“porta vozes da direita” e “apÓstolos” do regime ... · por intermédio de carlos chagas...
TRANSCRIPT
1
“PORTA-VOZES DA DIREITA” E “APÓSTOLOS” DO REGIME CIVIL-MILITAR
BRASILEIRO: REFLEXÕES HISTORIOGRÁFICAS SOBRE AS TRAJETÓRIAS
INTELECTUAIS DE GUSTAVO CORÇÃO E JULIO FLEICHMAN ENTRE AS
DÉCADAS DE 1970 E 1990
GLAUCO COSTA DE SOUZA*
INTRODUÇÃO
O objetivo é apresentar o resultado das reflexões teóricas e metodológicas, oriundas do
campo historiográfico denominado História dos Intelectuais, da minha tese de doutorado que
avalia a trajetória de dois intelectuais representantes do catolicismo carioca: Gustavo Corção e
Julio Fleichman. Em 1968, em pleno recrudescimento do regime civil-militar brasileiro, os
intelectuais fundaram o grupo e a revista homônima Permanência e iniciaram o “combate”
aos “males da modernidade” a partir de dois projetos principais: um político; de apoio à
ditadura; e outro cultural/religioso; em defesa dos valores da cultura ocidental cristã.
Participaram de Congressos Internacionais, escreveram na imprensa católica francesa e, além
disso, Gustavo Corção teve cinco livros publicados em diversos países da Europa.
Da análise dessas ricas fontes que se defende a ideia de que Corção e Fleichman são
“porta-vozes da direita” e “apóstolos” católicos do regime civil-militar brasileiro no exterior.
Nos documentos é possível identificar um discurso compartilhado por grupos da direita
política e católica no Brasil que, a partir das denúncias feitas no exterior por Dom Hélder
Câmara contra os abusos da ditadura, propagaram ideias e imagens de um governo ditatorial
preocupado com a ordem social cristã abalada pelos males do pensamento moderno.
A partir desses dois projetos, esquematizado pelos intelectuais católicos cariocas no
estrangeiro, a utilização de conceitos e ferramentas teóricas e metodológicas provenientes da
História dos Intelectuais auxiliará na estruturação desse trabalho. Primeiramente, será
descrito o Itinerário da vida desses dois personagens, em sequencia, a relação entre teoria e
prática por meio de alguns aportes científicos do campo historiográfico em trabalho e, no fim,
expor os resultados até aqui pesquisados dos projetos defendidos por esses dois intelectuais.
1. O ITINERÁRIO DE GUSTAVO CORÇÃO E JULIO FLEICHMAN
* Doutorando pelo programa de História Social – FFLCH/USP, pesquisador/bolsista da CAPES.
2
Gustavo Corção (1896-1978) e Julio Fleichman (1928-2005) foram amigos e
companheiros de militância política e religiosa durante 40 anos, até a morte de Corção em seis
de julho de 1978. Atuantes na imprensa católica no Brasil, Fleichman escrevia em revistas
especializadas e foi fundador jurídico do grupo Permanência. Contudo, foi Gustavo Corção
que se destacou na imprensa jornalística laica, escrevendo artigos de opinião, crônicas e
crítica religiosa em jornais como Diário de Notícia (RJ), Tribuna da Imprensa (RJ), O Estado
de São Paulo, Correio do Povo (Porto Alegre), Gazeta do Povo (Curitiba) e A Tarde
(Salvador), além da carreira literária com seu primeiro livro lançado em 1944.
Filho da classe média alta carioca, segundo Ferreira (2001), Gustavo Corção cursou o
secundário no colégio Dom Pedro II e, no ciclo educacional seguinte, a escola Politécnica no
Rio de Janeiro. Em anos finais da década de 1910, passou a cursar Engenharia e aproximou-se
durante sua juventude do pensamento marxista. Apesar de abandonar o curso superior em
1922, no ano de 1925 assumiu o cargo de assistente da cadeira de astronomia da Escola
Politécnica do RJ e, após dez anos, foi professor de Eletrônica na Escola Técnica do Exército,
onde estabeleceu vínculos de amizades com membros do círculo militar.
Em 1936, com a morte de sua primeira esposa, Corção converteu-se ao catolicismo
por intermédio de Carlos Chagas Filho e, em 1939, com a amizade estabelecida com Alceu
Amoroso Lima, passou a frequentar o Centro Dom Vital1 e a estudar filosofia tomista no
mosteiro de São Bento do RJ, tornando-se oblato. É dessa forma que, nos anos de 1950,
Corção passou a ser o principal representante da direita católica na imprensa brasileira e, na
década de 1960, a partir do golpe civil-militar de 1964, aposentou-se de alguns trabalhos e
assumiu o cargo de membro do Conselho Federal de Cultura em 19662, escreveu no jornal O
Globo (com uma seção de crônicas de quinta e sábado) e na revista Permanência.
1 O Centro Dom Vital foi criado em 1922 com o objetivo de congregar os intelectuais do laicato católico, sob a
responsabilidade de Jackson de Figueiredo, militante católico responsável pelo projeto da Neocristandade,
influenciado por Dom Sebastião Leme, religioso que possuía nítidas ligações com o governo de Getúlio Vargas,
momento de afirmação no cenário político do Centro Dom Vital. Existem diversos trabalhos sobre esse período,
como a obra de Cândido Moreira Rodrigues: A ordem: uma revista de intelectuais católicos (1934-1935). Belo
Horizonte: Autêntica/FAPESP, 2005.
2 Nomeação em www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001573.pdf, acesso em 17 de janeiro de 2018.
3
Sobre o intelectual católico Julio Fleichman, ele nasceu no Rio de Janeiro em uma
família de judeus ucranianos refugiados do regime comunista. Foi formado em Direito e atuou
na área de Direto Corporativo até a sua aposentadoria. Na sua juventude chegou a flertar com
o pensamento marxista, relacionando-se com figuras como Carlos Lacerda e Hílcar Leite3.
