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AS ORIGENS DO COMPLEXO DE ÉDIPO APRENDENDO COM O PACIENTE Édipo Mesmo temas muito conhecidos estão sujeitos a controvérsias e inovações teóricas, como mostra o texto de Edna O'Schaughnessy, 1987: "É um fato clínico que há longos períodos de análise, possivelmente, alguns já sugeriram, até mesmo análises inteiras, nos quais parece haver pouco ou mesmo nenhum material edipiano. Na tentativa de dar conta deste fato, os analistas tomaram diferentes caminhos. Um deles, tomado por Kohut e seus seguidores (Kohut, 1971), é o de deixar o complexo de Édipo de lado. Os kleinianos tomam um caminho oposto. Sua abordagem, quando o complexo de Édipo é o que estou chamando de 'invisível', é de que assim o é não por não ser importante, mas porque é tão importante e sentido pelo paciente (por quaisquer motivos) como tão inegociável que ele emprega meios psíquicos para torná-lo e mantê-lo invisível". Para mim, as duas abordagens se esquivam de tentar entender o que ocorre porque percebem que a teoria edipiana de Freud não fornece elementos para tal; uma nega o Édipo e outra nega a incoerência teórica. Nossa tentativa é de ampliar um pouco o alcance da teoria edipiana ára eliminar a incoerência. Em 1923, Freud fala da instauração do complexo de castração, da culpa que leva ao medo de ser castrado. Masculino equipara-se a fálico, sujeito, atividade, pênis. Feminino, a castrado, objeto, passividade. Em 1931, Freud considera que "parece que deveremos voltar atrás na afirmação da universalidade do complexo de Édipo,

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AS ORIGENS DO COMPLEXO DE ÉDIPO

APRENDENDO COM O PACIENTE

Édipo

Mesmo temas muito conhecidos estão sujeitos a controvérsias e inovações teóricas, como

mostra o texto de Edna O'Schaughnessy, 1987: "É um fato clínico que há longos períodos de

análise, possivelmente, alguns já sugeriram, até mesmo análises inteiras, nos quais parece haver

pouco ou mesmo nenhum material edipiano. Na tentativa de dar conta deste fato, os analistas

tomaram diferentes caminhos. Um deles, tomado por Kohut e seus seguidores (Kohut, 1971), é o

de deixar o complexo de Édipo de lado. Os kleinianos tomam um caminho oposto. Sua

abordagem, quando o complexo de Édipo é o que estou chamando de 'invisível', é de que assim o

é não por não ser importante, mas porque é tão importante e sentido pelo paciente (por quaisquer

motivos) como tão inegociável que ele emprega meios psíquicos para torná-lo e mantê-lo

invisível".

Para mim, as duas abordagens se esquivam de tentar entender o que ocorre porque

percebem que a teoria edipiana de Freud não fornece elementos para tal; uma nega o Édipo e

outra nega a incoerência teórica. Nossa tentativa é de ampliar um pouco o alcance da teoria

edipiana ára eliminar a incoerência.

Em 1923, Freud fala da instauração do complexo de castração, da culpa que leva ao medo

de ser castrado. Masculino equipara-se a fálico, sujeito, atividade, pênis. Feminino, a castrado,

objeto, passividade.

Em 1931, Freud considera que "parece que deveremos voltar atrás na afirmação da

universalidade do complexo de Édipo, enquanto núcleo das neuroses, a menos que se englobe no

termo 'complexo de Édipo' a face negativa deste" pois durante a fase de ligação com a mãe

(Édipo negativo), o pai é considerado como um rival ainda que não lhe dispense a mesma

hostilidade que o menino.

J. Chasseguet-Smirgel, 1988, cita que é perturbador constatar que a teoria freudiana do

complexo de Édipo dá ao pai um lugar central no Édipo do menino, enquanto que o reduz

consideravelmente no Édipo da menina.

