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ANA CRISTINA DA MOTTA GESSI A OMC ENQUANTO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO - 2007

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ANA CRISTINA DA MOTTA GESSI

A OMC ENQUANTO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO - 2007

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ANA CRISTINA DA MOTTA GESSI

A OMC ENQUANTO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de Mestre em Direito das Relações

Econômicas Internacionais, sob a orientação do

Professor Doutor Cláudio Finkelstein.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO - 2007

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3

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me deu fôlego, disposição e sabedoria.

Aos meus pais, Ildefonso Lucas Gessi e Maria da Graça da Motta Gessi, que me

proporcionaram o custoso acesso à educação particular acreditando no meu potencial,

sempre com muito amor.

Às minhas irmãs, Sílvia, Daniela e Maria Alice, pela amizade, auxílio e carinho

que sempre me dedicaram.

Ao meu querido Carlos Antônio Côrrea de Viana Bandeira, que com muita

paciência esteve ao meu lado, inclusive nas horas infindáveis de pesquisa, fazendo

críticas e elogios, incentivando-me a cumprir este desafio.

Ao Dr. Luiz Cláudio Bonassini da Silva, Juiz da 3ª Vara de Família de Campo

Grande – MS, pela compreensão e apoio.

Ao meu competente e talentoso orientador Cláudio Finkelstein que acreditou no

meu potencial e compartilhou obras literárias e reflexões instigando-me ao raciocínio.

Às famílias Bertolla e Orlando Gomes de Souza que abriram as portas de seus

lares para receberem-me nas inúmeras vezes que precisei estar em São Paulo para

concluir este mestrado.

Aos Professores da Puc-SP que desde as primeiras aulas da graduação me

incentivaram ao raciocínio humanista e solidário, levando-me a uma paixão irresistível

pelo Direito.

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RESUMO

O presente estudo pretende demonstrar que nos direitos econômicos, sociais e

culturais estão implícitas as exigências dos valores da dignidade, igualdade e de

solidariedade humana. Busca-se evidenciar que com a efetividade destes direitos supera-

se as desigualdades sociais, gerando aos indivíduos o direito de participar nos benefícios

da vida social, através de direitos e prestações brindadas direta ou indiretamente pelos

poderes, órgãos e organizações públicas, todos os quais constituem meio da atividade

estatal e internacional.

Nesse sentido, ao passo que o comércio internacional é considerado instrumento

fundamental para o desenvolvimento da economia mundial e para a redução da

desigualdade e do desequilíbrio desta economia, assume um papel essencial de garantir a

eficácia dos direitos humanos, representados, nesta seara, como já foi dito, pelos Pactos

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e dos Direitos Civis e Políticos

reconhecidos como direito ao desenvolvimento humano.

Desse modo, considerando que os cidadãos estão inseridos em um sistema

econômico sendo alvo das normas internacionais de comércio que o regem, buscamos

evidenciar que o seu bem-estar depende diretamente das relações de causa e efeito

desencadeadas pelo comércio internacional, mais precisamente pela OMC, que será

abordada como sendo uma das ferramentas possíveis de fomento ao direito ao

desenvolvimento humano.

No desenvolvimento do tema o estudo utilizará particularmente dois

métodos tradicionais para o alcance dos objetivos traçados no projeto de pesquisa: o

histórico e o indutivo.

Empregar-se-á, inicialmente, o método histórico para reconstrução do panorama

evolutivo das relações econômicas internacionais que culminou na criação do sistema

multilateral de comércio atual e, em seguida faz-se o mesmo com a matéria de direitos

humanos, demonstrando o seu processo histórico de internacionalização e a evolução

para o direito ao desenvolvimento humano. Ênfase é dada à doutrina estrangeira, uma

vez que poucos são os estudos nacionais sobre o tema.

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ABSTRACT

This thesis intends to demonstrate that the demands of values of dignity, equality

and human solidarity are implicit in the economic, social and cultural rights.

Furthermore, it intends to prove that with the effectiveness of these rights social

inequality can be overcome, giving the individuals the right to participate in the benefits

of social life, through the rights and benefits given directly or indirectly by the powers,

institutions and public organizations, which constitute the environment of state and

international activity.

Keeping this mind, we know that while international trade is considered an

essential instrument to the development of world economy and to the reduction of the

inequality and unbalance of this economy, it has a relevant role in guaranteeing the

effectiveness of human rights. These are represented by the Pacts of Economic, Social

and Cultural Rights and by the Civil and Political Rights, recognized as a human

development right.

In the same fashion, considering that the citizens are inserted in an economic

system, being targets of the international trade rules that direct this system, we seek to

make evident that their well-being depends directly on the cause and effect relations

unleashed by international trade, more precisely by the WTO, which will be approached

as one of the possible tools for fomentation of the right to human development.

In order to develop the subject, this study will specifically use two traditional

methods to achieve the goals established in the research project: the historical and the

inductive methods.

First, the historical method will be applied to reconstruct the gradual

development of the international economic relations that resulted in the creation of the

current system of multilateral trade. Next, the same is done with the human rights

matter, demonstrating its historical process of internacionalization and the evolution to

the right to human development. The emphasis is on the foreign doctrine, once there are

few national studies on this theme.

Keywords: WTO, human rights; development rights; international trade

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................10

PRIMEIRA PARTE – PERSPECTIVA HISTÓRICA E PRINCÍPIOS QUE REGEM AS

RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS E OS DIREITOS HUMANOS

INTERNACIONAIS

CAPÍTULO I – A APLICAÇÃO DO DIREITO SOBRE AS RELAÇÕES ECONÔMICAS

INTERNACIONAIS

I. 1.1 A Ciência do Direito e a evolução das relações interpessoais...........................................13

I. 1.2 A vontade dominante como inspiração para a formação do ordenamento jurídico...........17

I. 1.3 Fundamentos históricos do surgimento do Direito Econômico.........................................19

I. 1.4 Aspectos da Nova Ordem Econômica Internacional e o Direito Econômico

Internacional..................................................................................................................................24

CAPÍTULO II – OS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS

II. 1.1 Definição de direitos humanos..........................................................................................43

II. 1.2 A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos........................................48

II. 1.3 Características dos direitos humanos................................................................................53

II 1.4 A valorização da dignidade humana e dos direitos humanos como princípio norteador das

Relações Econômicas Internacionais............................................................................................56

II. 1.5 Histórico e Internacionalização dos direitos humanos.....................................................59

1.5.1 Humanismo............................................................................................................59

1.5.2 Principais correntes humanistas..............................................................................61

1.5.2.1 humanismo marxista................................................................................62

1.5.2.2 humanismo cristão...................................................................................62

1.5.2.3 humanismo secular..................................................................................63

1.5.2.4 novo humanismo......................................................................................64

1.5.3 Humanismo Jurídico...............................................................................................64

1.5.4 O Pós-II Guerra Mundial........................................................................................68

1.5.5 O Direito Humanitário............................................................................................71

II. 1.6 A Liga das Nações Unidas................................................................................................72

II. 1.7 A Organização Internacional do Trabalho (OIT).............................................................73

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II. 1.8 A Carta das Nações Unidas (ONU)..................................................................................77

II. 1.9 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)................................................82

SEGUNDA PARTE – A CRIAÇÃO DA OMC E OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DO

SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS

RELEVANTES A ORDEM ECONÔMICA.

CAPÍTULO I – OMC – CRIAÇÃO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

I. 1.1 O Contexto Histórico da Formação da OMC....................................................................86

I. 1.2 Função e Estrutura da OMC.............................................................................................100

I. 1.3 Relação de membros da OMC.........................................................................................103

I. 1.4 Relação de observadores da OMC...................................................................................106

I. 1.5 Organograma da estrutura da OMC.................................................................................107

I. 1.6 Sistema de Solução de Controvérsias – O Órgão de solução de controvérsias (OSC) e o

Órgão de Apelação – sob o prisma da promoção do direito ao desenvolvimento humano.........108

I. 1.7 Princípios básicos da OMC com vistas a assegurar a igualdade de tratamento aos estados-

membros – uma interpretação à luz do direito ao desenvolvimento humano.............................114

1.7.1 A não discriminação: Cláusula da Nação Mais Favorecida e Obrigação do

Tratamento Nacional......................................................................................................114

1.7.1.1 A Cláusula da Nação Mais Favorecida..............................................................114

1.7.1.2 A Cláusula da obrigação do Tratamento Nacional............................................118

1.7.2 Os Princípios da Vigilância, Transparência e Cooperação Internacional.............119

CAPÍTULO II – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS INTERNACIONAIS NO CENÁRIO ECONÔMICO GLOBALIZADO - O

DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

II. 1.1 Principais Instrumentos do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos

Internacionais que influenciam a ordem economica...................................................................122

1.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.................................................123

1.1.2 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.......................124

1.1.3 Os Direitos Civis e Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais configurados como

o Direito ao Desenvolvimento Humano......................................................................................131

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TERCEIRA PARTE – A OMC COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO.

CAPÍTULO I – REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA OMC FACE AO DIREITO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO

I. 1.1 A atuação da OMC e o direito ao desenvolvimento humano..................................137

1.1.1 Considerações sobre sujeitos do Direito Internacional Público............................137

1.1.2 A atuação da ONU e da OMC no cenário internacional.......................................139

1.1.3 Reflexões conclusivas sobre a OMC enquanto instrumento de fomento ao direito

ao desenvolvimento humano..........................................................................................144

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................150

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INTRODUÇÃO

A internacionalização das relações econômicas no mundo atual suscita

questionamentos importantes sobre suas conseqüências e seu destino, pois as profundas

mudanças socioeconômicas e as múltiplas transformações tecnológicas projetam uma

realidade mundial e um período histórico cada vez mais diversificado, fragmentado e

globalizado.

Com isso, a noção de direitos humanos deve ser reavaliada, mais precisamente na

vertente da dignidade do ser humano sintetizada nos seus direitos econômicos, sociais e

culturais. Nesse través, as relações internacionais e a acepção do direito internacional

como instrumento de cooperação também são pautadas pelos direitos humanos.

Em meio a guerras e profundas modificações históricas a humanidade viu-se

impelida de construir organizações internacionais visando a sua proteção. Entre muitas,

criou-se a Organização das Nações Unidas, que modificou significativamente as relações

internacionais, inclusive o paradigma de atribuição e proteção de direitos.

É dentro dessa lógica, e da complexidade de matérias legadas à regulamentação

do direito internacional público, que surge o direito das relações econômicas

internacionais, que abarca a atual Organização Mundial do Comércio, apontada nesse

estudo como meio de promoção dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais.

Note-se, no entanto, que a despeito do tema do presente estudo, é necessário

deixar claro que a OMC é um dos instrumentos de fomento do direito ao

desenvolvimento humano, de forma que a nossa intenção não é dizer que a OMC pode

funcionar como o único instrumento para tal fim.

A institucionalização das relações internacionais munida da ousadia de promover

o livre comércio e dar fim às barreiras comerciais criadas durante a grande depressão de

1930, concebeu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT, que constitui a primeira

tentativa histórica de regulamentação jurídica das relações de comércio entre Estados em

termos multilaterais, tendo sido firmado como um tratado provisório.

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Após várias rodadas de negociações para aprimorar o GATT, surgiu a

Organização Mundial do Comércio, a OMC, que derivou da Rodada Uruguai, a mais

longa, com duração de oito anos, e que teve mais de cem participantes que oficializaram,

em 1994, através dos Acordos assinados na cidade marroquina de Marraqueche, a

conversão do sistema mundial de comércio coordenado pelo secretariado do GATT, em

OMC.

Nesse contexto, a regulamentação das trocas e políticas comerciais internacionais

assumem função e responsabilidade de, ao mesmo tempo, criar mecanismos que

promovam o desenvolvimento sustentado e, consequentemente, a melhoria do padrão de

vida dos cidadãos.

