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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL NOVA CONCEPÇÃO DE JURISDIÇÃO JOSÉ HERVAL SAMPAIO JÚNIOR FORTALEZA, CE JULHO - 2007

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZUNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFORCENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICASPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

NOVA CONCEPÇÃO DE JURISDIÇÃO

JOSÉ HERVAL SAMPAIO JÚNIOR

FORTALEZA, CE

JULHO - 2007

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JOSÉ HERVAL SAMPAIO JÚNIOR

NOVA CONCEPÇÃO DE JURISDIÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UNIFOR, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação do professor José de Albuquerque Rocha.

FORTALEZA, CEJULHO - 2007

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Aos meus pais, José

Herval Sampaio e Maria

Eurisene Braga Sampaio,

pelos exemplos de vida e

dedicação perene a

minha formação humana

e educacional.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador professor José de Albuquerque Rocha pelas lições técnicas e de

vida, bem como, de forma especial, pela confiança em nosso potencial.

Aos professores do curso que não envidaram esforços contínuos para o nosso

aprendizado.

Aos meus amigos e colegas de magistratura, Pedro Caldas e Cornélio, pela

orientação espiritual nos momentos difíceis desse caminho.

Ao corpo administrativo do Mestrado nas pessoas de Virgínia, Eduardo e Luis

Carlos.

Aos meus colegas de mestrado que sempre me incentivaram durante todo o curso e

que hoje tenho a alegria de tê-los como amigos.

À Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, pelo apoio incondicional nesta

empreitada.

Ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, pela sensibilidade de me conceder

afastamento para melhor desempenho dos trabalhos acadêmicos.

Aos meus irmãos, Luzardo e Regina, que nesses dois anos de convívio em

Fortaleza me deram a força necessária para a conclusão desse projeto.

Aos meus tios, Eider e Euricleía, os quais, com carinho e amor, estimularam-me

nesse período.

Aos meus queridos alunos que são a razão de ser de minha vida acadêmica.

Aos colegas professores da UERN que, em nossas discussões, sempre foram

solícitos.

Ao professor Antônio Alvino pela profícua ajuda na parte formal deste trabalho.

Aos meus colegas juizes que juntos desejam fazer da jurisdição um serviço público

realmente efetivo.

A minha namorada Cheina Patrícia por seu apoio nesses últimos dias de elaboração

do trabalho.

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“Os caminhos da libertação são os

do oprimido que se libera; ele não é

coisa que se resgata, é sujeito que

se deve autoconfigurar

responsavelmente”.

(FREIRE, 1999)

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RESUMO

A visão tradicional com que a doutrina processual enquadra a função jurisdicional

não mais se compatibiliza com os anseios da nossa sociedade, principalmente, com

o Estado Constitucional Democrático de Direito, sendo imperioso que se reflita sobre

a nova postura do juiz diante dos conflitos que lhe são impostos, bem como a

própria concepção do que seja Direito e qual sua precípua função dentro das

comunidades contemporâneas. Dessa forma, a idéia de que a jurisdição deve-se

limitar a desvelar a vontade da lei no caso concreto, quer pela sua atuação em

específico, quer criando a norma individual para o caso em exame, compondo a lide

de forma justa, não pode prevalecer ante os desafios que a Constituição impõe ao

Poder Público com o fito de implementar os direitos e garantias fundamentais do

cidadão, dentre eles, o direito a um pleno acesso à Justiça em caso de qualquer

ameaça ou violação a direito, ou seja, um direito fundamental à tutela jurisdicional

protetiva dos direitos. Por outro lado, somente se atingirá um resultado eficaz nesse

sentido, se houver radicalmente uma mudança da própria função que o Direito deve

assumir na sociedade contemporânea e, notadamente, na sua interpretação e

aplicação, sem que o mesmo se limite à operação formal de que a lei é a solução

para todos os casos. Analisa-se, desse modo, a evolução dos princípios em todas

as suas nuanças de modo a destacar sua convivência regular com as regras,

todavia, demonstra-se que o exegeta precisa não só conhecer a essência destes,

mas procurar extrair a sua máxima eficácia, principalmente os constitucionais, que

irradiam suas vontades sobre as demais, contudo deve necessariamente atribuir

sentido a eles em cada caso concreto, pois texto e norma são coisas distintas.

Assim, ao se tratar da cognominada “nova hermenêutica”, que tem suas raízes

constitucionais, verifica-se a desnecessidade, como pensam alguns, de abandonar a

hermenêutica clássica, pois ambas possuem métodos que podem conviver em

harmonia e são extremamente necessárias para a concretização dos pilares

constitucionais e, por conseguinte, a prevalência dos seus valores no ordenamento

jurídico. Com a nova realidade, de uma sociedade pluralista e baseada no imanente

escopo de realização dos direitos fundamentais, torna-se indispensável o surgimento

de um cabedal instrumental de técnicas interpretativas que não só compreendam o

sentido das normas, mas, quando necessário, concretizem de plano seu comando,

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dando sentido ao caso específico, banindo-se a idéia de que a interpretação se

subsume a reprodução de uma vontade preestabelecida, respeitando, por outro

lado, a separação dos poderes e principalmente o princípio democrático. Para tanto,

o hermeneuta tem que, inarredavelmente, assumir novos compromissos a fim de

que a jurisdição possa ser eficaz para o seu desiderato de efetivamente tutelar os

direitos. Nesse sentido, é importante que a jurisdição constitucional, em razão do

princípio da supremacia constitucional, passe a ser uma constante em toda

operação da atividade jurisdicional, eis que todos os meios de interpretação, em

sentido amplo, têm como escopo a manutenção da estrutura constitucional, que

deve ser compreendida como o “lócus” hermenêutico, tudo para que as

necessidades de direito material, em cada caso concreto, sejam asseguradas.

Palavras chaves: Princípios. Hermenêutica. Jurisdição Constitucional.

Concretização. Jurisdição. Direitos e Garantias Fundamentais. Sistema Aberto de

Normas. Técnicas Processuais. Tutela de Direitos. Constitucionalização do Direito.

Neo-processualismo

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ABSTRACT

The traditional vision with that the procedural doctrine fits the jurisdictional function

not more makes compatible with the yearnings of our society, mainly with the

Democratic Constitutional State being imperious the reflection about the new posture

of the judge before the conflicts which he has to handle with as well as the

conception of what is Law and which is your main function inside of the contemporary

communities. In this way, the idea that the jurisdiction must be limited to show the will

of the law in the concrete case, for an specific case or creating the individual rule for

the case in examination, solving the conflict in a fair way cannot prevail before the

challenges that the Constitution imposes to the Public Power with the objective to

implement the rights and basic guarantees of the citizen, amongst they, the right of a

full access to Justice in case of any threat or violation of rights, that is, a fundamental

to the jurisdictional protection of rights. On the other hand, an efficient result in this

direction will only be reached if a radical change of the function of Law must assume

in the contemporary society and remarkable in its interpretation and application

without limitation to the formal idea that the law is the solution for all the cases. One

analyzes, in this way, the evolution of the principles in all its nuances in order to

detach its regular acquaintance with rules. However, one demonstrates that exegete

not only needs to know their essence, but try to extract its maximum effectiveness,

mainly the constitutional ones, that radiate its wills on the others. Although must

necessarily attribute meaning to them in each concrete case, because text and rule

are distinct things. Thus, dealing with the so called “new hermeneutics”, that has its

constitutional roots, one verifies unnecessaryness, as some think, to abandon the

classic hermeneutics because both possess methods that can coexist in harmony

and are extremely necessary for the concretion of constitutional basis and, therefore,

the prevalence of its values in the legal system. In the new reality, of a society

pluralist and based in the immanent objective of accomplish the basic rights, its

necessary the sprouting of one instrumental tradition of interpretive techniques that

not only understand the meaning of rule, but, when necessary, realize immediately

your order giving sense to the specific case banishing the idea that interpretation is

under a present will respecting, on the other hand, the separation of powers and,

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mainly, the democratic principle. For in such a way, the hermeneutics scholar has to

sturdily assume new commitments with the objective that jurisdiction can be efficient

for its desire of effectively protect the rights. In this way, it is important that the

constitutional jurisdiction, in reason of the principle of the constitutional supremacy,

pass to be a constant in all operation of the jurisdictional activity, therefore all the

ways of lato sensu interpretation have as target the maintenance of the constitutional

structure, that must be understood as the hermeneutic “lócus”; all this to assure the

needs of the material right in the concrete case.

Keywords: Principles. Hermeneutics. Constitutional jurisdiction. Concretion.

Jurisdiction. Fundamental Rights and Guarantees. Open system of Rules. Procedural

techniques. Protection of Rights. Constitutionalization of Law. Neoprocessualism.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E TEORIAS SOBRE A JURISDIÇÃO 1.1 Delimitação do tema e considerações iniciais sobre a atividade jurisdicional

...............................................................................................................................13

1.2 Teorias clássicas da jurisdição........................................................................ 24

1.3 Estado liberal e supremacia da legislação...................................................... 29

2. A COMPREENSÃO HODIERNA DO DIREITO E O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO COMO PREMISSAS DA NOVA CONCEPÇÃO DE JURISDIÇÃO2.1 O Conceito atual de direito e o pós-positivismo (crítico) ................................ 34

2.2 O constitucionalismo contemporâneo e suas transformações........................ 41

2.3 O sentido do termo constitucionalização do direito e seus reflexos................ 47

2.4 Aspectos jurídicos do Neo-Constitucionalismo e Neo-Processualismo........... 51

2.4.1 A força normativa da Constituição............................................................... 53

2.4.2 A nova interpretação constitucional concretizadora.................................... 55

2.4.3 A jurisdição constitucional........................................................................... 64

2.5 A normatividade dos princípios. Evolução histórica. “status” constitucional.

Eficácia. Distinção das regras quanto à aplicação. Relação com a

hermenêutica.................................................................................................... 68

2.6 A construção da norma jurídica diante do caso concreto e a partir das

necessidades de direito material........................................................................81

3. VISÃO CONTEMPORÂNEA DO PROCESSO NUMA ÓTICA CONSTITUCIONAL3.1 O modelo constitucional de processo e o direito fundamental à tutela

efetiva.......................................................................................................................85

3.1 Técnicas processuais e tutela de direitos......................................................... 90

3.3 As reformas processuais na tentativa de dar efetividade à jurisdição............... 95

3.4 Meios alternativos à jurisdição com objetivo de pacificação social.....................99

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4. A JURISDIÇÃO CONTEMPORÂNEA E O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. COMPATIBILIZAÇÃO INDISPENSÁVEL4.1 A necessidade de fundamentação, por argumentação, para legitimar a

jurisdição..................................................................................................................118

4.2 Embate natural entre a nova concepção de jurisdição e o princípio

democrático........................................................................................................126

4.3 Constitucionalização e a judicialização da política/politização do Poder

Judiciário. Liminares de cunho Pplítico. Perigos e

Necessidades.......................................137

4.4 Súmula vinculante e o livre exercício da atividade jurisdicional........................154

CONCLUSÕES...................................................................................................... 160

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 167

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INTRODUÇÃO

Essa dissertação tem como escopo apresentar a nova idéia de como a

Jurisdição deve ser vista hoje em razão da conjuntura atual da sociedade e seus

anseios diversificados, para tanto dividiu-se o trabalho em quatro capítulos de modo

que o leitor possa compreender os pilares que sustentam essa necessidade

impostergável de ampliação da função jurisdicional no Estado Constitucional

Democrático de Direito.

No primeiro capítulo, delimitou-se o tema e fixaram-se as premissas básicas,

bem como se abordaram as teorias clássicas da Jurisdição de um modo crítico e em

seguida se enunciam as características do Estado tido como liberal, sempre se

cotejando com essa nova concepção de jurisdição em razão dessa nova realidade.

Já no segundo capítulo, que funciona como arcabouço fático e jurídico dessa

nova missão do juiz, tratou-se de analisar a própria função do Direito na linha do

positivismo crítico e do constitucionalismo contemporâneo, destacando-se as

mudanças que esse movimento produziu no cenário do Direito, principalmente a

necessidade de que os valores constitucionais estejam presentes em todas as

atuações públicas, priorizando-se a importância dos princípios.

Também nesse capítulo observou-se que os direitos e garantias fundamentais

dos cidadãos são o supedâneo da constitucionalização do Direito, em especial, a

parte processual, pois a partir da hermenêutica constitucional, que automaticamente

se impõe, o magistrado, ao emitir sua decisão, deve construir a norma jurídica

necessária para a efetiva proteção do direito em cima das balizas do caso concreto

e sempre em respeito aos mandamentos constitucionais.

No terceiro capítulo ateve-se à parte processual propriamente dita, numa

visão constitucional, destacando-se o modelo constitucional de processo e o Direito

fundamental à tutela efetiva, sendo imprescindível nessa ótica que a preocupação

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do juiz esteja fincada em usar ou criar, se for o caso, técnicas processuais

suficientes para a tutela de direitos.

Fez-se menção, também neste capítulo, as reformas processuais de modo

genérico, ressalvando a prioridade dada à efetividade, sem, contudo se desviar da

necessária segurança jurídica.

Por fim, justamente com o objetivo de realização da pacificação social,

conseqüência natural que se espera da Jurisdição, enfocaram-se os meios

alternativos a essa função, tentando-se retirar aquele tabu de que o juiz sempre

deve agir como juiz propriamente dito.

No quarto capítulo, destaca-se a natural tensão que ocorre entre essa nova

concepção de jurisdição e o princípio democrático, e de plano procurou-se

demonstrar que a fundamentação a partir de uma argumentação fática e jurídica,

levando em consideração as circunstâncias do caso concreto, ou seja, material, é

quem legitima essa ampliação propugnada.

Enfrenta-se, ainda, - até mesmo porque está indissociavelmente ligada - a

questão da judicialização da política, desmistificando a idéia de que os juizes se

utilizam de critérios políticos ou convicções pessoais no exercício da atividade

jurisdicional.

Por outro lado, também se deixa claro que questões políticas também são

passíveis de análise judicial e o limite da atuação encontra-se traçado na própria

constituição.

Este trabalho não poderia deixar de debater a intrigante questão da súmula

vinculante e o livre exercício da atividade jurisdicional e, nesse sentido, delineou a

necessidade de que essas súmulas sejam específicas e também passíveis de

interpretação judicial, sem que se afronte a utilidade das mesmas, em caso de teses

jurídicas repetidas e já rechaçadas pelos Tribunais Superiores.

Em sede de conclusões, sintetizaram-se as posições adotadas de forma que

o leitor possa condensar todas as idéias defendidas durante a dissertação.

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E TEORIAS SOBRE A JURISDIÇÃO

1.1 Delimitação do tema e considerações iniciais sobre a atividade jurisdicional

Quando o poder público assumiu para si a função de resolver os conflitos da

sociedade, esta não possuía as características de agora, bem como as leis que

norteavam as decisões não tinham a estrutura atual, ou seja, àquela época, pelo

menos formalmente, as leis representavam interesses homogêneos, logo, tanto a

sociedade quanto as leis sofreram profundas mudanças, sendo imperioso que

também se reveja a concepção e principalmente os caracteres, funções e escopo da

jurisdição na atualidade.

Nesse sentido, continuar tratando a jurisdição do mesmo modo é fechar os

olhos para a realidade, o que não se pode admitir dos juristas, sendo, portanto,

necessário que se perquira sobre os novos contornos que envolvem a atividade

jurisdicional a fim de que o seu mister seja eficaz e em total comunhão com as

aspirações da sociedade contemporânea.

No Brasil, onde de modo cristalino se prega a linha de um Estado

Constitucional Democrático de Direito - a qual o seu constitucionalismo se alicerça

em um rol extenso de direitos e garantias fundamentais do cidadão - dentre eles, o

acesso à uma tutela jurisdicional que seja adequada efetivamente à proteção de

todos os direitos, impõe necessariamente que a função jurisdicional assuma esse

encargo no plano concreto de todos os conflitos que lhe sejam submetidos.

Desta forma, é importante que se revisite os conceitos clássicos de Jurisdição

para então se concluir que atualmente, a par do controle de constitucionalidade que

os juizes necessariamente devem submeter todas as leis a serem aplicadas no caso

concreto, não mais se revela conveniente uma atuação meramente desveladora do

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sentido das normas em abstrato e sua conseqüente subsunção ao caso em

específico, pelo menos, como regra geral.

Nessa conjuntura, percebe-se que os valores positivados na Constituição

devem guiar obrigatoriamente toda a atuação jurisdicional, invertendo-se o eixo,

antes legalista, para uma compreensão constitucional de toda a atuação pública,

principalmente na indispensável missão de tutelar os direitos.

Esta concepção, por muito tempo, infelizmente, foi esquecida pelos juristas de

um modo geral, que somente estavam preocupados em assegurar a manutenção da

vontade legal, muitas vezes desvirtuada dos propósitos constitucionais.

Esse novo modelo de compreensão dessa atividade jurisdicional passa

necessariamente também pela conscientização de todos os órgãos estatais da

prioridade absoluta que deve ter a Constituição sobre as demais normas jurídicas e

com isso fazer valer os seus dispositivos, inclusive àqueles de caráter mais

abrangente e que, por algum tempo, estiveram mais como cânones do que como

atos normativos a serem efetivamente cumpridos.

Nesse sentido, os princípios passaram a ser analisados como uma espécie de

norma jurídica à semelhança das regras e não mais com aquele caráter metafísico

oriundo da concepção jusnaturalista.

Tal enquadramento deveria conduzir, automaticamente, a uma maior eficácia

dos ordenamentos constitucionais, contudo, seria imperioso, que,

concomitantemente, florescesse uma nova forma de interpretar/concretizar os seus

dispositivos, que estavam impregnados de princípios e cláusulas gerais, bem como

de conceitos indeterminados, os quais só teriam vivacidade a par de uma nova

concepção da própria jurisdição.

Ressalte-se, ainda nesse raciocínio, que as sociedades contemporâneas,

pluralistas por excelência 1, possuem novos desafios, e por isso, a maioria delas, 1 “Quanto mais as modernas Constituições proclamam o princípio do pluralismo político e social, mais as contraposições de normas-princípio se tornam freqüentes. E aqui pode ocorrer que a própria Constituição venha a desequiparar um dos princípios em confronto como se dá, no Brasil, com a

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como a nossa, protocolou, num primeiro momento, a sua Carta de Intenções, que

hoje, são, verdadeiramente, modos de convivência entre os indivíduos e o Estado,

devidamente positivada em Constituições escritas, como a nossa, que, por mais

programática 2 que seja, não deixa qualquer dúvida no tocante à necessidade

imanente de que, pelo menos, os direitos e garantias fundamentais do cidadãos

sejam sempre levados em consideração quando da resolução dos conflitos pelo

Poder Judiciário.

Infelizmente, ainda, existem, com muita freqüência, autoridades

governamentais que limitam a eficácia de algumas normas constitucionais, não só

por deixar de aplicá-las diretamente, mas principalmente por restringir a sua eficácia

indireta, ou seja, não reconhecendo, muitas vezes, os direitos e garantias

fundamentais previstos de modo categórico nas Constituições, o que impõe aos

profissionais do Direito um novo pensar sobre a própria concepção da jurisdição,

ante esse movimento mundial de constitucionalização de todo o Direito, já que o

Poder Judiciário, em nosso país, é o protetor direto de todos os direitos.

Nesse diapasão, a hermenêutica constitucional assume uma importância, já

que seu estudo se imiscui na formulação de técnicas próprias para não só desvelar

os sentidos das normas constitucionais, mas, principalmente, para torná-las

realizáveis no plano dos fatos, o que importará em um aproveitamento das regras de

interpretação convencionais e formulação de métodos específicos ou pensamentos

distintos, que possam materializar os comandos básicos do texto constitucional em

cada situação conflituosa posta à apreciação do Poder Judiciário. 3

prevalência dos “valores sociais do trabalho” perante “a livre iniciativa”. E com a função social da propriedade ante a propriedade mesma.”Grifo nosso. BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p.167. Com essa idéia vestibular, destaca-se a importância dos princípios para essa nova concepção de jurisdição em razão da pluralidade de interesses preconizados em nossa Carta Magna e no mais das vezes, antagônicos.

2 Essa concepção de norma programática somente é citada para destacar a amplitude de nossa Constituição, já que atualmente essa concepção não vem tendo mais guarida entre os constitucionalistas, justamente pelo fato de que a força normativa da Constituição passa a ser uma condição essencial para a sua vivacidade, não podendo seus valores ficarem na dependência de uma faculdade do Poder Público em implementá-los. Nesse sentido, urge que essa visão distorcida da realidade e indesejada pelo Poder Constituinte seja de todo banida e que todas as autoridades estatais assumam o compromisso de tornarem realidade o que soberanamente fora escolhido pelo povo em sua acepção política. 3

“A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. Não importa em desprezo ou abandono

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Em outra vertente, porém, ainda no mesmo vetor, também é imperioso que se

destaque, desde já, o próprio caráter aberto de nossa Constituição, o que condiciona

ao interprete uma maior ação de sua parte com o desiderato de enxugar o

dispositivo, de modo a concretizá-lo em profundo respeito aos mandamentos

nucleares do sistema, eis que o convívio natural entre princípios e regras, como

espécies de normas jurídicas, é uma realidade patente e que não gera maiores

discussões, como se observa no decorrer do trabalho.

Também é indispensável que dentro dessa nova perspectiva, a qual traz a

Constituição como centro de toda a atuação do aplicador do direito, haja uma efetiva

conscientização de que somente por meio de uma contínua tarefa de controle da

constitucionalidade em todos os sentidos, quer por ação ou omissão, os valores

constitucionais serão respeitados pelos poderes públicos e particulares, já que estes

valores não podem se dissociar da realidade do cidadão, que, na essência do

princípio democrático, é quem verdadeiramente exerce de fato o poder.

Destarte, nessa nova atuação jurisdicional, é imprescindível que haja uma

compatibilização com o princípio democrático justamente para que não ocorra uma

indevida intromissão nas atribuições dos demais Poderes, como infelizmente às

vezes acontece e, sem sombra de dúvidas, não é esse o objetivo dessa nova

concepção da atuação jurisdicional, pelo contrário, para um salutar desempenho

torna-se imperioso que a jurisdição constitucional seja eminentemente democrática.

As críticas aduzidas a uma possível intromissão do Judiciário conduziram ao

que se convencionou chamar de judicialização da política, que na realidade deve ser

compreendida de forma bem natural, já que, com o surgimento das constituições

escritas e a necessidade de respeito a elas, em países eminentemente democráticos

- como o nosso - a ampliação da função jurisdicional é um corolário e não uma

indevida cumulação de funções.

do método clássico – o subsuntivo, fundado na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem sempre suficiente.” Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, in artigo publicado em homenagem a Raymundo Faoro, intitulado O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro, 2003.

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Num primeiro momento, em que se identifica como Estado liberal, a

preocupação do poder público era garantir aos indivíduos liberdade, mesmo que

esta representasse, no plano substancial, discrepâncias inadmissíveis.

Nesse contexto, prevaleceu a lei no aspecto formal, que sempre levava em

consideração a aparente vontade geral da maioria e o seu cumprimento consolidava

o Estado de Direito, a qual se insurgiu, corretamente, naquele momento, contra os

regimes absolutistas até então reinantes.

Percebeu-se, entretanto, que esse sistema não assegurava a plena

realização do interesse público, em razão da patente desigualdade entre os homens,

a qual as leis, em um primeiro momento, não as identificavam, já que o poder

público, por esse apego exagerado à lei, não se intrometia nas relações privadas,

pois a autonomia de vontade sempre fora um pilar do Estado dito liberal.

Esse regime, em alguns países, como por exemplo, Alemanha, Itália, no

aspecto institucional, a partir de regimes totalitaristas, produziram, sob os auspícios

da lei, verdadeiras barbáries contra o ser humano, atentando contra os mais

comezinhos direitos universalmente reconhecidos e que o resto do mundo ficou

perplexo, sem ter o que fazer numa ótica legal, já que as legislações de tais países

asseguravam formalmente essas atrocidades contra o ser humano.

Somente a guerra foi capaz de deter esses regimes autoritários que mataram

milhares de pessoas e fizeram surgir reflexões sobre o positivismo jurídico clássico.

Em momento algum, está se afirmando que tais regimes tinham o alicerce

positivista ou que os criadores dessa linha de pensamento científico do Direito, como

Hans Kelsen, chancelaram tais atitudes, todavia, tais fatos conduziram a um novo

olhar sobre o Direito, que inegavelmente teria que se preocupar com o valor justiça,

não como critério de validade, mas como escopo principal do Direito, em caso de

conflitos de quaisquer espécies.

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Por outro lado, é cediço que os Poderes Executivo e Legislativo possuem

suas funções típicas delineadas em toda Constituição e não deve o Poder Judiciário,

de modo algum, sem qualquer tipo de instigação, querer resolver todos os

problemas, principalmente os atinentes à legislação e à realização de políticas

públicas.

Entretanto, quando esses Poderes, no exercício dessas funções ou quaisquer

outras, não obedecem aos comandos constitucionais, os quais toda a atuação

estatal está condicionada, devem necessariamente, quando chamados para tal,

analisar os atos e, em caso de desconformidade com a Carta Magna, restabelecer

os valores constitucionais, mesmo que para tanto acabe, de alguma forma, atuando

em uma esfera política.

Nesse sentido é que se analisa no presente trabalho essa nova forma de

atuação jurisdicional no Brasil, de modo a enfocar que a Carta de Direitos e

Garantias Fundamentais, pilar do constitucionalismo contemporâneo, impõe ao

Judiciário a missão de concretizar os valores constitucionais em cada caso concreto,

bem como a peculariedade de obrigatoriamente controlar a constitucionalidade de

todos os atos dos demais Poderes, desde que não haja respeito aos comandos

constitucionais.

Com isso, as críticas efusivas a essa atuação judicial não podem ser aceitas,

ressalvando, desde já, que como os atos judiciais também são estatais têm

necessariamente como limite os balizamentos constitucionais e o desrespeito a eles

conduz a uma indevida intromissão.

Ocorre que, como este trabalho não trata de casos isolados, resta à análise

de como a jurisdição deve atuar, a partir da patente supremacia constitucional e não

mais a da lei, logo, o embate natural entre a soberania popular e a atuação judicial é

um dos pontos nodais da questão.

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Ainda nesse condão, é imprescindível que todos os operários 4 do Direito

passem a compreender que a maior preocupação dessa Ciência deve ser a efetiva

tutela dos direitos nos casos concretos em conflito, ou seja, quando de alguma

forma os mesmos forem desrespeitados, a jurisdição tem que ser eficaz para a

proteção e não somente a reparação da violação, como frequentemente vem

ocorrendo.

Afora as técnicas processuais que o legislador deve necessariamente criar

para facilitar essa função de concreção dos direitos, os profissionais do Direito, em

especial, os magistrados, em harmonia com a atribuição de controlar a

constitucionalidade das leis, não devem transferir a sua responsabilidade de tutela

dos direitos para o legislador ou qualquer outra autoridade.

A partir do direito e garantia fundamental do cidadão a uma tutela jurisdicional

efetiva e adequada, bem como em prazo razoável, a sua ação de formulação de

todas as regras processuais no caso concreto é imprescindível para que essa

incumbência seja cumprida com êxito.

Destarte, essa nova concepção de jurisdição impõe ao aplicador dos atos

normativos uma mudança radical no modo de conceber a atuação jurisdicional

dentro dos limites que qualquer função possui, mas, sobretudo, sem receio de ver

consolidados, em todos os casos conflituosos que lhe são submetidos, os direitos e

garantias fundamentais dos cidadãos, como também os próprios princípios de justiça

material elencados em nossa Carta Maior.

Noutra vertente, também é imperioso que essa nova concepção de jurisdição

não seja vista como a forma mais propícia para se alcançar a almejada paz social,

mesmo que protegendo os direitos em cada caso concreto, pois a par dessa

ampliação jurisdicional, balizada com o efetivo respeito aos direitos e garantias

fundamentais dos cidadãos, deve-se prestigiar a conciliação e a mediação como

4 Essa expressão em vez de operadores do Direito implica uma atuação mais viva de quem tem o dever de fazer valer o conteúdo dos atos normativos, por conseguinte, impondo também uma subserviência não à lei, mas a proteção dos valores encampados na Carta Magna e soberanamente escolhida pelo povo. Como é cediço, o Direito não se resume à lei, logo, essa expressão revela melhor esse novo olhar que os profissionais do Direito devem ter em suas funções.

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elementos indissociáveis a essa nova atuação jurisdicional, já que não se verifica

qualquer fator de exclusão entre essas atividades.

Assim sendo, em que pese todo esse esforço para se alcançar uma atividade

jurisdicional que se preocupe, em cada caso concreto, com uma substancial

proteção dos direitos, a par dos valores constitucionais, é cediço que a solução

consensual dos conflitos também possa ser pensada como um modo mais eficiente,

pelo menos, no aspecto de se atingir a uma verdadeira pacificação social, pois em

não havendo vencedor e perdedor, as chances de uma continuidade de relação pós-

lide são bem maiores e mesmo nos casos em que não se exige a continuidade do

relacionamento, o acordo gera uma sensação de maior satisfação e muitas vezes a

certeza do cumprimento da obrigação.

É nesse sentido que se prega a necessidade de que o juiz passe a se

preocupar com a pacificação social em todas as suas decisões, ou melhor

esclarecendo, nas suas atitudes dentro do processo, pois como a direção é sua,

nada mais lógico de que conduza sempre com a visão de que não é com a

sentença, mesmo de mérito, que aquele conflito, no plano fático, estará

materialmente solucionado, já que a idéia de que a sentença põe fim ao litígio é

ilusória e até mesmo ao processo, não necessariamente o finaliza consoante

recente mudança advinda pela Lei 11.232/05. 5

Desta forma, a preocupação constante com uma efetiva satisfação social dos

contendores deve ser uma busca incessante da autoridade judiciária e a sentença, a

qual infelizmente se encontra falida 6 na consecução desse objetivo, somente deve

5 Refere-se às alterações dos artigos 162, 267, 269 e 463 do CPC, que não mais ditam que a sentença necessariamente põe fim ao processo, já que este possui a preocupação de obter a satisfação do direito e não mais somente uma sentença que o reconheça. Essas mudanças estão na trilha dessa nova concepção de jurisdição, que se preocupa sempre com a tutela dos direitos no caso concreto. Essa visão já é um significativo avanço e se embebera nos termos da constitucionalização do direito processual, contudo, ainda prima por uma solução decisória que prestigia um vencedor, logo, essa resolução, na maioria das vezes, também não obtém a satisfação social, principalmente quando se envolve conflitos que precisam ter a continuidade do relacionamento, até mesmo negociais.

6 Também comunga desse entendimento o desembargador Francisco de Assis Filgueira Mendes, ao se pronunciar na apresentação do livro Mediação Familiar, tendo assim se manifestado, ressaltando inclusive a pertinência dos meios alternativos de solução dos conflitos: “Na visão aguçada de Kazuo Watanabe, existe, com efeito, uma “litigiosidade contida”, abrangendo toda a pletora de insastifação do povo, seja pela dificuldade do acesso à Justiça, seja pela demora da Organização Judiciária, no

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ser utilizada quando não for possível qualquer forma de negociação em sentido

amplo, já que não existe vedação legal nesse tocante, pelo contrário, as legislações

atuais prestigiam muito a autocomposição das lides, principalmente a conciliação. 7

A realidade é dura, mas tem que ser encarada por todos aqueles que laboram

com o Direito, pois, na maioria das vezes, a sentença não só não resolve o problema

específico do litígio, mas como cria outros conflitos, que inviabilizam completamente

qualquer possibilidade de solução amigável, criando um ambiente de litigiosidade,

que dificilmente vai ser desconstruído, logo, a perspectiva deve ser sempre de paz e

harmonia, mesmo entre os que litigam, pois o conflito é ínsito ao ser humano e tem o

seu lado bom, no qual o juiz, como intermediário das partes, deve estimulá-las a

reconhecer e encontrar a melhor solução ou até mesmo sugerir essas resoluções.

Os juizes precisam se desprender dessa concepção de que sua tarefa

precípua é decidir e que a tentativa de conciliação prevista nos procedimentos é

somente uma formalidade.

Ora, o processo não pode ser compreendido nunca como um fim em si

mesmo, daí porque todas suas previsões têm um objetivo claro e definido, qual seja:

assegurar que os contendores solucionem a sua pendenga de forma que a

pacificação social reste atingida. 8 Essa premissa não vem sendo sentida pelos

deslinde das demandas que lhe são apresentadas. Ante esse quadro dantesco, de verdadeira falência da máquina estatal, especialmente no que tange à prestação jurisdicional, em boa hora começaram a ser utilizadas soluções do Direito norte-americano, conhecidas como Alternative Dispute Resolution(ADR), quais sejam o Juízo Arbitral, a Conciliação e a Mediação. SALES, Lília Maia de Morais.; VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2006, Apresentação.

7 Já se encontra no Congresso Nacional um projeto de lei sobre a mediação, atualmente no Senado Federal, sob a relatoria de Pedro Simon, na qual se prevê duas formas de mediação, a prévia e a incidental, ou seja, dentro do processo, o que fortifica a tese de que suas técnicas podem normalmente ser utilizadas em todos os processos e procedimentos que prevêem a conciliação, justamente porque não há qualquer incompatibilidade, contudo, infelizmente, tal projeto não prevê que as partes necessariamente sentem numa mesa de negociação, como requisito para admissibilidade da ação e consequentemente a espera da sentença, como se esta fosse a “salvadora do mundo”, o que é cediço que os juízes não podem ser tidos como deuses.

8 “É inquestionável que o principal objetivo da jurisdição, o que lhe faz a essência, é seu caráter de pacificação. Neste sentido, é muito mais salutar que se encontrem fórmulas de consenso, para que a pretensão resistida chegue a bom termo, atingindo-se o ideal de justiça das partes.” TAVARES, Fernando Horta. Mediação & Conciliação. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 17.

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operários do direito, o que pode ser amenizada com a inserção de todos os meios

alternativos de solução dos conflitos.

Acrescente-se, ainda, que essa preocupação constante com a pacificação

social efetiva, por meio de uma solução consensual, resolve outro problema grande

da prestação jurisdicional, qual seja: a morosidade infensa a todos os procedimentos

e que inquieta sobremaneira a sociedade quanto à atuação judicial, pois o que

interessa para alguém, que seja reconhecido como titular de um dado direito é o

pronto restabelecimento, de forma específica, e a Justiça infelizmente não vem

conseguindo e muitas vezes em razão da demora da entrega da prestação

jurisdicional, esta não é efetiva no sentido de satisfazer pelo menos a parte

vencedora. 9

Por todos esses motivos, não resta dúvida alguma de que o prestígio a

jurisdição consensual não traz nenhum malefício aos desígnios dessa função tão

cara à sociedade, devendo, por conseguinte, ser prestigiada em todos os sentidos,

como felizmente vislumbrou recentemente o Conselho Nacional de Justiça, ao lançar

o Dia Nacional da Conciliação e ao instituir um projeto de estruturação de todo o

Poder Judiciário para obtenção de uma solução amigável entre os litigantes judiciais,

até mesmo antes de o processo formalmente ser instaurado. 10

9 Em nosso livro Medidas liminares no processo civil: um novo enfoque, o ministro José Augusto Delgado, em seu prefácio, atesta para a necessidade inadiável de uma pronta entrega da prestação jurisdicional, como também chama a atenção para o fim harmonioso que o processo deve perseguir, consoante pode se vê a seguir: “Os estudiosos do Direito Processual Civil estão convencidos de que técnicas novas devem ser introduzidas na legislação brasileira formal para que sejam atendidas, com eficácia, segurança e efetividade, esse anseio da cidadania. Há de se gerenciar o processo de modo que instrumentos de ação alcancem esse objetivo, sem se afastar do respeito ao princípio democrático informador do devido processo legal. Urge que o Direito Processual Civil consagre, do modo mais evidente e convencedor, o querer constitucional representativo do sentimento da Nação, que é o do Estado Brasileiro tornar vivo e constante o objetivo primordial posto em sua Carta Magna, no seu preâmbulo, que é a entrega da paz com a rápida solução dos conflitos vivenciados pelo cidadão em suas relações comuns e extraordinárias no ambiente social, familiar, financeiro, comercial, industrial e institucional”. LIMA. José Luiz Carlos de.; SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Medidas liminares no processo civil um novo enfoque. São Paulo: Atlas, 2005, p.14.

10 O movimento nacional pela conciliação e os seus atos normativos podem ser consultados no site www.cnj.gov.br , ao qual se acredita, que se por acaso essa política for posta em prática, o que pelo menos já se iniciou formalmente desde o dia 08 de dezembro de 2006, a Justiça entrará na fase em que a esperança de uma pacificação social passa a ser um sonho bem possível e real, já que os resultados dessa experiência são bem exitosos nesse sentido.

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Pensar em uma atividade jurisdicional que não vise obrigatoriamente à

pacificação social é tratar essa função pública com descaso, pois todo o agir das

autoridades em geral aspira ao bem comum e este só é atingido com uma solução

efetivamente satisfatória para ambas as partes, mesmo que uma das partes perca,

processualmente falando, mas que fique consciente de seus erros.

Destarte, quando se utilizam as formas de autocomposição, as partes chegam

a um consenso ciente desses erros e, infelizmente, a sentença quase nunca os

transmite - substancialmente falando - principalmente por sua linguagem técnica

excessiva, sendo esse outro desafio que a atuação jurisdicional deve extirpar da

praxe forense, vez que essa atuação é dirigida ao povo e para o povo e por ele deve

ser compreendida.

Nessa ótica, acredita-se que a Justiça, de um modo geral, ou seja, todos

aqueles que laboram com o direito e até mesmo os próprios litigantes devem se

imiscuir de um espírito de pacificação social, pois não se pode tratar o conflito como

algo negativo, sendo imperiosa a análise de que, por meio de um bom diálogo,

quase sempre se atinge uma solução favorável e principalmente a satisfação dos

que contendem é cristalina, principalmente quando o contato com o juiz é imediato,

como determina o princípio da oralidade.

Diante dessas considerações iniciais, percebe-se que, na realidade, essa

atuação ampliada do Poder Judiciário, com mais veemência aqui no Brasil, deve

também ser compreendida como uma acepção automática de sua nobre missão de

assegurar a efetividade dos valores constitucionais, pois o nosso constitucionalismo

coloca o Poder Judiciário, mais precisamente o Supremo Tribunal Federal, como

guardião da Constituição Federal, logo, não há como não se preocupar para que

todos os atos públicos estejam em conformidade com o Texto Maior.

Além do mais, como é cediço, o nosso controle de constitucionalidade é muito

forte, já que a supremacia da Constituição, nos aspectos formal e material, e sua

conseqüente estrutura rígida impõem a adoção de um completo controle de

constitucionalidade de todos os atos normativos produzidos pelos diversos órgãos

legislativos do país, tanto pelo modo concentrado quanto difuso, ou seja, com o

objetivo tão-somente de expurgar do ordenamento a lei considerada inconstitucional

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ou a declaração incidental de tal inconstitucionalidade, no meio de um processo

subjetivo, com efeitos somente para as partes, logo, essa preocupação antecedente

com a constitucionalidade de qualquer ato normativo deve ser a tônica dessa nova

concepção de jurisdição.

1.2 Teorias Clássicas da Jurisdição

A jurisdição por muito tempo foi compreendida e, nos manuais de processo,

também exteriorizada com um apego exagerado à incumbência de fazer valer, no

caso em conflito, a vontade da norma.

Essa idéia geral, mesmo que ainda em evidência, pelo menos quanto a

alguns casos, os mais simples, por exemplo, não pode mais ser vista como

suficiente para o bom desempenho de uma atividade jurisdicional, nesse novo fecho

de normas e valores contrapostos em nosso ordenamento jurídico.

Daí porque as teorias clássicas, que neste trabalho se delineam de forma

perfunctória, tão-somente, para se iniciar os estudos, parecem não ter mais sentido

ante esse novo quadro de situações fáticas, e até mesmo jurídicas, que se

apresenta em nosso ordenamento, devendo, por conseguinte, serem superados

alguns dogmas e se enfrentar a situação de frente e sem receio, já que apesar de

ser árdua a missão, ela acaso frutífera, será bem compensadora.

Com todo respeito aos mestres italianos, que ainda hoje influenciam o nosso

processo e, por conseguinte, as idéias sobre jurisdição, a realidade de outrora não

mais compadece com os dias de hoje, que eminentemente tem, na maioria dos

casos, uma sociedade pluralista como a nossa, logo, a subsunção direta da norma à

realidade fática é posta em evidência nessas situações.

Dessa forma, quando Chiovenda enuncia que a sentença do juiz é a mera

atuação da vontade da lei no caso concreto, ou então, na visão de Carnelutti que a

sentença é a norma individual que regula o litígio, compondo-o de forma justa, na

linha do pensamento Kelseniano, tem-se a idéia de que tais visões são diferentes,

todavia isto ocorre somente no aspecto formal, pois na realidade partem de um

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mesmo raciocínio, qual seja, que a atividade jurisdicional se subsume a um

desvelamento do sentido do ato normativo, no caso em apreço, e a par do silogismo

convencional.

Essa idéia da função jurisdicional, em que pese ainda ser utilizada e ter

inclusive balizado praticamente todos os nossos processualistas, precisa ser

repensada tendo em vista os novos desafios que o próprio Direito tem perante a

sociedade contemporânea, assim sendo, algumas das concepções aqui trazidas

servirão justamente para comprovar que não mais se encaixam nos anseios dessa

sociedade.

Alguns autores, a exemplo de Ada Pellegrini, Antônio Carlos de Araújo Cintra

e Cândido Rangel Dinamarco, 11 trazem a primeira reflexão sobre a atividade

jurisdicional cingida a função de pacificação social, que na realidade não pode ser

tida como característica, mas na verdade como uma conseqüência natural do que se

espera quando da existência de um conflito, porém não identifica materialmente a

essência dessa atividade.

Por outro lado, também é imperioso que se registre a inconveniência de se

destacar a substitutividade como característica primordial da jurisdição, de forma a

distinguir das demais atividades estatais, como bem ensina o professor José de

Albuquerque Rocha 12, já que esse caráter de se substituir a vontade das partes

também ocorre na Legislação e Administração justamente porque os interesses da

sociedade, em geral, são realizados pelo poder público em substituição a ela, por

meio das funções estatais.

Para fins desta dissertação, no entanto, é necessário que se fique adstrito à

função jurisdicional ligada propriamente ao desfecho do processo, devidamente

impulsionado pela ação e ainda mais, dentro dos parâmetros constitucionais, logo,

analisam-se alguns dos conceitos básicos da jurisdição nesse sentido.

11CINTRA, Antônio Carlos de Araújo.; GRINOVER, Ada Pellegrini.; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 24.

12 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 83- 84.

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Liebman, que muito influenciou e ainda se denota um apego às suas lições,

define a jurisdição como “atividade dos órgãos do Estado, destinada a formular e

atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina

determinada situação jurídica”, ou seja, com a mesma visão de que a sentença nada

mais faz do que individualizar a norma abstrata numa situação concreta, como se o

juiz fosse um aplicador mecânico da lei, sem qualquer preocupação com a

efetividade dessa atuação e principalmente o aspecto da proteção dos direitos

violados ou ameaçados, sem que se atribua o sentido do texto normativo, no caso

concreto.

Cândido Rangel Dinamarco também não destoa desse raciocínio quando

enuncia que a jurisdição é a “função do Estado, destinada à solução imperativa de

conflitos e exercida mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos”.

