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A ORGANIZAÇÃO SINDICAL RURAL NO RIO GRANDE DO SUL E O SURGIMENTO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE FREDERICO WESTPHALEN (1960 – 1970) HELENICE APARECIDA DERKOSKI DALLA NORA Orientador: Prof. Dr. João Carlos Tedesco

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A ORGANIZAÇÃO SINDICAL RURAL NO RIO GRANDE DO

SUL E O SURGIMENTO DO SINDICATO DOS

TRABALHADORES RURAIS DE FREDERICO

WESTPHALEN (1960 – 1970)

HELENICE APARECIDA DERKOSKI DALLA NORA

Orientador: Prof. Dr. João Carlos Tedesco

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Dedico este trabalho àqueles que, ao entrarem em minha

vida, a fizeram valer a pena. E a meu pai, Maximiliano

Derkoski (In Memorian).

RESUMO

A estrutura sindical oficial foi implantada por Getúlio Vargas e relacionava-se apenas ao

sindicalismo urbano. O sindicalismo oficial no campo surge no início dos anos de 1960, no

governo de João Goulart, com a instituição do Estatuto do Trabalhador Rural. No Rio Grande

do Sul existiram movimentos sociais como o MASTER, e a FAG que articularam a criação

dos sindicatos no estado. O MASTER, organizado por lideranças do PTB, tinha como

prerrogativa a luta pela terra e sua característica era a formação de acampamentos nas áreas

pretensas à desapropriação. A FAG, iniciativa dos setores conservadores da Igreja Católica,

nasceu para combater o MASTER e firmou-se como tuteladora do sindicalismo rural gaúcho.

A ação político- ideológica da FAG reproduziu e articulou a ideologia da corrente hegemônica

dos setores conservadores que proclamavam o controle das ações da Igreja Católica, durante a

década de 1960 e parte de 1970 no Rio Grande do Sul. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Frederico Westphalen teve suas bases organizadas pelo setor conservador da Igreja

Católica, através da FAG. O presente trabalho discute como atuou a FAG, que instrumentos

utilizou, quem foram seus líderes e o discurso usado em favor do seu trabalho com a

organização dos agricultores de Frederico Westphalen, no período de 1960 a 1970. A

orientação sindical transmitida pela FAG e assumida pelo movimento sindical do município

evidenciou um conteúdo reformista conservador, assumindo uma função historicamente

assistencialista. A prática sindical no município gravitou em torno do assistencialismo com a

instituição do FUNRURAL, somando-se a atividades reivindicativas que objetivavam

assistência técnica, cursos de capacitação e aposentadoria ao trabalhador rural.

Palavras-chave: Sindicalismo rural; trabalhadores rurais; associativismo; organização de

agricultores.

ABSTRACT

Official the syndical structure was implanted by Getúlio Vargas and became related

only to the urban unionism. The official unionism in the field appears in the beginning

of the years of 1960, in the government of Goulart João, with the institution of the

Statute of the Agricultural Worker. In the Rio Grande do Sul social movements had

existed as the MASTER, and the FAG that had articulated the creation of the unions in

the state. The MASTER, organized for leaderships of the PTB, had as prerogative the

fight for the land and its characteristic one was the formation of encampments in the

pretense areas to the dispossession. The FAG, initiative of the sectors conservatives of

the Church Catholic, was born to fight the MASTER and firmed as tuteladora of the

agricultural unionism gaucho. The politician- ideological action of the FAG reproduced

and articulated the ideology of the hegemonic current of the sectors conservatives who

proclaimed the control of the actions of the Church Catholic, during the decade of 1960

and part of 1970 in the Rio Grande do Sul. The Union of the Agricultural Workers of

Frederico Westphalen had its bases organized for the sector conservative of the Church

Catholic, through the FAG. The present work argues as the FAG acted, that instruments

it used, who had been its leaders and the used speech in favor of its work with the

organization of the agriculturists of Frederico Westphalen, in the period of 1960 acted

the 1970. The syndical orientation transmitted by the FAG and assumed by the syndical

movement of the municipal district evidenced a content conservative reformist,

assuming a function historically assistencialista. Practical the syndical in the municipal

district gravitates around the assistencialismo with the institution of the FUNRURAL,

adding itself it reivindicativas activities that objectified assistance technique, courses of

qualification and retirement to the agricultural worker.

Word-key: Agricultural unionism; agricultural workers; associativismo; organization of

agriculturists

LISTA DE ABREVIAÇÕES

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

ETR – Estatuto do Trabalhador Rural

FAG – Frente Agrária Gaúcha

FETAG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura

FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural

MASTER - Movimento dos Agricultores sem Terra

MEB – Movimentos de Educação de Base

PCB – Partido Comunista Braasileiro

PRP – Partido de Representação Popular

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

SAAP – Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco

SORPE – Serviço de Orientação Rural de Pernambuco

STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais

SUPRA – Superintendência da Reforma Agrária

UDN – União Democrática Nacional

ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

UNAC – União dos Agricultores e Criadores

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................................... 7

1 O SINDICALISMO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS .................................................................................13 1.1 As Origens do Sindicalismo no Brasil: final do século XIX e início do século XX.....................................13 1.2 O sindicalismo rural brasileiro.............................................................................................................................20 1.2.1 As Ligas Camponesas..........................................................................................................................................22 1.2.2 O Estado e a presença da Igreja nos sindicatos rurais.................................................................................28 1.2.3 A contra-ofensiva do estado: a sindicalização rural.....................................................................................33 1.3 Novos parâmetros de associativismo no campo - A fundação da CONTAG – Confederação dos Trabalhadores da Agricultura.....................................................................................................................................40

2 O SINDICALISMO RURAL NO RIO GRANDE DO SUL ..................................................................................48 2.1 A Gênese do sindicalismo rural no Rio Grande do Sul....................................................................................48 2.1.1 O movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER..................................................................................51 2.1.2 A Frente Agrária Gaúcha – FAG......................................................................................................................59 2.1.3 A FAG e a Proposta de Educação Rural: Instituto de Educação Rural e Escola de Educação Familiar. ..........................................................................................................................................................................65 2.1.4 A FAG e os sindicatos rurais. ............................................................................................................................69 2.1.5 A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul – FETAG .................................76

3 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL RURAL EM FREDERICO WESTPHALEN.....................................................................................................................................................................87

3.1 Caracterização do campesinato no Rio Grande do Sul....................................................................................88 3.2 A ação da Igreja Católica junto aos imigrantes no Rio Grande do Sul: a religião como base da organização camponesa................................................................................................................................................92 3.2.1 A ocupação e formação da região de Frederico Westphalen e o trabalho da Igreja Católica nesse processo...........................................................................................................................................................................95 3.3 A União dos Agricultores e Criadores de Frederico Westphalen – UNAC................................................101 3.4 A consolidação do movimento sindical de trabalhadores rurais de Frederico Westphalen....................110

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................130

FONTES DOCUMENTAIS .............................................................................................................................................135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................................................................136

BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................................................142

INTRODUÇÃO

A estrutura sindical oficial, implantada por Getúlio Vargas, na década de 1930, foi

objeto de atenção de vários pesquisadores do sindicalismo brasileiro, que estiveram voltados,

quase exclusivamente, para a análise da estrutura no meio urbano. Entretanto, no que se refere

ao meio rural, o tema é pouco explorado pela literatura, ainda que as lutas pela posse da terra,

por melhores salários ou pelo direito de organização sempre estiveram presentes no campo.

À vista da constatação de que o referido tema havia merecido pouca análise,

inicialmente, nosso objetivo apresentava-se na proposta do estudo de uma das formas de

organização da classe dos trabalhadores no campo denominado Sindicato dos Trabalhadores

Rurais. Contudo, havia a necessidade de delimitar tal objeto de estudo e, então, decidimos

analisar tal organização, a partir de uma questão mais específica, qual seja, a gênese do

sindicalismo rural no município de Frederico Westphalen. E, em função das limitações

empíricas, esse estudo terá como fio condutor o Estado do Rio Grande do Sul, que apresenta

características próprias, que são dadas pelas peculiaridades do processo histórico deste

Estado. Ressalta-se a importância da correlação com todo o país, uma vez, que a estrutura

sindical está ligada à características importantes e de longa duração da sociedade e da história

política brasileira.

No presente estudo, queremos delimitar e descrever parte da história da organização

dos camponeses brasileiros e, em especial, do Rio Grande do Sul, nas décadas de 1960 e

1970, levando em consideração a história das lutas pela tutela política do campesinato, bem

como levantar algumas idéias sobre as formas nas quais o movimento sindical de Frederico

Westphalen se organizou e se estruturou durante este período.

A importância deste estudo, apesar de todas as limitações, justifica-se à necessidade

de se recuperar a gênese e a trajetória do movimento sindical em âmbito estadual e regional,

8

no caso de Frederico Westphalen, e apesar de todas as imposições que historicamente se

colocaram ao movimento, a sua vida está repleta de fatos que comprovam a sua capacidade de

luta na tentativa de defender e construir a identidade do agricultor como um segmento social.

A existência de sindicatos de trabalhadores no campo é relativamente recente, se

comparada com o sindicalismo urbano, que tem sua estrutura oficial iniciada nas décadas de

1930 e 1940. O sindicalismo oficial no campo somente surgiu no início dos anos de 1960, no

governo de João Goulart. Esses aspectos são tratados no primeiro capítulo deste trabalho,

onde discorremos sobre o Estado Novo e a Consolidação das Leis to Trabalho (CLT),

sublinhando neste momento, que todo o conteúdo desta legislação social-trabalhista exclui de

seus objetivos os trabalhadores agrícolas e a sindicalização rural.

Ainda, neste capítulo, há um esforço no sentido de reconstituir, brevemente, a

trajetória de alguns movimentos sociais que lutavam contra a exploração dos camponeses,

visualizando-se nas Ligas Camponesas como um dos movimentos das massas rurais de

estágio organizativo mais elevado, que constituiu-se no movimento social mais importante

que antecedeu os sindicatos rurais. Enquanto o movimento das Ligas Camponesas era

autônomo, os sindicatos rurais apareciam como o resultado combinado das reivindicações dos

trabalhadores rurais e da atuação do Estado, momento que consideramos, no trabalho, a contra

ofensiva do Estado. Em outras palavras, o cenário de conflitos no campo favoreceu a ação do

Estado na criação do Estatuto do Trabalhador Rural. Ao mesmo tempo que o sindicato rural

refletia a luta de classes, agora em condições determinadas, sua ação passaria a ser

institucionalizada pela vinculação direta com o Estado.

Juntamente com a presença do Estado, aparece a contribuição da Igreja Católica, que

através de Encíclicas Papais passa a se preocupar com o homem no meio rural e a prestar sua

orientação político- ideológica. Nesse momento, em âmbito nacional, a postura da Igreja

Católica, não aparece unificada. No Rio Grande do Sul, a disputa pela orientação no meio

rural, apresenta um caráter bastante conservador, sendo que em outras regiões do país,

principalmente no Nordeste, a orientação da Igreja é representada pela Confederação

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através dos Movimentos de Educação de Base

(MEB) que postulavam uma tendência progressista.

9

Novos parâmetros para o associativismo no campo desembocaram na fundação da

Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) a partir das Federações dos

Trabalhadores na Agricultura, com o propósito, primeiro, de lutar pelos direitos, já adquiridos,

no Estatuto do Trabalhador Rural. Com uma concepção legalista, sua prática sindical

limitava-se a denunciar os conflitos às autoridades e esperar do Estado a resolução. Cabe

ressaltar que, a CONTAG, iniciou suas atividades em meados do golpe militar de 1964. O

objetivo do capítulo, então, é contextualizar, no cenário nacional, os conflitos no campo, que

deram origem à ação do Estado na criação dos sindicatos rurais.

No segundo capítulo, o objetivo é analisar a evolução histórica do sindicalismo rural

no Rio Grande do Sul, através de movimentos sociais que articularam a criação dos

sindicatos, enfatizando-se o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER) e a Frente

Agrária Gaúcha (FAG) que definiram os matizes ideológicos da sindicalização e, polarizaram,

à sua maneira, a luta de classes no campo.

O MASTER destacou-se, não apenas por ter como prerrogativa a luta pela terra, mas

também, pela sua organização. A importância do MASTER está no fato de ter implicado num

aprofundamento na luta de classes, o que significava, para os setores das classes dominantes,

uma ameaça real e concreta para a continuidade da sua hegemonia. O movimento articulou-se

com as demais forças camponesas, que então se organizavam por todo o Brasil,

encaminhando-se na direção do rompimento da exclusão política a que estava submetido o

campesinato brasileiro. A característica desse movimento era a formação de acampamentos

junto as áreas pretensas à desapropriação pelo Governo Estadual, forçando a campanha pela

Reforma Agrária.

O MASTER foi uma iniciativa de lideranças vinculadas ao Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) gaúcho, e com o apoio do então Governador Leonel Brizola apresentou uma

maior mobilização, com uma ação mais intensa e organizada do Movimento. Portanto, pode-

se dizer que, para o crescimento do MASTER, o apoio do Governo do Estado foi

fundamental.

À medida que o populismo avançava no meio rural através do MASTER, iniciava-se

uma reação por parte da Igreja Católica. Era o fantasma do comunismo que se disseminava

10

entre as populações rurais e preocupava a Igreja. Com o objetivo de combater estas forças,

surgia a Frente Agrária Gaúcha (FAG), fundamentada na Doutrina Social Cristã.

A FAG fora criada com o objetivo premente de combater o comunismo, que para a

Igreja Católica, estava representado pelo MASTER e, para isso, a corrida para a fundação de

sindicatos rurais era preponderante.

Através da FAG, surgiu a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio

Grande do Sul (FETAG), entidade que centralizou o controle sobre os sindicatos rurais no

estado. Durante aproximadamente dez anos a FETAG funcionou em conjunto com a FAG,

parceria que se estabeleceu desde o setor financeiro até mesmo na liderança da própria

federação. Essas duas entidades promoveram em conjunto quatro dos sete Congressos de

trabalhadores rurais no estado, que tinham como objetivo discutir questões organizativas do

movimento camponês, expressando-se através de propaganda ideológica da FAG, com a qual

a FETAG esteve por muito tempo vinculada.

O terceiro e último capítulo, tem como objetivo apresentar a organização e

constituição do movimento sindical em Frederico Westphalen, tendo como pano de fundo a

ação da Igreja Católica na preparação das bases que sedimentaram o espírito organizativo dos

agricultores, através do trabalho da União dos Agricultores e Criadores de Frederico

Westphalen (UNAC) e da instituição da FAG no município.

O espírito religioso do agricultor era um grande aliado no desenvolvimento dos

trabalhos promovidos pela Igreja no campo. E, com a FAG instituída no município, iniciava-

se a mobilização dos agricultores para posteriormente a fundação do sindicato dos

trabalhadores rurais.

Ainda, neste capítulo, demonstramos como atuou a FAG, que instrumentos utilizou,

quem foram seus líderes e o discurso usado em favor do seu trabalho. Nesse estudo, queremos

demarcar parte da história dos trabalhadores rurais de Frederico Westphalen, nas décadas de

1960 e 1970 e, em razão disso, consideramos de fundamental importância a apreciação e a

análise da representatividade e influência que a Igreja Católica teve para com esses.

11

Para complementar e interpretar a situação da organização sindical, no município de

Frederico Westphalen, o método utilizado consistiu numa reconstrução histórica de alguns

dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul, como é o caso do MASTER e da FAG, que

antecederam as fundações dos sindicatos, através de uma revisão bibliográfica pertinente ao

assunto. Na análise local, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen,

utilizamos, como fontes primárias da pesquisa, livros de atas do Sindicato, entrevistas diretas

com três fundadores, que participaram ativamente da mobilização, e análise de textos de

jornais da época, de propriedade do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

Quanto aos documentos, o acesso não foi difícil. A dificuldade foi encontrar neles

elementos que permitissem uma análise mais apurada da organização sindical, uma vez que os

livros de atas continham apenas discussões superficiais e poucos indícios do que pensavam os

agricultores na época. O que ficou ao alcance, para análise da origem sindical, apresentou-se

em algumas edições do jornal O Despertar, fundado pelo próprio Sindicato, em 1967, mas que

nenhum sindicalista, hoje, tem conhecimento nem posse dos mesmos. Os referidos foram

encontrados junto ao arquivo pessoal de um colecionador de jornais antigos do município. O

sindicato afirma ter extraviado documentos, que reconstituiriam a sua história, quando

realizada mudança de prédio no início dos anos de 1980. Mesmo assim, na memória dos

atuais dirigentes, poucas lembranças aparecem do período de consolidação do sindicato. Entre

estas, as mais referidas são as questões da assistência e previdência ao trabalhador rural, que

por muito tempo foram objetos de atenção primordial do sindicato.

Com relação as entrevistas, as dificuldades residiram reconstituição da memória das

pessoas idosas que participaram na preparação das bases para a fundação do mesmo e, teriam

importantes depoimentos se estivessem em boas condições de saúde. Ressaltamos que o

personagem principal, padre e advogado Fiorindo David Grassi, nos seus 83 anos, não goza

de boa saúde que permita a insistência em muitos contatos, mas se isso fosse possível,

certamente a história teria requintes de detalhes que contribuiriam para uma análise de ma ior

perspicácia. Quanto aos dois outros organizadores, conseguiram lembrar dos detalhes que

consideravam de maior importância.

Para complementar a situação do movimento sindical, na sua fundação, utilizamos,

como fonte secundária, de materiais produzidos pela FETAG que propiciaram um norte para a

pesquisa. O material consta de alguns documentos dos Congressos de Trabalhadores Rurais

12

do Rio Grande do Sul, que contém elementos definidores da orientação geral da prática

sindical.

Importa destacar que as dificuldades encontradas para a exploração de dados que

contribuiriam à pesquisa foram em demasia. A falta de documentos, de registros e, até

mesmo, da memória, nos leva a acreditar que, para os participantes atuais o sindicato, nada

mudou neste transcurso. Infere-se que o espaço de tempo ainda não é suficiente para que se

produza uma história, ou esperam por grandes transformações e atos que, a exemplo das

mobilizações do FUNRURAL, leve-os a escrever uma nova história.

As limitações desse estudo, são derivadas de sua própria natureza, as quais

destacamos pela falta de uma pesquisa, exaustiva, através de entrevistas com agricultores, e

agentes sociais envolvidos. Esta pesquisa poderia dar melhor visibilidade às origens do

movimento sindical, até mesmo com uma análise mais crítica por parte dos agricultores, mas

não foi possível, pois os sujeitos envolvidos, ativamente, na época, já faleceram na sua grande

maioria.

CAPÍTULO I

1 O SINDICALISMO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS

1.1 As Origens do Sindicalismo no Brasil: final do século XIX e início do século XX

O objetivo desse capítulo é investigar a origem e o desenvolvimento do movimento

sindical no Brasil, bem como suas relações com a sociedade, em que se inclui a participação

do Estado como fundamental. O mesmo se justifica pela análise processual que queremos

fazer acerca do sindicalismo rural. Queremos situar o contexto e alguns dos pressupostos que

o envolveram e foram induzidos pela estrutura sindical rural no Brasil, no Estado e no espaço

regional.

O encaminhamento dado à discussão perpassa pelo surgimento do sindicalismo no

Brasil e, num segundo momento, consideram-se as Ligas Camponesas como movimentos

sociais que antecedem o sindicalismo rural e que fornecem parte de seus pressupostos; e a

tônica central deste capítulo está no estudo de uma das formas de organização de classe dos

trabalhadores rurais: o sindicalismo rural.

Autores como Touraine e Castells apontam que o processo de construção da

identidade coletiva se dá através de pequenas lutas, que se forjam nos locais de trabalho e de

moradia e se convertem em movimentos mais amplos e abrangentes: movimentos grevistas,

reivindicatórios por melhores condições de moradia, educação, transporte, saúde etc;

movimentos de participação política, enfim, movimentos sociais.

A noção de movimento social só é útil se permitir pôr em evidência a existência de

um tipo muito particular de ação coletiva, aquele tipo pelo qual uma categoria social, sempre

14

particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral,

invocando contra ela valores e orientações gerais da sociedade, que ela partilha com seu

adversário, para privar este da legitimidade. 1

Para Touraine (1988), as condições que levam um movimento social a ter maior ou

menor força social depende do lugar do conflito social em questão no cenário da luta social

mais geral.

Essa análise desenvolve-se prioritariamente no campo da política. E para Gohn

(1997), que corrobora com os conceitos de Touraine, isso acontece porque se considera os

movimentos sociais como expressões de poder da sociedade civil e sua existência,

independente do tipo de demandas, sempre se desenvolve num contexto de correlação de

forças sociais, constituindo-se, portanto, em processos políticos sociais 2.

A autora reforça a ação dos movimentos sociais como um processo social e político-

cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento a partir dos interesses em comum.

E, desta forma, a participação dos movimentos sociais num processo de mudança social

histórica de um país poderá ser tanto de caráter progressista como conservador ou reacionário,

dependendo das forças sociopolíticas a que estão articulados em suas redes e também, dos

projetos políticos que constroem com suas ações.

Desta forma, é nesta abordagem conceitual que pretendemos demonstrar o processo

de constituição do sindicalismo no Brasil, fazendo referência movimentos sociais que

contribuíram para a sua formação, num dado contexto sociopolítico.

O processo de formação da classe operária está vinculado ao desenvolvimento da

economia brasileira. No caso do proletariado urbano, verdadeira alavanca do sindicalismo, foi

necessária a implementação de uma política de industrialização. Porém, o seu embrião estava

presente no período anterior à abolição do trabalho escravo. Embora a maioria das ideologias

políticas afirme que só a ação política pode dar um alcance geral a reivindicações sempre

1 TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos?: iguais e diferentes . Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p. 39. 2 GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997. p. 145

15

particulares, a idéia de movimento social busca demonstrar a existência, no interior de cada

tipo societal, de um conflito central.3

Desta forma, a primeira fase do movimento sindical brasileiro relaciona-se a um

período que ainda não é rigorosamente sindical, mas contém seus elementos preparatórios

para sua gestão, pelo fato de organizar o trabalho livre, que é o chamado período mutualista,

que coexistiu com o trabalho escravo; mas é, justamente em 1888, com a Abolição da

Escravatura que marca o seu fim. O trabalho livre se restringia a algumas categorias urbanas

que, desprovidas de qualquer amparo, numa sociedade patriarcal, de bases rurais, organizam-

se para fins de defesa mútua.4 As associações mutualistas constituíram-se por profissões

urbanas, caracteristicamente operárias, como a impressão de livros, jornais e a construção de

navios.

A formação do proletariado brasileiro esteve intimamente relacionada ao fim do

sistema escravagista e, conseqüentemente, ao surgimento das relações de produção

tipicamente capitalistas na agricultura e à entrada de grandes grupos europeus. Assim,

inicialmente, a classe operária era composta por trabalhadores estrangeiros e os nacionais

originários das áreas rurais. Foi através dos operários estrangeiros que adentraram as idéias

socialistas e, principalmente, o anarquismo.

A abolição da escravatura e a diversificação da economia propiciaram o fim da etapa

mutualista e o aparecimento de um tipo de sindicalismo propriamente dito, com novas

organizações que se intitulavam ligas, uniões, associações ou sindicatos de resistência. E, por

isso, foi intitulado período de resistência, época de grande efervescência e agitação social,

caracterizado justamente por um esforço para resistir ao capitalismo emergente no Brasil.

A mencionada resistência é ativa e foi incentivada pela emergência e atuação de

correntes políticas de novo tipo. Com efeito, o aparecimento do partido republicano, que

comandou a queda do império no ano seguinte ao da abolição da escravidão, assinala uma

3 Ibid., p.112. 4 RODRIGUES, José Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1979. p.06.

16

quebra do monopólio da opinião, política essa que caracterizou toda ou quase toda a era

monárquica. 5

Após a Proclamação da República, surge um grande número de agrupamentos

políticos, de bases urbanas, associando intelectuais e profissionais liberais, atraindo o

proletariado que vinha se formando. Empolgados com novas idéias efervescentes na Europa,

os intelectuais encontravam no Brasil um campo fértil, sendo que o país se encontrava em

período de crise estrutural e de transição; os imigrantes eram portadores das novas

ferramentas e das técnicas modernas que representavam a era industrialista e se sentiam

capazes de quebrar barreiras e abrir novos horizontes.

Nesse momento, começa a se delinear o sindicalismo anarquista ou revolucionário,

que tinha como orientação político- ideológica a eliminação do Estado capitalista, mediante a

ação direta das massas.

Os aspectos marcantes do período são dados pelos anarquistas, que constituíam o

grupo mais ativo e aguerrido, conduzindo o movimento operário com obstinação e bravura,

justamente numa época em que a violência policial fora das mais fortes. Não deixava de

causar espanto aos novos dirigentes republicanos que as classes populares não se

contentassem com o novo regime e exigissem mais do que ele podia dar. E, invariavelmente,

à frente das manifestações se encontravam os anarquistas, doutrinando, mobilizando e

organizando não apenas em função do problema imediato, mas visando a soluções de longo

alcance que implicavam verdadeira revolução social.6

A partir dos anos 20, muda a composição étnica da classe operária em função do

aumento do grupo de trabalhadores de origem nacional. A importância desse fato soma-se à

entrada em cena de outros atores como os escalões médios dos militares (Tenentismo), o

principiante Partido Comunista e a própria intervenção do Estado. As alterações jurídico-

institucionais levadas a efeito neste período tiveram sua influência nas mobilizações operárias

porque a premissa do Estado não- intervencionista perdeu o seu conteúdo ortodoxo. Em suma,

o mercado de trabalho estava sob a influência da classe operária e, também, do Estado,

mesmo que os sindicatos continuassem autônomos.

5 Ibid., p.08. 6 Ibid. ,p.10.

17

Ao final da década de 1920, vários fatores concorrem para o questionamento dos

princípios liberais. Para o referido autor, o avanço do bolchevismo e das idéias fascistas, que

faziam o cerco ao liberalismo, postulou uma decidida intervenção do Estado em vários fatores

da vida social.

A alteração do regime legal, em 1926, por meio da emenda n° 34 à Carta de 1891,

renova o liberalismo em curso, pondo fim à ortodoxia não intervencionista. Incorpora-se a

presença reguladora do Estado sobre o mercado, ao mesmo tempo em que se mantém o

sindicato como instituição legal, conforme a legislação de 1907.7

Essa emenda constitucional resolveu a contradição institucional em vigência,

delegando competência privativa ao Congresso Nacional para legislar sobre o trabalho. É

ampliado e retificado o pacto liberal.

O parlamento legisla aceleradamente a questão trabalhista. O ano de 1926 marca boa

parte das condições de trabalho amparadas pela lei, como a dos acidentes de trabalho, férias e

o código de menores.

Sob as novas condições, situada na arena política, a classe operária não estava agora

debaixo da influência exclusiva das suas lideranças constituídas. O Estado, pelos canais

políticos e pela produção legal, dirige sua atenção sedutora para este setor da sociedade, antes

deixado à deriva, ao livre jogo do mercado.8

A degradação do liberalismo oligárquico brasileiro, foi promovida pela intensa crise

econômica no final da década de 1920, estimulada pelo colapso do capitalismo mundial. Esta

situação conjuntural estimulou a ascensão da burguesia industrial ao poder, articulada pela

Aliança Liberal com a Revolução de 30.

A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) foi a primeira

medida dessa aliança com o objetivo de estabelecer, efetivamente, uma política trabalhista.

7 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p.36. 8 Ibid., p.62.

18

Vianna (1968) ressalta que o que aconteceu no pós-30, para o movimento operário,

representa uma profunda modificação que se inicia com o Estado como o grande interlocutor

das classes assalariadas. Legislando no sentido de controlar os sindicatos, o Estado pretende

assumir o monopólio da intervenção sobre o mercado, relegando-os à posição de órgãos

colaboradores entre classes.9

A montagem da estrutura de controle e repressão ao movimento operário é a grande

preocupação do novo regime. Após 23 dias da posse de Vargas é criado o Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, reunindo capital e trabalho num mesmo ministério em

conformidade ao corporativismo que se anuncia, pretendendo eliminar o conflito pela raiz. O

espírito da legislação social e sindical começa a ser produzido, iniciando a redação do decreto

de sindicalização de 1931, que pôs fim ao pluralismo sindical e seria reconhecido o sindicato

que reunisse dois terços da classe e, na hipótese de tal não acontecer, seria reconhecido pelo

Ministério do Trabalho o que congregasse maior número de associados.10

O Decreto 19.770, de 19/03/1931, soluciona dois grandes problemas que o

movimento sindical vinha encontrando na época: o reconhecimento do sindicato pelo

patronato e o da estabilidade organizatória dos trabalhadores. Se o esquema liberal permitia

ao empresário desconhecer os sindicatos e as associações de trabalhadores como instâncias de

negociações, destacando a negociação individual, direta, este decreto acaba com isso,

forçando a negociação entre sindicatos, via Estado.

Enquanto a questão do controle do movimento operário era encaminhada, o sistema

voltava-se para a legislação dos direitos elementares do trabalho, beneficiando a massa dos

assalariados e atuando como contra posição outorgada pelo Estado à contenção sindical. 11

Essa legislação social associava a proteção do trabalhador com a proteção dos negócios da

burguesia.

No período de 1935 a 1943, foi instituída a legislação sindical, que tinha algumas

características que se mantêm até hoje. Entre as principais podem ser citadas: o controle do

Ministério do Trabalho sobre todos os aspectos da vida sindical, desde a aprovação das chapas

9 Ibid., p.36. 10 Ibid., p.38. 11 Ibid. p.,39.

19

concorrentes às diretorias até a aplicação dos recursos financeiros; a cobrança compulsória do

imposto sindical de todos os trabalhadores de cada categoria, sindicalizados ou não, bem

como imposição aos sindicatos de tarefas assistenciais.

O momento em que o Estado se obrigava a fazer a arregimentação, promovendo a

entrada dos operários nos sindicatos oficiais, imprime a marca do populismo, uma vez que

havia uma baixa identificação da categoria representada com os seus líderes sindicais.

Dentro desse contexto as relações capital e trabalho assumiam posição de suma

importância, sendo necessário que se evitassem conflitos no setor que já havia se tornado o

elemento dinâmico da economia. O estado tinha o compromisso de controlar a classe

politicamente, apesar de a legislação atender os interesses dos trabalhadores. A manipulação

ideológica do salário e da legislação social intensificou a mitificação de Vargas trabalhada

pelo populismo, “pai dos pobres”.

A partir de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT. Decreto Lei n° 5452,

de 01/05/1943) sistematizou e ordenou toda legislação produzida desde o início dos anos 30.

A sua criação representa a sistematização de toda a legislação produzida e a tentativa de

eliminar, para sempre, o conflito capital/trabalho, com um instrumento fundamental que é a

Justiça do Trabalho. Essa teria o papel de arbitrar sobre o mercado de trabalho, propondo um

projeto de consenso, via legislação.

A dupla face da política de Vargas para com os trabalhadores fica exposta através da

CLT, no que tange à repressão à livre movimentação sindical e a cooptação da classe

trabalhadora via leis trabalhistas. A CLT, representa um manifesto transitivo de uma época

em que as relações de trabalho deixam de ser simples determinações das fontes de poder

pessoal, para se revestirem da forma de ordenamento jurídico estatuído por fontes orgânicas

do poder central. 12

Apesar de ter sofrido algumas alterações, a CLT mantém os postulados fundamentais

até os dias de hoje. Entre as funções dos sindicatos estão a representação da categoria na

celebração de contratos seletivos de trabalhos, sendo seu papel promover a conciliação nos

12 RODRIGUES, op. cit., p.96.

20

dissídios coletivos e perante as autoridades administrativas e judiciárias; colaboração com o

Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução de problemas atinentes a

seus representados, prestação de assistência a seus associados.

Paradoxalmente às disposições que havia manifestado quando assumira o poder,

Getúlio Vargas não levou aos trabalhadores rurais os benefícios da legislação trabalhista que

promulgou para os trabalhadores urbanos. A extensão da legislação trabalhista aos

trabalhadores rurais só veio se concretizar vinte anos após com a promulgação do Estatuto do

Trabalhador Rural (Lei n° 4214, de 02/03/1963).

1.2 O sindicalismo rural brasileiro

A tônica cent ral de discussão deste item está nas origens do sindicalismo rural

brasileiro. As Ligas camponesas aparecem como protagonistas das metas do trabalhador rural.

Paralelamente a elas surge a intervenção do Estado e da Igreja, culminando com a criação da

CONTAG (Confederação dos Trabalhadores Agrícolas).

Os sindicatos em geral surgiram quando o movimento operário atingiu um nível de

consciência de classe capaz de articular, em termos organizacionais, a luta pelos seus

interesses imediatos. O Estado, face a essa crescente importância política adquirida pelos

sindicatos, de um lado, reconheceu legalmente a existência da classe operária e a sua força e,

do outro, colocou-a relativamente sob seu controle mediante a institucionalização da

associações operárias.

Para Ianni (1984), a história do trabalhador brasileiro pode ser dividida em três

períodos principais: no primeiro, predomina o escravo; no segundo, o lavrador; e, no terceiro,

o operário rural. As crises e lutas havidas na sociedade agrária brasileira desde a Lei do

Ventre Livre, 1871, até o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, assinalam as condições em

que se desenvolve o longo processo de transformações do escravo em trabalhador livre. Ao

longo desse tempo houve escravos (indígenas, negros, mestiços), agregados, colonos,

seringueiros, parceiros, assalariados, peões e outros. Mas também pelourinhos, troncos,

tocaias, invasões de terras, greves e prisões. E ainda, cangaceiros, Ligas Camponesas e

21

sindicatos rurais. Essas manifestações assinalaram as sucessivas metamorfoses do trabalhador

agrícola brasileiro.13

Os primeiros colonizadores que aqui aportaram para desbravarem as terras,

encontraram um povo bravo que não estava disposto a ceder seu espaço de forma pacífica: os

indígenas. Com o domínio das terras pelo invasor vindo da Europa e a disputa pelo espaço, o

índio acabou derrotado. Desta forma, o genocídio praticado contra o povo nativo foi o

primeiro de uma longa e sangrenta sucessão de disputas no meio rural brasileiro. Talvez,

estivesse aí o início da primeira luta entre desiguais.

O grande proprietário importou o negro para suprir a falta de mão-de-obra indígena.

E o negro, não aceitando a escravidão, em sua luta pela liberdade, fundou quilombos, um

refúgio em meio à floresta, no qual se adotou o sistema comunitário de vida.

Desta forma, é para fugir da exploração dos senhores de Engenho que os escravos se

revoltam e começam a organização dos quilombos que demostraram verdadeiros exemplos de

trabalho coletivo e cooperativo. Evidentemente que esse tipo de organização não resistiria a

uma sociedade cujas forças produtivas eram infinitamente mais desenvolvidas.

O término da escravidão não significou o fim dos conflitos, uma vez que as injustiças

sociais ainda permaneciam. Entre 1896 – 1897 Canudos, nos Sertões da Bahia e 1912 – 1916

Contestado, na região oeste de Santa Catarina e Paraná foram os maiores envolvimentos entre

camponeses e exército no país.

Ocorreram, também, conflitos entre trabalhadores rurais e os grandes produtores de

café em São Paulo. Os trabalhadores manifestavam sua contrariedade às relações de trabalho

através do recurso das greves. A reação dos fazendeiros às greves foi marcada pela violência

de policiais e jagunços .

O Paraná também foi palco de intenso conflito entre posseiros e grandes

proprietários de terra. No sudoeste do Estado houve enfrentamento violento entre posseiros e

grileiros que se estendeu por, aproximadamente, 12 anos e culminou, em 1962, na criação do

13 IANNI, Octávio. As origens agrárias do estado brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.116.

22

Grupo Executivo das Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP), que executou a titulação das

terras dos posseiros.

Uma atividade organizada, que ganhou expressão nacional, surge com as Ligas

Camponesas e, em seguida, com os sindicatos rurais, ambos produtos de transformações

socioeconômicas profundas da sociedade.

1.2.1 As Ligas Camponesas

Genericamente, o objetivo desse item será analisar a história do Sindicalismo Rural

no Brasil, considerando-se as Ligas Camponesas como movimento social mais importante que

antecedeu os sindicatos rurais e, quando estes são regulamentados em 1963, elas começam a

perder terreno.

As Ligas Camponesas apresentam-se, no período citado anteriormente, como o

acontecimento de maior amplitude no campo e com repercussão também no meio urbano. Os

trabalhadores rurais se organizaram de várias formas, em vários momentos, na luta por seus

objetivos, mas quase nunca chegavam ao conhecimento da população de centros maiores,

permitindo, assim, a construção de uma imagem do campesinato isolado da luta política. A

organização e as conseqüentes vitórias das Ligas Camponesas permitem que essa imagem

comece a se modificar e os trabalhadores rurais passem a ser reconhecidos como atuantes nas

suas reivindicações. Este se reveste no principal elemento a provocar a mudança nas relações

com o Estado, que cria mecanismos, já existentes para os trabalhadores urbanos, permitindo a

organização destes.