Visualizando esse cenário internacional deparamo-nos com uma nova concepção

integral das necessidades da pessoa humana e com uma nova ordem mundial, que deve

estruturar-se a fim de criar alternativas para a erradicação da pobreza e para o

melhoramento das condições socioeconômicas do sujeito central dos direitos humanos, o

homem.

O viés dos direitos humanos que analisamos no presente estudo é o direito ao

desenvolvimento, este identificado como o modo de construção dos valores e direitos

econômicos, sociais, civis e culturais, todos indispensáveis à propagação do bem-estar

do indivíduo.

Nessa ótica, como parte do direito internacional público, o direito econômico

internacional, utilizando suas regulamentações, não pode mitigar a coerência do sistema

a que pertence desrespeitando o direito humano ao desenvolvimento.

Procuramos demonstrar que a OMC pode e deve ser considerada como

instrumento da promoção e garantia desse direito, à medida que sua razão de ser é

manter o equilíbrio - não no sentido de igualdade - da ordem econômica e do comércio

internacional, o principal gerador desses direitos.

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Essa afirmação será verificada ao estudarmos os princípios declarados no acordo

constitutivo da Organização Mundial do Comércio, que prevêem o desenvolvimento

sustentado, a preservação do meio ambiente e a melhoria das condições de vida como

ideais a serem buscados, e o órgão de solução de controvérsias, que pode funcionar

como uma ferramenta na diminuição das assimetrias norte-sul, e promover melhorias na

condição de vida dos seres humanos em geral.

Assim, como o ordenamento da OMC está inserido ao direito internacional

público, deve manter-se coerente a este e às demais organizações e organismos

especializados do sistema das Nações Unidas.

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PRIMEIRA PARTE – PERSPECTIVA HISTÓRICA E PRINCÍPIOS JURÍDICOS

DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS E DOS DIREITOS

HUMANOS INTERNACIONAIS

CAPÍTULO I. - A APLICAÇÃO DO DIREITO SOBRE AS RELAÇÕES

ECONÔMICAS INTERNACIONAIS

1.1 A Ciência do Direito e a evolução das relações interpessoais.

O objeto do estudo do Direito compreende, em sua essência, a relação humana,

isto é, a relação entre seres humanos que se comunicam. Como ciência, perfaz a análise,

sob o aspecto normativo, das relações intersubjetivas.

O resultado da ação humana em seu relacionamento interpessoal gera

repercussões no campo político, social e econômico, e pode ser analisado sob vários

prismas científicos.

Há estudos aplicáveis ao exame dos relacionamentos humanos, por exemplo, o

sociológico ou o ético. Por outro lado, os valores corolários desse tipo de ação mostram-

se relevantes para a ciência que estuda as normas que regem os atos e o

desencadeamento das conseqüências que lhe são próprias, caracterizando,

especificamente, a “juridicidade nas relações humanas.”1

Ao discorrer sobre a expressão em referência, o jurista JOÃO BOSCO LEOPOLDINO

DA FONSECA destaca que “A análise jurídica das relações humanas se apresenta num

plano diferente das demais, pois ou cria um dever-ser, no plano da linguagem, ou estuda

o dever-ser já criado no plano da metalinguagem.”2

1 JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Direito Econômico, Editora Forense, SP, 5a ed., 2005, p. 2.2 Op.cit., p. 2.

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A seguir, complementa o autor, dizendo que “A juridicidade é a categoria que

faz com que uma relação humana se manifeste como relação jurídica. É uma relação

intersubjetiva, pois é-lhe essencial a existência de dois seres humanos que se relacionam

intercomplementarmente; regulada por norma de dever-ser, que estabelece a forma e o

conteúdo através dos quais aquela relação é válida e aceita.”3.

O relacionamento entre seres humanos é qualificado por seu constante

desenvolvimento ao longo do tempo, à medida que sofre evoluções substanciais de

caráter político, econômico e social.

A relação humana não se dá sempre da mesma forma, nem com o mesmo

conteúdo no evolver-se dos tempos. Daí dizer-se que ela apresenta um aspecto estático e

um aspecto dinâmico. Basta uma retrospectiva dos fatos humanos, para se ver que as

relações humanas aconteceram diferentemente, quanto à forma e conteúdo. As relações

humanas no âmbito familiar, no pertinente ao trabalho, no que diz respeito à organização

do Estado, sempre se manifestaram, através da história, com formas e conteúdos

diferentes.4

Sempre acompanhando as mudanças seculares, através das idades que marcaram

a sociedade mundial, o Direito vem se adaptando a seus determinados locais e épocas,

tendo como foco os fatores de regulamentação das relações interpessoais, sejam elas dos

particulares em relação ao Estado, entre os próprios particulares de um mesmo território

3 O autor descreve (op.cit. p. 2) que a “valoração jurídica não se interessa pela ofelimidade ou pelabondade do comportamento em si mesmo, mas tem em mira a relação humana na medida em que ocomportamento de um indivíduo se defronta com os comportamentos intercomplementares de outrosindivíduos”, e que essa “análise jurídica não consiste em distinguir no mundo relacional humano aspectosmeramente informativos ou descritivos, mas prescritivos.” Em nota de rodapé, ao assunto, cita a distinçãode G. HENRIK VON WRIGHT entre as leis descritivas e as prescritivas: “As leis da natureza são descritivas.Descrevem regularidades que o homem crê ter descoberto no curso da natureza. São ou verdadeiras oufalsas. A natureza não obedece, senão num sentido metafórico, a estas leis”. ... As Leis dos Estado sãoprescritivas. Estabelecem regulamentos para a conduta e intercâmbio humanos. Não têm valor veritativo.Sua finalidade é influenciar a conduta. Quando os homens desobedecem às leis, a autoridade que asgarante trata, imediatamente, de corrigir a conduta dos homens. Em algumas ocasiões, contudo, aautoridade muda as leis; talvez para fazê-las mais conformes com as capacidades e exigências da“natureza humana”. ... “Pode-se utilizar o contraste para distinguir as normas do que não são normas. Asleis da natureza são descritivas e não prescritivas; por conseguinte, não são normas” (Norma y acción –Uma investigación lógica, p. 22-23). LOURIVAL VILANOVA adota a denominação de discurso apofânticopara aquele que inclui as proposições descritivas, em que se encontram os valores verdade/falsidade, e dediscurso não-apofântico ou discurso prescritivo, que carece dos valores de verdade e falsidade, cujosenunciados exprimem regras técnicas, regras de usos-e-costumes, regras morais e jurídicas (As estruturaslógicas e o sistema do direito positivo, p. 3).”

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nacional, ou mesmo nas diversas relações que se estabelecem além das fronteiras

definidoras da soberania territorial de um país, constituindo essas as chamadas relações

jurídicas internacionais.

IRINEU STRENGER leciona que “Há uma universalidade dos problemas humanos.

Historicamente a convivência sempre surgiu como imperativo da própria natureza

humana, traduzido no empenho de promover as relações e intercâmbios, tanto no aspecto

social como comercial. Não é característica do homem viver segregado ou isolado de

seus semelhantes, mas, ao contrário, a humanidade sempre revelou como tendência

espontânea a necessidade de constituir comunidades”5.

Por isso, observa que “vida em comum em função de vários motivos, traz

divergências porque as contradições fazem parte inevitável desse processo de relações”6.

A síntese a seguir transcrita, de autoria do Professor VALERIO DE OLIVEIRA

MAZZUOLI, descreve com proficiência o potencial humano de viver socialmente, e as

transformações jurídico-sociais advindas, com o passar do tempo, na história da

humanidade, culminando na concepção do Direito Internacional Público7:

“O agrupamento de seres humanos pelas várias regiões do

planeta fomentou a criação de blocos de indivíduos com características

(sociais, culturais, políticas, etc.) em quase tudo comuns. Desse

agrupamento humano (cuja origem primitiva é a família) nasce sempre

uma comunidade ligada por um laço espontâneo e subjetivo de

identidade. Na medida em que essa dada comunidade humana (assim

como tudo o que caracterizava a vida na pólis, no sentido aristotélico)

passa a ultrapassar os impedimentos físicos que o planeta lhe impõe

(montanhas, florestas, desertos, mares etc.), descobrindo a existência de

outras comunidades espalhadas pelos quatro cantos da Terra, surge a

necessidade a coexistência entre elas. A civilização passa a ter por

característica a luta contra as dificuldades dessa coexistência. Entre

comunidades humanas com características tão diferentes não se

4 JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Op.cit., p. 3.5 STRENGER, IRINEU. Direito Internacional Privado. Ed. RT. São Paulo, 1986.6 STRENGER, IRINEU. Direito Internacional Privado. Ed. RT. São Paulo, 1986.

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vislumbra um vínculo espontâneo e subjetivo de identidade entre os

sujeitos que as compõem. O que passa a existir é uma relação de

suportabilidade entre elas, como que numa relação contratual, em que

se desprezam as características sociais, culturais, econômicas e

políticas de cada uma das partes, para dar lugar a uma relação

negocial entre elas.

Por isso, desde o momento em que o homem passou a conviver

em sociedade, com todas as implicações que esta lhe impõe, tornou-se

necessária a criação de determinadas normas de conduta a fim de reger

a vida em grupo — lembre-se da afirmação de Aristóteles de que o

homem é um ser social — harmonizando e regulamentando os interesses

mútuos.

O Direito, entretanto, em decorrência de sua evolução, passa a

não mais se contentar em reger situações limitadas às fronteiras

territoriais da sociedade que, modernamente, é representada pela figura

do Estado. Assim, como comunidades de indivíduos não são iguais, o

mesmo acontece com os Estados, cujas características variam segundo

vários fatores (econômicos, sociais, políticos, culturais, comerciais,

religiosos, geográficos etc.). À medida que estes se multiplicam e na

medida em que crescem os intercâmbios internacionais, nos diversos e

mais variados setores da vida humana, o Direito transcende os limites

territoriais da soberania estatal rumo à criação de um sistema de

normas jurídicas capaz de coordenar vários interesses estatais

simultâneos, de forma a que possam os Estados, em seu conjunto,

alcançar suas finalidades e interesses recíprocos.

Verifica-se com este fenômeno que o Direito vai deixando de

somente regular questões internas para também disciplinar atividades

que transcendem os limites físicos do Estado, criando um conjunto de

normas capazes de realizar esse mister. Esse sistema de normas

jurídicas (dinâmico por excelência) que visa disciplinar e regulamentar

as atividades exteriores da sociedade dos Estados (e também,

modernamente, das Organizações Internacionais e dos próprios

7 MAZZUOLI, VALERIO DE OLIVEIRA. Curso de Direito Internacional Público, Editora RT, SP, 2006, p. 25.

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indivíduos) é o que se chama de Direito Internacional Público o Direito

das Gentes. Mas, (...), o estudo do Direito Internacional Público

apresenta questões por demais embaraçosas, que somente podem ser

resolvidas com uma parcela de boa vontade dos Estados aos quais,

prioritariamente, esse sistema de normas jurídicas é destinado.”

Nessas condições, é de se concluir que a sociedade em geral é carecedora de um

estabelecimento de normas, visando ao disciplinamento de suas relações, em suas mais

variadas formas, cuja origem é examinada no tópico seguinte.

1.2 A vontade dominante como inspiração para a formação do ordenamento

jurídico.

Os elementos de formação da evolução do Direito originam-se dos fatores

políticos, sociais e econômicos, como dito, concebidos em forma de poder exercido

sobre a sociedade, à medida que exercem, efetivamente, influência e o domínio sobre o

conjunto de normas que disciplinam as relações humanas interpessoais.

Como a observação da prática demonstra, a concepção de modelo normativo

insculpido dentro de um ordenamento jurídico é conseqüência da representação do

pensamento dominante local em determinada época.

