a organizaÇÃo da patinaÇÃo radical em belÉm · esportivização, o associacionismo,...
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A ORGANIZAÇÃO DA PATINAÇÃO RADICAL EM BELÉM
Hugo Rabelo de Souza
Zaira Valeska Dantas da Fonseca
RESUMO
Este trabalho objetiva analisar a organização da patinação radical em Belém. Intenciona trazer uma compreensão de como ocorreu o processo de institucionalização da patinação radical em Belém. Utiliza o enfoque materialista histórico dialético e a pesquisa documental, com análise do estatuto social de fundação da Associação Paraense de Aggressive InLine (AAGIL). Com base nos referenciais teóricos, acerca dos conceitos e dimensões do esporte e levando em consideração o que o fenômeno esportivo moderno representa para o século XX, foi possível verificar que: esportivizar a prática da patinação radical em Belém não acabará com os problemas desta prática; para resolver a questão de mais locais apropriados para praticar a AAGIL deve se relacionar com outras entidades de esportes radicais para terem maior visibilidade junto ao poder público; e por fim verificamos que a AAGIL deve se aproximar de ferramentas socioeducativas para trabalhar com os patinadores valores sociais que reflitam na sociedade. Palavras-chave: Esporte; Patinação radical; Institucionalização esportiva.
INTRODUÇÃO
A patinação inline é praticada desde meados da década de 1980, época em
que foi criado este modelo de patins, e tal prática evoluiu para o início da
modalidade radical da patinação chamada Aggressive inline. Esta evolução ocorreu
devido a grande procura, por parte dos jovens, pelo estilo dos esportes radicais que
abrangeram o mundo durante a década de 1970 por meio do crescimento do surf,
incentivado pela “[...] visibilidade alcançada e os espaços conquistados em meios de
comunicação já existentes [...]” Priore e Melo (2009). Segundo os autores, houve
uma proliferação de esportes diferenciados, denominados radicais como: skate,
windsurfe, bodyboard, voo livre, bicicross e a patinação inline. Estes esportes
radicais se estruturaram a partir do interesse dos praticantes em levar adiante o que
começou como modismo de uma geração em que os jovens ganharam espaço nas
mídias. Dessa maneira se forma o cenário da patinação radical e sua prática cresce,
chegando a um elevado número de praticantes durante a década de 1990. Em
Discente do Curso de Licenciatura Plena em Educação Física da Universidade do Estado do Pará. e-mail: [email protected]
Professora orientadora, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (UEPA), Professora do Curso de Educação Física da UEPA – e-mail: [email protected]
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Belém, assim como o Brasil inteiro, ocorre a adesão à patinação neste período, e se
consolida como um dos esportes radicais praticados pelos paraenses.
Em conjunto com a prática da patinação radical surgiram os campeonatos e,
consequentemente, a necessidade de organizar estes eventos, provocando assim o
surgimento de entidades esportivas de patinação radical. É dentro deste contexto de
criação de entidades esportivas que o estudo se desenvolveu tendo como objeto a
organização da patinação radical em Belém, buscando realizar a análise da mesma,
através dos trabalhos da AAGIL, entidade fundada em 2005, responsável pela
prática institucionalizada da patinação radical em Belém.
A aproximação com o tema e, consequentemente, com o objeto de estudo
ocorreu através da participação efetiva do autor na fundação da AAGIL, onde para
tal acontecimento foram necessárias várias reuniões discutindo-se as necessidades
de se organizar o patins radical em Belém, percebendo-se assim que existiam
muitos problemas nesta prática, e que talvez a institucionalização poderia amenizar.
O quadro problemático se formou a partir da ideia de que a patinação radical
em Belém ainda é desenvolvida pelos seus praticantes de maneira espontânea,
muito mais numa perspectiva de divertimento e distração, o que pode levar a
sociedade a um não entendimento da patinação radical como um esporte. Assim, a
criação de uma entidade esportiva teria o papel de legitimar a patinação radical
como sendo um esporte perante a sociedade do Estado do Pará e a cidade de
Belém. A análise empreendida, neste estudo acerca da problemática que cerca a
patinação radical em Belém em relação a compreensão existente, no Brasil, na
atualidade, se desenvolveu a partir da seguinte pergunta: Como tem se configurado
a institucionalização da patinação radical em Belém? Sendo assim, o objetivo geral
da pesquisa foi analisar como o processo de institucionalização da patinação radical
em Belém tem contribuído para a organização dessa prática como um esporte na
cidade. E os objetivos específicos foram: Verificar quais os fatores que levaram ao
processo de institucionalização da patinação radical em Belém do Pará;
Compreender e analisar como está organizada a entidade representativa da
patinação radical em Belém do Pará e identificar quais os objetivos pretendidos pela
mesma.
Após um levantamento preliminar realizado na biblioteca da UEPA e da UFPA,
especificamente em artigos, trabalhos e pesquisas acadêmicas, não foi encontrado
nenhuma pesquisa sobre a patinação. Encontramos apenas um trabalho que tem
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como temática a patinação radical, o trabalho de conclusão do curso de Educação
Física do professor Alan Charles Fechine da Silva, da Universidade Estadual do
Ceará, intitulado Levantamento da incidência de lesões articulares em Patinadores
Radicais na capital e no interior do Estado do Ceará. Isto possibilitou a percepção de
que existem poucos trabalhos científicos debatendo as problemáticas que envolvem
a patinação radical. Dessa forma, entendemos que a relevância científica deste
estudo consiste na possibilidade de trazer subsídios para outros que posteriormente
possam vir a pesquisar acerca da patinação radical no Pará, assim como, mostrar
que a criação de uma associação desportiva, poderá auxiliar outros que procurem
desenvolver esportes ainda pouco difundidos e estruturados formalmente. A
relevância social da pesquisa pauta-se na carência organizacional que os
patinadores do Pará sofrem neste esporte, ou seja, a necessidade e a importância
de se organizar a prática da patinação radical paraense são problemáticas reais,
pois foi necessária a construção de uma associação paraense que trouxesse
subsídios para tentar fortalecer o cenário paraense da patinação radical. E da
mesma maneira mostra-se importante socialmente porque esta tentativa de
fortalecimento possibilita com que os praticantes deste esporte o compreendam de
forma crítica e reflexiva reconhecendo suas reais necessidades.
