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A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO Por EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR _________________________________________ Tese Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Doutor em Educação Física FEVEREIRO, 2004

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A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO

Por

EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR

_________________________________________

Tese Apresentada ao

Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da

Universidade Gama Filho

Como Requisito Parcial Obteno do

Ttulo de Doutor em Educao Fsica

FEVEREIRO, 2004

A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO

EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR

Apresenta a Tese

Banca Examinadora

______________________________________

Prof. Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO

- Orientador -

_______________________________________

Profa. Dra. SARA NIGRI GOLDMAN

______________________________________

Prof. Dr. SERAFIM FORTES PAZ

______________________________________

Profa. Dr. LUDMILA MOURO

______________________________________

Prof. Dr. HELDER GUERRA DE RESENDE

FEVEREIRO, 2004.

Dedico esse trabalho aos meus pais,

Edmundo e Maria, que lamentavelmente no esto

mais conosco; a minha grande companheira e esposa

Dione que soube suportar, criticar e motivar nas

horas necessrias; a meus filhos Rafael e Felipe para

que lhes possa servir como exemplo a importncia

de ser perseverante; aos amigos de toda hora, Victor

Andrade de Melo, Carlos Fernando da Cunha Junior,

Waldyr Lins de Castro, Guilherme Ripoll de

Carvalho, a famlia Oliveira, que acreditaram e

incentivaram para que este trabalho tivesse fim.

AGRADECIMENTOS

Aos colegas de trabalho do departamento de educao fsica da UFF.

Aos padrinhos Renato e Marly que sempre me apoiaram e me deram bons conselhos.

Ao Prof. Dr. Hugo Rodolfo Lovisolo que prontamente me aceitou como seu orientando.

Ao Programa de Ps Graduao em Educao Fsica da Universidade Gama Filho em

especial ao Prof Dr. Helder Guerra de Resende.

CAPES por ter investido na minha qualificao profissional.

A Universit Haute-Bretagne de Rennes e a Escola Nacional de Sade Pblica francesa

que to bem me acolheram, em especial Prof. Dr. Yvon Leziart e o Prof. Dr. Alain

Jourdain

Aos meus queridos amigos franco-brasileiros Valmir Oliveira e Franoise Oliveira

Meu muito obrigado ao amigo Jean-Marc Vanhout

Pela nova amizade Claude Martin e Jack Riff

Aos responsveis pelas associaes e projetos investigados, bem como os idosos da :

Universidade do Tempo Livre de Rennes, Associao Rennais dos Aposentados

Esportistas, Universidade da Terceira Idade da UERJ, Idosos em Movimento Mantendo

Autonomia e Posto de Assistncia Mdica So Francisco Xavier.

ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond (2004). A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.

Orientador: Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO

RESUMO No sculo XX, o envelhecimento bem sucedido passou a ser associado ao fato de se estar ativamente participando da vida em sociedade. Autores como Guillemard, Attias-Donfut, Lenoir e Gaullier entre outros, pesquisaram como se imps socialmente um modo de vida, criando-se uma nova idade para as novas geraes que envelhecem. Substituiu-se a conotao negativa do envelhecer por uma nova higiene de vida. Com a supervalorizao do estar ativo, estigmatiza-se a velhice dos que passaram a ser os verdadeiros velhos, que so os inativos, dependentes, um problema social. O tempo livre dos aposentados encontra no lazer e na vida associativa, suas atividades mais importantes, palco de um novo campo frtil para a interveno de profissionais que se utilizam da animao. A prtica de atividades fsicas em associaes e principalmente as ginsticas (tradicionais ou alternativas), so relacionadas como capazes de influir na sade, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, servindo para manter os idosos inseridos socialmente. Atravs de uma pesquisa scio-pedaggica, investigamos duas associaes brasileiras e duas francesas, que ofereciam a atividade ginstica. Foram entrevistados idosos, coordenadores e responsveis pela conduo da atividade em cada associao: Universit du Temps Libre du pays de Rennes (UTL/Rennes), Associacion Rennaise des Retraits Sportifs (ARRS), Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ (UnATI/UERJ e Posto de Assistncia Mdica So Francisco Xavier em parceria com o Projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA). O contedo de trs aulas tambm foi analisado, levando em considerao, as caractersticas de uma pesquisa didtica fundamentada no paradigma ecolgico. Na literatura verificamos que tanto o movimento pela sade como do envelhecimento ativo buscam seguidores com fortes argumentos, que os caracterizam como uma pastoral. O idoso dessa gerao procura fugir de uma vida muitas vezes angustiante, sem sentido e tediosa, participando da vida associativa, resistindo dessa forma ao mau envelhecimento. Reao ao vazio do no trabalho, as atividades de lazer surgem como uma segunda carreira nessa nova idade. Quando analisamos os professores responsveis pelas atividades, verificamos que suas intenes pedaggicas nem sempre coincidem com a prtica realizada e os desejos expressos pelos idosos/alunos. As atividades didticas que foram apresentadas recebem influncia de preconceitos sociais que fragilizam os idosos, aproximando-os a crianas, e isto pode ser observado a partir dos contedos escolhidos e da forma como eles foram trabalhados. Em diversos momentos as aulas so escolarizadas sendo posta em prtica por uma educao fsica instrumental. Finalmente percebeu-se que forte a influncia do movimento pela sade nas atividades fsicas praticadas pelos idosos, mas registrou-se a busca de um suporte terico no grupo PAM/IMMA, que pode ampliar as perspectivas de atuao dos profissionais que atuam com a populao investigada. Palavras Chaves: Idosos; Envelhecimento; Gerao; Educao Fsica; Associativismo;

Animao; Interveno didtico-pedaggica

ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond (2004). THE PASTORAL OF AN ACTIVE

AGING. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Gama Filho University (Graduate Program on Physical Educacion).

ADVISER: Prof. Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO

ABSTRACT

At the twenty century, since the sixties, a successful aging became associated to an active participation at societys life. Researchers as Guillemard, Attias- Donfut, Lenoir e Gaullier, among others, investigated how a new way of life has being socially imposed, creating a new age for those generations that are becoming older. The negative connotation of aging has been replaced from what is identified as a new health life. At the present time there is a hyper valorization of the active way of life, which is a parameter to point the inactive and dependent as the real elderly and consequently as a social problem. Retirees free time, is used mainly in leisure activities and in social affiliation. The search for this area has, consequently, attracted the interest of the social-cultural community developers. Physical activities, more specifically gymnastics (traditional or alternatives), practiced at elderlys associations, are indicated as able to interfere positively on elderlys health, quality of life, well-being and autonomy, keeping them socially integrated. A social-pedagogical research has been conducted in two Brazilians and two Frenchs elderly associations that offer gymnastics to this population. The sample included elderlys, coordinators and teachers in which one of the associations: Universit du Temps Libre du pays de Rennes (UTL/Rennes), Associacion Rennaise des Retraits Sportifs (ARRS), Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ (UnATI/UERJ and Posto de Assistncia Mdica So Francisco Xavier em parceria com o Projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA). The content of three classes has also been analyzed according to a didactic research based on an ecological paradigm. The literature shows that the health and the active aging trends use arguments that characterized, both, as some kind of pastoral. The elderly of this generation has an excessive free time, which is frequently responsible for distress, senseless and tedious life. In this case affiliation becomes some kind of resistance to aging. The elderly, at this new age, assumes leisure as a second carrier and a reaction to the absence of work When we analyzed teachers teaching, we detected they do it in an incongruent way with their speeches. We also detected that elderly whishes are ignored. The didactic conceptions they showed are influenced by social prejudge making the elderly weaker and considering them closer to children, what can be observed by examining the contents and how they are presented. We observed teachers performance in different moments and we identified that the contents have been presented as in an elementary school physical education class. Finally, we perceived a very strong influence of the health trend at the activity frequented by the elderly. We also identified a search for a technical theoretical support at PAM/IMMA group what can be viewed as a possibility to enlarge professional view concerning the dealing with the elderly.

Key words: Elderly; Aging; Generation; Physical education; Affiliation; Didactic-pedagogical intervention.

SUMRIO Pgina VOLUME I LISTA DE QUADROS ...................................................................................................... ix LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... x LISTA DE ANEXOS .......................................................................................................... xi INTRODUO .................................................................................................................. 1 CAPTULOS

I. UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER, O ATIVISMO COMO OPO

16

O envelhecimento e a velhice atravs da histria da humanidade ............... 17

A transio demogrfica no Brasil e na Frana ............................................ 25

Teorizando o envelhecimento ...................................................................... 29

A formao de uma nova gerao de idosos e aposentados ........................ 40

No momento em que o envelhecimento se tornou problema social passou a ser fundamental ter polticas especficas ...................................................... 46

As polticas sociais voltadas para idosos passam famlia e ao indivduo a responsabilidade pelo bom ou mau envelhecimento .................................... 53

O fim das atividades profissionais para aqueles que esto na dcada da aposentadoria- modelizando o envelhecimento .......................................... 67

II. UMA NOVA GERAO DE IDOSOS E APOSENTADOS FRENTE A UM

NOVO TEMPO SOCIAL 79

Algumas reflexes sobre o valor que vem sendo dado ao trabalho ........... 80

Uma nova velhice num tempo considerado livre ......................................... 92

Deixando o trabalho e passando a ser um aposentado ................................. 111

A participao dos idosos e aposentados na vida associativa: uma opo para seu tempo sem trabalho ........................................................................ 116

A vida associativa dos idosos e aposentados da Frana e do Brasil 125

III. A GINSTICA COMO UM DOS MEIOS PARA MANTER IDOSOS E

APOSENTADOS SAUDVEIS 146 Exercitando o corpo para a sade e o bom envelhecimento........................... 147

Atividades fsicas esportivas na aposentadoria, um modelo catequizador que tem na sade seu princpio ...................................................................... 152

Procurando superar o modelo biologizante passa-se a considerar um novo paradigma para a sade ................................................................................. 168

Idosos e aposentados praticando atividades fsicas na Frana e no Brasil .... 175

O que vem sendo recomendado aos animadores das ginsticas para idosos: Frana e Brasil .............................................................................................. 187

Buscando entender a pratica a partir da perspectiva didtica utilizada ........ 208

A importncia de uma pesquisa didtica para compreender a lgica da prtica da ginstica realizada por idosos e aposentados 217

IV. CONHECENDO A PRTICA DAS ASSOCIAES INVESTIGADAS 229

Entendendo as associaes francesas onde foram investigadas a prtica da ginstica ........................................................................................................ 232

Entendendo as associaes brasileiras onde foram investigadas a prtica da ginstica ....................................................................................................... 276

Verificando o que feito nas atividades prticas das associaes investigadas ................................................................................................... 329

V. CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 359

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................365

VOLUME II

ANEXOS ..............................................................................................................

