu principal tributo

nacional e seu maior feito, diferentemente do que se sucedeu durante

outras revoluções em outras terras, a revolução americana envolveu

relativamente pouca transformação política e social; seus líderes

71 Grimberg, 1990, vol.X: 39 72 Para conhecer um levantamento do percurso historiográfico através da análise dos diferentes paradigmas que embasaram o desenvolvimento da História como disciplina nos EUA e os novos rumos e impasses atuais ver Moura,1995.

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tinham como objetivo aperfeiçoar a sociedade existente e não

construir uma nova sob suas ruínas”. 73

A tradição em recorrer aos “mitos fundadores” da nação através da idéia veiculada à

“experiência única” que permitira a sua permanência e continuidade como nação será

articulada enquanto forma de justificar a sua expansão e consolidação de poder no

continente americano e, ao mesmo tempo, como forma de reforçar internamente o

sentimento nacional através da difusão dos “traços culturais e intelectuais” do

“americanismo” o qual determina o “caráter nacional americano” 74.

A estratégia política definida em termos de poder no cenário internacional é uma

forma de defender e imprimir a sua própria identidade física, política e cultural como

nação. Neste sentido, o OCIAA e as Seleções RD representam uma ação de caráter

nacionalista que tem como objetivo colocar em prática, e de forma convincente, a então

“vaga” noção de bom vizinho e somar esforços em prol dos “interesses nacionais” mais

amplos definidos pela Política Hemisférica formulada nos anos 40.

Neste sentido, o “conteúdo” do “interesse nacional” como o único intérprete na

defesa e promoção dos ideais nacionais justifica internamente o incremento do poder de

“ação” do Estado. O Estado instrumentaliza o nacionalismo, que representa um legado

histórico e cultural comum através de um compartilhamento de artefatos, lealdades e

convicções presentes desde os tempos da formação política da nação, fazendo parte das

suas “tradições” como forma de mobilização em torno dos ideais nacionais e como

estratégia na formulação de um “projeto” político mais amplo.

73 Higham,op.cit:1-11. Higham procura pesquisar as raízes do preconceito e da diversidade étnica na sociedade americana nos anos 50. Neste sentido, o historiador busca uma perspectiva histórica do nacionalismo através de um “tipo” de história intelectual que desse conta e sintetizasse as mudanças políticas, sociais e econômicas. Em Strangers in the Land, Higham aponta os padrões de construção que moldaram o forte sentimento anti-estrangeiro do final do século XIX e XX nos EUA, destacando que as bases culturais , já tinham sido lançadas desde o fim do século XVIII, através de um “pattern” ancorado na tradição de um nativismo anti-católico, anti-racial e Anglo-saxão. 74 Ver no Capítulo 3, sobretudo, na última seção, a propaganda de difusão dos “traços culturais e intelectuais” do “americanismo” nas Seleções RD.

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A formulação da retórica pan-americanista nos anos trinta, a partir dos ideais de

“dever” e “moral”, se entrelaça ao mesmo tempo com as idéias que representam a

construção imaginária de nação - a “experiência única”, “missão” e o “isolamento”:

“Os princípios da Política da Boa Vizinhança destacam a fé nas

instituições republicanas, lealdade à democracia como um ideal,

reverência pela liberdade, aceitação da dignidade do indivíduo e seus

direitos pessoais invioláveis, crença na resolução pacífica das

disputas, aversão ao uso da força como um instrumento de política

nacional e internacional, esperança de estabelecimento de uma paz

duradoura para todas as Nações”. 75

A crença no “triunfo” e na “especificidade” da democracia norte-americana e do

“american way of life” está presente nas concepções dos “policy-makers” e na

formulação da estratégia de “ação” do “Basic Plan”. Esta possui portanto, um forte

“significado” entre os formuladores e é articulada ao pan-americanismo e difundida

como estratégia de expansão de poder no continente:

“ o verdadeiro problema do Comitê era buscar algo para substituir o

“Novo Modo de Vida” que estava sendo pregado pelos Fascistas ...

Agora sentimos o mundo se fechando é essencial que divulgássemos o

nosso estilo de vida, Democracia .. o conceito de Democracia poderia

ser apresentado a América Latina como os “Os Princípios de Bolívar e

Washington.”76

Dessa forma a Política da Boa Vizinhança não seria somente um instrumento eficaz

para assegurar a causa comum entre as Repúblicas americanas, liberdade e democracia ,

ou melhor, reforçar e propagar a identidade política da nação através da “experiência

única norte-americana” – mas, estaria revestida de uma legitimidade de poder moral e

político - a missão como dever e moral de propagar este ideal. Entretanto, a política da

75 CPDOC/FGV.RJ:IAA,28/05/1942. Objectives of Hemisphere Policy. 76 CPDOC/FGV-RJ IAA: 27/09/1941. Meeting of the Policy Committee of Cultural Relations Division. Anexo 1.

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Boa Vizinhança será articulada aos objetivos da Política Hemisférica formulada no

período, segundo o Relatório Objectives of Hemisphere Policy:

“o desenvolvimento de relações interamericanas não deveria estar

sendo empreendido com o objetivo de se criar um isolamento

hemisférico, a partir da exclusão de benefícios de cooperação

econômica com o resto do mundo. Entretanto, o hemisfério teria que

ser protegido contra o perigo de ações econômicas unilaterais

indevidas e desfavoráveis contra qualquer poder externo”. 77

O caráter de “missão como sendo providencial” é ressaltado como justificativa, na

criação do OCIAA, como pode ser atestado no Relatório “The founding of the CIAA”:

“defender os princípios democráticos, em contraponto à propaganda

totalitária, principalmente alemã, no continente... esta propaganda

atacava o prestígio dos EUA e caberia a este, combater o “the Nazi

blueprint for world domination78”.

A estratégia em utilizar as relações culturais a partir de um discurso universal de

civilização que se fundamenta nos preceitos éticos morais é amplamente encontrado nos

documentos referentes ao OCIAA através das expressões: “defesa dos povos livres”,

“mutual benefits”, “mutual relationship”, “stimulate the Democracy.”

“... precisamos enfatizar e falar em termos de expansão dos fatores

comuns das nossas culturas, as Repúblicas Americanas “devem dar as

mãos para preservar valores mútuos” ... precisamos incrementar o

entendimento que a nossa civilização não pode sucumbir a Hitler e

Mussolini já que suas raízes estão bem aquém, este argumento é mais

apelativo na América Latina do que aqui”.79

Com relação a tradição do “isolamento” como forma de defender a “identidade física”

da nação através da idéia sobre a “fronteira”, esta faz parte de uma das “representações”

77 CPDOC-FGV-RJ. IAA:28/05/1942.Objectives of Hemisphere Policy. 78 CPDOC/FGV.-RJ:IAA. 15/04/1942 Relatório The Fouding of the CIAA 79 CPDOC/FGV-RJ. IAA: 27/09/41.Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division.

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nacionais mais preservadas e que tem na figura do historiador Frederick Jakcson Turner,

através do ensaio O Significado da Fronteira na História Americana apresentada, na

reunião da American Historical Association em Chicago (1893) onde também ocorria a

Exposição de World’s Columbian, neste ensaio Turner, seu mais ardente defensor,

mostra ao mundo o modelo de progresso de civilização que a partir da fronteira a

América ao criar um novo tipo de self-government, conseguiu se livrar das doenças do

Velho Continente consagrando assim o excepcionalismo norte-americano o qual

possibilitou e permitiu o isolamento em relação aos distantes conflitos europeus desde o

século XVIII e XIX:

“...as terras livres em recessão contínua na direção do Oeste, esse

renascimento perene, essa fluidez da vida americana, essa expansão

para o Oeste, com suas novas oportunidades, sua relação contínua com

a simplicidade da sociedade primitiva, fornecem as forças dominantes

do caráter americano”. ... De acordo com Turner, a fronteira

promoveu a formação de uma nacionalidade compósita, diminui nossa

dependência da Inglaterra, condicionou a legislação que mais

desenvolveu os poderes do governo nacional, legislou sobre terras,

tarifas e melhoramentos internos, promoveu a democracia e ajudou a

construir os traços intelectuais típicos do homem norte-americano”. 80

Assim a idéia veiculada sobre a “fronteira” tem como significado não ser apenas uma

continuidade de unidade nacional, proposta pela história literária norte-americana, mas

como sendo um símbolo do movimento pela “democracia” da nova corrente

historiográfica progressista que inovou o campo através de uma aproximação com as

Ciências Sociais. A partir de um determinismo físico e geográfico a “nova história

progressista” tem o pensamento no presente e busca no passado respostas e novas

interpretações para atender a demanda da grande transformação urbano- industrial após o

80 Frederick Jackson Turner The Significance of the Frontier in American History In: The Frontier in American History,1996:10.

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final do século XIX pela qual passava os EUA. A nova corrente de historiadores estava

mais preocupada em investigar e interpretar a mudança e participar dela.

O mito americano do começo absoluto a partir de um novo Éden, da natureza inocente

e de um novo homem, despido dos vícios do velho continente, encontrou, assim, abrigo

nos estudos históricos pelas mãos de Turner. Na releitura do Oeste elaborada pelo

historiador norte-americano Henry Nash Smith da corrente consensual dos anos 50, que

buscava a continuidade nacional não sublinhando conflitos de interesses, o historiador

discute a “experiência do Oeste”, em termos de “símbolos e mitos”, no qual define,

como “representações coletivas”, em que se fundem conceitos e emoções oriundas da

“experiência social”. Neste sentido, Smith “recusa a ver os mitos puras distorções dos

fatos empíricos”, chamando a atenção para a importância que eles tiveram no “processo

histórico” e como parte dos problemas nacionais:

“a identificação plena das terras livres com a natureza encantada,

produtora de riqueza, felicidade, igualdade e democracia, que excitou

a imaginação de seus contemporâneos e alterou os rumos da

historiografia norte-americana, foi sem dúvida responsabilidade de

Turner”81.

No campo da literatura, o significado da “fronteira” foi tema central do escritor

Fenimore Cooper que publica no início do século XIX cinco romances pioneiros

chamados Tales of Leatherstocking (Contos de Desbravadores), os romances possuem

forte influência no imaginário social americano :

81 Como reitera o historiador da Universidade de Colúmbia, Richard Hofstadter no texto The Thesis Disputed que faz parte da coletânea de análises sobre “The Significance of the Frontier in American History in Frederick Jackson Turner p.101.“The existence of an area of free land, its continuous recession, and the advance of American settlement westward explain American development. American evolution, Turner believed, had been a repeated return to primitive conditions on a continually receding frontier line, a constant repetit ion of development from simple conditions to a complex society. From this perennial rebirth and fluidity of American life, and from its continual re-exposure to the simplicity of primitive society, had come the forces dominant in the American character. And as the frontier advanced, society moved steadily away from European influences, grew steadily on distinctive American lines. To study this advance and the men who had been fashioned by it was “to study the really American part of our history”.

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“a narrativa do Oeste norte-americano permitiu uma (re) construção

da identidade norte-americana que através de escritores, jornalistas e

políticos estimulavam a anexação territorial e mostravam o

“pioneiro”, a partir de uma identificação com o homem comum que se

deslocava em direção ao Oeste – o homem branco, protestante e

anglo-saxão – como o tipo que construía o novo país”.82

Na trama que envolve a “construção” de identidades nacionais através de conflitos e

escolhas entre as diferentes propostas de “representação” sobre a nação que a

identificam permitindo a sua continuidade, o significado da “fronteira associada a

expansão” será transplantada para um “espaço” mais amplo, qual seja, o “continente

americano”.

A “idéia da fronteira” está presente na estratégia de “ação” para a Divisão das

Relações Culturais do OCIAA. É “compartilhada entre os formuladores” e possui forte

identificação e significado:

“ a idéia de “Novas Fronteiras” é vital sob o nosso ponto de vista mas

este conceito e o de Democracia tem pouco significado para os latino-

americanos... A democracia carrega consigo a felicidade e o

desenvolvimento”. 83

Na análise do historiador Richard Hosfstader: “o tempo é a dimensão da História, mas

a dimensão básica da imaginação norte-americana é o espaço. Os norte-americanos

tratam de compensar o sentido de tempo que careciam, por meio de um sentido amplo

de espaço. Seu pensamento não remonta a uma Antigüidade que não conhecem, se

dirige para fora, a um teatro geográfico de ação mais amplo, não ao teatro do passado

e sim ao futuro84.

82 Junqueira,2000:53-94. 83 CPDOC/FGV-RJ Meeting of Policy of the Cultural Relations Division.CF. Anexo 1 84 Hofstader,Richard LosHistoriadores ProgressistasTurner,Beard,Parrington.Apud: Junqueira,op.cit:.69.

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Assim, no âmbito da formulação da política externa a noção de “espaço” associado à

idéia de “fronteira” e “democracia” será transplantado para um “espaço geográfico”

mais amplo e cabe ao OCIAA colocar em termos mais efetivos a “vaga” noção de “bom

vizinho” a fim de não descortinar “interesses” mais amplos:

“o tema “bom vizinho” deveria partir da “necessidade da América de

se expandir”. Ele explicou que o termo expansão não era expansão

militar, mas expansão de mercado, de comércio e de idéias que eram

importantes para nós. Até a Guerra Mundial, estávamos preocupados

com a expansão dentro do nosso próprio país e achávamos de uma

maneira geral, que a expansão mundial não era tarefa nossa .. o

conceito positivo de expansão, ao invés da idéia, de prevalecer e

proteger os nossos interesses.”85

Neste sentido, a idéia de “expansão”, segundo os “policy-makers”, é vista sob uma

perspectiva “positiva” e deve ser articulada ao pan-americanismo como “exemplo” de

sucesso para o mundo. Ao mesmo tempo cumpre o objetivo de não desnudar

“interesses” mais amplos, como aponta o Relatório intitulado “Objetivos da Política

Hemisférica”:

“A permanência da Política da Boa Vizinhança como um

instrumento efetivo das relações internacionais depende de um mundo

no qual o ideal de justiça, paz, humanidade, e progresso prevaleça; a

vitória é indispensável para fazer com que tais ideais prevaleçam”86.

Observa-se então que os conceitos-guia da política externa norte-americana se

entrelaçam com a própria “experiência histórica norte-americana”. Isto se dá através do

resgate de uma memória coletiva de um universo cultural reconhecível e compartilhado

por uma intelectualidade, em diferentes períodos que envolveram a construção de uma

consciência nacional, como forma de obter o consenso interno necessário e como

85 CPDOC/FGV-RJ.Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division. Idem. 86 CPDOC/FGV.RJ:IAA. Objectives of Hemisphere Policy .Coleção Foreign Office.

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instrumento que justifica ações de expansão, intervenção externa e/ou consolidação de

poder, tendo como suporte o “conteúdo” do “interesse nacional”.

Acreditamos que a “razão” de Estado, mola propulsora do pensamento político de

Morgenthau, se fundamenta no significado do “conteúdo” do “interesse nacional” que,

por sua vez, se justificou ao longo do tempo através das “tradições” que remontam a um

legado de lealdades e convicções. Neste sentido, o “conteúdo” do “interesse nacional”

será o elemento aglutinador em prol da causa nacional que visa incrementar, através da

ação do OCIAA e das Seleções do RD, uma propaganda nacional de difusão do

“american way of life”. Tais são os argumentos do redator internacional da Reader’s

Digest para convencer um empresário norte-americano a se engajar na causa nacional:

“ Agora existem razões ainda mais fortes para que Seleciones seja

vista como um meio de alavancar os interesses do nosso negocio e da

nação. Agora é momento em que a propaganda, tanto institucional

como de produtos na América Latina, é a coisa mais importante que o

negócio Americano pode fazer..”87

Neste sentido, o Estado instrumentaliza o setor cultural norte-americano através de

revistas, livros e filmes para somar esforços aos interesses nacionais. O apoio material

da indústria cinematográfica será de extrema importância porque ao evocar os interesses

do Estado em defesa dos ideais nacionais que esta acima de conflitos de interesses,

possibilita o consenso interno para a implementação da política externa e contribui para

incrementar a própria indústria cultural norte-americana. Sendo assim, a indústria

cinematográfica será cooptada na estratégia política cabendo- lhe uma dupla função:

incrementar a propaganda de difusão do “american way of life” no continente e produzir

“filmes educativos”:

87 CPDOC/FGV-RJ, IAA: Coleção Foreign Office, Reader’s Digest.

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“A Sociedade Cinematográfica para as Américas tinha sob sua

responsabilidade, desenvolver a indústria cinematográfica como

representação da democracia norte-americana. Utilizando como

recurso potencial, os filmes educativos, a Sociedade procura

aprofundar a unidade do Hemisfério através do mútuo reconhecimento

sobre a arte, música, literatura, história e estilo de vida de cada

nação”. 88

A produção de “filmes educativos” será destinada ao público latino-americano e

norte-americano, evidenciando assim uma propaganda externa e interna de difusão do

“american way of life”, como aponta os formuladores: “vários scripts de qualidade

serão introduzidos no programas regulares dos estúdios”89. Entretanto, a meta

perseguida segundo o “Basic Plan” é “persuadir e influenciar”, sobretudo, o público

latino-americano, segundo os “policy-makers”:

“Persuadir os produtores de que não seria prudente distribuir nas

outras Américas filmes que criem uma má impressão dos EUA e do

american way of life.”90

A propaganda da democracia e do “american way of life” em contraponto ao

totalitarismo, é o fio condutor na produção dos primeiros “filmes” da série “ideológica”:

“A série ideológica tem como objetivo defender a democracia em

contraponto aos regimes autoritários e fazer a propaganda do

“american way of life”. .. a série é composta de filmes claros e

emocionantes que mostram a comparação entre o estilo de vida

democrático e o estilo de vida na Alemanha, Itália e Japão. O filme

“Liberdade de Imprensa”, por exemplo, deixará claro que as pessoas

vivendo sob um regime democrata prosperam ao ter conhecimento da

verdade da maneira mais completa e rápida ao passo que as

88 CPDOC/FGV-RJ,, IAA: Coleção do Departamento de Estado, DE, The Other Side of Hollywwod 89CPDOC/FGV-RJ,IAA: Motion Picture Division 15/02/1943. O Relatório destaca a qualidade dos filmes produzidos em Hollywood através do grupo sob liderança de Jack Chertock, um conhecido produtor de Curtas e Filmes da Warner Brothers, incrementando os trabalhos da Divisão Cinematográfica do OCIAA. 90 CPDOC/FGV-RJ,IAA: Relatório Motion Picture Division 15/02/1943.

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populações de países controlados pelo Eixo têm conhecimento apenas

daquilo que é fornecido pelas agências de propaganda do governo. O

filme “Os Planos de Hitler para as Américas” irá mostrar que os

Nazistas planejam dominar a América Latina destruindo a indústria,

encorajando uma economia sob bases agrícolas e dependente e

criando um continente de serviçais.”91

A estratégia de “ação” da Divisão Cinematográfica do OCIAA e o papel das Seleções

RD se articulam sob uma dupla dimensão: incrementar internamente o sentimento

nacional em torno das idéias veiculadas e associadas à democracia, liberdade e

igualdade que “representam” a identidade nacional, ou seja, o “excepcionalismo norte-

americano”. Como objetiva externamente difundir o “american way of life” como um

estilo“ideal” de vida para o continente: “Every effort should de made to show that the

U.S. is now the cultural center of the world”. 92

Neste sentido a instrumentalização das relações culturais e educacionais, a “quarta

dimensão” da política externa dos EUA, através da difusão de inúmeros filmes, revistas

e livros é um dos “métodos” empregados pelo Estado norte-americano para atender às

“metas” na formulação de um “projeto político imperial”. Como aponta Morgenthau

através da análise das diferentes “metas” do Imperialismo: o império mundial, o império

continental e a preponderância local:

“O imperialismo cresce a partir de três situações típicas,

conseqüentemente se move para três objetivos típicos. O imperialismo

pode ser o domínio de todo o mundo politicamente organizado ou o

que é o mesmo que chegar a um império mundial. Pode ser também

um império hegemônico com dimensões aproximadamente

continentais. Ou pode ser uma preponderância de poder estritamente

91 idem 92 CPDOC/FGV –RJ,IAA: “Contend trend material to be regurlarly sent to field.” s/n

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localizada. Pode também, ter limites geograficamente determinados,

tal como as fronteiras físicas de um continente que não se determina

limitado pelos propósitos localizados do próprio poder imperialista”. 93

E com relação aos diferentes “métodos” do Imperialismo: imperialismo militar,

econômico e cultural, Morgenthau define este último como:

“ Também descrito como imperialismo ideológico; ideológico que se

refere a luta de uma filosofia política. Não obstante há razões que

parecem aconselhar ao termo cultural. Primeiro porque por uma parte

engloba a todos os tipos de influências intelectuais, políticas e de

outras classes que funcionam como meios para os objetivos

imperialistas. ..Assim, o chamado imperialismo cultural é mais sutil,

de maior êxito das política imperialistas. Não pretende a conquista de

um território e/ou o controle econômico, mas sim o controle das

mentes dos homens como ferramentas para a modificação das relações

de poder entre as nações. Se pudermos imaginar a cultura e mas,

particularmente, a ideologia política de um estado A com todos seus

objetivos imperialistas concretos de conquistar as mentalidades de

todos os cidadãos que fazem a política do estado B, observaríamos

que o primeiro dos estados consegue uma vitória mais que completa

em haver estabelecido seu domínio sobre uma base mais sólida que

qualquer conquista militar ou econômica. O estado A não necessita

ameaçar com sua força militar ou usar pressões econômicas para

chegar aos seus objetivos. Para isto, a subordinação do estado B a sua

vontade é produzida pela persuasão de uma cultura superior e pelos

meios mais atrativos de sua filosofia política”94.

Em suma, o nacionalismo norte-americano em nome da defesa dos ideais seculares

de lealdades e convicções é “apropriado” pelo Estado para atender aos “interesses

nacionais” que estão articulados na consecução das “metas” de um “projeto imperial”.

O “método” utilizado é o poder de “persuasão” através da difusão do “american way of

93 Idem:.81. 94 Morgenthau,1948, op.cit.p.86

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life” então apresentado como uma cultura superior, e a “influência” de sua filosofia

política associada aos ideais democráticos de “igualdade”, “liberdade” e “felicidade”.

A partir da difusão de idéias e/ou pensamentos veiculados a “construção imaginária”

da nação, instrumentalizadas através da “ação” de uma elite intelectual que possui

“influência”, atuando como mediadora entre o Estado e a sociedade. Incrementa o

vínculo de pertencimento e auto- identificação em torno dos ideais nacionais como

elemento aglutinador, e neutralizador de conflitos de interesses internos, como forma de

manter a coesão social e como instrumento que justifica “ações” ma is amplas de

expansão e consolidação de poder.

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Capítulo II

O Relacionamento entre OCIAA e DIP

The motion picture developed under democratic conditions, thriving under

the basic freedom which is freedom of expression. In the democracies,

public support carries with it public responsibility. The motion picture,

product of democracy, has had that support and now gladly shoulders its

responsibility. In the service of the way of life which created it, the motion

picture industry dedicate itself to the democracies! (The Other Side of

Hollywood, Division of the American Republics: Coleção do Departamento

de Estado-DE:IAA:18/06/1941-CPDOC/FGV.)

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2.1 – A Estratégia de ação da Divisão de Filmes do OCIAA

Como já descrito em páginas anteriores, a agência OCIAA era composta por três

divisões: Divisão Comercial e Financeira, Divisão de Comunicações e Divisão de

Relações Culturais. No Departamento de Comunicações se concentrava o campo da

informação do OCIAA que era composto pelas seguintes divisões; de filmes, de ensino,

de rádio e a de imprensa e publicações.

Com relação aos conteúdos dos Relatórios e Memorandos da Divisão de Filmes

deveriam seguir os objetivos do “Basic Plan”, embora guardando uma certa

flexibilidade devido às mudanças que se processavam no cenário internacional. Os

objetivos da Divisão incluíam;

“ Um aumento na produção norte-americana de filmes, curtas e

noticiários sobre os EUA e das Américas para serem distribuídos no

Hemisfério; Produzir e estimular a produção de filmes sul-americanos,

principalmente curtas e noticiários, para que pudessem ser exibidos

efetivamente no mercado norte-americano; Evitar que filmes

produzidos e patrocinados pelos países do Eixo sejam exibidos no

Hemisfério; Induzir a indústria cinematográfica a não produzir e/ou

distribuir nas outras Américas filmes aos que se tenha algum tipo de

objeção total ou parcial”.95

O Relatório Motion Picture apresentando a estratégia de operação da Divisão, seguia

os passos estabelecidos pelo “Basic Plan”: “(1) Supervisão dos trabalhos por um

número relativamente pequeno, mas experiente de especialistas; (2) Recrutamento de

pessoal da indústria cinematográfica; (3) Adaptação sempre que possível dos filmes às

diretrizes do Basic Plan, ao invés de iniciar-se uma nova produção; (4) Gastos do

governo somente se for o último recurso, e ainda assim, se possíve l, na forma de

95 CPDOC/FGV –IAA: 02/15/1943. Relatório Motion Picture Division. P.2

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garantias contra perdas ao invés de compras de imediato ou subsídios; (5) Consulta

ativa com outras agências do governo, particularmente com o Departamento de Estado,

para evitar erros de política ou duplicação.”96

Em relação à organização operacional e distribuição dos filmes da Divisão, o mesmo

Relatório especifica que:

“A Divisão terá dois Departamentos – teatral e não-teatral, ambas

operando seguindo o mesmo arranjo. Os filmes não-teatrais97 ou de

16mm são designados à distribuição nas outras Américas através de

Comitês de Coordenação estabelecidos em cada país. Esses comitês

irão trabalhar em estreita cooperação com as Missões do

Departamento de Estado”.98

No tocante à política e planejamento, o documento aponta que estes estão

centralizados em Washington, as operações e produções não-teatrais em New York e as

produções teatrais em Hollywood. Destaca também que a Divisão de Filmes emprega

em média 35 pessoas regularmente formando um staff executivo que será selecionado

entre operadores experientes nas divisões teatrais e não-teatrais da indústria.