Na década de 1940, ainda judeu não praticante, junto com Frederico de Carvalho,
passou a frequentar um grupo denominado de “Resistência Democrática”, formado por
escritores e políticos católicos, como Fernando Carneiro, Barreto Filho e Gustavo Corção. Foi
desse contato que Fleichman admirou o intelectual católico e frequentou os cursos dados pelo
seu “mestre” no Centro Dom Vital nos anos finais da década de 1940.
Após entrar em contato com obras de Chesterton, escritor católico inglês, e
Kierkeggard, com a leitura do livro “A Angústia Humana”, com 25 anos se converteu ao
catolicismo e, no início da década de 1950, é batizado por Dom Marcos Barbosa no mosteiro
de São Bento do RJ, sendo abençoado pela reza de três freiras a mando de Gustavo Corção.
Como afirma em entrevista: “[...] Afinal, me converti e nunca mais deixei o Corção e segui
firme no caminho que tinha que seguir”4.
Dessa forma, Gustavo Corção e Julio Fleichman formaram uma parceria fiel e
duradoura. Irmandade que se iniciou com a relação discípulo/mestre no Centro Dom Vital.
Nos anos iniciais da década de 1960, o Centro sofreu uma crise interna em que Alceu
Amoroso Lima e Gustavo Corção, ao defenderem pensamentos opostos, criaram uma cisão no
instituto5. Com o apoio do cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro na época, Dom Jaime Câmara,
3 Algumas informações sobre sua vida foram retiradas de entrevistas dadas aos seguintes sites:
http://www.veritatis.com.br/testemunho-do-dr-julio-fleichman-ex-judeu/ e
http://permanencia.org.br/drupal/taxonomy/term/660 e do livro de Julio Fleichman intitulado: O Itinerário
Espiritual da Igreja Católica, publicada pela editora Permanência em 2013, sendo essa publicação a terceira
edição.
4 http://www.permanencia.org.br/drupal/node/996
5 O Centro Dom Vital encerra suas atividades após uma contenda que existiu entre Alceu Amoroso Lima,
representante do catolicismo social no país, e Gustavo Corção. Segundo Costa (2006), a imagem de um Alceu
progressista ocorre quando este já estava no Jornal do Brasil, entre 1958-1983, onde se destacou por sua crítica
aos governos militares, iniciados em 1964. Dessa forma, oblatos da ordem de São Bento, Alceu e Gustavo
entram em conflito e passam a defender posturas contrárias na imprensa durante a ditadura militar: “Alceu – um
crente que abraçava teses progressistas – e o Jornal do Brasil se opondo ao governo de então. Gustavo Corção –
amigo e, posteriormente, detrator de Alceu quando este se afastou do registro eclesial tridentino – e O Globo na
defesa do regime”. (COSTA, 2006, p. 247).
4
Gustavo Corção deixou o espaço cultural em 1963, levando com ele 200 membros que
romperam o vínculo com a instituição de pensamento católico (FERREIRA, 2001). Assim,
em agosto de 1968, de discípulo, Fleichman tornou-se o companheiro de fundação de
Permanência, criado com o apoio do episcopado carioca e do regime civil-militar6.
Após alguns anos, em 1975, passou a ser o diretor da revista Permanência, dividindo
com Corção a responsabilidade de “esquematizar responsabilidades”, como aponta De Paula
(2007, p. 177), responsabilizando os inimigos pelas mortes e torturas sofridas por serem
comunistas. Como observa a autora, “(...) o tema da liberdade de expressão na imprensa
brasileira constituía um produto restrito da direita”.
As trajetórias de Gustavo Corção e Julio Fleichman se entrelaçam e formam, por meio
de experiências compartilhadas, representações e imagens que os conectam a uma história
composta por um projeto de militância política e religiosa, partilhados por grupos da extrema
direita política brasileira. É nesse momento que Gustavo Corção, intelectual polivalente, se
dedicou, exclusivamente, à imprensa jornalística e, com Julio Fleichman, iniciaram uma
trajetória rica para a compreensão e a análise de seus papéis como intelectuais.
2. CORÇÃO, FLEICHMAN E A HISTÓRIA DOS INTELECTUAIS.
A História dos Intelectuais, como cita Altamirano (2005), é um campo aberto, que se
renova constantemente e procura sempre uma redefinição da função dos intelectuais na
sociedade. Como aponta Sirinelli (1990), o estudo desses personagens, sempre vinculado ao
político, permite com que o historiador consiga compreender a real dimensão que esses
eventos tiveram na vida dessas figuras que participam ativamente na vida de uma
comunidade. As manifestações dos intelectuais não refletem somente tensões e conflitos de
uma realidade social, mas também, revelam a história de crises e paixões nacionais.
Por ser um conceito fluído e polissêmico, o objetivo do trabalho não é apresentar todas
as ferramentas teóricas e metodológicas desse campo, mas sim, trabalhar com denominações e
conceitos que trazem sentido para a construção e estruturação da tese de doutorado. Dessa
6 No jornal O Globo (19/08/1968), aparece uma nota de fundação do grupo, que foi realizada no auditório do
Ministério da Educação, que contou com a participação de membros do episcopado carioca, como Dom Jaime
Câmara e ministros do governo militar. Contudo, a revista só foi lançada em Outubro de 1968.
5
maneira, os conceitos de rede de sociabilidades e de geração são importantíssimos, pois
Gustavo Corção e Julio Fleichman representaram instituições e organizações públicas e
religiosas, atuando em lugares privilegiados, onde mediavam projetos culturais que tiveram
grande impacto na vida social e política brasileira.
Os intelectuais em análise fazem parte do movimento integrista francês7, do final do
século XIX. São grupos católicos intransigentes a qualquer tipo de modernidade política e
social dentro da Igreja. Ligados ao pensamento contrarrevolucionário francês do século
XVIII, como aponta Roberto Romano (1997), esses pensadores possuem em comum a forma
romântica de se pensar a política, tendo como modelo o domínio cultural que a Igreja Cristã
possuía na Idade Média e combatendo princípios como liberdade e democracia, termos
oriundos do contexto filosófico e político do Iluminismo Europeu.
