a perspectiva pastoral de joao calvino

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JOÃO CALVINO Sua visão pastoral Rev. Gildásio Reis “Calvino é pastor zeloso e incansável no seu esforço em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de toda sorte” Wilson Castro Ferreira Muitos membros em nossas igrejas e principalmente nós pastores, estamos mais acostumados a pensar na figura do “Grande Reformador” como um Teólogo, do que como um pastor de almas ( embora estas duas coisas não sejam excludentes ). É indiscutível a capacidade de João Calvino como estudioso, teólogo, escritor e expositor sério da Escritura; mas há um lado de Calvino muitas vezes esquecido, o qual precisamos resgatar – seu lado pastor. E penso que olhar para a figura de Calvino nessa perspectiva pastoral, pode em muito nos ajudar hoje em nossa caminhada como pastores. Gostaria, portanto, mesmo que de maneira condensada, olhar para Calvino nesta perspectiva, e refletir como ele desenvolveu seu pastorado nas seguintes áreas: Na pregação, na visitação e no aconselhamento. Ninguém tem dúvida, de que estas três áreas são vitais no ministério pastoral. 1) Calvino como pregador. A pregação das Escrituras na sua totalidade, constituía o alicerce do seu trabalho pastoral. Diz ele que A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão de extrair dela tudo o que eles expõem diante do rebanho1 Sua convicção é de que pela exposição da Palavra de Deus as pessoas são conduzidas à liberdade e à segurança da fé salvadora, e a verdadeira pregação, tem o objetivo de abrir a porta do reino ao ouvinte 2 . Pela pregação, a plenitude da graça de Deus alcança o coração das almas carentes. Em suas pregações, comentários e cartas pessoais dirigidas a amigos 3 , Calvino adverte os fiéis com respeito aos perigos da vida cristã, sobretudo em contato com a oposição de um mundo hostil aos valores do reino de Deus. Como pastor, Calvino também critica severamente seus oponentes teológicos e freqüentemente afirmava que “o verdadeiro pastor tem duas vozes: uma para chamar as ovelhas e outra para espantar os lobos devoradores” 4 . É óbvio que, se entendemos que a pregação da Palavra é a comunicação da graça de Deus ao coração de nossos ouvintes, nós pastores precisamos ser mais zelosos na preparação e na entrega de nossos sermões. Isto porque, não pregamos para mostrar nosso conhecimento bíblico ou capacidades de oratória, mas para que vidas sejam edificadas e transformadas. Por isto, o Pastor Calvino exorta-nos sobre o grande privilégio e responsabilidade na exposição da Palavra, considerando que “a infidelidade ou negligência de um pastor é fatal à igreja”. 5 1 João Calvino, As Pastorais, Comentário em I Tm 4:13, p. 123 2 VALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã. 2004 p. 145 3 Calvino tinha muitos amigos, ebtre eles Viret e Fare, e as cartas escritas a estes dois homens superam em número aquelas dirigidas a qualquer outra pessoa. A Viret escreveu ele mais de 60 cartas e a Farel mais de 90. Através destas cartas é possível conhecer muito o coração pastoral de Calvino. Cf. Ferreira, p. 155 4 Wallace, Op Cit., p. 144 5 João Calvino, As Pastorais,( comentário em I Tm 4:16 ), p. 126 1

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uma perspectiva de joão calvino .

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  • JOO CALVINO Sua viso pastoral

    Rev. Gildsio Reis

    Calvino pastor zeloso e incansvel no seu esforo em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de toda sorte Wilson Castro Ferreira

    Muitos membros em nossas igrejas e principalmente ns pastores, estamos mais acostumados a pensar na figura do Grande Reformador como um Telogo, do que como um pastor de almas ( embora estas duas coisas no sejam excludentes ). indiscutvel a capacidade de Joo Calvino como estudioso, telogo, escritor e expositor srio da Escritura; mas h um lado de Calvino muitas vezes esquecido, o qual precisamos resgatar seu lado pastor. E penso que olhar para a figura de Calvino nessa perspectiva pastoral, pode em muito nos ajudar hoje em nossa caminhada como pastores. Gostaria, portanto, mesmo que de maneira condensada, olhar para Calvino nesta perspectiva, e refletir como ele desenvolveu seu pastorado nas seguintes reas: Na pregao, na visitao e no aconselhamento. Ningum tem dvida, de que estas trs reas so vitais no ministrio pastoral.