Em outras palavras, a regulação das variadas formas de situação em que as

relações humanas significam em termos de relação jurídica são fruto “daquilo que a

classe dominante apresenta como o melhor, o mais adequado, o mais justo.”8

O momento da codificação dos direitos civis serve de paradigma relevante, visto

que atuou como “tentativa de traduzir um conjunto de normas racionais, e por isso

naturais e eternas, em leis positivas”, afirma JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA. 9

8 JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Direito Econômico, Editora Forense, SP, 5a ed., 2005. p. 3.9 JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Direito Econômico, Editora Forense, SP, 5a ed., 2005. p. 3..

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Traduz o mesmo autor que tal codificação seria uma “tentativa de valorizar o

indivíduo, idealizando-o como cidadão, para atingir o objetivo político da destruição do

regime antigo do poder absoluto dos monarcas.

Frisa, ainda, que “Os direitos individuais se centralizam em torno do direito de

propriedade.”10

Acerca da codificação dos direitos civis, JOHN GILISSEN discorre nas seguintes

palavras: “O Código Civil traduz o Estado social e político do seu tempo. Redigido e

discutido no momento em que Bonaparte consolida o seu poder pessoal, o Código reflete

a tendência para conciliar as conquistas civis e políticas da Revolução com o desejo da

estabilidade econômica e social, baseada na família e na propriedade. Mantém-se a

abolição dos direitos feudais; é garantida a liberdade civil de todos os indivíduos:

liberdade de contratar, de testar, etc.” 11

Como já foi dito acima, as mudanças do ordenamento jurídico são fruto de

acontecimentos históricos, atendendo a fatores de poder. Assim é que, evidenciando-se a

mutabilidade das relações humanas no tempo, a chamada “atomização” dos

relacionamentos vai perdendo lugar ao movimento relacionado com a preponderância do

interesse da comunidade como um todo, surgindo o confronto entre o direito civil e o

interesse social.

Com propriedade, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA descreve a respeito do

assunto: “Concebido como resultante de uma razão humana imutável, participante da

natureza eterna, o Código Civil foi visto como uma obra perfeita e acabada. Perdeu-se de

vista sua estreita vinculação com uma ideologia imperante num determinado momento”

— e, prosseguindo, assevera — “A força de redução dos indivíduos a átomos

componentes de uma sociedade, mas sempre isolados, cedeu, com o passar do tempo, ao

impulso dos interesses vitais da comunidade como um todo.”12

10 Op.cit., p. 4.11 GILISSEN, JOHN. In “Introdução histórica ao direito”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.454.12 Op.cit., p. 4. Ainda sobre o tema, diz o autor: “O confronto entre o interesse do indivíduo, cristalizadonos direitos privados, e o interesse social levou a G. RIPERT a profetizar que era preciso apagar a chamada soberania do direito individual: "O direito subjetivo é a lembrança de uma época em que a doutrina

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19

Diante desse contexto elucidativo, é imperioso avaliar a existência dos fatores

que mais preponderantemente derivaram a formação do Direito Econômico, conforme

será adiante observado.

1.3 Fundamentos históricos do surgimento do Direito Econômico.

O fenômeno econômico é um dos principais aspectos que determinam os fatores

de poder no seio de qualquer sociedade, e, como tal, possui o condão de influenciar a

existência de um ordenamento jurídico, que aplicada ao desenvolvimento configura o

direito ao desenvolvimento como um direito de síntese integrador, atuando na qualidade

de instrumento de meio para a realização do ser humano.

Sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que o Direito Econômico tem sua gênese

detectada a partir de episódios de natureza econômica. E os fatos marcantes ocorridos no

mundo que contribuíram para o surgimento desse ramo jurídico, derivam,

principalmente, a partir do século XIX.

Nesse momento histórico, ocorre o realinhamento de relação entre o Estado e os

indivíduos, atomisticamente considerados, mediante a formação dos grupos capitalistas,

gerando, por via de conseqüência, aquilo que se denomina por capitalismo de grupo ou

concentração capitalista.

Na lição de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, isso gerou “profundas

influências no Direito, fazendo surgir um novo ramo, direcionado justamente a reger o

novo fato econômico.”13

individualista era erguida como uma resistência à força política. O povo, que se apoderou do poderpolítico não tolera mais os poderes privados. Os direitos individuais devem portanto desaparecer. Comeles, aliás, desaparecerá talvez o direito privado todo inteiro. Todo homem, ocupando um lugar nomecanismo social, será considerado como exercente de uma função social e todas as relações entre oshomens serão relações de direito público. No dia em que esta doutrina tiver triunfado completamente, odireito civil não terá somente transformado, como o queria Diguit: ela terá desaparecido."” (op.cit, pp.4-5).13 Op.cit., p. 6.

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20

Segundo o citado autor, “Não se tratava mais de indivíduos a serem protegidos

contra o monarca absoluto, e que se relacionavam atomisticamente entre si” — e, a

propósito, destaca que — “As empresas, no intuito de liberar-se das incertezas do

mercado, procuram maximizar seus ganhos, formando grupamentos destinados a

fortalecer-se. Nessa luta, os mais hábeis e mais organizados levam vantagem sobre os

mais fracos e desestruturados. Surge o poder econômico privado a rivalizar com o poder

estatal.”14

No século XX, destacam-se significantes alterações: (i) necessidade de

modernização do Direito calcado no pensamento iluminista, em face dos problemas

criados pela crise social decorrente da revolução industrial; (ii) mudanças econômicas,

políticas e sociais advindas da Primeira Guerra Mundial, com a destruição da “velha

ordem mundial”.

“As crises com que se deparou a crença na ordem natural do liberalismo levaram

à convicção de que o Estado deveria conduzir o fenômeno econômico e social com

novos instrumentos mais adaptados à realidade”15, observa JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA

FONSECA, ensejando-se assim, críticas e reformas que marcaram nova transição nos

ordenamentos jurídicos16.

Como distintivo dessas modificações, chegou-se à conclusão de que o Estado

teria que passar a intervir na economia, vez que “O Estado não podia mais permitir que a

crença na ordem natural da economia dirigisse os fenômenos econômicos.”17

14 Op.cit., p. 6.15 Op.cit., p. 8.16 Para ilustrar o problema da necessidade de readequações de natureza jurídica no Brasil, colacionam-seas palavras de RUY BARBOSA:“Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que comseriedade atentam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limitesdescritos do nosso direito constitucional?Ante os nossos princípios constitucionais, a liberdades dos contratos é absoluta, o capitalista, o industrial,o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde ela iria buscar, legitimamente,autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitar horas ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir a tais reclamações têm idoesbarrar, por vezes, a título de inconstitucionalidade, em sentenças de tribunais superiores.Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos; porque ora a opinião das classes maisnumerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas emprejuízo da legalidade constitucional. Num caso é a justiça que se impopulariza. No outro, a Constituiçãoque se desprestigia.” (in Comentários à Constituição Federal Brasileira, 1932-1934, p. 472).17 In Direito Econômico, p. 9.

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Na obra “Filosofia do Direito”, tomando-se como marco histórico o fim da

Primeira Guerra Mundial, que ocasionou o desmoronamento econômico da economia

alemã, GUSTAV RADBRUCH afirma o surgimento de novos ramos do Direito, nas palavras

a seguir transcritas18:

“A liberdade contratual do direito converte-se, portanto, em

escravidão contratual na sociedade. O que, segundo o direito, é

liberdade, volve-se, na ordem dos fatos sociais, em servidão. Daí, para

a lei, a missão de ter de inverter de novo as coisas e de, por meio de

certas limitações impostas à liberdade, restabelecer a liberdade social

de contratar. Mas estas limitações podem apresentar-se sob as mais

diversas formas, como se tem visto já no direito positivo. Como

exemplos de tais limitações, poderiam-se citar: os preceitos que ferem

de nulidade certas convenções entre as partes; a competência

reconhecida a certas autoridades para rescindir certos atos; a certas

determinações legais obrigatórias para a vontade dos contratantes,

como os contratos coletivos e ainda alguns casos em que um certo e

determinado contrato é imposto a alguém.

É nesse sentido que se poder dizer que alguns dos mais

importantes domínios novos do direito, como os do direito do trabalho e

do direito econômico, nos surgem precisamente, hoje, como verdadeiros

sistemas dessas e outras semelhantes limitações impostas à liberdade

contratual.”

JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, com bastante proficiência, leciona ainda

que “A segunda Guerra Mundial foi um novo marco da evolução do Direito. Surgem

realidades que exigem a cada passo que o Estado se dedique a dirigir a economia. Essa

nova tarefa do Estado exige que tenha ele um instrumento jurídico adequado. Assim é

que, quer no bloco socialista, quer no ocidente, surge e se impõe cada vez mais um

conjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar o fenômeno

econômico. Se assim ocorre no plano da linguagem jurídica, no da metalinguagem surge

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22

uma ciência que tem por conteúdo e por finalidade justamente estudar esse conjunto de

normas. É o surgir e o afirmar-se de um ramo do Direito.”19

Conforme assinala CLAUDE CHAMPAUD, entre os autores há duas tendências para

definir o novo ramo: (i) os que defendem um conceito estrito, vêem no Direito

Econômico uma disciplina nova, autônoma e original, dirigida ao estudo dos problemas

colocados pela intervenção do Estado na Economia; (ii) os que preferem um conceito

amplo, afirma que uma regra é de Direito Econômico, quando rege relações humanas

propriamente econômicas. A seguir transcreve-se o pensamento do citado autor francês

acerca do fenômeno em voga20:

“Se o Estado desempenha um papel primordial na constituição e

na vida das grandes unidades de produção e de distribuição de massa, o

Direito Econômico é essencialmente composto de regras que regem as

relações do Estado e de suas unidades. Ele aparece então como um

Direito Público. Se sua criação e sua animação é, no essencial, deixada

à iniciativa privada, o Direito Econômico é quase exclusivamente

formado de regras que regem relações entre ‘particulares’. Apresenta-

se então como um Direito Privado. Nos países em que o sistema

econômico-político se acha a meio caminho entre o direito privado e o

direito público — e é justamente este o caso da França —, a sua

natureza não se manifesta com clareza... Será necessário, parece,

admitir que o direito econômico não é privatista nem publicista. Situa-se

precisamente fora dessas antigas categorias ...

Assim, se se segue esta opinião, o Direito Econômico se

apresenta como o direito da organização e do desenvolvimento

econômico, quer estes se originem do Estado, da iniciativa privada, ou

do concerto de um e de outro.

Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é

uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma

18 RADBRUCH, GUSTAV. In “Filosofia do Direito”, tradução portuguesa: Luís Cabral de Moncada, 5a ed.revista e acrescida, Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 289.19 Op.cit., pp. 10 e 11.20 CHAMPAUD, CLAUDE. Contrubution à la Définition du droit économique, in Il Diritto dell´Économia –Rivista de Dottrina e di Giurisprudenza, ano XIII, no 2, 1967, pp. 141-154.

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civilização ainda em via de formação. Se se adotar este ponto de vista,

dever-se-á admitir que o Direito Econômico não é um novo ramo do

Direito, mas um Direito novo que coexiste com o corpo das regras

jurídicas tradicionais da mesma maneira que a ordem social industrial

que se elabora coabita com as instituições da ordem social precedente...

Considerado como um direito original mas de vocação geral, o

Direito Econômico se apresenta portanto como um espírito jurídico

particular aplicado a um corpo de regras diversas. Somente o espírito é

verdadeiramente novo...