Esses pensadores, de acordo com Michel (2004), conseguem aproximar o pensamento
católico intransigente ao nacionalismo integral francês. Nas décadas iniciais do século XX, o
campo intelectual desse país foi, predominantemente, composto pela direita nacionalista.
Representada pela Ação Francesa, de Charles Maurras8 (1868-1952), ela reuniu parte da
juventude na França lhes conferindo uma ideologia estruturada no pensamento católico,
dominando o terreno ideológico da época9.
7 Sobre o movimento integrista, em suas inúmeras confissões por meio do mundo, existem obras interessantes
sobre seus aspectos teóricos, como o artigo de Antônio Flávio Oliveira Pierucci: Fundamentalismo e integrismo:
o nome e as coisas. Revista da USP, nº 13, 1992. Sobre a atuação do integrismo católico, diversos especialistas
do campo historiográfico escreveram sobre o movimento e suas relações com a categoria dos intelectuais, dentre
eles Jean-François Sirinelli, René Remond e Emile Poulat. Porém, especificamente, sobre o integrismo
brasileiro, um livro pioneiro descrevendo a atuação do movimento integrista na década de 1970 foi do padre
francês Charles Antoine: O Integrismo Brasileiro. RJ: Civilização Brasileira, 1980. Apenas nos anos finais de
2000 apareceram obras na área da história sobre o movimento integrista católico no Brasil, como trabalhos sobre
a TFP, e o meu Trabalho, sobre os grupos Hora Presente e Permanência, em 2012.
8 De acordo com Compangon (2009) Charles Maurras (1968-1952), jornalista e poeta francês, foi um assíduo
representante dos contrarrevolucionários europeus do século XVIII e representa a primeira referência teórica dos
intelectuais latino-americanos com o pensamento francês. Era defensor de um nacionalismo francês antissemita e
antimoderno, atuando por meio da Ação Francesa. Seu pensamento atravessou o atlântico chegando aos
intelectuais da direita nacionalista brasileira e argentina na década de 1920; com Jackson de Figueiredo e Tomás
Curre; e no pós-2º Guerra Mundial; Gustavo Corção e Julio Meinville.
9 Para Pelletier (2002), os principais grupos do nacional-catolicismo na França surgiram da Ação Francesa, de
Charles Maurras, que mobilizou grande parte da juventude francesa em seu centro. Muitos desses jovens foram
intelectuais ativos na sociedade francesa após o fim da Ação Francesa. Entre as organizações surgidas de
movimento, destacam-se: La Fraternité Sacerdotale Saint-Pie-X, La Sapiniére (1909), de Umberto Benigni,
L‟Homme Nouveau (1946), La Cite Catholique (1946), de Jean Ousset, Nouvelles Éditions Latinas (1928),
Itinéraires e Permanences.
6
Somente alguns anos a mais que os franceses, durante a década de 1930, que os
intelectuais da direita nacionalista no Brasil passaram a compor o cenário político-ideológico
do país. Segundo Beired (1999), o surgimento dessa direita está ligado à crise da ordem
liberal, representado no modelo político liberal-oligárquico do início da República. Como
representantes dos intelectuais católicos no Brasil, o autor supracitado estuda o Centro Dom
Vital e sua importância na construção da ideologia nacionalista brasileira dos anos de 1930 a
1945, calcado nos ideais de Charles Maurras10.
Constata-se que essa direita católica, formada por redes de sociabilidade no Brasil e no
exterior, a partir dos anos de 1950 passou por uma profunda crise com o surgimento do
progressismo católico. Na década de 1960, no país, essa direita, representada na figura de
Gustavo Corção, rompe com os setores progressistas da Igreja e reúne uma geração de
pessoas que defenderam um discurso anticomunista e antiprogressista, representando a
polarização política e religiosa que existiu no Brasil entre os grupos sociais e políticos antes
do golpe civil-militar de 6411.
Quanto à utilização do conceito de intelectual no trabalho, encontra-se em voga no
campo das humanidades a ideia de mediação cultural, que compreende o intelectual como um
comunicador de ideias, sempre conectado com grupos que dialogam com seu tempo.
Existem outras definições que entendem o intelectual como uma figura que tem por
dever a defesa de valores universais (SAID, 2005), atitude contrária dos intelectuais católicos
10 O historiador francês Oliver Compagnon (2009) estuda a influencia do pensamento maurrasiano na América
latina. No Brasil, Jackson de Figueiredo foi um dos maiores estudiosos do pensador francês. Percebe-se aí uma
das características do conceito de sociabilidades: o contato de pensadores católicos da América Latina com o
pensamento integrista francês. A partir dessa influencia, foram se formando centros de estudo e revistas com
base no pensamento integrista francês, como na Argentina com o centro de Cursos de Cultura Católica (1922), e
a Circular informativa de los Cursos de Cultura Católica, e seus membros, como Alberto Molas Terán, Julio
Meinvielle, Leonardo Castellani et Juan R. Sepich.
11 A ideia de geração, promovida por esses encontros de sociabilidade intelectual, é pertinente com o grupo que
os intelectuais Gustavo Corção e Julio Fleichman representavam. São pessoas que partilham de paixões,
angústias e sentimentos promovidos por eventos que marcam um determinado grupo de pessoas, como no caso
da direita católica brasileira, tem-se o Concílio Ecumênico Vaticano II, As Conferências Episcopais realizadas
em Medelín (1968) e depois em Puebla (1979), a teologia da Libertação na América Latina, o Golpe de 1964, os
movimentos armados de esquerda no Brasil, entre outros. Como apontam Gomes e Hassen (2016), o conceito de
geração deve ser analisado para identificar as sociabilidades de um grupo. Ou seja, elas não explicam; elas
devem ser explicadas para que a dinâmica organizacional e os microclimas intelectuais dos grupos sejam
apreendidos pelo historiador.
7
em estudo. Outras, que consideram os intelectuais como um grupo privilegiado da sociedade,
que defendem padrões eternos de verdade e justiça (BENDA, 1941), bem diferente de Corção
e Fleichman, apesar de se apresentarem como os principais portadores da consciência da
Nação, como os interpretes mais habilitados da alma nacional brasileira e autoritária. Eles se
colocavam acima de partidos ou ideologias, em nome de uma teologia moral.