Em relação à cooperação industrial o Relatório aponta que: “caberá a um staff de

especialistas fazer a coordenação dos contatos entre New York com os produtores de

documentários e de outras produções não teatrais, com a indústria cinematográfica,

através de dois comitês principais, um composto dos presidentes das companhias mais

influentes e o outro de gerentes de exportação”. 99

Segundo o mesmo relatório, o Departamento teatral da Divisão de Filmes em

Hollywood conta com a colaboração de uma corporação sem fins lucrativos da

96 CPDOC/FGV-RJ, IAA:15/02/1943. Motion Picture Division. P.2 97 No Relatório e nos inúmeros documentos referentes à Divisão de Filmes do OCIAA, encontramos diversas vezes o termo técnico non-theatrical. 98 CPDOC/FGV-RJ.idem. 99 CPDOC/FGV-RJ. IAA- 15/02/43. Motion Picture Division. p.3

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Califórnia, estabelecida para efetivar a cooperação entre o Coordenador da Divisão de

Filmes dos produtos cinematográficos de todos os projetos e problemas relacionados às

outras Américas. Esta corporação é denominada Sociedade Cinematográfica para as

Américas100:

“os membros do Diretório da Sociedade e o Comitê Executivo da

Associação dos Produtores são praticamente os mesmos – O Diretório

da Sociedade, inclui, além disso, os chefes da Corporação e os agentes

e especialistas em todas as fases de outras operações cinematográficas

americanas. A Associação dos Produtores inclui os homens mais

importantes da indústria de produção e os respectivos gerentes dos

campos de Curta Metragem, Estórias, Talentos, Arte, Música e Filmes

Estrangeiros. Esses comitês não apenas aconselhavam a Sociedade e a

Divisão mais assumiam responsabilidade direta por grande parte do

trabalho”.101

Com relação à censura aos filmes, é descrito como sendo feito por um Comitê de

Gerentes Estrangeiros composto por especialistas estrangeiros designados pelo

Escritório do Produtor Executivo de cada estúdio, sendo que um dos especialistas é

escolhido pela Associação dos Produtores em Hollywood, a pedido do próprio

Escritório, para fazer uma consulta ativa com cada membro em relação à produção de

seus respectivos estúdios. Esses especialistas atuavam voluntariamente, organizando

tanto a censura aos filmes americanos, em conexão com as outras Américas, como

discutiam soluções para evitar problemas reincidentes. Além disso:

100 Faziam parte do Comitê de Diretores da Sociedade: Edward Arnold, presidente do Screen Actors Guild; .Frank Freeman, presidente da Association of Motion Picture Producers; Frank Capra, presidente do Screen Directors Guild; e Sheridan Gibney, presidente do Screen Writer’s Guild. Este último era composto por um elenco de roteiristas como: Louis B.Mayer,.Samuel Goldwyn, Harry M.Warner,. Walter Wanger, Darryl F.Zanuck, David Sleznick, George Schaefer, Clifford P. Work e Samuel J. Briskin. A Sociedade Cinematográfica para as Américas tinha como secretário executivo Mr.Kenneth Thomson escolhido pelo Comitê Político Interdepartamental para trabalhar em conjunto com o chefe da Divisão de Filmes do OCIAA, Mr.John Hay Whitney .CPDOC/FGV-RJ, IAA, 18/06/41 – Coleção do Departamento de Estado, DE, The Other Side of Hollywood. Division of The American Republics. 101 CPDOC/FGV-RJ, IAA Motion Picture Division, 15/02/43 p.3

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“O Comitê Externo também age com capacidade de aconselhamento

da Censura dos EUA em Los Angeles. Em sua maioria os membros

devem ser especialistas qualificados em relações externas, incluindo

aquelas relacionadas às Américas.”102

No tocante à participação das indústrias norte-americanas para com a Divisão de

filmes, a Companhia RCA Victor é destacada como um exemplo de contribuição, seja

pela cessão dos royalties do processamento de som dos filmes distribuídos pelo OCIAA,

seja pelos royalties das regravações dos Discos Victor usados para as trilhas sonoras dos

filmes. Destaca-se também a importância da colaboração da Sociedade Americana de

Compositores, Autores e Editores (ASPAC) que cedeu todos os royalties da Sociedade

quando a música pertencente a ASCAP fosse usada pela Divisão Cinematográfica. Da

mesma forma que o Presidente da Confederação Americana de Músicos concordou em

cooperar com a Divisão a fim de que as taxas cobradas pela União e os custos

trabalhistas fossem reduzidos.

O documento supracitado acrescenta ainda que a Divisão Cinematográfica também

obteve a cessão dos manufaturados da Columbia Records, Decca Records e Vocallion

Records para que os filmes produzidos pelo OCIAA fossem regravados. Como os

principais estúdios de Hollywood também concordaram em disponibilizar o uso, sem

custo, das trilhas musicais selecionadas pela Divisão Cinematográfica.103 Assim: “mais

de 30 filmes produzidos por outras agências do governo como: o Departamento de

Informação de Guerra, Departamento de Agricultura, As Autoridades do Vale

Tennesse, o Serviço de Saúde Pública dos EUA e o Departamento do Interior também

102 Idem. 103 “Através da cooperação de produtores de filmes patrocinados por organizações comerciais e industriais muitas produções foram disponibilizadas para o OCIAA sem custo. A Corporação de Exportação de Aço Americana Aeronaves Bell, Companhia de Ônibus Bell, Marcas Standard, American Can e a Corporação de Alumínio da América, não apenas deram o direito de distribuir seus filmes, como também arcaram com os custos de adaptar suas produções em Espanhol e Português para uso da Divisão”. Cf. CPDOC/FGV-RJ, 15/02/43 Motion Picture Division. P.4

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ajudaram o trabalho do OCIAA”104. Em relação à cooperação industrial o Relatório

Motion Picture aponta:

“a indústria teatral de cinema, sob nosso pedido tem contribuído com

os custos nos projetos de boa vontade. Uma viagem de vários atores e

executivos a Cidade do México na primavera de 1942, patrocinada

pelo Presidente Ávila Camacho, representou uma despesa à indústria

de mais de 75.000 dólares. A recepção dada a Almirantes Sul

Americanos em 1941, por vários estúdios de Hollywood foi um outro

projeto que criou uma reação favorável e válida de ser mencionada.

Recepções são continuamente feitas para outras pessoas notáveis da

América Latina”. 105

Em virtude da importância atribuída pelas potências do Eixo em utilizar como veículo

de potencialização do poder nacional a informação através da propaganda em jornais, o

Relatório destaca que o setor de Jornais Cinematográficos deveria ser prioritário neste

momento. Sendo assim, após outubro de 1940 ocorreu um estreitamento de interesses

entre os principais representantes dos periódicos de Jornais Cinematográficos com a

indústria cinematográfica norte-americana 106:

“devido à velocidade de produção e flexibilidade, os Jornais

Cinematográficos são uns dos mais eficientes instrumentos para a

disseminação rápida de idéias na forma visual. A seção dos Jornais

Cinematográficos da Divisão Cinematográfica tem sido

particularmente eficiente em reorientar o tratamento dado pelo Jornal

Cinematográfico aos acontecimentos na América latina.”107

Entretanto os problemas da Divisão Cinematográfica e os Jornais Cinematográficos

envolviam vários aspectos: (1) Conseguir a inclusão de material favorável aos EUA nos

104 Idem. 105 Ibidem p.5 106 O Relatório destaca que Jornais como Paramount, Pathe, Universal, Fox-Movietone e News of the Day que não haviam feito até então, qualquer tipo de esforço a favor da política da boa vizinhança passam a aderir ao plano do governo. CPDOC/FGV-RJ – IAA, 15/02/43 Motion Picture Division, p.6 107 idem

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rolos de filmes exportados para a América Latina; (2) Incluir material favorável das

Repúblicas Americanas nos rolos de filmes exportados para o sul, para agradar os

Latino-Americanos e, ao mesmo tempo, fazer com que esses vissem o que as outras

nações no Hemisfério faziam para eliminar a ameaça do Eixo ; (3) Eliminar material

desfavorável aos EUA e das outras Repúblicas americanas dos rolos de filmes indo para

o sul; (4) Inserir mais histórias sobre a América latina em filmes distribuídos nos EUA

para fazer com que os cidadãos americanos fiquem familiarizados com seus vizinhos do

Hemisfério; (5) Eliminar as fitas do Eixo.

Para resolver os problemas advindos das melhores propostas de divulgação do

material a ser distribuído para a América Latina, uma das primeiras investidas da

Divisão Cinematográfica foi o estabelecimento de uma organização de trabalho, bem

próxima, as Companhias de notícias Americanas:

“o objetivo do OCIAA não é tentar de forma alguma censurar o

material que ele envia a América Latina. Isto é feito pelo

Departamento de Censura no entanto, alcançamos resultados reais no

aconselhamento de eliminação de assuntos impróprios para

distribuição na América Latina. Também foi obtida a inclusão em

nosso Jornal Cinematográfico de material que não apenas fosse de

interesse especial para as platéias latino-americanas mas que também

transmitissem a idéia que estivessem dentro do escopo da política da

coordenação. Relatórios confidenciais recebidos por nossas

Embaixadas latino-Americanas através de nosso contato próximo com

o Departamento de Estado têm nos guiado na determinação dos

assuntos. A Divisão Cinematográfica organizou um sistema de

monopólio do qual ela e todas as Companhias de Jornais

Cinematográficos participavam para manter um câmeraman em várias

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cidades latino-americanas e assim fornecer uma fonte contínua de

histórias para os Jornais sobre as outras Américas”. 108

Seguindo as diretrizes do “Basic Plan” em relação à contenção do Comitê de gastos

desnecessários para o governo, determinando sempre que possível à adaptação de filmes

ao invés do financiamento de uma nova produção, o Relatório Motion Picture destaca o

importante trabalho de colaboração que a Divisão Cinematográfica obteve após o

contrato feito com o MOMA, tal contrato consistia 109.

“no uso de especialistas do MOMA como técnicos,salas de projeção,

escritórios e equipamentos e acesso à biblioteca de 90.000.000 de pés

de filmes sem custo algum para o Escritório do Coordenador. Sob

este contrato somente despesas diretas como, os salários dos

tradutores espanhóis e portugueses, editores e compositores, o

processamento de filmes, gravação e regravação, envio e outras

despesas”110.

Em suma, como pôde ser constatado, os objetivos e os métodos de operação da

Divisão Cinematográfica do OCIAA são articulados e orientados pelas “diretrizes” e

“metas” formuladas pelo “Basic Plan”, evidenciando a tentativa do Departamento de

Estado em centralizar a política para não haver erros de conduta em relação à forma e a

maneira de atuação entre a Divisão de Relações Culturais e a Divisão de Filmes do

Departamento de Comunicação do OCIAA. Este último, através dessa Divisão, será um

dos mais importantes instrumentos na estratégia de “ação” do OCIAA para alcançar as

metas emergenciais do governo. Através do apoio material, cooperação técnica e

atuação de especialistas dos diversos setores que englobam e sustentam todo o aparato

da indústria cinematográfica norte-americana tais como: produtores, autores, roteiristas,

108 CPDOC/FGV-RJ, IAA, 15/02/1943 Motion Picture Division p.7 109 Para saber mais detalhes sobre a importante atuação do MOMA na estratégia de ação do governo ler O Imperialismo Sedutor op.cit. 110 CPDOC/FGV-RJ, IAA, 15/02/1943 Motion Picture Division p.10

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compositores, tradutores, técnicos e artistas. Além de contar com a adesão de

importantes jornais norte-americanos que passam, a cooperar com a estratégia de “ação”

do OCIAA, através da seção de cine-jornais cuja prioridade será cumprir as diretrizes e

metas do “Basic Plan”.

Sendo assim, a Divisão Cinematográfica torna-se de suma importância na estratégia

de “ação” da política cultural implementada pelo governo norte-americano, pois através

de seus produtos incrementa e promove a difusão do “american way of life” através de

inúmeros filmes, curtas e cine-jornais que chegam ao Brasil.

2.2 Bases de uma Relação – OCIAA e Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP)

Dentre os canais interlocutores do OCIAA no Brasil o DIP foi de enorme significação

para o êxito dos projetos na área cinematográfica; que para seu pleno sucesso, teriam

que ser concebidos sob bases mútuas:

“ou seja, tão importante quanto educar o povo americano sobre a

cultura da América latina era mostrar o american way of life para

outras Repúblicas Americanas”111.

As bases de “ação” do OCIAA deveriam repousar sobre a “simpatia e confiança”

entre brasileiros e norte-americanos:

“...para se ganhar a simpatia da América latina teria que falar em “fair

dealing” e ajuda mútua. ... precisamos enfatizar e falar em “termos de

expansão dos fatores comuns das nossas culturas, que devem ser

salvas neste momento, da revolução mundial, em outras palavras, as 111 CPDOC/FGV-RJ IAA Motion Picture Division, 15/02/1943.

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Repúblicas Americanas “devem dar as mãos para preservar valores

mútuos”112

As origens do Departamento e Imprensa e Propaganda remontam a um período

anterior ao Estado Novo. Em 1934 Getúlio Vargas já defendera a necessidade do

governo associar rádio, cinema e esportes em um sistema articulado de educação

mental, moral e higiênica. Esta idéia começou a se concretizar no ano seguinte, quando

o primeiro escalão do governo se reuniria para fazer uma avaliação da repressão à

Intentona Comunista. Nesta reunião, seriam lançadas duas sementes de rápida

frutificação: o DIP e o Tribunal de Segurança Nacional. Criado pelo decreto

presidencial de dezembro de 1939, o DIP, sob direção de Lourival Fontes, viria

materializar toda a prática propagandista da política cultural do governo. A entidade

abarcava os seguintes setores: divulgação, radiofusão, teatro, cinema, turismo e

imprensa. 113

Desde a criação em outubro de 1940 da Divisão Cinematográfica114, as Companhias de

filmes Americanas lançaram 29 filmes teatrais baseados em temas Latino-Americanos

ou de interesse particular para os Latino-Americanos. Incluídos nesse grupo estão

112 Ver Anexo 1. 113 Estava incumbida também de coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa; fazer censura a teatro, cinema, funções esportivas e recreativas; organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos e conferências, dirigir e organizar o programa de radiofusão oficial do governo. Em vários Estados, o DIP possuía órgãos filiados (DEIPs), que estavam subordinados ao Rio de Janeiro. Esta estrutura altamente centralizada iria permitir ao governo exercer eficiente “controle da informação, assegurando-lhe considerável domínio em relação à vida cultural do país para implementação do projeto do novo Estado Nacional. A centralização administrativa era apresentada como fator de modernidade, apelando-se para os princípios de sua eficácia e racionalidade” In: Veloso,1987: 6 - 10. 114 As produções de filmes do OCIAA deveriam perseguir os seguintes objetivos: “a) produzir cada vez mais filmes baseados em temas latino-americanos e mostrando a crescente habilidade dos EUA em manter a doutrina de liberdade para as Américas b) ao se recusar a produzir filmes que pudessem irritar a sensibilidade latino-Americana. Como conseqüência dos esforços da Divisão Cinematográfica, a indústria americana de filmes está mostrando uma crescente consciência de suas obrigações com a unidade interamericana. A Divisão foi bem sucedida em particular nos seus esforços em evitar que filmes produzidos e patrocinados pelos países do Eixo fossem distribuídos e exibidos pelo Hemisfério. Isto foi alcançado com a cooperação das outras Américas, como também através de produtores de filmes e equipamentos”. CPDOC/FGV-RJ -IAA :15/02/1943,.Motion Picture Division.

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produções como “Sangue e Areia”, “Hold back the Dawn”, “Aquela noite no Rio”,

“Agora, Voyager”, “Você nunca foi amável”115.

A Divisão Cinematográfica lançou 69 filmes para serem distribuídos para as

repúblicas americanas e 34 filmes para distribuição nos EUA, evidenciando assim o

incremento de uma política cultural tanto interna como externa. As temáticas dos filmes

tratavam sobre a produção de guerra, ciência, educação e governo, com “objetivos de

aumentar e agilizar a troca de conhecimento e entendimento mútuo entre os povos do

hemisfério. Até dezembro de 1942 os coordenadores pretendiam lançar mais 300 filmes

de curta-metragem que estariam disponíveis para uso geral”116.

Vale ressaltar que apesar da importante “ação” do OCIAA e, mais especificamente da

Divisão Cinematográfica, e a despeito do caráter assimétrico117 da relação Brasil-EUA

sem o contato, a colaboração e a cooperação do DIP, o sucesso da propaganda cultural

do OCIAA no Brasil através do cinema não teria alcançado tamanho êxito.

Evidentemente, a idéia do “mutual benefits” está presente mais como uma retórica e

não como uma prática efetiva de cooperação visando desenvolver uma indústria

cinematográfica no Brasil118. Conforme as diretrizes do “Basic Plan”: “devido ao

caráter emergencial, de longe a ênfase na interpretação dos EUA para a América latina

115 Estavam em andamento a produção de 25 filmes adicionais dentre os quais se destacam filmes considerados Classe A, pelos coordenadores como: “Por que os Sinos Dobram”, “Tropicana”, “América”, “Navio da Liberdade” e “Tampico”. CPDOC/FGV-RJ, IAA, Relatório Motion Picture Division 15/02/1943. 116 CPDOC-FGV/RJ:IAA, 4/06/1942. De acordo com o documento para divulgação imediata -Office for Emergency Management. 117 Pierre Milza Culture et relations internacionales in Relations Internationales. Apud: Lessa, op.cit:8. 118 Exceção feita ao programa mexicano de desenvolvimento da indústria cinematográfica. Este programa consistia em suprir as necessidades mexicanas através de uma ação conjunta entre OCIAA e o Comitê de Coordenação para Promoção de Indústria Cinematográfica Mexicana, através do fornecimento de equipamentos e máquinas, acompanhamento e treinamento de técnicos mexicanos por especialistas americanos e pagos pelo OCIAA; inclusive providências junto à indústria cinematográfica americana, no sentido de contribuírem para a distribuição de filmes mexicanos em outros países”..Memorandum de Francis Alstock a Rockefeller, 10/06/43, NA RG 229/99. In Pinheiro,op.cit: 55. O apoio e incentivo ao desenvolvimento da indústria cinematográfica dos países latino-americanos é negado pelo próprio Departamento de Estado através do Adviser on Political Relations with Latin América, Laurence Duggan que dava o parecer negativo às pretensões do governo brasileiro: “a qualquer espécie de assistência financeira do governo americano para compra de equipamentos e máquinas não ser possível; o caso mexicano no momento, tinha razões específicas e merecia atenção especial por parte do Departamento”. Idem,:56 -57.

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deveria ser priorizada”119. No entanto, a produção de filmes latino-americanos deveria

ser feita pelo próprio OCIAA devido à escassez de filmes sobre os países latino-

americanos nos EUA como aponta os formuladores:

“A constatação da escassez de material cinematográfico sobre as

repúblicas americanas nos EUA se dava em função da ausência prática

de bons filmes sobre a América Latina existentes nos EUA. E tal troca

de filmes seria difícil, senão impossível, numa tela teatral por causa da

inexistência de qualque r (grifo nosso) produção cinematográfica nas

outras Américas”.120

A baixa qualidade técnica dos filmes latino-americanos, em contraposição ao alto

padrão dos filmes norte-americanos, era o argumento utilizado pelos coordenadores

como forma de justificar que caberia ao OCIAA, coordenar e produzir o que deveria ser

exibido tanto às platéias norte-americanas quanto latino-americanas:

“Ao revermos o material existente, foi descoberto que enquanto havia

uma enorme quantidade de assuntos sobre a América do Norte para

ser distribuído para as outras Repúblicas Americanas, havia uma

grande falta de bons filmes (grifo nosso) sobre a América Latina”. 121

Neste sentido, o OCIAA é o agente natural na produção dos filmes pedagógicos que

deveriam ser exibidos ao público norte-americano com o objetivo de educá-lo sobre os

aspectos geográficos e culturais dos “bons vizinhos” latino-americanos. È o OCIAA o

agente que deve suprir o mercado interno desses países com o objetivo de difundir o

119 CPDOC-FGV, IAA Relatório Motion Picture-15/02/1943:“ The Committee unanimously agreed that in view of the emergency nature of the problem by far the greatest emphasis should be placed on interpreting the United States to Latin America rather than vice versa”. 120 CPDOC-FGV, IAA idem “Conseqüentemente, os contratos eram firmados com produtores bem conhecidos, como Julian Bryan, para visitarem uma ou mais repúblicas latino-americanas e prepararem tais filmes”. 121 CPDOC-FGV Idem,15/02/1943. No que diz respeito ao nível de produção dos filmes nacionais brasileiros, observa-se através das considerações da Divisão Brasileira do OCIAA, em resposta as pretensões do Diretor de Produção da Seção de Filmes dos EUA, Kenneth Mac Gowan, ao aproveitamento de filmes brasileiros para distribuição nos EUA. A Divisão avalia o assunto da seguinte forma: “In spite of the fact that prizes were awarded by Brazilian authorities to these films, they are distinctly amateurish and would not be fair to Brazil to show these pictures at the present time; latter when a higher degree of perfection has been reached, the matter might will be considered”. (Memorandum da Divisão Brasileira a K.Mac Gowan. 20/03/42). NA RG 229/99. In: Pinheiro,op.cit:.61

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“american way of life”, através de um dos produtos culturais que mais o representa - os

filmes – assegurando assim os investimentos empreendidos pela indústria

cinematográfica norte-americana.

Entretanto, a preocupação em não ferir as suscetibilidades nacionais das Repúblicas

americanas é determinante para a eficácia e sucesso do empreendimento. Entrar em

contato com as elites políticas e/ou culturais de cada país, para atingir os objetivos mais

emergenciais mesmo que tenham que ampliar o leque de cooperação. Para preservar os

interesses nacionais norte-americanos a cautela e observância eram imprescindíveis no

contato mais estreito com os órgãos políticos locais no momento da formulação das

propostas temáticas. As propostas temáticas buscavam “identificar culturalmente” cada

República latino-americana e desde os primeiros contatos realizados entre o DIP e o

OCIAA este determinou as bases em que deveriam assentar esta relação.

A participação do DIP e as tentativas de Lourival Fontes122 em instrumentalizar o

mutual benefits, conjugado a importância do apoio brasileiro à política externa norte-

americana com a possibilidade de beneficiar o desenvolvimento de uma propaganda

cultural brasileira cujo ator privilegiado seria o governo, é flagrante:

“Não devemos atribuir, tão só, os frutos e os resultados obtidos ao

ativo de pessoas, serviços ou organizações. A posição internacional do

Brasil, o seu prestígio crescente, o seu desenvolvimento econômico e

a sua expansão comercial e industrial, a sua obra de cooperação e

solidariedade com os outros povos, as suas bases aéreas que se

transformaram em percurso obrigatório das linhas de comunicação

entre o novo e o velho mundo, a participação na guerra e a ação contra

o inimigo, o plano de reformas sociais e políticas inaugurado pelo

122 A título de registro, cabe ressaltar os esforços de Assis Figueiredo, Coelho dos Reis e Israel Souto no tocante à aquisição de máquinas e equipamentos, através de um programa de desenvolvimento e incentivo a indústria cinematográfica brasileira, que deveria ser nos mesmos moldes do efetuado pelo México. Memorandum da Divisão Brasileira a Alstock, 19/09/42, NA RG 229/99. In Pinheiro,.op.cit: 55 -61.

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governo, tudo isso evidentemente suscitou e deslocou para o nosso

país as atenções, o interesse e a curiosidade externa. Neste sentido,

impõe-se um esforço sistematizado, contínuo, metódico, intenso e

extenso, em todos os setores da opinião, em todas as zonas de

atividade, em todas as classes e graus da sociedade para que o Brasil

seja apercebido, sentido, materializado”123.

Entre os dias 14, 20 e 26 de agosto e 1º e 2º de setembro de 1941, contatos

significativos são realizados entre o DIP e o OCIAA. Enquanto os representantes do

OCIAA sondavam questões relativas à censura no Brasil e de que forma a propaganda

norte-americana estava sendo recebida em função da imprensa do Eixo, esta, há muito

vinha questionando a democracia norte-americana e seus agentes, sugerindo que os

EUA estariam tentando impor sua forma de governo a outros países, quer esta forma

fosse adequada ou não, Lourival Fontes percebia o quanto esse momento seria

“benéfico” para incrementar uma projeção brasileira no continente.

Visando neutralizar as propagandas do Eixo e procurando não ferir as

suscetibilidades nacionais dos países latino-americanos, o governo norte-americano, via

o OCIAA, envia a Lourival Fontes uma cópia da declaração Roosevelt-Churchill, a

qual afirmava, entre suas intenções, o reconhecimento dos EUA e Inglaterra ao direito

de toda nação em escolher sua forma de governo. O documento inicia destacando as

relações promissoras entre o grupo Disney e o DIP:

“ Fomos visitar Lourival Fontes novamente no dia 14 de agosto para

discutirmos os arranjos para o Grupo Disney. Novamente Lourival

Fontes foi bastante cordial e demonstrou grande interesse pelo projeto

Disney. Ele esta organizando um grande jantar para homenagear o

123 Carta de Lourival Fontes a Oswaldo Aranha, 17/07/1943. CPDOC/FGV-RJ.Arquivo Osvaldo Aranha .AO.

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grupo e os detalhes da visita foram ajustados para satisfação de

todos”. 124

A seguir os interlocutores da Divisão Brasileira do OCIAA relatam a reação positiva

de Lourival Fontes ao ler a declaração Roosevelt-Curchill:

“Ele disse que acreditava se tratar de um dos mais importantes

progressos da guerra. Lourival Fontes disse que muitos brasileiros,

não o governo brasileiro, há muito questionavam o quanto de verdade

havia nessas alegações da imprensa do Eixo. Esta declaração conjunta,

segundo Lourival Fontes, esclarece o último e principal

questionamento no relacionamento Brasil-EUA e deveria estabelecer

finalmente um fundamento sólido de amizade entre os dois países. Ele

ficou muito satisfeito e entusiasmado com a declaração. Os jornais

brasileiros de hoje, conforme já mencionamos em nossas mensagens

por cabo, dedicaram um grande espaço de suas publicações para a

declaração e a receberam num espírito dos mais favoráveis”125.

No mesmo documento, os agentes do OCIAA procuram sondar o grau de

relacionamento que o Brasil mantinha com Portugal, trazendo à tona o assunto da

Missão Portuguesa que tinha ocorrido no Brasil e que causou grande euforia no circuito

oficial brasileiro126. Lourival Fontes responde que as relações entre Brasil e Portugal

seriam cada vez mais parecidas com as relações entre os EUA e a Inglaterra, embora

dentro de uma esfera mais restrita:

“Lourival Fontes diz que espera chegar a um acordo com o Escritório

de Propaganda Português através do qual aquele escritório

representaria os interesses brasileiros em Portugal, e que ele

124 CPDOC/FGV.RJ.CO-Nº.43, p.1 :IAA .Estiveram presentes no encontro, John Rose do escritório Disney, Bill Wieland da embaixada norte-americana, Berent Friele e Frank Nattier. Memorandum de 18/08/1941 de Berent Friele e Frank Nattier em atenção a Don Francisco e Mr.Jamieson coordenadores em Washington das Divisões de Rádio e Imprensa respectivamente. 125 CPDOC/FGV.RJ. IAA 18/08/1941. CO-Nº.43. 126 A Missão Portuguesa teve a frente o Embaixador Júlio Dantas e foi recepcionada pelo Ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, o Embaixador Afrânio de Mello Franco e por vários intelectuais brasileiros dentre os quais Levi Carneiro e Gustavo Barros através de sessões solenes no Salão de Conferências da Biblioteca do Itamaraty e na Academia Brasileira de Letras. BN-RJ – jornal A Manhã sob o código PR SPR 7 10/12/13/14 de agosto de 1941.

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representaria os interesses de Portugal no Brasil... Culturalmente,

Portugal tem uma grande influência no Brasil, conforme foi mostrado

pela recepção dada a esta Missão. Politicamente, ele disse, é o Brasil

que exerce grande influência política em Portugal127. “Mais adiante

ele afirmou que a política do Brasil deve ser orientada com uma base

continental. Devido ao seu tamanho e recursos, os EUA são capazes

de tomar parte na política mundial. O Brasil não tem tal capacidade.

Qualquer que seja o curso que os EUA determine, ele disse, é possível

que este país precise do apoio do Brasil. Em seguida, Lourival Fontes

sugeriu que o Brasil poderia ser de grande ajuda aos EUA na

resolução de problemas que pudessem surgir nos Açores e nas Ilhas de

Cabo Verde”128.

A segunda reunião ocorreu em 26 de agosto de 1941 estando presentes Berent Friele,

Frank Nattier, Lourival Fontes, Assis Figueiredo, J.Whitney e o Sr.Zucchi129. Nesta

reunião, os interlocutores da Divisão de Filmes do OCIAA propõem um

relacionamento mais estreito e de mútuo reconhecimento entre os dois países:

“A reunião inicia com J.Whitney enfatizando que graças à divisão

cinematográfica do OCIAA, o povo brasileiro tem uma visão bem

melhor dos EUA do que este último tem do Brasil, e que ele estaria no

Brasil para buscar melhores formas de mudar esta situação.