Dessa forma, como já externado, a doutrina italiana trilhou o caminho da jurisdição

em nosso sistema processual, sempre com essa visão de que a sentença vai

necessariamente fazer valer o ato normativo em abstrato em uma situação

especifica que a ela se amolde o fato, sem quaisquer outras preocupações. 13

É nesse âmago que reside toda a problemática, pois, a teor do que se

entende atualmente por direito de acesso à tutela jurisdicional numa visão

protecionista, ou seja, como um dos maiores direitos e garantias fundamentais do

cidadão, que serve para dar guarida a todos os demais, inclusive os não

fundamentais, não se pode admitir essas concepções clássicas advindas desse

pensamento italiano, como ressaltado pelo professor José de Albuquerque Rocha

em suas aulas do mestrado. 14

13 “É, pois, sumamente enganosa a redução da sentença a um silogismo em que a premissa maior seria a norma, a menor os fatos e a conclusão o dispositivo da sentença. A realidade é que o dispositivo nunca é a conclusão necessária de um silogismo, como quer a doutrina tradicional, mas uma decisão que, como tal, é determinada não só por elementos lógicos, mas também por fatores políticos, filosóficos, morais, a pressupor a possibilidade de outras soluções”. ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 77.

14 O professor José de Albuquerque Rocha, em suas aulas na cadeira Jurisdição Constitucional, sempre chamou a atenção para o fato de que os processualistas brasileiros têm que se desapegar dessas linhas italianas do processo, que infelizmente cultuam exageradamente o formalismo e não contribuem para uma jurisdição que seja efetiva.

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O professor citado, em outro livro de destaque no cenário nacional 15, ressalta

justamente essa visão de garantia de proteção dos direitos fundamentais, que

possuem, na sua ótica, uma “função fundamentadora e legitimadora do sistema

jurídico-político do chamado Estado de Direito”. Nesse raciocínio, percebe-se, que

como a jurisdição se qualifica como meio para realização desses direitos, quando

não respeitados pelo poder público ou particulares, cristalino se apresenta que as

visões clássicas merecem uma reformulação.

Por outro lado, mas ainda em relação à centralidade que os direitos e

garantias fundamentais representam em nosso ordenamento jurídico, pode-se

afirmar que a necessidade de sua proteção não fica restrita ao Poder Judiciário,

mediante exercício da função jurisdicional, pois os outros Poderes também devem

respeitá-los e a Constituição impõe claramente esses limites, contudo, as teorias

clássicas nem mesmo na hora de distinguir as funções estatais tiveram essa

preocupação, o que reforça a objeção destas, nessa nova conjuntura.

Em que pese essas colocações, não se pode deixar de admitir que a

jurisdição faz com que o Direito atue terminalmente, ou seja, com a sentença

constrói-se uma norma que leva em consideração as peculiariedades do caso

concreto, sem contudo se tratar de uma mera aplicação fria da lei, logo, essa

atuação terminal do Direito, inclusive fazendo coisa julgada, tem essa marca

indissociável, que a nova concepção não suprime, mas lhe dá outros contornos.

Para fechar o raciocínio de como a doutrina clássica vê a atuação

jurisdicional, exercida pelo Poder Judiciário, é importante que se tragam ao estudo,

mais uma vez, as colocações do professor José de Albuquerque Rocha, quando

comenta sobre a inexistência de controle externo nessa atuação, como se pode

notar a seguir:Ora, raciocinam os juristas tradicionais, se o trabalho do juiz é meramente técnico, pois consistente na simples explicitação dos conteúdos normativos preexistentes nas disposições legais (juiz boca da lei) ou na aplicação mecânica das regras objetivas, então, concluem eles, silogisticamente, inexiste a necessidade de submeter o Judiciário a um controle externo ou político. De fato, se se entende que o Judiciário não faz opções, não faz escolhas, nem toma

15 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 58.

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decisões com base em valorações políticas, econômicas ou sociais, em suma, se o Judiciário não cria direito, se é um “poder nulo”, como diria Montesquieu, não podendo alterar as normas reguladoras da vida social, nem usurpar a competência dos demais Poderes, nem ofender os direitos fundamentais, evidentemente, não tem sentido cogitar de seu controle jurídico-político por um órgão externo. Em outras palavras, se o trabalho do Juiz é impessoal, mecânico, silogístico, consistindo em estabelecer conclusões necessárias a partir de premissas igualmente necessárias, então pode ser controlado também mecanicamente, bastando verificar se a inferência se estabeleceu corretamente. 16

Não é difícil concluir, na esteira do já preconizado, que essa visão

automatizada da jurisdição não condiz com a realidade atual, contudo, nem sempre

foi assim e a resistência que o Poder Judiciário sofre hoje para exercer naturalmente

sua atribuição constitucional, de velar pela observação dos direitos e garantias

fundamentais, tem uma razão de ser, como se observa no capítulo seguinte.

16 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 71.

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1.3 Estado liberal e Supremacia da Legislação

A ideologia do Estado dito liberal era bem esquematizada. Num primeiro

momento, ele se insurgiu corretamente contra o poder absolutista, ou seja, o Estado,

em sua suposta atuação de assegurar o bem comum, não tinha limites e isso fica

muito claro com a célebre expressão do Rei Luis XIV, “o Estado sou eu”, o que

demonstrava que, àquela época, não havia qualquer tipo de óbice para que os

donos do Poder fizessem o que quisessem ao seu bel prazer, colocando o indivíduo

numa cristalina situação de sujeição total e sem quaisquer tipos de direitos.

Nesse quadro, era imperioso que o Poder estatal viesse a sofrer limitações

justamente para que as pessoas não ficassem submissas ao soberano de tal

maneira que até mesmo suas vidas eram suprimidas sem qualquer tipo de defesa,

daí porque a primeira preocupação era assegurar aos indivíduos o direito à

liberdade, que sobremaneira já servia para estancar algumas ações desse Poder

absoluto.

Montesquieu, em sua obra o Espírito das leis, tinha como preocupação central

que a divisão das funções estatais entre vários órgãos limitasse esse poder geral do

soberano, já que, como o Poder indissociavelmente é uno, acaso ficasse na mão de

uma única pessoa, o arbítrio era quase que automático. São suas as seguintes

palavras: “Mas é uma experiência eterna que todo homem que tem poder é levado a

abusar dele...Quem tem o poder tende a abusar dele: quer se trate de uma

autoridade, um órgão que exerça o poder e quer se trate do próprio povo”. 17

Nesse sentido, ao se dividir o exercício do Poder, três funções ficam bem

delineadas, quais sejam, a primeira delas de criar as normas de conduta,

estabelecendo direitos e deveres do cidadão, a segunda, que aplicaria essas leis 17 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, O espírito das leis: a forma de governo, a federação, presidencialismo versus parlamentarismo/ Montesquieu; Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira de Mota – 6.d. São Paulo: Saraiva, 1999, p.165.

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para assegurar o bem da sociedade e a terceira, em caso de conflitos, fazia valer a

vontade dessas normas, abstratamente dispostas, em um caso específico. O

organograma era bem sistematizado.

Para essa terceira função, criou-se o Poder Judiciário, que, na realidade,

nessa estrutura, sequer poderia ser chamado de Poder, já que não fazia qualquer

tipo de escolha, devendo tão-somente exprimir a vontade da lei genérica e abstrata

em um caso concreto, por isso se afirmava que era um Poder nulo.

Com essa conjuntura, percebe-se a origem dessa função mecânica de

atuação jurisdicional e na qual nosso país se alicerçou, e até hoje se tem grandes

dificuldades em se quebrar o tabu do juiz “boca da lei”, pois, como nitidamente essa

atuação era conservadora da situação já consolidada, realmente o Poder Judiciário

não tinha margem na hora de interpretar e aplicar as leis, sendo patente a

supremacia do Parlamento.

Essa estrutura, como já dito, era muito lógica e assegurava a classe

dominante à época, no caso, a burguesia, a fiel manutenção do “status quo”, já que

as decisões judiciais eram todas previsíveis e a segurança jurídica beneficiava

claramente o desenvolvimento do capitalismo em emergência.

No Estado liberal, em que pese haver claramente freios à atuação do poder

estatal, a suposta igualdade entre os membros da coletividade era formal e, na

prática, o que se via era a luta pelo homem para a sua sobrevivência, dentro de uma

estrutura em que os mais abastados ditavam as regras do jogo.

Além do mais, é de ressaltar que as leis elaboradas eram tidas como

reveladoras de uma vontade homogênea de toda a sociedade, o que se afigurava

impossível materialmente, até mesmo naquela época, já que dizer que os homens

eram livres e iguais, o que se sabe é utópico e representa um modo de não encarar

os fatos como verdadeiramente o são. Essa realidade foi usada como barreira para

a efetivação de muitos direitos entre os hipossuficientes.

Percebe-se, então, que apesar do avanço em relação ao regime absolutista, a

lei ocupava uma função de preponderância, tendo os códigos a missão de regular

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toda a vida humana, mas sempre com o condão de permitir que as relações

privadas fossem tidas como autônomas e sem qualquer interferência estatal, daí

porque a atuação judicial era tímida e somente desveladora do sentido da lei.

São firmes as ponderações de Luiz Guilherme Marinoni nesse sentido:

A lei genérica ou universal, assim como a sua abstração ou eficácia temporal ilimitada, somente seriam possíveis em uma sociedade formada por iguais – o que é utópico –, ou em uma sociedade em que o Estado ignorasse as desigualdades sociais para privilegiar a liberdade, baseando-se na premissa de que essa somente seria garantida se os homens fossem tratados de maneira formalmente igual, independentemente das suas desigualdades concretas. Lembre-se que, para acabar com os privilégios, típicos do antigo regime, o Estado Liberal resolveu tratar todos de forma igual perante a lei. Esse último é o verdadeiro fundamento da lei genérica e abstrata, que, por sua vez, também teve repercussão sobre a função da jurisdição. Ora, se a lei não podia considerar determinados bens ou posições sociais, é claro que o juiz estava proibido de interpretar a norma considerando as diferenças entre as pessoas. Porém, a neutralidade ou a falta de conteúdo da lei e da jurisdição – ou, enfim, do próprio Estado Legislativo – rapidamente fez perceber que a igualdade social constituía requisito para a efetivação da própria liberdade, ou melhor, para o desenvolvimento da sociedade. Concluí-se, em síntese, que a liberdade somente poderia ser usufruída por aquele que tivesse o mínimo de condições materiais para ter uma vida digna. 18

Desta forma, verifica-se que toda essa estrutura de mecanização que ao

Poder Judiciário foi imposta tinha uma razão de ser bem lógica e que por muito

tempo serviu para atender aos objetivos da classe dominante e na qual o Estado

ficou passivamente olhando as profundas desigualdades, sem qualquer tomada de

posição, o que se afigurou como inadmissível e repugnante ao ponto do povo, no

sentido mais político da palavra, ter se insurgido e pregado um novo modelo de

Estado, onde a lei tivesse limites em traços fundamentais postos em uma

Constituição.

Ainda com relação a esse pensamento liberal, pode-se acrescer o substrato

teórico e filosófico que o amparava, qual seja, o positivismo arraigado nas

concepções lógicas e sistêmicas dos métodos das ciências naturais, que previam as

coisas de uma maneira tão coerente no aspecto formal, que a propalada

previsibilidade era tida como certa, o que facilitava a manutenção do regime, que,

18 MARINONI. Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 40-41.

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como visto, fechava os olhos para a realidade de uma desigualdade material

reinante e injusta. 19

Nesse cenário é que se eclodiu a supremacia da legislação, ao ponto de se

transformar o Poder Judiciário em um órgão tão-somente chancelador dessa

vontade legal, sem qualquer possibilidade de atuação verdadeiramente interpretativa

no sentido de se levarem em consideração os verdadeiros valores que a sociedade

almejava, já que esta opção já havia sido feita em momento anterior pelo Legislativo,

cabendo à jurisdição a simples função de revelar, no caso em exame, essa vontade.

Entretanto, essa proeminência da lei não resistiu à pressão popular por uma

efetiva igualdade entre os indivíduos, redundando, assim, na maioria das

sociedades, na elaboração de um documento escrito onde o poder público

estabelecesse uma carta de direitos e garantias fundamentais, a partir de direitos

humanos, já enunciados em Declarações universais, os quais passaram a guiar toda

a atuação estatal, o que marca uma nova era, qual seja, a do Constitucionalismo,

que, diferente da anterior, dar ao Poder Judiciário necessariamente uma atuação

mais ativa para fazer valer as escolhas políticas desse poder constituinte. 20

Dessa forma, verifica-se que a partir do surgimento das constituições escritas,

o próprio Direito necessariamente passou a ser visto de outro modo, o que também

19 “A teorização da função jurisdicional como uma técnica decorre da tendência do pensamento jurídico a estender ao estudo de seu objeto, o direito, o método lógico-dedutivo derivado das ciências físico-matemáticas, ou seja, do paradigma epistemológico dominante, nas assim chamadas, ciências da natureza, que é o positivismo.” ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 72. 20

Nesta acepção de força desse poder do povo ao elaborar a Constituição e ao mesmo tempo impor que a vontade nela estabelecida seja respeitada pelo Estado, que é criado por ele e também a própria sociedade civil, é importante que se traga à baila a comparação muito bem posta por Carlos Ayres de Brito desse Poder com o poder de Deus, como se pode vê a seguir: “Para fundar o universo, Deus faz o que é próprio da potência em que Ele consiste: impõe a si mesmo as próprias condições de “trabalho” (evidente que o vocábulo trabalho é usado por analogia com as empreitadas humanas de edificação de algo a partir de um imaginário ponto zero). Para fundar o Direito, o povo, na mesma pegada, se auto-impõe as coordenadas de atuação legiferante. É assim que se movimenta ou se materializa a potência, que não precisa mais do que a sua própria realidade para instaurar as relações que pretender. Se é olhando para o Universo que reconhecemos a soberania de quem o fez, é também olhando para a Constituição que reconhecemos a soberania de quem a procriou como norma jurídica primária( a Constituição enquanto modo jurídico de o povo se fazer conhecido como instância exercente de uma soberania que vai além do estádio da pura virtualidade). E, neste passo, o que temos é o modo soberano de ser de uma coletividade humana, que é um modo jurídico inicial ou constituinte de ser”. Negrito original. BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 27.

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ocasionou uma mudança de postura da atividade jurisdicional, já que as normas

postas nas constituições, diferentemente das leis estabelecidas no Código, não

continham a prescrição exata de como as coisas se davam, ou seja, o conteúdo da

maioria delas era aberto, o que conduziu a um novo agir daqueles que laboravam

com o Direito. Toda essa mudança pode ser resumida na frase tão citada de Paulo

Bonavides, qual seja, “Ontem os Códigos, hoje a Constituição”.

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2. A COMPREENSÃO HODIERNA DO DIREITO E O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO COMO PREMISSAS DA NOVA CONCEPÇÃO DE JURISDIÇÃO

2.1 O Conceito atual de Direito e o Pós-positivismo (Crítico)

Sem se imiscuir, com profundidade, no positivismo romano-germânico ou

anglo-saxão e suas diversas teorias, o que conduziria certamente a uma fuga do

objeto desta dissertação, é importante, por outro lado, que se fixem as premissas

básicas com que a ciência do Direito em quase todo o mundo foi analisada, pelo

menos, até as duas grandes guerras mundiais, ou seja, a partir de uma separação

quase que absoluta entre o direito e a moral, ou mais especificadamente os valores,

o que levou a ocorrência de muitos absurdos, conduzindo, por conseguinte, a uma

reflexão profunda de todos os juristas sobre a continuidade desse modo de se ver e

aplicar o Direito.

A ciência do Direito, por muito tempo, somente se preocupou com a

normatividade, ou seja, como o seu objeto, segundo os adeptos do positivismo –

inspirado pela influência das ciências naturais – era somente a descrição das

normas; as relações sociais, que, na realidade, constituem a essência de qualquer

interação humana, foram esquecidas, pois já tinham sido levadas em consideração

pela norma objeto da Ciência do Direito. 21

21 Augusto Comte, considerado um dos precursores do positivismo, que no Direito encontrou talvez a sua maior aceitação, ensinava que o conhecimento passou por três estágios até encontrar o seu ideal no positivo, pela formulação de leis naturais que conduzem todo o saber, pois elas foram feitas após uma profunda observação e uma série de experimentos. São dignas de registros suas digressões: “Estudando assim o desenvolvimento total da inteligência humana nas suas diversas esferas de actividade, desde o seu primeiro e mais simples desenvolvimento até aos nossos dias, penso ter descoberto uma grande lei fundamental, à qual ele se encontra submetido por uma necessidade invariável, e que me parece poder estabelecer-se solidamente , quer pelas provas racionais que o conhecimento da nossa organização nos fornece, quer pelas verificações históricas que resultam de um atento exame do passado. Esta lei consiste em que cada uma das nossas principais concepções, cada ramo dos nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados teóricos diferentes: o estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abstrato, o estado científico ou positivo. Noutros termos, o espírito humano, dada a sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma das suas pesquisas, três métodos de filosofar, de caracteres essencialmente diferentes e mesmo radicalmente opostos: primeiro o método teológico, depois o método metafísico e, por fim, o método positivo. Donde decorre a existência de três tipos de filosofia ou de sistemas gerais de concepção sobre o conjunto de fenômenos que mutuamente se excluem: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana; a terceira, o seu estado fixo e definitivo; a segunda destina-se unicamente a servir de transição. Grifos nossos. Augusto Comte, A filosofia positiva e as ciências, extraído da obra Epistemologia: Posições e Críticas, Manuel Maria Carvalho, Serviço de Educação Fundação Calouste

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Tal situação conduziu a um entrave do próprio desenvolvimento do ensino e

da prática jurídica, eis que toda a dogmática é transpassada sob esse feitio, fazendo

do jurista um autômato no sentido de tratar os fatos previstos nas normas como

incontestáveis, o que se afigura como inadmissível e insustentável cientificamente

por outros estudos.

As ciências tidas como sociais, dentre elas, o Direito, deve necessariamente

enfocar as relações entre os seres humanos, levando em consideração os valores

inerentes à sociedade em geral. Essa realidade não pode ser mais abandonada,

como infelizmente ocorreu por muito tempo.

O dogma da neutralidade, objetividade e universalidade das ciências naturais,

que também é discutível, não pode ser transferido para a ciência do Direito da forma

como foi feita, sem que em momento algum se questionassem os valores já

embutidos em muitas normas.

A descrição pura e objetiva das normas leva no plano das relações fáticas há

uma incoerência com a própria racionalidade que dá amparo a todo o positivismo.

Não levar em conta valores absolutos ou idéias inatas para fins de se aprimorar o

conhecimento, ou até mesmo descobrir novos conhecimentos, é uma coisa até

sensata nos dias de hoje, todavia, dentro das relações sociais do dia-a-dia que o

Direito trata, não se preocupar com os valores inerentes a todo ser humano, é algo

bem diferente, como por exemplo, a almejada Justiça. 22

Gulbenkian/ Lisboa, 1991.

22 O professor Arnaldo Vasconcelos, já no primeiro capítulo do seu livro Teoria Pura do Direito: Repasse crítico de seus principais fundamentos, critica veementemente essa postura da Ciência do Direito, deixando patente que a teoria de Kelsen nunca levou em consideração quaisquer valores, senão vejamos: “Anote-se, desde logo, que a teoria pura, para Kelsen, significa teoria purificada, e não originalmente sem impureza. Deve a ciência do Direito ser purificada, além das ideologias e da ciência natural acima referidas, também da psicologia, da biologia, da ética e da teologia(1933:09). E mais ainda: da especulação metafísica, da filosofia da justiça, da doutrina do Direito Natural, da política e da sociologia(1990:02-03). Libertando a ciência do Direito de elementos estranhos, Kelsen tentava evitar sua desnaturação”. VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Pura do Direito: Repasse crítico de seus principais fundamentos, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.15. Essa posição custou muito a Kelsen, pois seus críticos acusaram seu modelo de não ter qualquer conteúdo, o que permite a aceitação de qualquer regime, inclusive o totalitário, como se posicionaram os idealizadores do nazismo e facismo, em defesa da legalidade de seus atos desumanos e violentadores do direito justo e aspirado pela sociedade mundial. Essa nova fase, ou seja, positivismo crítico condena veementemente esse formalismo, que não se coaduna com a necessária interligação com o contexto social e as demais ciências, o que conduziu, em certos momentos a uma estagnação do saber, pois o conhecimento só evolui em sua visão com o permanente questionamento dos seus resultados diante

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Karl Larenz, mencionando a teoria pura do direito, que muito influenciou o

nosso pensamento jurídico, assim se posicionou:

Por esta razão, e também pelo sentimento de que a autonomia da ciência do Direito vinha assim a perder-se em benefício de outras ciências (nomeadamente a psicologia ou a sociologia), é que KELSEN, por último, na sua Teoria Pura do Direito, reivindica para a ciência jurídica, à semelhança da lógica e da matemática, um objecto puramente ideal, restringindo-a ao simples campo do racionalmente necessário. Todavia, apesar de se apoiar, em certa medida, no «neokantismo», KELSEN continuou «positivista», enquanto exclui da ciência jurídica toda a consideração valorativa e, consequentemente, exclui a questão da valoração «adequada» em cada caso como cientificamente irrespondível. Qualquer das três teorias positivistas, entre si tão diversas, concorda, pois, em considerar o Direito exclusivamente como «positivo» e em rejeitar, ao invés, como «não científica», toda a questão sobre um fundamento «supra-positivo» do Direito - sobre um «Direito Natural», ou sobre a idéia de Direito como um sentido material a priori de todo o Direito. Quanto ao mais, resultam das aludidas teorias conseqüências muito diferentes, inclusivamente para a metodologia jurídica. 23

Infelizmente foi esse rigor metodológico, no tratamento da ciência do Direito,

que produziu tantas conseqüências nefastas e principalmente introduziu uma cultura

em nossos juristas e aplicadores do Direito difícil de destruir, contudo, ainda resta

uma esperança, qual seja, o retorno à compreensão crítica e dialética do Direito e a

procura incessante que o seu escopo maior reste alcançado em cada situação fática

que o mesmo se debruce, principalmente no valor atinente à Justiça e à proteção

dos direitos de um modo geral, sendo a jurisdição o instrumento concreto para a

obtenção desse resultado.

Essa radicalização no tratamento da ciência do Direito e, por conseguinte, no

modo de encarar as relações sociais, não pode mais ser aceita na sociedade

contemporânea, por isso, toda a celeuma entre o positivismo jurídico e o direito

natural deve ceder em nome de um movimento que prime pela efetivação dos

valores já consagrados na Constituição, daí porque toda essa sistematização

precisa ser repensada e o formalismo que por muito tempo reinou deve ser

de toda realidade fática e contemporaneamente com os mandamentos contidos em cada Constituição.

23 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 44.

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abandonado de vez, já que a lógica formal, que imperou no positivismo, nunca foi

eficiente para a solução dos verdadeiros problemas da sociedade.

Por outro lado, é necessário que a ciência do Direito seja permanentemente

questionada pela Filosofia do Direito 24, ou seja, que os valores idealizados pela

sociedade passem a ser buscados de forma incessante em toda a materialização de

suas atividades, principalmente o de Justiça. 25

Nada mais é do que a visão do positivismo crítico, a partir do raciocínio

antecedente de que, em cada aplicação de normas, os valores constitucionais

devem restar considerados, no mínimo, quando não materializados em cada caso

concreto.

Também deve a ciência do Direito sintonizar-se com as demais ciências, que

estão esquecidas pela teoria predominante, mas que atualmente se encontra em

plena necessidade de reformulação e integração, sendo imprescindível que se leve

em consideração, para a devida concretização desta missão, a interdisciplinaridade,

como condição essencial para que o Direito atinja resultados satisfatórios numa ótica

social.

Essa luta pela consideração dos valores no estudo da Ciência do Direito é um

dos maiores alicerces e ao mesmo tempo desafios do Constitucionalismo 24 Nesse sentido é importante que se registre a lição de Agostinho Ramalho, como se pode ver a seguir: “A mais importante idéia de valor com que lida tanto a ciência quanto sobretudo a Filosofia do Direito é a idéia de justiça. Sem dúvida, a justiça é a" finalidade fundamental "do Direito. Mas os jusfilósofos têm tradicionalmente assumido, perante o problema da justiça, uma atitude marcadamente idealista, como se tal problema pudesse ser equacionado a partir de "princípios ideais estabelecidos a priori e supostamente válidos agora e sempre. Ora, o ideal de justiça não é absoluto e imutável, preexistente ao próprio homem, mas algo que se foi consolidando no decorrer da História, mediante o acúmulo de experiências vividas pelos seres humanos dentro das condições concretas de sua existência social.” MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Introdução ao Estudo do Direito Conceito, Objeto e Método. Rio de Janeiro:Forense, 1990. p.159.

25 Hilton Japiassu em sua famosa obra Introdução ao pensamento epistemológico, ao comentar sobre a epistemologia histórica de Gaston Bachelard, noticia sobre esse pecado das ciências em geral e que em especial afeta o Direito de modo a tornar inacessível o seu fim maior que é a Justiça. São suas as seguintes colocações: “Enfim, podemos constatar um hiato crescente entre o conhecimento objetivo (científico) e toda espécie de sentimentos ou de teoria dos valores. Por definição, a ciência ignora os valores. Portanto, não pode conhecê-los. Nem tampouco preocupa-se com a imaginação criadora. Por isso, não pode haver nem ética, nem estéticas objetivas. E como a ética e a arte são indispensáveis ao homem, são os filósofos e” literatos”que vão elaborá-las, não os cientistas.... E foi esta ética, da felicidade individual e do máximo conforto, que criou a ciência moderna. Grifos nossos.

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democrático, que se constitui como uma verdadeira ideologia do final do século XX e

sem sombra de dúvidas, vai se firmar no século XXI, pois a visão distorcida da

realidade, a qual por muito tempo imperou no positivismo clássico, engessou e

mecanizou os profissionais do Direito de um jeito tão arraigado, ao ponto de a crítica

impingir a esses novos pensadores o título de defensores do direito alternativo, o

que posteriormente vai-se perceber que não condiz com a realidade.

A ciência do Direito, da forma como vem sendo tratada hodiernamente, sem a

necessária preocupação quanto aos seus valores, que precisam ser perseguidos a

todo instante, provoca no seio social uma descrença, que somente uma visão na

linha dialética pode superar, como bem ensina o professor Agostinho Ramalho em

sua obra “Introdução ao estudo do Direito conceito, objeto e método”, fazendo

inclusive uma crítica ao dogmatismo normativista de Kelsen, como se pode ver a

seguir:

A Ciência do Direito, tanto em seus momentos teóricos como práticos, deve, por conseguinte, acompanhar a dinâmica social, condicionando-a e sendo por ela condicionada, num verdadeiro relacionamento dialético. Aliás, não podemos considerar como válido nenhum critério de eficácia das leis, senão o seu confronto com as proposições da Ciência do Direito e principalmente sua adequação às reais necessidades e aspirações das bases sociais. Qualquer critério puramente formal, como, por exemplo, o proposto por Kelsen – que confunde eficácia com vigência -, parece-nos trazer de princípio o vício de ignorar o conteúdo das leis e, conseqüentemente, prestar-se a todo tipo de autoritarismo. Não é sem razão que Radbruch observa que “o jurista que fundasse a validade de uma norma tão-somente em critérios técnicos formais nunca poderia negar com bom fundamento a validade dos imperativos dum paranóico, que acaso viesse a ser rei.” Uma lei será tanto mais eficaz quanto maior for a sua aceitação por parte do meio social que a dirige. Aliás, ela já deve ser elaborada com esse objetivo, pois tanto a construção teórica da ciência do Direito como a aplicação normativa não podem ser alheias aos valores dominantes no espaço social, sobretudo aqueles que traduzem as aspirações das classes oprimidas, que constituem o grande contingente da população. A dialética, aplicada ao Direito, tem como um de seus pontos principais o estabelecimento de um permanente confronto entre a norma vigente e o seu conteúdo social, conhecido através das proposições teóricas da ciência jurídica. A norma é submetida, portanto, a um contínuo questionamento, em que a realidade social é que pode dar a última palavra sobre se a legislação vigente é ou não eficaz. (Grifos nossos). 26

26 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Introdução ao Estudo do Direito conceito, objeto e método. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.156.

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Nesse contexto, percebe-se que tanto as correntes idealistas, como também

as empiristas, que analisaram a ciência do Direito, pecaram pela visão unilateral e

radical como foram concebidas, pois tanto uma quanto outra deixaram de fora a

necessária e constante concatenação que o Direito deve travar com a realidade

social.

A visão dialética, por sua vez, não enfrenta tal problema justamente pelo fato

de sempre estar aberta ao cotejo social e às novas realidades que se apresentam na

evolução da sociedade. Essa é a grande diferença. 27

Dessa forma, o Direito como um todo precisa repensar as suas teorias, daí a

importância da Ciência e Filosofia caminharem juntas, de forma que os dogmas do

valor (idealista), do fato ou fenômeno jurídico (empiristas) e da norma (teoria pura do

direito) sejam extirpados, como visões unilaterais que conduzem a pensamentos

absolutos e incontestáveis, dissociados da ambiência social e dos valores desejados

pela sociedade.

27 Mais uma vez se socorre dos ensinamentos de Agostinho Ramalho para ratificar essa posição crítica e dialética que necessariamente a Ciência do Direito deve assumir ante a realidade social contemporânea: “No que tange ao Direito, se ele é, como diz PONTES DE MIRANDA, "o problema humano por excelência", mais convencido ainda ficamos de que a dialética, tanto em sua feição genética, como sobretudo em suas modalidades histórica e crítica, é a que fornece o melhor referencial teórico para o seu estudo, questionando inúmeras verdades estabelecidas e contribuindo para destruir muito do dogmatismo que secularmente tem caracterizado a formação do jurista. A dia-lética estuda o Direito dentro do processo histórico em que. ele surge e se transforma, e não a partir de concepções metafísicas formuladas a priori. Assim, o que lhe interessa é um direito real, concreto, histórico, visceralmente comprometido com as condições efetivas do espaço-tempo social, que constituem a medida por excelência de sua eficácia; e não um direito estático, conservador, reacionário, voltado para o passado, óbice ao invés de propulsor do desenvolvimento social, que prefira enclausurar-se em seus próprios dogmas a abrir-se a uma crítica fecunda que o renove e lhe dê vida. É com este último tipo de concepção do Direito que a dialética rompe. E o faz como sói acontecer em todas as rupturas científicas: ataca-o duramente, retifica-o, limita-o, e oferece em troca um sistema de explicações mais aberto, mais dinâmico, mais flexível, mais vivo, mais consciente de- suas próprias limitações, mais engajado com a realidade social e, por isso mesmo, mais rico e mais humano. É por isso que a dialética incomoda tanto! Ela não se satisfaz com considerar as normas jurídicas como algo dado, porque sabe que elas são construídas.E quer saber que critérios científicos e axiológicos presidiram essa construção; a que interesses estão servindo; e que tipo de compromisso efetivamente traduzem. Ela indaga, questiona, põe em xeque os princípios mesmos que regem a ordem jurídica; critica-os e, criticando, constrói, renova, retifica, humaniza. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Introdução ao Estudo do Direito conceito, objeto e método. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.101.

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Arnaldo Vasconcelos na apresentação de seu livro já citado neste trabalho

destacou talvez o maior pecado da Teoria Pura do Direito, que foi justamente

menosprezar a questão da Justiça, tendo se expressado da seguinte forma:

Nenhuma teoria, que descarte a condição metafísica do homem, pode pretender alcançar a compreensão das exigências de sua vida em sociedade. E como esta encontra os meios de possibilitarão na pré-existência do Direito, não há como fazer por desconhecer-lhe a dimensão metafísica. Obra cultural, o Direito é medida das aspirações de seu criador, o homem. Por isso, uma teoria do Direito, que eliminasse a questão central da finalidade deste, como o pretendeu a teoria pura, estaria, com antecedência, destinada ao insucesso. Kelsen tentou continuar a questão, transferindo a instância da Justiça para outro plano, que não o da Teoria Geral do Direito. Por injustificável, não pôde vingar o expediente. Sob nenhum pretexto, pode-se desvincular o Direito de sua finalidade, porque somente para alcançá-la é que ele foi criado. Norma jurídica, que não vise a um fim precípuo, é algo inteiramente sem sentido na esfera da vida humana. Grifo nosso. 28

Não há duvidas de que o formalismo do positivismo jurídico, ao ponto de não

ter se preocupado com a questão da Justiça, para fins de constante

aperfeiçoamento do próprio Direito, ensejou-lhe críticas que a teoria não resistiu,

provocando, como já mencionado, uma visão mais aberta e consentânea com a

aspiração da sociedade contemporânea, principalmente depois de advindo o

movimento da constitucionalização do Direito, a qual se convencionou chamar de

positivismo crítico ou neopositivismo, que, por conseqüência, surgiu o neo-

constitucionalismo. Na realidade, não interessa o rótulo e sim o conteúdo, como se

explana nos capítulos seguintes.

2.2 O Constitucionalismo Contemporâneo e suas transformações

28 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Pura do Direito: Repasse crítico de seus principais fundamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. XV.

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Com a superação da visão de que a lei por excelência é solução para todos

os problemas e, por conseguinte, deve ser seguida de forma incondicional - na linha

do positivismo crítico que se analisou - bem como a certeza de que os profissionais

que lidam com o Direito não podem mais se dissociar da realidade social que os

rodeiam, surgiram, com muita força, em quase todo o mundo, logo após a 2ª Guerra

Mundial, as Constituições escritas, que, diferentemente dos Códigos, vieram

impregnadas de prescrições que traduzem valores, conduzindo a um novo pensar

sobre a sua forma de aplicação e ao mesmo tempo condicionando toda a atuação

estatal.

As constituições, num primeiro momento, somente eram tidas como idéias

que representavam politicamente a massificação do pensamento de uma dada

classe dominante, como enunciava Ferdinand Lassale, contudo, essa visão foi com

o tempo sendo revista e a força normativa ganhou corpo, na linha do pensamento de

Konrad Hesse, como se destacará em seguida, passando o constitucionalismo ao

início de uma nova fase. 29

Como já externado, essa nova fase trouxe sensíveis mudanças em toda a

sistemática jurídica, ocasionando uma revolução não só no modo de conceber o

Direito, mas principalmente na forma de aplicar e compreender as normas, que

ainda se constituem no maior desafio para aqueles que lidam com essa Ciência.

Com o incremento desse constitucionalismo moderno e o aparecimento nas

constituições, de modo expresso, da jurisdição constitucional, houve a necessidade,

também, da implementação de uma hermenêutica que não só viesse desvelar o

conteúdo das normas, mas, também, concretizar os seus comandos e em casos

excepcionais, até mesmo criar direitos, sob pena de essas Constituições tornarem-

se letra morta, como infelizmente ocorre com a nossa, em relação a vários direitos e

garantias fundamentais dos cidadãos.

29 “Um dos movimentos mais fantásticos ocorrido nas Teorias do Direito e da Constituição contemporâneas foi, sem dúvida, a afirmação da força normativa dos princípios constitucionais, com a superação das correntes teóricas que ainda sustentavam um Direito formado apenas por regras estritas, vistas como únicos preceitos dotados de juridicidade. Grifo nosso. VIANA, Rodolfo Pereira. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte:Del Rey, 2001, p.127.

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O constitucionalismo contemporâneo tem sua base fixada nos direitos e

garantias fundamentais dos indivíduos, entendidos esses no sentido mais amplo

possível, ou seja, como guias que instruem e fundamentam toda a atuação

governamental, principalmente a atividade do legislador, que não só deve prescrever

normas que venham assegurar a satisfação de seus conteúdos, bem como se abster

de produzir leis que firam os valores neles estabelecidos.

Nesse raciocínio que é elementar, mas de difícil consolidação na vida

cotidiana dos que operam com o Direito, em especial os legisladores, governantes e

juízes numa acepção ampla, é que reside a verdadeira transformação que se espera

do Constitucionalismo.

É de se ressaltar, no entanto, que no Brasil e, na realidade, na maioria

esmagadora dos países ocidentais, a esse fato se associa a necessidade de

compatibilização com o princípio democrático, logo, esse constitucionalismo é freado

pela própria democracia, como se demonstra em capítulos seguintes.

Na realidade, a partir de uma concepção ampla do que seja democracia,

como se esclarece em seguida, talvez esta só exista no plano prático quando os

valores escolhidos pelo povo em sua participação mais contundente restem

assegurados e essa é a missão que se espera quando se fala em transformação a

partir do constitucionalismo.

Nesse sentido, é importante que se registre a posição deste autor em obra

coletiva recentemente publicada:

Nos últimos anos vem crescendo no Brasil um movimento que procura fazer valer os valores fundamentais estabelecidos na Constituição em todos os ramos do Direito, de modo que essa irradiação possa fincar nos atos estatais a preocupação de que não só os atos normativos, mas na realidade qualquer tomada de posição pública, deva obrigatoriamente conter, em cada caso concreto, quer tenha havido conflito ou não, tais valores, sob pena da Carta Magna não ser efetivada, pois as leis, por si sós,

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infelizmente não estão conseguindo atingir tal objetivo, indispensável para uma efetiva democracia. 30

Por outro lado, também é importante que se enuncie, desde já, a

proeminência nas constituições de princípios que assumiram de modo incontestável

a acepção de normas, logo, a sua aplicação torna-se indiscutível, provocando, por

conseguinte, uma transformação no sistema clássico de subsunção na hora da

aplicação dessas normas. Em momento algum, prega-se o abandono a essa idéia,

mas na realidade o próprio caráter aberto das constituições já impõe uma nova

postura e atuação específica quanto a essas espécies normativas.

Toda essa conjuntura induz de forma automática a um novo modo de

conceber a atividade jurisdicional, sendo necessário que se faça uma revisitação dos

institutos para que haja uma devida adequação à realidade, que cada dia se

apresenta mais complexa, não se podendo ter modelos e pensamentos antigos para

problemas que se mostram distintos. Faz-se necessário que o Direito do século XXI

seja tratado por operários do Direito e métodos também contemporâneos.

São dignas de notas as lições de Luiz Guilherme Marinoni nessa linha:

E isso após a própria concepção de direito ter sido completamente transformada. A lei, que na época do Estado legislativo valia em razão da autoridade que a proclamava, independentemente da sua correlação com os princípios de justiça, não existe mais. A lei, como é sabido, perdeu o seu posto de supremacia, e hoje é subordinada à Constituição.Agora é amarrada substancialmente aos direitos positivados na Constituição e, por isso, já constitui slogan dizer que as leis devem estar em conformidade com os direitos fundamentais, contrariando o que antes acontecia, quando os direitos fundamentais dependiam da lei. A assunção do Estado constitucional deu novo conteúdo ao princípio da legalidade. Esse princípio agregou o qualificativo "substancial" para evidenciar que exige a conformação da lei com a Constituição e, especialmente, com os direitos fundamentais. Não se pense, porém, que o princípio da legalidade simplesmente sofreu um desenvolvimento, trocando a lei pelas normas constitucionais, ou expressa uma mera "continuação" do princípio da legalidade formal, característico do Estado legislativo. Na verdade, o princípio da legalidade substancial significa uma "transformação" que afeta as próprias concepções de direito e de jurisdição e, assim, representa uma quebra de

30 SAMPAIO JUNIOR, José Herval. Visão Panorâmica da Lei 11.280/06 numa ótica constitucional in DUARTE, Bento Herculano. e DUARTE, Ronnie Press. Coordenadores. Aspectos Polêmicos do Processo Civil: Volume 2, São Paulo: Método, 2007, p. 315.

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paradigma. 31

Nessa ótica percebe-se claramente que não é somente a posição

hierarquicamente superior que a Constituição possui em relação aos demais atos

normativos que conduziu a toda essa transformação. Em se pensando assim, a

substância da teoria restaria sobremaneira atingida. Houve efetivamente uma

transformação pela patente necessidade de controle da atuação de todos que

laboram com o Direito.

O fortalecimento da jurisdição constitucional veio em conjunto com a própria

normatividade de seus comandos, devendo nas constituições rígidas, como a nossa,

haver uma efetiva preocupação com a manutenção da vontade do Poder

Constituinte. Este verdadeiramente condiciona todo o devir, ou seja, a sociedade

política cria o ordenamento jurídico e o próprio Estado e após todos devem

subserviência aos mandamentos nelas prescritos. Essa é a transformação real e que

depende de todos para a sua materialização.

Nesse sentido, ou seja, destacando a necessidade de que os ideais

estabelecidos pelo Poder Constituinte originário sejam observados fielmente, é

oportuno que se recorra ao magistério de Carlos Ayres de Brito, consoante se pode

vê:Por comparação, averbemos que o mundo cuida de si próprio, uma vez criado, mas não passa a cuidar do Criador. O mundo; vela por si, dispõe sobre si mesmo, porém sem poder se substituir ao Criador, apagando a assinatura que o originário Autor deixou em sua obra. O mundo é o Poder Constituído. O Criador, o Poder Constituinte. Este é que dispõe originariamente sobre o universo, o orbe, o cosmos, debaixo, contudo, de um único limite material lógico: o não poder permitir que o mundo se transforme tanto por conta própria a ponto de dar a si mesmo um novo começo. Tudo isto é como dizer, numa fala mais aproximativamente jurídica: a Constituição cria o Estado, dotando-o do poder de se completar por conta própria, sem, contudo, deixar que esse Estado possa trocar de Constituição. Limitação intrínseca insuperável, porque só uma Constituição pode trocar o Estado por outro. Não um Estado a trocar a sua Constituição por outra. E mais: o Direito feito para o Estado tem de permanecer o referencial do Direito feito pelo Estado, durante todo o tempo de vigência da obra que uma dada Assembléia Constituir vier a promulgar. 32 Negrito original.

31 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 21.

32 BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.48.

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Desse modo, percebe-se que o maior desafio nessa fase de

constitucionalismo em plena evolução reside justamente na necessidade de que os

agentes públicos não desvirtuem as escolhas já feitas pela sociedade política,

representada pelo povo em sua acepção mais ampla e legítima, assim sendo, essa

atividade jurisdicional de controle dos atos de todos os Poderes, inclusive do

Judiciário, é essencial para a efetivação dos valores originários, que, em nosso

ordenamento, são tidos como clausulas pétreas, ou seja, imodificáveis por qualquer

tipo de ação, ressalvado, evidentemente, uma nova Constituição.

Nesta ótica, é indiscutível que houve uma transformação radical no modo de

atuação daqueles que laboram com o Direito, já que o cumprimento da lei, por si só,

deixa de ser marcante e imprescindível para se tornar uma operação possível, ou

seja, desde que antes se verifique a sua compatibilidade com os cânones

constitucionais.

Esse novo modo de conceber a atividade de interpretação das normas legais,

a par dos vetores estabelecidos na Constituição, que se espraiam por todos os

ramos do Direito, é tido pelo que se convencionou chamar de constitucionalização

do Direito, como se demonstra a seguir.

Oportuno nesse momento registrar a menção deste autor a esse movimento

em outra obra recentemente publicada:

Nesse norte, cabe aos operadores do direito terem em mira sempre a Constituição e os seus princípios, aplicando-os diretamente quando necessário, sem que a atividade de concretização do direito posto se resuma à interpretação fria de regras, sem qualquer filtragem constitucional. Na realidade, é imperativo constitucionalizar não só o direito, mas toda a sociedade no plano real, sendo essa a tarefa precípua da teoria da Constituição em plena formação, mas que deve sempre buscar a evolução e aperfeiçoamento perene. 33

33 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval.; CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão e Soltura sob a ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007, p. 61.