1 O PROCESSO DE ESPORTIVIZAÇÃO DAS PRÁTICAS CORPORAIS NA SOCIEDADE MODERNA
O Esporte em nossa sociedade é relacionado como atividade física, jogo,
disputa. Porém existe uma ação importante no que diz respeito a caracterizar uma
atividade como esporte: a institucionalização. Na sociedade capitalista, esporte é a
atividade física oficialmente institucionalizada, ou seja, que tenha uma instituição,
podendo ser chamada de entidade, que rege as normas da prática desta atividade.
Para ilustrar tal afirmação Melo (2007, p.68) afirma que:
[...] essa prática social apresenta características marcantes e observáveis até os dias de hoje: a) uma organização em forma de clubes, federações, confederações e outras entidades; b) possui um calendário próprio, já não mais sendo praticada estritamente de acordo com outros tempos sociais; c) possui corpo técnico especializado, cada vez maior trabalhando em seu interior; [...].
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O fenômeno esportivo sofreu ampliações do seu conceito, como por exemplo,
os conceitos existentes de esporte-educação e esporte-participação, evidenciado
por Tubino (2001), oferecendo um elenco maior de aspectos socialmente relevantes.
Contudo é necessário considerar, para além das diferentes manifestações
conceituais acerca do esporte, as características que possibilitam identificar e
diferenciar este fenômeno social de outras práticas existentes na sociedade. Com
isto, cabe neste momento, mostrar como Victor Melo considera o esporte em nosso
país no sentido de perceber a importância de se transformar uma prática corporal,
como a patinação radical, em um esporte:
Enfim, compreendemos o esporte como uma das mais importantes manifestações culturais do século XX. É um fenômeno tipicamente moderno, que tem sua configuração articulada com todas as outras dimensões sociais, culturais, econômicas, políticas: arquitetura, modus
vivendis, nova dinâmica das cidades, aumento da presença dos meios de
comunicação etc. a construção do ideário da modernidade, seus sentidos e significados, passa também pelas peculiaridades que adquiriu a prática esportiva no decorrer do tempo. As práticas corporais sempre fazem parte do patrimônio cultural de um povo, plenamente articuladas com uma cultura específica e sendo importantes ferramentas na construção de identidades: de classe, de gênero, de etnia, ligadas à construção da idéia de “nação”. (PRIORE; MELO, 2010, p.12).
Em contra partida a esta afirmação de Priore e Melo (2010) a respeito da
esportivização, o associacionismo, Infelizmente, muitas vezes delimitou-se ao se
vincular aos esquemas de poder do capitalismo, onde os clubes e empresas não se
utilizam de caminhos éticos esportivos, e sim primam pelo dinheiro que o retorno da
mídia esportiva traz. Mas, por outro lado, o associacionismo é considerado
[...] como a primeira vitória sobre a alienação esportiva social. Esse autor explica que a necessidade de associação no esporte pressupõe um esforço no sentido de reunir as condições materiais necessárias para que seja apresentado um sentido de democracia interna na organização esportiva. (TUBINO, 2001, p.18).
Neste sentido, é correto afirmar que a esportivização da patinação radical
também a concretiza como cultura, uma manifestação moderna da cultura urbana,
onde sua oficialização através do associacionismo levaria para o conhecimento
governamental uma vertente da cultura específica das ruas.
Na atualidade quando se discute esporte é necessário observar os princípios
do Fair Play. Para Tubino (2001, p.84) Fair Play é o princípio “[...] pelo qual as
crianças e adolescentes aprendem nas competições a respeitar os adversários,
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companheiros, árbitros, dirigentes e todos os códigos, inclusive, as regras. É um
princípio que exorta a cidadania”.
Traçando este estudo pelas implicações da esportivização das práticas
corporais na sociedade moderna percebemos que ocorreram modificações sócio
culturais no esporte. Eis algumas que Tubino (2001, p.82) aponta:
a) A ampliação da dimensão social esporte-educação; b) O reconhecimento de um esporte social; c) A mídia, principalmente pela TV, passou a ser decisiva na difusão das práticas esportivas; d) Existe um mundo dinâmico dos esportes; e) O movimento por uma cultura da paz incorporou no Esporte um componente fundamental; f) O Esporte, localizado no setor terciário de serviços, passou a constituir-se num espaço ocupacional de trabalho crescente; g) Existe uma Ciência ou Ciências do Esporte.
Estas modificações trouxeram um dinamismo para o esporte onde praticantes,
eventos, profissionais, modalidades e mídia cresceram muito acompanhando este
fluxo. Podemos identificar algumas correntes de modalidades esportivas advindas
deste dinamismo esportivo:
Os esportes tradicionais; Esportes de aventura, natureza e radicais; Os esportes derivados de artes marciais; Os esportes motores; Os esportes intelectivos; Os esportes de criação nacional e identidade cultural; Os esportes de expressão corporal e música; Os esportes derivados de outros esportes (TUBINO, 2001, p.86).
Todas estas implicações e pluralidades dentro do mundo esportivo vêm
sofrendo constantes modificações com o passar do tempo, renovando ou ampliando
conceitos, trazendo novidades que podem ser utilizadas para uma melhor
compreensão do processo de esportivização atual.
2 BREVE HISTÓRICO E DESCRIÇÃO DA PATINAÇÃO RADICAL
O primeiro patins inline foi produzido por volta de 1700 quando um holandês
resolveu fazer uma simulação de patinação no gelo. Porém somente em 1980 é que
a patinação inline foi difundida nas modalidades: velocidade (speed), hóquei,
passeio (fitness), e radical (aggressive), onde:
Dois irmãos jogadores de hóquei sobre o gelo em Minessota, descobriram um par de patins in line quando faziam uma busca minuciosa pelas lojas de
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artigos esportivos. Eles perceberam então, que aqueles patins eram a ferramenta ideal para quem queria treinar hóquei sobre o gelo fora da temporada. Eles deram um melhor acabamento aos patins e passaram a fabricá-los na garagem de sua casa (REVISTA ROLLER 1996, p. 6).
