a origem da educação intelectual
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A ORIGEM DA EDUCAÇÃO INTELECTUAL
Rev. Alexandre Alencar
“Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam
de mim.” (Jo.5.39)
Ao contrário do que alguns pensam, a educação intelectual não é criação dos filósofos gregos
nem dos humanistas pós-medievais. Muito antes disso, o homem vem buscando o saber,
organizando seus estudos e ensinando o conhecimento. Isso ocorreu naturalmente na história
humana, pois diferente de todos os demais seres vivos, Deus fez o homem um ser racional, capaz de
conhecer, estudar, investigar e ensinar. A Terra entregue ao homem para ser administrada,
governada e utilizada é um mundo “conhecível”, feito para ser estudado e desenvolvido pelo
homem; cenário para o desenrolar da história humana, palco para a revelação de Deus. Por isso,
desde o inicio a história do homem está intimamente relacionada com a busca pelo saber, aplicando-
o nas mais diversas áreas da vida pessoal e social, preservando o conhecimento para as gerações
futuras. Desejamos, aqui, demonstrar que encontramos nas Sagradas Escrituras a origem da
educação intelectual, presente, principalmente, entre aqueles que receberam o importante papel de
guardar os registros históricos da revelação de Deus.
Já nas primeiras páginas das Escrituras, encontramos o termo hebraico t[;D; (da ̔at -
conhecimento) utilizado 90 vezes no Antigo Testamento e traduzido pela Septuaginta (LXX) por
diversos termos gregos que compõe o campo semântico do conhecimento em geral: gnwsto,j
(gnostós - conhecido), ginw,skw (guinósko - conhecer), evpisth,mh (epistéme - conhecimento), oi=da
(oîda – conhecer, saber), evpi,gnwsij (epígnosis – discernimento), su,nesij (sünesis - compreensão),
gnw/sij (gnôsis – conhecimento), ai;sqhsij (aísthesis – discernimento) sofi,a (sofía – sabedoria),
evpi,stamai (epistamai – entender), evpignw,mwn (epignómon – inteligente), fro,nhsij (frónesis –
compreensão), avnalogi,zomai (analogízomai – considerar), boulh, (bulé – propósito). O termo
hebraico é amplo e pode se referir à observação mais simples (Jó.10.7), ao conhecimento das
técnicas de trabalho (Ex.31.3) e, também, pode designar o conhecimento estrito, acadêmico,
buscado sistematicamente (Ec.1.16,18). Não é sem razão que encontramos t[;D; (da ̔at)
principalmente nas literaturas sapienciais do período do reinado de Salomão: 10 ocorrências em Jó,
40 ocorrências em Provérbios e 7 no livro de Eclesiastes, totalizando 57 ocorrências, ou seja, 63%
de seu uso no Antigo Testamento. Durante o reinado de Salomão, Israel viveu seu período clássico,
a era de ouro política, econômica e também literária, pois além da conservação dos livros Sagrados
outras literaturas foram produzidas (1Rs.4.30-34; Ec.12.12). Neste período, a busca pelo
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conhecimento ganha seu apogeu hebraico, apesar de haver na época apenas parte do Antigo
Testamento.
A primeira ocorrência de t[;D; (da ̔at) se encontra em Gênesis 2.9, fazendo parte do nome
dado à árvore que produzia um fruto proibido, o único que não poderia ser comido: a árvore do
“conhecimento” do bem e do mal. Isto não significa que o conhecimento estivesse associado ao
pecado nem muito menos ao mal, pois Adão e Eva possuíam conhecimento do bem. Ao comer do
fruto proibido, Adão e Eva teriam um conhecimento a mais, o conhecimento do mal. Em sua
finitude, o homem deveria se contentar com o conhecimento do bem, dando graças a Deus, pois
somente Deus é capaz de conhecer o bem e o mal sem, contudo, se inclinar para o mal. Por meio da
árvore, Deus provou o coração deles, pois eles deveriam confiar na Palavra de Deus e obedecê-la.
Contudo, ao surgir a dúvida no coração, a incredulidade curiosa conduziu Adão e Eva ao pecado,
tendo desejado ser como Deus, conhecedor de todas as coisas. O conhecimento do bem e a Palavra
de Deus não foram suficientes para nossos primeiros pais.