    1) Calvino como pregador. A pregao das Escrituras na sua totalidade, constitua o alicerce do seu trabalho pastoral. Diz ele que A Escritura a fonte de toda a sabedoria, e os pastores tero de extrair dela tudo o que eles expem diante do rebanho1 Sua convico de que pela exposio da Palavra de Deus as pessoas so conduzidas liberdade e segurana da f salvadora, e a verdadeira pregao, tem o objetivo de abrir a porta do reino ao ouvinte2. Pela pregao, a plenitude da graa de Deus alcana o corao das almas carentes.

    Em suas pregaes, comentrios e cartas pessoais dirigidas a amigos3, Calvino adverte os fiis com respeito aos perigos da vida crist, sobretudo em contato com a oposio de um mundo hostil aos valores do reino de Deus. Como pastor, Calvino tambm critica severamente seus oponentes teolgicos e freqentemente afirmava que o verdadeiro pastor tem duas vozes: uma para chamar as ovelhas e outra para espantar os lobos devoradores4. bvio que, se entendemos que a pregao da Palavra a comunicao da graa de Deus ao corao de nossos ouvintes, ns pastores precisamos ser mais zelosos na preparao e na entrega de nossos sermes. Isto porque, no pregamos para mostrar nosso conhecimento bblico ou capacidades de oratria, mas para que vidas sejam edificadas e transformadas. Por isto, o Pastor Calvino exorta-nos sobre o grande privilgio e responsabilidade na exposio da Palavra, considerando que a infidelidade ou negligncia de um pastor fatal igreja.5

    1 Joo Calvino, As Pastorais, Comentrio em I Tm 4:13, p. 123 2 VALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. So Paulo, SP: Editora Cultura Crist. 2004 p. 145 3 Calvino tinha muitos amigos, ebtre eles Viret e Fare, e as cartas escritas a estes dois homens superam em nmero aquelas dirigidas a qualquer outra pessoa. A Viret escreveu ele mais de 60 cartas e a Farel mais de 90. Atravs destas cartas possvel conhecer muito o corao pastoral de Calvino. Cf. Ferreira, p. 155 4 Wallace, Op Cit., p. 144 5 Joo Calvino, As Pastorais,( comentrio em I Tm 4:16 ), p. 126

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  • Seguir o exemplo de Calvino na pregao, pregar com o propsito de produzir pessoas que reflitam a medida de maturidade de que falou o escritor de Hebreus: Mas o alimento slido para os adultos, para aqueles que, pela prtica, tm suas faculdades exercitadas para discernir no somente o bem, mas tambm o mal Hb 5.14 Infelizmente, a pregao em nossos dias, parece ter esquecido estas verdades. Algumas pregaes hodiernas contm mais entretenimento do que ensino. Na verdade, muitos pregadores consideram o ensino doutrinrio (pregao expositiva) como algo indesejvel e sem utilidade prtica, preferindo um sermo repleto de histrias engraadas, revelando muito pouco do corao de Deus. No o tipo de pregao que as Escrituras exigem de ns. Temos de pregar a Palavra (2 Tm 4.2); falar o que convm s doutrina (Tt 2.1). preciso resgatar a viso do pastorado de Calvino quanto a pregao, e este o nosso grande desafio, numa poca de superficialidades e entretenimento.

    2) Calvino como visitador. Expondo a idia de Calvino quanto visitao, Wallace diz que se o pastor tiver uma real preocupao pastoral para com aqueles para quem ele est pregando, ir procurar no falhar em visit-los em seus lares6. explcita esta idia em Calvino, quando ao comentar Atos 20:20, diz que Paulo estabeleceu um modelo para o ministrio da Palavra quando falava sobre como ele no cessava de admoestar tanto publicamente quanto de casa em casa.7 O que quer que os outros pensem, no consideramos nosso cargo como algo dentro de limites to estreitos como se, quando o sermo estiver terminado, pudssemos descansar como se nossa tarefa tivesse terminada. Aqueles cujo sangue ser requerido de ns se os perdermos por causa de nossa preguia, devem ser cuidados muito mais de perto e de modo mais vigilante8 Infelizmente essa prtica vem aos poucos sendo esquecida, e mesmo aquelas igrejas que ainda valorizam a visitao, nem sempre a faz de maneira eficaz e com o propsito bblico. Isto porque a visita para muitos, limita-se a uma conversa informal sobre muitos assuntos, acompanhada de uma xcara de caf e bolinhos9. Contudo, h vrios termos na Bblia que mostram que a visitao pastoral para encorajar os desanimados ( I Tes 5:11,14;), fortalecer os fracos ( Gl 6:1 ), repreender os desatentos ( 2 Tm 3:16,17 0, instruir na s doutrina (2 Tm 4.2), etc... Calvino tinha uma viso clara da finalidade da visita por parte dos pastores e presbteros. Para ele, a pregao pblica deve ser suplementada com visitas pastorais: No suficiente que, do plpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele no acrescenta instruo particular de acordo com a necessidade e com as circunstncias especficas de cada caso10

