a opinião pública e seus porta-vozes

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  • Catalogao na Fonte - Biblioteea'Cclltral/PUC-SP

    Landowski, Eric

    A sociedade refletida: ensaios de sociossemiticn / Eric Landowski. ',So Paulo: EDUC/Pontes, 1992. '

    213 p. ; 23 em. - (Semeion)Bibliografia.ISBN (EDUC) 8S-283cOO4S.XISBN (Pontes) 8S:7i 13-076cO1. Relao social. 2. Semitica - ensaios.!. Srie. lI. TItulo.

    CDD 149.946302.3

    Ttulo OriginalLa Socit RflchieEssais de Socio-Smioque

    e 1989. ditions du SeuilTodos os direitos reservados

    Todos os direitor de reproduo, divulgao e traduoso reservados. Nenhuma parte desta obra poder serreproduzida por fotocpia, microfilme ou por outroprocesso fotornecnico. .

    EDUC-Editora da PUC-SP

    Diretor EditorialPhiladelpho Afeneles

    Coordenador EditorialFranklin Valverde

    CapaAnaAly

    RevisoMaria Alzira Brum Lemos

    Rua Monte Alegre, 984OSOl4 - So Paulo - SPTe!.: (O11) 62-0280

    Pontes Editores

    .Gerente EditorialErnesto Guimares

    Rua Maria Monteiro, 1635CEP 13025-i52 - Campinas - SPFone/Fax: (0192) 52-6661 .

    52-6011

    I. IDENTIDADES DE FOLHAS:

    ~CAPITULO I

    I

    A Opinio Pblica e Seus Porta-Vozes

    1. Um objeto semltlco

    Encontramos hojc(dois tipos de especialistas da opinio pbliC~ Uns interro-gam-se sobre seu modo de existncia e sobre as condies de sua maufestao,outros respondem por sua cxistucia'csc encarregam, por prcsso, de manifest-la. A atitude utcrrogatva, ligada ao \~:~;;rigor no emprego das noes, ,evidentemente, prpria dos ~ocilogos)

  • 20 Eric Landowski

    '.

    outro, tratando-se de exegetas "inatos", uma atitude gerl de adi~iuha quesupe, ao contrro, um contato direto entre a Opinio - concebida desta vez,segundo o bistoriador da Ungua francesa Ferdinand Brunot, como uma "espcie depessoa" - e os seus orculos ou os seus porta-vozes. ..

    A despeito da sua beterogeneidade, essas duas "escolas'" mantm relaesestreitas. Enquanto a escolha dos temas de estudo e das problemticas prprias aosinstitutos de sondagens depende, de um lado, da "demanda social" veiculada pelosrgos de imprensa e pelos parfdcs.pcltcos, inversamente, o discurso divnatriodos porta-vozes - jornalistas e homens poltcos - est posto. por sua vez, sob adependncia do discurso "ceutfco" dos institutos de pesquisa, buscando n~tura.l-mente os "adivinhos" assegurarem-se, na medida do posstvel, da cauo da cuciasocial. Mesmo se dai resultam relaes de clientelismo ou de cumplicidade, istono exclui em absoluto as rivalidades e a polmica. como atestam as amenidadestrocadas entre um campo e outro. Para os jornalistas, que se atribuem o privilgiode estarem constantemente "sintonizados na escuta da opinio". as sondagens so"de um vaior sempre aproxmatvo=" e s podem proporcionar, no mximo, a"fotografia" de um "momento da opinio"S --, sua suspeita recai ao mesmo temposobre a validade dos mtodos e seu grau de adequao ao objeto. A titulo dereciprocidade, o praticante dos estudos por sondagens, denunciando a "pretensoinadmisslvel,,6 dos que se erigem em "porta-vozes do sentimento pblico", estariadeveras "interessado em saber" o que o poltico, ou o publicista, "quer designarquando emprega essa palavra - opinio - e por que mtodo determina as

    7preocupaes desta".Assim colocada, a questo pode ser interpretada de duas maneiras diferentes,

    conforme se considere: ou que ela levanta um problema relativo realidadeempirica da "coisa" designada - e, nesse caso, bem provvel que a expresso"opinio pblica". em seu uso corrente, no designe:fetivamente "nada.". pois, .defato, no possui referente estritamente atribuivel-; ou ento que ela diz respeitos condies de emprego da prpria "palavra" e apreenso de sua significao,caso em que cumpre admitir a evidncia de que, enquanto realidade smio-linguts-rica, a "opiuio pblica existe": mesmo privada de referncia, a expresso no desprovida de sentido.~o contrrio, a multiplicidade das acepes que constituie.roblema. multiplcidade esta de que os socilogos foram os primeiros a tomarconscincia] "Desde 1888, nota Jean Stoetzel, James Bryce denunciava certas

    "S6

    X. Marchetll, "Expliquez.DOus, U Figar,21 do novembro de 1978.P. Bcbe, Sonda&e Fi&oroSOFRES", Le Fi,,,,o, 23 de junho de 1978. , ..J. Stoetzol, "Riponso 1 un qu,,'ionnairo du Grouped'ludes parl.montai..,. sur I sondag politlquee, 7 janvier1977", reproduzido em $(IMo,, revue franaise de I'opinion publique, 1977, nO' 1 e 2, p. 81~83 ...J. Stoetzel. "La vrit n'ompoisollne pu". Le Monde, 10 de maio de 1977.Cf. P. Bourdieu. "L'opinion publique n'existe pu", u. r.",p. ",oder"u, XXIX, 318, janeiro de 1973. Vertambm . sobre o problema correlate, relativo ao atatuto epistemo16gico c aemitico do conceito de t~povolltL.Jaume, "Pcuple et individu dons le dbot Hobbes-Rousseau", in P. d' Arcy (org.), La Rep,I,enla/lon, Paris,I!conom ia, 1985.

    \

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    78

    A Opinio Pblica e Seus Porta-Vozes

    ueglgucias 110 uso da palavra. Meio sculo depois, F.H. A,llp.Q!1analisava oitoerros lia concepo da opinio pblica. EIl}.1952. Curtiss M. Mac Dougall enume-rava seis sentidos em que a expresso utilizada. e W, Pbilips Davison (1958)apontava trs usos populares dela.,,9

    Nosso objetivo no nem retomar a classificao desses "sentidos vulgares"nem denunciar sua inconsistncia em rel.a.?:.-aos critrios de centi~C,dad~Emcoutrapartda, gostaramos de compreender a que se de~esua persstnca nosdiscursos sociopoUticos "de massa", em que so utiliza~o, Em suma. comoanalisar o modo de ~s(ncja remj6tiCJl da "opinio"? -

    Sejam os dos exemplos seguintes:

    "Cedendo s presses dos grupos ecolgicos apoiados por vastos setores daopinio pblica, as autoridades renunciaram a I.-I" (Henri Pierre, "Un succesdes cologtstes", Le Monde, 3 de novembro de 1978).