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Concluindo, pode-se afirmar de modo categórico que o constitucionalismo

impôs uma imanente necessidade de realização dos comandos constitucionais na

vida prática do povo, enquanto sociedade civil, pois o respeito a tais balizas é

condição fundamental para que se possa afirmar que o poder realmente é emanado

do povo. 34

34“A partir da idéia democrática veiculada pela nova Constituição, resgatadora da cidadania do povo brasileiro, a doutrina, num segundo momento, reconhece que o texto constitucional consolidou-se, permitindo, mais eficazmente, o acesso ao Poder Judiciário, aumentando as possibilidades de controle por intermédio da ação direta de inconstitucionalidade e alargando o rol dos legitimados para agir em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Em boa verdade, são muitos os dispositivos constitucionais um caminho para a participação do cidadão na vida e no funcionamento do Estado. Assim nasceu a Constituição Federal em 1988 e foi com esse espírito que o novo texto constitucional foi promulgado. Quase duas décadas depois, é importante verificar como essas questões estão sendo atualmente resolvidas e se ainda permanece vivo o espírito constitucional da participação cidadã.” PINHO, Judicael Sudário. Temas de Direito Constitucional e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 22. Dizer que o poder é do povo como a nossa Constituição enuncia é simples, contudo, somente uma efetiva participação deste nas decisões e escolhas públicas é que legitima essa afirmação.

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2.3 O sentido do termo constitucionalização do Direito e seus reflexos

Como visto até o momento, a Constituição e todo o seu estuário normativo,

abstraindo a questão da sua força normativa, por enquanto, já que é comentada em

separado, impuseram, por si sós, uma necessidade de reflexão sobre a

contaminação dos valores dispostos nela em todos os demais ramos do Direito,

conduzindo, por conseguinte, a um raciocínio de que o Direito – a qual só é dividido

por questões didáticas – passe a ter uma base constitucional que seja

necessariamente obedecida em toda a sua atuação. 35

Nesse contexto de simples compreensão, mas de difícil aplicação prática, é

que se denota o movimento da constitucionalização do Direito, o qual se denota

facilmente a sua ligação com a supremacia constitucional e a jurisdição

constitucional, contudo, não se restringe a esses pontos, pois o mais importante é

que as autoridades estatais e até mesmos os cidadãos se conscientizem que a

escolha idealizada na Constituição seja viva e operável, para tanto, imprescindível

esse espraiamento dos valores em toda a conduta humana.

Sua origem é bem discutida, pois o próprio controle da constitucionalidade

dos atos em geral já induz a necessidade de observância da Constituição em

qualquer caso, porém o interessante nessa ambientação é justamente a

preocupação anterior de que o ato em si esteja em observância aos valores

constitucionais, não porque a Constituição é a lei maior e por hierarquia deva ser

obedecida, mas que o seu espírito seja levado em consideração e materializado nos

casos em concreto, principalmente quando ocorrem conflitos de interesses em que o

Direito é incerto em relação aos contendores.

35 “Para o constitucionalista, ciente da hierarquização do ordenamento jurídico, em cujo topo figura o ordenamento constitucional escrito, parece não haver nenhum problema na subordinação de todo o ordenamento jurídico à constituição. Mas não é a esse fenômeno que se quer fazer referência quando se fala em constitucionalização do direito, título deste trabalho. Com constitucionalização do direito quer-se aqui fazer menção, em linhas gerais, que serão desenvolvidas no decorrer do trabalho, à irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito”. Grifo nosso. SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito, os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 18. O autor no início de sua obra já deixa claro que esse movimento não é tão elementar assim e não é visto somente no aspecto formal, pelo contrário, toda a sua tese é construída justamente sob a ótica material e que limita a autonomia da vontade até mesmo entre os particulares. Para esse estudo é importante que o operário do Direito com mais veemência esteja envolvido nesse constante e indispensável agir constitucional.

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Daí a sua íntima relação com a jurisdição. Ora por meio dessa função estatal

as pessoas discutem o seu direito e este deve ser pensado sempre em relação aos

valores constitucionais - escolhidos pela sociedade política em um momento ímpar -

e a sua conservação é uma necessidade social, logo, todas as relações devem se

inspirar neles, sob pena de o poder do povo ser um mero jogo de palavras.

Importante nesse diapasão e com sentido vinculante para todos os Poderes,

foi uma decisão marcante e até mesmo pioneira do Tribunal Constitucional Alemão,

no famoso caso Lüth, citada no livro de Virgílio Afonso da Silva, como se pode

observar:

A Constituição, que não pretende ser uma ordenação axiologicamente neutra, funda, no título dos direitos fundamentais, uma ordem objetiva de valores, por meio da qual se expressa um (...) fortalecimento da validade (ou) dos direitos fundamentais. Esse sistema de valores, que tem seu ponto central no livre desenvolvimento da personalidade e na dignidade humana no seio da comunidade social, deve valer como decisão fundamental para todos os ramos do direito; legislação, administração e jurisprudência recebem dele diretrizes e impulsos. Grifo nosso. 36

Desse modo, verifica-se que esse movimento, apesar de ainda iniciante no

Brasil, começa a ganhar contornos nesses últimos anos a ponto de ter, no mínimo,

quebrado alguns dogmas de ramos antes tidos como intocáveis e no ramo

processual já assume feição de mudança radical da atuação dos que laboram com o

Direito.

Os seus reflexos, em que pese ainda serem pequenos em razão da

magnitude que seus efeitos devem operar com a sua solidificação, já são bem

notados, principalmente em matéria de função jurisdicional e efetivação dos direitos

e garantias fundamentais dos indivíduos.

E neste trabalho se analisa justamente essa relação indissociável entre o

direito e garantia fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e tempestiva que

procure em cada caso concreto, a par das circunstâncias peculiares ali encontradas,

fazer valer os valores constitucionais encampados de forma bem nítida e que 36 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito, os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 42.

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infelizmente ainda encontra dificuldades em se concretizar nas situações reais de

vida do cidadão.

A Constituição tem que ser vivida e sentida pelos cidadãos que fazem parte

da sociedade civil que a ela devem subserviência. Esse sentir em todas as condutas

humanas é o principal obstáculo, pois, em que pese não ser razoável a intromissão

do poder público em todos os setores da vida privada, mesmo em um Estado Social

como o nosso, não se pode permitir, por outro lado, que os núcleos essenciais

dispostos na Carta Magna não se façam presentes, pelo menos na maioria das

situações vividas pelo individuo.

Ao se analisar em abstratamente os princípios constitucionais de justiça e os

direitos e garantias fundamentais, infelizmente se nota um déficit grande em relação

à realidade social brasileira, daí porque esse fenômeno vai ser muito importante na

luta contra o abismo entre o ser e o dever ser, funcionando, nesse contexto, os que

lidam com a ciência do Direito, como instrumentos de garantia para materialização

de tais normas.

São dignas de registro as ponderações de Luis Roberto Barroso e Ana Paula

Barcellos nesse tocante:

A Constituição de 1988 tem sido valiosa aliada do processo histórico de superação da ilegitimidade renitente do poder político, da atávica falta de efetividade das normas constitucionais e da crônica instabilidade institucional brasileira. Sua interpretação criativa, mas comprometida com a boa dogmática jurídica, tem se beneficiado de uma teoria constitucional de qualidade e progressista. No Brasil, o discurso jurídico, para desfrutar de legitimidade histórica, precisa ter compromisso com a transformação das estruturas, a emancipação das pessoas, a tolerância política e o avanço social. 37

Desse modo, a constitucionalização do Direito traz como reflexo principal –

não só os que lidam com o Direito, mas na realidade, toda a sociedade brasileira – a

necessidade imanente de que toda atuação humana seja balizada em conformidade

37 BARROSO, Luis Roberto.; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da História. A nova interpretação Constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Temas de Direito Constitucional, Tomo III, Rio de Janeiro:Renovar, 2005, p. 59.

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com os princípios ali estabelecidos, sendo esse exercício uma forma real de

efetivação da democracia, tão prestigiada em nosso país. 38

Quando se defende a concretização dos valores constitucionais de forma que

todos os ramos do Direito sejam atingidos, está se realizando democracia, pois o

que o povo escolheu em sua forma mais solene e ampla se realiza no mundo fático

e principalmente quando os direitos de um modo geral são desrespeitados por quem

quer que seja. Esse reflexo é, sem sombra de dúvidas, o mais relevante para a

sociedade.

E como se observa, todo o norte desse movimento está centrado nos direitos

e Garantias Fundamentais dos Cidadãos, que, em nosso constitucionalismo,

assume papel preponderante em toda a atuação do jurista, condicionando todo o

seu agir e impondo uma cultura diferenciada no estudo dos ramos autônomos do

Direito, que, na realidade, não são tão autônomos assim, justamente por terem que

se perfilhar nos valores constitucionais dispostos nesses direitos.

2.4 Aspectos jurídicos do neo-constitucionalismo e neo-processualismo

38 É de bom alvitre que se registre que no Brasil esse movimento ainda é incipiente e que a sua estruturação se deu no Direito Alemão a partir de decisões como a citada pelo Tribunal Constitucional, ressaltando, no entanto, que os Estados Unidos, a par de seu efetivo controle da Constituição desde os seus tempos mais remotos, como o caso Marbury x Madison, vem se consolidando, de forma que lá todo o Direito tem como centro de análise a Carta Suprema e que, no Brasil, nos últimos dez anos, isto vem ocorrendo, tendo o nosso Supremo Tribunal Federal importante atuação nesse sentido, com uma hermenêutica constitucional mais cristalina.

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Essa irradiação necessária dos valores constitucionais por todos os ramos do

Direito conduziu no aspecto jurídico a uma nova forma de se pensar a interpretação

e aplicação de todas as normas e, por conseguinte, a uma visão processual mais

consentânea com a realidade constitucional, desvirtuada do formalismo que sempre

lhe foi inerente, já que o substrato material que dá guarida a esse movimento deve

ser observado necessariamente em toda a atividade jurisdicional.

Os direitos e garantias fundamentais são quem comandam todo esse

processo de compreensão da Constituição como centro do ordenamento jurídico e

de um processo que tenha como premissa a concretização desses direitos em cada

caso concreto, para tanto, o jurista contemporâneo, necessariamente, teve que levar

em consideração os valores no estudo da ciência jurídica, bem como se despir do

manto da neutralidade e pureza, que por muito tempo o transformou em autômato,

sem qualquer preocupação social por seus atos. Na realidade, houve uma

aproximação da Ciência com a Filosofia. 39

Dentro dessa perspectiva, observa-se que os direitos e garantias

fundamentais são juridicamente o ponto de equilíbrio para o neo-constitucionalismo

e neo-processualismo, já que toda a leitura e a conseqüente aplicação das normas

criadas pós Constituição passam compulsoriamente por eles, não como guias

abstratos aos juristas, mas como elementos que devem necessariamente ser

materializados por meio do processo com amparo direto da Carta Maior.

Nesse sentido, é importante que se registre a posição de Marinoni quando faz

menção a importância que os direitos fundamentais possuem atualmente em nosso

ordenamento, inclusive na ótica processual:

39 “Fruto desse processo, a constitucionalização do Direito importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente por via da jurisdição constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações, a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Carta Constitucional e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição, circunstância que irá conformar-lhes o sentido e o alcance. A constitucionalização, o aumento da demanda por justiça por parte da sociedade brasileira e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram, no Brasil, uma intensa judicialização das relações políticas e sociais”. Luis Roberto Barroso, Neo-Constitucionalismo e Constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, artigo publicado no Jus Navigandi, com acesso em 09 de junho de 2007.

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Compreendida a nova concepção de direito e as principais características do Estado constitucional, isto é, a subordinação da lei às normas constitucionais, a transformação do princípio da legalidade e da ciência do direito, a rigidez da Constituição, a plena eficácia jurídica das suas normas, a função unificadora da Constituição, assim como a imprescindibilidade de controle jurisdicional da constitucionalidade da lei e de sua omissão e a necessidade de a lei ser aplicada sempre de acordo com a Constituição, resta agora tratar da função que a nova ciência jurídica emprestou aos direitos fundamentais, construindo uma teoria que faz de tais direitos não só um suporte para o controle das atividades do Poder Público, mas também um arsenal destinado: i) a conferir à sociedade os meios imprescindíveis para o seu justo desenvolvimento (direitos a prestações sociais); ii) a proteger os direitos de um particular contra o outro, seja mediante atividades fáticas da administração, seja através de normas legais de proteção (direitos à proteção); e iii) a estruturar vias para que o cidadão possa participar de forma direta na reivindicação dos seus direitos (direitos à participação).... Por outro lado, para se compreender o que o juiz faz quando decide - se atua a vontade da lei etc. -, é necessário entender, além da concepção de direito do Estado contemporâneo, a função dos direitos fundamentais materiais. Mas, como a adequada prestação jurisdicional depende da universalidade do acesso à justiça, do plano normativo processual, da estrutura material da administração da justiça, bem como do comportamento do juiz, também é preciso pensar na relação entre o direito fundamental à tutela jurisdicional e o "modo de ser" da jurisdição, ou melhor, entre o direito fundamental processual do particular e a capacidade de o Estado efetivamente prestar a tutela jurisdicional. 40

Em toda essa conjuntura são os direitos e garantias fundamentais a mola

mestra que conduz todo esse processo de Constitucionalização do Direito e impõe

no campo processual essa nova concepção de jurisdição, a qual na realidade mexe

com vários dogmas do processo brasileiro, que, tendo inspiração italiana, ainda se

reveste de um formalismo e autonomia que andam na contramão da efetividade dos

direitos de um modo geral, ou seja, contra a sua própria razão de ser. 41

40MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p.63-64.

41 “As Constituições contemporâneas têm por característica marcante a positivação de amplos catálogos de direitos fundamentais, os quais normalmente acompanhados de preceitos que disciplinam sua aplicação, com o escopo de estabelecer um regime especial de disseminação desse modelo de constitucionalismo consolidou-se a partir da segunda metade do século XX, estando relacionada à reconstrução dos sistemas jurídicos de países europeus que vjveram experiências de banalização dos direitos humanos, e que promoveram ajustes de contas com o passado mediante a adoção de textos constitucionais dotados de dimensão ética e prospectiva, cuja perenidade seria assegurada gravando-se os dispositivos garantidores dos direitos com“ clausulas de eternidade".... Nesse contexto, a nota essencial do constitucionalismo recente é a generalização do esforço de tutelar juridicamente os direitos fundamentais, como passo indispensável para a construção do Estado Democrático de Direito. Em conseqüência, a jurisdição dos direitos fundamentais tem buscado estabelecer uma série de pautas e critérios destinados a garantir a efetividade jurídica desses direitos. E a intensificação dessa preocupação, presente na maior parte dos sistemas jurídicos ocidentais, permite identificar os contornos próprios da interpretação constitucional dos

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Destarte, o arcabouço jurídico que alicerça o neo-constitucionalismo e o neo-

processualismo tem uma fonte só, qual seja, a necessidade imanente que os direitos

e garantias fundamentais previstos na Constituição saiam do papel e passem a fazer

parte da vida das pessoas, sendo importante a função jurisdicional, todavia, o mais

relevante é que esses direitos sejam cumpridos pelo poder público e particulares em

geral, daí porque a Constituição tem que ser vista como norma de caráter

obrigatório.

2.4.1 A força normativa da Constituição

Nem sempre a Constituição foi compreendida como um conjunto de normas

que impusessem obrigações à sociedade civil. Em sua origem e até mesmo por

muito tempo se pregou a idéia de que a Carta Magna representava tão-somente a

vontade da classe dominante politicamente e que o ordenamento jurídico em que

pese a ter como referencial, suas prescrições não tinham caráter normativo, o que

conduziu a um enfraquecimento do próprio Direito. 42

Entretanto, com a positivação dos direitos humanos em diversas Cartas e

algumas atrocidades acobertadas pela própria lei, pelo menos no aspecto formal,

como já enunciado, os valores passaram a fazer parte das constituições e como tal

precisavam sair do papel, assim sendo, essa idéia de que a Constituição não se direitos fundamentais, a qual é caracterizada por determinadas técnicas e princípios especiais”. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p-1-2.

42 “É que a Constituicão de um país expressa as relações de poder nele dominantes: o poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital e finalmente, ainda que não se equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pela cultura gerais. As relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder; esses fatores reais do poder formam a Constituição real do país. Esse documento chamado Constituição - a Constituição jurídica - não passa, nas palavras de Lassale, de um pedaço de papel (dn Stück Papier). Sua capacidade de regular e de motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real. Do contrário, torna-se inevitável Conflito; cujo desfecho há de se verificar contra a Constituição escrita, esse pedaço de papel que terá de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominantes no país....A concepção sustentada inicialmente por Lassalle parece ainda mais fascinante se se considera a sua aparente simplicidade e evidência, a sua base calcada na realidade – o que torna imperioso o abandono de qualquer ilusão - bem como a sua aparente confirmação pela experiência histórica. E que a história constitucional parece efetivamente ensinar que, tanto na práxis política cotidiana quanto nas questões fundamentais do Estado, o poder da força da afigura-se em sempre superior à torça que a normatividade submete-se à realidade fática”. HESSE. Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 9-10.

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constituía como norma jurídica era inadmissível por todas as óticas, até mesmo

naquela época. Com mais consistência atualmente, em que a sociedade é pluralista

e necessita de uma resposta eficaz do poder público quanto aos diversos anseios.

Konrad Hesse, em obra conhecida mundialmente, em que pese as críticas, foi

quem iniciou essa discussão e trouxe a necessidade imanente de que a Constituição

fosse tratada como uma norma, ou seja, com aproximação de suas previsões com a

realidade fática:

Mas, esse aspecto afigura-se decisivo - a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas. Para usar a terminologia acima referida, "Constituição real" e "Constituição jurídica" estão em uma relação de coordenação. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem pura e simplesmente, uma da outra. Ainda que não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia. Essa constatação leva a uma outra indagação, concernente às possibilidades e aos limites de sua realização no contexto amplo de interdependência no qual esta pretensão de eficácia encontra-se inserida. 43

Essa compreensão é indispensável não só para a efetividade de todo o

Direito, mas principalmente para que os referenciais ali dispostos possam balizar

toda a atividade do ser humano e, nesse raciocínio, a Jurisdição não pode se

dissociar, pelo contrário, deve se amoldar de forma que a Constituição não só seja

aplicada diretamente, por ter, sem sombra de dúvidas, caráter normativo, mas que

todos os atos nela sejam inspirados.

43 HESSE. Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p.15-16.

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Junto com a jurisdição constitucional em plena ascensão e a hermenêutica

centrada na Constituição, os direitos e garantias fundamentais deixaram de ser

meras acepções abstratas. Esse é o desafio e que para ser superado depende de

uma mudança geral de postura dos que lidam com o Direito.

2.4.2 A nova Interpretação constitucional concretizadora

Por um período, mais precisamente, logo após o surgimento do

constitucionalismo, chegou a prevalecer a idéia de que a hermenêutica jurídica era

dividida em hermenêutica clássica(Jusprivatista) e constitucional(Juspublicista),

estabelecendo-se, inclusive, diversas teorias nesse tocante 44, todavia, atualmente,

predomina a tese de que a hermenêutica deve ser una, tendo como centro

epistemológico a Constituição.

Para tanto, não se faz necessário o abandono de todo o manancial teórico da

hermenêutica clássica, como defendem alguns, pois o importante é tratar a atividade

exegética como meio para obtenção de um fim maior, qual seja, a concretização dos

dispositivos constitucionais.

Nesse sentido, é que surgiu o movimento da constitucionalização de todos os

ramos do Direito a partir da mudança de rota, ou seja, tudo deve passar a ser

analisado a partir da Constituição, com o manuseio de todos os meios interpretativos

possíveis, inclusive o tradicional de subsunção de Savigny, em concomitância com os

novos recursos, tendo como pilar os princípios constitucionais, que, como verifica

adiante, constituem-se como premissas inafastáveis para o exercício da atividade

jurisdicional.

Rodolfo Pereira Viana faz uma digressão sobre a nova postura do hermeneuta

que merece transcrição:

Dando curso a essa pretensão, importa primeiramente postular a seguinte assertiva: a Constituição é o lócus hermenêutico do Direito;

44 VIANA, Rodolfo Pereira. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 99-101.

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é o” lugar” a partir do qual se define a amplitude dos significados possíveis dos preceitos jurídicos infraconstitucionais. Isso não poderia ser de maneira diferente em função da afirmação do constitucionalismo moderno como modo de regulamentação da convivência política, bem como da consagração do princípio da supremacia constitucional.... Ato contínuo não é mais possível estabelecer diferenças entre o fazer hermenêutico em relação às leis infraconstitucionais e em relação aos preceitos constitucionais. Toda compreensão, interpretação e aplicação – que são momentos conexos, não nos esqueçamos – de preceitos legais são simultaneamente compreensão, interpretação e aplicação de preceitos constitucionais, ainda que indiretamente. Convém, portanto, redefinir o relacionamento entre a chamada Hermenêutica Constitucional e Hermenêutica Jurídica Clássica, sabendo-se que as discussões originais quanto às peculiaridades daquela vieram a lume após a afirmação do referido princípio da supremacia como uma contribuição importantíssima e original do Direito Constitucional. 45 Grifos nossos.

Com outras palavras, pode-se afirmar, a partir da idéia básica de que a

hermenêutica tem necessariamente como centro de sua atuação a Constituição, que

houve uma absorção da hermenêutica convencional (Clássica) pela hermenêutica

constitucional sem que houvesse rompimentos, pelo contrário, talvez as teses

unilaterais sejam o pecado, pois, neste caso, o uso salutar de todos os recursos

interpretativos, com a devida fundamentação, propicia a almejada concretização dos

dispositivos constitucionais a partir dessa nova concepção de jurisdição.

No mesmo diapasão e de modo enfático, não poderia ser outra a posição de

Peter Haberle em seu livro “Hermenêutica Constitucional A sociedade aberta dos

Interpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e

“procedimental” da Constituição” , quando afirma de maneira enfática e direta que a

“Constituição é, nesse sentido, um espelho da publicidade e da realidade. Ela não é,

porém, apenas o espelho. Ela é, se se permite uma metáfora, a própria fonte de luz.

Ela tem, portanto, uma função diretiva eminente”. 46

Destarte, não fica nenhuma dúvida de que a Constituição assumiu de fato e de

45 VIANA, Rodolfo Pereira. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 177-178.

46 HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional A sociedade aberta dos Interpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p.34.

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direito o lugar epistemológico central em toda a seara hermenêutica, o que deve

conduzir a um novo posicionamento de todos os operários do Direito e em especial os

magistrados, que, nas sociedades atuais, possuem a difícil missão de construir a

norma para o caso concreto e esta deve ser balizada nos direitos e garantias

fundamentais do cidadão.

Com o intuito de reforçar essa nova interpretação que se prega e na qual

alicerça o neo-constitucionalismo e essa propugnada forma de se destacar a atividade

jurisdicional, faz-se mister, desde já, trazer a posição de Lenio Streck, a qual preconiza

a inexistência das normas sem vinculação, na esteira do sustentado por Canotilho, na

sua clássica obra, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, em razão,

justamente, da importância dos princípios constitucionais, ou seja, a Constituição como

preocupação central do hermeneuta. Pertinentes são suas colocações como se pode

constatar:

“Desse modo, a violação de um princípio passa a ser mais grave que a transgressão de uma regra jurídica (no dizer de Bandeira Mello), representando a violação de um princípio constitucional na ruptura da própria Constituição, tendo essa inconstitucionalidade conseqüências muito mais graves do que a violação de um simples dispositivo, mesmo constitucional (na acepção de Souto Maior Borges), tudo porque – e não deveria haver qualquer novidade nisto – todos os dispositivos constitucionais são vinculativos e têm eficácia, podendo-se afirmar, com Canotilho, que hoje não há normas (textos jurídicos) programáticas. As assim denominadas “normas programáticas” não são o que lhes assinalava a doutrina tradicional: “simples programa”, “exortações morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, etc., juridicamente desprovidas de qualquer vinculariedade; às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição.” 47

Destarte, a hermenêutica contemporânea, chamada aqui de constitucional

concretizadora, tem como característica principal o fato do deslocamento de todo o

norte da interpretação para a Constituição, como já asseverado, com ênfase, nas

linhas antecedentes, contudo, tal característica, em que pese ser o âmago desse

movimento, não lhe é exclusivo, já que outras características marcam esse novo

modo de pensar a compreensão, a interpretação e a aplicação de todas as espécies

47 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Constitucional e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 243.

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de normas jurídicas e em especial as constitucionais. 48

Conforme já externado, perfunctoriamente, de modo propositado, a “Nova

Hermenêutica”, como também é conhecida essa nova maneira de olhar o problema

interpretativo, não revolucionou, na acepção mais ampla do termo, com a

hermenêutica dita clássica ou privada, como já se cogitou.

Na realidade, as novas feições das normas jurídicas, em especial os

princípios e a necessidade de concretização - que se molda como a maior constante

de todas as técnicas – impõem uma postura diferenciada, ou seja, mais ativa do que

a convencional, que se limitava tão-somente a desvelar o conteúdo da norma, sem

qualquer outra participação.

Na época em que surgiram as leis, estas eram bastante específicas e os

valores encontravam-se, ainda, no mundo inteligível, o que levou ao florescimento

do método de subsunção, com destaque para a dedução, por meio do uso dos

elementos tradicionais, quais sejam: gramatical, lógico, sistêmico, teleológico,

histórico, bem como outras variações dos estudiosos da hermenêutica.

A principal preocupação era revelar o conteúdo das normas, ou seja, o sentido

e alcance das expressões jurídicas, tendo o exegeta uma posição de inércia,

48 Cabe apresentar, como marco inicial dessas considerações sobre a hermenêutica contemporânea,

a distinção sutil entre a interpretação e a hermenêutica. Assim, a interpretação é, nada mais nada menos, que a aplicação ao caso concreto de enunciados já estabelecidos pela ciência da hermenêutica. Uma coisa é interpretar a norma legal, outra coisa é refletir e criar as formas pelas quais serão feitas as interpretações jurídicas. Interpretar é descobrir o sentido de determinada norma jurídica ao aplicá-la ao caso concreto. A vaguidade, ambigüidade do texto, imperfeição, falta da terminologia técnica, má redação obrigam o operário do Direito, a todo instante, interpretar a norma jurídica visando encontrar o seu real significado, antes de aplicá-la a caso sub judice. Mas não é só isso. A letra da lei permanece, mas seu sentido deve, sempre, adaptar-se às mudanças que o progresso e a evolução cultural imputam à sociedade. Interpretar é, portanto, explicar, esclarecer, dar o verdadeiro significado do vocábulo, extrair da norma tudo o que nela contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão. Destarte, a interpretação tem caráter concreto, seguindo uma via preestabelecida, em caráter abstrato, pela hermenêutica. Pode-se dizer que a interpretação somente se dá em confronto com o caso concreto a ser analisado e decidido pelo Judiciário. A hermenêutica, ao contrário, é totalmente abstrata, isto é, não tem em mira qualquer caso a resolver. Essa visão ainda pode ser compreendida desse modo, desde que se utilize a interpretação no sentido mais contemporâneo possível, ou seja, de concretização como movimento que liga a compreensão, interpretação, em sentido estrito, e aplicação, de modo conexo e que produza um resultado de criação da norma para o caso concreto e não somente uma reprodução da norma em abstrato, até mesmo porque texto normativo e norma são coisas distintas. A norma é o produto da interpretação em sentido amplo do texto normativo.

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cabendo a ele só a missão de representar (trazer ao presente o que já estava

estabelecido quando da época da elaboração da lei). 49

Entretanto, a partir do conjunto normativo diversificado e da complexidade da

sociedade, com interesses antagônicos e conflituosa por excelência, era inevitável

que surgissem novos métodos e uma concepção diferente (atribuidora de sentido ao

caso concreto) e que se adequasse a essa nova realidade, sem a qual a jurisdição

não atingiria seu objetivo.

É nesse ambiente que surge a interpretação constitucional concretizadora,

mais qualificada para consecução dos resultados desejados pela sociedade,

cabendo ao intérprete uma postura mais ativa 50 e ao mesmo tempo mais flexível

ante a própria essência das novas molduras da norma, como, por exemplo, os

49 Ainda sob a época da predominância da hermenêutica clássica, Carlos Maximiliano já sinalizava

para a necessidade de uma postura mais ativa e que conduzisse a evolução do Direito com escopo de acompanhar as aspirações sociais. São essas as suas digressões: "Não há como almejar que uma série de normas, por mais bem feitas que sejam, vislumbrem todos acontecimentos de uma sociedade. Neque leges, neque senatusconsulta ita scribi possunt, ut omnes casus qui quandoque inciderint comprehendantur (nem as leis nem os senatus-consultos podem ser escritos de tal maneira que em seu contexto fiquem compreendidos todos os casos em qualquer tempo ocorrentes).Por mais hábeis que sejam os elaboradores de um Código, logo depois de promulgado surgem dificuldades e dúvidas sobre a aplicação de dispositivos bem redigidos. Uma centena de homens cultos e experimentados seria incapaz de abranger em sua visão lúcida a infinita variedade dos conflitos de interesses entre os homens. Não perdura o acordo estabelecido, entre o texto expresso e as realidades objetivas. Fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, evolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos.Transformam-se as situações, interesses e negócios que teve o Código em mira regular. Surgem fenômenos imprevistos, espalham-se novas idéias, a técnica revela coisas cuja existência ninguém poderia presumir quando o texto foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador, nem reformar sua obra. A letra permanece: apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na vida social."O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica do Direito”. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.12 .50

Em tempos de constantes transformações políticas e ideológicas, onde países se agregam unindo economias, em que regimes absolutistas extinguem-se, nações liberam-se, a pobreza, a miséria e a fome espalham-se como uma verdadeira epidemia, a violência invade lares e a evolução tecnológica atinge patamares inimagináveis, o papel do magistrado é, sem sombra de dúvidas, difícil e árduo. A sociedade se transforma, o direito, necessariamente, deve acompanhá-la. Hoje, a democracia não permite um Judiciário apático e passivo. Exige um poder forte, atuante e voltado para a solução dos problemas que abraçam a nação. Conforme ensina Plauto Faraco de Azevedo "o jurista, visto como técnico a serviço de uma ordem jurídica dita neutra, em verdade é formado para ser o ordenador do poder instituído, seja ele qual for. Preparado para nada contestar, torna-se incapaz de colaborar de modo efetivo na construção da democracia, que passa necessariamente pelo adequado encaminhamento dos problemas suscitados pela justiça distributiva, reclamando agentes de pensamento aberto, habituados ao confronto e discussão de idéias contrárias, capazes de compreender o presente e planejar o futuro.” AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do Direito e Contexto Social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

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princípios, as conhecidas “cláusulas gerais” e os conceitos jurídicos indeterminados,

que no Novo Código Civil fazem sucesso, mas que determinam um novo estilo de

tratá-las.

O mentor do citado código, professor Miguel Reale, inclusive um dos

idealizadores da hermenêutica tradicional em nosso país, propugna de maneira

expressa uma nova assunção de participação do magistrado nessa concretização

dos mandamentos legais, enunciando o princípio da judicialidade, que se caracteriza

por permitir ao julgador a formulação da regra específica para o caso quando a

legislação expressamente permitir.

Não se prega em momento algum um total desapego aos comandos das

normas jurídicas, pois tal posição bateria de frente com o princípio da separação de

poderes e, com certeza, conduziria à prevalência da ditadura do Poder Judiciário,

em total desrespeito ao princípio da democracia e soberania popular, como se

discute mais amiúde a seguir.

Todavia, o juiz assume uma posição mais viva perante o objeto de

conhecimento, travando este um diálogo, qual a hermenêutica filosófica

gadameriana intitula de dialeticidade, que é um dos elementos do “giro

hermenêutico”, qual todas as correntes aceitaram e que influenciou essa

interpretação constitucional concretizadora.

Por outro lado, não se propugna, na linha da escola do direito livre de

Kantorowicz 51, a liberdade total do magistrado, pois essas novas características têm

como limite a própria essência das normas constitucionais, que não podem ser

violadas, sob pena dos valores elencados pelo poder popular não serem

51 A crítica fundamental que é feita à teoria do direito livre pode ser assim resumida: substituir a “lei”, que representa objetivamente a vontade geral, pelo critério do “juiz”, individual e subjetivo, significa retroceder no desenvolvimento do Direito; a evolução realizou-se em sentido inverso, isto é, no de substituir o arbítrio de um pela vontade coletiva expressa na lei. A lei, apesar de suas limitações, é garantia de segurança para todos. A teoria trouxe, entretanto, o benefício de denunciar os erros de uma interpretação rígida e dogmática dos textos legais e chamar a atenção para a necessidade de uma consideração atenta da justiça e da realidade social, na aplicação do direito. As novas tendências das doutrinas de interpretação podem ser sintetizadas na fórmula “doutrinas de pensamento problemático”, em oposição às doutrinas do “pensamento sistemático”, que representam o dogmatismo jurídico. Esse novo pensar é também uma característica peculiar da interpretação constitucional concretizadora.

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assegurados quando dessa atividade exegética.

Esse limite é instransponível pelo intérprete concretizador e nesse sentido

não há discrepância, também, atualmente, sendo uma característica basilar da

própria concepção de jurisdição.

Rodrigo Andreotti Musetti ensina que "A existência do ordenamento jurídico,

por si só, não garante o fim do Direito, qual seja, a justiça. Se assim fosse, já

teríamos computadores recolhendo os casos concretos e aplicando neles as leis

pertinentes. A natureza e a realidade humana não podem ser tratadas como

números ou fórmulas”. 52

Por esses juízos de fato indiscutíveis é que se defende uma postura mais

ativa do magistrado, ao mesmo tempo, fixando o seu limite na própria Constituição e

demais atos normativos que a ela estejam em conformidade, sendo tal dosagem o

ponto nevrálgico da atuação do intérprete.

Percebe-se, também, que a própria textura das normas constitucionais e das

leis mais recentes são abertas, o que incrementa a mobilidade de atuação pelo

aplicador na atividade concretizadora, que, por sua vez, deve se alicerçar sempre

nos princípios constitucionais, aos quais, na sua maioria, possuem essa indefinição

específica legitimadora da amplitude defendida nessa nova concepção de jurisdição.

No que tange ao método utilizado por esse novo modo de pensar a

interpretação das normas jurídicas, verifica-se que não se pode definir um, em

específico, que conduza a uma verdade intangível, até mesmo porque esta não deve

ser a preocupação do intérprete, como outrora se idealizou com a dogmática

jurídica.

Na realidade, é pacífico o entendimento que todas as normas permitem, pelo

menos, duas interpretações, logo, a busca pela verdadeira acepção deixou de ser

almejada, pois o que interessa, hoje, é obter a conformação com a Constituição e,

por conseguinte, a sua concretização.

52 MUSSETI, Rodrigo Andreotti. A Hermenêutica jurídica de Hans-George Gadamer e o pensamento de São Tomás de Aquino, artigo publicado no site do Conselho da Justiça Federal.

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A grande mudança na parte metodológica diz respeito à influência direta dos

estudos filosóficos na hermenêutica jurídica, a ponto de ter havido o deslocamento

da tradicional abordagem do sujeito ao objeto de modo neutro, por um constante

diálogo entre eles, firmando-se uma corrente, quase que pacífica, nesse tocante.

As idéias de Heidegger, consolidadas e aprimoradas por Gadamer no mundo

jurídico, permitiram uma convivência harmoniosa entre os diversos métodos

existentes a partir da consideração do elemento da tradição e historicidade como

fundamentais para o ato de compreensão.

Essa compreensão, que antes era isolada da interpretação e posteriormente

da aplicação, passou a ser concebida como um processo conjunto e indissociável,

não sendo o método em si relevante, mas tão-somente como meio auxiliar de todo o

processo interpretativo.

Com outras palavras, pode-se depreender que a compreensão/interpretação,

em conjunto com a antiga aplicação (método subsunção – dogmática jurídica), tem

que se imiscuir na tradição, revitalizando o texto, dando um novo sentido ao

momento presente, a cada necessidade de concretização de seu conteúdo,

construindo a norma do caso concreto e não somente desvelando o conteúdo da

norma abstrata, ou melhor, do texto normativo, como se observa adiante.

Esclarecedor no sentido acima é o magistério do professor Márcio Diniz, em

seu livro Constituição e Hermenêutica Constitucional, quando enuncia a importância

que Gadamer atribui à hermenêutica jurídica e que, por conseguinte, é vital para a

compreensão atual nesse movimento concretizador, como se verifica abaixo:

O jurista deve levar em conta o aspecto histórico ao interpretar a lei, para determinar o seu conteúdo normativo(sein normative Gehalt) e aplicá-la ao caso a que se dedica. Para determinar o seu conteúdo normativo atual, ele deve usar o conhecimento histórico como um meio para conhecer também o seu sentido intrínseco original(den ursprünglichen Sinngehalt.) Ora, o conhecimento histórico só pode acontecer para que em cada caso o passado seja percebido em sua continuidade com o presente. E isto é o que o jurista faz, precisamente, ao desempenhar a sua tarefa prático-normativa, quando a sua intenção é assegurar a sobrevivência do Direito como um continuum e garantir a tradição do pensamento jurídico. 53

53 Em comentário aduzido logo em seguida à passagem transcrita, o professor traz o próprio pensamento de Gadamer quanto à concepção de interpretação como concretização na esteira do

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Daí a necessidade de se implementar uma mudança na questão

hermenêutica, ultrapassando-se a visão tradicional, que a tem como um problema

normativo e metodológico (isto é, um conjunto de métodos e técnicas destinado a

interpretar a essência da norma), para chegar-se à visão contemporânea, que a tem

como um problema universal (isto é, filosófico e ontológico, que afeta em geral toda

a relação entre o homem e o real).

Com essa interpretação constitucional concretizadora, a interpretação deixa

de ser vista sob a perspectiva normativo-metodológica, mas como algo inerente à

totalidade da experiência humana, vinculado à sua condição de possibilidade finita,

sendo uma tarefa criadora, circular, que ocorre no âmbito da linguagem e que tem

como escopo principal a efetivação dos dispositivos normativos, em especial, os

princípios, que exprimem os valores, que são balizamentos indispensáveis à

convivência social idealizada na Constituição Federal.

Não cabe em sede de um trabalho desse porte a dissecação de todas as

doutrinas recentes sobre a hermenêutica contemporânea, a exemplo da tópica de

Viehweg, da metódica estruturante de Muller, da força normativa de Hesse, inclusive

já comentada pela direta relação com o tema, e da sociedade aberta de Haberle,

todavia, é importante que se conclua no sentido de que todas essas reflexões foram

de suma importância, junto com a hermenêutica filosófica 54, para a desvalorização

dos métodos, por si sós, como suficientes para a obtenção da verdade do conteúdo

preconizado neste trabalho: “A tarefa da interpretação é a de concretização da lei em cada caso, o que é também tarefa da aplicação. A função de complementação produtiva do Direito, que nela [ na interpretação] acontece está, desde logo, reservada ao juiz, o qual está todavia, sujeito à lei, exatamente do mesmo modo que todo membro da comunidade jurídica.” Grifo Nosso. DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos.Constituição e Hermenêutica Constitucional. Belo Horizonte:Mandamentos, 1998, p. 225.54

Neste sentido, é oportuna a observação de Lenio Luiz Streck em obra já comentada: “Os contributos da hermenêutica filosófica para o direito trazem uma nova perspectiva para a hermenêutica jurídica, assumindo grande importância as obras de Heidegger e de Gadamer. Com efeito, Heidegger, desenvolvendo a hermenêutica no nível ontológico, trabalha com a idéia de que o horizonte do sentido é dado pela compreensão; é na compreensão que se esboça a matriz do método fenomenológico. A compreensão possui uma estrutura em que se antecipa o sentido. Ela se compõe de aquisição prévia, vista prévia e antecipação nascendo desta estrutura à situação hermenêutica. Já Gadamer, seguidor de Heidegger, ao dizer que ser que pode ser compreendido é linguagem, retoma a idéia de Heidegger da linguagem como casa do ser, onde a linguagem não é simplesmente objeto, e sim, horizonte aberto e estruturado. Daí que, para Gadamer, ter um mundo é ter uma linguagem. As palavras são especulativas, e toda interpretação é especulativa, uma vez que não se pode crer em um significado infinito, o que caracterizaria o dogma. A hermenêutica, desse modo, é universal, pertence ao ser da filosofia, pois, como assinala Palmer, a concepção especulativa do ser que está na base da hermenêutica é tão englobante como a razão e a linguagem.”

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do texto normativo. 55

2.4.3 A Jurisdição Constitucional

A jurisdição constitucional fora idealizada justamente para fazer valer o

princípio da supremacia constitucional. A hermenêutica contemporânea tem como

“lócus” a Constituição, ou seja, toda a interpretação parte da Lei Maior, que precisa

ser respeitada por todos os que fazem parte da sociedade.

Destarte, para que os exegetas tenham êxito em sua missão concretizadora,

faz-se mister o integral cumprimento da Constituição e este é assegurado pelas

diversas formas de controle de constitucionalidades das leis e atos em geral,

principalmente as executadas pelo Poder Judiciário ou pelo Tribunal Constitucional. 56

A par do já esposado, já se pode afirmar que toda a jurisdição atual é

constitucional, mesmo naqueles países que instituíram como única forma de controle

o concentrado, como é o caso do sistema europeu dos Tribunais Constitucionais.

55 Uma concepção muito bem aceita atualmente no Brasil, como professa Lenio Streck, Bonavides, Luis Roberto Barroso, é a teoria do professor alemão Friderich Muller quanto à distinção entre texto normativo e norma. Para o professor, que é partidário da hermenêutica de concretização, junto com as demais correntes citadas, os elementos são os seguintes: o programa normativo (a linguagem, ou seja, o texto escrito), o campo normativo (dados da realidade captados) e a norma-decisão, materialmente determinada (um modelo de ordenação que se mostra através da linguagem e pelo campo de dados da realidade). Tal concepção, na esteira do sustentado pelo professor Márcio Diniz em obra já citada e na qual merece a transcrição: “O âmbito normativo é o setor da realidade social onde deve ser aplicado o programa normativo. Sem a inclusão, neste último, do âmbito material contido na realidade, não seria possível a concretização e a realização do conteúdo de uma norma constitucional. É clara, portanto, nesta teoria, a não-identificação entre” norma “e” texto normativo”. A “norma” como diz Muller, é muito mais ampla do que o “texto normativo”, vez que a sua determinação está constituída por uma conexão de elementos estruturais, configurados no“ programa normativo”, que são determinados a partir da realidade social. O texto normativo se converte em decisão quando o problema houver sido solucionado num processo de concretização.” Grifos nossos. p.254. É oportuno, ainda, esclarecer que Muller defende a utilização regular dos métodos tradicionais da hermenêutica clássica, conforme já ponderado.

. 56 Para comprovar essa imanente ligação entre jurisdição constitucional e a “Nova Hermenêutica”, é salutar que se recorra, mais uma vez, a obra Constituição e Hermenêutica Constitucional, do professor Márcio Diniz, que em sede de considerações finais assim se posiciona: ”A hermenêutica Constitucional se realiza, em toda a sua plenitude, no âmbito da Jurisdição Constitucional. Aqui, o objeto da interpretação é a lei fundamental do Estado e da sociedade, uma estrutura normativa suprema no interior do ordenamento jurídico, que possui, também, além desta essencial dimensão jurídica, duas outras dimensões: uma política (ideológica) e outra axiológica (cultural).Grifo nosso. p. 272.

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No Brasil, com muito mais veemência, essa afirmação condiz com a

realidade, pelo menos teórica, sendo a função de todos os operários do Direito

transformá-la em prática constante e salutar para toda a sociedade, que escolheu

alguns valores e, de forma desvirtuada, não os vê concretizados.

Na realidade, a jurisdição constitucional deveria ser somente uma referência

de garantia da supremacia da Lei Maior e não uma forma de controle efetivo das leis

e atos administrativos, pois o ideal seria que todos espontaneamente cumprissem os

dispositivos constitucionais e, por meio desse novo modo de interpretação, abrir-se-

ia um horizonte nesse sentido, em razão do deslocamento da Constituição para o

centro de atuação do intérprete.