Com a fabricação veio a divulgação do patins inline, e assim a patinação teve
grande popularidade nos anos 1990 nos Estados Unidos como mostra a matéria A
história do inline da Revista Roller de 1996:
Os patins Inline se tornaram um meio de locomoção bastante comum nas ruas das cidades e universidades americanas. Estudantes, médicos, artistas, pessoas idosas e até mesmo padres não resistiram a essa nova alternativa, seja por prática esportiva, transporte ou mesmo por puro lazer. [...] A patinação inline, juntamente com suas modalidades (street, vertical, speed, hóquei) está ganhando muitos adeptos. Com uma estimativa de 20 milhões de praticantes nos Estado Unidos, a patinação inline já é considerada um esporte (REVISTA ROLLER, 1996, p.6)
O crescimento da prática da patinação Inline nos Estados Unidos no início da
década de 1990 pode ser observado no quadro abaixo, divulgado na primeira edição
da Revista Roller:
O INLINE NOS ESTADO UNIDOS
ANO 1989 1990 1991 1992 1993 1994
NºPRATICANTES 3.065.000 4.307.000 6.212.000 9.364.000 12.559.000 18.773.000
CRESCIMENTO --- +40% +44% +51% +34% +50%
Fonte: Revista ROLLER 1996 p.7
Segundo a Revista supracitada, a patinação Inline no período entre 1989 e
1994 foi considerada o esporte que cresceu mais rapidamente nos EUA,
ultrapassando o futebol americano e o baseball, com 18.800.000 (dezoito milhões e
oitocentos mil) adeptos em 1994. O esporte teve um aumento de 50% de 1993 para
1994 e cresceu 500% desde 1989.
Obedecendo a linha do “gigante capitalista” (EUA), o patins inline se tornou
uma das práticas mais populares no mundo durante toda a década de 1990, onde as
fronteiras geográficas foram facilmente rompidas pelas botas com rodas. Vídeos,
revistas e até filmes (Manobra super radical, dirigido por Rob Bowman) foram
produzidos em várias partes do mundo, dando crescente visibilidade ao novo
esporte radical. No Brasil o patins inline se difundiu rapidamente, primeiramente nos
maiores centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, se
espalhando em seguida para as outras localidades brasileiras. Era muito comum a
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vinda de profissionais estrangeiros para o Brasil - principalmente dos Estados
Unidos e da Europa, para fazerem apresentações em shows, montados
exclusivamente para a divulgação de marcas relacionadas a prática da patinação
radical. É desta forma que a patinação radical toma conta do Brasil durante os anos
da década de 1990, virando uma febre nacional.
Em Belém, a patinação radical, assim como em todo o Brasil, começou a ser
praticada no início dos anos 1990 como modismo da patinação, entrando em
declínio por volta de 2002, continuando a praticá-la um número muito reduzido de
patinadores se comparando a época do seu surgimento.
Para fins de registro e entendimento científico da patinação radical como
esporte vejamos como é descrito no Estatuto Social da AAGIL este esporte:
Entende-se por Patinação Aggressive In-line para fins deste estatuto o esporte caracterizado por corridas, deslizamentos, paradas, saltos, giros e piruetas sobre diversos tipos de obstáculos e superfícies em diversas formas, posições e dimensões, praticado por atletas calçados com patins in-line e utilizando equipamento de proteção individual (AAGIL, 2006, p.1).
Importante observar na descrição da patinação radical pelo Estatuto AAGIL que
o uso de equipamento de proteção individual é colocado como uma característica
deste esporte, sendo que em competições o capacete torna-se obrigatório.
2.1 A ESPORTIVIZAÇÃO DA PATINAÇÃO EM BELÉM
Após o processo de popularização da patinação na década de 1990, algumas
entidades regulamentaram a patinação radical como esporte no mundo e no Brasil
como exemplo podemos citar a Aggressive Skaters Association (ASA) - associação
de patinadores radicais, que teve representação no Brasil com a ASA Brasil por um
pequeno período. Entretanto, antes da ASA Brasil, por volta de 1993, a professora
Cecília Maria Simplício começou em Brasília o primeiro processo de estruturação
básica da patinação radical, visando à prática regulamentada desta nova
modalidade esportiva no Brasil. Assim a professora Cecília Simplício conseguiu
incluir a patinação radical na Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação
(CBHP), formando seus árbitros, regulamentos e campeonatos. Porém a patinação
saiu de moda no início dos anos 2000 e a patinação radical decaiu em número de
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adeptos, fazendo com que atualmente não exista nenhuma representação da
patinação radical na Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação.
Neste contexto é que em 2005 os patinadores de Belém resolveram fundar a
AAGIL, mas percebemos durante a pesquisa que resolveram fazer diferente da
professora que tentou regulamentar o Aggressive Inline em Brasília na CBHP, pois
tudo indica que os patinadores paraenses notaram que já tinham identidade própria
e não deviam se unir a nenhuma outra modalidade da patinação (hóquei, passeio,
velocidade e artística) muito menos a outros esportes radicais por, provavelmente, já
se pensar na disputa interna de recursos que poderia haver. Então foi assim que
surgiu a primeira entidade apenas de patinação radical de Belém.
Tendo como premissa que o esporte situou-se na segunda metade do século
XX, como um dos mais relevantes fenômenos sociais do mundo, assim como
evidencia Tubino (2001), desta forma podemos afirmar que a fundação da AAGIL é
um acontecimento que leva a patinação radical de Belém da simples prática para a
entrada no rol dos esportes paraenses, e assim para sua incorporação à significados
sócio esportivos concretos.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo teve como enfoque o materialismo histórico dialético, que se
caracteriza pela abordagem crítica das mudanças históricas, sociológicas,
filosóficas, culturais e, principalmente, econômicas que o capitalismo trouxe para o
mundo atual. Estas transformações chegam até a patinação radical, pois de acordo
com o materialismo histórico dialético, o capitalismo impõe a qualquer atividade (seja
ela política, social, cultural ou esportiva) os moldes do modo de produção vigente.