385

LISTA DE QUADROS

QUADRO Pgina

1 Dados pessoais dos entrevistados que freqentam os curso de ginstica da UTL-Rennes e da ARRS ................................................................................... 241

2 Como a aposentadoria entendida pelos entrevistados que freqentam os cursos de ginstica da UTL-Rennes e ARRS .................................................... 245

3 A vida associativa dos entrevistados que freqentam os cursos de ginstica da UTL-Rennes e da ARRS .......................................... ....................................... 250

4 A relao estabelecida entre os praticantes e a atividade fsica e sua experincia anterior a UTL-Rennes e ARRS ................................................... 252

5 Como percebida a sade e suas relaes com a atividade fsica para os entrevistados da UTL-Rennes e ARRS ............................................................. 256

6 Dados pessoais dos entrevistados que freqentam os curso de ginstica da UnATI-UERJ e PAM-IMMA ........................................................................... 295

7 Como a aposentadoria entendida pelos entrevistados que freqentam os cursos de ginstica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA ...................................... 301

8 A vida associativa dos entrevistados que freqentam os cursos de ginstica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA .......................................................................... 303

9 A relao estabelecida entre os praticantes e a atividade fsica e sua experincia anterior a UnATI- UERJ e PAM-IMMA ....................................... 319

10 Como percebida a sade e suas relaes com a atividade fsica para os entrevistados da UnATI/UERJ e PAM/IMMA ................................................. 325

LISTA DE TABELAS TABELA Pgina

1 Porcentagem da distribuio das populaes francesa e brasileira por grupo de idade nos anos de 2000, 2025 e 2050 ....................................................... 26

2 Populao total e quantidade de pessoas com mais de sessenta anos na Frana e no Brasil dados dos censos de 1990 e 2000 ................................................ 27

3 Taxa de fertilidade das mulheres francesas e brasileiras dados listados a partir da dcada de 1950 at o ano 2000 ........................................................... 28

4 Distribuio do tempo total utilizado nas atividades (TTA) pedaggicas observada nas quatro associaes ...................................................................... 334

5 Distribuio do tempo de prtica efetiva dos idosos/alunos (TPE) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA) pedaggica, observadas nas quatro associaes .................................................................... 335

6 Distribuio do tempo dedicado pelos idosos/alunos a pausas gerais (TPG) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ....................................................................................... 336

7 Distribuio do tempo dedicado pelos idosos/alunos s tarefas de preparao da atividade (TPA) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ........................................................ 337

8 Distribuio do tempo dedicado pelos idosos/alunos a ateno as informaes didticas (TAI) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ........................................................ 338

9 Distribuio do tempo dedicado pelos animadores/professores, a preparao e a organizao das atividades didticas (TPO), sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ................ 351

10 Distribuio do tempo dedicado pelos animadores/professores s informaes didticas (TID) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ........................................................ 353

11 Distribuio do tempo dedicado pelos animadores/professores a observao e superviso (TOS) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ........................................................ 354

12 Distribuio do tempo dedicado pelos animadores/professores, sua prtica efetiva (TPE) e sua relao proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associaes ................................................... 356

LISTA DE ANEXOS

ANEXO Pgina

1 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os coordenadores das associaes investigadas ................................................... 386

2 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsveis pelas atividades pedaggicas das associaes investigadas (aplicadas anteriormente ao ciclo das observaes) ......................................... 388

3 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsveis pelas atividades pedaggicas das associaes investigadas (aplicadas aps encerrado o ciclo de observaes) ......................................... 390

4 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsveis pelas atividades pedaggicas nas associaes investigadas (aplicada minutos antes de cada aula observada) ............................................ 392

5 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com as pessoas idosas que participavam das atividades de ginstica nas associaes .............. 394

6 Entrevista realizada com a coordenadora da associao UnATI/UERJ ........... 397

7 Entrevista realizada com o coordenador de educao fsica do PAM/IMMA . 402

8 Entrevista realizada com a coordenadora mdica da associao UnATI/UERJ ................................................................................................... 408

9 Entrevista realizada com a coordenadora de educao fsica da ARRS .......... 412

10 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UnATI/UERJ, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas .................... 416

11 Entrevista realizada com a Orientadora pedaggica do PAM/IMMA ............. 418

12 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UTL/Rennes, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas .................... 422

13 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-entretenimento na ARRS antes de iniciar o ciclo das atividades observadas ... 425

14 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UnATI/UERJ, antes de iniciar cada uma das trs aulas filmadas e aps o ciclo das atividades observadas ....................................................................... 428

15 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-entretenimento no PAM/IMMA, antes de iniciar cada uma das trs aulas filmadas e aps o ciclo das atividades observadas ........................................... 433

16 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UTL/Rennes, antes de iniciar cada uma das trs aulas filmadas e aps o ciclo das atividades observadas ................................................................................ 439

17 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-entretenimento na ARRS, antes de iniciar cada uma das trs aulas filmadas e aps o ciclo das atividades observadas ............................................................. 445

18 Comunicaes orais ocorridas durante as aulas filmadas na UnATI/UERJ ..... 452

19 Comunicaes orais ocorridas durante as aulas filmadas no PAM/IMMA ..... 470

20 Comunicaes orais ocorridas durante as aulas filmadas na UTL/Rennes ...... 483

21 Comunicaes orais ocorridas durante as aulas filmadas na ARRS ................ 499

22 Instrumento utilizado para registro do que fazia o animador/professor nas atividades didticas registradas ....................................................................... 515

23 Instrumento utilizado para registro do que fazia os alunos nas atividades didticas registradas Distribuio das atividades do Idoso/Aluno na atividade ginstica em unidades de tempo de 10 segundos ............................................ 517

24 Idosos e aposentados da UnATI/UERJ que participam da atividade gin-suave e que foram entrevistados ................................................................................. 519

25 Idosos e aposentados do PAM/IMMA que participam da atividade gin-entretenimento e que foram entrevistados ........................................................ 542

26 Idosos e aposentados da UTL/Rennes que participam da atividade gin-suave e que foram entrevistados ................................................................................. 565

27 Idosos e aposentados da ARRS que participam da atividade gin-entretenimento e que foram entrevistados ........................................................ 600

1

INTRODUO

Vrios fatores influram para a transformao do envelhecimento e da velhice,

de processo que s importava ao indivduo, a destino no mais de poucos privilegiados,

assunto de responsabilidade social. O sculo XX marca o mundo pelos significativos

avanos sociais e cientficos, que acabaram contribuindo para profundas alteraes

demogrficas: controle de certas doenas infecto-contagiosas, desenvolvimento de

sistemas de saneamento bsico, de controle conceptivo, diminuio tanto do nmero de

nascimentos como da mortalidade infantil. No entanto, o aumento da populao de

velhos no foi exclusivo daquele sculo, j tendo sido verificado em outras pocas.

A Frana, por exemplo, tinha no sculo XIX, do total da sua populao, 8% de

pessoas com mais de sessenta anos (BOURDELAIS, 1993). Esse nmero bastante

significativo, principalmente quando o comparamos recente distribuio demogrfica

brasileira. Durante muito tempo o Brasil foi considerado um pas de jovens, e o sinal de

alerta de que estaria havendo uma mudana em seu perfil demogrfico surgiu nos anos

setenta, quando a proporo de pessoas com mais de sessenta anos ainda rondava os

7%. Hoje constatamos que foi preciso percorrer quase todo o sculo XX para que a

mesma proporo encontrada na Frana no sculo XIX fosse alcanada no Brasil, s

acontecendo no decorrer da dcada de noventa1.

No importa o perodo analisado na histria da humanidade, seja nas culturas

mais antigas, seja nos pases mais jovens, os significados atribudos ao ser velho e ao

envelhecimento foram sempre marcados por profundas contradies. Uma pessoa velha

pode ser considerada como algum que merece e impe respeito, ou um indivduo

altamente desprezvel. Na atualidade, testemunhamos ser bastante comum recorrer-se ao

uso da palavra velho para uso mais pejorativo e depreciativo do que lisonjeiro.

No momento em que a velhice apresentada como um perodo da vida ao qual

se associam mais desvantagens do que vantagens, constata-se com freqncia a busca

de distanciamento desse processo. Mas fato que existe grande controvrsia sobre qual

seria o momento ideal para marcar o incio dessa tal velhice. O mais freqente o uso

da idade cronolgica para se dizer quando algum velho, sendo as mais utilizadas as

que rondam os sessenta anos. H tambm referncia ao momento em que comeam os

1 Registre-se que atualmente, incio do sculo XXI, a proporo de pessoas com mais de

sessenta anos no Brasil anda em torno dos 9%.

2

cabelos brancos ou mesmo ao perodo que ronda a aposentadoria. Se pensarmos nas

mulheres do incio do sculo XX, o climatrio, sendo um perodo cheio de significados

que extrapolam o orgnico, tambm marcava para muitas delas a aproximao da

velhice. Fica claro que no muito simples nem unnime qualquer tentativa de

caracterizao desse momento. A falta de consenso presente, seja no uso de critrios

cronolgicos, seja na importncia que se d aos sinais externos, apresentados por meio

das mudanas corpreas ou orgnicas, que acabam refletindo na variedade de conselhos

que so dados em cada poca para se enfrentar a velhice2.

