a ordem econômico-comercial do sistema multilateral de ... · econômica do pós-guerra. um ponto...

56
Introdução Uma análise ponderada, e que pretenda ser bem-feita, dos aconteci- mentos contemporâneos exige o conhecimento dos processos histó- ricos que formaram o caminho seguido até o presente. Isto é, ao ana- lisarmos o comportamento dos agentes ao longo dos anos preceden- tes – a história da interação entre eles –, os argumentos a serem utili- 217 *Artigo recebido em outubro e aprovado para publicação em novembro de 2006. **Mestrando em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador do Labora- tório de Análise Política Mundial (Labmundo) da Escola de Administração da UFBA. CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 29, n o 2, julho/dezembro 2007, p. 217-272. A Ordem Econômico-Comercial Internacional: Uma Análise da Evolução do Sistema Multilateral de Comércio e da Participação da Diplomacia Econômica Brasileira no Cenário Mundial* Ivan Tiago Machado Oliveira**

Upload: others

Post on 27-Jun-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Introdução

Uma análise ponderada, e que pretenda ser bem-feita, dos aconteci-mentos contemporâneos exige o conhecimento dos processos histó-ricos que formaram o caminho seguido até o presente. Isto é, ao ana-lisarmos o comportamento dos agentes ao longo dos anos preceden-tes – a história da interação entre eles –, os argumentos a serem utili-

217

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

*Artigo recebido em outubro e aprovado para publicação em novembro de 2006.**Mestrando em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador do Labora-tório de Análise Política Mundial (Labmundo) da Escola de Administração da UFBA.

CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 29, no 2, julho/dezembro 2007, p. 217-272.

A OrdemEconômico-ComercialInternacional: UmaAnálise da Evoluçãodo SistemaMultilateral deComércio e daParticipação daDiplomaciaEconômica Brasileirano Cenário Mundial*Ivan Tiago Machado Oliveira**

Page 2: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

zados acerca do cenário atual ganham maior embasamento e consis-tência analítica. Assim, realizaremos, no presente estudo, uma ava-liação do processo evolutivo ocorrido no Sistema Multilateral deComércio (SMC), desde o imediato pós-Segunda Guerra até o pre-sente momento, identificando as interações entre as transformaçõeshistóricas mundiais, tanto no plano político quanto no econômico, ea estruturação do sistema multilateral.

O SMC contemporâneo tem suas bases constitutivas na Carta quecriava a natimorta Organização Internacional do Comércio (OIC), daqual o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, GeneralAgreement on Tariffs and Trade (GATT)) faria parte. O GATT, esta-belecido em 1947 para atuar temporariamente, acabou por ser o orga-nismo (quase-instituição) responsável pela regulação das trocas in-ternacionais por quase cinco décadas. Nesse ínterim, ocorreram mo-dificações significativas na economia mundial, afetando a competiti-vidade das nações e modificando o jogo da política internacional.

Uma rápida avaliação do histórico do sistema multilateral sob os aus-pícios do GATT nos trará alguns elementos comprobatórios de que olançamento periódico de rodadas de negociação se fundamenta nacrença de que as mesmas são importante mecanismo para a criaçãode um ambiente mais propício ao debate político-diplomático, ten-dendo a ser observada uma melhora apreciável na facilitação do pro-cesso político de construção de regras para o comércio internacional.Ocorreram oito rodadas de negociações no âmbito do GATT. Nessasrodadas, tanto as reformas do próprio GATT quanto os processos demudança nas barreiras comerciais das partes contratantes eram dis-cutidos. As oito rodadas foram: em Genebra (1947), Annecy (1949),Torquay (1951), Genebra (1956), a chamada Rodada Dillon(1960-1961), a Rodada Kennedy (1964-1967), a Rodada Tóquio(1973-1979) e a chamada Rodada Uruguai (1986-1994).

Tomando tais rodadas de negociação multilateral como marcos ana-líticos importantes, discutiremos, a seguir, o desenrolar do processo

Ivan Tiago Machado Oliveira

218 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 3: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

histórico-evolutivo do SMC, que teve seus fundamentos teóricos ori-ginados em uma visão liberal acerca do comércio internacional, alémde aspectos outros de ordem político-ideológica. Primeiramente,analisaremos os esforços de construção do SMC desde a Carta deHavana até os anos 1960, quando acontece a Rodada Kennedy de ne-gociações do GATT. Em seguida, serão abordadas as transforma-ções no sistema, ocorridas na Rodada Tóquio e alargadas na RodadaUruguai. Finalmente, concluiremos o capítulo analisando o SMC naúltima década, período marcado pela entrada em cena da Organiza-ção Mundial do Comércio (OMC) como verdadeira instituição inter-nacional responsável pela regulação, discussão e abertura de negoci-ação multilateral no que diz respeito às trocas entre as nações. Ade-mais, o papel desempenhado pela diplomacia econômica brasileirana construção e transformação do SMC será discutido ao longo dopresente capítulo.

Da Carta de Havana à

Rodada Kennedy

O Problema da regulação do

comércio internacional no

pós-Segunda Guerra

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a reconstrução eco-nômica internacional, fundamentada nas novas relações de poder po-lítico-econômico que a guerra ajudara a criar. Entretanto, a recons-trução econômica do pós-guerra não deve ser entendida somente apartir do cenário então vigente, mas também como reorientação e re-organização das relações econômicas internacionais, no contextopós-depressão dos anos 1930.

A explosão da crise econômica da década de 1930 fez com que o pro-tecionismo tomasse a cena internacional, afetando negativamente ocomércio entre as nações. Além disso, após o período da guerra, trau-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

219

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 4: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

mas ainda mais profundos foram sentidos em termos globais. Nessesentido, com o fim da guerra, procurou-se

[...] montar um sistema que evitasse a possibili-dade de mais um conflito em escala mundial,evitasse as crises de liquidez de divisas e impe-disse os danos provocados pela imposição debarreiras comerciais (BAUMANN et al., 2004,p. 133).

Vale notar que iniciativas relativas ao reordenamento da economiamundial no pós-guerra tomaram lugar mesmo antes do fim do confli-to. Em agosto de 1941, o presidente dos EUA, Roosevelt, e o primei-ro-ministro britânico, Winston Churchill, assinaram a Carta doAtlântico (Atlantic Charter), “documento fundador” dos princí-pios que viriam a nortear a reconstrução da ordem internacional nasegunda metade do século XX, e ao qual o Brasil aderiria no início de1943. Sobre as características, motivações e importância da AtlanticCharter, Sato (2001, p. 5) relata:

O documento não era nem um acordo contra-tual e nem uma aliança com dispositivos for-mais. Era, antes, uma declaração de princípiosque condenava a tirania sob todas as formas eenfatizava a necessidade do empenho pela cons-trução de uma paz baseada na defesa da liberda-de, no respeito às linhas de fronteira consolida-das, na autodeterminação das nações e na re-núncia ao uso da força. O documento tambémentendia que esses princípios estavam inexora-velmente ligados a ações a serem empreendidasno plano econômico e recomendava que um es-forço de cooperação entre as nações para seconstruir uma paz mais duradoura deveria con-templar a igualdade no acesso ao comércio e àsmatérias-primas e o desenvolvimento de for-mas mais estáveis de arranjo institucional ne-cessárias à promoção da prosperidade e da se-gurança social para todos os povos. Obviamen-

Ivan Tiago Machado Oliveira

220 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 5: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

te, a Carta do Atlântico teve por motivação fun-damental articular o esforço de guerra das na-ções que lutavam contra o Eixo e seu teor nãodeixava dúvidas quanto à disposição e inevita-bilidade do envolvimento direto dos EstadosUnidos na guerra. Todavia, o documento foi,inegavelmente, peça importante na construçãoda ordem internacional do pós-guerra ao servirde base para dar início às consultas e negocia-ções que iriam resultar nos Acordos de BrettonWoods e na assinatura da Carta das NaçõesUnidas.

A estruturação da nova ordem econômica internacional foi tomandoforma a partir, fundamentalmente, da Conferência de Bretton Woods,realizada entre junho e agosto de 1944, ou seja, antes mesmo do fimefetivo da guerra. Ademais, as bases políticas para o estabelecimentode uma nova “confraria entre as nações” foram lançadas em DumbartonOaks, em agosto de 1944, tendo resultado na criação da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU) em abril de 1945, por meio da Car-ta de São Francisco. Por fim, em Ialta, em fevereiro de 1945, e emPotsdam, entre julho e agosto do mesmo ano, foram esboçadas as li-nhas do contorno geopolítico que passaria a dividir o mundo de for-ma mais clara a partir de 1947.

O chamado Sistema de Bretton Woods construiu os pilares para orestabelecimento da ordem no campo monetário e financeiro inter-nacional. Embora tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha existissecerto “consenso” acerca da fundação de uma ordem liberal que vies-se a se contrapor às idéias e práticas protecionistas dos anos 1930,observou-se nessa Conferência a contradição entre as percepçõesnorte-americanas e aquelas defendidas pelos britânicos. Tal fato fi-cou mundialmente conhecido a partir dos debates entre o represen-tante dos EUA, Harry Dexter White, e o enviado britânico, JohnMaynard Keynes. A proposta norte-americana para o ordenamentodas relações monetárias e financeiras internacionais predominou,

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

221

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 6: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

tendo por base uma simples e poderosa idéia: “quem pagava as con-tas?”. Criou-se, então, o Fundo Monetário Internacional (FMI), en-quanto provedor de liquidez internacional e atenuador de crises dascontas externas dos países associados; e o Banco Internacional para aReconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), que, como o próprionome já indica, foi encarregado de financiar a reconstrução e o de-senvolvimento econômico dos países do mundo, principalmente daseconomias européias destruídas durante a Segunda Guerra Mundial.Por outro lado, ainda que na Conferência de Bretton Woods tenhasido ratificada a necessidade da construção de um sistema multilate-ral de livre-comércio para a estruturação do sistema econômico mun-dial no pós-guerra, não houve condições de se tratar do assunto du-rante a Conferência. Assim, ficou acertado que uma reunião especialdeveria ser convocada nos anos seguintes para tratar do tema, comode fato ocorreu.

A participação brasileira no reordenamento econômico foi tímida,como era de se esperar, dado o seu limitado poder naquele período,tanto no plano econômico quanto no político. Após uma rápida tenta-tiva de independência econômica na década de 1930, quando se ob-servou o ensaio de preservação de um arranjo de equilíbrio entre aspotências predominantes da época, as relações econômicas interna-cionais do Brasil caracterizaram-se por uma intensa relação com osEUA, especialmente a partir do ataque japonês a Pearl Harbor(1941), quando as nações do Eixo declararam guerra aos EUA, aca-bando por apressar o envolvimento brasileiro no conflito, ao lado dosAliados. Sobre a participação brasileira na estruturação do ordena-mento mundial no pós-guerra, Paulo Roberto de Almeida (2004, p.114) coloca:

Na segunda conferência interamericana de con-sulta, realizada no Rio de Janeiro em princípiosde 1942, as nações americanas hipotecavam so-lidariedade ao país agredido. O Brasil faz maisdo que isso: concebendo a aliança como uma

Ivan Tiago Machado Oliveira

222 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 7: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

excelente oportunidade para resolver os proble-mas da industrialização pesada e do suprimentomilitar, o governo de Vargas se decide por umenvolvimento direto no conflito militar, algonão exigido pelos estrategistas aliados. No ter-reno econômico a colaboração também passa aser a regra. Em maio de 1944, Roosevelt esten-de ao Brasil o convite para participar, junto com43 outras “nações unidas e associadas”, da con-ferência que deveria discutir a reconstruçãoeconômica do pós-guerra.

Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tado por Paulo Roberto de Almeida (2004), é o da presença da Uniãodas Repúblicas Socialistas Sociéticas (URSS) no debate acerca doordenamento político-econômico mundial no pós-Segunda Guerra.O autor relata:

Em todo caso, a “planificação” da ordem eco-nômica do pós-guerra também reservou um pa-pel para a URSS, a despeito da pequena impor-tância que esta tinha nos fluxos monetários ecomerciais internacionais. Ao assim procede-rem, os Estados Unidos queriam evitar o desas-troso erro de Versalhes que, ao excluir uma po-tência – no caso, a Alemanha de Weimar – doconcerto mundial, havia gerado o clima de ins-tabilidade e desconfiança responsável pelo ul-terior acirramento dos conflitos no continenteeuropeu. Os Estados Unidos se mostraram sen-síveis aos interesses soviéticos, em parte por-que previam um grande intercâmbio entre ma-térias-primas soviéticas e manufaturados nor-te-americanos, o que, depois, revelou-se ilusó-rio. (ALMEIDA, 2004, p. 118).

Não obstante o esforço norte-americano para dar certo grau de in-fluência à URSS no quadro institucional que vinha sendo criado, amesma não ratificou os acordos de Bretton Woods até dezembro de

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

223

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 8: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

1945, ficando, portanto, de fora das primeiras instituições econômi-cas multilaterais criadas no mundo no pós-guerra.