    "Essa reunio de imprensa dirige-se a dois nves. O primeiro, Senhoras. esenhores jornalistas, o seu I...] O outro nvel o da opinio pebllca,diretamente atravs dos grandes meios de informao, indiretamente pelaimprensa escrita [...l" (Valry Giscard d'Estaing, entrevista coletiva de 14 de .junho de 1978, Le Figaro,.15 de junho de 1978),

    Do pouto de vista semntqo, .Q. II)e:>JllOsujeito coletivo, denominado emambos os casos "opinio pblical~'ltt:~..;,?-haaqui "interpelado" por um d~scursopresidencial, ali "contado" numa reportagem de imprensa. Se se tratasse de ilustrara Eolissemia da expresso. nossos exemplos estariam ento mal escolhidos. Emcompensao. sua justaposio permite-nos apreender outro tipo de' flutuao,identificvel num plano independente daquele em que podem aparecer oposeaou identidades de contedo. No primeiro enunciado citado. a palavra "opinio"designa um(profagonisf~ ao qual cabe certo papel numa(norrativa)de carterobjetivo. mais ou menos como se se tratasse de. uma persona~em de romance; noo~tro caso, ela serve para identificar .um dos9nrerlOcu(or~s)(0 desti~atri~) dodiscurso que se anuucra. O termo considerado intervm, assim, em doIS nlvelsdefuncionamento semitico. No plano do discurso enunciado, ele entra em esquemas;;arralivos. que se tratar em primeiro lugar de inventariar; mas intervm igual-mente na encenao do prprio ato de enunciao, dai a necessidade de considerartambm as estratgias discursivas que ele permite pr em prtica.

    Para esclarecer essa dupla funo, narrativa e discursiva. e para captar seusfundamentos (pois a encenao da opinio se inscreve no quadro mais geral de umafdramaturgia polftic;;;. procederemos ao exame de um nmero restrito deocorru-cias levantadas. entre centenas de outras, ao longo das rubricas polticas de doisgrandes dirios, L,. Monde e Le Figaro, durante o ano de 1978.

    9 'J. SlOetzel. 'Opinion (1OIIda1C d')", Encyclopaedra ""lv'rJ,,Ii,.

  • 22 Eric Landowski

    2. Uma dramaturgia

    2.1. "Opinio pblica" e "classe poltica"

    Quando os moralistas da idade clssica fizeram da opinio a "rainha domundo", a vocao (controvertida) dessa soberana era, antes de mais nada. a de

    (pesar sobre o "mundo interior" das couscucias iudividuais.e de influenciar ascondutas privada~ !

    "A opinio pblica uma jurisdio que o homem de bem nunca deve reco-nhecer perfeitamente nem jamais menosprezar" (Chamfort).

    Tocando esta funo de controle intimidade dos sujeitos. parece que aopinio se viu progressivamente livre dela, ao menos em grande parte. em beneficiode outras instncias: ai, por exemplo, que o "gue vo dizer" desempenha seupapel. Em contrapartda, a soberania da opinio deslocou-se para outro domnio, odos c9mportameutos coletivos e das questes pblicas.. Se a esse respeito dermoscrdito aos fillogos, essa mutao pode at ser datada com preciso:

    "Sob a segunda Restaurao comea o verdadeiro reinado da opinio pblica. uma nova potncia que se ergue [... ]; ela interroga os velhos poderes,intima-os a apresentar seus ttulos e arroga-se o direito de control-Ios" (P.Larousse, "Opiuiou publique", Grand dictionnaire universel du xtx: sicle,1874).

    I

    1

    II

    I!II

    II,

    Aceite-se ou no a data proposta, o teatro poltico se acha assim reorganizadoem torno de um novo elemento, cujo papel no deixar de ter lima nalogia com odo ~ na drarnaturgia alltig) As semelhanas situam-se em dois planos, Emprimeiro lugar, a funo consickrada envo.1vc a competncia interpretatva de umsujeito coletivo .colocado em condio de obscrvador.Do mesmo modo que emAtenas a organizao espacial do teatro repousava na distino entre a cenapropriamente dita - o logeion - c a orquestra, de onde o coro observava asperipcias da ao e as comentava em proveito dos espectadores, cmpolcirados nasarquibancadas do koilon, tambm a organizao ideolgia subjaccnte hoje cm dia encenao da vida pcltca pela mdia tem como princpio o estabelecimento deuma ntida disjuno (em termos figurativos, de um "fosso") entre uma classe desujeitos attvos - os "heris", a "classe poltica", em que se acotovelam governau-tes e estados-maiores dos partidos, dirigentes sindicais c representantes do grandepatronato ou da alta administrao cic. - c a "Opinio", instncia testemunha queassiste ao "espetculo've interpreta a sua significao, seja por conta prpria, seja,mais geralmente, para um pblico situado num terceiro plano (voltaremos a esteponto). Na medida em que essa atividade intcrprctativa atravs da qual se expri-mem as reaes - e, por que no, as opinies - da Opinio toma especificamente

    A Opinio Pblica e Seus Poria-Vozes

    como objeto 'os atos e as situaes que constituem a trama da "vida,poUtica",podemos dizer que a Opinio se revela uma potttloga sua maneira. '

    Mas ela tambm poluica a seu modo. Se o seuestatuto a prolbe detranspora rampa do logeion e. portanto. de vir atuar nele nas mesmas condies dos"comediantes" titulares (membros da "classe poluca"), em tompeosallo suavocao consiste, por excelncia, em fazer agir estes 6ltimos, empreaando emrelao a eles todos os recursos' da sua competncia persuasiva. Desde que eladisponha efetivamente dos' metes, mesmo' indiretos, de 'fazer prevalecer na cenapoltca uma linha determiuada, ela se transforma ento numa "potncia" e, deobservadora, ela que se toma, por sua vez, digna de ser observad em seuscomportamentos, auscultadaquauto a seus estados de cspIrito;soodada enquantoreserva de energias caualzveis. Colocada .a principio como sujeito cognitivo, ela'se metamorfosea em objeto de ccuhecmento.

    2.2. O pblico. terceira instncia

    Alm d fato de que a analogia assim esboada 'repousa numa viso bastantesimplificada d sistema dramatrgtco grego, objetar-sc-, tatvez, queela defei-tuosa liamedida em que, ao ststcmaterurc de rcfcruca (/ogeionversus o.rcheSlf'oversus kotlon), uo se superpcm, p,nmeirvista, t~s' classes-de actantea verda-deiramente distintas, mas apenas dua~ ..fSe~tjue, em face da'''classe polltica"no h, de um lado, o equivalente de'\itt~o (que seria a "opno p6blca"enquanto ustncia autnoma) c, de outro, o dos espectadores' (cncebdoscomum "pblico" distinto da insiauCi "opinante"), ms um s ator: a sociedade civil,os governados; um "pblico que oplna", queexprime ele mesmo seus prpriosseumentos. Desse pOIHO de vista, pOder-se~ considerar' equivalente 'o fato dedizer que "um fosso separa a classe poltca-da opinillo,,1~,ou que "o foslO quesepara essa mesma classe politica do mossa ()S franceses (~) tonia-sc'um'abismo[slc] cujo flllldoJ no se distingue [__;)".11 Mas ser que o que se deve entenderpor "opiuio" no , justamente, a "massa dos franccses'',: o "grande p6blico'f,considerado como comunidade que 'exerce certas atividades de-ordem cognitiva(cf, Littrr "opinio. o que o pblico pensa")? Do mesmo modo,'dr-se- {>ravavel-mente que, eutre a interpelao de De GauUe "Francesas, franceses!" e a fnnulacilada acima, em que Certo presidente se dirige "opinio pblca", lZ'nlo b maisque uma Infima diferena de "estilo": o fato essencial, que; sob deuomeaesdrcrcnrcs em ltima anlis o mesmo dcstnatro que visado em ambos oscasos.