    fato que o grande reformador, desenvolveu seu pastorado dispensando grande cuidado

    6 VALLACE, Op Cit., p. 147 7 CALVIN, John. Calvins Commentaries The Acts Of The Apostles. Vol. II. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishins Company. 1973 p. 175 8 Wallace, Op Cit., p. 147 9 SITTEMA, John. Corao de Pastor Resgatando a Responsabilidade Pastoral do Presbtero. So Paulo, SP: Ed. Cultura Crist. 2004 p. 198 10 CALVIN, John. Calvins Commentaries The Epistles Of Paul The Apostle To The Romans And To The Thessalonians. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishins Company. p. 345 ( Ao camentar I Tessalonissenses 2:11, Calvino insiste em que o pastor precisa ser um pai para cada pessoa.

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  • visitao dos enfermos11, e Ronald Wallace nos lembra que Calvino prescreveu em suas Ordenanas Eclesisticas, que ningum deveria permanecer trs dias inteiros confinado sua cama sem cuidar para que o ministro seja notificado e...quando qualquer pessoa desejar que o ministro v sua casa, deve cuidar de cham-lo numa hora conveniente para a visita.12 Talvez algum possa pensar que Calvino tinha tempo de sobra e s por isso ele conseguia fazer as visitas. No bem assim. Observe como Halsema fala sobre a agenda diria do Reformador:

    Calvino trabalhava de uma maneira que teria esgotado qualquer homem com sade. Estava em p e ocupado s cinco da manh. Se doente, ele estava na cama e ocupado, com livros espalhados sobre a colcha. Aos domingos ele pregava duas ou trs vezes em Saint Pierre. Em semanas alternadas, pregava sermes na segunda, quarta e sexta-feira. Semanalmente, fazia conferncias pblicas na tera, quinta e sbado. Nas quintas-feiras ele tambm presidia a reunio do conselho da igreja, na qual todos os ministros e presbteros se reuniam para estudar as Escrituras. Calvino assumia sua parcela de responsabilidades nas visitas aos doentes e prisioneiros. Visitava as famlias da sua parquia com regularidade, como tivera estabelecido nas Ordens. Esses eram os deveres normais.13

    No tenho dvidas de que o domingo um dia essencial para a realizao do servio pastoral, mas Calvino adverte: no consideramos nosso cargo como algo dentro de limites to estreitos como se, quando o sermo estiver terminado, pudssemos descansar como se nossa tarefa tivesse terminada14 Lamentavelmente, existem pastores que pensam e agem desta maneira. Ricardo Agreste citando Eugene Peterson, deixa muito clara a idia de que o pastor no deve limitar seu pastorado apenas aos domingos. Diz ele:

    Assim, como muitos outros pastores, deparo-me com a realidade de que, apesar do Domingo ser um dia essencial no servio pastoral, muito deste ministrio precisa ser feito em meio ao caos de Segunda a Sbado ....Nossas igrejas esto necessitando de pastores que conduzam suas ovelhas atravs de suas limitaes e crises, com amor e pacincia na direo da maturidade em Cristo Jesus. Nossas comunidades precisam de guias que, atravs da orao e da Palavra, ajudem as pessoas a caminharem atravs de suas crises e a viverem em meio ao caos.15