Acreditando que a divisão cinematográfica, é a forma mais difundida

da educação visual, em função de oferecer os meios mais atraentes

para alcançar este objetivo, Whitney propõe a Lourival Fontes que

qualquer sugestão seria bem vinda no sentido de minimizar tal

127 A preocupação dos representantes do OCIAA não era sem fundamento. Os artigos publicados pelo jornal A Manhã durante todo o período de permanência da Missão Portuguesa no Brasil, foi destaque em várias seções do jornal. Na seção de comemoração, João do Rio (Paulo Barreto) foi lembrado como um defensor de um relacionamento mais estreito entre Brasil e Portugal. Ver BN-RJ, jornal A Manhã sob o código PR SPR 7 18/08/1941. Atestamos contatos mais significativos e promissores não somente na esfera das relações culturais como no âmbito militar entre Brasil e Portugal, através da nota publicada pelo jornal do Comandante Vasco Lopes Alves, representante da Missão Militar Lusitana: “Brasil e Portugal devem constituir um poderoso bloco que não será determinado apenas por motivos egoístas da defesa de mútuos interesses nacionais, mas por altas razões universais e humanas”. Idem: A Manhã 14/08/1941. 128 CPDOC/FGV-RJ:IAA..Memo nº43. 18/08/1941. 129 CPDOC/FGV –RJ:IAA, Memorandum CO-No.61 de 2/09/1941. Berent Friele e Frank Nattier ao Coordenador Mr. Francisco. Subject: “Visit with Dr.Lourival Fontes”, August 26.

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problema. E apresenta a Lourival Fontes uma lista de perguntas130 que

ele havia preparado com este objetivo em mente”.

Ao falar sobre a censura, Lourival Fontes disse que havia sido necessário a proibição

de apenas alguns filmes, provavelmente não mais do que cinco ou seis ao longo dos seis

anos de funcionamento do DIP. Em seguida foram apresentados três tipos de filmes que

seriam proibidos de exibição no país:

“ 1. Filmes que degradassem um governo estrangeiro ou chefe de

Estado de um país com o qual o Brasil mantivesse um relacionamento

amigável. Devido aos filmes ocasionarem reclamações por parte das

representações diplomáticas dos países afetados, e o problema

causado pode ser evitado com a proibição da exibição do filme.

Lourival afirma que o Brasil é um país neutro, e assim deve ser, pois

ele ainda não se igualava a Europa industrialmente, e sua política em

relação a países beligerantes é determinada de acordo com a situação.

2. Filmes que violam o código moral do povo brasileiro. Mencionando

que alguns filmes são liberados pelo censor, mas proibidos a menores

quando forem inadequados para as crianças mas não por

apresentarem outro motivo. 3. Filmes que denigram o sistema de

governo brasileiro e/ou oficiais do governo brasileiro. Ressaltando que

não haveria qualquer objeção ao uso da palavra democracia. No

entanto, um filme que fale sobre democracia de tal forma que propicie

reflexões desfavoráveis ao sistema de governo brasileiro não seria

permitido” 131.

Entretanto, Lourival Fontes observou que a censura havia se tornado mais branda e

que no momento, filmes anteriormente censurados poderiam dentro de dois meses ou

130 Cabe registrar que a lista de perguntas é apenas citada no documento. Neste sentido, não podemos definir sobre que bases assentavam tal proposta. Entretanto, como este documento relata a reunião do dia 26/08, atesta-se que Lourival Fontes foi quem tomou a iniciativa das melhores sugestões temáticas que deveriam ser incorporadas à produção dos filmes brasileiros para que o público norte-americano conhecesse mais o Brasil. No documento Lourival Fontes sugere três tipos de filmes: 1- noticiários sobre assuntos atuais e personalidades; 2- panoramas ou filmes de viagem; 3- filmes sobre assuntos e figuras históricos. Como exemplo do último filme, Lourival Fontes sugeriu uma estória (termo utilizado pelos interlocutores do OCIAA) sobre a vida de D.Pedro II. A título de destaque, o documento registra que Lourival Fontes iniciou a reunião falando em francês. Cf. CPDOC/FGV-RJ. IAA Memo 2/09/1941. 131 Cf. CPDOC/FGV-RJ – IAA Memo CO-Nº 61- 02/09/1941.

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mais serem exibidos. Do ponto de vista técnico Lourival Fontes embora concordando

com a idéia de incentivo à produção nacional, acreditava que devido à superioridade

técnica norte-americana seria mais eficaz que a filmagem fosse feita por uma equipe

desse país que treinaria técnicos brasileiros. Ao fim dessa importante reunião entre os

representantes do DIP e do OCIAA e após a anuência de John Whitney à proposta de

Lourival Fontes, este reitera cooperação dos serviços do DIP e que um brasileiro fosse

enviado pelo DIP a Hollywood132 como conselheiro pois :

“ o povo brasileiro se mostra sensível ao falar do seu país e se sente

ofendido por filmes que façam troça do Brasil ou que enfatizem os

aspectos desfavoráveis do país”. 133

Em 1º de setembro de 1941, Lourival Fontes reponde a John Whitney acrescentando

tanto sugestões temáticas nacionais que deveriam ser incorporadas aos filmes

brasileiros, através de um trabalho de cooperação, como informações em relação à

censura no Brasil. O longo documento transcrito abaixo atesta como algumas dentre as

várias propostas temáticas do DIP serão utilizadas, sobretudo, pelo projeto Disney, que

trabalhou em conjunto com o OCIAA a partir de 1942:

“1. O que mais nos agradaria seriam filmes produzidos sobre assuntos

brasileiros, nos EUA ou no Brasil, com artistas americanos e, quando

possível, com o emprego de alguns elementos brasileiros. A principal fonte a

explorar, nesse terreno, seriam os episódios ligados a nossa história, como

por exemplo, a epopéia dos Bandeirantes, os episódios da catequese pelos

jesuítas as lutas da independência, (como a Inconfidência Mineira), os

132 Em fevereiro de 1942, o ex-Diretor da Divisão de Rádio do DIP, Júlio Barata que pedindo demissão de seu cargo e indicado pelo próprio Lourival Fontes, chefia um grupo de brasileiros que irão trabalhar nos escritórios do OCIAA, em Washington. O OCIAA por sua vez, envia ao Rio em 1941, William Murray para permanecer por seis meses e ajudar nos projetos de produção de noticiários e curtas-metragens atendendo a dois objetivos simultâneos - os pedidos de treinar técnicos brasileiros pelo DIP e às necessidades do OCIAA em manter o público norte-americano atualizado com os acontecimentos que ocorriam no Brasil. CPDOC/FGV-RJ, 1941 Confidential Memo for Coordinator Committees. “Activities of the Motion Picture Division OCIAA”. 133 CPDOC/FGV-RJ, IAA 2/09/1941, documento intitulado: Visit with Dr. Lourival Fontes, August 26.

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episódios da corte de D.João VI, de D.Pedro I e D.Pedro II, que põem em

relevo o espírito nacional brasileiro.

2. Os artistas dos EUA são os mais populares, entre os que o público

brasileiro admira. A gradação dessa admiração é, mais ou menos, a mesma

do público dos EUA. Entre os artistas nacionais recomendar-se-ia o

aproveitamento de algumas figuras mais ou menos familiarizadas com o

idioma inglês e de categoria artística reconhecida, como Dulcina de Morais,

Sonia Oiticica, Bibi Ferreira, Sady Cabral.

3. Existem no Brasil várias organizações dedicadas à produção de jornais,

sobressaindo entre estas as seguintes: Cinédia, Filmoteca Cultural, Botelho

Film e o próprio DIP, que edita o Cine – Jornal Brasileiro..

1.Seria muito fácil estabelecer a base de uma permuta de jornais e filmes

naturais, sobretudo objetivando essa permuta o recebimento, no Brasil, de

negativos de filmes culturais ou geográficos. O DIP poderia estabelecer essa

permuta, fornecendo as Companhias americanas, negativos referentes a

assuntos brasileiros, selecionados entre os melhores. Entretanto, seria

preferível que as companhias americanas mandarem seus próprios

operadores ao Brasil, como, aliás, já esta acontecendo.

1. A Censura é exercida da maneira mais benévola possível. São raros os

casos de interdição de filmes. Os casos de censura previstos em lei dizem

respeito134:

a) filmes que incitem à rebelião das massas, ao desrespeito às

autoridades, á greve ou ao terrorismo e sabotagem;

134 No tocante à censura e/ou proibição da circulação de filmes no Brasil, produzidos pela Alemanha, Chekoslováquia, Itália e Polônia através da atuação do DIP, este se mostrou eficaz. A partir de 1942, não existia a circulação desses filmes no circuito brasileiro, havendo um consenso entre DIP e OCIAA. Cf. Memorando da Divisão Brasileira IAA 21/06/41. Entretanto, as críticas ao famoso discurso anti-fascista de Chaplin em The Great Dictator, não foram bem recebidas pelo DIP através do Major Coelho dos Reais: “que inclusive, chegou a ameaçar o cancelamento da licença da United Artists no Brasil a menos que suas instruções fossem acatadas”. Memorandum de W.Murray a Alstock, 21/08/42, NA RG 229/99 in Pinheiro, op.cit:.51. Este incidente poderia causar inflexões nas relações Brasil-EUA devido ao antagonismo dos regimes políticos entre os dois países. A importância do filme em defender e propagar os ideais democráticos estava em perfeita consonância aos interesses emergenciais norte-americanos e foi objeto de atenção por parte do Departamento de Estado através dos telegramas do Sub-Secretário Summer Welles a Berent Friele, Rockefeller e Francis Alstock (chefe atual da Divisão Cinematográfica substituindo Whitney após a sua entrada na guerra, como capitão junto ao comando da Inteligência da Força Aérea em 4 de junho de 1942) . No entanto, a questão foi encaminhada pela liberação de sua exibição, sem cortes, desde que suprimidas as legendas que o governo brasileiro considerasse inapropriadas. CPDOC/FGV-RJ, IAA Telegramas 13 e 14/10/1942. Departamento de Estado DE. .

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b) os que contém insulto a chefes de Estado estrangeiros e a credos

religiosos, ou que constituam ofensas aos sentimentos nacionais;

c) os que induzam ao desregramento e à dissolução social.

2. O público brasileiro se interessa grandemente pelos filmes de

reconstituição histórica e pelas películas culturais, como os “tapetes

mágicos” e “Viagens” de Fitzpatrick, etc.

3. Todos os filmes de caráter construtivo, todas as películas de fundo

educativo, que divirtam e contribuam para a elevação do nível cultural

das massas, serão apreciadas preferencialmente pelo governo brasileiro;

4. O DIP, como órgão do governo, dará todas as facilidades para o

estabelecimento de um intercâmbio nesse sentido;

5. Nesse particular, possuímos um vasto campo a explorar. Acredito que

seriam interessantes:

a) Filmes sobre as grandes quedas d’água do Brasil, como Iguassú,

Avanhandava e Paulo Afonso;

b) Filmes sobre a região amazônica: rios, fauna e flora;

c) A extração do quartzo, em Minas Gerais (material estratégico de que

o Brasil é o maior e quase o único produtor mundial);

d) Experiências brasileiras sobre o ofidismo e o Instituto Butantan;

e) O Instituto de Manguinhos, grande centro de estudos de moléstias

tropicais, mantido pelo governo brasileiro;

f) A arte religiosa colonial de Minas Gerais e obras do Aleijadinho;

g) O problema das secas do Nordeste brasileiro e as grandes obras

realizadas para combatê-las;

h) A extração da cera de carnaúba (de tão grande emprego na

indústria americana) nas regiões do Nordeste;

i) A vida dos jangadeiros;

j) A vida dos “gaúchos” nas fazendas do Rio Grande do Sul;

k) As lavras diamantíferas de Minas Gerais e Mato Grosso;

l) A lavra do ouro e as minas (São João Del Rey, Mining Co., Morro

Velho, etc.); e uma infinidade de outros temas que, de certo, despertariam

a atenção do público de qualquer latitude, através de uma boa

apresentação artística.

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12. Com o máximo interesse, uma vez que esses filmes fixam problemas de

real importância e ligado à defesa comum das Américas.”135

No documento de 2 de setembro de 1941, da Divisão Brasileira do OCIAA para

Don Francisco, coordenador da Divisão de Rádio do Departamento de Comunicação

em Washington, J.Whitney expõe a Lourival Fontes, os problemas para a

implementação de uma cooperação cinematográfica efetiva entre os dois países. As

bases desse relacionamento, ou seja, o “mutual benefits”, somente ocorreria “sob certas

condições”. Segundo Whitney: “um dos problemas que poderá surgir com a Divisão

Cinematográfica norte-americana será o de assegurar e convencer a indústria que esta

não será prejudicada com o programa”136. Procurando assegurar os interesses da

indústria cinematográfica norte-americana, Whitney sonda Lourival Fontes sobre qual

seria o tipo de “concessão” que o governo brasileiro estaria disposto a fazer para a

implementação efetiva do programa levantando:

“o problema referente à lei brasileira, na qual estabelecia que 10% do

total de filmes exibidos por companhias estrangeiras no Brasil,

deveriam exibir em seus próprios países, filmes referentes ao

Brasil”137.

Em resposta, Lourival Fontes afirma que:

“tal lei não estava mais em vigor, já que seus objetivos foram

alcançados mais por cooperação do que por coerção. E que ele poderia

conseguir um decreto com o presidente revogando a lei a qualquer

momento, o que foi sugerido por Whitney que tal procedimento seria

135 CPDOC/FGV-RJ, IAA 1/09/1941 C-284. p.4 136 “stated that one of the problems in the Motion Picture Division Program was to secure the cooperation of the United States Movie Industry and to convince the industry that it will not be injured by the program”. CPDOC/FGV-RJ, IAA: 2/09/1941. Co-Nº61 p.2. 137 Idem. P.3

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bastante eficiente como um gesto de cooperação do governo

brasileiro”138.

Além do empenho político do DIP, seu representante multiplica as ações que

garantem o sucesso da cooperação entre o OCIAA e o DIP. Assim, Lourival Fontes

segue se oferecendo para levar Whitney a um dos mais influentes estúdios do Rio afim

de mostrar- lhe o trabalho então desenvolvido. Whitney menciona também o problema

do imposto que o governo brasileiro tem cobrado pela remessa de valores que as

companhias de filmes locais têm feito para os produtores nos EUA. Neste ponto,

Lourival Fontes confessa não ter nenhuma informação sobre o assunto mas promete

providenciar uma solução favorável.

Sendo assim, uma cooperação mais estreita entre os dois países deveria ocorrer sob

certas “condições” que não afetassem os “interesses” do governo norte-americano em

assegurar lucros ao setor privado nacional, no caso a indústria cinematográfica. Por sua

vez, o governo brasileiro se esforça em proteger e desenvolver a indústria

cinematográfica brasileira. Portanto as propostas do DIP irão servir de material ao

“Projeto Disney” que trabalhou em conjunto com o OCIAA na produção139 de filmes

educativos, em meados de 1942, no Brasil. Aparentemente o sucesso alcançado pelo

projeto Disney no Brasil teve como um dos condicionantes os contatos realizados entre

o DIP e o OCIAA neste período. Assim sendo, um dos projetos mais bem sucedidos, o

filme Alô Amigos140, expressa as bases de um relacionamento mais estreito de

cooperação refletindo uma “troca mútua de interesses” entre governos. Pois do lado

138 Lourival Fontes enfatiza que graças a lei que determinava aos cinemas brasileiros exibir um certo número de filmes brasileiros, foi possível desenvolver a indústria cinematográfica no Brasil. CPDOC/FGV-RJ IAA 02/09/1941 Memo: CO-N°61.p.2 139 “O Projeto Disney foi financiado pelo plano de garantia contra-perdas. O Escritório do Coordenador adiantou 70.000 dólares por conta do tour, que foi provavelmente a mais bem sucedida aventura de boa-vontade jamais feita e entrou com uma garantia de 150.000 dólares contra-perdas numa série de 12 assuntos”. CPDOC/FGV-RJ IAA Relatório CIAA: Motion Picture Division 15/02/1943. 140 O sucesso e o conteúdo do filme serão analisados nas duas seções seguintes.

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norte-americano, o filme atendeu às formulações do “Basic Plan” em colocar na prática

a vaga “noção” de “bom vizinho” na medida em que educou o povo norte-americano em

relação aos vizinhos sul-americanos e contribuiu também com a propaganda nacional

interna do “american way of life”, visto que os filmes eram exibidos simultaneamente

nos dois países. Serviu também como elemento diferenciador em relação as

Kulturpolitics européias e, principalmente, como um veículo estratégico de não

descortinar interesses norte-americanos mais amplos no continente, conforme as

formulações do “Basic Plan”.

Do ponto de vista brasileiro, o filme evidenciou as pretensões do governo de garantir

uma propaganda política para o estrangeiro com o intuito de obter um maior prestígio e

influência continental. Como internamente o filme incrementou o próprio projeto

político brasileiro de (re)construção nacional, em pleno desenvolvimento, veiculado por

símbolos nacionais representados na música, aspectos geográficos e personagens como

ao mesmo tempo, contribui através da mensagem veiculada de amizade e cordialidade

entre brasileiros e norte-americanos lograr uma propaganda positiva em prol de uma

aproximação mais estreita com o Tio Sam.

2.3 Canal de Difusão – o jornal A Manhã –

Um dos maiores êxitos do projeto Disney no Brasil foi sem dúvida à realização e

exibição do filme “Saludos”. Isto porque este filme atendeu, ao mesmo tempo, aos

objetivos comerciais do OCIAA e serviu como instrumento eficiente da propaganda

pan-americanista. O sucesso do filme é relatado em 4/09/1942 através da Divisão

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Brasileira do OCIAA, ao coordenador da Divisão Cinematográfica, Francis Alstock,

em Washington, da seguinte forma:

“Depois de retornar ao Rio de Janeiro de Washington, Berent Friele foi

assistir ao filme “Saludos”, em companhia do Presidente Vargas e seus

familiares no Palácio da Guanabara. Dr. Assis Figueredo do DIP, ficou tão

entusiasmado em assistir que assegurou que o filme seria um grande

sucesso, a família do Presidente e um grupo de amigos também gostaram

muito.

O filme do Walt Disney no Rio esta entrando na sua segunda semana e

tem alcançado grande nível de popularidade nos famosos circuitos de teatros

como o Vital Ramos de Castro e em cinco diferentes salas de exibição: Plaza,

Parisiense, Ritz, Olinda e Astória.

Dizer que a reação foi sensacional é pouco, a julgar pela onda de aplausos

no final do filme, em todas os cinco cinemas espalhados por diferentes partes

da cidade. A seqüência brasileira foi tão bem feita e o final tão perfeito que

mesmo que um rabugento quisesse reclamar que alguma coisa havia sido

exagerada ou não verdadeira, não há nada para a qual ele pudesse apontar.

Devido ao fato de que o tempo de exibição do filme é de apenas 45 minutos, e

seguindo o padrão de dar ao público uma exibição de duas horas, muito dos

cinemas estavam exibindo um outro filme da Disney, que foi necessário

cortar os curta metragens e encurtar o programa que era geralmente de 2

horas para 1:30.

Bruno Chilli da RKO Pictures fez um belo trabalho de promoção do filme.

Todos os jornais, em troca de anúncios habituais, deram resmas e resmas de

publicidade tanto antes como durante a exibição do filme. Além disso, um

lindo pôster colorido de duas folhas foi espalhado por toda cidade.

Um outro tipo de promoção talvez usado no Rio pela primeira vez foi mandar

um cartão postal como o que vai em anexo para uma longa lista de pessoas

via correio. Nada deixou de ser feito e se os cinemas não estão lotados com

antecedência, não há dúvida de que este filme tremendamente popular

poderia ficar três ou possivelmente quatro semanas com filas de espera.

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A RKO e todos acham que a Walt Disney fez um excelente trabalho com este

filme no sentido de consolidar as relações cordiais entre os dois países. É

geral o sentimento de que mais filmes seguindo esta linha irão desvendar

para os Norte-Americanos este belo país abaixo do Rio Grande”.141

Antes da estréia de Saludos no Brasil, Walt Disney já desfrutava um ambiente

favorável e receptivo dentre alguns dos intelectuais que atuavam como “formadores de

opinião” da nova edição do Jornal “A Manhã”, em 9/08/1941.142 Desde a “premiére” de

seu filme Fantasia em 25/08/1941143, a opinião de alguns desses intelectuais foi

impressa pela nova edição do jornal através da matéria: “Primeira projeção no Brasil do

primoroso trabalho de Walt Disney – Fantasia- está desde já destinada a ruidoso

sucesso”. A opinião positiva de Peregrino Júnior, Raimundo Magalhães e Nóbrega da

Cunha são publicadas respectivamente:

“Walt Disney, esse poderoso criador de uma humanidade nova no

cinema, trouxe para a tela duas contribuições importantíssimas: a

poesia e o maravilhoso. Criou com o desenho animado uma

humanidade super humana no cinema e foi essa a maior revelação da

arte cinematográfica do nosso tempo.”

“Tudo quanto eu possa dizer sobre Walt Disney não será mais do que

repetição do que mesmo e tantos outros já escreveram. Todos os

adjetivos parecem gastos e insonoros, quando aplicados a ele, que é

um inovador por excelência. “Fantasia” representa uma invasão de

fronteiras um extravasamento do mundo do desenho animado para o

mundo da música sinfônica. Walt Disney prova ser um orquestrador

141 CPDOC/FGV-RJ. IAA Cf. Memo Co nº 1810 de 04/09/42. 142 O Jornal A Manhã começa a circular no Rio de Janeiro entre 1935 até 1937. A partir de agosto de 1941, é reeditado a nível nacional sob a direção de Cassiano Ricardo. BN-RJ cód. PR SPR 7. Seção de Periódicos. 143 A “premiére” foi patrocinada pela Srª Darcy Vargas e promovida pela Srª Adalgisa fontes, esposa de Lourival Fontes. A renda do primeiro espetáculo no Rio foi reservada a instituição beneficiente “Cidade das Meninas” . BN-RJ código Pr SPR 7 Jornal A Manhã 16/08/1941.

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com a força de Stokowiski, um contrapartida do colorido, um

compositor de imagens capazes de acompanhar as audácias líricas de

Stravinsky e de Dukas. Vi “Fantasia” e posso dizer que sentados na

platéia os cegos verão, verão, através da música, a festa das suas

imagens, a torrente de sons desse maravilhoso concerto.”

“Walt Disney não inventou o desenho animado. Já o encontrou criado

e aperfeiçoado pro outros. Deu- lhe, entretanto: vida, pois suas figuras

não se movem somente: vivem, embora ilusoriamente na tela. Suas

composições coloridas são verdadeiras obras primas que ficarão

encantando a humanidade pelos séculos em fôra, porque, como notou

com absoluta segurança o Ministro Osvaldo Aranha, em opinião já

divulgada, o seu gênio é igual ao de Esop, Phoedro e La Fontaine,

creadores de fábulas imperecíveis.”144

A incumbência na escolha do diretor da nova edição do “A Manhã” foi destinada ao

coronel Luiz Carlos da Costa Neto, superintendente das Empresas Incorporadas ao

Patrimônio da União, que tomando as providências necessárias indicou o nome de

Cassiano Ricardo para ser o novo diretor da nova edição. Coube a Cassiano Ricardo dar

ao jornal uma dupla função: como porta-voz didático e veículo doutrinador do projeto

nacional do governo:

“ O Jornal A Manhã não se contenta em ser um mero jornal, no

sentido de “mais um jornal”. Ele quer ser um novo órgão da imprensa

pela sua amplitude nacional, uma vez que o será para o todo: pela sua

feição própria, do ponto de vista técnico: e pelo seu espírito, por ter

uma razão doutrinária que lhe justifica o aparecimento. Do ponto de

vista espiritual, será o seu roteiro uma fixação de atitude diante dos

problemas que tecem o destino da cultura e da civilização dentro da

144 BN-RJ sob o código PR SPR 7 A Manhã. 12/08/1941.Em 13/08/1941 o A Manhã publica: O maior dos poetas: Nossos brilhantes colegas do Diário da Noite resolveram proceder a um inquérito entre os homens de letras do Brasil, para saber que conceito têm eles do grande artista do desenho animado. Assim Manuel Bandeira, o grande poeta de “Carnaval” e de “Estrela da Manhã”, pronunciou-se por esta forma sobre Disney: “ Nos desenhos animados de Walt Disney é que se encontra hoje a maior poesia”. Alceu Amoroso Lima depõe: “ Walt Disney rejuvenesce os adultos”. Múcio Leão o definiu como sendo o “maior poeta do mundo contemporâneo”. Idem, PR SPR 7 A Manhã.

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área onde as sugestões de que for capaz – tanto as intelectuais como as

emotivas – deverão atuar com maior eficiência.

Cabe-lhe: ainda, outro papel, e esse de grande sentido doutrinário.

Será o de colaborar na formação da consciência brasileira, na defesa

do nosso sistema de vida e no combate às ideologias malsãs e

forasteiras que pretendem violentar a índole do nosso povo”. 145

O jornal contava com o reforço e a colaboração de intelectuais como Múcio Leão,

orientador do suplemento inédito Autores e Livros, Ribeiro Couto, coordenador do

suplemento Pensamento da América, Viriato Corrêa, Alcides Maia, Tristão de Ataíde,

Oswaldo Orico, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes e José Lins do Rego. Logo na

estréia do jornal, Cassiano Ricardo ressalta o importante “papel” desses intelectuais na

estratégia de articulação do projeto político cultural do Estado Novo:

“Pela primeira vez se dá, no Brasil, ao exercício da inteligência a alta

significação que ele deve ter. Enquanto que, no velho regime liberal e

difuso a inteligência era tida como uma força dissociada do Estado e

inimiga da ordem dando margem aos “hábitos do intelectualismo

ocioso e parasitário”, o que sucede, agora, é coisa inteiramente

diversa. O Jornal passou a ser uma função pública. Pouco importa,

pelo costume dos exames superficiais, haja quem confunda o nosso

atual regime com alguns regimes autocráticos em voga. A confusão,

neste caso, não recomenda a cultura nem a inteligência dos

respectivos confucionistas. A missão do Estado moderno – sabem-no

todos – não é tornar os homens mais livres senão mais felizes. E até

uma possível discrepância, que tanto, se tem querido desvirtuar, entre

o novo tipo de Estado brasileiro e os demais Estados americanos

decorrerá menos de suas características formais do que das

peculiaridades inerentes ao nosso estilo de convivência humana.

O objetivo principal de “A Manhã” é trabalhar por essa obra de

confraternização brasileira e espelhar os fastos deste instante emotivo

145 BN-RJ código PR SPR 7 A Manhã 9/08/1941. Seção de Acervo de Periódicos.

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e criador. O seu rumo esta, assim, definido: ela pretende ser o

pensamento brasileiro em função dos novos ideais de nacionalidade.