    Mas se assim for, se "opinio pblica" tem simplesmente o valor de snuimo

    10 Cenlm d'incormaLion eiviquc, "Ap!"'laux parlia poliUejuca", Le Fila~o; 14 de'abril d, 19,71;p.,~:'11 P. VlonllOn~l'onl, "197&: Ia Cra","", Le "o.de.lI ele de"lIIbro de 1l/71. '12 v. O~Ard d'llocaln&, 14 do junho de 197 !. iw:1 ,.14.

  • Z4 Eric Laruiowski

    em relao a qualquer expresso designando a coletividade dos governados ("amassa dos franceses''; "cidados't.veletcres", "pblico" etc.), como explicar entorim enunciado como o seguinte:

    :"Por trs anos, o chefe de Estado no ter que se defrontar com os eleitores,mas com a 0mn(IIO, sondada pefos institutos e expressa pelos jcmalistas. aela que ele se dirige (... I" (Patrick Jarreau, "La runion de presse du prsdeutde Ia Rpublique", Le Monde, 16 de junho de 1978).

    .De fato, basta correr os olhos pela imprensa para ver reaparecer deste modoa dstnouo entre duas, mas entre trs instncias distintas. Enquanto' objetosemtcc, cada uma goza de uma existncia autnoma, donde o fato, primeiravista paradoxal, de que a "classe poltca" possa' ora entrar em relao com opblico ("os franceses", "os eleitores", "a populao" etc.), sem encontrar com issoa "opinio pblica", ora, ao contrrio, ter relao com a opinio, sem que, com isso,o pblico (o prprio "povo") esteja diretamente imptcado.

    pelo mrito de ilustrar de maneira exemplar a primeira dessas duas possi-bilidades que a inocente povoao de Raincy deve as honras da imprensa. Comseus' "quinze mil habttautes", relata um correspondente do Le Mo,ide,13 esse"subrbio paradoxal" permanece, de fato, "uma cidade sem opuo pblica" e,conforme explica em substncia nosso jomallsta, o modo de gesto adotado pelaprefeitura (a "classe poltica") s pode ser compreendido se se levar em conta ofato de que a autoridade local, na falta de quaisquer "corpos intermedirios", seencontra .dretamente c.onfrontada com ~pblico, "uma populao que vive noritmo. tranqloe individualista dos Ioteamentos'', Duas concluses destacam-sedessa. pequena monografia urbana. Em primeiro lugar, ela coufirnla a hiptese dano-equivalncia entre as noes de pblico e de opiniQ, pois, no caso, um pblico

  • 2~j~;\?/rr -rjP A caracterstica comum s duas figuras centrais,. ~ue permite o~)-las ao\ "pblico", sua competucia discursiva: enquanto a opuuo e, com maior razo,

    os seus porta-vo~ so "sujeitos falantes", o pblico, simples. inst~ncia receptora,encontra-se desqualificado enquanto emissor, no podendo a dlversldad~ das vozesindividuais de que ele se compe produzir seno, no mximo, uma espcie d~inarticulado. Sem dvida, poder-se-ia objetar que, na realidade, nada probe oscidados de exercerem (por exemplo, na forma de abaixo-assinados, passeatas,aes reiviudicat6rias diversas) uma competncia discursiva prpria e que, porconseguinte, o "pblico" no se limita necessariamente a umpap~~ d.e~SI!eC~,adorpassivo. Afinal, apenas no interior do sistema de representao mdco queso produzidas as diferenciaes estruturais de que tentamos dar conta: ~"silncio do pblico" em funo da emergncia do "discurso da opinio", isto , nombito de uma tealraliza "lIo da comunica o social. Monopolizando a cornpetn-

    . era enussiva, ca e s duas instncias mediadoras, situadas no espao imaginrio\ que corresponde ao da "orquestra" grega, desempenhar ento uma dupla fun~ de

    \

    retransmissor, ora voltando-se para a "cena", a fim de interpelar a "classe polltica''(em nome do pblico que represe~ltam), ora ~ol~,al:do~seyara as "arquibancadas",a fim de se dirigirem, se necessno, ao prprio pblico".

    Quanto aos critrios de diferenciao que levam a reconhecer no uma s, masduas figuras de mediao distintas, eles decorrem da especializao funcio.nal dosactantes: enquanto a "opinio" assume, de preferncia, a no persuasIva (emnome do "povo" que ela "personifica"), os "porta-vozes da opinio", mais especi-ficamente encarregados de "manter o interesse" do drama que representado,assumem no essencial uma funo inlerpretaliva. O discurso da opinio (do coro) analisado, de fato, como um discurso de persuaso destinado tanto afazer agir aclasse poltica quanto a fazer assumir ao pblico uma certa viso da sua prpriaidentidade: "As

  • 28 Eric Landowski

    cena, uma vez transposta para o contexto dos discursos polticos, anexa a si, naverdade, uin domnio de aplicao que vai muito alm da simples psicologia doscaracteres individuais: ela permite, ento, fundar uma espcie de.psicologia socialque visa a pr6pria "alma" dos actantes coletivos. Como a oniscincia do romancistadiante das suas prpras criaturas "de papel" se acha, assim, igualada, ou atsuperadapela capacidade de viso em profundidade que todo grande comentaristadavda poltcamcderna temo dever de possuir, no podemos mais ignorar, hojeem.dia o que quer que seja dos "estados de alma da opinio pblica", da suamaneira de reagir aos acontecimentos do momento.de seus desejos mais profundos.Nada disso tudo, por definio, poderia escapar d'a clarividncia dos que tm comoprofisso nos "informar": . .

    tI[A situao politica) gera uma angstia manifesta na opinio pblica" (Jac-ques Chrac, alocuo pronunciada em Amboise, Le Monde, 17 de outubro de1978).

    "[A) opinio [... ) sente confusamente que isso no pode continuar assim". (Perre Viansson-Pont, "La spison des grves", Le Monde, 19 de novembrode 1978).,

    "Foi assim que o acontecimento foi percebido pelo conjunto da opinio"(Alfred Fabre-Luce, "Une bODl'beclairante", Le Figaro, 11 de abril de 1978).

    "A opinio pblica sente profundamente, como os senhores sabem, o desejode [... I" (Valry Giscard d 'Estaing, carta ao primeiro-ministro, 28 de fevereirode 1977). .

    Claro, a referncia s sondagens de opinio permite, se necessrio, atenuar aaparente gratuidade das certezas assim exbdas.pos, ao lado do discurso intuitivoe divinat6rio dos porta-vozes, tambm h~ lugar para o discurso "cientifico" dospesquisadores e dos "sondadores", dedicados medida. Todavia, no corpus jorna-Istco que nos serve de referncia, a funo desse discurse segundo estritamentedelimitada. Primeiramente, por' um principio de hierarquizao: segundo confir-mem ou, ao contrrio, infirmem as certezas procedentes do "senso inato da op-nio", as sondagens sero qualificadas ora de "Verdadeiras" ou "boas", ora de"falsas" ou "ruins".19 Em outras palavras, aqui no so os instrumentos de medida"objetiva" que permitem validar ou invalidar as intuies primeiras, oriundas dofaro poltco, mas, ao contrro, a exatido do aparelho de medida, lia sensibil-

    19 Cf. "Mo Mille ~ et 1_ .ondatea", Motld., 1 d~ dez~mbro de .1918: "O primeiro'se, A partir da esboam-se as duas principais posesatrbuvets nossa "he-rona' quandose tratar de contar como ela "governa omundo", O narrador poder,primeiro, fazer dela uma instncia de deciso: dizer que a "opno governa"equivaler, eutu.a afirmar que a ao poltica das autoridades est suspensa expresso das vontades de uma opuo-rbtro, estatutariamente habilitada a ditar "classe poHtica" o que ela deve fazer. .