Em 1924/25, Klein inverte o encaminhamento freudiano e concebe o desenvolvimento do

menino conforme o modelo elaborado para a menina. Isso não ocorre sem dificuldades:

geneticamente, a ordem de sucessão dos estágios aparece como idêntica nos dois sexos, mas seu

significado é diferente. Assim como a menina, é levado pelo temor da mãe introjetada a adotar

uma posição masculina em função de repressão de seu complexo feminino. Mas estando esta

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posição de acordo com sua orientação genital, será mantida no momento do Édipo clássico, cujo

início assinala. A sweguir o paralelismo é incompleto; falta a terceira fase no desenvolvimento

do menino.

Qualquer que seja o arranjo da constelação edípica, ela sempre se organiza a partir de uma

prévia posição narcisística.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Através dos encontros com Paulo, pude modificar minha maneira de assimilar a teoria

edípica e é primariamente sobre essa experiência emocional pessoal que tentarei discorrer a

seguir, iniciando pela clínica:

Paulo entrou e imediatamente falou, como se o assunto estivesse lhe queimando a língua;

P - Como é que se constrói um sonho? Eu tive um sonho estranho e interessante... como

será que eu construí o argumento?

A – Você quer que eu explique como funciona sua mente; parece que se impressionou muito

com o sonho.

P – Meu carro tinha sido roubado e fui numa rua que era uma subida e no final saia uma

ruela para um lado que ia afunilando até acabar e no fim tinha uma espécie de casa e, na frente

da casa... o meu carro estava lá, como se estivesse estacionado ou como se aquilo fosse uma

garagem e ele estivesse guardado. Só lembro isso.

A - (A imagem que me surgiu foi de um esquema do aparelho sexual feminino ao qual

faltava uma das trompas; era muito óbvio para justificar um sonho estranho e interessante e, por

isso, permaneci calado, imaginando que surgiriam outros dados).

P - Agora me lembro... fui lá com meu irmão, eu tinha emprestado o carro para ele e

roubaram dele... mas o carro era meu.

A - (O irmão de Paulo é cirurgião-dentista e eu pensei: "Roubaram a broca dele"; o assunto

voltava a ser castração mas preferi não arriscar).

Isso me lembra que seu irmão é dentista e você financiou o curso dele.

P - É... Lembrei mais um pouco... o ladrão estava lá... meu irmão fazia sinais para mim mas

não prestei atenção; aí o ladrão pegou um algodão molhado e pos no meu nariz; meu irmão

ficou horrorizado com a agressão mas eu não senti nada e comecei a conversar com o ladrão e

dizer que o carro era meu. Parece que esta parte do sonho, do algodão, era a mais marcante do

sonho mas não entendi... não aconteceu nada; o que que você acha?

A – Que era isso que você queria que eu descobrisse desde que começou a falar no sonho.

P - Mas eu nem me lembrava desse pedaço... e tem mais um, também tinha um amigo meu

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que é médico oftalmologista.

A - Acho que você quer que eu lhe abra os olhos e faça você enxergar.

P - Enxergar o que? Acho que era só isso; não tinha mais nada... parece que só tinha

homem... não lembro de mulher no sonho.

A - Se você fizer uma imagem mental de uma rua que sobe, tem duas ruelas, uma para cada

lado, e que terminam em uma casa, com o que que essa imagem parece? (Achei que Paulo

entenderia o modelo porque ele é médico e está em análise há seis anos).

P - (Paulo riu e foi além da minha expectativa). Depois você vai me perguntar da broca do

dentista? Tá, tudo isso está claro; de fato, o roubo não parece um roubo visto agora... é como se

eu fosse lá para buscar o carro; não precisa nem falar... eu sei o que é o carro e a broca... o que

eu não sei é o algodão molhado... não entendi.

A - Talvez esteja faltando algo para esclarecer melhor.

(Eu estava cego e não via que ele me procurava para que eu lhe devolvesse o carro-broca

que tinha dado ao irmão e que parecia ser sentido pelo paciente como parte do self dele cindida e

projetada no irmão. Assim, o que ele queria era que eu o ajudasse a resgatar as partes cindidas de

seu self e lhe possibilitasse reintegrá-las sem medo).

Este fato sugere que havia um medo que o levou a projetar e não conseguir reintegrar por

sentir-se perseguido (o ladrão roubou). A agressão inicial seria do próprio paciente contra o pai,

dai o medo da retaliação.