Em síntese, o conceito de mediador cultural é o que cabe nesse trabalho para uma
definição mais precisa da função histórica de Gustavo Corção e Julio Fleichman como
intelectuais católicos. De acordo com Soares (2002), a noção se aplica aos agentes que fazem
a ponte entre dois sistemas culturais distintos, como, por exemplo, fizeram os intelectuais com
a construção de discursos sobre o Brasil ditatorial para outra cultura.
Parte-se aqui da premissa que a transmissão cultural nunca é neutra. É necessário
observar os compromissos realizados por esses intelectuais: compromisso com um projeto
político (porta-vozes/do regime militar) e um projeto cultural/religioso (apóstolos da cultura
cristã ocidental), que envolveu grandes círculos de sociabilidades (amizades com membros do
governo, com a elite carioca da direita, com os integristas franceses da revista Itinéraires e do
grupo integrista Office International12), ou seja, uma circularidade de ideias e pensamentos
que extrapolou o limite nacional, chegando a outros países.
Utilizando das ideias de Gomes e Hansen (2016), percebe-se em Corção e Fleichman o
papel de transmissor, o que as autoras chamam de intelectuais mediadores. É alguém que
conduz um código cultural para outro, sem nada transformar criativamente. Apesar da
erudição de Gustavo Corção, escritor hábil com as palavras, sendo comparado a Machado de
Assis13, ambos intelectuais reproduziram discursos e práticas de grupos sociais e políticos da
direita brasileira, produzindo “visões” deformadas e dissonantes sobre a atuação do regime
civil-militar e a realidade social brasileira para o exterior.
12 O Office International foi fundado depois da 2º Guerra Mundial por Jean Ousset e seus congressos ocorreram
em Lausanne, na Suíça. Ele constituiu-se com o objetivo de promover a criação de organizações apropriadas à
Ação Social dos católicos, isto é, organizações inspiradas, animadas e guiadas por uma elite de leigos
integralmente fundamentados na doutrina social da Igreja. O Office International, e o seu complexo de grupos
filiados ou associados, não era um corpo fortemente estruturado. As associações filiadas ao Office conservavam
assim sua independência, variando desde os clássicos grupos de estudo, até sindicatos, e grupos de estudantes,
agricultores e professores, associações de pais e organizações de cultura e de jovens.
13 Corção foi convidado pelo editor da Agir a fazer comentários e notas sobre os romances de Machado de Assis,
resultando na criação de um livro cujo título tem o nome desse grande escritor da literatura brasileira.
8
Por fim, o último conceito proveniente da História dos Intelectuais é o de
transmissões ou transferências culturais. Retomando as ideias de Gomes e Hansen (idem, p.
28), as transferências/mediações culturais envolvem projetos políticos de grupos que
objetivam, de acordo com as autoras “(...) o espraiamento das ideias e valores que defendem
pela sociedade mais ampla”. Entende-se que os discursos dos intelectuais se enquadram em
“memórias coletivas” que auxiliam na formação da identidade de uma nação, fixando-as
como tatuagens nas práticas e no cotidiano de seus indivíduos.
Considera-se, portanto, Gustavo Corção e Julio Fleichman como verdadeiros
“guardiões da memória” social, que se dedicaram a produzir relatos memoriais por meio de
seus escritos jornalísticos, trazendo a tona representações de eventos nacionais no ambiente
cultural e político francês. De certa forma, são fontes históricas que apresentam uma
determinada “verdade” histórica para o público estrangeiro, mesmo que esses discursos não
tratassem dos fatos verídicos que ocorriam no país.
Contudo, são representações que tocam indivíduos que convivem em uma mesma
atmosfera histórica internacional, mas de maneiras e vivências específicas, únicas. Por
exemplo, a França do ano de 1975 não era governada por uma ditadura militar como em
alguns países da América Latina, mas os grupos da direita católica francesa não se achavam
representados pelo regime democrático, identificando-se e reelaborando visões e ideias a
partir do que eles liam e ouviam de Gustavo Corção e Julio Fleichman na revista Itinéraires, a
partir de congressos e palestras e na tradução das obras literárias.
Essas operações de transferência ou mediação cultural trazem, dessa maneira, outro
questionamento ao historiador: como lidar com a criação de um terceiro código cultural,
resultado do cruzamento de culturas e visões diferentes, mas que se convergem e resultam em
algo novo? É um desafio reflexivo que pode ser encontrado em artigos que os integristas
franceses escreveram sobre os intelectuais cariocas e nas seções de correspondência da revista
Itinéraires, além dos prefácios das obras literárias de Corção, ainda em fase de indexação e
avaliação e que será incorporada na tese de doutorado.
3. O PROJETO POLÍTICO E O PROJETO CULTURAL/RELIGIOSO
9
Defende-se na tese de doutorado a ideia de que Gustavo Corção e Julio Fleichman,
intelectuais representantes da extrema direita política e católica do país, foram os mediadores
culturais de dois projetos específicos: o político, com a defesa do regime civil-militar
brasileiro, e o cultural/religioso, combatendo a influencia do pensamento moderno na
sociedade ocidental cristã. As trajetórias que esses dois personagens percorreram ao longo de
suas jornadas foram resgatadas por meio de suas participações na imprensa católica
parisiense, nos encontros e nos discursos pronunciados para os principais representantes da
extrema direita católica no mundo durante os Congressos do Office International14, em
Laussane (Suiça), e nos livros de Gustavo Corção publicados no exterior15.
Neste trabalho, procura-se apresentar a primeira parte dessa trajetória, momento em
que o grupo Permanência, representado pelos intelectuais Corção e Fleichman, estabelece
vínculos afetivos e de militância com o grupo francês Itinéraires. Nascido nos encontros
anuais do movimento integrista internacional na Suíça, esse contato ganhou
representatividade após a visita que alguns membros do grupo Permanência fizeram à Paris16,
14 Ao todo, partindo da análise da revista Permanência até o ano de 1979 e das atas dos Congressos de Laussane,
foram quatro anos de participação dos membros de Permanência. Em dois congressos, de 1972 e de 1973, os
brasileiros Jose Pedro Galvão de Souza, colaborador da revista carioca, e Gustavo Corção discursaram para os
congressistas do Office International. Já a participação com stands no congresso, locais que os grupos integristas
do mundo todo expunham suas visões de luta por meio de cartazes e explicações a grupos menores que
visitavam esses standes. Ocorreu em três anos essa participação, entre os anos de 1972 a 1974. Essas fontes
encontram-se em fase de indexação e não serão expostas nesse resumo.
