a persistência da memória conservadora - interpretação de florestan

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A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA CONSERVADORA Francisco José Araújo* Resumo Faz-se uma resenha do texto A Concretização da Revolução Burguesa no Brasil e, ao mesmo tempo, busca-se verificar a pertinência da análise de Florestan Fernandes como subsídio às análises atuais sobre a realidade brasileira. O texto analisado compõe a obra A Revolução Burguesa no Brasil. Abstract It is made a review of the text A Concretização da Revolução Burguesa no Brasil and, at the same time, it is looked for to verify the pertinence of Florestan Fernandes' analysis as subsidy to the current analyses about the Brazilian reality. The analyzed text composes the work A Revolução Burguesa no Brasil. Introdução Muitos têm sido os esforços de explicar e pensar o Brasil: sua identidade, o caráter nacional, o seu conteúdo cultural, etc. Neste momento em que completamos 500 anos de Brasil, efetiva-se nas diversas áreas do conhecimento e das artes, uma verdadeira multiplicação de trabalhos visando dar conta da nossa realidade, reafirmando uma necessidade constante e imprescindível que temos de refletirmos sobre o Brasil. Sendo assim, compreendemos ser importante trazer para o centro deste debate, a contribuição de Florestan Fernandes, mais especificamente a que ele nos legou através da sua obra "A Revolução Burguesa no Brasil". Este trabalho constitui-se basicamente de uma resenha sobre A Concretização da Revolução Burguesa no Brasil, capítulo V da obra supracitada. A escolha desse capítulo deu-se por se tratar de um enfoque histórico- sociológico que privilegia os momentos de crise e os de superação da crise do poder e da dominação burguesa (tanto sob o capitalismo competitivo como monopolista). Ao mesmo tempo em que vai dando evidência às forças e às lutas dos grupos sociais envolvidos na disputa pelo controle do Estado, busca apresentar uma explicação sobre como o modelo político da dominação burguesa se afirmou enquanto condição necessária ao desenvolvimento econômico. Além de demonstrar a importância das decisões políticas nos processos de implantação de mudanças, mesmo as de ordem econômica. * Bacharel em Ciências Sociais pela UFMA e Mestre em Sociologia pela UNESP.

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resenha do texto A Concretização da Revolução Burguesa no Brasil

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A PERSISTNCIA DA MEMRIA CONSERVADORAFrancisco Jos Arajo*ResumoFaz-se uma resenha do textoA Concretizao da Revoluo Burguesa no Brasile, ao mesmo tempo, busca-se verificar a pertinncia da anlise de Florestan Fernandes como subsdio s anlises atuais sobre a realidade brasileira. O texto analisado compe a obraA Revoluo Burguesa no Brasil.AbstractIt is made a review of the textA Concretizao da Revoluo Burguesa no Brasiland, at the same time, it is looked for to verify the pertinence of Florestan Fernandes' analysis as subsidy to the current analyses about the Brazilian reality. The analyzed text composes the workA Revoluo Burguesa no Brasil.IntroduoMuitos tm sido os esforos de explicar e pensar o Brasil: sua identidade, o carternacional, o seu contedo cultural, etc. Neste momento em que completamos 500 anos de Brasil, efetiva-se nas diversas reas do conhecimento e das artes, uma verdadeira multiplicao de trabalhos visando dar conta da nossa realidade, reafirmando umanecessidade constante e imprescindvel que temos de refletirmos sobre o Brasil.Sendo assim, compreendemos ser importante trazer para o centro deste debate, acontribuio de Florestan Fernandes, mais especificamente a que ele nos legou atravs dasua obra "A Revoluo Burguesa no Brasil".Este trabalho constitui-se basicamente de uma resenha sobre A Concretizao da Revoluo Burguesa no Brasil, captulo V da obra supracitada.A escolha desse captulo deu-se por se tratar de um enfoque histrico-sociolgico queprivilegia os momentos de crise e os de superao da crise do poder e da dominao burguesa (tanto sob o capitalismo competitivo como monopolista). Ao mesmo tempo em que vai dando evidncia s foras e s lutas dos grupos sociais envolvidos na disputa pelo controle do Estado, busca apresentar uma explicao sobre como o modelo poltico da dominao burguesa se afirmou enquanto condio necessria ao desenvolvimento econmico. Alm de demonstrar a importncia das decises polticas nos processos deimplantao de mudanas, mesmo as de ordem econmica.