Entenda-se por modo de produção “uma estrutura global, na qual existe sempre uma
estrutura regional que domina as demais.” (MINAYO, 2010, p.109). Sendo assim, o
centro desta pesquisa, a análise da organização da patinação radical, onde sujeitos
dentro da intimação imposta pelo sistema capitalista lutam pelos seus direitos de
poderem formalizar seu esporte, pois a única maneira dentro do modo de produção
vigente na sociedade moderna, de uma atividade física ser reconhecida como
esporte é se institucionalizando. É necessário adentrar nas vias burocráticas para se
chegar a um reconhecimento governamental, para depois poder ter direitos no
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âmbito esportivo, como por exemplo, lugares apropriados para a prática da
patinação radical.
A pesquisa abrangeu fatos históricos sociais dos agentes da patinação em
nossa sociedade, dando ênfase na relação entre indivíduo e a sociedade na
tentativa de se organizar esportivamente, onde podemos nos fundamentar em
Goldmann (apud MINAYO, 2010, p.112) que descreve o embasamento do
materialismo histórico dialético da seguinte maneira:
[...] os seres humanos não são apenas objeto de investigação, mas pessoas que constroem seu mundo, suas estruturas, suas ideologias e se enredam nelas [...] a vida social constitui o único valor comum que reúne os homens de todos os tempos e de todos os lugares (GOLDMANN apud MINAYO, 2010, p. 112).
Conforme a citação acima, percebemos que organizar a patinação radical
paraense criando uma entidade desportiva específica, é uma configuração dos
objetivos correspondentes a estruturação da vida social de indivíduos, sendo uma
construção humana significativa, pois entrelaça sujeitos e sociedade em valor
comum no momento em que se formaliza a prática da patinação radical.
A AAGIL por ser uma entidade desportiva, necessita de registros documentais
para se formalizar, são a Ata e Estatuto, e nestes documentos encontram-se
importantes informações para a compreensão da organização da patinação radical
paraense. Sabendo-se disso foi adotada a pesquisa documental como tipo de
pesquisa onde Gil (2007) afirma que:
[...] assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser
reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 2007).
Sendo assim, a fonte de dados foi o Estatuto Social de fundação da AAGIL, e
após a seleção do documento começou a análise de conteúdo, técnica utilizada
como forma de análise de dados. Situando que a análise de conteúdo diz respeito às
“técnicas de pesquisa que permitem tornar replicáveis e válidas inferências sobre
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dados de um determinado contexto, por meio de procedimentos especializados e
científicos”. Vejamos a definição de análise de conteúdo:
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas
mensagens (BARDIN, 1979 apud MINAYO, 2010 p.303).
Os procedimentos metodológicos da análise de conteúdo nesta pesquisa são
os seguintes: O primeiro passo foi selecionar as unidades de registro, separando-as
por temas, onde dentro do estatuto da AAGIL foram selecionados todos dados que
fazem relação com os objetivos específicos da pesquisa. O segundo passo foi a
definição das categorias de análise, escolhidas a posteriori. O terceiro passo foi a
decomposição dos dados obtidos no estatuto através de unidades de contexto
relacionando-os com as categorias de análise. O quarto passo foi a análise dos
dados obtidos.
Desta maneira o artigo divide-se em quatro seções principais e suas sub
seções que estão articuladas no sentido de compreender com rigorosidade nosso
objeto de estudo. Na primeira seção esclarecemos sobre o processo de
esportivização onde trazemos a conceituação de esporte, as caracterizações e
contextualização do esporte na sociedade capitalista. Trazemos também o
associacionismo esportivo e a institucionalização para fundamentar a pesquisa e
podermos discutir sobre a patinação radical como esporte, fazendo um diálogo com
autores selecionados que discutem os conceitos do fenômeno esportivo moderno. A
segunda seção traz um pouco da história dos esportes radicais no mundo e da
chegada da patinação radical até Belém, em seguida é tratada a discussão sobre os
registros das primeiras manifestações de esportivização da patinação radical através
de entidades esportivas específicas de patinação radical no mundo. A terceira seção
descreve como é o estatuto AAGIL. A próxima descreve o processo de análise do
estatuto da AAGIL, a seleção dos pontos mais importantes para análise e quais
categorias foram utilizadas para análise. Finalizando temos a conclusão, onde neste
momento é feita uma reflexão em cima dos resultados da analise do estatuto,
trazendo um debate sobre o estatuto e sua significação perante a institucionalização
da patinação radical em Belém.
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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
PATINAÇÃO RADICAL EM BELÉM A PARTIR DA ANÁLISE DO ESTATUTO DA
AAGIL
Um Estatuto Social de uma entidade sem fins lucrativos, como a AAGIL, é um
documento que da origem, certifica, descreve e ainda fixa as responsabilidades,
direitos e deveres da entidade e tudo que esta relacionada a ela. Por esta razão
para se estudar a organização da patinação radical em Belém é necessário analisar
este documento que oficializa a patinação radical de Belém como esporte. O
Estatuto Social da AAGIL contém 10 capítulos (denominação, fins, sede, natureza,
objetivo, duração, das insígnias, da competência, da organização, vida e poderes,
dos direitos e deveres, da formação e vigência das normas e resoluções, do regime
econômico e financeiro e do exercício financeiro, do patrimônio, das disposições
transitórias, e das disposições finais) e 6 seções (da assembleia geral, da ordem
desportiva, da justiça desportiva, do conselho fiscal, da diretoria executiva, da vice
presidência, diretores e secretário).
A análise de conteúdo foi feita tomando como referência de unidades de
registro o tema, onde “O tema é a unidade de significação que se liberta
naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de
guia à leitura” (BARDIN apud MINAYO p. 315). Esta etapa “consiste em descobrir os
núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência
signifi quem alguma coisa para o objeto analítico visado.” (MINAYO, 2010, p.316).
Após delinear os temas foram realizadas novas leitura no material de análise, a qual
chamamos de pré-análise que
Consiste na escolha dos documentos a serem analisados e na retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa. O investigador deve se perguntar sobre as relações entre as etapas realizadas, elaborando alguns indicadores que o orientem na compreensão do material e na interpretação final. (MINAYO, 2010, p.316).