15 Gustavo Corção escreveu 13 obras, dentre as quais encontram-se obras de cunho literário, crítica literária e
religiosa. Em ordem crescente, em relação aos anos de publicação, temos: A Descoberta do Outro (1944), Três
Alqueires e uma vaca (1946), Lições do Abismo (1950), As Fronteiras da técnica (1954), Dez anos (1956), Claro
e Escuro (1958), Machado de Assis (1959), O Desconcerto do Mundo (1965), Dois Amores, Duas Cidades
(1967), Progresso e Progressismo (1969), A Tempo e Contratempo (1969), O Século do Nada (1973), As
Descontinuidades da Criação (1992). As obras foram publicadas pela editora Agir, menos as quatro últimas,
publicadas pela editora Permanência. Dessas obras, apenas três foram traduzidas para o leitor francês: La
Découverte de l’autre (1987), Le Siécle de L’enfer (1994) e Réflexions sur la Mission de la Femme (2014). As
duas primeiras publicadas pela editora parisiense Sainte Madeleine e a última obra pela Editora Seul e faz parte
do sexto capítulo da obra As Fronteiras da Técnica. As fontes encontram-se em fase de indexação e não serão
expostas e analisadas nesse resumo.
16 Foram duas visitas de Gustavo Corção à França. A primeira em 1973, somente ele e seu fiel amigo Julio
Fleichman. O único artigo de Gustavo Corção publicado em Itinéraires sobre o contato entre os intelectuais
brasileiros e franceses é uma publicação do jornal O Globo, e traduzida por Hugues Kéraly, sobre a visita de sete
membros do grupo brasileiro Permanência em Paris. Com o título Ce que j’ai re(vu) en France (210), o artigo
trata da visita de Corção ao grupo Itinéraires feita no dia 22 de outubro de 1976. Percebe-se a importância do
líder do grupo Permanência devido às personalidades do integrismo internacional que se encontravam naquele
dia: Henri Pourrat, Joseph Hours e o abade Berto, e de personalidades que foram visitá-lo: Jean Beaucoudray
(diretor do Office International), Fernand Sorlot (diretor de Novas Edições Latinas) e Mgr. Lefebvre.
10
e que, anos mais tarde, foi retribuída com a ida de alguns membros do grupo parisiense ao
Brasil, com encontros na sede do grupo carioca17. Dessas reuniões, Corção e Fleichman
passaram a escrever regularmente nas edições da revista do grupo Itinéraires.
O grupo integrista francês, segundo o historiador Pelletier (2005, p. 178), surgiu a
partir do renascimento do sentimento nacionalista francês que eclodiu com a chamada Guerra
da Argélia18. A Revista foi fundada em março de 1956 por Jean Madiran19, conhecido por seu
anticomunismo implacável e intransigente, combatendo os católicos progressistas e fazendo
da guerra da Argélia “[...] uma cruzada contra o nacionalismo muçulmano, no qual acreditava
ser o suporte de uma ofensiva soviético-comunista contra o Ocidente Cristão”.
A Revista, e seu grupo homônimo, são considerados pela maioria dos estudiosos como
um dos polos de recomposição do integrismo na França que se iniciou em finais dos anos de
1950, com publicações mensais até 1988, quando se tornou trimensal20. Jean Madiran foi
17 O artigo escrito por Fleichman na revista Permanência: Jean Madiran (82/83) descreve a visita do líder do
grupo francês Itinéraires, junto com o amigo e companheiro de revista Hugues Keraly, e suas esposas, no ano de
1975. Ficaram durante três semanas, visitando instituições de São Paulo e Campos, no RJ. Corção ficou
emocionado com o relato do líder francês, que chorou ao relembrar a derrota da direita nacionalista francesa em
1870 e 1940 para os grupos de esquerda, o que fez a direita católica no país ficar a margem de todo processo
político até a década de 1970.
18 Movimento de libertação nacional da Argélia do domínio francês, que tomou curso entre 1954 e 1962.
Caracterizou-se por ataques de guerrilha e atos de violência contra civis - perpetrados tanto pelo exército e
colonos franceses (os "pied-noirs") quanto pela Frente de Libertação Nacional (Front de Libération Nationale -
FLN) e outros grupos argelinos pró-independência. O principal rival argelino da FLN - com o mesmo objetivo
de independência para a Argélia - era o Movimento Nacional Argelino (Mouvement National Algérien - MNA),
criado mais tarde, cujos principais membros eram trabalhadores argelinos na França. A FLN e o MNA lutaram
entre si durante quase toda a duração do conflito.
19 Nascido em Libourne, na França, Jean Madiran (1920-2013), pseudonome de Jean Arfel, foi um dos
representantes do movimento nacional-catolicismo, sendo militante do regime de Vichy e da Ação Francesa. Foi
um dos críticos fervorosos do Concílio Vaticano II, o que fez dar apoio incondicional a Mgr. Lefebvre e lhe
abriu largamente as colunas de Itinéraires.
20 Vale ressaltar a importância de se refletir sobre a constituição física (materialidade, estruturação e conteúdo)
da revista Itinéraires. Segundo De Luca (2005) os periódicos são fontes constituídas em um determinado
momento e por grupos de pessoas vinculadas àquela realidade específica, configurando-se como enormes
potencialidades de análise. A revista francesa Itinéraires segue as mesmas tendências técnicas dos periódicos
católicos do período: sem propaganda comercial (apenas dos livros publicados pelo selo da Itinéraires), grandes
quantidades de páginas e sem imagens ilustrativas. Para sua circulação, a revista contava com a contribuição de
assinantes do mundo todo (Europa e América). A sua estrutura interna contava com as seguintes divisões: artigo
Introdutório (escrito por Jean Madiran), Editoriaux (atualidades), Chroniques (seção onde eram publicados os
artigos dos intelectuais brasileiros), Notes Critiques (comentário de livros publicados recentemente), Documents
(análise de documentos publicados pelo clero católico) e Avis Pratiques (recados aos assinantes sobre cursos,
palestras, assinaturas).