No mundo moderno, trabalhado pela lição da angústia, não há espaço

para os que deixaram de optar. Um jornal que surja como produto de

tal inquietude que, lúcida, toca as raízes mais íntimas do nosso

processo de evolução, terá que ser um instrumento coordenador das

novas idéias, no dinamismo da coletividade.”146

Assuntos dos mais variados interesses compreendiam todos os ângulos da vida

brasileira, matérias sobre temas trabalhistas, jurídicos, sociais, políticos, educacionais,

cinema, rádio, teatro, artes e ciências compunham as colunas: “Palavras ao

Trabalhador”, “Professores e Estudantes”, “Perguntas Brasileiras” e o Suplemento

“Juvenil”. A nova edição do “A Manhã” publicou o suplemento semanal intitulado

“Pensamento da América” que tinha o objetivo divulgar os valores literários e artísticos

dos demais povos do continente. O suplemento tinha à frente Ribeiro Couto, membro

da Academia Brasileira de Letras, que anunciava a proposta do suplemento147:

“Houve tempo – ainda em nossos dias – em que reinava nos países do

Novo Mundo um certo separatismo de ordem moral e política;

procurava-se opor à América inglesa à América Espanhola, assim

como esta ou aquela (ou ambas) – à América portuguesa. A lição da

hora presente é outra. Qualquer que seja a sua origem étnica e

qualquer que seja a forma das instituições de cada povo – há uma

unidade americana.

Essa convicção não é só dos governos: é das multidões. Trata-se de

nações ricas e poderosas, trata-se de nações economicamente mais

modestas, por toda parte o cidadão destes países se sente pertencer a

uma só família humana.

146 BN-RJ - PR SPR-7 A Manhã 9/08/1941. 147 Como proposta para contribuir aos pesquisadores de antropologia e sociologia que buscam a historicidade de suas disciplinas e como acréscimo substancial, ao estudo sobre a história do Brasil, através de uma cultura histórica nacional construída durante o Estado Novo, destacamos o livro História e Historiadores, de Ângela de Castro Gomes. A historiadora elege como fonte de análise o suplemento Autores e Livros, do Jornal A Manhã e a revista mensal, Cultura Política, publicada pelo DIP, ambos circulando entre 1941 e 1945.

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A Essa consciência histórica e geográfica deve corresponder um

interesse profundo pelo que estamos realizando, em todo o continente,

nas letras e nas artes.

Assim, vem sucedendo, por exemplo, na Argentina, cujos maiores

jornais e magazines dedicam freqüentemente algumas páginas à

produção intelectual dos países vizinhos. Assim esta sucedendo

igualmente nos EUA; cujas esplêndidas universidades tem cátedras

especializadas, de língua e literatura dos países ibero-americanos.

Para a obra de mútuo conhecimento dos valores intelectuais do

continente o A Manhã deseja contribuir. Desde a poesia – gênero cuja

transposição noutras línguas oferece tantas dificuldades – até a

história e a etnografia, passando pela novela e pela crítica, este

suplemento publicará trabalhos de autores continentais,

cuidadosamente traduzidos por escritores brasileiros.

Procurará também divulgar a obra de pintores, escultores, arquitetos e

outros artistas do Novo Mundo. Dedicar-se-á, em suma, a tudo que

possa valer como revelação da riqueza espiritual da família americana,

de cuja força e de cuja originalidade se pode dizer que já constituem

as linhas mestras de uma civilização própria”148.

Vários escritores, poetas e ensaístas latino-americanos e americanos eram publicados

sob forma de resenhas e artigos, da mesma forma que poetas estrangeiros eram

difundidos, como os poemas de Archibald Mac Leish, diretor da Biblioteca do

Congresso de Washington, então traduzidos por Manuel Bandeira e os de Pablo Neruda

apresentados através das resenhas do filólogo espanhol Amando Alonso.

Escritores como Vitor Londono (colombiano), Gonzáles Carvalho (argentino), Pablo

Rojas (venezuelano) e Rafael de La Fuente (peruano) foram apresentados por resenhas

assinadas por Gilberto Freire. Artigos publicados pela The Hispanic American

148 Cf. Jornal A Manhã PR SPR 7 9/08/1941.

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Historical Review nos EUA, sobre assuntos relativos a história da América Espanhola e

Portuguesa também compunham o Suplemento.

Por sua vez, a história brasileira era apresentada sob a perspectiva da história política

tradicional através da seleção dos principais fatos e acontecimentos publicados sob

forma de textos que englobava uma boa parte das páginas do Suplemento “Pensamento

da América”. Atendendo aos objetivos pedagógicos do projeto político do governo de

construir o passado através da “tradição” selecionando o quê e de que forma deveria ser

lembrada a história nacional. Dentre os princ ipais acontecimentos históricos a herança

portuguesa, desde a chegada da família real ao Brasil e a política exterior do Império

tinha destaque nas páginas do Suplemento. Como pode ser constatado pelo texto

publicado no primeiro número do suplemento Pensamento da América, intitulado,

“Lord Strangford e D.João VI”.149

Em 1º/01/1942, antes da entrada do Brasil na Segunda Guerra, o “A Manhã” publica

na coluna “especialmente”150 reservada à propaganda das principais “metas e diretrizes”

do projeto político do Estado Novo, as concepções de Menotti Del Picchia sobre a

defesa e legitimidade dos ideais pan-americanistas, através da matéria intitulada,

“Americanismo uma Ideologia”:

“Se quiser enquadrar a guerra entre dois pólos ideológicos, cujos

destinos se resolveu na ensaguentada neve da Rússia, restringindo o

duelo à luta mortal entre dois extremos teremos excluído do quadro a

mais jovem e vitoriosa força, a que fatalmente triunfará e que se

exprime por uma terceira ideologia: a do sentido americano da vida.

Há tempos, no movimento cívico e cultural realizado em São Paulo e

animado pelos fulgurantes nomes de Cassiano Ricardo, Motta Filho,

149 Idem A Manhã 12/08/1941. 150 A partir da extensa pesquisa levada a cabo nos inúmeros periódicos do “A Manhã”, constatou-se que o espaço onde se concentrava mais fortemente a propaganda política do governo era sempre na quarta e/ou quinta página do jornal.

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do pranteado Alcântara Machado e de outros, batíamo-nos por uma

concepção nova de vida que transbordava das fronteiras extremistas

da direita e da esquerda, e também do demagogismo em que

superfectaram os excessos do liberalismo que viciava o conceito

meramente formal de democracia... O “americanismo”, como

concepção ideológica, nutre-se de um conceito altamente cristão da

convivência humana, dentro do qual não cabem, ódios de raça, lutas

de credo, prevenções de origem. É a realização da “democracia” na

fórmula mais alta e mais bela da fraternidade. É justamente esse ponto

que caracteriza e nebilita o espírito da América.

O Brasil levou para campo a sua legislação essa nobre ideologia,

através de sua avançada legislação social e dos meios de que se armou

para que a liberdade fosse uma realidade e não um fermento de

indisciplina e de turbulência. O “new deal” rooseveltiano é outro

movimento no sentido de realizar os fins cristãos e humanitários desse

impulso ideológico.”151

A edição especial comemorando o primeiro ano do jornal foi bastante significativa

constando textos que englobavam assuntos de interesse nacional e compunham de

quatro a cinco páginas “inteiras” do “A Manhã”. Textos de intelectuais que contribuíam

ativamente no jornal, alguns como coordenador de suplementos, outros como escritor

de artigo e resenhas, foram então publicados como: Gilberto Freire em “A Propósito da

Política do Brasil na América”; Cândido da Motta Filho em “Rui Barbosa, esse

desconhecido”; Renato de Almeida em “Quinze variações sobre a Música Brasileira”;

Múcio Leão em “O Roteiro de Duas Gerações”; Gustavo Barros “Esquematização da

história Militar no Brasil” (com direito a foto); Roquete Pinto “O Brasil e a Raça”;

Manuel Bandeira “As Artes Plásticas no Brasil”; Ribeiro Couto “O Brasil sua

151 BN-RJ, jornal A Manhã, código: PR SPR 7, RJ, 1º/01/1942.

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democracia e os problemas da cooperação Intelectual” e o último de Afonso Arinos de

Mello Franco “Reflexões sobre a História do Brasil”.152

Logo após a entrada dos EUA na Segunda Guerra, o Suplemento “Pensamento da

América” publica, em 8/01/1942, matérias altamente favoráveis aos EUA através de

resenhas de livros “recentemente publicados” neste país, evidenciando o incremento de

uma propaganda nacional norte-americana. Por exemplo, a resenha assinada por

Martins Alvarez era sobre o livro “Os EUA de Ontem e de Hoje”, de Ray F. Nichols,

William C. Bagley e Charles A. Beard. O tema era sobre a história política norte-

americana sustentada pelos seus principais pilares: liberdade, fé e democracia.

Selecionamos a resenha do livro feita por Martins Alvarez, na qual sublinha o caráter

missionário dos norte-americanos:

“ Pela oportunidade que marcou o seu aparecimento no nosso

mercado livresco, poderia parecer, à primeira vista, que se trata de um

livro de propaganda. Isso, porém, não passa de mera coincidência.

Quem conhece “Os Estados Unidos de Ontem e de Hoje” sabe que

está em face de um trabalho honesto onde a sinceridade caminha de

braço dado com a análise desapaixonada dos fatos e a lógica das

conseqüências se impõe, desafiando a argúcia dos sofistas.

Desde o drama das suas origens, em que as dificuldades ambientais

são vencidas pacientemente pela bravura, resistência e tenacidade dos

seus primeiros povoadores, até a vitória definitiva das 13 colônias que

empenharam as rédeas de seu destino, compreendemos que não vamos

assistir as aventuras de um menino prodígio.

E o “pacto do Mayflower”,considerado a primeira constituição escrita

no mundo, vem reforçar a nossa convicção de que unido pelo bem

comum vai ser o facho da vitória da grande nação setentrional do

continente.

152 BN-RJ, jornal A Manhã, código PR SPR 7, 9/08/1942.

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Não é possível ser, mais altruísta e mais empreendedor do que esse

povo descendente de peregrinos fanáticos de caracteres de bronze, que

para torcerem a vergontea de uma idéia religiosa preferiram vencer os

mares, dominar as selvas, lançar à aventura o destino, a tranqüilidade,

a paz, a felicidade.

Se não fosse o ardor desse altruísmo e a impetuosidade dessa ânsia de

querer sempre, certamente não teriam construído essa pátria

extraordinária para a sua liberdade de pensamento e ação. Construídos

sobre os alicerces da fé e trabalhos dia a dia pelo estoicismo

evangélico dos seus principais colonos e eternos orientadores, os EUA

sempre tiveram uma missão a cumprir.

Por último, Martins Alvarez transcreve as considerações finais dos autores norte-

americanos:

“A missão dos EUA não é adquirir um grande império territorial

projeto que dominou certa feita o pensamento do nosso povo, e ao

qual renunciamos de uma vez em benefício da paz e da amizade com

as outras nações. Nem é aquela extravagante prosperidade e o ganhar

dinheiro que parecia constituir o objetivo da nação, em 1920. Mais do

que isso,acreditamos hoje que a missão é a de contribuir para a

civilização mundial. Num mundo que esta perdendo a fé na

democracia, a missão dos EUA é propagar a renovação da esperança

nos sólidos princípios que servem de fundamento à nossa civilização:

os governos tiram sua força do consentimento dos governados e todos

os homens são iguais no seu direito à liberdade e à justiça”.153

A campanha de lançamento do filme “Alô Amigos” foi significativa por várias

razões: pelo “apoio” do governo brasileiro, via o jornal “A Manhã” e por sua

“intensidade”. Antes da estréia em 24/08/1942 de “Alô Amigos”, cujo primeiro título

era “Alô Amigos – Aquarela do Brasil” para o público carioca, chama atenção o tipo de

“estratégia” publicitária adotada pelo “A Manhã”. Desde 6/08/1942, opiniões favoráveis

153 BN-RJ, jornal A Manhã, código PR SPR 7, RJ, 8/01/1942. Seção de Acervos de Periódicos.

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desfilavam nas páginas do Jornal suscitando a expectativa e a curiosidade do público

leitor:

“O mais vultoso contrato que se realizou no Rio nestes últimos

tempos! –“Alô Amigos” – Aquarela do Brasil – será estreado em 5

dos maiores cinemas da Empresa V.R. Castro, sob o patrocínio da

Exmª, Senhora Darcy Vargas”. 154

Uma semana antes, o A Manhã, já preparava o terreno receptivo através da opinião

entusiasta de seus redatores, recebendo um espaço destacado no Jornal:

“Alô Amigos” – Aquarela do Brasil – É uma apoteose ao nosso país,

o nosso povo, a nossa música ... nesse filme, vemos pela primeira vez,

nossas coisas enriquecidas pelo lápis maravilhoso de Disney e pelo

colorido sem igual de suas tintas. Disney quando aqui esteve no ano

passado não escondeu o seu deslumbramento por tudo o que viu e,

prometeu, ao regressar à Hollywood tudo transportar para a tela. E a

promessa de Disney acaba de ser cumprida de uma maneira que

encherá de satisfação todos os brasileiros”155.

Entre os dias 21 e 24/08, data da estréia, o anúncio publicitário do filme era

publicado em um pequeno espaço no final da página, mas diariamente o espaço se

tornava maior chegando a constar duas vezes no mesmo periódico. Dois dias antes da

estréia, o anúncio publicitário já abarcava um espaço considerável na página do A

Manhã e no dia da estréia conquistou quase a metade de toda a página.

“Disney escolheu o Brasil para a estréia de Alô Amigos. Ao contrário

do que sempre aconteceu, um filme deixará de ser estreado nos EUA

para o ser antes no Brasil. .. Zé Carioca, o papagaio ensina a língua

brasileira aos artistas de Disney.. É o Zé Carioca que desvenda ao Pato

os mistérios do samba...”156

154 BN-RJ, Jornal A Manhã, PR SPR 7, 6/08/1942. 155 Idem, 20/08/1942. 156 BN-RJ, Jornal A Manhã código PR SPR 7, RJ, 22/08/1942. A matéria trazia foto do público na estréia do filme.

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Na mesma semana em que o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, ocorre a

estréia de “Saludos” no Rio de Janeiro. Atendendo as expectativas, o “A Manhã”

publicou matéria intitulada “Em homenagem ao Brasil e aos brasileiros” a qual

enfatizava o forte impacto que este filme suscitou no público carioca:

“É grande o entusiasmo do nosso público pelo Zé Carioca, o “astro”

de Alô Amigos o 1º filme feito pelo grande artista sobre temas sul-

americanos. O público que enchia literalmente aquelas casas de

espetáculos, ria gostosamente com o nosso papagaio e, aplaudiu”.157

“Alô Amigos que não é filme de propaganda política, foi

aplaudidíssimo, fato extraordinário numa época em que somente os

filmes políticos tem merecido os aplausos da multidão”. 158

A propaganda do Brasil ou de produtos norte-americanos ligados ao Brasil no “A

Manhã” era bastante ampla. Assim, em número de 18/08/1942 o Jornal dedica

manchete e páginas inteiras a Bahia. A forte propaganda turística consistia em enaltecer

as belezas naturais desse estado através de fotos de várias regiões e da elaboração de um

mapa didático do estado que ocupava uma página inteira. Além da publicação dos

últimos acontecimentos políticos e sociais e da propaganda dos projetos do

desenvolvimento turístico postos em andamento no estado pelo governo federal. Neste

sentido, como o jornal A Manhã possuía uma importante função na difusão do projeto

político e cultural do governo Vargas e portanto sendo um de seus veículos

“preferenciais” de propaganda nada do que era publicado era por acaso e muito menos

uma mera coincidência. Assim o curto espaço de tempo entre a estréia do filme Alô

Amigos e a extensa propaganda dedicada à Bahia foi seguida da divulgação do filme

157 BN-RJ, Jornal A Manhã PR SPR 7, RJ, 26/08/1942. 158 Idem.

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Você já foi a Bahia?, produto do Projeto Disney e do OCIAA, o que nos permite

relacionar a conexão e o “mútuo interesse” entre os governos envolvidos.

2.4 O Projeto Nacional Brasileiro - Entre a Tradição e a Modernidade

Como pôde ser atestado através dos documentos aqui selecionados e de uma pequena

amostragem das matérias publicadas pelo jornal A Manhã, o filme “Alô Amigos”

recebeu uma recepção altamente favorável do público brasileiro, especialmente o

carioca. Entretanto, o que permitiu essa identificação? Não é nossa proposta uma análise

detalhada do filme, porém, o trabalho segue apresentando um “esboço” de como se

encontrava o contexto brasileiro através da cultura política do período com o objetivo de

refletir sobre as seguintes questões: Como será o perfil do nacionalismo brasileiro, via

autoritarismo que buscou a sua legitimação e consolidação a partir do resgate das

“tradições” brasileiras para responder aos impasses da problemática realidade social e,

ao mesmo tempo, se apoiou na “modernidade” para responder aos objetivos e

orientações do Estado? Em suma, como será (re) construído o “novo” Estado Nacional

brasileiro?

Para alguns autores, é por volta de 1870 que se identifica na literatura brasileira

formas de se pensar e “imaginar a nação”. Entretanto, o nacionalismo com suas

diferentes formas e estilos de pensar a nação, em conexão com o Estado se desenvolve

com muito mais intensidade na Primeira República através da literatura de uma

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expressiva intelectualidade política brasileira a qual originou um amplo debate acerca

do melhor projeto de Nação.159

O curto período do Estado Novo privilegiado neste trabalho somado a complexidade e

singularidade de então na história política brasileira nos permite estabelecer um vínculo

entre “tradição e modernidade”. Assim a “comunidade politicamente imaginada como

limitada e soberana” será “reconstruída” no Estado Novo sendo agora o “novo” Estado

Nacional. Este Estado tem doravante um papel determinante e soberano, porém

limitado, na medida em que precisa elaborar todo um aparato cultural e político para

obter a legitimidade e consolidação do “novo” Estado. É novo porque, pela primeira vez

se apresenta voltado oficialmente para as raízes da nacionalidade brasileira. Estas, por

sua vez, resgatadas através de um retorno ao passado e através das “tradições” para

então serem propagadas a partir de um amplo sistema de educação e padronização da

língua a nível nacional.

Tradições não no sentido de tradições inventadas,160 mas tradições ligadas a um

passado que faz parte de uma memória coletiva, embora “filtradas, escolhidas e

reinterpretadas” por uma certa “elite intelectual” que através da sustentação política do

Estado é mediadora entre a alta cultura e a sociedade.

O estilo e a particularidade do nacionalismo reside exatamente nas “representações”

que lhe são próprias ligadas aos artefatos culturais de um tipo associado ao parentesco e

159 Oliveira, 1990. A partir de um extenso mapeamento no campo do pensamento intelectual brasileiro, a autora aborda as diferentes concepções que permearam o amplo debate. Dentre as diferentes matrizes de modelo de civilização, francesa, inglesa e/ou norte-americana, uma expressiva intelectualidade brasileira elegia e propunha um “projeto de Nação”. Neste mosaico de diferentes estilos e nuances sobre o melhor projeto nacional observam-se influências do nacionalismo político francês, do tipo jacobino e/ou o novo nacionalismo político francês revisto e reformulado bem como, a influência federalista e progressista norte-americana presente na nossa Constituição, uma forte evidência de traços da nova roupagem ou releitura do nacionalismo cultural alemão e/ou o modelo político de monarquia inglesa. 160 Hobsbawn,1997: “as tradições inventadas são respostas a situações novas que tomam forma fazendo referência a situações e idéias antigas, sendo a “criação”, no presente, de um passado próprio através de repetições, sendo freqüentes em contextos de rápidas transformações na sociedade, quando novas circunstâncias enfraquecem ou destroem os padrões sociais correntes”.

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religião. Neste sentido, a identidade é um objeto de construção, não sendo, porém, um

espaço de pura manipulação aleatória, na medida em que seu conteúdo é parte de um

universo cultural reconhecível e compartilhado161. Assim a família patriarcal e os

valores espirituais da colonização católica, trarão o passado para o presente, ou seja, o

passado se apresenta como “modelo” do presente, ainda que seja necessária sua

modernização, sua atualização.

A (re)construção imaginária da nação através de idéias e/ou pensamentos que

remontam a um passado cultural comum resgatado pela “tradição” que traga ao

indivíduo à vontade de pertencer e imaginar a nação tendo como suporte o Estado será

a nova nação brasileira que está sendo reconstruída e “renovada”.

O eixo que possibilita entrar em contato com o processo de (re)construção do “novo”

Estado Nacional é a conexão que se estabelece, nesse período, entre os conceitos de

cultura e política. Para Almir de Andrade, um dos principais “formuladores” e diretor da

revista Cultura Política, arcabouço doutrinário do regime, o sentido de renovação

significava :

“renovar é avançar dentro da realidade da evolução, é trazer algo de

novo que “revigora e aperfeiçoa o que existe”. É impossível viver sem

renovar; impossível renovar sem continuar; impossível continuar sem

conservar; entretanto não se pode inovar sem interromper, nem se

pode interromper, sem ferir a integridade da vida, sua continuidade

evolutiva, suas bases de sustentação, sua fortaleza, sua

espontaneidade”. 162

161 Schwartz,2002,site jboline.terra. 162 Andrade,1940.:38/39

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103

Segundo Almir de Andrade a nação se definia:

“não apenas como uma fronteira geográfica, um mapa político, uma

convenção internacional, pela qual não valha a pena, sacrificar vidas,

nem empenhar responsabilidades. Uma nação é uma realidade viva, é

um núcleo de problemas sociológicos objetivos, é uma entidade

concreta e indestrutível – é, em suma, “o espírito e a organização

política de uma cultura””163.

Com relação ao papel do intelectual na construção do “novo” Estado Nacional,

Almir de Andrade reitera a importância da atuação deste como o fio condutor entre a

cultura e a política:

“Já que a cultura tem sua literatura, sua técnica, sua formação

histórica, seria natural que possuísse o seu sistema de vida política. (..)

a organização do estado é a concretização das necessidades de uma

cultura. O pensamento político é uma interpretação intelectual da vida,

gerada em contato íntimo e profundo com a vida (..) O doutrinador

político não improvisa soluções é um intérprete da cultura e das

tendências sociais, é um espelho vivo do seu meio e do seu tempo, do

sentido da evolução social: ao se integrar às correntes da vida, ele as

traduziria em ações, em decisões”.164

Por outro lado, Almir de Andrade amplia o conceito de cultura no sentido de “pensar

as diferenças” acentuando os aspectos comuns da evolução, influenciado pelos novos

estudos “interdisciplinares” norte-americanos desenvolvidos no campo das Ciências

Sociais. Para tanto ele lançou mão do conceito de cultura para formular uma

interpretação da vida social brasileira. Neste sentido, ele procurou afastar o conceito de

cultura alemão, que pretendeu dar conta da consciência de uma nação obrigada a se

perguntar sobre sua característica específica para consolidar sua fronteiras políticas.

163 Idem:.31 164 Ibidem:80

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Sendo assim, a definição de cultura segundo Almir de Andrade, estava envolta sob o

viés das Ciências Sociais:

“a cultura é para designar tudo o que o homem produz em sociedade,

tudo o que é gerado pelo seu esforço coletivo de adaptação ao meio e

de realização das suas próprias necessidades: o estudo da cultura

abrange todos os costumes, instituições, obras de arte e de

pensamento, técnica, economia e política “específicas” de um

povo.”165

A importância da atuação de Almir de Andrade como diretor da revista Cultura

Política consiste na sua capacidade de atrair para esse projeto a convivência de

intelectuais de diferentes origens e percepções: Cassiano Ricardo, Azevedo Amaral,

Menotti Del Picchia, Mário Casasanta, Nélson Werneck Sodré, Francisco Venâncio

Filho, Jaime de Barros, José Maria Belo, Ademar Vidal, Gilberto Freire e Álvaro Vieira

Pinto. A importância desses intelectuais e suas várias vertentes é que possibilitará, ao

nível das mentalidades coletivas um papel vital na formulação das interpretações do

passado. Assim para Almir de Andrade as “tradições” estariam nas raízes culturais da

formação histórica e social brasileira:

“Na unidade da cultura, o passado e o presente se fundem, formando

um todo indissolúvel. A alma e a cultura brasileira tem um passado,

que nos mostra a sua maneira de ser, o seu espírito, as suas tendências,

as suas aspirações mais profundas. Nossas tradições nos indicam os

caminhos de hoje e os de amanhã, dos quais não é possível fugir sem

perder as nossas características. As tradições constituem uma lei

social, são, por assim dizer, uma direção histórica imanente à própria

vida social é a elas que devemos respeitar. As tradições nos mostram o

165 Através do livro Aspectos da cultura brasileira, publicado em 1939, Almir de Andrade retrata alguns aspectos da vida brasileira, a obra de aleijadinho, Carnaval, lendas do mar, cinema, rumos da Sociologia (ênfase especial em Gilberto Freire); da literatura (romance e poesia); da cultura científica (psicanálise, tuberculose, higiene alimentar, estudo de línguas). Andrade, op.cit: 91.

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verdadeiro espírito nacional, o significado do passado e a tendência do

futuro. Sua essência está nas conexões de sentido que se vão

estabelecendo entre o novo e o antigo, entre as transformações atuais e

as causas históricas”.166

Neste sentido, a “tradição” é construída pelo esforço de recuperação de uma

“dimensão” do passado contribuindo decisivamente para a “legitimação” da autoridade

política. Para Almir de Andrade, essa “tradição” era herdeira direta do período colonial

e do “traço cultural” específico do colonizador português:

“o português veio para a América com outro espírito – mais plástico,

mais transigente, menos rígido em seus princípios, menos intolerante

na imposição dos seus costumes, mais aberto a simpatia e a influência

do meio brasileiro. Esse espírito tornou possível essa mistura de

elementos de cultura negra e de cultura indígena, que é tão poderosa

na vida brasileira, e sem a qual toda a nossa história e toda a nossa

fisionomia social não teriam sentido”. 167

Entretanto, Almir de Andrade não tenciona discutir até que ponto essa “mentalidade”

é benéfica e/ou até prejudicial na formação social brasileira porque para o formulador:

“Sem dúvida, no estado atual do mundo, quando necessidades novas

exigem das nações um espírito de luta, de sacrifício e de heroísmo,

para não perecer nas guerras de conquista, o espírito contemporizador

e plástico, o “espírito cordial” do homem brasileiro, tão bem definido

por Sérgio Buarque de Holanda, possui aspectos bastante

desvantajosos para nós. Mas o período de lutas em que vivemos é um

período de transição. A evolução futura do mundo nos reserva

acontecimentos extraordinários. E talvez essas circunstâncias

peculiares da nossa formação nos tragam futuramente benefícios, que

hoje ainda não podemos sequer suspeitar... Demais, uma sociedade

166 Idem:41 167 Ibidem:94

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não muda de cara. Uma mentalidade social nova não se improvisa

num dia, nem se impõe pela fôrça. ”168

Assim Almir de Andrade procura enfatizar os aspectos “positivos” da herança

portuguesa na formação brasileira através dos traços típicos de cordialidade,

plasticidade e adaptação como fatores de “contribuição” nos quais geraram uma

mentalidade política original do brasileiro. Neste sentido, segundo o formulador, a

autoridade política e social, fora deslocada das mãos do Estado para a família patriarcal,

traços típicos do coronelismo e esse localismo trouxe um contato direto entre governo e

governado fazendo com que o brasileiro se “habituasse” a uma forma concreta, íntima e

pessoal de dominação. E esta mentalidade política teria permanecido e seu “traço”

predominante, “o espírito cordial”, marcado toda a vida do homem brasileiro. E esse

legado cultural, segundo Almir de Andrade, representava a formação da mentalidade

brasileira.

Face ao exposto compreende-se o forte empenho e a estratégia do jornal “A Manhã”

para que o filme “Alô Amigos” tivesse êxito no Brasil, bem como compreender os

elementos que propiciaram a forte “identificação” que o filme suscitou no público

brasileiro, especialmente no carioca.