Assim pudemos elencar a posteriori as categorias “que são expressões ou
palavras significativas em função das quais o conteúdo de uma fala será organizado”
(MINAYO, 2010, p.317). As categorias são: fatores sócios econômicos e políticos;
quanto a formação da AAGIL e os processos decisórios; padronização e
democratização da prática esportiva.
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3.1 – FATORES SÓCIOS ECONÔMICOS E POLÍTICOS
Após a pré-análise percebemos a categoria de fatores sócios econômicos e
políticos que envolvem a prática da patinação. Vejamos o que se encontra registrado
no Artigo 2º do material analisado sobre os principais problemas sócios econômicos
e políticos que a patinação radical vinha passando em Belém.
I) Carência de apoio aos atletas; II) Deficiência na divulgação do esporte; III) Desinteresse dos atletas pelas questões organizacionais; IV) Deficiência na elaboração de calendário de eventos; V) Dificuldade financeira para adquirir materiais e equipamentos; VI) Deficiência no conhecimento técnico sobre como são feitas as manobras; VII) Deficiência na estrutura para evolução de atletas; VIII) Pouco conhecimento das regras de arbitragem; IX) Relação difícil entre atleta e família; X) Carência de informação aos atletas; XI) Carência de seriedade de atletas. (AAGIL, 2006. p.1).
Estes fatores estão expostos no estatuto de fundação da AAGIL pelo fato de ter
sido realizado um estudo pela comissão pró-fundação da AAGIL onde estes
problemas foram detectados. Estes foram os motivos que, conforme demonstra o
Estatuto, levaram os patinadores a esportivizar o patins radical, onde esta
esportivização viria para minimizar tais problemas. Porém, contraditoriamente,
esportivizar a patinação radical em Belém não sanará estes problemas, porque
institucionalizar uma prática corporal nos moldes do esporte moderno significa dizer
que existirá uma parcela de praticantes que o praticarão dentro do conceito de
esporte de rendimento, o esporte de competição, que segundo Tubino (1993, p.28):
O esporte de rendimento é disputado obedecendo rigidamente às regras e aos códigos existentes, específicos de cada modalidade esportiva. Por isso é considerado um tipo de esporte institucionalizado, do qual fazem parte federações internacionais e nacionais que organizam as competições no mundo todo.
Desta maneira podemos perceber que institucionalizar a patinação radical, num
primeiro momento aparenta apenas levar regras aos praticantes da patinação, o que
acarreta algumas consequências como, ditar a maneira com que o patinador execute
as manobras padronizando a execução das mesmas, estabelecendo padrões de
estilo, consistência, dificuldade e criatividade; padronização de obstáculos tornando
monótona a prática; e principalmente o reforço do conceito de que existe sempre um
campeão, o que não é benéfico para as crianças por exemplo pois se não
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alcançarem os primeiros lugares incorporam o padrão de perdedores podendo
trazer malefícios em seu crescimento.
Porém os fatores que levaram a criação da AAGIL, listados no artigo 2º,
também demonstram a relevância social que uma entidade como a AAGIL pode vir a
exercer no desenvolvimento do esporte. Para Tubino (2001, p.44) é possível
identificar aspectos positivos no esporte de rendimento:
a) O esporte de competição ou performance, ao ser reconhecido como atividade cultural, será sempre um meio de progresso nacional e de intercâmbios internacionais; b) A organização esportiva comunitária não deixa de ser um fator de fortalecimento da sociedade (desde que tenha legitimidade); c) Existe o envolvimento da vários tipos de recursos humanos qualificados, provocando a existência de várias profissões de especialistas esportivos; d) Ao causar uma indústria do esporte, chegando até produtos de grande sofisticação, favorece o crescimento de mão de obra especializada; e) É um fator de geração de turismo; f) Pelo fenômeno chamado efeito-imitação, exerce grande influência no esporte popular.
Este é um ponto de vista do capital, e apesar de demonstrar coerência,
vejamos o que diz Nogueira (2011, p.113) sobre o esporte em uma visão de
transformação da atual conjuntura sócio econômica e política:
(1) As políticas públicas para o desenvolvimento humano são também políticas de esporte. Como forma de combater processos históricos de marginalização e exclusão, a criação de possibilidades para a prática esportiva deve permitir o acesso de todos, independente da raça, classe, gênero, idade, necessidade especial; (2) o esporte como um bem cultural pode ser trabalhado na perspectiva do desenvolvimento humano, pela promoção de experiências focadas na participação, no processo, na formação de grupos heterogêneos, na cooperação, na convivência com o distinto e com o diverso; (3) o esporte é fruto de projetos e intencionalidades, o trabalho proposto e realizado pode se pautar na solidariedade, respeito ao próximo, valorização da pluralidade cultural e da vida saudável; (4) o esporte é uma ferramenta tornada indispensável para a construção de oportunidades em que as pessoas são convidadas a participarem na condição de agentes; (5) o esporte pode ser praticado em diversos espaços, particularmente os públicos, o que exige uma qualificação desses espaços e dos profissionais que nele atuam; (6) a prática esportiva exige a capacitação de técnicos e professores, o incentivo à pesquisa, intercâmbios e cursos, clareza na gestão de recursos públicos, etc, abrindo espaços para a qualificação profissional e geração de emprego e renda.
Assim colocando em confronto os fatores que determinaram a criação da
AAGIL e suas possíveis mazelas e benfeitorias trazidas pelos referenciais, percebe-
se que, aparentemente, houve boa intenção por parte dos patinadores em
institucionalizar a patinação radical, pois sanando os problemas que a AAGIL se
dispõe a resolver dariam melhores condições de prática no esporte.
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Na categoria de fatores sócios econômicos e políticos observamos ainda,
através dos dados obtidos na unidade de registro, o reflexo do sistema capitalista
influenciando diretamente a prática da patinação, seja na carência de apoio aos
atletas, na dificuldade de aquisição do próprio patins e equipamentos ou na
deficiência na estrutura para evolução de atletas. Como exemplo vejamos de que
maneira ocorre a aquisição de um patins para manobra por um patinador que more
em Belém: Primeiramente é necessário frisar que existe apenas uma marca de
patins nacional, e que esta marca brasileira produz patins de baixa qualidade, ou
seja, o desgaste é rápido, quebra com facilidade, além de ser muito pesado.