A liderança dos EUA foi essencial no processo de reconstrução mun-dial após o Grande Conflito. Tal liderança, além de necessária, era“natural”. Em 1945, os EUA, de forma ainda mais significativa doque havia ocorrido ao final da Primeira Guerra Mundial, haviamemergido como o grande credor internacional. Não se tratava apenasde uma concentração relevante das reservas de ouro nos EUA, mastambém de um fosso econômico que se abriu entre esse país e o restodo mundo. O Produto Nacional Bruto (PNB) dos EUA, em 1950, foide US$ 381 bilhões, enquanto o da Grã-Bretanha alcançava US$ 126bilhões, o da URSS, US$ 71 bilhões, e o da França, US$ 50 bilhões.Na realidade, no período em questão, o PNB dos EUA (US$ 381 bi-lhões) era maior do que a soma dos PNBs da URSS, Grã-Bretanha,França, Alemanha Ocidental, Japão e Itália (US$ 356 bilhões).1

Ademais, a dinâmica da política internacional acabou por desembo-car na Guerra Fria, quando foram constituídos dois blocos represen-tativos de modelos político-econômicos distintos e antagônicos,dando aos EUA uma liderança ainda mais solitária sobre as econo-mias de mercado.

O papel desempenhado pelos EUA na cena internacional a partir de1945 teve influência importante, tanto no plano das idéias e princípi-os que viriam a nortear o desenrolar da dinâmica da política interna-cional, quanto no das ações efetivas, tomadas com objetivos que vari-avam, dependendo do quadro geopolítico mundial e de pressões e in-teresses internos.

A estruturação da ordem liberal pretendida no imediato pós-guerratrazia consigo um ar otimista no que diz respeito às construções insti-tucionais da época. Não foi diferente com a pretensão de se criar umaorganização voltada para o comércio internacional. A proposta nor-te-americana de realizar uma reunião especial para negociações

Ivan Tiago Machado Oliveira

224 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 9: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

acerca da criação de tal organização foi colocada em prática e, sob osauspícios da recém-criada ONU, aconteceu, em Londres (em outu-bro de 1946), a primeira reunião da Comissão preparatória para Con-ferência sobre Comércio e Emprego das Nações Unidas, na qual seri-am estabelecidos os fundamentos constitutivos de uma OrganizaçãoInternacional do Comércio (OIC).

Entre abril e novembro de 1947, ocorreu, em Genebra, a segunda reu-nião da Comissão preparatória para a Conferência de Havana. Nesseencontro, ainda em um ambiente de crença e expectativas positivasem relação à criação da OIC em um futuro próximo, 23 países (entreeles, três latino-americanos: Brasil, Chile e Cuba) assinaram o Acor-do Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), destinado a ser incorpo-rado à Carta constitutiva da OIC. Ocorreu, então, a primeira Rodadade negociações multilaterais para a redução de barreiras tarifárias.Ademais, foram definidos os princípios básicos do Sistema Multila-teral de Comércio contemporâneo e acertada a adoção temporária doGATT, que entraria em vigor a partir de janeiro de 1948, até que aOIC fosse discutida e aprovada pelas partes contratantes. O GATTteria um secretariado – chamado oficialmente de Interim Commissi-on for the International Trade Organization (ICITO), com vincula-ção, ainda que apenas formal, à ONU – atuando em Genebra no senti-do de servir como fórum para negociações de acordos específicos,que almejassem a redução de tarifas alfandegárias e outras barreirasao comércio internacional.

Durante as negociações da Conferência sobre Comércio e Empregodas Nações Unidas, que veio a acontecer entre novembro de 1947 emarço de 1948 em Havana, mais de cinqüenta países acordaramacerca da Carta de Havana, documento oficial que criava a OIC en-quanto instituição responsável pelo comércio internacional. Tendo aCarta sido aprovada pelos participantes da Conferência, a constitui-ção efetiva da OIC ficou dependendo apenas da ratificação do docu-mento pelos países signatários, segundo suas normas internas.

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

225

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 10: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Algo digno de nota sobre a Conferência de Havana diz respeito à vi-são que os países mais pobres tinham acerca das negociações e resul-tados da mesma. Em geral, acreditavam que o tom desenvolvimentis-ta perceptível na Conferência (o próprio nome traz algo nesse senti-do) pudesse fornecer instrumentos factíveis de auxílio àqueles paísesque esboçavam uma saída em direção ao “paraíso” do mundo desen-volvido, industrializado. Não obstante tal fato, alguns tons destoan-tes eram ouvidos entre as vozes “subdesenvolvidas”. Vários paíseslatino-americanos deram apoio, por exemplo, a propostas que colo-cavam a constituição de zonas de preferências comerciais como me-canismo legal dentro do documento final da Conferência.2

Voltando à Carta de Havana e à sua ratificação pelos países signatári-os, vale colocar que, como levantado por Paulo Roberto de Almeida(2004, p. 117),

[...] a Carta da OIC incluía tantas exceções, la-cunas e ambigüidades deliberadas que mesmoseus partidários mostravam muito pouco entu-siasmo por ela – apenas dois países chegaram aratificá-la: a Austrália de forma condicional ea Libéria incondicionalmente.

No entanto, o relativo desânimo acima relatado veio sendo “construí-do” não apenas com base em eventuais problemas de origem da Car-ta, mas também a partir de dois aspectos importantes, complementa-res e inter-relacionados, que tomavam contornos distintos no final dadécada de 1940, comparativamente àqueles percebidos no períodologo posterior à guerra, quais sejam: 1) a mudança no contexto geo-político mundial – o inicial convívio pacífico e respeitoso entre aURSS e os EUA no imediato pós-guerra havia se tornado tenso al-guns anos após; a Guerra Fria desabrochava; e 2) o Congresso nor-te-americano, autoridade maior da política comercial externa dosEUA, mostrava-se cada vez menos desejoso de abrir mão de determi-

Ivan Tiago Machado Oliveira

226 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 11: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

nados controles sobre a política comercial e tarifária dos EUA, o quepoderia vir a acontecer com a ocasional criação da OIC.

O “resumo da ópera” relativo à Carta de Havana, justamente na con-fluência das tendências acima abordadas, pode ser feito a partir dadecisão do Congresso dos EUA de não ratificar a Carta. Na realidade,com o aumento dos focos de tensão internacional, os assuntos relati-vos à segurança internacional – políticas estratégicas como o próprioPlano Marshall – passaram a ter maior relevância no Congresso dosEUA, comparativamente a temas predominantemente econômico-comerciais, como a Carta da OIC, com interesses focados em umatemporalidade mais estendida.

A não-ratificação da Carta de Havana pelos EUA foi o decreto demorte da nascente OIC. A nação que liderava o mundo ocidental emsua reconstrução no pós-guerra achou por bem não levar adiante suaprópria proposta de criação de uma verdadeira instituição para geriro comércio entre as diversas nações do globo. Nesse contexto, oGATT, pensado inicialmente enquanto instrumento temporário e quenão demandava ratificação congressual pelo fato ser um acordo exe-cutivo, entra em cena de forma permanente e irá servir como umaquase-instituição internacional, organizadora do SMC contemporâ-neo por mais de quatro décadas. Como abordado por Sato (2001, p. 5):

Pode-se dizer que o GATT foi, de um lado, aforma contratual possível dentro do quadro dasdificuldades econômicas e limitações institu-cionais do pós-guerra e, de outro, o arranjo quemelhor se adequava à economia política inter-nacional que se configurou na esteira da Segun-da Guerra Mundial.

Valls (1997, p. 3) afirma que o Acordo Geral

[...] emergiu de negociações que visavam remo-ver barreiras ao comércio e não de negociaçõesque tivessem por objetivo o estabelecimento de

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

227

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 12: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

regras gerais de comportamento das relaçõescomerciais entre os países.

Sendo assim, não obstante a existência de um tímido sistema de en-forcement (panels) desde o Acordo de 1947, reformado parcialmenteem 1952, o SMC, sob os auspícios do GATT, não tinha poder disci-plinatório efetivo sobre as partes contratantes. Tal aspecto acabavapor trazer algum grau de incerteza e arbitrariedade das potências,principalmente dos EUA, para as trocas internacionais.3

Alguns autores pertencentes a correntes mais críticas, como Arrighi(2003), consideram o sistema multilateral organizado sob a orienta-ção do GATT como sendo “o principal instrumento de formação domercado mundial sob a hegemonia norte-americana” (ARRIGHI,2003, p. 72), deixando nas mãos dos Estados, fundamentalmente dosEUA, o controle sobre o ritmo e a direção do processo de liberaliza-ção comercial multilateral. Nesse ponto, a hegemonia dos EUA sedistanciaria daquela da Grã-Bretanha do século XIX, tendo em vistaque a última aplicava um regime de livre-comércio unilateral, en-quanto os EUA fariam uso do livre-comércio ideologizado comoestratégia de negociação intergovernamental, a fim de expandir asoportunidades de inserção mundial para empresas e produtos norte-americanos. Destarte, observou-se, no âmbito multilateral, um graude liberalização muito mais amplo sob a hegemonia dos EUA do quesob a britânica.

Desconsiderando-se, no momento, a relevância, ou não, e a validade,ou não, dos argumentos mais críticos acerca da caracterização doSMC, fato é que os princípios norteadores do mesmo (não-dis-criminação e reciprocidade) têm suas origens mais próximas naque-les que permearam os acordos bilaterais de comércio realizados pe-los EUA a partir da Lei dos Acordos Recíprocos de Comércio(LARC), de 1934. Tal lei teve por finalidade o estímulo às exporta-ções por meio da quebra de barreiras comerciais – ajudando, assim,no combate à recessão iniciada em 1929 – e aos entraves protecionis-

Ivan Tiago Machado Oliveira

228 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 13: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

tas levantados por leis como a Lei de Tarifas Smoot-Hawley, de1930. Por intermédio da LARC, o Congresso permitiu ao Executivonorte-americano a realização de acordos comerciais em bases de re-ciprocidade que reduzissem as tarifas aduaneiras dos EUA até o li-mite de 50%, relativamente àquelas vigentes no período. Ademais,tais acordos continham em si a idéia de não-discriminação, represen-tada pela Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF), na qual as con-cessões feitas bilateralmente eram, de forma automática, estendidasaos demais parceiros comercias do país.4

No GATT, em seu artigo I, está a Cláusula da Nação Mais Favorecida(NMF), na qual a idéia da não-discriminação é ratificada, ficandotambém garantida a multilateralização do processo negociador.5 ACláusula da Reciprocidade é vista como estímulo importante para asnegociações, uma vez que os países tendem a não realizar movimen-tos unilaterais de liberalização comercial, mas sim a fazer uso de umaconcepção mercantilista do comércio para a condução do processonegociador da abertura comercial. Além disso, a proibição de restri-ções quantitativas e o princípio do tratamento nacional, no qual osprodutos importados devem ter o mesmo tratamento que seus simila-res nacionais, apresentam-se como princípios complementares desuporte do SMC.

Desde o início, com o processo de entrada do Benelux e, posterior-mente, quando da criação da Comunidade Européia em 1957, o prin-cípio da NMF foi “desrespeitado”. Porém, tais acontecimentos ocor-reram dentro da legalidade presente na cláusula de escape do artigoXXIV, que trata da criação de zonas de livre-comércio e uniões adua-neiras, como já apresentado no presente trabalho. Assim, práticasque iam de encontro aos pilares fundamentais gattianos se tornaramaceitáveis segundo parâmetros específicos. No artigo XII, por exem-plo, os países podem fazer uso de medidas temporárias que restrin-jam as importações, quando houver problemas em seus Balanços dePagamentos. No artigo XVIII, condicionado à aprovação pelas de-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

229

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 14: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

mais partes contratantes, admite-se o uso de instrumentos de assis-tência governamental para promover o desenvolvimento econômi-co, como no caso de apoio às indústrias nascentes de países em de-senvolvimento. Já no artigo XIX (Cláusula de Salvaguarda), restri-ções ao comércio podem ser impostas, segundo regulamento, caso asconcessões negociadas no GATT impliquem aumentos inesperadose danosos à indústria nacional.6

Observamos, pois, que as condições de excepcionalidade na aplica-ção dos princípios fundadores do GATT foram criadas no sentido deadaptar as normas à realidade das condições econômicas e políticas.Esse aspecto, como bem apresentado por Seitenfus (2005, p. 212),advém do duplo caráter do Acordo Geral enquanto organização res-ponsável pelo trato do comércio entre as nações:

O GATT deve ser considerado como sendo umaorganização internacional especial na medidaem que possui duas faces distintas: por um lado,trata-se de um rol de normas procedimentais so-bre as relações comerciais entre os Estados-Partes. Estas atividades são de cunho jurídico,pois dizem respeito à elaboração, prática e con-trole de regras de direito material. Por outro,trata-se de um fórum de negociação comercialonde, através de instrumentos próprios à diplo-macia parlamentar, de natureza comercial, pro-cura-se aproximar posições entre os Estados-Partes. Essa face é de natureza essencialmentepolítica.

Como apresentado, a seguir, no Quadro 1, após a primeira Rodada denegociações em Genebra, em 1947, na qual foram negociadas 45 milconcessões tarifárias, sobre um valor total de comércio de US$ 10 bi-lhões, ocorreu na cidade francesa de Annecy, em 1949, a segundaRodada de negociações do GATT. Nesta última, apenas treze paísesparticiparam e 5 mil concessões tarifárias foram intercambiadas.Entre setembro de 1950 e abril de 1951, 38 países estiveram presen-

Ivan Tiago Machado Oliveira

230 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 15: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

tes na Rodada Torquay, na qual a “morte” da OIC foi confirmada, e8.700 concessões tarifárias foram negociadas, sendo os direitos adu-aneiros reduzidos em 25% de seu nível nominal de 1948, em média.A quarta Rodada de negociações comerciais multilaterais ocorreuem Genebra, em 1956, envolvendo dessa vez 26 países, que fizeramconcessões tarifárias sobre um valor de comércio de US$ 2,5 bi-lhões.7 Nessa última Rodada, também foi realizada uma “reforma”do SMC, necessária em virtude da não-implementação da OIC, cri-ando um protocolo de emenda ao preâmbulo e às partes II e III doGATT.