Assim como a juventude, podemos considerar a velhice mais uma categoria

criada culturalmente. Segundo Pierre Bourdieu (1980:145), a idade uma varivel

biolgica, socialmente manipulada, por esse motivo plena de ambigidades que no

serve como nico parmetro para dizer quando algum velho. No podemos ignorar,

entre outras, as variveis derivadas: das influncias do meio ambiente; das condies de

trabalho; da classe social e do modo de vida. Na verdade, os cortes cronolgicos s

contribuem para aumentar as barreiras entre geraes (ATTIAS-DONFUT, 1988).

Remi Lenoir (1998:68) adverte que as faixas etrias enquanto classificaes

arbitrrias esto sujeitas a manipulaes, deixando claro que

o que est em questo a definio dos poderes associados aos diferentes momentos do ciclo da vida, sendo que a amplitude e o fundamento do poder variam segundo a natureza das implicaes peculiares a cada faixa etria ou a cada frao da faixa da luta entre as geraes.

Sendo assim, alguns buscam compreender o inexorvel processo do

envelhecimento enquanto um processo gradual, multifatorial e multidiferencial,

havendo atualmente os que defendem que os aspectos deletrios do envelhecimento

devem ser enfrentados. cada vez mais acentuada a busca por viver mais e de maneira

2 No precisamos ir muito longe, deixando aqui o exemplo dos ensinamentos propostos em algumas publicaes de mais de cinqenta anos. Com o significativo ttulo A vida comea aos quarenta anos, Pitkin (1942) apresenta um modo de vida que deveria ser assumido para se ter uma boa velhice. O Dr. Peter Steincrohn (1950) publicou um livro com o ttulo O repouso comea aos quarenta. Reforando a idade de quarenta anos como simblica para o incio da velhice, o livro procurava ensinar ao quarento de que forma ele poderia ter uma velhice mais saudvel. Basicamente a recomendao principal a de que no preciso fazer ginstica, pois aqueles que se dedicam a ela gastam as poucas reservas energticas que ainda sobrariam para enfrentar os ltimos anos de vida.

3

saudvel, aumentando assim o combate s doenas da velhice. Diversas tentativas so

feitas para postergar pelo maior tempo possvel alguns signos da velhice, contribuindo

para que aumentassem nos ltimos anos as publicaes sobre o sentido do

envelhecimento e como resistir velhice.

Os mistrios da vida sempre empurraram a humanidade a procurar dominar seu

medo do desconhecido que a morte. As possibilidades de fazer com que sejamos

capazes de viver o maior nmero de anos possvel no so uma preocupao de hoje, e

ao que parece no se encerrar jamais. Desde os povos antigos, alquimistas e cientistas

dedicaram seus esforos no sentido de achar algo que seja capaz de prolongar a vida

humana, ou pelo menos chegar a atenuar alguns desgastes. Teoricamente sabemos que

em mdia nossos limites tm sido situados em torno dos 120 anos, embora festejar os

cem anos de algum seja bastante raro. Os centenrios constituem-se num grupo

bastante restrito, mesmo considerando o aumento da sua proporcionalidade. Se at

pouco tempo eram relegados aos asilos, hoje muitos convivem com outras geraes3.

A parir das elaboraes tericas da gerontologia e geriatria, que so duas

cincias aplicadas, pode-se perceber melhor que parte significativa dos idosos passou a

ser confrontada a uma nova maneira de envelhecer. No caso dos novos aposentados,

chegam mesmo a ser vistos como um novo poder, mesmo que paradoxalmente a

sociedade contempornea ainda seja bastante preconceituosa com relao s coisas

relacionadas ao envelhecimento4, buscando de todas as maneiras subterfgios para

esconder a velhice ou mesmo ignor-la.

O envelhecimento de uma sociedade vem sendo apontado como capaz de

influenciar mutuamente a poltica, a economia e as relaes entre as geraes. um fato

que no se deu de forma semelhante em nenhuma outra poca, sendo surpreendente o

que ocorre em diversos pases nestes ltimos anos. Se os anos sessenta ficaram

caracterizados pela revoluo em diversos sentidos empreendida pelos jovens, quarenta

3 Tomando a Frana como exemplo, em 1950 existiam somente 200 centenrios (DUMONT, 1986); esse nmero atingir, segundo projees, 150 mil at o ano de 2050 (um aumento de 750 vezes em 100 anos), sendo esse o grupo de idosos que mais crescer. Em 1990 j havia, na Frana, quatro mil centenrios um em cada dezesseis mil , sendo um grupo bastante heterogneo (ALLARD, ANDRIEUX, ROBINE, 1991). Uma constatao foi a de que freqentemente o estado geral da sade era bastante precrio. 4 Os preconceitos com relao idade e aos velhos vm sendo chamados ageismos.

4

anos mais tarde estamos entrando numa poca em que, pelo menos em aparncia, busca-

se privilegiar uma nova gerao de pessoas que envelhecem.

Indesejvel durante o sculo XX, a velhice acabou se tornando o

envelhecimento um problema social, principalmente nas sociedades que exacerbaram na

valorizao das coisas mais afetas jovialidade. Como conseqncia da perspectiva

antienvelhecimento das ltimas dcadas, desprezam-se, de forma direta ou velada, os

velhos e a velhice. Se por um lado aumenta-se a longevidade, a expectativa de vida e a

proporo de pessoas aposentadas frente aos mais jovens, paradoxalmente entre os

novos aposentados poucos querem se assumir como velhos ou prximo da velhice.

Como alternativa, criam-se novas denominaes e impem-se modos de vida para eles,

que associam essa fase da vida a um perodo em que tudo aparentemente permitido e

possvel de ser feito. inegvel que nunca se falou tanto nessa nova idade, melhor

representada como terceira idade, e no envelhecimento bem-sucedido.

O que estaria por trs dessa pretensa redeno social para com aqueles que

envelhecem? Ser que a sociedade contempornea est passando a ter mais

preocupao, respeito e solidariedade, ou, ao contrrio, estaria cada vez mais

individualista, tentando encontrar meios de se afastar e negar um modelo de velhice que

associa a pessoa idia de inutilidade e de peso para a sociedade? Os prprios idosos

no se sentem vontade para falar da sua velhice, em geral, os exemplos so sempre a

partir dos outros. Na procura de se redefinir o significado da velhice, expresses como

feliz idade, melhor idade, boa idade associam-se a terceira idade transparecendo

que existe para os aposentados uma nova fase da vida, vista como um perodo alentador.

No difcil constatar que essas referncias pecam pela ingenuidade aliada tentativa

de homogeneizao de pessoas que s tm em comum o fato de terem nascidos na

mesma poca. No se pode negar que a mdia em geral vem exercendo um papel de

grande divulgador dessa perspectiva de envelhecimento em que aos idosos pertencentes

a essa idade dourada tudo seria permitido e possvel de ser experimentado. Nesse novo

modelo de envelhecer, a velhice foi substituda pela terceira idade, ativa e engajada, que

tem sido a frmula de maior sucesso, no por acaso fazendo parte das polticas sociais

destinadas aos idosos.

A dcada dos noventa talvez signifique a constatao de que um novo poder, o dos velhos, est marcando a sua

5

presena no mundo. As universidades para a terceira idade florescem uma ao lado da outra, mesmo no interior de instituies que durante sculos foram pensadas como lugar da juventude, do novo, da potncia [...]. Sade, bem-estar, qualidade de vida e longevidade tornam-se valores a serem perseguidos, assim como campo de investimentos econmicos, intelectuais e simblicos (LOVISOLO, 1997: 10).

Estudar a velhice e o envelhecimento nos dias atuais se debruar sobre

questes as mais diversas, que entre outros fatores envolvem: os direitos sociais, como

acesso sade e ao lazer; a aposentadoria e o sistema de idades no qual esto

fundamentadas as geraes dos atuais idosos; o modo de vida, bem como as atividades

assumidas no perodo que ronda a aposentadoria.

Na atualidade, quando considerado o aspecto do envelhecimento individual,

sugere-se que necessrio envelhecer tendo pelo maior tempo possvel a sensao de

bem-estar geral, o que bastante subjetivo. Essa meta tem feito parte das preocupaes

mais atuais de um considervel nmero de grupos de pesquisa, tanto na esfera pblica

como na privada. Aproveita-se a indstria do antienvelhecimento, que nem sempre

aguarda os resultados conclusivos das pesquisas que do fundamento s suas panacias;

muitas no passando de iluses.

Com certa regularidade so anunciadas as plulas que revolucionaro os anos

2000. Podemos mencionar alguns exemplos, que j estiveram em evidncia, como a

melatonina5, hormnio natural que teve seu descobrimento nos anos 1950 e que foi

bastante comercializado na dcada de 1990 (SCIENCES, 1995); como o dehidro-epi-

andresterona (DHEA) e o hormnio do crescimento (HGH), sendo que este ltimo, na

sua forma sintetizada, vem sendo muitas vezes aplicado de forma indiscriminada. Mas

foi a entrada no mercado do Viagra6 e seus similares, que, mesmo no sendo especficos

5 Pelo que pode ser percebido, a partir do fenmeno da melatonina, que foi acompanhado por um extraordinrio impacto miditico, o mesmo vem ocorrendo com outras drogas que periodicamente chegam ao mercado. Percebemos que fora do meio cientfico h um grande interesse em divulgar os aspectos positivos que mais interessam ao consumidor, no deixando de haver por parte das indstrias interessadas na comercializao dos produtos um certo sensacionalismo, ocultando pesquisas que abordariam os efeitos colaterais e at mesmo os mtodos que foram por elas empregados. 6Certamente tem-se hoje uma possibilidade de resgatar a auto-estima, muitas vezes abalada pelo insucesso nas relaes sexuais. Um novo comportamento sexual na velhice est em desenvolvimento e suas conseqncias extrapolam o aspecto do bem-estar, entrando na discusso as doenas sexualmente transmissveis e em especial a contaminao pelo HIV.