M. Klein foi a primeira que inverteu o modo de Freud referir o complexo de castração: em

vez de temer crescer porque o pai o invejaria e o castraria, o menino é que castra o pai na

fantasia e teme a retaliação (castração).

P - Não, não falta nada... eu é que. preciso me curar dessa minha inibição que atrapalha

meu relacionamento com os outros.

A - (Lembrei-me do oftalmologista). Não sei se é curar ou enxergar.

P – Que diferença faz? Quem não enxerga está doente.

A - (Senti sua resistência). Talvez você se recuse a enxergar que quem não está enxergando

sou eu. Não sei se esse tipo de cegueira é doença (ia continuar mas fui interrompido).

P – Parado aí! Isto me lembra o primeiro caso de histeria que eu vi no Pronto Socorro. Ela

entrou toda. mole, deitada e o médico mais antigo logo levou um algodão com amoníaco ao

nariz dela; ela acordou e sentou na hora.

A - E esclareceu o significado do algodão molhado; é para ver se você acorda de sua

histeria.O roubo, a castração, a agressão, são fantasias; o médico, eu, queria que você

enxergasse isso e você se sentia agredido e roubado.

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P – Pois é... o resto são detalhes... o estacionamento que parecia garagem... meu carro

estacionado mas guardado como se fosse uma garagem. Eu sei... mas prefiro que você fale.

A - Novamente você está me dando o carro, mas penso que quer que eu devolva e o autorize

a ficar com ele.

Na sessão seguinte, Paulo entrou e perguntou imediatamente:

P - De que nós vamos falar hoje?

A - (Permaneci em silêncio, aguardando).

P - O que nós estávamos falando na sessão passada? Você lembra?

A - (Senti como sendo puxado a falar, a conduzir) E você? Você lembra?

P - (Creio que ele percebeu o que senti, pois sorriu e respondeu) Estávamos falando do

ladrão.

A – Pois , você passa a bola para mim e, se eu chuto, você vai dizer que eu roubei tua bola.

P - É... o ladrão não era ladrão... percebi só quando despertei, no sonho não...

A - Percebeu quando? (Surpreso, perguntei antes de me dar conta pois a percepção foi

durante a sessão anterior, segundo me parecia).

P - Quando despertei, porque?

A - E quando você despertou?

P- (Fazendo expressão de estranheza). Não foi quando acordei... foi aqui na sessão... porque

será que falei isso?

A - (Antes tinha falado "despertei" por duas vezes; agora falou "acordei". Conclui que

tinham diferentes significados). Penso que você percebeu quando despertou da "histeria" e,

agora estava tentando "dormir-esquecer" novamente.

P - (Ficou longo tempo em silêncio). Ter pais estáveis deve ser essencial para os filhos...

como é que eu seria se meus pais não fossem doentes?

A - (Permaneci calado).

P – Quase nunca eu falo de minhas filhas aqui... porque será?

A - (Senti que estava emergindo algo e achei que qualquer comentário seria uma

interferência perturbadora).

P – Elas estão evoluindo muito bem, apesar do tipo de pai que tem.

A - E que tipo de pai que elas têm?

P – Elas têm um pai... (falou um pouco alto e, pareceu-me, de forma acusatória; então se

interrompeu e depois continuou bem baixinho) estável (e me olhou admirado).

A - Parece que você despertou, abriu os olhos e não acredita no que vê.

P - Eu sou um bom pai, faço tudo por elas e somos bem próximos... às vezes eu pego as duas

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e digo: “vamos conversar”, mesmo sem saber o que, e passamos muito tempo conversando

gostoso.

A - Lembra um pouco nos dois aqui.

P - (Rindo). Lembra do jogo de futebol? Também mudou um pouco, um time. era bem mais

forte que o outro e agora está mais equilibrado; é mais gostoso jogar.

A - Acredito, nós dois estamos mais equilibrados, mais iguais, jogando em conjunto.

P - Minha mãe... ela está ótima no apartamentinho dela, com um mínimo de remédio... Mas

no começo eu não tinha condições de ficar com ela, eu era muito pequeno.