    a) "O ministro da Justia declara que contra a pena de morte, mas que preciso mant~lal'0rque a opinitJ~ t favorvel ~ ela" (Michel Tournier,

    20 C. Rebois. "lnqui6luc1e c;"'iasantt face au;onOita ~iaux" (oaientlo IObre "Lc climat l6*D1. llaven lebarometre FI,aroJla,azi'u,SOPRES d. D01ICmbro"). IA F1t{ll'''.JlQt~IMr 10 do DOVembcv~ 191&. p. S4.B p;"'v.velmentt .ob 6tica que deve compreender a atitude daquele dimordo .titulo dopi:ltquiaaa q dlntt'do Iim. "rie de rapool.U "'I"" MO lhe parec:i&mplauai1lCia". baaeia_ Da "impreaaio d.q\aCos peaquiaadoatinham rcopondido de qualquer maneira" para "corri,ir os lCIultad.o." eatallatlco. ~Ibicl pel peaquiaad_,

    . ,A "ccrreo" ~im (cita .Iin& imult mente ~ola objetivos: rulabelece. veroai llhaoa e, ao _motempo. permite ao "cliente" encontrar "o '1110buacava". ("L'II'OP'aurait' moclitt6 Ica rullala d'u ao 'e aurI tr.vaillcun ~trnng.",", IA.Jlotld6, 4 do janeiro do' 1979'.> '. .

    21

  • 30 Eric Landowski

    "Eutretien", Le Monde, 8-9 de outubro de 1978).

    Mas, se se situar no estgio da execuo dos programas polticos, a narrativatambm poder subordinar o que o "Poder" pode jazer aos comportamentos estra-tgicos do actante coletivo, sendo este considerado, desta vez, como uma potnciacapaz de prestar seu concurso aos "governantes'', ou de o recusar:

    b) "O combate pelos direitos do homem s pode ser conduzido por umacampanha de informao, indispensvel para obter o apoio da opinio pbli-ca" (H. Carraa, L. Pettiti, "L'aprs Belgrade", LeMonde, 26 de outubro de1978).

    Se estes dois exemplos ilustram a dupla vocao actaucal do ator "opinio"- que vemos,no primeiro caso, exercer a funo de umvdesuador'', fixandodeveres, e, 00 segundo, de um"adjuvante" (potcucialjque d.poder aos "Poderes"estabelecidos -, eles, no entanto, representam, do ponto de vista de. uma sintaxenarrativa mais geral, apenas duas possibildadeseutrc outras, ou, o, que .d 110mesmo, apenas duas variantes num sistemadas "ideologias da opinio",

    4. Variaes ideolgicas

    Uma vez constitudo em actante semiico, isto , .dotado no mnimo.de umquererIque seus porta-vozes, enquanto narradores, seencarregam.de dar a conhe-cer), o ator "opinio" est disponvel para entrar em.relao, no plano narrativo.com a "classe poltca". Qualquer que seja a diversidade dasuarrativasquecolocamem cena esses dois protagonistas =-divcrsidadc essa evdcutcmente ligada dvcr-gncia das opes polticas prprias 'aos difcrcutcsuarradores -. veremos.que elesse partilham entre um pequeno nmero de tipos .Iuudarncntais .. Esses tipos seiuterdefinem com base num priucpio uarrauvoconstautc: cadavez.que a figuradita "opinio pblica" aparece na pena dosjornalistas ou dos.polticos, constata-seque ela sobredetermina, por sua simples presena, embora de 'maneira desigual-mente explcita e direta, as modalidades de ao, a competncia semitica doconjunto dos agentes tidos como pertencentes "esfera dirigente", tal como odiscurso a delimita. . .

    Assim se expressa, num plano bastante geral, o estatuto categrico, "preto-actaucial", da "opinio". Trata-se fundamentalmente - Oll seja, abstraindo-se asvariaes observveis em outros nveis de leitura dos textos - de um desrillador~ ~n~ ~ defiio, de ~agiroutros sujeit~. Dito isso, adiversidade=1Ios esquemas de relao reglstrados logo que se passa a planos demenor abstrao (assim, uoplauo "tico", a opinio representar aqui o "bomgnio", ali o "mau dernuio" dos governautes) prende-se possibilidade de obterdiferentes modos de atualizao pontual, por projeo da dita categoria sintxica

    A Opinillo Pblica e Seus POria-Vozes 31

    110 quadrado semitico.22 Em outras palavras, uma vez convc(kl,!?~l actautcsin~agmtico destinado a representar seu papel na histria efetivamente c~ntada, omesmo proto-actaute sintxico de base poder ocupar no s, o que e~ldcnte, aposiO de "destiuador" propriamente dito, como no exemplo a} ac~, mastambm qualquer das trs posies logcamente complementares: no-desuador,alltidestinador, uo-autidestnador; A cada uma dessas manifestaes actanciaisparticulares correspouder, de parte da "classe poltlca", um tipo especifico defuno:

    .Opinio ~inadO"] [::OPiniiOH - 4"!ideslINldor"A classe poltica X A classe policasegue a opinio" engana a opiniio"

    "Opinio" n40.alllidCJllfllulor] (''OPiniio" - fl4.o--d#IIINldorA classe polllico dcofia "A cl_ ~li~ca"li opinio" afrollta a o(llllllio

    4.1. Segu ir a opinio pblica

    Embora no seja possvel empreender aqui o estudo filo lgico que serianecessrio para justific-Io, entrev-se que o advento da "opinio pblica" c~modcstinador privilegiado, habilitado a..,trib~ir classc dos rcspousvcs poltcoscertos deveres, inscreve-se muito pro"~~!,"~um longo l)[o,ccSSOhistrico d.efiguralivizaOo das categorias do imagi~~tico. Se essa hptese fosse v~n-ficada, ela permitiria considerar como dois termos de um percurso cronolgco.que toca histria do vocabulrio e das idias polntcas, o que aparc:ce, em to~ocaso, do ponto de vista sncruco, como uma oposio entre duas ''cplstemologlaspolticas" distintas. De um lado, com a teoria jurdco-poltca da representaoem sua forma clssica, um puro ser tk razo - a "nao", entidade abstratadesprovida de toda e qualquer ancoragem refercncial particularizante - que servede Iuudameuto conccitual para a elaborao da lei. De outro, quando se considerao "reino daopinio" tal como ele- se exerce hoje se nos referinnos ao testemunhoda mldia, o que se v dominar a cena poltica no mais o apelo a uma "vontadenacional" abstrata, postulada em nome de uma filosofia, mas a preocupao deconformidade com as "aspiraes" concretas de um actante coletivo presente, porassim dizer, em carne c osso: a "opinio", sujeito figurativo que, como se sabe, "fazparte dos fenmenos sociais aparentemente evidentes ",23 Paralelamente a essamutao relativa c; mauiestacs actoriais do dcstiuador, passa-se de um discursoda pura legalidade jurdica a um discurso social que ,!!sa, antes de mais nada,Qsllhcar a oporlullliJade das Occlsoes pouneas tomadas no dia a di~ ... . O arranjo das relaes entre esses dois-tipos de destinadorcs (no-guratvo,

    22 Cf. AJ. Or~irniua. JlalllHluanl. J ./m;

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    Ii.l.

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    32 Eric Landowski

    a "nao", suporte terico da lei, versus figurativo, a "opinio", rbitro social dadeciso) pode assumir formasdiversas. Tradicionalmente, suacoexistncia regu-lada segundo o modo da complementaridade:

    tiA opinio uma lei queestatu sobre as aes de que a lei civil no tomaconhecimento" (Coudillac).