A iniciativa partiu dos camponeses do engenho da Galiléia, situado no município de

Vitória do Santo Antão, de Pernambuco, onde residiam 140 famílias que ocupavam 500

hectares de terras, totalizando quase mil pessoas. Desde o fim da década de 1940, os

proprietários deixaram de explorar a cana em suas terras e passaram a arrendá- las.

Arrendatários das terras e proprietários dos outros meios de produção utilizam a força de

trabalho familiar, combinam a produção de subsistência com a mercantil, produzindo

23

legumes, frutas, mandioca e algodão. 14 Além da reposição dos meios de produção, essas

famílias devem retirar do rendimento global o pagamento da renda da terra que é feito em

dinheiro; é o foro.

Os “galileus” tornam-se conhecidos do grande público, através da luta judicial, e

ganham espaço na imprensa nacional, que passa a denominar a associação “Liga

Camponesa”, pela semelhança com as antigas ligas ou irmandades fundadas pelo PC na

região de Pernambuco, que, em 1948, com a colocação do partido na ilegalidade,

desaparecem do cenário.

A ação das Ligas, que se expandiu rapidamente pelo Nordeste, pautava-se na defesa

dos interesses dos posseiros e foreiros, que, explorados pela estrutura do latifúndio

subutilizado e pela política de concentração de terras, aceleravam o movimento de migração

constante; organizava resistência e procurava agir como frente legal das lutas dos

camponeses; reivindicava a extensão dos direitos aos despossuídos e, também, acionava,

juridicamente, os desmandos dos latifundiários.15

A luta dos Galileus, como ficaram conhecidos os membros da Liga da Galiléia,

obteve grande impulso em 1960 com a desapropriação do Engenho. Este ato teve grande

repercussão em todo o país, estimulando tanto os outros camponeses em situação semelhante

quanto os temores dos grupos da situação, que estavam no poder, e sentiam o aspecto do

questionamento do direito da propriedade. A palavra de ordem, que passa a permear todas as

discussões e soluções, é “reforma agrária”.

As Ligas, posteriormente, espalharam-se para outros municípios de Pernambuco e

para outros Estados do Nordeste, transformando-se em verdadeira organização camponesa e

ocupando um espaço próprio nas lutas sociais do campo nos anos de 1950 e 1960.

Em termos organizacionais, o que caracterizava as ligas era o fato de se constituírem

uma sociedade civil de direito privado, sem maiores requintes burocráticos que tinham uma

forma de atuação centralizada, com sede na capital do Estado ou na maior cidade da região,

com jurisdição para todo o estado ou para toda a região respectiva. Para seu registro, não

14 Ibid., p.18. 15 IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Lutas sociais na América Latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989. p.79.

24

dependiam da complexa burocracia do Ministério do Trabalho, mas apenas de um cartório de

títulos e documentos.

Segundo Francisco Julião, advogado das Ligas e membro do Partido Socialista

Brasileiro, para se fundar uma delegacia ou liga, basta reunir certo número de camponeses, 30

ou 40, submeterem o estatuto geral à sua apreciação e, uma vez todos estarem de acordo,

elegem a diretoria. Lavrada a ata e assinada pelos fundadores, se alfabetizados, ou a rogo, se

analfabetos, basta o conselho deliberativo oficiar à Justiça, comunicando a existência legal da

entidade.16

As Ligas arregimentaram arrendatários, parceiros, posseiros e pequenos produtores;

como dizia Francisco Julião “a liga é coisa para camponês”. A fração dominante nas ligas

camponesas era formada por pessoas que mantinham relações com os meios de produção,

aquela parcela de trabalhadores rurais denominada campesinato.

A ênfase que o camponês confere à sua condição de autônomo indica a não

percepção da subordinação de seu trabalho ao capital, subordinação que se assentua na

medida em que ele se dedique a culturas industriais, como, por exemplo, o algodão ou a cana

de açúcar. Em outros termos, à autonomia de seu trabalho ele percebe apenas um longínquo

obstáculo: a propriedade da terra. Essa representação é condição fundamental para que ele se

reproduza como camponês. É esse o sentido que assume sua luta pela terra, porque para ele,

lutar pela terra é lutar pela suposta autonomia de seu trabalho.17

Se inicialmente os camponeses procuram Julião como advogado para defendê- los e

encaminhar causas judiciais contra o latifundiário, progressivamente a realidade se torna

diferente. O aprofundamento da questão pelos membros das Ligas, auxiliados por Julião,

extravasa o próprio estatuto inicial onde era colocado como prioridade a construção de uma

escola primária e um fundo para adquirir caixõezinhos mortuários. A reivindicação passa para

a extinção do foro e do cambão (dias de trabalho gratuito que o arrendatário dá ao dono da

terra), o que, de certa forma, já trazia junto a questão da propriedade privada. A afeição a

propriedade está na base do contexto ideológico dos camponeses, de modo que a

16 COLETTI, Claudinei. A estrutura sindical no campo. Campinas: UNICAMP, 1998. p.43. 17 BASTOS, op.cit., p.26.

25

reivindicação por um pedaço de terra para cada camponês podia motivá- lo à organização e à

luta.

Não obstante o que caracteriza esse momento, isto é, a luta pelos direitos, já no final

de 1960 contorna-se um quadro de mudança no objetivo da luta que passa, claramente, a ser

encaminhada à reforma agrária. Esse é o projeto que dará às Ligas expansão nacional: o

projeto da reforma agrária.

O marco inicial dessa fase é o I Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícola

no Brasil, em Belo Horizonte, em novembro de 1961 que reuniu organizações de todo o país.

Nesse encontro se instala a discussão em torno da orientação da ULTAB (União dos

Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil) , promotores da reunião e a orientação que é

dada pelas ligas. As divergências explicitaram-se de forma contundente, mas prevaleceram os

pontos de vista defendidos pelas Ligas – recusa de aliança com a burguesia nacional e

proposta de uma reforma agrária radical, na “Lei ou na marra” - embora houvesse a

inferioridade numérica de seus delegados, relativamente aos representantes do PCB, criadores

da ULTAB. 18

Os delegados das Ligas eram apenas 215, número pequeno em relação aos

participantes do congresso (cerca de 1600), mas acabaram impondo seu ponto de vista – uma

reforma agrária radical, contra o encaminhamento de mediadas graduais – ganhando,

ideologicamente, o Congresso. Essa vitória das Ligas se deve ao fato de haver se instaurado

uma dissidência interna no PCB, que controlava a ULTAB. 19

Entretanto, se por um lado as Ligas Camponesas representaram um capítulo

importante da história do campesinato brasileiro, um outro personagem importante se fazia

presente em vários desses conflitos: O Partido Comunista Brasileiro.

A ULTAB tinha forte influência dos militantes do PCB e refletia as mudanças na

orientação do próprio partido, que, a partir da “Declaração sobre a política do PCB “, de

março de 1958, inicia uma nova fase.

18 A ULTAB é fundada em 1954 objetivando coordenar as associações camponesas então existentes, organizada pelo PCB. 19 Ibid., p.79.

26

Permanecia a concepção da revolução em duas etapas, ou seja, a revolução no Brasil,

numa primeira etapa, não deveria ser socialista, mas democrático-popular, de caráter

antiimperialista e antifeudal. Também a reforma agrária, entendida como a transformação

radical da estrutura fundiária e liquidação do latifundiário, mantinha-se como uma bandeira

central do partido, ao lado da reivindicação de aplicação da legislação trabalhista aos

trabalhadores do campo. Entretanto, tais reivindicações passavam a ser condicionadas à

formação de uma “frente única”, que reunisse o conjunto de forças interessadas no combate

ao imperialismo norte-americano: a classe operária, os camponeses, a pequena burguesia

urbana, a própria burguesia e, ainda, os setores latifundiários que possuíssem contradições

com o imperialismo norte-americano.20 A revolução democrático-popular, vislumbrada pelo

PCB, passava pela defesa de um caminho pacífico dentro da legalidade.

Gradativamente, a proposta de luta pela reforma agrária radical ia sendo substituída

pelo caminho das medidas parciais e o partido passava sua atenção aos assalariados e semi-

assalariados agrícolas, em prejuízo dos camponeses sem-terra.

A concepção da política de “frente única” leva o PCB a uma cisão interna. As

conseqüências que o hegemônico grupo conservador extrai da análise que reconhece a

desigualdade entre as tarefas antiimperialistas e o movimento camponês são distintas daquela

apontada pelos renovadores. O PCB via nessa desigualdade a necessidade de reforçar as

tarefas políticas no campo, evitando dissociar o caráter antiimperialistas da renovação

brasileira de seu caráter agrário antifeudal. Baseava a sua argumentação sustentando que a

aliança operária-camponesa era essencial para a revolução e pré-requisito para a construção

da hegemonia das classes populares na frente. Em oposição, a facção renovadora propunha o

deslocamento da ênfase em favor das tarefas antiimperialistas, prevendo apenas, naquela fase,

algumas reformas na estrutura agrária. Estavam adiadas, portanto, as transformações mais

radicais no setor agrário. 21

A organização e a luta do campesinato demostravam uma força que começava a

inquietar vários setores das classes dominantes. Por outro lado, o poder político das

oligarquias rurais no interior do bloco no poder começava a definhar, seja porque perdiam o

20 COLETTI, op. cit., p.45. 21 COSTA, Luiz Flavio. Sindicalismo rural brasileiro em construção. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1996. p. 22-23.

27

controle político-social sobre as massas rurais, seja porque sua principal moeda de barganha

política começava a apresentar sinais de crise de esgotamento. Referimo-nos, neste último

caso, ao conjunto de práticas político-eleitorais características do “coronelismo”. 22

Porém, antes de encerramos sobre a importância das Ligas Camponesas, faz-se

necessário registrar a presença de uma terceira força no campo, que disputará com as Ligas e

a ULTAB o controle do movimento camponês que é a Igreja Católica, a qual será importante

para nosso objeto de análise, pois podemos, posteriormente, correlacionar, de certa forma,

com a questão local.

No final dos anos 50, a Igreja Católica, temendo o perigo da expansão comunista no

campo e a perda da sua influência no meio agrário iniciou a organização de um trabalho no

meio rural exatamente pelos Estados mais ameaçados pela expansão da ULTAB e das Ligas.

O sindicalismo cristão, como foi denominado, objetivava o combate ao comunismo e

seu princípio básico era a rejeição da luta de classes e defesa da harmonia social. Todavia,

essa postura conservadora não seria a única surgida dos setores da Igreja. A Ação Popular

(AP) advinda dos setores leigos da Igreja evoluiria para posições radicais de apoio à luta

camponesa, desenvolvendo um importante trabalho através do Movimento de Educação de

Base (MEB).

Havia, portanto, quatro forças que tentavam controlar o movimento camponês no

início dos anos 60, cada qual procurando articulá-lo segundo seus próprios princípios: as

Ligas Camponesas, o PCB, a Igreja Católica e, finalmente, os chamados “católicos radicais”,

representados, principalmente, pela AP. É nesse contexto que se inicia o processo de extensão

da Legislação Sindical ao campo, através de uma intervenção ativa do Estado populista.23

Entretanto, no ano de 1963, as Ligas iniciaram uma discussão interna sobre sua

forma de organização, tendendo a atuar como um partido agrário. Na conferência do Recife,

em 3 de outubro de 1963, as diversas Ligas unificaram-se como nome de Ligas Camponesas

do Brasil. Sua base seria uma organização de massa, aberta a todos que concordassem com as

reformas radicais propostas por Julião: reforma agrária, urbana, industrial e de ensino e

22 COLETTI, op. cit., p.48. 23 Ibid., p. 51.

28

organizados nos moldes de um partido marxista - Leninista. Porém, o golpe de 1964 impediu

esse desenvolvimento com a prisão de seus principais líderes e a extinção das próprias Ligas.

A radicalização da atuação das Ligas levou-as a não participar do sindicalismo

oficial, criado em 1963, pois já não podiam se enquadrar nos limites impostos pelo governo

para serem reconhecidas como entidades sindicais. Não participaram da criação da CONTAG

e de nenhuma outra Federação e este isolamento levou-as a procurar outros caminhos.

1.2.2 O Estado e a presença da Igreja nos sindicatos rurais

Enfocar a ação da Igreja Católica no campo é condição fundamental para o

entendimento da trajetória do sindicalismo no campo. Com o intento de dar visibilidade à

dinâmica da Igreja Católica parte-se de algumas informações em nível nacional, ou seja, como

a Igreja passou a se preocupar com o homem do meio rural brasileiro e que orientação

político- ideológica perpassou na busca de seus objetivos.

A presença da Igreja no campo tem seu marco a partir a “Encíclica Mater et Magistra”

do Papa João XXIII. A visão social do mundo e dos homens é a tônica desta Encíclica que

articulava dentro da igreja uma tendência defensora do desenvolvimento harmônico e integral

no sentido de evitar as desigualdades e englobar todos os homens. O valor histórico da

Encíclica está na abertura que favorece a ação direta com o povo, fruto de nova interpretação

do papel social da Igreja. No que tange ao campesinato a carta elucida a posição da Igreja:

(...) Os trabalhadores da terra devem sentir-se solidários uns dos outros, e colaborar na criação de iniciativas cooperativistas e associações profissionais ou sindicais. Umas e outras são necessárias para tirar proveito do progresso científico e técnico na produção, contribuir eficazmente para chegar a um plano de igualdade com as profissões, ordinariamente organizadas, dos outros setores produtivos e para que a agricultura consiga fazer-se ouvir no campo político e junto aos órgãos da administração pública, porque hoje as vozes isoladas quase não têm possibilidade de chamarem sobre si as atenções e muito menos de se fazerem atender.24

No final dos anos 1950 e começo dos anos 1960, iniciou-se no Brasil o deslocamento

de alguns setores da Igreja e de parte do mundo católico organizado, no sentido de uma

24 João XIII. Carta Encíclica MATER ET MAGISTRA. Sobre a recente evolução da questão social. In: Documentos Pontifícios sobre questões sociais. Câmara dos Deputados. Brasília, 1967. p.187.

29

aproximação ao movimento das classes dominadas e de forças sociais que se batiam,

socialmente, em prol de transformações das estruturas sociais.25

Em novembro de 1958, por ocasião de uma Conferência dos Bispos Latino

Americanos, em Roma, o Papa João XXIII exigiu que fossem elaborados planos de ação. Essa

exigência foi repetida em novembro de 1961. O Papa solicitou aos Bispos que demonstrassem

aos governos de seus países a urgência das reformas estruturais e as reivindicações das

massas.

No Brasil, os pronunciamentos episcopais tratam de problemas sociais que se

revestem em denúncias da miséria, da politicagem, do analfabetismo e da necessidade de uma

reforma agrária, como instrumento de mudança social.

As posições, com relação a essas questões, são tomadas, principalmente, pela

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o que não implicava um posicionamento

único da Igreja. Com o acirramento dos conflitos e a evolução do próprio processo ocorre a

divisão em dois grupos distintos. Uma de suas tendências era a Ação Popular (AP), que se

distinguiria por uma orientação socialista. Sua outra tendência conservadora e mais influente,

era liderada por Dom Eugênio Salles. A Igreja, desde o começo dos anos 60, já dava mostras

de sua disposição em se fazer presente entre os trabalhadores rurais nesta nova fase.

Do início da década de 1950 até o golpe de 1964, alguns setores da Igreja Católica no

Brasil, ligados à direção da CNBB e grupos da Ação Católica, passaram a assumir posições ao

lado das lutas populares provocando questionamentos sobre as injustiças sociais. O apoio

relativo que a CNBB deu ao desenvolvimento e ao populismo possuía, no horizonte, a

perspectiva da reforma social; dentro da instituição, porém, as posições conservadoras eram

amplamente majoritárias.26

Bassani (1986) analisa o ingresso da Igreja Católica na discussão de questão agrária,

manifestando posições quase sempre contraditórias. Este caráter contraditório de suas

25 FOLLMANN, José Ivo. Igreja, ideologia e classes sociais. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 71.

30

posições decorre do fato de seus pensadores e líderes serem influenciados por diversas

correntes de pensamento, resultantes de suas interpretações da realidade social. Para o autor, a

presença da Igreja, mesmo quando orientada pelos setores mais progressistas, não implica

necessariamente, que a mesma tenha representado no Brasil uma entidade de frente, de

vanguarda, na qual as classes subalternas do campo e da cidade tivessem encontrado um canal

de expressão de seus anseios e, principalmente, um canal de organização popular que viesse a

contribuir para o avanço de uma consciência crítica transformadora com a conseqüente

mudança da realidade social. Com um passado muito presente na consolidação da estrutura de

dominação da sociedade de classe, a Igreja, em alguns momentos, demonstrou desempenhar

sua função conservadora.27

Não obstante, a Igreja reconhecia a existência de uma forte crise econômica e social

no País, que criava as condições de amadurecimento de ideologias questionadoras da

propriedade privada. A reforma agrária ganhava corpo como uma das muitas propostas para a

solução dessa crise, da maneira como vinha sendo formulada pela esquerda brasileira. Para a

Igreja conservadora, ela seria uma medida contrária à ordem natural das coisas. O pensamento

conservador católico recuperava o princípio de que socialismo e catolicismo eram termos

contraditórios. 28

O grupo de orientação conservadora da Igreja foi o primeiro a entrar na disputa pela

influência entre os trabalhadores rurais, liderados por bispos preocupados com o que

consideravam o avanço do comunismo no campo. Representando essa posição o Bispo D.

Eugênio Salles fundou no Rio Grande do Norte o Serviço de Assistência Rural (SAR), uma

organização beneficente da Igreja destinada a fundar sindicatos. Em Pernambuco foi criada a

SORPE (Serviço de Orientação Rural de Pernambuco), também pelo setor conservador da

Igreja, para criação de sindicatos e a fim de decidirem a melhor maneira de se oporem à

crescente influência das Ligas Camponesas. A tarefa principal do SORPE objetivava o

treinamento de lideres camponeses em potencial, capazes de combater organizações políticas

revolucionárias e ideológicas, enquanto mantinha as massas rurais dentro da igreja.

26 RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e a Igreja Católica no Rio Grande Rio do Sul (1945-1964). Passo Fundo: EDIUPF, 1998. p.53 . 27 BASSANI, Paulo. Frente Agrária Gaúcha: ação política e ideológica da Igreja Católica no movimento camponês . Porto Alegre: UFRGS, 1986. p.70. 28 COSTA, op.cit., p.93.

31

Encorajava também a formação de cooperativas e oferecia cursos de alfabetização que se

opunham a grupos que usavam o método Paulo Freire. 29

O trabalho inicial do SORPE, em prol dos sindicatos, era a realização de cursos para

líderes operários. Os operários participavam de três cursos sobre a necessidade do trabalho

sindical, cada um com duração de uma semana. Trabalhavam, com os pretensos funcionários,

técnicas de liderança de grupo e recebiam como tarefa um plano de trabalho que se estendia

por seis meses. Segundo a afinidade de cada um, os alunos continuavam depois sua formação

e eram integrados na elaboração de um projeto detalhado de organização sindical.

O objetivo desse trabalho de preparação de líderes, era possibilitar aos padres

retirarem-se do trabalho direto com os sindicatos, que foram sendo substituídos,

gradativamente por líderes que, freqüentemente, não eram camponeses, mas advogados que

junto ao trabalho de juristas mantinham entre outros também o contato com os sindicatos.30

No Rio Grande do Sul, os Bispos liderados por D. Vicente Scherer estimularam a

criação da Frente Agrária Gaúcha (FAG), entidade essa fundamental para o surgimento da

FETAG/RS. A característica deste movimento era o estímulo à fundação de sindicatos de

trabalhadores rurais cristãos, combativos ao comunismo, às Ligas Camponesas e ao

MASTER, sendo que a questão da reforma agrária era tratada com cuidado, enfatizando o

respeito à propriedade privada.

A CNBB passa a representar a tendência progressista da Igreja e, em 1961, é fundado

o Movimento de Educação de Base (MEB), que foi uma das campanhas de alfabetização

iniciadas pela CNBB que se organizara nacionalmente com um Conselho Diretor Nacional

responsável pela linha doutrinária do movimento. Além disso, em cada Estado havia uma

equipe estadual que assessorava e supervisionava as equipes locais, que trabalhavam

diretamente com os monitores das escolas.

29 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do estado : ação Política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981. p. 301. 30 FÜCHTNER, Hans. Os sindicatos brasileiros de trabalhadores: organização e função política, Rio de Janeiro: Graal, 1980. p. 132.

32

As escolas rurais preocupavam-se com a alfabetização dos agr icultores. E, de acordo

com a perspectiva do MEB, era fundamental que o processo educativo colocasse a

necessidade que tem o homem de desenvolver-se como um todo, de tornar-se capaz de

reconhecer a si próprio e ao ambiente em que está inserido e de descobrir os fatores que

condicionam a sua vida.

Os objetivos do MEB eram no sentido de criar estruturas de trabalho e dar assistência

legal à formação de sindicatos e encaminhar sua documentação. O trabalho sindical, pelo qual

o MEB havia se decidido em setembro de 1961, consistia, sobretudo, na formação de líderes

sindicais, mas proporcionou, também, a fundação de uma série de sindicatos católicos.

Porém, não se pode perder a perspectiva ideológica da questão. Ou seja, se a ação da

Igreja, de um lado, visava a promover o homem do campo, de outro, agia no sentido de se

opor às Ligas Camponesas, que os grupos, mais vinculados à estrutura hierárquica da Igreja

procuravam combater.

Mesmo que dentro de um marco liberal-cristão, a ação que o MEB desenvolvia

principalmente no Nordeste, que se mostrava em situação mais explosiva, ao despertar a

consciência do homem do campo, chocava-se de frente com os interesses estabelecidos, tanto

políticos quanto econômicos das classes dominantes. E, após o golpe militar de 1964, em

todos os Estados foram presos, submetidos a interrogatórios e torturados integrantes do MEB.

Em 29 de maio de 1964, apesar dos fatos ocorridos, a CNBB lança um documento

declarando, com satisfação, o golpe militar no seguinte discurso:

Atendendo à geral e angustiosa expectativa do povo brasileiro que via a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as forças armadas acudiram em tempo e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra (...). Reconhecemos e lamentamos que, até mesmo em movimentos de orientação católica, tenha havido facilidades e abusos por parte de um outro elemento que burlou nossa vigilância, ou de outros que foram vítimas de seu próprio idealismo ou de inadequada apreciação dos fatos. Não aceitaremos, nem jamais poderemos aceitar, a acusação injuriosa generalizada ou gratuita, velada ou explícita, de que bispos, sacerdotes e fiéis ou organizações, como por exemplo, a Ação Católica31 e o Movimento de Educação de Base (MEB), sejam comunistas ou comunizantes.”32

31 A Ação Católica foi um dos maiores movimentos do laicato na Igreja. 32 Documento da CNBB. Apud. ALVES, Márcio Moreira . A igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. p.58-9.

33

Como se pode observar, o fantasma do comunismo é que atemorizava a Igreja. A

esquerda católica não oferecia um quadro de união. Apenas a tese de que era preciso

“conscientizar” mantinha-se aceita por todos.

As forças reacionárias estavam ligadas à hierarquia da Igreja e, desta forma, integram-

se na sindicalização rural. Essas mesmas forças anti- revolucionárias foram importantes no Rio

Grande do Sul, através da FAG (Frente Agrária Gaúcha)33,que veremos adiante.

1.2.3 A contra-ofensiva do estado: a sindicalização rural

Em 1962, através de duas Portarias do Ministério do Trabalho e Previdência Social,

iniciou-se o processo de implantação da estrutura sindical oficial no campo. A Portaria 209-A,

de 25/06/1962, executada durante a Gestão de Franco Montoro e a Portaria 355-A, de

20/11/1962, assinada por João Pinheiro Neto, dão visibilidade a sindicalização rural. Esta

última agregou os produtores autônomos aos sindicatos oficiais de trabalhadores agrícolas,

com os argumentos de que o objetivo era fortalecer as entidades sindicais.

Nesse momento, o Estado procura redirecionar o associativismo rural através dessas

duas Portarias que modificavam os parâmetros para a organização sindical no campo e a

facilitava. A partir delas, um grande número de sindicatos fundados, passam a ser

reconhecidos, oficialmente. Até maio de 1962, apenas seis sindicatos em todo o pais haviam

sido reconhecidos pelo Ministério do Trabalho e havia dezenas de pedidos de reconhecimento

aguardando despacho.

O enquadramento sindical estabelecido pela Portaria 355-A permitia a existência de

quatro sindicatos por base territorial: Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura, Sindicato dos

Trabalhadores na Pecuária e similares, Sindicato dos Trabalhadores na Produção Extrativa

Rural e Sindicato dos Produtores Autônomos (pequenos proprietários e trabalhadores

autônomos que explorem atividade rural sem empregados, em regime de economia familiar

ou coletiva). Contudo, o Ministério do Trabalho e Previdência Social, ouvida a Comissão de

33 Sobre a sua atuação será discutido em detalhes quando se analisar a história do movimento sindical neste estado.

34

Enquadramento Sindical, poderia permitir a formação de uma entidade sindical com mais de

uma das categorias econômicas ou profissionais previstas na portaria. 34

Os seis sindicatos reconhecidos eram os seguintes: Sindicato de Empregados Rurais de

Campo (RJ), Sindicato do Empregados Rurais do Rio de Janeiro, Sindicato dos Empregados

Rurais de Tubarão (SC), Sindicato dos Empregados Rurais de Belmonte (BH), Sindicato do

Empregados Rurais de Barreiros, Rio Formoso e Serrinhaém (PE) e Sindicato de Empregados

Rurais de Ilhéus e Itabuna (BH).35

Esse enquadramento seria modificado pela Portaria n°71 de 02/02/1965, do Ministério

do Trabalho e Previdência Social, que estabelecia um único sindicato de trabalhadores rurais

para cada base territorial.

Porém, através de tais medidas, observado por Barros (1986)36, teríamos a hipótese de

que as mesmas visavam a atingir as bases sociais das Ligas camponesas, até aquele momento

a única forma de organização efetiva dos trabalhadores do campo.

Em 1963, após, aproximadamente, três anos de tramitação no Congresso Nacional e

várias modificações é sancionado pelo presidente da República o projeto de Lei do Deputado

Fernando Ferrari, conhecido como Estatuto do Trabalhador Rural – Lei n° 4.214, de

02/03/1963.

Ressalta-se que em termos de sindicalização, o Estatuto “já não significava mais uma

conquista”, pois a corrida às cartas sindicais já tinha sido anteriormente desencadeada a partir

das iniciativas do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Havia um significado político,

à medida que se tratava de um posicionamento do legislativo frente à questão.37

O Estatuto do Trabalhador Rural vai efetivamente disciplinar as relações de trabalho

na agricultura. Tratava-se da extensão da Legislação Trabalhista para o setor rural, era a nítida

cópia do modelo do sindicalismo urbano brasileiro: exigia “carta de reconhecimento” assinada

34 BARROS, Fatima Regina de. A organização sindical dos trabalhadores rurais: contribuição ao estudo do caso do Estado de São Paulo, ente 1954-1964. Campinas: UNICAMP, 1986. p. 62-3. 35 COSTA, op.cit., p.95. 36 BARROS, op.cit., p.62. 37 COLETTI, op.cit., p.52.

35

pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (art. 119); criava a “contribuição sindical

(art. 135); estabelecia como deveres dos sindicatos a colaboração com os poderes públicos e a

manutenção de serviços de assistência para seus associados (art. 116)”.

Um dos avanços da lei era a distinção entre empregado e empregador rural. Entendia

como trabalhador rural “toda pessoa física que presta serviços a empregador rural em

propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte

in natura e em dinheiro”. Empregador Rural, por sua vez, era a “pessoa física ou jurídica,

proprietário ou não, que explore atividades agrícolas, pastoris ou na indústria rural, em caráter

temporário ou permanente, diretamente ou através de prepostos.38

Quanto à organização sindical, ao ser reconhecida como lícita a associação em

sindicatos, estabelecia como direitos garantidos dos sindicatos rurais: representar perante as

autoridades administrativas e judiciárias, os interesses gerais das classes que os integram, ou

os interesses individuais dos associados; a celebração de convenções ou contratos coletivos de

trabalho; colaboração com o estado como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e soluções

dos problemas que se relacionam com as classes representadas.

Os estatutos dos sindicatos deveriam obrigatoriamente, conter a afirmação de que os

mesmos agiriam “como órgão de colaboração com os poderes públicos e as demais

associações ou sindicatos no sentido da solidariedade social, de bem-estar dos associados e do

interesse nacional”.

Repetia-se nos modelos do sindicalismo urbano a obrigação de colaboração com os

poderes públicos e os deveres assistenciais. Ainda, no art. 118, impunham-se condições para o

funcionamento do sindicato, como, entre outras, a “proibição de qualquer propaganda de

doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação, bem como de

candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato”.

38 CHIARELLI, Carlos Alberto. Teoria e prática da legislação rural: trabalhista, sindical e previdenciária. Porto Alegre: Sulina, 1971. p.400.

36

Este tipo de condição dá ampla margem ao julgamento do que seja “incompatível

com os interesses da Nação”, ou seja, permitiam-se os sindicatos, mas tentava-se, ao mesmo

tempo, mantê- los sob o controle do Estado.39

Associações de grau superior também estavam previstas, isto é, Federação e

Confederação. Os sindicatos em número não inferior a cinco e de atividades agropecuárias

perfeitamente similares poderiam se reunir em Federações, sendo a carta expedida pelo

Ministério do Trabalho e Previdência Social. E, no mínimo, três federações poderiam

constituir a Confederação Nacional que deveria ser reconhecida por decreto do presidente da

República.

O imposto sindical também é instituído aos trabalhadores rurais. Além disso, os

sindicatos, Federações e Confederações deveriam apresentar orçamento de receita e despesa

para posterior aprovação do Ministério do Trabalho.

Com efeito, pode-se notar que a ação do estado se manifesta de forma intensa através

dos mecanismos de instituciona lização. O Estatuto do Trabalhador Rural foi uma concessão

moderada aos trabalhadores rurais, feita por um Congresso nitidamente conservador, num

contexto de radicalização política no campo.40

As principais forças que disputaram entre si a fundação dos sindicatos e federações

oficiais no campo foram: a Igreja Católica, o PCB e a AP.41

A justificativa por parte dos setores ligados à Igreja era a necessidade de afastar os

trabalhadores da influência das Ligas e dos comunistas e, também, amenizar o movimento de

pressão pela reforma agrária. Já, para os comunistas, a vantagem dos sindicatos para qualquer

outra forma de organização residiria na concepção do papel primordial exercido pelo

proletariado no processo de transformação social e na postura legalista assumida pelo partido,

a partir de 1958. Quanto à AP, a sua proposta, inicialmente, era conscientizar o trabalhador

39 MADURO, Acácia Maria Ramires. A prática sindical da FETAG. Porto Alegre: UFRGS , 1990. p.32. 40 STOLKE, Verena. Cafeicultura: homens, mulheres e capital. In: Coletti, Claudinei. A estrutura Sindical no Campo. Campinas: UNICAMP, 1998. p.47. 41 AP – Ação Popular surgiu dos setores leigos ligados à Igreja e, posteriormente, fugiria à expectativa original da ação da Igreja e evoluiria para posições radicais de apoio à luta camponesa.

37

rural através do MEB. A partir de 1963, a entidade passa a preocupar-se com a criação do

maior número de sindicatos e deixa de lado sua proposta inicial.

Sob a análise da expansão do sindicalismo no campo, Ianni (1984), explica a

emergência dessa organização, primeiramente como conseqüência da expansão do

capitalismo no campo e da proletarização do campesinato. Porém, mais tarde, o mesmo autor

apresentará o sindicalismo rural como o resultado das reivindicações dos trabalhadores rurais

e da atuação do estado com o objetivo de formalizar o mercado de trabalho no setor agrícola.

Isto é, o sindicato rural aparece como uma técnica social de institucionalização das relações

de produção, segundo as exigências de um Estado Capitalista em face de rápido

amadurecimento.42

Da mesma forma que se multiplicavam os sindicatos rurais por todo o país, através

da SUPRA (Superintendência para a Reforma Agrária – Governo Federal), do PCB e da

Igreja Católica, reduzia-se a ação das Ligas Camponesas que se constituíam num perigo

virtual para a estrutura vigente. Após a fase excepcional das Ligas, segundo Ianni, a

sindicalização rural teve o caráter de uma reação moderadora. Com ela se inicia a fase de

burocratização da vida política do proletariado rural, ao vincular o trabalhador rural, o

sindicato e o aparelho estatal, com ou sem a mediação de partidos políticos.43

Torna-se interessante destacar que para diversos autores consultados e que

estabelecem relações diferenciadas entre as ligas e o sindicalismo rural, há uma unanimidade

em reconhecer que os sindicatos oficiais desempenham, com êxito, a função de combater a

organização política ”autônoma” do campesinato e trazer as lutas dos trabalhadores para o

âmbito do controle político institucional do Estado burguês. Muitos autores incorporaram uma

visão altamente “positiva” do processo de sindicalização oficial no campo porque a tutela

estatal sobre a organização dos trabalhadores é encarada, acima de tudo, como um

instrumento de extensão da cidadania às massas rurais, até aquele momento submetido ao

poder privado irrestrito dos grandes proprietários rurais.

42 IANNI, op.cit., p. 120. 43 Ibid., p.126.

38

Alguns autores corroboram o fato de que, tanto os associados das ligas quanto os

sindicatos, estavam em busca da cidadania política contraposta à “lei da chibata” na qual o

senhor de engenho era a autoridade única.

O golpe de 64 representa um rompimento no processo de organização dos

trabalhadores rurais no momento em que as Ligas Camponesas são extintas do cenário de

lutas, mas, ao mesmo tempo, representou uma continuidade no momento em que o

sindicalismo oficial rural foi mantido e a Igreja Católica em apoio aos militares nomeou

significativo número de interventores, passando a liderar no interior do sindicalismo oficial

rural. A nova configuração de forças reunidas no poder movia o primeiro passo para eliminar

do interior das entidades sindicais todos aqueles fatores que pudessem, de alguma forma,

interferir no pleno controle que deveria, necessariamente, ser exercício pelo Estado sobre a

organização dos trabalhadores. Como primeira providência aconteceram as intervenções nas

direções sindicais, sendo a segunda trazer a questão fundiária e a bandeira da reforma agrária

para controle do Estado. Isso aconteceu em novembro de 1964, através da aprovação do

Estatuto da Terra, que permitiria ao governo administrar, institucionalmente, as reivindicações

e os surtos de inquietação camponesa ligados à questão da terra.44

O Estatuto da Terra foi aprovado rapidamente pelo Congresso Nacional e, dentro

dele, pelas mesmas forças políticas que, durante os 18 anos posteriores à promulgação da

Constituição de 1946, haviam levantado todo o tipo de empecilho a qualquer medida de

reforma agrária. Os Senadores e Deputados aprovaram emenda constitucional que removia o

obstáculo do artigo 147 da Constituição, permitindo agora a desapropriação de terras por

interesse social sem a prévia e justa indenização em dinheiro, bastando que o fosse em títulos

especiais da dívida pública.45

Mesmo que a medida tivesse grande importância, ela surgia suavizada nas suas

conseqüências em virtude da própria concepção de reforma agrária que o Estatuto consagrava

e que a ditadura militar vinha executando, sistematicamente.

44 COLETTI, op.cit., p.62. 45 CONTAG, Confederação Nacional dos Trabalhadores. Questões Agrárias. 2. ed. Gráfica Brasil Central Ltda. Brasília, 1975. In: MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petróplois: Vozes, 1995. p.95.

39

A reforma, implantada pelo governo militar, através do Estatuto, classificava as

propriedades em minifúndio, empresas rurais, latifúndios por dimensão e latifúndio por

exploração. Desta forma, a referida reforma acata a sugestão do IPES (Instituto de Pesquisa e

Estudos Sociais),46 o qual colocava a ênfase da sua proposta na constituição da empresa rural

e na condenação do minifúndio e do latifúndio.

O Estatuto faz da reforma agrária brasileira uma reforma típica, de emergência,

destinada a desmobilizar o campesinato sempre onde o problema da terra se tornar tenso,

oferecendo riscos políticos. É um instrumento de controle de tensões sociais e dos conflitos

gerados por esse processo de expropriação e concentração da propriedade e do capital.47E, de

fato, durante todos os anos de governo militar o problema agrário só se manteve como

problema nacional e político graças à vigilância e à ação da Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura e da Igreja.