6

para o aumento da longevidade, certamente acabaram influindo na percepo do

envelhecimento.

Muitos estigmas do significado do ser velho tm origem na valorizao que

dada ao trabalho e ao engajamento produtivo, que no curso da vida acabam ficando cada

vez mais presentes. Se em algumas pocas aos aposentados quase sempre era

recomendado descanso, recolhimento e inatividade, depois da metade do sculo XX

outros valores ganharam importncia. Fenmenos como o associativismo e a

participao em atividades socialmente reconhecidas, como o voluntariado, passam a

ser incorporados, resultado do novo modelo, que acaba caracterizando o que bom ou

mau para o envelhecimento. Em nosso entender isso est bem de acordo com o que tem

sido sustentado pelos seguidores de algumas teorias psicossociais sobre o

envelhecimento e a velhice bem-sucedida.

Independente do que feito, se a atividade tem predominncia fsica ou

intelectual, tendo mais ou menos gasto energtico, a proposta ativista encontrou no

ambiente associativo o espao ideal para a prtica dos seus mais caros princpios. As

associaes de idosos, como clubes ou universidades, surgiram como um antdoto, uma

verdadeira panacia contra a velhice.

Fundamentando-se no que alguns mdicos e filsofos escreveram na

Antigidade, vemos que a relao sade/longevidade, como tambm a incluso de

atividades fsicas num estilo de vida, no nenhuma novidade. Prescries de

atividades ginsticas, como meio de conservar a sade e mesmo de combater os seus

azares, ocorreram em diversas ocasies na histria da humanidade. Mas temos de

reconhecer que aps os anos setenta do sculo passado vemos crescerem as

recomendaes visando a um modo de vida mais saudvel, agora com suporte de

caractersticas mais cientficas. A prtica de atividades fsicas e principalmente as

ginsticas, independente da forma como era apresentada, passa a ser relacionada como

capaz de influir na sade, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, surgindo como a

grande novidade do nosso tempo. Da no ser to difcil encontrarmos grupos de idosos

se reunindo com a finalidade de praticar uma atividade como a ginstica. Ela passou a

ser um novo campo de interveno de profissionais que se utilizam da animao com

finalidades sociais ou de sade, tendo forte presena dos professores de educao fsica

7

e terapeutas corporais, que prope de forma sistemtica as mais variadas atividades para

grupos de idosos.

Ao mesmo tempo em que vimos avanar o envelhecimento da populao,

outros fatos tambm estavam ocorrendo: mais tempo disponvel para o indivduo; maior

interesse por atividades consideradas de lazer; a multiplicao dos esportes modernos.

Esses fenmenos sociais tm sido caracterizados como conseqncia da urbanizao

dos grandes centros, e passaram a ocorrer tanto em decorrncia do processo de

industrializao como da artificializao do tempo do trabalho.

Foi a partir dos anos sessenta que na Frana, ao mesmo tempo em que se

criavam grupos que visavam preparao para a aposentadoria, tambm surgiam as

associaes para idosos j aposentados. Ambos passaram a incluir a idia de um

envelhecimento ativo e engajado em associaes nos perodos pr e ps-aposentadoria.

Pode-se perceber que inicialmente havia um forte vis para a ocupao do tempo,

visando a incluso e (re) insero social, mas posteriormente, com a chegada de novos

aposentados com forte capital cultural, incorporaram-se os princpios da educao

permanente nas propostas associativas em que animadores culturais(MELO, ALVES

JUNIOR, 2003) sobre as mais variadas denominaes, passaram cada vez mais a atuar7.

Acrescentando-se o fato de que esses novos aposentados passaram a ter uma

maior esperana de vida, lhes restando uma considervel expectativa de viver a vida

com sade, passou a ser vivel viver a aposentadoria de forma totalmente diferente. O

que se passou a dizer que o indivduo no deveria mais aceitar passivamente seu

envelhecimento, mas prolongar a vida, pelas atividades fsicas, intelectuais e

voluntrias, o maior tempo possvel (BOURDELAIS, 1993:373). Chega-se mesmo a

culpabilizar aqueles que venham a apresentar deteriorao fsica, sendo a dependncia e

a decrepitude resultados de uma conduta desviante do indivduo. Sendo assim,

7 Apesar de estarmos adotando animador cultural, diferentemente da tradio europia de chamar de animao sociocultural (TRILLA, 1998; MARTIN, 1999) para caracterizar aqueles que vem intervindo no campo da educao relacionado ao lazer. Reconhecemos que no Brasil, ainda so poucas as iniciativas de se discutir a atuao desse animador. Em muitas ocasies a sua percepo fica marcada como sendo algo de menor importncia, com pouco trnsito no campo acadmico. Mesmo que sejam detectados ainda problemas na Frana (DOUARD, 2003), nesse pas a animao existe enquanto formao nos mais diversos nveis, incluindo a universitria, havendo iniciativas no sentido de se discutir o campo como ocorreu no colquio internacional Animao Cultural na Frana e suas Analogias no Estrangeiro (ISIAT, 2003).

8

inatividade corresponderia a velhice, opondo-se s vantagens do envelhecimento

terceira idade.

No momento em que ocorre a diminuio do tempo destinado ao trabalho, no

existindo grandes presses, seja de ordem financeira ou de sade, a famlia, a religio e

o lazer passam a ser as principais ocupaes no tempo social das pessoas. No que toca o

lazer, duas tendncias podem ser analisadas, uma em que ele visto como uma

necessidade individual e outra em que ele uma necessidade social (MUNN, 1992).

Sendo mais contemporneo a preocupao com o fato de ser ocupado esse tempo

disponvel com atividades de lazer, independente da idade das pessoas.

Um dos componentes, e provavelmente um dos mais importante relacionado ao

que estamos vendo como novo modo de envelhecer, a possibilidade de se engajar nos

diversos projetos associativos. Percebemos que nas propostas das polticas sociais, tanto

francesas como brasileiras, sempre sugerido nas suas aes manter o idoso ativo,

inserido socialmente, evitando-se ao mximo a forma asilar. O fato de aderir a uma

associao e praticar as atividades que nela so propostas acaba dando ao idoso uma

possibilidade de se sentir mais til e de permanecer inserido na sociedade, afirmam os

que defendem esse modelo ativo e socialmente engajado do bom envelhecer.

Tivemos como principal propsito, nesta pesquisa, estudar a prtica da

ginstica realizada por idosos e aposentados durante seu tempo disponvel. Para isso,

consideramos alguns fatores que influenciaram essa prtica como fenmeno social.

primeira vista teramos tanto a busca pelo lazer, promoo da sade ou sociabilidade,

que parecem ser as principais respostas que encontramos entre os envolvidos. No

entanto, acreditamos que seja necessrio um aprofundamento destas motivaes iniciais

para auxiliar a melhor compreenso do fenmeno e verificar at que ponto outras

influncias acabam sendo determinantes no que podemos chamar de resistncia

velhice a partir de prticas das mais variadas.

Idosos e aposentados foram transformados nas ltimas dcadas do sculo XX

em categorias boas de se investir, no sendo poucos os que se viram atrados pelos

apelos da mdia que lhes acenava com um novo imaginrio do que poderia ser seu

envelhecimento num novo tempo mais independente

das sanes, das represses, dos desejos, das necessidades antigamente reprimidas pela ideologia de trabalho (poltica e religiosa). A associao desses valores scio-culturais emergentes (sade, lazer, sociabilidade, divertimento) conferem

9

a via de acesso a algumas mudanas de valores e prticas que os idosos estabelecem no emprego do seu tempo livre - para crescimento pessoal e sua integrao social - de forma mais expontnea e voluntria. Tal atitude dos idosos, sem dvida, tem contribudo para a imagem de pessoas independentes e ativas que lhes habitualmente associada (VENDRUSCOLO, LOVISOLO, 1997: 40).

Sendo cada vez mais crescente o nmero de oportunidades profissionais para

se atuar com os idosos interessados em praticar atividades fsicas esportivas8,

necessrio estar atentos diversidade de pblicos que muitas vezes se apresentam. A

melhor compreenso desses pblicos certamente contribuir para a melhor adequao

das prticas escolhidas e dos contedos utilizados. Identificamos inicialmente, que entre

os praticantes das atividades fsicas aps a entrada na aposentadoria existe um grupo

que j vem praticando h algum tempo. Nesse mesmo caso encontram-se alguns que

investem na forma dos torneios masters em prticas competitivas. O exemplo dos

competidores masters de natao serve para percebemos como os idosos e aposentados

podem participar de situaes que at pouco tempo eram exclusiva de pessoas jovens.

Seus participantes foram analisados por Santiago e Lovisolo (1997: 86) sendo uma boa

demonstrao da resistncia ao envelhecimento que acaba estando presente tambm na

maioria dos idosos e aposentados que praticam atividades fsicas e esportivas.

Imaginamos que resistir entropia da velhice signifique montar estratgias que permitam reduzir o rtimo da desorganizao, que signifique adotar um regime ou um estilo de vida que reduza os efeitos visveis e sensveis do processo de desestruturao, mantendo a vitalidade e autonomia. No plano do corpo, mantendo padres circulatrios, digestivos, de flexibilidade, resistncia e fora, que criem a imagem de um funcionamento fisiolgico mais novo que o cronolgico. No plano social, criando novos pertencimentos e relacionamentos que mantenham em bom funcionamento a sociabilidade, o prestgio, o reconhecimento e a circulao social.