O filme “Alô Amigos” além de contar com o tema musical “Aquarela do Brasil”

enaltece as belezas e as potencialidades naturais do Brasil que há longo tempo

representam as especificidades brasileiras. Características físicas que foram

“selecionadas” desde o período Imperial por uma elite intelectual, através da noção do

“exótico” como forma de procurar uma identidade marcada, sobretudo pela

“diferença”169 são ali enaltecidas. Especificidades e diferenças, que a partir dos anos

168 Andrade, op.cit: 101-103 169Schwarcz,op.cit:1.

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vinte retornam através da tradição ufanista da Primeira República e que também teve

no movimento modernista verde-amarelo um dos seus pontos máximos são resgatadas

no filme. Acrescido a esses “artefatos culturais”, “Alô Amigos” traz como um de seus

astros o papagaio Zé Carioca que com seu estilo contemporizador, amável, cordial,

simpático e irreverente representa o “espírito” nacional brasileiro. Os problemas

relacionais entre dominante/dominado são contornados pelo “espírito cordial” do

brasileiro, e ao seu poder de “adaptação e plasticidade”. E não por acaso Zé Carioca é

um papagaio, uma das aves mais significativas da “Terra Brasilis”170 desde os tempos

mais remotos da construção imaginária da nação brasileira.

O nacionalismo via Estado trará através de um tempo histórico todo um legado e

herança cultural comum, a partir do resgate das “tradições”. Assim é possível construir

o “novo” através do “velho” entretanto sob uma “nova” leitura e interpretação, num

sentido positivo de “evolução” como enfatiza Almir de Andrade:

“Contudo, não terá absolutamente compreendido a alma brasileira

quem tomar esse espírito de cordialidade e tolerância como um indício

de fraqueza. Ao contrário, é possível demonstrar e essa demonstração

é precisamente o sentido de uma das faces mais importantes da nossa

evolução atual .. Esse espírito foi o segredo da política colonial

portuguesa e que tornou possível a construção da maior civilização

tropical do mundo”. 171

Por todas essas razões, a política cultural do “novo” Estado Nacional utiliza como um

dos recursos “potenciais” para a consecução de seus objetivos os “filmes educativos” de

maneira a incrementar o sentimento de auto- identificação e reconhecimento do

indivíduo com a nação, em torno dos “novos” ideais de nacionalidade, para atender às

orientações do Estado Novo.

170 Pereira,1999. 171 Andrade, op.cit:101-103

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Não somente o período colonial será resgatado pelas “tradições” mas principalmente

o período Imperial quando a construção do Estado-Nação impôs-se aos brasileiros.

Segundo Ângela de Castro Gomes, em sua análise sobre os textos e documentos

históricos publicados pela revista Cultura Política, os números de documentos do

período Imperial são de 44% em relação aos documentos e textos históricos dos

períodos da Colônia 27% e da Primeira República 18.5%.172 O Império surge como o

momento privilegiado, encarnando de maneira evidente no Segundo Reinado através

dos vultos históricos que segundo a autora, resumiam em si mesmos as qualidades

desse “coletivo” e, em o fazendo, asseguravam tanto a continuidade quanto às

transformações de nossa sociedade. Esses heróis representantes dos princípios

formadores do povo brasileiro, que podiam exprimir seus sentimentos, necessidades e

aspirações eram homens do “espírito brasileiro”, em sua tarefa construtora.

Sendo assim, um espaço considerável era reservado na seção diária do jornal “A

Manhã” intitulada “Nomes do Dia” para homenagear figuras importantes do país e do

estrangeiro que eram geralmente representantes da ordem pública, vultos históricos e

personalidades que atuavam em vários setores da sociedade. A cada número do “A

Manhã” os “formadores de opinião” “selecionavam” três personalidades brasileiras

e/ou estrangeira de todos os gêneros: estadistas, artistas, cientistas e figuras ilustres da

vida pública tais como: Presidente Roosevelt, Gustavo Capanema, Érico Veríssimo,

Marechal Petáin, Léo Rowe (presidente da União Pan-americana), Pedro Alba (vice-

presidente da União Pan-americana), Summer Welles, Rodrigues Alves, Osvaldo

Aranha, Srª Darcy Vargas etc. As personalidades eram apresentadas ao leitor através de

172 Gomes,1999:181/182.

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ilustrações e resumos de suas principais obras e realizações173 assim podia se definir o

valor de um “novo” pelo valor de suas “elites”.

Além da política cultural de instrumentalizar como recurso potencial os “filmes

educativos” objetivando difundir a língua e os aspectos culturais da nacionalidade

brasileira a “educação”, sob a forma escrita, foi um dos instrumentos mais importantes

utilizados pelo Estado brasileiro pós-1937. Em 1939, Lourenço Filho, então Diretor do

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, definia os objetivos do projeto educacional

do governo:

“tinha como fito capital homogeneizar a população, dando a cada

nova geração o instrumento do idioma, os rudimentos da geografia e

da história pátria, os elementos da arte popular e do folclore, as bases

da formação cívica e moral, a feição dos sentimentos e ideais

coletivos, em que afinal, o senso de unidade e de comunhão nacional

repousam”.174

O projeto nacional de educação deveria atender aos objetivos do projeto de

desenvolvimento econômico através da promoção e o incremento de um padrão

adequado de alfabetização visando assegurar uma competência técnica através da

padronização da língua a nível nacional. Entretanto, este objetivo conflitava em parte

sob duas perspectivas: a existência de experiências pedagógicas distintas e

freqüentemente incompatíveis entre si, que deveriam ser controladas mediante a

“padronização do ensino” através da unidade de programas e currículos e pela

“homogeneização cultural” devido à constatação cada vez mais crescente, da existência

de núcleos de imigrantes residentes no sul do país.

173 BN-RJ, jornal A Manhã, PR SPR 7. 174 Schwartzman,2000: 95

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A defesa da nacionalização do ensino através da racionalização e padronização da

língua possuía um forte conteúdo moral e cívico sendo definida como um “problema

nacional”, como podemos constatar no “A Manhã” através das considerações de

Lourenço Filho:

“A educação especialmente de 1834 a 1930, não era encarada como

problema nacional. E porque não o foi até 1930, quando uma

revolução vitoriosa injetou sangue novo no precocemente gasto

organismo do país. Essa nacionalização empreendida pelo governo

atual é obra que por si só recomenda e situa admiravelmente bem um

governante... Na desnacionalização existiam perigos que logo depois

de rebentada a Segunda Guerra Mundial se evidenciaram de maneira

alarmante para a nossa própria soberania. Colocando a educação como

problema “verdadeiramente nacional”175.

E em outro número, lê-se:

“A necessidade da nacionalização do ensino é da imposição do

sentimento cívico do Brasil. O governo começou a encara-la a sério

precisamente no momento em que o país sentia os primeiros esforços

da reorganização nacional.. No Rio Grande do Sul, em São Leopoldo,

foram apreendidos materiais destinados a escolas alemãs, em

completo desacordo com os regulamentos de ensino nacional, como

livros editados em língua estrangeira”. 176

Através da seção diária “Professores e Estudantes” do jornal “A Manhã” um canto

permanente era destinado aos assuntos da Educação a partir da difusão das “diretrizes”

do projeto nacional sendo a educação definida:

“ Tudo que se refere ao adestramento, ao aperfeiçoamento físico,

intelectual e moral do homem, de modo a adapta- lo às condições do

175 BN-RJ, jornal A Manhã PR SPR 7, 17/07/1942. 176 BN-RJ, A Manhã,,idem, 1º/01/1942.

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meio em que vive tornando-o útil e sendo tarefa precípua da família e

dos poderes públicos”. 177

“O Brasil caminha para a fixação do seu sistema nacional de

“educação” ou seja sob o prisma da nacionalidade, do conseguimento

dos objetivos da grandeza nacional”. 178

Com relação ao “padrão adequado de assistência técnica”, este era sintetizado

através da fórmula “aprender fazendo” e será implantado por medidas como a adição

dos trabalhos manuais nas escolas e a difusão e valorização do ensino

profissionalizante179. Assim a criação da Escola Brasileira Nacionalizadora deverá

atender as demandas do projeto de desenvolvimento e industrialização do “novo”

Estado Nacional:

“As escolas técnicas que constituem o tipo mais elevado de

estabelecimento de ensino industrial são as que ministram um ou mais

cursos técnicos: industria mecânica, eletrotécnica, construção, tecido,

pesca, química industrial, minas e metalurgia, construção naval e

aeronáutica. O Programa das Escolas Técnicas abrange, como se vê,

todo o campo moderno da atividade industrial. Dá-se a cada

especialização toda a eficiência, todo o material, toda a prática

necessária para que se formem jovens profundamente conhecedores

do assunto. Estes técnicos – selecionados pela sua capacidade de

trabalho, de inteligência e pela habilidade irão constituir a equipe de

forjadores da base física de nossa civilização. São os bandeirantes

“equipados de uma nova técnica que integrarão o Brasil na posse

efetiva de suas limitadas riquezas” ”. 180

Observa-se que a construção do “novo” Estado Nacional pós-37 no Brasil engloba

uma visão ampla do conceito de nacionalismo. O nacionalismo político enquanto 177 Idem, idem, 9/08/1941 178 Idem, 3/01/1942. A matéria tratava da Conferência proferida em 30/12/1941 por Álvaro Neiva sobre a nova experiência em educação secundária. 179 Cabe registrar que a partir da grande reforma implementada pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema o ensino secundário torna-se uma realidade no país através da criação do Serviço Nacional de Ensino Industrial (Senai) ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. In: Tempos de Capanema op.cit 180 BN, Jornal A Manhã, código: PR SPR 7, RJ, 6/08/1942. Acervo de Periódicos da Biblioteca Nacional

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legitimador e reformador do Estado que a partir da implementação de uma ampla

política cultural objetiva centralizar em âmbito nacional a educação através da

padronização da ortografia e da língua. Assim “ações” como a criação do Instituto

Nacional do Livro, em 1937, da reedição em âmbito nacional do jornal “A Manhã” e,

em 1942 com a incorporação de “filmes educativos”, a política cultural implementada

pelo Estado Novo potencializa seu objetivo para viabilizar um amplo programa de

conscientização em torno dos “novos” ideais de nacionalidade.

Neste sentido, a peculiaridade, complexidade e singularidade do “novo” Estado

Nacional é que ele consegue estabelecer um vínculo entre “tradição e modernidade”.

Entretanto, a “modernidade” que tinha como padrão cultural, de civilização, a Europa

e, principalmente, a França, após a Primeira Guerra, este será visto como um modelo

em decadência nas “formulações” de Almir de Andrade que considera o

“universalismo” europeu como “idealista” aos novos impasses do mundo atual:

“A velha substituição do velho ideal liberal-democrático por um

critério realista de governo resultou da compreensão de que o

idealismo político só traz decepções e falências desastrosas. Assim, as

condições atuais do mundo, a complexidade das relações sociais, a

evolução das idéias políticas impõem aos povos e aos governos a

procura, não do que é “mais ideal”, mas do que é “mais útil”. Do que

“melhor convém”, do que “mais satisfaz” às suas necessidades

primárias de subsistência, de produção, de expansão e de progresso...

A realidade da nação é uma realidade econômica e, sobretudo,

cultural. Seus problemas não podem ser resolvidos dentro de um

princípio e normas universais: seria violentar a realidade das coisas.. a

ideologia liberal da Revolução Francesa que fez da data da queda da

Bastilha um feriado universal, comemorativo da “libertação” de todos

os povos foi na realidade, um dos meios mais eficazes de expansão

colonial e imperialista das grandes nações da Europa, foi, sobretudo,

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um meio de catequisar os povos jovens da América, os da Oceania, os

da própria Ásia multi-secular.”181

Ao afirmar a “decadência” do modelo europeu Almir de Andrade permite entrar em

contato com o que existe de mais nacional através das “tradições” e ao mesmo tempo

direcionar para um outro modelo representativo da “modernidade”, que no caso é o da

civilização Americana. Este será o padrão cultural que mais “convém” e “satisfaz” os

interesses de modernização e progresso do “novo” Estado Nacional brasileiro:

“... para os povos americanos, o nacionalismo se impõem como um

imperativo histórico e cultural despido de aspirações guerreiras e

conquistadoras. Toda campanha contra o espírito nacional é inimiga

da segurança, do futuro e da liberdade dos povos americanos.

Repetimos que o anti-nacionalismo e as ideologias universalistas

servem apenas a uma causa : a expansão econômica das grandes

nações imperialistas.. a interdependência das nações na comunhão

universal impõe limites a sua expansão, assim como a

interdependência dos homens na vida social impõe limites a sua

liberdade. È necessário que haja, de parte à parte, renúncias e

concessões, tolerância e solidariedade. As condições do nacionalismo

na América não precisa revestir-se do aspecto guerreiro, nem adotar o

espírito de violência política dos nacionalismos de certos países do

Velho Mundo”. 182

A difusão de idéias e/ou pensamentos em prol dos valores culturais comuns dos povos

americanos estão presentes de forma bastante acentuada nas páginas do “A Manhã” fato

constatado não apenas pela incorporação do suplemento semanal, Pensamento da

América, mas, sobretudo, a universalização desses valores foi inclusive um dos

“objetivos” que mobilizaram a criação da “nova” edição do jornal:

181 Andrade, op.cit:15 - 32. 182 Andrade, op.cit: 36-51

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“O A Manhã, fiel ao seu programa de brasilidade e de americanismo,

levanta a idéia de um monumento a Alexandre Gusmão que conseguiu

ver o Brasil suas fronteiras oficialmente reconhecidas. Ele foi o

precursor autêntico do pan-americanismo, na justa observação dos

historiadores. A América é apenas membro de uma cultura e de uma

civilização. Esta no seu papel defender e lutar por esta civilização,

pela sua unidade de que a Europa representa uma parte ameaçada de

mutilação. Qualquer ideologia bárbara que se apodere deste membro a

que somos ligados causará sérias modificações, senão a morte do

organismo de que dependemos, da civilização que nos é comum”.183

Antes da realização em 15/01/1942 da 3ª Reunião de Chanceleres dos Países

Latino-americanos sediada no Rio de Janeiro, o jornal “A Manhã” publicava vários

artigos favoráveis à propaganda dos ideais pan-americanos, a título de exemplo segue

um trecho da matéria intitulada “A Diretriz americana”:

“A América nasceu sob o signo da liberdade. A gente deste hemisfério

– acostumada à liberdade de movimento no imenso território em que

nasceu e se desenvolveu. A orientação da Conferência do Rio de

Janeiro encontra-se, portanto, pré-fixada pela história americana.

Em nome dos princípios que o gênio continental - depois de anos de

luta em grandes assembléias políticas do mundo – conseguiu despertar

na consciência da maioria dos povos civilizados, em nome dos nossos

ideais de justiça, de paz, de harmonia social e política. As nações

americanas não improvisaram, portanto, uma doutrina política e não

precisam elaborar as pressas. Ao contrário: procuram – através de

medidas práticas de caráter político, militar e econômico – realizar a

missão que – pelas tradições, sentimentos e ideais do continente - lhes

é indicada por mais de quatro séculos de existência a serviço da

bondade e da justiça”. 184

183 BN,-RJ, jornal A Manhã, PR SPR 7, RJ 7/01/1942. 184 Idem, A Manhã, 9/01/1942.

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Assim, os valores em torno dos ideais comuns de civilização são os da América e o

padrão cultural é o sistema de vida norte-americano que representa o melhor modelo de

“modernidade” devido ao avanço e progresso tecnológico, a influência de sua filosofia

política e o respeito às particularidades e especificidades culturais dos povos latino-

americanos.

Em suma, como podemos constatar, já havia um ambiente político brasileiro

altamente favorável através da “ação influente” de uma certa “intelectualidade” para a

recepção da cultura norte-americana. Assim, a partir de 1942 a política cultural norte-

americana no Brasil agrega um segundo produto cultural que, ao mesmo tempo, é

também agente difusor do “american way of life” e intensificador da “presença” cultural

norte-americana no Brasil: as Seleções RD.

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Capítulo III

A Difusão do American way of Life nas Seleções RD: 1942-1946

Essa in iciativa Americana foi a maneira mais direta de dissipar das

mentes dos Latino-Americanos a velha idéia do “Colosso do Norte”

que os agentes do Eixo estavam divulgando maciçamente em todas as

partes. Mas, devido ao amplo sucesso que Seleciones obteve no

mercado latino-americano, devido a benção de todas as autoridades

públicas interessadas nos EUA e o apoio entusiástico dos homens de

negócios Americanos, foi preciso apenas um ano após a sua primeira

edição em espanhol para ela ser comprada em cada país por

aproximadamente 400.000 latino-americanos. (Carta de Barclay

Acheson Redator Internacional da Reader’s Digest:1943: IAA/FGV-

RJ).

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3.1 Breve Histórico: The Reader’s Digest

A história da “matriz” americana é apresentada ao público leitor brasileiro no terceiro

periódico das Seleções RD, em maio de 1942, o qual relatava a trajetória ascendente da

revista no campo das publicações periódicas nos EUA. Criada pelo casal DeWitt

Wallace e Lilla Acheson Wallace, filhos de pastores protestantes de origem

presbiteriana 185, no ano de 1922, com sede em Pleasantiville, uma pequena cidade

próxima a NY, a revista que nasce com uma tiragem de 5.000 exemplares nos anos

vinte. Com rápido crescimento, o Reader’s Digest chega em 1942 com mais de

5.000.000 de assinantes, distribuídos por vários países do mundo e a partir de novembro

desse ano obtém uma tiragem mundial de 7.000.000 de exemplares.186

DeWitt Wallace e Lila Acheson Wallace nasceram nos estados do Oeste dos EUA, no

final do século passado, e procuraram tornar evidente esta origem em vários exemplares

da revista. O Reader’s Digest tornou-se um sucesso absoluto nos Estados Unidos, ao

tratar temas profundamente enraizados no “imaginário social norte-americano”,

veiculando inúmeros artigos tratando do Oeste e de seus personagens lendários, temas

formados pelas ideais puritanas de temor a Deus e assistência missionária, baseados em

valores morais que os fundadores consideravam como sendo temas “universais”187.

O projeto do Reader’s Digest consistia em selecionar artigos/temas que pudessem

alcançar o maior número de leitores: artigos sobre religião, problemas do cotidiano

185 O pai de DeWitt Wallace, o pastor protestante James Wallace, foi professor de teologia e inglês arcaico (old English) em vários Colleges presbiterianos. Quando DeWitt Wallace e Lila Wallace fundaram a revista, estes e mais alguns funcionários, também filhos de pastores protestantes eram chamados carinhosamente de PK – Priest Kids (filhos de pastores). HEIDENRY, John.Theirs Was the Kingdom. Lila and DeWitt Wallace and Story of the Reader’s Digest,Apud: Junqueira,op.cit:.23. 186 Cabe registrar que o número de assinantes da revista é colocado no alto da capa de todos os periódicos das Seleções RD entre 1942-46, objetivando reiterar o prestígio e o sucesso internacional alcançado pela revista de maneira a “influenciar” o público leitor. 187.Junqueira,op.cit:24.

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familiar, vultos históricos, lendas nacionais, política, curiosidades, humor, viagens,

aventuras, charadas, piadas. Seu objetivo era proporcionar um tipo de leitura até então

inexistente nos EUA cuja singularidade residia na informação de forma condensada. O

público alvo era a classe média norte-americana cujas pessoas trabalhavam muito e não

tinham tempo para ler publicações como livros, jornais e revistas mais densas, por isso a

escolha de artigos ou resenhas densos porém curtos. Ao todo eram 61 redatores que

liam o melhor das revistas e publicações especializadas e os condensavam sob forma de

artigos para a revista. Inicialmente a revista foi pensada para ser encardenada e a cada

seis edições era possível encadernar um volume, fazendo com que cada ano fosse

condensado em dois volumes.

Entre os seus 61 redatores permanentes figuravam antigos diretores-gerentes de

revistas bastante conhecidas, jornalistas e colaboradores especializados em publicações

literárias, científicas, religiosas, comerciais e educativas. Esses redatores filtravam e

condensavam os principais editoriais e revistas norte-americanas como New York

Times, Fortune, Monthly Review of World Affairs, Rotarian, Harper’s, Tribune,

Redbook Magazine, Vogue, Science News Letter, Blackwood’s Magazine, selecionando

artigos que englobavam assuntos dos mais variados interesses.

Com o tempo, o Reader’s Digest expande a sua circulação e atinge vários segmentos

da sociedade norte-americana através de um extenso programa de promoções como a

concessão de 600.000 exemplares da revista através de desconto escolar especial aos

professores e alunos que usassem a revista para fins docentes e 250 assinaturas

oferecidas as Bibliotecas de diversas penitenciárias. Em seguida, o Reader’s Digest

passa a ser publicada em braile e seu material serve para gravação de discos

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exclusivamente reservados aos cegos bem como a promoção de assinaturas-prêmio aos

melhores estudantes das 29.000 escolas superiores dos EUA e Canadá188.

Durante e após a Segunda Guerra Mundial, a revista foi lançada em vários outros

países, transformando-se num verdadeiro império das comunicações. Primeiramente,

alcança os EUA, Canadá e Austrália e em 1938 a Inglaterra. A partir de 1941 países de

língua espanhola: América do Sul e Central. Em 1942, Brasil, Portugal, África

Ocidental e Oriental Portuguesa, Índia, China e África do Sul. A partir de 1944, publica

uma nova edição em árabe e passa a circular no Egito e em outros países do norte da

África como em uma parte do Oriente Médio. Entretanto, o sucesso da revista no mundo

árabe, durou apenas durante o período da Guerra.

Após 1945 o Reader’s Digest começa a circular na França, Itália, Bélgica, Espanha,

Suécia e Japão. Estes países são destacados através de um mapa-mundi publicado pelas

Seleções RD no periódico de junho de 1944. 189 Entretanto, a partir dos anos 70, com o

envelhecimento de Lila e DeWitt Wallace, a revista foi aos poucos passando para as

mãos de outros executivos se distanciando do projeto original. Mesmo assim, em 1972,

o casal foi condecorado com a Medalha da Liberdade pelo presidente Nixon na Casa

Branca190.

3.2 O Universalismo nas Seleções RD : 1942-46

As impressões abaixo são do escritor chinês, Lin Yutang, conhecido nos EUA através

dos livros A Importância de Viver e Momento em Pequim, e fazem parte da contra-capa

188 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, maio de 1942. 189BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest,idem, junho de 1944. 190 Nas palavras de Nixon “A medalha era o reconhecimento da América pela criação e desenvolvimento da revista que “havia ensinado milhões de leitores a desejar uma vida comum e a alegria do trabalho”. Cabe ressaltar que a revista continua sendo uma das preferidas pelo público norte-americano..Cf. Junqueira, op.cit:.31.

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da “nova” edição das Seleções RD de 1942. Não estão neste número por acaso, mas

atendeu ao propósito de imprimir o novo formato “universal” da revista.

“A Leitura – Chave do Encanto Pessoal”. Há duas espécies de

leitura, a leitura como uma necessidade profissional e a leitura como

prazer. O segundo tipo é um privilégio, algo que aumenta a riqueza e a

alegria da vida e proporciona um instante de evasão da cadeia física

em que nos encerra o imediato cotidiano, para o reino maravilhoso da

vida contemplativa.

E que indefectível encantamento confere ao leitor! O poeta chinês

Huang Shanku disse de uma feita: “Um estudioso que passou três dias

sem ler nada sente que sua palavra não tem graça e que sua face ficou

feia ao refletir-se num espelho”. Estranho feito este que a leitura

produz no homem! Embora não seja cosmético, cria mais encantado

que todos os artifícios. Quantas faces lindas já nos enfadam em cinco

minutos de conversa, ao passo que abrem a boca, a despeito de possuir

feições não mui graciosas! É que estas últimas, com o espírito

enriquecido por muita leitura, observaram a vida agudamente,

meditaram sobre as coisas, acompanharam os acontecimentos, e

adquiriram um ponto de vista - tudo o que aguça o apetite do ouvinte e

conquista a sua estima.

Na compreensão do poeta chinês, esse é o sabor que a leitura

comunica. E provêm desse tipo de leitura que é oferecido pelas

Seleções RD, variada e sem ordem aparente, porém não promíscua:

leve, mas não inútil nem estimuladora da preguiça mental; rica de

pensamento, sem ter a fastidiosa gravidade acadêmica; intelectual,

mas não pesadamente doutoral: fomenta no leitor uma saudável

curiosidade e tem leitores nas 105 nações do mundo”191

191 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, código IV-299.1 02, abril de 1942. Cabe ressaltar que a Ásia e mais particularmente a China, desde os anos trinta, fazem parte das preocupações dos principais “policy-makers” norte-americanos ligados aos programas culturais e durante a guerra será tal qual a América latina prioridade da propaganda do governo. Cf. Ninkovich, op.cit: 51-60.

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O “melhor” no âmbito do indivíduo, segundo os redatores, era selecionado pelas

Seleções RD com o objetivo de informar e difundir o que havia de mais moderno nos

últimos avanços alcançados pelo indivíduo nas Ciências e tecnologia, principalmente no

campo da saúde e medicina. Os textos eram condensados e a “informação” utilizada

objetivava “influenciar e moldar opiniões” através da difusão de pensamentos, idéias e

produtos. Cientistas e escritores, principalmente “norte-americanos”, premiados

internacionalmente devido às suas contribuições científicas, eram “selecionados” pelas

Seleções RD através de livros sob forma de romance e/ou novela e artigos científicos.

Sob o formato de livro “enquanto guardam-se livros, descartam-se revistas e jornais”,

as Seleções RD eram padronizadas da seguinte forma: possuíam em torno de 200

páginas sendo que as últimas vinte páginas eram “sempre” reservadas para o espaço da

propaganda dos produtos culturais norte-americanos. Aproximadamente de 28 a 30

artigos qualificados como sendo de “interesse permanente e/ou universal”192, eram

“selecionados” pelos redatores da revista estabelecidos em Nova York.

Para o cargo de gerente-geral da nova edição em português foi escolhido A.L. Cole e

para a sub-gerência Mervin Mc Cord Lowes, Robert C. Sanchez e Fred D.Thompson Jr.

A função de redator-chefe coube ao jornalista colombiano Eduardo Cárdenas193 que

durante 14 anos foi diretor do Editor’s Press Service, uma renomada agência de

notícias de Nova York. O cargo de co-redator destinado ao escritor português José

Rodrigues Miguéis194 e o de redator-secretário ao baiano e ensaísta crítico Afrânio

192 Entretanto, após os anos 60 e 70, mudanças ocorreram quanto aos critérios qualificados pelos redatores das versões em português e espanhol do Reader’s Digest. Os artigos passam a ser qualificados sob três tipos: “É digno de ser lido”, “ É aplicável aos interesses da maioria” e “ É de interesse permanente”. Cf. Junqueira, op.cit.:33. 193 Consta que Eduardo Cárdenas trabalhava também para o War Office Information que no pós-guerra deu origem a CIA norte-americana. Idem: 40 194 Importante escritor cuja novela “Páscoa Feliz” obteve em 1932, o prêmio da Casa de Imprensa de Lisboa. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, maio/ 1942.

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Coutinho195, ex-bibliotecário da Faculdade de Medicina e ex-professor da Faculdade de

Filosofia da Bahia. Para os cargos de redator- internacional e redator-correspondente

Barclay Acheson e Desmond Holdridge, respectivamente.