Como ponto essencial da redefinição judiciária, o Estatuto estabelece a colonização

das áreas novas mediante remoção e assentamento de agricultores desfavorecidos e

desalojados pela concentração da propriedade ou retirados de áreas de tensão. A região

Amazônica e partes do centro-oeste, sobretudo, Mato Grosso, seria a extensão disponível para

a realocação. Mas, dois anos após a promulgação do Estatuto esta chance de reforma agrária

encerrou-se quando o Governo Federal estabeleceu uma política de subsídios para que fosse

estimulada a implantação de empresas industriais e agropecuárias na região Amazônica. As

empresas deixariam de pagar metade do Imposto de Renda sob a condição de aplicá- lo na

implantação de outras empresas naquela área. Desta forma, a mesma região que o Estatuto

destinava para a ocupação dos camponeses desalojados passou a ser destinada também aos

grandes grupos econômicos estimulados pelos incentivos fiscais. Essencialmente, a sociedade

inteira subsidia os grandes grupos econômicos nacionais e internacionais nesse deslocamento

geográfico, privando-se dos impostos que seriam destinados a bens e serviços públicos.

Porém, não havia qualquer política de subsídio para os camponeses instalados nessas mesmas

áreas.48

46 Segundo René Armand Dreifuss, o complexo IPES era um centro estratégico de ação política das classes capitalistas a partir da vanguarda da poderosa coalizão burguesa “antipopulista e antipopular” e sob o comando do capital multinacional e associado. Essa articulação desembocaria no golpe militar de 1964, que, segundo o autor, teria sido um golpe empresarial-militar. 47 MARTINS, op. cit., p. 96.

40

Com efeito, dentro dessas determinações, o regime ditatorial militar toma a

providência de enquadrar a luta dos trabalhadores com o Estatuto da Terra, e mais tarde, com

a Portaria n° 71, de 02/02/1965, estabelece um único sindicato de trabalhadores rurais para

cada base territorial como modo de facilitar o controle governamental sobre o sindicalismo

oficial rural.

A ação de governo sobre os sindicatos a partir de 1964 deixava, explícita a

“adaptação” dos mesmos, isto é, a sua transformação em órgãos assistenciais e de colaboração

como o governo. Aqueles que não estavam sintonizados com a política governamental foram

colocados sob intervenção para torná-los “autênticos” órgãos de classe, através da eliminação

dos fatores que perturbavam seu funcionamento.

1.3 Novos parâmetros de associativismo no campo - A fundação da CONTAG –

Confederação dos Trabalhadores da Agricultura

Como mencionamos anteriormente, inicia-se, a partir de 1962, um processo de disputa

entre as forças políticas do campo no que concerne ao maior número de cartas sindicais

possíveis. Contudo, o governo, no intuito de imprimir a sua marca no movimento em favor da

reforma agrária e atribuir a si mesmo responsabilidades no processo de fundação e

reconhecimento dos sindicatos rurais cria em outubro desse mesmo ano, a Superintendência

de Política Agrária (SUPRA). Competia a essa nova entidade, de natureza autárquica,

colaborar na formulação da política agrária no país, planejar e promover a reforma agrária e

adotar medidas complementares de assistência técnica, financeira, educacional, etc.49

Não obstante, a viabilidade de uma reforma agrária radical se faria sem uma

significativa mobilização do homem do campo. Fato este que justificaria o motivo pelo qual o

governo pretendia insinuar-se na organização sindical do trabalhador agrícola. Nesse sentido,

uma das atribuições da SUPRA era, justamente, trabalhar a favor da sindicalização no campo.

Para executar essa tarefa foi criada a Comissão Nacional de Sindicalização Rural (CONSIR)

com a função de criar condições que facilitariam aos homens do campo em sua mobilização

48 Ibid., p.97. 49 COSTA, op. cit., p. 104.

41

em órgãos de classe. A efetivação dessa comissão é um dos elementos que marcam uma nova

fase do movimento sindical no campo e está posta à disputa de sua influência e controle.

Segundo a análise da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícola

Brasileiro) a partir de meados de 1962, três forças disputaram acirradamente a direção do

movimento camponês: a classe operária, através da ULTAB, de suas filiadas e da sua

organização política de vanguarda; a burguesia nacional, através do Ministério do Trabalho,

da SUPRA, da AP e de vários outros agrupamentos ligados ou não ao PTB; e as forças

conservadoras, através dos círculos operários, das associações rurais, do clero reacionário e da

Frente Agrária.50

Dessa maneira, um forte ambiente de disputa se estabeleceria no movimento de

associativismo no campo; a abertura da possibilidade de criação de uma entidade nacional

aumentava ainda mais a inquietação desse atores que procuravam construir a base sobre a

qual se criaria a CONTAG.

Na tentativa do governo de João Goulart assumir o controle dos acontecimentos, o

Ministro do Trabalho, Amauri Silva, tomou para si a condução do processo de formação e

reconhecimento da Confederação.

A partir de abril de 1963, inicia-se o segundo surto de reconhecimento de sindicatos

rurais pelo governo. Entre abril e outubro de 1963, são reconhecidos 131 sindicatos,

preponderando nas regiões Sudeste e Sul, que representariam mais de 55% do total dos

sindicatos rurais oficiais existentes em março de 1964. Na primeira invasão súbita foram

favorecidas as entidades ligadas à Igreja e, nesse momento, a maior parte das entidades

reconhecidas estava ligada aos comunistas. Nas vésperas da fundação da CONTAG, das 23

federações fundadoras da mesma, com direito a voz e voto, dez delas pertenciam ao grupo da

ULTAB.51

Em dezembro de 1963, sob o comando da Comissão de Sindicalização Rural

(CONSIR) e Ministério do Trabalho, constitui-se, a partir das Federações dos Trabalhadores

na Agricultura (FETAG) existentes, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na

50 Ibid., p.105. 51 Ibid., p.116.

42

Agricultura (CONTAG), reconhecida em 31 de janeiro de 1964 (decreto n° 53.517). Da

assembléia de fundação participaram 26 federações de 18 Estados com direito a voto, sendo

que o PCB mantinha o maior número sob sua orientação. Desta forma, o PCB em um acordo

com a AP, ficou com a presidência e a tesouraria e, para a AP, coube a secretaria.

Nesta primeira diretoria eleita estavam representadas as seguintes correntes políticas: a

ULTAB e o movimento de esquerda católica, Ação Popular, com a exclusão das Ligas

Camponesas, na época, em crise e da ala moderada da Igreja. É importante enfatizar que os

trabalhadores permaneceram completamente alheios a essas disputas político- ideológicas do

movimento sindical, até porque a organização das bases sindicais não era a prioridade para

nenhuma das forças atuantes no campo e, também, na fundação da CONTAG, houve uma

composição de forças que excluía as Ligas Camponesas, que, naquele momento, já estavam

completamente isoladas no cenário político das lutas camponesas.52

Este período de lutas no campo e de organização sindical e políticas teve como

interface o esforço no sentido da unificação das bases sociais participantes das mobilizações e

o início da constituição de um movimento social camponês, integrados aos objetivos gerais

que seriam a reforma agrária e o reconhecimento dos direitos trabalhistas no campo. Era a luta

pelos direitos civis e políticos para as populações rurais.

Em abril de 1964, dias após o golpe militar, a CONTAG sofreu uma intervenção e o

Ministério do Trabalho indicou uma junta de três membros, ligados ao setor conservador da

Igreja Católica para a direção da entidade, que, no momento, era presidida por comunistas.

Nesse período, o sindicalismo rural, que despontava no país sofre o que os estrategistas

militares classificariam de uma “política de terra arrasada”, nem mesmo os chamados

“sindicatos cristãos”, organizados por setores progressistas da Igreja para se contraporem à

ação do partido Comunista, conseguiriam evitar as intervenções e prisão de seus lideres mais

expressivos.53 Foi nomeado Presidente José Rotta, dirigente da Federação Cristã de São

Paulo, que aclamara o golpe militar como uma “revolução democrática” vitoriosa,

permanecendo à testa da Confederação até 1968.

52 COLETTI, op.cit., p.65. 53 SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária. São Paulo: Brasiliense, 1980. p.84.

43

A partir de 1964, a principal bandeira da CONTAG passa a ser a luta pela reforma

agrária, definida no Estatuto da Terra e sua prática sindical se voltam pelos direitos dos

trabalhadores no campo, com uma concepção legalista de que os direitos já estavam

estabelecidos em lei, bastando apenas serem respeitados (tratando-se de Estatuto do

Trabalhador Rural e Estatuto da Terra). Na sua forma de agir procurava sempre não hostilizar

o governo militar, na intenção de atenuar a repressão ao movimento sindical, o que se poderia

sintetizar com as expressões “colocar panos quentes” e “apagar incêndios”. 54

A premissa básica da prática sindical da CONTAG se baseava no “envio de

correspondências”, limitava-se a denunciar os problemas às autoridades governamentais,

esperando a resolução do Estado nas pendências ou conflitos com os trabalhadores do

campo.55

Para autores como Novaes (1987), a prática dos dirigentes, no contexto dos anos de

estabilidade do regime ditatorial militar (compreende-se 1968-78), justifica-se pelo cuidado e

cautela que eram preciso para permanecer à frente das entidades sindicais. Essa situação teria

gerado um determinado tipo de dirigente sindical, cuja estratégia de sobrevivência baseava-se

na ação prudente, que significava, antes de tudo, jamais desafiar o Estado.56

Para a prática da CONTAG surgem as mais variadas interpretações de autores

pesquisados. Na visão de Colletti (1998), a opção legalista da CONTAG converteu-se numa

postura inconseqüente, conduzindo ao mero imobilismo e sedimentando entre os dirigentes a

concepção de que a luta por meios legais seria a única forma possível em quaisquer situações.

Entretanto, o mecanismo utilizado pelo regime militar, segundo o autor, para destruir qualquer

possibilidade dos sindicatos oficiais rurais converterem-se, durante a década de 70, foi a

instituição do programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), mais conhecido

como FUNRURAL. 57

54 Ibid., p.84. 55 Num levantamento da própria CONTAG sobre as lutas Camponesas no Brasil, em 1980, o verbo mais repetido no texto é “denunciar”. Durante o ano de 1980, a CONTAG denunciou às autoridades do país graves conflitos de terra em quinze Estados do Brasil e no território de Rondônia. In COLETTI.op.cit., p.67. 56 NOVAES, Regina Reyes. De corpo e alma: catolicismo, classes sociais e conflitos no campo. São Paulo: USP, 1987. p.188. 57 COLETTI, op.cit., p.69.

44

Para Maduro (1990), com esse tipo de incentivo, os sindicatos rurais passaram a

desempenhar muitas atividades de assistência, principalmente para os pedidos de

aposentadoria e pensões. Este aspecto tornou-se tão importante que, segundo a autora, até os

dias de hoje, o trabalhador rural tem dificuldade de compreender os procedimentos

relacionados aos processos junto à Previdência. Muitos trabalhadores acreditam, ainda, que a

aposentadoria é concedida pelo sindicato e somente aos sindicalizados.

O FUNRURAL (Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural) foi criado

com o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963; sua finalidade era instituir benefícios

previdenciários aos trabalhadores rurais como: aposentadoria por velhice e por invalidez,

auxílio-doença, assistência médica e odontológica, pensão por morte, auxílio funeral etc.

Efetivamente esse programa passou a func ionar em 1971 a partir da aprovação da Lei

complementar n° 11, de 25/05/1971, que criava o PRORURAL, sendo que a execução caberia

ao FUNRURAL. O Decreto n° 69.919, de 11/01/1972, que tratava do regulamento do

PRORURAL, estabelecia, em seu artigo n° 153, que as entidades sindicais poderiam ser

utilizados em serviços de fiscalização e na identificação dos grupos rurais abrangidos pelo

PRORURAL, bem com mediante convênio com o FUNRURAL, na implantação, divulgação

e execução daquele programa.58

A partir da inclusão desse programa nos sindicatos, esses passaram a revestir-se com

um caráter assistencialista como foi observado por Abramovay (1982). Esta manobra teve um

duplo efeito, transformando o presidente do sindicato num gerente da agência do

FUNRURAL; por outro lado, a vinculação do FUNRURAL a sede do sindicato fez com que o

trabalhador encarasse sua organização de classe como uma organização permanentemente

assistencial.59Corrobora dessa postura Leôncio Martins Rodrigues quando diz que se tratou de

um sindicalismo “burocrático – assistencial”, estreitamente controlado por um estado

“autoritário – burocrático”, que preenchia funções de desmobilização política e profissional

dos trabalhadores, limitando-se a questões assistenciais e ao encaminhamento das

reivindicações e queixas dos trabalhadores.60

58 PRORURAL – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Lei Complementar n°11, de 25/05/1971, regulamentada pelo Decreto n° 69.919, de 11/01/1979). 59 ABRAMOVAY, Ricardo.Lutas Sociais no campo. São Paulo: Unesp, 1982. p. 214. In. COLETTI. op. cit., p. 71.

45

Não obstante, Palmeira (1985) discorda dessas posições. Segundo o autor, a

implantação do movimento sindical rural no período pós-68, deve-se ao trabalho da diretoria

que assumiu a CONTAG em 1968, atraindo seus segmentos mais conservadores para posições

de defesa dos interesses efetivos da classe, colocando a reforma agrária no centro das

reivindicações. Entende, o autor acima, também como positiva a função assistencial repassada

pelo governo aos sindicatos, uma vez que o movimento sindical aceitou correr os riscos de

levar as práticas assistenciais para dentro dos sindicatos, como um meio de estimular o

aumento da sindicalização e de evitar o controle da assistência pelos políticos locais.61

De todas as questões colocadas pelos autores diríamos que a prática do sindicalismo

oficial rural, constituído por sindicatos, federação e confederação, instituída de 1964 até a

década de 70, é personificada por uma postura eminentemente conservadora, baseada em

características fundamentais como legalismo, imobilismo, prudência, clientelismo e

assistencialismo.

O I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em novembro de

1961, congregando todas as correntes do movimento camponês, reivindicava, na sua

declaração final, a “radical transformação da atual estrutura agrária no País”. Entretanto, as

exigências não circundavam apenas na redistribuição fundiária e um acesso em massa às

terras públicas e às áreas expropriadas. A tônica da questão perpassava pela garant ia do

direito de organização independente dos camponeses em suas associações de classe, a

sindicalização livre e autônoma.

Nesse encontro de acontecimentos, as forças políticas presentes são múltiplas: a Igreja

Católica, o PCB (Partido Comunista Brasileiro), as Ligas Camponesas, o MASTER

(Movimento dos Agricultores Sem Terra) e o Estado Populista que intensionava estender suas

práticas de cooptação política ao campesinato. O efeito de tudo isso está na articulação das

diferentes lutas sociais disseminadas pelo país e, também, pela disputa de sua condução por

várias organizações políticas.

60 RODRIGUES, Leôncio Martins. Trabalhador, sindicatos e industrialização. São Paulo: Brasiliense, 1979. p.149. 61 PALMEIRA, Moacir. A diversidade da luta no campo: luta camponesa e diferenciação do campesinato. São Paulo: Loyola, 1985. p. 47 In: COLETI, op.cit., p. 73.

46

Não obstante, inicia-se um período de organização do sindicalismo rural no Brasil. Em

junho de 1963, o Ministério do Trabalho institui a Comissão Nacional de Sindicalização

Rural, com o objetivo de promover o reconhecimento e a formação dos sindicatos rurais.

Neste mesmo ano, em dezembro, as federações já existentes fundaram a CONTAG

(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) com a primeira diretoria eleita,

representando as seguintes correntes políticas: a ULTAB, o movimento da esquerda católica,

Ação Popular e a ala moderada da Igreja. As Ligas Camponesas, na época em crise, foram

excluídas.

O resultado desse período de lutas no campo e de organização sindical apresentou dois

sentidos. Por um lado, o esforço na direção da unificação das bases sociais participantes das

mobilizações e por outro lado, o princípio da constituição de um movimento social camponês.

O acordo comum apontava para a reforma agrária e pelo reconhecimento dos direitos

trabalhistas no meio rural. Pretendia-se, por fim, principalmente a exigência dos direitos civis

e políticos para as populações rurais. Nota-se que nos diversos movimentos sociais no campo,

a transformação dos trabalhadores em sujeitos históricos está associada na afirmação de

direitos instituídos ou não.

Finalizando, diríamos que analisar historicamente os sindicatos rurais perpassa, num

primeiro momento, pela caracterização da situação em que esboça as condições objetivas para

o seu surgimento, que passam, necessariamente, pela luta de classe e pela articulação das

classes no quadro estrutural da sociedade brasileira. Desta forma, a questão central apresenta-

se com tais momentos, entendendo-se o primeiro como a situação concreta, propriamente dita

e o segundo considera-se o tipo de sindicato que é formado a partir dessa situação.

Entende-se por situação concreta, a situação política e econômica vigente no país no

período em questão. Em suma, os fatos que estavam ocorrendo é que impõem ao Estado criar

o Estatuto do Trabalhador Rural. Tudo isso ocorre num contexto social específico,

caracterizado pela instabilidade do desenvolvimento capitalista e no qual o Estado apresenta

um papel preponderante.

Com efeito, o sindicalismo rural é afetado pela ação do Estado. Ao mesmo tempo em

que se apresenta como reflexo da luta de classes, passa a ter sua prática institucionalizada pela

vinculação ao Estado. Desta forma, para a apreensão das particularidades inerentes ao

47

sindicalismo rural, fez-se interessante periodizar sua trajetória histórica, que compreenderia os

dois períodos citados, anteriormente. Passa a ser importante agora analisar o sindicalismo

rural gaúcho inserido nesse cenário, seu dinamismo, seus atores, suas mobilizações e reflexos

nas instâncias locais, como é o caso específico de Frederico Westphalen.

CAPITULO II

2 O SINDICALISMO RURAL NO RIO GRANDE DO SUL

Na perspectiva delineada para o presente capítulo, ou seja, a de chamar a atenção para

o Sindicalismo Rural no Rio Grande do Sul, faz-se necessário o estudo dos movimentos

sociais que articularam a criação dos sindicatos, enfatizando-se o MASTER e a FAG que irão

definir as matizes ideológicas da sindicalização. Partimos da idéia de que existem práticas

sindicais diferentes entre si, cada uma com suas características, podendo ser melhor

compreendidas através de seu histórico, das condições que, ao longo do tempo, levaram a sua

constituição. Esse caminho facilita o entendimento das linhas de continuidade e ou ruptura

dentro da atividade sindical, levando-se, desta forma, a uma percepção das origens de

algumas práticas sindicais e às interfaces com os projetos que as fundamentam. A idéia

central também é perceber como esses movimentos e lutas sociais estiveram e/ou surgiram em

correlação com as grandes questões sindicais que ocorriam em nível de Brasil. Como as que,

sinteticamente, observamos no capítulo anterior.

Pretendemos também, neste capítulo, dar visibilidade à FETAG pela sua importância

como entidade coordenadora do sindicalismo rural em todo o Estado do Rio Grande do Sul. A

ação da FETAG é referência para um conjunto de centenas de sindicatos, bem como reflete

em nível de confederação (CONTAG). Ter-se-á sempre presente, além dessas instituições, o

papel da Igreja Católica e o campo político que, nos períodos em questão, constituem-se.

2.1 A Gênese do sindicalismo rural no Rio Grande do Sul.

Os primeiros movimentos associativistas no Rio Grande do Sul foram a União dos

Agricultores Rio-Grandenses, a Asssociação dos Agricultores Católicos, a Caixa de Crédito

49

Rural, de Nova Petrópolis e a Caixa Econômica Rural, de Bom Princípio. Esses movimentos

aconteceram no início do século XX e foram liderados por um jesuíta suíço chamado Padre

Teodoro Amstad, que veio ao Rio Grande do Sul em 1885, para atender os imigrantes alemães

e seus descendentes. Este, com a colaboração de 19 associados, instituiu, em 1902, a Caixa de

Crédito Rural, em Nova Petrópolis. Mas foi no final da década de 1950, com o surgimento das

Ligas Camponesas de Pernambuco, que o Rio Grande do Sul passou a discutir os assuntos

relativos ao associativismo no campo. Percebe-se aí já uma primeira correlação do movimento

regional com o meio rural no outro extremo do país.

Eckert (1984) refere que as primeiras propostas de organização dos agricultores no Rio

Grande do Sul, devem-se a iniciativa do Partido Comunista em expressão do que ocorria no

país, o qual visava a formar sindicatos de assalariados rurais. Essa proposta foi referendada na

I Conferência Nacional de Trabalhadores Agrícolas em São Paulo, em 1953, patrocinada pela

ULTAB, entidade controlada pelo Partido Comunista. E, em 1954, os primeiros sindicatos de

assalariados rurais foram fundados em Pelotas, Jaguarão e São Gabriel, sem o reconhecimento

legal. Além desses, os comunistas organizaram embriões de sindicatos em Arroio Grande,

Erechim, Camaquã, Livramento, Rosário do Sul, Cacequi, Santiago, Jaguari, Itaqui, Santo

Ângelo, enfim, em municípios em que predominava o assalariado rural e onde o conflito era

mais agudo. 62

Pode-se datar os anos de 1960 como o início da configuração dos movimentos sociais

das populações rurais do Rio Grande do Sul. Malgrado aos vários movimentos e lutas sociais

rurais ocorridas, anteriormente,63 pode ser considerado como articuladores do sindicalismo

rural no Estado, o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER) e a Frente Agrária

Gaúcha (FAG). Esses dois movimentos refletiam, à sua maneira, a luta de classes no campo,

repetindo-se o mesmo quadro do restante do pais: o MASTER, de posição radical, baseando-

se em associações, como as Ligas Camponesas no Nordeste; a FAG, por sua vez, investiu na

62 ECKERT, Cordula. Movimento dos Agricultores sem Terra no Rio Grande do Sul – 1960 –1964. Rio de Janeiro. UFRJ, 1984. p.64. Para a autora, mesmo que essas informações sejam incompletas, evidenciam a existência de tentativas de organização de agricultores e representam a formação de lideranças. 63 Movimentos de negros, caboclos e alemães são registrados no meio rural, alguns, inclusive com grandes repercussões como é o caso dos MUCKERS, o dos Monges- Barbudos, o de Sobradinho, etc. Porém, esses movimentos e conflitos sociais rurais não alcançaram o nível político e organizativo sindical no meio rural.

50

fundação de sindicatos, buscando maior apoio legal, seguindo o exemplo dos demais grupos

ligados à Igreja conservadora.64

A disputa principal existente entre a FAG e o MASTER residia na liderança do

movimento camponês no Rio Grande do Sul. Ambos aspiravam provar a força e a expansão

de seu movimento no Estado. Criar o maior número de sindicatos, era a marca da vitória na

disputa para obter o reconhecimento da FETAG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura

no Rio Grande do Sul) e sua respectiva filiação junto à CONTAG.

O conflito entre os dois movimentos fazia-se presente também no campo ideológico.

A FAG acusava o MASTER de “movimento comunista”, “agitadores sociais” e,

principalmente de criar sindicatos apenas no papel para crescer o seu prestígio e tornar-se

evidentemente mais forte. Para o MASTER, a sindicalização visava, entre outros objetivos, a

contrapor-se ao sindicalismo promovido pela Igreja Católica mais conservadora, via FAG. O

MASTER tende a aparecer mais como um movimento semelhante às Ligas Camponesas,

frutos de organização dos camponeses em sua luta por direitos sejam trabalhistas ou de acesso

à terra.65

Sob as atividades do MASTER estavam, também, diversos elementos ligados ao

Partido Comunista e, mesmo que apoiassem algumas formas de pressões mais radicais, como

as invasões de terras, aspiravam reformas importantes como a reforma agrária dentro dos

parâmetros da legislação vigente ou que poderia ser criada.

Para autores como Maduro (1990), é quase impossível se chegar a um quadro das

verdadeiras dimensões do sindicalismo de trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul em seu

período inicial, em função de uma série de razões. Em primeiro lugar, o número de sindicatos

não corresponde, necessariamente, à real organização dos trabalhadores, existindo muitos

sindicatos “fantasmas”, só no papel. Em segundo lugar, podem ter existido mais sindicatos ou

associações que desapareceram sem deixar memória escrita, sendo possível seu registro

apenas a partir de entrevistas com participantes.66

64 MADURO, Acácia Maria Ramires. A prática sindical da FETAG. Porto Alegre: UFRGS, 1990. p.63. 65 Ibid., p. 59. 66 MADURO, op. cit., p.68.

51

O início da década de 1960, foi assinalado por movimentos de organização dos

trabalhadores rurais, quer em Ligas Camponesas, Movimentos de Sem Terra ou Sindicatos,

sendo este último que teve a oportunidade de permanecer em cena após o golpe de 1964. O

que se pretende registrar no momento, é exatamente as condições de mobilização, de disputa

entre as distintas correntes políticas que levaram os sindicatos a se formarem com

determinadas características.

2.1.1 O movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER

O MASTER foi uma organização que surgiu em 1960, no Rio Grande do Sul e que se

pode considerar como um dos grandes movimentos sociais camponeses brasileiros desta

época. Mobilizou mais de 100 mil agricultores sem terra entre 1960 e 1964, utilizando-se da

tática de fixar acampamentos nas áreas desejadas à desapropriação, sendo que sua bandeira de

luta era, basicamente, o acesso a terra.

Eckert (1984) atribui o surgimento do MASTER ao somatório de uma série de fatores,

que vão desde a própria existência de um segmento social, objetivando a reforma agrária e

que desde antes da década de 60 começa ter sua organização estimulada, até uma conjuntura

política propícia na época, em nível nacional e estadual e que facilitou um crescimento da

organização política do campesinato,67 como vimos no capítulo primeiro.

A deflagração do MASTER advém de um conflito no município de Encruzilhada do

Sul, quando um proprietário pretende retomar uma área de 1800 hectares, situada em Faxinal,

que há 50 anos estava em poder de 300 famílias de posseiros.

Euclides Lança, pretenso proprietário da área, passou a exigir dinheiro pelo uso da

terra, que, inicialmente, foi acatado pelos posseiros, mas quando foi proposta a compra da

terra sob pena de serem despejados, começaram a se organizar com o apoio do Prefeito de

Encruzilhada do Sul, Milton Serres Rodrigues que estabelece um acordo com o Governo do

Estado, que desapropria as terras mediante o pagamento de apólices estaduais.

67 ECKERT, op. cit., p.67.

52

Em 24 de junho de 1960, é fundado o primeiro núcleo do MASTER na cidade de

Encruzilhada do Sul, tendo a frente o prefeito Milton Serres Rodrigues, Paulo Schilling,

superintendente da Fronteira do Sudeste e Ruy Ramos, deputado federal pelo PTB.

Poli (1995) ressalta que, embora o surgimento do MASTER possa ter sido

influenciado pelas Ligas Camponesas, porém existia uma diferença básica na forma de luta:

as Ligas propunham uma reforma agrária através da luta revolucionária, enquanto o MASTER

queria fazê-lo de forma pacífica, através de formas legais de luta e organização.

Quanto às interfaces do MASTER com as Ligas Camponesas, por ocasião da fundação

da Associação dos Agricultores Sem Terra de Encruzilhada do Sul, Ruy Ramos declarou que

a Federação Nacional dos Agricultores Sem Terra seria também integrada pelas Ligas

Camponesas do Nordeste e que teria já estabelecido ligações com Francisco Julião.68

A partir desse momento, inicia-se um período de fundação de associações municipais

de agricultores nos moldes de Encruzilhada do Sul e, também, a organização da entidade

Estadual, sendo que a realização do Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores

Agrícolas, promovido pela ULTAB, serviu de incentivo para essas ações.

Cumpre ressaltar que Eckert (1984), em sua análise sobre o MASTER, aponta um

paradoxo nos objetivos quando da sua criação. Entre os motivos pelos quais o MASTER foi

criado, consta o de organizar a participação política do campesinato na cena política como

forma de pressionar o Executivo e o Legislativo a considerarem como emergência uma

proposta favorável à realização da reforma agrária. Porém, no Estatuto desde o primeiro

núcleo do MASTER, de Encruzilhada do Sul, que, posteriormente, serviu de base para as

outras associações, o termo reforma agrária não aparece e a questão da posse da terra foi

colocada num mesmo item, juntamente com a questão do arrendamento e da parceria. 69

Retornando à questão do Estatuto, também eram colocados como objetivos: obter a

legalização das terras já ocupadas pelos pequenos agricultores, investigar a legalidade da

68 Conforme Jornal Última Hora, Porto Alegre, 25/16/1960. In: ECKERT, op. cit. p.94. 69 ECKERT, op. cit., p. 69.

53

posse de áreas latifundiárias e, comprovada a ilegalidade, lutar para que essas áreas passassem

ao Estado, que as distribuiria aos agricultores Sem Terra.70

No que tange às atividades desenvolvidas pelo MASTER, Eckert (1984) estabelece a

seguinte periodização do movimento:

1° Período (junho de 1960 a janeiro de 1962): estruturação e início dos acampamentos;

2° Período (janeiro de 1962 a janeiro de 1963): término do Governo Brizola e posse de

Ildo Meneghetti, começa a repressão ao movimento camponês; e

3° Período (janeiro de 1963 a março de 1964): atividades encerradas com o golpe

militar.

Procuraremos através dessas etapas do movimento, estabelecidas por Eckert dar

visibilidade às ações do MASTER.

a) A estruturação e início dos acampamentos.

Esta primeira fase do MASTER (junho de 1960 a janeiro de 1962) tem como

peculiaridade o início dos acampamentos e a organização de associações nos municípios, bem

como a organização da associação estadual.

Em junho de 1961, aconteceu um encontro de Agricultores Sem Terra do Estado, com

representantes de Erechim, Uruguaiana, Pelotas, Bagé, Novo Hamburgo, Horizontina, Passo

Fundo, Rosário, Cacequi, Ipanema e Santa Rosa. O encontro preconizou como tema a criação

da Associação dos Agricultores Sem Terra e a realização do congresso Estadual dos

Agricultores, marcado para 15 e 16 de setembro do mesmo ano e, posteriormente, adiado

devido ao Movimento da Legalidade.

Apesar de adiado o Congresso Estadual, o MASTER mandou uma delegação de 33

membros ao Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo

Horizonte, em novembro de 1961, promovido pela ULTAB, representando 33 associações de

“sem terra”. Nesta delegação havia participantes de várias tendências do movimento

70 A obra de Eckert apresenta uma cópia dos Estatutos do MASTER.

54

camponês da época: Milton Serres Rodrigues, liderando a delegação; representantes das Ligas

PCB e PTB. Logo, a delegação do Rio Grande do Sul, não tinha, ao que parece, uma

hegemonia em termos de proposta política ao participar do Congresso.71

Na obra de Eckert (1984) está explícito que a tentativa de verificação do movimento

camponês gaúcho, com a adesão dos Comunistas ao MASTER, passando, junto com os

trabalhistas, a integrar esse movimento, está relacionado com o apoio, em 1958, do PCB a

campanha de Leonel Brizola para o Governo do Estado. E, segundo documentos do PCB, a

proposta era pela formação de uma frente que reunisse todos os setores interessados na luta

contra o imperialismo e o latifúndio, lutas essas, apoiadas por setores do trabalhismo, entre os

quais, os brizolistas. Em conseqüência dessa política de frente, percebe-se o motivo da

preocupação do PCB em coesionar os diferentes movimentos existentes no campo gaúcho.72

Em agosto de 1961, o governador Brizola passa a apoiar o MASTER, reconhecendo as

associações vinculadas ao mesmo como de interesse público. O fato está relacionado com a

política agrária adotada pelo governador Brizola, já no final de seu mandato, como uma

tentativa de ampliar o seu respaldo junto aos setores populares do campo. Respaldo este que o

PTB necessitava obter em conseqüência de ter, tradicionalmente, um eleitorado urbano.

Para Zanfeliz (1980), o motivo que levou o Governador Brizola optar pela reforma

agrária é decorrente da necessidade de respaldo que tinha o Governo das camadas populares

para forçar as classes dominantes a aceitarem a via do capitalismo nacional como alternativa

para romper a situação de estagnação econômica do Estado sulino e no limite de romper os

laços com o imperialismo e a subjugação ao capital estrangeiro; e o apoio aos movimentos

populares era para poder melhor controlá-los e enquadrá- los no próprio projeto do Governo.73

Como primeiras providências adotadas pelo governo Brizola, no mês de agosto de

1961, foi a constituição do Grupo de Trabalho 14, proposto para estudar a introdução da

reforma agrária no Rio Grande do Sul, tendo em vista, primeiramente, a instalação no Estado

de 30 colônias agrícolas, cada uma com 50 núcleos, para a instalação dos “Sem Terra”.

71 ECKERT, op. cit., p.76. 72 Ibid., p. 95. 73 ZANFELIZ, Maria Assunta. As relações sóciopolíticas no Rio Grande do Sul: governo, partidos e sindicatos na conjuntura de 1958 – 1964. Porto Alegre. UFRGS, 1980. p. 63.

55

No sentido de encaminhar a proposta de Reforma Agrária, também foi criado o

Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (IGRA) que tinha como objetivo, entre outros, o de

estudar e sugerir ao Governo projetos, iniciativas, bases e diretrizes de uma política agrária

para o Estado do Rio Grande do Sul; o de promover o acesso a terra e a propriedade dos

agricultores sem terra – parceiros, arrendatários e assalariados rurais – e das populações

egressas do meio rural.74

b) Os acampamentos A partir de janeiro de 1962, o MASTER inicia sua mobilização para os acampamentos

junto a áreas pretensas a desapropriação pelo Governo Estadual, constantes nos artigos 173 e

174 da Constituição do Estado. Os artigos declarados são os seguintes:

Art. 173 - Parágrafo 1° O Estado combaterá a propriedade improdutiva, por meio de tributação especial ou mediante desapropriação. Art. 174 – Parágrafo 2° - Atendendo aos interesses sociais, o Estado poderá mediante desapropriação, promover justa distribuição da propriedade, de maneira que o maior número possível de familiares venha a ter parte em terras e meio de produção. Parágrafo 3° - O Estado promoverá planos especiais de colonização, visando às finalidades do parágrafo anterior, sempre que a medida for pleiteada por um mínimo de cem agricultores sem terras, de determinada região. Parágrafo 4° - O Estado facilitará a fixação do homem na terra, estabelecendo planos de colonização ou instalação de granjas, cooperativas, com o aproveitamento de terras públicas ou mediante desapropriação de terras particulares, de preferência as socialmente não aproveitadas.75

A organização dos acampamentos foi embasada na legislação como forma de

pressionar o Executivo Estadual a trabalhar a favor da desapropriação das terras

intencionadas. A escolha para a localização destes, dava-se através da região onde existisse

maior número de camponeses sem terra e grande latifúndios com baixo índice de

aproveitamento, justificando-se, dessa forma, o art. 173 da Constituição Estadual.

Estabelecido o acampamento, em tendas ou ranchos, na estrada que servia de limite a

propriedade escolhida, solicitavam a desapropriação e, posteriormente, a divisão. Sendo que o

primeiro acampamento formado foi o da fazenda Sarand i, em 08 de janeiro de 1962, que era

propriedade de uma empresa Uruguaia, adquirida há mais de 40 anos.

74 ECKERT , op. cit., p. 86. 75 Mensagem Assembléia Legislativa, 1962. In: Ibid., p. 100 -101.

56

Sob comando do prefeito de Nonoai, Jair Calixto, os “sem terra” organizados em,

aproximadamente, 300 pessoas, concentraram-se no corredor da fazenda, ao longo da estrada

que era considerada patrimônio público sendo que fazia margem com a via pública.

A estratégia de não invadir diretamente a propriedade em questão, mas acampar na

estrada, em terras do patrimônio público, foi utilizada muitas vezes e era uma forma legal de

pressão. Os acampamentos ao longo da estrada, próximo às terras em questão, não

caracterizavam invasão à propriedade privada, e desta forma, os invasores não seriam

retirados do local. 76

Com o passar dos dias, o número de invasores aumentou consideravelmente; em torno

de 1300 pessoas. E a pressão ao Governo do Estado e ao Parlamento tornava-se mais acirrada.

Em conseqüência do fato, no dia 15 de janeiro, perante 5000 agricultores, o governador

Brizola, acompanhado de comitiva composta por parlamentares, prefeitos e jornalistas,

comunicou a desapropriação das terras da fazenda Sarandi com o seguinte discurso publicado

no jornal O Nacional de Passo Fundo:

Quero cumprimentar a todos e felicitar pela forma ordeira e pacífica com que se conduziram, porque a causa da Reforma Agrária é justa e, por isso, devemos empregar os meios justos. A criação das Associações dos Sem Terra tem o meu apoio. Eu vos felicito pela ordem e pela moral do acampamento. A partir de hoje está desapropriada a fazenda Sarandi e daqui não sairá mais um pau de lenha.77

Incentivados pelos acontecimentos de Sarandi e, principalmente, pelo ato de

desapropriação do governador à fazenda, emergiram várias tentativas de formação de

movimentos semelhantes em vários municípios, culminando em inúmeros acampamentos no

Estado como o de Camaquã, no Banhado do Colégio, Santa Maria, Caçapava, Itapoã,

Sapucaia, Alegrete no Ibirapuitã e São Francisco.