    Hoje, ou os seus donnios de interveno se superpem e, ao mesmo tempo,a funo destinadora prpria "opinio" se especifica:

    "Segundo o projeto de lei bsica sobre as coletividades locais, o prefeito seri,aresponsvel diante dos tribunais administrativos da legalidade de suas deci-ses e, diante da opinio pblica local, de sua oportunidade" (Michle Cham-penos, "Les permis de construire sous Ia respousabllit des maires?", LeMonde, 29 de novembro de 1978);

    ou a supremacia do destinador-cpinlo leva supresso total da instncia repre-sentativa da "razo jurdica" (ou da teoria poltica), substituindo-se a busca do"consenso social" a qualquer outro procedimento de motivao das opes. Deve- ,se por exemplo considerar uma lei de abolio da pena de morte?

    "Trata-se de um problema de sociedade [... ] Seria, preciso que surgisse umconsenso [... ] No estou certo de que cimomento seja favorvel [... ] Seria'necessrio efetuar sondagens" (Daniel Tacet, "Abolition de Ia pcine de mort",Le Figaro, 17-18 de junho de 1978). '

    Do mesmo modo, tratando-se da questo poltica de saber "qual o melhorcandidato socialista", , como vimos,24 a um "estudo: de opinio pblica" que sediz confiar o encargo de dar a resposta. Nesse contexto geral, a reafrmao de umatrauscendncia qualquer do destuador em relao ao espao societal, em outraspalavras, o retomo de uma figura destinadora que no seria concebida comodiretamente apreensvel no plano dos "dados" empricos, revestir o valor de umapequena provocao intelectual. Assim esta referncia ao "Esprito Santo":

    "[ ele] que govema a Igreja: viu-se isto muito bem com Joo XXIII. Eledecidiu convocar o concilio depois de uma brusca inspiraao interior, nodepois de uma sondagem de opinio" (Robert Sol, "Le prcouclave a COOl-meuc", Le Monde, 11 de agosto de 1978).25 ,

    242S

    Art. citado, eC. acima. nota 19.. por uaim dizer. constitucionalmente. que o governe da Ign:ja depende da comunicao com o universo'~transccndni . No entanto, o esquema da "inspirao", enquanto teoria da deciaio. ultrapassa o domlotoeatritamente r~li,ioJO.Sabe-se, por exemplo. como "certa idia da Frana" p6dc, lO~inha - ou quaao -, notempo do Icneral De Gaulle, fundar toda uma polttic, (Sobre a llpologia du formu do deallnador poltico, cC,E. Landowald. "Formes et pratiques de Ia repraentatlon dans Ie vr Plan". /11 L. Nizard (org.), Planifica/lolI etSocilll. Gn:noble,Presscs Universitaires de Grenoble, 1975,)

    ; .

    A Opinio Pblica e Seus Porta- Vozes 33

    Na realidade, a partir do momento em que a funo do de~~2r"~e achaassim maciamente investda na figura "temporal" dita "opinio pblica'" Oespetculo da vida poltica inteira que se acha virtualmente tematizado no registroenfadonho do coufornusrno social. De um lado, a classe poltica, na medida em queage, deve prrnero "consultar a opinio", rgo tangvel da seleo dos valores e,por conseguinte, da definio dos programas polticos; de outro, ela precisa, a todoinstante, submeter-se a seus veredictos: a opinio pblica, tribunal permanente dosgestores do Estado! Ademais; dado que a opinio recebe todas as propriedades deum sujeito antropomorfo, dotado em particular de paixes e de afetos, necessroprever suas possveis reaes. A primeira precauo a tomar consistir, desse pontode vista, em prever o que poderia "causar medo opiulo", levando-se em conta, claro, os limites da competncia interpretativa atribuda a' essa observadoraonipresente, mas no onisciente:

    "Hoje, os herdeiros do General se encontram divididos [.. :] [Alguns] gosta-riam multoque o RPR apresentasse asua lista, mas se opem a que ela sejaconduzida por Debr. Eles temem que o antigo primeiro-ministro faa o papelde espantalho diante de uma opinio que [... ]" (Audr Foutaiue, "L'Europe 1'heure de I'Hexagoue", Le Monde, 14 de novembro de 1978).

    Com base nesse gnero de previses, atravs das quais mede-se o "sentidopoltico" prprio s pessoas do meio, a~l~~~sci-ttue a ao poU~ca propriamentedita corre o risco de ser suplantada por CO~l~eS de pura ttica:

    "Eu no anunciara que a liberao dos preos industriais se faria em algumassemanas para no inquietar a opinio pblica, declarou Monory, ministro daEconomia" (art. no assinado, "Prx", Le Monde, 11 de agosto de 1978).

    4.2. Desafiar a opinio

    por referncia a essa primeira categoria de elaboraes, inteiramente im~pregnadas de devoo "opinio", que pode se sustentar de maneira diferencialuma segunda forma de deontologia poltica, mais emancipada:

    "O dever dos que a nao escolheu para governar no seguir cegamente aopinlo pablica, mas orient-Ia, preced-Ia, at mesmo [..) violent-Ia"(Claude Mauriac, "Mais vous savez bien que je suis ionoceot", Le Monde,15-16 de outubro de 1978).

    1. Se a "nao" aparece de novo aqui como um protagonista por inteiro porque, desta vez, ela no entra mais numa relao de complementaridade funcio-nal com a "opinio" (relao no interior da qual esta s deixava quela um papelde segundo plano), mas sim numa relao de tipo hierrquico em que a posiodominante vai indiscutivelmente caber primeira. Estando os papis assim redis-

  • 34Eric Lalldowski

    tribudos, a "classe poltica", em vez de ter de obedecer a uma Ououtra de~sas duasinstncias destinadoras possveis (segundo o domnio de uuervcuo considerado),vai ter dai em diante' de se submeter a uma e a outra: ao meta-aesttnaaor. de umlado _ a "nao", figura maudatri a (6 ela que "escolhe" os que 11 "governam" eque, ao mesmo tempo, define em suas grandes linhas as or~entaes da ao a serrealizada) - e, de outro lado, ao destinador social, subordlllado, que repr~senta a"opinio", instncia couvocada a apoiar as decises tomadas, ou a sanctOna~ as"performances" realizadas pelos heris mandatados para gQvemar: Dupla obedll~-cia que, levando-se em conta as divergncias sempre posstveis entre os dOISdestinadores determina ao mesmo tempo as servides e a grandeza da funopoltica. De fato, se, por um lado, o servio aos in~e~ess.essupe~ores da "nao"por vezes exige que se "violentar a opinio", essa cxrgcncia no dispensa, por outrolado, do dever de obter finalmente seu consentimento:

    "A poltica no consiste em seguir a opinio pblica, mas em prec~d-la. Elaconsiste por vezes em desafiar a impopularidade e em forar o desuno - coma condio, claro, de captar em seguida a adeso popular" (!can d'Ormes-sou, "Chroniquedu ternps qui passe", Le Figaro, 27-28 de maio de 1978).