* Bacharel em Cincias Sociais pela UFMA e Mestre em Sociologia pela UNESP.A nossa inteno foi verificar a pertinncia desta anlise como subsdio para as nossas reflexes sobre a situao contempornea do Brasil, tendo em vista as novas questes sociais, polticas e econmicas que emergiram nesta ltima dcada do sculo XX, com a implementao de reformas poltico-administrativas e do modelo de insero no processode globalizao.Lembramos que a nossa proposta no esmiuar o texto em todas as suas partes, masdiscutir os aspectos que consideramos mais pertinentes e que melhor se relacionam com os propsitos do nosso trabalho. Demos, propositadamente, maior importncia s questes que apresentavam mais contedo poltico, a fim de melhor destacar a forma e o carter da dominao e do poder engendrados pela Revoluo Burguesa no Brasil. Por fim, apresentamos nossas consideraes finais, onde buscamos fazer uma sntese do textoestudado e uma confrontao com a situao vigente do Brasil.A Concretizao da Revoluo BurguesaFlorestan Fernandes (FF) inicia este captulo explicitando o conceito de revoluo burguesapor ele trabalhado e aos poucos vai aprofundando sua anlise explicativa, a fim de mostrar o desdobramento da revoluo burguesa no Brasil, suas caractersticas mais essenciais do ponto de vista histrico-sociolgico. Essa anlise, no entanto, se d com nfase nas classes sociais, isto , nos grupos sociais em disputa pelo poder, mostrando que as especificidades da revoluo burguesa no Brasil esto relacionadas, tanto no nvel macro como micro, ao processo de desenvolvimento capitalista. Revelando assim o carter dessa modernizao eseus desdobramentos polticos e sociais.O Conceito de Revoluo BurguesaFF busca assinalar que a revoluo burguesa denota um conjunto de transformaeseconmicas, tecnolgicas, sociais, psicoculturais e polticas, cuja condio de realizao(que s se realizam") encontra-se vinculada ao desenvolvimento capitalista, isto , quando este atinge o "clmax de sua evoluo industrial". Para ele, este fato possui tanto um ponto de partida como um de chegada, mas assinalar cada momento desse uma tarefa difcil.Poder e Dominao Burguesa.Observando que tanto no fim do Imprio como no incio da Repblica s existiam osgermes desse poder e dessa dominao, FF considera uma impropriedade falar em crise do poder oligrquico, j que no se trata de um colapso, mas de uma recomposio (sob a hegemonia oligrquica) da estrutura de poder, que vai configurar, historicamente, o poder e a dominao burguesa, iniciando assim a modernidade no Brasil. Separando deste modo(com um quarto de sculo de atraso) a era senhorial da era burguesa.A caracterizao do desencadeamento dessa era sugerida, pelo autor, como constituda deum tom cinzento e morno, um todo vacilante e por uma frouxido com que o pas se entrega, mesmo com a ausncia de profundas transformaes iniciais em extenso e em profundidade, ao que ele chamou de imprio do poder e da dominao, especificamente nascidos do dinheiro. A utilizao desse recurso de natureza literria (a imagem como forma explicativa) possibilita ao leitor, via descrio, a visualizao de uma obra de arte: um quadro. Nesta obra, o tom cinza revela um ambiente mrbido, sonolento, de baixo entusiasmo, enquanto a temperatura morna vai significar o balanceamento, o meio termo, bem caracterstico das composies e das reestruturaes que iam se efetivando. A frouxido e o todo vacilante conotam a falta de rigor e a impreciso