Fica clara a existncia de um outro grupo distinto, que constitudo de idosos e

aposentados que com certa regularidade s praticaram atividades fsicas em

8 Mesmo que ainda seja bastante reduzido o nmero de cursos de formao que incluem essa temtica como disciplina curricular, mas que no impede que seja significativo o nmero de professores de educao fsica, se apresentam para trabalhar com idosos e aposentados, sem ter tido qualquer tipo de preparao para as especificidades dos mais variados tipos de interveno e interesses.

10

determinado perodo da vida, muitas vezes de maneira obrigatria, como nas escolas ou

nas foras armadas. O abandono aps esses perodos acaba sendo justificado pela falta

de interesse ou pelas mais diversas causas, mas a mais comum a falta de tempo

disponvel, que se concentrou na dedicao vida familiar e profissional, ou a outros

interesses pessoais. Entre esses idosos, o retorno atividade pode ser devido a uma

recomendao teraputica especfica, como uma opo de viver o envelhecimento de

forma diferente. Finalmente encontramos um terceiro grupo que em muito se assemelha

ao anterior, sendo ambos os mais representativos entre aqueles que investigamos. Sua

constituio de pessoas que nunca praticaram regularmente alguma atividade fsica, e

que s aps a entrada nas associaes de idosos e aposentados passaram a se engajar em

programas especficos de atividades fsicas.

Trabalhar com grupos que podem ter caractersticas bastante heterogneas

um desafio para os profissionais que atuam com a educao fsica. Assim, postulamos a

questo no sentido de saber se esses profissionais esto trabalhando a partir de alguma

didtica especfica que leve em conta as especificidades dos idosos. As pesquisas que

tm se interessado pelo campo conhecido como didtica das atividades fsicas

freqentemente tm trabalhado com o que ocorre no ensino formal, mais

especificamente o da educao fsica escolar. No muito comum o interesse pelos

elementos que envolvem a prtica pedaggica das atividades fsicas esportivas das

pessoas que j esto fora da escola e principalmente de grupos de idosos e aposentados.

Estamos de acordo com aqueles que reconhecem que na prtica das atividades fsicas

realizadas fora da escola, existindo a intencionalidade de transmitir um saber, haver

necessidade de uma didtica. Sendo assim, a nossa proposta de estudo se interessou no

s pelo envelhecimento, mas pelo modo como suas concepes podem influir no

modelo didtico dos que atuam com atividades como a ginstica. Levamos em

considerao que, enquanto fenmeno social, a prtica orientada para um grupo

constitudo de idosos e aposentados algo ainda bem recente, o que nos animou a

investig-la, escolhendo quatro grupos localizados na Frana e no Brasil.

Jacqueline Marsenah (1991) aponta como sendo ainda difcil de superar o

modelo chamado por ela de educao fsica de ontem, que seria o ensino tradicional

de uma educao fsica escolar e que acaba tendo mais interesse na forma exterior das

aes, nas manifestaes gestuais, ignorando o contexto que as produziu. Como vem

11

sendo as intervenes dos profissionais de educao fsica quando o seu aluno um

idoso ou um aposentado? Que tipo de influncias estariam sendo exercidas pelo modelo

que apregoa o bom envelhecimento na construo dessa prtica pedaggica?

A organizao didtica das atividades propostas, como a distribuio do tempo

da aula e a opo por uma metodologia de ensino, pode dar indicativos objetivos para

nossa anlise. A isso se soma o sentido que dado atividade pelos idosos praticantes,

e, se nossa suspeita estiver correta, os contedos trabalhados acabam seguindo a lgica

do modelo do bom envelhecer. No que toca ainda a didtica empregada, acreditamos

que encontraremos uma prtica tipicamente pontual, de entretenimento, voltada para

aquele momento, que se ope ao discurso que defende uma prtica que visa ao

progresso e autonomia do aluno.

Poderamos fazer a hiptese de que a angstia e o sofrimento da solido muitas

vezes encontrado nos idosos, principalmente aps eventos marcantes em sua vida, os

levem a buscar atividades que num primeiro momento venham a preencher seu tempo

livre de forma diferenciada, vindo a ser um antdoto contra o tdio.

Para a grande maioria o tdio era (e ) uma presena. Est sempre na espreita e nos domina quando menos esperamos. A presena do tdio foi claramente entendida, talvez sem teorizaes rigorosas, e dedicaram-se a investir recursos e engenhos na expanso do lazer, do divertimento, enfim: os antdotos do tdio que podia aparecer tanto no tempo do trabalho quanto no tempo livre (LOVISOLO, 2002:60)

Avanamos na construo de nossa hiptese supondo ainda que, no caso das

atividades observadas, independente do pas investigado, a prtica estaria bastante

descontextualizada, e que a ausncia de uma programao acabaria por contribuir para o

distanciamento entre o que proposto pelos responsveis pelas aulas, o que desejado

pelos idosos e o que verdadeiramente feito.

Nossa principal inteno nesta tese foi a de estudar as questes que envolvem

uma atividade fsica como a ginstica praticada por idosos e aposentados em ambiente

associativo. Procuramos realizar um estudo comparativo (HOWELL, 1979), investigando

associaes que propem atividades diversas para idosos em dois locais: Rio de Janeiro,

no Brasil, e Rennes, na Frana9. A prtica escolhida para anlise recaiu sobre a

9 A pesquisa de campo foi realizada durante o ano de 1995.

12

ginstica, porque, dada a grande incidncia de programas e projetos destinados a idosos

e a prpria tradio dessa atividade, nos pareceu a melhor opo para verificar a sua

relao com a proposta de um modo de vida especfico para os novos aposentados e

idosos.

Acreditando existirem algumas lacunas na compreenso de como se

desenvolve essa prtica, nos propusemos estudar o que vem sendo feito, ouvindo o

idoso, o professor e o que fundamenta a sua interveno. Acreditamos que a ausncia de

um referencial apropriado para esse grupo especfico pode levar os responsveis a optar

pela utilizao de modelos adaptados ou improvisados10. Discutimos o modo como a

atividade ginstica fundamentada na perspectiva dos profissionais envolvidos em

associaes do tipo universidades para idosos e clubes de aposentados ou de idosos.

Tivemos como alvo o aprofundamento da pesquisa sobre os suportes tericos que vm

fundamentando a educao fsica especfica para idosos e aposentados. Enfim,

responderemos s nossas questes a partir do que vem sendo proposto na bibliografia

especfica, confrontando-a com os dados que recolhemos nas associaes investigadas e

com o que vem sendo discutido sobre a questo do envelhecimento na sociedade.

Foram observadas sistematicamente vinte aulas, sendo doze delas video

gravadas para posterior anlise. Seguimos um roteiro semi-estruturado, entrevistando

todos os responsveis pela organizao da atividade fsica ginstica nas associaes

escolhidas. Os idosos que participavam das atividades dos grupos investigados, bem

como os responsveis pelas mesmas, foram tambm entrevistados pelo autor deste

trabalho.

De posse dos dados coletados, verificamos como se aproximam, ou se afastam,

as intenes pedaggicas propostas e a prtica real; o que desejam os idosos; e as suas

concepes sobre ser aposentado, a vida associativa, a ginstica e a sade. Os

indivduos que participaram da pesquisa como praticantes tm pontos comuns: todos

tm mais de sessenta anos, quase todos so do sexo feminino e praticam regularmente a

atividade fsica investigada. J os responsveis pelas atividades tm idade variando

entre vinte e cinqenta anos.

Ao realizamos uma anlise sciopedaggica, que envolveu dois grupos de

idosos brasileiros e dois franceses, optamos por investigar aqueles que tinham forte

13

representatividade no momento da pesquisa, no s quantitativamente, como por serem

associaes reconhecidas tanto socialmente quanto do ponto de vista acadmico. Alm

disso, essa escolha tambm recaiu sobre instituies que nos foi possvel acompanhar

com observaes sistemticas durante maior tempo do que foi dedicado a coleta dos

dados. Os dois primeiros grupos so da cidade do Rio de Janeiro, sendo um constitudo

pelos participantes do curso oferecido com o nome de antiginstica11 na Universidade

da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UnATI-UERJ). O outro

formado por pacientes do Posto de Atendimento Mdico So Francisco Xavier que

passaram a participar das atividades do projeto Idosos em Movimento Mantendo

Autonomia (PAM-IMMA)12. Como as duas associaes brasileiras, as francesas

tambm foram escolhidas por pertencerem a uma mesma cidade e por estarem

localizadas em locais bem prximos. Com o nome de ginstica suave, a Universidade

do Tempo Livre de Rennes (UTL-Rennes) oferecia essa atividade fsica a seus

associados, enquanto que a Associao dos Aposentados Esportistas de Rennes (ARRS)

oferecia a atividade como ginstica de entretenimento13.

Levando em considerao que essas atividades poderiam se desenvolver

segundo uma lgica educativa voltada animao tanto para a sade, como cultural e

social, nosso empreendimento investigativo foi realizado a partir dos elementos

constitutivos de uma situao de ensino de educao fsica: o professor, o aluno e o

contedo (HEBRARD, 1997). Abordamos a atividade fsica praticada a partir das

intenes do responsvel e de suas concepes sobre o envelhecimento, o que,

acreditvamos, acabariam por influir na sua prtica pedaggica. Que caractersticas

foram mais privilegiadas pelos responsveis nas atividades investigadas? O que querem

os idosos e aposentados: cultivar-se, estar entre outros, ou fazer algo de carter

utilitarista, com forte relao com a sade?

Outra forma de interpretar pode levar ao entendimento de que o

envelhecimento dos novos aposentados passou a ser um grande gerador de negcios que

10 Um exemplo marcante o uso de contedos altamente escolarizados, que provocam a infantilizao do idoso. 11 Estamos considerando esta atividade como fazendo parte das ginsticas suaves. Em francs, so conhecidas como gymnastique douce. 12 Essas duas instituies estabeleceram uma parceria que atualmente no mais se desenvolve, diferentemente dos outros locais investigados. 13 Em francs, gymnastique dentretien.