É a Empresa, unidade de decisão econômica e célula da base do

sistema econômico e social como quadro para nossa civilização

industrial, em seu estado atual, que se apresente como o objeto

fundamental de nosso Direito Econômico. Num tipo de economia,

chamado precisamente de ‘Economia de Empresa’, é a esta noção

fundamental que será necessário erigir o critério do Direito Econômico,

a pedra de toque de seu espírito e o revelador de sua substância.

O Direito Econômico, numa Economia de Empresa, se acha em

presença de três interesses que concorrem para sua realização: O

Interesse Geral, o interesse peculiar a cada empresa e os interesses

particulares dos indivíduos.

É um equilíbrio triangular que ele deve realizar ...

O problema dos equilíbrios que o Direito Econômico deve

realizar é portanto singularmente mais complicado para ser resolvido

do que aqueles com que se defrontam os direitos públicos e os direitos

privados tradicionais ...

... numa ‘economia industrial’ a sobrevivência das empresas

está ligada à sua capacidade de inovação e de adaptação. O espírito do

Direito Econômico é profundamente influenciado por essa exigência. É

um espírito de movimento e de progresso. Todavia, o direito tem uma

função estabilizadora e ordenadora de que esse espírito deve também

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inspirar-se. O Direito Econômico deve assegurar o movimento e o

Progresso na ordem e na estabilidade dos equilíbrios realizados.”21

É de se conceber, a propósito, que a disciplina do Direito econômico não se

limita aos assuntos internos de uma determinada nação. Sua inserção, sob o prisma das

relações internacionais, é inevitável, em conformidade com as anotações doravante

assinaladas, diante do evento da Nova Ordem Internacional, inspirando a existência do

complexo de regras que formam o Direito Econômico Internacional.

Adiante, destacam-se relevantes fatores históricos que redundam essa

constatação, a partir da doutrina jurídica.

1.4 Aspectos da Nova Ordem Econômica Internacional e o Direito Econômico

Internacional.

A sucessão de acontecimentos econômicos que marcaram a humanidade, desde o

século XIX, nitidamente propiciaram para que a sociedade internacional se adequasse a

um novo sistema, marcado por novas formas de relações inter-pessoais e o evidente

surgimento do interesse estatal na economia, que foi redefinido em sua atuação nesse

setor, não mais se limitando a agir de maneira meramente política, cujos aspectos são

relevantes para a abordagem da ciência jurídica, no âmbito do Direito Econômico, a

nível internacional.

Para destacar a importância do fenômeno econômico nesse processo, KJELD

JAKOBSEN disserta que “O comércio é um fenômeno importante das relações

internacionais. Muitas rotas de comércio da Antiguidade ajudaram a definir a geopolítica

do mundo atual, bem como influenciaram a ascensão e a queda de impérios. Muitos

conflitos entre nações deram-se em função de disputas comerciais. Mesmo hoje dá-se

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mais atenção aos aspectos comerciais das relações internacionais do que propriamente às

relações políticas dos países.”22

Para esse autor, o progresso dos meios de transporte e comunicação iniciado

ainda no século XIX com a invenção do telégrafo e dos trens e navios a vapor

possibilitou uma integração maior do mercado mundial, e este tornou-se sem dúvida

ainda mais relevante no século seguinte, com o desenvolvimento das telecomunicações,

da informática e dos transporte aéreo23.

De acordo com as constatações assinaladas na obra de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO

DA FONSECA, tem-se que “O século XIX apresentou uma perspectiva de ordem

econômica internacional privada, decorrente justamente dos cânones do liberalismo

econômico, que atribuía aos indivíduos a atividade econômica, enquanto permanecia

como atribuição do Estado a atividade política.”24

KJELD JAKOBSEN diz que “Na prática o que ocorreu até o início do século XX foi

uma disputa extremamente acirrada por conquista de mercados e aplicação de uma

mescla de mercantilismo e nacionalismo econômico com livre-comércio e liberalismo.

Nessa disputa valia tudo: medidas protecionistas, ações bélicas, disputar colônias,

ignorar patentes, entre outras ações, até que a própria disputa provocou a Primeira

Guerra Mundial.” 25

22 JAKOBSEN, KJELD. In Comércio Internacional e Desenvolvimento, Ed. Fundação Perseu Abramo, SãoPaulo. 2005. p. 6.23 Op. cit., p. 17.24 Op.cit., p.25 JAKOBSEN leciona que “O debate sobre o livre-comércio começou a ganhar corpo teórico quandoADAM SMITH, o pai do liberalismo econômico, em sua famosa obra A riqueza das nações, de 1776,desenvolveu a tese de vantagem absoluta ao defender que o crescimento econômico era uma função dadivisão internacional do trabalho, que por sua vez dependia da escala do mercado, interno e externo.Quanto maior a escala, maior seria a possibilidade do crescimento, que por sua vez traria riqueza e poderpara as nações que assim agissem. A escala estava ligada à produção dos bens em que cada país tinhamaior especialização e, portanto, maior produtividade. Segundo Adam Smith, o livre-comércio erafundamental para manter esse princípio. Assim, os países mercantilistas que levantassem barreiras contra ointercâmbio de bens e a ampliação de mercados estariam na verdade impedindo seu próprio crescimentoeconômico e agindo contra seus interesses” (op.cit., p. 12).E — acrescenta o mesmo autor — “Vários anos depois, um discípulo de Adam Smith, chamado DavidRicardo, aprofundou a reflexão sobre essa divisão internacional do trabalho, analisando a especializaçãodefendida por Smith como "vantagens comparativas" nos termos de troca de uma nação em relação àoutra. Textualmente:“Sob um regime de comércio perfeitamente livre, cada país dedica naturalmente seu capital e trabalho àsatividades mais vantajosas para ambos. Essa busca da vantagem individual articula-se admiravelmente

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Já JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA afirma que, “A partir, contudo, do

início do século XX, três fenômenos vieram mostrar a necessidade de o Estado se

interessar pelos fenômenos econômicos: A Primeira Grande Guerra (1914-1918), a crise

do capitalismo (1930) e a Segunda Grande Guerra (1939-1945).”26

Assim, “As relações econômicas deixam o plano meramente individual ou

privado, para inserir-se no contexto das relações entre nações, operando-se uma

verdadeira "publicização". Passa-se a pensar na instituição de uma sociedade

internacional com a finalidade de eliminar os conflitos, fundamentalmente de origem

econômica, e com o objetivo de alcançar a paz universal.”27

com o bem universal do conjunto. Ao estimular a indústria, recompensar o engenho e empregar de modomais eficiente os poderes peculiares pela natureza, ela distribui o trabalho de forma mais eficiente ospoderes peculiares oferecidos pela natureza, ela distribui o trabalho da forma mais eficiente e maiseconômica; ao mesmo tempo, ao aumentar a massa geral da produção, difunde os benefícios gerais e une,por um laço comum de interesse e intercâmbio, a sociedade universal das nações em todo o mundocivilizado. É esse o princípio que determina que a França e Portugal fabricarão vinho, que o milho serácultivado na América e na Polônia, e que máquinas e outros produtos serão manufaturados na Inglaterra”(Ricardo, 1817 apud GIPLIN 2002).E, com propriedade, KJELD JAKOBSEN descreve problema ocorrido na América Latina:“No caso dos países da América Latina, estes assumiram enormes empréstimos externos na primeirametade do século XIX para pagar a conta de suas guerras de independência e dar início às suas novasvidas como nações livres. Os acordos bilaterais assinados, quase sempre com a Inglaterra, geralmenteincluíam cláusulas de redução de tarifas externas para manufaturas inglesas como condição para aconcessão de empréstimos. Com isso, o país credor ganhava um mercado cativo e a produção local demanufaturas não era estimulada. Assim, os recursos para pagar a dívida dos países latino-americanosficavam dependentes de suas exportações de commodities, extremamente vulneráveis à quantidade que ospaíses centrais compravam e aos valores que estavam dispostos a pagar. Quando havia retraçõeseconômicas na Europa nessa época, o que levava seus países a diminuírem as importações, o efeitonegativo era imediato na América Latina e nas colônias. Foi o que ocorreu durante a primeira metade doséculo XIX, que coincidiu com o período da independência dos países latino-americanos, introduzindoainda maiores dificuldades para consolidá-la, embora na segunda metade do século houvesse umaimportante recuperação devido à ampliação dos mercados das grandes potências.Apesar da redução tarifária concedida ao credor nesse esquema, ainda assim a garantia dada em troca dosempréstimos, até o início do século XX, costumava ser a renda remanescente das alfândegas, isto é, areceita proveniente das tarifas externas cobradas dos outros países. Houve várias situações deinadimplência de alguns países latino-americanos e caribenhos em que as Forças Armadas dos paísescredores intervieram, bloqueando seus principais portos e assumindo a administração da alfândega localaté que a dívida fosse quitada. Foi o que fizeram a Alemanha e Inglaterra na Nicarágua, em 1895, eposteriormente tentaram fazer, junto com a Itália, na Venezuela em 1902. Os Estados Unidosreproduziram essas medidas na República Dominicana em 1904 e 1916, na Nicarágua em 1912, noMéxico em 1914 e no Haiti em 1916.” (pp. 7 e 8)Frisa o autor que “Esta foi a última tentativa de potências européias de intervir militarmente na AméricaLatina, pois os Estados Unidos invocaram os princípios da Doutrina Monroe para ameaçá-las com guerracaso não retirassem a armada. O acordo feito implicou levar a discussão da dívida venezuelana para aapreciação do Tribunal de Haia.” (p. 8)26 Op.cit., p. 149.27 Op.cit., p. 149.

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Com isso, assevera: “O Direito Econômico Internacional passa a situar-se no

âmbito de um direito da paz.”28

É inegável que, hodiernamente, o ambiente econômico é deveras modernizado,

tendo sido fortemente modificado pelas benesses e avanços da Revolução Tecnológica,

que influencia o dia-a-dia da humanidade em suas relações interpessoais.

Anota KJELD JAKOBSEN que “Atualmente, cerca de dois terços do comércio

mundial é realizado por empresas transnacionais, sendo metade entre elas mesmas e suas

subsidiárias e filiais”29.

A moderna compreensão do alcance dos meios de comunicação e sistemas, a

nível mundial, que são perfeitamente aptos para superar com facilidade as antigas

limitações de tempo e distância impostos ao homem, funcionam, na atualidade, como

poderes capazes de gerar profundas modificações nos ordenamentos jurídicos das

nações.

Portanto, bem verdade é também que o fato da globalização30 que permeia a

atualidade mundial tornou bem mais ampla e complexa a tarefa de identificação dos

fatores de poder que retratam a existência do ordenamento jurídico aplicável em termos

de relacionamentos humanos, sob o prisma econômico, a nível internacional,

concebendo o próprio conceito presente do Direito Econômico Internacional.

RAYMOND ARON assinala contradição fundamental entre a existência de

convenções internacionais cada vez mais numerosas, uma legalização cada vez mais

ampla, o respeito às leis por um número cada vez mais crescente de Estados e, por outro

28 Op.cit., p. 149.29 Op.cit.. 152.30 Definição extraída do Relatório “Cancillería del Siglo 21 (Bases para uma Reforma)” (Santiago doChile, março de 2006): “Entendemos por globalização o conjunto de fenômenos de alcance planetário quetendem a acrescentar a interdependência e a interconexão de fluxos de pessoas, bens, serviços,informação, tecnologia, capital, à formação de um mercado de dimensões mundiais, ao aumento docomércio e à produção em rede.”