em efetivar a modernizao em toda a sua amplitude e ao mesmo tempo a comodidade por ela se efetivarde forma restrita, dando persistncia s velhas formas que reservavam privilgios."No obstante, essa mesma burguesia como sucedera com a aristocracia na poca daIndependncia foi condicionada pelos requisitos ideais e legais da ordem socialcompetitiva. Ela se define, em face de seus papis econmicos, sociais e polticos, como sefosse a equivalente de uma burguesia revolucionria, democrtica e nacionalista. Prope-se,mesmo, o grandioso modelo francs da Revoluo Burguesa nacional e democrtica. Essasimulao no podia ser desmascarada: a Primeira Repblica preservou as condies quepermitiam, sob o Imprio, a coexistncia de duas Naes, a que se incorporava ordemcivil (a rala minoria, que realmente constitua uma nao de mais iguais), e a que estavadela excluda, de modo parcial ou total (a grande maioria, de quatro quintos ou mais, queconstitua a nao real)". (FERNANDES, 1974:205-206).Tratava-se de uma burguesia dotada de um moderado esprito modernizador, que tendia a limitar a modernizao no mbito empresarial e econmico.E esses limites s eram ultrapassados quando servissem de meio (no como fim) para demonstrar sua civilidade. Portanto no buscava envolver toda a nao, nem to pouco revolucion-la em sua totalidade. como a "Persistncia da Memria", de Salvador Dal: os relgios aparecem como se estivessem se derretendo; assumindo diversas formas, num ajustamento s superfcies das estruturas sobre as quais esto pousados. Se Dal teve tal idia pensando sobre a estrutura do queijo Camembert, para representar a irrelevncia do tempo, FF, por sua vez, concebeu tal cena, refletindo como antigas estruturas de poder se flexionam, no Brasil, para se perpetuarem no poder, tornando quase irrelevante a passagemmodernizadora do tempo. Isso (longe de ser um queijo) tem sido um "osso-duro-de-roer" na vida nacional.FF chama ateno para o fato das diversas burguesias terem efetivado uma situao mais dejustaposio do que de fuso, tanto as que se formaram nas plantaes, como as que se formaram nas cidades. O comrcio ser olcusde encontro e de definio dos seus interesses comuns. FF viu nisso uma debilidade e, dela, o nascimento do poder da burguesia, que imps, desde o incio, que o pacto tcito de dominao de classe se estabelecesse no terreno poltico. Constituindo uma especificidade da burguesia brasileiraem relao s outras burguesias."Ao contrrio de outras burguesias, que forjaram instituies prprias de poderespecificamente social e s usaram o Estado para arranjos mais complicados e especficos, anossa burguesia converge para o Estado e faz sua unificao no plano poltico, antes deconverter a dominao scio-econmica no que Weber entendia como poder polticoindireto. As prprias associaes de classe, acima dos interesses imediatos das categoriaseconmicas envolvidas, visavam a exercer presso e influncia sobre o Estado e, de modomais concreto, orientar e controlar a aplicao do poder poltico estatal, de acordo com seus fins particulares".(FERNANDES, 1974: 204).FF mostra ento que a conseqncia disso a manuteno da base de poder da oligarquia,enquanto aristocracia agrria que encontrou condies para enfrentar a transio, ora se modernizando (quando necessria), ora se irradiando pelo desdobramento das oportunidades que iam surgindo. Isso implica dizer que a burguesia, para conseguir aconcretizao dos seus objetivos, vai recorrer ao padro de dominao forjado pela oligarquia e que, efetivamente, era exercida cobrindo toda a extenso do pas.Para FF esse contexto constitua-se num ponto morto que se objetiva a partir de dentro.Mas a este ponto morto, contrapunha-se um outro vindo de fora para dentro. Sendo quetanto a transio para o sculo XX, como todo o processo de industrializao que se desenvolve at 30, so partes da evoluo interna do capitalismo competitivo, cujo eixo assentava-se no esquema exportao/importao, montados sob a gide da economianeocolonial."A influncia