Nesta fase, o MASTER, atingiu seu ápice realizando o 1° Encontro Camponês

Estadual, de 31 de março a 1° de abril de 1962 e o 1° Congresso do MASTER de 15 a 17 de

dezembro de 1962. Neste Congresso participaram representantes do governo estadual,

sindicatos urbanos, estaduais, delegados de outros Estados e um representante da ULTAB,

marcando profundamente a vida do movimento porque congregou representantes de todas as

76Ibid., p.106. 77 Conforme Jornal O Nacional de Passo Fundo, 15 jan. 1962.

57

entidades a ela vinculados e porque foi um movimento de reflexão que permite uma

sistematização dos rumos que orientaram o movimento.78

Na pauta das discussões do Congresso, além da reforma agrária e reivindicações

imediatas dos agricultores, apresentava a necessidade do associativismo rural e a importância

do apoio e ajuda à criação de sindicatos rurais e incentivo à sindicalização dos trabalhadores

rurais. Algumas associações já haviam fundado sindicatos nos seus municípios e, ao sindicato,

caberia o papel de assumir as reivindicações específicas e imediatas do assalariado rural.

Como resultado do congresso, houve a aprovação de uma campanha de sindicalização

rural e a escolha de uma diretoria definitiva para o MASTER. Entre outros objetivos, a

sindicalização visava a contrapor-se ao sindicalismo promovido pela Igreja Católica mais

conservadora, através da FAG (Frente Agrária Gaúcha). Até o presente momento, o MASTER

havia seguido o mesmo processo das Ligas, a fundação de Associações Civis, de legalização

mais fácil que os sindicatos. 79

c) A fase de repressão ao MASTER

No período de vigências do MASTER, muitas invasões de terras foram legitimadas

pelo então governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. A partir de 1963,

com a posse de Ildo Menegetti, seu sucessor, muitos atos de desapropriação foram anulados e

se inicia um período de repressão ao MASTER pelo acampamento realizado em Passo Feio,

distrito de Planalto, município de Iraí e divisa com o município de Nonoai.

As principais mudanças que ocorreram referem-se à violência, que é extrema neste

período, e ao apoio governamental, que passa a ser dado pela SUPRA – Superintendência da

Reforma Agrária – órgão vinculado diretamente ao Presidente da República, cujo delegado

regional no Rio Grande do Sul era Eliseu Torres. Este, acompanhou a luta dos agricultores

sem terra no Rio Grande do Sul através da SUPRA, constantemente, desde o apoio aos

acampamentos, as denúncias feitas pelos Sem Terra, auxílio de alimentos e até mesmo

jurídico pelos seus advogados. Desta forma, a SUPRA era solicitada como intermediadora

entre os sem terra e o Governo do Estado, mesmo que sua autoridade fosse questionada pelo

78 ECKERT, op. cit., p. 148. 79 MADURO, op. cit., p. 58.

58

Governo Estadual. Salientou que apesar de ser um órgão federal ligado diretamente a

Presidência da República, nem por isso tinha respeitado seu direito de atuação, sendo

impedida cotidianamente, através de seus representantes o acesso aos acampamentos por parte

de órgãos policiais.

Segundo Eckert, essa situação caracterizava a quebra da hierarquia e o desrespeito ao

poder central. As decisões do Presidente da República eram desrespeitadas pelo Governo do

Estado, o que, de certa forma implicava no rompimento entre Governo do Estado e o Governo

da União, o que caracterizava a vigência de um período em que a autoridade legal do

Presidente da República era questionada, produzindo um comportamento ilegítimo por parte

do Governo do Estado.

No período do Governo Ildo Menegue tti, apesar da repressão ao MASTER, os

acampamentos continuaram ocorrendo. Eckert (1984) registra que no governo de Leonel

Brizola aconteceram 12 acampamentos e no governo de Ildo Meneguetti 09 acampamentos,

sendo que todos sofreram repressão, somente neste último Governo.

Em fevereiro de 1963, a violência sofrida pelos agricultores inicia no acampamento de

Passo Feio. A Brigada Militar sitiou o mesmo, que, posteriormente, foi arrasado e incendiado.

E a exemplo desse todos os outros sofreram algum tipo de violência.

A repressão também atingiu o próprio IGRA (Instituto Gaúcho de Reforma Agrária)

que teve seu coordenador – chefe exonerado e substituído, Euzebio França, que era secretário

Geral do MASTER. Dos 32 funcionários existentes, permaneceram apenas 02, sendo os

demais demitidos. Do mesmo modo, ocorreram problemas com as áreas desapropriadas no

Governo Brizola, desde a não entrega dos títulos das áreas distribuídas aos sem terra, até

mesmo ameaças quanto à participação política desses agricultores no movimento. A exemplo

disso, 50 famílias em Itapoã, que receberam terras no governo de Brizola, enfrentaram

dificuldades para a entrega dos títulos de propriedade das mesmas. Já em Camaquã, no

Banhado do Colégio, como nem toda a área desapropriada tinha sido distribuída, ainda

ocorriam intromissão e pressão por nova distribuição de terras. Após várias tentativas de

negociação com o Governo do Estado, sem êxito, este último, através do IGRA, procurou

obrigar os agricultores a assinarem um segundo título provisório de posse, no qual incluiu

59

cláusulas, limitando a participação política dos agricultores e ampliando seus poderes sobre os

mesmos.

Eckert (1984) faz uma análise do MASTER nos dois Governos: Brizola e Meneguetti.

Diz a autora que, se durante o Governo Brizola houve um apoio explícito ao MASTER, sendo

a entidade reconhecida como de utilidade pública, durante o Governo Meneguetti, não só o

Estado deixou de apoiá- los como também este movimento foi vítima de uma série de

arbitrariedades, visando a dificultar a mobilização dos camponeses na luta pela terra.80

O MASTER finaliza suas ações com o Golpe de 1964, quando entidades populares são

reprimidas, concluindo-se um episódio da história brasileira que pode ser reconhecido com o

surgimento de um setor social, o campesinato.

2.1.2 A Frente Agrária Gaúcha – FAG

Uma outra vertente do movimento camponês existente no Rio Grande do Sul, foi a

Frente Agrária Gaúcha (FAG), uma associação fundada por iniciativa dos Bispos da Igreja

católica do Rio Grande do Sul em 18 de outubro de 1961.

Historicamente, a Igreja Católica teve um papel relevante na vida política brasileira e,

no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, começa a se preocupar com o homem do meio

rural brasileiro, em especial com o campesinato e a sua organização em movimentos sociais,

e, junto deste, marca a sua posição. Este período, marcado por profundas transformações na

estrutura social e econômica brasileira, e palco de mobilizações políticas dos mais diversos

segmentos da sociedade.

A FAG, a exemplo de outros movimentos em nível nacional, como a SAR (Serviço de

Assistência Rural) no Nordeste, foi organizada por iniciativa da Igreja Católica, sustentada

pela Encíclica MATER ET MAGISTRA, assinada pelo Papa João XXIII e publicada em maio

de 1961. Sua finalidade era desenvolver o espírito de solidariedade social entre os homens do

campo e também entre o agricultores e os homens da cidade, tendo como objetivo a realização

80 ECKERT , op. cit., p. 224.

60

da doutrina social cristã.81 A Igreja buscava orientação para a solução dos problemas

econômicos e sociais nos ensinamentos do Evangelho, das Encíclicas Papais e nas obras

literárias de seus pensadores.

A preocupação central da Igreja Católica Gaúcha, ao desenvolver um movimento

social cristão no campo, era com a influência do movimento político de esquerda, com

ideologia marxista, ocupando espaços no meio rural. Segundo Casarotto (1977), a Igreja

resolveu suscitar um movimento social cristão entre os homens do campo, uma espécie de

cruzadas para a libertação da família e propriedade, ambos ameaçados pela doutrina

enganadora dos seguidores de doutrinas marxistas.82 Infere-se que o motivo principal do

surgimento da FAG e sua obstinação em fundar sindicatos de trabalhadores rurais eram

combater o MASTER, organizar propostas alternativas de organização do campesinato,

podendo ser observado na seguinte citação:

(...) Não é, pois, de admirar que os humildes e indefesos lavradores se tornassem o alvo predileto da demagogia dos novos profetas e dos exploradores políticos: o movimento dos agricultores sem-terra (MASTER), agitadores marxistas e politiqueiros encheram as roças e coxilhas com suas promessas e convites. Surgiram sindicatos de politicagem, sindicatos de papel e sindicatos de interesses pessoais.83

Bressan (1978) ressalta que enquanto no Nordeste delineara-se uma tendência

progressista na Igreja, no Rio Grande do Sul ela foi abafada pelo conservadorismo da FAG.

Para o autor não houve maiores dificuldades em fazer crer que as conseqüências das

mudanças seriam piores que o estado vigente. A idéia do comunismo, com relação à

propriedade privada da terra, é que ela seria tomada dos agricultores pelo estado populista,

tornando-se este proprietário dessas terras. A aproximação da FAG com o estado só aconteceu

quando o governo populista perdeu o poder para grupos aglomerados nos partidos políticos de

tendência conservadora (PSD, PL, UDN, PRP, PDC).

Maduro (1990) analisa os depoimentos de sindicalistas que participaram da FAG e

infere que havia uma estreita ligação entre o grau de organização das comunidades em torno

das igrejas católica e protestante e a facilidade para a fundação da seção local da FAG. Este

81 Frente Agrária Gaúcha. Porto Alegre p. 06. In: BRESSAN, op. cit., p.176. 82 CASAROTTO, Irmão Marcílio. Irmão Miguel Dario – O amigo dos agricultores. Porto Alegre: Província Marista, 1977. p.49. 83 KUNZ, Dom Edmund. Queremos ser gente. Porto Alegre: FAG, 1977. p.07.

61

seria o motivo, para a autora, da expansão do movimento nas comunidades de origem italiana

e alemã, nas quais o padre ou pastor exe rciam forte influência entre a população.

A formação de uma frente agrária comandada pela Igreja tinha como fundamento a

defesa de um projeto agrário segundo os passos e preceitos católicos. As idéias desse projeto

cristão no meio rural gaúcho aconteceriam através da delimitação de frentes de estudo e

trabalho que seriam traçados pela liderança católica. Dom Edmundo Kunz (1977) sistematiza

as etapas:

a) investigação e estudos acerca da questão agrária; b) fundação e manutenção de escolas e cursos, permanentes ou periódicos, e a realização de Congressos, seminários e conferências para formação de líderes e para a educação de base do agricultor rural; c) sindicalização e outros tipos de associação de assalariados rurais e de agricultores, bem como amparo e estímulo às iniciativas econômicas de natureza cooperativista e de ordem cultural e assistencial”84

Segundo os estatutos da entidade, Dom Edmundo, pertencia ao Conselho Deliberativo,

em nível estadual e exercia a função de líder espiritual do movimento.

A questão da terra era latente para a FAG, os agricultores estavam rompendo com o

seu isolamento e apresentavam predisposição a participar na organização e luta por seus

interesses. Desta forma, havia a necessidade de apresentar alternativas de participação para o

homem do campo que reconhecesse seus problemas e oferecesse soluções inseridas no

contexto cristão.

A existência da concentração da terra e a dificuldade do pequeno proprietário eram

reconhecidas pela FAG. Mas, segundo Dom Edmundo Kunz, isso provinha dos efeitos da

técnica:

Um dos efeitos lamentáveis da técnica é a concentração da terra em mãos de poucos – os detentores do dinheiro – e as dificuldades sempre maiores dos pequenos proprietários”. Por outro lado enfatizava que o avanço técnico era uma questão de sobrevivência para o homem e que “Deus de tal forma criou a terra, que os homens devessem usar as suas faculdades corporais para tirar proveito das riquezas e das energias dela.85

84 KUNZ, op. cit, p.56. 85 Ibid., p.32.

62

Eckert (1984) analisa as afirmações de Dom Edmundo e conclui que a FAG

reconhecia a concentração da terra, mas mesmo assim, o homem não podia insurgir-se contra

esse processo já que a concentração da terra ocorria por causa da técnica e era desejo de Deus

que o homem avançasse tecnicamente. Logo, não havia porque defender a Reforma Agrária e

menos ainda porque, segundo Dom Edmundo, o dinheiro não traria felicidade. Pelo contrário,

corromperia e destruiria o homem.

A sustentação ideológica da FAG, identificada nas suas ações deve-se à influência

inegável do seu grande líder intelectual e fundador, Dom Vicente Scherer.

Bassani (1986) atribui a influência de Dom Vicente Scherer a duas ordens de fatores:

pela posição proeminente que sempre ocupou dentro da hierarquia da Igreja católica e pelas

constantes manifestações do seu pensamento e de suas posições frente à realidade social, que

ficaram registradas em programas radiofônicos e que foram, posteriormente, transcritas em

um livro intitulado “ A questão Agrária”. Entre os anos de 1946 e final de 1978 exerceu o

controle político- ideológico total da Igreja Católica do Rio Grande do Sul, tornando-se um

dos principais opositores dos setores mais avançados da Igreja e da CNBB, que, a partir da

década de 60 passaram a assumir uma postura mais crítica e a repensar a posição da Igreja no

Brasil.86O autor avaliou o grau de influência que o pensamento de Dom Vicente Scherer teve

na FAG através da análise de seus discursos sobre a Questão Agrária.

Dom Vicente era visto como “conselheiro” e “orientador” dos caminhos a serem

trilhados pelo movimento, pautado pelos fundamentos da Doutrina Social Cristã que

enfatizava a defesa e preservação da propriedade privada, e, consequentemente, a

preocupação de não alterar as bases sobre as quais se sustenta o sistema capitalista de

produção. Este posicionamento é notório em suas afirmações:

Dois princípios fundamentais caracterizam esta doutrina social, a harmoniosa solução de conflitos entre classes sob a égide da justiça e do trabalho e, consequentemente, a condenação da luta de classe vis ando à supressão da propriedade privada, como quer o comunismo, e a educação dos homens segundo os preceitos do evangelho dentro de uma concepção transcendente do destino e da vida humana. Em vez da guerra e do extermínio, promovida com guerras e sabotagens, indisciplina e danos propositais, exigem-se, como norma fundamental soluções que atendam as prescrições do direito,

86 BASSANI, Paulo. Frente Agrária Gaúcha: ação política e ideológica da Igreja Católica no movimento camponês no Rio Grande do Sul.. Porto Alegre: UFRGS, 1986. p.122.

63

da justiça e do bem geral, dentro de um clima de estudo sereno e objetivo da situação para fixar deveres e direitos recíprocos dos proprietários e trabalhadores.87

Esse posicionamento assumido denota a preocupação que a Igreja Católica vinha

assumindo em relação ao avanço comunista no campo. Preocupação esta manifestada nos

pronunciamentos de Dom Vicente Scherer desde os anos 1950, devido principalmente à

evolução dos movimentos camponeses liderados por grupos de orientação marxista, no

Nordeste Ligas Camponesas e no Rio Grande do Sul o MASTER. É preciso atentar para o

fato de que na categoria comunista, eram enquadrados sujeitos como os filiados ao Partido

Comunista do Brasil (PCB), com ênfase ao seu líder Luis Carlos Prestes, o socialista

Francisco Julião e todas as pessoas envolvidas no movimento das Ligas Camponesas; os

petebistas Leonel Brizola e João Goulart, outros políticos do mesmo partido, além de

sindicalistas, etc. Ainda que, entre essas pessoas, existissem, muitas vezes discordâncias e

hostilidades, eram todas identificadas como fazendo parte de um mesmo grupo, o dos

comunistas.88

Não rejeitamos o comunismo somente porque se declara irredutivelmente materialista e ateu. A doutrina Marxista nega também outros direitos inalteráveis da pessoa humana como a autonomia individual, a liberdade, toda a ordem jurídica independente do Estado, a propriedade particular dos meios de produção e emprega métodos de ação incompatíveis com a filosofia cristã da vida, como a luta de classes por quaisquer meios.89

Embasada nesta perspectiva, a FAG, como representante dos trabalhadores rurais

assalariados e dos pequenos produtores, encarava a atuação sindical junto a esses camponeses

como reguladora das relações entre as classes que possuem e dos que não possuem os meios

de produção, limitando-se a atuar dentro da legislação vigente. Desta forma, a FAG encara a

problemática da questão agrária como o resultado da má distribuição de terras e do uso de

métodos e técnicas atrasadas no processo produtivo. 90

A ênfase dada à reforma agrária por Dom Vicente Scherer residia no conceito cristão

de propriedade e na forma de conduzí- la sem abalar a estrutura social.

A desapropriação para fins de reforma agrária, pois, deve ser a exceção e não a regra (...) Há também grandes propriedades, ou latifúndios que exercem

87 SCHERER, Dom Vicente. A questão Agrária.. Porto Alegre: FAG, 1969. p.55. 88 RODEGHERO, op. cit., p.32. 89 SCHERER, op. cit., p.51. 90 BASSANI, op. cit., p.129.

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importante função social e devem ser conservados (...). A reforma agrária deve melhorar as condições de vida dos trabalhadores, multiplicar o número de pequenas propriedades que sustentam a produção em geral e a situação econômica do Estado e do país.91

Com relação à atuação junto ao movimento sindical, os sindicatos orientados pela

FAG deveriam cumprir suas tarefas seguindo as leis sindicais estabelecidas pelo Estado, sem

de modo algum suscitar a luta de classes que possa perturbar a “ordem” da sociedade.

(... a atividade sindical visa a estabelecer, ou a conservar e aperfeiçoar, a ordem e o entendimento no setor do trabalho, disciplinando as relações entre patrões e os empregados. O sindicato tutela, portanto, os direitos dos associados, reivindica uma justa participação sua nos fundos do trabalho, dá unidade orgânica à classe trabalhadora e assume a preservação e defesa de seus interesses. (...) O sindicato tem, pois a função de instrumento próprio para normalizar as relações entre o capital e o trabalho, dar unicidade orgânica às classes e desta forma melhorar as condições de vida dos menos favorecidos da sorte, alimentando a chama do devotamento pela implantação de um regime de plena justiça, ampla liberdade e operante fraternidade entre os homens e categorias sociais.92

Desta forma, denota-se que a atividade sindical pressuposta por Dom Vicente Scherer

pautava-se na manutenção da ordem, na normalização das relações entre capital e trabalho

pregando “justiça” e “fraternidade”. Assim, a Igreja, através da FAG, não se colocava contra

o latifúndio e, ao mesmo tempo, defendia os interesses dos pequenos proprietários, sua

principal base social, o que significava a possibilidade de assimilar as “falsas mensagens do

comunismo ateu”. 93

A hipótese de que a Igreja aceitava o capitalismo, com certas restrições, é fortalecido

pela análise de documentos da mesma ou, mesmo, de manifestações na imprensa católica. Nas

críticas ao capitalismo e, da mesma forma, ao liberalismo, nesses textos habitualmente

utilizavam adjetivos de caráter negativo; o comunismo, porém era considerado

intrinsecamente mau. 94

(...) Exige, porém, a lei natural, ou a vontade de Deus por ela promulgada, que se mantenha a devida ordem na aplicação dos bens naturais aos usos humanos: ora semelhante ordem consiste em ter cada coisa, seu dono. Daqui tem que, a não ser que alguém trabalhe no que é seu, deverão aliar-se as forças de uns com as coisas dos outros; pois que uma sem as outras nada produzem. Por conseguinte, é inteiramente falso atribuir, que só ao capital ou só ao trabalho, o produtor do concurso de ambos; e é injustíssimo que um deles negando a eficácia do outro, se arrogue a si todos os

91 SCHERER, op. cit., p.17. 92 Ibid., p.102. 93 BRESSAN, op. cit., p.184. 94 RODEGHERO, op. cit, p.50.

65

frutos. (...) Erro mais capcioso que o de alguns socialistas, para os quais tudo o que é produtivo deve passar a ser propriedade do Estado ou socializar-se; mas, por isso mesmo, erro muito mais perigoso e próprio a seduzir os incautos: veneno suave que tragaram avidamente muitos, a quem o socialismo sem rebuço não pudera encarar.95

Sobre comunismo:

Uma das facções seguiu uma evolução paralela à da economia capitalista, e precipitou-se no comunismo, que ensina duas coisas e as procura realizar, não oculta ou solapadamente, mas a luz do dia, francamente e por todos os meios ainda os mais violentos: guerra de classes sem tréguas nem quartel e completa a destruição da propriedade particular. Na prossecução desses objetivos a tudo se atreve, nada respeita; uma vez no poder, é incrível e espantoso quão bárbaro e desumano se mostra.96

Os pronunciamentos de Dom Vicente Scherer caminham nesta direção, segundo o

arcebispo, “queremos exprimir as nossas repulsas ao comunismo e ao capitalismo escravocata

do Estado Totalitário. Contra os abusos do capital, nacional e estrangeiro existe defesa

legal”. 97

Com efeito, é bastante transparente a postura da Igreja referente à questão social no

que tange ao capitalismo, expresso na Rerum Novarum, situando também o combate ao

comunismo num conjunto de preocupações que permeia desde a proclamação da República.

2.1.3 A FAG e a Proposta de Educação Rural: Instituto de Educação Rural e Escola de

Educação Familiar.

Incorporada ao projeto agrário proposto pela FAG, estava a preocupação com a

formação de lideranças no campo e a introdução de idéias “modernizadoras” entre os

pequenos produtores. Era necessário preparar ideológica e politicamente através de cursos e

palestras que propagassem os princípios destas propostas modernizantes. Desta forma, foi

sugerida a criação de Escolas Agrícolas que, funcionando no meio rural, abrangeria o maior

número possível de filhos de agricultores para propagar e desenvolver métodos e propostas no

sentido da modernização. Esses princípios modernizantes são expressos por Dom Vicente

Scherer:

95 Documentos Pontifícios sobre questões sociais. Departamento de Imprensa Nacional, 1967. p.61. 96 Ibid., p.76. 97 SCHERER, Dom Vicente. 70 anos de Rerum Novarum. Porto Alegre: UNITAS, 1961. p.126.

66

Queremos a todo custo difundir a compreensão de que o colono deve abandonar os métodos usuais de trabalho, em grande parte primitivos e antiquados. Neste terreno, vale sem dúvida, o Slogan de uma campanha eleitoral feita na América do Norte: está na hora de mudar (...) O desenvolvimento da agricultura e a racionalização de métodos de trabalho reclamam a fundação de Escolas Agrícolas para os filhos dos trabalhadores da terra (...) Como nos congressos de Bom Princípio e Venâncio Aires proclamamos a urgência inadiável de sua criação para preparar os pioneiros da renovação dos métodos de trabalho agrícola.98

Com o propósito de viabilizar a proposta educativa no meio rural, os chamados

“Institutos de Educação Rural” eram destinados a rapazes maiores de 17 anos, filhos de

agricultores sindicalizados e as Escolas de Educação Familiar para moças.

O objetivo essencial dos Institutos e das Escolas, segundo Dom Edmundo Kunz,

constituíram-se em:

Despertar o agricultor para seus problemas e oferecer-lhe chances de construir a sua pessoa, nas condições concretas em que se desenvolve a sua vida. Somente a educação pode libertar toda a escravidão e fazê-lo subir de condição de vida menos humana para condições mais humanas.99

Os Institutos de Educação Rural aconteceram em 06 municípios do Rio Grande do Sul,

abrangendo um número de, aproximadamente, 1.300 jovens (conforme quadro 01), entre os

anos de 1968 a 1976. Constituiu-se de turmas com 25 a 30 anos que efetivaram seus estudos

em torno de 10 meses. Os cursos eram realizados na forma de internato, um mês na escola e

um mês em casa. Como programa desenvolvido constavam disciplinas de: português,

matemática, geografia, história, moral e cívica, cooperativismo, sindicalismo, higiene, saúde,

agricultura, pecuária, eletricidade, instalações hidráulicas e construções rurais.

98 Ibid.,p.27-28 e 36. 99 KUNZ, op.cit.,p.50.

67

QUADRO 1 – Institutos de Educação Rural criados pela Frente Agrária Gaúcha

(Entre os anos de 1968-1976)

Número de alunos em 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 Total

01 – Bom Princípio 52 50 56 56 45 36 31 45 371

02 – Tapera 41 69 34 45 40 42 271

03 – Nova Prata 41 33 37 40 30 25 17 223

04 – Encantado 28 34 31 22 45 160

05 – Santo Cristo 41 24 48 60 173

06 – Frederico Westphalen 28 36 37 101

TOTAL DE FORMANDOS 52 91 166 151 161 188 177 199 114 1.299

Fonte: CASAROTTO, Irmão C. Marcilio. Irmão Miguel Dario – “o irmão dos Agricultores”. Porto Alegre: Província Marista, 1977, p.65.

O objetivo de alternar o período de aula com o período em casa, tornava-se necessário

para que o aluno colocasse em prática os ensinamentos recebidos. Os locais de

funcionamento, preferencialmente, deveriam acontecer em seminários pela necessidade de

alojamento.

Através das Escolas de Educação Familiar, a FAG estende seu projeto político

ideológico às mulheres trabalhadoras rurais. A proposta dessas escolas partiu das

Congregações religiosas que apoiavam o trabalho da FAG.

A juventude feminina do meio rural mereceu uma atenção mais acentuada por parte da FAG por razões diversas e plausíveis. Elas serão as rainhas do lar dentro do qual as crianças receberão a educação que ninguém poderá dar, a não ser as mães.100

As turmas eram constituídas de 20 jovens e a duração do curso era de 360 horas aula,

com disciplinas como: preparação para o casamento e maternidade, saúde e higiene, corte e

costura, arte culinária, jardinagem e horticultura. A essência do curso era voltada para a

preparação da mulher enquanto mãe e dona-de-casa.

Segundo Casarotto (1977), constituíam-se alguns dos objetivos das escolas:

• Preparar as alunas para organizar um lar; • despertar lideranças para as comunidades rurais; • ensinar a se organizar numa vida mais humana; • desenvolver as iniciativas de jovens e

100 CASAROTTO, op. cit. p. 66.

68

• ampliar a cultura geral de futuras mães.101

Todas as pessoas envolvidas nestas Escolas deveriam passar pela apreciação da FAG,

que, além das congregações, ainda escolhia professores da localidade onde seria realizado o

curso.

Os recursos destinados a esses cursos eram oriundos de diferentes fontes: sindicatos,

comunidade local e até mesmo contribuições das próprias alunas.

As Escolas tiveram maior expressão no interior do Estado, do que os Institutos, tanto

pelo número de municípios quanto pela demanda atendida (conforme quadro 2).

O Projeto Educação Rural, organizado e liderado pela FAG, procurava reforçar o

conteúdo doutrinário de sua proposta que consistia na política de mobilização e organização

do campesinato.

Acreditamos que, a importância em conhecer o programa de Educação Rural da FAG,

reside no conhecimento que permite elucidar seu conteúdo, bem como sua orientação na

organização do movimento camponês, que, através de preceitos ideológicos transmissores de

valores como a defesa da propriedade privada, da família, do matrimônio indissolúvel, etc,

apropria-se das reivindicações específicas dos camponeses com uma perspectiva mais ligada à

legitimidade e à reprodução da dominação social do que a transformação revolucionária da

estrutura social.

Nesta perspectiva de atuação, a FAG trabalhava com o campesinato no sentido de

incorporar o seu papel político e a sua percepção da realidade camponesa. A Igreja, portanto,

organizou os movimentos de agricultores, para, ao mesmo tempo em que agregava e absorvia

reivindicações camponesas, moldava e controlava o potencial de luta desse setor.

Essa prática ideológica é clara e denota-se com eloqüência nas falas de Dom Edmundo

Kunz:

Exortamos os prezados agricultores, operários, criadores e demais trabalhadores a que participem ativa e desinteressadamente na vida das associações operárias e agrícolas

101 Ibid., p.66.

69

para, unidos, se empenharem pelo atendimento de suas legítimas aspirações como justa remuneração do trabalho, presença ativa nas pequenas e grandes empresas, participação na responsabilidade da gestão das empresas, difusão da propriedade em todas as classes, defesa dos preços dos produtos do trabalho, etc., que libertem as associações de classe da exploração interesseira da política partidária, da tirania, do individualismo econômico e da tutela despótica do socialismo estatal; que se dediquem com intensidade sempre maior das obras relativas a esta vida passageira (MATER ET MAGISTRA), encarnando nas estruturas da vida econômica e social brasileira, os ideais Cristãos da Justiça e da fraternidade.102

Nestes termos, a FAG pode ser pensada como um aparelho de hegemonia que, através

de seus ideólogos, formula uma visão de mundo reapropriando e difundindo avaliações

ideológicas sobre o campesinato segundo os pressupostos do pensamento da Igreja Católica. E

com esse intuito, a estratégia de ação para a efetivação da proposta modernizante da FAG,

residia em mobilizar e organizar o campesinato através da Educação Rural como instrumento

apto de transmitir tais aspirações.

Com a expansão de suas bases de atuação a FAG procura concretizar a sua

representação política através da organização sindical, disputando com grupos como o

MASTER e outros de orientação comunista, a tutela do movimento sindical rural.

2.1.4 A FAG e os sindicatos rurais.

Entre os anos de 1963 a 1977, a FAG organizou 224 sindicatos rurais, no Estado do

Rio Grande do Sul (quadro 03), liderados por Dom Vicente Scherer e seus seguidores Dom

Edmundo Kunz e Irmão Miguel Dario. A característica principal do movimento estava no

combate aos grupos de esquerda, principalmente ao MASTER. Pertencente à congregação

religiosa dos Irmãos Maristas, Irmão Miguel Dario foi um dos grandes impulsionadores da

FAG, a ele foi atribuída a função da organização e estruturação da FAG no interior do Estado

e, principalmente, a organização do movimento sindical.

102 KUNZ, op. cit., p.56.

70

QUADRO 3 – Quadro dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul criados

pela Frente Agrária Gaúcha entre 1963 a 1977.

1963 Antonio Prado, Caxias do Sul, Farroupilha, Porto Alegre, Santa Rosa, Taquari, Torres e Veranópolis.

1964 Arroio do Meio, Carlos Barbosa, Erechim, Estrela, Flores da Cunha, Machadinho, Muçum, Pinheiro Machado, São Borja e Taquara.

1965 Arvorezinha, Bom Jesus, Caçapava do Sul, Carazinho, Catuipe, Cerro Largo, Chapada, Colorado, Cruz Alta, Dois Irmãos, Encantado, Espumoso, Faxinal do Soturno, Feliz, Frederico Westphalen, Getúlio Vargas, Gimá, Gramado, Gauíba, Herval do Sul, Humaitá, Ibimba, Ijuí, Irai, Jaguarí, Lageado, Marau, Marcelino Ramos, Maximiliano de Almeida, Miraguaí, Montenegro, Nova Prata, Nova Petrópolis, Nova Palma, Novo Hamburgo, Osório, Paim Filho, Panambi, Passo Fundo, Pedro Osório, Pelotas, Sananduva, Santa Bárbara do Sul, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santo Ângelo, Santo Augusto, Santo Cristo, São Francisco de Assis, São Jerônimo, São José do Norte, São José do Ouro, São Luiz Gonzaga, São Marcos, São Sebastião do Caí, São Sepé, São Valentim, Sarandi, Sobradinho, Tapejara, Três de Maio, Tucunduva, Vacaria, Venâncio Aires, Vera Cruz, Viadutos.

1966 Arroio Grande, Bento Gonçalves, Cachoeira do Sul, Camaquã, Candelária, Encruzilhada do Sul, Esteio, Horizontina, Itaqui, Lavras do Sul, Nova Araçá, Palmeira das Missões, Parai, Piratini, Sant’Anna do Livramento, Santo Antonio da Patrulha, São Francisco de Paula, São Gabriel, São Lourenço do Sul, Tenente Portela, Uruguaiana.

1967 Alecrim, Aratiba, Arroio do Tigre, Augusto Pestana, Bagé, Barão do Cotegipe, Caibaté das Missões, Candido Godói, Gaurama, Guarani das Missões, Igrejinha, Jacutinga, Mariano Moro, Nova Brescia, Pejuçara, Roca Sales, Seberi, Severino de Almeida, Tapejara, Três Coroas e Tuparendi.

1968 Ajuricaba, Alpestre, Barracão, Barra do Ribeiro, Barros Cassal, Boa Vista do Buricá, Bom Retiro do Sul, Cacique Doble, Canela, Chiapetta, Constantina, Crissiumal, Formigueiro, Garibaldi, Guaporé, Ibiaça, Ibiraiaras, Ilópolis, Independência, Itatiba do Sul, Ivoti, Júlio de Castilhos, Mostardas, Nova Bassano, Porto Lucena, Porto Xavier, Redentora, Rondinha, Roque Gonzáles, Salvado do Sul, Santa Vitória do Palmar, São Martinho, São Nicolau, São Paulo das Missões, Soledade, Selbach, Serafina Correia, Sertão, Tapes e Três Passos.

1969 Agudo, Braga, Campo Bom, Campo Novo, Coronel Bicaco, Davi Canabarro, Dom Feliciano, Dona Franciscana, Erval Grande , Erval Seco, Gravataí, Liberato Salzano, Mata, Nonoai, Palmitinho, Portão, Rodeio Bonito, Ronda Alta, Santiago, São Pedro do Sul, Tramandaí e Vicente Dutra.

1970 Alegrete, Anta Gorda, Arroio dos Ratos, Butiá, Casca, Ciriaco, Condor, Esmeralda, Estância Velha, General Câmara, Triunfo, Victor Graeff.

1971 Cruzeiro do Sul, Jaguarão, Lagoa Vermleha, Não-me-toque, SãoVicente do Sul, Sapiranga, Tupanciretã.

1972 Alvorada, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Viamão.

1973 Santo Augusto das Missões.

1974 Cacequi, Dom Pedrito, Rosário do Sul, Santa da Boa Vista.

1975 Canoas.

1976 Bossoroca.

1977 Fontoura Xavier.

Fonte: Bassani, op.cit p.141.

Em 1962 a FAG edita a cartilha “ABC” do Sindicato Rural, contendo os objetivos

propostos ao movimento sindical e os sete princípios básicos do movimento sindical.

1. O Sindicato deve trabalhar pelo bem comum e nunca de uma só pessoa. O

Sindicato é de todos. 2. O Sindicato deve trabalhar por uma mudança pela educação e nunca pela

luta de classes.

71

3. Trabalhar no sindicato em colaboração e de forma organizada. A organização facilita o trabalho. A colaboração aproxima as pessoas. A colaboração e a organização trazem a paz e o progresso.

4. O Sindicato deve orientar reivindicações programadas (...). 5. O Sindicato tem que ver o homem todo e ser idealista (...). 6. O nosso Sindicato deve ser livre e não obrigatório (...). 7. O Sindicato é uma associação profissional e não religiosa nem política.103

Com efeito, a orientação da FAG ao movimento sindical mostrou-se com um perfil

conservador. Com as características apresentadas, o sindicato não pretendia ser um órgão de

atuação política - transformadora da sociedade com a conseqüente tomada de consciência de

seus agentes, e sim colocar-se com uma prática mantenedora da situação. Em termos teóricos,

Bressan (1978) ao analisar o movimento sindical no Rio Grande do Sul destaca que a ação

pode, estruturalmente, apresentar duas características qualitativamente distintas: ou ela atua

no sentido de aprofundar as contradições entre as classes sociais (ação sindical

transformadora), ou então age no sentido do inverso, isto é, diluir o conflito social através da

unificação dos interesses antagônicos das classes (ação sindical conservadora).104

Não obstante, Bassani (1986) infere que o sindicato poderá constituir-se como arma e

instrumental de luta se os trabalhadores, que o constituem, tiverem força e uma certa

autonomia para poder determinar sua vontade e não a vontade somente dos que dirigem o

movimento. O que, para o autor, não teria acontecido no movimento camponês gaúcho.105

Como forma de organização e manifestação política do campesinato a FAG, promove

os Congressos dos Trabalhadores Rurais, realizados no período de 1962 a 1976.

No que tange às propostas e moções aprovadas nos Congressos, faz-se interessante

ressaltar algumas, pois, de certa forma, revelam as preocupações e reivindicações dos

agricultores e lideranças rurais que deles participaram e também a capacidade de

entendimento e aceitação da FAG quanto às mesmas.

No entendimento de Eckert (1984), mesmo que haja contradições e distanciamento

entre os resultados dos Congressos com a linha de atuação da FAG, evidencia que estas

questões estavam presentes no trabalho sindical desenvolvido pela Igreja e que, de alguma

103 FAG, ABC do sindicalismo rural. 1962. p.09. 104 BRESSAN, op. cit., p.01. 105 BASSANI, op. cit., p. 149.

72

forma, teriam que ser trabalhadas.106 Ainda que as decisões dos Congressos viessem a

macular algumas posições pertinentes à linha conservadora da FAG, pode-se visualizar a sua

capacidade de reverter reivindicações de caráter mais politizado para um nível

predominantemente técnico e assistencial.

O I Congresso dos Trabalhadores Rurais, realizou-se em 24 e 25 de julho de 1962 e,

como os demais, aconteceram nas dependências da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUCRS).

