a orientação dialógica do discurso para os discursos de outrem criou novas e substanciais...

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O discurso na poesia e o discurso no romance BAKHTIN, M. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. 3. Ed. Trad. Aurora F. Bernadini, José P. Júnior, Augusto G. Júnior, Helena S. Nazário, Homero F. de Andrade. São Paulo: Editora UNESP, 1993. A orientação dialógica do discurso para os discursos de outrem criou novas e substanciais possibilidades literárias para o discurso, deu-lhe a sua peculiar artificidade em prosa que encontra sua expressão mais completa e profunda no romance. O discurso do pensamento estilístico tradicional conhece apenas a si mesmo, seu objeto, sua expressão direta, somente como um discurso neutro da língua, como um discurso de ninguém. Mas todo discurso existente não se contrapõe da mesma maneira ao seu objeto: entre o discurso e o objeto, entre ele e a personalidade do falante interpõe-se um meio flexível, frequentemente difícil de ser penetrado, de discursos de outrem. Todo discurso concreto encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por esta névoa escura, ou pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele. Orientado para seu objeto, o discurso, penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso dos discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. A atmosfera social do discurso que envolve o objeto faz brilhar as facetas de sua imagem. Ao irromper com seu sentido e com sua expressão através do meio de expressões de acentos

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O discurso na poesia e o discurso no romance

BAKHTIN, M. Questes de literatura e esttica: a teoria do romance. 3. Ed. Trad. Aurora F. Bernadini, Jos P. Jnior, Augusto G. Jnior, Helena S. Nazrio, Homero F. de Andrade. So Paulo: Editora UNESP, 1993.

A orientao dialgica do discurso para os discursos de outrem criou novas e substanciais possibilidades literrias para o discurso, deu-lhe a sua peculiar artificidade em prosa que encontra sua expresso mais completa e profunda no romance.

O discurso do pensamento estilstico tradicional conhece apenas a si mesmo, seu objeto, sua expresso direta, somente como um discurso neutro da lngua, como um discurso de ningum.

Mas todo discurso existente no se contrape da mesma maneira ao seu objeto: entre o discurso e o objeto, entre ele e a personalidade do falante interpe-se um meio flexvel, frequentemente difcil de ser penetrado, de discursos de outrem.

Todo discurso concreto encontra aquele objeto para o qual est voltado sempre, por assim dizer, j desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por esta nvoa escura, ou pelo contrrio, iluminado pelos discursos de outrem que j falaram sobre ele.

Orientado para seu objeto, o discurso, penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso dos discursos de outrem, de julgamentos e de entonaes.

A atmosfera social do discurso que envolve o objeto faz brilhar as facetas de sua imagem. Ao irromper com seu sentido e com sua expresso atravs do meio de expresses de acentos estrangeiros, harmonizando-se e dissociando-se com ele em diversos aspectos, o discurso pode dar forma a sua imagem e ao seu tom estilstico neste processo dialgico.

Para o artista-prosador, o objeto revela antes de tudo esta multiformidade social plurilngue dos seus nomes, definies e avaliaes.

O objeto para o prosador a concentrao de vozes multidiscursivas, dentre as quais deve ressoar a sua voz; essas vozes criam o mundo necessrio para sua voz, fora da qual so imperceptveis, no ressoam os seus matizes de prosa artstica.

O dirio era estudado apenas como forma composicional da construo do discurso, mas a dialogicidade interna do discurso que penetra em toda a sua estrutura, todos os seus estratos semnticos e expressivos, foram quase que absolutamente ignorados.

Todo discurso orientado para a resposta e ele no pode esquivar-se a influncia profunda do discurso da reposta antecipada.

Ao se constituir na atmosfera do j dito, o discurso orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda no foi dito, mas que foi solicitado e que j era esperado.

Esta orientao aberta para o ouvinte e para a resposta no dilogo tem atrado a ateno dos linguistas. Porm os linguistas detiveram-se nas formas composicionais que situavam o interlocutor [...] e desconsideravam o ouvinte como algum que s pode compreender passivamente, e no como aquele que responde a e replica de maneira ativa.

A compreenso passiva do significado lingustico de um modo geral no uma compreenso ; apenas um momento abstrato, mas tambm uma compreenso passiva mais concreta do sentido da enunciao, da ideia do falante.