modernizadora externa se ampliara e se aprofundara, mas ela morria dentro dasfronteiras da difuso de valores, tcnicas e instituies instrumentais para a criao de umaeconomia capitalista competitiva satlite. Ir alm representaria um risco: o de acordar ohomem nativo para sonhos de independncia e de revoluo nacional, que entrariam emconflito com a dominao externa. O impulso modernizador, que vinha de fora e erainegavelmente considervel, anulava-se, assim antes de tornar-se um fermentoverdadeiramente revolucionrio, capaz de converter a modernizao econmica na base deum salto histrico de maior vulto". (FERNANDES, 1974: 206-207).Autocracia e Tenses InternasO exposto anteriormente neste captulo indicativo de uma situao onde os interessesburgueses encontram-se em perfeita sintonia, h uma convergncia entre eles, sejam estes internos ou externos. Em conseqncia disso, a dominao burguesa percebida comoelemento essencial para o modelo de crescimento econmico em curso, ao mesmo tempo em que se coadunava com o estilo de vida poltico implementado pelas elites e servia de suporte ao padro existente de estabilidade econmica. Surge a uma associao da dominao burguesa aos procedimentos de natureza autocrtica."(...) a dominao burguesa se associava a procedimentos autocrticos, herdados do passadoou improvisados no presente, e era quase neutra para a formao e a difuso deprocedimentos democrticos alternativos, que deveriam ser institudos (na verdade, elestinham existncia legal ou formal, mas eram socialmente inoperantes)".(FERNANDES, 1974: 207)."Entre as elites das classes dominantes havia um acordo tcito quanto necessidade demanter e de reforar o carter autocrtico da dominao burguesa, ainda que isso parecesseferir a filosofia da livre empresa, as bases legais da ordem e os mecanismos do Estadorepresentativo. Todavia, as concepes liberais e republicanas, apesar de suas inconsistncias e debilidades tornavam essa autocracia social e de fato um arranjo esprio, j que ela entrava em contradio com os valores ideais e com os requisitos formais da ordem existente. As racionalizaes atenuavam as implicaes prticas da contradio (representada por alguns como empecilho para o progresso e entendida pela maioria como um mal necessrio); mas no eliminava nem a existncia nem a germinao do conflitoaxiolgico resultante".(Idem)Esse conflito tinha como local de acontecimento o interior dos setores dominantes e dirigentes,de maneira contundente, para o enfraquecimento da dominao burguesa, sendo que tambm contribua para evitar que ela se concretizasse de uma forma inteiramentemonoltica e invulnervel.Comea assim a se efetivar o aparecimento de uma oposio no interior da ordem e surgindo de cima."Sob o regime escravocrata e senhorial, a aristocracia podia conter (e mesmo impedir) essetipo de oposio, fixando s divergncias toleradas os limites de seus prprios interesseseconmicos, sociais e polticos (convertidos automaticamente em interesses da ordem ouda Nao como um todo). A ecloso do regime de classes quebrou essa possibilidade,pulverizando os interesses das classes dominantes (no s entre categorias da grandeburguesia, ainda convertendo os setores mdios numa fonte de crescente presso divergente.Ao mesmo tempo, ela ampliou o cenrio dos conflitos potenciais, dando viabilidade emergncia de uma oposio de baixo para cima, difcil de controlar e fcil de converter-seem oposio contra a ordem". (FERNANDES, 1974: 208).Essas transformaes surgiram como de surpresa para as elites dos setores dominantes, queno se encontravam preparadas para enfrent-las de forma simultnea. Ao proceder rumo a uma soluo, foram tolerantes e tambm geis em se acomodarem s diferenciaes oriundas do pice da sociedade, j que se tratava de uma questo interna, mas foramintolerantes com as diferenciaes surgidas da base. Tomando esse fato como um desafio insuportvel, mobilizou todas as foras de represso visando inviabilizar que setores populares concretizassem, mesmo que dentro