Os temas abordados no Congresso perpassam pela questão técnica e política. As

questões de ordem técnica referiam-se à necessidade de uma legislação trabalhista no campo,

que viabilizasse a previdência social, com direito a salário-família, 13° salário e a criação do

Instituto de Aposentadoria dos Trabalhadores Rurais. As questões de ordem política, que

envolviam a problemática da Reforma Agrária, foram tratadas de forma tímida e

referendavam os princípios definidos na manifestação coletiva dos bispos do Rio Grande do

Sul, em 18 de janeiro de 1961, a qual os mesmos asseguravam o direito de todo homem de

aspirar a propriedade da terra, cabendo ao Estado permitir através de Leis o acesso à terra. E

sobre a Reforma Agrária haveria de delinear-se com “providência, retidão e largo

descortíneo” e, se desapropriações se fizessem necessário, deveriam aplicá- las com justiça nos

limites do bem-comum. 107

A FAG ficou com a responsabilidade de encaminhar ao governo federal a proposta de

reforma agrária extraída do congresso. Encontramos essa proposição através da “Carta de

Reivindicações” onde o item I especifica a questão:

Que a FAG, por sua presidência, se dirija ao Presidente da República, ao Primeiro Ministro e aos Presidentes da Câmara de Deputados e do Senado Federal, encarecendo que seja, pelo Congresso Nacional, aprovado sem demora uma Lei de Reforma Agrária, que vise primeiro à promoção do agricultor, segundo aumentar a produtividade do setor agrícola devendo o poder público providenciar, em qualquer caso e em se tratando de distribuição de terras aos assalariados rurais, no sentido de que estes últimos seja prestada prévia e simultaneamente, efetiva assistência médica, educacional e financeira. A mesma medida de distribuição de terras impõe-se nas condições acima estabelecidas, a favor das outras categorias de não proprietários, como os arrendatários e os parceiros (...). A Reforma Agrária visa primordialmente à promoção do homem a garantir, do ponto de vista econômico, a liberdade da pessoa

106 ECKERT, op. cit., p.268. 107 Cartas de Reivindicações e Ações do 1º Congresso Estadual de Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul. 1962.

73

humana, feita a imagem semelhança de Deus e procura atingir este fim através da difusão de pequena propriedade; em segundo lugar, colocou-se o aumento da produtividade, também indispensável para alcançar a elevação do padrão de vida do agricultor.108

Isto posto, percebe-se que o projeto de Reforma Agrária encaminhado pela FAG

propõe como base os princípios orientadores da Doutrina Social Cristã e como objetivo maior

a promoção do homem e a defesa da pequena propriedade.

Na análise de Eckert (1984), estas proposições criticavam as “correntes extremistas de

direita e de esquerda”, pois ambas apresentavam semelhanças fundamentais no modo de

encarar a questão agrária; a primeira via principalmente o aspecto econômico da

produtividade e visava a promover a concentração da propriedade, a favor de um número

reduzido de proprietários; a segunda abolia a propriedade privada da terra para entregá- la,

com exclusividade, ao Estado.109

Com relação às desapropriações de terras, objetiva a FAG que os critérios

estabelecidos “deveriam resguardar os interesses da coletividade brasileira, as normas

jurídicas dos povos civilizados e os preceitos da doutrina cristã, sendo que, em primeiro lugar,

deveria utilizar as terras públicas ou as dos latifúndios improdutivos ou mal utilizados,

merecendo o proprietário uma justa indenização”.

Por fim, há que se considerar que este conclave promovido pela FAG, enfatizou

questões técnicas, em torno de produtividade, preços, legislação do trabalho e previdência

social. Infere Bressan (1978) que a questão da Reforma Agrária não foi inserida num contexto

estrutural, enquanto a crise política e econômica estava a exigir uma mudança profunda. Em

resumo, o questionamento da estrutura social em que os trabalhadores rurais estavam

inseridos era muito tímido.

No II Congresso em 1963, as discussões perpassadas foram praticamente as mesmas

da anterior. Reafirmam os princípios de orientação da Doutrina Social Cristã, embasada na

MATER ET MAGISTRA e, como objetivo de grande importância, inserido na ideologia

Cristã, colocavam a “necessidade de pressionar os órgãos públicos competentes para criarem

108 BASSANI, op. cit., p. 152-153. 109 Eckert, op. cit., p.270.

74

condições legais para a superação da injusta e desumana estrutura socioeconômica

vigente”. 110

Nas propostas referentes à Reforma Agrária foram inseridas alguns elementos como:

A alteração do parágrafo 16° do art. 141 da Constituição Federal em que se condiciona a prévia e justa indenização em dinheiro e a desapropriação por interesse social, a fim de permitir que o legislador ordinário, regulando a matéria, introduza, no direito positivo brasileiro, a modalidade de pagamento da indenização devida aos proprietários, em títulos da divida pública e a longo prazo. E considera-se ainda que a desapropriação deva começar em cada região pelas terras porventura pertencentes ao Estado, continuar pelas áreas privadas mal aproveitadas e atingir, enfim, as propriedades mais extensas, os latifúndios e amparando sempre as médias e pequenas propriedades; (...) a substituição da injusta e desumana estrutura capitalista individual, que rege a distribuição das propriedades rurais, por uma nova estrutura de espírito comunitário ou solidarista.111

De certa forma, este segundo encontro denota uma hesitação dos participantes entre os

princípios doutrinários da Igreja e posições um pouco mais críticas da situação, levantando

discussões em torno do cooperativismo, da política de preços e da regulamentação do Estatuto

do Trabalhador Rural, já criado em março de 1963.

Sobre essas novas posturas da FAG, Bressan (1978) argumenta que parecem ser

produto do aguçamento dos conflitos e da própria conscientização dos pequenos proprietários.

Na verdade, a conscientização e a organização dos trabalhadores rurais contribuía para a

acumulação de forças nos setores progressistas da sociedade, permitindo, assim, a ampliação

do espaço democrático. Ao mesmo tempo em que os agricultores, estando expostos a outras

ideologias, começariam a se libertar da tutela da FAG, esta se propõe a assumir posições

menos reacionárias para manter a sua hegemonia no campo. 112

O momento político nacional e, mais especificamente o vivido pelo movimento

camponês nesta época, visualizado no Nordeste pelas Ligas Camponesas e no Sul com o

MASTER, fez com que a FAG, estrategicamente, receosa de perder a liderança de suas bases,

assumisse ao menos em nível de discurso, propostas que vinham sendo colocadas por grupos

de oposição.

110 2ºCongresso de Trabalhadores Rurais. 2. ed. Porto Alegre, 1963. Cartas de Reivindicações e ação. FETAG. p.12. 111 Ibid., p.13–14.

75

Totalizaram-se um número de sete Congressos e, a partir do terceiro, em janeiro de

1965, período em que já estava instaurado o governo militar, a FAG utiliza uma estratégia

moderada do ponto de vista político-ideológico. Assim, a pauta do III Congresso não tem

como ponto de sustentação a Reforma Agrária, uma vez que o Estatuto do Trabalhador Rural

e o Estatuto da Terra já haviam sido promulgados anteriormente, definindo o

encaminhamento que o governo militar daria à questão social agrária.

Com efeito, o aspecto central deste Congresso expressou-se muito mais por uma certa

propaganda ideológica da FAG do que por questões específicas da luta camponesa. Antes de

levantar questões organizativas do movimento camponês a FAG buscou salientar o seu papel

e o seu posicionamento no meio rural.

A questão da Reforma Agrária retorna como tema central das discussões nos encontros

a partir de julho de 1969 no IV Congresso e permanece até o último. A posição assumida

pelos trabalhadores, a partir desse Congresso, foi interpretada pela FAG como conseqüência

da ausência de decisão política do governo e a não participação de representantes sindicais

dos trabalhadores no processo reformista. Desta forma, reafirmavam a necessidade da

execução urgente de uma Reforma Agrária autêntica mediante a distribuição maciça de terras

através da aplicação imediata do Estatuto da Terra e a garantia da participação mais efetiva

dos trabalhadores rurais na execução do projeto de Reforma Agrária.113

A tônica das questões discutidas nos Congressos não sofre grandes alterações e, desta

forma, a FAG continuava com o intento de tutelar o movimento camponês sem conflitar com

o Estado quando reivindicava apenas a execução do Estatuto da Terra e não questionava o

conteúdo da proposta de Reforma Agrária.

Por fim, denota-se que o movimento camponês liderado pela FAG mostrou a ausência

de autonomia das bases camponesas frente à sua liderança, uma vez que a iniciativa de

organização não partiu dos camponeses, mas da Igreja Católica do Rio Grande do Sul,

notadamente o setor conservador. Portanto, sob a égide da Doutrina Social Cristã, a FAG

buscou muito mais consolidar a questão da luta de classes do que enfrentá- la, agindo muito

mais como mediadora entre os conflitos de classe do que como canal no qual trabalhadores

112 BRESSAN, op. cit., p.184. 113 4°Congresso dos Trabalhadores Rurais. Porto Alegre, 1969.

76

pudessem desenvolver seu potencial de luta e organização frente às novas condições geradas

pela expansão do capitalismo na agricultura. A ação da FAG infere uma pratica sindical

assistencialista e legalista na medida em que lutava apenas para que fossem cumpridos os

dispositivos da lei criada pelo Estado para o campesinato.

2.1.5 A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul – FETAG

A FETAG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul,

entidade coordenadora do conjunto de sindicatos de Trabalhadores Rurais é ponto

significativo na construção da trajetória do sindicalismo no Estado. Seu estudo permite

entender melhor o período de formação do sindicalismo rural bem como conhecer as posições

assumidas pela FETAG frente aos diversos acontecimentos e situações postas ao campesinato

do Rio Grande do Sul.

Retrocedendo brevemente, o início da década de 1960 foi marcado por um

significativo movimento de organização dos trabalhadores rurais, sejam em Ligas

Camponesas, Associações de Sem-Terra ou sindicatos, dos quais apenas esses últimos tiveram

a oportunidade de resistir após o golpe de 1964. O que se pretende registrar é exatamente o

clima de mobilização, de disputa entre vários segmentos políticos que fez com que a FETAG

se formasse com determinadas características.

A primeira fase da FETAG, período de formação, pode ser datada de 1963 a 1969,

sendo que se inicia com a disputa de grupos pela liderança no movimento. É um momento de

inflamados discursos, em que as críticas aos concorrentes são de conteúdo bastante

exacerbado por parte de lideranças que a fundaram.

No Rio Grande do Sul, desde logo, duas lideranças passaram a digladiar-se na área de promoção a sindicalização do rurícola. De um lado, líderes abortados a provocarem o aborto de um sindicalismo inteiramente deformado, falso e deturpado em suas finalidades. Eram verdadeiros núcleos de desordem, baderna e subversão, denominados de sindicatos e seus fundadores e líderes, sob comando da então SUPRA, eram bem remunerados pelos cofres públicos. Do outro lado, uma liderança, sadia, inspirada nos princípios da Doutrina Social Cristã e amante da democracia, empenhava-se na promoção de um sindicalismo verdadeiro e autêntico. Foi sob os cuidados dessa segunda liderança que, em 06 de outubro de 1963, nasceu a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul.114

114 FETAG: história/trabalho/preocupações. 1969. p.09. Documento de circulação interno.

77

Desta forma, logo de início, denota-se a posição dos dirigentes frente ao papel da

FETAG que vinha contrapor-se ao que chamavam de “núcleos de subversão”, sendo que, com

o passar do tempo, seus discursos foram abrandados e suas posições mais requintadas.

No tocante a esse período alguns aspectos devem ser ressaltados como ponto de

sustentação para a FETAG: a Frente Agrária Gaúcha – FAG e os Congressos Estaduais de

Trabalhadores Rurais.

Ao se falar em fundação da FETAG, necessariamente se deverá referir à FAG, pois

esta é a verdadeira geradora daquela, auxiliando e determinando seus primeiros passos e,

inclusive, fornecendo a estrutura física para a instalação da Federação, em seus primeiros

anos.115

A proposta da FAG, como referido anteriormente, tinha condições de atrair os

pequenos proprietários das regiões coloniais, pois estruturava-se a partir da defesa da

produção familiar, contra o que se considerava o ataque à propriedade privada promovido

pelo MASTER. A atuação da FAG seguia o processo de fundação na comunidade de uma

seccional, com a filiação dos pequenos proprietários. A seguir, esta secciona l dava origem ao

Sindicato de Pequenos Proprietários, mais tarde reconhecida pelo Ministério do Trabalho

como Sindicato de Trabalhadores Rurais. Em meio a este processo, oito sindicatos ligados à

FAG fundaram, em 06 de outubro de 1963, a Federação dos Pequenos Proprietários e

Trabalhadores Autônomos do Rio Grande do Sul, reconhecida em 26 de outubro de 1965

como Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul – FETAG. 116

Como primeiro local de funcionamento à FETAG, foi cedida uma sala pela Cúria

Metropolitana, onde trabalhavam o presidente interino, José Ary Griebler e, apenas um

funcionário. A entidade dependia do auxílio da FAG por não contar com recursos que não

fossem oriundos da contribuição dos sindicatos filiados. Esse período de dependência

financeira começa na sua fundação, 1963 e perdura até 1965, ano do seu reconhecimento,

quando logo a seguir passa a cobrar contribuições de municípios onde os sindicatos não

estavam funcionando, através de um acordo com uma entidade privada denominada DEXA

115 VERONESE, Osmar. FETAG/RS: 30 anos de luta 1963-1993. Porto Alegre: FETA G – RS, 1993. p.31. 116 MADURO, op. cit.,. p.74.

78

(Departamento de Exatoria e Arrecadação), escritório de contabilidade que organizava a

cobrança da contribuição sindical. 117

A partir de 1968, com o aumento de arrecadação da contribuição sindical a estrutura

da FETAG amplia-se. Assim, são contratados sete funcionários e mais dois diretores, sendo

que o tesoureiro e secretário passam a prestar expediente integral. Da mesma forma, são

criados dois departamentos, o contábil e o jurídico, sendo este último o mais antigo da

Federação, com o objetivo de fornecer assessoramento direto à direção da entidade e,

também, aos dirigentes sindicais sobre enquadramento sindical, previdência social, legislação

agrária e agrícola.

A primeira Diretoria da FETAG foi definida através de eleições em 27 de setembro de

1966, tendo como presidente José Ary Griebler. Apresentou-se chapa única, recebendo 30

votos válidos uma vez que direito a voto tinham os delegados de 30 sindicatos em dia com a

contribuição, sendo um delegado por sindicato.

A segunda diretoria já foi ele ita em 1968, novamente com chapa única, quando se

elegeu presidente Octávio Adriano Klafke (permanecendo por mais três gestões), tendo

direito a voto 39 delegados sindicais, dos quais votaram 35. Percebe-se que não houve

aumento significativo nas filiações à FETAG neste período de dois anos.

Novas contratações em 1969, ampliavam o quadro de trabalho, um secretário

executivo, dois assistentes jurídicos, um contador, dois auxiliares de escritório e três

assistentes sindicais, sendo estes últimos encarregados especialmente da organização e

fundação de sindicatos. Eram dois padres e um leigo, que trabalhavam muito mais no interior

do que na sede e representavam a FAG na estrutura da FETAG. Anteriormente a essas

contratações, esse trabalho era realizado diretamente pela FAG.

Veronese (1993) ressalta a importância da estreita ligação entre a FAG e a FETAG na

década de 1960, validando as afirmações do Irmão Marcílio Casarotto de que “eram duas

entidades gêmeas no idealismo de bem servir ao agricultor gaúcho”. Iniciando no final de

117 O recolhimento do imposto sindical foi outra razão para o aumento do número de sindicatos, pois pela lei, o recolhimento do imposto sindical era obrigatório, ficando 54% deste para o sindicato, mas na ausência do mesmo, o imposto era recolhido para a organização da federação.

79

1969 um afastamento progressivo das duas entidades, que não significava falta de diálogo ou

rompimento brusco, mas uma independência crescente das ações políticas.118

Considera-se esse período entre 1963 e 1969 como o período de formação da FETAG

em função de se ter definido a estrutura da entidade, tanto material como em termos de

organização. A partir daí, ocorre o crescimento no número de sindicatos filiados, bem como a

importância da Federação, mas alguns pontos já estavam definidos, especialmente a

organização centralizada e a ênfase nos aspectos jurídicos e contábeis da administração

sindical.119

A importância dos Congressos Estaduais de Trabalhadores Rurais reside na relação

FAG e FETAG, uma vez que os três primeiros eventos foram promovidos pela FAG e os

outros quatro aconteceram em conjunto com as duas entidades. Maduro (1990) levanta a

hipótese da não realização dos Congressos, a partir de 1977, como marco definitivo do

afastamento da FAG e FETAG, especialmente com a saída de Otávio Adriano Klafke, da

presidência desta última, elemento de ligação entre as entidades.

Como mencionado anteriormente, ao final de cada Congresso era aprovado um

documento chamado “Carta de Reivindicações e de Ação” com o objetivo de assumir

publicamente as posições extraídas dos eventos. O comentário de algumas reivindicações

principalmente a partir do IV Congresso em que a FETAG já fazia parceria, mostra-se

interessante para a análise das características que marcaram a atuação desta entidade.

No IV Congresso, 12 a 14 de julho de 1969, um dos temas em debate referia-se ao

problema do enquadramento sindical. Os sindicatos de Trabalhadores Rurais reivindicavam a

transformação da Portaria 71, de 02 de fevereiro de 1965, em Decreto Lei, proposta defendida

pela FETAG. Contudo, a parte representada pelos Sindicatos de Empregadores Rurais,

ligados à Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (FARSUL), defendia a

aplicação da legislação contida no Estatuto do Trabalhador Rural, que considerava

trabalhador rural toda a pessoa física que presta serviços a empregador rural e, portanto, os

pequenos proprietários arrendatários ou parceiros não deveriam filiar-se ao sindicato da

FETAG. Por sua vez, a FETAG defendia a Portaria Ministerial n° 71 que considerava

118 VERONESE, op. cit., p. 34. 119 MADURO, op. cit., p.81.

80

trabalhador rural a pessoa física que exercia atividades ligadas ao setor agrícola, seja sob a

forma de empregado, seja sob a forma de empregador autônomo.

A luta da FETAG era no sentido de manter nos seus sindicatos os pequenos

proprietários, que eram a sua base, sendo que os próprios dirigentes pertenciam a essa fração.

Por sua vez, os assalariados rurais, em sua grande maioria à margem dos sindicatos eram

vistos como elementos capazes de fortalecer politicamente a FETAG.

O pequeno proprietário rural, o parceiro e o arrendatário são tão interessados na reforma agrária quanto o assalariado rural e, se organizados, em sindicatos próprios e bem estruturados significarão poderosa força, que poderá exercer não apenas ação reivindicatória, mas também e, principalmente, prestar inestimável colaboração ao poder público no processo de execução da reforma agrária. E essa colaboração, efetivamente, vem sendo adotada por todos os sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Estado e especialmente por esta federação. O empregador rural teme e detesta essa organização porque teme e detesta a reforma agrária (...) Cumpre ressaltar que, se atendido fosse o desejo do empregador rural e desmantelado fosse o sistema de sindicalização instituída pela sábia e oportuna Portaria 71, seria sufocado não apenas o assalariado rural, mas também o empreendedor autônomo, normalmente pequeno proprietário, dentro do mesmo sindicato do empregador, geralmente grande proprietário, jamais teria condições de ao lado deste, clamar por uma reformulação do mundo rural nos termos em que exige a justiça social. O empregador quase sempre dotado de boa cultura política e economicamente poderoso, sempre dominaria o sindicato. Teríamos um sindicalismo Rural deturpado, sem autenticidade de representação e, por isso mesmo, falso. Teríamos dentro de uma mesma entidade sindical duas classes inteiramente distintas de condições e nível de vida bem diversos.120

Em julho de 1975, no V Congresso de Trabalhadores Rurais, além da temática

principal, que era a reforma agrária, a FETAG volta a discutir o enquadramento sindical,

propondo a rejeição de medidas legislativas como o Decreto Lei 1166121, afirmando que a

FETAG não tinha como objetivo a obtenção de recursos financeiros provenientes da

contribuição sindical, mas na realidade de ter a representatividade da classe. Concluíam os

trabalhadores que:

Acima de disposições formais e simples medidas de módulos está o fator da realidade prática e do dado sociológico, que mostram a afinidade de interesses e a identidade de propósitos não conflitantes de assalariados, pequenos proprietários, parceiros e arrendatários que trabalham em regime de economia familiar.122

120 FETAG, op. cit., p.12. 121 Este Decreto estabelecia que, para fins de enquadramento sindical, os trabalhadores rurais seriam os assalariados rurais e proprietários ou não de uma área inferior a um módulo rural da região,ainda que com ajuda eventual de terceiros. 122 5° Congresso Estadual dos Trabalhadores Rurais. Porto Alegre, 1975. p.39.

81

E, para acabar com o impasse, a FETAG junto com os congressistas, sugeriram o

estabelecimento de um sistema de livre opção em termos de afiliação sindical para os

referidos grupos.

Quanto aos últimos dois congressos continua a abordagem inicial de temas como a

Reforma Agrária, a educação rural, a Previdência Social, a política agrícola, o cooperativismo

e o sindicalismo. Mas há de se destacar a presença dos Presidentes Médici e Geisel nas

cerimônias de encerramento, juntamente com Ministros e secretários de Estado, o que

evidencia o tipo de relacionamento da FETAG com os governos militares. Através do

discursos do presidente da FETAG no encerramento do VII Congresso, denota-se a questão:

(...) Queremos ao final, manifestar nossa irrestrita solidariedade à ação do governo de Vossa Excelência que, temos certeza, continuará inflexível no combate à subversão que, como homens de paz, repelimos e detestamos, e cada vez mais seguirão na caminhada, com o povo brasileiro, para o estágio da prosperidade, onde todo o brasileiro há de viver os benefícios que a justiça social lhe assegura e a pátria o glorioso destino que lhe é reservado.123

Bressan (1978) observa que o conteúdo político- ideológico dos discursos da FETAG é

bastante semelhante ao empregado pelos representantes do governo brasileiro. Esta aliança se

insere na própria concepção de Estado, que se depreende da prática da FETAG, intimamente

vinculada à Igreja Católica.124

O período de consolidação da estrutura da FETAG, pode ser considerado de 1970 a

1979 quando se processou, definitivamente, a separação desta da FAG e em que aparece uma

nova característica ao sindicalismo de trabalhadores rurais: a prestação de serviços no campo

da Previdência Social.

A posição da FETAG durante toda a década não se modificou. O apoio ao governo era

uma preocupação inalterável:

(...) a atuação da Federação durante o ano de 1976, continuou fiel aos princípios que nortearam seus primeiros passos e cimentaram os atos de sua própria fundação, isto é, sua ação desenvolveu-se à luz da Doutrina Social Cristã, buscando através da

123 KLAFKE, Otávio Adriano. Discurso pronunciado no VII Congresso Estadual de Trabalhadores Rurais de Porto Alegre, FETAG, 1976. p.04. 124 Desenvolvimento, paz e combate à subversão são alguns chavões já consagrados pelo uso.

82

reivindicação digna e da cooperação leal, com o poder público e com todos quantos se voltam para os problemas do campo, a promoção integral do trabalhador rural.125

O decreto de 21 de setembro de 1970 estimula de várias formas a prestação de serviços

pelos sindicatos que passam a desempenhar muitas atividades de assistência médica e

odontológica e assistência aos associados para os pedidos de aposentadoria e pensões.

Art. 1 – O Ministério do Trabalho e Previdência Social (...), a partir do presente exercício e nos futuros, até 1974, observará, com prioridade em sua política de ação social, o seguintes objetivos e medidas:Assistência Social: a) ampliação da prestação de assistência médico-cirúrgica, hospitalar e odontológica, para os trabalhadores rurais e urbanos, através de convênios com instituições públicas e privadas, especialmente com os sindicatos; b) doação aos sindicatos e hospitais de material médico-hospitalar de grande e médio porte; c) doação de gabinetes odontológicos e de unidade móvel hospitalar a instituições idôneas das comunidades rurais, sobretudo sindicatos rurais e de trabalhadores; d) doação aos sindicatos de trabalhadores de remédios fabricados pelo Governo, ou venda, a preço de custo conforme o nível salarial do trabalhador. Assistência Sindical: a) empréstimos financeiros às entidades sindicais, para a construção, reforma, ampliação ou aquisição de sedes, escolas, colônias de férias, campos de esporte, clubes recreativos, hospitais, creches, ambulatórios e cooperativas de consumo (...) e)bolsas de estudos, principalmente no campo da formação profissional, para os previdenciários sindicalizados (...).126

A posição da FETAG sobre o decreto continua condizente com as demais sobre a

ação do governo:

A diretoria sente-se honrada em submeter à apreciação do Ministério do Trabalho e do Conselho de Representantes da entidade o relatório das principais ocorrências (...), resultantes não só da promoção de defesa dos justos interesses da classe, levada a efeito através de reivindicação, digna e consciente, mas também do cumprimento da missão assistencial que lhe foi confiada pelo Poder Público, tanto no setor da assistência técnica como da saúde pública.127

Desta forma, assumia-se plenamente o papel dos sindicatos como prestadores de

serviço, o que era muito valorizado pelo trabalhador rural, principalmente pelo acesso aos

benefícios da Previdência.

Com efeito, na medida em que aumentava o número de sindicatos filiados surgia a

necessidade de novas formas de organização da FETAG e a criação das Regionais Sindicais

vinha consolidar este trabalho que seria uma forma de organização intermediária entre a

125 FETAG – RS Relatório das principais atividades desenvolvidas durante o exercíc io de 1976. Porto Alegre, 1976.p.01. 126 Brasil. Decreto estabelecendo assistência social e sindical, de 21 de setembro de 1970. In: CHIARELLI, op. cit., p. 398. 127 FETAG – RS Relatório das principais atividades desenvolvidas durante o exercício de 1975. Porto Alegre. p.01.

83

centralização de uma Federação em nível de Estado e a dispersão de sindicatos tomados

individualmente.128

Para a escolha destas Regionais, o Estado foi dividido em nove regiões e dezessete

sub-regiões, de acordo com culturas, mão-de-obra, população rural, uso da terra, hábitos e

origens comuns.129 Estas sub-regiões seriam o ponto de partida para a criação das

Regionais.130

Um dos principais trabalhos das regionais seria a Educação e, para isso, cada regional

tinha dois ou três coordenadores que seriam os responsáveis pelos contatos com a sede da

FETAG e a reprodução das informações obtidas nos treinamentos para as suas sedes. Aos

coordenadores, também eram atribuídas funções como:

(...) 2 – convocar e presidir as reuniões regionais dos Sindicatos, providenciando na remessa à FETAG/RS do documento alusivo à reunião. 3 – remeter mensalmente á FETAG/RS, em duas (02) vias, o Relatório de suas atividades educacionais. 4 – comunicar à FETAG/RS sempre que houver qualquer alteração do programa educacional na Região, isto somente em casos de comprovada força maior (...) 6 – comunicar à FETAG/RS, sempre e de imediato, qualquer problema que porventura surgir num sindicato, desde que sua solução dependa da Diretoria ou Equipe Central. (...) 8 - efetuar acompanhamento dos trabalhos educacionais realizados junto aos sindicatos e pesquisar o porquê das ausências e friezas (sic) de determinados sindicatos no Setor Educacional da FETAG/RS..131

Ao verificarmos os estudos elaborados por Maduro (1990) este ressalta que, na

verdade, outro objetivo perpassava pela criação das regionais. Ao serem, os coordenadores,

escolhidos diretamente pelo presidente da FETAG, serviriam como informantes acerca das

diversas situações locais, permitindo maior acesso ao poder por parte do presidente e maior

controle dos diversos sindicatos, que a esta altura já ultrapassavam 200 em todo o Estado.132

O fato torna-se implícito nas atribuições dos coordenadores, já citados anteriormente, o que

denota um sentido maior de controle da FETAG sobre os sindicatos do que a

redemocratização das relações. Mesmo assim, a FETAG consegue estabelecer um nível

128 MADURO, op. cit., p. 96. 129 Para a realização desta divisão foi efetuado um levantamento sócioeconomico, em 1975, através de questionamentos distribuídos a todos os sindicatos, como uma tentativa de avaliar a situação dos trabalhadores rurais. 130 FETAG – RS. Situação Socioeconômica do Trabalhador Rural; desenvolvimento do Sindicalismo no Estado. Porto Alegre, 1975. p. 02. 131 FETAG – RS. Departamento de Educação. Estratégia de Ação para o exercício de 1977. Porto Alegre. 132 MADURO, op. cit. , p. 97.

84

intermediário que se fazia necessário na dinamização das relações da entidade com os

sindicatos.

Na década de 1980, com os novos acontecimentos no cenário nacional, principalmente

o fim dos governos militares, nascem novas articulações políticas, movimentos populares,

inúmeras greves e o início do “novo sindicalismo”. Todas essas questões também propiciam

alterações na FETAG, que, de certa forma, não foram grandiosas, mas se fizeram presentes.

Não sendo objetivo de analise esse período, apenas citar-se-á aquelas mudanças que Maduro

(1990), na sua análise sobre a FETAG, entendeu significativas.

A alteração na forma de organização da FETAG ficou por conta da criação de

comissões: comissões de Política Agrícola e Agrária, de Enquadramento Sindical e

Legislação Trabalhista Rural e de Saúde e Previdência. O surgimento das comissões devia-se

à proposta de maior envolvimento nas atividades da FETAG pelas regionais sindicais,

iniciados pelo Departamento de Educação.

Em novembro de 1979, apontam-se mudanças no Departamento de Educação, sendo

lançada a “Educação de Base”. Para a nova proposta reafirmava-se a importância da chamado

“Base”.

Essas metas serão ditadas pela Base. Modificar significa assumir, e assumir significa maior responsabilidade daquele que se propõe a educar e informar. É necessário que a Base seja informada da realidade em que se vive, sem que nada lhe seja imposto.133

Esta ênfase na importância da Base não era sem propósito. Num momento em que se

discutia o modelo de sindicalismo no Brasil, em que se criticava a falta de democracia nos

sindicatos e a concentração de poder nas mãos das diretorias, tornava-se necessário um

discurso diferente, capaz de dar respostas a esses questionamentos.134

Nos anos que se seguiram, o Departamento de Educação passa a incorporar esse novo

discurso, fazendo referências constantes à “conscientização”, “participação da Base”, a “luta”

e as “mobilizações”. E, desta forma, a FETAG, através desse departamento, assume uma nova

postura, adequada às exigências da época.

133 FETAG/RS. Relatório de atividades da Diretoria e dos Departamentos, 1980. 134 MADURO, op. cit., p. 112.

85

Portanto, até então, vimos que se apresentaram dois grandes movimentos que

influenciaram o sindicalismo no campo: O MASTER e a FAG. Destes movimentos, o grande

articulador do sindicalismo rural passou a ser a FAG, entidade vinculada à ala conservadora

da Igreja Católica, que teve como grande objetivo o combate ao comunismo no campo,

disseminado pelo MASTER, que, com o golpe militar, pôs fim as suas atividades.

A FAG dominou o sindicalismo rural no Rio Grande do Sul e, através dela, surgiu a

FETAG, entidade em nível estadual responsável pela coordenação do movimento sindical no

Estado.

Com efeito, os movimentos sociais camponeses, conduzindo as discussões sobre a

questão agrícola e as condições de existência social do campesinato reafirmam que as suas

origens estão nas contradições da estrutura econômico-social. A caracterização dos

movimentos sociais é interpretada como uma forma de organização, que envolve o protesto e

a luta de uma classe ou categoria social contra as diferentes formas de exploração e

expropriação a que são submetidas. Definir uma concepção de sua participação

revolucionária, reformista ou até mesmo conservadora, exige a aná lise da participação

político- ideológica de diferentes grupos interessados na condução de um determinado

movimento camponês.

Hobsbawm (1978) afirma que apesar de toda uma complexidade referente à concepção

desses segmentos há pessoas e movimentos que se consideram revolucionários ou reformistas,

agem segundo princípios revolucionários ou reformistas. Os movimentos reformistas ou

revolucionários terão, naturalmente, um comportamento diferente, desenvolverão

organizações diferentes, diferentes estratégias, táticas etc. É necessário, portanto, ao estudar o

movimento social, saber qual dos grupos pertence.135

Buscamos, com essas considerações analisar esses dois movimentos sociais, MASTER

e FAG e compreender o conteúdo específico de sua atuação no que tange à fo rmação do

sindicalismo rural gaúcho no sentido de “ preparar o terreno” para dar maior visibilidade à

análise do sindicalismo rural e a influência mediadora da Igreja local nesse âmbito.

135 HOBSBAWM, Eric J. Os camponeses e a política. Ensaios de opinião. Rio de Janeiro: Inúbia, 1978. p. 42-56.

86

O presente estudo, procurou sobretudo, demonstrar a importância de um análise mais

apurada, em nível local, acerca do papel desenvolvido pela Igreja Católica como mediadora

dos conflitos no meio rural.

Conforme apontamos anteriormente, a intervenção da Igreja Católica na organização

do movimento sindical rural teve características que marcaram definitivamente o perfil deste

movimento, sobretudo, quando constatamos que esta ação foi preponderante na consolidação

da luta de classes, deixando de ser propositiva em relação à organização e consciência do

campesinato.

CAPITULO III

3 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL RURAL EM FREDERICO WESTPHALEN

O presente capítulo pretende discutir, inicialmente, algumas questões teórico-

empíricas que possibilitam a compreensão do potencial organizativo e político dos

camponeses, um caminho que permita circunscrever a emergência do movimento de

trabalhadores rurais face à dinâmica da realidade social nas décadas de 1960 e 1970. Expor

uma concepção da participação revolucionária, reformista ou até mesmo conservadora dos

trabalhadores rurais, requer também, além de se percorrer uma trajetória no sentido de

identificar os condicionantes estruturais de caráter econômico, político e social do movimento

camponês, uma verificação da participação político-ideológica do movimento interessado na

condução do próprio movimento, no caso deste estudo local, de forte mediação do

catolicismo.

A intenção é examinar, de acordo com uma perspectiva histórico-estrutural, a gênese e

a evolução do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen no período de sua

mobilização, compreendido entre 1963 e a sua consolidação até, aproximadamente, 1978.

Neste momento será analisada a formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Frederico Westphalen, seu horizonte sóciocultural e político, bem como a presença

determinante da Igreja Católica em seu processo, através da análise de textos, jornais,

documentos e manifestação do discurso de seus ideólogos.

O marco teórico da análise tem de considerar, essencialmente, a questão do

desenvolvimento do capitalismo no campo, no período citado. Constata-se ao longo da

88

história latino-americana 136 que o surgimento de lutas e movimentos sociais tem como fator

determinante a exploração do homem pelo homem através do trabalho, ou, mais precisamente,

a exploração do capital sobre o trabalho. Marx (1975) afirmava que a história não é senão a

história da luta de classes, classes essas interpostas pela relação que cada um ocupa perante os

meios de produção.137

Destarte, enfatizamos a vinculação da discussão em torno do movimento camponês

dos marcos estruturais da formação econômica e social, visualizando a expansão do

capitalismo no campo brasileiro.

3.1 Caracterização do campesinato no Rio Grande do Sul.

O estudo da ação político- ideológica dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, no Rio

Grande do Sul, obedece a uma seqüência histórica no que se refere à formação e

desenvolvimento da pequena produção no Estado, iniciando com o processo de imigração

européia. Não é nosso objetivo analisar essa questão, apenas tentaremos, de forma sucinta,

caracterizar algumas especificidades no que se refere às dimensões sócioculturais

determinantes da existência do campesinato gaúcho.

O primeiro plano de colonização do Rio Grande do Sul relaciona-se com a vinda de

açorianos, em 1742, que, ao receberem pequenos lotes de terra, implantam o regime de

pequena propriedade agrícola. Esta forma de colonização permeava os objetivos políticos do

governo imperial, quando, através de doações de sesmarias à população de origem lusa,

propunha ocupar espaços vazios, propiciando o domínio português sobre as terras sulinas que,

constantemente, eram invadidas pelos espanhóis.

Num segundo momento, a colonização no Rio Grande do Sul realizou-se pela

concessão de pequenos lotes de terra para alemães (1824) e italianos (1875). Sendo os

alemães os primeiros a chegar, foram deslocados para o Vale dos Sinos, constituindo-se,

principalmente, de lavradores. Já os italianos ocupavam espaços geográficos menos

136 Alguns autores que abordam essa temática, por este prisma são: HOBSBAWM, Eric. Rebeldes Primitivos: estudos das formas arcaicas de movimentos sociais no século XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. MARTINS José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1981. ___________. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec, 1980. 137 MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa -Portugal: Avante, 1975. p. 58.

89

favoráveis, tanto para o cultivo quanto para a pecuária, a região serrana, região extremamente

acidentada.