    2. Ora, a prpria "condio" assim colocada implica, para ser preenchida: ~mconjunto de procedimentos - iua fozer saber sem o qual ueuhuma sano poltica(seja ela adeso ou de condenao) poderia exercer-se convenientement~. ~abe-se,de fato, desde Aristfanes, o quanto o actante coletivo - coro ou opinio - suscetvel de desvios. Se ele se engana em seu modo de apreciar a conduta dosheris cabe ao corifeu - no teatro - reconduzi-lo a uma apreciao mais justadas co'isas fazendo-o conhecer o ponto de vista dos deuses. Da mesma maneira,so hoie necessrios polticos eloqentes - e, mais ainda, jornalistas bem infor-mados"26_ para "esclarecer a opinio" e retificar os erros de juzo que ela levadaa cometer sobre todas as coisas, c em primeiro lugar sobre as condutas poltcasdos dirigentes. Porque essa "rainha do mundo", na verdade, desfruta apenas, noplano cognitivo, de um estatuto deveras precrio. ..'

    O que transparece, ao menos em francs, atravs dessa curiosa aufbologialxica que faz que a palavra "opinio" designe, ao mesmo tempo, uma modalidadede juizo, prxima da incerteza - "ter uma opinio" sobre um tema pensar algumacoisa "admitindo uma possibilidade de erro" (Le Petit Robert) - e um actantecoletivo que intervm como instncia de juzo: a "Opinio", "conjunto dos quecompartilham [certas] atitudes de esprito dominantes numa sociedade" (ibid.). Aquesto toda est, pois, em saber que tipos de juizo, definidos do ponto de vista do 'seu valor epistmico, podem resultar da: pode a "Opinio" emitir outra coisa almde simples "opinies", por definies questionveis? Pode ela compartilhar outra

    26 Os jornalistas sc, de fato. "indispensveis compreenso do curso da histria" (Pierre Salinger, "Les tmoinsde 'histcire", Le Mondt. 12 de ebnl de 1979).

    A Opinio Pblica e Seus Porta-vozes 35

    coisa alm das "idias aceitas"1 A resposta que a leitura do disCurSQ.odarnldiaproporciona no deixa, como veremos, de lembrar a distinlo platOnica ClJUe umaforma 'superior e uma forma vulgar do couaecmentot

    epistem versus oxa.

    Em vez, no entanto, de uterdeur as modalidades de juizo num ,pIaDoabstrato, nossa literatura as uarratvza, Iuvestndo-as Duma bierarquia de 'papis,convocando o "saber incerto", doxolgco, do destaador social (a "Opinilo") asano de um metadestinador, detentor do "saber verdadeiro". O lugar dialtico emque se efetua o relacionamento das "opinies da Opinio" com o pIaDOda "Verda-de" s6 pode ser ocupado por uma classe de sujeitos coguuvos duplamente compe-tentes: ao mesmo' tempo informados das "atitudes de esplrito dOBnantes nasocedade" (isto , " escuta da opinio pblica") e capazes de medir seu valor deverdade (em relao aos critrios do metadestiuador). A quem, seuo aos jornalistase aos poltcos, poderia caber tal papel? Por sua fuuo de porta-vozes. eles estioem contato direto e permaueute com o actaute coletivo e no poderiam, pois,ignorar nada do que ele "pensa" ou do que ele "sente". Simultaneamente, em nomeda extenso e da diversidade dos donnios do saber que lbes servem de refernca,eles aparecem como os delegados no' s6 do metadcstinadcr polltico ~ a ''Nao''-, mas tambm de um metadestiuader de ~~rt~~ainda mais geral, a "Razo" -razo terica ou prtica, tal como ela ~~eJl"n~~ifatravs do discurso da Cncia(cincia econmica, cincia poltica, ciilcia~ previso em geral etc.). Numapalavra, to-somente armados de todos os recursos do epistme e em seu nomeque fazemos frente doxa:

    "{Rocard] um dos raros, em seu partido, a desafiar a impopulardaderepetindo incansavelmente que as leis da economia tm sua prpria lgica"(Patrick Wajsman, "Michcl Rocard existe-t-il?", Le Figaro, 13 de outubro de1978).

    "[De Guiringuaud, ministro das Relaes Exteriores] quis, com o risco deprovocar uma reprovao geral, corrigir uma idia aceita. Na opinio francesae ocidental, s as teses crists eram levadas em cousderao at ento. Ora,diz o ministro, esse ponto de vista [.] no conforme verdade e. fora daverdade, no h soluo" (art. no assinado, "Le fond et Ia forme". Le Monde,19 de outubro de 1978).

    Todavia, partir em luta contra as "Idias acetasvatrbuudo-se cavaleresca-mente a tarefa de "esclarecer a opno" no apenas .atestar uma preocupaodesinteressada em faz-Ia alcanar o estgio do conhecimento verdico: , aomesmo tempo, por certo, procurar convenc-Ia da racionalidade das decisesparticulares que se tomam em nome do metadestiuador e. portanto. visar conquis-

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    36 Eric Landowski

    ti-Ia para a sua exeCUiJO(A opinio pblica no aparece mais, nesse caso, como orbitro supremo, cuja vontade comanda a escolha dos valores a serem perseguidos,mas como um parceiro - ou um adversrio - do qual vai depender a transforma-o dos programas poUticos virtuais elprogramas efetivamente realizveis) Omodo de existncia narrativa da opinio , portanto, aqui, o de um adjuvintepotencial, .ou de um oponente eventual, sl!scetlvel, por sua participao ou suaresistncia, de. dotar ou privar o sujeito poltico do poder fazer indispensvel passagem ao ato. Desse ponto de vista, o jazer saber, com seu carter polmico,

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    "J que os juzes da aplicao das penas so tidos como demasiado iucxpc-rientes e demasiado progressistas [...] reduzir-se- o seu poder [...] Qualquerprojeto [de lei sobre a execuo das penas] respira, assim. [... ] a desconfianaem relao justia e complacncia para com a frao repressiva de umaopinio pblica mal-informada [...] Em ltima anlise, trata-se apenas de limaoperao poltica. O projeto destinado to-somente a dar a seus autores,diante de uma opinio pblica amedrontada, os traos da Iirmeza" (RobcrtBadinter, "Deux pas en arrrc", Le Monde, 4 de outubro de ]978).

    Sem dvida, o governo, autor do projeto de lei, falta com os deveres do seucargo ao se submeter, por sua inteira vontade, aos apelos de um requerentenotoriamente incompetente (j que "mal-nformado"), e isso com a nica utenao("trata-se apenas de uma operao poltica") de dar crdito fcil a uma imagemlisonjeira de si mesmo. Todavia, essa dupla acusao no deixa os promotores dareforma sem defesa: tm eles culpa se a "opinio pblica", reconhecida comoDestinador sintxico (de acordo com seu estatuto proto-actaucial, que no deforma alguma questionado aqui), manifesta-se, no caso, no plano sintagmtico, sobos traos do antidestinador ("mal-infonuado", "amedrontado", "repressivo")? Nadao indica fonualmente. Claro, podemos supor que os rcspousvcis polticos "nodeviam" deixar a opinio pblica acreditar em simples rumores ("os juizes [... ] sotidos como [... ]"), mas, por outro lado, iutcrlocutora "amedrontada". prestar-se-iaela verdadeiramente a ser "bem informada"? Nessas condies. a atitude governa-mental ncriminada no se presta talvez seno a ilustrar este.adgio:

    "A opinio a rainha do mundo, porque a tolice a rainha dos tolos"(Charnfort).

    E cumpre admitir, segundo essa perspectiva, que a demagogia - homenagemrendida ao poderio irracional do Moloch - tem tambm ela seu lugar entre asformas dedutveis da presente gramtica ideolgica: conformando-se a ela, odemagogo nunca mais que um meio-culpado.