11
editor da revista até o ano de 1996, quando transferiu o direito de publicar alguns de seus
textos, e dos colaboradores de Itinéraires, à casa de edição Novas Edições Latinas.
Entre as pessoas mais assíduas que escreviam e participavam do grupo e da revista
Itinéraires, conta-se o amigo fiel de Jean Madiran: Hugues Keraly21, e colaboradores que se
revezavam nas publicações dos artigos para a revista, como: Bernard Antony, Francis
Bergeron, Judith Cabaud, Yves Daoudal, Georges-Paul Wagner, Bernard Bouts, Jacques
Perret, Gustave Thibon, Marcel De Corte, Alexis Curvers, Jean Dumot, Georges Dumoulin,
Louis Salleron, Henri Massis, Michel de Saint-Pierre, Christian Langlois, Henri e André
Charlier, jornalistas, intelectuais e representantes de grupos da direita católica na França.
Além dessas figuras do cenário francês, Gustavo Corção e Julio Fleichman escreveram
para a revista francesa do ano de 1973 até o início dos anos de 1980, com a publicação de
trechos do livro de Corção A Descoberta do Outro, antes da sua edição para o francês em
1987, e de artigos póstumos. Ao todo, foram 34 artigos de Gustavo Corção – sendo que 14
são partes do livro citado acima - e 15 artigos de Julio Fleichman. Esses artigos foram
divididos em categorias para se compreender melhor como o projeto político e
cultural/religioso defendido pelos intelectuais brasileiros foi mediado para o público francês.
Para entender qual temática predominou no combate empreendido pelos católicos
cariocas no exterior, realizar-se-á um levantamento dos artigos publicados por esses
intelectuais na revista brasileira Permanência entre os anos de 1975 a 1979, período de maior
publicação na revista estrangeira, com o intuito de comprovar a ideia de que a campanha
brasileira no exterior estava antenada com os propósitos políticos dos grupos da extrema
direita no Brasil. As categorias discursivas representadas nesses artigos foram elencadas a
partir das seguintes temáticas: artigos de cunho antiprogressista, anticomunista,
antimodernista, e de propagada/defesa ao regime civil-militar22. Os projetos político e
21 Seu verdadeiro nome é Hugues Le Barbier de Blignières, nascido em 1947. É reconhecido na França por ser
um escritor católico e especialista nos escritos sobre a América Latina. Tornou-se o braço direito de Jean
Madiran na Revista Itinéraires, escrevendo artigos para a revista e acompanhando o mestre francês em suas
viagens, inclusive no Brasil ao visitar o grupo Permanência.
22 Alguns dos artigos escritos não se enquadram nessas temáticas. Dois artigos que tratam de política
internacional, artigos que descrevem os encontros entre os grupos Permanência e Itinéraires e muitos artigos
que tratam de aspectos da doutrina e dos dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana.
12
cultural/religioso estão apresentados nas tabelas abaixo e revelam quais assuntos foram os
mais abordados pelos intelectuais na França.
1. Publicações de Julio Fleichman na Revista Itinéraires
Projeto Cultural/Religioso
Projeto Político
Anticomunismo Antiprogressismo Antimodernismo
Defesa/Propaganda
1977
1) A propôs des Indiens du
Brésil (Mai. n. 213)
1) L’Armeé en Amérique
Latine (Fev. n. 210)
2) Prêtés Tués au Brésil
(Mar. n. 211)
3) Le Brésil
religieusement calomié (Jul/Ago. n. 215)
4) Le Vatican contre Les
droits du Brésil (Nov. n. 217)
1978
1) L’anticommunisme
catholique: réponse à un contradicteur à propôs
des évêques chiliens
(Abr. n. 222)
2) Pourquoi l’Amerique latine
chancelle (abr. n. 222)
1979
3) Le Prétexte de l’Humilité (Mar. N. 231)
4) Qu’est-ce qui passe à
Nicaragua (Mar. N. 231) 5) Qu’est-ce qui passe à Puble
(Jun. n. 234)
1980
6) Au Brésil l’argent de la subeversion vient de
l’Allemgne (Abr. n. 242)
7) Les “Communautés de base” contre la foi (Mai. n. 243)
Fonte: O autor.
2. Publicações de Julio Fleichman na revista Permanência
Projeto Cultural/Religioso
Projeto Político
Anticomunismo Antiprogressismo Antimodernismo Defesa/Propaganda
1975
1) Recordando a História
Recente (Jan/Fev. n
75/76) 2) Cuidado com os
folhetinhos nas Missas
(Mai/Jun. n. 78/79)
1976
1) Aspectos significativos
do terrorismo mundial
(Mar/Abr. n. 88/89) 2) Aquilo que nos espera,
se ... (Mai/Jun. n. 90/91)
3) Torturas e Torturas (Jul/Ago. n. 92/93)
1) A Democracia nos
coage (Jul/Ago. n.
104/105)
1) A História do Brasil e
mais rica do que parece
(Jan/Fev. n. 86/87) 2) Em busca do Regime
Melhor (Nov/Dez. 96/97)
3) Resposta ao padre Werenfried – “Le project
Ama” (Set/Out. 106/107)
1977
3) Sobre o manifesto dos Bispos (Jan/Fev. n.
98/99)
4) Dom Hélder Câmara – uma retrospectiva de fatos
(Nov/Dez. n. 108/109)
4) Em defesa da Vulgata
e de tudo mais (Mai/Jun. n. 114/115)
5) Totalitarismo e Ditadura
são coisas diferentes (Jan/Fev. n. 110/111)
13
1978
5) As comunidades de
Base contra a fé (Jul/Ago. n. 116/117)
6) Os amigos “não
católicos” de Corção (Nov/Dez. n. 120/121)
1979
4) A Desmoralização do
Partido Comunista (Jan/Fev. n. 122/123)
7) Puebla Esconde uma
Fraude (Mai/Jun. n. 126/127)
Fonte: o autor.