Um espaço considerável das Seleções RD era contemplado para incrementar a

difusão e venda de livros, através de uma seção específica, a “seção de livros”:

“Seleções do Reader’s Digest seguirá os mesmos princípios que

fizeram de The Readers Digest e de sua edição em espanhol,

Selecciones, as revistas mais populares de quantas haja sido

publicadas, em idioma inglês ou espanhol. Além da seleção de artigos

a redação tratará também de inteirar-se dos livros de publicação

recente, com o fito de escolher, entre os que forem dados à

publicidade, alguns que possam ser oferecidos aos leitores em

resumos que representem aquilo que tenha maior significação na

literatura contemporânea.”196

Biografias de personalidades expoentes que dedicaram a maior parte de sua trajetória

acadêmica aos avanços das ciências em prol da humanidade assim como obras de vultos

da história universal eram objetos de atenção por parte dos redatores e apresentados ao

público sob uma forma condensada. Em seu primeiro periódico a “seção de livros”

dedicou páginas à renomada cientista polonesa, Madame Curie, através do livro “Marie

Curie, My Mother”, escrito por Eve Curie. O livro reproduzido, sob forma condensada,

relatava a biografia excepcional da cientista que ganhou o Prêmio Nobel de Química em

1911. A vida da cientista era apresentada como exemplo de desprezo ao luxo, de paixão

intelectual e de desejo de bem servir a humanidade.

195 Autor dos livros “A Filosofia de Machado de Assis e “L’exemple du métissage” em L’homme de couleur, da Cole”. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, código IV-299.1.2, maio/1942. 196 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest idem, março /1942..

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Em março de 1942, a “seção de livros” publica a biografia condensada do livro

escrito por Stefan Zweig197, “Fernão de Magalhães o Dominador dos Mares”, na qual o

autor objetivava, segundo a revista, corrigir injustiças através do reconhecimento da

importante contribuição do desbravador português para a História das Civilizações:

“A História tem consagrado páginas sem conta a Colombo, a Cortês

e a Francis Drake, mas só se limita a mencionar o nome de Fernão de

Magalhães, o genial navegador português que demonstrou, com sua

viagem de circunavegação, a forma esférica da Terra. Os reis de

Portugal tinham talvez razões práticas e geográficas para recusar a

Magalhães os meios de tentar sua surpresa. Foi, assim, sob o

estandarte espanhol que Magalhães se imortalizou. Mas a

impraticabilidade da rota das Índias, por ele revelada, deixou seu

nome longo tempo esquecido. Stefan Zweig fez emergir Fernão de

Magalhães dentre as páginas desta obra, como uma figura a um tempo

heróica e sóbria, que tudo ousou lutando obstinadamente, para enfim

perecer, triunfando a maneira dos heróis antigos”. 198

Em dezembro de 1943, a seção selecionou o condensado do livro Lafayette, A Life,

traduzido como “Lafayette, Apóstolo da Liberdade” por Andréas Latzka. Em janeiro de

1944 foi a vez do livro Abraham Lincoln: The War years de Carl Sandburg, traduzido

como “Agora ele pertence à Posteridade” e condensado por Robert E. Sherwood. O

último livro foi destacado pelas Seleções RD que enalteceu o trabalho do autor, que

durante vinte anos se dedicou a escrever a mais “completa, rica e compreensiva” de

todas as biografias de Lincoln e que juntos iriam integrar-se, como o próprio Lincoln, ao

patrimônio da família humana 199.

197 Cabe registrar que o escritor foi um dos “selecionados” na seção “Nomes do Dia” do jornal A Manhã que homenageava as personalidades mais importantes do momento. BN-RJ, jornal A Manhã, sob o código PR SPR 7. 1942. 198 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, março/1942. 199 BN-RJ , Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, dezembro/1943 e janeiro/1944.

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Procurando enaltecer os ideais comuns de civilização dos países sul-americanos, no

exemplar de julho de 1943, Simon Bolívar é prestigiado por Thomas Rourke, através da

adaptação do livro “Man of Glory” que recebeu a tradução “Bolívar, o Libertador”:

... Mais de um século depois de sua morte, Simon Bolívar ainda hoje é

uma espécie de divindade para muitos milhões de sul-americanos.

Muito mais do que qualquer figura histórica da América anglo-

saxônica, o Grande Libertador permanece vivo na consciência dos

seus povos, como se presente ainda estivesse entre os homens..200.

Em seu terceiro exemplar, a revista selecionou um recordista de vendas em 1935, nos

EUA, “O Homem esse Desconhecido”, livro do norte-americano e ex-biólogo, Dr.

Aléxis Carrel, ganhador do Prêmio Nobel em 1922 e da medalha Nordhoff-Jung, a

chamada do livro era apresentada da seguinte forma: 201

“No livro há abundância de assuntos que nos provocam inúmeras

conjecturas, e nele se encontra uma visão sadia e satisfatória da vida

moderna, assim como um guia para a felicidade, cheio de inspiração

espiritual. Em estilo claro e cativante, o conhecido cientista nos ensina

como é feito o nosso corpo e quais as funções dos órgãos, apontando o

caminho para a obtenção da saúde física e mental”.

A diversidade cultural e étnica entre os povos foi tema selecionado no periódico de

julho de 1942, através do livro “Shake Hands with Dragon”, de Carl Glick traduzido

como “Fraternizemos com o Dragão”. O autor, a partir de uma narrativa interessante e

espirituosa, relatava como ocorreu o processo de contato cultural entre alguns sinos-

americanos residentes, em Chinatown, Nova York, procurando mostrar um exemplo de

tolerância e correção política:

200 BN-RJ, idem, julho/1943 201 O cientista-escritor trabalhou como pesquisador durante 33 anos no Instituo Rockefeller no qual se dedicou às pesquisas relacionadas ao sistema de vaso sanguíneo e câncer. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, abril/1942.

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“adaptando velhos hábitos orientais à vida moderna do Ocidente,

encontraram solução para muitos dos problemas que nos embaraçam:

educação infantil, delinqüência juvenil, seguros sociais, e o

aproveitamento do ócio e da idade provecta202”.

Condensados de livros de romance e/ou relatando as terríveis experiências da guerra,

envoltos por um forte teor comercial e patriótico compõem gradativamente o espaço da

seção a partir de agosto de 1942. O condensado do livro Falling through Space de

Richard Hillary que traduzido como “Meu Batismo de Fogo na R.A.F”203 narrava a

história do autor, um experiente piloto norte-americano da aeronáutica, pintava um

quadro dramático e absorvente do ciclone da guerra e dos seus efeitos sobre os

indivíduos.

O resumo do livro “Dress Rehearsal”, de Quentin Reynolds, traduzido como o

“Ensaio geral de invasão - A Epopéia de Diepe” era apresentado com grande destaque

na “seção de livros” de setembro de 1943:

“O autor foi durante 10 anos co-redator do Collier’s e desde 1940

tem sido correspondente de guerra dessa revista. Presenciou o colapso

da França e o blitz sobre Londres. Durante uma batalha na Líbia, ele

estava com um grupo de soldados ingleses cercados por tanques do

Eixo e submetidos ao bombardeio aéreo. Com sua experiência da

guerra, já publicou 4 livros todos de grande êxito”. 204

202 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, julho de 1942. Entretanto, nos anos vinte e trinta, vários artigos racistas relacionados aos imigrantes, foram veiculados pela “matriz” norte-americana. Um dos primeiros tinha o título Can We Have a Human Beautiful Race? de 1922, o texto informava que haviam chegado aos portos do país milhares de mulheres imigrantes: the ugly women. Mulheres que tinham em média três filhos, enquanto a americana – the beautiful women of the old América – tinha, em média, um único filho. Deixando clara a posição da Reader’s Digest em favor do controle de natalidade, apresentando de forma negativa a “alta fertilidade” das mulheres pobres e imigrantes. Esse era um período em que circulavam as idéias racistas, quando a higienização de territórios, a cura de doenças e a melhoria das raças, funcionando como remédio para diagnóstico de vários países. No discurso do Reader’s Digest, percebe-se o temor de que a imigração viesse a “contaminar” a população branca, anglo-saxã. Apud: Junqueira,op.cit:.29 203 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299.1.2, agosto de 1942. 204 Idem, sob o código IV-299.1.3, setembro/1943.

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O livro “Pied Piper” resumido por Nevil Shute e traduzido como “Bola de Neve”,

nele o horror da guerra dava lugar a um romance que enaltecia a cooperação e ajuda

mútua, contando a história de como um velho inglês, herói tímido e fleumático ajudou

um grupo sempre crescente de crianças refugiadas numa França invadida na época da

Primeira Guerra:

“.. tal como bola de neve, que aumenta à medida que rola montanha

abaixo. Este romance de arrebatador interesse foi unanimemente

saudado por críticos como obra de primeira ordem, devido à pena de

um consumado narrador. Um romance de guerra que nos faz esquecer

da guerra. É a história, contada com ternura e íntimo sabor poético

...”205

O universalismo também está presente no artigo condensado por Edwin Muller do

The Nations sobre Einstein intitulado “Einstein, Exemplo de Simplicidade” em abril de

1943, a seção publica o condensado de Irving Stone do livro, “Alma Torturada”, sobre a

história de Van Gogh. Dentre os vários artigos figuram cientistas-escritores, em sua

maioria, norte-americanos, como jornalistas e correspondentes internacionais que

atuavam na Ásia e especialistas ligadas ao comércio. Artigos como os do

bacteriologista, Paul de Kruif, ex-pesquisador do Instituto Rockefeller, autor de

importantes trabalhos centrados no avanço da saúde que após abandonar a carreira

científica, consagra-se no campo literário dos EUA, através dos livros: “Microbe

Hunters”, “Men Against Death” e “The Fight for Life”.

No artigo “Roubados às Garras da Morte”, Paul de Kruif difunde as importantes

pesquisas realizadas pelos cientistas norte-americanos no combate ao micróbio através

da descoberta da sulfadiazina.

205 BN-RJ, sob o código IV-299. 1.02, setembro/1942

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A difusão universal através do mutual benefits esta particularmente presente no

artigo “A Última e melhor Esperança da Terra” condensado da revista The Atlantic

Monthly por Harry Scherman, em fevereiro de 1942. O artigo inicia com as palavras

de Abraham Lincoln “Podemos salvar nobremente, ou deixar que se perca, sem

nobreza, a última e melhor esperança da Terra.”

No artigo promove-se a interdependência cultural e econômica entre povos e nações

como “exemplo” de correção política:

“A cultura, por seu turno, não conhece fronteiras, grande parte da

humanidade está hoje ligado por fortes laços espirituais e uma mútua

compreensão. Os cientistas, particularmente, concorrem, mais que

ninguém, para o convívio entre os povos. Trabalham, como em ação

coordenada, em todas as latitudes, e qualquer novo conhecimento a

que cheguem é de utilização universal. Na, atual guerra, portanto, o

que há a derrotar é o insano esforço de um povo, que pretende a

supremacia, para seu próprio e especial proveito, em uma sociedade

mundial já unificada. Os adversários da Alemanha combatem por

preservar uma união econômica “livre” e bem estabelecida, ainda que

sem forma de contrato, e com imperfeições a corrigir.

Churchill e Roosevelt tentaram elaborar um projeto de paz. Porque

esta, como é claro, deve ser uma paz praticável, e a condição sine qua

non de praticabilidade é o ajuste e o acordo entre os povos, a de que

todos os diversos povos, no planeta que habitamos, se acham

inseparavelmente ligados em uma união econômica mundial.

Ao passo que a unificação cultural e econômica do mundo tem

marchado rapidamente, o contrário acontece no que tange à unificação

política, e esse retardamento é responsável por uma obstrução

indefinida à interdependência econômica entre as nações. Difícil fora

achar, em qualquer país adiantado, um artigo de uso comum, cujo

preço, constituição ou qualidade não dependa, de alguma forma, de

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produtos estrangeiros. Há uma clara indivisibilidade planetária de

produção e utilização”206.

Como podemos constatar através desta amostragem, a “difusão cultural” através da

idéia do “mutual benefits”, não pode ser desconsiderada ao ler alguns periódicos das

Seleções RD. Entretanto, para um iniciante aos estudos das Relações Internacionais e

não, um simples leitor, cabe buscar os reais “interesses” que nem sempre se apresentam

de forma explícita, permitindo codificar o que esta por detrás da informação, o que é

“selecionado”, o que “deve” ser lido e porquê “determinados” textos. Neste sentido, a

pesquisa documental é fundamental para estabelecer uma análise mais precisa. A seção

seguinte permite interligar a política cultural norte-americana via OCIAA e a entrada

das Seleções RD no Brasil, como “etapas” de uma mesma “estratégia” articulada pelo

Departamento de Estado norte-americano de “expansão cultural” do American way of

Life no continente.

3.3 O Papel das Seleções Reader’s Digest na estratégia da Política

Cultural norte-americana

A partir de agosto de 1940, o Reader’s Digest passa a ter um importante papel na

difusão do pan-americanismo e na estratégia política cultural do governo norte-

americano. No Brasil, a entrada da sua edição em português, em fevereiro de 1942, não

foi por acaso e muito menos uma coincidência de fatos. O início da circulação e

propagação das Seleções RD bem como, a sua publicação no idioma espanhol

206 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.02, fevereiro/1942.

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Selecciones Del Reader’s Digest,207 não ocorreu devido a uma estratégia interna de

ampliação de mercado. O lucro nesse empreendimento não era o fator determinante mas

sim, um projeto de “longo prazo”.

O fator crucial que serviu como condicionante e que mobilizou a entrada e circulação

desta revista no mercado latino-americano, e em especial no mercado brasileiro, foi a

sua adesão em primeiro plano à defesa no “interesse nacional” norte-americano.

Através de uma importante carta redigida em fins de 1943, pelo correspondente

internacional, Barclay Acheson, irmão de Lila Acheson e conseqüentemente cunhado de

DeWitt Wallace, atestamos não somente o forte empenho à causa nacional mas o

relevante papel que o Reader’s Digest sempre “teve e que deveria” continuar a ter,

agora mais do que nunca, no combate à agressiva penetração ideológica e econômica do

Eixo na América Latina.

Na carta, Barclay Acheson utilizando um discurso direto e contumaz, propõe a um

importante empresário norte-americano unir esforços em prol da causa nacional a partir

de um trabalho conjunto:

“estou lhe escrevendo porque acredito firmemente que você e nós

podemos e devemos trabalhar juntos nesses dois novos “fronts” – A

Reader’s Digest no front ideológico, e sua importante companhia no

front econômico”. 208

Barclay Acheson segue relatando ao empresário a trajetória da revista no mercado

latino-americano, colocando que o início da publicação do Reader’s Digest em

espanhol, mesmo sem lucro algum, foi porque eles acreditavam ser uma forma de

207 Consta que DeWitt Wallace foi consultado pelo próprio Departamento de Estado em 1939, para considerar a possibilidade de uma tradução da RD em língua espanhola e que Rockefeller insistiu junto ao Departamento, para que providenciasse uma edição em português para ser distribuída tanto no Brasil quanto em Portugal. A partir de 1942 a Reader’s Digest a convite do Office of War Information, foi lançada nos novos fronts de propaganda: Suécia, Turquia e Egito. Junqueira, op.cit: 38 208 CPDOC-FGV .IAAColeção Foreign Office. Reader’s Digest 1943.

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apresentar diretamente às pessoas da América Latina o melhor das esperanças e ideais e

o melhor da prática comercial. E segue na sua tentativa de convencer o empresário:

“sem a cooperação de uma lista de anunciantes que lêem

sistematicamente o melhor na área de comércio Americano, o

extraordinário sucesso da Selecciones não teria sido possível”. “(Não

buscamos nenhum lucro com as Seleciones. Mas o custo relativamente

baixo que ela tem na América Latina – 10 centavos- requer que uma

renda com a propaganda para evitarmos uma perda irreparável.).

Somos gratos por esta cooperação. Mas agora existem razões ainda

mais fortes para que a Seleciones seja vista como um meio de

alavancar os interesses do nosso negócio e da nação209.

Agora é o momento em que a propaganda tanto institucional como

de produtos na América Latina é a coisa mais importante que o

negócio Americano pode fazer – quase sem considerar qualquer lucro

ou disponibilidade de bem. Assim, de todas as maneiras, vamos usar

nossos ganhos da guerra para preservar e desenvolver o mercado

latino-americano que iremos precisar tão desesperadamente quando a

guerra acabar”210.

E continua o forte empenho em convencer o empresário:

“Quando você se decidir, eu peço que não olhe isto como um gasto

com propaganda corriqueiro. Nunca foi tão importante manter o nome

dos produtos americanos e de instituições como a sua diante do

público Latino-Americano. Somente ao fazer isso agora – sem levar

em conta as dificuldades de manufatura e entrega – é que o negócio

Americano espera para manter seu lugar depois da guerra neste

mercado em crescimento. Além disso, cada dólar que você investir em

Selecciones vai comprar munição para ajudar na grande batalha de

209 O grifo consta no documento original. CPDOC-FGV,.IAA, Coleção Foreign Office. 210 Idem

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idéias que nesta guerra vai de mão em mão com a batalha de

armas”211.

Com relação ao espaço de propaganda da revista, Barclay Acheson qualifica como

sendo propositalmente limitado, mas mesmo assim, este já estava 75% vendido para

Março de 1942 e Fevereiro de 1943. Entretanto, o espaço publicitário disponível eles

ansiavam em alocar com mais propagandas.

Barclay Acheson, termina sua carta reiterando o empenho da revista e esperando, o

mais urgente possível, uma resposta favorável do empresário, no sentido de juntar

esforços como forma não somente de mostrar uma reflexão mais confiável do American

way of Life, mas propor um retrato variado dos produtos e serviços americanos que

tornam este estilo de vida possível.

Outro documento da Divisão Brasileira do OCIAA a Francis Alstock, então Diretor

Geral da Divisão de Filmes em Washington que substitui John Way Withney em 1942,

constata-se o importante papel que as Seleções RD possuía na estratégia de propaganda

dos filmes produzidos pelo OCIAA no Brasil.212

No documento, a Divisão Brasileira solicita ao Diretor Geral que informe a todos os

produtores do National Screen Service para que quando estes anunciassem os

próximos, traillers em português, de novelas populares ou peças de teatro norte-

americanas, posteriormente transfo rmadas em filmes e publicadas pela revista Reader’s

Digest, que eles devessem mudar o nome de Reader’s Digest para Seleções, porque era

assim que a revista era popularmente conhecida pelos brasileiros.

A Divisão Brasileira cita como exemplo o trailler do último filme de Tyrone Power e

Joan Fontaine, intitulado “This Above All”, que já publicado em formato original de 211 Ibidem, Ibidem. 212 CPDOC/FGV: doc. Subject “Refering to “Seleções” instead of “RD”, IAA, Coleção Foreign Office,16 de Janeiro de 1943.

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novela, condensada, pela revista, mas que no trailler do filme constava ainda como

sendo publicado pelo Reader’s Digest e não pelas Seleções. Se o trailler do filme

colocar Seleções, em vez de “RD”, todos os brasileiros saberiam qual a revista que

publicou.

Podemos considerar então que o vínculo entre OCIAA e Seleções era sutil, eficiente

e coordenado. Cabia as Seleções RD também fazer propagandas dos filmes conhecidos

do público norte-americano que seriam lançados brevemente pelo OCIAA, publicando

de maneira condensada sob forma de novelas, peças e/ou livros ao público brasileiro.

O OCIAA, por sua vez, se beneficia da popularidade e prestígio alcançado pelas

Seleções RD junto a uma certa elite política brasileira, incluindo em seus traillers

comentários de que estes, já podiam ser encontrados de forma condensada nos artigos

de novela e/ou peça nas Seleções RD. Neste sentido, as Seleções RD preparava o

terreno propício de entrada no mercado brasileiro junto aos “formadores de opinião” de

alguns filmes que seriam produzidos pelo OCIAA.

O vínculo entre Seleções RD e OCIAA é mais amplo, detectamos através da análise

de alguns periódicos da revista, como os temas dos artigos selecionados bem como

resumos de alguns livros possuem uma conexão embora mais aprofundados, com as

temáticas dos “filmes educativos” produzidos pelo Projeto Disney e OCIAA.

Filmes cuja temática envolve pagamento de impostos, a importância da agricultura

para a guerra, aperfeiçoamento de técnicas agrícolas e quanto à necessidade de

economizar evitando desperdícios são encontradas respectivamente em “The New

Spirit”, “Food will win the war”, “Out of the frying pan into the firing line”.”The spirit

of 43”.

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Com relação à higiene e medicina, foram produzidos “The winged Scourge” e sobre a

malária “Water friend and enemy”, filmes também sobre propaganda anti-nazista como

“Der Fucher’s Face”, “Reason and Emotion” e “Education for Death”213. Ao mesmo

tempo, as Seleções RD publicava e “selecionava” artigos enaltecendo temas sobre o

progresso da humanidade associado a liberdade do indivíduo como sendo de “interesse

universal”: “Represente bem o seu papel”, “Como os homens são engenhosos”, “Os

Oitos Grandes Mistérios das Ciências”, “Um metal que não se cansa”, “O que você fizer

influirá no mundo”, “Assim se conquista a personalidade”, “Inteligência e Caráter Irão

sempre a par ? ” e muitos outros.

Como pode ser atestado o papel das Seleções RD será de extrema importância. O seu

formato, até então inédito, permitir englobar em um mesmo número, a utilização da

“informação” com o intuito de transmitir a partir da “difusão” de pensamentos e/ou

idéias objetivando “persuadir” o público leitor à causa universal enfatizando a “boa

vontade e ajuda mútua” entre nações. Afastando neste sentido, a velha idéia de “Colosso

do Norte” difundida pelo eixo, na América Latina principalmente.

Como objetiva também, através da difusão de livros “influenciar”, selecionando “o que

deve ser lido”, em função da importância do livro como sendo o meio mais eficaz e de

“longo prazo”, segundo as formulações do “Basic Plan”. Sendo assim, as Seleções RD,

atende as “metas” e “prioridades” formuladas pelos “policy-makers” de incrementar

uma expansão da indústria cultural “persuadindo” através da boa vontade,

“influenciando” idéias, pensamentos e produtos culturais nos quais imprimem o

“american way of life”, como sendo o estilo “ideal” de vida no continente e no Brasil

particularmente.

213 O título do filme é o mesmo do livro publicado com grande destaque na “seção de livros” das Seleções do Reader’s Digest em julho/1942. Cf. próxima seção p.135

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3.4. As Seleções RD na difusão dos ideais pan-americanistas

Segundo os redatores das Seleções RD: “A Revista anuncia pôr em prática extenso

programa de cooperação com os principais editores do Brasil, para a publicação de

artigos originais de escritores brasileiros sobre assuntos brasileiros. Desse modo,

Seleções do R.D contribuirá para facilitar a um bom número de pessoas, tanto na

América Latina como na América de língua inglesa, uma compreensão mais clara das

correntes de pensamento e dos problemas do mundo atual, concorrendo também para

dar uma demonstração inequívoca da comunhão de idéias e interesses que liga as

nações deste hemisfério”.214

Entretanto, a partir do extenso levantamento realizado entre os vários periódicos da

revista, constatou-se que o “mutual benefits” perdeu para a “unilateralidade”. Como a

ênfase era priorizar a propaganda política e cultural do “american way of life”, segundo

as formulações do “Basic Plan”, o esforço das Seleções RD será o de articular este

objetivo à difusão dos ideais pan-americanistas. Como podemos observar através do

próprio Secretário do Departamento de Estado, Cordell Hull quando evoca os leitores da

“matriz” norte-americana a contribuírem com a nova edição em espanhol do Reader’s

Digest que brevemente seria lançada:

“Prezo em saber que The Reader’s Digest esta planejando uma edição

em língua espanhola e que estão convidando muitos leitores nos

Estados Unidos a cooperar, proporcionando a mais completa

distribuição possível. O livre intercâmbio de idéias entre nações, tanto

quanto entre indivíduos, é a maneira mais amigável para enaltecer e

manter o entendimento. Cidadãos dos Estados Unidos que avaliarem

214 BN-RJ, Seleções Reader’s Digest, sob o código IV-299.1.2, abril de 1942. Seção de Acervo e Periódico.

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esta oportunidade encontrarão uma forma prática de fazer a sua parte

individual na, agora vital causa da unidade pan-americana”. 215

Neste sentido, a estratégia da política cultural adotada possibilita interligar o

“interesse mútuo” entre as repúblicas americanas se distanciando das Kulturpolitic

como ao mesmo tempo não descortina “interesses” mais amplos que estão em jogo.

Entretanto, filtramos um artigo que trata particularmente do Brasil, sendo publicado

logo no primeiro exemplar da “nova” edição das Seleções RD. O artigo foi condensado

do jornal Correio da Manhã e tratava da vitória científica brasileira no combate ao

extermínio do mosquito gambiae. O artigo recebe o título “Como o Brasil Abateu um

Invasor” e foi condensado por Mattoux Miller.

O artigo informava como o governo brasileiro, a partir de 1939, através de decreto

presidencial, atacou e dirigiu esforços no combate ao “anofeles gambiense” através da

criação do Serviço de Malária do Nordeste. Destacando também, o trabalho de

cooperação da Fundação Rockefeller com o governo brasileiro através da contribuição

de mais de 100.000 dólares para as pesquisas no combate ao mosquito.

Este artigo é interessante porque ele atende dois objetivos emergenciais do governo

norte-americano: o de articular os ideais pan-americanistas aos “interesses nacionais”

devido à preocupação do governo norte-americano com sua base militar localizada no

nordeste brasileiro e, ao mesmo tempo, utilizava-se o Brasil como exemplo de vontade

política, devendo ser seguido pelos vizinhos sul-americanos:

“os homens de ciência do Brasil relutam em pretender que a espécie

tenha sido “exterminada” neste hemisfério. Não obstante o êxito da

sua campanha deixou a mais funda impressão entre os cientistas de

todo o mundo, porque o fato se mantém, de que a espécie gambiase

não tornou a ser vista no Brasil desde novembro de 1940. 215 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2. setembro/1940.

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O Brasil tendo reduzido ao nada essa ameaça na saúde e a segurança

do Novo Mundo, deu também às outras nações da América uma “lição

de cousas” que daqui em diante todas as autoridades de saúde pública

terão dificuldades em ignorar”216.

Já o artigo condensado por Webb Waldrom em março de 1942, intitulado “Jovens

“Yankees” nos Lares Sul-Americanos” difundia a boa vontade e o esforço norte-

americano em dissipar das mentes latino-americanas, a idéia do “Colosso do Norte”

pregado pela propaganda nazi- fascis ta:

“estudantes que vivam nos lares, tomem parte nas atividades

familiares, aprendam a língua, as idéias, os costumes do país, e, por

sua vez, pelos seus modos, caráter e comportamento, façam conhecer

a seus anfitriões a verdadeira América”217.

Este artigo presta homenagem a Donald B.Watt, criador e chefe do “Ensaio

Experimental de Convívio entre as Nações”, projeto posto em andamento na América

Latina a partir de 1940, que tinha o objetivo de desenvolver relações de amizade

através de um intercâmbio218 mais efetivo entre estudantes sul-americanos e norte-

americanos. Segue apresentando a trajetória de Donald B.Watt que desde a 1º Guerra

Mundial se dedicava aos trabalhos sociais patrocinados pela Associação Cristã,

prestando socorro aos refugiados e que a partir dos anos trinta, começa sua experiência

enviando grupos de estudantes a França, a Alemanha e a Itália.