Quadro 1

As Rodadas de Negociações Comerciais do GATT

Ano Local/(Nome) Assuntos Cobertos Países

1947 Genebra Tarifas 23

1949 Annecy Tarifas 13

1951 Torquay Tarifas 38

1956 Genebra Tarifas 26

1960-1961 Genebra / (Rodada Dillon) Tarifas 26

1964-1967 Genebra / (Rodada Kennedy) Tarifas e medidas antidumping 62

1973-1979 Genebra / (Rodada Tóquio) Tarifas, medidas não tarifárias

e acordos jurídicos.

102

1986-1994 Genebra / (Rodada Uruguai) Tarifas, medidas não tarifárias,

normas, serviços, propriedade

intelectual, têxteis, agricultura,

solução de controvérsias,

criação da OMC etc.

123

Fonte: OMC (2005a).

A Rodada Dillon (nome do secretário do Comércio dos EUA de en-tão) teve como principais motivações, segundo Rêgo (1996, p. 7), acriação da Comunidade Econômica Européia (CEE), pelo Tratadode Roma de 1957, e os impactos de sua política comercial comum so-bre as demais partes contratantes do GATT. Com 26 países envolvi-dos, 4.400 concessões tarifárias foram intercambiadas, representan-do um montante de US$ 4,9 bilhões. Vale aqui notar que as negocia-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

231

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 16: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

ções no GATT tinham foco primordial, e quase que exclusivo, na re-dução de barreiras tarifárias para produtos industrializados. Tal fatoserá observado até a Rodada Uruguai, quando novos (e antigos, maspendentes) temas, como produtos agrícolas, têxteis e serviços, serãoinseridos na agenda negociadora. Outro ponto digno de nota diz res-peito ao descontentamento com o insucesso relativo do método bila-teralista de negociações no GATT, o qual, por causa do aumento pro-gressivo da complexidade do sistema, acabou por reduzir o ritmo doprocesso de liberalização tarifária, em comparação com aquele ob-servado na primeira Rodada em Genebra.

Bueno (1994), analisando o papel desempenhado pela diplomaciabrasileira no SMC ao longo de sua evolução, coloca que as negocia-ções no GATT parecem não ter tido prioridade na agenda do Itama-raty. Não obstante a existência de certa retórica multilateralista nasposições da política exterior do Brasil, e sua participação na criaçãodo SMC contemporâneo, grande parte do comércio exterior brasilei-ro da época era regido por acordos bilaterais. Para Bueno (1994, p.75), o comparecimento da delegação brasileira nas rodadas deAnnecy, Torquay e Genebra sem instruções específicas, improvisan-do e, muitas vezes, referindo-se em seus posicionamentos a assuntosjá tratados, denota o grau de relativo desprezo dado pela diplomaciabrasileira ao SMC, naquele momento. Baumann et al. (2004, p. 176)dizem que: “As razões para a adesão do país ao GATT desde o inícioestariam aparentemente relacionadas à percepção de evitar o paga-mento de um custo futuro maior em termos de abertura comercial”.

Após uma ampla reforma tarifária feita em 1957, o Brasil realizoupedidos de derrogações tarifárias no GATT, e foi compelido a revisarsuas condições de acesso (na verdade uma nova adesão) ao SMC. Talrevisão veio a acontecer por meio de uma longa e difícil renegociaçãodas concessões sobre direitos aduaneiros com todos os demais paísesque faziam parte do Acordo Geral. Como explicitado por Paulo Ro-berto de Almeida (2004, p. 120):

Ivan Tiago Machado Oliveira

232 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 17: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Na ocasião, sendo o Brasil um dos poucos paí-ses em desenvolvimento aderentes ao GATT ese ressentindo dos duros efeitos de um contratoentre “iguais” para parceiros desiguais, setoreseconômicos internos chegaram inclusive a ques-tionar a utilidade, em termos práticos de comér-cio exterior, de uma adesão estrita do País aosprincípios do GATT. Essa contestação implica-ria, entretanto, para o Brasil, uma denúncia for-mal do Acordo e uma saída do sistema de con-cessões recíprocas do GATT, o que foi julgadoexcessivo na época.

Cabe aqui ressaltar que, em meados da década de 1950, a partir dequeixas por parte dos países em desenvolvimento de que seus inte-resses não estariam sendo levados em conta no SMC, as partes con-tratantes do GATT estabeleceram um comitê de especialistas pararealizar um estudo sobre o caso. Fizeram parte do comitê, além doprofessor Haberler, que o presidia (daí o comitê ter ficado conhecidocomo The Haberler Commitee), Meade, Tinbergen e Roberto Cam-pos. O Haberler Commitee Report, de 1958, deixou claro que o pro-blema do fraco dinamismo das exportações dos países em desenvol-vimento estava ligado às políticas comerciais utilizadas pelos paísesmais avançados, impondo barreiras excessivas àqueles produtos emque os países menos desenvolvidos teriam potencial de ganho maissignificativo, via comércio internacional.

Em meados da década de 1950, mesmo com algumas reformas quebuscavam dar maior legitimidade ao sistema, o GATT continuava aatender de forma importante, na visão dos países em desenvolvimen-to (inclusive do Brasil), aos interesses e necessidades dos países de-senvolvidos. Era visto, pois, pelos países pobres, como um richmen’s club.

Ademais, a queda gradual da participação dos países em desenvolvi-mento no comércio internacional, nas décadas de 1950 e 1960, junta-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

233

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 18: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

mente com os trabalhos seminais de Raúl Prebisch acerca do inter-câmbio desigual entre os países, reforçavam a idéia de que os paísesem desenvolvimento vinham sendo prejudicados pela configuraçãodas relações econômicas de então. Prebisch nota, a partir de análisesempíricas, que havia uma tendência à deterioração dos termos de in-tercâmbio das economias periféricas em suas relações com os cen-tros econômicos. Tal acontecimento estaria ligado à diferença entre aelasticidade-renda dos produtos primários exportados pelos paísesem desenvolvimento e aquela de suas importações. Além disso, a re-lativa inelasticidade-preço da oferta dos produtos primários aumen-tava as pressões geradoras de desequilíbrios externos nos países daperiferia, dificultando ainda mais seu processo de desenvolvimentoeconômico. Como colocado por Paulo Roberto de Almeida (1999, p.103): “Essa conceitualização rompia com os padrões normalmenteaceitos nas relações econômicas internacionais”.

Na Rodada Dillon, o Brasil entrou com representação contrária à for-mação da CEE e a seus acordos preferenciais de comércio com áreascoloniais de países europeus, com base nos prejuízos sofridos pelaexportação brasileira de café e cacau para o mercado europeu. A di-plomacia brasileira colocava, então, que a integração econômico-co-mercial européia não poderia ser feita em detrimento de nações comoo Brasil, que seriam abaladas por uma zona preferencial de comér-cio, a qual, ademais, desviaria artificialmente correntes de investi-mentos. Vale notar que se vivia, no período, o auge do nacio-nal-desenvolvimentismo no governo Juscelino Kubitschek (JK), noqual era clara a idéia de que a política externa do país deveria ser em-pregada como importante ferramenta do governo para promover odesenvolvimento nacional. Destarte, por meio da ação diplomática, ogoverno empenhou-se no exterior para obter o suporte indispensávelà industrialização.

Toda essa conjuntura de insatisfação e repulsa à ordem econômi-co-comercial estabelecida resultou, em 1964, na primeira Conferên-

Ivan Tiago Machado Oliveira

234 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 19: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

cia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (em in-glês, United Nations Conference on Trade and Development(UNCTAD)). A UNCTAD servirá como base para os países em de-senvolvimento em sua tentativa de pressionar por reformas impor-tantes do SMC e pelo estabelecimento de um sistema de preferênci-as, não recíproco, beneficiando-os. É válido observar que a diploma-cia brasileira teve importância capital durante toda a fase de prepara-ção e constituição da UNCTAD, dando uma contundente colabora-ção para o surgimento de uma organização que, pela primeira vez nahistória econômica mundial, tinha seu foco de ação verdadeiramentevoltado para o problema do desenvolvimento.8

Como primeiro resultado das pressões unctadianas, em 1965, duran-te a Rodada Kennedy, inseriu-se a parte IV no GATT. Nessa novaparte do Acordo Geral ficou reconhecida a necessidade de se prover“condições mais favoráveis e aceitáveis” às exportações de produtosprimários dos países em desenvolvimento, além de acesso ampliado,sob condições favorecidas, aos produtos processados e manufatura-dos pelos países de menor desenvolvimento econômico. Vale ressal-tar que, inicialmente, a parte IV indicava a possibilidade do trata-mento não recíproco, permanecendo, assim, como uma declaraçãode princípios. Tal caráter malformado da não-reciprocidade só seráefetivamente revisado e incorporado ao GATT na Rodada Tóquio,pela Cláusula de Habilitação.

Na Rodada Kennedy, que durou de 1964 a 1967, observou-se a conti-nuação do aprofundamento das concessões tarifárias sobre produtosindustrializados, com participação crescente de países. Mais de ses-senta países participaram da sexta Rodada de negociação do GATT,na qual se acordou uma redução de até 50% (tendo sido 35% efe-tivados) nas tarifas aduaneiras aplicadas sobre produtos industria-lizados, correspondendo a um volume de comércio de cerca deUS$ 40 bilhões. Ademais, iniciou-se a discussão sobre o problemado dumping, empurrada principalmente por interesses dos países de-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

235

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 20: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

senvolvidos, e que resultou no primeiro código antidumping doGATT. Cabe aqui ressaltar que, a partir da Rodada Kennedy, o méto-do de negociação foi mudado para atender à complexidade crescentedo sistema, e talvez a alguns interesses específicos, passando a redu-ção linear de tarifas a ser efetivada como resultado.

Quadro 2

Tarifa Média Mundial, 1947-2000

Ano Período Tarifa média

1947 Estabelecimento do GATT 38%

1962 Pré-Rodada Kennedy 17%

1972 Pós-Rodada Kennedy 9%

1987 Pós-Rodada Tóquio 6%

2000 Pós-Rodada Uruguai 4%

Fonte: OMC (2005a).

Analisando o Quadro 2, podemos observar que, não obstante os per-calços e insatisfações do caminho, o SMC, sob os auspícios doGATT, teve sucesso em seu objetivo de redução tarifária pela viamultilateral negociada. Em 1947, quando da primeira Rodada de ne-gociações multilaterais em Genebra (onde o próprio GATT foi cria-do), a tarifa média mundial era de 38%. A importância da RodadaKennedy de negociações, no que respeita ao processo de queda dastarifas aduaneiras sobre o comércio de bens (fundamentalmente ma-nufaturados), pode ser observada pela redução da tarifa mundial mé-dia de 17%, no período anterior ao lançamento da Rodada, para 9%,alguns anos após a mesma. Sabe-se que a tarifa média mundial é mui-to agregada para se ter uma idéia mais particular sobre o processo deliberalização em setores econômicos; contudo, esse processo nosapresenta, mesmo que genericamente, a tendência observada comrespeito ao nível de liberalização mundial dos fluxos de comércio.

Desse modo, durante a Rodada Kennedy, o SMC passou por mudan-ças significativas, que deram início a uma nova etapa. Tais transfor-

Ivan Tiago Machado Oliveira

236 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 21: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

mações estão fundamentadas tanto na organização dos países em de-senvolvimento na UNCTAD, dando aos mesmos um papel mais ati-vo na construção da ordem econômico-comercial de então, quantono começo de outras modificações internas, que incluem a amplia-ção progressiva dos temas relacionados ao comércio internacionaltratados pelo GATT, como antidumping e comércio de produtosagrícolas, que viriam a ser negociados paulatinamente em rodadasposteriores.

A Rodada Tóquio e a

Rodada Uruguai

O neoprotecionismo e as novas

estratégias negociadoras dos

Estados Unidos

A década de 1970 foi marcada por mudanças substanciais na ordemeconômica internacional. O Sistema de Bretton Woods, construídono imediato pós-guerra, apresentava fragilidades que acarretaram oseu fim, ou pelo menos transformações importantes na forma de ge-rência global das relações monetárias e financeiras entre as nações. Ofim do padrão dólar-ouro, em 1971, e o conseqüente fim do câmbiofixo, em 1973, acabaram por trazer à tona novos desafios ao sistemainternacional, tendo em vista que a configuração monetária que deuao capitalismo mundial condições relativamente estáveis de cresci-mento, entre as décadas de 1950 e 1970, não mais existia.

Somavam-se aos problemas de ordem econômico-monetária aquelesligados ao aumento dos preços do petróleo em 1973, em virtude dochoque de oferta da Organização dos Países Exportadores de Petró-leo (OPEP) e de suas conseqüências sobre o ritmo do crescimentoeconômico mundial, bastante petróleo-intensivo, além da geração demudanças na configuração do mercado financeiro internacional,cada vez mais inundado por petrodólares. Em 1979, com a Revolu-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

237

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 22: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

ção Iraniana, mais uma vez o ouro negro viria a ter seu preço no mer-cado internacional aumentado significativamente, o que acabariapor gerar um quadro recessivo para a economia mundial, com evi-dentes efeitos sobre o comércio internacional.