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    2. Um grau a mais transposto na ordem da transgresso, a partir do momcn toem que o sujeito poluco (ou, mais propriamente, nesse caso, o auti-sujcito) .podeser ele prprio tido como responsvel pela converso da OpIlUtiO, Destiuadorsintxico virtual, em antidestinador atualizado: .

    "Vrias organizaes do mundo judicirio reuniram-se [...] para denunciar [o1condicionamento da opinio contra a defesa, capaz de justificar uma concep-o autoritria da justia [... ] Depois do coudcionamento da opinio pblica,assistiremos amanh a perseguies disciplinares" (art, no assinado, "Ccr-tains syndicats sinquitcut.;", Le Monde, 25-26 de junho de 1978).

    A Opinio Pblica e Seus Porta-Vozes 39

    Em vez de, como se dav~ autes(a opnio pblica se enganar d~v~ suaprpria incompetncia no plano uterpretatvo, e-lj, agora engonad1felo fazcrpersuasivo de um auti-SUjeit~ "Saciam a opinio l>blica com id6ias falsas".ll Essatransformao deliberada do actaute coletivo em autdesuador se descnrola aeral-mente em duas fases, pois a desqualcao da opinio pblca como instnciacognitiva pressupe o domnio dos seus estados afetivos: preciso comear por"comover" a opinio, "choc-Ia", "perturb-Ia", "ntoxc-la" -igualmente fonnasdo "bombardeio psicolgico" e do "condicionamento" -, para fa~-la em seguidadar aval aos projetos enganadores que se pretendem realizar. Embora se veja assimdesnaturada (em relao s frmulas precedentes), nem por isso a "soberania daopinio" negada. Ao contrrio. apenas na medida em que ainda se pressupOeque a "opinio rainha", que a necessidade de a deseucamahar podc,lo,icamcnte,impor-se ao anti-sujeto. Manipulado (at fazer o >a anUdestilladoractante coletivo ainda assim reCODue I o~sllltaxicamelltc, como O numlpuladorfinal do "Poderll....,

    4.4. Afrontar a opinio

    A despeito de seus efeitos de sentidos opostos, duas dentre as configuraesdescritas at aqui baseavam-se no estabclccmeuto de relaes contratuals entreactantes, Num caso, o mais simples"~ c~~~" JJP.Mlicadedica-se ao "scrvo" daopulo-desuuador (4.1); uo outro, mais~ffi'$i, o "Poder", sempre sob o toquede "deferncia", mas ante uma opinio picv~ute cegada quanto ao valor dosvalores (4.3), leva adiante o seu prprio programa. O "consenso" social, justifica-dor do fazer poltco, reveste assim ora um carter vcrdco, ora um carter ilusrioou enganador. Simetricamente, dois tipos de configuraes conflituois devem serdistinguidos. O primeiro. j evocado com a frmula "desafiar a opinio" (4.2),abarca um desacordo limitado, estritamente coguitivo e momentneo entre parcei-ros empenhados em se reconciliar com base numa "verdade" reconhecida porambas as partes, Com a rmula antttca - "afrontar a .opinio" -, a relaopolmica muda de natureza. Em vez de duas instncias que se chocam a pretextode divergncias coucerucutes aos objetos da poltica, teremos dois sujeitos que semedem no plano pragmtico enquanto foras adversas - oposio e~sa que s podedesembocar na neutralzao do poder fazer de uma. ds duas partes. A prova, dequalificante que era antes. (epislein' vcrsus doxo), torna-se decisivo; o poder ..dJiPoder entra em conflito com o poder da Opinio. .. -..... .

    Ora, a relao das foras em prescna to desigual que o resultado de um talafrontanienio no d margem a dvidas. De fato; tudo sucede como S transfOmlafo "Poder" no adversrio declarado da opinio'l>blia uo tivesse outra razo deser, do ponto de vista narrativo, scucustrar, pelo aplogo de uma lutal>erd.ida

    28 Mihcl Dcbrf. "De nouycau le IULpubli", FI,",O, 20 de novclalNo de 1l/18,

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    40 Eric Landowski

    de antemo, a existncia de uma relao fundamental de dominao cxercida peloactante social "Opinio" sobre qualquer outra instncia polltica individualizada(governo, assemblias, partidos etc.). Daa "fora iucoerctvel'' (F. Brunot) infali-velmente atribuda opinio pblica, assim que ela aparece em posio de no-destinado r, ou seja, cada vez que um elemento qualquer da "classe poHtica" entraem estado de guerra contra ela. Pouco importa nesse caso se, do ponto de vista donarrador, a opinio defende a "boa" ou a "m" causa: ltimo recurso do justo direitocontra a maleficncia dos poderosos, ou, ao contrrio, arma de uma resistnciaobscura contra os governos justos, ela representa, em ltima iustncia, o obstculoIntranspcnvel diante do qual o "Poder", se no negociar ou ceder, cedo ou tardese abole como poder.

    5. Um espetculo funcional

    Para l da diversidade dos empregos da palavra "opinio", procuramos captara unidade subjacente de um sistema modal e sintxico comum: por mais diversasque sejam, as "narrativas da opinio" so interdefinivcis e, por essa razo, depen-dem de uma mesma gramtica ideolgica. Reduzida sua armadura, ela poderiaresumir-se em duas proposies esquernticas: se desenganar a opinio pblicano , em ltima anlise, mais.que uma maneira de procurar melhor obedecer-lhe,inversamente, a pior maneira de ceder a ela consiste em tentar engan-la, Mas auoidade profunda dos cenrios assim correlacionados talvez no esteja uucarncutenisso, porque, do mesmo modo e ao mesmo tempo que designa um actante doenunciado, reconhecvel no.plano narrativo, o. termo "opinio" tambm recobreposies enunciattvas pertencentes ao nvel discursivo: a "opinio pblica" no apenas uma figura da histria que se conta, ela tem ligao direta com os sujeitosda comunicao em busca da sua prpria identidade.

    5.1. O enunciador autorizado

    Ela tem relao com o sujeito enunciautc, em primeiro lugar, que se qualificacomo um locutor autorizado, tanto falando "em nome da opinio" (afirmao deum direito poltico palavra), como tratando doutarneute "da opinio" (afirma-o de um donnio politoI6gico). Exagerando um pouco.serlamos tentados a dizerque "homem poltico" quem diz "opinio pblica", intervindo a figura assimdenominada como um ndice lexemtico da competucla enuucatva revudcadapelo sujeito que a utiliza,ou, o que equivalente. como um conotador da "polt-cidade"dos discursos em que ela aparece. Mesmo se a opinio pblica "no existe".ela produz, assim, enquanto figura discursiva, certos efeitos de sentido precisos econtrolveis no mbito de um tipo determinado de "logos poltico", o das grandesmdias atuais. Como qualquer sistema de discurso. tal "logos'' repousa emcertas

    A Opinio Pblica e Seus Porta- Vozes 41

    convenes implcitas de "escrita" e de "leitura", que condciouamsua inteligibi-lidade e garantem credibilidade dos enunciados que ai se trocam. Tetamos, aocomear, dar uma descrio sumria dele, baseada na analogia entre os.pressupos-tos da encenao da cotidianidade poltica, por um lado, e, por outro, os dispositi-vos que regem uma forma histrica exemplar de encenao teatral propriamentedita. Em ambos os casos, um mesmo paradoxo parece' atestar a circularidade dosprocessos de verdico: coro ou opinio, uma instncia imaginria - investidade existncia semitica, mas privada de realidade fora do quadro espetacular quelhe d nascimento -que cauciona a prpria realidade do espetculo.