14

envolve muito dinheiro, sendo necessrio mant-los independentes, e consumidores

ativos o maior tempo possvel. Busca-se modificar a percepo da velhice: tenta-se

passar da deteriorao conservao (BOURDELAIS, 1983:364). O discurso das

doenas, da conotao negativa do envelhecer acabou sendo substitudo por uma nova

higiene de vida.

Nas pesquisas empreendidas por Georges Vigarello (1996) acerca dos hbitos

de limpeza dos europeus em pocas passadas, ficou caracterizada a existncia de uma

pastoral da sade. Segundo suas anlises, pode-se verificar como era passada uma

nova moral higienista, que veio sendo difundida por meio de estratgias pedaggicas14.

Ser que de forma semelhante, no caso do bom envelhecimento e das atividades em

geral, especificamente as fsicas, no estaramos diante de influncias moralizantes e,

usando as palavras daquele autor, diante da imposio de uma verdadeira catequese?

A higiene, no caso do estudo por ele empreendido, s fez confirmar seu status de saber

oficial (VIGARELLO, 1996:215), que veio a ser didatizado, sem no entanto vir a ser

confirmado, j que seria muito pouco provvel que algumas recomendaes prescritas

nos textos estudados pudessem ser colocadas em prtica e generalizados. Tal qual essa

linha de raciocnio, apresentamos a hiptese de estarmos diante de uma nova pastoral, a

pastoral do envelhecimento ativo.

A tese foi dividida em cinco captulos. No primeiro, mostramos como na

histria da humanidade o envelhecimento e a velhice so assuntos ambguos e ao

mesmo tempo contraditrios. Abordamos a questo do desequilbrio demogrfico que

atinge os dois pases abordados. Teorias psicossociais surgiram e algumas delas foram

neste captulo discutidas de maneira a procurar encontrar um fio condutor para

entendermos a construo de um modelo de envelhecimento que acaba surgindo no

momento em que a velhice e o envelhecimento constituem um problema que passa a ser

dividido com toda a sociedade. Ao falamos da constituio do envelhecimento

populacional enquanto problema social, verificamos que esse problema passou a ser

relacionado com a crise do estado do bem-estar social. A transio demogrfica e o

modelo social hegemnico fizeram com que as relaes entre as idades da vida 14 As recomendaes dos manuais de higiene endereados s famlias, bem como aqueles voltados para a higiene popular, davam sugestes, conselhos e estabeleciam preceitos. O tratado de higiene destinado ao povo bastante militante. A sujeira passou a ser considerada

15

tomassem novas conotaes. A inveno de um novo modelo de envelhecer tem sido a

frmula proposta, aparecendo por meio das polticas pblicas que acabam fortalecendo

o iderio ativo e produz a negao da velhice.

No segundo captulo discutiremos o fenmeno do envelhecimento ativo a partir

da compreenso de questes que podem ser mais bem entendidas pelo sentido do que

uma gerao. Assim, as relaes entre tempo e trabalho nos auxiliaram para verificar

como a nova gerao dos aposentados tem percebido a passagem de um tempo de muita

dedicao ao trabalho, em que lhe dado um valor extremo, para um tempo livre,

aparentemente desimpedido, que possibilita uma nova maneira de viver ps-

aposentadoria. O lazer como ocupao do tempo disponvel mereceu uma discusso,

pois entendemos que esse pode ser considerado como um tempo privilegiado dos

aposentados. As oportunidades que aparecem para sua ocupao atravs de propostas

dirigidas pelos animadores, podem ser realizadas na vida associativa, que se apresentam

de maneira bem especfica quando se destina a idosos e aposentados. Participando de

associaes como clubes ou universidades para idosos, encontraremos engajados e

ativos bastante idosos.

J no terceiro captulo, dando continuidade a nossa reviso, apresentamos uma

abordagem que est diretamente ligada temtica principal do que estamos estudando, a

prtica de atividades fsicas e especificamente a prtica realizada por idosos e

aposentados em ambiente associativo. Consideramos duas caractersticas como

fundamentais para anlise a atividade fsica como promotora de sade e a questo da

interao social que possibilitam as polticas especficas para idosos. Terminada a

reviso da literatura, no quarto e captulo analisamos os dados recolhidos a partir das

entrevistas realizadas com freqentadores e responsveis pelo desenvolvimento das

atividades; e nas observaes sistemticas realizadas em 12 atividades realizadas nas

associaes investigadas, procurando dialogar com alguns autores, concluses passam a

ser formuladas no captulo, para finalmente apresentamos nossas consideraes finais.

resultado da preguia, e inclua-se tanto nos manuais dos alunos como nos dos professores certas normas que foram criadas para os indigentes (VIGARELLO, 1996:215).

16

CAPITULO I

UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER, O ATIVISMO COMO OPO

Neste primeiro captulo, comeamos discutindo como o envelhecimento e a

velhice vieram se configurando enquanto problema social do momento, construo

que recebeu diversas influncias.

Iniciamos discutindo as alteraes demogrficas que ganharam importncia no

ltimo sculo e abordamos fundamentalmente os dois pases que so foco de nossa

investigao. Outro aspecto que levamos em considerao para circunscrever o nosso

problema foi a necessidade de se diminuir a importncia que dada a determinada idade

cronolgica que sirva como indicativo de quando algum passaria a ser velho. Estamos

de acordo com aqueles que acreditam que falar em fenmenos geracionais ou curso da

vida mais pertinente do que falar sobre determinadas idades, como indicativos que

justificam determinadas perdas que ocorrem no envelhecimento como sendo coisas da

idade.

Mesmo reconhecendo a dificuldade de se encontrar teorias que consigam

explicar sem contestao o envelhecimento a partir dos aspectos psicolgicos e sociais,

acreditamos que devamos conhecer um pouco mais sobre algumas delas que, como

veremos, se sustentam basicamente na discusso do que ocorre no perodo que ronda os

anos da aposentadoria e na velhice bem ou mal sucedida. A partir dessas teorias

poderamos falar de ruptura, continuidade, abandono, engajamento, ou mesmo de uma

cultura especfica, enfim, de como essas teorias podem contribuir para equacionar o

problema. Descreveremos algumas delas e teremos uma ateno especial a duas, a do

desengajamento, e a da atividade, sendo que esta ltima acabou servindo de

fundamentao construo do modelo social de envelhecer que tambm ser

apresentado no captulo.

Encerramos esta introduo lembrando que falar hoje no envelhecimento de

uma populao no se restringe mais ao seleto grupo que ainda pode usufruir um modo

de vida que encara o envelhecimento como uma fase da vida s de lazeres e de prazeres,

muitas vezes no consumados no tempo de vida ativa. No so poucos aqueles que

17

atingem cada vez mais as idades bem avanadas e cujo estado de dependncia bastante

lamentvel. Consideramos que tanto estes como os idosos hipodotados, identificados

mais facilmente no Brasil (MAGALHES, 1989), no se enquadram na ideologia da

terceira idade ativa, que habilmente procura camuflar a existncia de sua realidade.

O envelhecimento e a velhice atravs da histria da humanidade

A partir do conhecimento de como nossos antepassados envelheciam, podemos

fazer uma tentativa de entender o que essa herana cultural pode ter infludo na

compreenso do que envolve o envelhecimento na contemporaneidade.

Estudar a senescncia com a nica pretenso de defini-la pelo aspecto

individual bastante limitante. No pelo fato dele no ser importante, mas porque no

suficiente, acabando por representar apenas um momento abstrato (BEAUVOIR,

1970:41). Concordamos com essa autora quando ela diz que

para compreender a realidade e o significado da velhice , portanto, indispensvel examinar qual o lugar nela atribudo aos velhos, qual a imagem que deles se tem em diferentes pocas e em diferentes lugares.

Independente da cultura investigada, a velhice percebida de maneira bastante

distinta. Fundamentando-se em estudos etnolgicos, Beauvoir apresentou a condio de

ser velho nas sociedades primitivas e sua dependncia do contexto social. Podemos

perceber que diversas solues foram adotadas para encarar a velhice. Algumas vo

mesmo eliminar seus velhos; outras vo abandon-los, deixando morrer. Ao se tornar

uma boca intil, no podendo mais trabalhar, a soluo pode ser a morte. De raciocnio

semelhante, quando o chefe no mais capaz de proteger o grupo, pode-se elimin-lo.

No entanto, tambm verificou-se que isso no seria uma norma, havendo povos em que,

mesmo em situao de penria, e mesmo nmades, os velhos mereciam respeito e eram

venerados.

Segundo ainda Beauvoir (1970:97),

o que define o sentido e o valor da velhice o sentido atribudo pelos homens existncia, o seu sistema global de valores. E vice-versa: segundo a maneira pela qual se comporta para com os seus velhos, a sociedade desvenda,

18

sem equvocos, a verdade tantas vezes cuidadosamente mascarada de seus princpios e de seus fins.

Uma maneira peculiar de representar a velhice ou sua aproximao, a fraqueza,

encontrada em representaes grficas do antigo Egito. O hierglifo que significa

velho ou envelhecer, encontrado a partir dos anos 2800-2700 a.C., foi representado

pela imagem de uma figura humana deitada, com ideograma representativo de fraqueza

muscular e perda ssea (LEME, in: PAPALEO NETTO, 1996:14). No que pode ser

considerado um dos primeiros textos escritos sobre a velhice, o declnio e a decrepitude

foram descritos por Ptah-Hotep, filsofo e poeta que viveu no Egito no ano 2500 a.C.

Foi por ele assim descrito o fim de um velho.

Vai dia a dia enfraquecendo: a vista baixa, as orelhas se tornam surdas; a fora declina; o corpo no encontra repouso, a boca se torna silenciosa e j no fala. Suas faculdades intelectuais se reduzem e tornam-lhe impossvel recordar hoje o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. As ocupaes a que outrora se entregava com prazer s as realiza agora com dificuldade e desaparece o sentido do gosto. A velhice a pior desgraa que pode acometer um homem. O nariz se obstrui e nada mais se pode cheirar (BEAUVOIR, 1970:103).