Ademais, algumas tendências quanto à distribuição do poder econô-mico no mundo, iniciadas nas décadas anteriores, viriam a tomar for-ma mais clara a partir dos anos 1970, modificando substancialmenteo cenário econômico internacional. A ascensão da economia japone-sa e da Europa Ocidental trariam consigo o início da contestação àhegemonia dos EUA nos campos econômico e tecnológico, transfor-mando assim as atitudes e estratégias da política externa norte-ame-ricana, tanto no plano bilateral quanto em negociações multilateraisdo GATT. No que concerne a este último, a nova configuração de for-ças e interesses econômicos no mundo, gerando conseqüentes trans-formações no campo comercial, exigia uma atualização do SMCpara atender a essa nova realidade, que se apresentava cada vez maiscomplexa e ambígua.

Em virtude de tais desdobramentos históricos da economia mundial,a relação entre os EUA e o mundo desenvolvido se modificou. A per-da de competitividade internacional de setores importantes da eco-nomia norte-americana, principalmente em indústrias de alta tecno-logia, e o aumento paulatino dos deficits comerciais dos EUA, a par-tir de meados da década de 1970, fizeram com que esse país deixassede lado posicionamentos mais permissivos em relação tanto ao Japãoquanto à Europa Ocidental. Além disso, tornou-se freqüente o uso denovos mecanismos de proteção comercial destinados àquelas indús-trias nacionais com menor competitividade internacional. Tais me-canismos eram fundamentados em barreiras não tarifárias que visa-vam à redução quantitativa de importações, tais como restrições vo-luntárias de exportações, antidumping, direitos compensatórios, sal-vaguardas etc.

Ivan Tiago Machado Oliveira

238 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 23: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Aflorado esse contexto de neoprotecionismo, os EUA passarão aadotar novas estratégias de negociação no GATT, podendo-se obser-var tal fato de forma mais visível a partir da Rodada Tóquio. Antes,porém, de nos atermos especificamente às novidades da política co-mercial externa dos norte-americanos no SMC, a partir da década de1970, cabe aqui apresentarmos alguns comentários auxiliares sobre aconjuntura comercial internacional e também sobre a política de co-mércio exterior dos EUA.

Como relatado por Ricupero (2002), a teoria da estabilidade hege-mônica, paradigma conceitual dominante nas análises acerca da eco-nomia política das relações internacionais, coloca que “a abertura daeconomia global depende criticamente da presença de um país hege-mônico que possui tanto os motivos quanto os meios para estabeleceruma ordem comercial liberal” (RICUPERO, 2002, p. 9). Dessa for-ma, alguns estudiosos afirmam que a perda relativa da hegemoniaeconômica norte-americana teria feito com que a ordem comercial li-beral do pós-guerra desabasse, estando a prova para tal fato no cres-cente uso de medidas protecionistas por parte dos EUA a partir dosanos 1970.

Embora possamos considerar correta a idéia de que a perda relativada hegemonia da economia dos EUA foi importante fator de fomentoa práticas protecionistas, cabe lembrar que a política de comércio ex-terior de um país não é construída exclusivamente a partir de sua po-sição no cenário internacional. Os condicionamentos e interesses do-mésticos são substancialmente relevantes quando se analisa a posi-ção de uma nação em referência à sua política de comércio exterior,principalmente no caso dos EUA.

O Congresso dos EUA tem a supremacia sobre a política de comércioexterior do país.9 Como apresenta Godinho (2005, p. 19-20):

Não há um “comandante-em-chefe do comér-cio” previsto na Constituição. A clareza com

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

239

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 24: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

que ela atribui a função de regulamentar o co-mércio exterior ao Congresso dá a este a prima-zia neste campo. Qualquer iniciativa presiden-cial só pode concretizar-se com o expresso con-sentimento do Poder Legislativo;10 e, além dis-so, este pode tomar a iniciativa.

Diante de tal configuração de poder e responsabilidades, podemosobservar que no Congresso dos EUA os interesses de grupos econô-micos de pressão estão representados, sendo portanto a influência,ou não, de tais grupos no Capitólio um ponto determinante na cons-trução das posições comerciais dos EUA relativamente aos seus par-ceiros, nos mais diversos setores econômicos. Vale ressaltar que adescentralização das decisões de política comercial nos EUA foi degrande valia para a proteção da economia, desde as políticas de defe-sa das indústrias nascentes até a atualidade, quando alguns setores,como o agrícola, continuam a ter subsídios e proteção tarifária e nãotarifária como barreiras efetivas, que lhes permitem a sobrevivência.

A história da legislação comercial dos EUA deixa clara a crescenteinfluência dos grupos de interesse na definição da política comercialdo país, desde a Lei de Expansão do Comércio de 1962, passandopela Lei de Comércio de 1974 e pela Lei de Comércio e Tarifa de1984, até a Lei Omnibus de Comércio e Competitividade, de 1988.Com o passar do tempo, as demandas protecionistas tornam-se maissofisticadas no sentido de que buscam, por meio de novos mecanis-mos, a criação de instrumentos efetivos para responder às supostaspráticas desleais dos parceiros comerciais dos EUA. É justamente nes-se processo de mudança das posições protecionistas que veremos osnorte-americanos iniciarem o uso de novas estratégias negociadoras.

Dias (1996) apresenta, de forma sucinta, esse novo comportamentoda potência econômica do mundo capitalista relativamente às nego-ciações comerciais, indicando a mudança em dois importantes con-ceitos negociadores. A autora coloca que:

Ivan Tiago Machado Oliveira

240 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 25: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

A partir da Rodada Tóquio (1973-1979), osEstados Unidos começaram a utilizar dois no-vos conceitos negociadores, cujo significadofoi explicitado ao longo dos últimos anos, tor-nando-se, com o tempo, mais evidente a suacontradição com o contexto de liberalização docomércio. Primeiro, a noção de livre comérciofoi substituída pela de comércio “eqüitativo”(fair trade), e a noção de reciprocidade efetivano acesso a mercados, em termos de resultados,substituiu a reciprocidade anterior, associadaà igualdade de oportunidades. (DIAS, 1996,p. 61).

Esses novos conceitos se afastam de vez da idéia de liberalismo ad-ministrado, qualificação do marco institucional do comércio interna-cional, vislumbrado no GATT pela Cláusula da NMF e da reciproci-dade anterior, aproximando-se assim da idéia de comércio adminis-trado, conceito ligado a uma visão em que os governos atuam no âm-bito internacional no sentido de dividir mercados entre suas empre-sas, de forma mutuamente satisfatória.

Tais mudanças de posicionamento dos EUA trouxeram consigo umpotencial de conflito de interesses mais significativo dentro doGATT. Como aborda Abreu (1998, p. 6):

Na Rodada Tóquio (1973-1979) pela primeiravez houve um conflito evidente entre os maisadiantados países em desenvolvimento, como oBrasil, e os Estados Unidos, na busca de reci-procidade em termos de concessões concretas.

Assim, o cenário internacional no qual a Rodada Tóquio acontece ébastante distinto daqueles nos quais as rodadas anteriores foram ne-gociadas. Além das modificações estruturais ocorridas no mundo de-senvolvido, que acabaram, em conjunto com outros fatores, por levaros EUA a realizar mudanças importantes em sua estratégia de políti-ca comercial, os anos 1970 assistiram ao ponto alto da tendência re-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

241

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 26: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

formadora da agenda econômica internacional, por parte dos paísesem desenvolvimento.

Esse novo contexto participativo dos países da periferia do sistemainternacional pôde ser vislumbrado na aprovação sucessiva, nas as-sembléias da ONU ou de seus órgãos subsidiários (Conselho Econô-mico e Social das Nações Unidas (em inglês, Economic and SocialCouncil (Ecosoc)) e UNCTAD), de resoluções ou declarações sobrea Nova Ordem Econômica Internacional, ordem essa que teria comoobjetivo primordial dar mais vez e voz aos países em desenvolvimen-to, trazendo a questão do desenvolvimento econômico e da eqüidadedo poder mundial para o centro das discussões.11 Os países em de-senvolvimento continuavam, pois, sua ofensiva pelo estabelecimen-to de regras diferenciais e tratamento mais favorável, ao passo que ospaíses desenvolvidos eram convidados a estender cada vez mais con-cessões unilaterais e sem caráter de reciprocidade em benefício dosprimeiros.

O Sistema Generalizado de Preferências (SGP), criado na IIUNCTAD, em 1968, que traduzia a derrogação, na prática, do princí-pio da reciprocidade do SMC, foi autorizado pelo GATT em 1971.Os países em desenvolvimento tentaram, na Rodada Tóquio, institu-cionalizar de forma permanente o SGP no GATT.

Por intermédio da Enabling Clause (Cláusula de Habilitação), adota-da ao fim da Rodada Tóquio, o princípio da não-reciprocidade tomaforma explícita e efetiva. Desse modo, a declaração de princípios re-lativa à parte IV do Acordo Geral, introduzida na Rodada Kennedy,passa a fazer parte do quadro legal do GATT como um mecanismo detratamento especial aos países em desenvolvimento. A Cláusula deHabilitação deixa claro que:

Os países desenvolvidos não esperam que ospaíses em desenvolvimento aportem, no cursodas negociações comerciais, contribuições in-

Ivan Tiago Machado Oliveira

242 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 27: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

compatíveis com as necessidades de desenvol-vimento, das finanças ou do comércio de cadaum dos países. As partes contratantes desenvol-vidas não procurarão alcançar, e as partes con-tratantes menos desenvolvidas não serão obri-gadas a acordar, concessões incompatíveis comas necessidades de desenvolvimento, de finan-ças e de comércio destas últimas. (CLÁUSU-LA DE HABILITAÇÃO, parágrafo 5 apudALMEIDA, 2004, p. 123).

Embora os países em desenvolvimento tenham trabalhado com em-penho para a instituição do SGP em bases permanentes, suas deman-das não foram atendidas. O SGP foi, sim, aprovado, porém em basetemporária, sujeito à graduação. Sobre esse aspecto, Paulo Robertode Almeida (2004, p. 119) coloca que no SMC:

Na prática, aceita-se uma série de derrogaçõesao princípio da NMF, sem que isso se traduza naletra da lei, esperando os países desenvolvidosum “retorno gradual” das partes menos desen-volvidas ao sistema jurídico consolidado (gra-duação), isto é, a aplicação da igualdade de di-reitos e obrigações que está na base do AcordoGeral de 1947.

Mais de cem países participaram das negociações da Rodada Tó-quio, que levaram a uma redução da tarifa média sobre produtos ma-nufaturados em cerca de 30%, representando um comércio global deUS$ 300 bilhões.12 Ademais, houve a elaboração de códigos regula-dores com respeito a algumas barreiras não tarifárias, como comprasgovernamentais, subsídios e direitos compensatórios, antidumping,valoração aduaneira etc. Tais códigos eram assinados somente poraqueles países que tivessem interesse em fechar acordos em áreas es-pecíficas cobertas pelos códigos, sendo, pois, de participação volun-tária, o que os colocava fora da estrutura formal do GATT. Um pontointeressante a ser abordado é que cada um desses códigos trazia con-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

243

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 28: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

sigo regras para a resolução de controvérsias relativas aos temas deque tratavam. Assim, a resolução dessas disputas poderia não estarentre as atribuições do sistema de controvérsias do GATT, sistemaesse que foi revisado, com a aprovação de novas regras de solução,na Rodada Tóquio, mas permaneciam sem um aparato de enforce-ment poderoso e eficaz.

Provavelmente o fruto mais importante gerado na Rodada foi a refor-ma do GATT, com a incorporação efetiva de um tratamento diferen-cial e mais favorável para países em desenvolvimento, por meio daEnabling Clause (Cláusula de Habilitação). Entretanto, mesmo coma criação do tratamento diferenciado, os “países periféricos” não vi-ram suas demandas totalmente atendidas, tendo em vista que não seconseguiu chegar a um resultado nas negociações na área agrícola etambém na questão de salvaguardas durante a Rodada. Ademais, ospaíses desenvolvidos ficaram frustrados com o pequeno número depaíses em desenvolvimento que subscreveram os códigos.

Os resultados efetivos da Rodada Tóquio em relação às barreiras nãotarifárias foram pouco significativos. Segundo Rêgo (1996), o suces-so apenas relativo de tais negociações em relação a questões não tari-fárias se deveu a dois fatores, quais sejam: “o sucesso das negocia-ções quanto à redução das tarifas para níveis baixos e as recessõeseconômicas dos anos 70 e início dos anos 80 (desencadeadas, emparte, pelos dois choques de petróleo)” (RÊGO, 1996, p. 8). Tais fa-tores fomentaram a criação, nos países desenvolvidos, como já foiaqui abordado, de novas formas de proteção para os setores mais sig-nificativamente prejudicados pela competição internacional.