    No interior desse quadro, a competncia enunciativa de que jornalistas epoltlcos podem se prevalecer instaurando-se convencionalmente como "porta-vo-zes da opinio" autoriza mltiplas estratgias. Invocar a opinio , antes de maisnada e quase sempre, tentar modificar a conduta de algum outro sujeito, formulau-do por antecipao e como que por delegao, os juizos possves do actantecoletivo testemunha. Conforme a natureza das presses - fazer fazer, impedir defazer etc. - que procura exercer sobre seus alocutros, aliados ou rivais na cenapolltica, o alocutor ser levado a atribuir opinio pblica, que lhe serve dereferncia e de garantia, posies variveis, correspondentes 1diversidade dosesquemas narrativos inventariados acima. Se se tratar, por exemplo, de incitardeterminado parceiro a agir num sentido determinado, em muitos casos o simplesfato de se atribuir a vontade corrdp~ndeQt~,A;.'''opinio pblica" equivaler aconferir ao programa cousderado a form1l.. ~aipr de um dever-fazer que se impeao enunciatrio. Mais geralmente, o conjUllf8:' dos cenrios repertorados tm,assim, vocao - enquanto variantes sintxicas representativas das situaes deeuuuciao mais diversas - de se transformar em instrumentos de maniputaesiutersubjctivas.

    No entanto, a invocao da opinio inscreve-se tambm em discursos delegtimao. Consistindo uma das caracteristicas fundamentais das ideologiaspolticas aqui examinadas em excluir a estrutura de autodestiuao como modo deinstaurao confesso (ou coufessvel) dos sujeitos de poder, nenhum dirigentepode, em polltica, atrmar-se independentemente da referncia a alguma figuramandante que encarne o dcstuador que ofez ser, ou o mauipulador que o faz agir.A funo "representativa" equivale assim a exigir, dos que a exercem no terrenopoltico, a capacidade de (rejconstrur permanentemente uma identidade coletivade referncia, evidentemente varivel em extenso e em natureza ("os franceses","os jovens", "os trabalhadores", "a opinio" etc.), couforme o tipo de mandante e,portanto, de legitimidade reivindicada.29 Devendo supostamente assumir um que-rer soberano. de que o sujeito poltico enunciador no seria mais que o delegado e

    '29 Sobre esse ponto. eC. 8. Landowski. "Le dbat parlemcnlAire et I'criture de Ia Ioi". RCVJIC!TG_GI,c de sciencpolltlqllt. XXVII, 3. 1971; "De Ia rdibili~ de. ftJ>reDlAtio Proci C,,/tlcr. l.ulyH ".,UllqMc etjNridiqllt. 111'2, 1983 ..

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    42 Eric Landowski

    o executnte, a opuuao pblica cumpre nesse contexto uma funo discursivaprecisa: encaruao reconhecida do destiuador social, ela representa uma dasprincipais figuras, em referncia s quais se define e",por assim dizer, se mede alegitimidade do "Poder".

    5.2. O enunciatrio normalizado

    Sem dvida, poderamos ficar por aqui: objeto semilicoconstrudo, a opiniopblica garante a competncia modal dos protagonistas que ocupam a cena polticaem posio de enunciadores. H mais, porm. Porque esse parceiro indispensvel "classe poltica" , ao mesmo tempo, tido como representante do pblico, diantedo qual o jogo poltico assim organizado jogado. A funo espetacular asseguradapelo actante "opiuio'', destinador que motiva a ao e legitima a palavra dosPoderes. duplica-se. assim, por uma Iuuo especular: "vendo" a opinio manipu-lar os governantes (ou mesmo ser por eles manipulada), os espectadores -, osgovemados - tomam-se, de certa forma, testemunhas de seu prprio papel nodesenrolar da "histria" que se est fazendo. Desse ponto de vista, tudo sucede, nofundo, como se "opinio pblica" no fosse seno o nome dado ao enunciatrio dodiscurso poltico - ao "pblico" -, uma vez este instalado, com o estatutonarrativo de Destinador sintxico. na narrativa poltica. Sem voltar aos critriosde ordem lgica, modal e aspectual que nos permitiram distinguir inicialmente asduas noes, vemos que a oposio "opinio pblica" versus "pblico" decorre, emltima anlise, sobretudo, de uma distino entre nveis discursivos.

    Essas observaes nos levam, guisa de concluso, a reconsiderar dois tiposde crticas que se desenvolveram medida que se afirmava a importncia da"opinio pblica" como instncia de referncia no discurso jornalstico-poltico.Alertados pela proliferao das interpretaes de que a opinio pblica doravanteobjeto, alguns se insurgem contra o pretcuso "reinado da opinio". Levando-se aoextremo, as operaes de sondagem tenderiam a substituir os processos democr-ticos do voto e da eleio. Outros, ao contrrio, se indignam com as "manipulaesda opiuio". primeira vista, as duas perspectivas se contradizem: o que se chama"opinio" intervm, numa delas, como sujeito dominante a que os poderes pblicosseriam submetidos de forma demasiado complacente e.ua outra, ao contrrio, comoinstncia teleguiada e tornada impotente, com os governantes forjando para si umaopinio pblica por construo couseutida. Ora, as duas atitudes decorrem, pare-ce-nos, de um nico e mesmo sistema de postulados. Quer estigmatizemos oexcesso de considerao para com a "opinio", quer, ao contrrio, seu rebaixamen-to, colocamo-nos numa perspectiva reificante que concede, de salda, o estatuto deator social dotado de existncia cmprca ao que no , quando muito, seno um"ser de papel", um objeto construido no quadro de um conjunto de convenesnarrativas e discursivas. Longe de desmitificar, a crtica permanece assim subme-tida problemtica que torna possvel o "estado de coisas" incrminado e uo toca

    A Opinio Pblica e Seus Porta-Yozes 43

    nos princpios mesmos dos Icnmcuos que ela denuncia.Assim no se trata, em ltima anlise, de saber se a opinio rainha ou serva,

    se manipula ou se manipulada, porque, fonnulado desse modo, o problemapermanece necessariamente insolvel: as diferentes narrativas da opinio podem.sem dvida, ser julgadas do ponto de vista da sua verossimilhana respectiva, mas,no mais que nenhuma outra forma de construo ntica, elas no se prestam verficao experimental. Em compensao, encontramos um terreno mais slidose, qualquer que seja a diversidade dos papis actaucas (soberano ou subjugado,positivo ou negativo ctc.) que atribuem ao ator "opulo", toma-se o partido deconsiderar todos esses esquemas narrativos como dependentes de uma mesmaestratgia de persuaso social, cujo princlpio, se mais uma vez esquematizarmos,poderia resumir-se nesta frmnla: uma manpulao pode ocultar uma outra. Aprimeira, mautrcsta, ~ a que articula a euceuao da vida I>oUtica. Atravs de ~ertonmero de variantes, vimos como a opinio deveria IUl>ostamcute fazer agir asesferas dlrigcntcs. A estrutura de maupulao , ento, cXI>UcitaCdefine inclusivelima norma de representao do "curso da histria". Mas essa cuccuao recobre,por sua vez, uma estrutura de maupulao segunda, ao mcmo tempo menosevidente e mais real, propondo aos que dela so testemunhas uma representaonormativa de seu prprlo modo de existncia poltco,

    Desse pon to de vista, no tem r~!lalmClllemuito sentido condenar a nuucaoculta que os discursos de massa excraeram "