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lado, a inegável realidade internacional dos fatos das rivalidades de poder, das

contradições de interesses e das incompatibilidades ideológicas. 31

Leciona-se JOÃO BOSCO que “O Direito Econômico Internacional surge com a

finalidade precípua de estabelecer o enquadramento para a adoção, por todos os sujeitos

internacionais, de políticas econômicas destinadas a um aprimoramento constante do

nível de desenvolvimento. Hoje, os agentes encarregados da adoção de tais políticas não

se restringem mais aos Estados nacionais, abrangendo também as instituições

internacionais e as empresas multinacionais. Todos esses sujeitos contribuem para a

criação e para o funcionamento da organização internacional da economia.”32

Na conceituação de DOMINIQUE CARREAU, PATRICK JULLARD e THIÉBAUT

FLORY, contida na obra “Droit Internacional Économique”, o Direito Econômico

Internacional “É o ramo do direito internacional que regulamenta, de um lado a

instalação sobre o território dos estados de diversos fatores de produção (pessoas e

capitais) de proveniência estrangeira e, por outro lado, as transações internacionais

relativas a bens, serviços e capitais.” 33

Para esses juristas, o Direito Econômico Internacional “apresenta caracteres

originais bastantes para lhe assegurar uma especificidade qualitativa perante o direito

internacional público clássico.”34

Discorrem, na mesma obra, que “Os Estados, instruídos pela experiência das

duas guerras mundiais, reconheceram o caráter indivisível da paz; eles tiraram algumas

conseqüências jurídicas desse fato: a saber, sua interdependência diante da paz ou da

31 Discorre, referindo-se ao tema: “Mas será possível uma sociedade internacional homogênea, semcorrida armamentista, sem conflitos territoriais e ideológicos? A resposta é sim, num plano abstrato,sujeita a diversas condições. O fim da corrida armamentista exigirá não apenas que os Estados nãoalimentem suspeitas mútuas, mas também que não queiram mais usar a força para impor sua vontade. Asvontades de potências coletivas precisariam desaparecer — ou antes, transformar-se. Quanto aos conflitosde natureza econômica, que no passado não foram causa direta ou principal das guerras, as que tornaminteligíveis, a nosso espírito utilitarista, as guerras das civilizações tradicionais, eles em nossos dias têmdiminuído de importância autonomamente: todas as sociedades modernas podem crescer em intensidademelhor ainda do que em extensão” ARON, RAYMOND. Paz e Guerra entre as Nações, trad. De Sérgio Bath,1979.32 Op.cit., p. 150.33 In Droit Internacional Économique 2a ed., Paris, LGDG, 1980, p. 11.34 Op.cit., p. 15.

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guerra. Sobretudo, não teria toda cooperação internacional sua explicação pelo

funcionamento dessa noção? Entretanto, é conveniente afirmar que a soberania estatal

permanece o fundamento central do direito internacional, restando à interdependência

um papel secundário, supletivo. A situação é exatamente inversa em direito internacional

econômico. A interdependência econômica é um fato que se impõe a todos os países,

tanto desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, capitalistas e socialistas.”35

ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE assegura “que o conceito de soberania

permanente dos Estados (de conteúdo econômico, distintamente do conceito anterior de

soberania, pura e ingenuamente político) passou a formar-se no seio da ONU, com a

adoção de uma resolução em 1952 sobre o direito de se explorar livremente os recursos e

riquezas naturais”, e que, “Nessa época já se prenunciava a emergência política do

terceiro mundo, com o comunicado final da Conferência de Bandung (abril de 1955). Na

década seguinte verificou-se uma mudança básica na terminologia adotada pelas

resoluções da ONU: já não se falava mais de "direito de explorar livremente os

recursos" mas antes de "soberania permanente sobre os recursos".36

Para o citado professor, a mudança conceitual foi de grande importância por suas

inúmeras implicações. Observa ainda que um marco nessa evolução foi a adoção pela

Assembléia Geral da ONU, em 14 de dezembro de 1062, da famosa Resolução 1.803

(XVII) sobre "Soberania Permanente sobre Recursos Naturais", ponto de partida para

resoluções subseqüentes a respeito.

Por oportuno, transcritas são adiante as declarações contidas no preâmbulo da

Nova Ordem Econômica Internacional – NOEI:

“Solenemente proclamamos nossa determinação de trabalhar

urgentemente para o estabelecimento de uma nova ordem econômica

internacional, baseada na eqüidade, na soberania, na igualdade, na

interdependência, no prevalecimento do interesse comum e na

cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas

econômicos ou sociais, no sentido de reparar desigualdades e injustiças,

35 Op.cit, p. 16.

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eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em

desenvolvimento social, baseada ainda na paz e na justiça para as

presentes e futuras gerações.”

Conforme a doutrina de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA37, “As normas de

Direito Econômico, quer as de Direito interno quer as de Direito Internacional, têm suas

características marcadas pelo relacionamento com o fenômeno econômico, que é

essencialmente mutável e maleável” — e, adiciona, dizendo ainda o seguinte — “A

norma de Direito Econômico está sempre aderida à realidade flutuante, aliando essa

característica à generalidade inerente a toda norma jurídica.”

Observa o autor brasileiro que tais normas se caracterizam como obrigações de

comportamento, sendo formuladas no condicional ou também com expressões que

indicam um esforço ou uma tentativa por parte do agente.

E compila, sobre o problema da sanção a nível internacional, os seguintes

ensinamentos38:

“Correlato com o problema da caracterização das normas do

Direito Econômico Internacional está o de sua sanção. Deve-se

salientar desde logo que as questões jurídicas de conteúdo econômico

sentem uma rejeição pela solução judicial, normalmente formalista e

demorada. Por outro lado, a composição harmônica que se busca na

solução dessas questões repudia a decisão de que decorra uma figura

de vencedor e outra de vencido. Como assinala Reuter, a sanção do

mundo dos negócios se emparelha com a que a Igreja impõe: a

excomunhão é uma pena de exclusão, de não-participação. Nem por

isso essa sanção, que se caracteriza por uma pressão de caráter

psicológico e econômico, se torna menos eficaz.

36TRINDADE, ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO. Artigo “As Nações Unidas e a Nova Ordem EconômicaInternacional”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 21, no 81, pp. 213-132, jan./mar. 1984.”37 Op.cit., 152.38 Op.cit., 152 e 153.

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31

Por outro lado, a sanção, no campo do Direito Econômico

Internacional, procura assegurar a continuidade da cooperação, ou

seja, não quer excluir, mas encontrar condições que possibilitem a

perenidade da interdependência econômica pacífica.

Como observa Carreau, "alergia ao juiz, procura de um

compromisso mutuamente vantajoso, não participação gradual dos

recalcitrantes, constituem as características da sanção das normas de

DEI."”

A seguir, o autor descreve, outrossim, acerca da inevitabilidade, sob o prisma

econômico, da interdependência internacional e a aplicação do Direito Econômico39:

“Quando se fala em ordem econômica internacional, faz-se

referência a dois aspectos: o institucional e o pessoal. O primeiro é

representado pelo ordenamento, pelo conjunto coerente de regras

jurídicas, que tem, como função concretizar os ideais políticos,

econômicos e sociais. Já o segundo focaliza as pessoas que atuam na

formação e concretização de tais normas.

A ordem econômica internacional tem como finalidade precípua

a constituição de uma unidade que leve em conta a heterogeneidade, a

diversificação dos ordenamentos nacionais. Esta superação da

diversidade centrífuga tem como finalidade demonstrar que

interdependência econômica é irrefragrável e que a coexistência

pacífica é uma condição irrecusável de sobrevivência.

Os sujeitos que atuam nesse domínio devem ter consciência

profunda dessa irrecusabilidade da ordem econômica internacional. Os

Estados, os organismos internacionais e as empresas multinacionais

devem procurar, não somente submeter-se às normas jurídicas de

caráter internacional, mas efetivamente enquadrar-se na perspectiva

prospectiva e criadora do ordenamento jurídico-econômico

internacional, na certeza de que um novo mito se projeta no mundo

moderno.”

39 Op.cit., p. 153.

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32

Especialmente a partir do término da Segunda Guerra Mundial tem-se o conjunto

de acontecimentos que inspiraram a caracterização da atual “Nova Ordem

Internacional”.

Nas palavras de KJELD JAKOBSEN, “O período entreguerras foi consumido na

recuperação dos prejuízos causados pela Primeira Guerra Mundial e, em seguida, dos

danos provocados pela forte retração do comércio mundial decorrente da crise de 1929.

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, as potências capitalistas vencedoras

estavam convencidas de que seria necessário estabelecer uma série de instituições de

nível mundial para criar regras e monitorá-las no que tangia ao sistema monetário,

investimentos e comércio mundial. Daí nasceram as instituições de Bretton Woods40 e o

GATT.”41

A propósito, colaciona-se também a visão de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA

FONSECA a respeito da Nova Ordem Internacional42:

“O final da Segunda Grande Guerra (1939-1945) deixou

fundamentalmente debilitadas ou mesmo destruídas as grandes

potências do passado recente (Alemanha Japão, França, Itália e

Inglaterra). Surgiram em seu lugar duas grandes potências, os Estados

Unidos e A União Soviética, que constituíram os dois grandes pólos de

atração mundial. A bipolariazação que se formou, levou cada um desses

países a procurar consolidar seus respectivos blocos, com finalidades

políticas e econômicas. Esta bipolarização levou o mundo a situações

radicalmente conflitivas e violentas, e ao mesmo tempo, à descoberta de

que esta tendência não resolvia os problemas mundiais. Partiu-se então

para a busca da harmonização dos conflitos humanos através da

reforma do sistema internacional e também dos sistemas internos, num

esforço para superar o etnocentrismo até então imperante, caminhando-

40 As instituições de Bretton Woods são o Fundo Monetário Nacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD), queentraram em vigor em 1947, e serão tratados em topico especifico.41 Op.cit., p. 9.42. Op.cit., pp. 154-160.

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33

se para a construção de uma política mundial, principalmente em nível

econômico.”

A queda do ritmo de crescimento, o baixo nível de produção das

nações industrializadas e seus efeitos, o desemprego, a inflação e o

déficit, tiveram como conseqüência uma tomada de consciência no

sentido de que os problemas econômicos internacionais não poderiam

mais ser resolvidos em nível nacional, mas deveriam buscar soluções

me decisões ao nível internacional.

O período posterior à Segunda Grande Guerra, veio dar

continuidade a um esforço que já se iniciara a partir de 1914-1918 e

também implementar novas idéias e novos direcionamentos nas relações

internacionais.

(...).

A partir da Primeira Guerra Mundial, e mais fortemente a

partir da segunda, introduzem-se critérios que se aplicam também aos

países antigamente colônias. Consagraram-se o princípio da

autodeterminação dos povos e o da justiça e progresso social para

todos os países da nova comunidade universal.

(...).

A necessidade de criar uma nova ordem econômica intensifica,

para os países capitalistas, a busca de uma solução nos aspectos

monetários da crise, enquanto que os países em desenvolvimento se

preocupam com a reformulação das estruturas profundas da economia,

reivindicando o rompimento dos quadros do imperialismo obstruidor do

desenvolvimento.43

43 Nas palavras de MAURICE BYÉ: “Pode-se compreender que os dirigentes dos países capitalistasavançados procurem de imediato as soluções nos aspectos monetários da crise: eles procuram assim evitarde tocar nas estruturas profundas da economia; seus teóricos são mais sensíveis aos aspectos monetáriosda economia do que ao seu fundamento na produção; achava-se desde mais de um quarto de século que osEstados tinham a gestão dos meios de pagamentos internacionais. Os responsáveis pelos países emdesenvolvimento são, pelo contrário, sensíveis primeiramente às realidades do desenvolvimento, isto é,resumidamente não da produção em si mas de uma organização da produção que assegure a médio e alongo prazo uma elevável e do grau de satisfação das necessidades do conjunto de sua população, o que

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34

Pode-se dizer que o Direito Econômico Internacional surgido

depois da Segunda Grande Guerra foi um direito codificador, porque se

limitou a cristalizar as concepções até então predominantes. Já o

Direito Econômico Internacional surgido com a Nova Ordem

Econômica Internacional é direito reformador ou transformador,

porque pretende estabelecer critérios concretizadores de um

desenvolvimento satisfatório para todas as nações, eliminando o grave

hiato que as separa.”