Ao final da Rodada Tóquio, os descontentamentos, tanto dos paísesem desenvolvimento quanto daqueles desenvolvidos, foram inseri-dos em um programa de trabalho que viria a ser lançado na reuniãoministerial do GATT, em Genebra, em 1982. Já nessa reunião minis-terial os EUA tentaram o lançamento de uma nova Rodada de negoci-

Ivan Tiago Machado Oliveira

244 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 29: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

ações multilaterais que englobasse novos temas ligados à harmoni-zação de políticas públicas em âmbito global. Contudo, a resistênciados países em desenvolvimento, com o apoio da Comunidade Euro-péia, falou mais alto naquele momento. Na ocasião, a diplomaciaeconômica brasileira desempenhou papel importante enquanto lide-rança dos países em desenvolvimento, conjuntamente com a Índia,opondo-se firmemente à inclusão de novos temas, como serviços, naagenda negociadora do GATT. Os países em desenvolvimento viamcomo fundamental a resolução de questões pendentes em um primei-ro momento, para depois pensar na inclusão de novas demandas e nolançamento de uma nova Rodada multilateral de negociações. Comocoloca Feliciano de Sá Guimarães (2005, p. 105):

No início da década de 80 a posição do G5 (Bra-sil, Índia, Argentina, Iugoslávia e Egito) noGATT, antes de apoiar o lançamento de umanova Rodada, era a de solucionar algumas lacu-nas dos acordos firmados na Rodada anterior.Os temas defendidos em 1982 eram: assegurara implementação dos códigos da Rodada Tó-quio antes do lançamento de uma nova; não ini-ciar outra Rodada sem antes resolver satisfato-riamente velhas questões (agricultura e têxteis);obter dos países desenvolvidos a garantia deque os mesmos não aumentariam as tarifas nocurso da negociação (standstill); alcançar aabolição de todas as práticas comerciais quefossem contra as regras do GATT antes do lan-çamento da Rodada (rollback), e não discutir osnovos temas enquanto os antigos não fossemresolvidos.

A importância dos novos temas para os EUA deriva de fatores atrela-dos tanto à ordem política internacional quanto às questões relacio-nadas a problemas econômicos internos. A apreciação do dólar du-rante a década de 1980 fez com que diversos setores da economianorte-americana ficassem expostos a maior concorrência com pro-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

245

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 30: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

dutos importados. Tal fato acabou por ter efeitos importantes nascontas externas dos EUA. O deficit comercial do país iniciou umatrajetória de rápida deterioração, chegando em 1987 a superar US$150 bilhões, um recorde na época. Enquanto isso, o Japão e a Alema-nha seguiam apresentando os maiores superavits comerciais domundo.

No que diz respeito à política internacional, a Guerra Fria entrava noocaso na década de 1980, com a URSS iniciando suas reformas, tan-to no plano político quanto no econômico. Essa conjuntura permi-tiu aos EUA colocar seus interesses puramente econômicos acimadaqueles relacionados à geopolítica, dando espaço para a grande po-tência capitalista usar, de forma mais aberta e tranqüila, o seu marketpower como elemento de pressão, de ameaça e de possíveis retalia-ções contra seus parceiros comerciais na busca de mercados parasuas empresas.

É justamente a partir dos anos 1980 que os EUA irão, a exemplo doque já vinha fazendo a Comunidade Européia, iniciar a negociaçãode acordos bilaterais de comércio, como o primeiro acordo com Isra-el, em 1985. Por meio desses acordos, os EUA esperavam conseguirnegociar de forma mais benéfica para seus interesses pontos contro-versos que, em uma negociação multilateral, seriam aprovados commaior dificuldade. O jogo comercial bilateral, tête-à-tête, colocava amaior potência econômica do mundo em clara vantagem negociado-ra.13

As mudanças na estratégia dos EUA perante o GATT, juntamentecom a crescente bilateralização das negociações comerciais comseus parceiros, levam à criação de um ambiente paradoxal no SMC.Os países em desenvolvimento vêem-se na necessidade de defendero multilateralismo comercial, sem, contudo, possuírem poder políti-co suficiente para dar legitimidade ao sistema. Com o Brasil não foidiferente. Ocorre, assim, uma mudança no posicionamento do Brasil

Ivan Tiago Machado Oliveira

246 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 31: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

relativamente ao SMC. O país passa a atuar de forma mais efetiva nadefesa do SMC e seus princípios legais, deixando de lado antigas po-sições defensivas em relação aos acordos multilaterais. A seguintefrase de Lacordaire resume bem a atuação da diplomacia brasileirana defesa do multilateralismo comercial: “Entre o forte e o fraco, en-tre o rico e o pobre, entre o mestre e o servo, é a liberdade que oprimee a lei que liberta”. O Brasil tinha, pois, na defesa do SMC fundamen-tada no direito, a possibilidade de restrição do exercício do poder e daarbitrariedade pelas potências mundiais, especialmente pelos EUA.

Como apresentado anteriormente, quando se falou da teoria da esta-bilidade hegemônica, os EUA só tiveram capacidade de fazer o papeldo hegemon na cena internacional nas primeiras décadas do pós-guerra. A partir dos anos 1970 e, principalmente, nos anos 1980, osEUA passaram a apresentar estratégias de negociação nas quais bus-cavam de forma mercantilista mercados para seus produtos e prote-ção para suas indústrias menos competitivas. Nesse contexto, ini-cia-se no SMC uma verdadeira caça aos free riders (caroneiros). Oscaroneiros eram, fundamentalmente, os países em desenvolvimentoque participavam do SMC defensivamente, e tiravam proveito da li-beralização multilateral acertada entre os países desenvolvidos. Naoitava Rodada de negociações do GATT, a caça aos free riders serádefinitiva, e os países em desenvolvimento terão de se comprometercom a abertura gradual de suas economias ao comércio internacionalem diversos setores.14

Para Baumann et al. (2004), a postura de free rider do Brasil nas ne-gociações comerciais acabou por gerar três conseqüências mais im-portantes, quais sejam: 1) ampliação do acesso aos principais merca-dos; 2) geração de crescente desconfiança por parte dos parceiros co-merciais; e 3) enorme postergação da tomada de consciência, porparte dos agentes econômicos nacionais, da importância das negoci-ações multilaterais (BAUMANN et al., 2004, p. 176).

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

247

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 32: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Esse complexo quadro de interesses, pressões e mudanças estratégi-

cas entre os mais diversos países do mundo capitalista se fez presente

nos trabalhos preparatórios ao lançamento de mais uma Rodada de

negociações do GATT. Vale acrescentar que, na década de 1980, ob-

servamos uma crise do sistema financeiro internacional que acabou

por assolar, primeiramente, o México, em 1982 e, posteriormente,

outros países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, em 1987. Os

EUA fizeram uso dessa fragilidade e vulnerabilidade das economias

em desenvolvimento para exercer pressões no sentido de levar adian-

te o lançamento de uma nova Rodada no GATT, na qual novos temas

seriam inseridos.15

O consenso necessário para o lançamento de uma nova Rodada

de negociações no GATT só foi alcançado na reunião ministerial de

Punta del Este, no Uruguai, em setembro de 1986.16 Ficou acordado,

então, que tanto temas pendentes (como agricultura, têxteis, subsí-

dios) quanto novos temas (como serviços, propriedade intelectual,

investimentos) seriam negociados. Contudo, as negociações de bens

e serviços seriam realizadas de forma separada, atendendo a deman-

das do G-10 e de alguns outros países em desenvolvimento. Um

fato importante que vem a acontecer na Rodada Uruguai é a idéia do

single undertaking nas negociações do comércio de bens, na qual o

país ou aceitaria todos os dispositivos negociados ou nada. Esse as-

pecto traz uma diferença substancial da Rodada Uruguai em relação

às rodadas anteriores, tendo em vista que nelas era possível que um

país aceitasse determinados acordos em certas áreas e refutasse ou-

tros que não lhe parecessem benéficos.17 Destarte, o mandato nego-

ciador da Rodada Uruguai comprometia-se a realizar a mais ampla e

complexa negociação multilateral da história. A previsão inicial era a

de que a Rodada duraria quatro anos, porém a complexidade das ne-

gociações fez com que os trabalhos da Rodada durassem pratica-

mente o dobro.

Ivan Tiago Machado Oliveira

248 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 33: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Um importante fato, que viria a influir de forma significativa nos ru-mos da Rodada Uruguai, acontece em 1988 nos EUA. O presidenteReagan assina o Omnibus Trade and Competitiveness Act, que dáao Executivo o poder de negociar a Rodada Uruguai sob os auspí-cios do fast-track e, ao mesmo tempo, reforça o uso da seção 301.18

Sobre esta última lei e as mudanças dela decorrentes, Godinho(2005, p. 24) traça comentários esclarecedores:

Esta lei reforçou os poderes do USTR [UnitedStates Trade Representative; em português, Re-presentante Comercial dos Estados Unidos] aotransferir, do presidente para este órgão, o po-der de aplicar sanções de retaliação aos paísesque incorressem em “práticas comerciais injus-tas”. Ainda que a lei faculte ao presidente aboliras sanções por razões econômicas ou de segu-rança, o fato é que ela torna as sanções muitomais comuns, já que o presidente teria de arcarcom o custo político de cancelar uma sanção jáaprovada pelo USTR e provavelmente defendi-da por interesses privados. A outra mudança foia famigerada “Seção Super 301”, criada porcausa da preocupação com os excessivos défi-cits comerciais. A medida ordenava ao USTRelaborar, em prazo de tempo estipulado, umalista de países que ofereciam barreiras injustasaos produtos norte-americanos e cuja remoçãoera “prioritária” para os interesses comerciaisdos EUA. Com base nesta lista, a Super 301 or-denava então que se procedesse a negociaçõesbilaterais com os países citados para remover asbarreiras; ou, caso a tentativa não fosse bem su-cedida, que se considerasse a aplicação de san-ções às exportações daquele país para os Esta-dos Unidos.

A “Super Seção 301” trouxe consigo uma importante novidade. Seufoco, diferentemente das tradicionais medidas antidumping, não es-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

249

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 34: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

tava nas exportações dos países para os EUA, mas, sim, nas barreirasexistentes contra os produtos exportados pelos EUA para o mundo,fundamentalmente para o Japão, que vinha acumulando grandes su-peravits comerciais e ganhando terreno no comércio mundial.19

A Rodada Uruguai seguiu, pois, em um contexto em que a principalpotência econômica mundial indicava que faria claramente uso deseu “estoque de poder” para levar adiante seus interesses no processonegociador multilateral. Em dezembro de 1988, na reunião ministe-rial de Montreal, acordos preliminares foram alcançados em produ-tos tropicais, têxteis, propriedade intelectual, salvaguardas, melhoriano mecanismo de solução de controvérsias, além de um acordo-basena área de serviços. No entanto, o impasse na área agrícola, que se co-locou como tema mais complexo desde o início das negociações,continuou.20

As negociações agrícolas, embora o Grupo de Cairns21 tenha tentadoparticipar de forma ativa, tomaram forma de discussão bilateral, en-tre os EUA e a Comunidade Européia, sobre o processo de liberaliza-ção do comércio desse setor e a redução dos subsídios internos. OsEUA mantiveram uma posição mais agressiva em relação a essetema, tendo em mente a possibilidade de aumentar suas exportaçõesagrícolas para o velho continente, enquanto a Europa defendia firme-memente sua política de proteção e subsídios. A Europa comunitáriabarganhava, pois, com os EUA, o acesso a mercados em troca docompromisso americano de não questionar sua Política Agrícola Co-mum (PAC) no GATT.

Somente em 1992 a agricultura propiciou o encaminhamento da Ro-dada Uruguai. Os EUA e a Comunidade Européia estabeleceram oBlair House Accord, no qual existia a Cláusula da Paz, em que se de-terminava a inclusão das disciplinas agrícolas até então negociadaspelas grandes potências, ficando as demais partes contratantes doGATT impedidas de mover qualquer ação acerca de eventuais distor-

Ivan Tiago Machado Oliveira

250 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 35: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

ções do comércio agrícola no sistema de solução de controvérsias até2003. Destarte, as demandas do Grupo de Cairns relacionadas à di-minuição substancial dos subsídios, preços administrados e aumentodas importações não foram consideradas.

Depois de idas e vindas, as negociações da Rodada Uruguai foram fi-nalmente concluídas em dezembro de 1993, em Genebra. Permane-ceram, contudo, em aberto, algumas questões mais controversas,para as quais não se conseguiu “consenso” para fechar as negocia-ções dentro da Rodada, como aquelas relativas ao comércio de pro-dutos audiovisuais, à abertura do setor financeiro, a cláusulas sociaise ambientais, tendo as partes contratantes assumido o compromissode continuar as discussões a respeito nos anos seguintes.

Em abril de 1994, os representantes das partes contratantes doGATT assinam a Ata Final da Rodada Uruguai, em Marraqueche.Provavelmente, a principal novidade trazida pela Ata foi a criação,em bases concretas, da Organização Mundial do Comércio (OMC),primeira instituição, de fato, responsável pelo trato das questões rela-tivas ao comércio internacional. Fechava-se, assim, uma lacuna nun-ca muito bem preenchida na ordem internacional do pós-guerra,quando a OIC não entrou em funcionamento.22 Sobre os resultadosfinais da Rodada Uruguai, Lampreia (1995, p. 247) coloca:

O conjunto de textos de instrumentos legais ne-gociados desde o lançamento da Rodada, emsetembro de 1986, apresenta-se na Ata Finalsob a forma de anexos ao Acordo que cria aOrganização Mundial de Comércio (WTO),que não fora prevista em Punta del Este, mascuja constituição foi julgada necessária parafins de abrigar, dentro de uma única moldurainstitucional: o Acordo Geral sobre Tarifas eComércio, tal como modificado pela RodadaUruguai (GATT); todos os acordos e arranjosconcluídos desde 1947 sob os auspícios do

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

251

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 36: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

mesmo GATT; e os resultados completos da re-cém-concluída Rodada.