Nesse diapasão, verifica-se que a mudança de postura dos que laboram com

o Direito, no enfrentamento da análise de todas as normas com base na

Constituição, facilitará o trabalho dos órgãos de controle de constitucionalidade em

todas as suas vertentes, principalmente, o por omissão, que diz respeito ao maior

problema diagnosticado em nosso país, que teima em aceitar a existência de

normas programáticas, as quais estão na contramão da efetividade e concretização

dos valores constitucionais. 57

Essa nova concepção de jurisdição tem como principal desafio expurgar

interpretações que estejam em desconformidade com o efetivo cumprimento da

Constituição por todos os Poderes. Não existe mais alternativa que conduza a uma

inatividade da Constituição e a jurisdição constitucional em nosso país é executada

em todos os níveis, devendo o Poder Judiciário assumir o papel de legislador

negativo, quando se fizer necessário, e de efetivo determinador de políticas públicas,

que assegurem a realização dos direitos fundamentais, quando os órgãos

competentes forem omissos.

57 “Os efeitos do Estado Social também alcançam o Judiciário. Não há como negar que, pelas metas a serem imputadas ao Estado pela Constituição por meio de norma plenamente vinculante, elas também vinculam o Judiciário. Proclama José de Albuquerque Rocha que “a Constituição se configura, assim, não só como uma norma de organização das instituições e garantidora de direitos, mas, também, como um sistema de valores a serem realizados pelos poderes públicos, em especial, pelo Judiciário.” LOPES FILHO, Juraci Mourão. A Administração da Justiça no Estado Social in BONAVIDES, Paulo.; LIMA, Francisco Gerson Marques de.; BEDÊ, Fayga Silveira. Organizadores. Constituição e Democracia. São Paulo:Malheiros, 2006, pág. 389.

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A jurisdição que necessariamente deve ser constitucional nasceu para

combater todo tipo de inconstitucionalidade e o cumprimento de uma lei, sem a

devida compatibilidade formal e material, vai de confronto ao âmago de todo o

processo, que se utilizará justamente dessa interpretação concretizadora para o

restabelecimento da ordem constitucional.

Todas essas situações implicam, necessariamente, na adoção de um modelo

global e devidamente sistematizado que possam municiar os executores das

normas, os próprios legisladores, e, se for o caso, como infelizmente sempre ocorre,

os juízes, em acepção ampla, de meios que concretizem, em suas respectivas

atribuições constitucionais, todos os núcleos encontrados nos princípios, de modo

que as combatidas normas programáticas sejam realmente expurgadas do

constitucionalismo contemporâneo.

Não cabe em sede de um trabalho que aborda tão-somente uma nova

concepção de jurisdição, na qual se intitula suas características atuais, a par das

necessidades sociais, debruça-se nas minúcias das diversas formas de controle de

constitucionalidade e das próprias técnicas desse controle, como a interpretação

conforme a Constituição, a declaração parcial de nulidade sem redução de texto,

enfim, a própria técnica de ponderação de bens e interesses, que de uma forma

geral, já se destacou a importância perante a patente colisão de valores

preconizados na Carta Magna e que somente essa atuação jurisdicional do caso

concreto é que vai definir a preponderância de um ou outro valor, como se destaca a

seguir.

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2.5 A normatividade dos princípios. Evolução histórica. “Status” constitucional. Eficácia. Distinção das regras quanto à aplicação. Relação com a hermenêutica.

Os princípios, por muito tempo, estiveram atrelados à idéia do direito natural,

ou seja, com a acepção de entidade metafísica, daí seu caráter indiscutível de

abstração em grau máximo. 58 Ocorre que com a aceitação de alguns de seus

valores pela sociedade e conseqüentemente codificação das condutas permitidas,

proibidas, etc, os princípios assumem uma nova função, qual seja, a de integrarem o

ordenamento jurídico.

58 É importante ressalvar o trabalho do professor Humberto Ávila que entende como instituto de maior abstração do que o princípio o postulado, trazendo como espécies o da Igualdade, Razoabilidade e Proporcionalidade. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, da definição a aplicação dos princípios jurídicos, 4.ed. 2ª Tiragem, São Paulo: Malheiros , 2005, p. 87.

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Essa evolução, no sentido histórico, ocorreu através das fases do

jusnaturalismo, positivismo e pós-Positivismo 59, ainda em formação, que abraçaram,

segundo a maioria dos juristas, a tese da normatividade dos princípios, tendo tido

como precursores os estudos do alemão Robert Alexy e do norte-americano Ronald

Dworkin 60, com grande aceitação no Brasil, como professa Paulo Bonavides.

Paulo Bonavides destaca a passagem da função dos princípios - antes tidos

apenas como gerais e função supletiva (princípios gerais de direito) – para princípios

constitucionais 61, com essência normativa e aplicabilidade máxima (não

programáticos) com muita eficiência, apontando suas diversas características e

principalmente a sua estreita ligação com a atuação hermenêutica, sintetizando suas

colocações da seguinte forma:

Em resumo a teoria dos princípios chega a seguinte fase do pós-positivismo com os seguintesresultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do direito, combaixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seucaráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas

59

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.259- 262-264.60

É de se registrar o estudo dos autores Larry Alexander e Kenneth Kress, Contra os princípios jurídicos, no livro Direito e Interpretação, Ensaio de Filosofia do Direito, editado por Andrei Marmor, no qual não se aceita a idéia de princípio como norma jurídica e sim como entidades teóricas, sem aplicação prática. No nosso entender e arrimado na Carta Magna Brasileira, os princípios podem ser tidos como normas e sua aplicação deve ser a maior possível a fim de que a efetividade se faça presente na práxis constitucional. 61

Quanto ao status constitucional que a maioria dos princípios assumiu, com o movimento do constitucionalismo, e sua importância, são relevantes as considerações de Nanci de Melo e Silva em seu livro Da Jurisdição Constitucional, Minas Gerais: Del Rey, 2002, p. 22-23, transcrito a seguir fielmente: “Os princípios introduzidos na Constituição são considerados uma espécie, dentro do genus dos princípios gerais. A variedade de princípios constitucionais forma um conjunto homogêneo, caracterizado pelo dado capital de seu supremo valor normativo dentro do ordenamento jurídico. Como princípios constitucionalizados ou princípios introduzidos no articulado constitucional, eles participam da força normativa da Constituição em relação às demais normas do ordenamento”. Grifo nosso.

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do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: atotal hegemonia e preeminência dos princípios. 62 Grifos nosso.

Não é outra a idéia de Rodolfo Pereira Viana, em seu livro Hermenêutica

Filosófica e Constitucional, ao comentar o tópico sobre a conquista da normatividade

dos princípios constitucionais, ressaltando a forte ligação de tal concepção para uma

efetivação dos comandos constitucionais. 63

Esse fenômeno da normatividade dos princípios não aparece de modo isolado

nessa conjuntura constitucional, pois a passagem do Estado Liberal ao Estado

Social(Constitucional Democrático) e suas vertentes contemporâneas, como já

ressaltado, trouxe a necessidade de realização dos direitos e garantias

fundamentais, previstos na Constituição, pelos órgãos públicos, o que baliza a

postura ativa do juiz nessa nova concepção jurisdicional.

Mais uma vez se recorre ao magistério de Luis Roberto Barroso e Ana Paula

de Barcellos sobre a evolução dos princípios e suas conseqüências:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética. Gradativamente, diversas formulações antes dispersas ganham unidade e consistência, ao mesmo tempo em que se desenvolve o esforço teórico que procura transformar o avanço filosófico em instrumental técnico-jurídico aplicável aos problemas concretos. O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se deve agregar o da transformação social e o da emancipação – deve ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e promotores, sobre a atuação

62 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p..294.

63 “Um dos movimentos mais fantásticos ocorrido nas Teorias do Direito e da Constituição contemporâneas foi, sem dúvida, a afirmação da força normativa dos princípios constitucionais, com a superação das correntes teóricas que ainda sustentavam um Direito formado apenas por regras estritas, vistas como únicos preceitos dotados de juridicidade. Grifo nosso. VIANA, Rodolfo Pereira. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Minas Gerais: Del Rey, 2001, p.127.

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do Poder Público em geral e sobre a vida das pessoas. 64 Grifos nossos.

No mesmo sentido e com uma visão de futuro perante o norte que os

princípios atualmente assumem para a hermenêutica, professa Canotilho,

ressaltando a hegemonia de sua qualificação jurídica:

Esta perspectiva teorético-jurídica do ‘sistema constitucional’, tendencialmente ‘principialista’, é de particular importância, não só porque fornece suporte rigosoros para solucionar certos problemas metódicos (...), mas também porque permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema. A respiração obtém-se através da ‘ textura aberta’ dos princípios; a legitimidade entrevê-se na idéia de os princípios consagrarem valores (liberdade, democracia, dignidade) fundamentadores da ordem jurídica e disporem de capacidade deontólogica de justificação; o enraizamento prescrusta-se na referência sociológica dos princípios a valores, programas, funções e pessoas; a capacidade de caminhar obtém-se através de instrumentos processuais e procedimentais adequados, possibilitadores da concretização, densificação e realização prática (política, administrativa,judicial) das mensagens normativas da Constituição 65 . Grifos nosso.

A par dessas considerações, vislumbra-se, de modo cristalino, que a função

dos princípios já era importante quando os mesmos não eram tidos como espécies

de normas jurídicas e com esse plus, percebe-se que eles têm com o

constitucionalismo contemporâneo uma vinculação indissociável, a ponto de

identificarmo-los como vetores de todo o fazer hermenêutico enunciado como mola

propulsora da nova concepção de jurisdição, pois atualmente deve prevalecer a

idéia de que toda a hermenêutica é constitucional por excelência, como já

destacado.

Um problema que por muito tempo ocupa espaço e inquieta aos que

trabalham com a ciência do Direito - em razão da angústia social - é a questão da

eficácia das normas jurídicas e com a qualificação jurídica dos princípios como tal,

acresceu-se, pelo inerente atributo destes em relação às regras, no que tange a sua

maior abstração e generalidade.

64 Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, in artigo publicado em homenagem a Raymundo Faoro, intitulado O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro, 2003.

65 CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1999, p.1089.

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Dessa forma, como se observa, na aplicação, existem diferenças, contudo, o

norte da necessidade de eficácia máxima direta dos princípios ou, pelos menos, a

garantia de sua realização pelo reconhecimento de sua importância (eficácia

indireta), não pode ser deixado de mão em hipótese alguma, sob pena da não

realização dos cânones idealizados pela sociedade.

A doutrina e a jurisprudência em peso devem trabalhar com o desiderato de

municiar as regras interpretativas de instrumentos que sempre conduzam a retirar

dos princípios, principalmente os constitucionais, o máximo de eficácia, de modo que

a efetividade seja a regra geral e somente em casos impossíveis de sua atuação

imediata, remeta-se a regras específicas, que, infelizmente, necessitam de labor

legislativo, o que no nosso país é moroso, sendo muitos os exemplos de ineficácia,

de vários direitos e garantias fundamentais, por omissão legislativa.

Destarte, o que se espera é que juízes, legisladores, governantes e

administradores públicos, em geral, passem a raciocinar no sentido de imprimir a

maior eficácia possível aos princípios e, na medida do possível, interpretem todos os

atos normativos direto com a Constituição e, em alguns casos, quando se tratarem

de valores tidos pela sociedade como irrenunciáveis, como é a maioria dos

princípios constitucionais, analisem a própria situação fática, também, em aprumo

direto com a Carta Magna, ou seja, sem intermediação da lei, o que com certeza,

conduzirá a uma maior efetividade das normas constitucionais como um todo.

Isto pode ser tido às vezes como difícil, porém consentâneo com essa nova

realidade estrutural e perfilhada com as políticas idealizadas e muitas vezes já

direcionada pelo constituinte originário, sendo, portanto, perfeitamente realizável e

plausível, desde que haja uma mudança cultural no sentido de perene vinculação do

exegeta com a Constituição e sua máxima eficácia, na esteira do preconizado por

Konrad Hesse, o que, infelizmente, ainda, não vem ocorrendo, todavia, só depende

dessa nova postura de todos os operários do Direito, sendo a jurisdição a função

terminal de atuação do Direito, ou seja, com caráter de definitividade.

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Verifica-se que nesse norte reside a grande atribulação do hermeneuta

contemporâneo, pois a existência, no ordenamento jurídico como um todo, e em

especial na Constituição Federal, da convivência pacífica e harmônica de regras e

princípios, como espécies de normas jurídicas criadas pela sociedade para regular o

bem estar social, imprimem essa nova abordagem interpretativa, eis que o velho

método subsuntivo de Savigny não é mais eficaz como outrora.

Para a aplicação de uma regra, a análise do intérprete torna-se mais simples,

e sem se imiscuir nas teorias sobre a natureza da norma jurídica, é elementar que a

norma prevê uma hipótese em abstrato e que deve ser concretizada quando do

surgimento do fato, logo, a incidência é direta, bastando encontrar a regra específica

para o caso ocorrido e muitas vezes isso é possível, daí o intérprete não possuir

maiores problemas.

Ocorre que nem sempre a situação é tão simples assim e o pior é que as

autoridades querem sempre tentar resolver os problemas de interpretação do modo

mais fácil, gerando, no mais das vezes, situações intricadas e de difícil solução,

porque, justamente, não vislumbraram que a saída não estava no raciocínio

dedutivo, ou melhor explicando, não estava de modo expresso previsto em uma

regra específica, mas, sim, embutido na questão dos valores preconizados pelos

princípios.

Ressaltando a divisão das normas jurídicas em princípios e regras para fins

de compreensão do que venha a ser Direito, é lúcida a ponderação de Jorge

Miranda em seu livro “Manual de Direito Constitucional”, enaltecendo, também a

qualificação jurídica dos princípios:

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atosde vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladasentre si, O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e nãoconjunção resultada de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, évalor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles - numa visão ampla, superadora de concepçõespositivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais-fazem

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parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas,contrapõem-se tão somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições 66. Grifo nosso.

É imprescindível que, nesse momento, também se faça uma rápida digressão

sobre as distinções entre princípios e regras (dispositivos) 67 a fim de que se ratifique

a posição destacada, ou seja, da análise interpretativa concretista que os princípios

provocam, conforme já enunciado quando da justificação da hermenêutica que

alicerça a nova concepção de jurisdição.

Mais uma vez se socorre a Canotilho quanto à distinção, tendo o mesmo

sintetizado as diversas posições doutrinárias, dando relevo inclusive para o modo

hermenêutico a ser desenvolvido pelos operários do direito que se debruçam

principalmente com os aparentes conflitos entre os princípios e entre as regras, bem

como entre princípios e regras.

São cinco os critérios de distinção trazidos pelo constitucionalista, “grau de

abstração; grau de determinabilidade; caráter de fundamentalidade; ‘proximidade’ da

idéia de direito e natureza normogenética” 68.

Inobstante tais diferenças, que de maneira resumida - após a análise dos

critérios supra e de um apanhado das demais doutrinas - depreende-se que uma

distinção relevante e bem acentuada nessa conjuntura, a qual sintetiza as mesmas,

reside na idéia de que os princípios possuem uma densidade normativa menor do

66 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4.ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1990, t. 1, p. 197-198.67

“Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. Antes de uma elaboração mais sofisticada da teoria dos princípios, a distinção entre eles fundava-se, sobretudo, no critério da generalidade. Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição. Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções distintas dentro do ordenamento.” Grifo nosso. Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, in artigo publicado em homenagem a Raymundo Faoro, intitulado O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro, 2003.68 J.J Gomes Canotilho. Op.cit, p. 1086-1087.

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que as regras e isso é muito importante na hora de aplicação deles, quando dos

conflitos postos a apreciação do Poder Judiciário.

Por outro lado, é de se frisar que a maior distinção de aplicação de regras e

princípios não se faz em relação ao caráter de generalidade e sim com relação ao

fator de determinação na ora do cumprimento.

Afinal, quando existem regras específicas para um dado caso, a análise

cinge-se, tão somente, a averiguar a possibilidade da incidência de uma ou outra

regra de modo direto ao caso, mantendo-se a que fora aplicada e invalidando a

outra.

Os princípios, por sua vez, podem ser maleáveis para um caso em

determinada circunstância, sem que se perquira, em momento algum, sobre a sua

validade, ou seja, há cessão de um principio para dar lugar ao outro na situação em

concreto, mas com a total permanência no ordenamento de ambos princípios.

Resumindo as colocações supra, é de suma importância que se recorra a

Paulo Bonavides, que, nessa matéria, releva a importância dos estudos de Ronald

Dworkin, após as imperfeições de Alexy, no que tange à distinção de aplicação entre

as regras e princípios, ressaltando inclusive a importância da teoria dos princípios

como o coração do constitucionalismo moderno. São essas as suas palavras:

Revertemos a Dworkin. As regras, segundo ele, são aplicáveis à maneira de tudo ou nada (na all or nothing). Se ocorrerem os fatos por elas estipulados, averba ele, então a regra será válida e, neste caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal, porém, não acontecer, aí a regra nada contribuirá para a decisão. Sempre que se tratar de regra, para torná-la mais precisa e completa, faz-se mister enumerar-lhe todas as exceções. O conceito de validade da regra é conceito de tudo ou nada apropriado para a mesma, mas incompatível com a dimensão de peso, que pertence à natureza do princípio. Entenda-se bem: peso ou valor. A dimensão de peso ou importância ou valor (obviamente, valor numa acepção particular ou especial) só os princípios a possuem, as regras não, sendo este, talvez, o mais seguro critério com que distinguir tais normas. A escolha ou hierarquia dos princípios é a de sua relevância. 69 Grifo nosso.

69 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional 16.ed.,São Paulo: Malheiros, 2005, p.262.

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Dessa forma, verifica-se que os possíveis conflitos entre regras, na hora da

aplicação, são de simples solução, pois, em razão da maior especificidade delas em

relação aos princípios, recorrere-se à análise inicial se ambas as regras estão em

vigência, a questão da hierarquia entres elas, se for o caso, e principalmente o

caráter de especialização, devendo o intérprete aplicar a que tenha sido feita em

atenção a condutas determinadas.

A idéia sempre deve partir da concepção de que não existe antinomia no

ordenamento jurídico e no caso especial das regras prevalece à máxima do tudo ou

nada e o modo de sua aplicação dar-se-á pelo velho método de subsunção. 70

Por sua vez, quanto aos princípios, 71 não vale a técnica do tudo ou nada,

primeiro porque inexiste qualquer hierarquia entre eles, segundo porque seu

conteúdo não incide somente em uma dada conduta e sim tem caráter de irradiação

sobre todas as situações, terceiro porque exprimem valores contrapostos em uma

sociedade pluralista, devendo, portanto, haver a sua compatibilização harmônica

com todo o ordenamento e daí a peculariedade dessa nova concepção de jurisdição.

Dessa forma, enquanto que nas regras prevalece a idéia de que a regra é

válida ou não, nos princípios, a dimensão é de peso ou valor em cada caso

concreto, o que denota a sua importância geral e até mesmo conflituosidade ínsita

70 “O Direito, como se sabe, é um sistema de normas harmonicamente articuladas. Uma situação não pode ser regida simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham. Para solucionar essas hipóteses de conflito de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios tradicionais: o da hierarquia – pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior –, o cronológico – onde a lei posterior prevalece sobre a anterior – e o da especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral. Estes critérios, todavia, não são adequados ou plenamente satisfatórios quando a colisão se dá entre normas constitucionais, especialmente entre princípios constitucionais, categoria na qual devem ser situados os conflitos entre direitos fundamentais. Relembre-se: enquanto as regras são aplicadas na plenitude de sua força normativa – ou, então, são violadas -, os princípios são ponderados”. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro, in Temas de direito constitucional, t. II, p. 32, bem como no Post Scriptum do seu in Interpretação e Aplicação da Constituição, 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.329-330. Grifo nosso que mereceu total destaque por ser a idéia motriz da aplicação de regras e princípios quando conflituosos.

71 “Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, são mandados de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito do juridicamente possível é determinado pelos princípios e regras opostas.” ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 86.

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em razão da dialeticidade que também lhe é inerente, sendo imprescindível,

portanto, a atuação jurisdicional particularizada.

Nas situações de aparente contradição, o intérprete deve fazer as suas

escolhas de forma fundamentada, o que marca a necessidade de uma boa

argumentação, ponderando os interesses, bens e valores, a partir de cada situação

específica, sem, contudo, invalidar o princípio preterido no caso em concreto, ou

seja, em outra situação, poderá normalmente vir a prevalecer, o que lhe dá um

destaque em relação às regras. 72

É oportuno enfatizar, como conclusão das assertivas da análise da solução

dos conflitos, que os princípios valem enquanto as regras vigem, pois os primeiros

têm valores intrínsecos e em essência são indissociáveis da convivência social

harmoniosa, o que lhes possibilita essa supervalorização, sendo, na realidade da

‘práxis constitucional’, o ponto de equilíbrio de toda a hermenêutica contemporânea

ante a sua imanente qualidade de norma jurídica em condições de ser realizada, em

conformidade com as circunstâncias específicas de cada caso.

Ainda é relevante que se registre a existência atual de regras que funcionam

como verdadeiros princípios nas leis mais recentes, como é o caso do Novel Código

Civil, repleto de conceitos jurídicos indeterminados, o que demandará do intérprete o

mesmo raciocínio dos princípios.

Na realidade, para que um ordenamento seja mais dinâmico e concretizado,

deve haver um equilíbrio entre regras e princípios, ressalvando que a própria teoria

dos princípios, que tão bem concede a técnica da ponderação, enuncia nesse

sentido em razão da imanente dificuldade da permanência exclusiva de normas de

caráter aberto, apesar de sua proeminência em nosso ordenamento constitucional.

72 Vários são os casos onde o hermeneuta tem que proceder a técnica da ponderação e a teoria da argumentação, como se pode depreender dos conflitos existentes entre os princípios da liberdade de expressão e direito à intimidade, o direito de propriedade e função social, a livre iniciativa e a intervenção estatal, etc. Destarte, as técnicas referidas assumem uma vital importância para tornar o ordenamento uno e que as antinomias sejam devidamente sopesadas em cada caso especifico. Por fim, ainda, é imperioso observar que não existe hierarquia entre as regras e os princípios e principalmente entre estes, pois um princípio de maior envergadura, ou postulado, para alguns, deve nortear e garantir a unicidade, qual seja, a concordância prática que tão bem ensina Canotilho em livro já citado.

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A discussão em tela propiciaria vários outros aspectos a serem abordados,

pois a distinção da aplicação concreta entre princípios e regras é o que existe de

mais moderno nos ordenamentos constitucionais 73, todavia, o assunto em tela seria

desviado de seu propósito principal, o qual se restringe a destacar a importância de

os princípios terem assumido o caráter normativo e funcionarem como pilares

mestres de toda a hermenêutica constitucional, bem assim o fato desse novo

processo ter como “lócus” a Constituição e alicerçar a nova concepção de jurisdição.

No mesmo sentido, e, na realidade, como conseqüência natural, a garantia de

realização desses valores, por meio da jurisdição constitucional, pois parte da

doutrina já defende que o Estado Contemporâneo é tido como principiológico ou

principial, na acepção de Paulo Bonavides. 74

Após todos os argumentos esposados acima com o escopo de demonstrar a

normatividade dos princípios e a sua eficácia direta ou em alguns casos limitadora

(eficácia indireta), é imprescindível que se frise também o reconhecimento uníssono

da doutrina, no que concerne à superioridade e hegemonia dos princípios na

pirâmide normativa; o que conduz, inarredavelmente, à sua supremacia formal e

principalmente material, influenciando sobremaneira essa nova concepção de

jurisdição.

73 “Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato. ”. Grifos nossos. Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, in artigo publicado em homenagem a Raymundo Faoro, intitulado O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro, 2003.74

“Ocupam doravante, no Direito Positivo contemporâneo, um espaço tão vasto que já se admite falar, como temos reiteradamente assinalado, em Estado Principial, nova fase caracterizadora das transformações por que passa o Estado de Direito”. Grifo nosso. Paulo Bonavides, Op. cit, p. 293.

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Com o escopo de comprovar, atualmente, a importância dos princípios para a

Constituição Federal e, por conseguinte, a atividade jurisdicional de concretização

dos seus valores, após a sua qualificação jurídica e eficácia máxima, como se

defendeu, é necessário que se recorra ao ministro Carlos Ayres de Brito, em seus

comentários ao tópico, ao qual intitula de ascensão dos princípios como

supernormas do direito, em seu livro “Teoria da Constituição”, já citado, no qual

fecha o raciocínio ora desenvolvido. São esses os seus comentários:

Em síntese, estava criado o clima constitucional propiciador da dicotomia básica princípios/regras (ou princípios/preceitos) e o fato é que, à sua dignidade formal a Constituição adicionou uma dignidade material. E assim recamada de princípios que são valores dignificantes de todo o direito, é que ela passou a ocupar a centralidade do ordenamento jurídico, tanto quantos os princípios passaram a ocupar a centralidade da Constituição. Estrada de mão dupla, pois o fato é que o reconhecimento da força normativa dos princípios coincide com o reconhecimento da força normativa da Constituição, num crescendo que chega a superforça de ambas as categorias. Por um desses fenômenos desconcertantes que timbram a trajetória humana, se as Constituições padeciam de subeficácia pelo seu caráter principiológico, foi justamente por seu caráter principiológico em novas bases que elas passaram a se dotar de supereficácia normativa. E se aos princípios era recusado o status de verdadeiras normas, agora eles se elevam ao patamar de supernormas de Direito Positivo. 75 Negrito original e grifos nossos.

As digressões supra são, por si sós, mais do que suficientes para não só

ratificar o prestígio reconhecido pelo ordenamento jurídico aos princípios, bem como

ressaltar a supremacia que a Lei Maior tem no aspecto formal e material, justamente

por conter vários princípios, todos com eficácia máxima, o que vem procurar

desmistificar a idéia preconcebida de que a Constituição nunca possuíra as

características gerais da norma jurídica 76 e, por conseguinte, não era dotada de

eficácia própria.

75 BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p-180-181.

76 Em sentido oposto e hoje dominante sempre foi o pensamento de Konrad Hesse, que apesar das críticas à terminologia usada em seu trabalho, Força Normativa da Constituição, quis, na realidade, ressaltar a eficácia máxima da Constituição a fim de que sua vontade fosse efetivada no mundo dos fatos, como já destacado em tópico anterior a que se remete o leitor. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.

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Tal concepção pode ter prevalecido por algum tempo, ao ponto inclusive, de

ter florescido a infeliz tese - com todo respeito aos que pensam em contrário – das

normas programáticas previstas em diversas Constituições, que tão-somente

ocasionaram a descrença na Carta Magna como instrumento efetivo de assunção

das políticas públicas.

Parece que a partir da materialização das reflexões aqui aduzidas com o

incremento, na prática, da eficácia máxima dos princípios, sem que se aguarde a

boa vontade dos legisladores ordinários e, em alguns casos, dos governantes, as

disposições constitucionais vão finalmente sair do papel e se concretizar no mundo

real, como decidiu recentemente o Pretório Excelso, em decisão de cunho histórico,

no sentido de que cabe ao Poder Judiciário determinar a implementação de políticas

públicas nos órgãos competentes. 77

77

“Ementa: criança de até seis anos de idade. Atendimento em creche e em pré-escola. Educação infantil. Direito assegurado pelo próprio texto constitucional (cf, art. 208, iv). Compreensão global do direito constitucional à educação. Dever jurídico cuja execução se impõe ao poder público, notadamente ao município (cf, art. 211, § 2º). Recurso extraordinário conhecido e provido. RE-AgR 410715 / SP - SÃO PAULO AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 22/11/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma PublicaçãoDJ 03-02-2006. No nosso entender vai entrar para a história do Poder Judiciário, pois desta feita o ministro Relator fora acompanhado pela maioria de seus pares, o que pode conduzir inclusive a uma nova direção nos efeitos do mandado de injunção. Extraímos algumas passagens do voto do Ministro que apontam nessa direção, senão vejamos: “Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à “reserva do possível”. Doutrina.... O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.... Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.... Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas....Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as

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Na realidade, o que se busca tão somente são medidas que possibilitem a

efetivação dos direitos e garantias fundamentais concebidos de maneira clara e

inequícova em nossa Constituição, para tanto, é mister que se fixe o ponto central

da hermenêutica para a própria Constituição e se implementem meios eficazes de

produzir a concretização de seus comandos, tendo a função jurisdicional a missão

precípua de tutelar os direitos, nos casos concretos.

2.6 A construção da norma jurídica diante do caso concreto e a partir das necessidades de direito material

A par do exposto até o presente momento, verificou-se que não só a

sociedade mudou, mas o próprio Direito evoluiu para atender a essa mudança social

como deve ser, conduzindo, por conseguinte, a uma necessidade inarredável de que

a atividade jurisdicional se amolde à conjuntura atual.

Para tanto àquela idéia do simples desvelar da vontade abstrata da lei no caso

concreto, não mais atende aos anseios, sendo imprescindível que em cada situação

específica haja a construção de uma norma jurídica que atenda às necessidades

específicas de direito material pleiteada e que ao mesmo tempo estejam em

conformidade com os direitos e garantias fundamentais dos Cidadãos.

Nesse sentido, a construção da norma jurídica no caso concreto é um

corolário dessa nova atividade hermenêutica que tem na Constituição o centro de

atuação e os direitos e garantias fundamentais o coração de toda a Carta Magna,

daí porque se faz necessário que se distinga norma de texto normativo, pois este

normas de integração....As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” Grifos nossos.

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pode ter várias acepções dependendo do contexto fático, assim sendo, a norma

nada mais é do que o produto da interpretação de um texto normativo. 78

Sobre essa atividade criativa do intérprete, são lúcidas as ponderações de

Jane Reis Gonçalves Pereira ao destacar a natural ampliação do Poder Judiciário na

produção jurídica:

A teoria da interpretação constitucional passou por intensa evolução a partir da segunda metade do século XX. Diversos fatores históricos impulsionaram uma participação mais ativa do Poder Judiciário no processo de produção jurídica, tornando anacrônica a hermenêutica jurídica tradicional, a qual concebia a interpretação das leis como mera revelação da vontade legislativa. Na atualidade, o Direito tem sido entendido como uma “obra coletiva”, iniciada pelo constituinte, mediada pelo legislador e concluída pelo Juiz, que, conciliando as normas jurídicas com a realidade, confere soluções aos problemas concretos... A interpretação constitucional compreende um processo de construção. Porém, adotar essa tese não implica afirmar que atividade criativa do interprete seja ilimitada ou desprovida de parâmetros. Esta permanece vinculada à Constituição, à experiência jurídica e às regras de linguagem. É também imprescindível que a interpretação seja dotada de coerência, objetividade e capacidade de persuasão... O reconhecimento de que a interpretação constitucional tem uma irrefragável dimensão criativa e que as insuficiências do sistema normativo autorizam o juiz a, por vezes, buscar a solução além do texto não importa em legitimar o arbítrio ou o subjetivismo. Grifos nosso. 79

Não há como não admitir que hoje – nessa tarefa de interpretação das normas

a partir da Constituição – o intérprete fique adstrito ao disposto no texto normativo; a

uma porque a sua preocupação em fazer valer os valores constitucionais já lhe

permitem extrair soluções que aparentemente a linguagem escrita não enuncia.

A duas porque apesar de patente que o Legislativo e o Executivo fazem

escolhas valorativas com mais intensidade, o Judiciário, também sendo um Poder,

não mais pode ser tido como a “boca da lei”, ou poder nulo; a três porque o Direito 78 Já se enunciou também em sede de rodapé a construção teórica dessa afirmação na teoria de Muller, todavia, uma análise mais debruçada com certeza fugiria da tônica do trabalho, sendo importante, todavia, a partir do que já fora explanado sobre a hermenêutica constitucional concretizadora, ressaltar que a atividade do juiz contemporâneo, em que pese a necessidade de respeito às funções dos demais Poderes, é também criativa, ou seja, apesar de não poder inovar no ordenamento jurídico, dentro do caso concreto, constrói a norma que por excelência atenda aos interesses em específico e a par dos valores constitucionais.

79 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro:Renovar, 2005, p- 499-500.

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precisa ser vivo e dinâmico para tornar realidade os anseios sociais, daí

imprescindível que a atuação jurisdicional se vincule às peculiariedades do caso

concreto, o que lhe permite uma ação mais elástica ou ativa como preferem alguns.

Essa construção da norma jurídica do caso concreto, que atenda às reais

necessidades de direito material de quem busca o Poder Judiciário, não pode ser

compreendida como arbitrária justamente pelo limite a todos impostos,

principalmente os que laboram com o Direito diretamente, qual seja, a vontade

constitucional, logo, o seu alicerce está bem fixado e com isso se evitam posições

de intromissão na esfera de atribuições dos outros Poderes, que também devem se

conformar no mesmo arcabouço.

Interessante nesse diapasão trazer o magistério de Luiz Guilherme Marinoni

que atenta à idéia de que essa construção da norma jurídica não significa tão-

somente criação da norma para o caso concreto, bem como deixa claro a função do

juiz no Estado constitucional:

A construção dessa norma jurídica não significa criação de norma individual para regular o caso concreto ou criação de norma geral, nos moldes anteriormente vistos. A norma jurídica cristalizada mediante a conformação da lei e da legislação ou do balanceamento dos direitos fundamentais pode ser dita uma norma jurídica criada diante das peculiariedades do caso concreto, mas está longe de ser uma simples norma individual voltada a concretizar a norma geral, ou mesmo de representar a criação de um direito... O Juiz, ao atuar dessa forma, não apenas cumpre a tarefa que lhe foi atribuída no constitucionalismo contemporâneo, como também, diante da transformação do próprio conceito de direito, apenas o aplica. Ou seja, no Estado Constitucional não há qualquer motivo para a doutrina enxergar aí uma exceção à função de aplicação do direito, como se a aplicação do direito ou a atuação jurisdicional não estivesse subordinada aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais. 80

A necessidade do juiz em cumprir os ditames constitucionais a partir dos

direitos e garantias fundamentais, já lhe dá a maleabilidade para a construção da

norma jurídica que melhor atenda ao pleito em específico, sem que se utilize de

expedientes reparatórios, que, na maioria das vezes, são paliativos e acabam por

violar o direito à tutela jurisdicional efetiva. Desse modo, a construção da norma

80 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 101-102.

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jurídica em concreto é um corolário da atuação jurisdicional calcada nos pilares

constitucionais.

Pensar diferente a essa realidade posta pelo Estado Constitucional

Democrático de Direito é travar o cidadão de um dos seus direitos mais básicos e

que ao mesmo tempo possibilita a fruição de todos os demais, daí porque, mesmo

sem se aprofundar no exame detido das teses hermenêuticas contemporâneas e

que de forma direta influenciaram essa atividade de construção da norma jurídica do

caso concreto, é cristalino que ao juiz constitucional, por excelência, não existe outra

alternativa a não ser essa atuação mais ativa e consolidadora desse perfil

garantidor.

Por fim, para reforçar o até agora expendido, traz-se a lição de André Ramos

Tavares, que se utiliza das considerações de Dalmo Abreu Dallari com o intuito de

comprovar que a atividade do juiz também é valorativa, o que ratifica, por

conseqüência, a tese da construção da norma jurídica do caso concreto a partir das

necessidades de direito material.

Como anota Dalmo de Abreu DaIlari, os juízes exercem atividade política em dois sentidos: tanto por integrarem um dos poderes do Estado, como por aplicarem normas jurídicas, que são necessariamente políticas. Além disso, continua o renomado autor, os juízes, enquanto cidadãos, exercem o maior dos direitos políticos, que é o voto, o que inegavelmente demonstra que possuem convicções políticas pessoais, não se revelando como entes "apolíticos". Mais ainda, o juiz, por mais que procure ser justo, estará sempre influenciado pelas circunstâncias de sua vida, e terá sempre de fazer escolhas, entre normas, entre argumentos, entre interpretações possíveis, entre interesses em conflito que sejam mutuamente (mas não concomitantemente, em dado caso concreto) protegidos pelo Direito. Nesses casos, conclui DaIlari, a decisão judicial será sempre política, sendo que, em qualquer hipótese, haverá efeitos sociais (problema da necessária inserção num contexto social da regra jurídica, que não existe por si só abstratamente). Basicamente, o que há é simplesmente uma interpretação da Constituição. Não se legisla, interpreta-se. Grifo nosso. 81

Concluindo, pode-se afirmar que indissociavelmente, como até já asseverado,

quando das críticas ao positivismo clássico e as influências dos dogmas das

ciências naturais no Direito, é impossível querer crer que o operário do Direito esteja 81 TAVARES, André Ramos. Tribunal e Jurisdição Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 1998, p. 52-53.

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totalmente alheio ao mundo ao seu redor, ou seja, que sua atividade se limite a uma

fria e indiferente aplicação da lei, assim sendo, a construção da norma jurídica é

quase que automática no sentido de uma efetiva tutela dos direitos dos cidadãos,

quando da atividade jurisdicional.

3. VISÃO CONTEMPORÂNEA DO PROCESSO NUMA ÓTICA CONSTITUCIONAL

3.1 O modelo constitucional de processo e o direito fundamental à tutela efetiva

Entende-se por modelo constitucional de processo, para fins de compreensão

da extensão do direito a uma tutela efetiva, o conjunto de garantias constitucionais

referentes ao processo dispostos no rol de direitos e garantias fundamentais e que,

de forma expressa, vinculam toda a atuação jurisdicional, impondo uma releitura de

todas as normas processuais de modo que os valores ali dispostos restem

consagrados em todas as situações fáticas submetidas a um processo judicial e

algumas delas até mesmo administrativo.

Para iniciar essas considerações e ao mesmo tempo demonstrar a força desse

modelo atualmente - já que nada mais é do que uma faceta de todo o processo de

constitucionalização do Direito - agora no enfoque processual, cite-se como exemplo

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a Reforma do Judiciário que trouxe mais um inciso ao rol de direitos e garantias

fundamentais, prevendo expressamente o direito à duração razoável do processo,

logo esse valor passa a conduzir toda a seara processual, impondo a todos os

Poderes, em especial o Judiciário, o dever de tomar atitudes concretas para que

esse direito seja materializado em todos os sentidos.

Destarte, todos os incisos do artigo 5º da Constituição Federal, que tratam do

processo, condicionam toda a atuação do legislador na atividade de regulamentação

e dos que laboram com o Direito, tudo para fazer valer seus comandos, daí que toda

a interpretação dos dispositivos processuais vigentes deve passar necessariamente

pelas garantias constitucionais processuais, sendo a que assegura o pleno acesso à

Justiça e a uma tutela efetiva a mola propulsora das demais.

Reza o inciso XXXV do artigo 5º: “A lei não excluirá de apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça de lesão a Direito”.

A amplitude desse texto normativo para a compreensão da norma que se

extrai do modelo constitucional de processo desenvolvido pela doutrina e

jurisprudência é algo interessante, pois, a partir desse dispositivo - aparentemente

simples – revolucionou-se todo o processo a ponto de não haver diferenças radicais

entre os diversos ramos processuais, impondo ao poder público a consecução de

várias atividades para que a Justiça efetivamente tutele todos os direitos dos

cidadãos em cada caso concreto.

Essa linha de pensamento encontra guarida no que se pode enunciar de

Direito Constitucional Processual justamente para afirmar a prevalência de que se

trata de normas constitucionais que fala do processo e, por conseguinte inspiram

todas as demais previsões nesse sentido.

É imprescindível que se analise o disposto no inciso LIV do artigo 5º “ninguém

será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; o qual na

mesma esteira do inciso anterior comentado, tem uma amplitude que se poderia

dispensar todas as outras previsões existentes sobre garantia processual, eis que

sua feição encontra amparo substancial, logo, vinculando toda a atividade

jurisdicional.

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Para se ter uma idéia, registre-se a seguinte situação: o CPC prevê um prazo

de 15 dias para resposta a uma inicial, o que se afigura bem razoável, dentro de

uma previsão abstrata. Ocorre que pode haver um caso específico, que, pela

situação fática ou até mesmo jurídica, depois de uma citação, verifique-se que é

impossível se fazer uma contestação dentro desse prazo.

Ora, se a análise for feita dentro de uma ótica formal, o devido processo legal

resta assegurado, pois ao demandado lhe foi dado o prazo legal, contudo, numa

visão material e dadas as circunstâncias do caso, não é possível o verdadeiro

exercício da defesa, desse modo, esse prazo necessita ser ampliado para que seja

assegurado o contraditório e a ampla defesa na situação em concreto.

A jurisdição precisa se acostumar não só com a análise sempre a partir dos

direitos e garantias fundamentais do cidadão, já para se encaixar no modelo

constitucional de processo, mas também que o caso concreto deve cingir toda a sua

atuação e que a previsão abstrata é só um modelo de orientação e não uma

disposição que necessariamente tenha que ser observada, principalmente quanto ao

seu aspecto formal, já que as técnicas de controle de constitucionalidade e a própria

necessidade de concretização dos valores constitucionais impõe uma postura

diferenciada e preocupada em que a decisão judicial seja célere, adequada e

principalmente efetiva, e com respeito às garantias constitucionais das partes.

Na linha do direito à jurisdição enfocada, não só o autor tem esse direito, pois

a parte demandada tem mesmo direito e deseja que a pretensão do autor não seja

reconhecida, mas não deixa de ser um direito de ação nos mesmos termos.

Essa visão constitucional equaciona melhor o problema e assegura um

equilíbrio que deve ser mantido pelo juiz durante todo o processo e quando de sua

decisão, de acordo com as peculiaridades, decidirá com quem o direito material se

encontra e acaso não cumprida a decisão, materializará o reconhecido.

Não se faz necessária a indicação de todas as garantias constitucionais

processuais, já que o objetivo desse tópico é demonstrar que a atividade

jurisdicional contemporânea não pode, sob hipótese alguma, deixa de levar em

consideração tais garantias, daí essa compreensão ser tida como modelo

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constitucional de processo a informar todo o agir do processualista. Interessante é a

posição de Cássio Scarpinella Bueno nesse sentido:

Dessa forma, meu objetivo principal é fornecer ao público leitor um verdadeiro guia para leitura de um Código que não é mais propriamente, Código, mas que nem por isto, só por isto pode ter sua correta interpretação e aplicação negada ou negligenciada. É oferecer, digo de uma vez, uma proposta de leitura unificada, coesa, sistemática, do que é novo, a partir de um núcleo duradouro de normas jurídicas, o "modelo constitucional do processo". Justamente porque o que falta àquilo que chamamos, pelo hábito, pelo costume, de Código de Processo Civil, é unidade, coesão e sistematização, este ponto de partida das reflexões sobre o processo civil (os valores que a Constituição Federal quer que sejam realizados pelo Estado-Jurisdição em matéria civil), é, a esta altura, o verdadeiro norte, o fio condutor, que tem como emprestar uma sensação necessária de unidade aos trabalhos legislativos mais recentes, viabilizando sua escorreita aplicação. O processo civil, sabemos todos, tem de ser "efetivo” por "efetividade do processo" vale destacar que ele deve ser entendido como meio de solução de controvérsias, mediante atuação do Estado; ele tem de produzir resultados práticos não e não criar mais problemas e mais dificuldades, além daqueles apresentados pelos interessados na solução do litígio. É a busca de soluções que moveu e que move a produção deste trabalho 82

Em trabalho de parceria do autor do trabalho com colega de magistério e

magistratura Pedro Rodrigues Caldas Neto, inclusive já citado neste trabalho,

afirmou-se naquela oportunidade que o modelo constitucional de processo tem total

aplicabilidade no processo penal, com mais veemência inclusive, por restringir um

direito dos mais caros ao cidadão, a liberdade, em que pese se deixar clara a

inexistência de hierarquia entre os direitos fundamentais. Assim foi enunciado:

Portanto, nunca é demais repetir que o processualista, além de ter em mente que sua atividade não tem um fim em si mesmo, ou seja, é marcadamente instrumental em relação ao direito material, deverá se nortear por todas as premissas presentes nos direitos fundamentais citados e, em alguns casos, não só sopesá-los, mas também aplicá-los diretamente, tudo para fazer valer esse propugnado modelo constitucional de processo, que nada mais significa do que a visão dos valores encampados pela nossa Carta Magna, que, no processo penal, representou verdadeira inversão dos seus eixos valorativos, indo da feição marcadamente utilitarista de 1941, ao perfil preponderantemente garantista de 1988, como no

82 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da Reforma do Código de Processo Civil, v.1 São Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.