A partir de 1824, com o estabelecimento dos primeiros imigrantes, assiste-se a

coexistência de duas sociedades distintas no Rio Grande do Sul: a sociedade dos estancieiros,

na Serra do Sudeste e na Campanha e a sociedade dos pequenos lavradores, na Depressão

Central e na Região Serrana. A primeira produzia couros, charque e outros produtos de

origem animal e era, rigidamente, hierárquica, formada por latifundiários, peão e escravos. A

outra produzia trigo e produtos da lavoura, era mais igualitária e formada, principalmente, por

imigrantes, de início açorianos e, mais tarde, alemães e italianos.

Tanto a colonização alemã quanto a italiana tiveram um significado fundamental para

o mercado interno da economia brasileira. Porto Alegre, a partir do final do século passado,

começa também a ter um grande impulso no desenvolvimento do setor industrial, devido ao

fato de ter estabelecido mercado com a zona colonial. Esta relação favorecia o setor industrial,

uma vez que a zona colonial fornecia a matéria prima para a indústria e produzia alimentos a

preços baixos para a população urbana que se encontrava em processo de expansão.

A partir de 1850, o governo brasileiro estabelece uma lei que regulamenta o acesso à

terra, é a chamada Lei de Terras, de 1850. Esta determinava que as terras não seriam mais

cedidas gratuitamente, mas com o pagamento em dinheiro, determinando um novo

condicionante à pequena produção que é a transformação da terra em equivalente de capital.

Mediante este fator, o pequeno produtor estará vinculado ao mercado capitalista, uma vez que

precisará converter parte da sua mercadoria em renda monetária para pagar o preço da terra.

Nesses termos, para Martins (1981), a expansão do capitalismo no campo se dá primeiro e

fundamentalmente pela sujeição da renda territorial ao capital. Comprando a terra, para

explorar ou vender, ou subordinando a produção de tipo camponês, o capital mostra-se

fundamentalmente interessado na sujeição da renda da terra, que é a condição para que ele

possa sujeitar também o trabalho que se dá na terra.138

Na venda do produto, o camponês receberá apenas parte do valor que havia

incorporado, o que, freqüentemente, nem chega a cobrir os custos da produção. E essa

sujeição, faz com que a renda gerada pelo trabalho do camponês passe a ser expropriada pelo

capital em sua quase totalidade.

138 MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1981. p. 177.

90

Partindo dessas colocações, Bassani (1986) afirma que o colono, em sua relação com o

capital, encontra-se envolvido num duplo movimento: de um lado é reproduzido pelo capital

enquanto camponês proprietário da terra e dos meios de produção, utilizando-se apenas da

força de trabalho familiar para produzir seus meios de subsistência; de outro lado, a partir das

determinações que o capital impõe ao seu processo de trabalho - uma vez que com a

conversão da terra em equivalente de capital o camponês vincula-se ao mercado capitalista,

dominado por grupos monopólicos, submetendo-se, assim, às leis do mercado - o camponês

tende à pauperização e expropriação completa.

Frente a essa situação, o que predomina é a pauperização camponesa. O alerta para o

processo de empobrecimento do camponês reside na dificuldade para adquirir novas terras,

devido à ausência de capital, coadunado ao grande número de filhos que torna seu espaço de

terras escasso. Diante desse empobrecimento, o camponês não encontrando condições de

introduzir novas técnicas de cultivo, enfrenta o esgotamento do solo e, conseqüentemente, a

baixa produtividade, impossibilitando-o de sustentar sua família exclusivamente da atividade

agrícola.

Destarte, o pequeno produtor procura saídas para fugir da situação imposta

reorganizando seu processo produtivo através, inicialmente, de recursos como o aumento da

jornada de trabalho, alcançando, muitas vezes, 13 a 14 horas e em um segundo plano, o

pequeno produtor poderá submeter a si ou a outros membros da família ao trabalho fora da

unidade produtiva familiar, objetivando o aumento da renda familiar. Para isso, conta com o

trabalho assalariado, temporário ou permanente, em grandes empresas agrícolas situadas nas

proximidades de suas propriedades.

Reportando-nos aos anos 40, com o fechamento da fronteira agrícola no Estado,

devido aos incentivos dados à produção de trigo, elevou-se o valor das terras, dificultando a

aquisição por parte dos camponeses e levando a um grande fracionamento das pequenas

propriedades agrícolas.

Com efeito, aliado à crise da suinocultura, ao esgotamento do solo, inicia-se um

processo de evasão camponesa, uma crescente migração, seja para as cidades do interior ou

para a própria capital do Estado. As principais regiões de atração camponesa foram os Estados

de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Goiás.

91

A Fundação de Economia e Estatística (FEE) registrou que, durante o período de 1950

a 1970, o total de imigração, para estas áreas já mencionadas, no Rio Grande do Sul foi de

594. 313 pessoas e, na sua maioria, originava-se da zona agropecuária colonial. 139

Em suma, no Rio Grande do Sul, configuraram-se duas formas de exploração da terra:

uma através da grande propriedade latifundiária, produtora de couros, charque e outros

produtos de origem animal; e outra, através da pequena propriedade minifundiária, produtora

de produtos agrícolas (trigo, milho, feijão etc.) e animais (suínos, banha, aves, etc). Denota-se

que o processo produtivo gaúcho estava organizado em termos de grandes propriedades e

pequenas propriedades, sendo que a primeira tinha como atividade principal a pecuária, ao

lado de atividades agrícolas de subsistência e, na segunda, predominava as atividades

agrícolas com finalidades mercantis.

Este sistema produtivo entrou em crise e a agricultura apresenta acentuada queda no

período de 1920/1936. Schilling (1961) defende a tese de que a crise deve ser atribuída à

economia colonial na medida em que ocorria o esgotamento das terras das colônias velhas

agravado pelo excessivo fracionamento das pequenas propriedades, citado anteriormente. O

referido autor marca uma evolução do setor agrícola no período 1939/54 devido, basicamente,

às culturas de trigo, arroz, milho e mandioca.140

Assim, a partir de 1950, intensifica-se a mecanização no Rio Grande do Sul,

aumentando, significativamente, o número de tratores e arados, o que para Bressan (1978), de

um lado, permitia a dinamização do setor de produção de máquinas e implementos agrícolas e

de outro, diminuía o custo de reprodução da força de trabalho pelo barateamento dos produtos

agrícolas. Portanto, o desenvolvimento desigual do capitalismo brasileiro se fazia sentir no

Rio Grande do Sul mediante a transferência de capitais para os centros dinâmicos. Para o

referido autor este foi o ponto básico do populismo gaúcho divulgado por Brizola: “eliminar

as disparidades regionais, eis o grande problema que desafia, dramaticamente, a nossa

capacidade de governantes. Vivemos num país dilacerado em áreas prósperas e áreas

retardadas”. 141 As imigrações para outras regiões se dão num contexto de pequeno camponês.

139 FEE. Fundação de Economia e Estatística. 25 anos de economia gaúcha – aspectos demográficos e sua relação com o desenvolvimento econômico do Estado. Porto Alegre, 1977. p. 55. 140 SCHILLING, Paulo R. Crise econômica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Difusão da Cultura Técnica, 1961. p. 30. 141 BRIZOLA, Leonel. Declaração de princípios. Florianópolis Conferência. In: BRESSAN, op. cit., p.170.

92

A crise econômica e suas repercussões sobre a agricultura no Rio Grande do Sul, pode

ser considerada como ponto de partida para a explosão das lutas camponesas. A diversidade

dos processos concretos que o modelo de modernização imprimiu no campo brasileiro

expressa-se em demandas e movimentos sociais com caráter específico

3.2 A ação da Igreja Católica junto aos imigrantes no Rio Grande do Sul: a religião

como base da organização camponesa.

Dentre os elementos culturais trazidos pelos imigrantes, de seu país de origem,

destaca-se a língua e a religião, que foram preservados, o máximo possível, diante das

transformações ocorridas na sua adaptação à nova terra.

De Boni (1980), ao analisar a imigração italiana na região colonial do Rio Grande do

Sul, afirma que a religião atuou como elemento fundamental de união entre eles, pois a

maioria confessava-se católico e o catolicismo forneceu subsídios indispensáveis para

reiniciar, individual e coletivamente a sua existência.142

A religião católica possibilitou um elemento de integração em nível de relações sociais

dos imigrantes. Para Manfroi (1975) o catolicismo com suas igrejas, capelas, ritos e festas

ocupou um lugar central. Foi através da religião católica que o imigrante italiano se encontrou

consigo mesmo e com os outros, formando uma unidade que se exprime na constituição

destas comunidades de trabalho e de fé, que foram as linhas coloniais.143

Maestri (2000) vai além da afirmação de Manfroi e destaca que o catolicismo

arraigou-se no meio colonial por razões estruturais profundas. Com suas raízes assentadas no

patriarcalismo fundiário medieval, ele se encaixava como uma luva às necessidades

ideológicas da sociedade colonial, sustentando seus valores e diluindo suas contradições e

assimetrias.144

Num primeiro momento, a manifestação deste catolicismo se deu através de suas

experiências nos países de origem, criando sua forma leiga de manifestar seus sentimentos

142 DE BONI, Luis Alberto. O catolicismo da imigração: do triunfo à crise. In: LANDO, Aldair Marli (org .). Rio Grande do Sul: imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 235. 143 MANFROI, Olívio. Colonização italiana no Rio Grande do Sul. Implicações econômicas, políticas e culturais. Porto Alegre: Grafosul, 1975. p. 152. 144 MAESTRI, Mario. Os senhores da Serra: a colonização italiana no Rio Grande do Sul 1875 – 1914. Passo Fundo: UPF, 2000. p.96.

93

religiosos, reproduzindo cultos e orações para manter a expressão religiosa tanto na família

quanto na comunidade que estava se formando. Nas regiões mais distantes, por causa da falta

de sacerdotes, um leigo, ocupava-se do terço dominical, batizados, cerimônias fúnebres, etc.

O padre leigo ou padre da capela, era escolhido entre os colonos mais cultos e mais sábios nas

práticas religiosas. Esse novo método de organização de capelas e escolha de responsáveis

pelos ritos religiosos provocou reações no clero, na medida em que tais fatos fugiam ao estilo

tradicionalmente de organização da hierarquia Eclesiástica. Uma organização religiosa, a

partir das bases, acabou tendo inúmeros desencontros com a hierarquia eclesiástica, cujo eixo

de sustentação da Igreja impedia-a de aceitar como ideal um modelo em que a direção

coubesse ao povo.

Desta forma, o clero demonstra sua preocupação em impor a concepção de respeito e

autoridade que a Igreja representa, o que para, De Boni (1980), demonstra a preocupação com

a decadência do catolicismo no período em questão:

Em 1889, o Brasil contava com uma dúzia de dioceses, poucos sacerdotes e religiosos em crise contínua, devido ao fechamento dos noviciados pela autoridade civil. Sem assistência religiosa, longe de uma organização hierárquica eficiente, o catolicismo do povo mantinha-se, porque não surgia nenhuma heresia no país, mas tendia a dissolver-se na sociedade, atendo-se a aspectos rituais, quando não a grosseiras superstições. Nisto a situação do Rio Grande do Sul não diferia do resto do Brasil. O clero gaúcho, adaptando-se ao ambiente, parecia ser o principal promotor de um tipo de religião que se resumia em promover festas para os vivos e pompa fúnebre para os mortos. Os sacramentos e a pregação achavam-se mais ou menos abolidos de seus interesses pastorais. Álcool, carreiras, negócios, mulheres, eram constantes em quase todos os documentos da época, que tratavam da situação dos padres. (...) À decadência do clero correspondia uma religião sui generis por parte do povo.

Não obstante, a zona colonial revestiu-se em ambiente propício à atuação da Igreja,

devido à forte religiosidade dos colonos, o que fez com que esta atuasse na garantia do seu

fortalecimento, passando a ter um papel determinante na vida dos pequenos produtores da

zona colonial, transmitindo- lhes suas aspirações e, obviamente, a forma de organização

comunitária.

Tal atuação nos leva a reconhecer, no papel da Igreja junto à população de colonos, o

que Gramsci associa à hegemonia da classe dominante:

A hegemonia é ao mesmo tempo ideologia de classe dirigente, concepção de mundo difundida em todas as camadas sociais e direção ideológica da sociedade. A hegemonia da classe dominante supõe que esta classe produza seus intelectuais, cuja função é garantir o consenso da sociedade.

94

A fim de garantir o consentimento social entre os camponeses, difundindo sua própria

hegemonia política e cultural, duas estruturas são importantes neste contexto, conforme

Gramsci e Althusser: a Igreja e a Escola são instituições hegemônicas fundamentais da

sociedade civil.145

Maestri (2000) observa que a capela abarcava as comunidades localizadas,

geograficamente, próximas. Suas festas reavivavam, periodicamente, as relações vicinais,

necessárias ao desenvolvimento comunitário. As primeiras capelas construídas, em sistema de

mutirão pelos moradores das linhas, foram dedicadas aos padroeiros das vilas natais italianas,

nas comunidades homogêneas, o que, muitas vezes, motivava fortes disputas. A capela podia

possuir diversos padroeiros para solucionar as contradições localistas. Esta também

desempenhava a função de centro cultural, político e religioso da linha.146

Ao sacerdote era atribuído um grande prestígio e uma posição de autoridade relevante,

fundamental para o fortalecimento da Igreja. Sua função não se restringia tão somente à

orientação espiritual, mas também à orientação econômica e social dos camponeses.

Manfroi (1975), ao analisar a posição do sacerdote, afirma que em nenhum outro país

o pároco gozava de igual autoridade. Ele era conselheiro dos colonos em todas as coisas,

mesmo nos problemas econômicos. Quando os agentes do governo brasileiro percorriam as

colônias do Rio Grande do Sul para fazer propaganda das cooperativas, não encontravam

nenhum simpatizante enquanto o sacerdote não dava sua palavra de apoio.147

Na obra de Bassani (1986), ao analisar a posição do sacerdote, o mesmo pontua o fato

deste não só determinar o que deveria ser feito, mas também como deveria ser feito, inspirado

em preceitos como ordem, moral e harmonia. O sacerdote passou, de certa forma, a assumir

um papel de mediador ideológico estratégico semelhante à ideologia do trabalho divulgada

pelo Estado aos imigrantes, na tentativa de abrir caminho ao processo de acumulação e

expansão do capitalismo no país.

Nos primórdios da colonização européia, havia poucos sacerdotes no Estado, já

referido anteriormente e, frente a essa situação, o Bispo no Estado, D. Cláudio José Ponce

145 Ibid., p.67. 146 Ibid., op. cit., p.98. 147 MANFROI, op. cit., p. 181.

95

Leão, que permaneceu de 1890 a 1912, propôs que se buscassem na Europa ordens e

congregações religiosas que tivessem interesse em se fixar no Estado.

Após alguns anos a solicitação do Bispo fez-se ouvir e começaram a chegar ordens e

congregações religiosas, estabelecendo seminários, conventos e internatos, objetivando buscar

as vocações existentes, e da mesma forma, resolvendo o problema da ausência de sacerdotes.

Aproximadamente, em 1910, já se demonstravam solidificadas as bases da Igreja

Católica, no Rio Grande do Sul, com número visivelmente crescente de Bispos, padres,

religiosos e religiosas. De Boni (1980) relaciona esse crescimento ao fato da Igreja Católica

encontrar, na zona colonial, terreno propício para se expandir. Segundo este, os religiosos

europeus procuravam construir suas casas de formação vocacional entre os imigrantes, pois

não seriam entre os luso-brasileiros nas zonas da campanha que os religiosos garantiriam o

seu futuro, já que estes estavam habituados a um outro tipo de religiosidade, pouco ligados à

ação católica tradicional, enquanto que, na zona colonial a vida típica do camponês em

pequenas propriedades, ligados à terra, com uma vida sem grandes transformações criava um

clima característico à atuação e fixação da Igreja.

3.2.1 A ocupação e formação da região de Frederico Westphalen e o trabalho da Igreja

Católica nesse processo.

As picadas abertas a talhos de facão e golpes de foices na espessura das selvas tem o sabor de um poema épico que, em linguagem agreste, fala do espírito, de aventura, coragem e destemor dos pioneiros e batedores da nossa história.148

Por volta de 1890, no romper da República Positivista, começava a ocupação das

terras cobertas de matas do Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul – Vale do Rio Ijuí do

Alto Uruguai. Ali proliferavam as chamadas “colônias novas”, ocupadas, principalmente, por

descendentes de imigrantes vindos das “colônias velhas” à medida que nelas se agregava a

escassez de terras e aumentava o excedente populacional.

No Sul do Brasil, segundo Zarth (1997), a imigração fazia parte da política de

povoamento do extremo sul fronteiriço com os países da Bacia do Prata, por tratar-se de uma

96

região altamente estratégica em termos geopolíticos. Ao mesmo tempo, tratava-se de uma

política de transformar o Rio Grande num mercado celeiro capaz de abastecer o mercado das

regiões agroexportadoras.149

A ocupação da zona do Alto Uruguai é decorrente da legislação castilhista relativa à

colonização e à imigração.150 Na área do campo vai estabelecer-se o uso do latifúndio

agropecuário. Na área da mata ocorreu o contrário. A colonização deu-se via minifúndio de

economia familiar, voltado, prioritariamente, para a subsistência familiar e o consumo interno.

A colonização oficial planejada aconteceu a partir de uma concepção doutriná ria

reformista.151

A partir de 1919, previsto pelo governo, aportaram agricultores das colônias velhas

italianas à procura de novas terras para estabelecerem-se. Os lotes coloniais eram distribuídos

segundo a orientação positivista do Dr. Carlos Torres Gonçalves, responsável pela Diretoria

de Terras e Colonização: cada família poderia incorporar de 02 a 03 lotes de 25 hectares, os

jovens com mais de 15 anos receberiam apenas um. O preço era variável, dependendo da

posição territorial. 152

Quanto à divisão política, no início do século XX, Frederico Westphalen pertencia a

Palmeira das Missões, e era, então, a Colônia da Guarita. A Inspetoria de Terra de Palmeira

das Missões, em vistoria realizada, dividiu o Distrito de Fortaleza (atual município de Seberi)

em oito seções. Uma dessas seções era o território do Barril, vinculado a Fortaleza até o ano

de 1921.

A origem do primeiro nome do município Barril advém de um barril, recipiente

colocado na nascente do Lajeado Perau, no setor norte da cidade, facilitando o aproveitamento

da água pelos caminhantes e montarias que passavam pela estrada em direção às “Águas do

Mel”. Desta forma, o Barril delimita o lugar e empresta o nome ao povoado que ali se inicia.

148 BATTISTELA, Mons. Vitor . Painéis do Passado – A história de Frederico Westphalen. Frederico Westphalen: Marin, 1969. p. 16. 149 ZARTH, Paulo Afonso. História Agrária do Planalto Gaúcho – 1850 – 1920. Ijuí: UNIJUI, 1997. p.71. 150 Sobre a questão da distribuição das terras ver ZARTH, Paulo Afonso. História Agrária do Planalto Gaúcho: 1850 – 1920. Ijuí: UNIJUÌ, 1997. 151 NETO, Agostinho Piovesan. Documentário: Frederico Westphalen – 30 anos de progresso. 1985. p.04. 152 SPONCHIADO, Breno Antonio. Mons Vitor Batistella na História de Barril. Passo Fundo: Berthier, 1989.p.25.

97

Monsenhor Vitor Battistella, primeiro vigário do Barril, personalidade de grande

influência, não só religiosa, mas também política, retrata em sua obra “Painéis do Passado” o

processo de construção do local.

Nossos pioneiros vieram das mais diferentes partes e remotas paragens: Ijuí, Mariana Pimentel, Bento Gonçalves, Guaporé, Júlio de Castilhos, Erechim , Tapera, Nova Roma. Despertados pela fama das águas medicinais de Irai, atraídos pelas notícias de riqueza das terras, da abundância da madeira de lei, da quantidade incrível de animais de caça; fascinados pela imagem do sertão imenso com suas florestas cheias de mistérios; iludidos de encontrar aqui o Eldorado que lhes iria dar nova vida e próspero futuro, acossados, talvez, muitos, pela necessidade e pela pobreza; movidos outros pelo espírito de aventura, abalaram-se do lugar onde moravam desde dezenas de anos, deixando mil recordações e mil amores. Uns vieram à frente tomar conhecimento e preparar algo para a família que viria depois, um rancho, uma lavoura, um começo de vida. Outros traziam família e tudo, aventurando-se ao acaso, confiando em Deus e na sorte. De cargueiro, a cavalo, a pé, carregando os poucos haveres, os filhos e uma grande esperança. Os homens não esqueciam alguma arma de caça, uma pistola, algum raro revolver, o facão e a faca. E penetravam mato adentro, trazendo do Dr. Frederico Westphalen, chefe da Inspetoria de Terras de Palmeira, autorização para se instalar onde quisessem, contanto que marcassem bem a área ocupada, a fim de evitar litígios entre vizinhos quando entrasse a medição.153

Sponchiado (1989) ressalta a questão da religiosidade desses colonos, que, além de

pouco mobiliário, traziam o hábito do trabalho e as tradições cristãs. Formado um pequeno

núcleo populacional, logo se impôs a preocupação de se estabelecer um ponto para se

reunirem e para seus exercícios de Cristãos com o objetivo de obter a visita periódica dos

padres de Palmeira das Missões e Nonoai, únicos que naqueles anos, em longas caminhadas,

percorriam estes locais, prestando a assistência tão desejada pelo povo.

Em 15 de novembro de 1928, o intendente de Palmeira, Cel. Valzumiro Dutra cria,

através do Ato n° 30, o 13° Distrito em Barril que passa a denominar-se de Frederico

Westphalen, homenagem ao engenheiro Frederico Westphalen chefe da Comissão de Terras e

colonização do Norte em Palmeiras, responsável pela primeira picada aberta que deu origem à

construção da estrada de Fortaleza às águas do Mel, propiciando o início da colonização do

Barril.154

153 BATTISTELLA, Mons Vitor. Painéis do Passado. Frederico Westphalen: Marin, 1969. p.23. 154 A respeito de Frederico Westphalen indica-se as bibliografias de SZATKOSKI, Elenice; LUFT, Celito Urbano. Frederico Westphalen: Comissão de Terras e Coronelismo. Frederico Westphalen: Marin, 1996. JACOMELLI, Jussara. Frederico Westphalen na lógica do Estado: positivista, castilhista e borgista. Passo Fundo: EDIUPF, 2002.

98

Em comento, há que se ressaltar o processo emancipatório. Segundo Rizzatti (1996), a

idéia já existia no território há vários anos, quando foi definitivamente encetado, fato que

eclodiu no segundo semestre de 1953.

Fazia-se necessária a instalação de uma comissão emancipadora, com o objetivo de

comprovar a adequação do território e organizar a documentação para tal. E, em 23 de agosto

de 1953, no salão da UNAC – União dos Agricultores e Criadores155, na Vila de Frederico

Westphalen, reuniram-se lideranças locais para eleger os membros as referida comissão e

oficializá- la.

O processo de emancipação exigia uma série de informações que comprovassem as

exigências legais para o desmembramento do território pertencente a Palmeira das Missões.

Segundo a autora supracitada, o envio da compilação desses dados à Assembléia Legislativa

eclodiu no descontentamento dos municípios de Palmeira das Missões e de Seberi em relação

à demarcação territorial o que levou o prefeito do primeiro a constitui-se em figura de

destaque a ponto de ser reconhecido como “reacionário municipal”. 156

Após o exame da documentação apresentado à comissão de Revisão Territorial,

solicitada pela Assembléia Legislativa, a mesma conclui que existem todas as condições

necessárias, por parte do distrito, para a emancipação e deixa a critério da população a decisão

via plebiscito.

Transcorrido o plebiscito no dia 12 de dezembro de 1953 as abstenções chegaram a

quase 50%, ou seja, somente 2964 de 5699 eleitores se pronunciaram. Mons. Vitor Battistella

(1969) justifica, em sua obra, o número de abstenções, levando a efeito a campanha contra do

prefeito de Palmeira das Missões Josino Assis:

Servindo-se (Josino Assis) do subprefeito Celso Barreto Frazen e de outros seus lugar-tenentes, procurou anular o nosso esforço de propaganda, fazendo crer aos menos avisados que a emancipação traria entraves e prejuízo aos interesses da população e grave aumento de impostos.

155 A UNAC tratava-se da associações criada para assistir os produtores locais o que pode ser considerada como primeiro movimento associativista dos agricultores no município, e que será tratado posteriormente. 156 RIZZATTI, Mary Elizabeth Cerutti. Aspectos significativos da história de Frederico Westphalen. Frederico Westphalen: Marin, 1996. p. 71.

99

Descontente com o resultado, o prefeito recorreu ao Supremo Tribunal Federal

alegando inconstitucionalidade e solicitando a anulação do pleito, o que procedeu em

compasso de espera.

Com efeito, após um ano, em 15 de dezembro de 1954, a Lei 2.523, assinada pelo

Governador Ernesto Dornelles, cria o município de Frederico Westphalen, fixando- lhes os

limites.

Lei n° 2 .253 de dezembro de 1954.Cria o município de Frederico Westphalen. Ernesto Dornelles, Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Faço saber, em cumprimento ao disposto no artigo 87, inciso II e 53, inciso I, da Constituição do Estado, qua a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono e promulgo a seguinte lei: Artigo 1° - É criado o município de Frederico Westphalen, com sede na localidade do mesmo nome, constituindo os atuais distritos de Frederico Westphalen e Palmitinho, no município de Palmeiras das Missões e os de Caiçara e Vicente Dutra, no município de Irai e cuja instalação far-se-á no dia 28 de fevereiro de mil novecentos e cinqüenta e cinco (1955). Artigo 2° - O município tem as seguintes divisas: Uruguai, este acima até a confluência com o rio da Várzea. - a leste – uma confluência do Rio da Várzea com o Uruguai, seguindo naquele acima até a confluência com o Lajeado Mico; - ao sul – da confluência do Lajeado do Mico, seguindo este acima até a confluência do Lajeado Bonito e subindo por este até a sua cabeceira e daí por uma linha seca até encontrar a estrada geral do DAER, de Palmeira – Irai, entre os trechos de Seberi – Osvaldo Cruz, seguindo por esta até o povoado de Osvaldo Cruz e Taquaruçu do Sul, até encontrar um travessão, seguindo por este até encontrar o rio Fortaleza; - a oeste – da confluência da linha seca com o rio Fortaleza, este abaixo até a confluência com o rio Guarita, seguindo por este até a barra do rio Uruguai, ponto inicial. Artigo 3° - A Câmara Municipal para o primeiro período legislativo será composta de nove membros e findará seu mandato a trinta e um de dezembro (31) de mil novecentos e cinqüenta e cinco (1955). Artigo 4° - O mandato do primeiro Prefeito e Vice-Prefeito terminará a trinta e um (31) de dezembro de mil novecentos e cinqüenta e nove (1959). Artigo 5° - Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Palácio do Governo em Porto Alegre, 15 de dezembro de 1954.

Vale ressaltar, que os três primeiros prefeitos eleitos no município, até 1969, eram

representantes do PSD (Partido Social Democrático) e após, até 1972, do partido da ARENA

(Aliança Renovadora Nacional) e, posteriormente, seguiu-se de três mandatos consecutivos

do partido do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

O processo emancipatório imprimiu ao novo municíp io uma característica de pleno

desenvolvimento. Importa destacar alguns dados que ilustram essa situação.

Segundo Battistella (1969), a emancipação aplicou o “cheque mate” ao fenômeno da

estagnação periódica e imprimiu à cidade ritmo novo, estável e vigoroso progresso, trazendo

a fluxo crescente de novos moradores. Par o autor a construção da nova “Matriz de Santo

100

Antonio”, foi sem dúvida o ponto alto da história da cidade, que se tornou conhecida em toda

a parte como “a cidade onde tem aquela igreja bonita”.

Da obra deste mesmo autor apuramos as referencias do município na época em

questão:

Sob o aspecto étnico predominam os descendentes de italianos, os quais ocupam a quase totalidade do comércio e das indústrias, com grande infiltração nas profissões liberais, seguindo-se os lusos, mais dedicados ao funcionalismo e aos trabalhos braçais, havendo, por fim, ponderável o número de poloneses, teutos e libaneses com ocupações variadas. Absoluta maioria professa a religião Católica, com pequena minoria de maometanos e protestantes de várias denominações, todos convivendo em inalterável harmonia. (...) Encorajados pelo progresso crescente foram surgindo na cidade diversos notáveis edifícios, cumprido destacar o Edifício Vera Cruz, atual cedo do Bispado, a Usina Diesel da CEEE, o Hospital de Caridade, o Colégio Auxiliadora, o Hospital Beneficente Santo Antonio, o Seminário Diocesano, o Frigorífico Damo S/A, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Banco Agrícola Mercantil, Banco do Brasil (...).157

Em pesquisa realizada junto a Prefeitura Municipal o período em destaque aponta,

também para mais alguns dados como: Comarca Judiciária, residência da Secretaria de Obras

Públicas, sede do 1° Distrito e da 8° Zona do IBGE, sede da Delegacia do Recrutamento

Militar, Departamento de Correios e Telégrafos, Delegacia Regional do IGRA, Delegacia de

Polícia, Exatoria Estadual, Agronomia Regional, Inspetoria Veterinária, Posto de Fiscalização

de Produtos Agropecuários do Ministério da Agricultura, Escritório da Ascar, Cartório de

Registro Geral de Imóveis, Escritório da CEEE, Cartório de Registro Civil, quatro

estabelecimentos bancários, Cooperativa Tritícola, duas empresas rodoviárias, e uma

Rodoferroviária, de transportes de cargas, estação rodoviária servida por onze empresas de

ônibus, quatro casas de comércio, quarenta e nove varejistas, sete hotéis, duas pensões, dois

restaurantes, quatro postos de abastecimento, serviços telefônicos com duzentos e quinze

aparelhos ligando a sede aos Centros Distritais, aos municípios da região e a capital do

Estado, um cinema com novecentos e trinta e três lugares, um cine teatro, quatro Clubes

Recreativos, uma sociedade de caça e pesca, cinco associações de classes, uma estação de

rádio, dois jornais semanários, quatro tipografias e vários profissionais liberais da área da

saúde e da engenharia.

157 BATTISLETTA. Op. Cit., p. 167.

101

Na área educacional o município possuía: Escola Técnica de Comércio, Ginásio

Estadual, Escola Normal, Curso Científico, Ginásio Particular, Escola Agrícola, Escola de

Economia Doméstica, Colégio Vocacional, três grupos escolares e duas escolas primárias.

Quanto ao setor industrial estava representada por: quarta e duas fábricas entre as

quais cumpre destacar: quatro moinhos a cilindro, um moinho comum, uma fábrica de café,

uma de pregos e implementos agrícolas, uma de tela e arame, uma de tubos de cimento, duas

fábricas de sabão, uma de farinha de carne de osso, três oficinas de marcenaria, duas de

carroçarias e uma fábrica de artefatos de cimento. Considera-se de maior importância para o

município e região, o Frigorífico Damo S/A, industria estabelecida nesta cidade com sede

social em Porto Alegre e filiais em São Paulo e Rio de Janeiro.

Na análise de Battistella (1969) apesar do crescente progresso, Frederico Westphalen

perdeu consideravelmente na falta de ordenamento urbano. Segundo este, faltou um plano

diretor para o crescimento urbano. Havia apenas um elementar mapa para indicar quadras e

ruas, não poucas delas mal projetadas. Aconteceu que as casas foram sendo construídas ao

sabor dos interessados. As ruas principais, embora bastante largas tornaram-se

demasiadamente estreitas para o movimento de veículos, resultando aflitivos problemas de

trânsitos.

3.3 A União dos Agricultores e Criadores de Frederico Westphalen – UNAC

Discorrer sobre o processo organizativo dos agricultores do município de Frederico

Westphalen e não abordar a UNAC, seria ignorar um período de extrema relevância na

história do município.

Malgrado muitas divergências sobre este movimento como a primeira manifestação de

organização do campesinato que, posteriormente, daria origem ao movimento sindicalista no

município, não é intento deste estudo analisá- lo sob a ótica da sua legitimidade na origem do

movimento sindical, mas transcrevê- lo pelo seu caráter associativista em favor do agricultor.

A agricultura sempre foi fundamental para o desenvolvimento do município e, nos

primeiros anos, anterior à emancipação, o grande obstáculo eram as péssimas estradas vicinais

e mesmo as que ligavam o nascente lugarejo aos maiores centros habitacionais. Até,

aproximadamente, 1939 as informações obtidas são de que carroceiros, tropeiros e cavaleiros

102

faziam o transporte da produção. A situação da agricultura estava precária, mas a propensão

era ao desenvolvimento face às condições vantajosas em que se encontrava pela fertilidade

das terras, margeadas pelos rios, lajeados e matas que contribuiriam para o bom

desenvolvimento das plantas em seu ciclo vegetativo.

Sponchiado (1989) remete essas dificuldades à crise que se registrou na década de 30,

uma das mais acres, reflexo da famosa crise mundial. Na região a falta de transporte, os

preços nada compensadores dos produtos coloniais e alta dos preços dos artigos do comércio

fizeram com que os colonos, apertados pela angustiosa situação, procurassem solução,

organizando uma cooperativa de compra e venda, viabilizada por Ângelo Michelon.

Monsenhor Vitor Batistella (1969) relata sua preocupação nesta época:

Por volta de 1935, registrou-se aguda crise ocasionada pela falta de preços compensadores e a precariedade dos transportes da produção agrícola, provocando desânimo geral. Mas aos poucos a situação melhorou e o desalento cedeu lugar a novo otimismo, graças ao estímulo que os líderes locais de então souberam imprimir ao ânimo popular, e a uma série de iniciativas que vieram trazer novo sopro de esperanças.

Ao referir-se ao estímulo promovido pelos líderes estaria reportando-se a alguns

acontecimentos que imprimiu como “marcos do progresso”, a instalação da eletrificação,

Inspetoria de Terras, Correios e Telégrafos, Cooperativa de produtores de suínos e,

principalmente, mais tarde, a criação da UNAC, onde foi o principal mentor.

Em 1948, foi instalada, no local a 23ª Região Agrícola pela Secretaria da Agricultura,

Indústria e Comércio, onde o técnico rural Flodoardo da Cruz Netto prestou seus serviços.

Constam no processo de emancipação em 1953, as suas declarações sobre a região:

(...) Dado ainda, a falta de conhecimentos técnicos por parte dos agricultores, suas colheitas são ainda medianas, predomina, no entanto a policultura em pequena escala. Entre as plantas cultivadas, são predominantes: o trigo, milho, fumo, feijão,mandioca, batatinha, cevada, alho e soja. A maior dificuldade encontrada no desenvolvimento da agricultura, está em fazer com que os agricultores abandonem os processos rotineiros de cultivo do solo, herdado de seus pais e avós e adotem sistemas técnicos de conservação dos solos, combate à erosão em defesa das plantações. (...) Muito, também contribuiu para a afluência dos agricultores em busca de conhecimentos técnicos, sementes, máquinas e inseticidas a organização em sociedade de agricultores fundada nesta Vila há dois anos, sob a denominação de “União dos Agricultores e Criadores – UNAC” e também o congresso de Ação Social Rural efetuado em

103

fevereiro do corrente ano, no qual muito aprenderam os agricultores, e, hoje se faz sentir o reflexo benéfico nas colônias (...).158

Monsenhor Vitor em contato freqüente com o meio rural, percebia o desânimo dos

agricultores, em razão dos continuados insucessos nas lavouras e na pecuária o que os

levavam a pensar em abandonar essas terras. Interessado em achar soluções práticas para os

problemas dos agricultores, as quais afetariam, frontalmente, os interesses da paróquia, uma

vez que havia prenúncio de possível diminuição no número de paroquianos e contribuintes,

reuniu alguns colonos que, para ele, mostravam-se mais entendidos, consultou livros e

revistas e propôs uma solução para os mencionados problemas.

Desta forma definiu a sua proposta:

A região é essencialmente agrícola, mas os agricultores haviam trazido consigo os métodos primitivos de trabalho, apreendidos alhures e ignoravam os progressos da moderna técnica. O solo já estava perdendo sua fertilidade, porque, desconhecidos os processos de conservação, tudo se fazia para o seu empobrecimento (...). (...) Constatava tudo isso com meus olhos nas minhas contínuas andanças pelo interior, em visita as capelas, e ouvia os clamores do povo. Eis, porque, a 08 de dezembro de 1950, reuni um grupo de destacados homens da terra, João Muniz Reis, José Francescatto, Olímpio Zeni, Ciro Binotto Segundo, Augusto Brescovicci, Antonio Manfio, João Sétimo Ferrari, Francisco Facco e Anselmo Francescatto, como fim de combinar uma visita aos principais núcleos do interior, tomar contato direto com tais problemas e, depois, deliberar da organização de uma sociedade capaz de congregar os agricultores e criadores e promover, por todos os meios ao alcance, as soluções adequadas. Como já havia esboçado um anteprojeto dos estatutos de tal entidade, submeti-o à discussão, pedindo sugestões e emendas, ficando assim, regidos em definitivo para serem oferecidos e à aprovação da primeira Assembléia Geral.159

Segundo Sponchiado (1989), o grande mérito da UNAC foi ter sido pioneira do

movimento renovador da vida rural da região. Abrindo caminhos e criando ambientes

facilitou a instalação de organismos de proteção à agricultura e à pecuária. E, em 1959, o

presidente Jucelino Kubitschek, pelo decreto 46.192 de 11 de junho, declarou-a de utilidade

pública.