    Mesmo sendo um pastor muito ocupado, Calvino encontrava tempo para a visitao. Mesmo porque, visitar as ovelhas no era uma questo de ter ou no tempo, mas uma questo de viso pastoral. Visitar fazia parte da sua filosofia ministerial. Mormente, precisamos compreender que, o ministrio de visitao no teve sua importncia apenas nos dias de Calvino. Visitar ainda relevante para o ministrio contemporneo, pois pela visitao, o pastor adquire direta e imediatamente conhecimento dos problemas bsicos e profundos de suas ovelhas, podendo orient-las nas Escrituras; e pela visitao que o pastor tem como aplicar de maneira mais pessoal e direta a Palavra de Deus; bem como, pela visitao, o pastor conhece os outros membros da famlia que porventura no so membros da igreja, tendo assim a oportunidade de falar-lhes de Cristo. 11 LESSA, Vicente Tenudo. Calvino -1509-1564 Sua Vida e a Sua Obra. So Paulo, SP: Casa Editora Presbiteriana. P. 119 12 Wallace. Op Cit., p. 148 13 HALSEMA, Thea B. Van. Joo Calvino Era Assim. So Paulo, SP: ED. Vida Evanglica. 1968. p. 139 14 Wallace, Op Cit., p 147 15 http://www.editorasepal.com.br/sepal/jornal/out_dez2001/pastorear.htm ( capturado em 22/03/04 )

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    http://www.editorasepal.com.br/sepal/jornal/out_dez2001/pastorear.htm

  • 3) Calvino como Conselheiro.

    Calvino tambm no exerccio de seu pastorado, sempre procurou encorajar pessoas sobrecarregadas, que no conseguiam encontrar consolo mediante sua prpria aproximao de Deus, a procurarem seu pastor para aconselhamento particular e pessoal. Nas palavras de Ferreira, Calvino pastor zeloso e incansvel no seu esforo em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de toda sorte 16.

    Conforme registro de um dos seus colegas pastores em Genebra, (...) os que lhe procuram so recebidos com simpatia, gentileza e sensibilidade. Ele os atende e prontamente lhes responde as perguntas, mesmo as mais srias delas. Sua sabedoria demonstrada nas entrevistas particulares tanto quanto nas conversas pblicas onde ele conforta os entristecidos e encoraja os abatidos...17

    Como j dito, Calvino acreditava que o ensino, alm de ser pblico nos cultos, deveria ser acompanhado por orientao pessoal e aplicado s circunstncias especficas da vida de suas ovelhas. Atendia noivos que estavam se preparando para o casamento, pais que traziam seus problemas relacionados aos seus filhos, pessoas com dvidas ou dificuldades doutrinrias, lutas com enfermidades, ouvia confisses de pecados, e a todos ele os recebia e levava o conforto e o encorajamento necessrios18. Penso eu, que a razo pela qual Calvino entendia que o aconselhamento era indispensvel para o trabalho pastoral, que Deus estabeleceu a igreja como seu principal instrumento para cuidar de nossas dores e sofrimentos pessoais. Portanto, na qualidade de conselheiro, o pastor no pode deixar para a psicologia secular o cuidado de suas ovelhas, ao contrrio, deve assumir esta responsabilidade e restaurar pessoas perturbadas, e orientando-as biblicamente conduzi-las vidas plenas e produtivas para a glria de Deus. Concluindo, penso que podemos ter Calvino como um exemplo de pastor, pois o mesmo atende orientao que Pedro dirige ao escrever a ns pastores nos dias atuais: Rogo, pois, aos presbteros que h entre vs, eu, presbtero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glria que h de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que h entre vs, no por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por srdida ganncia, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos de rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescvel coroa da glria (I Pe 5.1-4). Sigamos o exemplo de Calvino. Sejamos pastores, pastores de almas. (Texto primeiramente publicado na Revista PROPOSTA da UPH Quarto Trimestre de 2004 ) Rev. Gildsio Jesus Barbosa dos Reis pastor da Igreja Presbiteriana de Osasco, Mestre em Educao Crist pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper, Mestre em Cincia das Religies pela Universidade Mackenzie. Atua tambm como Professor de Teologia Pastoral no Seminrio Presbiteriano Rev. Jos Manoel da Conceio.

    16 FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: Vida, Influncia e Teologia. Campinas, SP: LPC. 1985. p. 153. 17 Palavras de Nicolas des Gallars registradas por Richardr Staufer em The Humanness of John Calvin (New York: Abingdon Press, 1971) e citadas por Baumann. 18 CALVINO, Joo. As Institutas da Religio Crist. Vol. IV, 3: 6 - So Paulo, SP: Casa Editora Presbiteriana. 1989.

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