Na vida real do discurso falado, toda compreenso concreta ativa: ela liga o que deve ser compreendido ao seu prprio crculo expressivo e objetal e est indissoluvelmente fundido a uma resposta, a uma objeo motivada, a uma aquiescncia.

O falante tende a orientar o seu discurso, com o seu crculo determinante, para o circulo alheio de quem compreende, entrando em relao dialgica com os aspectos desse mbito.

Os gneros poticos a dialogizao natural do discurso no utilizada literariamente, o discurso satisfaz a si mesmo e no admite enunciaes de outrem fora de seus limites.

Na obra potica a linguagem realiza-se como algo indubitvel, indiscutvel, englobante. Tudo o que v, compreende e imagina o poeta, ele v, compreende e imagina com os olhos da linguagem [...] sem sentir a necessidade de utilizar a linguagem de outrem.

E daquilo que lhe estranho o poeta fala em sua prpria linguagem. Para aclarar o mundo de outrem, ele jamais se vale da linguagem de outrem como sendo a mais adequada para este mundo.

Introduzindo no romance, o plurilinguismo submetido a uma elaborao literria. Todas as palavras e formas que povoam a linguagem so vozes sociais e histricas, que lhe do determinadas significaes concreta e que se organizam no romance em um sistema estilstico harmonioso, expressando a posio scio ideolgica diferenciada do autor no seio dos diferentes discursos da sua poca.

A estilstica contempornea e o romance

BAKHTIN, M. Questes de literatura e esttica: a teoria do romance. 3. Ed. Trad. Aurora F. Bernadini, Jos P. Jnior, Augusto G. Jnior, Helena S. Nazrio, Homero F. de Andrade. So Paulo: Editora UNESP, 1993.

At o sculo XX no havia uma colocao ntida dos problemas estilsticos do romance [...] por muito tempo o romance foi objeto apenas de anlises abstratamente ideolgicas e de apreciao de publicistas.

O romance, tomado como um conjunto caracteriza-se como um fenmeno pluririestilstico, plurilngue e plurivocal.

Os principais tipos de unidades estilsticas de composio nas quais o conjunto romanesco se decompe habitualmente: narrativa direta e literria do autor, a estilizao de diversas formas da narrativa tradicional oral, estilizaes de diversas formas da narrativa, diversas formas literrias, mas que estao fora do discurso literrio do autor, os discursos dos personagens estilisticamente individualizados.

O romance uma diversidade social de linguagens organizadas arstisticamente, s vezes de lnguas e de vozes individuais.

A estilstica tradicional no sabe abordar o dilogo social especifico das linguagens do romance.

O DISCURSO DE OUTREM

O discursos de outrem constitui-se mais do que um tema do discurso, ele pode entrar no discursos e na sua construo sinttica [...] Assim o discursos citado conserva sua autonomia estrutural e semntica sem nem por isso alterar a trama lingustica.

O discursos citado visto pelo falante como uma enunciao de uma outra pessoa, completamente independente na origem, dotada de uma construo completa, e situada fora do contexto narrativo.

No somente o contedo semntico, mas tambm a estrutura da enunciao citada permanecem relativamente estveis.

O mecanismo desse processo no se situa na alma individual, mas na sociedade, que escolhe e gramaticaliza, isto associa as estruturas gramaticais da lngua, apenas os elementos de apreenso ativa, apreciativa da enunciao de outrerm que so socialmente pertinentes e constantes e que por consequncia, tm seu fundamento na existncia econmica de uma comunidade lingustica dada.

Tudo o que pode ser ideologicamente significativo tem sua expresso no discurso interior... no quadro do discurso interior que se efetua a apreenso e sua apreciao, isto , a orientao ativa do falante.

Esse processo de apreenso efetua-se em dois planos: comentrio efetivo e rplica interior.

Toda transmisso, particularmente sob forma escrita tem seu fim especifico: narrativa, processos legais, polmica cientifica, etc. Alm disso, a transmisso leva em conta uma terceira pessoa- a pessoa a quem esto sendo transmitidas as enunciaes citadas. Essa orientao para uma terceira pessoa... refora a influencia das foras organizadas sobre o modo de apreenso do discurso.

A tendncia fundamental da reao ativa do discurso de outrem pode visar conservao da sua integridade e autenticidade. A lngua pode esforar-se por delimitar o discurso citado com fronteiras ntidas e estveis.

O contexto narrativo esfora-se por desfazer as estruturas fechadas no discurso.