da ordem, um espao poltico prprio.FF assinala que, no conjunto, merece destaque o "entrechoque de interesses da mesma natureza ou convergentes e de sucessivas acomodaes", pois nele repousa aconsolidaoconservadorada dominao burguesa no Brasil. O que contribuiu para a oligarquia ter o mrito de estabelecer o padro da dominao burguesa, elegendo a luta de classes e arepresso do proletariado como o eixo da Revoluo Burguesa no Brasil.A partir do estabelecimento do que deveria ser, na prtica, a dominao burguesa, aoligarquia tambm definiu quem era o inimigo comum no presente (assalariados e semiassalariadosda cidade e do campo)."Com essa definio, ela protegia tanto as fontes da acumulao pr-capitalista, quecontinuaram a dinamizar o persistente esquema neocolonial de exportao-importao, quedeu lastro ao crescimento interno do capitalismo competitivo, quanto o modelo deacumulao propriamente capitalista, nascido com a mercantilizao do trabalho e asrelaes de produo capitalista, que possibilitaram a revoluo urbano-comercial e atransio concomitante para o industrialismo, ainda sob a gide do capitalismo competitivo".(FERNANDES, 1974:210-211).Ps TrintaO ps trinta vai se caracterizar por uma nova crise do poder burgus e pela passagem do modelo de capitalismo competitivo para monopolista.A crise do poder burgus apresentou-se de forma trplice, com tendncia a crescer emvolume e a ofuscar a dominao burguesa que, tal como estava posta, ameaava pelo menosa sua forma compsita que tinha se efetivado com a Revoluo de 30 e com o Estado Novo.De um lado, encontrava-se uma presso de fora para dentro e, do outro, dois tipos distintos de presso interna. A dinmica da originada vai possibilitar, pela primeira vez, que a dominao burguesa no pas aparea em toda a sua plenitude.A presso externa (de fora para dentro) era fruto das estruturas e dinamismo do capitalismo monopolista global. Estabelecendo a sua prpria forma de presso."Fortificando-se num crescente avassalador, essa presso ameaou vrios interesseseconmicos internos e ps em causa a prpria base material de poder de certos setores daburguesia brasileira. Essa presso continha um elemento poltico explcito: condiesprecisas de desenvolvimento com segurana, que conferissem garantias econmicas,sociais e polticas ao capital estrangeiro, s suas empresas e ao seu crescimento. Mas talpresso em sua dupla polarizao, no s era compatvel com a idia da continuidade dosistema. Ela parecia engendrar, pelo menos nos chamados crculos conservadoresinfluentes, novas esperanas de acelerao da histria". (FERNANDES, 1974: 216).As presses internas eram compostas de tipos distintos, uma tendo origem no proletariado ea outra decorrente da interveno estatal na economia."Uma, procedente do proletariado e das massas populares, que expunha a burguesia iminncia de aceitar um novo pacto social. Tal ameaa no era propriamente incompatvelcom a revoluo dentro da ordem, que a dominao burguesa devia (e tambm prometera)ao Brasil republicano. No obstante, ela colocou aqueles crculos conservadores influentesem pnico. Outra, procedente das propores assumidas pela interveno direta do Estadona esfera econmica. Essa interveno nasceu e cresceu da prpria continuidade dosistema, nas condies de um capitalismo dependente e subdesenvolvido. Todavia, ela atingiu tal peso relativo, que atemorizou a iniciativa privada interna e externa". (Idem)Essas trs presses, de maneiras diversas, afetavam no s as bases materiais, comotambm a prpria eficcia poltica do poder burgus, o que exigiu dos setores dominantes, das classes altas e mdias, uma aglutinao em prol de uma contra-revoluo defensiva, que por sua vez, efetivou significativas alteraes na forma e nas funes da dominaoburguesa."O processo culminou na conquista de uma nova posio de fora e de barganha, quegarantiu, de um golpe, a continuidade do status quo ante as condies materiais ou polticaspara encetar a penosa fase de modernizao tecnolgica, de acelerao do crescimentoeconmico