3. Publicações de Gustavo Corção na revista Permanência
Projeto Cultural/Religioso Projeto Político
Anticomunismo Antiprogressismo Antimodernismo Defesa/Propaganda
1975
1) Pronunciamento
Escandaloso (Mar/Abr. n. 77/78)
1) Ensina-te a ti mesmo
(Jan/Fev. n. 75/76)
1976 2) A Instrução “Memoriale
Domini” (Jul/Ago. n. 92/93)
1977
1) A Ordem Natural e a Ordem Sobrenatural
(Set/Out. n. 106/107)
1978 3) O Pontificado de Paulo VI (Mai/Jun. n. 114/115)
2) Tantos e tão poucos (Jan/Fev. n. 110/111)
1979
4) No Sangue
(Jul/Ago/Set/Out. n. 116 a
119)
Fonte: o autor.
4. Publicações de Gustavo Corção na revista Itinéraires
Projeto Cultural/Religioso Projeto Político
Anticomun
ismo
Antiprogressismo Antimodernismo Defesa/Propaganda
1974
1) Lettres du Brésil (Jun. n. 182)
2) Lettres du Brésil (Jul. n.
183) 3) Conversations brésiliennes
(Nov. n. 187)
4) Lettres du Brésil (Dez. n. 188)
1) Mon désir est-il de plaire aux hommes (Mai. n. 181)
1) Comment le Brésil s’est libéré (Fev. n. 177)
2) Singularité di Brésil
(Mar. n. 178)
1975
5) Lettres du Brésil (Jan. 189)
6) Conversations brésiliennes
(Mar. n. 191)
7) Conversations brésiliennes
(Jun. n. 194)
3) On nous avait menti
(Dez. 1975)
1976
8) Deux Pasteurs (Jun. 204) 9) L’Église militante et l’autre
(Nov. n. 207)
10) Le Monachisme de saint Benoît (Dez. 208)
4) “Contrastes et Comparaisons” (Abr. n.
202)
1977 11) La Révolution anarchiste et
l’Église concliliaire (Mar. n.
211) 12) Brésil 1935-1976: du
Komintern à la CNBB (Abr. n.
212) 13) Le devoir d’aujourd’hui
2) L’anthropo-ex-centrisme (Jan. n. 209) 5) Monstruosités de
L’Osservatore romano
(Nov. n. 217)
14
(Dez. n. 1977)
1978
14) L’Autre (Mai. n. 223) 15) Le retour de Don Helder
(Jun. n. 224)
6) La Révolution nationale au Brésil
(Jul/Ago. n. 225)
1979
1980 16) La Stabilité bénédictine (Set/Out. n. 246)
3) La Découverte de l’Autre (Mai. n. 243) 4) La Découverte de l’Autre (Jun. n. 244)
5) La Découverte de l’Autre (Jul/Ago. n.
245) 6) La Découverte de l’Autre (Dez. n. 248)
1981 7) La Découverte de l’Autre (Jan. n. 249)
8) La Découverte de l’Autre (Fev. n. 250) 9) La Découverte de l’Autre (Mar. n. 251)
10) La Découverte de l’Autre (Abr. n.
252) 11) La Découverte de l’Autre: Chesterton
et Maritain (Mai. n. 253)
12) La Découverte de l’Autre: Aux portes d’um royaume (Jun. n. 254) – 13) La
Découverte de l’Autre: Et nous nous
glorifions de cette croix (Jul/Ago. n. 255) 14) La Découverte de l’Autre: Encore um
peu de temps (Nov. n. 1981)
15) La Découverte de l’Autre: Vade Retro (Dez. n. 1981)
1982 16) La Découverte de l’Autre: Dans La
lumière de la Charité (Jan. n. 1982)
Fonte: o autor.
O Antiprogressismo, entendido aqui como um discurso voltado para a depreciação do
movimento progressista católico, foi elencado pelos intelectuais como o principal elemento a
ser perseguido e denunciado no exterior. É consenso na atual historiografia, sobre a atuação
da Igreja católica durante o regime ditatorial, que seus espaços oficiais não eram tocados pelo
militares, pois existia um pacto civil entre as instituições (SERBIN, 2001), o que explica o
sucesso do clero progressista nas denúncias contra o governo.
Foram sete artigos escritos por Fleichman e 16 artigos escritos por Corção na revista
Itinéraires sobre a atuação dos setores progressistas da Igreja no Brasil e no mundo, como
demonstra a tabela 1 e 4. São artigos que procuram desmentir e deslegitimar as atuações de
três principais bispos e cardeais brasileiros: Dom Helder Câmara, pelas palestras e discursos
proferidos no exterior sobre a violação dos direitos humanos por parte do governo contra seus
presos políticos, e os primos Dom Aloísio Lorscheider e Dom Ivo Lorscheiter, por suas
posições progressistas a respeito de assuntos que tocavam a esfera moral e política do país,
pois eram os representantes da C.N.B.B – Conferência Nacional dos Bispos no Brasil.
Interessante é observar que, apesar de representar um número menor comparado com
os artigos que saíram na revista francesa, a tabela 2 e a tabela 3 indicam que os intelectuais
15
em estudo também se preocuparam com o setor progressista nos escritos da revista
Permanência, com sete artigos escritos por Fleichman e 4 escritos por Gustavo Corção.
Outro dado significativo revela que o projeto político compartilhado pelos grupos da
direita brasileira na época foi mediado para o exterior por meio de artigos que defendem a
política adotada pelo regime civil-militar no país. A tabela 1 e a tabela 4 indicam que
Fleichman escreveu quatro artigos e Corção escreveu seis artigos com essas caraterísticas. São
artigos dirigidos a desmentirem as acusações de torturas e assassinatos praticados pelo regime
brasileiro aos presos políticos e guerrilheiros, negarem o extermínio das populações indígenas
por parte do regime e dos grandes proprietários de terras e, acima de tudo, de elogio aos
militares por salvarem o Brasil da ameaça comunista. Nos artigos da revista Permanência,
apenas Julio Fleichman escreveu artigos em defesa do governo brasileiro na época, com cinco
(tabela 2). Gustavo Corção não escreveu artigos sobre essa temática na revista carioca.