Outro artigo de outubro de 1943, com a chamada: “Precisam-se de milhares de

moços capazes de seguir na pegada de um “pioneiro” da boa-vizinhança”, intitulado

216 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299.1.2, fevereiro/1942. 217 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299.1.2, março/1942. 218 No tocante ao intercâmbio de estudantes entre Brasil-EUA no período, Gérson Moura chama a atenção na “assimetria” do mesmo, devido à quantidade de pedidos de vistos de estudantes brasileiros que iam para os EUA em relação aos vistos de entrada de norte-americanos que vinham morar no Brasil. Cf. Moura, Tio Sam chega ao Brasil op.cit. e Autonomia na Dependência Ed. Nova Fronteira, 1984.

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“Precursor da boa vizinhança”, condensado do “Future” por J.P. McEvoy destacava

Cuba, como país promissor para futuros investimentos norte-americanos.

O artigo apresentava a trajetória excepcional de Dayton Hodges, mais um “cidadão

norte-americano”, que graças ao “trabalho” e “determinação”, saiu dos EUA e

conseguiu construir a primeira e a principal usina de algodão em Cuba. No artigo,

Dayton Hodges relatava sua experiência:

“Minha mulher, meus filhos e eu, temos vivido e trabalhado aqui no

campo, entre os cubanos, nossos vizinhos e amigos: acho que

podemos dizer que os conhecemos bem. E se como vizinhos, os temos

ajudado, é mais para que eles se ajudem a si próprios. Não se trata de

filantropia – o benefício é mútuo, para a empresa e para os

empregados. Assim é que eu entendo a política da boa vizinhança. ...

Ao jovem americano que, depois desta guerra, se orientar para o Sul-

não faltarão ocasiões de começar como empregado de alguma filial de

qualquer empresa norte-americana, até ter aprendido a língua e os

costumes do país, e possuir o conhecimento direto das oportunidades

que o novo ambiente lhe oferece”.219

Em abril de 1942, as Seleções do RD concede um espaço cada vez maior a uma dos

objetivos prioritários dos “policy-makers” o de incrementar uma forte propaganda anti-

nazista agilizando neste sentido, informações sobre os últimos resultados “favoráveis”

obtidos pelos aliados na guerra. O artigo condensado da revista Harper’s Magazine

escrito por Edwin Muller, intitulado “Os Últimos Dias do Bismarck” é um dentre os

vários “selecionados” pela revista.

O artigo relatava o sucesso obtido pela marinha inglesa no confronto com a marinha

alemã, através do episódio do afundamento do encouraçado Bismarck, um dos maiores

símbolos do orgulho alemão, em 22 de maio de 1941.

219 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299 1.3., outubro/1943.

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No periódico de julho de 1942, a “seção de livro” seleciona a publicação do

condensado do livro “Educando para a Morte!”, de Gregor Ziemer220. As Seleções RD

dá grande destaque ao livro devido à experiência in loco do autor, que durante 10 anos

ocupou o cargo de presidente da Escola da Colônia Americana em Berlim.

No resumo descrevia-se o sistema educacional germânico através dos métodos

empregados pelos nazistas e como este sistema criava meninos e meninas a morrerem

pelo nazismo. É interessante notar o forte conteúdo anti-nazista em contraposição ao

sistema educacional democrático norte-americano como podemos observar através de

algumas passagens do texto:

“... A educação americana foi sempre uma educação para a vida.

Insistimos sempre, e sempre trabalhamos, na base duma vasta cultura

geral, mesmo para aqueles que vão especializar-se em artes e ofícios,

por crermos que o conhecimento de muitas cousas torna mais grata a

existência. Os nossos métodos educativos estão sendo agora

severamente postos à prova: a mocidade hitlerista berra que o nosso

sistema está em decadência, aponta desdenhosamente a nossa falta de

entusiasmo, de disciplina e seriedade; diz ela que nós não sabemos

ensinar a devoção a uma cousa. (..) Se nos dispusermos a combater a

mentalidade da juventude hitleriana com a nossa própria mentalidade

democrática, esta terá que se transfigurar em um espírito

rejuvenescido, tão ardente na sua concentração como é o caso do

nazismo nas escolas da Alemanha. (...) A nossa palavra de ordem não

é “ Eu quero morrer por Hitler! (bradava um rapazinho alemão,

moribundo) mas “Eu quero viver pela América..”

220O resumo do livro traz na capa a seguinte chamada: “Esta bem claramente demonstrada na maneira como as crianças alemãs são educadas para a morte e para a destruição. Nesta obra, vê-se exposto, em todo o seu horror e em toda a sua crueldade, o sistema de perversão de que os nazis se têm servido, desde sua subida ao poder, para degradar propositadamente os espíritos e a moral da nova geração alemã. Observado o tratamento que Hitler dá a juventude, percebemos, melhor que de qualquer outro modo, todo o aspecto vil e repugnante do nazismo”. BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299 1.03, julho/1942.

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Outro livro “Behind the Steel Wall”, condensado por Arvid Fredbarg, ex-

correspondente sueco em Berlim, é publicado na “seção de livros” em maio de 1944221.

O condensado tratava da história do jornalista sueco que tinha permanecido em Berlim e

regressado há poucos meses ao seu país e relatava a intolerável impertinência com que

as autoridades do Reich, constantemente interferiam nas suas atividades jornalísticas. O

livro tem grande destaque na seção, como sendo a primeira reportagem a chegar aos

EUA com os últimos acontecimentos da crise ascendente na Alemanha, após a retirada

dos representantes da imprensa norte-americana, em dezembro de 1941.

Artigos qualificados como de “interessante universal” também evidenciam uma forte

propaganda anti- fascista como “Os Gangsters” Patrióticos do Japão” condensado do

periódico Events: A Monthly Review of World Affairs por Dennis McEroy, o qual

relata como o liberalismo no Japão foi reprimido pelos terroristas e “Os Entorpecentes –

Nova Arma do Japão”, condensado de “Commentator” por Carl Crow, informava:

“como o exército japonês estava corrompendo uma nação,

procurando, a um tempo, facilitar a conquista da mesma, e ganhar

dinheiro com o comércio do ópio”. 222

Nas últimas vinte páginas da revista que “estrategicamente” estão sempre reservadas

a “propaganda” dos produtos culturais norte-americanos, os ideais pan-americanistas

são amplamente encontrados através de slogans bem sugestivos como: As Américas

Unidas Vencerão, propaganda de televisão da Philco, O Patrimônio do Novo Mundo, da

Westinghouse, José Martí – símbolo de determinação latino-americana, slogan da

Bausch & Lomb; Tratores Ociosos não ganham Guerras, dos pneus Diesel, Ponha sua

fé no futuro das Américas, da Kodak .

221 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código IV-299 1.3, maio/1944. 222 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2., maio/1942.

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Resumos de livros que tratam de temas da história política norte-americana também

são “selecionados” pelos redatores, como o “The man who killed Lincoln” condensado

por Philip van Doren Stern publicado pelas Seleções RD em janeiro de 1943:

“Nas páginas que vão ler, baseadas em pesquisas meticulosas e

profundas, expõe-se o caso de John Wilkes Booth e a parte que ele

tomou num dos episódios mais trágicos da história americana.”223

No mesmo periódico, outro condensado de livro abordando propaganda favorável ao

liberalismo político contra a “quinta-coluna” e com forte apelo comercial: “Sabotagem!

A Guerra Secreta contra a América” de Michael Sayers e Albert E.Kahn:

“ Sabotagem! não é apenas história: fará história também, disse Carl

van Doren, autor da monumental “História Secreta da Revolução

Americana”. A maioria das pessoas nem sequer sonham o que se tem

passado, e continuará a passar-se subterraneamente nos EUA, se a

nação inteira não for a tal respeito esclarecida.

Os autores, aliás, já tinham produzido alguns trabalhos em que, juntos,

denunciavam as manobras de ocultos inimigos. Albert E.Kahn é

diretor de “The Hour”, boletim de notícias confidenciais publicado

para uso de jornalistas e comentaristas de rádio, que conquistou

merecida reputação na América, mercê dos seus “furos” sobre as

manobras do Eixo nos EUA. Antes da guerra, Michael Sayers estudou

pessoalmente o trabalho dos quinta-colunistas na Europa, e foi o 1º a

desmascarar com minúcia as intrigas fascistas na França, Inglaterra e

Irlanda, através de publicações de larga tiragem nos EUA”.224

E o artigo “A Força de Stálin na América” resumido do The American Mercury por

Max Eastman, ex-professor de Filosofia da Universidade de Colúmbia enfatiza

claramente uma forte propaganda anti-comunista:

223 BN-RJ, idem, janeiro/1943. 224 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1. 2, janeiro/1943.

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“o artigo esclarece a insidiosa técnica pela qual os comunistas estão

ilaqueando a boa fé a milhões de leais americanos, e estabelecendo

controle oculto do Soviet sobre organizações supostamente

humanitárias. Sobre o autor Max Eastman entre 1913 e 1922 os

semanários comunistas The Masses e The Liberator, e passou os 5

anos seguintes no estrangeiro, estudando de perto os reflexos da

revolução russa. Voltou totalmente desiludido com o socialismo em

ação, e seus livros sobre o assunto foram qualificados por Edmund

Wilson “os mais profundos e o melhor informados entre os de língua

inglesa”225:

Artigos tratando especificamente de temas políticos, como o de Walter Lippmann, um

dos escritores políticos de maior projeção, publicado em novembro de 1943, “A Política

Externa dos Estados Unidos”, evidenciava um forte conteúdo liberal- internacionalista;

bem como “Roosevelt, o Homem e o Político” resumo do livro do biógrafo e conhecido

escritor da história política americana, Gerald W. Johnson publicado pelas Seleções RD

em maio de 1942 e “MacArthur, Herói de Bataan” condensado do “The Philadelphia

Record” por Tom Wolf, publicado no mesmo periódico.

3.6 A Recepção das Seleções RD entre os Formadores de Opinião no

Brasil

No Brasil, a primeira edição em espanhol Selecciones Del Reader’s Digest foi tão

surpreendente que a demanda por uma edição em português logo se fez necessário. O

primeiro número da “Seleções RD” alcançou 100.000 cópias sendo que a partir do

terceiro número, em maio de 1942, o sucesso da revista era amplamente anunciado na

contra-capa:

225 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2, fevereiro/1942.

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“Por todo o país encontrou Seleções o mais lisonjeiro acolhimento,

desde o Pará, Bahia ao Rio Grande do Sul. Todos os exemplares do 1º

número estavam vendidos em muitas cidades, ao cabo de uma semana

– freqüentemente, dentro de 2 ou 3 dias. Os 100.000 exemplares da 1º

edição esgotaram rapidamente, e os agentes telegrafaram a pedir com

urgência novas remessas. Como resultado de tão cordial recepção que

excedeu todas as expectativas, a distribuição das Seleções no Brasil

será ampliada para 150.000 exemplares, os brasileiros compraram, só

por si, mais exemplares do primeiro número de Seleções, do que toda

a América espanhola do primeiro número de Selecciones”226.

A ampla aceitação das Seleções RD por uma elite intelectual emergente, bem como

por alguns intelectuais que faziam parte do projeto político do Estado Novo e pelo

Departamento de Imprensa e Propaganda, era o melhor passaporte de entrada e de

credibilidade que as Seleções RD poderia ter. Logo no seu primeiro exemplar

publicado em português, o sucesso e a ampla receptividade da revista é enfatizado por

personalidades importantes da sociedade e da política, ou melhor, os “formadores de

opinião”. Este grupo é apontado pelos “policy-makers” nas formulações da estratégia do

“Basic Plan” como podemos observar através das considerações de Robert Caldwell:

“... os grupos formadores de opinião mais importantes são bem

menores na América Latina do que nos EUA ... este grupo

relativamente pequeno de pessoas controlam a opinião pública na

América Latina.”227

Neste sentido, podemos considerar que o sucesso alcançado no Brasil pelas Seleções

RD em relação aos demais países sul-americanos teve como um dos condicionantes a

anuência dos “formadores de opinião” no Brasil. Assim através da seção intitulada,

Aplausos Representativos, importantes personalidades brasileiras desfilavam nas contra-

226BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, sob o código, maio/1942. 227CPDOC-FGV,Meeting of the Policy Committee of the Cultural Relations Division: IAA:40/01/15. VerAnexo 1.

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capas endossando a importância da entrada das Seleções RD no Brasil e alguns

esboçavam até mesmo uma certa euforia pela publicação em português. Como Almir de

Andrade um dos principais “formuladores” do projeto nacional brasileiro:

“Esta de parabéns o público brasileiro pela tradução em nosso

idioma do “Reader’s Digest”, cujo excelente plano de informações

culturais virá prestar enorme serviço ao público brasileiro pondo ao

alcance da grande massa de leitores uma publicação de mérito já

firmados”. 228

Para o Reitor da Universidade de São Paulo, Dr. Jorge Americano, a publicação do

primeiro número da “RD”, em português, é recebida calorosamente e, em poucas

palavras, o presidente dos Diários Associados, Assis Chateubriand reitera a importância

do Reader’s Digest:

“Na América, a existência de 3 idiomas dificulta a difusão do

pensamento continental. O Reader’s Digest, editado em 3 línguas, é

um veículo de pensamento acessível a todos os povos americanos.

Devemos- lhe este grande serviço.”

“Pode-se aferir das linhas de humanidade do indivíduo pela sua ânsia

em assimilar o “RD”. 229

Já para Eduardo Espínola, Ministro do Supremo Tribunal Federal a recepção é

aplaudida:

“Habituei-me a ler” Selecciones del Reader’s Digest o que faço

sempre e com muito prazer e proveito. Acredito, entretanto, que uma

edição em língua portuguesa aproveitaria a muitíssimos brasileiros e

seria um grande sucesso”230.

228 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest código IV-299 1.2, fevereiro/1942. 229 Idem, idem, idem 230 ibidem, idem.

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Uma recepção entusiasta é observada nas considerações de Levi Carneiro, Presidente

da Academia Brasileira de Letras:

“Parecia impossível reunir periodicamente num pequeno nº de

páginas o que de mais interessante se publica em centenas ou milhares

de livros e revistas. A“RD” realizou o milagre condensado em cada

edição mensal uma verdadeira biblioteca e oferecendo uma súmula de

empolgante interesse de toda a atividade mental da humanidade nos

variados setores em que se desenvolve. Sua publicação na língua

portuguesa será verdadeiramente um bom serviço prestado à nossa

cultura”.231

A celebração mais marcante vem do próprio DIP, através de Cândido da Motta Filho,

Diretor Geral do DIP de São Paulo e pelo próprio Diretor Geral do DIP, Lourival

Fontes, respectivamente:

“A edição portuguesa da“RD” vem, efetivamente abrir um caminho

novo nas relações tão necessárias entre a cultura americana e a cultura

brasileira. Com ela, com certeza, o sentido da união americana se

fortificará ainda mais porque é pela comunhão espiritual que se

definem os interesses primordiais das nações cultas”.

“É com a mais viva satisfação que escrevo estas palavras, destinadas

ao primeiro nº da nova edição do “Reader’s Digest”. Ninguém pode

deixar de reconhecer que esse empreendimento representa, antes de

mais nada, uma prova do prestígio do nosso idioma, falado atualmente

por quase 80 milhões de pessoas, no Brasil, Portugal, colônias

portuguesas da África, Ásia e centros de imigração lusa dos EUA. A

direção de “RD” fixou essa circunstância, que dá ao nosso idioma

preponderância sobre muitos outros. Os brasileiros recebem com o

mais intenso regozijo esta nova edição de “RD” que muito poderá

contribuir para desenvolver as boas relações entre os EUA e o Brasil,

231 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest código IV-299 1.2, fevereiro/1942.

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cuja a amizade é tão antiga quanto à independência de ambas as

nações e tem sido reforçada, no curso da história, por iniludíveis

demonstrações de solidariedade e afeto. Que esta de “RD” possa ser

mais um elemento de aproximação, pela cultura e pelo espírito, do

povo das duas Nações – a de Washington e a de José Bonifácio”. 232

Jornalistas e escritores de outros jornais como “O Diário” e “A Tarde” de Belo

Horizonte, também forma “selecionados” pelos redatores das Seleções RD e fizeram

parte da seção como Antônio Osmar Gomes e Thomas Bernardino respectivamente:

“Seleções tem conquistado as preferências gerais do público, que, sem

tempo para leituras meditadas e ruminadas, tem fome de

conhecimentos intelectuais e culturais”.

“A revista Seleções do Reader’s Digest é uma publicação moldada no

espírito dinâmico do século. As suas qualidades de órgão informador

dos que não dispõem de muito tempo, alia o seu porte cômodo, que

permite a sua condução na bolsa, para que seja lida no trem, no

cinema enquanto se espera a sessão, ou em grande parte quando se

espera um momento disponível”. 233

3.7 A difusão dos “traços culturais” do american way of life nas Seleções

R D

Para Franz Boas: “Cada cultura é dotada de um “estilo” particular

que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes, também

da arte, mas não apenas dessa maneira. Este “estilo”, este “espírito”

próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos...

o relativismo cultural seria o princípio metodológico e que a partir

desse relativismo, levaria a um princípio ético no qual exalta, o 232 Idem,Idem. 233 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2, outubro/1942.

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respeito e a dignidade de cada cultura na medida em que cada cultura

exprime um modo único de ser do homem, ela tem o direito à estima e

à proteção, se estiver ameaçada”. 234

Já abordamos, no primeiro capítulo do trabalho, como o conceito de “pensar as

diferenças”, originário de Boas, teve nos EUA o seu melhor campo de aceitação e

aprofundamento, para atender as questões políticas, sociais e/ou econômicas que a

nação norte-americana teve ao longo de sua formação. Tal aceitação permitiu a

construção de um modelo “original” de integração nacional.

A presente seção apresenta alguns artigos e/ou condensados de livros publicados

pelas Seleções RD que evidenciam pistas do processo de (re) construção nacional a

partir da difusão de alguns “traços culturais e intelectuais” através da propaganda do

“americanismo” como sendo um “estilo” de vida e comportamento através de idéias

e/ou pensamentos associados a “eficiência”, “fé”, “progresso”, “determinação” e

“caráter empreendedor” nos quais sublinham e representam o “caráter nacional

americano”.

Essas “idéias”, para DeWitt Wallace, possuem um forte “significado”, sobretudo

porque o criador do Reader’s Digest viveu sua adolescência nos últimos momentos da

“América Inocente”, quando a idéia de “fronteira” estava desaparecendo dentro do

próprio país. “Por isso DeWitt Wallace procurava introduzir temas tradicionais norte-

americanos veiculados à “América construída pelo homem comum.” 235

Artigos como o do jornalista norte-americano George Kent que atuava como

correspondentes da United Press na Ásia, intitulado “Um chofer de Táxi na Estrada da

234 Franz Boas. Apud: Cuche,op.cit: 45e46.

235 A expressão “América Inocente” simbolizava a pretensa unidade da cultura protestante de origem anglo-saxã que no início do século, com a imigração, teria acontecido o fim da “América Inocente” e da unidade anglo-saxã, em função da diversidade cultural que passava a tomar corpo nos EUA, implementando transformações na sociedade. Apud: Junqueira,op.cit:.24.

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Birmânia”, difundia os “traços culturais” do “americanismo” utilizando como exemplo,

um certo cidadão norte-americano que atendendo a solicitação do governo vai para

Birmânia com o objetivo de organizar o projeto de tráfego do governo chinês.

O artigo enfatizava que devido à “capacidade” e “rigidez” de “caráter”, o cidadão

tinha conseguido regularizar o tráfego em uma estrada vital para os chineses bem como

conseguiu persuadir funcionários do governo birmanense, a abolirem uma taxa que

custava milhões à China.

O cidadão é Daniel Arnstein, que segundo a chamada do artigo: “é mais um como

tantos outros cidadãos que começam pobres e acabam ricos nos EUA,”236 um ex-chofer

de táxi de Chicago que após cinco anos de intenso trabalho se tornou proprietário de

uma dúzia de carros e que atualmente aos 50 anos, dirige uma frota de 7000 táxis em

N.Y e 8000 caminhões, tornando-se um dos empresários mais bem sucedido no setor de

transporte nos EUA.

Outro artigo de J.D. Ratclif, condensado da revista The Living Age, “Médicos

Americanos no“Front” Inglês”, descreve a trajetória de um grupo de cirurgiões

voluntários norte-americanos que saíram dos EUA desde o término da Primeira Guerra

para trabalhar no hospital de base em Park Prewetl, perto de Londres, para desenvolver

pesquisas científicas através da utilização do gesso no aperfeiçoamento de técnicas de

cirurgias reparadoras da face de soldados feridos em combate. A iniciativa dos

cirurgiões é apresentada no artigo como “missão”, semelhante aos antigos “pioneiros”

que chegaram aos EUA237:

... um grupo de voluntários pioneiros realiza milagres em cirurgias de

guerra ... o grupo sob o comando de um conhecido cirurgião Dr.

236 BN-RJ,.Seleções do Reader’s Digest sob o código IV 299.1.2, fevereiro/1942. 237 Idem, novembro/1942.

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Phillip D.Wilson, chefe do Hospital de Cirurgia Especial de New

York que recrutando mais seis jovens de sua equipe partem para a

Inglaterra, em navio beligerante sem conforto e escolta (semelhante

aos piligrinos) ...

A “fé” um dos temas preferidos pelos fundadores DeWitt e Lila Wallace, haja vista a

própria formação e origem protestante, aparece em alguns periódicos das Seleções RD,

como o artigo “A Prece é Força” do biólogo Aléxis Carrel.

No artigo Aléxis Carrel relatava sua experiência ao constatar que muitos fenômenos

que ocorriam não podiam ser explicados cientificamente, citando como exemplo, a cura

milagrosa de uma ferida cancerosa ser reduzida a uma cicatriz, durante sua estada em

Lurdes238.

Em novembro de 1942, a seção de livros seleciona o romance de guerra “Noites Sem

Lua”, condensado do livro The Moon is Down, de John Steinbeck, no qual destaca que

o romance tinha sido um dos maiores acontecimentos literários nos EUA na primavera

passada e que tinha esgotado em um só mês cerca de meio milhão de exemplares. A

“fé” associada à “liberdade” e ao “individualismo” como sendo valores “universais” são

destaques:

“A obra dá testemunho de uma fé profunda: que um povo livre não

pode ser vencido e subjugado para todo o sempre. Para dar corpo à sua

tese, Steinbeck imaginou a ocupação estrangeira dum pequeno estado

independente. Para dar universalidade ao entrecho, evitou as

designações específicas, muito embora se torne evidente que tinha em

vista os Nazis e a ocupação da Noruega”. 239

O condensado do romance “Hostages”, um dos livros, segundo as Seleções RD, de

maior êxito nos EUA, narrava num tom tenso e brutal a história dos acontecimentos que

238 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest sob o código IV-299 1.2,, fevereiro/1942. 239 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, código IV-299.1.2, novembro/1942.

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se desenrolaram em Praga após o misterioso desaparecimento de certo oficial das tropas

alemãs de ocupação. O livro traduzido por Stefan Heym como “Reféns”, enfatiza a “fé”

ardente com que um povo resistia à opressão estrangeira:

“Não tardei, pois, em me convencer de que as Seleções prestam

indiscutíveis serviços à saúde do espírito, de vez que se trata de uma

verdadeira revista de higiene mental, que renova a fé na bondade e no

destino humano, proporcionando assim inestimável orientação aos

jovens e aos doentes”. 240

Consta que os artigos de “auto-ajuda” relacionados aos problemas do cotidiano do

indivíduo: falta de autoconfiança, desânimo, pessimismo, problemas no relacionamento

conjugal, educação de crianças e/ou temas estritamente veiculados ao universo feminino

como o divórcio e o controle da natalidade, foram constantemente “selecionados” por

Lila Acheson, desde a criação da “matriz” norte-americana 241. Tema presente também

na versão brasileira, quando os redatores selecionam em sua seção, o condensado: “24

Horas de Renda Diária” do livro “How to live on twenty-four hours a day” de Arnold

Bennett no qual tratava o tema da “auto-ajuda” como solução para os problemas do

cotidiano. 242

Na contra-capa as Seleções RD informava que o livro era considerado como um

pequeno clássico da ciência do auto-domínio, oferecendo um antídoto infalível à inércia

mental através de uma técnica da qual resultava num renovado gosto pelas atividades

cotidianas. Em junho de 1943, a seção de livros publica o condensado do livro “On

Being a Real Person” de Harry Emerson Fosdick traduzido como “Em busca do Caráter

Integral”. Na contra-capa as Seleções RD informava as referências do autor:

240 Idem, Idem outubro de 1943. 241 Sendo inclusive apontado pelos pesquisadores da revista, como uma das causas do Reader’s Digest ter sofrido poucos abalos durante a depressão de 1929, o mesmo não ocorrendo com vários editoriais norte-americanos que entraram em colapso durante a crise Cf. Junqueira,op.cit:.26. 242 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest IV-299 1.2, maio/1942.

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“ Tornou-se internacionalmente conhecido como pregador professor e

escritor. Autor de livros traduzidos em numerosas línguas, como The

Meaning of Faith, As I see Religion, Living Under Tension e outros.

Para lidar com a imensa diversidade de problemas pessoais que

reclamam a sua atenção, Fosdick estudou as técnicas psicológicas e

psiquiátricas, e em certos casos socorre-se do parecer de

especialista”243.

A “determinação” e “força de vontade” é a tônica do resumo “O Mundo na ponta dos

dedos”, do livro autobiográfico de Karsten Ohnstad, The World at my fingertips

“Karsten Ohnstad era um jovem ginasiano como tantos outros,

quando, em conseqüência de um insignificante acidente no curso de

uma partida de futebol, começou a perder a vista. Desde então (tem

hoje 29 anos) a cegueira ensinou-o a servir melhor dos outros

sentidos, ele aprendeu e aplicou com brilho a difícil lição. O livro é

uma autobiografia onde o leitor encontrará uma das mais

impressionantes descrições, até hoje escritas; representando muito

mais do que uma narrativa pessoal cheia de interesse: é uma história

de indômita coragem, e um exemplo animador do triunfo da vontade

sobre os obstáculos”. 244

O “imaginário da fronteira” relacionado ao “Oeste” norte-americano é selecionado na

edição em português do Reader’s Digest. Em abril de 1943, a “seção de livros” publica

o condensado “No Life for a Lady” de Agnes Morley Cleancland, contando a trajetória

feliz da vida da escritora que em fins do século XIX, havia mudado com sua família

para o Velho Oeste nos EUA, onde os valores “tradicionais” norte-americanos ainda

permaneciam e não haviam sido corrompidos. As Seleções informava que o livro tinha

243 BN-RJ, Seleções do Reader’s Digest, idem, junho/1943 244 Idem, Idem, dezembro/1942.

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merecido as honras do 1º prêmio no concurso aberto pelos editores em Boston que

depois o lançaram com o título “A vida na América”245.