Se por um lado o envelhecimento na antiga China era associado a respeito do

ponto de vista das relaes sociais, em outras civilizaes da mesma poca o mesmo

no ocorria. por meio de relatos escritos, quadros, esculturas, em manifestaes

culturais as mais diversas, como poemas ou a dramaturgia, que so identificadas as mais

diferentes reflexes sobre os velhos e a velhice (BOIS, 1989, 1994; MINOIS, 1987;

CRANDALL, 1980; BEAUVOIR, 1970). Nas diversas vezes em que esses relatos

apareceram na histria antiga, quase sempre se restringiam velhice do indivduo, no

havendo uma caracterstica de grupo. Tanto nas crnicas como nos tratados morais e nas

obras de arte, o que se encontrou so fragmentos que reproduzem uma viso bastante

limitada do corpo social. Saber e poder faziam parte das caractersticas dos velhos que

mantinham respeito e privilgios: eles encarnam a continuidade e o sucesso do grupo,

e, diferentemente dos outros homens, eles esto prximos dos deuses (BOIS, 1994:6).

19

Num meio termo entre mito e histria, tanto a Grcia do tempo de Homero como a

Roma arcaica no escaparam desse modelo.

Quando as sociedades passam a ficar mais organizadas, e o sagrado desaparece

das relaes com a poltica, com o desenvolvimento institucional e administrativo,

acabou-se fazendo com que declinasse o sistema gerontocrtico. A velhice tornava-se

destino e h certa ambigidade nos gregos. Enquanto Aristteles ataca a velhice, Plato

vai defend-la, colocando-a mais prxima de um ideal. Na verdade, ao se falar da

Grcia, deve-se ter em conta a existncia de cidades-estado, no havendo qualquer

unidade entre elas. Em Esparta encontrava-se um conselho conhecido como Gersia,

constitudo de 28 gerontes e dois reis, escolhidos entre aqueles que tinham mais de

sessenta anos.

Como resultado do fim de algumas guerras, em Roma, tal como na Grcia,

demograficamente j se apresentava um considerado nmero de pessoas com mais de

cinqenta anos, que eram estimadas, segundo Cowgil, citado por Crandall (1980), em

4% do total da populao. Na antiga Roma o senado parece valorizar a experincia dos

seus velhos senadores, e Ccero (1997), que era, alm de filsofo, influente poltico 15,

vai apresentar a velhice pelo prisma do que podemos chamar do bom envelhecer.

Segundo ele, existiriam quatro razes utilizadas pelos que concebiam a velhice como

algo detestvel: ela nos afastaria da vida ativa, acabando por enfraquecer-nos o corpo,

privando-nos de alguns dos melhores prazeres, e finalmente nos aproximaria da morte.

Seria ento necessrio resistir velhice e combater seus inconvenientes: preciso lutar

contra ela como se luta contra a doena; conservar a sade, praticar exerccios

apropriados, comer e beber para recompor as foras sem arruin-las (CCERO,

1997:16).

Suas recomendaes demonstram a importncia que j era dada ao permanecer

ativo, tanto intelectual como fisicamente. Ao nos dedicarmos ao estudo, empenhando-

nos em trabalhar sem descanso, no sentimos a aproximao sub-reptcia da velhice (p.

33). Procurando mostrar as vantagens do envelhecimento, Ccero sugere que no

momento em que algumas caractersticas se vem alteradas nos velhos, outras passam a

ser evidenciadas positivamente quando se confrontam jovens a velhos. Na verdade,

velhice e juventude no deveriam se contrapor, pois os que esto na primeira categoria

20

no tm necessariamente a obrigao de cumprir as mesmas tarefas que distinguem a

segunda. Para Ccero, os velhos acabam por fazer mais e melhor, pois no so nem a

fora, nem a agilidade fsica, nem a rapidez que autorizam as grandes faanhas; so

outras qualidades, como sabedoria, a clarividncia, o discernimento (CCERO,

1997:19).

Nos primrdios do desenvolvimento das civilizaes, a velhice foi percebida

como uma etapa particular da vida, no se verificando, como era de se esperar, qualquer

acordo sobre qual seria a idade em que ela se iniciava. Se hoje alguns usam a frmula de

dividir a vida em trs idades, antigamente outras foram feitas: Hipcrates usava para

descrever o ciclo da vida as quatro estaes, sendo que a velhice corresponderia ao

inverno, que para ele cronologicamente comearia aos 56 anos. J Aristteles se referia

idade de 50 anos, enquanto Santo Agostinho, que estabelecia 60 anos como limite,

dividia a vida em sete idades diviso utilizada durante a Idade Mdia. No sendo to

simples quanto parece, na busca por identificar o incio da velhice, mesmo se nunca

encontrou unanimidade, foi a idade de sessenta anos a mais utilizada para distinguir

aqueles que no serviam mais para pegar nas armas ou mesmo para trabalhar.

Foi s a partir do Renascimento que houve um aumento da expectativa de vida,

surgindo com isso um maior interesse pelos problemas do envelhecimento, conforme

Leme (In: PAPALEO NETTO, 1996:21). Segundo o autor, na segunda metade do sculo

XV, Gabriele Zerbi, que era clnico, professor e anatomista, descreveu alguns sintomas

e doenas tpicas de velhos, no que poderia ser considerado como o primeiro manual de

geriatria. Par ele, o idoso tem uma compleio especial, primeiro fria e seca e

posteriormente quente e mida, definindo nessa compleio uma predisposio para

mais de 300 doenas.

Tambm de maneira sintomtica, Richelet (apud BOIS, 1994)16, apontado como

um dos primeiros a catalogar o sentido das palavras para caracterizar a velhice na

Frana, em 1680 j se referia s palavras ancio e velha. Foi assim, na forma

feminina, que ele se expressou, demonstrando o que foi claramente percebido por

Minois (1987), que a histria da velhice uma histria do ponto de vista masculino. O

pouco poder das mulheres, como da velhice annima, sempre foi ridicularizado e

15 Apesar de ser um texto escrito algumas dcadas antes do nascimento de Jesus Cristo, verificamos a sua pertinncia ao descrever o envelhecimento e as relaes sociais. 16 Cesar-Pierre Richelet, lexicgrafo francs do sculo XVII.

21

rejeitado; j a velhice honrada seria para os possuidores de poder, como os doges, os de

classes abastadas, os conselheiros dos governantes e os reis. Cronologicamente, ancies

seriam aqueles que tm entre 40 e 70 anos: so geralmente desconfiados, ciumentos,

avaros, melanclicos, conservadores, se queixando de tudo; os ancies no so capazes

de amizade (BOIS, 1989:27). No que toca a caracterizao da velhice como feminina,

Richelet, ao se referir s velhas, incluiu-as no mesmo perodo etrio dos ancies,

caracterizando-as tambm como muito repugnantes, alm de enrugadas e sonolentas.

Alguns anos mais tarde, no dicionrio elaborado por Furretire17, tambm

citado por Bois (1994), encontramos algumas caractersticas mais abonadoras. O ciclo

da vida foi dividido em escalas de idade, cada uma comportando sete anos: a faixa dos

30 aos 50 anos seria a da idade forte, idade madura e idade viril, ao passo que as

expresses estar na idade, estar avanando na idade ou declinar na idade definiriam

o comeo do envelhecer, e a decrepitude comearia aps os 75 anos. Assim como em

outras definies, o paradoxo tambm continuava, pois ao mesmo tempo em que se

associava muita idade a experincia, enaltecendo os ancies como pessoas que tm algo

de venervel, de grande, por outro lado a velhice tambm considerada como um

tempo de caduquice, em que no se tem mais fora (BOIS, 1989:28). Na mesma poca

a Academia Francesa evita apresentar qualquer idade para caracterizar a velhice e passa

a incluir expresses positivas para referi-la. Isso no significava maiores conhecimentos

adquiridos, mas sim uma parcial mudana de mentalidade, j que se tornar caduco

continuava a ser considerado como uma inevitvel conseqncia dessa fase da vida.

O sculo XVIII aquele no qual a percepo da velhice muda, de puramente

apreciativas, tornam-se objetivas (BOIS, 1994:63). Delineava-se no final do sculo um

interesse na contabilizao matemtica das populaes, que podia constatar o lento mas

progressivo aumento demogrfico na Europa. Jean-Pierre Gutton, citado por Bois

(1994), usa a expresso nascimento dos velhos mostrando que o interesse no sculo

XIX passava a valorizar mais as qualidades do indivduo. No momento em que esses

valores so descobertos, os velhos, tal como as crianas, passaram a ser tratados de

forma diferente no seio familiar. H uma evoluo favorvel, resultado de um

movimento que ocorreu nas sociedades europias,

17 Datado da ltima dcada do sculo XVII, seu dicionrio precede o da Academia Francesa.

22

[...] talvez o acontecimento mais importante da histria da civilizao moderna, a transio entre as civilizaes medievais e contemporneas, constituda da passagem das sociedades comunitrias que s identificavam a pessoa como pertencente a um grupo regido por suas prprias regras (BOIS, 1994:63).

As representaes da idade passam a ser bem otimistas, principalmente aps a

segunda metade do sculo. Cria-se a imagem do bom velho, segundo a qual ter muita

idade pode contribuir para a aquisio de outras qualidades, no mais pelo saber

acumulado, mais por valores ligados virtude, como justia, bondade e temperana

(BOIS, 1994). Mas a ambigidade logo fica novamente marcada.