Mas, voltando um pouco à história da criação, antes da queda de Adão e Eva, a Escritura nos
diz que após Deus ter criado o homem, Ele lhe deu a tarefa de nomear os seres vivos. Talvez pareça
simples o primeiro trabalho dado ao homem, mas devemos lembrar que ainda em nossos dias ele é
realizado por cientistas. Para desenvolvê-lo bem, o homem precisava observar as características de
cada animal, conferindo para eles um nome que lhe fosse adequado. A inteligência do homem
estava em perfeito estado, pois o pecado não havia entrado na criação, ainda. Adão possuía
conhecimento revelado, desta forma a observação de Adão era límpida e precisa. Ainda no sexto dia
da criação, o homem estava dando seus primeiros passos no conhecimento de seu próprio intelecto.
O fato de ter sido criado em fase adulta, portador da fala e compreensão da linguagem, capaz de
observar com precisão os fenômenos e denominá-los, demonstra que o conhecimento de Adão foi
revelado, ou seja, dado por Deus. Adão não passou por qualquer processo de aquisição do
conhecimento, apenas o articulou, pois já o possuía. Ele também era capaz de lavrar a terra de
forma adequada, com toda a técnica necessária para o bom desempenho agrícola. Além desse, Adão
possuía uma ampla gama de outros saberes, notados em seus filhos que aprenderam com o pai. Em
Gênesis 4, Abel oferece sacrifício ao Senhor, demonstrando que o instrumento cortante e o fogo já
eram dominados desde o princípio (Gn.4.4). Os descendentes de Caim desenvolveram ainda mais as
técnicas com metais, fabricação de tendas, criação e uso de instrumentos musicais (Gn.4.17-24).
Adão, durante longos anos, os ensinou aquilo que havia recebido por revelação de Deus. Ele havia
sido criado em perfeito estado e seu conhecimento era bastante amplo.
É interessante notar que a prática de conferir nome de acordo com as características visíveis é
também encontrada na nomeação de filhos. Nem sempre o nome dos filhos era escolhido
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aleatoriamente. Jacó e Esaú, por exemplo, receberam o nome após o nascimento, levando em
consideração a observação dos pais a respeito das características vistas nos filhos (Gn.25.24-26):
Esaú (wf'[e – Esau) foi assim chamado, ao verem sua pele de cor avermelhada e seu corpo coberto
de cabelos. Seu nome parece ser proveniente do verbo hf'[' ( ̔asah – fazer, pressionar, compelir)
que tem sua forma bastante semelhante ao nome de Esaú no tronco piel (WFê[i ̔issu – desbravar,
pressionar). É provável que as características físicas de Esaú, tenha feito com que os pais o
chamassem de “desbravador”, como se vê na sequência da história: “Esaú saiu perito caçador,
homem do campo” (Gn.25.27). Isaque e Rebeca acertaram na observação e Esaú de fato se tornou
um caçador, desbravador do campo. Jacó nasceu segurando o calcanhar de Esaú (bqe[' – [ ̔aqev]
calcanhar), por isso foi chamado de Jacó (bqo[]y: – [ya ̔aqov], mão no calcanhar) que significa aquele
que segura o calcanhar. Essa forma de nomear tem origem no primeiro trabalho científico de Adão,
nomear os seres vivos de acordo com suas características.
Portanto, desde cedo o homem desenvolve o saber e também o ensina para a geração seguinte.
O conhecimento de Adão foi passado adiante para os filhos: Caim, Abel, Sete etc. Eles escolheram
desenvolver o que melhor aprouve para eles: Caim e sua descendência desenvolveram diversas
técnicas que lhes proporcionaram segurança, conforto e lazer (Gn.4.17-24). Abel e Sete preferiram
o conhecimento de Deus e preservaram toda a revelação inicial do Senhor, vivendo pela esperança
da concretização da promessa redentora (Gn.4.26). A geração de Sete é composta de historiadores,
arquivistas, sacerdotes, além de diversas outras profissões relacionadas com a sobrevivência
(Gn.5.29; 6.14-17; 8.20; 9.20; 11.3-4). Não sabemos quando nem como nem em que forma a escrita
teve início, mas considerando que Adão possuía o domínio da linguagem e outros saberes, não
deveríamos subestimá-lo com respeito à escrita. A necessidade de se preservar os dados históricos e
revelados fez com que o homem utilizasse os melhores meios de preservação: a escrita e a música.