Um ponto curioso a destacar é sobre o imaginário anticomunista, sendo uma das
maiores preocupações dos escritores do grupo Permanência durante os primeiros anos de
circulação da revista23. A Tabela 1 indica que Fleichman escreveu um artigo com essa
abordagem na revista parisiense, enquanto a tabela 4 revela que Corção não escreveu texto de
cunho anticomunista na França. No Brasil, Fleichman escreveu quatro artigos com esse
enfoque e Corção redigiu um texto com críticas ao comunismo.
Sobre os aspectos da modernidade, foram poucos artigos dedicados a atacar esse
pensamento no plano filosófico e reflexivo. Como observado acima em relação ao discurso
anticomunista, a revista Permanência dedicou páginas da revista para o estudo do pensamento
moderno e suas variações no plano teológico. Em Itinéraires, nenhum artigo com essa
perspectiva foi escrita por Fleichman, diferente de Corção, que teve dois artigos e um livro
publicado (tabela 4). Em Permanência, Fleichman escreveu um artigo (tabela 2) e Corção
escreveu dois artigos (tabela 3).
23 Na minha tese de mestrado Conflitos Políticos e Teológicos da Igreja Católica no Brasil presente nos artigos
das revistas Hora Presente e Permanência (1968-1974), defendida em agosto de 2012, procurei analisar os
embates entre os grupos da Igreja católica no país pelas análises dos artigos publicados nas revistas dos grupos
integristas. Foram identificados três tipos de categorias discursivas: antiprogressista, anticomunista e
antimodernista. A atuação dos grupos de guerrilha de esquerda no Brasil ainda era muito intensa, o que explica o
anticomunismo ser um elemento discurso presente nas preocupações dos escritores durante muitos anos.
16
***
Partindo da ideia de que os intelectuais faziam parte de uma rede complexa de relações
entre grupos ligados ao poder político e religioso da sociedade brasileira, Gustavo Corção e
Julio Fleichman defenderam um projeto político calcado na defesa do regime civil-militar,
reinterpretando fatos e acontecimentos para a projeção de uma imagem ufanista do regime no
exterior. São dez artigos publicados na revista parisiense. Porém, o número dos artigos que
atacam o movimento progressista católico é superior. Foram 23 artigos publicados em
Itinéraires dedicados a essa causa, revelando que o projeto cultural/religioso do grupo
Permanência era a disputa do campo religioso católico. Antes de “porta-vozes” do regime,
eram, em um primeiro plano, os “apóstolos” da Igreja católica tradicional.
Referências Bibliográficas
Fontes
O Globo. Editora Globo. Rio de Janeiro.
Revista Permanência. Gráfica Editora Laemmert. Rio de Janeiro.
Revista Itinéraires. Nouvelles Éditions Latines. Paris.
Bibliografia
ALTAMIRANO, Carlos. Para un programa de historia intelectual y otros ensayos. Buenos Aires:
Silgo XXI. Editores Argetinos, 2005.
BENDA, Julien. La Traicion de los Intelectuales. Santiago de Chile: Ediciones Ercilia, 1941.
BEREID, José Luis Bendicho Beired. Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil e
na Argentina (1914-1945). São Paulo: Edições Loyola, 1999.
COMPANGON, Oliver. Le Maurrassisme em Amérique Latine: étude comparée des cas argentin
et brésilien. In : DARD, Oliver ; GRUNEWALD, Michel (org.). Chales Maurras et L‟étranger-
L‟étranger et Charles Maurras. Paris. Convergence : 2009, p. 283-305.
COSTA, Marcelo Timotheo da. Um Itinerário no século: mudança, disciplina e ação em Alceu
Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio ; São Paulo: Loyola, 2006.
DE PAULA, Cristhianne Jalles. Gustavo Corção: apóstolo da „linha-dura‟. Revista Brasileira de
História. São Paulo, v. 32, nº 63. 2012.
FERREIRA, Marieta de Morais. Gustavo Corção: jornalista. In: ABREU, Alzira Alves de (et all).
Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. RJ: Ed. FGV/CPDOC, 2001.
17
GOMES, Ângela Maria de Castro; HANSEN, Patrícia Santos (org.). Intelectuais Mediadores: práticas
culturais e ação política. RJ: Civilização Brasileira, 2016.
MICHEL, A.R. Integrisme. In: SIRINELLI, Jean-François. (org.). Dictionaire historique de la vie
politique française au XX siècle. 1º ed. Paris, Quadrige/PUC, 2004. p.p. 624-626.
PELLETIER, Denis. La crise catholique: religion, société, politique en France (19651978). Paris: Petit
bibliothèque Payot, 2002.
ROMANO, Roberto. Conservadorismo Romântico: origem do totalitarismo. São Paulo: Fundação
Editora UNESP, 1997.
SAID, Edward W. Representações do Intelectual: as conferências Reith de 1993. Tradução: Milton
Hatoum. São Paulo: Editora Companhia Das Letras, 2005.
SERBIN, Kenneth P. Diálogos na Sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura.
Carlos Eduardo Lins da Silva (Trad.). São Paulo: Cia. Das letras, 2001.
SIRINELLI, Jean-François. Intellectuels et passions française: manifestes et pétitions au XX siècle.
Paris: Gallimard, 1990.
______________________. Os intelectuais. In: Rémond, R. [Organizador]. Por uma história política.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Editora FGV, 1996. p. 231-269.
SOARES, Gabriela Pellegrino. História das Ideias e mediações culturais: breves apontamentos. In:
JUNQUEIRA, Mary Anne; FRANCO, Stella Maris Scatena. Cadernos de Seminário de Pesquisa. Vol.
II. SP: USP-FFLCH-Humanitas. 2002. p. 87-98.