De forma resumida, os principais resultados da última Rodada de ne-gociações do velho GATT foram os seguintes:23 1) acordou-se umcorte médio nas tarifas internacionais, de 37%; 2) no que concerneaos produtos industrializados, os países desenvolvidos concordaramem reduzir em 49% suas tarifas (de 6,3% para 3,8%, em média); 3) otema agrícola foi finalmente inserido no SMC, sendo o Acordo sobreAgricultura (no qual normas e compromissos concernentes ao aces-so a mercados, ajuda interna e subsídios às exportações foram esta-belecidos) um importante marco para as negociações agrícolas naOMC. Além disso, foi acordada a tarificação de todas as barreirasnão tarifárias sobre mais de 30% da produção agrícola, devendo oscortes sobre as tarifas resultantes ser de 36%, para os países desen-volvidos, e de 24%, para aqueles em desenvolvimento, em um perío-do de seis e dez anos, respectivamente, a partir de 1995; 4) o setor detêxteis também foi incorporado ao SMC, devendo o Acordo Multifi-bras ser eliminado em dez anos, até 2005;24 5) ocorreu uma amplia-ção das linhas alfandegárias consolidadas no SMC, de 78% para99%, no caso dos países desenvolvidos, e de 21% para 73%, relativa-mente aos países em desenvolvimento;25 6) o setor de serviços tam-bém foi inserido no sistema, sendo acordado um código de regula-mentação para o setor, o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços(em inglês, General Agreement on Trade in Services (GATS)); 7) ne-gociou-se também o Acordo sobre os Direitos de Propriedade Inte-lectual Relacionados com o Comércio (em inglês, Trade RelatedIntellectual Property Rights (TRIPS)); 8) houve um aprimoramentodos mecanismos de defesa comercial, por meio do Acordo sobre Sal-vaguardas e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias;e, finalmente, 9) criou-se um novo sistema de solução de controvérsi-as comerciais, essencial como mecanismo efetivo de enforcement daOMC.

Ivan Tiago Machado Oliveira

252 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 37: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Quase cinqüenta anos depois da tentativa de criação da natimorta OIC,o mundo comercial construía as bases, pela via multilateral, para a edi-ficação de uma “nova” ordem comercial internacional, fundamentadano direito e com mecanismos que davam caráter impositivo às deci-sões tomadas multilateralmente. Embora seja possível que se faça umarelativização do poder efetivo da OMC enquanto marco jurídico inter-nacional, é ululante a importância do papel que tal instituição veio adesempenhar, desde a sua criação, em um cenário internacional mar-cado pelo incremento substancial das trocas comerciais.

Da Criação da OMC à

Rodada do

Desenvolvimento

Antes de realizarmos uma análise das modificações ocorridas noSMC com a entrada em cena da OMC, assim como de sua trajetóriadurante a última década do século XX, é interessante que façamosuma avaliação honesta, ainda que relativamente rápida e superficial,dos impactos que o processo de liberalização comercial pela via mul-tilateral ajudou a gerar sobre os fluxos mundiais de comércio, auxi-liando, desse modo, o crescimento da economia mundial.

O Gráfico 1 nos traz uma clara amostra da trajetória de crescimentodo comércio e produção mundiais de bens. Tomando o ano de 1950como ano-base, observaremos que o crescimento do volume das ex-portações mundiais de bens tenderá a manter um crescimento maiordo que aquele ocorrido no volume da produção mundial de bens. Taldiferença entre o crescimento do comércio e a produção mundial co-meçou a se tornar mais evidente nas décadas de 1970 e 1980. Contu-do, é a partir da década de 1990 que a diferença entre o crescimentoobservado no comércio de bens e aquele da produção dos mesmosserá alargada de forma significativa.

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

253

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 38: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Acreditamos que um conjunto de fatores complementares deva serlevado em conta quando da análise das estatísticas acima apresenta-das, entre eles o papel desempenhado pelo GATT na retirada dos gra-vames ao comércio internacional. Evidentemente as políticas de re-cuperação econômica do pós-guerra, de cunho fundamentalmentekeynesiano, tiveram importante impacto na geração de renda e co-mércio no mundo. Entretanto, vale a pena lembrar que a queda pro-gressiva das barreiras aos produtos industrializados, negociada mul-tilateralmente, acabou ampliando as áreas de contato econômico-co-mercial entre as nações do mundo, principalmente entre a Europa eos EUA, em um primeiro momento.26

Ademais, especialmente na década de 1990, quando os efeitos daRodada Uruguai começam a ser sentidos, as iniciativas minilatera-listas (tanto bilaterais quanto regionais) de realização de acordos vi-sando à liberalização do comércio internacional, seguidas por diver-sos países (dentre eles os EUA), vieram a auxiliar no rigoroso incre-mento das trocas internacionais. O que o Gráfico 1 deixa claro é que

Ivan Tiago Machado Oliveira

254 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

(1950-2004) / 1950=100

-300

200

700

1200

1700

2200

2700

19

50

19

53

19

56

19

59

19

62

19

65

19

68

19

71

19

74

19

77

19

80

19

83

19

86

19

89

19

92

19

95

19

98

20

01

20

04

Crescimento da exportação mundial de bens (1950=100)

Crescimento da produção mundial de bens (1950=100)

Gráfico 1

Crescimento do Volume da Produção e Exportação Mundiais de Bens(1950-2004)/1950 = 100

Fonte: OMC (2005b).

Page 39: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

uma parte cada vez mais significativa do produto mundial passou aser gerado pelas exportações, denotando com evidência o aumentoda interdependência econômico-comercial no mundo.

Falando de regionalismo, é importante relembrar que tais acordosminilateralistas sempre foram identificados como sendo um desafioao SMC. Para uns, o regionalismo poderia vir a ferir a tendência glo-balizante do capitalismo, observada de forma mais clara no momen-to atual, e a descaracterizar o processo multilateral de liberalizaçãocomercial. Para outros, o regionalismo é visto como auxiliar no pro-cesso de abertura comercial no mundo. De toda forma, como ressaltaPaulo Roberto de Almeida (2005, p. 3), é fato que:

A construção normativa do sistema multilateralde comércio registrou, de certo modo, uma evo-lução paradoxal. De um lado, houve o reforçodos princípios tradicionais de nação mais favo-recida, de tratamento nacional, de reciprocida-de, de transparência e de igualdade de direitos ede obrigações, este último temperado parcial-mente pelo tratamento diferencial e mais favo-rável para as partes contratantes menos desen-volvidas. De outro, ocorreu o aprofundamentoe a disseminação dos esquemas minilateralistase dos arranjos geograficamente restritos, ofen-dendo a primeira dessas cláusulas, a de NMF.

É claro que o regionalismo não é, fundamentalmente, um movimentoatual. O próprio Benelux, criado em 1947, e a Comunidade Européia,em 1957, além de diversos mecanismos de integração regional cria-dos por países em desenvolvimento na década de 1960, atestam talfato. Contudo, a última década do século passado será marcada pelaexpansão gigantesca desse tipo de acordo comercial entre nações.Segundo dados da OMC, apresentados por Oatley (2003, p. 22), exis-tiam em vigor, em 2001, aproximadamente 134 acordos regionais decomércio. Desse total, noventa foram assinados entre os anos 1991 e

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

255

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 40: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

2001.27 Assim, como conclui Paulo Roberto de Almeida (2005) aofalar dos acordos regionais de comércio disseminados por toda aAmérica (a exemplo do North American Free Trade Agreement(NAFTA)), do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações (CAN)etc.):

Esses exemplos americanos, ao lado da estra-tégia assistencialista desenvolvida pela UE[União Européia] em direção da clientela peri-férica dos países de menor desenvolvimento re-lativo – os PMDRs, do chamado grupo ACP[países da África, Caribe e Pacífico] –, configu-ram, portanto, a confirmação cabal de que omultilateralismo atual tem de conviver com umregionalismo disforme, oportunista e basica-mente disfuncional em relação aos princípiosdo sistema econômico multilateral definido noimediato pós-Segunda Guerra. Provavelmenteele terá de enfrentar uma longa travessia do de-serto antes de reencontrar terreno mais favorá-vel para seu florescimento e expansão.(ALMEIDA, 2005, p. 12).

É nesse contexto que entra em atividade, em 1995, a OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC), institucionalizando a regulação co-mercial mundial. A OMC tem como princípios basilares aquelesmesmos que davam suporte ao “velho” SMC, sob os auspícios doGATT 47, quais sejam: não-discriminação (Cláusula da NMF), reci-procidade e tratamento nacional. Além disso, o quadro legal que sus-tenta o SGP foi mantido no “novo” sistema.

Entre as funções capitais da OMC está a de ser o organismo adminis-trador, tanto de acordos multilaterais, como o GATT 94, GATS,TRIPS, quanto dos plurilaterais, relacionados ao comércio de aero-naves civis, compras governamentais, comércio e produtos lácteos ede carne bovina. Ademais, a Organização serve como um fórum per-manente para negociações multilaterais internacionais e também

Ivan Tiago Machado Oliveira

256 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 41: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

como organismo imbuído de capacidade jurídica para a resolução dedesavenças comerciais entre seus membros, por meio do Órgão deSolução de Controvérsias. É justamente o maior poder efetivo, fun-damentado no Direito Internacional, do sistema de resolução de con-flitos existente na OMC que se coloca como ponto fundamental dedistinção, relativamente ao “velho” sistema GATT.28 Tal aspectotraz consigo a conformação de um sistema caracterizado por ser maisrule-oriented (orientado por regras), dando maior efetividade e legi-timidade ao SMC.

No entanto, vale frisar que, mesmo com um sistema de solução decontrovérsias mais eficaz e poderoso, por vezes será observado queprincipalmente as grandes potências terão algum espaço, ainda que“ilegal”, para o uso de seus “estoques de poder” no descumprimentode compromissos assumidos multilateralmente, o que denota a com-plexidade da interação entre as nações, quando tentam construir re-gras gerais e objetivas para gerir suas trocas materiais. Sobre essefato, Lima (2004, p. 36) coloca:

Os países não se desfazem da sua autonomiavoluntariamente e as regras que compõem o sis-tema raramente são auto-executáveis. Em vezde criar uma lei para controlar o comportamen-to dos Estados, as instituições internacionaisservem para estabelecer expectativas a respeitodo comportamento de outras nações.

A OMC tem, no topo da estrutura funcional, a Conferência Ministe-rial, na qual os representantes de todos os seus membros se reúnempelo menos uma vez a cada dois anos, podendo deliberar sobre qual-quer assunto relacionado aos acordos multilaterais de comércio. Nointervalo das reuniões ministeriais, os trabalhos da OMC são realiza-dos por diversos órgãos, sendo o principal deles o Conselho Geral, aoqual estão subordinados o Conselho para Comércio de Mercadorias,o Conselho para Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

257

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 42: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

com o Comércio e o Conselho para Comércio de Serviços.29 Aos di-versos conselhos que estão subordinados ao Conselho Geral, por suavez, ficam subordinados numerosos outros grupos de trabalho e co-mitês. Ademais, existem outros quatro comitês responsáveis por as-suntos relacionados com as temáticas: comércio e meio ambiente,comércio e desenvolvimento, restrições de balanço de pagamentos, eadministração e orçamento da OMC.

Na primeira reunião ministerial da OMC, realizada em Cingapuraem 1996, foram iniciadas negociações sobre novos temas dentro daagenda da Organização, como comércio e investimento, comércio ecompetição, transparência nas compras governamentais e facilitaçãode comércio, seguindo o que fora acordado ao fim da Rodada Uru-guai. Já na reunião de Cingapura, por iniciativa liderada pela UE, foiproposto o lançamento de uma nova Rodada de negociações multila-terais, que tivesse como foco os temas acima referidos. Entretanto, aoposição consistente de diversos países em desenvolvimento, entreeles o Brasil, fez com que tal proposta fosse adiada. Ademais, os paí-ses em desenvolvimento levaram a cabo um conjunto de proposiçõesque visava tentar resolver os muitos problemas que ainda persistiamrelativamente à implementação do acordado na Rodada Uruguai,principalmente naqueles setores que mais lhes eram benéficos, comoo agrícola e o têxtil.30

Reunidos em Seattle, nos EUA, em 1999, os ministros dos paí-ses-membros da OMC tentaram pavimentar o caminho para o lança-mento da então chamada Rodada do Milênio. Contudo, por fatoresdiversos, impasses foram criados e a reunião resultou em um retum-bante fracasso.31 Como elementos capitais na geração de tal fracas-so, podemos destacar a falta de efetiva motivação política e de con-senso, entre os atores internacionais mais poderosos, quanto à agen-da a ser negociada. Por um lado, os EUA tentavam avançar na abertu-ra do setor de serviços, movimento iniciado na década de 1980, noqual se observa a liberalização dos serviços como mecanismo a ser

Ivan Tiago Machado Oliveira

258 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 43: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

usado na tentativa de melhora das contas externas do país. Já o Japãoe a Europa, sabendo que uma nova Rodada puxaria necessariamenteo tema agrícola para o centro das discussões, queriam ampliar as ne-gociações na área de investimentos e concorrência, temas que lheseram mais convenientes.32

Cabe aqui apresentar, de forma sucinta, algumas modificações ocor-ridas na posição da diplomacia econômica brasileira no decorrer dadécada de 1990, relativamente ao SMC. As próprias transformaçõesda economia, com a abertura comercial iniciada no início dos anos1990, atuaram sobre o posicionamento do país diante das negocia-ções internacionais. A diplomacia toma um tom mais liberal, não dei-xando de ter, pelo menos retoricamente, o objetivo primordial de serelemento auxiliar na busca pelo desenvolvimento econômico brasi-leiro. A construção do Mercosul também influenciou o trato diplo-mático do Brasil no mundo, passando o país a ter de harmonizar inte-resses dentro do bloco para seguir adiante nas negociações de libera-lização pela via multilateral.