e de aprofundamento da acumulao capitalista que se inaugurava. A burguesiaganhava, assim, as condies mais vantajosas possveis (em vista da situao interna): 1)para estabelecer uma associao mais ntima com o capitalismo financeiro internacional; 29para reprimir, pela violncia ou intimidao, qualquer ameaa operria ou popular desubverso da ordem (mesmo como uma revoluo democrtico-burguesa); 3) paratransformar o Estado em instrumento exclusivo do poder burgus, tanto no plano econmicoquanto nos planos social e poltico". (p.217)Porm, essa nova vitria no foi capaz de suplantar todas as fraquezas decorrentes de umadominao heterognea e compsita, alm de ainda terem que se acomodar a interesses dos setores arcaicos da burguesia, que desfrutam da capacidade de interferir nos ritmos e nas conseqncias da modernizao controlada de fora, o que no s diminui a eficcia, como os prprios efeitos de demonstrao da nova ordem. Mas o saldo foi por demais positivo."(...) foram favorecidas pelo estilo da transformao poltica: apesar das aparncias, no seconstituiu um grupo reinante homogneo, mas uma composio civil-militar, compreponderncia militar e um ntido objetivo primordial o de consolidar a dominaoburguesa (em nome da defesa do sistema da iniciativa privada e do monoplio do poderpelos setores esclarecidos das classes dominantes). O garante das foras armadas e aliderana dos oficiais-militares se definiram, portanto, mais em termos de autoridade que depoder e, especialmente, de monopolizao do poder poltico, o que realmente permitiu arevitalizao e a subsequente unificao do poder burgus.Esse fato pe-nos diante de uma realidade nova. A crise do poder burgus no se resolveumediante a evoluo interna do capitalismo competitivo. Do mesmo modo, o vigoradquirido pela acelerao do crescimento econmico e, em particular, pela expanso docapitalismo monopolista no se produziu, especificamente, como puro efeito dodesenvolvimento capitalista espontneo. No momento do impasse, a chave das decises saiuda esfera do poltico. A reorganizao do poder do Estado, a concentrao e a militarizaodo poder poltico estatal, bem como a reorientao da poltica econmica sob a gide doEstado foram mola mestra de todo o processo de recuperao e de volta normalidade". (p.219)FF resume o caso brasileiro, ressaltando que a burguesia nacional se moldou sob o capitalismo competitivo, surgido da confluncia da economia de exportao (de origemcolonial e neocolonial) com a expanso do mercado interno e da produo industrial para atender a esse mercado, sendo essas realidades posteriores emancipao poltica e condicionadoras da nossa revoluo urbano-comercial. Mas a maturidade e a plenitude do poder da burguesia s se efetivaram com o advento do capitalismo monopolista. Tendo como conseqncia a intensificao e apurao do carter autocrtico e opressivo da dominao burguesa. Esse processo ter continuidade, mesmo que seja capaz de encontrar formas eficientes de dissimulao. "No s porque ainda no existe outra fora social, politicamente organizada, capaz de limit-la ou de det-la. Mas, tambm, porque ela no tem como conciliar o modelo neo-imperialista de desenvolvimento capitalista, que se impsde fora para dentro, com os velhos ideais de Revoluo Burguesa nacional-democrtica".Consideraes FinaisCabe lembrar que FF, nesse exerccio interpretativo, no despreza o particular nem o geral,mas os traz interligados por uma dinmica. O particular configurado no capitalismo dependente e perifrico e, o geral, no capitalismo global e central.Merece tambm destaque a forma enftica e brilhante como demonstrado o carter conservador da nossa modernizao e como a burguesia nacional, dotada de moderado esprito modernizador e de prticas autocrticas, tendia a restringir a modernizao ao mbito dos interesses econmicos e empresariais. Ao mesmo tempo em que garantia, aos setores mais conservadores e reacionrios da sociedade, a sua base de poder, forjando um espao poltico restrito, cuja participao voltava-se