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decorrer dos capítulos seguintes se fará observar. 83

Dessa forma, vê-se que o modelo constitucional de processo tem como

escopo fazer com que todas as leis que tratam de processo sejam lidas a partir da

necessidade de que o direito fundamental a uma tutela efetiva seja respeitado, tudo

em consonância com as garantias constitucionais processuais.

Essa ligação é imprescindível para que se tenha um processo realmente

preocupado em assegurar a realização do direito material, já que a fase autonomista

do processo já cumpriu seu papel e hoje não pode ser mais valorizada, como

infelizmente parte da doutrina ainda teima em insistir com visões mecanicistas e

formais por excelência.

Luiz Guilherme Marinoni destaca que o direito fundamental à tutela

jurisdicional efetiva atua sobre o legislador e o juiz, sendo importante trazer suas

considerações neste momento:

O direito fundamental à tutela jurisdicjonal efetiva incide sobre o legislador e o juiz, ou seja, sobre a estruturação legal do processo e sobre a conformação dessa estrutura pela jurisdição. Assim, obriga o legislador a instituir procedimentos e técnicas processuais ca-pazes de permitir a realização das tutelas prometidas pelo direito material e, inclusive, pelos direitos fundamentais materiais, mas que não foram alcançadas à distância da jurisdição. Nesse sentido se pode pensar, por exemplo, i) nos procedimentos que restringem a produção de determinadas provas ou ii) na discussão de determinadas questões, iii) nos procedimentos dirigidos a proteger os direitos transindividuais, iv) na técnica antecipatória, v) nas sentenças e vi) nos meios de execução diferenciados. Na mesma dimensão devem ser visualizados os procedimentos destinados a permitir a facilitação do acesso ao Poder Judiciário das pessoas menos favorecidas economicamente, com a dispensa de advogado, custas processuais etc... Aliás, se o legislador sempre atuasse de maneira ideal, jamais haveria necessidade de subordinar a compreensão da lei à Constituição, mesmo quando a lei se refere ao direito material. Ou seja, é justamente porque se teme que a lei possa se afastar dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais que se afirma que o direito fundamental à tutela jurisdicional incide sobre a compreensão judicial das normas processuais. A obrigação de compreender as normas processuais a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional, e, assim,

83 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval.; CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão e Soltura sob a ótica Constitucional, São Paulo: Método, 2007, p. 59.

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considerando as várias necessidades de direito substancial, dá ao juiz o poder-dever de encontrar a técnica processual idônea à pro-teção (ou à tutela) do direito material. 84

Diante do exposto, pode-se concluir que é imprescindível para essa nova

concepção de jurisdição que os operários do Direito, na prática utilizem-se, em todas

as suas atividades dentro do processo, desse modelo constitucional de processo,

para justamente tornarem real o direito fundamental à tutela jurisdicional e as

próprias garantias constitucionais processuais.

3.2 Técnicas processuais e tutela de direitos

Para que no mundo real exista de fato o direito fundamental à tutela

jurisdicional faz-se imprescindível que as autoridades públicas tomem várias atitudes

concretas, tendo neste ponto especial destaque a atividade do legislador, no que

tange a criar técnicas processuais específicas que sejam capazes de assegurar uma

efetiva proteção a todos os direitos materiais, pois só assim pode-se dizer que existe

direito a uma tutela jurisdicional e, por conseguinte, uma jurisdição eficaz.

Nesse sentido, vários dogmas precisam ser transpostos. Primeiro é essencial

que se extirpe do mundo jurídico a compreensão de que o acesso à Justiça se limita

tão-somente ao direito a uma sentença, mesmo que de mérito.

O cidadão, quando recorre ao Poder Judiciário, na maioria das vezes, deseja

ver o seu suposto direito restabelecido in natura e não a uma reparação. Ele queria

que nada tivesse ocorrido e que a Justiça lhe dê de volta o que fora tomado, por

exemplo.

84 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 113-114.

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Entretanto, se se fizer uma análise das regras processuais vigentes, verificar-

se-á, facilmente, que as mesmas sempre priorizam a tutela reparatória.

Segundo, tem-se que verdadeiramente permitir à população acesso à Justiça

no sentido de dotar o cidadão mais pobre, que é a maioria esmagadora quem mais

necessita da Justiça e quem menos tem acesso de meios que lhe permitam levar

suas angústias a esse Poder.

Para tanto, a primeira coisa a se fazer é de fato instituir em todo o país uma

Defensoria Pública que atenda efetivamente a essas pessoas, permitindo-as que

suas querelas não sejam resolvidas por meios espúrios, ou melhor, sem solução e

muitas vezes demandando para atividades criminosas, o que emperra a Justiça do

outro lado.

Nesse sentido, sabe-se que a culpa não é do Judiciário e até o legislador já

fez sua parte, pelo menos o constituinte, faltando ao Poder Executivo de todo o país

cumprir o que está disposto em um direito e garantia fundamental do cidadão, qual

seja, a assistência judiciária integral e que não deixa de ser um mecanismo

processual, acaso existente, de se alcançar o direito à tutela jurisdicional, já que

hoje, para essa parte da população, isto é uma ilusão das maiores.

Não cabe em sede deste trabalho maiores comentários, contudo, patente que

essa ausência macula a Justiça de nosso país e somente vontade política dos

governantes em virar essa página triste que deveria ficar somente para a história.

Terceiro, é imperioso que se deixe de valorizar o processo sob o aspecto

formal como se esse instrumento de proteção de direitos fosse a coisa mais

importante, quando cediço que ele não pode ter um fim em si mesmo.

Talvez esse dogma, que atualmente, infelizmente, ainda campeia trabalhos de

parte da doutrina, precise ser constitucionalizado, na linha aqui defendida, com mais

veemência justamente para se colocar o processo no seu devido lugar de efetivo

protetor dos direitos materiais.

Alguns direitos já trazem ínsito nele o seu mecanismo processual de tutela,

enquanto alguns dispositivos processuais ainda teimam em prescrever regras que

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não se identificam com essa nobre função de proteção dos direitos, a qual a

Jurisdição contemporânea não pode se dissociar, sob pena de sua finalidade não

ser atingida.

Poder-se-ia destacar diversos outros tabus a serem ultrapassados por essa

visão mecanicista da jurisdição e de um processo altamente formal na linha dos

Códigos vigentes, contudo, o objetivo não seria frutífero, já que, nesse momento, o

mais importante é se destacar que a Jurisdição contemporânea necessita que o

legislador esteja atento a essas barreiras e crie técnicas processuais específicas que

sejam capazes de assegurar direitos materiais, também específicos, e que

infelizmente os procedimentos padrões não são eficazes.

Entretanto, é cediço que apesar das ultimas reformas processuais, como se

relata adiante, ter de alguma forma criado algumas dessas técnicas, muitos direitos

específicos ainda estão sem o seu devido procedimento, o que sem uma visão mais

ativa do juiz, significa em última análise uma atividade jurisdicional sem proteção

efetiva desses direitos, o que se afigura inadmissível dentro do contexto de

constitucionalização ora defendido e que tem os direitos e garantias fundamentais

como pilares do sistema.

Destarte, mesmo que não haja técnicas processuais específicas, como por

exemplo, pode-se citar a inexistência de multas processuais para descumprimento

de determinações judiciais que envolvam direitos não abarcados pelas normas já

previstas, impõe-se ao Juiz, para fazer valer o direito à tutela jurisdicional efetiva,

utilizar-se de procedimentos semelhantes ou até mesmo criar procedimentos

específicos para o caso concreto, tudo com respeito às garantias constitucionais

processuais.

É inadmissível que hoje a jurisdição não seja guiada pelas necessidades de

direito material em específico e do caso em discussão. Esse é o grande desafio da

atividade jurisdicional contemporânea.

Nessa linha de raciocínio, ao comentar sobre a efetividade do processo, uma

prioridade indiscutível atualmente disposta em nosso ordenamento, Frederico

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Ricardo de Almeida Neves pinça comentários indispensáveis sobre a jurisdição,

como se vê abaixo:

Não há mais a mínima dúvida de que o direito à jurisdição é um direito natural, inserto, explicitamente, nas mais modernas Constituições do mundo. Mas, seria escusado realçar, não basta que seja assegurado ao cidadão o direito de aceder aos órgãos jurisdicionais: é mister que a atividade do Poder Judiciário, para

além de segura, seja pautada na eficiência e tempestividade. 85

A tempestividade, como já enunciado, é outro valor priorizado em nosso

ordenamento e que também não pode ser dissociado dessa nova concepção de

jurisdição, sendo, portanto, imprescindível que as técnicas processuais criadas pelo

legislador ou pelo juiz em cada caso concreto, para que haja efetivamente a tutela

dos direitos, leve em consideração a questão da celeridade, a qual se encontra

atrelada com os outros valores já comentados e que perfilha o modelo constitucional

de processo.

Em outra obra coletiva, este autor também enunciou a importância das

técnicas processuais para uma efetiva tutela de direitos, como se observa abaixo:

Esse desafio, por outro lado, também impõe que exista na lei ou então a partir das decisões judiciais técnicas processuais específicas que assegurem ao vencedor da demanda a obtenção do próprio direito violado ou ameaçado e não a sua reparação, como comumente se vê na prática. Essa tendência tem que ser expurgada da teoria e prática de nosso direito, ficando a tutela reparatória como subsidiária ou então em caso de requerimento expresso do prejudicado... Destarte, esta é a principal preocupação de todos que estudam o Direito processual, atualmente, de modo que se faça valer o seu aspecto instrumental e utilitário, a partir da efetiva satisfação das necessidades materiais de quem teve o seu direito violado ou ameaçado, sem que haja excessivo rigor formal e ao mesmo tempo a cega procura de uma Justiça rápida e efetiva, sem a observância do devido processo legal em sua ótica material. O equilíbrio entre esses valores é uma das principais funções dessa nova Jurisdição. 86

85 DUARTE, Bento Herculano. e DUARTE, Ronnie Preuss. Coordenadores. Processo Civil aspectos relevantes, Estudos em homenagem ao Prof. Ovídio Baptista da Silva, v.2, São Paulo: Método, 2005, p. 79. 86 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Visão Panorâmica da última reforma do CPC numa ótica constitucional in CAVALCANTI, Bruno.; ELALI, André.; VAREJÃO, José Ricardo. Coordenadores. Novos Temas de Processo Civil. São Paulo: MP, 2007, p. 266-268.

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Nesse sentido, verifica-se a importância dessas técnicas no cenário atual

para que se possa dizer que a jurisdição efetivamente recoloca as coisas nos seus

devidos lugares, ou seja, como antes da violação ou até mesmo ameaça.

Quanto a esse último aspecto, a Jurisdição precisa avançar muito, pois

infelizmente a legislação ainda é muito tímida na previsão de tutelas inibitórias, o

que aumenta a responsabilidade do juiz em assegurar essa proteção preventiva,

como prevê a Constituição e alguns direitos materiais, como o da personalidade, por

exemplo, que sem esta proteção especial muitas vezes são ineficientes no plano

real.

Mais uma vez se socorre das lições de Luiz Guilherme Marinoni, que em sede

de tutela inibitória, assim dispõe:

A recente “reforma do Código de Processo Civil” e, especificadamente a introdução no Código do novo art. 461, confere-nos importante oportunidade para extrair do tecido normativo uma nova tutela jurisdicional, ou seja, uma tutela que seja efetivamente capaz de prevenir o ilícito. Essa tutela não só chama a atenção dos civilistas para o equívoco da unificação das categorias de ilicitude e da responsabilidade civil, que espelha a idéia, bastante difundida, de que a única tutela contra o ilícito é a de reparação do dano, mas faz também surgir, no plano do direito processual, uma tutela alternativa àquelas que sempre estiveram sob os cuidados dos processualistas....É claro que tudo isso somente é possível porque o processo é pensado a partir de outro ângulo visual – pensar o processo em termos de “tutela de direitos” é assumir nova postura perante o direito processual – capaz de romper com a ilusão de que as categorias do direito processual possam ser construídas ao redor de uma ação uma e abstrata e, portanto, de um pólo metodológico que simplesmente ignore a necessidade de o processo ser manchado pelas tintas do direito material a que deve dar resposta. 87

Antes de concluir esse tópico é essencial que se registre também a

necessidade de que dentro desse contexto de efetiva tutela dos direitos através do

processo, não se olvide para a questão dos direitos transindividuais, como bem

dispostos na Constituição, pois é indiscutível que não se pode tratar esses direitos

da mesma forma dos direitos individuais, logo, é indispensável que não só o

legislador se preocupe com tal fato, como fez ao instituir o Código de Defesa do

87 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. São Paulo: RT, 2003, p- 24-26.

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Consumidor, mas também o Juiz se livre das concepções fechadas do processo

comum ordinário.

Diante dessas considerações, constata-se de forma bem nítida que o direito

fundamental à tutela jurisdicional efetiva não pode ser alcançado com as linhas

mestras atuais que ainda influenciam o nosso processo, precisando urgentemente

que se faça não só a leitura constitucional proposta, que é um antecedente lógico,

mas que todas as ações e omissões sejam travadas com o intuito de ver o direito

material resguardado em cada caso concreto, tendo as técnicas processuais papel

relevante e indispensável, quer as instituídas pelo legislador, quer as criadas em

específico pelo juiz.

3.3 As reformas processuais na tentativa de dar efetividade à jurisdição

Nesses últimos anos - mais precisamente desde 1994, na seara do processo

civil, e no processo como um todo, a partir do advento da Carta Magna de 1988 -

pois na realidade, dada as considerações expostas, não há porque se dividir o

processo, já que o seu berço é constitucional e se alicerça nos direitos e garantias

fundamentais do cidadão, floresceu a idéia de que o processo tem que ser efetivo

justamente para se amoldar à concepção constitucional do direito fundamental do

cidadão à tutela jurisdicional.

Com essa visão e para implementar esse plus à atividade jurisdicional, pois

infelizmente por muito tempo não houve preocupação com a eficácia das decisões

judiciais, o legislador ordinário editou vários atos normativos com o intuito de, pelo

menos, abstratamente, priorizar a celeridade processual e, por conseguinte, a

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efetividade, o que deve ser louvado, contudo, o mais importante é que essa tarefa

não pode se cingir a essas prescrições legais e sim a necessidade de se impor aos

que trabalham com o Direito a mudança de cultura na práxis forense.

Daí a ligação imanente dessas reformas processuais com a nova concepção

de jurisdição, que como visto traz ínsita a idéia de que o direito fundamental à tutela

jurisdicional só se perfectibiliza quando a mesma for efetiva, assim sendo, essa

compreensão, por si só, já muda todo o contexto de atuação do juiz perante o

processo e principalmente ao direito material ali tratado.

Por outro lado, a atividade jurisdicional não pode se descurar de outro valor

que lhe é indispensável, a busca pela segurança jurídica, tentando reconstruir os

fatos pela proximidade da verdade real, logo, otimizar esses dois valores é uma

tarefa indeclinável para o juiz, em que pese a patente priorização do legislador

processual nesses últimos anos, em especial quando da regulamentação da reforma

do Judiciário, em razão do acréscimo de um inciso ao rol dos direitos e garantias

fundamentais, qual seja, o direito à duração razoável do processo.88

Esse entendimento não difere para as várias espécies de ramos processuais,

pois a atividade jurisdicional não deve ser diferenciada porque se trata de processo

civil ou penal, o que difere nesses casos, por exemplo, é a matéria ali tratada, mas

essa conjuntura é igual e imposta pela constitucionalização do Direito Processual,

que trouxe aos cidadãos garantias constitucionais processuais que precisam ser

sopesadas em cada caso concreto e, por vezes, o legislador processual não age

88 “Otimizar esse dois valores não significa, em momento algum, desprezo objetivo e concreto a

qualquer um deles, pelo contrário, cabe ao operador do Direito sempre ter em mente ambos os escopos. Em cada caso que lhe é submetido, deve aplicá-los de modo que não haja sacrifício total de um deles, pelo menos em regra geral, pois, quando se analisam as últimas posturas do legislador processual, desde o ano de 1994 - em que pese haver um espírito de priorização da efetividade - não se descuidou da segurança jurídica em nenhum momento, de maneira a excluí-la de suas ponderações e investidas.Ao exegeta mais apressado, como infelizmente é muito comum, pode-se depreender que a gama de alterações da legislação infraconstitucional processual, desde antes mesmo da primeira grande reforma de 1994 e 1995 e a própria Reforma do Judiciário, priorizou-se a efetividade de modo a atropelar a busca pela verdade real e massacrando os corolários do devido processo legal, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório.” Digressão deste autor no artigo Visão Panorâmica da Última Reforma do CPC numa ótica constitucional in CAVALCANTI, Bruno.; ELALI, André.; VAREJÃO, José Ricardo. Coordenadores. Novos Temas de Processo Civil. São Paulo: MP, 2007, p.268.

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assim, cabendo ao juiz, na linha aqui defendida, fazê-lo e na realidade ser instigado

por todos que colaboram com a atividade jurisdicional. 89

Por isso que a importância dessas reformas processuais, em todas as

esferas, transpassa a idéia das alterações em si para dar efetividade, já que, sem

essa compreensão do binômio efetividade e segurança jurídica pelos operários do

Direito, as leis, por si sós, não atingirão o resultado desejado e ainda podem vir a

ferir outros princípios de envergadura, que necessitam serem preservados como

referenciais de toda essa nova concepção da jurisdição.

Sidnei Amendoeira Jr. ao conceituar o seu entendimento do que seja uma

tutela jurisdicional justa, efetiva e tempestiva assim se manifestou, enaltecendo a

necessidade de aumento dos poderes do juiz, na linha do que se defende neste

trabalho:

A tutela jurisdicional justa, por fim, é aquela que resulta da observância de todas as garantias constitucionais que visam justamente à proteção dos jurisdicio nados, ou seja, a tutela justa é aquela que decorre da total observância dos princípios do devido processo constitucional. O termo justiça aqui não é empregado em sentido ideológico, mas em sentido objetivo da observância plena e não meramente formal do princípio em questão. A idéia de devido processo constitucional vem impregnada pela noção de aplicação ao processo de todas as garantias constitucionalmente previstas para a tutela do processo, mas especialmente para a tutela pelo processo....Mas é somente o juiz que possui o poder necessário para entregar o tipo de tutela social, mesmo porque, prever a priori todas as situações, em cada procedimento, em que o juiz seria chamado a agir, é algo impossível ao legislador, de modo que a

89 “O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa, etc. Nesse sentido, Battaglini afirma que o moderno Direito Penal tem como função principal a garantia da liberdade individual. Ademais, como destaca Aragoneses Alonso, ‘incluso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente, pues esto también es una forma de garantizar el libre desarrollo de la personalidad, que es la función de la justicia’. Por sua vez, Werner Goldschmidt explica que os direitos fundamentais, como tais, dirigem-se contra o Estado e pertencem, por conseguinte, à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado. Prova disso é a quantidade de dispositivos que integram as constituições modernas, regulando o processo penal, com a finalidade de garantir a plena eficácia dos direitos fundamentais do acusado enquanto estiver sendo processado. Também não podemos esquecer que o processo penal constitui um ramo do direito público, e que a essência do direito público é a autolimitação do Estado”. (Grifos do autor.) LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima in SAMPAIO JÚNIOR. José Herval.; CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão e Soltura sob a ótica Constitucional, São Paulo: Método, 2007, p. 28-29.

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solução dada por nosso ordenamento jurídico foi dotá-lo de poderes mais amplos e genéricos, como, por exemplo, aqueles decorrentes dos arts. 273, 461 e 461-A do CPC e que serão estudados adiante – é justamente o dever do Estado de entregar uma tutela justa, efetiva e tempestiva que justifica a concessão de poderes mais amplos ao juízes. Grifo nosso90

Dessa forma, percebe-se claramente que as reformas processuais apesar de

terem priorizado o aspecto da efetividade, por ser, sem sombra de dúvidas, um

problema crucial do processo brasileiro, quer civil, quer penal, não podem ser

analisadas de forma isolada de todo o contexto aqui expendido e na qual a atividade

jurisdicional encontra-se atrelada de forma indissociável, daí porque todas as

garantias constitucionais processuais devem ser asseguradas em cada caso

concreto. 91

Também é imperioso que se faça a relevante consideração sobre a

necessidade imanente de que haja humanização do processo, ou seja, os que laboram

com a ciência do Direito não devem se esquecer do fato real de que por trás dos

papéis ou atualmente, documentos eletrônicos, existem vidas humanas angustiadas e

que aguardam ansiosas por uma pronta solução para os seus conflitos, e muitas vezes

essa decisão vai influenciar, de modo direto, nas futuras ações de sua vida.

Por outro lado, não basta, por si só, a atuação legislativa, como já destacado,

pois a cultura de se achar que a existência de um dado ato normativo muda a

realidade fática, sem um conjunto de ações, não pode mais prosperar.

O combate à morosidade excessiva do processo e aos terríveis danos

causados pelos efeitos deletérios do tempo, não será resolvido, se não houver uma

mudança comportamental dos operários do Direito, que devem atuar de forma

90 AMENDOEIRA JR, Sidnei. Poderes do Juiz e Tutela Jurisdicional: a utilização racional dos poderes do Juiz como forma de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva. São Paulo: Atlas, 2006, p.31-32. 91

É de lição secular os ensinamentos do professor Misael Montenegro ao apresentar o seu penúltimo livro publicado, senão vejamos: “O mestre Venosa nos ensina que o processo civil se encontra em uma nova fase, vocacionada à realização do Direito, desapegando-se de outros momentos históricos, nos quais o processo era visto como fim, não como meio, para a solução dos conflitos de interesses levados ao conhecimento do Estado a partir do exercício do direito de ação, elevado ao plano constitucional. A lição em referência – ao que nos parece – demonstra que o processo deve ser instrumental, sob pena de prestigiarmos o perecimento do direito material em disputa, prejudicado pelas filigranas injustificáveis de um processo que estaria mais para um enredo de Kafka do que para o cidadão brasileiro.” MONTENEGRO FILHO, Misael. Processo Civil Técnicas e Procedimentos. São Paulo: Atlas, 2006, p.31.

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prática para a implementação desse novo modelo de processo constitucional e

abandonarem essa postura passiva de esperar que as coisas aconteçam

independentemente de vontade política, na acepção da palavra, de todos que

auxiliam na função judicial.

3.4 Meios alternativos à jurisdição com objetivo de pacificação social

A jurisdição, atualmente, vem sofrendo profunda alteração na sua

compreensão e, por conseguinte, condicionando os seus resultados, principalmente

o atinente na tentativa de obter a almejada pacificação social e para tanto suas

premissas estão sendo repensadas, já que esta, pelo menos por meio da sentença,

só poderia ser satisfeita, evidentemente, para somente a parte vencedora, por uma

efetiva tutela dos direitos violados ou ameaçados, na forma do preconizado neste

trabalho e com aprumo no artigo 5º, inciso XXXV, de nossa Carta Magna.

Infelizmente, como dito e na realidade facilmente constatado, a sentença não

vem conseguindo atingir a almejada pacificação social, indispensável quando do

surgimento de um conflito, daí porque se apresentam com esse desiderato alguns

meios alternativos, que primam pelo aspecto da democracia participativa e ao

mesmo tempo substancial, responsabilizando-se os próprios envolvidos pela

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solução, já que se estes a encontram, essa premissa, por si só, já se alinha com o

escopo de satisfação social.

Nesse contexto, interessa à idéia dessa nova concepção de Jurisdição, não

como característica, mas como meios acessórios ao escopo dessa atividade, a

análise, mesmo que superficial, dos meios de solução dos conflitos - ditos

democráticos em razão das próprias partes em disputa resolverem as diferenças - o

que se convencionou chamar de autocomposição e na qual se depreende que,

dentre eles, a conciliação e a mediação têm oportuna possibilidade de direta

aplicação na atividade dos juízes, desde que seja desconstruída a idéia de

adversariedade e surja em conseqüência a eficaz cooperação entre os interessados.

Esse desafio não é difícil de ser cumprido, pois as condições normativas são

amplamente favoráveis, inclusive de nossa Carta Magna 92, daí porque o que falta é

a conscientização dessa eficácia quanto ao resultado harmonioso da solução e se

começar a aplicar as técnicas existentes na praxe forense, sem se descurar

evidentemente de sua posição diretiva, contudo, esta não inviabiliza a adoção dessa

nova postura.

A negociação é por excelência a forma mais conhecida de solução dos

conflitos em que as próprias partes, sem qualquer tipo de interferência de uma

terceira pessoa - daí a sua distinção com a conciliação e mediação – resolvem o seu

litígio, por meio de um acordo, após conversação das diferenças.

Historicamente, é o modo mais antigo de resolução de desavenças e tem a

nítida vantagem de propiciar a continuidade do relacionamento entre os envolvidos,

pois sequer foi necessário um interventor. 93

92 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir em Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” Grifo nosso. Preâmbulo da Constituição Federal de 1988. 93 “Sem intervenção de terceiros, as partes procuram resolver as questões, resolvendo disputas mediante discussões que podem ser conduzidas pelas partes autonomamente, ou por representantes. Por isso, alguns autores, não a consideram uma forma de solução de conflitos propriamente dita. A negociação é usada para qualquer tipo de disputa e faz parte do dia-a-dia transacional. É uma atividade constante entre advogados. É um método apropriado a ser utilizado

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Por outro lado, percebe-se, claramente, a impossibilidade da utilização pelo

magistrado, em razão de que por esta via, mesmo que existente já um processo, a

iniciativa e efetiva solução é dos próprios envolvidos, logo, o que pode ser feito pelo

juiz é uma instigação a que as partes se sentem numa mesa de negociação para

chegar a um consenso.

Já a conciliação é a maneira clássica de solução amigável dos litígios quando

já existe um processo ou até mesmo antes dele, principalmente pelas propostas já

enunciadas do Conselho Nacional de Justiça, na qual um terceiro, que pode ser o

juiz – essa é a idéia principal – formule uma resolução que seja aceita pelas partes,

por meio de propostas delas ou também por sugestão do terceiro, sendo bastante

prestigiada na legislação, inclusive penal.

Essa forma de solução vem sendo largamente aplicada e com muito sucesso

no que tange à pacificação social e rápida resolução, devendo, por isso, ser mais

bem estudada para que se crie a almejada cultura de consensualização dos litígios

como prioridade.

A mediação, por sua vez, não se preocupa tão-somente com a resolução do

conflito posto em evidência e a sua característica principal consiste na participação

do terceiro, que também pode ser o juiz, estimulando para que os interessados

encontrem a melhor solução e prestigiando a continuidade do relacionamento. Sua

eficácia de satisfação social é bem mais evidente do que na conciliação em razão de

que o seu desfecho é alcançado direto pelas partes envolvidas.

Dadas essas considerações, vislumbra-se que esses meios democráticos de

solução dos conflitos devem permear a atividade jurisdicional de modo que se

transforme em uma prática constante e não somente se cumpra mais uma

formalidade, já que a sua efetividade quanto à pacificação social é bem mais intensa

do que a sentença, o que, por si só, já justificaria essa mudança de paradigma,

contudo, outras vantagens podem ser percebidas, dentre elas, a já citada, mas

quando as partes continuam a ter relações comerciais, cotidianamente, ou quando é possível solução criativa, sendo certo que tal vínculo caracteriza-se pela confiança mútua e credibilidade entre as partes.” TAVARES, Fernando Horta. Mediação & Conciliação, São Paulo: Mandamentos, 2002, p.42.

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sempre importante celeridade na resolução do litígio, valor dos mais buscados pela

sociedade em geral.

Por fim, ainda se pode trazer como vantagens da utilização desses meios

alternativos de solução dos conflitos a responsabilização dos envolvidos pela

decisão, o que prestigia a democracia, a igualdade de tratamento, a solidariedade, a

prevenção de novos litígios, a harmonização e talvez a mais significativa, a própria

transformação social, pois quando as partes resolvem amigavelmente uma

contenda, acabam retirando muitas lições que representam um avanço nos seus

ideais, construindo uma nova realidade. 94

Dessa forma, fica patente que esses meios são muito eficientes em várias

nuanças, o que já legitima a adoção integral deles, pelo menos, como complemento

dessa nova concepção de jurisdição constitucional, que, como visto, não pode ter

preocupações formais e sim resultados materiais de ampla satisfação no plano

fático. 95

Não é escopo deste trabalho a análise pormenorizada dos meios alternativos,

contudo, é imperioso que se registrem as diferenças entre os institutos e se

enunciem algumas técnicas que podem ser utilizadas nessa ampla atividade

jurisdicional.

94 Interessante de se ressaltar nesse contexto é a posição dos processualistas constitucionais Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco em sua obra Teoria Geral do Processo, que de maneira clara enfocam a vantagem dos meios alternativos, já os intitulando como de pacificação social, merecendo, por conseguinte, ser transcrito: “Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social.Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficiente. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista”. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo.; GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20.ed. São Paulo:Malheiros, 2004, p. 25-26.

95 “Assim, o espírito de conciliação deve nortear os envolvidos nas disputas judiciais, uma vez que, por melhores que sejam as leis e a prestação da atividade jurisdicional, ninguém decide os conflitos mais adequadamente aos respectivos interesses do que os próprios litigantes. A mediação frutífera proporciona aos profissionais da área do Direito a rara satisfação de poder rapidamente resolver o problema. O aperto da mão ao término da audiência, em que a conciliação foi atingida, representa o retorno das partes à normalidade social. O que mais poderiam pretender advogados e Juízes?”. SOUZA NETO João Baptista de Mello e. Mediação em juízo Abordagem prática para obtenção de um acordo justo. São Paulo: Atlas, 2000, p.101.

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Na conciliação o terceiro acaba propondo o acordo, ou seja, de alguma forma

participa, mesmo que indiretamente da solução, que é aceita pelas partes, enquanto

na mediação essa solução é encontrada, por meio do diálogo constante pelos

próprios envolvidos, só havendo intermediação do terceiro, enfatizando, por óbvio,

que o magistrado se encaixa nesses dois perfis.

Na conciliação 96, que tem como objetivo precípuo tão-somente a solução

específica do conflito, o terceiro sempre está propondo as alternativas de

resoluções, a partir das peculiaridades de cada caso, o que denota sua maior

intervenção na solução propriamente dita e por conseqüência uma participação mais

ativa quanto à responsabilidade da solução do conflito, sem, evidentemente, se

impor qualquer decisão, já que a consensualidade é inerente a ambos os institutos.

Já no que concerne à mediação, vislumbra-se que a importância das partes

com relação ao terceiro é bem mais evidente, visto que a responsabilização pela

solução encontrada por eles é deles, o que informa uma maior participação,

ressaltando-se, destarte, que esse modo ainda é mais democrático.

Também é de se apontar que como os interessados são estimulados a

dialogar e tentar entender o lado do outro, a solução, quase sempre, prima não só

pela resolução em específico do litígio, mas com a continuidade do relacionamento. 97

Diante dessas primeiras ponderações de distinção, já se verifica que os dois

modos devem ser utilizados de acordo com o objeto da lide, pois se não há um

relacionamento anterior entre os envolvidos, como por exemplo, um acidente de

96“Despido o magistrado do preconceito contrário quanto a se dedicar francamente à tarefa de obter a conciliação e, também ele, desprovido da vaidade de ver sua “bela” sentença elogiada pelos Tribunais, estará livre para perceber, na fase de conciliação, o que significa incorporar a lei, o arquétipo do pai e que, aos olhos das partes interessadas sua palavra impressiona, é contundente. A fala inicial do magistrado nas audiências de conciliação penetra a consciência dos envolvidos e com eles mantém contato direito. É um desperdício perder esse momento por ignorar sua importância e eficácia.” SOUZA NETO João Baptista de Mello e. Mediação em juízo Abordagem prática para obtenção de um acordo justo. São Paulo: Atlas, 2000, p. 48. 97 “Outra vantagem importante da mediação é a contínua e intensa discussão sobre o conflito. Aqui, não se objetiva apenas a consecução do acordo, mas o melhoramento e a continuação do relacionamento dos mediados. Nesta discussão, as pessoas são consideradas como seres únicos, devendo ser respeitadas como tais...Em suma, a mediação é bastante vantajosa. Seus objetivos não atingem apenas os problemas, refletindo seus efeitos nos mediados e na sociedade, fortalecendo e preservando o relacionamento existente entre as pessoas”. SALES, Lília Maia de Morais. VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006, p. 94-95.

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trânsito entre desconhecidos, a conciliação parece ser o meio mais eficaz e até

mesmo, dependendo do modo de condução e técnicas usadas, pode se estimular

uma amizade.

Noutro quadrante, se a lide trata de um conflito interpessoal entre pessoas

ligadas por um sentimento e que acaba envolvendo uma relação patrimonial, a

mediação afigura-se como o instrumento mais eficaz, já que a visão do mediador

não deverá ser somente solucionar aquele problema, porém, permitir que os

litigantes possam, entendendo suas diferenças, manter uma relação, no mínimo,

amistosa, atingindo, com mais sucesso, a pacificação social.

Dessa forma, analisando com essa visão mais acurada, pode-se depreender

facilmente que esses modos de compor um conflito tanto pode ser utilizado, se já

houver um processo, pelo juiz ou seu auxiliar, ou até mesmo antes de se instaurar

um processo, o que se apresenta ainda mais benéfico, ressalvando, que se por

acaso, dentro de um processo judicial se tentar a solução, por um desses meios,

deve se despir daquela idéia de adversariedade, prestigiando sempre a cooperação

e o diálogo.

Nesse diapasão, ainda se pode ressaltar, como distinção entre os dois

modos, que a conciliação é prevista expressamente na legislação processual civil,

trabalhista e até mesmo penal, em alguns casos, pois como o poder público de

algum modo interfere no mérito, contudo, sem decidir, parece que esse meio fora

priorizado, o que não se entende cientificamente falando, já que, na mediação,

apesar de não haver essa interferência, o trabalho e até mesmo a importância da

figura do mediador são bem mais relevantes do que a do conciliador, sendo patente

que o juiz pode exercer ambas as atividades.

A mediação também previne com muita mais eficácia a possibilidade de

novos conflitos, já que a conversação é priorizada e a decisão é das próprias partes,

desse modo, a dificuldade para não haver seu cumprimento é bem menor do que na

conciliação, até mesmo pela natureza das causas que a ela são submetidas.

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Ressalve-se, mesmo sob a ótica dessa nova concepção de jurisdição, que

tanto a conciliação, como a mediação, quanto ao cumprimento do acordado, são

mais eficazes nesse quadrante do que as decisões jurisdicionais, o que deve ser

levado em consideração em razão do movimento de algum tempo pela efetividade

do processo.

Para fechar o raciocínio, até o momento ofertado, no que tange à eficácia

desses modos para a obtenção da pacificação social, em especial, por meio da

mediação, que, como visto, de forma mais intensa alcança tal escopo, é importante

a transcrição do pensamento das estudiosas do assunto, Lília Maia de Morais Sales

e Mônica Carvalho Vasconcelos, in albis:

Em uma sociedade tão dividida e intolerante, necessário se faz a utilização de mecanismos que proporcionem a compreensão do mundo como multicultural e multifacetado, tais como a mediação de conflitos. Essa compreensão traz grandes benefícios também para a área social, visto que promove a inclusão e pacificação sociais...Nesse enfoque a mediação visa a pacificação social. Note-se que essa pacificação não significa a ausência de conflitos. Como já explicado, os conflitos são necessários e, se resolvidos adequadamente, promovem crescimento. Fala-se em paz em um sentido amplo, que pressupõe como elemento primordial a comunicação; o diálogo cooperativo. 98

Na esteira do preconizado acima, diante das diferenças entre os dois

institutos, duas conclusões parecem cristalinas; a primeira no sentido de que as

suas características, em momento algum, inviabilizam a sua profícua utilização pelos

juizes; a segunda é de que os conflitos, mesmo aqueles já judicializados devem ser

analisados pela ótica positiva, pois como ambos os institutos prestigiam o diálogo -

com mais veemência a mediação – sempre se consegue obter ganhos para os

envolvidos 99, que crescem a cada conflito, principalmente quando encontram, por si

sós, a solução.

98 SALES, Lília Maia de Morais. VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006, p. 90-91.

99 “A mediação procura valorizar esses laços fundamentais de relacionamento, incentivar o respeito à vontade dos interessados, ressaltando os pontos positivos de cada um dos envolvidos na solução da lide para, ao final, extrair como conseqüência natural do procedimento os verdadeiros interesses em conflito”. TAVARES, Fernando Horta. Mediação & Conciliação, São Paulo: Mandamentos, 2002, p. 64.

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Por fim, ainda é oportuno reforçar que a mediação proporciona uma maior

participação 100 dos envolvidos na solução dos conflitos, dando-os autoconfiança e

autodeterminação para a execução de suas demais tarefas pessoais, já que, quando

se envolvem valores e sentimentos, como restou esclarecido quanto à mediação, os

conflitos reais surgem em detrimentos dos aparentes, desconstruíndo aquela infame

idéia de que no final existe um vencedor e, por conseqüência, um perdedor e isto

não é realidade, já que, na mediação, com mais clareza, verifica-se que a idéia é o

ganha-ganha para os dois lados.

De tudo quanto já fora dito, vislumbra-se que a conciliação e a mediação não

são instrumentos que venham a competir com o Poder Judiciário, pois não há

qualquer elemento que, de um modo geral, possa excluir suas aplicações,

ressalvando, contudo, uma certeza que parece evidente, qual seja, de que nada é

absoluto, logo, existem limites para aplicação desses meios na atividade

jurisdicional.

Dessa maneira, em havendo total permissividade e conveniência para suas

utilizações, faz-se necessário e até mesmo imprescindível, em termos de resultado

positivo, para se atingir a pacificação social, que os juizes conheçam as técnicas de

conciliação e mediação que os orientarão para um bom desempenho dessa

atividade.

Em que pese os estudiosos não se referirem a esse primeiro elemento como

técnica, entende-se pertinente que, para ambos os institutos, deve a autoridade

judiciária ou seus auxiliares preocuparem-se em criar um ambiente para a solução

amigável, de modo que aquela postura e as indicações de adversariedade sejam

esquecidas e os envolvidos se sintam bem à vontade para dialogar, quebrando os

100“Em outras palavras, a mediação inclui na sociedade na medida em que aumenta a autodeterminação e a responsabilidade dos mesmos. Assim, por meio desse procedimento, os indivíduos passam a ter voz mais ativa dentro da sociedade, uma vez que possuem autonomia e são responsáveis por solucionar suas controvérsias. Como ressaltamos em outro momento: A mediação apresenta-se, pois, com o objetivo de oferecer aos cidadãos participação ativa na resolução de conflitos, resultando no crescimento do sentimento de responsabilidade civil, cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados. Dessa maneira, apresenta forte impacto direto na melhoria das condições de vida da população – na perspectiva do acesso à justiça, na concretização de direitos, enfim, no exercício da cidadania”. SALES, Lília Maia de Morais. VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006, p. 90-91.

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protocolos formais que acabam os intimidando, para tanto, devem se despir daquele

sentimento de superioridade e tentar conversar de igual para igual.

Nesse sentido, ainda se deve pensar que o espaço físico seja agradável e que

a posição de um em frente ao outro pode inibir o acordo, assim sendo, o ideal é que

todos fiquem sentados em círculo, como estivessem conversando normalmente,

sem aquele ar de litígio, muito comum nas salas de audiência dos fóruns.

Não está se dizendo que deve necessariamente se criar uma sala em

específico para esses diálogos, mas, na medida do possível, mudar o ambiente

tradicional já vai ser um grande passo. 101

Desse modo, faz-se necessário que o Poder Judiciário adapte-se a essa nova

realidade, que, como dito, não tem qualquer elemento de exclusão quanto aos

procedimentos já existentes na Justiça, motivo pelo qual os juizes, antes mesmo das

técnicas, precisam saber de modo claro seus desafios na conciliação e mediação,

ficando claro que, para a primeira, as coisas são mais simples pelo seu próprio

objetivo e natureza dos conflitos que a envolvem e essa distinção, no final das

contas, vai fazer a diferença, não somente quanto às técnicas, mas principalmente

pelo modo de condução e escopo final de cada instituto.

A conciliação tem uma vantagem sobre a mediação, em termos legais para fins

de sua imediata aplicação, ou melhor, dizendo, completa observação, pois se

constitui como direito das partes de poderem conversar com o objetivo de se chegar

a um acordo, já que em todos os procedimentos judiciais deve o juiz tentá-la a

qualquer momento, afora as previsões específicas nesse sentido - principalmente a

do procedimento considerado padrão, o ordinário – que, na audiência preliminar,

101 Em compromisso de palestra na cidade de Barbacena, no Estado de Minas Gerais, verificou-se que um juiz daquela comarca, “vibrador” por excelência, com a certeza de que essas vias consensuais são a melhor forma para compor os litígios, principalmente os de família, em que ele mesmo jurisdiciona, sem qualquer ajuda financeira do Tribunal, deu um passo significativo quanto à ambientação do espaço físico a ponto de criar quatro salas, nominadas de conciliação, para junto com seus auxiliares servir exclusivamente para esse fim, incluindo aí, evidentemente, as mediações. Para tanto, comprou sofás, mesas de centro, aparelho de som, etc. Dispôs a sala de uma forma que as partes ficavam entre si se olhando mutuamente, sentadas no sofá, tendo ao centro uma mesinha onde havia café, bolachas, bombons, etc. , tudo isso com um som ambiente que tranqüilizava os ânimos. Depois de um longa conversa com o citado juiz, este contou que o índice de acordo chegava a 90 % e o que as partes mais sentiam necessidade era de conversar, se abrir, serem ouvidas, serviço que tecnicamente parece ser de outro profissional, mas que nessas técnicas constitui uma das maiores habilidades.

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determina que se inicie com a conciliação, não sendo lógico que essa atividade se

subsuma a perguntar as partes se há acordo. Pensar dessa maneira é tratar o

processo como desprezivo à própria dignidade da pessoa humana.

Entretanto, alguns desafios são bem claros, pelo menos quanto à conciliação:

primeiro, como se preparar tecnicamente quando você não tem muito tempo;

segundo, como descobrir os verdadeiros interesses envolvidos no conflito e saber o

que realmente o outro lado quer; terceiro, como se posicionar diante de um não -

que é tão comum, pelo menos no início das conversações -; quarto, como criar uma

opção que facilite a outra parte dizer sim, sem entrar no mérito e de nenhum modo

forçar a parte; quinto, como gerar soluções para se obter ganho mútuo, dentre

outros, que surgem em cada caso.

Dessa forma, parece que somente a utilização correta das técnicas conduzirá

a uma eficaz solução e esses obstáculos serão facilmente enfrentados e

transpostos.

Os estudiosos do tema trazem inúmeras técnicas, muitas vezes, distintas umas

das outras, somente pela nomenclatura, às vezes com acréscimos não vistos em

uma técnica, por conseguinte, criando outras, motivo pelo qual a experiência do

subscritor comungada com essas idéias é o que se vislumbra neste trabalho.