Como acentuam CARREAU, JUILLARD E FLORY, “a concretização de uma nova

ordem internacional econômica pressupõe uma concepção do direito totalmente

diferente. Este se torna agora um instrumento de transformação da sociedade econômica

internacional em função do objetivo fundamental perseguido por esta nova ordem:

reduzir o hiato de desenvolvimento, corrigir o desequilíbrio econômico entre países

industrializados e nações do Terceiro Mundo. Segundo essa missão, o direito

internacional econômico ‘novo` deverá ser dirigista, intervencionista. Sua ideologia

dominante será de inspiração terceiro-mundista.”44

Segundo RAYMOND ARON, “O direito internacional que se transformou no direito

do sistema mundial é, essencialmente, o jus europeaum. Sua aplicação estava limitada,

inicialmente, às nações cristãs, depois às européias, estendendo-se em seguida às nações

civilizadas mais tarde, nações amantes da paz. Hoje, a igualdade soberana, que em

outros tempos era reservada aos privilegiados, isto é, aos grandes da sociedade

internacional (cujo centro era a Europa), é concedida explicitamente a todos os Estados,

pequenos ou grandes, que resultaram da desagregação dos impérios coloniais. Os

Estados que assumem responsabilidade pelas populações não autônomas precisam agora

agir em função do seu bem-estar e desenvolvimento. Já passou o tempo em que um

deputado, na Câmara dos Comuns, em Londres, podia declarar francamente, sem

qualquer vergonha, que a Inglaterra só procurava lucro na administração da Índia. A

ideologia do dever que têm os países ricos e civilizados, com relação aos povos que não

alcançaram ainda os níveis da civilização moderna, é mais do que uma homenagem

implica de inicia uma dinâmica das condições objetivas da acumulação” (Relations ÉconomiquesInternacionales: I – Échanges Internacionaux, apud, p. 159).44 Op.cit., p. 87.

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prestada pelo vício à virtude, é a tomada de consciência de um fato histórico: a extensão

mundial do sistema interestatal. Contudo, além desses fatos, não há qualquer indicação

de progresso que os Estados renunciem ao aplicar sua própria justiça, que os cidadãos e

os governantes acreditem que a sujeição dos Estados a um juiz imparcial é moralmente

recomendável.”45

A respeito da antiga ordem econômica internacional, HECTOR CUADRA disserta

que “A ordem econômica internacional aos olhos da imensa maioria da espécie humana

se apresenta como uma ordem que tão injusta e tão superada como a ordem colonial que

retira sua origem e substância. Porque se sustenta, se consolida e prospera segundo uma

dinâmica que sem cessar empobrece aos pobres e enriquece aos ricos, esta ordem

econômica constitui um obstáculo maior a toda oportunidade de desenvolvimento e de

progresso para o conjunto de países do Terceiro Mundo.”46

Por meio de uma leitura comparativa do Pacto Social das Nações, de 1918, e da

Carta das Nações Unidas, revela-se mudança substancial de objetivos, notadamente, em

relação ao prisma econômico mundial.

Veja-se, senão, o que se descreve no preâmbulo do Pacto Social das Nações:

“As Altas Partes Contratantes

CONSIDERANDO que, para desenvolver a cooperação entre as

Nações e para lhes garantir paz e segurança, é necessário aceitar certos

compromissos tendentes a evitar a guerra, manter publicamente

relações internacionais fundadas na justiça e na honra, observar

rigorosamente as prescrições do direito internacional, reconhecidas, de

hoje em diante, como regra de procedimento efetivo dos Governos, fazer

imperar a justiça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dos

tratados nas recíprocas relações entre os povos organizados;

Adotam o presente Pacto, que cria a Sociedade das Nações.”

45 ARON, RAYMOND. Paz e Guerra entre as Nações, 1979, p. 670, p. 155.46 CUADRA, HECTOR. Aspectos Jurídicos del Nuevo Orden Económico Internacional, Estúdios de DerechoEconómico, III, 1979, p. 168.

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36

Por sua vez, a Carta das Nações Unidas, como bem observa JOÃO BOSCO

LEOPOLDINO DA FONSECA, “aponta condições de uma cooperação mais concreta, no

plano econômico, com a finalidade de promover o progresso econômico e social, de tal

sorte a propiciar a todos melhores condições de vida. Os seguintes tópicos demonstram a

nova postura ideológica”47:

“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:

A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por

duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos

indizíveis à humanidade;

A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na

dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos

homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas;

A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça

e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes

do direito internacional;

A promover o progresso social e melhores condições de vida

dentro de um conceito mais amplo de liberdade;

e para tais fins:

A empregar mecanismos internacionais para promover o

progresso econômico e social de todos os povos.” (p. 156)

Anota ainda o citado jurista que, “Explicitadas as finalidades pelas quais foi

criada a nova sociedade de todas as nações, grandes e pequenas, a Carta expõe os

objetivos e princípios que deverão nortear as ações:

“Os objetivos das Nações Unidas são:

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1) Manter a paz e segurança internacional e para esse fim:

tomar medidas coletivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz

...

2) Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas

no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação

dos povos ...

3) Realizar a cooperação internacional resolvendo os

problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou

humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do

homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de

raça, sexo, língua e religião;

4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações

para a consecução desses objetivos comuns”.

Destaca, outrossim, que, “Para dar concretitude a tais objetivos e princípios,

deverá a Assembléia-Geral, como dispõe o art. 13 da Carta, "fomentar a cooperação

internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer

o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os

povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.48

Estabelece o art. 55, da Carta das Nações Unidas:

“Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar,

necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas

no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação

dos povos, as Nações Unidas promoverão:

a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições

de progresso e desenvolvimento econômico e social;

47 Op.cit., p. 156.48 Op.cit., p. 157.

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b) A solução dos problemas internacionais econômicos, sociais,

de saúde e conexos, bem como a cooperação internacional, de caráter

cultural e educacional;

c) O respeito universal e efetivo aos direitos do homem e das

liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua

ou religião”.

Apesar de tais expressões, a realidade mostrou que se passou de um direito

internacional de concepção européia para um direito das grandes potências, deixando de

lado os parâmetros de uma colonização política para adotar os de uma colonização e

dominação econômica.

Em breve síntese, VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI demonstra “As tendências

evolutivas do Direito Internacional”49, contemplando em evidência a questão econômica

por que vive o cenário mundial e os direitos humanos sob a ótica internacional:

“O Direito Internacional Público moderno é fruto de um

desenvolvimento histórico que abrange atualmente algumas tendências,

umas positivas e outras já nem tanto. Tais tendências podem ser

agrupadas, segundo Jorge Miranda (em quem iremos nos fundamentar

em todo este tópico, com alguns acréscimos), em oito momentos

distintos: a universalização; a regionalização; a institucionalização; a

humanização; a objetivação; a codificação; e, finalmente, a

jurisdicionalização.50

A primeira dessas tendências, chamada de universalização, tem

o seu foco voltado para autodeterminação dos povos, decorrente,

segundo Jorge Miranda, da desagregação, primeiramente dos impérios

marítimos europeus, depois do império continental soviético e, mais

recentemente, a alguns movimentos de independência, como foi o caso

49 Op.cit., pp. 33-36.

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de Timor Leste. A universalização então significa que o Direito

Internacional não é mais (nem poderia continuar sendo) um Direito

euro-americano, mas sim um Direito Internacional universal.

À universalização segue-se a regionalização, com a conseqüente

criação de espaços regionais por razões econômicas, políticas,

estratégicas ou culturais, dentro dos quais as várias comunidades

políticas e os vários Estados encontram formas de solidariedade e de

cooperação bem mais qualificadas, de cujo exemplo mais avançado é a

União Européia.

Em terceiro lugar aparece a institucionalização, segundo a qual

o Direito Internacional deixa de ser um direito das relações bilaterais

ou multilaterais entre os Estados para se tornar um direito cada vez

mais presente nos organismos internacionais, na Organização das

Nações Unidas, bem como em suas agências especializadas, podendo

até mesmo chegar à criação de um órgão supranacional com poderes

decisórios, como é o caso da União Européia.

A funcionalização, em quarto lugar, aparece, segundo Jorge

Miranda, relacionada com a institucionalização, num duplo sentido.

Primeiro porque o Direito Internacional passa a extravasar cada vez

mais o âmbito das meras relações externas e entre os Estados e penetra,

cada vez mais, em quaisquer matérias relativas tanto ao Direito interno

como ao próprio contexto das relações internacionais. No plano do

Direito interno assume tarefas de regulamentação e de solução de

problemas, como a saúde, o trabalho, o ambiente etc. Em segundo

lugar, essa funcionalização acompanha a criação de organismos

internacionais capazes de permitir essa solução, uma espécie de

ministérios internacionais que fazem o complemento dos ministérios

nacionais.

Em quinto lugar aparece a humanização. O Direito

Internacional ganha uma face humanizadora com o nascimento do

50 MIRANDA, JORGE. A incorporação ao direito interno de instrumentos jurídicos de direito internacionalhumanitário e direito internacional dos direitos humanos, in Revista CEJ, no 11, Brasília: CJF, 2000, pp.23-26.

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40

Direito Internacional dos Direito Humanos, notadamente com a

arquitetura normativa de proteção de direitos nascida no pós-Segunda

Guerra, desde a Carta das Nações Unidas (1945), desenvolvendo-se

com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e com os

inúmeros tratados internacionais de proteção dos direitos humanos

surgidos no cenário internacional após esse período.

Esta Tendência de humanização do Direito Internacional

provém, como destaca Jorge Miranda, de três momentos históricos

conexos. O primeiro nasce com a definição internacional ou a

consagração internacional dos direitos humanos. A Declaração

Universal dos Direitos Humanos de 1948, passa a ser considerada

como um código de ética universal de direitos humanos, que fomenta a

criação de grandes pactos e convenções internacionais, de documentos

e de textos especializados das Nações Unidas e de suas agências

especializadas. O segundo, que tem o seu início com a Convenção

Européia dos Direitos do Homem (1950) passando para a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (1969), é a consagração de um

direito de queixa, ou de um direito de recurso, ou de comunicação dos

cidadãos contra o seu Estado perante as instâncias internacionais;

trata-se da necessária sujeição dos órgãos do Estado às decisões

provenientes de órgãos jurisdicionais internacionais ainda crescentes,

criados por tratados também ratificados pelos mesmos Estados de que

são cidadãos as pessoas queixosas. Por fim, o terceiro momento é a

criação da Justiça Penal Internacional com origem nos Tribunais de

Nuremberg e Tóquio, e mais recentemente nos Tribunais para crimes

cometidos no território da Ex-Iugoslávia e de Ruanda. Com a criação

do Tribunal Penal Internacional, o Direito Internacional dos Direitos

Humanos se desenvolve, se concretiza e se enriquece, alargando-se

cada vez mais o seu âmbito de proteção.

Uma sexta tendência do Direito Internacional colocada por

Jorge Miranda é a objetivação, ou seja, a superação definitiva do

dogma "voluntarista", segundo o qual a vontade dos atores

internacionais é o fundamento único da existência do Direito

Internacional Público. Neste momento histórico pelo qual passa a

humanidade, presencia-se cada vez mais a formação de regras

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internacionais livres e independentes da vontade dos Estados — desde a

positivação da norma pacta sunt servanda pela Convenção de Viena

sobre Direitos dos Tratados de 1969 —, justificando e fortalecendo a

existência e validade de inúmeros tratados internacionais de proteção

dos direitos humanos presentes na atualidade. Para Jorge Miranda, o

papel crescente dos tratados multilaterais passa a dar suporte ao

desenvolvimento de um verdadeiro regime de tratados, principalmente

no que tange às reservas, em que a vontade dos Estados tem cada vez

menos importância perante a função objetiva das normas do moderno

Direito Internacional.