No demorou muito para que no sculo XIX, a partir da influncia da

medicina, se tivesse uma imagem cada vez mais diferente da velhice, e foi nessa poca

que surgiram os primeiros tratados de geriatria. Por um lado, nesse mesmo sculo,

verificava-se uma gerontocracia na Frana, j que os idosos conseguiam deter algum

tipo de poder, o que explicava o fato de que muitos deles ainda estivessem nas

famlias, nos negcios, no exerccio dos poderes constitucionais ou eletivos. A

caracterstica dominante era muito mais favorvel aos velhos do que em qualquer outra

poca (BOIS, 1994:95-96). Por outro lado, a relao com os que no tinham qualquer

poder e respeito era diferente. Em Paris, foi criado o Hospital Salptrire, que acolhia de

dois a trs mil idosos, e passou-se a observar a velhice pelos aspectos clnicos. Esse

dado parece ser definitivo para marcar a contribuio do modelo que se fundamenta na

inevitvel responsabilidade do indivduo por sua degradao ou mesmo conservao

para uma boa velhice. Os doentes nos hospitais

[...] tornavam-se sujeitos de observao, em que a clnica se afirmava e novas abordagens das doenas da idade se sucediam [...] existiu a partir do primeiro tero do sculo XIX uma verdadeira demanda de livros informando sobre o envelhecimento do indivduo e dando conselhos. Estes guias de grande difuso foram geralmente escritos por professores clebres [...] eles escreviam ao vislumbre de seus conhecimentos gerais e de sua sabedoria uma promoo de regras para a vida que garantiriam uma boa velhice [...]. No se tratava de pesquisas, mas de escritos que pertenciam a um gnero completamente diferente, num meio de caminho entre medicina e filosofia. (BOURDELAIS, 1993:322-339).

23

Para esse autor, era incontestvel o interesse que o envelhecimento e a velhice

passaram a ter tanto no campo cientfico como no teraputico, sendo estudados dentro

dos hospitais. O desenvolvimento da geriatria parece ter contribudo para a deteriorao

da imagem da pessoa idosa; as diversas descries clnicas eram categricas,

apresentando sempre quadros precisos, chocantes e repetitivos da decadncia fsica.

medida que as investigaes se desenvolviam num quadro de pesquisas das anomalias,

do que no funcionava, estaria provada a deteriorao pela idade (BOURDELAIS,

1993:348).

O sculo XX considerado um perodo bastante importante no tocante ao

interesse social pelas coisas da velhice, quando uma nova velhice passou a ser

delineada, surgindo as associaes gerontolgicas e geritricas. poca da

hiperatividade contempornea, de contato com uma nova arte de envelhecer (MIRA Y

LOPES, 1966), um resgate da poca dos iluministas do sculo XVIII que apresentaram

uma imagem positiva da velhice. Mas quando se encarava o envelhecimento a partir das

obras geritricas, ficavam bem marcadas as perdas e as doenas, o aspecto negativo. S

na segunda metade do sculo XX surgiram trabalhos mais prximos das cincias sociais

que comearam a fazer denncias sobre o abandono e as condies miserveis dos

velhos. Ao mesmo tempo, gerontlogos passam a defender um modelo diferente de

envelhecimento que logo incorporado pelos geriatras.

Simone de Beauvoir (1970), apresentou de maneira contundente as

dificuldades de sobrevivncia dos idosos, e o descaso com que os mais velhos eram

tratados. No momento em que foi publicado este livro, foi bastante peculiar e foi

considerado um dos mais importantes para quem estudava o envelhecimento e a

sociedade. Estudo abrangente, denunciava na histria da humanidade o estado de

misria e o abandono social impostos queles velhos desprovidos de algum tipo de

poder. Segundo a autora, sendo raras as sociedades em que o velho era venerado, um

estudo sobre as influncias da sociedade sobre a velhice e o envelhecimento deve

considerar que ser ento a prpria sociedade que vai determinar

[...] o lugar e o papel do velho, levando em conta suas idiosincrasias individuais: sua impotncia, sua experincia; reciprocamente, o indivduo condicionado pela atitude prtica e ideolgica da sociedade a seu respeito. De modo que, uma descrio analtica dos diversos aspectos da velhice no pode ser suficiente: cada

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um deles reage sobre todos os outros e por eles afetado. no movimento indefinido desta circularidade que temos de aprend-la (BEAUVOIR, 1970:13-14).

Sobre o trabalho da autora, alguns justificam sua importncia pelo momento

histrico em que foi escrito, j que as condies dos velhos na Frana nos anos 60

deixavam muito a desejar. J outros, como Woodward (2000), descrevem-no como

tendo partido de uma estratgia emocional que mobilizava o medo e provocava a

piedade. Para essa ultima autora, a viso de Beauvoir sobre a velhice se associaria a

uma repulsa, um exemplo preconceituoso com relao ao envelhecimento:

Sua anlise baseada em duas suposies primrias e entrelaadas, que tambm servem como ferramentas tericas e concluses: a reao existencial sbita diante da condio da velhice (por parte do jovem e do velho) e a impotncia do idoso como grupo econmico (WOODWARD, 2000:237).

Uma vez que durante muitos anos o conhecimento do envelhecimento e da

velhice era dominado por mitos, esteretipos, preconceitos, ignorncia e medos pessoais

com a velhice (CRANDALL, 1980:4), foi necessrio incorpor-la primeiro como uma

fase importante da vida e depois consider-la enquanto um fato social, para que pudesse

ento merecer estudos mais sistemticos.

Ao fazer uma histria da velhice, Jean-Pierre Bois (1994:4) argumentou que,

no importando o perodo em que ela foi abordada, o discurso que se fez passar sempre

por uma discusso de

[...] temas em oposio mas sem dvida complementares sabedoria e loucura, felicidade e tristeza, beleza e feira, virtudes e corrupes de idade e das pessoas idosas que exprimem duas aspiraes, a tentao de uma vida longa e a recusa das fraquezas clssicas da idade.

Acrescentamos ainda a noo de progresso e desenvolvimento em oposio

de estagnao e involuo, ou seja, um mau e um bom envelhecimento, o que abre o

caminho para se contrapor atividade a inatividade na aposentadoria e autonomia a

dependncia. Como ento superar o que parece rondar o senso comum, a noo de que

existiria certa semelhana entre ser muito velho e a fase de dependncia total? a que

acaba surgindo com outros fatores uma nova maneira de envelhecer, em oposio

velhice indesejada.

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ento no sculo XX, visando a combater o mau envelhecimento, que surgem

cada vez maior nmero de manuais, alguns seguindo os preceitos higienistas que

defendem uma moral que resultar no bom envelhecimento18. Isso acabou se

intensificando ainda mais a partir do tema na categoria de problema social. Mais

precisamente, no perodo a partir dos anos cinqenta, quando aqueles manuais passaram

a propor com certa freqncia um modelo do bom envelhecimento, que acabou de certa

forma sendo incorporado nas polticas sociais da velhice. S que agora quem passar a

cuidar dos velhos sero eles prprios, auxiliados pelo Estado, que passou a dividir com

a famlia as responsabilidades de seus velhos. Com o passar dos anos de

desenvolvimento aps a Segunda Guerra e a influncia da poltica do bem-estar social,

surgiram novas aspiraes de uma classe mdia assalariada que, junto com o

envelhecimento da populao, cresceu de forma considervel. O fenmeno do

envelhecimento da populao tm se apresentado com caractersticas nicas na histria

da humanidade com causas bastante claras mas com conseqncias das mais diversas

que acabam influindo desde as relaes entre as geraes at a novas formas de

consumo.

A transio demogrfica no Brasil e na Frana

No se pode falar do envelhecimento de uma populao, da forma como vem

ocorrendo na Frana e no Brasil, sem se reportar s presses demogrficas. Tendo como

base os aspectos quantitativos, a demografia19 surgiu como uma cincia interessada em

estudar o movimento das populaes humanas, suas mais diversas dimenses,

estruturas, evoluo e tambm suas caractersticas gerais. Ela tanto prospectiva como

retrospectiva. Diante dos dados j conhecidos, tudo indica que o sculo XXI ficar

marcado pelo significativo aumento demogrfico da populao mundial de idosos (US

18 Poderamos citar como por exemplos alguns livros que procuram passar uma nova frmula para o enfrentamento da velhice: Como emplacar cem anos (FILIZZOLA, 1964), Envelhea sorrindo (KEHL, 1949, Pondo fim velhice FULDER (1983); Como prolongar a vida (BOOGOLOMETS, 1944); A arte de permanecer jovem (BROWER, 1981); A chave da juventude (CHOUERI, 1987); Longevidade e fontes da juventude (CARNE, 1962); Quelques conseils pour vivre vieux (DEURY, 1926); O elogio da idade em um mundo jovem e bronzeado (COMBAZ, 1990). 19 Termo criado em 1855 por A. Guillard, tem origem no grego: demos significa povo e graphos, escrita.

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CENSUS BUREAU 2003; INSEE 2001; BRASIL 2001), fato que se delineou no decorrer do

ltimo sculo20.

Para melhor compreender a emergncia do envelhecimento de uma populao

enquanto problema, comum serem reportadas suas evolues demogrficas. Enquanto

uma das primeiras cincias sociais quantificveis, a demografia se utiliza de estatsticas,

cujos resultados tornam-se cabveis de anlises qualitativas (fatores sociolgicos,

psicolgicos, etc.), levantando diversas questes ligadas a economia, a sociologia e a

histria (GRAWITZ, 1991:108).

No perodo compreendido entre os anos de 1950 e 2025, enquanto a populao

mundial total dever triplicar, a parcela formada pelos que tm mais de sessenta anos21

ser multiplicada por cinco. Nos dois pases que fazem parte desta pesquisa22 esse tema

vem sendo exaustivamente debatido nos ltimos anos, principalmente devido s

previses no caso do Brasil e da realidade vivida hoje na Frana (TABELA 1).

TABELA 1

PORCENTAGEM DA DISTRIBUIO DAS POPULAES FRANCESA E BRASILEIRA POR

GRUPO DE IDADE NOS ANOS DE 2000, 2025 E 2050