Quanto à conciliação, pode-se enunciar as seguintes: primeiro, as pessoas

devem ser conscientizadas da importância e o resultado prático do ato de conciliar,

principalmente a satisfação social e o conseqüente cumprimento do acordado, para

tanto, o juiz deve conversar genericamente nesse sentido; segundo, saber resumir

as idéias, de modo a destacar as convergências, terceiro, ser bastante flexível ao

lidar com o nível cultural das partes.

Quarto, dar o direito a todos de falarem, mas respeitando sempre que cada um

fala, sem interrupção do outro; quinto, ter a mente aberta e receptiva para ouvir, sem

que seus juízos de valores, de algum modo, inibam as partes de se abrir, já que

essa escuta, chamada de ativa, também pode ser eficaz na conciliação, visto que na

mediação é imprescindível.

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Sexto, a linguagem deve ser a mais simples possível, evitando os “juridiques”;

sétimo, deve ter uma postura calma e serena, onde a sua autoridade não se

imponha pelo cargo e sim pelo modo de conduzir e se portar perante as partes;

oitavo, deve estudar previamente o caso antes do encontro, de modo que,

conhecendo os anseios e resistência, tenha melhores condições de propor uma

solução.

Nono, na medida do possível e sem exageros ou emissão de posição pessoal,

destacar como a jurisprudência e a lei tratam da situação em tese, pois essa

explicação esclarece muitos dos pontos controvertidos, que inclusive devem ser

fixados antes mesmo da tentativa de conciliação, evidentemente sem preocupação

técnica, já que servirá tão-somente para subsidiar o ato consensual; décimo, quando

for o caso, com o mesmo escopo da anterior, enunciar conciliações anteriores sobre

a mesma situação jurídica, sem contudo emitir qualquer posição meritória, ou seja,

tudo em tese. 102

Ressalve-se, contudo, que essas são algumas das técnicas e, dependendo da

situação, outras específicas devem ser implementadas em cada caso concreto,

contudo, o mais importante é a conscientização dos juízes do uso dessas técnicas e

o espírito de conciliação o qual deve reinar até o último momento em que se possa

atingir o acordo.

Por fim, quanto à conciliação e até mesmo já servindo para a mediação, é

imperioso que se destaque que o juiz, no exercício dessas funções consensuais,

não pode ser: confuso, indeciso, agressivo e emotivo, visto que tais situações

emocionais deixam as partes instáveis e descredibilizam à atuação judicial, podendo

gerar desconfiança e, com isso, uma das partes ou todas não quererem sequer

começar ou continuar o ato de tentativa da solução amigável.

102 Interessante que se transcrevam neste momento as reflexões de Fernando Horta, baseado nas lições de Luiz Fernando Keppen sobre a importância desse movimento pela solução amigável como uma técnica da atividade jurisdicional, ressaltando o valor da tentativa: “Voltando à indagação sobre a validade do esforço nas tentativas de conciliação, temos que a resposta não poderia ser outra, que não em sentido afirmativo. Indubitável que tal método pacifica as relações conflituosas, humanizando o direito, devendo, por isto mesmo, ser assimilado como técnica, a de propiciar melhores resultados, tudo em benefício dos atores no palco judicial e da sociedade que servimos. E se afinal, este resultado não for alcançado? “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores, valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção da semente”. TAVARES, Fernando Horta. Mediação & Conciliação, São Paulo: Mandamentos, 2002, p. 127-128.

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Também, não podem os juizes realizar algumas condutas, como, por

exemplo; de modo algum, coagir as partes a acordar sobre o que não desejam;

redigir o acordo de forma que não expresse a real vontade das partes; não entregar

o termo de acordo para as partes assinarem, sem que seja lido em voz alta; propor

acordo que tem ciência que uma das partes não pode cumprir; permitir acordo que

tenha cláusula leonina.

Não pode também permitir composição em processo na qual estejam as

partes dele se servindo para fins escusos ou ilegais; conduzir o debate de forma

atribulada, indo e voltando a pontos já discutidos; sugerir, de plano, sem provocação

das partes, acordo que possa ser bom para as partes, já que, nesse caso,

dependendo dos litigantes, pode ser que um deles fique desconfiado de que o juiz

esteja prestigiando uma das partes.103

Enfim, percebe-se que a atuação judicial, do mesmo modo da sua atividade

precípua de julgar e materializar suas decisões, bem assim tomar providências

acauteladoras, deve transmitir aos interessados uma posição de equilíbrio e

neutralidade, tudo para que a confiança no juiz seja uma premissa básica e

intangível em todo o processo de tentativa de se obter o acordo.

Diante dessas colocações, parece que não é tão difícil que os juízes passem

a ter essa consciência e com ela pratiquem o hábito de tentar a conciliação em todos

os momentos, inclusive até mesmo antes da citação ou deliberação de uma medida

liminar, como já visto ocorrer em alguns processos com bastante êxito, desde que

não se esqueçam que as técnicas lhe auxiliarão não só para se realizar e

materializar o acordo, bem como para a garantia de que ele se concretizou a partir

da livre vontade dos envolvidos.

Ainda é oportuno que se esclareça, na linha de tudo quanto já foi ponderado,

que os juizes não podem ter aquela idéia infame de que um processo conciliado não

conta como ato judicial para fins de estatística, visto que tal pensamento é muito

pequeno para sopesar com os escopos da atividade jurisdicional, que até mesmo

103 Essas ponderações foram colhidas, com alguns complementos do já citado livro de Fernando Horta, mais precisamente na página 126.

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não se limita ao jurídico, incluindo-se o político e econômico, afora o mais

importante, que é a pacificação social.

No que tange à mediação, instrumento infelizmente pouco conhecido da

prática judicial, não havendo ainda legislação específica nesse sentido, o que

dificulta ainda mais a sua operabilidade, deve-se, com mais intensidade,

desprender-se dos preconceitos e passar o juiz a entender que o processo lida com

vida humana e, por conseguinte, com emoções, drama, sentimentos, ou seja, tudo

que envolve as subjetividades, desse modo, nesses casos, principalmente de

família, somente o diálogo constante e cooperativo vai encontrar uma solução

duradoura para o conflito, que na maioria das vezes, é aparente, dificultando até

mesmo a solução amigável.

Como já explanado, a mediação é tida como uma atividade de intermediação,

logo, o juiz não pode ser juiz e nem sequer árbitro, ou melhor, nem mesmo

conciliador, já que a solução deve ser encontrada naturalmente pelas partes

envolvidas nos conflitos, sem qualquer tipo de imposição, o que se apresenta como

uma peculariedade que marca todo esse procedimento e na qual, desde já, se

vislumbra que algumas das técnicas de conciliação não podem ser usadas pelo

mediador.

Antes de se tecerem os comentários sobre as técnicas propriamente ditas,

torna-se imprescindível que se fale sobre os princípios que a regem, bem como as

fases desse procedimento, que pode ser judicial ou não, contudo, não se pode ter

qualquer tipo de formalidade. Quanto aos princípios, é sábia a lição de Fernando

Horta:

A mediação pode ocorrer dentro de um processo judicial, ou fora dele, aquela endoprocessual, esta, extra processual, e se caracteriza pela observância dos seguintes princípios, assim resumidos: - Voluntariedade: aceitação por livre iniciativa ou aceitação das partes. Significa a disposição de cooperação para o objetivo da mediação. - Não adversariedade: não competição das partes, as quais não objetivam ganhar ou perder, mas solucionar o problema. - Intervenção neutra de terceiros: terceira parte, catalisadora das soluções. – Neutralidade: não interferência no mérito das questões. – Imparcialidade: isto é, ausência de favoritismo ou preconceitos com relação a palavras, ações ou

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aparência, significando, por parte do mediador, um compromisso de ajuda a todas as partes, por parte do mediador, um compromisso de ajuda a todas as partes e na manutenção desta imparcialidade no levantamento de questões, ao considerar temas como justiça, equidade e viabilidade de opções propostas para acordo. - Autoridade das partes: poder de decisão sobre as questões em disputa, já que são elas as responsáveis pelos resultados e pelo próprio andamento do processo. – Flexibilidade do processo: a mediação não é um processo rígido, uma vez que não está restrita à aplicação de normas genéricas e pré-estabelecidas e sua estruturação depende, basicamente, das partes e dos procedimentos por elas próprias escolhidas. – Informalidade, que se caracteriza pela ausência de estrutura e inexistência de conformidade a qualquer norma substantiva ou de procedimento. – Privacidade: a vontade das partes se manifesta de maneira autônoma, baseadas em interesse privados, no âmbito privado. – Consensualidade, no sentido de não haver uma decisão imposta às partes. Leva–se em consideração o resultado de deliberação das partes e desta vontade é que extrairá a sujeição ao acordo daí surgido. – Confidencialidade, que é um dos princípios norteadores da mediação. As informações são restritas ao âmbito das partes e do interventor. Salvo restritas eventualidades (por exemplo, os próprios sujeitos darem publicidade ao processo ou às decisões, visto que tem liberdade para tal), nada pode ser utilizado em juízo ou ter publicidade. Negrito nosso. 104

Constata-se, que esses princípios não podem ser olvidados em nenhum

momento pelos juizes, já que a mediação possui um objetivo que nunca foi a

preocupação central da justiça, qual seja, a continuidade do relacionamento entre os

contendores, daí porque o juiz, como mediador, além de se despir da visão

tradicional de compor o litígio pela decisão, deve também atuar um pouco como

analista. 105

Isto deve ser feito para tentar compreender as diferenças junto com as partes,

pois a atividade de estimulação da solução necessita do que se chama de uma

104 TAVARES, Fernando Horta. Mediação & Conciliação, São Paulo: Mandamentos, 2002, p.67-68.

105 “Analistas e juízes tem muito em comum, embora as diferenças os façam como água e vinho. Os dois lidam com processos iniciados há muito e a cujos fatos só tem acesso limitado. Atuamos com os elementos que nos chegam por meio das partes envolvidas, de acordo com seus interesses. Se nas pelejas jurídicas as partes “brigam” e no consultório o cliente é a única parte interessada, não devemos subestimar a capacidade que o conflito interno tem de sonegar informações, obstruir o processo, insistir na idéia de ganhar quando o fundamental é o acordo entre as partes, já que lutamos contra nós mesmos”. Essas ponderações são de Henrique L.M Torres, disposta como apresentação do livro já citado de João Baptista. SOUZA NETO João Baptista de Mello e. Mediação em juízo Abordagem prática para obtenção de um acordo justo. São Paulo: Atlas, 2000, p. 14.

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escuta ativa, ou seja, uma participação que não é central, mas decisiva para o

sucesso do diálogo e do acordo a ser implementado.

Afora a importância desses princípios, também é imperioso que o juiz,

enquanto mediador, atente para as fases materiais desse procedimento, em que

pese a sua informalidade e não especificação legal, ressalvando, desde já, que a

sua rigorosa observação não se faz necessária, visto que alguns casos podem

determinar a supressão de algumas dessas etapas, ou até mesmo o estilo do

mediador. 106

Primeiro, deve o juiz se apresentar como mediador e expor detalhadamente

as regras, esclarecendo bem que ele não vai decidir nada e que sua atuação

naquela situação difere totalmente de suas ações ou omissões como juiz

propriamente dito.

Depois, os envolvidos no processo expõem os seus problemas e não

necessariamente deve-se cingir as colocações da inicial ou contestação, se houver,

já que não há qualquer vinculação com o processo e suas formalidades.

Em seguida, o magistrado faz um resumo minucioso e sem qualquer

conotação pessoal, ressalvando as convergências, e ordena pela primeira vez o

problema, já tentando acertar quanto ao conflito real, se houver.

Complementado a fase anterior, o juiz deverá descobrir os interesses ainda

ocultos, pois, como se trata, na maioria das vezes, de sentimentos e valores

magoados ou pelo menos esquecidos, os conflitos aparentes podem esconder

verdadeiramente o problema, logo, a percepção do magistrado deve ser acurada.

Após, a fase mais importante e que na realidade não necessariamente deve

ser seguida essa ordem cronológica, qual seja, a estimulação propriamente dita,

com a atividade de se permitir que as partes iniciem a geração das idéias para a

resolução dos problemas, começando os acordos parciais. 106 “Ressalte-se que, dependendo do conflito e da concepção de cada mediador, algumas etapas podem ser suprimidas, ao passo que outras possam ser introduzidas.” SALES, Lília Maia de Morais. VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006, p. 96.

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Por fim, deve ser materializado o acordo final, em que as partes acabam

chegando ao consenso justamente por passarem a entender suas diferenças e

sentirem-se importantes, porque acabam se descobrindo. 107

Após essas considerações, é relevante que se destaquem algumas das

técnicas de mediação, devendo ser feita a mesma ressalva das já enunciadas

quanto à conciliação, pois vários autores tratam do tema e não há uniformidade,

motivo pelo qual se priorizou aquelas que os juizes, com certeza, podem realizar

com mais facilidade.

As técnicas que podem ser utilizadas pelos magistrados, levando em

consideração as premissas já postas, são as seguintes: apontar, descrever e

investigar os pontos de atrito, de forma que não se discuta o que já seja aceito pelos

litigantes; coordenar a discussão entre as partes mediadas, cooperando e ajudando

a discutir com respeito; ressaltar as convergências e divergências, sugerindo opções

para o superamento destas, contudo, não se pode propor a solução, porque nesse

caso seria uma conciliação; motivar a criatividade, na procura de soluções.

Auxiliar as partes a descobrirem seus reais interesses, permitindo que o

acordo seja justo, eqüitativo e duradouro, assim sendo, não há como pensar em

desigualdade entre as partes; permitir a livre expressão emocional, motivo pelo qual

não deve o juiz interferir na fala da parte, sem que seja um esclarecimento, pois a

sua principal função é ouvir, de forma ativa evidentemente; utilizar uma escuta ativa

para verificar a sinceridade das emoções; em alguns casos, utilizar sessões privadas

com apenas uma das partes, desde que também o outro tenha o mesmo contato – é

o que se chama de “caucus” 108; 107 Essas reflexões foram trazidas após leitura da obra de VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e Prática da Mediação, V Edição Comentada e Corrigida, Editado pelo Instituto de Mediação e Arbitragem no Brasil, mas, como já ressalvado, essas etapas podem ser suprimidas ou até acrescidas, dependendo da situação, bem como não há qualquer rigidez para a sua seqüência, todavia, percebe-se que pelo menos as primeiras são indispensáveis, mas o juiz não pode, em nenhum momento, querer atuar como juiz, advogado, arbitro, promotor, etc, sua função é meramente de auxílio e deve contar com um conhecimento interdisciplinar, daí porque a atividade de Mediador não é necessariamente realizada por um profissional do Direito.

108 “Em todo o procedimento o mediador realiza uma escuta ativa dos problemas, ou seja, permanece atento para captar todas as linguagens, associando as verbais com as simbólicas e não verbais. O corpo realmente fala; as expressões demonstram sentimentos”. SALES, Lília Maia de Morais. VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação Familiar: Um estudo histórico- social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006, p. 98. Ainda nesse

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É importante ainda não perder o controle da situação; também deve manter a

ordem mediante uma regra basilar: “uma pessoa fala de cada vez; utilizar

parafraseamento: ouvir e repetir conceitos usando palavras diferentes; trabalhar uma

questão de cada vez; conclamar as partes a expressarem seus sentimentos com

lealdade de forma que o conciliador possa sugerir uma opção de solução que atenda

as partes; sugerir uma parada nas negociações quando o clima estiver tenso. 109

Saliente-se, que todas essas técnicas - apesar de extremamente importantes

– não devem ser valorizadas, da mesma forma que às vezes se prestigiam as

formalidades, pois o fim maior deve ser sempre lembrado, qual seja, que as partes

consigam encontrar uma solução de consenso que evidencie a continuidade do

relacionamento e a autodeterminação delas, visto que esse instrumento se

perfectibiliza como um elemento concretizador da democracia.110

Dadas essas colocações sobre os princípios, técnicas e até mesmo fases ou

etapas com relação à mediação e conciliação – as quais acabam se imbricando –

justamente por seus elementos comuns, vislumbra-se, de forma clarividente, que os

juizes, de um modo geral, mesmo naqueles casos em que envolvam direitos

indisponíveis 111, devem utilizar essas formas alternativas de solução dos conflitos,

assunto, entende-se que durante todo o procedimento de mediação não deve o Juiz, sob hipótese alguma, deixar que suas expressões sejam transmitidas para a parte, ou seja, o seu equilíbrio emocional deve perdurar durante toda sua atuação, sem que qualquer postura diferente seja realizada, sob pena das partes perderem a confiança no Mediador.

109 Essas técnicas são trazidas por Fernando Horta em obra já citada nesse trabalho, complementadas com as experiências do subscritor como mediador, principalmente em conflitos de família, logo, muitas outras técnicas podem ser implementadas, desde que haja sempre a prioridade para o constante diálogo, o cooperativismo, a efetiva participação das partes, a não imposição da decisão, ou seja, todos os princípios já também expostos por esse autor.

110 Nesse sentido, indica-se, para aprofundamento do estudo, a obra o Discurso e o Poder, de Boaventura de Souza Santos, que ressalta a importância de se criarem mais instrumentos de democracia participativa, complementando a representativa, a fim de que essa junção possa de fato fazer com que o povo verdadeiramente decida as questões de seu interesse.

111 A Lei 10.444/02 alterou a redação do artigo 331 do CPC para expressamente permitir que todos os direitos que admitam transação tenham necessariamente a audiência ali prevista, pois esse momento é bastante propício e, na realidade, constitui-se como direito da parte a esse contato direto com a autoridade judiciária.

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sem as suas tradicionais regras 112, pois, se assim ocorrer, pode-se afirmar que tal

atitude vai ser igual à não tentativa de uma solução amigável.

Como tudo na vida é relativo, nada mais natural de que haja limitações nessa

atividade dos magistrados, em que pese todas as vantagens desses institutos e

suas informalidades, todavia, muitas situações inviabilizam por completo tanto a

conciliação quanto à mediação, não só pela natureza desses métodos, bem como a

própria essência de algumas matérias dos conflitos e a própria estrutura do Poder

Judiciário.

Portanto, essa análise torna-se imprescindível, visto que, em alguns casos a

almejada pacificação social somente vai ser alcançada por uma atuação mais firme

e decisiva da Justiça, que, como percebido, não se coaduna com os institutos em

exame, a qual somente se cita, já que não se amolda ao objeto desta dissertação.

Por fim é importante que se registre, mais uma vez, que a principal função da

atividade jurisdicional é, sem sombra de dúvidas, a pacificação social e infelizmente

esta não vem sendo alcançada pelas vias tradicionais, desse modo, faz-se

necessária a utilização de meios alternativos e os mais democráticos possíveis para

solução dos conflitos, haja vista que eles possuem características que se afinam

com a satisfação social, principalmente pela efetiva participação dos próprios

interessados.

Dessa forma, os juizes devem, portanto, capacitar-se tecnicamente e, da

mesma forma que na entrega da prestação jurisdicional convencional, não podem

expressar qualquer tipo de emoção, que possa causar desconfiança das partes em

relação ao seu único desejo de obter a satisfação social via consenso, estimulando

sempre a comunicação dos envolvidos.

112“Há pouco tempo, em uma aula de mediação, um juiz perguntou-me como se pode executar um acordo obtido mediante um processo de mediação. Ficou abalado com a minha resposta: “os afetos nunca podem ser executados”. Minha resposta o surpreendeu porque estava raciocinando com os mitos, as crenças, o senso comum dogmático que organiza as cabeças dos juristas em geral. A mediação precisa ser entendida, vivida, acionada com outra cabeça, a partir de outra sensibilidade, refinada e ligada com todas as circunstâncias, não só do conflito, mas do cotidiano de qualquer existência. Quem vai mediar, precisa estar ligado com a vida”. WARAT, Luis Alberto. O ofício do Mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. Esses, com certeza, são os maiores desafios dessa nova postura dos juizes nessa função de tentativa de se chegar a uma solução amigável.

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Na realidade, faz-se necessária uma mudança de paradigma na atuação

judicial, de modo que a conscientização das partes, quanto à eficácia social do

acordo, seja precedida da do juiz nesse mesmo sentido, para tanto, as amarras da

tutela jurisdicional não podem se imiscuir nessa jurisdição consensual.

Destarte, o juiz não pode, em nenhum momento, dessa atividade consensual,

agir como juiz propriamente dito, já que, quando assim proceder, coloca em risco a

feitura do acordo, desacreditando a própria Justiça quanto à sua função

pacificadora, em especial, quando se trata de conflitos familiares, que, como cediço,

referem-se às desilusões e insatisfações de pessoas diferentes que acreditaram

numa relação amorosa, o que sempre deve ser considerado.

Não há dúvida, pois, de que os meios democráticos de solução dos conflitos

são bem mais eficientes do que a sentença, logo, essa divulgação deve ocorrer

entre os operários do Direito como um todo, de modo que a conciliação e a

mediação deixem de ser exceção para se tornarem regra geral, já que

indiscutivelmente toda a razão de ser do Direito é a pacificação social com justiça e

esta inarredavelmente não vem, infelizmente, sendo alcançada pelas vias

tradicionais.

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4. A JURISDIÇÃO CONTEMPORÂNEA E O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. COMPATIBILIZAÇÃO INDISPENSÁVEL

4.1 A necessidade de fundamentação, por argumentação, para legitimar essa nova concepção de jurisdição

Dentro da perspectiva até o momento firmada e os novos pilares postos como

alicerces para essa compreensão da atividade jurisdicional contemporânea, torna-se

indispensável que o juiz, não só por imperativo constitucional, como é cediço, mas

também pela essência das normas que esteiam sua atividade, fundamentem

materialmente as suas decisões, partindo sempre de uma argumentação fática e

jurídica que leve em consideração as circunstâncias de cada caso posto a sua

apreciação.

Como dito, a Carta Magna já prescreve como princípio obrigatório da atuação

judicial, até mesmo para que as partes - quando previsto, possam recorrer das

decisões que lhe sejam desfavoráveis – a necessidade de motivação das decisões

judiciais, entende-se esta como qualquer tipo de tomada de posição do Poder

Judiciário, ou seja, até mesmo em questões administrativas. Contudo, essa

fundamentação pela argumentação no caso concreto vai além dessa motivação

corriqueira das decisões judiciais.

Comprovou-se que no cenário atual é inadmissível se pensar em Constituição

que não tenha necessariamente força normativa e como os seus valores devem

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restar consagrados em toda a atividade judicante, inclusive com a certeza de que

toda interpretação, integração e aplicação de normas se baseiam na Carta Magna,

ou dita de outro modo, toda a hermenêutica hoje é constitucional, a fundamentação

é imprescindível para que essas linhas sejam materializadas e que a atuação do

Judiciário seja legítima, principalmente quando impõe políticas públicas a serem

realizadas pelos outros Poderes.

Como se viu em páginas anteriores, todo o coração do constitucionalismo

contemporâneo reside nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, que, por

conseguinte, influenciam diretamente essa nova visão da jurisdição.

Muitos desses direitos e garantias são princípios que devem ser aplicados

diretamente ou no mínimo condicionarem a atividade judicial, logo, a fundamentação

nesse caso é totalmente distinta quando da existência de regras, sendo necessário

uma argumentação material e não o recurso a tipologias formais, nas quais a

efetividade dessas normas fica na dependência da atividade do legislador, o que se

afigura inadmissível num Estado Constitucional Democrático de Direito.

É indiscutível que a maior preocupação do constitucionalista ainda diz

respeito à questão da efetividade das normas dispostas na Constituição. A assunção

de normatividade foi um grande avanço, porém ainda não suficiente a extirpar de

uma vez por todas a idéia de normas programáticas, princípios programáticos,

enfim, expressões, por muito tempo, utilizadas, as quais infelizmente floresceu o

surgimento de interpretações restritivas para o implemento dos direitos e garantias

dos indivíduos. 113

113 Sem querer fazer uma crítica aleatória e sem dados mais concretos ao guardião de nossa Constituição, contudo, sem deixar de registrar que talvez uma atuação do STF mais condizente com uma política pró-efetividade das normas constitucionais, ter-se-ia expurgado de vez tais interpretações, que, na realidade, vão de confronto a muitos dos princípios encartados na Carta Magna, como por exemplo, o democrático, já que este não se subsume a uma tão simples participação no sufrágio, como se observa no capítulo seguinte, desse modo, questões como a dos juros estipulados no artigo 192 e o próprio mandado de injunção formam decisões que em muito contribuíram para a inefetividade das normas constitucionais. A autocontenção judicial é uma técnica interessante, como percebe-se adiante, de compatibilização dessa nova concepção de jurisdição com o princípio democrático, todavia, não pode sob essa ou qualquer outra justificativa deixar o Pretório Excelso de cumprir sua função de protetor por excelência dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, por isso a importância de uma fundamentalidade material em cada caso concreto que prime pela prevalência dos valores explicitamente escolhidos pelo Poder Constituinte.

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No sentido de compatibilizar a busca incessante pela efetividade das normas

constitucionais - principalmente sem ter que esperar pela atuação legiferante – com

essa fundamentação material das decisões, a par de uma argumentação jurídica em

cima do caso concreto e dos valores constitucionais, é importante que se traga à

baila a lição de Cláudio Pereira de Souza Neto:

Como buscaremos demonstrar ao longo do presente escrito, a tendência é de se passar a delimitar o campo da fundamentalidade a partir de argumentos materiais, e não meramente teórico-formais ou positivo. É o que se verifica, p. ex. com a atribuição de fundamentalidade material a determinados direitos sociais através de critérios decorrentes do conceito de mínimo existencial. Note-se que esta tendência específica, de se deslocar o debate do âmbito formal para o material, é somente uma das manifestações que se incluem em um cenário contemporâneo mais amplo de ressurgimento do discurso sobre a fundamentação filosófica dos direitos fundamentais. Aos antigos argumentos da positividade, se agregam argumentos situados no plano da fundamentação racional. Nessa linha, pode-se afirmar, p.ex., que as normas incluídas no âmbito do conceito de direitos fundamentais serão efetivadas já não só porque gozam de um determinado tipo de positividade, mas também porque representam verdadeiros critérios de legitimação do próprio poder criador de positividade. Supera-se, assim, a velha e já estéril dicotomia entre os planos da fundamentação e da efetividade. Note-se que não se trata de resgatar o discurso de fundamentação racional em detrimento do debate sobre a efetividade, mas de compreender que a fundamentação racional possui uma força persuasiva, uma cogência, que naturalmente dá sustentação à atividade de efetivação. 114

Então não há que se falar em separação entre a fundamentação material e a

efetividade, pois na conjuntura externada, ambas complementam-se a fim de que os

princípios possam superar a visão de formalidade que imperou por tanto tempo na

ciência do Direito e em conseqüência minguando a própria atividade jurisdicional.

Em sede deste trabalho não cabe a análise pormenorizadora das várias

teorias que endossam essa argumentação material, contudo, é imperioso que se

registre que a preocupação de todas elas reside justamente em uma ampliação do

espectro de atuação do juiz para fora dos aspectos formais, nos quais se perquira

114 BARROSO, Luis Roberto. Organizador. A nova interpretação constitucional Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.287.

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em cada caso que lhe é submetido se os valores, como a dignidade da pessoa

humana, igualdade social, justiça, enfim, estão presentes na situação delineada.

Essa ampliação se justifica porque é indiscutível atualmente que apesar de o

Judiciário, em relação aos outros Poderes, não terem tanta liberdade quanto à

escolha dos valores, estes já foram deliberados pelo Poder Constituinte originário e

têm que ser estabelecidos na vida social da comunidade, daí a pertinência para a

sua atuação material.

Além do mais a restrição jurídica que se observou por tanto tempo, a ponto de

se deslocar do exame questões políticas, não mais condiz com a interpretação

constitucional, pois quando de sua atividade judicante, o juiz necessariamente

decide politicamente a par das escolhas constitucionais. 115

A atividade do juiz contemporâneo - constitucional por excelência, longe de se

constituir como uma mera concatenação de atos preordenados com uma conclusão

lógica baseada tão-somente em aspectos formais, mesmo que aparentemente

arrimados na Constituição - é na realidade uma decisão política nos termos em que

o conflito posto a sua apreciação quase sempre traz considerações de ordem

valorativa, assim sendo, sua atuação, para que se conforme nos direitos e garantias

fundamentais, tem que obrigatoriamente ser fundamentada em aspectos filosóficos

115 A concepção tradicional do processo e, por conseguinte, da jurisdição sempre teve como pano de fundo a preocupação com a mera resolução dos conflitos, sem que se perquira sobre a verdade real e com uma tomada de posição quanto aos valores que necessariamente envolvem uma dada disputa onde há uma pretensão e resistência baseada em direito material. Nesse sentido, é interessante que se registre a lição de Juraci Mourão Lopes Filho, ao iniciar suas ponderações sobre a visão de que o processo é uma atuação de escolhas políticas: “Em conclusão, podemos sumariar o processo voltado para a solução de conflitos como um conjunto de atos em que o contraditório desfruta de grande destaque, pois é em razão dele que as partes exercerão uma disputa forense de embate de argumentos e teses. A solução da controvérsia será um consectário do resultado desta disputa: seu vencedor levará a decisão final a seu favor. Assim o papel do magistrado é mais que de simples parcialidade, é de absoluta neutralidade, devendo ele, considerando o desempenho na disputa, apenas solucionar a controvérsia, sem se preocupar em atingir ou atuar escolhas políticas ou fins previamente determinados, o que o livra, em verdade o proíbe, de considerações e conceitos prévios acerca do caso”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. A Administração da Justiça no Estado Social in BONAVIDES, Paulo BONAVIDES, MARQUES DE LIMA, Francisco Gerson. BEDÊ, Fayga Silveira. Constituição e Democracia. São Paulo:Malheiros, 2006, p. 382. Essa visão de atuação do magistrado não pode de modo algum ser aceita em uma sociedade pluralista como a nossa e a par de uma Constituição que impõe ao poder público a consecução de vários resultados no plano social, logo, o Poder Judiciário não pode ficar apático e se subsumir a uma solução formal do conflito.

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deles, ou seja, com análise calcada nos núcleos que compõem o sistema jurídico,

que não mais pode ser tido como formal. 116

A fundamentação material pela argumentação em cada caso concreto, dados

os valores constitucionais que campeiam todo o agir estatal, não coloca a jurisdição

como atividade que solucionará todos os problemas sociais.

Não é essa a missão precípua da atividade jurisdicional. Longe disso. Cabe

aos Poderes Executivo e Legislativo por excelência a realização das políticas

públicas, contudo, a jurisdição, quando instigada, deve atuar materialmente e não se

esquivar de suas atribuições constitucionais, como fez por muito tempo.

Em toda essa conjuntura de Estado Constitucional a qual a nossa sociedade e

o poder público se encontram vinculados, não há mais espaço para uma atuação

jurisdicional em que a lei seja suprema e que a subsunção prevaleça como forma de

se aplicar as escolhas do povo, daí a importância da fundamentação material, pela

argumentação no caso concreto, ora defendida, justamente para legitimar essa nova

assunção de responsabilidade judicial. Clèmerson Mèrlin Clève atesta a importância

do juiz nesse contexto:

Ninguém discorda que se está a experimentar, desde algum tempo, um período de superação dos postulados individualistas do direito. Os conflitos individuais vão, na sociedade técnica e de massas, cedendo espaço para os conflitos coletivos. O tempo acelera-se; muitas novas controvérsias nascem sem pronta solução normativa; outras qualificam-se pela recorrente presença do Estado como parte ou interessado. O papel do Juiz cresce cada vez mais de importância. Compete a ele, afinal, adequar os velhos dados normativos às renovadas conjunturas e às singulares situações emergentes. Se o direito dependia, na sociedade liberal, basicamente do legislador, hoje, na sociedade de técnicas e de massas, não sobrevive, não se aperfeiçoa, não evolui nem se realiza sem o juiz. 117

116“Por essa razão, as prescrições processuais são mais flexíveis, devendo sempre ceder diante do atingimento do escopo político perseguido. Tal flexibilidade terá, como critério, o caráter dúplice antes mencionado que diferencia um formalismo de uma formalidade. Esse cálculo utilitarista estará presente no momento de se considerar se uma decisão tomada mediante infringência de normas será válida ou não, o que remonta ao plano substancial. Repita-se à exaustão: em um Estado ativo , a legitimação e a justificação das decisões se dão no plano do direito material e não processual, em contraposição ao modelo anterior, em que o processo é um instrumento de legitimação e justificação máximo”. Juraci Mourão Lopes Filho na obra citada acima, p.385. 117 CLÈVE, Clèmerson Mèrlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000, p.17.

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Em uma sociedade pluralista a função judicial ganha relevo e destaque ao

ponto de o Juiz ter que justificar de modo detalhado, em cada situação, quais dos

valores levou em consideração para a sua decisão.

Primeiro, conforme já visto, porque não há hierarquia entre os princípios que

informam a Constituição; segundo porque na aplicação de princípios não se aplica a

regra do tudo ou nada, ou seja, a cessão de um princípio em um dado caso para

prevalência de outro, de modo que a restrição seja a menor possível e dentro do

necessário para a solução e de acordo com a razoabilidade e proporcionalidade, de

modo que o benefício seja maior do que o sacrifício do princípio preterido no caso

concreto.118

Mesmo inexistindo hierarquia entre os princípios, há uma preferência entre

muitos constitucionalistas na hora da interpretação das normas em levar em

consideração um dos princípios, como, por exemplo, a dignidade da pessoa

humana, o democrático, etc. Esse tipo de posição é razoável dentro de uma

sociedade que positivou várias tendências filosóficas, éticas e políticas, assim

sendo, a fundamentação material é, sem sombra de dúvidas, a medida legitimadora

da decisão judicial.

Dentro desse contexto, uma corrente que ganha fôlego entre os

constitucionalistas e que muito bem pode guiar essa argumentação material

indispensável à atividade judicante é a que prioriza o princípio democrático, tendo,

nessa textura, a teoria da democracia deliberativa uma importância transcendental

no que tange a disciplinar a conduta do aplicador das leis para fazer valer esse

espaço de pluralismo, ou seja, os valores sejam substancialmente considerados. 119

118 Essa situação acontece muito quando em jogo se encontram direitos fundamentais que em um dado caso colidem, como, por exemplo, a célebre discussão entre o direito à intimidade e à liberdade de informação, logo, somente as circunstâncias do caso em específico serão suficientes para balizar a decisão do juiz, que de todo modo deve muito bem argumentar materialmente a sua escolha ao ponto de sua decisão se legitimar constitucionalmente, permitindo que em outro caso a decisão possa ser até mesmo diferente, desde que as situações fáticas sejam outras. Com tal postura de fundamentação, vê-se a importância da jurisdição na atividade de concretização dos mandamentos constitucionais.

119“As teorias democrático-deliberativas partem de um problema fundamental: o fato do pluralismo. As sociedades contemporâneas são plurais, convivendo em seu interior inúmeras doutrinas compreensivas de caráter ético, filosófico ou religioso, i.e., inúmeras concepções individuais e coletivas acerca do que vem a ser a vida digna, sendo inviável um consenso generalizado sobre o conteúdo das normas jurídicas e dos fins que devem ser perseguidos pelo Estado. Tendo-se em vista

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Dessa forma, constata-se que o requisito essencial para a atividade judicante

contemporânea reside na busca em cada situação fática dos valores existentes na

Constituição, contudo, o que vai legitimar essa atuação ampliativa e até mesmo

política é a fundamentação discriminada sob a ótica de uma das teorias existentes

sobre a argumentação material dos direitos e garantias fundamentais, não se

podendo admitir que se recorra aos aspectos procedimentais, mesmo os atinentes à

democracia. 120

Como se observa adiante, não se pode afirmar que o princípio democrático

seja respeitado quando os procedimentos formais previstos em um dado processo

sejam assegurados e a maioria legitimamente opte por um determinado valor.

Esse raciocínio é simplista e não se amolda às concepções do

constitucionalismo atual, no qual verdadeiramente se faz necessário que o juiz

analise o caso conflituoso com a pretensão de ver o direito material efetivamente

protegido, necessitando, no mesmo quadrante, de uma devida justificação que

legitime constitucionalmente sua postura. 121

a impossibilidade desse amplo consenso acerca de conteúdos, grande parte das teorias democrático-deliberativas se alicerçam em concepções procedimentais da legitimidade; entendem que há, inversamente, a possibilidade de consenso a respeito das condições da democracia, que seriam neutras ou imparciais em relação às diversas doutrinas compreensivas que habitam as sociedades contemporâneas. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e Normatividade dos Direitos Fundamentais: Uma reconstrução Teórica à luz do Princípio Democrático in BARROSO. Luis Roberto, Organizador, A nova interpretação constitucional Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.316-317. Ressalve-se, no entanto, que tanto o autor quanto o nosso pensamento não se coaduna com uma teoria procedimental, que apesar da autoridade de seus precursores, como Habermas, não analisa a questão pelo pano de fundo, ou seja, pela compreensão dos valores em cada caso concreto e a par do núcleo dos direitos fundamentais como condicionantes para uma efetiva democracia. São dignas de registro suas palavras: “Tal teoria formula o conceito de diretos fundamentais através de argumentos centrados na própria noção de democracia: os direitos fundamentais são condições da democracia e devem, por isso, ser mantidos dentro de uma intangibilidade, a ser protegida pelo Judiciário contra os arroubos das maiorias eventuais. Ainda que limitando o princípio majoritário, em favor dos direitos fundamentais, o Judiciário estará assim agindo como guardião da democracia e atendo-se ao campo da neutralidade política”.

120 “Essa dificuldade de definição do conteúdo não é óbice para o reconhecimento da concepção substancialista da Constituição, uma vez que, sem essa concepção, a humanidade não estaria livre da escravidão ou de outras atrocidades. Tentando sistematizar a concepção substancialista, Lênio Streck pondera: “Em síntese, a corrente substancialista entende que, mais do que equilibrar e harmonizar os demais poderes, o Judiciário deveria assumir o papel de intérprete que põe em evidência, inclusive contra maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do ocidente”. FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle Judicial de Políticas Públicas, São Paulo:RT, 2005, p. 89-90.

121 Essa ampliação do poder do juiz dentro do constitucionalismo, que se tornou a ideologia dominante do século passado e, sem sombra de dúvidas, guiará as gerações vindouras, conduziu

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Interessante ponderação no sentido da necessidade de uma justificativa

específica em cada decisão judicial é a de Lênio Streck e que fecha todo o raciocínio

ora desenvolvido:

É preciso estar atento, pois, ao perigoso ecletismo pelo qual passa o sistema jurídico brasileiro: busca a fórmula dos precedentes sem a correspondente obrigatoriedade da motivação/justificação. Destarte, as decisões devem estar justificadas e tal justificação deve ser feita a partir da invocação de razões e oferecendo argumentos de caráter jurídico, assinala Ordónez Solis. O limite mais importante das decisões judiciais reside precisamente na necessidade da motivação/justificação do que foi dito. O juiz, por exemplo, deve expor as razões que lhe conduziram a eleger uma solução determinada em sua tarefa de dirimir conflitos. A motivação/justificação está vinculada ao direito à efetiva intervenção do juiz, ao direito dos cidadãos a obter uma tutela judicial, sendo que, por esta razão o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera que a motivação integra-se ao direito fundamental a um processo eqüitativo, de modo que “as decisões judiciais devem indicar de maneira suficiente os motivos em que se fundam. A extensão deste dever pode variar segundo a natureza da decisão e deve ser analisada à luz das circunstâncias de cada caso particular” (sentenças de 9.12.1994 – TEDH 1994, 4, Ruiz Torija e Hiro Balani-ES, parágrafos 27 e 29; de 19.2.1998 – TEDH 1998,3, Hignis e outros –Fr, parágrafo 42; e de 21.1.1999 – TEDH 1999,1, Garcia

Ruiz-ES). 122

alguns estudiosos a nominarem que o Estado Contemporâneo pode ser compreendido como Estado Judicial Constitucional, para tanto se faz necessário que os juizes chamem pra si essa responsabilidade de legitimar suas decisões materialmente, tudo para que não haja críticas de que sua atuação é baseada em valores pessoais e fora das prescrições estabelecidas pelo Poder Constituinte. 122 STRECK, Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito da efetividade: Uma crítica hermenêutica in Constituição e Democracia, Estudos em homenagem ao Professor J.J Gomes Canotilho. Coordenadores. BONAVIDES, Paulo.; MARQUES DE LIMA, Francisco Gerson. BEDÊ, Fayga Silveira. São Paulo: Malheiros, 2006, p.431.

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4.2 Embate natural entre a nova concepção de jurisdição e o princípio democrático

A atividade jurisdicional no processo de filtragem constitucional de todo o

direito e, com destaque para a linha processual, ampliou sensivelmente os poderes

do juiz, que além de ter que imprimir o rótulo constitucional em todas as suas

decisões, deve se preocupar com a tutela do direito em específico. Essa atuação

mais ativa necessariamente conflita com o princípio democrático, que, de modo

incisivo, baliza as condutas das autoridades públicas.

Para que não haja ferimento a esse princípio mor de nossa Constituição

Federal, o juiz deve tentar compatibilizar a necessidade de concretização dos

valores que lhe foi imposto com as regras que condicionam uma efetiva democracia.

De plano impõe-se afirmar que a atuação desse modo não é tão simples de

ser atingida, contudo, é imprescindível que ele não olvide dessa incumbência, pois

das autoridades políticas, sem sombra de dúvidas, o juiz é quem menos possui

legitimidade democrática e como a soberania popular é a origem de todo o Poder

Governamental e no Judiciário os membros não são eleitos, a dificuldade, com

certeza, aumenta. 123

Por outro lado, o tabu de que questões políticas não podem ser apreciadas

por autoridades judiciárias já foi com certeza desmistificada por todas as colocações 123 Impende destacar desde já, para iniciar a normal tensão entre a jurisdição constitucional defendida e o princípio democrático, a relevância da teoria democrática na visão de Peter Häberle, que tenta justamente compatibilizar essa função com o ideário democrático, como bem ressalta Paulo Bonavides: “A interpretação concretista, por sua flexibilidade, pluralismo e abertura, mantém escancaradas as janelas para o futuro e para as mudanças mediante as quais a Constituição se conserva estável na rota do progresso e das transformações incoercíveis, sem padecer abalos estruturais, como os decorrentes de uma ação revolucionária atualizadora. Mas para chegar a tanto faz-se mister uma ideologia: a ideologia democrática, sustentáculo do método interpretativo da Constituição aberta, concebido por Häberle, e que serve de base portanto a uma hermenêutica de variação e mudança”. Grifo nosso. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.515.

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anteriores, principalmente quando se trata de implementação de políticas públicas

claramente delineadas na Carta Magna, essa tensão é mais intensa, impondo ao

magistrado uma atuação mais rigorosa no que tange a compatibilizar a sua decisão

com os valores democráticos.

Já estando assente que essa ampliação natural e regular da atuação do

Poder Judiciário se faz necessária em razão dos pilares do ordenamento

constitucional vigente em nosso país, bem assim das problemáticas atuais da

sociedade contemporânea, principalmente no que diz respeito à realização das

políticas públicas referidas e até mesmo edição das leis que estejam em

desconformidade com os mandamentos constitucionais, resta estabelecer os limites

para essa atuação justamente para haver a compatibilização com o princípio

democrático.

Entretanto, essa atuação mais ativa e indispensável para a consecução dos

valores constitucionais não pode conduzir a situações teratológicas e em patente

desrespeito as funções típicas dos demais Poderes, sob pena de se desvirtuar a

idéia primordial de nossa Constituição, que é o próprio cumprimento das balizas

democráticas, ou seja, de onde advém todo o poder público.

Em que pese ser o Poder Judiciário o menos democrático dentre os Poderes

constitucionalmente estabelecidos – em razão da forma de ingresso de seus

membros – tal fato, por si só, não pode inibir o amplo controle jurisdicional que todos

os atos estatais devem sofrer; primeiro, porque a legitimidade dos juizes, em sua

função jurisdicional, advém diretamente da Constituição, não só pela previsão

expressa do artigo 5º, inciso XXXV já citado, mas também pela árdua missão de

concretização dos valores legitimamente escolhidos pela sociedade.