Uma sétima característica desse desenvolvimento histórico é a

codificação do Direito Internacional, merecendo destaque o que

prescreve art. 13, § 1º, alínea a, da Carta das Nações Unidas, de 1945,

segundo o qual um dos propósitos da Assembléia Geral da ONU é o de

"incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e

sua codificação". Para a realização de tais finalidades, a ONU tem

impulsionado os trabalhos das suas Comissões de Direito Internacional

e de Direitos Humanos. Foram vários os textos internacionais

contemporâneos concluídos sob os auspícios de tais comissões, como as

grandes convenções modernas de Direito Internacional Público e de

Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Por último, como oitava tendência do Direito Internacional

contemporâneo colocada pelo constitucionalista português, tem-se a

jurisdicionalização, que passa a ser conseqüência lógica da acumulação

de todas essas tendências vistas anteriormente. Na medida em que se

desenvolvem as regras de proteção internacional dos direitos humanos,

avulta de importância a criação de tribunais internacionais de variada

natureza para decidirem sobre as mais diversas questões envolvendo

aspectos ligados a violações de direitos humanos. Procura-se, cada vez

mais, superar os regimes das cláusulas facultativas, rumo à

institucionalização e imposição da jurisdição internacional

obrigatória.”

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42

A nosso ver, as idéias acima explanadas emergem para a consolidação da

humanização do direito econômico internacional, de modo que o objeto do direito

econômico internacional corresponde aos direitos humanos econômicos, civis e sociais

como valores fundamentais, a fim de assegurar a dignidade humana garantindo aos

Estados e seus cidadãos um padrão econômico adequado de vida econômica.

Vale ressaltar, ainda, que no âmbito do comércio e das relações econômicas

internacionais, a proteção aos direitos humanos econômicos, civis e sociais garantem o

desenvolvimento, podendo estes serem compreendidos como direito ao

desenvolvimento.

Ainda que cedo para ousar, arriscamo-nos a afirmar que a Organização Mundial

do Comércio, como órgão regulador do comércio internacional, é o meio capaz de

garantir aos cidadãos o direito ao desenvolvimento.

Explanadas as considerações propedêuticas em epígrafe, cumpre, ainda, como

escopo deste estudo, discorrer sobre as principais características dos direitos humanos

internacionais e do direito ao desenvolvimento humano, visando, posteriormente, à

respectiva análise sob o prisma da atuação da ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO

(OMC).

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43

CAPÍTULO II. OS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS

1.1 Definição de direitos humanos.

Antes de tratarmos da evolução dos direitos humanos, é fundamental

esclarecermos que há uma polêmica acerca da definição e natureza desses direitos, se

são direitos positivos, históricos, naturais ou até mesmo morais. Apesar da discussão que

envolve o tema, é certo que são direitos inerentes ao homem, que já nascem com ele,

independente de sua origem, nacionalidade, sexo e religião, e que estão implícitos à

condição de ser humano.

A idéia de direitos humanos é relativamente nova na história mundial, que foi

sendo conquistada pelo esforço em afirmar os direitos inerentes à condição de ser

humano, com vistas a assegurar a sua dignidade.

O conceito de direitos humanos no contexto contemporâneo reserva-se para

denominar os direitos da pessoa reconhecidos e garantidos pelo direito internacional,

seja este consuetudinário ou convencional.

O verdadeiro direito é aquele inerente à condição humana e não o direito

positivo, o qual considera ser uma mera degradação da idéia de direito da classe

dominante. Devem ser reconhecidos os direitos humanos como fundamentais e supra-

estatais vez que são inerentes à condição humana, pressupondo sua legitimidade em face

das legislações positivas51.

51 DOS REIS, Henrique Marcelo. Globalização: A inter-relação entre os Direitos Humanos e o Direito dasRelações Econômicas Internacionais. p.42.

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44

A expressão direitos humanos supõe, no dizer de CHAIN PERELMAN, que toda

pessoa merece respeito como sujeito moral, livre, autônomo e responsável52. Sobre o

conceito de direitos humanos afirma LOUIS HENKIN53: “Direitos Humanos constituem

um termo de uso comum, mas não categoricamente definido. Esses direitos são

concebidos de forma a incluir aquelas "reivindicações morais e políticas que, no

consenso contemporâneo, todo ser humano tem ou deve ter perante sua sociedade ou

governo", reivindicações estas reconhecidas como "de direito" e não apenas por amor,

graça ou caridade.”

Interessante também é ressaltar a definição de PÉREZ LUÑO54 sobre direitos

humanos: “Os direitos humanos constituem a expressão mais direta e imediata da

dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos ou direitos essenciais são os

componentes estruturais básicos, tanto do conjunto da ordem jurídica como de cada um

dos ramos que a integram, em razão de que são a expressão jurídica de um sistema de

valores que, por decisão do constituinte, há de informar o conjunto da organização

jurídica e política, constituindo o fundamento da ordem jurídica”.

O pleonasmo da expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é assim

justificado porque se trata de exigências de comportamento fundadas essencialmente na

participação de todos os indivíduos no gênero humano, sem atenção às diferenças

concretas de ordem individual ou social, inerentes a cada homem.

A Declaração Universal de 1948, das Nações Unidas, sublinha esse caráter de

igualdade fundamental dos direitos humanos, ao dispor, em seu art. 2o, que cada qual

pode se prevalecer de todos os direitos e todas as liberdades proclamadas na presente

Declaração, sem distinção de espécie alguma, notadamente de raça, de cor, de sexo, de

língua, de religião, de opinião pública ou de qualquer outra opinião, de origem nacional

ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação55.

52 PERELMAN, CHAIN. Ética e Direito.53 HENKIN, LOUIS. The rights of man today, New York, Columbia University Press, 1988, pp. 1-3.54 LUÑO, Antonio Henrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de derecho y Constitucion, 4 ed. Madrid,Tecnos, 1991. p. 48.55 COMPARATO. Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3 ed. Revista e Ampliada. SãoPaulo: Saraiva. 2003. p.74.

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45

Percebe-se, pois, que o fato sobre o qual se funda a titularidade dos direitos

humanos é, pura e simplesmente, a existência do homem, sem necessidade alguma de

qualquer outra precisão ou concretização. É que os direitos humanos são direitos

próprios de todos os homens, à diferença dos demais direitos, que só existem e são

reconhecidos em função de particularidades individuais ou sociais do sujeito. Estes

direitos representam a decisão básica do constituinte através da qual os valores reitores

éticos e políticos da sociedade alcançam expressão jurídica.

Em análise do conceito de direitos humanos em uma ordem globalizada,

EDUARDO C. B. BITTAR56 discorre que “os direitos humanos são elementos desafiadores

da composição da ordem mundial, porque sua compreensão gera atritos e divergências.

Contudo, deve-se reconhecer que, sua presença na vida social é de indispensável

necessidade, na medida em que representam formas de proteção da pessoa humana dos

abusos do poder, modos de inserção da idéia de respeito da identidade individual dentro

da sociedade, bem como mecanismos de afirmação da idéia de dignidade da pessoa

humana, consagrada no art. 1o da Declaração de Direitos Humanos”.

E continua, “se não forem tomados no sentido universalista a eles atribuído pelo

Ocidente, mas em seu sentido multicultural, podem servir de cultura contra-hegemônica

em face dos desvarios dominadores dos ocidentais expansionistas de suas ideologias, de

seus mercados, de seus imperialismos. Os direitos humanos não podem provocar o

choque de civilizações, caso contrário, seu discurso servirá para a opressão cultural. Não

podem ser a ancoragem legitimadora do avanço do capital em direção aos seus focos de

interesse”.

No entanto, as concepções tradicionais de direitos humanos albergam em si

concepções caracteristicamente liberais, quais sejam: universalidade do indivíduo, certa

forma de organização do Estado, dignidade absoluta, superioridade da natureza

humana57.

56 Globalização da discriminação e insegurança mundial. Artigo publicado na revista de Política Externa.A Complexidade do momento global. Vol.15, n. 2 Setembro/Outubro/Novembro de 2006.57 SANTOS, Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural, 2003. p. 439.

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Assim, para que a afirmação dos direitos humanos no plano internacional

realmente corresponda a um projeto cosmopolita, é necessário o respeito a uma dinâmica

multicultural, o que implica as idéias de diálogo e de tolerância recíproca entre os povos,

aliás, conditio sine qua non para a sobrevivência do próprio globo, em tempos em que as

notícias somente nos trazem fatos que remetem o pensamento à sensação de que as

fontes de energia se esgotam, o ambiente dá demonstrações de rebeldia e exaustão, e a

concorrência por mercados gera atritos e disputas das mais variadas dimensões. É, por

isso, imperioso que se pense em um projeto alternativo à mera globalização

econômica58.

Frise-se que a “irrecusabilidade da ordem econômica internacional” e a

globalização são fenômenos que ocorrem na sociedade mundial e requerem

consideráveis e profundas reflexões, em especial, concernente aos direitos humanos,

como é a seguir destacado59:

“É possível universalizar paradigmas por vezes ocidentais e

regionais de direitos humanos? Como não adentrar no universo interno

das culturas sem romper com seus paradigmas e dogmas tradicionais?

Como respeitar culturas e implantar desenvolvimento, democracia e

liberdades fundamentais? Para o que é que tem servido os direitos

humanos no processo de expansão do contato entre as nações e os

povos? Assim:

Os direitos humanos são o desafio mais coerente e poderoso à

ideologia da globalização. A globalização é orientada para o indivíduo,

glorifica a cobiça e os incentivos aos indivíduos, ao mesmo tempo em

que trata as pessoas como mercadorias (trabalho) ou como

consumidores, que é guiada pelo lucro, fragmenta e destrói

comunidades, apropria-se de bens comuns, produz vulnerabilidade e

insegurança sem valores comuns. A globalização baseia-se em

monopólios e hierarquias. Por outro lado, o regime de direitos humanos

enfatiza a democracia e a participação, a solidariedade, a ação coletiva

58 Conforme longo trecho de reflexões em SANTOS, op.cit. p. 438-443.59 Texto de BITTAR, Eduardo C. In Artigo: Globalização da discriminação e insegurança mundial.Revista Política Externa. Vol. 15 n. 2 Setembro/outubro/novembro 2006. A Complexidade do MomentoGlobal.

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e a responsabilidade, e procura assegurar as necessidades básicas, a

dignidade, o reconhecimento social e a segurança. Oferece uma visão

alternativa da globalização, em que a justiça social e solidariedade são

enfatizadas. Na realidade, os direitos humanos são por vezes as únicas

armas à disposição dos fracos e das vítimas de diferentes tipos de

opressão e violência. Porém, na sua versão hegemônica, o regime de

direitos humanos é um instrumento de homogeneização e, por isso,

tende a suprimir culturas que não sejam dominantes na emergência da

teoria moderna de direitos; existe, no entanto, a possibilidade de ser

entendido a outros valores e a outras culturas. O quadro dos direitos

humanos também oferece opções ao individualismo contrario aos

valores comunitários, um tipo de cosmopolitismo, de liberdade de

associação para comunidades que permite-lhes a escolha, dentro de

certos limites, de retirar-se parcialmente da cultura dominante e

desenvolver a sua própria cultura, de procurar o reconhecimento da sua

identidade e os objetivos coletivos. SANTOS, Boaventura de Souza.

Reconhecer para Libertar: Os caminhos do Cosmopolitismo

multicultural. São Paulo: ed. Difel., 2003.”