Em suma, o que foi apresentado ao longo do capítulo, através de alguns artigos e

resumos de livros publicados nos periódicos das Seleções RD, denota a estratégia da

política cultural norte-americana que instrumentaliza as relações culturais como sendo a

“quarta dimensão” da política externa em prol do incremento dos “interesses nacionais”

norte-americanos. Através da difusão de idéias e/ou pensamentos associados como

“democracia”, “progresso”, “determinação”, “fé”, “caráter empreendedor”, “trabalho”,

“individualismo”, “ajuda mútua”, “liberdade”, “patriotismo” etc. que ora são veiculados

estrategicamente aos ideais pan-americanistas ora como produto de propaganda

nacional. Afinal, essas idéias e/ou pensamentos possuem forte “influência” no

imaginário social norte-americano, sobretudo, para a classe média branca americana,

que representa o homem comum como sendo o “tipo” que (re) constrói o país. Sendo

assim, possuem forte clamor nacional porque difundem o “caráter americano” que foi

(re)construído ao longo do tempo, através do imaginário sobre a “fronteira”. Imaginário

que não atuou somente na dinâmica de “americanização” dos traços europeus, mas

sobretudo como uma válvula de segurança para os conflitos sociais a partir das grandes

extensões de terras livres nas quais promoveram e desenvolveram a “especificidade” da

“democracia” norte-americana. Como voltamos mais uma vez a tese de Turner sobre o

significado da fronteira:

“na fronteira, a natureza domina o adventício, fazendo com que o

europeu se obrigue a adotar maneiras e utensílios indígenas. Somente

em um segundo momento, após a adaptação ao novo ambiente e ao

nativo, o colonizador poderia rearticular seu legado anterior,

adequando-o então às novas condições de vida. Os valores europeus 245 Idem, Idem, abril/1943.

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são, nesse processo, transformados. Assim a fronteira é a linha de

mais rápida e efetiva americanização”.246

Sem deixar de considerar que essas idéias e/ou pensamentos associados, moldaram o

próprio sistema educacional nos EUA. Uma vez que o sistema esteve voltado para criar

cidadãos americanos, cidadãos práticos e úteis para o funcionamento da democracia

norte-americana, através de uma educação que valorizava a fé no progresso industrial,

no valor do trabalho e das ciências, para atender o processo de modernização e

industrialização em pleno curso nos EUA, desde o final do século XIX. Sendo a base

e/ou a matriz na qual os imigrantes foram “assimilados”, como podemos observar nas

considerações de Lúcia Lippi de Oliveira:

“Aprender a língua, educar e trabalhar foram estratégias dos novos

imigrantes para se tornarem americanos”. 247

Assim a propaganda de difusão do “american way of life” nas Seleções RD atende

aos “interesses nacionais” formulados pela elite política e intelectual norte-americana

que cooptada pelo Estado afirma: o “excepcionalismo norte-americano”, o self

government, o “politicamente correto”, em relação ao nacionalismo explícito das

Kulturpolitics européias, sobretudo alemã, que estão cada vez mais próximas do

“isolamento geográfico do espaço da fronteira” como instrumento político de

incrementar uma propaganda nacional, fator intrínseco à própria natureza das políticas

culturais, no sentido de reforçar os vínculos de pertencimento e auto- identificação do

indivíduo a nação, não sublinhando conflitos de interesses internos e ao mesmo tempo,

responder as demandas do processo de desenvolvimento e expansão da industria

cultural norte-americana.

246 Turner,op.cit: 29. 247 Oliveira, 2000:176.

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Conclusão

Este trabalho se apoiou em três pontos básicos: em primeiro lugar, inseriu o tema

das “relações culturais internacionais” como objeto de estudo das relações Brasil-EUA

visando contribuir aos estudos das Relações Internacionais Contemporâneas.

Procuramos assim, dimensionar o leque de análise dos especialistas da área no Brasil

que, em grande parte, privilegiam o campo estritamente político, militar e/ou econômico

como sendo os principais pólos de análise das Relações Internacionais e colocando as

relações culturais num plano secundário no processo de formulação da política externa

dos países.

Neste sentido, a busca por uma bibliografia internacional especializada em relações

culturais possibilitou ampliar o leque de análise residindo no primeiro passo para a

compreensão do objeto de estudo.

O que podemos constatar através do caso do OCIAA e do papel das Seleções R D é

que a partir da utilização dos vários mecanismos de difusão cultural (filmes, livros e

revistas) através da ação da sua elite política e cultural instrumentalizada pelo Estado,

permitiram ao OCIAA e as Seleções RD não somente a viabilização como a

concretização dos objetivos políticos, econômicos e até militares. Exatamente pelo fato

das relações culturais englobarem a utilização de vários recursos e diferentes vias de

acesso, através da difusão de idéias que por meio delas impõe produtos e negociam

alianças, as relações culturais internacionais proporcionam uma “dimensão” própria sem

precedentes em relação aos demais campos. Como aponta o especialista na área, Edgar

Telles Ribeiro:

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“Qualquer que seja o cenário internacional, o Estado continua a deter

uma função primordial nesses processos de aproximação

internacional: a de assegurar e facilitar esse fluxo de trocas que os

homens espontaneamente estabeleceram entre si. E, ao faze- lo, cada

vez mais os Estados vêm procurando tirar partido desses canais

naturais de comunicação, para conferir uma dimensão cultural às

relações diplomáticas que mantêm entre si. Assim, quase todos os

países desenvolvidos (ainda que seus objetivos declarados sejam

outros) tiram enorme partido da emergência do fator cultural que

procuram entrosar às diversas vertentes de suas atuações diplomáticas

(...) Valendo-se dessas avenidas espontaneamente abertas pelos

homens, multiplicam suas interligações culturais e, por meio delas,

circulam idéias, impõem produtos e negociam alianças”. 248

Se o fator cultural age como importante instrumento para beneficiar a política externa

de um país “independente” do cenário internacional, então podemos considerar o

OCIAA como sendo um recurso de extrema importância na formulação da política

externa norte-americana neste período. Pelo fato de que não houve espontaneidade em

sua criação, muito pelo contrário, foi fruto de um planejamento cuidadoso do governo

norte-americano e ademais ligado à defesa e segurança nacional, em função da

conjuntura de guerra. Neste sentido, as relações culturais, ou a “quarta dimensão” das

relações internacionais, não foi somente um instrumento a beneficiar os outros campos

da política externa norte-americana, mas agiu como o fator condicional para atingir

interesses mais amplos que estavam em jogo.

Procuramos “filtrar” na pesquisa sobre o OCIAA os documentos mais importantes que

determinaram a importância das relações culturais na formulação da política externa

norte-americana neste período. De maneira a compreender de que “forma”, “como” e

“quais” os mecanismos de difusão cultural priorizados e, principalmente, apresentar

248 Ribeiro,op.cit: 23.

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como a “difusão cultural” foi articulada entre os “policy-maker” nas etapas do processo

de formulação da estratégia de ação do “Basic Plan”.

A análise do “Basic Plan” adquiriu uma dimensão importante constando em várias

seções do trabalho, ora como acréscimo na análise conceitual do “conteúdo” do

“interesse nacional” através da “influência” que certas idéias possuem e como são

“assimiladas” entre os “policy-makers”; ora como “pano de fundo” na análise do

relacionamento entre o OCIAA e o DIP e/ou como “suporte” para interligar a entrada

das Seleções RD, como sendo mais uma “etapa” da estratégia de “ação” da política

cultural norte-americana implementada no período.

O segundo ponto do trabalho contextualizou a criação do OCIAA no período entre-

guerras como uma ação contra a difusão do nacionalismo europeu através da

instrumentalização das relações culturais na defesa e promoção dos “interesses

nacionais” norte-americanos. Para tal nos apropriamos do conceito de nacionalismo de

Anderson e Gellner que nutrem os estudos contemporâneos, como suporte teórico para

analisar sob uma perspectiva histórica o tema do nacionalismo.

Utilizamos o conceito de Anderson como forma de desvincular o fenômeno do

nacionalismo do campo das ideologias e/ou do estritamente ideológico, associado a

fascismo e/ou liberalismo e o de Gellner com relação ao importante papel exercido por

uma certa elite cultural que através de um amplo processo educacional atuando como

mediadora entre o Estado e a sociedade, promoveu uma homogeneização cultural, para

atender as demandas do processo de industrialização e aumentar o poder do Estado.

Igualmente buscamos compreender como o nacionalismo é interpretado na história

intelectual norte-americana, através da análise do pensamento político de Morgenthau,

centrado no “interesse nacional”.

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A partir de um exame crítico da história da política externa norte-americana,

Morgenthau forneceu o suporte para compreender como o “conteúdo” do “interesse

nacional” está presente durante longo período: desde a formação política da nação,

através da “experiência norte-americana”. Sendo uma espécie de guia de ação da

política exterior que se vincula com a própria expansão histórica norte-americana no

continente. Assim, a legitimidade do “conteúdo” do “interesse nacional” se justificou ao

longo do tempo, frente à usurpação de outras nações, principalmente européias, através

da defesa da identidade física, política e cultural da nação norte-americana, a partir dos

três fios condutores associados às idéias veiculadas a “missão”, “experiência única” e o

“isolamento”.

Procuramos apresentar também como essas idéias fazem parte das representações

imaginárias da nação estando presente na literatura nacional, fazendo parte, portanto,

das “tradições” de uma mentalidade coletiva de uma certa elite intelectual. Tais idéias

foram ao longo do tempo, (re)construídas, não aleatoriamente, e apropriadas como

instrumento político objetivando incrementar o vínculo de sentimento e auto-

identificação para obter a continuidade e soberania da nação e como instrumento de

coesão social objetivando não sublinhar conflitos de interesses internos.

O terceiro ponto do trabalho fo i analisar como ocorreu o relacionamento entre o

OCIAA e o DIP no qual procuramos relativizar o potencial explicativo em torno da

idéia universal do “mutual benefits”. O que podemos verificar é que o conceito de

“mutual benefits” defendido por Coombs, em termos “efetivos” no sentido de promover

o desenvolvimento a partir de uma cooperação mais estreita na área cinematográfica no

Brasil, não ocorreu no período.

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Por outro lado, o “caráter universal” que “embasa” os estudos das relações culturais a

partir da idéia de “reconhecimento e autodeterminação de povos e nações”, foi o pano

de fundo do relacionamento entre os dois países. O apoio e a defesa dos ideais e valores

culturais comuns em prol da “nova” civilização americana foram consensuais entre os

intelectuais “selecionados” possuindo forte “influência”, seja para o “formulador” Almir

de Andrade:

“A comunhão universal do futuro terá que apoiar-se num justo

equilíbrio dos nacionalismos –tomando-se o nacionalismo naquele

sentido novo e realista a que nos referimos, isto é, como expressão

político de uma cultura ou de um grupo de culturas irmãs... O

nacionalismo que ressurge é com a renovação política do mundo

moderno, contrapeso natural a essa política de infiltração, é uma

condição insubstituível de liberdade e progresso.” 249

Seja para intelectuais como Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia que atuavam

como “articuladores” e “formadores de opinião” do jornal “A Manhã”:

“Não há tipo de regimes universais: o que há são regimes nacionais.

Desse princípio decorre o direito de autodeterminação segundo o qual

cada povo escolherá livremente a sua forma de governo. Jornal para o

Brasil e jornal para todos, múltiplos e variados são os aspectos da vida

nacional e se consagram também os princípios de solidariedade pan-

americana, pela difusão dos seus valores espirituais e sociais”250.

“Combatendo as ideologias extremistas procurávamos as razões mais

fundas da “democracia” no estilo de vida americano, transformando

numa generosa e humana ideologia a substância socia l do nosso tipo

de civilização. Infensos à violência nazista; contrários à força

niveladora do comunismo; procurando dar um sentido orgânico à

liberdade definidas suas fronteiras com nitidez através da ação

249 Andrade,op.cit:.34-46. 250 BN-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 9/08/1941.

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disciplinadora do Estado forte, imprimamos ao movimento a profunda

originalidade o próprio estilo de vida das nações americanas”.251

Assim para esta “intelectualidade” brasileira que atuava como mediadora entre Estado

e sociedade, o contato mais estreito com os interlocutores do OCIAA foi visto como o

momento oportuno de beneficiar tanto a política interna como externa brasileira, haja

vista a importância do Brasil como um aliado estratégico aos “interesses nacionais”

norte-americanos, como vimos nas concepções de Lourival Fontes e/ou o que melhor

“convém” e “satisfaz” ao desenvolvimento e progresso do país, segundo as

“formulações” de Almir de Andrade. Neste sentido, o relacionamento entre os

interlocutores oficiais dos governos teve como pano de fundo a defesa e promoção

mútua dos “interesses nacionais”.

É neste quadro pela busca na construção de uma consciência nacional mais próxima às

raízes da nacionalidade brasileira é que se explica a absorção de representantes da

vertente verde amarela modernista intelectual brasileira. Entretanto, essas “raízes” da

nacionalidade que se recupera não é aquela que incorporava uma busca mais crítica,

como a corrente de “vanguarda” modernista; mas aquela pela qual a noção de

brasilidade passava pela história tradicional, mitificadora dos heróis e das instituições

nacionais e o culto às autoridades. Assim, a corrente intelectual “verde amarela”

“conservadora” é aquela que mais atende aos interesses do Estado centralizador, no

sentido de “construir” e “reforçar” vínculos de sentimentos e auto- identificação, através

das “tradições” como instrumento de manter a estabilidade social e política para obter a

legitimidade e continuidade do “novo” Estado Nacional, como aponta Cassiano

Ricardo:

251 BN-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 1º/01/1942.

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“Há um Brasil permanente, em cuja tradição teremos que ir buscar,

muitas vezes, o alimento espiritual de que necessitamos para viver a

hora atual. Assim, A Manhã é defensora do Brasil puro e íntegro que

nos vem do passado, com toda a poesia da experiência humana. Mas é

antes de tudo, a hora presente, no seu esplêndido e matinal convite ao

nosso espírito de criação”. 252

Como a corrente “verde-amarela” se apóia na “modernidade” para atender as metas do

projeto nacional brasileiro de desenvolvimento econômico através do incremento de

uma política para o interior. Como podemos observar através da seção “diária”

intitulada “Marcha para o Oeste” de Cassiano Ricardo, do jornal “A Manhã”, inspirada

no “modelo” de desenvolvimento norte-americano:

“Um país novo, mas de intensa capacidade evolutiva, como o Brasil,

não pode deixar de se instruir com as experiências já verificadas em

outros pontos da terra -para aproveitar com os bons exemplos de

umas, e acautelar-se dos desastrosos de outras.

“Marcha para o Oeste”, não é uma simples frase. A civilização de

fachada, que o admirável sociólogo dos “Sertões” condenava não era

certamente, a que convinha aos interesses do Brasil. Torna-se urgente

abandonar o comodismo da cidade e voltar a fase heróica dos

primitivos desbravadores para fortalecer a raça e consolidar a riqueza

do país.. Depois da Guerra de Secessão nos EUA, a primeira

preocupação dos homens de governo foi reformar os métodos de

educação do povo, em bases adequadas à grave situação econômica do

momento histórico. Não era possível pensar em um programa

meramente literário, quando o país atravessava a maior crise

econômica. Preparar portanto a mentalidade da juventude norte-

americana para explorar todas as riquezas que a terra apresentava,

constituía o dever do administrador. País que conta o seu maior

potencial econômico na agricultura e na pecuária, não pode o Brasil

permitir que continue em segundo plano o ensino rural. 252 BN -RJ, o jornal A Manhã, PR SPR-7:9/08/1941.

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A política do Estado Nacional, que é o completo aproveitamento das

energias humanas, não poderia esquecer a massa enorme dos

trabalhadores dos campos, livrando-se dos flagelos da malária, das

verminoses.. E é da renovação substancial que presentemente anima o

Brasil, que estamos recolhendo, esses resultados.. Goiânia a capital do

oeste, situada em pleno sertão, com todo o conforto que a civilização

exige, já representa um orgulho para o espírito de iniciativa de nossa

gente.. É a primeira cidade que o Estado Novo vai inaugurar. Cidade

pioneira que abre ao Brasil a estrada de seu destino.. O Brasil

genuinamente nacional, em 1942, reunirá em Goiânia todos os

elementos de sua cultura na mais confortadora parada de patriotismo e

de confiança”. 253

Por conseguinte, esta modernização prescindia em desenvolver uma educação ligada

ao campo da medicina social que tinha como pressuposto a conexão entre raça e nação,

sendo uma das preocupações da política cultural do governo como constatamos através

do jornal “A Manhã” quando este concede um espaço considerável em suas páginas na

publicação do evento “Semana da Raça”, que teve a participação de várias autoridades

militares, representantes da cúpula do governo e membros da Sociedade Brasileira de

Medicina:

“Já passou a época em que a expressão raça precisava exclusivamente

um conceito étnico. Hoje, raça e nação tendem a confundir-se e aquela

não é apenas, como disse Júlio Dantas, um conjunto de caracteres

antropológicos mas a memória das gerações que se sucedem, se

estratificam, se fixam à terra, na capitalização hereditária dos mesmos

costumes, das mesmas tradições e do mesmo sentimento ancestral

criando, na sua expressão unitária, a consciência de perpetuidade e de

indissolubilidade. Promover e propagar a saúde da raça no Brasil é

desse modo, lutar pela força da nação.. O nosso problema primeiro é

assim um problema de população, mas não de população no sentido

253 BN-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 9/08/1941.

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quantitativo, e sim também, e sobretudo, no sentido, qualitativo, isto é

civilizado, sã e vigorosa.. É certo, nas conferências que serão

realizadas na semana da raça, nas lições que dela resultarão,

encontraremos as bases, seguras dos rumos que nos devemos traçar

para ter um Brasil cada vez mais pujante e forte”.254

Neste aspecto, pode-se entender como o nacionalismo cultural “excludente” alemão

não conseguiu obter êxito no contexto nacional brasileiro, reconhecido como o grupo

estrangeiro mais fechado em torno de sua própria cultura, sendo apontado pelo “A

Manhã”, como um “problema nacional” ligado à desnacionalização:

“A imigração estrangeira que se vinha fazendo desordenadamente,

havia criado sérios problemas no Estado do Rio Grande do Sul, onde-

se fez sentir sua maior afluência, concorrendo assim, na sua infiltração

perniciosa, para o enfraquecimento da alma nacional.”255

Por outro lado, o nacionalismo norte-americano centrado em “pensar as diferenças”

entre norte-americanos e latino-americanos, através de critérios igualitários e

universalizantes a partir do reconhecimento e auto-determinação dos povos latino-

americanos não feria suscetibilidades nacionais ao respeitar os aspectos e valores

“culturais” de cada nação. Atendendo neste caso aos “interesses nacionais” do Estado

Novo.

Assim o DIP através dos amplos mecanismos de difusão que estão sob sua “ação” e

controle se beneficia de uma maior aproximação com os interlocutores do OCIAA no

Brasil no sentido de promover um amplo processo da padronização da língua e dos

“novos” ideais de “nacionalidade” através da difusão de “filmes educativos”. Citamos

como exemplo o filme Alô Amigos, que obteve uma ampla receptividade no Brasil,

254 BN,-RJ, jornal A Manhã código PR SPR 7, 13/01/1942. Os temas propostos eram relacionados à moralização da sociedade e desenvolvimento social: exame pré-nupcial, estudo médico-social do meretrício; educação sexual, luta venérea etc. 255 Idem, idem, 1º/01/1942.

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especialmente no público carioca, sendo apontado inclusive pelos interlocutores do

OCIAA, como um dos melhores êxitos no intercâmbio na área cinematográfica entre

Brasil-EUA.

“Olá Amigos, o primeiro filme sob o contrato, tem sido tão bem

sucedido comercialmente e do ponto de vista da boa-vontade que

todos os 70.000 dólares do governo vai ser sem dúvida recuperado e o

lucro será suficiente para cobrir as garantias de outros filmes”. 256

O filme evidencia não somente a “harmonia e o mútuo interesse” entre as nações

como denota o emprego do conceito “cultura e personalidade”257 na construção dos

“personagens” Zé Carioca e Pato Donald. Assim podemos considerar que a “difusão

cultural” no sentido de “pensar as diferenças” levou necessariamente a uma busca das

raízes culturais que a partir das “tradições” possibilitaram incrementar os vínculos de

pertencimento e auto- identificação do indivíduo a nação não sublinhando conflitos de

interesses internos e ao mesmo tempo reforçar o poder de “ação” do Estado. Na busca

de “pensar as diferenças” culturais de cada nação incrementa-se a própria referencia

cultural e/ou matriz que no caso norte-americano é o “espírito do americanismo” e o do

brasileiro é o “espírito cordial”258.

Neste sentido, a propaganda nacional visa incrementar aspectos da “identidade”

através da difusão dos “traços culturais e intelectuais da personalidade básica” que

256 CPDOC-FGV .IAA Coleção Foreig Office, Relatório Motion Picture Division, 15/02/1943. 257 Esta escola se detém a pesquisar como a cultura é incorporada nos seres humanos e como estes vivem sua cultura, através do estudo de como cada cultura determina um certo estilo de comportamento comum ao conjunto dos indivíduos que dela participam. Para a antropóloga Ruth Benedict cada cultura se caracteriza por um pattern,isto é uma certa configuração e modelo numa totalidade homogênea e coerente. Já Margareth Mead procura orientar suas pesquisas em direção a maneira como um indivíduo recebe sua cultura e as conseqüências que isto provoca na formação de sua personalidade e para Ralph Linton o que varia de uma cultura à outra, é a predominância de um tipo de personalidade que os mesmos grupos partilham no plano de comportamento e da personalidade. In: Cuche,,op.cit:74-84. 258 Cabe ressaltar a influência norte-americana na formação de Gilberto Freire. O intelectual estudou em um colégio batista em Recife, onde se tornou protestante, estudou na Universidade de Baylor, no Texas (1918-20) e na Universidade de Colúmbia, Nova York, sendo orientado pelo próprio Franz Boas. Sem desconsiderar sua influência do historicismo de Dilthey, Simmel e Weber. Apud: Reis,2001:.53

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representa e sublinha o “caráter nacional” de cada nação: o “espírito cordial”259 do

homem brasileiro através do personagem Zé Carioca e o espírito do “americanismo”,

através do significado da “América Inocente” representado pelo “homem comum

americano da classe média”260, caracterizado no personagem Pato Donald. Como

voltamos mais uma vez às concepções de Almir de Andrade com relação ao “espírito

cordial”:

“Esses traços psicológicos favoreceram-no, na colonização do Brasil,

seu caráter vago, indeciso, contemporizador, sem princípios rígidos,

sem normas intransigentes de conduta, se bem que passível de censura

permitiu que ele obtivesse os melhores resultados enquanto

colonizador... Esse patrimônio de tradições não é apenas uma herança

útil: é também um conjunto de “motivos” inspiradores das nossas

ações, que não podemos, nem devemos rejeitar. É a própria alma do

Brasil que aí se contém: É preciso que não nos esqueçamos nunca

desses traços personalíssimos da alma brasileira, encarnado em nossas

tradições.”261

Assim, o nacionalismo adotado é o renovador nas bases do “realismo

contemporâneo”, no sentido da organização do Estado que é a concretização das

necessidades de uma cultura segundo Almir de Andrade:

“ O realismo político, que renasce, procura, todavia, outros

fundamentos para o espírito nacional, se este deve subsistir, precisa

apoiar-se em realizadas, e não em ficções. Uma nação representa, na

comunidade universal, o que representa o indivíduo na comunidade

universal: um núcleo de problemas específicos, uma equação

original”.262

259Com relação ao embate que ocorreu na época, entre as diferentes concepções intelectuais de Sérgio Buarque de Holanda e Cassiano Ricardo acerca da interpretação do “esp írito cordial”, destacamos Wegner, 2000: 53-58. 260 Para conhecer a influência social do imaginário da fronteira nos EUA, Junqueira,op.cit: 53-93 261 Andrade,op.cit:.90 262 Idem, op.cit:27

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E como “modelo” de “ação” os “novos” ideais do “universalismo nacionalista” nos

parâmetros do “realismo” político segundo o pensamento de Morgenthau:

“O nacionalismo de hoje, que é realmente um universalismo

nacionalista, tem somente uma coisa em comum com o nacionalismo

do século XIX: a nação como ponto de referência fundamental para as

ações de lealdades políticas. ...Para o universalismo nacionalista do

fim do século XX a nação é tão somente o ponto de partida de uma

missão universal cuja meta final se expande até os confins do mundo...

Enquanto o nacionalismo queira que cada nação integre um Estado e

nada mais, o universalismo nacionalista do nosso tempo clama por

uma nação e um Estado que tenham o direito de impor seus próprios

modelos de ação sobre as demais nações”263

Em suma, este trabalho procurou compreender como o nacionalismo busca o poder

do Estado e como este se “apropria” do nacionalismo para adquirir maior conseqüência

na construção da nação e na defesa e promoção dos “interesses nacionais”. A

congruência entre Estado e nação se faz necessária para a sua legitimidade, estabilidade

e coesão interna e como elemento aglutinador em prol da causa nacional. E se o

nacionalismo se tornou um fenômeno universal foi porque o Estado-Nação, como forma

de organização política se universalizou bem como, a legitimidade universalmente

atribuída à nação e ao princípio nacional, foram e são categorias “pontuais” nos

discursos de legitimação dos Estados Nacionais.

O fenômeno do nacionalismo é um processo dinâmico que esta sempre em

(re)construção, quer seja nas nações mais jovens e/ou mais antigas, através da “ação” de

uma certa elite intelectual que atua como articuladora e construtora de “projetos

nacionais”. O importante ao nosso ver é tentar compreender como ele é “assimilado”

263 Morgenthau,1948:385.

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internamente para interpretar de que forma ele se justifica e se “dissimula”

principalmente em determinados contextos internacionais, quando o nacionalismo é

“apropriado” para atender interesses “estratégicos” mais amplos.

O que podemos constatar é que a “ação” do OCIAA e o papel das Seleções RD além

de difundir os “ideais” universais do “novo” nacionalismo dentro dos parâmetros do

“realismo” político, fizeram parte também e, sobretudo, das “etapas” do “projeto

imperial” norte-americano. Projeto cuja “meta” é o de estabelecer uma hegemonia

continental utilizando como “método” o poder de persuasão e “influência” de sua

“cultura” e da “atração” de sua filosofia política como instrumento de consolidação de

poder.

Por último, algumas considerações, com relação à opção em fazer um trabalho que

tem como pano de fundo o tema do nacionalismo, sobretudo o norte-americano.

Conforme o trabalho se desenrolava através da pesquisa árdua na Coleção Foreign

Office referente ao OCIAA, que engloba em torno de 1850 folhas de documentos,

somado aos periódicos das Seleções RD e, sobretudo, do jornal “A Manhã”, nos

deparamos com os acontecimentos terríveis dos atentados terroristas que abalaram o

cenário internacional e a resposta norte-americana aos atentados. Neste sentido, nos

preocupamos em redobrar as pesquisas e aprofundar os estudos no sentido de

compreender mais de perto o “outro” devido à própria perplexidade que impera entre os

especialistas em Relações Internacionais através das críticas acirradas ao atual modelo

de condução da política exterior norte-americana.

Assim sendo, o trabalho adquiriu uma dimensão atual, na qual podemos constatar

como o “conteúdo” do “interesse nacional” é o fio condutor da política externa norte-

americana e que se justifica ao longo do tempo e que atualmente através de uma ação

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estritamente “unilateral” tanto no plano político, econômico e militar, será o guia da

política do governo norte-americano.

Por outro lado, consideramos que o ponto de partida para uma melhor compreensão

do “nacionalismo” é tratar como sendo realmente “universal” e que deve estar centrado

através de uma prática “efetiva” na qual prevaleça critérios igualitários de mútuo

reconhecimento e auto-determinação dos povos e nações. Este é o fio condutor das

Relações Culturais Internacionais que tem como objeto de estudo a “cultura” sob o

enfoque “universal de civilização” para buscar um melhor entendimento e compreensão

das Relações Internacionais e que tenha como premissa “básica” e não como retórica de

discurso: a aceitação, o reconhecimento e o respeito das “diversidades” e

“especificidades” “culturais” de cada nação como um valor do direito universal.

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Anexo 1

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Anexo 2

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