Sabendo disso o patinador necessita comprar patins de marcas de fora do Brasil, e
para isso existe duas alternativas: ou se compra dos representantes das marcas
aqui no Brasil, ou se compra pela internet direto do exterior. Nas duas opções a taxa
de importação é cobrada em 60 % (sessenta por cento) em cima do valor final da
compra, então se o patins mais barato a ser comprado custa 500 reais o valor pago
será 800 reais (500 + 300 de taxa). Percebemos que existe um procedimento caro
na aquisição de equipamentos e patins, e com isso o patinador fica refém do sistema
capitalista não tendo um acesso fácil para praticar o esporte com um equipamento
de qualidade.
No tema político os dados analisados nos remete a questão dos poucos locais
para a prática da patinação radical denominado skate park1. Nesta discussão sobre
os espaços e equipamento de lazer, Marcellino (2008), coloca que “A grande maioria
das nossas cidades não conta com um número suficiente de equipamentos
específicos de lazer para o atendimento à população.” (p. 140). A primeira vista cabe
a AAGIL intervir, através de projetos, nas secretarias responsáveis pela estruturação
esportiva em Belém, pedindo mais espaços para a prática do esporte da patinação
radical, entretanto não é simples, pois esta discussão avança e conforme diz
Marcellino (2008, p.157):
[...] é através das políticas públicas que os bens e serviços são distribuídos ou redistribuídos, de acordo com as demandas da sociedade. Interessa a este trabalho buscar formas de construir relações de reciprocidade e antagonismo entre as esferas envolvidas, ou seja, Estado e Sociedade civil.
1 É um equipamento de lazer com rampas, transições e corrimãos para a execução das
manobras com patins.
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Portanto constatamos que a questão dos locais apropriados para a prática da
patinação radical adentra a questão das políticas públicas de esporte e lazer, na
qual a AAGIL é a representação oficial dos patinadores (sociedade civil) perante o
Estado. Assim uma saída seria a AAGIL se fortalecer com outras entidades
(institucionalizadas) da esfera dos esportes radicais para mostrarem que existe uma
demanda da sociedade que necessita de mais espaços e equipamentos de lazer
para praticarem e evoluírem em suas práticas esportivas.
3.2 QUANTO A FORMAÇÃO DA AAGIL E OS PROCESSOS DECISÓRIOS
Através dos dados da unidade de registro, de uma maneira geral percebemos
que a organização da AAGIL, segundo seu estatuto, tem uma estrutura formal onde
pessoas com funções diferenciadas atendem as responsabilidades organizacionais
de acordo com a necessidade. No contexto da formação observamos que a AAGIL
não tem fins lucrativos e delimita seu espaço de atuação no estado do Pará.
Ainda quanto à formação, “A AAGIL se fundamentará nas diretrizes do comitê
Olímpico Brasileiro e legislação desportiva brasileira.” (AAGIL, 2006. p.1). É
importante ressaltarmos que quando é dito que a AAGIL se fundamenta nas
diretrizes do Comitê Olímpico Brasileiro, estão sendo lembrados os princípios de
padronização, organização e principalmente o espírito do olimpismo. O ideário do
movimento olímpico, conforme Tubino (1993), consiste em acreditar “no poder do
esporte para estimular a convivência humana”, assim como “competir é essencial e
vencer secundário”. Ainda dentro das diretrizes do Comitê Olímpico brasileiro que a
AAGIL adere temos a ética esportiva, e o jogo limpo, chamado de fair-play. A ética
esportiva para Tubino (2001) “é entendida como a ciência da conduta moral das
pessoas na prática do esporte” conceito que nasceu com o associacionismo
moderno onde foram formados os clubes e entidades desportivas. Existe o
desvirtuamento desta ética esportiva com o doping e o suborno, onde Tubino (1993)
diz: ”quanto ao doping, pode-se dizer que é o flagelo do esporte moderno de
competição, pois provoca fraudes nos resultados, criando falsos vencedores [...]”.
Porém a patinação radical ainda não é um esporte de massa, popular o bastante
para existir este problema, entretanto quando houver a necessidade de se observar
tais procedimentos, a AAGIL garante as penalidades em seu Estatuto, obedecendo
a Justiça Desportiva seguindo o padrão do Comitê Olímpico Brasileiro. No Estatuto
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AAGIL é descrito: “Com o objetivo de manter a Ordem Desportiva [...] no Art. 48 da
Lei Federal 9.615 de 24/03/98: A- advertência B- Censura escrita C- Multa D-
Suspensão E- Desfiliação” (AAGIL, 2006. p.4).
Os processos decisórios dizem que a Assembleia geral, tem poder de decisão
onde os participantes têm as “finalidades eleger e empossar os gestores da AAGIL,
assim como destituí-los, aprovar ou reprovar suas contas, alterar estatutos e decidir
as pautas a ela encaminhada” (AAGIL, 2006. p.3). É necessário frisar que estes
participantes são os fundadores, filiados e as pessoas que possuem cargo dentro da
entidade, onde na Assembleia geral ou em qualquer outra decisão só tem voz e voto
quem é filiado a no mínimo 1 (um) ano ou seja fundador da entidade. Também estão
impedidos de representarem nas assembleias os que estejam cumprindo penas
impostas pela AAGIL, assim como os menores de dezoito anos. Isto mostra um
processo de decisões rígido pelo fato de novos filiados terem que esperar um ano de
exercício para terem voz e voto. O conselho fiscal faz pareceres, examina
documentos entre outros procedimentos burocráticos. Fechando o formato da
organização da AAGIL vem a diretoria executiva que é composta pelo Presidente,
Vice-presidente, Diretor administrativo e financeiro e Secretário. Os cargos da
diretoria executiva são formais e eleitos de dois em dois anos, segundo o estatuto.