O presente autor destaca um rol de serviços prestados pela UNAC aos interesses da

vida rural:

158NETTO, Flodoardo Cruz. Documento anexado ao processo de emancipação do município de Frederico Westphalen. 1953. 159 BATTISTELLA, op. cit., p.157.

104

1 - Reuniões para instrução dos Agricultores; 2 - Congresso de Ação Social Rural; 3 - Casa do Agricultor; 4 - Granja Modelo Santa Isidro; 5 - Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural – ASCAR; 6 - Posto de Inseminação Artificial; 7 - Exposições Agropecuárias industriais; 8 - Dia do Agricultor; e 9 - Reflorestamento.

Dentre as ações mencionadas, destacamos o Congresso de Ação Social Rural, por ter

sido coordenado pela Igreja Católica e porque denotava, desde já, sua presença no meio rural

local. O referido Congresso fazia parte de um programa da Igreja Católica de âmbito mundial,

que tinha como pressupostos as Encíclicas Papais que tratavam da Questão Social.

O que foi o Congresso nas palavras de Mons. Vitor o coordenador do evento:

Sucedeu-se providencialmente que a diocese de Santa Maria, no propósito de expandir as atividades da Ação Católica, à qual, então se dava grande ênfase, resolveu organizar um congresso de ação rural, em ponto geográfico chave. Foi lembrado Frederico Westphalen pelo fato de aqui existir a UNAC que, com sua intensa atividade, já criara nome e se tornara conhecida. (...) O congresso pôde reunir a elite dos agricultores, e apresentar um plano de estudos que serviu de modelo a quase todas as semanas rurais e congressos congêneres posteriores.160

O Congresso tinha como área de abrangência Palmeira das Missões, Irai e Três Passos.

A comissão organizadora se constituiu em dois padres, obviamente um deles, Monsenhor

Vitor, o técnico rural da Secretaria da Agricultura, da região e o um representante da UNAC,

que, posteriormente, foi eleito primeiro prefeito de Frederico Westphalen. Quanto ao número

de participantes não há registros, apenas no livro publicado sobre o Congresso consta, na

cerimônia de encerramento a presença de mil agricultores, 17 padres, o representante do

Bispo Diocesano, o juiz da comarca, prefeito e delegado de Iraí, o representante da prefeitura

de Três Passos, o representante da Assembléia Estadual e da Federação das Associações

Rurais e alguns palestrantes.

A realização deste Congresso expressa claramente os vínculos políticos e religiosos

denotados principalmente nos temas abordados, na coordenação do evento e no rol de

autoridades (principalmente políticos) presentes. Ainda que inaugurado um novo período com

a criação do Município e do processo associativista rural em expansão, a situação histórica viu

fortalecer o papel da Igreja e intensificar a relação política e religiosa. Como ressalta Gramsci,

160 Ibid., p.158.

105

nos casos em que os intelectuais orgânicos de um período hegemônico superado são

reciclados, dentro do novo período hegemônico, eles são chamados de intelectuais

tradicionais. Como um exemplo de intelectuais não relacionados como processo de produção

e que sofreram tal transformação, a Igreja – intelectual orgânico no período hegemônico

feudal – foi reciclada como intelectual tradicional sob o capiatalismo.161

Os temas abordados no Congresso estavam em consonância com os programas da

Ação Católica, divididos em quatro ramos fundamentais (homens-senhoras-moços e moças).

Esses elementos, como viviam em meios distintos e nele deveriam exercer seu apostolado de

cristianização se subdividiam em secções conforme o respectivo meio: Juventude Agrária

Católica (JAC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e

Juventude Universitária Católica (JUC).162

A Ação Católica Rural visava a formar apóstolos para o meio rural, líderes que sob a

orientação da hierarquia da Igreja e de dirigentes leigos se agrupavam em equipes técnicas,

procurando difundir sua ação no meio rural, incentivando, por um lado, a vida religiosa e, por

outro, trabalhando as questões rurais na forma organizativa.

Observa-se a seguir os temas abordados no conclave:

1 – Problemas rurais de Palmeira as Missões, Irai e Três Passos: a) Maternidade e Infância; b)

Normas Práticas de higiene e saúde; c) Águas,latrinas e insetos.

2 – Problemas de pecuária colonial;

3 – Problemas da agricultura: solo e sua constituição, preparo do solo, adubação, escolha das

sementes, rotação de culturas, etc;

4 – Assistência do Ministério da Agricultura aos agricultores através dos Postos

Agropecuários;

5 – Os problemas do lar;

6 – Noções sobre Ação Católica Rural.

Há que se ressaltar sobre as resoluções gerais do Congresso que:

161COSTA NETO, Luciano. Hegemonia e política de Estado. Petrópolis: Vozes, 1988. p.30.

106

Estas resoluções não nasceram improvisadas, mas são fruto de estudos objetivos e maduras deliberações havidas antes, durante e depois do Congresso, em reuniões de líderes coloniais, agricultores reais e as possibilidades, com carinho e tenacidade, cada uma no seu momento oportuno. Ei-las: 1 – A fim de dignificar a classe rural e despertar no agricultor a consciência do seu valor, será celebrado anualmente, com todo o brilho possível e da maneira mais adequada às circunstâncias de cada paróquia, o DIA DO AGRICULTOR. 2 – Com o propósito de facilitar a solução dos problemas da maternidade e infância, será comemorado, anualmente, o DIA DA MÃE. 3 – A fim de continuar de modo eficiente e prático o trabalho de renovação e organização da vida rural, especialmente no setor da agricultura, pecuária e saúde, cada paróquia se empenhará a sério em fundar o mais breve possível um núcleo da ASSOCIAÇÃO RURAL e SOCIEDADE AGRÍCOLA, de preferência nos moldes da UNAC, com um programa mínimo comum. 4 – Aproveitamento a fundo dos benefícios das ESCOLAS TÉCNICAS, POSTOS AGROPECUÁRIOS e da assistência dos agrônomos e técnicos rurais e veterinários. Onde não haja, procurar consegui-los, bem como um posto de reprodutores para distribuição a título de venda ou empréstimo, em cada centro-chave, ao cuidado de entidade ou pessoa idônea. 5 – No setor do crédito, cada paróquia, dentro das possibilidades ambientes, esforçar-se-á por organizar uma CAIXA RURAL, tipo RAIFAISEN. 6 – Instituição de um curso doméstico para formação de boas donas de casa e melhor preparação das noivas para a vida de família. Conferências periódicas às esposas sobre os problemas da maternidade e infância. 7 – Difusão metódica e perseverante das normas mais práticas de saúde, de higiene e economia doméstica por meio de conferências, filmes, boletins, cartazes e avisos oportunos, nas igrejas, escolas, aulas de catecismo e reuniões particulares. 8 – No Setor escolar: aproveitar a cooperação assegurada pela CONSTITUIÇÃO, entre a Igreja e o Estado, para realização do seguinte programa: a . Convênios detalhados entre paróquia e município, para assegurar harmonia de esforços e providências em torno dos problemas da escola. b. Organização do serviço de ORIENTAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO MUNICIPAL. c. Cursos intensivos de formação, inclusive rural, para o professorado municipal e particular, em colaboração com a Delegacia Regional do Ensino. d. Vencimentos pagos aos professores nas próprias sedes distribuídas, aproveitando o ensejo para um rápido curso de aperfeiçoamento e orientação. e. Formação de educadores sanitários, com cursos regulares de puericultura e higiene rural, enfermagem rápida para os professores rurais, a fim de torná-los elementos aptos a colaborarem no melhoramento da saúde do povo. 9 – O Congresso faz votos de que nos seminários e casas de formação religiosa, sejam ministrados os ensinamentos mais úteis sobre a técnica rural, economia doméstica, saúde e higiene rural, a fim de habilitar os futuros padres e religiosos a contribuírem eficazmente na campanha de renovação da vida agrícola. E sugere, também, que nas reuniões decanais sejam incluídas teses relacionadas com os problemas da vida rural. 10 – O Congresso augura, outrossim, que nos Colégios e Escolas Normais se introduzam cursos de formação rural e, em grupos escolares, haja clubes agrícolas para colocar os alunos em contato com os problemas rurais, bem como cursos especiais nos quartéis, relacionados com os problemas e interesses agrícolas.163

Destarte, observamos que o referido congresso ao mesmo tempo em que marca o

envolvimento da Igreja com a questão agrária, tem uma origem claramente política, conforme

já analisado anteriormente.

Martins (1989) coloca a importância dessa origem política como uma opção da Igreja,

preferencialmente pela ordem, o que D. Inocêncio, bispo de Minas Gerais, disserta em

162 Congresso de Ação Social Rural: sínteses e anotações. Diocese de Santa Maria: Globo, 1953. p.67.

107

documento, numa carta pastoral de 10 de setembro de 1950, após o lançamento do “Manifesto

Comunista” do PCB (Partido Comunista Brasileiro), sobre a reforma agrária: “Os agitadores

estão chegando ao campo. Se agirem com inteligência, nem vão ter necessidade de inverter

coisa alguma. Bastará que comentem a realidade, que ponham a nu a situação em que vivem

ou vegetam os trabalhadores rurais.”164

Trazendo a lume a escolha do local para o conclave, “ponto geográfico chave”,

segundo Mons. Vitor, podemos entender a preocupação da Igreja com a situação dos

agricultores dessa região e a possibilidade da entrada do comunismo, como bem ressalta Dom

Inocêncio.

Há que se ressaltar que o tema comunismo não versa em nenhum dos documentos em

análise da Igreja local. Segundo muitos dos entrevistados “Monsenhor Vitor preferia não falar

sobre tal”, as ações ao combate do mesmo eram completamente ocultas.

Encontra-se a afirmativa do trabalho de ação anti-comunista, no meio rural, pela Igreja

em documentos proclamando que: “Ajudar a afirmar a Ação Católica Rural é assegurar ao

meio rural mística bastante forte para contrabalançar e superar a mística comunista.”165

Malgrado a questão do comunismo, Martins (1989) também relaciona as ações da

Igreja a outros fatores. Para o autor, os anos cinqüenta foram anos de crise política, de

industrialização e de desenvolvimento urbano, o que revela uma Igreja relativamente

despreparada para enfrentar a rápida urbanização, as migrações, o crescimento da população

urbana e das cidades, a modernização e, sobretudo, o reflexo dessas mudanças no mundo

rural, o que demonstra uma raiz conservadora, em defesa da ordem. Na década de 60 sua raiz

passa a ser outra, ou seja, trata de promover a entrada dos trabalhadores rurais no moderno

mundo capitalista, via sindicalização, promovendo um mundo de igualdade jurídica e dos

direitos civis.

Reportando à UNAC, Monsenhor Vitor finaliza a sua importância da seguinte forma:

A presença da UNAC, deve-se também, em grande parte, à instalação de um escritório da ASCAR – Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural, a organização da

163 Ibid., p.70. 164 ENGELKE, Dom Inocêncio. Carta Pastoral: “Conosco, sem nós ou contra nós se fará a reforma rural”, 10. Set. 1950. In: Estudos da CNBB, Pastoral da Terra . São Paulo: Paulinas, 1976. p.45. 165 “A Igreja e a situação do Meio Rural Brasileiro”, reunião extraordinária da Comissão Central da CNBB, 1961. In: Estudos da CNBB, São Paulo, p. 125.

108

Rádio Luz e Alegria Ltda, com notável parcela de finanças, a instalação da Inspetoria Veterinária, da Associação Rural, da cooperativa Tritícola de Frederico Westphalen e do Sindicato Rural.

Não obstante, encontramos nos documentos da UNAC a incorporação de todo seu

patrimônio pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o que não era de pouca monta e que, até

a atualidade, funciona a “Casa do Agricultor”, local de compra e venda de produtos agrícolas

como propriedade do referido sindicato. Contata-se, então, a:

Incorporação de seu acervo patrimonial, através de doação pura e simples, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen. Proceder a entrega física, de bens imóveis, valores, máquinas, mercadorias e outros objetos ao Sindicato dos Trabalhadores. Ceder e transferir ao Sindicato direito e ações relativas às demandas judiciais. Assinar a escritura pública de doação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais o imóvel descrito na certidão do lote n°6, quadra “T”, desta cidade, conforme registro 6.584, folhas 136, livro 3.166

A UNAC encerrou suas atividades alguns meses após essa assembléia. Grande número

de seus sócios já fazia parte dos quadros do sindicato desde a década de 70. Percebe-se,

através das atas descritas, que o processo de decadência da UNAC iniciou-se após a morte de

Mons. Vitor Batisttella em 1973, sendo que o mesmo presidiu a entidade por todo esse

tempo,ou seja, 22 anos.

De acordo com entrevista realizada obtivemos o seguinte relato: “Monsenhor Vitor era

o “braço forte” da UNAC e, após a sua morte, os sócios não sabiam como dirigir a entidade e

nem mesmo sobre a sua situação financeira”167.

O fato comprova-se quando alguns meses após o mandato do primeiro presidente,

substituto de Padre Vitor, a UNAC recebe uma intimação do governo federal para a prestação

de contas de uma verba, repassada à entidade em 1951. Os sócios e diretoria, com dificuldade

para tal prestação de contas, atribuíram ao recurso recebido quase todo o patrimônio da

mesma, na: “- Aquisição de máquinas agrícolas; - Material de propaganda do Congresso de

Ação Social Rural e despesas com o mesmo; - Aquisição da Granja Santo Isidro; - Compras

de bovinos e suínos; - Sementes forrageiras; - Inseticidas; - Animais de serviço.”168.

166 Livro de Atas n° 1 da União dos Agricultores e Criadores de Frederico Westphalen, Ata da Assembléia Extraordinária de 17 de fevereiro de 1980,p.108. 167 Entrevista direta com Darci Grassi, membro do sindicato local. Mai. 2001 168 Livro de Atas n°01 da UNAC. Assembléia Geral Ordinária. 11 de fevereiro de 1978.p.92.

109

De acordo com entrevista a um sindicalista que participou da mobilização pró-sindical,

na época, ao ser questionado sobre o motivo pelo qual a UNAC não se integrou desde o início

ao movimento sindical, uma vez que este também pertencia à Igreja, justificou da seguinte

forma:

Monsenhor Vitor desconfiava do sindicato, achava que era coisa de comunista. E depois quando veio outro padre para comandar a FAG ele sentiu que estava sendo desafiado e não gostava de dividir o seu poder como pároco. Também tinha o problema da política. Ele sempre foi do PSD, e isso acabou dando muitos inimigos. De qualquer forma, sempre apoiou o sindicato de longe.169

Sobre a atuação política de Monsenhor Vitor, Sponchiado (1989) descreve sua

trajetória, apontando sua simpatia desde o Integralismo até seus últimos pronunciamentos, em

favor do golpe militar de 1964. Em 1968 foi convidado para disputar o pleito para prefeito do

município, pelo partido da ARENA, sendo que, apesar da sua simpatia pelo cargo e pelo

partido, o convite foi recusado. Pelo seu envolvimento nas questões políticas, com o passar

dos anos e o desenvolvimento do município, tornou-se um personagem bastante criticado por

sua postura como pároco.

O que se pode analisar da postura adotada por Monsenhor Vitor, sobretudo no aspecto

político- ideológico, assumido frente ao movimento sindical, também em expansão dentro da

própria Igreja Católica, foi a polidez com que estas atitudes foram tratadas dentro da própria

Igreja.

Talvez e, esta leitura não pode ser comprovada, a incorporação de novas concepções

dentro da associação dos agricultores idealizada por Monsenhor e o fortalecimento do

movimento sindical, fez obscurecer o poder do “braço forte” da UNAC. Foi a vez do

“intelectual tradicional” dar lugar ao um novo “intelectual tradicional” e inaugurar uma nova

era em que a submissão e lealdade dão lugar a estratégias de reivindicação coletiva.

Isto pode ser observado no seguinte texto de jornal da época:

O Padre Vitor Battistella dia-a-dia mais vai perdendo o prestígio e a popularidade que gozava no seio de seus paroquianos. Deve-lhe entrar na cabeça que os tempos do cabresto, dos gritos e das imposições peremptórias já se foram. É para derrotar estes

169 Entrevista direta com Edino Dal Molin, membro do sindicato local. Abr, 2002.

110

restos de ditadura que fazemos chegar aos rio-grandenses o nosso protesto patriótico católico.170

Destarte, podemos perceber a dificuldade de aceitação ao novo movimento em prol

dos agricultores por parte de Monsenhor Vitor, sendo que o comando não seria mais sob sua

égide, e haviam muitos questionamentos sobre a verdadeira essência do sindicalismo que não

permitiam a sua adesão.

O que nos parece claro é que, independente desta postura, o movimento sindical se

expandiu paralelamente à vontade do Monsenhor Vitor e, até hoje, na memória dos

personagens trazidos neste estudo, o ponto de partida do Movimento Sindical não foi a

derrocada da UNAC. Preferiu-se um discurso pontual menos crítico e até certo ponto

indiferente. Ou, a memória falhou!

3.4 A consolidação do movimento sindical de trabalhadores rurais de Frederico

Westphalen.

Analisar historicamente o sindicato, significa caracterizar a situação concreta em que

se esboçam as condições objetivas para o seu surgimento. Entendemos que essas condições

passam pela luta de classes e pela mobilização das classes ou das frações de classes no quadro

estrutural da sociedade brasileira. Por este fio condutor a questão pode ser desenvolvida em

dois momentos: primeiro a situação concreta propriamente dita; segundo, o tipo de sindicato

que surge em função desta situação concreta.

Por esta situação concreta propriamente dita, entende-se a situação política e

econômica vigente no momento histórico em questão. Em síntese, o que estava acontecendo

em nível das relações concretas, é que impõe ao Estado dar origem ao Estatuto do

Trabalhador Rural.

Genericamente, foram delineados nos capítulos anteriores, as linhas mestras dessas

situações, bem como a ação das várias organizações de caráter político junto aos

trabalhadores agrícolas em âmbito nacional, estadual e também regional.

170 VENDRUSCOLO, Carlos Luiz. “Protestos contra novas ingerências do Pároco na vida política de Frederico Westphalen. Diário de Notícias. Frederico Westphalen, 03.jan. 1968.

111

No presente momento, nosso propósito é discorrer sobre a criação do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen, analisando a sua gênese, frente às questões

apresentadas anteriormente.

Raros documentos trazem descrito o movimento de mobilização dos agricultores para

a efetivação do sindicato. Dentre eles destaca-se a obra de Fiorindo David Grassi (2000), que

sem requintes de detalhes, esboça esta trajetória.

O autor ao falar em sua obra da “Vila Faguense”, refere a origem desta atribuindo seu

enunciado à Frente Agrária Gaúcha (FAG), vejamos:

(...) A Vila Faguense, fica situada a três mil metros de distância da cidade de Frederico Westphalen, rumo ao sol poente, partindo do portão de entrada da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. (...) Pouco ou nada de inspiração tem o vocabulário “Faguense”. Ele não é fruto de um fenômeno da natureza, mas o simples enunciado da sigla FAG, Frente Agrária Gaúcha.171

Nestes relatos o autor coloca o seu entendimento sobre o referido movimento social,

como membro participante e responsável pela sua articulação na região.

A FAG surgiu no Rio Grande do Sul algum tempo antes de 18 de julho de 1963, quando entrou em vigor o Estatuto do Trabalhador Rural. Na época, havia, principalmente entre os pequenos agricultores, uma justificável desinformação sobre a associação sindical das classes rurais. (...) Os sindicatos eram vistos com reservas no meio rural ortodoxo. A editora Globo S.A, em 1961, publicou o Dicionário de Sociologia no qual se lê, sob o verbete “sindicalismo”, sintetizado por Wilheim Bernsdrick: Os meios de luta do sindicalismo são a greve geral, a ocupação das fábricas, a função de bolsas de trabalho, o boicote, a sabotagem etc. Por isso o sindicalismo tem feição nitidamente anarquista. Idéias sindicalistas também desempenharam um papel no facismo italiano. A enciclopédia Larouse Cultural, a seu turno, destaca: o sindicalismo rural formou-se já no âmbito do sistema coorporativo oficial, que o admitiu, a partir de 1944, organizado, de início por comunistas e católicos, seguidos depois por socialistas.172

Desta forma podemos perceber a preocupação com a questão do sindicalismo quando

o autor aponta como eram vistos no “meio rural ortodoxo”.

Visualiza-se também, a posição da Igreja quanto à luta de classes e a ela coloca-se

contrária.

171 GRASSI, Fiorindo David. A Vila Faguense: reflexões sobre este e outros pólos turísticos de Frederico Westphalen. Frederico Westphalen: URI, 2000. p.18. 172 Ibid., p.20.

112

Os católicos aderiram, nesta questão, à doutrina da Carta Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que apontava as desastrosas conseqüências da solução socialista, afirmando: é erro capital julgar-se que ricos e pobres são classes distintas a digladiarem-se, e a Igreja propõe um corpo de preceitos mais completo, porque ambiciona estreitar a união das duas classes, até as unir uma a outra, por laços de verdadeira amizade.173

A Igreja Católica, neste sentido, agiria como mediadora desse conflito, enquanto teria

como encargo liderar uma frente agrária cuja função era a mediação entre as classes, levando

o consenso sobre a questão agrária, ao contrário de se transformar num instrumento de luta de

classes de caráter crítico junto aos camponeses.

Essa diretriz da temática agrária tinha também a função de neutralizar o avanço

comunista, uma vez que a esquerda possuía outro projeto de Reforma Agrária, popular-

democrático e radical.

Visando à formação e treinamento de futuros líderes sindicais no meio rural, o Episcopado Gaúcho, mediante seu porta voz, Dom Edmundo Kunz, aprovou a iniciativa de juristas, economistas, sociólogos, médicos, advogados, homens da indústria, do comércio, empresários das cidades e do campo, agricultores, pecuaristas e pessoas das mais variadas categorias, com a finalidade de ensejar a fundação de sindicatos rurais à luz da doutrina social católica, com as bases doutrinárias calcadas no Evangelho, visando, principalmente, aos pequenos produtores rurais, juntamente com os empregados na agricultura.174

Nesse sentido, era preciso unir as forças anticomunistas para o combate à atuação da

esquerda que ganhava amplitude no meio rural gaúcho.

No cenário local, o personagem de destaque para a mobilização dos agricultores em

sindicatos, nos preceitos da Igreja Católica, foi o padre Fiorindo David Grassi, citado

anteriormente.

Sobre a sua própria atuação relata o seguinte:

Para a região do Médio Alto Uruguai, foi então designado “este que vos fala”. Fazendo ele parte dos fundadores da Frente Agrária Gaúcha, depois de ter atuado na Diocese de Santa Maria, foi destacado para servir à causa sindicalista na região de Frederico Westphalen. Não é ele, portanto, apenas alguém que relata fatos de “ouvir dizer”, mas testemunha presencial das atividades da Frente Agrária Gaúcha.175

173 Ibid., p.21. 174 Ibid., p.21. 175 Ibid., p.22.

113

Segundo os relatos de Padre Grassi, todo o arcabouço ideológico utilizado para esse

trabalho com os agricultores, era proveniente do líder e mentor espiritual da Igreja Católica

no Rio Grande do Sul, Dom Vicente Scherer, que, situando-se historicamente, foi ordenado

Bispo da Arquidiocese de Porto Alegre em 1946 e permaneceu até o início dos anos 80.176

As discussões em torno da Doutrina Social Cristã, remontam os pronunciamentos de

Dom Vicente Scherer de 1952 a 1969, através de um programa radiofônico denominado “A

Voz do Pastor”, que em 1969 foi lançado pela FAG na forma de livro, “A Questão Agrária”.

O livro trata sobre a questão agrária, visualizando claramente seus posicionamentos sobre a

questão e também como a FAG deveria atuar.

Pautado nestes ditames, em 21 de março de 1964, sob a orientação de Fiorindo David

Grassi, é fundado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen.

Em entrevistas concedidas para a presente pesquisa, Grassi relata momentos anteriores

à fundação do mesmo, revestidos de dificuldades para a compreensão do sind icalismo por

parte dos agricultores.

O Sindicato tinha muitas restrições, tinha uma imagem ruim. Entendia-se que sindicato era uma obra da esquerda, comunista. Não se conseguia tirar isso da cabeça do povo. Mas em pouco tempo de trabalho, passou a ser bem recebido. Para a surpresa de todos não houve divergência, ao contrário eles receberam como mais uma organização que iria batalhar pelos trabalhadores.177

Quando se refere “a mais uma” organização, cita como alusão a UNAC, que também

se preocupava com o agr icultor. E sobre seu desempenho, atribui a Monsenhor Vitor a

preparação da base que culminou na tranqüila fundação do sindicato.

Monsenhor Vitor foi uma figura extraordinária, era um líder e tinha muita inteligência, preparou bem o terreno com os agricultores. Trabalhou bem a questão agrária nos princípios da doutrina da Igreja Católica.178.

176 Scherer distinguiu-se, entre os anos de 1948 e final de 1978, como ideólogo, estrategista e defensor dos princípios cristãos mais ortodoxos, exercendo o controle político-ideológico total da Igreja Católica do Rio Grande do Sul. Apresentou-se como um dos principais oponentes dos setores mais avançados da Igreja e da CNBB, que, a partir dos anos 60, adotam posições mais críticas e passam a reconsiderar a postura da Igreja no Brasil. 177 Entrevista direta com Fiorindo David Grassi, membro fundador do STR de Frederico Westphalen.

114

Nos relatos, percebe-se que a conotação atribuída ao termo “sindicato” na concepção

dos organizadores vinha do imaginário do agricultor o qual o amedrontava, devido à sua

ligação ao comunismo.

Toda essa discussão em torno das características do sindicato, principalmente da

hipótese de ser de origem comunista, tem seu início na década de 50, ainda nos discursos de

Monsenhor Vitor:

Deseja-se que a paz justa e duradoura de Pio XII seja uma realidade. Aqui sempre se tem rezado publicamente nessa intenção. Todavia há nuvens no horizonte da humanidade. Rússia vitoriosa governada pelo comunismo, parece uma ameaça para a ordem e estabilidade social. Amanhã talvez se torne necessária uma nova guerra para abater o dragão bolchevista que vomita a impiedade e a anarquia sobre toda a face da terra.179

O fato nos remete às discussões em âmbito nacional, que inicia na década de 1950 e

avança à década de1960, quando da efervescência de discussões em torno da reforma agrária,

principalmente por movimentos liderados por grupos denominados de esquerda. E através

dessa tendência crescente de influência “esquerdista” ou “comunista” a Igreja Católica passa a

pensar e agir, fornecendo uma resposta de alternativa “cristã” ao movimento camponês.

Desta forma, percebemos que a ênfase anticomunista está presente não apenas nos

discursos, mas também em proposições práticas, na medida em que buscavam estratégias em

cada diocese do Estado.

O imaginário anticomunista expressa-se por meio da utilização veemente de elementos

simbólicos, formulando definições que se apropriavam de expressões no sentido conotativo. O

apelo à imagem com forte conteúdo simbólico tinha como objetivo provocar um impacto

maior nos leitores ou ouvintes e demarcar bem o campo dos posicionamentos, ações e

projetos de cada um dos lados. Ao referir-se a estes lados, Rodeghero (1998) coloca que, para

a Igreja Católica, só haviam dois lados a escolher: o cristianismo e a Igreja com Deus ou os

comunistas com o diabo.

Verificamos o fato publicado pelo padre Fiorindo Grassi, no artigo do jornal “O

Despertar”, de propriedade do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen e

179 Livro Tombo 2, p.19.

115

da União Frederiquense dos Estudantes, que foi criado em 1967 com o objetivo de divulgar

sobre a ação do movimento sindical bem como do movimento estudantil.

Jaguara Borralheiro: Jaguara é o cachorro ordinário. Borralheiro, sempre embocado na cinza morna do fogo de chão. Tem olhos remelentos, preguiçosos e parados com cara de peixe morto. Não vale nada. Um dia ataca o próprio dono que lhe atira um osso com carne. Outra feita, é capaz de nem gritar ao ser surrado pelo ladrão de galinha que lhe bate no focinho. Mata cobra cascavel e foge de lingüiça assada. Nunca nos merece confiança, nem crédito lhes podemos dar. Jaguara fogo-de-chão. Cão de boca fechada, amaldiçoado até pelas Sagradas Letras... Sindicato que não ladra, que se cala por medo dos ladrões é sindicato-fogo-de chão. Um sapeca-canelas. Cachorro borralheiro sem serventia180.

Por meio de símbolo está expresso o conceito de comunista. A Bíblia Sagrada

apresentava-se como uma das fontes onde se buscavam imagens para representar os

comunistas. Quando se refere às “Sagradas Letras” está justificando com a Bíblia a sua ação

anticomunista e a ela imputando a sua sanção.

Se analisarmos alguns dos pronunciamentos de Dom Vicente Scherer, veremos o

temor deste de que o comunismo poderia estabelecer o caos e a desordem. E, principalmente,

no caso da Reforma Agrária poderia se esconder o “dedo vermelho do Kremlim”. Os

comunistas teriam como alvo de suas ações a juventude, os operários e, cada vez mais, os

camponeses.

Desta forma, entendemos o motivo da união, em um único jornal, de estudantes e

agricultores sindicalizados, sendo que “O Despertar” foi idealizado pelo Padre Grassi.

No editorial do mesmo, datado do dia 29 de julho de 1967, é levado até os leitores,

sempre numa linguagem metafórica, característica deste Semanário, a explicação da união de

estudantes e do Sindicato Rural. Sob o título “Brinco de ouro em orelha de porco” deixa

transparecer seu objetivo:

Pessoas menos avisadas e de reflexão imatura têm estranhado a quase aliança dos estudantes com o sindicalismo rural. Há mesmo quem insinue tratar-se de manobra visando a tolher a liberdade e a independência estudantil em nossa terra. Quem assim pensa, está ainda atrelado à velha concepção de que o jovem estudante deve ser apenas uma traça a corroer livros, a mascar ponta de canetas e decorar fórmulas. Porém, a escola moderna já não tolera mais esses métodos livrescos.(...) O estudante de 1967, combina a teoria com a prática, a vida escolar com a vivência em sociedade. Ora, sabido é que o meio ambiente de Frederico Westphalen, bem como de toda a zona do Alto Uruguai, é essencialmente agrícola. Logo, é nos afazeres da vida rural que nosso estudante deve ir praticando, é para sua missão de futuro líder de um povo rurícola, que ele há de colher informes e maneiras de ser do agricultor,

180 GRASSI, Fiorindo. Jornal O Despertar. Frederico Westphalen. 1. Jul. 1967.p.3

116

retribuindo a este o sacrifício que faz para manter as escolas. O nosso povo não quer um estudante alheio a seu ambiente. Se me perdoarem a comparação, o povo do Alto Uruguai não deseja nem está inclinado a pôr brincos de ouro em orelhas de porco, não tolera e acha ridículo que, um dia, alguém, hoje estudante, venha a remexer o esterco do curral com forcas douradas181.

Gadotti (1995), analisando a função da educação em Gramsci, justifica a necessidade

dessa união quando coloca que a burguesia impõe a operários e camponeses sua concepção de

mundo e conserva unido esse bloco social, embora marcado por profundas contradições e

utiliza-se, para isso, da escola, da igreja, do serviço militar e da imprensa.182

Em várias edições do semanário vizualizava-se nitidamente a proposta deste, assumida

com a comunidade:

(...) a orientação ideológica do jornal, obedecendo ao princípio da independência em objetivos específicos e união na ação pelo bem comum, está sendo delineada em documento que servirá de norte para o jornal e de segurança para as consciências cristãs e democráticas de seus acionistas e do público a que se destina183.

Nesta mesma edição, é apresentado um número de oito matérias de indicação da

Igreja. Entre elas quatro relacionadas ao meio rural: “Manifesto da JAC(Juventude Agrária

Católica) no Brasil ”, “Situação da Juventude Rural Brasileira”, “Papa aponta tarefa própria

dos sindicatos” e “Encontro de Líderes Rurais”. Salientamos que todo o conteúdo do jornal

soma oito páginas.

Partimos da análise do jornal “O Despertar” por encontrarmos nele os subsídios mais

importantes na construção das bases que fortaleceram o sindicato rural de Frederico

Westphalen, pois a documentação encontrada na sede do sindicato, como fonte histórica,

consta apenas de livros de atas que relatam as assembléias para eleições de diretorias e poucas

discussões aparecem sobre as questões que envolveram a base do sindicalismo.

O fato remete-nos a algumas reflexões, posto que através de entrevistas com

sindicalistas da atualidade, representantes da categoria, não se percebe uma análise no

movimento histórico do sindicato. E, para tanto, apontamos duas questões: a primeira seria o

desconhecimento total das bases que deram origem ao sindicato; e a segunda seria a

181 Jornal O Despertar. Frederico Westphalen, 29. Jul.1967. p.2 182 GADOTTI, Moacir. Concepção dialético da educação. São Paulo: Cortez, 1995. p.64. 183 Jornal O Despertar. Frederico Westphalen, 07. jul. 1967. p.2.

117

manutenção desta mesma base, até o momento atual, que não favorece a questionamentos

uma vez que passou a fazer parte das vicissitudes da vida do agricultor.

Em verdade, cabe discutir, a partir desse momento, alguns elementos que Gramsci

destaca na formação dos intelectuais, para que se possa desnudar os questionamentos

anteriores.

Não se compreende nada na vida dos camponeses, se não levar em consideração e não

estudar concretamente, aprofundando a subordinação efetiva destes aos intelectuais. O

desenvolvimento orgânico das massas camponesas, até certo ponto, está ligado aos

movimentos dos intelectuais e dele depende.184

Ainda, para Gramsci (1979), os intelectuais de tipo rural, são, em sua maioria,

tradicionais, ou seja, ligados à massa social camponesa e pequeno-burguesa das cidades. Para

o autor, o intelectual no campo, que poderá ser o padre, o advogado, o professor, o tabelião, o

médico, etc., possui um padrão de vida superior ou diferente daquele do médio camponês e,

por isso representa um modelo social para que o camponês aspire sair de sua condição. Este

tipo de intelectual põe em contato o movimento camponês com a administração estatal ou

local (advogados, políticos, etc.).

A correlação entre os termos de Gramsci e o sindicato rural em pauta, está na presença

do intelectual tradicional no personagem do Padre Fiorindo David Grassi e, anteriormente no

Monsenhor Vitor.

Em outra matéria, “O Despertar”, seguindo a linha do “Jaguara Borralheiro”, Grassi

defende a sua posição.

Pessoas, houve que estranharam a linguagem gauchesca com que se disse na edição anterior, se o sindicato mudo é um jaguara sapeca-canelas em fogo de chão, sem serventia (...) queremos estampar aqui o que informou o atual Papa Paulo VI, citando discurso de Pio XII proferido em 1948:- A tarefa própria do sindicato consiste em defender os interesses legítimos dos trabalhadores nos contratos de trabalho. Aqueles, dentre vós, que são chamados pela confiança de seus colegas, a agir em nome do pessoal de uma empresa ou dos membros de uma profissão não devem ter outra finalidade senão a de servir ao interesse dos assalariados no quadro do bem comum da economia. (...) E, se é verdade que os sindicatos exercem naturalmente influência sobre a política e sobre a opinião pública, no entanto, se ultrapassarem sua finalidade própria e se cederem à pressão dos acontecimentos, fracassarão com relação à expectativa e à esperança que neles deposita todo o trabalhador honesto e consciencioso. Temos certeza de que estes dizeres do Papa farão pensar a muitos que

184 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e organização da cultura . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.13.

118

até cristãos se confessam, mas são fracos, temerosos e estudadamente indecisos em apoiar na prática os ensinamentos da Igreja (...). Os dirigentes de um sindicato só devem ter em mente o interesse dos sindicalizados e não os desejos, as aspirações, as vantagens de outras pessoas ou grupos que, geralmente, ordinaria mente, no caso dos agricultores, por exemplo, só os prestigiam e deles de lembram no tempo das vacas gordas ou da alta do feijão (...)185. Sabido é que o sindicato tem influência política e na opinião pública, mas não podem seus dirigentes comprometer o sindicato a não ser com a confiança e a esperança nele depositadas pelos seus associados. Finalmente, alerta o Papa no sentido de que os sindicatos não podem ceder às pressões dos acontecimentos e das pessoas, sob pena de fracassarem.

Destas colocações, pode-se perceber que, subjacente à preocupação com a função do

sindicato, aparecem as inquietações da Igreja com o avanço comunista no campo.

Inquietações estas, que já vinham se manifestando nos quadros da Igreja Católica no Rio

Grande do Sul, desde os anos 50, manifestadas nos pronunciamentos de Dom Vicente

Scherer, citados anteriormente, e, em nível nacional, como já vimos, com as Ligas

Camponesas.