A Epopeia de Gilgamesh foi escrita aproximadamente 3 mil anos antes de Cristo e conta a história
do dilúvio sob a visão de um povo pagão, mostrando quão antiga é a escrita. O dilúvio, as guerras
entre os povos e diversos fenômenos naturais esconderam muito da história das nações. Contudo, o
cuidado do povo de Deus, descendentes de Sete, em preservar a história e revelação de Deus fez
com que tivéssemos em nossas mãos todas as informações necessárias com precisão.
Adão havia recebido conhecimento revelado, mas seus filhos deveriam adquirir o
conhecimento por meio do ensino. A educação intelectual se torna necessária para que todo o
conhecimento de Adão não se perdesse com sua morte. Os filhos, portanto são instruídos
intelectualmente, motivados a transmitir o conhecimento para as gerações seguintes. Tanto na
genealogia de Caim quanto na de Sete, encontramos a transmissão intelectual do conhecimento de
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forma que diversos saberes se propagam: o conhecimento da história, das técnicas e a preservação
do conhecimento de Deus. O homem forma cidades, constrói com técnicas especiais, cria
instrumentos diversos e luta pela sobrevivência numa terra hostil.
Além de tudo isso, a descendência de Sete precisava estar atenta aos perigos de um mundo em
pecado, não se conformando com o mundo pecador, antes renovando a esperança por meio da
constante reflexão acerca da redenção. O ensino teológico era necessário para preparar a geração
seguinte frente aos desafios de um mundo hostil pecador. Encontramos tal reflexão na vida de Enos,
filho de Sete, sacerdote do culto ao Senhor (Gn.5.26); na vida de Enoque, um homem íntegro que
“andou com Deus” (Gn.5.22); na vida de Lameque, homem que perseverou em sua esperança,
demonstrando sua fé ao colocar o nome de seu filho de Noé, que significa: o Senhor é consolo
(Gn.5.28-29); e, também, na vida de Noé, um homem justo e íntegro que andava com Deus, na
contramão de um mundo completamente perdido (Gn.6.8-9).
A educação intelectual fez parte da vida do povo de Deus desde o princípio da criação. Sua
necessidade se vê frente aos desafios de preservar a história e a revelação divina, ensinar às
gerações a vontade de Deus para que andem diante do Senhor com fidelidade e rejeitar a influência
de um mundo em pecado, perigo constante para aqueles que esperavam na salvação do Senhor. O
homem não partiu da estaca zero até desenvolver o conhecimento por meio da observação. Ao
contrário disso, o homem havia recebido todo o conhecimento necessário, a fim de aplica-los nas
diversas áreas da vida, desenvolvendo as vertentes do saber que havia recebido de Deus como
conhecimento imputado em sua mente e coração. Portanto, nenhum saber humano surgiu ex nihilo
(a partir do nada), mas do próprio Deus que o criou.
No decorrer das Escrituras, a educação intelectual será desenvolvida pelo povo de Deus; e
geração após outra uma linhagem se dedicará em preservar e propagar tal conhecimento. Esse é um
antigo e fundamental papel do povo de Deus e deve ser praticado ainda hoje. Os escritores da
Palavra de Deus demonstram um fantástico domínio da arte de escrever, fazendo uso dos mais
diversos recursos literários para registrar a Palavra do Senhor com fidelidade histórica e teológica.
Hoje, não registramos mais Escritura Sagrada, pois Deus já completou sua Palavra, mas Ele nos
exorta a estuda-la com dedicação e nos move pelo Espírito Santo para que a compreendamos e
ensinemos para a geração seguinte. O mundo, à semelhança dos descendentes de Caim, não está
preocupado com o conhecimento de Deus, pois busca apenas o que lhe proporciona conforto,
riquezas e prazeres. No entanto, o povo de Deus se satisfaz em conhecer ao Senhor em quem tem
todo seu deleite (Sl.119.174), afinal diz o Senhor: “o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer
e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me
agrado, diz o SENHOR” (Jr.9.24).