É importante lembrar que muitos países em desenvolvimento conti-nuam a manifestar freqüente descontentamento com as mudanças sómarginais nas normas internacionais de comércio relativas aos seto-res em que possuem maior competitividade, desde o GATT-1947 atéa atualidade. Mesmo existindo um arcabouço de medidas que buscadar maior proteção aos países em desenvolvimento dentro da OMC,a insatisfação torna-se clara e fundamentada quando os principaisprodutos exportados pelos mesmos encontram significativas barrei-ras de entrada nos mais diversos mercados mundiais, sejam elas liga-das a picos e escaladas tarifárias, ou a quotas, barreiras fitossanitáriasetc.

Para alguns, como Gonçalves (2003a), a falta de democracia no SMCleva à elaboração de agendas que interessam aos países desenvolvi-dos. Assim, muitos vêem a OMC como uma instituição usada pelos

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

259

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 44: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

países fortes como instrumento de política externa. Destarte, os paí-ses em desenvolvimento vêm apresentando especial interesse emmodificar, no âmbito da OMC, normas e fundamentos das negocia-ções, tendo em vista um maior foco no desenvolvimento, o que deno-ta uma volta aos fundamentos da Carta de Havana, pensada há quasecinqüenta anos atrás.

Tentando conciliar os interesses de países em desenvolvimento(Grupo de Cairns, entre outros) com aqueles dos países desenvolvi-dos (EUA, os da UE e Japão), ocorre em Doha, no Catar, a quarta reu-nião ministerial da OMC. É importante lembrar que os trabalhos po-lítico-diplomáticos em Doha, em novembro de 2001, ocorreram emuma conjuntura em que os traumas dos ataques terroristas aos EUAestavam muito presentes, e a economia mundial não andava muitobem, existindo grande incerteza acerca do seu desempenho futuro.Destarte, o mundo pressionava pela emissão de sinais positivos pelaOMC, tendo em vista que um novo fracasso nas negociações emDoha poderia trazer mais trevas ao cenário mundial, já bastante nega-tivo. Ao final do encontro, a Declaração Ministerial de Doha lançouum documento repleto de “ambigüidades construtivas”, que coloca-vam a questão das concessões às preocupações dos países em desen-volvimento como ponto primordial a ser discutido. Estava lançada anova Rodada de negociações multilaterais da OMC: a Rodada doDesenvolvimento.

A Rodada Doha:

Expectativas, Desafios e

Oportunidades

O SMC, seguindo o processo histórico-evolutivo descrito anterior-mente, chega ao século XXI com uma nova roupagem, mais robusta eefetiva na condução da regulação internacional do comércio. AOMC tornou-se uma instituição central enquanto componente de su-porte à atual onda de globalização. Ademais, neste início de século, a

Ivan Tiago Machado Oliveira

260 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 45: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

luta pelo desenvolvimento das regiões mais pobres do planeta tam-bém passou a ecoar de forma mais relevante em instituições interna-cionais como a OMC. Observa-se, aqui, certa volta às demandas dospaíses mais pobres, colocadas em meados do século passado, quandodas negociações acerca da Carta de Havana que criava a OIC.

Conceito-chave que norteou as ações do mundo econômico nos maisdiversos países durante boa parte da segunda metade do século XX,estando marginalizado nas últimas décadas do mesmo pelas crisesque assolaram o mundo, o desenvolvimento volta à cena internacio-nal no início de século XXI, buscando fazer com que uma parte cadavez maior da população mundial tire proveito dos benefícios trazidoscom a, por vezes tão vilipendiada, globalização.

É nesse contexto que os membros da OMC lançam a atual Rodada denegociações comerciais multilaterais, a Rodada Doha. Como colo-cado ao findar a seção anterior, a retórica desenvolvimentista em proldos países menos avançados foi a base de lançamento da Rodada,apontando para o tema agrícola como pilar fundamental das negocia-ções. Não obstante a liberalização do comércio agrícola seja consi-derada como elemento central da Rodada, novas negociações acercade diversos outros temas (como serviços, produtos não agrícolas,propriedade intelectual, investimentos, comércio eletrônico etc.) fo-ram também lançadas em Doha, buscando uma óbvia harmonizaçãode interesses entre os países em desenvolvimento e os países desen-volvidos.

A importância dada aos interesses dos países em desenvolvimento naatual Rodada de negociações da OMC, pelo menos retoricamente,pode ser vislumbrada de forma clara no seguinte excerto da Declara-ção Ministerial de Doha:

O comércio internacional tem condições paradesempenhar um importante papel na promo-ção do desenvolvimento econômico e na dimi-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

261

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 46: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

nuição da pobreza. Reconhecemos a necessida-de de todos os nossos povos se beneficiarem doaumento de oportunidades e da prosperidadegerados pelo sistema multilateral de comércio.[...] continuaremos nossas iniciativas concre-tas, planejadas para garantir que os países emdesenvolvimento, e especialmente os menosdesenvolvidos dentre eles, assegurem a sua par-cela de participação no crescimento do comér-cio mundial, proporcional às necessidades desuas economias em expansão. Nesse contexto,acesso favorecido ao mercado, regras equâni-mes, assistência técnica com financiamento sus-tentável e objetivos bem formulados, e progra-mas de capacitação têm importante função acumprir. (CONFERÊNCIA MINISTERIALDA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO CO-MÉRCIO, 2001, p. 1).

Desde a IV Conferência Ministerial da OMC, em Doha, quando omandato negociador sobre os variados temas foi acordado, as nego-ciações tomaram corpo de forma permanente em Genebra, tendoocorrido eventos posteriores que buscaram diminuir as divergênciasentre posicionamentos dos países, relativamente aos temas negocia-dos. Em um primeiro momento, pode-se citar a V Conferência Mi-nisterial, ocorrida em Cancun, em setembro de 2003, fracassada pelafalta de entendimento entre os países em desenvolvimento e seus pa-res desenvolvidos, sobre a liberalização agrícola e ditos temas deCingapura. Vale ressaltar que, do ponto de vista dos interesses brasi-leiros na Rodada (focados no tema agrícola), a Conferência em Can-cun trouxe à tona a participação do G-20 como interlocutor impor-tante nas negociações.

As negociações comerciais multilaterais ficaram relativamente es-tagnadas até meados de julho de 2004, quando se conseguiu chegar aum acordo para a retomada efetiva das negociações (The July 2004package). As negociações prosseguiram por um ano e meio até a VI

Ivan Tiago Machado Oliveira

262 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 47: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Conferência Ministerial da OMC, realizada em Hong Kong em de-zembro de 2005. Nesse encontro, algumas arestas foram aparadasem relação aos temas mais controversos e um progresso relativo foiobtido em áreas específicas, como na dos subsídios à exportaçãoagrícola, que devem ser extintos completamente até 2013. Entre-mentes, muito ainda restava de controverso e não acordado em temasmuito importantes para a Rodada, como aqueles relacionados à agri-cultura (acesso a mercado e apoio interno), serviços e bens não agrí-colas. Ademais, na Conferência de Hong Kong, estabeleceu-se umnovo cronograma para as negociações em 2006, que seria mais umavez desrespeitado.

Não obstante tenha ocorrido alguma aproximação entre as propostasdos principais grupos interessados no tema agrícola desde o iníciodas negociações, o mesmo continuou a ser tanto o foco principal domandato negociador de Doha, quanto o elemento mais controverso ede complexa negociação da Rodada. Os EUA e a Europa Comunitá-ria continuam bastante reticentes quanto aos seus pontos mais sensí-veis na negociação agrícola. Por um lado, a UE pressiona os nor-te-americanos por uma proposta mais agressiva em relação ao apoiointerno. Por outro, os EUA colocam que, sem uma proposta européiade liberalização efetiva do acesso ao seu mercado no setor agrícola, oprogresso das negociações não pode ser materializado de forma maisrápida. Os países do G-20, de outro lado, buscam maior abertura dosmercados agrícolas dos países desenvolvidos para seus produtos,mas são um tanto relutantes na abertura de setores industriais e deserviços. Tudo isso sem falar em certa esquizofrenia do próprioG-20, em que existem desde países com posicionamentos agressivosem todas as frentes agrícolas, como o Brasil, a economias que bus-cam posicionamentos claramente protecionistas, como a Índia.33

Tais posicionamentos discrepantes entre os principais atores das ne-gociações agrícolas na OMC levaram a Rodada Doha a mais um im-

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

263

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 48: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

passe e à paralisação por tempo indeterminado das negociações, emmeados de 2006.

É importante frisar, por fim, que, mesmo que o resultado objetivo ob-tido ao fim da Rodada Doha, que provavelmente terá as negociaçõesretomadas em um futuro não muito distante, não seja o first best, ospaíses-membros da OMC, principalmente os em desenvolvimento,devem observar atenciosamente a importância da defesa do SMCfundamentado no Direito Internacional como instrumento que possi-bilita certa restrição ao exercício do poder arbitrário em âmbito mun-dial. Além do mais, os países em desenvolvimento necessitam estaratentos às oportunidades e aos desafios gerados, com as negociaçõesna OMC, ao desenvolvimento econômico (inter)nacional, o qual ne-cessariamente passa por uma inserção econômica ativa neste nossomundo cada vez mais interdependente.

Notas

1. Dados apresentados por Sato (2001, p. 9).

2. É interessante notar aqui que, quando das negociações do GATT em 1947,ficou acordada a possibilidade do estabelecimento de zonas de livre-comércio ede uniões aduaneiras, tendo por base o modelo e a experiência do Benelux, nas-cente no período (artigo XXIV do Acordo Geral). Esse fato irá gerar impedi-mentos legais ao início do processo de integração latino-americano, em queuma área de livre-comércio teve de ser criada desde o princípio (Aliança Lati-no-Americana de Livre Comércio (ALALC), em 1960) e não uma zona de pre-ferências comerciais, como parecia mais adequado, dado o grau de desenvolvi-mento das economias da região, o que acabou por resultar em insucessos signifi-cativos.

3. Para uma análise aprofundada acerca do enforcement do sistema multilate-ral, desde o GATT/47 até os dias atuais com a OMC, ver Lima (2004).

4. Vale aqui frisar que tanto o princípio da NMF quanto o da reciprocidade jáhaviam sido utilizados em acordos feitos na segunda metade do século XIX pe-

Ivan Tiago Machado Oliveira

264 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 49: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

los EUA e por muitos países europeus, conformando um verdadeiro SMC, à suaépoca, que seria destruído em 1914 com a Primeira Guerra.

5. Até a Rodada Dillon do GATT, ocorrida entre 1960 e 1961, as negociaçõeseram feitas em bases bilaterais, indentificando-se os principais fornecedores decada produto negociado. Depois de elaborada uma lista de pedidos e ofertas, umacordo era buscado, pautado na reciprocidade das concessões e, por meio doprincípio da NMF, tais concessões eram estendidas para os demais países quefaziam parte do Acordo Geral. Os EUA viam o bilateralismo gattiano como be-néfico, tendo em vista que a acomodação de interesses internos, muitas vezesconflitantes, tornava-se menos complexa.

6. Tanto países em desenvolvimento quanto países desenvolvidos fizeramuso, por vezes continuado, de tais mecanismos excepcionais do GATT. O Bra-sil, por exemplo, utilizou-se principalmente do artigo XVIII para promover suaindustrialização, via substituição de importações, sem ferir a legalidade doSMC, do qual fazia parte.

7. Dados apresentados por Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 119).

8. É importante lembrar que o mundo passava por mudanças geopolíticas rela-tivamente importantes com o movimento dos não-alinhados, que se colocaramcomo forças protagonistas nas transformações da ordem comercial de então,como pode ser observado na própria criação do G-77 e da UNCTAD.

9. Vale mencionar que, por vezes, o Congresso dá ao Executivo o poder de ne-gociar acordos comerciais sob determinadas condições, o que faz com que oscongressistas possam considerar as demandas de seus eleitores por mais prote-ção sem que isso ameace o processo negociador internacional. Tal delegação depoder negociador ao Executivo é comumente chamada de fast track.

10. Pela legislação comercial vigente nos EUA, isto significa que qualquertratado comercial, como qualquer outra lei, deve obter a aprovação da maioriadas duas casas do Congresso, que pode, a não ser em casos especiais, proporemendas e interpretações aos tratados que lhe são submetidos. [Nota no origi-nal].

11. Para uma análise eloqüente e com riqueza de detalhes sobre as relaçõesNorte-Sul nos foros econômicos multilaterais, ver Bahadian (1992). O autoranalisa os debates na ONU a respeito das negociações sobre o Código de Práti-cas Comerciais Restritivas, estendendo-se ainda aos Códigos de Conduta paraTransferência de Tecnologia e de Empresas Transnacionais.

12. Dados apresentados por Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 119).

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

265

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 50: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

13. Vale notar que a posição norte-americana em relação aos acordos bilate-rais e regionais de comércio será mantida durante a década de 1990, quando im-portantes iniciativas tomaram forma, como o NAFTA, Iniciativa da Bacia doCaribe, African Growth Opportunity Act, e as primeiras negociações da ALCA.

14. Na verdade, para alguns estudiosos, o que os países desenvolvidos (funda-mentalmente os EUA) fizeram foi colocar os países em desenvolvimento como“bodes expiatórios” dos problemas da ordem comercial internacional.