Nesta perspectiva, podemos correlacionar a preocupação da Igreja com o impulso

comunista e a formulação política de hegemonia gramsciana apresentada por Buci-

Gluckmann186 (1980), quando afirma que bolchevismo foi o primeiro na história internacional

da luta de classe a haver desenvolvido a idéia de hegemonia do proletariado, a colocar em

prática os principais problemas revolucionários que Marx havia exposto teoricamente. A idéia

de hegemonia, na medida em que foi concebida histórica e concretamente, implicou na

necessidade de buscar nos camponeses pobres um aliado na classe operária.

Com a preocupação da “hegemonia” dos movimentos de esquerda junto ao

campesinato, a Igreja imprime sua direção intelectual e moral no meio rural, utilizando a

coerção como pressuposto da hegemonia pretendida.

Oliveira (1985) falando acerca da hegemonia em Gramsci, diz que a mesma significa

ganhar o consentimento dos dominados à dominação de modo que as práticas sociais impostas

pelas relações sociais de produção apareçam na consciência dos atores sociais não como

imposições, mas como atos voluntários.187

185 Jornal O Despertar. Frederico Westphalen, 07.jul.1967. p. 3. 186 BUCI-GLUCKMANN. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 231. 187 OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro . Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes. 1985. p. 108.

119

Percebe-se o fato claramente no esclarecimento aos agricultores sobre o imposto

sindical:

Todos gostaram muito do Estatuto da Terra, não porque ele fosse perfeito, mas porque já representava um primeiro passo para melhorar a situação dos trabalhadores da terra e dar-lhes, a eles também, os direitos de há muito reclamados. Mas não se deve esquecer de que não há direitos sem obrigações. E é justamente para defender seus direitos, os direitos da classe dos agricultores que surgiram os sindicatos. Aqui no Rio Grande do Sul tiveram os sindicatos muito encorajamento, por parte dos católicos, dos evangélicos, enfim das diversas religiões. Tudo muito certo. Precisamos dos sindicatos para a defesa da classe profissional dos agricultores. Mas para haver sindicatos, é necessário que estes também tenham meio de se organizar, é necessário que tenham dinheiro para construir suas sedes e manter os serviços necessários. É precisamente do imposto sindical, da contribuição sindical que vem o dinheiro para sustentar os sindicatos. E, como os sindicatos representam legalmente, não só os sócios, mas todos os agricultores, todos que exercem essa profissão, é lógico que todos eles, embora não sejam sócios do sindicato, pelo fato de serem profissionais devem também arcar com as obrigações dessa profissão para a defesa da mesma (...). daí toda essa discussão que graças a Deus, aos poucos vai terminando, pois, também aos poucos a gente vai compreendendo que, se queremos sindicatos, que se procuramos, fundá-los e apoiá-los, por via de conseqüência, devemos também aconselhar que todos cumpram suas obrigações para mantê-los (...). É o meio civilizado que conhecemos para que também os agricultores possam marchar passo a passo ao lado dos demais profissionais 188.

Podemos ressaltar que é no trabalho de organização da vida coletiva que se edifica a

função dos intelectuais e dos aparelhos de hegemonia. Aos intelectuais é peculiar a função da

direção intelectual e moral do grupo. Lembrando que, para Gramsci, é intelectual todo aquele

que exerce função de direção intelectual e moral de seu próprio grupo e que, quando seu

grupo ou classe se torna dominante, obtém dos demais grupos e classes o consentimento ativo

ou passivo à sua hegemonia.

Após a organização dos agricultores, comandada pelo Padre Grassi, que culminou com

a fundação do Sindicato em 4 de março de 1964, passados dez dias, em 14 de março de 1964,

reuniu-se a diretoria para deliberar sobre a indicação do referido padre, que também era

advogado, como consultor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico

Westphalen. Exerceu este cargo até 1969, quando decidiu colaborar de forma menos incisiva,

entendendo que as bases já estavam firmadas.

O intelectual é, sem dúvida, um ator social individual. Não é preciso, para tal, ser um

especialista na atividade intelectual, mas saber exprimir simbolicamente as práticas e os

interesses do grupo ou classe social ao qual esta vinculado.

188 Jornal O Despertar. Frederico Westphalen, 25 jul. 1967. p.3.

120

Nos agentes religiosos cujo trabalho está sendo analisado, encontramos uma categoria

de intelectuais. São aqueles que expressam as práticas sociais através de símbolos religiosos

pautados pela ação católica, na medida em que traduzem, através da linguagem religiosa, as

expressões dos grupos e classes a com os quais trabalham.

Essas características, do sindicalismo e da ação da Igreja, são avistadas na pessoa do

padre Grassi, através de seus pronunciamentos eloqüentes, no Jornal o Despertar:

No mundo das organizações profissionais de classe, a Igreja usou de suas táticas fundamentais. Nos países em que a legislação permite a pluralidade sindical, que é a formação de mais de um sindicato representativo da mesma categoria profissional, surgiram os sindicatos cristãos e os socialistas ou de outra orientação leiga. Neste caso, a Igreja por via de conseqüência, procurou agrupar os cristãos em torno dos sindicatos que se orientam pelas normas da Ação Social Eclesiástica. É o exemplo que acontece na França e na Bélgica. Nos países onde só pode existir um sindicato representativo da mesma categoria profissional, como acontece nos Estados Unidos, na Alemanha e no Brasil, este sindicato se diz neutro em matéria de religião. Neste caso, não pode haver interferência direta da Igreja sobre os sindicatos. Mas, para que estes se inspirem em normas cristãs, há uma ação indireta da Igreja que consiste em criar organismos quase paralelos aos sindicatos e nos quais os cristãos recebem formação adequada para, dentro dos sindicatos, agirem de acordo com as normas da Ação Social Cristã. (...) No Brasil, conhecida é a FAG, entre outras organizações, cuja meta é, além da formação cristã, uma preparação eficiente dos cristãos para levarem aos sindicatos a mensagem, consubstanciada nas encíclicas, principalmente a MATER ET MAGISTRA e a PACEM IN TERRIS. A FAG não é assim uma novidade, mas apenas a decorrência de uma situação que se apresenta em todos os recantos do mundo, onde há o sindicato neutro em matéria de orientação cristã.(...)189

Concomitante aos pronunciamentos no Jornal, Padre Grassi organizava encontro de

líderes rurais, que, posteriormente, transformou-se no Instituto de Educação Rural citado

anteriormente, promovido pela FAG e realizado em muitos municípios do Estado.

Sobre esse trabalho de formação de lideranças no meio rural, em entrevista concedida

para a pesquisa, Padre Grassi comenta o seu sucesso aos olhos de Dom Edmundo Kunz.

Trabalhamos a parte jurídica (eu), e a parte religiosa. Na jurídica era como fazer uma solicitação, treinar a palavra no microfone. Todos os que assistiram os cursos aprenderam a pegar no microfone e a se comunicar do jeito deles, transmitir seus pensamentos. Outra coisa interessante foi à técnica, de manusear uma assembléia. Quando tinha assembléia geral dos Sindicatos em Porto Alegre e o pessoal de Frederico participava, Dom Edmundo dizia: “Essa proposição eu quero que Frederico assuma porque eles levam tudo adiante”. Nós tínhamos treinamento para manejar uma

189 GRASSI, Fiorindo D. JAC, FAG e os Sindicatos Rurais. Jornal O Despertar. Frederico Westphalen, 29. jul.1967. p. 2.

121

assembléia. Primeiro erro que os outros representantes de sindicato faziam era colocar todos num “bolinho” no meio do povo. Nós, não. Colocávamos um em cada canto e um no meio. No momento da votação, quando perguntavam quem estava de acordo, levantava o que estava no meio, e mais dez ou vinte que estavam perto levantavam mesmo sem saber direito o que era. Nós praticamente dominávamos a situação. Era uma maneira de direção do sindicato190.

Nesta perspectiva, percebe-se que, uma vez instituído, o aparelho de hegemonia

produz nos intelectuais que congregam, o sentimento de sua qualificação e de sua

solidariedade fazendo-os sentirem-se autônomos e dotados de características que lhe são

exclusivas. Esse sentimento de autonomia em relação ao grupo ao qual os intelectuais estão

objetivamente ligados não é inteiramente ilusório, sendo que, na medida em que o aparelho de

hegemonia estabelece seus próprios códigos e gera instituições que lhe sirvam de suporte, ele

cria simultaneamente interesses próprios, independentes dos interesses do grupo ao qual está

objetivamente vinculado. 191

Neste caso, percebe-se o interesse de Dom Edmundo pelo sindicato de Frederico na

aprovação de suas propostas e a estratégia de padre Grassi no treinamento aos líderes para

assembléia.

O carisma e a estratégia presentes em cada uma dessas personalidades, ajudaram muito

a acelerar a convergência entre as práticas da Igreja e do Estado. As forças mais dinâmicas da

Igreja conciliavam-se fortemente com o regime político e sua preocupação em evitar a

possibilidade de revoltas no meio rural.

É nesse contexto de manutenção da ordem social, a serviço da prevenção contra o

comunismo que nasceram as diversas iniciativas pastorais junto ao camponês sindicalizado no

município.

Em artigo publicado no Jornal O Despertar, com o título “A João Dêntice, Amigo dos

Sindicatos dos Trabalhadores Rurais”, o autor, que não se identifica, faz apologia ao Chefe da

Casa Civil e Delegado Regiona l do Ministério do Trabalho em Porto Alegre, João Dêntice,

sobre seu trabalho e principalmente destacando as realizações desta organização sindical.

(...) João Dêntice foi sempre muito operoso, hábil e acima de tudo, amigo das classes trabalhadoras, particularmente amigo dos agricultores. Se hoje, João Dêntice vier a Frederico Westphalen, acompanhando o Governador, poderá constatar, in loco, que

190 Entrevista direta com Padre Fiorindo David Grassi. Mai.2001. 191 OLIVEIRA, op. cit. , p.110.

122

seu empenho pelo sindicalismo rural teve feliz coroamento em nossa terra. (...) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen tem sua sede bem localizada no centro da cidade, dando atendimento diários aos associados, inclusive assistência jurídica a cargo dos Doutores Fiorindo Grassi e Leonel Flores da Rosa. Tem ainda, o sindicato uma sede social campestre própria, com canchas de esporte e construção iniciada de um vasto salão de danças e festas populares. Talvez seja este o único sindicato do país que tem um jornal semanário próprio, com oficinas próprias, em condomínio com os estudantes, operários e Juventude Agrária Católica. É o semanário pioneiro na região. Além disto, este sindicato tem escola de liderança para seus associados que ministra aulas, num período de um mês, sobre organização sindical, direção de assembléias, Economia Política Rural, Direito Agrário, Oratória, Técnica de Programação Radiofônica, formação moral, legislação específica e outros assuntos que bem prepara os agricultores para sua missão de líderes. Infelizmente, o sindicato de Frederico fica muito longe de Porto Alegre e não tem a ventura de contar em seus quadros com muitos elementos de origem teuta, mais agraciada em estudo e estímulos comunitários.Mas, assim mesmo, com os cachorrinhos de casa, como se costuma dizer, esse sindicato vai se projetando e pensa um dia, juntamente com os demais sindicatos rurais da região do Alto Uruguai, fazer ouvir sua voz e suas representações (...).192

Ainda no texto, após todo discurso apologético de defesa do sindicato, aparecem

tímidas reivindicações em favor dos agricultores.

(...) o sindicato de Frederico Westphalen quer dizer que os sindicalizados desta região estão esperando ansiosamente os benefícios oficiais da Previdência Rural. Sabe-se que o assunto não é de fácil solução. Mas afinal, aqui fica a sugestão ao amigo João Dêntice: se não é possível perfeição, fiquemos com o realismo da vida. Se não se pode dar logo assistência médica, hospitalar e farmacêutica, que se dêem as duas últimas e que o agricultor, enquanto não se resolve o problema levantado pela Associação Médica, que também tem suas razões, enquanto isso, que tenha assistência hospitalar e a da farmácia. Depois virá o resto, “a los pasitos no más.”193.

Podemos perceber que a força do movimento sindical também depende do nível de

participação e capacidade de organização dos trabalhadores que dele fazem parte e, ao mesmo

tempo, a ação dos associados também dependerá da abordagem política deste mesmo

movimento.

Em alusão a essa questão, Pinto (1979) retoma Gramsci quando coloca que o

sindicato não é esta ou aquela definição, o sindicato chega a ser uma definição e uma

determinada figura histórica, enquanto as forças e a vontade dos trabalhadores que o

192 Esta publicação foi levada a efeito por ocasião da visita do Governador do Estado Walter Peracchi Barcelos a Frederico Westphalen no dia 19/08/1967. 193 Jornal O Despertar. Frederico Westphalen, 19 ago. 1967. p.4.

123

constituem, impõem-lhe uma direção e outorgam-lhe à sua ação, os fins que são afirmados na

definição.194

Nestes termos, o sindicato poderá apresentar-se como instrumental de luta se os

trabalhadores que o compõem mostrarem uma certa autonomia para poder imprimir sua

intenção e não a da direção do movimento. Tal fato parece não ter acontecido no movimento

sindical de Frederico Westphalen, que não pretendia ser um órgão de atuação política

transformadora da sociedade com a conseqüente tomada de consciência de seus agentes.

Com efeito, a atuação da Igreja no movimento sindical apresentava-se no sentido de

empregar os meios possíveis para conduzir sua ação na direção determinada por ela.

O combate a grupos de esquerda, já mencionado, foi uma das grandes características

da prática sindical promovida pela Igreja. Afora isso, destaca-se a forma centralizada das

decisões que o movimento sindical assumiu, aspectos marcados pela imposição do grupo

pensante hegemônico da Igreja no Rio Grande do Sul e em Frederico Westphalen, sob o

comando de Dom Vicente Scherer, Dom Edmundo Kunz e na instância mais próxima,

Fiorindo David Grassi.

O resultado do trabalho com as lideranças formadas pela Igreja foi a organização do

movimento sindical numa adequada preparação dentro dos princípios orientadores da

Doutrina Social Cristã.

Para esse resultado havia um acompanhamento estreito e continuado por parte do

representante oficial da Igreja, o padre, até o momento em que os lideres fossem considerados

“preparados” e “capacitados” para orientar e propagar aos demais pequenos agricultores os

princípios ideológicos cristãos do sindicalismo rural, o que ocorreu no período de 1964 até,

aproximadamente, 1976, no sindicato analisado, através de instrumentos como o Instituto de

Educação Rural com cursos de preparação de lideranças comunitárias e sindicais, animadores

comunitários etc.

A formação de lideranças extraídas do próprio meio rural, com trânsito e influência

junto aos camponeses, foi considerado como uma forma eficaz de levar a ideologia proposta

ao meio rural da região. Como multiplicadores dos ensinamentos recebidos, os líderes rurais,

194 PINTO, Luzia Alice Guedes. A CONTAG de 64 a 76. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p.125.

124

de certa forma, garant iam a execução dos princípios doutrinários da Igreja, além de

demonstrar claramente os vínculos com a FETAG, que fazia desta, também sua proposta.

Os líderes foram preparados desde a realização dos primeiros Encontros e Semanas

Rurais e eram escolhidos nas próprias comunidades interioranas. O fato facilitava e

estimulava uma possível e sucessiva identificação entre os membros de uma mesma

comunidade195.

Os sindicatos organizados pela FAG, a exemplo deste em análise, deveriam cumprir

sua tarefa seguindo as leis sindicais da nação sem dar lugar à luta de classes ou qualquer tipo

de insurreição que perturbasse a ordem e o bom funcionamento da sociedade.

Preocupada com um possível desvio da ordem pública, social e econômica

estabelecida, através da ação subversiva dos líderes rurais que poderiam existir, a Igreja teve o

cuidado e a cautela de oferecer a eles princípios orientadores da Doutrina Social Cristã,

perfeitamente perceptível em artigo do jornal O Despertar, sem identificação de autor.

Seria bem melhor não ter que falar. Mas é preciso falar. Melhor poder silenciar, mas é necessário levantar a voz com toda a veemência. Faz-se mister advertir. (...) Há uma conspiração maquiavélica contra a moralidade pública.(...) Tal não podemos permitir. Imprensa honesta cristã, reta em responsabilidade de orientação e formação de opinião pública, parte de nós o brado de alerta, o chamamento a dura realidade. Não se espere apenas a voz do púlpito que a responsabilidade é mais de todos do que do padre. Autoridades, comunidade e entidades unam-se todos num enérgico “BASTA”. Do contrário o gérmen do mal se disseminará e, diante do nosso conformismo, frouxidão e tolerância criminosa, assistiremos o crescente corrompimento de nossa sociedade (...)196.

Com a mesma proposta sindical desde a sua fundação, o movimento tinha como fio

condutor os objetivos sintetizados no panfleto “ABC do Sindicato Rural”, editado pela FAG

em 1962, que reforçava o princípio de que o sindicato deveria desenvolver uma direção mais

assistencial do que política, o que ficou em evidência nos textos do jornal O Despertar,

citados anteriormente.

Esta postura assistencial assumida, é corroborada com o Estatuto da Terra,

promulgado em 30 de novembro de 1964, que definia a forma que o Governo Militar passaria

a tratar a problemática agrária. Martins (1984) ressalta que a aprovação do Estatuto da Terra,

195 Como exemplo dessas lideranças pode-se citar o Deputado Federal Ezidio Vanelli Pinheiro e Edino Dalmolin, este eleito vereador por três mandatos.

125

para o governo militar, estabelece a moldura de ferro que norteia o mesmo no

encaminhamento e tentativa de resolver o assunto da Reforma Agrária. Para os militares o

encaminhamento da questão pressupunha obrigatoriamente o esvaziamento político do

campo. A solução seria a despolitização da luta pela terra, o desenvolvimento de uma

estratégia que impedisse a transformação da luta pela terra numa luta política partidária.197

O fato fez com que os agricultores assumissem uma postura mais contemplativa,

aguardando a execução de tal lei pelo governo o que culminou em outubro de 1967 com o

Decreto 61.554 que instituiu o FUNRURAL (Fundo de Assistência e Previdência do

Trabalhador Rural) e passou a ocupar considerável espaço na vida sindical dos seguintes anos,

aspecto que se tornou muito importante para os sindicatos, fazendo com que abrandasse o

restante do conteúdo do Estatuto da Terra, principalmente a parte da Reforma Agrária.

Os sindicatos passaram a receber, por parte do Governo, um grande incentivo para a

execução de tarefas ligadas à assistência social em geral. No tocante ao atendimento médico e

odontológico, bem como a concessão de aposentadoria, este direcionamento foi explícito.

Percebemos o fato em análise de atas das assembléias do sindicato local. A partir de

1969 a preocupação com a questão assistencial passa a ser primordial na vida do sindicato e

permanece até, aproximadamente, 1984, quando, timidamente são levantadas outras questões,

até por conta do novo período que se instala em âmbito nacional e do surgimento de

discussões sobre o “novo sindicalismo”.

Há que se ressaltar que o dirigente sindical Ezidio Vanelli Pinheiro, que permaneceu

durante 10 anos no comando do movimento de 1970 a 1980 e após dirigiu a FETAG e a

CONTAG, fez da assistência social bandeira de luta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Frederico Westphalen. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico

Westphalen por longo período, já citado, este organizou uma Assembléia Geral Extraordinária

em 10 de dezembro de 1979 com, aproximadamente, 10 mil participantes, entre sindicalizados

e suas famílias, autoridades locais, representantes da Igreja e presidentes de sindicatos da

região, políticos e também com a presença do presidente da FETAG Zulmiro Ferri. Esta tinha

como principal objetivo discutir a questão da assistência médica, ou melhor, os convênios de

assistência médica entre o INAMPS, Sindicato e Médicos de Frederico Westphalen.

196 Jornal O Despertar. Frederico Westphalen. 25.Jul.1967. p.4. 197 MARTINS, Jose de Souza. A militarização da questão agrária. Rio de Janeiro: Vozes, 1984. p. 56.

126

Como produto da assembléia ficaram aprovadas as seguintes reivindicações:

1o) – Que seja cumprido o convênio do INAMPS e os hospitais, bem como pelos médicos de Frederico Westphalen, e não seja mais cobrado importância extra-tabela, não permitida pelo convênio, sendo cumprido na íntegra o que diz o convênio. 2o) Que seja dado condições de pleno funcionamento do ambulatório médico instalado na sede do sindicato. 3o) Que seja substituído o representante local do FUNRURAL. Os associados deixaram claro que é o mínimo que estão a exigir e que já está inscrito o que exigem, e por isso, também foi aprovado pela multidão presente as seguintes posições que devem ser tomadas pela entidade de classe se não forem atendidos os pedidos acima mencionados nos próximos dias: 1o) será formada uma comissão nos próximos dias, sendo que a mesma deverá contatar e tentar junto as autoridades e órgãos competentes gestionar o caso; fazendo amplo relatório do que vem ocorrendo em Frederico Westphalen. 2o) Dia 27 de dezembro ficou marcada uma nova assembléia com os associados para fazer uma avaliação do que até o presente momento seria resolvido e daí partir para o 3o item, se ainda não foi resolvido, à ida a capital do estado de centenas de agricultores para junto aos órgãos competentes se manifestarem e protestarem as irregularidades existentes em Frederico Westphalen (...). Continuando, mais agricultores se manifestaram, todos revoltados com o tipo de assistência que vêm recebendo em Frederico Westphalen (...). O Senhor Presidente, agradeceu a multidão de agricultores presentes e pediu que se quisessem fazer uma passeata conforme haviam prometido, que fosse na mais perfeita ordem (...) encerraram a passeata de fronte da Catedral onde foi realizada uma cerimônia religiosa por vários sacerdotes da Diocese de Frederico Westphalen, dirigida e coordenada por Dom Bruno Maldaner Bispo Diocesano de Frederico Westphalen198.

Percebe-se que o acesso à previdência e benefícios sociais eram temas muito

valorizados, capazes de mobilizar milhares de agricultores numa mesma concentração, o que

não aconteceu com outras questões de relevância pertencentes também ao Estatuto da Terra. E

este atrativo que a assistência médica representava para os trabalhadores rurais é o grande

argumento utilizado para a fundação ou reorganização de sindicatos. Assumia-se plenamente

o papel de sindicato como prestador de serviços, na medida em que estes serviços eram

extremamente valorizados pela população do campo.

O que o sindicato passava aos agricultores era que o acesso aos benefícios da

Previdência Social era uma conquista, resultado de uma “reivindicação”, vinculada a idéia de

reconhecimento pelo Estado do valor de seu trabalho, de sua importância.

Essa questão assistencial aparece como dever do Sindicato no seu estatuto, mais

precisamente no artigo 3o.

São deveres do Sindicato: a) Colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social, b) manter serviços de assistência para os seus associados, c)

198 Ata da Assembléia Geral Extraordinária realizada em 10 de dezembro de 1979. Livro de Atas do STR de Frederico Westphale,. p. 28 – 30.

127

promover a conciliação dos dissídios coletivos ou individuais de trabalho; d) promover a criação de cooperativas para a classe representada; e) fundar e manter escolas de alfabetização e pré-vocacionais; f) exercer suas atividades de acordo com os princípios democráticos estabelecidos na Constituição da Republica Federativa do Brasil; g) assistir aos seus associados e beneficiários junto ao FUNRURAL e INPS199.

Assim, também é possível correlacionar o conteúdo apresentado anteriormente, sobre

a gênese do sindicalismo gaúcho, com a origem do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Frederico Westphalen.

Durante a década de 1980, aconteceram algumas alterações sofridas pelo sindicalismo

rural em consonância com o novo cenário nacional de abertura democrática. E, desta forma,

nasce o “novo sindicalismo”, com discussões mais críticas sobre a ação sindical. Neste

contexto, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen também apresentou

algumas mudanças e, a partir da posse do novo presidente, Guerino Zeni, após o período de

dez anos de Ezidio V. Pinheiro, apareceram novas preocupações para o sindicato. Essas

mudanças não aconteceram de forma radical, mas apareceram como inquietações dos

dirigentes frente à questão agrária.

Visualiza-se como primeiro indício de mudança, o discurso que deixa de ter como

foco de atenção à previdência e passa para a política agrícola, merecendo mobilização dos

agricultores para o protesto da situação no momento. Vejamos:

Ata da Assembléia Geral de Protesto – 25.07.1985 (...) Em ato contínuo todos os agricultores dirigiram-se até o Banco do Brasil, onde foi feito um minuto de silêncio e rezado o “Pai Nosso” em sinal de protesto aos altos juros cobrados aos agricultores que buscam financiamento (...) O presidente Guerino Zeni abriu a tribuna livre dizendo da importância do movimento e dos objetivos dos protestos feito no dia do colono, destacando a Política Agrícola, ou seja, os baixos preços dos produtos e os altos juros bancários. Também falou da necessidade de uma Reforma Agrária urgente 200.

É a partir desse momento que emerge, de forma branda, a questão da reforma agrária

no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen e outras questões que não

apenas a previdência social e benefícios sociais.

199 Estatuto aprovado em Assembléia Geral Extraordinária realizada em Janeiro de 1972. Livro de Atas do STR de Frederico Westphalen n. 2. p. 13. 200 Livro Atas n. 2 do STR de Frederico Westphalen. p.47.

128

No intuito de finalizar, optamos por relatar parte do “novo” discurso incorporado pelos

sindicalistas rurais da época :

O Sr. Presidente passou a relatar o trabalho que está sendo feito com os sem-terra, falando também do acampamento da Fazenda Anoni, fazendo um relato da situação dos acampados, solicitando a todos que sejam solidários com o movimento e que, na medida do possível e de acordo com a vontade de cada um, procurem ajudar as famílias que se encontram nessa situação (...).201

Com efeito, desse momento em diante caberia uma nova análise da prática sindical do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Frederico Westphalen que pode ser objetivo de futuras

pesquisas. Como podemos observar, a tônica da questão no período em análise, não sofre

grandes alterações. Em suma, podemos, a partir da análise desse período, evidenciar que o

movimento sindical de Frederico Westphalen, orientado pela FAG, caracterizou-se

inicialmente, como uma alternativa à ação comunista no campo, através da política ideológica

da Doutrina Social Cristã, interpretada e traduzida por seus líderes do campo religioso em

consonância com os agentes da estruturação política e econômica local. Isto significa que o

sindicato foi fundado em padrões paternalistas e quase que totalmente desprovidos de

politização, que não fosse de direita mediada pela Igreja, o que não permitia aos agricultores

sindicalizados o desenvolvimento de sua consciência de organização e participação na tomada

de decisões e na própria condução do movimento.

À título de ilustração, vale a pena ressaltar, que embora o presente estudo identifique

um período de forte intensidade política da época do regime militar instaurado no país, já

sentia-se a presença de discursos de cunho progressistas, sobretudo se apontarmos o

surgimento de nova lideranças no meio católico como os Movimentos de Educação de Base

(MEBs), as Comunidades Eclesiais de Base, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), dentre

outros.

Da mesma forma, começa a delinear-se no país, um horizonte de abertura política com

intensificação dos movimentos sociais populares, além da implantação de programas de

modernização da agricultura frente ao crescente movimento migratório, marcando a

intensificação de uma crise do meio rural que culmina com a modificação da direção

doutrinária da Igreja Católica, com um enfoque mais aberto. Mas isso nos conduz a sugerir

um outro estudo mais profícuo, em que pese a necessidade de delinearmos uma nova

201 Livro de Atas do STR de Frederico Westphalen, n. 2, Assembléia Geral Extraordinária de 28.11.1986, p. 48.

129

periodização para obtermos resultados mais próximos da realidade da organização do

movimento sindical rural no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos analisar uma série de questões relativas à implantação e expansão da

estrutura sindical no campo, salientando as principais características da prática sindical dos

trabalhadores rurais: acentuado legalismo, cautela como pretexto para o imobilismo,

condescendência ao Estado, assistencialismo decorrente do FUNRURAL, etc.

Para a compreensão da ação dos sindicatos foi preciso inseri- los num contexto

histórico. Este contexto pressupôs os movimentos que antecederam ao sindicalismo rural, bem

como, a evolução da própria legislação do trabalho, ou seja, a ação do Estado.

Enquanto a legislação trabalhista para o setor urbano (CLT) foi instituída em 1943,

para o campo apresenta-se vinte anos depois, com o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), em

1963, que teve como objetivo disciplinar as relações de trabalho na agricultura. É no Título V,

do Estatuto do Trabalhador Rural, que foi reconhecida como lícita a associação em sindicatos

e, para o funcionamento desses, eram impostas algumas condições. A partir desse momento, o

Estado passou a tutelar os sindicatos.

Por outro lado, não se pode negar que a causa preponderante da instituição do ETR,

residia nos conflitos sociais que emergiam no campo, principalmente no Nordeste, com a

organização das Ligas Camponesas, movimentos sociais que já não podiam mais serem

obscurecidos.

O campo brasileiro viveu no início da década de 1960 um período de intensa

mobilização, e no Rio Grande do Sul, o primeiro movimento organizado estava vinculado ao

populismo, era o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER). Este, tinha como

131

característica a invasão de terras e, com o apoio do então governador do estado, Leonel

Brizola, objetivava a reforma agrária e a sindicalização rural.

Em reação ao MASTER, que reunia os setores do PCB (Partido Comunista Brasileiro)

e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), surgiu a FAG, agregando grupos ligados à Igreja

Católica, de orientação conservadora.

O movimento camponês, liderado pela FAG, demonstrou a ausência de uma

autonomia das bases camponesas, diante de sua liderança. Observamos isso pela própria

origem da FAG, sendo que sua organização não partiu das bases camponesas, foi iniciativa

dos setores conservadores da Igreja Católica no Rio Grande do Sul.

Vale ressaltar que, a ação, desenvolvida pela FAG, teve como substrato teórico e

ideológico a Doutrina Social Cristã e como principal incentivador, Dom Vicente Scherer.

Nesse sentido, a FAG agiu mais como mediadora entre os conflitos de classe do que como

ação geradora de organização e consciência do campesinato. Sua prática buscou, muito mais,

consolidar do que enfrentar a problemática da luta de classes.

Através da fundação de sindicatos, a FAG, fazia seu discurso especialmente em defesa

da propriedade, que estaria sob a ameaça dos comunistas e, neste sistema social, o Estado

monopolizaria todas as propriedades, abolindo a propriedade privada. Desta forma, com a

propriedade privada ameaçada, o temor de perder o objeto de seu trabalho, tornou o camponês

alvo fácil das forças sociais conservadoras.

Entendemos que a ação político-ideológica da FAG, reproduziu e articulou a própria

ideologia da Igreja Católica, a ideologia da corrente hegemônica, traduzida pelos setores mais

conservadores que proclamaram o controle das ações da Igreja Católica, durante a década de

1960 e parte da década de 1970, no Rio Grande do Sul. E, a FAG, como ponte de união da

ideologia católica e do movimento camponês, submeteu os interesses dos camponeses a esta

ideologia.

Subjacente a estas questões, percebe-se o fato de que a Igreja Católica necessitava

manter a sua legitimidade, enquanto instituição, reafirmando sua hegemonia junto ao

campesinato. O papel de seus intelectuais tradicionais locais, conforme analisamos, é

expressão disso.

132

Diante de toda esta trajetória de aná lise do movimento camponês, no Rio Grande do

Sul, é possível correlacionar ao ocorrido em Frederico Westphalen, quando da organização do

sindicato rural. O fator da religiosidade do camponês, foi ponto de partida para a organização

dos agricultores no município. Ainda, na década de 1950, percebe-se o forte atrelamento do

camponês ao chamamento da Igreja Católica.

Na mobilização destes camponeses, não houve inimigo presente; o inimigo era oculto,

era aquele que ouviram falar que passou em terras próximas, como Planalto e Sarandi, e que

tinha como nome MASTER.

A FAG, neste município, não apresentou dificuldades para a organização do sindicato,

pois as bases já estavam sendo preparadas desde quando aconteceu o Congresso de Ação

Social Rural, em 1953. O setor conservador, da Igreja Católica, fazia-se presente, de longa

data, através de seu intelectual tradicional, e primeiro vigário local, Monsenhor Vitor

Battistella.

A ação da FAG encontrou substrato para a pregação da Doutrina Social Cristã, sob

uma ótica essencialmente conservadora, no município de Frederico Westphalen. Além da base

social do sindicalismo rural constituir-se de pequenos proprietários rurais, evidenciou-se forte

influência eleitoral de partidos políticos como o PSD (Partido Social Democrático), PL

(Partido Liberal), UDN (União para o Desenvolvimento Nacional) e PRP (Partido de

Representação Popular), nos quais a Igreja teve a sua principal base de sustentação,

comprovada com a indicação de Monsenhor Vitor Battistella, em 1968, candidato a prefeito,

como evidenciamos.

A orientação sindical transmitida pela FAG e assumida pelo movimento sindical no

município, evidencia um conteúdo reformista conservador, assumindo uma função

historicamente assistencialista. Mesmo em momentos onde questões de ordem mais estrutural

eram abordadas dentro dos sindicatos, como exemplo da reforma agrária, o STR de Frederico

Westphalen, relegava a segundo plano seu caráter assistencialista e assumia uma postura

legalista, requerendo, para retificar as imperfeições da estrutura agrária, o cumprimento do

Estatuto da Terra apenas no tocante à alguns pontos da Política de Desenvolvimento Rural.

Não se observa em momento algum, no período descrito, uma disposição do Sindicato em

aprofundar outras questões do próprio Estatuto, como é o caso da reforma agrária.

133

A prática sindical, no município, gravitou em torno do assistencialismo, que, com a

instituição do FUNRURAL, atribuiu ao Sindicato a tarefa se executar a assistência médico-

hospitalar e odontológica, provocando de vez, o esvaziamento político do mesmo. Fato

comprovado, na mobilização de dez mil agricultores que reivindicavam apenas a assistência

médica e odontológica.

Junto a essa característica assistencialista, somaram-se as atividades reivindicativas

que objetivavam assistência técnica, cursos de capacitação, bolsas de estudo e, por fim, a

aposentadoria ao trabalhador rural.

Podemos dizer que a Igreja Católica trabalhou muito bem, segundo seus pressupostos,

com o campesinato de Frederico Westphalen. Monsenhor Vitor Battistella, padre Fiorindo

David Grassi e vários líderes formados pela Ideologia Cristã, mantiveram o movimento

sindical sob sua sujeição, e, mesmo com exaustiva pesquisa, não encontramos nenhum indício

de conflito ou oposição no período de mobilização e constituição do Sindicato Rural. Todas as

entrevistas e documentos apontaram para a mais perfeita ordem, o que nos faz pensar que não

houve mudanças em termos estruturais ou mesmo, na sua atuação, até hoje. Sindicalistas e

colaboradores vêem na ação da Igreja Católica a eficácia do movimento sindical conservador

na região, atribuindo todo o seu sucesso em prol do campesinato.

Certificamo-nos, cada vez mais, dessa posição quando assistimos ,em 2002, a

mobilização de agricultores do município para “O Grito da Terra”, tendo como pauta de

reivindicação somente a Assistência e Proteção à Economia Rural (Capítulo III, do Estatuto

da Terra), relegando a proposta de Reforma Agrária para que movimentos como o MST

(Movimento dos Sem Terra) façam dessa questão a sua luta.

Diante dessas considerações, as quais não temos a pretensão de colocá- las como

definitivas, elencamos algumas pontuações que possam servir de ponto de partida para uma

reflexão a ser compartilhada por todos aqueles interessados na temática do sindicalismo rural

e, neste sentido, deixamos algumas possibilidades para futuras inquietações em forma de

estudos:

- Reflexões acerca da ação do sindicalismo rural, desde a década de 1980, com o

discurso do “novo sindicalismo”, apontando possíveis mudanças;

134

- Análise sobre outras ações surgidas do movimento sindicato rural, no mesmo

período analisado;

- A concepção do movimento sindical sobre a reforma agrária e seu conseqüente

posicionamento;

- O resgate da função do sindicato rural e a questão da representatividade e

participação dos agricultores no mesmo;

- A participação da Igreja Católica, na atualidade, junto aos movimentos sociais do

campo.

FONTES DOCUMENTAIS

Livro de Atas do STR de Frederico Westphalen.

ATA da Assembléia Geral Extraordinária realizada em 10 de dezembro de 1979.

Livro Atas n. 2 do STR de Frederico Westphalen.

Livro de Atas n° 1 da União dos Agricultores e Criadores de Frederico Westphalen

O Despertar. Frederico Westphalen, 1 jul. 1967.

O Despertar. Frederico Westphalen, 07 jul. 1967.

O Despertar. Frederico Westphalen, 25 jul. 1967.

O Despertar. Frederico Westphalen, 29 jul. 1967.

O Despertar. Frederico Westphalen, 19 ago. 1967.

Entrevistas:

Celio De Pellegrin

Darci Grassi

Edino Dal Molin

Elibia Michelon

Fiorindo David Grassi

Wilson Ferigollo

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