aos contemplados pela insero na estrutura de poder e de dominao burguesa. Restando aos demais grupos sociais, a grande maioria da populao brasileira, uma participao restrita. Onde qualquer tentativa desses setores, de concretizar um espao poltico prprio, mesmo dentro da ordem, teve como consequncia, forte represso, por serem entendidas, pelas elites no poder, como ameaa continuidade do sistema, ordem e ao desenvolvimento.Portanto, diante das atuais mudanas que se processam no Brasil, o pensamento sociolgicode FF, nos parece apropriado para melhor decifrarmos o rito e as formas como elas vo se dando (as alianas polticas, o papel do Estado, etc) sob a gide da nova ordem mundial (foras de determinao externas). J que, assim como em momentos anteriores da nossa histria, tm um elemento poltico explcito e bastante semelhante, ao apontado por FF neste texto:"(...) condies precisas de desenvolvimento com segurana, que conferissemgarantias econmicas, sociais e polticas ao capital estrangeiro, s suas empresas e ao seucrescimento".Hoje, com o modelo de estabilizao econmica que vigora no pas, a preocupao maiordo governo tem sido de demonstrar garantias ao capital estrangeiro, ao investidorestrangeiro, j que todo o seu esforo tem se concentrado em atrair o capital financeiro eespeculativo com altas taxas de juro. Assim como faz as privatizaes, a fim de oferecergarantias de crescimento s empresas estrangeiras. Alm disso, mantm os salrios baixos,reduz os direitos sociais dos trabalhadores e os encargos trabalhistas dos empregadores. Epara obter mais credibilidade dos "investidores" internacionais, tambm se efetivaramreformas constitucionais, dentre elas a reeleio, implantada para diminuir as possibilidadesde um (eventual) desvio poltico que ponha em risco a continuidade da insero ao mundoglobalizado. frente de tudo isso, encontra-se uma composio poltica com as foras que simbolizam apermanncia do modelo conservador do pas (e a persistncia dessa memria). Mantendona representao do Estado e no comando do governo, um intelectual que faz o papel detradutor (sem autonomia) dessa postura poltico-social, nessa atual readaptao ao novocenrio internacional. Ao mesmo tempo em que so preservadas as suas velhas e sempreeficazes bases de poder, mesmo diante da brutal ausncia de um projeto a realizarmosenquanto nao, alm de estarmos perigosamente doando recursos naturais e tecnologias aempresas internacionais, revelando um total desleixo com os setores estratgicos. lgico que a histria no est se repetindo, mas apenas dando curso reorganizao ediversificao do processo de acumulao ampliada do capital, nos nveis local einternacional. Alm do mais, vivemos um momento totalmente diferente politicamente,pois inexistem idias consistentes e convincentes de outro tipo de sociedade, como j noh um contraponto ideolgico que ultrapasse a mera contestao do modelo atual. Aideologia e o iderio (neo) liberal esto deliberadamente passeando soltos, numa forma depensamento nico. Diante disso, as medidas neo-liberais no s se tornaram maiscontundentes, como tambm despreocupadas (fim da assistncia social, aumento dodesemprego, a extino de funes e ocupaes de trabalho, etc.), pois no h o que temer.E nada parece indicar que elas iro ser atenuadas em breve. A globalizao de melhorescondies de vida e de direitos individuais e coletivos tem sido at agora vagas promessasnos pases de capitalismo perifrico e, sem dvida, desnecessria para os que comandam a"nova ordem mundial". O preocupante que nada nos garante que j chegamos ao mximodesse horror econmico, poltico e social. Como afirma Millr Fernandes: "Nada to ruimque no possa piorar".BIBLIOGRAFIAFERNANDES, Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na Amrica Latina.Rio de Janeiro:1972._____ . A Revoluo Burguesa no Brasil, ensaios de Interpretao Sociolgica. Rio deJaneiro: Zahar, 1974.IANNI, Octavio (org.). Florestan Fernandes, Coleo os Grandes Cientistas Sociais, n 58.So Paulo: 1991.