15. Logo após a crise mexicana de 1982, o Tesouro dos EUA ofereceu emprés-timo ao Brasil, auxiliando-o no enfrentamento das condições econômicas ad-versas daqueles anos. Entretanto, o condicionante para tal foi justamente o Bra-sil não bloquear a entrada das discussões sobre o setor de serviços no GATT.

16. Uma importante observação a ser aqui realizada é a de que as posições doG-10, no qual o Brasil e a Índia se colocavam como líderes, foram, de certa ma-neira, marginalizadas quando do lançamento da Rodada. Foi o Acordo Colôm-bia-Suíça (Café au Lait), que reunia diversos países em desenvolvimento quenão estavam de acordo com os posicionamentos do G-10 e era apoiado pelosEUA, que traçou as bases de lançamento da Rodada Uruguai, em competiçãocom o documento construído pelo G-10.

17. Vale aqui notar que, ao final da Rodada Uruguai, as negociações do comér-cio de bens e de serviços haviam se fundido, resultando no pacote global da Ro-dada sendo tratado como um single undertaking.

18. Cabe frisar que, embora seja possível encontrar antecedente jurídico naSeção 2252 da Lei do Comércio de 1962, a famosa Seção 301 da Lei de Comér-cio dos EUA apareceu pela primeira vez na Lei de 1974, concedendo ao presi-dente poder para iniciar ações retaliatórias contra práticas comerciais “não ra-zoáveis” e “injustificáveis”. Desde então, a Seção 301 foi sendo ampliada, dan-do cada vez maior poder ao Executivo para fazer uso de medidas claramenteprotecionistas.

19. O Brasil, juntamente com a Índia e o Japão, entrou na primeira lista negrade “prioridades” elaborada pelo USTR a partir da Lei de 1988. Brasil e Índiaeram considerados alvos politicamente fáceis, por serem economias relativa-mente pequenas e possuírem grandes barreiras comerciais. O Brasil saiu da listanegra quando da abertura comercial unilateral promovida durante o governoCollor. Em relação ao Japão, as pressões sobre o mesmo fizeram com que os ja-poneses cedessem e concordassem com a Structural Impediments Initiativenorte-americana de 1989, na qual se iniciou a negociação da redução de barrei-ras japonesas às exportações dos EUA.

Ivan Tiago Machado Oliveira

266 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 51: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

20. Em abril de 1989, foi alcançado um primeiro acordo relativo aos objetivosgerais para o tema agrícola.

21. O Grupo de Cairns surgiu da interação iniciada entre países em desenvol-vimento, entre eles o Brasil, no infrutífero G-10, e alguns países desenvolvidos,tendo como objetivo comum a abertura comercial na área agrícola. O grupo reú-ne, pois, países que são grandes produtores agrícolas tanto do grupo dos desen-volvidos (Austrália, Nova Zelândia e Canadá), quanto daqueles em desenvolvi-mento. Vale ressaltar que a diplomacia brasileira teve importante participaçãona constituição do Grupo de Cairns, não obstante o mesmo não tenha tido muitavez e voz nos resultados concretos relativos à agricultura no GATT.

22. Vale lembrar que, inicialmente, os países em desenvolvimento mantinhamuma posição relativamente cética em relação à criação de uma nova organizaçãointernacional. Contudo, tal posicionamento veio mudando ao longo da RodadaUruguai, tendo por base a idéia, já aqui apresentada, de que um sistema commaior fundamentação legal os deixaria menos vulneráveis ao arbítrio das gran-des potências.

23. Dados e informações apresentados a seguir foram baseados fundamental-mente em Rêgo (1996).

24. Vale lembrar que em 2005, com o fim do Acordo Multifibras (criado em1974), tanto a Europa quanto os EUA começaram a ser inundados por produtostêxteis vindos principalmente da China. Tal fato levou os mesmos a negociaremacordos com os chineses, no sentido de restringir exportações chinesas de têx-teis para o mercado europeu e norte-americano. É importante lembrar que o se-tor têxtil foi muito protegido pelos países desenvolvidos desde as primeiras dé-cadas do pós-guerra, tendo tal proteção começado a tomar forma de um acordoplurilateral ainda na década de 1960.

25. O Brasil consolidou suas tarifas em 35%, para produtos industrializados, eem 55%, para os agropecuários, válidas a partir do ano 2000.

26. A legitimidade do SMC, sob os auspícios do GATT, advinha parcialmentedo crescimento substancial do comércio internacional. Contudo, é lógico que aanuência da potência econômica mundial com o que era acordado multilateral-mente tinha peso mais significativo enquanto ação legitimadora do SMC.

27. Volta à discussão, aqui, a questão do hegemom, ou hegemons. Muitos estu-diosos colocam que essa tendência minilateralista existente no sistema comer-cial internacional atualmente adviria do “problema de liderança”, no qual oexemplo dado pelas principais potências mundiais (fundamentalmente os EUAe a União Européia) nas últimas décadas reforçaria a constituição de um am-biente favorável a esses arranjos minitaleralistas mundo afora.

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

267

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 52: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

28. Vale aqui colocar que outra inovação ocorrida no SMC, no pós-RodadaUruguai, foi a criação do Órgão de Exame de Políticas Comerciais, por meio doqual são feitas análises acerca das políticas comerciais dos países-membros,servindo como mecanismo de vigilância quanto ao cumprimento dos compro-missos assumidos.

29. Cabe salientar que o Conselho Geral também atua tanto como Órgão deExame de Políticas Comerciais, quanto como Órgão de Solução de Controvér-sias Comerciais.

30. Os temas ligados a questões sociais e ambientais, que deveriam ser discu-tidos na reunião, acabaram por ganhar atenção marginal, sem resolução aparen-te no curto prazo. É fato que existe uma enorme resistência, inclusive por grandeparte dos países em desenvolvimento, de se incorporar normas no SMC relati-vas a questões sociais e ambientais, tendo por base a idéia de que alguns dos fa-tores geradores de suas vantagens comparativas poderiam ser contestados, embenefício de uma minoria nos países desenvolvidos.

31. Entre os possíveis fatores que engendraram o fracasso de Seattle está apressão dos movimentos antiglobalizadores feita durante a reunião.

32. Gonçalves (2003b), em seu capítulo 2, faz uma interessante análise sobreas principais interpretações acerca do fracasso da reunião de Seattle, bem comosobre divergências e impasses lá gerados.

33. Como líder do G-20, o Brasil tem desempenhado um papel fundamentalno processo negociador agrícola, empenhando-se na árdua tarefa de buscar pon-tos de convergência interna que dêem sustentação ao grupo, e em não deixar queo tema agrícola venha a apresentar resultados negociados, ao fim da Rodada,que sejam puramente fundados nos interesses das grandes potências.

ReferênciasBibliográficas

ABREU, Marcelo de P. Brazil, the GATT and the WTO: history and prospects.Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1998. 38 p. (Texto para discussão no 392). Disponívelem: <http://www.puc-rio.br>. Acesso em: 10 ago. 2006.

ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico. Por-to Alegre: Livraria do Advogado, 1999. 210 p.

Ivan Tiago Machado Oliveira

268 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 53: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

. Diplomacia comercial: de Bretton Woods e Havana à OMC. In ____. Re-lações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da di-plomacia brasileira. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2004, p. 111-144.

. Acordos minilaterais de integração e de liberalização do comércio: umaameaça potencial ao Sistema Multilateral de Comércio. In: ____. Negociaçõesinternacionais: mais do que produzir, é preciso saber negociar. São Paulo:American Chamber, 2005. Disponível em: <http://www.pralmeida.org>. Aces-so em: 28 jan. 2006.

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nossotempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. 408 p.

BAHADIAN, Adhemar Gabriel. A tentativa do controle do poder econômiconas Nações Unidas: estudo do conjunto de regras e princípios para o controledas práticas comerciais restritivas. Brasília: IPRI, 1992.

BAUMANN, Renato et al. Economia internacional: teoria e experiênciabrasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 442 p.

BUENO, Clodoaldo. A política multilateral brasileira. In: CERVO, A. L.(Org.). O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a nossosdias. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. cap. 2, p. 59-144.

CONFERÊNCIA MINISTERIAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DOCOMÉRCIO. Ministerial declaration. Genebra: OMC, 2001. 10 p. Disponí-vel em <http://www.into.org>. Acesso em: 30 abr. 2006.

DIAS, Viviane Ventura. O Brasil entre o poder da força e a força do poder. In:BAUMANN, R. (Org.). O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro:SOBEET, 1996. cap.4, p. 55-73.

GODINHO, Renato Domith. Os diplomatas do Capitólio: a política externanorte-americana e a influência dos grupos de pressão no Congresso dos EstadosUnidos. 2005. 163 p. Dissertação (Mestrado em Diplomacia) – Instituto RioBranco, Brasília, 2005.

GONÇALVES, Reinaldo. Globalização comercial. In: ____. O nó econômico.Rio de Janeiro: Record, 2003a. cap. 4, p. 97-122.

. O Brasil e o comércio internacional: transformações e perspectivas. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2003b. 149 p.

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

269

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 54: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

GUIMARÃES, Feliciano de Sá. A Rodada Uruguai do GATT (1986-1994) ea política externa brasileira: acordos assimétricos, coerção e coalizões. 2005.195 p. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa San Tia-go Dantas – UNESP, UNICAMP, PUC-SP –, Campinas, 2005.

LAMPREIA, Luiz Filipe P. Resultados da Rodada Uruguai: uma tentativa desíntese. Estudos Avançados, v. 9, n. 23, p. 247-260, 1995.

LIMA, Tatiana Macedo N. GATT/OMC: uma análise institucional. 2004. 97 p.Dissertação (Pós-graduação em Economia) – Faculdade de Economia, Admi-nistração e Contabilidade, USP, São Paulo, 2004.

OATLEY, Thomas. International political economy: interests and institutionsin the global economy. Londres: Longman, 2003. 432 p.

OMC. Understanding the WTO. 3. ed. Genebra, 2005a. 116 p. Disponível em:<http://www.wto.org> . Acesso em: 22 mar. 2006.

. International trade statistics 2005. Genebra, 2005b. 274 p. Disponívelem: <http://www.wto.org>. Acesso em: 20 set. 2006.

RÊGO, Elba C. L. Do Gatt à OMC: o que mudou, como funciona e para onde ca-minha o Sistema Multilateral de Comércio. Revista do BNDES, Rio de Janeiro,v. 3, n. 6, p. 3-22, dez. 1996.

RICUPERO, Rubens. Os Estados Unidos e o comércio mundial: protecionistasou campeões do livre-comércio? Estudos avançados, São Paulo, v. 16, n. 46, p.7-18, set./dez. 2002.

SATO, Eiiti. Mudanças estruturais no sistema internacional – a evolução do re-gime de comércio do fracasso da OIC à OMC, maio. 2001. Disponível em:<http://www.ufrgs.br/irel>. Acesso em: 10 jun. 2006.

SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais. 4. ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 384 p.

VALLS, Lia. Histórico da Rodada Uruguai do GATT. Rio de Janeiro: UFRJ,1997. 23 p. Manuscrito. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br>. Acesso em:20 jul. 2006.

Ivan Tiago Machado Oliveira

270 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 55: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

Resumo

A Ordem Econômico-ComercialInternacional: Uma Análise daEvolução do Sistema Multilateralde Comércio e da Participação daDiplomacia Econômica Brasileirano Cenário Mundial

O trabalho traça uma análise histórica do Sistema Multilateral de Comércio(SMC), tendo como foco a sua importância para a conformação da ordemeconômica internacional do pós-Segunda Guerra Mundial. A partir de umaperspectiva analítico-evolutiva, faz-se uma apresentação do contexto inter-nacional no qual o sistema multilateral foi gerado e identificam-se as intera-ções entre as transformações históricas mundiais, tanto no plano políticoquanto no econômico, e a estruturação do Sistema Multilateral de Comér-cio, desde o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, GeneralAgreement on Tariffs and Trade (GATT)) até a Organização Mundial doComércio (OMC). Ademais, o papel desempenhado pela diplomacia eco-nômica brasileira na construção e transformação do SMC será discutido aolongo do presente trabalho. Também são feitas considerações sobre a atualRodada de negociações multilaterais, a Rodada Doha, e a sua relevância naótica dos países em desenvolvimento.

Palavras-chave: GATT – OMC – Multilateralismo – Comércio Interna-cional – Diplomacia Econômica

Abstract

The InternationalEconomic-Commercial Order: AnAnalysis of the Evolution of theMultilateral Trading System andof the Involvement of theBrazilian Economic Diplomacy inthe Global Scenario

This work brings a historical analysis of the multilateral trading system,focusing on its importance to the building up of the international economic

A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

Uma Análise da Evolução do Sistema...

271

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007

Page 56: A Ordem Econômico-Comercial do Sistema Multilateral de ... · econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tadoporPauloRobertodeAlmeida(2004),éodapresençadaUnião

order, after the Second World War. From an evolutionary perspective, theinternational context in which the multilateral trading system was created ispresented. Moreover, the interactions between world historicaltransformations and the development of the multilateral trading system,from GATT to WTO, are analyzed, both in political and economic points ofview. Furthermore, the role played by the Brazilian economic diplomacy inbuilding and transforming the multilateral trading system is analyzed.Some considerations are also made on the Doha Round of trade talks and itsimportance to the developing countries.

Keywords: GATT – WTO – Multilateralism – International Trade –Economic Diplomacy

Ivan Tiago Machado Oliveira

272 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

Contexto Internacional (PUC)

Vol. 29 no

2 – Janl/Jun 2007

1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007