(Meu paciente continuava despertando, resgatando o que o sentimento de culpa persecutória

não lhe permitira antes. Eu estava sentindo que ele estava em um momento integrado e

reparador).

A – Se sua mãe tivesse tido um pai igual ao de tuas filhas, ela não teria sido internada (ele

tinha retirado a mãe de um hospício e, há anos, cuidava dela).

P - É verdade. (falou sem surpresa e sem alegria, constatando) Mas eles não tinham

condição... não será por isso que eu não trouxe minha mãe para minha casa e a pus num

apartamentinho? (Não esperou resposta) . Mas ela se sente ótima lá, é o lugarzinho dela, como

se ela se sentisse protegida lá.

A – Você ia se culpar novamente dizer que faz igual aos outros, mas voltou atrás e concluiu

que, na verdade, tinha feito o que julgou melhor para todos.

Na sessão seguinte, contou que tinha sonhado que eu tinha passado seu caso para outra

pessoa e, por isso, ele estava sendo atendido pela minha assistente psicóloga que era mais bonita;

Ela cuidava bem dele, talvez até melhor do que eu, e tinha até cuidados maternais. Sentia-se

abandonado por mim, mas sabia que não era verdade pois, de vez em quando, eu abria a porta

para olhar.

Interpretei no sentido de que ele sentia que eu já permitia que ele ficasse com minha mulher

e ele retrucou que preferia outra interpretação, a de que minha assistente também era eu,

representando uma parte mais afetiva; por isso era mulher.

Depois disse que as sessões estavam uma loucura, que não pareciam capítulos de um livro e

sim livros diferentes entre si, que, apesar disso, estava melhor.

Paulo tentava me mostrar suas mudanças no relacionamento afetivo comigo e meu

afastamento (livros diferentes). Sem entender, interpretei que já podia desejar, mas não podia

transar com minha psicóloga porque sentia que eu ainda estava vigiando.

Eu não me aproximava, mas Paulo continuou mostrando que estava mais aberto, mais

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afetivo, pois, a seguir, falou de suas poesias, que são bonitas e que escrevia sem pensar mas que

não escrevia mais; só escreveu até os dezenove anos.

Ofuscado por uma teoria edipiana em que tentava encaixá-lo, nem lembrei que ele tinha

ficado órfão de pai nesta idade e disse-lhe: "Como criança pode ser produtivo, como adulto não

pode porque só existe um pai; além disso, escrever um livro é ter um filho com minha

psicóloga”.

Ele respondeu meio irritado, meio insistente: (como quem diz: "Decide logo"): “Afinal, eu

tenho problemas com papai ou com mamãe?”.

Acho que essa "sacudida" conseguiu me abrir os olhos, finalmente, e eu falei: "Você tem

problemas por me ver dividido, uma parte masculina, um pai egoísta, dono da verdade,

professoral, e uma parte feminina, compreensiva e afetuosa". Ele respondeu: "Eu também estou

dividido: gosto que você me force, me incentive, porque isso me dá ânimo mas quando não

consigo, sinto que estou sendo violentado; aí prefiro você compreensivo me aceitando como

sou... é gostoso... mas então penso que, se ficar nisso, eu vou querer ser criança para sempre”.

Paulo mostra que está em um conflito tremendo; no relacionamento com figura masculina,

autoritária, sente-se violentado e violento e, ao procurar refugiar-se no relacionamento com

figura feminina afetiva, sente-se aceito e contido, mas aí teme o retorno à situação simbiótica

onde é dependente e sempre criança.

Essa divisão do analista em dois, geralmente um homem mais "duro" e uma mulher mais

"afetiva", não é incomum.

Sabe-se que o bebê trabalha inicialmente com objetos parciais (mãe boa e mãe má) e, com

sua evolução, integra esses objetos parciais em um objeto total (mãe com características boas e

más). Vejamos o que nos diz Melanie Klein, (1945): "Quando Richard tornou-se capaz, durante

a análise, de se defrontar com o fato psicológico de que o seu objeto amado era também o seu

objeto odiado e que a mãe azul-clara, a rainha com a coroa, estava ligada, em sua mente, ao

pássaro horroroso com o bico, ele pôde estabelecer seu amor pela mãe com mais segurança (...)

e suas experiências felizes com a mãe não foram mais mantidas tão separadas das suas

experiências de frustração (...). Sempre que ele podia se permitir unir os dois aspectos da mãe,

isto implicava na atenuação do aspecto mau pelo bom".