Segundo, porque tem a relevante tarefa de controlar a constitucionalidade de

todos os atos estatais com definitividade, visto que as decisões do órgão de cúpula

não são recorríveis, muito menos submetidas a um dos outros Poderes, logo, a

Constituição, de modo bem enfático, dá-lhe legitimidade para as suas ações, que,

pela própria essência, está implícita a possibilidade de interferência nas atividades

dos outros Poderes.

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Entretanto, que fique bem claro desde já, como importante referencial para a

análise dos limites e como requisito para a compatibilização que se prega, que a

prática de atos pelos outros Poderes, que atentem contra os valores constitucionais,

não pode ser admitida pelo Poder Judiciário.

Por outro lado, aí como limite substancial propriamente dito, não pode esse

Poder realizar políticas públicas, escolhendo quais as prioridades de governo ou, por

exemplo, legislando de um modo genérico, daí porque a sua possível interferência

nas ações dos outros Poderes tem como marco inicial o desrespeito à Carta Magna

e não se pode permitir ilações que conduzam ao toque meritório nas esferas de

atribuições do Executivo e Legislativo, ou seja, a oportunidade e conveniência para a

elaboração das leis e edição de atos administrativos.

Outro limite bem claro diz respeito aos próprios balizamentos constitucionais

aqui já enunciados, já que o Poder Judiciário, apesar de sua competência ampla,

não pode ser arbitrário e decidir sem qualquer tipo de parâmetro, assim sendo, todo

o seu agir se encontra delimitado no mesmo limite substancial dos outros Poderes,

pois a idéia de um poder absoluto e sem limites não encontra guarida em um

sistema democrático como o nosso.

Mauro Cappelletti, em obra de fôlego, Juizes Legisladores, muito bem expõe a

questão dos limites substanciais do juiz, na qual se tem total aplicação nesse

contexto da nova concepção de jurisdição, já que fica cristalina a impossibilidade de

se laborar com a escola do “direito livre” em um sistema constitucional como o

nosso, bem assim a própria limitação natural que qualquer atividade pública deve

possuir, quer seja jurisdicional, legislativa ou de administração. São suas as

seguintes digressões:

Por isso, deve ser firmamente precisado que os limites substanciais não são completamente privados de eficácia: criatividade jurisprudencial, mesmo em sua forma mais acentuada, não significa necessariamente “direito livre”, no sentido de direito arbitrariamente criado pelo Juiz no caso concreto. Em grau maior ou menor, esses limites substanciais vinculam o juiz, mesmo que nunca possam vinculá-lo de forma completa e absoluta. Mas, uma vez reiterado tal esclarecimento, entendo necessário reafirmar, igualmente que os limites substanciais, diversamente dos formais ou processuais, dos

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quais nos ocuparemos adiante, não têm a virtude de caracterizar a “natureza” do processo jurisdicional. Em particular, não podem representar o elemento distintivo da jurisdição em face da legislação ou da administração. De um lado, a atividade administrativa pode ser, e normalmente é, vinculada aos mesmos limites substanciais que se impõem ao juiz. De outro lado, quando o juiz é livre para basear as próprias decisões em preceitos vagos e não escritos de equidade, sua atividade não pode ser diferenciada da do legislador, no que concerne aos seus limites substanciais. E até a atividade do juiz vinculado à lei, aos precedentes, ou a ambos dificilmente pode ser diferenciada, do ponto de vista de seus limites substanciais, da do legislador, cujo poder de criação do direito esteja sujeito aos vínculos ditados por uma constituição escrita e pelas decisões da justiça constitucional. Deste ponto de vista, a única diferença possível entre jurisdição e legislação não é, portanto, de natureza, mas sobretudo de freqüência ou quantidade, ou seja, de grau, consistindo na maior quantidade e no caráter usualmente mais detalhado e específico das leis ordinárias e dos precedentes judiciários ordinários, em relação às normas constitucionais – usualmente contida em textos sucintos e formuladas em termos mais vagos – como da mesma forma relativamente às decisões da justiça constitucional. Daí decorre que o legislador se depara com limites substanciais usualmente menos freqüentes e menos precisos que aqueles com os quais, em regra, se depara o juiz: do ponto de vista substancial, ora em exame, a criatividade do legislador pode ser, em suma, quantitativamente diversa da do juiz...Do ponto de vista substancial, portanto, não é diversa a “natureza” dos dois processos, o legislativo e o jurisdicional.124

Indiscutível, pois, que na ótica substancial, não há distinção quanto aos

limites que todas as autoridades estatais possuem no desempenho de suas funções,

ressaltando, na forma dos comentários de Cappelletti, que para o Poder Judiciário,

esse limite é mais intenso, logo, inadmissível a posição daqueles que defendem uma

decisão judicial sem qualquer tipo de vinculação, principalmente em nosso

ordenamento constitucional, que teve o mérito de delimitar as atribuições e

competência dos Poderes, amoldando-se ao velho sistema de freios e contrapesos.

(checks and balances).

Nesse sentido, percebe-se, claramente, que os juizes, em sua função de

concretização dos valores constitucionais escolhidos legitimamente por uma

assembléia constituinte das mais democráticas e cidadãs, não podem, de modo

algum, transpor os limites naturais de sua atividade, bem como aos balizamentos

constitucionais que impõem aos demais Poderes suas funções típicas, sob pena de

124 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999, p. 26-27.

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afronta direta à Carta Magna e, por conseguinte, a um governo dos juízes, o que se

afigura antidemocrático. 125

Destarte, a prudência e bom senso devem guiar toda essa nova concepção

da atividade jurisdicional, no sentido de que para se conduzir a um efetivo

cumprimento dos valores constitucionais, não pode o Poder Judiciário suprimir um

dos princípios mais caros de nossa Constituição, qual seja o da soberania popular,

assim sendo, essa atividade de criação do Direito pelos juízes deve sempre ter

guarida na própria Constituição e com a ciência desses limites intransponíveis. 126

Portanto, esse ativismo judicial, tão criticado por alguns, nada mais representa

do que um constante desafio para expurgar interpretações que estejam em

desconformidade com o efetivo cumprimento da Constituição, por todos os Poderes.

Não existe mais alternativa que conduza a uma inatividade da Constituição e a

jurisdição constitucional, compatibilizada com o princípio democrático, é uma

realidade que não tem mais volta.

Nesse sentido, o Poder Judiciário deve assumir o papel de legislador negativo

quando se fizer necessário, e de efetivo determinador de políticas públicas, que

assegurem a realização dos direitos fundamentais quando os órgãos competentes

forem omissos sob pena de não se cumprir materialmente o princípio democrático. 127

125 “Uma jurisdição constitucional deve se conformar com seu papel secundário, embora relevante, em uma democracia. Cabe aos representantes eleitos pelo povo a primazia na formulação das políticas públicas, o que eles fazem principalmente por meio de atos legislativos. As intervenções da jurisdição constitucional demandam a demonstração de que a interpretação judicial da Constituição é mais acertada do que a interpretação subjacente ao ato legislativo controlado” MORO, Sérgio Fernando. Jurisdição Constitucional como democracia. São Paulo: RT, 2004, p.204, citado por FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle Judicial de Políticas Públicas, São Paulo: RT, 2005, p. 119.

126 Reverenciando a questão dos limites para essa nova atuação judicial, é firme a posição de Américo Bedê Freire Júnior: “Verificou-se, nos capítulos precedentes, a necessidade de uma atuação efetiva do Poder Judiciário em prol da materialização das esperanças constitucionais. Cabe ponderar que, por óbvio, o ativismo judicial não será, de per si, panacéia para toda e qualquer violação de direitos existentes na face da terra. Por outro lado, não podem os Juízes também, a pretexto de interpretar e efetivar a Constituição, utilizar seus subjetivismos disfarçados de interpretação constitucional...É preciso consciência dos juízes para usar do ativismo na exata proporção, ou seja, sem excessos ou omissões.” FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle Judicial de Políticas Públicas, São Paulo: RT, 2005, p. 119/120.

127 Em que pese a cristalinidade dessas colocações, entende-se, que o Supremo Tribunal Federal, como externado em relação ao mandado de injunção e a questão dos juros, bem como em todos os estudos realizados até hoje, com base em dados estatísticos das ações diretas de

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Entender a democracia limitada à participação hoje universal do cidadão a

escolha de seus representantes nos Poderes Legislativo e Executivo é ir de

confronto a necessidade da efetividade dos direitos e garantias fundamentais, o que

representa uma quebra de todo o movimento de constitucionalização do Direito e

minimiza a própria importância do cidadão.

Democracia só existe quando os direitos dos cidadãos são cumpridos.

Imaginar, por exemplo, que o direito à liberdade do cidadão em todos os sentidos

não é respeitado pelo poder público, significa dizer que, nesse caso, não há o que

se falar em Estado Democrático.

O nosso Estado, além de Democrático de Direito, é constitucional e para

tanto, o Poder Judiciário justamente para cumprir esse princípio basilar deve agir

como ora defendido e não deixar de atuar, quando, por exemplo, patente o

desrespeito à Constituição pelos outros Poderes, tão-somente porque os seus

membros não são eleitos.

O Supremo Tribunal Federal, em que pese a relevância dos argumentos sobre

a sua forma de composição, recebeu de nossa Carta a incumbência de protegê-la e

para tal mister se faz imprecindível essa ampla atuação e, em caráter de

definitividade, sua missão é que lhe legitima democraticamente, não pela forma, mas

pela substância de suas atividades.

Sergio Fernando Moro enuncia de maneira clara que não se pode entender

democracia numa visão procedimentalista, sob pena de ser impossível a

compatibilidade com a jurisdição constitucional, que, conforme demonstrado,

indissociavelmente está ligada a nova concepção de jurisdição: “Logo, se a

democracia for definida exclusivamente como um processo de tomada de decisão,

inconstitucionalidade, foi muito tímido, como já ressaltado, já que sempre se preocupou mais em não interferir nas funções dos demais Poderes, do que fazer valer os valores constitucionais, o que não pode ser aceito. O ideal é um efetivo balanceamento em todas as situações que lhe são submetidas a fim de que prevaleça a vontade constitucional em cada caso concreto, não podendo, evidentemente, haver intromissões indevidas e despropositadas, mas, também, não se pode admitir um Tribunal - que tem o dever de guardar da Constituição – estático, ou seja, sem o sentimento de aferir em todos os atos estatais a implementação dos comandos constitucionais. Essa primeira observação já se faz com o intuito de tentar demonstrar que o Supremo Tribunal Federal, em sua legítima atuação de precípuo guardião da Constituição, não está invadindo a esfera de atribuição dos demais Poderes, que, conforme já visto, alicerçam-se no mesmo norte, qual seja, a nossa Lei Maior.

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no qual deve ser ampla a influência da vontade popular, então a jurisdição

constitucional dificilmente poderá ser considerada instituição democrática.” 128

Nessa atuação do Supremo Tribunal Federal, balizada na Constituição, pode

haver, como é natural em todas as atividades, uma limitação ao princípio da

soberania popular em sua acepção formal, sem que com isso haja desrespeito à

consolidação de nossa democracia, que é representativa, mas também participativa,

contudo, a visão consentânea com o constitucionalismo deve ser substancial.

Dentro desse contexto, surgiu uma proposta de ampliação dos intérpretes da

Constituição, justamente para contrabalancear essa possível interferência no

sistema democrático, tendo como precursor, no mundo jurídico, o alemão Peter

Haberle, que, na essência, baseou-se nas reflexões de Karl Popper, em seu livro

Sociedade Aberta e seus inimigos.

De forma resumida, o que Haberle deseja é que na mesma esteira do

movimento concretizador dos valores constitucionais pelo Poder Judiciário, quando

necessário, haja uma síntese entre a Constituição e a realidade constitucional,

sendo nesse tocante imprescindível o papel dos agentes que conformam esta

realidade.

A nova moldura da sociedade, pluralista por excelência, e a textura das

normas constitucionais, bem como o próprio método difuso de controle de

constitucionalidade, já evidenciam que deve ser aberta a interpretação da

Constituição, retirando a exclusividade judicial. 129

A fundamentação para a ampliação dos intérpretes da Constituição é

justificada na feliz consideração de que todos os integrantes de uma dada sociedade 128 MORO, Sérgio Fernando. Jurisdição Constitucional como democracia. São Paulo: RT, 2004, p. 115.

129 Häberle oferece a seguinte sistematização do quadro dos intérpretes da Constituição: “(1) os que exercem função estatal: Tribunal Constitucional e demais órgãos do Judiciário, assim como o Legislativo e o Executivo; (2) as partes no processo judicial, legislativo e administrativo: autor, réu, recorrente, testemunha, parecerista, associações; partidos políticos, dentre outros; (3) os grandes estimuladores do espaço público democrático e pluralista: mídia (imprensa, rádio e televisão), jornalistas, leitores, igrejas, teatros, editoras, escolas, pedagogos, etc; (4) a doutrina constitucional, por tematizar a participação de todos os demais intérpretes”. HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional A sociedade aberta dos Interpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, p.19-23.

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vivem a Constituição, devendo, por conseguinte, participar ativamente de sua

interpretação.

A partir de tal visão, percebe-se que o autor tão-somente associou essas

novas reflexões sobre a atividade jurisdicional a uma efetiva participação de quem

deseja ver realizados os valores constitucionais, até mesmo porque todo aquele que

é receptor das normas de alguma forma participa de sua interpretação. 130

Destarte, vê-se que a base filosófica da sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição é realista e, sobretudo concretista. No aspecto político, 131 alicerça-se

na teoria da democracia e quanto ao aspecto jurídico, na própria necessidade de

uma teoria da Constituição em plena formação, mas já inserta nessa nova postura e

não vinculada ao caráter dogmático.

É de ser ressaltado que a teoria de Haberle sofreu muitas críticas em razão

de permitir uma redução ou até mesmo anulação da própria normatividade das

Constituições, bem como a dificuldade inerente de se sistematizar e colocar em

prática a ampliação desejada.

Tais fatores devem ser levados em consideração, todavia, não podem

representar um aniquilamento dessa teoria, pois esta encontra total guarida no

movimento concretizador dos valores constitucionais e principalmente nos

balizamentos democráticos existentes na maioria das constituições atuais.

No Brasil, por exemplo, no que tange à legitimidade de proposição das ações

diretas de inconstitucionalidade, houve uma aceitação, de forma ampla, das idéias 130 São incisivas suas colocações no que tange a essa necessidade de ampliação em razão da já participação social: “Toda atualização da Constituição, por meio da atuação de qualquer indivíduo, constitui, ainda que parcialmente, uma interpretação constitucional antecipada”. idem- p.13-4.... “Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que pode se supor tradicionalmente, do processo hermeneutico”.op.cit.p.15

131 “O muitas vezes referido processo político, que, quase sempre, é apresentado como uma sub-espécie de processo livre em face da interpretação constitucional, representa, constitucione lata e de fato, um elemento importante – mais importante do que se supõe geralmente – da interpretação constitucional, (política como interpretação constitucional). Esse processo político não é eliminado da Constituição, configurando antes um elemento vital ou central no mais puro sentido da palavra: ele deve ser comparado a um motor que impulsiona esse processo. Aqui, verificam-se o movimento, a inovação, a mudança, que também contribuem para o fortalecimento e para a formação do material da interpretação constitucional a ser desenvolvida posteriormente. Esses impulsos são, portanto, parte da interpretação constitucional, porque, no seu quadro, são criadas realidades públicas e, muitas vezes, essa própria realidade é alterada sem que a mudança seja perceptível.” Idem.p.26.

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da sociedade aberta, pelo menos, dentro da teoria, já que a Constituição de 1988

tirou a exclusividade de propor tal ação junto ao Pretório Excelso, do Procurador-

Geral da Républica, que, àquela época, tinha estreita ligação com o Executivo, e

ampliou-a para diversos representantes do povo, o que legitima a diversidade da

interpretação em nosso ordenamento.

Acresça-se, ainda, o fato de se adotar em conjunto o modelo difuso, que

também proporciona a efetiva participação de toda a sociedade, por meio do acesso

à Justiça, que indiretamente possibilita questionar a constitucionalidade das leis e

atos administrativos e na qual reside a celeuma da judicialização da política, que se

discute no capítulo seguinte.

As críticas perdem força quando o autor anuncia que a ampliação da

interpretação conduz a uma vantagem desejada pela teoria da Constituição, que é

justamente integrar a realidade ao comando normativo supremo. Daí fazer

prevalecer a sua vontade no plano prático, em conformidade com o que preconizava

Konrad Hesse.

Tal escopo constitui-se como o maior desafio dessa nova concepção de

jurisdição, conforme já esposado, tornando concreta a Constituição e atribuindo-a

eficácia máxima, não sendo correta a tese de que essa atuação é uma intromissão

indevida nas atribuições constitucionais dos outros Poderes e desrespeito à

soberania popular.

Essa nova concepção de jurisdição não tem como escopo somente desvelar

uma norma existente, pelo contrário, a sua criação e a realização no caso concreto é

o seu norte inarredável.

Como destaca Muller, norma e texto normativo são coisas distintas e a norma

é processo de constituição de uma realidade e sua compreensão também é

linguagem, como enuncia Gadamer, contudo, não podem ser confundidas a

atividade do juiz como intérprete oficial, e a participação popular como garantidora

de uma ativa democracia representativa e ao mesmo tempo efetivamente

participativa.

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Nesse sentido, foi que Haberle enunciou que o constitucionalista não passa de

um mediador. Assim se expressou: “Colocado no tempo, o processo de

interpretação constitucional é infinito, o constitucionalista é apenas um mediador

(Zwischenträger)” 132.

Tal compreensão significa que o processo constitucional é público e mesmo

naqueles casos em que a matéria não chega a ser decidida, a própria existência e

aplicação garantem-lhe uma interpretação aberta e com efetiva participação

democrática.

Para fechar o raciocínio supra, é oportuna a transcrição de Paulo Bonavides:

Todo intérprete, afirma Haberle, é orientado pela Teoria e pela prática, mas essa prática, na sua essência, não se forma unicamente dos intérpretes oficiais da Constituição. A seguir, busca ele até certo ponto legitimar as influências, expectativas e pressões sociais a que o Juiz inelutavelmente se acha exposto, contra os que, de maneira falsa e pouco realista, vêem nisso tão somente uma ameaça a sua independência. 133

Feitas as considerações acima, pode-se concluir que a atividade jurisdicional,

bem como a atuação do Pretório Excelso, a par de todas as previsões de nossa

Constituição - tem que necessariamente impor aos operários do Direito e também

aos legisladores e administradores, inclusive em questões dogmatizadas como

políticas, uma visão mais aberta à participação popular.

Para tanto, a interpretação deve se coadunar com a democracia presente nas

constituições atuais, possibilitando, mesmo que de forma não oficial, a efetiva

participação do povo, por qualquer de suas legítimas intervenções. 134

132 Idem p. 42

133 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 513.

134 Oportuna é a opinião do ministro Gilmar Ferreira Mendes sobre a importância da ampliação dos interpretes da Constituição e da defesa dos interesses da minoria em um Estado Democrático: “Em plena compatibilidade com essa orientação, Haberle não só defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma abertura hermenêutica que possibilite a essa minoria o oferecimento de “alternativas” para a interpretação constitucional. Haberle esforça-se por demonstrar que a interpretação constitucional não é – nem deve ser – um evento exclusivamente estatal. Tanto o cidadão que interpõe um recurso constitucional quanto o partido político que impugna uma decisão legislativa são intérpretes da Constituição. Por outro lado, é a inserção da Corte no espaço pluralista – ressalta Haberle – que evita distorções que poderiam advir da independência do Juiz.” Grifo Nosso. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 347.

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Destarte, em se compreendendo que democracia só existe quando os direitos

fundamentais dos cidadãos são respeitados, ou seja, numa concepção substancial

de democracia, a nova concepção de jurisdição ora defendida amolda-se

completamente a este princípio tão caro de nosso sistema constitucional e com mais

ênfase à atuação concreta, vê-se que é indispensável que os juizes chamem pra si

essa responsabilidade e atuem como verdadeiros atores políticos e não como

chanceladores de uma legislação que muitas vezes não se conformam com os

mandamentos constitucionais.

4.3 Constitucionalização e a judicialização da política/politização do Poder Judiciário. Liminares de cunho político. Perigos e necessidades.

No capítulo anterior viu-se que essa nova concepção de jurisdição pode ser

devidamente compatibilizada com o princípio democrático, sendo importante agora

tentar retirar o dogma de que o Poder Judiciário não pode enfrentar questões

políticas.

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A judicialização da política é uma realidade mundial que se verifica,

naturalmente, com o surgimento das constituições escritas e a necessidade de

respeito a elas, em países eminentemente democráticos.

Antes de se delinearem suas vertentes, é imprescindível que se destaque sua

acepção de corolário da própria independência e harmonia entre os Poderes, a fim

de que a missão de atender ao interesse público seja satisfeita pelo Estado.

Não há como se pensar em um país que tenha positivado os direitos

humanos, estabelecidos na Declaração Universal de Direitos do Homem, trazendo-

os agora como fundamentais, sem que se perquira sobre a imanente atuação do

Poder Judiciário em todas as arenas, inclusive políticas, tudo com o escopo de

tutelar os direitos e assegurar aos cidadãos uma efetiva democracia, como já

destacado.

Nesse diapasão é que se denota esse movimento chamado de judicialização

da política, que, em uma análise perfunctória e sem o devido amparo na tutela dos

direitos fundamentais, poderia ser compreendido como uma intromissão indevida do

Poder Judiciário nas funções específicas dos outros Poderes e em conseqüência

desrespeitando a própria Constituição, o que não pode ser tido como verdadeiro,

como se demonstra e na realidade, no capítulo anterior, já se iniciou essa

fundamentação.

Ocorre que essa judicialização não significa - como defende alguns juristas e

cientistas políticos - uma quebra da separação dos Poderes, na visão clássica, ou

então, interferência despropositada nas funções típicas de cada Poder, em uma

visão contemporânea, já que essa ampliação de atuação judicial nada mais é do que

uma conseqüência lógica e natural da nova concepção de jurisdição no Estado

Constitucional Democrático de Direito, onde os pilares fundamentais do texto

constitucional precisam restar satisfeitos em todas as situações fáticas, logo, o

Poder Judiciário não pode fugir de tal missão de concretização dos valores

constitucionais.

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Tal situação, regular e natural em nossa visão, não se confunde como bem

observou Boaventura dos Santos 135, com o uso de métodos políticos pelo Poder

Judiciário, que conduziria a uma politização da Justiça no sentido pejorativo do

termo, já que este Poder tem como norte para sua atuação a Constituição, não

podendo decidir por critérios de conveniência e oportunidade, como os demais

Poderes, que, em algumas situações, podem assim agir, mas sempre com

obediência aos mandamentos constitucionais.

A visão de ampliação da esfera de atuação judicial, calcada em termos

constitucionais, é a mais utilizada em todo o mundo e é a que vem sendo objeto de

estudo, em comum, dos cientistas políticos e juristas, já que as decisões judiciais,

em países que adotam o controle de constitucionalidade, como são os democráticos,

necessariamente trazem em seu bojo questões políticas, ou seja, alguns atos

normativos ou políticas públicas sempre são questionados, sobre o aspecto da

constitucionalidade, perante a Corte Constitucional.

Não obstante tal fato, também é de se ressaltar o outro lado da judicialização

da política, qual seja, a de que os outros Poderes se utilizam dos métodos judiciais

em suas funções, como se pode depreender, na seara do Executivo, dos órgãos de

julgamento administrativo, tão comum nas Administrações Públicas e no Legislativo,

as Comissões Parlamentares de Inquérito e Tribunais de Contas da União.

Além do que, estes, independentes de se utilizarem ou não das técnicas

judiciais, sempre devem agir em profundo pensamento na seara da

constitucionalidade de seus atos, daí porque sempre as decisões judiciais acabam

por interferir ou no mínimo serem levadas em consideração, quando da edição de

seus atos típicos.

135 “Ou seja, a atuação ostensiva do Poder Judiciário passa a ter papel de controle de poder e, ao exercer o controle de constitucionalidade, acaba até mesmo por negar efeito à norma produzida pelo Poder Executivo e Poder Legislativo. Por conseqüência, não se pode negar que a judicialização da política amplia a análise pelo Poder Judiciário de questões políticas, não significando necessariamente que os juízes decidam por critérios políticos”. Boaventura de Sousa Santos, em artigo publicado no Público, Opinião, em 26 de maio de 2003.

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Dessa forma, a judicialização da política, em um contexto bem amplo e a par

de suas vertentes abordadas, deve ser compreendida como o obrigatório pensar e

agir de todos os Poderes, arrimados nos dispositivos constitucionais, sob pena de

suas ações ou omissões serem consideradas inconstitucionais e, em conseqüência,

quando lesiva de direitos, serem reconhecidas pelo Poder Judiciário, que, apesar de

na maioria dos países não terem legitimidade popular, é tido como a última instância

para a solução dos conflitos que envolvem a possibilidade de ameaça ou violação a

direito.

Como já mencionado, a judicialização da política é um fenômeno natural que

ocorre em países democráticos, contudo, existem peculariedades a serem

estudadas no Brasil 136, que, não obstante, possuir as condições gerais para o

florescimento dessa indispensável atuação judicial, merece uma análise mais

acurada em razão do forte controle de constitucionalidade, pelo menos no âmbito

formal, bem como as nuanças de nosso Poder Judiciário e sua relação com os

demais Poderes, a par de nossa Constituição. 137

Antes, porém, é imprescindível que se firme a posição, já emanada, no

sentido de que essa atuação ampliada do Poder Judiciário, com mais veemência

aqui no Brasil, deve também ser compreendida como uma acepção automática de

sua nobre missão de assegurar a efetividade dos valores constitucionais, pois o

nosso constitucionalismo coloca o Poder Judiciário, mais precisamente o Supremo

Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, assim sendo, não há

como não se preocupar que todos os atos públicos estejam em conformidade com o

Texto Maior.

136 Nesse sentido, podem-se enunciar vários trabalhos, como a título ilustrativo A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, de Luiz Werneck Viana, Maria Alice Resende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Neto e Marcelo Baumann Burgos; Decisão Liminar: a judicialização da Política no Brasil, de Ariosto Teixeira; A Democracia e os três Poderes no Brasil, organizado por Luiz Werneck Viana; Ministério Público e política no Brasil, de Rogério Bastos Arantes.

137 “O processo institucional que tem aproximado o Brasil de uma judicialização da política, levando o Judiciário a exercer controle sobre a vontade do soberano, resulta, como se viu ao final da introdução, de se ter adotado o modelo de controle de constitucionalidade das leis com uma “comunidade de intérpretes, e não, como em outros casos nacionais, da assunção de novos papeis por parte de antigas instituições.” VIANA, Luiz Werneck e outros. A judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 47. O autor está se referindo a casos como o da França, bem como o da Itália, que também tem suas peculariedades.

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Ainda é oportuno salientar que no Brasil se encontram presentes todas as

condições políticas e jurídicas que dão sustentáculo a essa ampliação da atuação

judicial, quais sejam, a democracia, separação de Poderes, direitos políticos, o uso

dos Tribunais pelos grupos de interesses e grupos de oposição, bem como a

inefetividade das instituições majoritárias 138, evidentemente com circunstâncias

específicas que dão mais força a esse movimento, conforme se verifica adiante.

É cediço que em nossa primeira Constituição republicana já era previsto

expressamente o controle de constitucionalidade dos atos dos demais Poderes pelo

Poder Judiciário, em quaisquer casos ao mesmo levados, sem mencionar que na

Constituição de 1824 também havia a possibilidade de controle dos Poderes hoje

existentes, pelo chamado Poder Moderador 139, que na realidade se identifica como

origem da própria jurisdição constitucional, desse modo, no Brasil, sempre houve a

possibilidade de controle dos atos dos Poderes Executivo e Legislativo, como

também do próprio Judiciário, com arrimo direto da Carta Magna e a par da

conformação com a mesma, tanto no aspecto formal quanto material.

Com a Constituição de 1967/69, incrementou-se esse controle pela

possibilidade abstrata de se aferir a constitucionalidade dos atos dos Poderes

Legislativo e Executivo diretamente ao Supremo Tribunal Federal, sem necessidade

de que houvesse qualquer lesão ou ameaça a direito em casos concretos, o que

transformou o controle de constitucionalidade em um sistema híbrido, ampliando

sobremaneira a atuação do Poder Judiciário em defesa dos valores constitucionais,

ou seja, a imanente necessidade de que todos os atos estatais estejam em profunda

obediência à Carta Magna, sendo esse Poder o guardião maior da

constitucionalidade.

Nesse sentido, observa-se, que, no Brasil, as condições formais para essa

atuação judicial em todas as esferas, inclusive política, decorre de previsão expressa

138 Essas condições são enunciadas por Tate em seu livro sobre a expansão do Poder Judiciário em parceria com Vallinder. TATE, C. N. 1995. Why the Expansion of Judicial Power? In The Global Expansion of Judicial Power. New York : New York University.

139 Sobre esse assunto, pode ser consultado trabalho de nossa lavra publicado na Revista da ESMARN Região Oeste, disponível no site www.esmarn.org.br intitulado O Poder Moderador como origem do Controle de Constitucionalidade no Brasil.

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da Constituição, diferentemente, por exemplo, da concepção norte-americana, que

apesar de não haver essa permissividade constitucional, deu guarida a essa atuação

ampliativa em todo o mundo, pelas coerentes tomadas de posições da Suprema

Corte quanto a esse patente controle de constitucionalidade que todos os atos

devem necessariamente sofrer.

Dessa forma, pode-se concluir que, no Brasil, diante dessas circunstâncias

peculiares, não há o que se questionar, pelo menos no aspecto formal, este controle

jurisdicional.

Contudo, a própria Constituição condiciona essa atuação quando prevê

diversos princípios que aparentemente colidem entre si, mas que na realidade, para

uma efetiva democracia, na forma defendida alhures, dependem da existência deles

mesmos e de uma atuação forte do Poder Judiciário em cada situação fática que lhe

seja submetida.

Não faz parte desse trabalho, conforme inclusive implicitamente já se

anunciou, a análise esmiuçada das correntes filosóficas que alicerçam a atuação do

Poder Judiciário diante dos demais Poderes, todavia, não se pode deixar de

enunciar que uma concepção procedimental dessa atuação, como muito bem ensina

Habermas 140, colide frontalmente com a posição ora firmada, pois, em que pese a

soberania popular em nosso país ser a origem de todo o poder, é indisfarçável que 140 Essa discussão divide meritoriamente a ação do Poder Judiciário em sociedades democráticas, cabendo ao eixo Habermas-Garapon, dito procedimentalista, a verificação pela Corte Constitucional, ou Tribunal equivalente, se está havendo respeito aos procedimentos democráticos para uma formação da opinião e da vontade política, a partir da própria cidadania, e não se firmando como legislador político. Já o eixo Cappelletti-Dworkin, dito subsntancialista, permite ao Poder Judiciário uma posição mais ativa, zelando pelo efetivo respeito aos valores constitucionais, criando o próprio direito do caso concreto, mas sempre dentro das balizas da separação de Poderes. É oportuno que se traga, quanta a esta última corrente, a qual se filia este trabalho, uma passagem interessante, como pode se depreender a seguir: “Mais do que equilibrar e harmonizar os demais Poderes, o Judiciário, segundo a versão desses autores sobre a criação do direito no mundo contemporâneo, deveria assumir o papel de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra as maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente – o universalismo mais presente em Cappelletti do que em Dworkin, este último mais próximo de um republicanismo cívico. Nesse eixo, aquilo que pode ser entendido à semelhança da vontade geral rousseaniana, uma vez bloqueado pelas circunstâncias próprias à sociabilidade e à vida política contemporâneas, acaba encontrando expressão, pragmaticamente, em personagens e instituições, cuja história particular se apresentaria como o resultado de conquistas da idéia do justo positivadas no direito e enraizadas na cultura política.” VIANA, Luiz Werneck e outros. A judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 37/38.

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numa ótica de uma democracia representativa, questionável por excelência, quanto

ao conteúdo de seus propósitos, somente uma ordem de valores constitucionais

pode equilibrar o exercício harmônico das funções típicas dos Poderes.

Todo esse quadro conjuntural levou a essa nova concepção da atividade

jurisdicional, que não mais se contenta com a simples subsunção do que venha

contido na legislação para aplicação na situação fática do caso concreto, mas, sim,

que os preceitos fundamentais dispostos na Constituição restem assegurados no

dia-a-dia das pessoas e quando tal fato não ocorre, buscam o Poder Judiciário, até

mesmo em questões políticas na acepção da palavra, justamente porque os

interesses da maioria nem sempre são aceitos por toda a sociedade, que, no Brasil,

é pluralista por excelência e a Constituição levou em consideração essa realidade.

Destarte, no Brasil, existe toda uma ambientação fática e jurídica propícia

para que o Poder Judiciário cumpra sua missão constitucional de assegurar os

valores postos pela sociedade como imprescindíveis para uma regular convivência

social e não que esse Poder esteja se intrometendo em questões que não lhe são

afeitas, pois qualquer caso que envolva desrespeito aos balizamentos

constitucionais impõe a sua atuação firme e operante, sob pena da Constituição se

tornar letra morta.141

Esse desafio de cumprimento da Carta Constitucional não pode ser

compreendido como um vilipêndio ao princípio da soberania popular, já que uma

141 Mais uma vez se recorre a lição de Luiz Guilherme Marinoni, que chama a atenção dos processualistas para essa nova realidade da atividade jurisdicional, colocando em “xeque” todos os conceitos clássicos de jurisdição, ação e processo, que não mais podem ser pensados à luz dos códigos e de doutrinas que não acompanhem a constitucionalização de todo o direito processual, acrescentando a idéia do dever indeclinável de proteção dos direitos, até mesmo nos casos em que o legislador processual for omisso. São suas as seguintes digressões: “O crescimento do poder de atuação do juiz e a conseqüente necessidade de outros critérios de controle da decisão judicial nada mais são do que reflexos das novas situações de direito substancial e da tomada de consciência de que o Estado tem o dever de dar proteção efetiva aos direitos....Como esse direito fundamental incide sobre o Estado e, portanto, sobre o legislador e o juiz, é evidente que a omissão do legislador não justifica a omissão do juiz. Melhor explicando: se tal direito fundamental, para ser realizado, exige que o juiz esteja munido de poder suficiente para a proteção - ou tutela - dos direitos, a ausência de regra processual instituidora de instrumento processual idôneo para tanto constitui evidente obstáculo à atuação da jurisdição e ao direito fundamental à tutela jurisdicional. Diante disso, para que a jurisdição possa exercer a sua missão – que é tutelar os direitos – e para que o cidadão realmente possa ter garantido o seu direito fundamental à tutela jurisdicional, não há outra alternativa a não ser admitir ao juiz a supressão da omissão inconstitucional.” MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p.120-121.

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efetiva democracia não pode ser concretizada quando os valores escolhidos pela

sociedade não restam assegurados na vida cotidiana.

Os exemplos trazidos por alguns estudiosos, como judicialização da política

de modo a conduzir a uma interferência indevida do Poder Judiciário, nada mais são

do que a tentativa de se equilibrar e harmonizar o exercício regular das funções

típicas, em conformidade com os desejos do Constituinte.

É importante também se fazer a ligação de que a judicialização da política é

um consectário de todo o movimento de constitucionalização do Direito trazido como

premissa desse trabalho na ótica processual e que impõe essas novas posturas por

parte do Poder Judiciário, que, como dito, tem sim obrigação de funcionar como ator

político no que tange à garantia de realização das escolhas democráticas.142

Dada essa acepção ampla, pode-se depreender que a constitucionalização

do Direito, que tem como norte o sistema de valores expressados nos direitos e

garantias fundamentais de nossa Carta Magna, impõe obrigatoriamente essa

ampliação de atuação do Poder Judiciário, devendo este inclusive declarar

inconstitucionais atos normativos, que não respeitem esses valores, e determinar

que sejam adotadas políticas públicas, tudo para que em todos os casos concretos

submetidos a ele, esses comandos sejam concretizados.

A partir das considerações até o momento expostas, percebe-se claramente

que, no Brasil, além das condições vistas nos demais países em que a judicialização

da política vem sendo estudada, também se fazerem presentes, outras se associam 142 Essa assertiva parece ser uníssona no Constitucionalismo mundial, já que as diversas gerações de direitos e garantias fundamentais mostra que em um primeiro estágio, o Poder Público tinha de se abster de agir para respeitar os direitos básicos, como por exemplo, a vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade etc. Num outro momento, não só com a conquista dos Direitos Sociais, percebeu-se que na própria relação entre particulares, os direitos fundamentais devem ser concretizados, como bem ensina Virgilio Afonso da Silva: “Nesse sentido, embora consagre também os direitos fundamentais que a Constituição Alemã e a grande maioria das constituições das democracias ocidentais no âmbito do chamado direito de defesa ou das chamadas liberdades públicas, muitos dispositivos da Constituição Brasileira já dão a entender que eles não têm efeitos apenas na relação indívíduo- Estado, mas também nas relações dos indivíduos entre si.” SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito Os direitos fundamentais nas relações privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 22. Essa visão já é aceita no constitucionalismo brasileiro, que trata da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, onde não há hierarquia entre as normas, devendo o Magistrado proceder a um balanceamento de interesses no caso concreto a partir das subregras do princípio da proporcionalidade, o que por si só, também conduz a uma ampliação de atuação do Poder Judiciário. Nesse sentido, pode se estudar Luiz Guilherme Marinoni, Luis Roberto Barroso, Daniel Sarmento, dentre outros.

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e dão força para uma atuação judicial comprometida com a constitucionalidade de

todos os atos, independentemente de onde são originados e que questões sejam

enfocadas, pois o limite para essa atuação não pode esbarrar em óbices formais e

situações abstratas de quebra da separação de Poderes, principalmente quando

houver descumprimento material da Carta Magna.

Dessa forma, não há como podar a atuação do magistrado - na sua missão

constitucional de tutelar os direitos e garantias fundamentais - mesmo que tenha, de

alguma forma, que interferir nas funções típicas de outros Poderes, as quais

espontaneamente já deviam cumprir os direitos e garantias fundamentais, mas não o

fazendo, cabe ao Judiciário a tarefa de tutelar os direitos em última instância, que na

realidade também se constitui como um desses direitos.

Outra situação que se associa à questão da judicialização da política e tem

tudo a ver com a atividade jurisdicional é o que se convencionou chamar de

liminares de cunho político e politização do Judiciário, que, bem compreendidos,

encontram-se como corolários de tudo quanto já fora expendido.

Esses termos tão citados no cotidiano - infelizmente de modo pejorativo –

representam, na realidade, também, conseqüência de toda a ampliação natural das

funções do Poder Judiciário como necessária para a concretização dos valores

constitucionais, principalmente quando descumpridos os mesmos pelos outros

Poderes, conforme já demonstrado, ressalvando que os seus significados

corriqueiros encontram-se deturpados e devem ser esclarecidos de forma técnica.

Um dos maiores problemas que aflige a população quanto à função

jurisdicional, sem sombra de dúvidas, é a questão da morosidade, acompanhada da

efetividade das decisões judiciais.

Quanto ao primeiro aspecto, é importante mencionar que os prejudicados

muitas vezes batem às portas do Judiciário e por algumas circunstâncias precisam

de uma decisão urgente, que assegure no plano fático os efeitos desejados,

principalmente aqueles atos estatais que desconsideram os direitos e garantias

fundamentais.

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Nesse sentido, é que surgiu essa expressão liminares 143 de “cunho político”,

ao qual infelizmente o Supremo Tribunal Federal, principalmente em sede de

jurisdição constitucional concentrada, prolatou várias decisões liminares que, pelas

circunstâncias específicas do caso, acabaram por serem mais eficientes do que a

decisão final, levando, algumas vezes, a perda do objeto, quando do momento de se

emitir a mesma. 144

Essa realidade indiscutível e constatada em alguns estudos, como o do

professor Ariosto Teixeira, não deveria ocorrer, pois as liminares deveriam se ater a

situações urgenciais e não possuir caráter prolongado no tempo e produzir uma

eficácia de decisão final, mesmo que do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Infelizmente, em algumas questões, a nossa Corte praticamente encerrou a

discussão jurídica por já ter absorvido todas as possíveis searas.

Ressalve-se, contudo, que como está se referindo às decisões em sede de

controle concentrado, na qual a expressão ganhou contorno, não há lide

objetivamente falando, mas, mesmo assim, é temerário se imaginar que uma

143 Para uma compreensão mais relevante no aspecto jurídico das liminares, ver o trabalho deste autor Medidas Liminares no Processo Civil: Um novo enfoque, em parceria com José Luiz Carlos de Lima, publicado pela Editora Atlas: São Paulo, 2005.

144 “O texto a seguir confirma a hipótese de judicialização da política na democracia brasileira restabelecida em 1985 e demonstra que o fenômeno assume características exclusivas no processo decisório do Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme ficará demonstrado, a corte constitucional brasileira decide a maioria das questões por meio de medidas liminares que se tornam finais e de fato, do ponto de vista político... Os conflitos judiciais dirimidos com base na interpretação na Constituição aumentaram, e as decisões do tribunal jamais foram contrariadas em sua essência, mesmo nos casos em que representavam prejuízos fiscais de grande monta para o Estado. Três casos se destacaram: o da suspensão da regra que permitia a cobrança de contribuição previdenciária dos aposentados do poder público – uma decisão considerada “chocante” para o governo, segundo a expressão usada para defini-la pelo secretário-geral da Presidência da República, Aloysio Nunes Ferreira -, a da reposição de perdas inflacionárias causadas aos depositantes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço(FGTS) por diferentes tentativas de planos econômicos de estabilização monetária, e o caso do aumento salarial da magistratura, cuja solução dada pelo STF evitou uma greve de Juízes em novembro de 1999. Nos três casos acima mencionados, as medidas liminares produziram efeitos embora nem mesmo os acórdãos sobre elas tenham sido publicados para que eventualmente fossem questionados pelos demais poderes ”. Ariosto Teixeira, Decisão Liminar: A Judicialização da Política no Brasil, Brasília: Editora Plano, 2001, págs 18/19. Esses comentários fazem parte da introdução do livro e foram feitos antes, evidentemente, da decisão do STF que confirmou a constitucionalidade da contribuição previdenciária dos aposentados, contudo, comprova-se a assertiva das colocações quanto ao uso indiscriminado da liminar para decidir questões políticas, mas que na realidade, como já visto, todos os atos estatais devem ser controlados no aspecto de sua constitucionalidade, logo, o problema não se encontra nesta parte e sim no fato da medida liminar encerrar toda a discussão jurídica, o que se afigura como inadmissível.

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decisão provisória, revogável e calcada em cognição sumária, havendo urgência,

evidentemente, possa encerrar a discussão jurídica.

Essa realidade não deveria ocorrer, pois não se pode acreditar que as

liminares são a panacéia para todos os problemas da morosidade. Por outro lado,

sem essas decisões urgentes, o Poder Judiciário, principalmente o Pretório Excelso,

não asseguraria a intangibilidade dos valores constitucionais, em especial, nos

casos de leis flagrantemente inconstitucionais.

Destarte, o que deve prevalecer, mais uma vez, é o bom senso dos juizes

quando da análise, em cada caso concreto, dessas medidas e a repercussão

imediata dos efeitos em relação aos outros Poderes, de modo que somente nas

situações excepcionais e devidamente justificadas, a par de uma argumentação

jurídica e fática específica, possa o Judiciário interferir em questões políticas, por

meio desse instituto.