Todos os cargos que compõem a AAGIL são constituídos “por pessoas físicas
residentes no Estado do Pará.” (AAGIL, 2006, p.1).
3.3 PADRONIZAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DA PRÁTICA ESPORTIVA
Com a intenção de verificar quais os objetivos pretendidos pela entidade
representativa da patinação radical em Belém do Pará elencamos a terceira
categoria de análise - Padronização e democratização da prática esportiva. Esta
categoria abre um leque de discussões sobre as dimensões sociais do esporte -
esporte-rendimento, esporte-educação e esporte-participação, (TUBINO, 2001) e
suas respectivas importâncias na sociedade.
Através dos dados obtidos no Estatuto, percebemos que os objetivos da AAGIL
estão bem esclarecidos e explicados através dos verbos de ação, tendo inclusive o
capítulo e artigo específico com os objetivos da AAGIL:
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A AAGIL tem os seguintes objetivos sociais no Estado do Pará: A- Cultivar a prática do desporto da patinação Aggressive Inline, buscando a implantação e a padronização de procedimentos técnicos e desportivos. B- Promover ações de pesquisa e extensão visando a preservação e difusão dos valores culturais, educacionais e desportivos da Patinação Aggressive Inline. C-Promover e fomentar a prática desportiva da Patinação Aggressive Inline entre os filiados, assim como posicionar-se na elaboração de políticas públicas municipais, estaduais, nacionais e internacionais para o desporto, a cultura, a educação e as relações internacionais, no que se relacionar com a Patinação Aggressive Inline em seus múltiplos aspectos. D- Organizar a prática regular das competições desportivas de patinação aggressive inline, bem como a aplicação de suas regras competitivas, observando os princípios do Fair Play, estabelecidos pelo jogo limpo, honesto e justo. E-Defender, relativamente aos patinadores e seus familiares, direitos coletivos relacionados ao consumidor, meio ambiente, saúde, transporte, utilização de vias e espaços públicos, segurança, trabalho, previdência, educação e habitação. F- Avocar para sí todos os trabalhos da comissão pró fundação da federação paraense de Patinação Aggressive In-line, inclusive a tarefa de eliminar ou minimizar os efeitos dos seguintes problemas detectados por aquela comissão, relativamente a Patinação Aggressive In-Line: (AAGIL, 2006, p.1).
É relevante evidenciar que os dados obtidos no Estatuto mostram que existe
por parte da AAGIL a preocupação com o significado social do esporte, não se
restringindo apenas ao esporte competitivo (rendimento). É esta abrangência de
fatores sociais que os estudiosos do esporte chamam de ampliação do fenômeno
esportivo, onde um elenco maior de aspectos passa a fazer parte das práticas
esportivas. Cotta (1981, apud TUBINO 2001) dissecou o fenômeno social do
esporte, dizendo que ele:
A- É um meio de socialização; B- favorece, pela atividade coletiva, o desenvolvimento da consciência comunitária; C- é uma atividade de prazer, ativa para os praticantes e passiva para os que assistem aos espetáculos esportivos; D- exerce uma função de coesão social, ora favorece a identificação social, ora representando simbolicamente o corpo esportivo da nação; E- desempenha um papel de compensação, pelo prazer, contra o excesso de industrialização. (COTTA 1981 apud TUBINO 2001).
Existem outros autores que trazem as relevâncias sociais do esporte, como diz
Carzola (1979) que fundamenta dizendo “[...] pela dupla perspectiva, como
fenômeno social universal e como instrumento de equilíbrio social; [...] pelos valores
que o esporte leva a sociedade; pelo impacto social do associacionismo social [...]”
(CAZORLA 1979 apud TUBINO 2001).
Neste contexto o Estatuto traz a informação de que a AAGIL pretende
promover e fomentar a prática desportiva da patinação radical, posicionando-se na
elaboração de políticas públicas, entre outros aspectos, na educação. Isto traz a
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concepção educacional do esporte, onde inserido na escola torna a prática um
processo educativo na formação das crianças e adolescentes. Pode-se fazer
referência aqui ao esporte-educação, onde é observado o esporte no seu maior
aspecto socioeducativo. O esporte-educação “[...] se baseia em princípios
educacionais, como participação, cooperação, co-educação, integração e
responsabilidade.” (TUBINO 1993). Num futuro próximo seria muito rico para a
patinação a AAGIL colocar a mesma dentro da escola, através de projetos ou
mesmo na educação física, os valores ditos em seu Estatuto. Enquadra-se
perfeitamente no âmbito da patinação escolar uma das competências da AAGIL,
previstas no Estatuto: “Zelar para que Desporto da Patinação Aggressive Inline seja
praticado como instrumento de cidadania, interação, inclusão social e harmonização
entre as pessoas” (AAGIL, 2006. p.2).
O esporte-participação ou esporte popular, por sua vez é apoiado na
ludicidade da prática, tem relações com o lazer e o tempo livre, “[...] ocorre em
espaços não comprometidos com o tempo e fora das obrigações da vida diária [...]”
(TUBINO, 2001, p.38). Vejamos sua definição conforme Tubino (1993, p.27): “Esta
manifestação esportiva não tem compromisso com regras institucionais ou de
qualquer tipo e tem na participação o seu sentido maior, podendo promover por meio
dela o bem-estar dos praticantes, que é sua verdadeira finalidade.”.
Nesta dimensão de participação a AAGIL nem precisa de grandes esforços
para evidenciar, pois patinar por prazer já é vivenciado pelos patinadores desde a
criação do patins, pois o mesmo é considerado uma atividade de diversão, distração
e bem estar. Cabe a AAGIL manter a possibilidade das pessoas terem acesso a este
aspecto lúdico da patinação.
Sobre a padronização da prática da patinação radical existe ainda uma
parcela dos praticantes da patinação radical que, apoiados na ideia de ser uma
prática individual criada nas ruas, acham que a patinação radical não deve ser
institucionalizada pois, aparentemente, isto fará com que o esporte de rendimento
predomine, levando o praticante a perder o lifestyle, (estilo de vida) ideia onde a
pessoa patina para si, por pura diversão, não para árbitros de uma competição.