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CONCLUSÃO

Consultemos os escritos de Hanna Segal: "Tanto para o menino quanto para a menina, o

primeiro objeto de desejo é o seio da mãe, sendo o pai percebido inicialmente como rival. (...)

À medida que o desenvolvimento prossegue, o objetivo genital se torna predominante e,

com sua predominância, a escolha entre os pais flutua cada vez menos; escolhe-se entre os pais,

de modo mais definitivo e duradouro, o do sexo oposto como objeto de desejos libidinais,

enquanto rivalidade e identificação aumentam em relação ao do mesmo sexo.

As fantasias do menino centram-se na relação sexual com a mãe e nos medos de castração;

as da menina centram-se na relação sexual com o pai e na ansiedade em relação a ataques de sua

mãe". (Segal, H., 1964)1.

M. Klein já tinha escrito que: "O bom seio internalizado forma uma parte vital do ego e sua

preservação torna-se uma necessidade imperativa. A introjeção desse primeiro objeto amado

está, portanto, ligado aos processos engendrados pelo instinto de vida. O bom seio internalizado

e o mau seio devorador formam o núcleo do superego, em seus bons e maus aspectos; são os

representantes no ego da luta entre os instintos de vida e de morte." (Klein, M., 1952).

Freud coloca que o Superego é o herdeiro do complexo de Édipo; simplificando, forma-se

pela introjeção das figuras parentais; Klein coloca que o núcleo do superego é formado pela

internalização do seio bom e do mau seio.

Em vários escritos, Freud mostra não desconhecer e, pelo contrário, aceitar o que M. Klein

desenvolve. Por exemplo, em "O Ego e o Id" temos: "Os efeitos das primeiras identificações

efetuadas na mais primitiva infância serão gerais e duradouros. Em idade muito precoce, o

menininho desenvolve uma catexia objetal pela mãe, originalmente relacionada ao seio

materno, e que é o protótipo de uma escolha de objeto segundo o modelo anaclítico".

Freud continua: "Pareceria, portanto, que em ambos os sexos, a força relativa das

disposições sexuais masculina e femininas é o que determina se o desfecho da situação edipiana

será uma identificação com o pai ou com a mãe. Fica-se com a impressão de que de modo algum

o complexo de Édipo simples é a sua forma mais comum; representa antes uma simplificação ou

esquematização que é, sem dúvida, freqüentemente justificada para fins práticos. Um estudo

mais aprofundado revela o complexo de Édipo mais complexo, o qual é dúplice, positivo e

negativo. Isto equivale a dizer que um menino não tem simplesmente uma atitude ambivalente

para com o pai e uma escolha objetal afetuosa pela mãe, mas que, ao mesmo tempo, também se

comporta como uma menina e apresenta uma atitude afetuosa feminina para com o pai e um

1 Se entendermos a perda do pênis como uma metáfora que representa a perda das potencialidades, podemos pensar que, tanto o menino quanto a menina, temem serem castrados pela figura parental do mesmo sexo.

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ciúme e uma hostilidade correspondente em relação à mãe”. (Freud, S., 1923).

Repensando a experiência da relação e o conceito de que o complexo de Édipo é um

triângulo formado pelo bebê, a mãe (relação primária) e o pai — o outro (realidade externa),

conjeturo um modelo em que o complexo de Édipo permanece um triângulo, mas formado pelo

bebê e seu amor e ódio à mãe, respectivamente mãe boa e mãe má em termos kleinianos, isto é,

seio bom e seio mau. Estas duas posturas — amor e ódio — formariam o triângulo: o bebê, a

mãe boa e a mãe má. Quando o bebê cresce e passa a ter condições de começar a trabalhar com

essa situação, podemos imaginar que a menina projetaria a mãe boa e a colocaria no pai —

formando o triângulo: menina, mãe má e pai bom — e o menino projetaria a mãe má, colocando-

a no pai e formando outro triângulo: o menino, a mãe boa e o pai mau. Como diz Hanna Segal,

embora em outro contexto: "No meu entendimento, para preservar uma relação tolerável com o

seio, o bebê cinde e projeta os aspectos maus, tanto do seio quanto de si mesmo, e cria uma

terceira figura má. O pênis do pai é um continente ideal para tais projeções". (Segal, H., 1989).