As liminares emanadas do Supremo Tribunal Federal em sede de ações

diretas de inconstitucionalidade (ADIN), em questões tidas como políticas, como por

exemplo, discussão sobre planos econômicos dos diversos governos, após ter

perpassado pelas instâncias verdadeiramente políticas quanto à conveniência e

oportunidade dos atos, mais precisamente no Congresso Nacional, acabam

chegando ao Tribunal em razão da necessidade indiscutível de que qualquer medida

estatal deva sofrer controle de constitucionalidade.

Esse recurso, muito utilizado pela minoria - representada muitas vezes, na

época dos estudos até agora realizados, pelos partidos de esquerda – é lícito e

transfere a discussão que começou na seara política para o Poder Judiciário em

razão dessa nova concepção de jurisdição, em termos constitucionais, alicerçada,

quase sempre, na gama de direitos e garantias fundamentais do cidadão, não

podendo esse Poder se esquivar de analisar a constitucionalidade desses atos, sob

o fundamento de que se trata de questão política.

Ora, a questão é bem simples. Como bem enuncia Luiz Werneck Viana, em

obra já citada, a política infere-se em todas as questões justamente em razão do

próprio escopo do poder público em realizar o bem comum da coletividade.

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Dessa forma, não se pode afirmar que o Poder Judiciário está se utilizando de

convicções políticas, como alguns mencionam, para decidir as questões que lhe são

postas. Se isso ocorre ou já ocorreu por parte do Supremo ou de qualquer juiz é

temerário e atenta contra os princípios constitucionais, pois ao magistrado não lhe

cabe tomar posições meritórias que são constitucionalmente afeitas aos Poderes

Legislativo e Executivo.

Nesse tocante, a expressão politização do Poder Judiciário não pode ser

compreendida como utilização de critérios eminentemente políticos para

fundamentar suas decisões, já que essa permissão não lhe é dada

constitucionalmente.

Contudo, pode, e na realidade deve, o Poder Judiciário, por quaisquer de

seus órgãos, quando instigado para tal - independentemente de ser questão política

ou não, na acepção de já se ter analisado nessa ótica por governantes e

parlamentares – examinar se o ato estatal em si, de algum modo, atenta contra os

valores constitucionais desejados pela sociedade, ou seja, o exame jurídico da

questão no aspecto da constitucionalidade.

E essa posição indeclinável que o Poder Judiciário deve necessariamente

assumir decorre de um direito e garantia fundamental do cidadão, na qual os atores

políticos se aperceberam de tal fato que a Constituição de 1988 lhes propiciou, o

que conduz no plano fático a mais uma disputa política, dessa feita, no Poder

Judiciário, mas que não pode, em hipótese alguma, utilizar-se de critérios políticos

em suas decisões.

Repita-se, todo esse processo legítimo é uma conseqüência natural das

novas atribuições e competências constitucionais e principalmente conscientização

da população e em especial das minorias, das associações civis, dos sindicatos,

enfim, de diversas entidades e pessoas que começaram a perceber que os atos

estatais devem ser controlados no aspecto de sua constitucionalidade, não só em

sede abstrata, pelos diversos legitimados, devidamente ampliados, bem como nas

ações individuais.

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Em sede de ações singulares também ocorre o mesmo fato, ou seja, quando

o governo edita atos que numa ótica pessoal acaba ferindo direitos dos cidadãos,

estes têm se utilizado muito do Poder Judiciário para barrar tais atos e conseguido

liminares que imediatamente asseguram os efeitos desejados, podendo se citar a

guerra de liminares, na época da venda da Companhia Vale do Rio Doce. 145 146

Dessa forma, pode-se averiguar facilmente que, na realidade, toda essa

discussão sobre a judicialização da política e que conduz muitas vezes a tomada de

posições urgentes pelo Poder Judiciário, por meio das liminares, deve ser

compreendida à luz de toda essa conscientização da sociedade brasileira em geral,

de seus direitos e garantias fundamentais, o que também está conduzindo,

felizmente, a uma tomada de posição prévia, por parte do Executivo e Legislativo,

sobre a constitucionalidade de seus atos, o que se afigura salutar e extremamente

benéfico para a Republica Brasileira, evitando, muitas vezes, essa interferência, que

não é indevida, pelo contrário, é indispensável para um país que se diz democrático,

acaso os valores constitucionais não sejam respeitados em todos os atos estatais.

Ainda é importante chamar a atenção para um último termo, que apesar de

não ser muito utilizado, enfoca o outro lado da moeda, qual seja, a tribunalização da

política, em que os demais Poderes, na esteira do enunciado acima, passa a ter o

cuidado prévio de que seus atos sejam constitucionais, para tanto, utilizando-se de

recursos jurídicos para subsidiar suas ações ou omissões, o que também deve ser

visto com bons olhos, todavia, sem que ocorram excessos, sob pena da

145 “Da mesma maneira, é fácil perceber na cena política do país a existência de um ativismo judicial protagonizado por juizes de diferentes instâncias, estimulados por juristas, advogados, procuradores do Ministério Publico e atores políticos, que produz como resultado evidente a judicialização do sistema político, amparada inclusive em argumentos teóricos conscientemente formulados... De um lado verifica-se o uso intenso dos tribunais por parte da oposição partidária, auxiliada por juristas e advogados de toda sorte, na busca de sentenças, ainda na forma de liminares, com o fim tático de protelar a venda da companhia e desse modo bloquear o avanço do programa governamental de desestatização da economia”. TEIXEIRA, Ariosto. Decisão Liminar: A Judicialização da Política no Brasil. Brasília: Plano, 2001, p. 86-87. Ressalve-se, que o autor nesse estudo acredita que algumas posições judiciais foram tomadas em razão de posições subjetivas dos Magistrados quanto ao mérito do plano de desestatização, o que se ocorreu é reprovável e não deve ser tido como elemento legítimo da judicialização da política como reflexo da nova concepção de jurisdição em termos constitucionais defendida nesse trabalho.

146 Ainda se pode citar o caso do confisco da poupança na época do governo de Collor, na qual muitas pessoas conseguiram impedir esse intento do governo federal, por meio de medidas liminares individuais, já que a ação direta de inconstitucionalidade não chegou a ter seu mérito analisado pelo Supremo Tribunal Federal.

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conveniência e oportunidade de seus atos também serem judicializados, o que não

se afigura legítimo, constitucionalmente falando.

Diante dessas ponderações, pode-se concluir que esses termos não devem

ser entendidos como utilização, por parte dos magistrados e até mesmo daqueles

que pleiteiam a intervenção do Judiciário, de critérios políticos para fundamentação

de suas decisões, apesar de ser patente que a decisão judicial acaba por interferir

na essência da deliberação política, mas não porque o juiz, na acepção ampla, filia-

se a uma dada corrente ideológica de opção política e sim porque o ato, de algum

modo, não atentou para as disposições constitucionais.

Outro aspecto bastante interessante - desse movimento da judicialização da

política como reflexo da atividade jurisdicional vinculada à constitucionalização do

direito processual, na forma aqui exposta - diz respeito, também como corolário

natural, a invasão do Direito nas relações sociais, visto que a conscientização pela

população de seus direitos e garantias fundamentais, aí incluídos os sociais,

dependentes de prestações positivas do poder público, associado ao amplo acesso

à Justiça, inarredavelmente, trouxe uma maior atuação do Poder Judiciário nessa

seara, infelizmente também pela inação dos demais Poderes no cumprimento de

suas atribuições. 147

Acrescente-se, ainda, uma melhor estruturação do Poder Judiciário nesses

últimos anos e principalmente o surgimento dos Juizados de Pequenas Causas, 148

147 “Mais uma vez, e agora no território inédito da democracia política, o direito, seus procedimentos e instituições passam a ser mobilizados em favor da agregação e da solidarização social, como campo de exercício de uma pedagogia para o civismo. A expansão do direito e do Poder Judiciário, em uma sociedade que jamais conheceu, de fato, a liberdade, se reveste, portanto, de uma dupla inspiração. De um lado, nasce, como em outros contextos nacionais contemporâneos, da ocupação de um vazio deixado pela crise das ideologias, da família, do Estado e do sistema da representação; de outro, reitera uma prática com raízes profundas na história brasileira, em que o direito, como instrumento de ação de uma intelligentzia jurídica, se põe a serviço da construção da cidadania e da animação da vida republicana”. VIANA, Luiz Werneck e outros. A judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 153.

148 “Ao longo do movimento que ensejou a criação dos Juizados de Pequenas Causas, consolidou-se o argumento em favor da extensão dos direitos às grandes massas, mediante a introdução de um conjunto de inovações no sistema jurídico brasileiro que garantisse a sua efetiva postulação em juízo. Associava-se o acesso desimpedido ao Judiciário à democracia, “cujos princípios basilares, compreendem o da proteção judiciária aos direitos individuais”, inclusive da “[...] gente humilde, desprovida de capacidade econômica para enfrentar os custos e a demora de uma demanda judicial”. VIANA, Luiz Werneck e outros. A judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 154.

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inicialmente, e depois dos Juizados Especiais 149, com a Carta Magna, que

aproximou a Justiça da camada mais pobre da população e que mais depende

dessas políticas sociais.

Ainda se pode enunciar como ambientação para esse avanço do Direito nas

relações sociais, a existência de algumas leis que regulamentaram alguns direitos e

garantias individuais, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, o

Estatuto da Criança e Adolescente, a Lei Ambiental, dentre outras, que começaram

a instituir o espírito de coletividade, que por muito tempo ficou esquecido de nossa

sociedade em razão do individualismo reinante na época do regime ditatorial.

Todos esses fatores contribuíram diretamente para esse ativismo judicial,

que, pela natureza das relações sociais, muitas vezes indispensáveis à

sobrevivência da camada pobre da população, acabam por forçar o poder público a

ter que implementar políticas públicas que venham atender aos necessitados e, de

um modo geral, até mesmo assegurem a todos os direitos sociais estabelecidos em

nossa Carta Magna.

É cediço que se por acaso essas políticas públicas em defesa das camadas

menos favorecidas fossem realizadas pelo Executivo ou a regulamentação de

alguns direitos constitucionais fosse feita pelo Legislativo, não existiria ações nesse

sentido que chegasse ao Poder Judiciário, contudo, como infelizmente essas ações

não são realizadas por quem de direito, os prejudicados socorrem-se da Justiça para

verem seus direitos materializados.

Nesse sentido, parece que a situação não seria de difícil solução, todavia, o

problema é bem maior do que se imagina em razão da falta de recursos públicos

149 “Assim, nesse processo contemporâneo de crescente invasão do direito na vida social – e que, no Brasil, teve o seu caminho ditado pelo movimento de auto-reforma do Poder Judiciário – a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais talvez represente um significativo “divisor de águas”. Ainda que integrem o conjunto mais geral de modificações técnicas concebidas com o sentido de aproximar lei e sociedade, a singularidade da sua aposta se prende ao contexto em que eles emergem, já então respondendo às crescentes demandas por justiça de uma parcela da sociedade submersa e, até aquele momento, sem representação. Nesse sentido, os Juizados representariam o momento em que o Poder Judiciário se torna reflexivo: as conseqüências decorrentes da ampliação do acesso à Justiça que ele pôs em movimento, traduzidas em uma crescente legitimação social do seu papel de “guardião” dos direitos individuais e coletivos consagrados na Carta de 1988, tiraram a inocência do meio aparentemente neutro com que os magistrados pretendiam atuar sobre a própria cultura e práticas profissionais”. VIANA, Luiz Werneck e outros. A judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 155.

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para assegurar todos os direitos sociais estampados em nossa Constituição, tendo

no primeiro momento se pensado que essa Carta de Direitos continha normas

programáticas e diretivas de ações por parte do poder público, não sendo uma

ordem de valores objetivos a ser implementada para toda a população.

Esse primeiro modo de ver esses direitos fundamentais trouxe uma

inefetividade quase que total dos mesmos, já que dependeria sempre da

conveniência e oportunidade do administrador público a adoção de políticas mínimas

relativas, por exemplo, ao direito à saúde, o que se afigura como inadmissível.

Por outro lado, não se pode conceber que alguns cidadãos possam obter na

Justiça de modo singular, também, por exemplo, tratamentos caríssimos relativos à

saúde, que possam colocar em risco as demais políticas e compromissos do poder

público.

Assim, parece que a melhor opção seria uma preocupação constante dos

governantes e parlamentares com políticas sociais perenes que assegurassem o

mínimo desses direitos a todos e os casos excepcionais que chegassem ao Poder

Judiciário pudesse ser tratado levando em consideração a situação financeira de

cada entidade pública responsável pela política, ou seja, seria feito um sopesamento

de interesses em cada caso concreto, entre a máxima eficiência do direito pleiteado

e a conhecida cláusula da reserva do possível.

Entretanto, caberia ao Poder Executivo ou Legislativo, dependendo da

situação, comprovar em cada caso concreto a impossibilidade de atendimento

daquele pleito relativo a dado direito social, por razões financeiras ou qualquer outra

que comprometesse toda a coletividade, já que não se pode admitir que essa prova

seja feita por quem necessita da ajuda estatal.

Na realidade, tem-se que caminhar para uma preocupação macro com

relação à efetivação das políticas sociais em um país que possui uma desigualdade

social tamanha e uma distribuição de riqueza perversa e desproporcional a sua

população, todavia, isso não é problema do Poder Judiciário, ocorre que esse Poder,

noutro quadrante, tem a obrigação constitucional de apreciar qualquer lesão ou

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ameaça de violação de direito, dentre eles, os direitos sociais não materializados

pelos poder público, daí a patente judicialização dessas políticas sociais.

Ressalte-se, como complemento, que essa judicialização das relações

sociais, como bem observa Luiz Werneck Viana e seus colegas, de obra já citada

em nota de rodapé, é instrumento indispensável para uma efetiva democracia,

conjugando-se a nossa democracia representativa com a participativa, de modo que

realmente todo o poder seja emanado do povo numa acepção ampla e na forma do

já ponderado, quando da análise dessa tensão natural entre a nova concepção de

jurisdição e democracia.

Dessa maneira, percebe-se, de forma cristalina, que a judicialização das

relações sociais é também um reflexo dessa nova concepção de jurisdição

eminentemente constitucional e que conduz a uma maior realização democrática, já

que esta somente se viabiliza no plano concreto com uma participação efetiva dos

cidadãos nas decisões públicas.

Essa patente judicialização das relações sociais, advinda de diversos fatores

trazidos pela Constituição de 1988, conduz a uma maior participação democrática

dos cidadãos nas deliberações públicas, assim sendo, não há o que se falar em falta

de legitimidade do Poder Judiciário na assunção de uma tarefa que lhe foi imposta

como dever, mas que na realidade é um dos direitos fundamentais mais

democráticos que se positivou em nossa Constituição.

Destarte, essa convicção da atuação mais ativa do Poder Judiciário, longe de

ser considerada como uso de métodos políticos ou convicções pessoais do

magistrado, nada mais é do que um corolário da aplicabilidade imediata que devem

ter os direitos e garantias fundamentais em todas as situações fáticas, visto que

retirar esse direito do cidadão, no século XXI, é um atentado contra todo o sistema

democrático brasileiro, que, para ser efetivado, necessariamente perpassa por uma

atividade jurisdicional que assegure em cada caso concreto a ordem objetiva de

valores desejada regularmente positivada pela sociedade brasileira. 150

150 “Naqueles anos, a democracia participativa, intrinsecamente associada a uma judicialização da política nos termos em que foi concebida no texto constitucional, esteve aparentemente, condenada à letra morta, salvo tentativas isoladas do Ministério Público e de algumas agências da sociedade civil que buscavam interpelar os novos institutos. Essas tentativas, porém, se frustravam no julgamento dos tribunais, em particular na Suprema Corte, próxima, por tradição, de uma concepção ortodoxa da

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4.4 Súmula vinculante e o livre exercício da atividade jurisdicional

Nessa busca pela celeridade processual e conseqüente efetividade da

prestação jurisdicional no plano fático, o constituinte derivado, por meio da intitulada

Reforma do Judiciário, trouxe ao ordenamento jurídico a súmula vinculante para

algumas decisões do Pretório Excelso, que, dentro dessa nova concepção de

jurisdição precisam ser analisadas, já que elas devem ser aplicadas pelos juizes de

modo obrigatório, pelo menos essa é a pretensão.

As súmulas também deverão ser tidas como normas e a grande pergunta que

se faz é quanto a sua interpretação. Antes disso, porém é importante que se

teoria da separação dos três poderes.” VIANA, Luiz Werneck e outros. A judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 42. Essa visão de atuação apática do Supremo Tribunal Federal infelizmente é notada em todos os estudos feitos sobre a judicialização da política no Brasil e na qual se espera ver modificada futuramente. Nesse sentido, conforme já citado neste trabalho, já existem decisões de nossa Corte Maior que levam em considerações as reflexões dessa nova concepção de jurisdição e essa é a grande esperança do povo brasileiro, visto que por tanto tempo se aguarda uma posição mais ativa dos outros Poderes e infelizmente os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos não são concretizados.

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delineiem algumas características desse instituto, que somente formalmente pode-

se tê-lo como novo, por dois motivos.

Primeiro, há muito tempo as jurisprudências em nosso sistema, apesar de ser

romano-germânico (civil law), vêm sendo consideradas como fonte do direito e,

inclusive, algumas delas, logo após sua constante aplicação, acabam sendo

normatizadas e, por conseguinte, com caráter obrigatório.

Segundo, porque o CPC e outras leis extravagantes de processo já previam

tal possibilidade, apesar de não vincularem, propriamente dito, o efeito prático das

restrições recursais ali apontadas, têm o mesmo objetivo, qual seja, trancar a

discussão da matéria.

A crítica mais contundente quanto a esse instituto, subtraindo a questão da

legitimidade democrática do STF, aqui já abordada superficialmente, diz respeito à

independência dos juizes, porque a partir dessas decisões o direito ficaria

engessado sem que o juiz possa inovar com relação às circunstâncias do caso

concreto.

Outra crítica, também relevante, e talvez passe despercebida por parte da

doutrina, infelizmente, é com relação à forma de se analisar essa súmula com

relação ao caso específico, ou com outras palavras, será que a aplicação dela

mesma necessariamente deve-se dar por mera subsunção, como infelizmente a

maioria esmagadora da doutrina e jurisprudência vem defendendo, ou seja, será que

é possível se extrair a essência universal de cada uma delas e por dedução se

aplicar diretamente a possíveis casos semelhantes?

Essa questão é, sem sombra de dúvidas, intrigante, pois em sendo negativa

essa resposta, a pretensa vinculação pode cair por terra, entretanto, a questão não é

tão simples assim.

A uma porque depende do conteúdo dessas súmulas, ou seja, se as mesmas

tiverem caráter genérico, como infelizmente às vezes ocorrem, imprescindível que

haja possibilidade de se interpretá-las para ver não só a sua adequação fática ao

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caso, mas principalmente a construção da norma do caso concreto, como se

defendeu no decorrer do trabalho, pois cediço que a atividade jurisdicional atual não

pode ser compreendida como ato de reprodução e sim como ato de se atribuir o

sentido para cada situação específica.

A duas porque se esse conteúdo for específico, como se espera dessas

súmulas, justamente para evitar repetição de questões jurídicas já julgadas e com

isso a prestação jurisdicional ser mais célere, a vinculação será mais fácil, todavia,

mesmo assim, não se pode admitir a atividade de interpretação na linha de se

extrair, tão-somente, o sentido da mesma no caso a ser aplicado, pois se torna

interessante pensar que qualquer atividade jurisdicional, mesmo que de aplicação de

uma súmula vinculante, não se desapegue das premissas hermenêuticas

constitucionais aqui postas.

Em momento algum está se pregando que os juizes deixem de aplicar

questões jurídicas já deliberadas pela Corte Maior e que de maneira indisfarçável se

amoldem à situação fática delineada nos autos em que o primeiro ou segundo grau

se debruce. 151

151 “Aliás, não há como pensar em razoável duração do processo enquanto qualquer juiz puder conscientemente decidir em desacordo com os tribunais superiores. A falta de súmula vinculante, nesta dimensão, viola o direito fundamental de ação ou o direito fundamental à tutela jurisdicional. Nessa perspectiva, as decisões que afrontam súmulas dos tribunais superiores soam como um lamentável exercício de rebeldia, que só se transforma em realidade no caso em que a decisão estadual ou regional se torna coisa julgada diante da falta de preparo dos advogados em empregar os devidos recursos para corrigir a interpretação extravagante. É nesta dimensão que se apresenta o novo instituto do “julgamento liminar das ações repetitivas” - previsto no art. 285-A – e o impedimento para o juiz receber recurso de apelação que ataque sentença que esteja em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal - posto no §1º do art. 518. Como sustentamos em conferência realizada nas VI Jornadas do Instituto Brasileiro de Direito Processual, em outubro do ano passado em Brasília, pretende-se, com tais alterações, eliminar a possibilidade da propositura de ações que almejem pronunciamentos sobre temas pacificados em decisões reiteradas do próprio juiz singular ou dos tribunais, tomadas em “casos idênticos”, assim como impedir o desenvolvimento de processos que objetivem decisões já sumuladas pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal....Enfim, os novos poderes outorgados ao juiz pelo art. 285-A – bem como aqueles objeto do §1º acrescentado ao art. 518 -, além de voltados à racionalização da prestação jurisdicional, objetivam dar efetividade ao direito fundamental à duração razoável do processo, expresso na Constituição Federal – art. 5º, LXXVIII - através da emenda Constitucional n. 45/2005.” Destaque do próprio autor. Luiz Guilherme Marinoni in artigo publicado em seu site intitulado Julgamento Liminar de Ações Repetitivas e a Súmula Impeditiva de Recursos. Esses comentários do professor se amoldam como uma luva para as súmulas vinculantes já trazidas pelo Supremo e as por vir que tão-somente, em situações específicas, perfilhem o entendimento jurídico da Corte Maior e que a repetição em casos iguais em todos os sentidos é questão palmar. Contudo, é cediço que as discussões sobre a aplicação das súmulas, por meio das reclamações, com certeza não se dará nestes termos, e sim em casos de previsões genéricas que gerem polêmica para atribuição de sentido no caso concreto e que, entende-se, o juiz, da mesma forma dos atos normativos em geral, terá independência para a análise.

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No entanto, não é desse modo que se coloca a questão hermenêutica, a qual

a súmula vinculante necessariamente também deve ser passível de interpretação,

pois o que é polêmico nessa conjuntura é que se porventura a súmula não for

específica de uma situação concreta, substancialmente será tida como norma e

nesse sentido tem que se permitir uma ampla interpretação, em ato único, para

feitura da norma do caso concreto.

Desse modo, vislumbra-se que a questão da aplicação das súmulas

vinculantes, acaso o STF não tenha cuidado no conteúdo delas - e aqui não está-se

falando na constitucionalidade destas, pois é cediço que constitucional é o que o

Pretório Excelso diz que é e até mesmo uma reforma da Constituição em sentido

contrário pode vir a ser declarada futuramente inconstitucional – desemboca na

questão hermenêutica, sendo imperioso que se registre nesse sentido a

preocupação de Lenio Luiz Streck e, ao mesmo tempo, que se observem as suas

dicas para aplicação delas:

Antes de tudo, ao estar diante da aplicação de uma súmula, o interprete deve examinar o contexto, isto é, a similitude do “caso” que a súmula quer abarcar, evitando, assim, a subsunção metafísica própria do modelo positivista-exegético. Interpretar é aplicar. Subsunções escondem a singularidade dos casos e a súmula, ao pretender construir, conceitos universalizantes, poderá sacrificar a especificidade do caso subanálise, que é sempre único, irrepetível. Além disto, a súmula – como tem ocorrido inúmeras vezes – pode ser produto de uma atribuição de sentido arbitrária por parte do Supremo Tribunal Federal ou de outro tribunal. Em face disso, podem ser adotados os seguintes procedimentos: como não se pode dizer qualquer coisa sobre(nesse sentido, ver item 12.10, do meu Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, ob cit.), cabe ao intérprete do Estado Democrático de Direito efetuar a devida correção em sede doutrinária ou de aplicação judiciária. Assim, se a súmula for inconstitucional, o intérprete deve apontar a irregularidade, deixando de aplicá-la(expungindo-a do sistema). Não esqueçamos as seguintes questões que envolvem a problemática em tela: primeiro, a súmula, ao ter efeito vinculante, adquiriu status de normatividade (ato jurídico suscetível de controle de constitucionalidade – veja-se, para tanto, ADI 594); desnecessário dizer que o controle pode ser feito de forma difusa; segundo, se a súmula violar um dispositivo infraconstitucional, por violação direta da Constituição ou poderá deixar de ser aplicada em face dos critérios de resolução de antinomias; terceiro, a ADPF é remédio para suscitar a inconstitucionalidade de súmula (já o era antes da emenda constitucional que tornou vinculantes as súmulas). Por fim, sempre se poderá lançar mão dos mecanismos da interpretação

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constitucional conforme (verfassungskonforme Auslegung) e da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto(Teilnichtigerklärung ohne Normtexttreduzierung) no ato de aplicação da súmula. 152

Em momento algum, ao se defender a interpretação das súmulas pelo juiz

está-se pregando a rebeldia ou insurreição de forma que as decisões dos Tribunais

Superiores - que constitucionalmente possuem competência para uniformizar o

direito federal e constitucional – sejam descumpridas, o que com certeza geraria

uma insegurança jurídica maior do que a atual e que esse instituto, pelo menos,

formalmente visa atacar.

Não se pode, por outro lado, deixar de se compreender que a súmula deve

ser vista como uma norma e como tal pode e deve ser interpretada pelo juiz,

justamente à luz da Constituição e das peculariedades de cada caso concreto.

Em obra já citada, em que se teve a oportunidade de escrever um artigo

sobre a última reforma do CPC, ainda em andamento, ao se debruçar sobre a

questão do novel artigo 285-A, que de modo nítido e claro busca reprimir de plano

demandas que contenham teses jurídicas já rechaçadas e sem amparo,

destacaram-se a utilidade e constitucionalidade da medida, desde que seja

alicerçada em decisões dos Tribunais Superiores, o que reforça o argumento de que

a idéia é boa, contudo, merece como toda situação de aplicação, uma interpretação,

até mesmo porque interpretar é aplicar:

A par do exposto, não se consegue vislumbrar nenhuma afronta aos princípios constitucionais, como verificou a OAB nacional e na pior das hipóteses, isso para evitar uma utilização descabida do instituto em apreço, bem como também reverenciar o prestígio que as Súmulas Vinculantes tem formalmente em nosso país, o STF deverá limitar o manuseio da medida, pelo Juiz, aos casos em que a decisão do Juízo esteja em conformidade com os precedentes dos Tribunais Superiores, pois como bem observa Marinoni, a parte não pode ter direito público subjetivo a ir de encontro contra decisões já sedimentadas destes Tribunais, bem como o próprio Juiz não pode assim agir, em desrespeito a posições já sedimentadas.Por fim,

152 STRECK, Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito da efetividade: Uma crítica hermenêutica in Constituição e Democracia Estudos em homenagem ao Professor J.J Gomes Canotilho, Coordenadores. BONAVIDES, Paulo.; MARQUES DE LIMA, Francisco Gerson.; BEDÊ Fayga Silveira. São Paulo: Malheiros, 2006, p.429-430.

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defende-se que a interpretação deste dispositivo, seja dada em conformidade com os objetivos da Constituição, ou seja, fazer valer o direito à efetividade e celeridade processual, mais precisamente, de que as decisões consideradas paradigmas tenham uma conformidade jurídica com as posições do STJ e STF.153

Verifica-se que a posição supra não defende uma aplicação desmedida das

orientações dos Tribunais Superiores sem a análise do caso concreto, ou seja, sem

a devida contextualização.

Muito lógico que em se constatando que um dado caso fático é semelhante,

para não dizer idêntico e cair em uma atecnia, nos termos do CPC, e acaso a Corte

Maior já tenha se manifestado com relação à tese jurídica e ao se fazer a

interpretação nos termos defendidos neste trabalho, a súmula pode vir a ser

aplicada, o que não se pode é querer, por meio desse instituto ou de qualquer outro,

uma previsibilidade das decisões judiciais de um modo universal.

Na realidade, o problema maior das súmulas vinculantes reside nessa

tentativa de querer imprimir em todas as instâncias do Judiciário uma previsibilidade

das decisões e nesse sentido não se pode permitir ante a função desempenhada por

essa nova concepção de jurisdição.

São firmes as palavras do colega de mestrado e juiz Marcelo Roseno, nessa

temática, ao analisar esse problema no âmbito das políticas econômicas de nosso

governo:

Não se pode ignorar, contudo, o papel do Poder Judiciário enquanto intérprete da Constituição e das leis, especialmente a sua relevantíssima função enquanto instância de garantia de direitos fundamentais, constantemente desrespeitados “em países de modernidade tardia como o Brasil, onde o welfare state não passou de um simulacro” (STRECK, 2006, p. 266). Manifesta-se, assim, uma permanente tensão entre a necessidade de garantir direitos e a resistência dos interesses neoliberais, que encaram a desigualdade como imprescindível para o desenvolvimento econômico. Nesse contexto, a busca pela previsibilidade das decisões pode representar, em boa medida, uma tentativa de conter a atuação do Judiciário quanto à garantia de direitos, com potencial afronta à independência dos juízes, havendo a clara pretensão de que não sejam impostas derrotas aos interesses dos agentes financeiros, constantemente reunidas sob o signo do “risco”. Um exemplo

153 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Visão Panorâmica da última reforma do CPC numa ótica constitucional in CAVALCANTI, Bruno.; ELALI, André. VAREJÃO, José Ricardo. Coordenadores. Novos Temas de Processo Civil. São Paulo: MP, 2007, p. 298.

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marcante disso pode ser encontrado pela criação de figuras como a súmula vinculante, que por razões óbvias concentra o poder decisório nos mais altos escalões do Judiciário, balizando os pronunciamentos dos demais magistrados. 154

Dadas essas considerações, pode-se afirmar que apesar de ser discutível a

eficácia das súmulas vinculantes para se alcançar a pretensa celeridade e

efetividade das decisões, a idéia é interessante caso ela tenha conteúdo específico

e permita interpretação na forma aqui defendida, ou seja, sem a singeleza do

método subsuntivo e com a contextualização no caso concreto.

Entretanto, o mais importante e que não se pode aceitar, dentro dessa

concepção de jurisdição, é querer tornar as decisões previsíveis e se podar a

atribuição de sentido no caso específico, pois como se viu a atividade do juiz não é

meramente reprodutória e atualmente já se distinguiu texto de norma, logo, essa

atividade de aplicação não é tão simples assim.

CONCLUSÕES

A jurisdição no atual estágio da sociedade contemporânea assumiu um papel

relevante no que tange à tarefa de efetividade das normas constitucionais, já que as

leis, nesse novo contexto fático e jurídico, não mais são tidas como representativas

de ideais homogêneos do povo, pelo contrário, só serão válidas e legítimas quando

estiverem em conformidade com os direitos e garantias fundamentais do cidadão.

A idéia de que a atividade jurisdicional tão-somente revela a vontade do ato

normativo no caso concreto, sem qualquer atividade de atribuição de sentido, não

mais se coaduna com as aspirações e necessidades atuais, sendo importante que

se desmistifique a concepção do “juiz boca da lei”, pois em que pese esse agente

político não ter a mesma liberdade dos demais membros de Poder, sua atividade

154 Marcelo Roseno de Oliveira, A Previsibilidade das Decisões Judiciais como condição para o desenvolvimento econômico no Estado Neoliberal Brasileiro, artigo defendido no Mestrado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza.

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também é valorativa, contudo, com um norte intransponível, qual seja, os

mandamentos constitucionais.

A concepção do Direito, por muito tempo, ficou reduzida ao aspecto formal,

sem que se fizesse um cotejo com a realidade social e tal fato trouxe conseqüências

nefastas para a sociedade, pois como essa ciência trata essencialmente de relações

humanas e estas são dinâmicas, os dogmas da neutralidade, universalidade e

objetividade engessaram o próprio desenvolvimento do conhecimento, sendo

necessário que se passe a analisá-lo numa ótica dialética e aberta às

transformações sociais.

O Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, não pode de modo

algum tratar os indivíduos da mesma forma ante a patente desigualdade social, logo

essa realidade indiscutível tem que ser levada em consideração quando de suas

decisões e dada as circunstâncias de cada caso concreto, ou seja, sem que essa

atividade se restrinja a uma mecanização alheia aos problemas reais do conflito.

A atividade jurisdicional deve se desgarrar das convicções do positivismo

clássico e encarar a solução dos conflitos não pela busca desenfreada de uma

essência que talvez nem exista, ou que pelo menos, muitas vezes, não se adequa à

realidade do problema em específico.

A justiça realmente é algo impossível de ser aferível objetivamente, porém tal

fato não pode inviabilizar que os operários do Direito a busquem em cada caso

concreto, assim sendo, a idéia de que ela não deve ser considerada para fins de

validade de uma norma pela relatividade de seu conceito não deve servir de escudo

para a preocupação constante que a atividade jurisdicional deve ter nesse sentido.

A ciência do Direito e os seus aplicadores, em especial os juizes, precisam se

desprender da convicção de que os conhecimentos jurídicos, por si sós, são

suficientes para a solução dos problemas recorrentes da Justiça.

A interdisciplinaridade é um caminho sem volta justamente porque os conflitos

envolvem aspectos técnicos que a ciência jurídica não abarca, sendo indispensável

o auxílio de outras ciências a fim de que o litígio seja eficazmente solucionado e

quem sabe a almejada pacificação social com justiça seja atingida.

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Por muito tempo, a era dos códigos e suas regras prevaleceu em nosso

ordenamento, condicionando a vida da sociedade, contudo, com o advento do

Constitucionalismo houve uma mudança radical em toda a estrutura, não só pelo

conteúdo de suas disposições, mas principalmente pelas limitações impostas à

legislação, que para ser aplicada deve necessariamente estar em conformidade com

os comandos constitucionais.

A Constituição passou a ser o documento mais importante de uma sociedade,

todavia, essa supremacia, por si só, não foi suficiente, num primeiro momento, para

que os seus valores restassem cumpridos por todas as autoridades e pelo povo, que

também lhe deve subserviência. Estava a sociedade, infelizmente, acostumada com

a autonomia privada que as leis lhe permitiam.

A constitucionalização do Direito é a ideologia dominante do século XX e com

certeza se consolidará no século atual, impondo um novo olhar sobre todos os

ramos do Direito, aos quais obrigatoriamente são atingidos pela conseqüente

irradiação dos valores constitucionais, tornando peça inaugural e basilar dos

mesmos, provocando, por outro lado, uma imanente revisitação de seus institutos.

No ramo processual em especial conduziu a essa nova concepção de

jurisdição, pois ao deslocar o centro da atuação para a Constituição e para os

direitos e garantias fundamentais, os juizes ao decidirem, obrigatoriamente são

influenciados pelos valores que devem ser concretizados nas situações em

específico.

O neo-constitucionalismo e o neo-Processaulismo têm seus alicerces jurídicos

nos direitos e garantias fundamentais, que devem ser observados ou no mínimo

levados em consideração em toda a atuação pública e até mesmo dos particulares,

logo, a atuação jurisdicional é automaticamente atingida por essa filtragem

constitucional.

Toda a hermenêutica jurídica contemporânea passa necessariamente pela

Constituição, que assume a figura de “lócus” hermenêutico, ou seja, centro de todo o

atuar do intérprete, assim sendo, não há mais no que se falar em divisão da

hermenêutica.

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Por outro lado, a partir das concepções filosóficas, a hermenêutica sofreu

uma mudança radical, que alguns intitulam de giro hermenêutico, que interessa ao

presente trabalho no sentido de que o ato de interpretar não pode se restringir a

mera reprodução da vontade da norma em abstrato, como se ela tivesse uma

essência universalizante que pudesse ser extraída.

O intérprete contemporâneo não mais pode dissociar compreensão,

interpretação e aplicação da lei, pois esse processo é conjunto e globalizado, em

que o texto normativo, a partir dos pilares constitucionais, vai ser levado em

consideração para atribuição do sentido no caso concreto a par da realidade social

do momento, construíndo-se a norma, que nada mais é do que o produto da

interpretação, no sentido amplo, do texto normativo em análise.

A idéia retrógrada de que a Constituição representava tão-somente as forças

dominantes de uma dada classe social, sem qualquer caráter normativo, foi

expurgada totalmente e, atualmente, a Constituição é um dever ser, a qual depende

das autoridades devidamente instituídas para se tornar eficazes, vinculando com

isso toda a sociedade.

Para que os comandos da Constituição saiam do papel, torna-se

indispensável que seja realizado um amplo controle de constitucionalidade em todos

os sentidos, daí porque toda a jurisdição contemporânea é constitucional por

excelência e no processo de interpretação dos atos normativos, deve o juiz sempre

proceder à devida concatenação desse ato com a Constituição como um

antecedente lógico, até mesmo nos casos de omissão do legislador ou governante.

Os princípios não servem somente para integrarem o ordenamento jurídico ou

fundamentar a feitura das normas, também possuem caráter normativo a exemplo

das regras, logo, sua aplicação direta, apesar da menor densidade, é cristalina.

Por outro lado, principalmente os constitucionais, qualificam a realidade da

sociedade, sendo o ponto central de toda a Constituição e relevante vetor para a

nova concepção de jurisdição.

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Sua importância transcende atualmente a visão clássica não só pela

proeminência, mas principalmente pelo caráter aberto de sua textura, o que facilita a

aplicação em sociedades pluralísticas como a nossa.

O Estado hoje pode ser compreendido como principial e, por conseguinte,

fortalecendo a atuação judicial justamente pela imanente necessidade de adequação

às situações concretas.

É imperativo lógico das reflexões sobre o constitucionalismo contemporâneo

que a atividade do juiz leva à atribuição de sentido a um dado texto normativo,

criando a norma do caso em concreto, mas não a norma individual do caso que

reproduz a norma em abstrato.

Destarte, a construção da norma no caso em concreto deve atender às

necessidades de Direito material pleiteadas a par das ponderações constitucionais,

protegendo-se o direito efetivamente.

Os diversos direitos e garantias fundamentais, que tratam do processo

condicionam todo o agir do processualista contemporâneo, ao ponto de se afirmar

que ele se encontra atrelado ao modelo constitucional de processo, que impõe uma

leitura sistemática de todo o processo diante das garantias constitucionais

processuais, devendo-se expurgar interpretações que priorizem o tecnicismo e a

formalidade exagerada.

Para que materialmente exista um direito à tutela jurisdicional efetiva, faz-se

necessário que tanto o legislador quanto o juiz, em caso de omissão, criem técnicas

processuais específicas que sejam eficazes para a proteção do direito in natura, pois

as previsões atuais prestigiam a tutela reparatória, que, na maioria das vezes, não

tutela o direito e gera outros conflitos, assim sendo, nessa nova concepção de

jurisdição, as técnicas processuais e a tutela de direitos constituem a essência.

As reformas processuais ocorridas após o advento da Constituição Federal de

1988 priorizaram sobremaneira a questão da efetividade, contudo, esse valor não

pode ser analisado de forma isolada, pelo contrário, a otimização com as demais

garantias constitucionais é palmar e se reflete em incumbência dessa nova

concepção de jurisdição, em especial a preocupação com a segurança jurídica.

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Os meios alternativos de composição dos conflitos são mais eficazes do que

a atividade jurisdicional quanto à obtenção da almejada pacificação social e as

vezes, com justiça. Os juizes devem se preparar tecnicamente para se utilizar

desses meios regularmente na atividade jurisdicional, contudo, quando assim

procederem, devem se despojar da condição de juiz propriamente dito e envolver as

partes para que encontrem uma solução amigável.

Nesse sentido, os juizes precisam se conscientizar que tanto a conciliação

quanto à mediação, em que pese não se enquadrarem como características dessa

nova concepção de jurisdição, são meios que se afinam com a democracia e

permitem que os próprios envolvidos assumam a responsabilidade de decidir os

conflitos, com isso, a certeza do cumprimento da obrigação assumida é mais intensa

e a solução mais rápida.

O juiz, dentro desse contexto, deve, de forma necessária, fundamentar

materialmente suas decisões, com uma argumentação fática e jurídica calcada nos

elementos do caso concreto e não com remissão a tipologias formais.

Somente uma justificação substancial, diante de todas as circunstâncias do

caso, será suficiente para legitimar constitucionalmente a opção do magistrado

numa sociedade pluralista em que os princípios são preponderantes.

Diz-se isso justamente para evitar críticas de que a atuação judicial, nessa

conjuntura, leva à adoção de posições pessoais do magistrado, que acaso

existentes vão de confronto a todo esse movimento de constitucionalização do

Direito e em especial ao princípio democrático.

Essa atuação ampliada do Poder Judiciário tem limites bem claros e deve

obrigatoriamente ser compatibilizada com o princípio democrático, contudo, este não

pode ser compreendido em uma acepção formal, ou seja, restrito a mera

participação política do indivíduo e sim com a efetivação, no plano prático, dos

direitos e garantias fundamentais, desse modo, toda essa atuação judicial é

legitimada constitucionalmente nesse sentido.

No mesmo contexto, deve-se ampliar sobremaneira a participação do povo na

interpretação constitucional, permitindo, com isso, que a escolha feita pelo

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Judiciário, principalmente em sede de jurisdição constitucional possa se

compatibilizar com as regras democráticas.

A tensão natural entre essa nova concepção de Jurisdição e o princípio

democrático se dá justamente pela contestação quanto à legitimidade do Poder

Judiciário na sua formação, principalmente o Supremo Tribunal Federal, bem como

nos casos em que se determina a implementação de políticas públicas para

resguardos dos direitos fundamentais do cidadão.

O que se entende por judicialização da política no sentido pejorativo do termo,

nada mais é do que a conseqüência natural dos alicerces que informam a nova

concepção de jurisdição, pois a definição do que seja questão política é polêmica e

ainda mais a exclusão, por si só, de sua apreciação pelo Poder Judiciário, quando

este possui o dever indeclinável de assegurar a tutela dos direitos em geral.

Não se pode admitir, por outro lado, que o Judiciário se utilize de critérios

políticos para suas decisões ou então se intrometa em questões de conveniência e

oportunidade dos demais Poderes, sem que se atente contra os valores

constitucionais, o que se afigura ilegítimo e desproporcional ao sistema democrático

que todas as autoridades estão comprometidas.

A maior informação ao povo dos seus direitos, principalmente os sociais, fez

com que várias ações chegassem ao Poder Judiciário, tanto no aspecto individual

quanto coletivo, logo, este não pode deixar de assegurar esses direitos que

deveriam ser realizados espontaneamente pelos outros Poderes, tão-somente por

ausência de aspectos procedimentais quanto à sua formação não democrática.

Quando se está em jogo a realização dos direitos fundamentais para uma

efetiva democracia, o Poder Judiciário, em vislumbrando o patente descumprimento

da Constituição, deve, nos casos concretos que lhe são submetidos, determinar a

realização de políticas públicas pelo governo, sempre equilibrando a máxima

eficácia dos princípios e a cláusula da reserva do possível.

As súmulas vinculantes, principalmente aquelas que porventura venham a ter

conteúdo genérico, devem sim ser objeto de interpretação na forma defendida neste

trabalho, pois é inadmissível se pensar que é possível se extrair de forma universal o

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sentido da mesma para uma aplicação geral a todos os casos aparentemente

semelhantes, sem a devida contextualização.

Por outro lado, não se pode permitir que os juizes deixem de aplicar as

súmulas dos Tribunais Superiores quando demonstrado, a par do caso concreto,

que se trata de uma situação fática igual e que a sumula é específica e já decidiu

aquela questão jurídica, mas ainda assim o juiz fará a devida interpretação,

aplicando-a no sentido estrito acaso pertinente, já que a súmula deve ser

compreendida como texto normativo e a norma vai ser construída no caso concreto.

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