Porém mesmo o patinador radical sem vínculo com campeonatos assemelha-se com
um atleta de rendimento, pois é uma modalidade da patinação que exige uma
grande preparação física e psicológica; física pelo alto impacto ocasionado pela
manobras (e pelos erros das mesmas, geralmente seguido de quedas com traumas)
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e psicológico pelo desafio constante na superação dos medos para se aprender uma
manobra nova ou descer um obstáculo onde o patinador ainda tenha dificuldade.
Nada impede que o patinador após a competição faça seu treino com os amigos ou
aprenda uma manobra nova apenas para sua satisfação pessoal. Devemos usar o
bom senso para poder separar o esporte-rendimento usado como recurso político-
ideológico por parte dos governantes e instituições privadas, do esporte-rendimento
que exige disciplina, treinamento, dedicação, obtenção de resultados, levando o
homem a testar os limites dentro de uma segurança estabelecida pelas regras, que
envolve a ciência do esporte e profissionais que trabalham dentro do âmbito que vai
desde a saúde e nutrição ao aspecto psicológico e fisiológico.
Assim podemos dizer que a AAGIL concretizando seus objetivos sociais não
trará somente campeonatos e eventos de patins, exacerbando o rendimento
esportivo, e sim utilizando a patinação radical como meio de democratização, o
esporte como cultura e seus múltiplos aspectos, como instituição social de um grupo
de pessoas que utilizam os patins seja para lazer, entretenimento, recreação,
educação, saúde ou competição.
4 CONCLUSÃO
A pesquisa desenvolveu a análise da organização da patinação radical em
Belém através das categorias de análise que são: os fatores sócios econômicos e
políticos; a formação da AAGIL e os processos decisórios; e a padronização e
democratização da prática esportiva. Desta maneira delineamos o processo de
esportivização da AAGIL abrangendo o sistema da legislação desportiva brasileira,
que exige o registro em cartório do Estatuto e Ata da entidade desportiva, para que a
patinação radical se torne um esporte reconhecido.
Conseguimos demonstrar que institucionalizar a patinação radical em Belém
não resolverá os problemas vivenciados nesta prática, porque transformar a
patinação em esporte significa, primeiramente, inseri-la no contexto das
competições, ou seja, transforma-la em esporte de rendimento. Porém, vimos
através dos referenciais teóricos que normatizar uma prática esportiva agrega
também aspectos positivos como: organização esportiva comunitária como
fortalecimento da sociedade, envolvimento de recursos humanos qualificando a
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existência de profissões no âmbito esportivo, o turismo, e o efeito imitação do
esporte que influencia no esporte popular.
Na questão dos locais apropriados para a prática da patinação radical e as
políticas públicas envolvidas, constatamos que é necessário a AAGIL se relacionar
com outras associações, federações e qualquer outra entidade de esportes radicais
para demonstrarem ao poder público que existem manifestações esportivas que
necessitam de espaços especializados para a prática.
No que diz respeito a maneira de formação da AAGIL vimos que a mesma
prima pelos princípios do ideário Olímpico, no qual a organização é fundamental;
onde importante é competir e não vencer, acreditando-se que o esporte contribui
para a convivência humana. Os processos decisórios são rígidos pelo fato de novos
filiados não fazerem parte, pois têm que esperar um ano de exercício para terem
voz.
Durante a análise do Estatuto foi constatado que o objetivo principal da AAGIL
é a padronização e democratização da prática da patinação radical, onde são
observadas as manifestações sociais do esporte, que passam pelo esporte-
rendimento, esporte-educação e esporte-participação (TUBINO, 2001).
.Existem consequências na esportivização da patinação radical, onde a
questão não está se a institucionalização traz avanços ou retrocessos, existe sim a
necessidade de uma postura política perante os problemas existentes para a prática
da patinação e os esportes radicais, que não dependem apenas se o patinador é
competidor ou quer se divertir com seus patins.
Observando a lista de problemas detectados pela comissão de fundação da
AAGIL percebemos que existem problemas que se relacionam com o modo de
organização da sociedade capitalista. Assim a AAGIL não tem competência na tarefa
de eliminar ou minimizar tais problemas, pois são problemas que estão enraizados
na forma de organização social que estamos inseridos. Os problemas detectados na
patinação radical em Belém não são problemas exclusivos desta prática, são
problemas da sociedade, desta forma a AAGIL deve se aproximar de ferramentas
socioeducativas para trabalhar com os patinadores, como por exemplo, formular
projetos de inclusão da patinação em segmentos da sociedade, chegando até a
escola e as comunidades, sempre observando que a prática esportiva é um direito
de todos, segundo o artigo 217 da Constituição Brasileira de 1988.
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Assim, através desta pesquisa pode-se constatar que a patinação radical em
Belém está institucionalizada por lei através da fundação e registro da AAGIL em
cartório. Através desta pesquisa tivemos a compreensão de que o fenômeno
esportivo moderno é uma manifestação cultural muito importante para a sociedade,
onde a institucionalização da patinação radical paraense é apenas a parcela formal
pela qual a patinação radical pode apontar. A outra parcela, a prática não formal,
continuará existindo, pois no Estatuto AAGIL não existe nenhum artigo que queira
desestimular a prática recreativa da patinação radical. Portanto podemos afirmar que
não será a institucionalização da patinação radical que irá acabar com os problemas
existentes na prática da mesma, pelo fato dos problemas estarem relacionados com
os problemas gerais da sociedade que vivemos. Todavia a institucionalização é um
dos primeiros passos para que se tome uma posição, onde tais problemas sejam
minimizados.
The Organization of Skating in Belém
ABSTRACT
This work aims to analyze the organization of radical skating in Belém. In the methodological procedures used was the focus of historical and dialectical materialism in documentary research, analyzing the social status of the founding of the Association of Pará Aggressive InLine – AAGIL. The objective of this research is to bring understanding of how the process of institutionalization was skating radical in Belém. Through theoretical theis concepts of the sport along with its dimensions It was possible to determine which objectives and consequences of formalizing the practice of skating in Belém, taking into consideration that phenomenon represents modern sports to the twentieth century. Keywords: sport; skating radical; institutionalization.
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