Os casos de Édipo invertido ou os casos de Édipo complexo, citados por Freud, poderiam

ser explicados por mecanismos semelhantes. Os casos em que não se observa material edipiano

clássico seriam de mentes mais regredidas que se mantém numa relação dual, com a figura da

mãe funcionando como objeto parcial.

Usando o conceito freudiano de compulsão à repetição, podemos dizer que o bebê forma um

padrão inicial de reação com o seio e o não-seio e esse padrão passa a ser usado em suas relações

posteriores com as figuras parentais e quaisquer outros objetos da realidade externa.

Este modelo serve para explicar a evolução do Édipo, nos dois sexos, praticamente da

mesma maneira, não necessitando dos mecanismos, a meu ver imperfeitos, de outros modelos.

Serve também para explicar porque mentes mais regredidas não apresentam material

edipiano clássico.

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RESUMO

Este é um trabalho clínico cujo material sugeriu ao autor um modelo edípico onde o

triângulo é formado originalmente pelo bebê, seio-bom e seio-mau, isto é, bebê, mãe-boa e mãe-

má.

Na sequência dessa relação, para preservar a figura da mãe, o bebê cinde e projeta os

aspectos maus, seus e da mãe; o continente mais adequado para essa projeção — para os dois

sexos, ao que parece — é o pênis do pai.

À medida que o objetivo genital se torna predominante, a mãe-boa é projetada na figura

parental do sexo oposto e a mãe-má, na figura parental do mesmo sexo.

Na clínica, este modelo pode ser inferido na transferência, nas situações em que o analista

representa alternada ou simultaneamente ambos os pais.

Freud e diversos autores kleinianos são citados em uma tentativa de mostrar que essa

hipótese já se encontra implícita e, às vezes, quase explícita, em alguns de seus escritos.

Usando o conceito freudiano de compulsão à repetição, podemos dizer que o bebê forma um

padrão de reação inicial com o seio e o não-seio e esse padrão passa a ser usado em sua relação

com as figuras parentais e quaisquer outros objetos da realidade exterior.

O que leva o autor a preferir este modelo é que ele serve para explicar a evolução do Édipo,

nos dois sexos, da mesma maneira, e também serve para explicar porque mentes mais regredidas

não apresentam material edipiano clássico.

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BIBLIOGRAFIA

1. CHASSEGUET-SMIRGEL, J., 1964 - Sexualidade Feminina, Artes Médica, Porto Alegre, 1988.

2. FREUD, S. (1923) O ego e o id. In Ed. Standard Brasileira, vol. XIX, Rio de Janeiro: Imago

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Janeiro: Imago Editora.

4. KLEIN, Melanie (1945) O complexo de Édipo â luz das primeiras ansiedades. In: ___.

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5. ——————— (1952) As origens da transferência. In: Obras completas, VI, Buenos Aires,

Editora Paidós, 1976.

6. 0'SCHAUGHNESSY, Edna (1987) O complexo de Édipo invisível. In: O complexo de Édipo

hoje. — implicações clínicas, Porto Alegre, Artes Médicas, 1992.

7. PETOT, Jean-Michel (1979) Melanie Klein I, São Paulo; Editora Perspectiva, 1987.

8. SEGAL, Hanna (1964) Introdução à obra de Melanie Klein, Rio de Janeiro, Imago Editora,

1975, pgs. 124/125.

9. —————— (1989) Introdução. In: O complexo de Édipo hoje. — implicações clínicas.

Porto Alegre, Artes Médicas, 1992.

Osvaldo Marba, , SBPSP