Enquanto o afluxo dos valores que medram no cenário das relações

internacionais continuar situado no âmbito das diferenças, certamente, as oposições

serão maiores que os motivos da integração, o que trará a desagregação, a discriminação

e a exploração, entre outros fatores de exclusão.

É por isso que para HABERMAS a compreensão dos direitos humanos deve-se

livrar-se do fardo metafísico da suposição de um indivíduo existente antes de qualquer

socialização, e que vem ao mundo com direitos naturais. Juntamente com essa tese

“ocidental” é descartada também a necessidade de uma antítese “oriental” segundo a

qual as reivindicações da comunidade merecem precedência diante das reivindicações de

direitos individuais. A alternativa “individualista” versus “coletivista” torna-se vazia

quando se incorpora aos conceitos fundamentais do direito a unidade dos processos

opostos de individuação e de socialização. Porque também as pessoas jurídicas

individuais só são individuadas no caminho da socialização, a integridade da pessoa

particular só pode ser protegida juntamente com acesso livre àquelas relações

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interpessoais e às tradições culturais nas quais ela pode manter sua identidade. O

individualismo compreendido de modo correto permanece incompleto sem essa dose de

“comunitarismo”60.

1.2 A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos.

Os direitos humanos surgem como um conjunto de faculdades e instituições que,

em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e

igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos

jurídicos, nos planos nacional e internacional61.

Note-se que a crise do liberalismo e suas conseqüências demonstram a

necessidade da relativização dos direitos individuais, na verdade da visão individualista,

em prol dos valores sociais.

Interessante a observação de BOBBIO62 no sentido de que se verificou a passagem

dos direitos de liberdade — liberdade de religião, de opinião, de imprensa, etc. — para

os direitos políticos e sociais, que requerem a intervenção direta do Estado.

Relativamente ao segundo processo, ocorreu a passagem do indivíduo humano para

sujeitos diferentes do indivíduo, de que são exemplos a família, as minorias étnicas e

religiosas, e mesmo toda a humanidade. Quanto ao terceiro processo, houve a passagem

do homem genérico para o homem específico, classificado com base em múltiplos

critérios de diferenciação (sexo, idade, condições físicas). E conclui lecionando que os

direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como

direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de

Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos

universais.

60 HABERMAS, Jurgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. Tradução de Márcio Seligman-Silva.São Paulo: Littera-Mundi, 2001.61 LUÑO, Antonio Henrique Pérez. Op.cit. p. 48.62 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Campos. Rio de Janeiro. 1992. p. 30.

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49

Neste sentido, FLÁVIA PIOVESAN defende a historicidade dos direitos humanos,

de modo que afirma que estes não são um dado, mas um construído, uma invenção

humana, em constante processo de construção e reconstrução63.

Na concepção contemporânea de direitos humanos entende-se que eles são

compreendidos como uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, na

qual os valores da igualdade e liberdade se conjugam e se completam. Tal concepção é

demarcada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Inicialmente, a natureza dos direitos do homem se identificava com determinadas

liberdades do indivíduo face e contra o Estado. Esta concepção é contemporânea de uma

desconfiança em relação ao poder, compartilhada com o marxismo, mas que ao contrário

deste, prega a limitação do Estado, entendendo-o como mal necessário.

Ora, em países como os latino-americanos onde a sociedade, ela mesma, é em

muitos casos autoritária e injusta, o poder do Estado, enquanto tal, pode-se revestir de

um aspecto positivo. Esta colocação é contemporânea da intervenção do Estado no

domínio do que antes se convencionou chamar de privado, a qual, alterando o quadro

das suas funções tradicionais estabelecidas pela ideologia liberal, oferece as coordenadas

para uma reelaboração dos direitos do homem.

É o resultado, já, da afirmação de uma nova geração de direitos (greve,

sindicalização, reunião, educação, etc.) e, mais do que nunca, de seu gozo reiterado. O

nascimento de um conjunto de direitos de crédito frente ao Estado (saúde, alimentação,

habitação, etc.) altera profundamente a natureza dos direitos humanos. Estes agora serão,

a um tempo, liberdades e créditos do indivíduo (ou grupo) frente ao Estado.

Se as liberdades se manifestavam através de uma prestação prevalentemente

negativa do poder público (abstenção do Estado), os créditos exigem uma prestação

prevalentemente positiva, ou seja, a disposição de medidas públicas dirigidas à solução

das demandas tipificadas como direitos.

63 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo, Max

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A concepção dos direitos fundamentais como liberdades e créditos, além de

manter implícita uma teoria do Estado (mais precisamente uma teoria do exercício do

poder do Estado), identificada com o que hoje chamamos democracia, opera a fusão de

duas noções até há pouco dissociadas: liberdade e capacidade.

Os direitos de crédito são o solo sobre o qual floresce a capacidade, complemento

indispensável das liberdades no e contra o Estado. E estas, como numa cadeia contínua,

são o terreno a partir do qual novas liberdades, ou seja, outras gerações de direitos serão

possíveis. (...) Tudo se passa como se os direitos do homem fossem um espaço único.

Mais do que isso, um espaço histórico, um processo, um caminho de invenção

permanente, onde o que mais importa é o homem, cidadão e sujeito de seu tempo e

lugar, em face do que um certo tipo de organização de poder (e não outro) não pode

faltar64.

Uma das tendências marcantes do pensamento moderno é a convicção

generalizada de que o verdadeiro fundamento de validade — do Direito em geral e dos

direitos humanos em particular — já não deve ser procurado na esfera sobrenatural da

revelação religiosa, nem tampouco numa abstração metafísica — a natureza como

essência imutável de todos os entes no mundo. Se o direito é uma criação humana, o seu

valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é

outro senão o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa,

diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias65.

O objetivo primeiro do direito é servir ao homem, com a finalidade de proteger a

sua dignidade. Sendo assim, os direitos humanos existem para resguardar o valor da

dignidade humana, e a tem como seu fundamento. Assim é porque a dignidade humana

precede ao próprio direito já que esta nasce juntamente com o homem.

Limonad, 5 ed. p. 123-124.64 CLÈVE, CLÉMERSON MERLIN. Sobre os Direitos do Homem, in: Temas de Direito Constitucional e deTeoria do Direito, São Paulo, Acadêmica, 1993, p. 125-127.65 COMPARATO, FABIO KONDER. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3 ed. Revista e Ampliada.São Paulo: Saraiva. 2003. p. 60.

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Note-se que a dignidade da pessoa emana da sua natureza de ser moral, livre e

racional, e da necessidade que o homem tem de viver socialmente, inserido em um

contexto econômico, com seus direitos humanos fundamentais protegidos.

A dignidade humana consiste nos valores básicos necessários ao bem-estar da

pessoa, que exprimem tudo aquilo que o homem necessita para viver dignamente, de

modo que deve funcionar como fundamento e princípio basilar do Estado de Direito e do

ordenamento jurídico, tendo valor jurídico supraconstitucional.

GONZÁLEZ PÉREZ, acertadamente, ressalta que o princípio da dignidade da pessoa

cumpre uma quádrupla função: primeiro, de fundamentar a ordem jurídica; segundo,

orientar a interpretação desta; terceiro, servir como base ao labor integrador no caso de

lacunas, e determinar uma norma de conduta; e quarto, eventualmente, um limite a certas

formas de exercício dos direitos fundamentais66.

O respeito à dignidade humana é, portanto, a condição necessária para elaborar

uma concepção jurídica dos direitos humanos. Esta, por seu turno, realiza-se apenas

mediante um sistema jurídico que imponha a cada ser humano, seja em relação a si

próprio, seja no tocante aos outros homens e ao poder incumbido de proteger tais

direitos, a obrigação de respeitar a dignidade humana.

Acerca das diversas teorias atuais sobre o fundamento e a natureza dos direitos

humanos, afirma JEROME J. SHESTACK67 que tais teorias apresentam muitas

características em comum.

Primeiramente, elas são ecléticas, beneficiam-se uma das outras, o que torna

impreciso caracterizar tais teorias como puramente utilitárias, de direito natural,

intuitivas e comportamentais. Em segundo lugar, as teorias modernas reconhecem e

tentam solucionar, usando diversas concepções, a tensão entre liberdade e igualdade.

66 GONZÁLEZ PEREZ, J. La dignidad de la persona. Madrid: Civitas, 1.986, p. 87-94.67 The jurisprudence of human rights, in: Theodor Meron, Human rights in International law: legal andpolicy issues. Oxford, Clarendon Press, 1984. p. 85-98.

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Algumas teorias constroem argumentos no sentido de provar que esses objetivos

são conciliáveis e alcançáveis em uma mesma ordem social. Outras teorias sustentam

que a tensão é inconciliável e buscam resolver o dilema elencando hierarquicamente

esses objetivos. Outras ainda elaboram sofisticados argumentos para aceitar a relação

entre liberdade e igualdade, caracterizada como em dinâmica interação. Em terceiro

lugar, muitos teóricos acentuam a necessidade de criar um verdadeiro sistema de

direitos.

O mesmo autor destaca as teorias mais significativas nas sociedades

contemporâneas: (i) teorias baseadas em direitos naturais, direitos fundamentais; (ii)

teorias baseadas no valor da utilidade; (iii) teorias baseadas na justiça; (iv) teorias

baseadas na revisão do Estado da natureza e do Estado mínimo; (v) teorias baseadas na

dignidade e; (vi) teorias baseadas nos direitos de respeito e consideração.

No entanto, a nosso ver, nenhuma teoria é independente da outra, todas se

completam. Os direitos e valores nelas apontados guardam uma relação direta com a

dignidade humana, servindo uma a uma, igualmente, como fundamento dos direitos

humanos.

Ao tratar acerca da indivisibilidade dos direitos humanos, com acerto afirma

LOUIS HENKIN: Os direitos considerados fundamentais incluem não apenas limitações

que inibem a interferência dos governos nos direitos civis e políticos, mas envolvem

obrigações governamentais de cunho positivo em prol da promoção do bem-estar

econômico e social, pressupondo um Governo que seja ativo, interventor, planejador e

comprometido com os programas econômico-sociais da sociedade que, por sua vez, os

transforma em direitos econômicos e sociais para os indivíduos68.

68 HENKIN, LOUIS. The age of rights, p. 6-7. New York, Columbia University Press, 1990. Também sobre aindivisibilidade dos direitos humanos, interessante é a visão de Richard Pierre Claude e Burns H. Weston,citada por Flavia Piovesan, quando afirmam que estes direitos expressam demandas sobre os seguintesvalores: 1- respeito (insistindo, por exemplo, na não-discriminação); 2-poder (clamando por uma amplaparticipação política); 3- recursos materiais; 4- enlightenment (envolvendo o conhecimento e ainformação); 5- bem-estar (garantias de sobrevivência do indivíduo e de grupos sociais); 6- habilidades(otimizando talentos e auxiliando nas deficiências); 7- affection (ex: liberdade de dar contribuições erecebê-las de grupos da sua própria escolha); 8- integridade moral (requerendo uma ordem pública na qualos indivíduos possam agir com responsabilidade, orientados pelo interesse comum). Direitos humanos,

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Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os

direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a

realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida

em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais, e culturais carecem de

verdadeira significação. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça

social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em

suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível,

em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são

interdependentes entre si69.

A afirmação dos direitos humanos não constitui somente uma garantia que

protege as pessoas contra vexames e ofensas de todo tipo, mas que protege também o

pleno desenvolvimento de cada ser humano.

Considerando o ser humano como cidadão inserido em um sistema econômico e

alvo das normas internacionais de comércio que regem esse sistema, é que se torna

viável analisarmos o seu bem-estar mediante as relações de causa e efeito desencadeadas

pelo comércio internacional.

Segundo EDUARDO GIANNETTI, o bem estar humano possui duas “dimensões”,

uma objetiva e outra subjetiva. A subjetiva refere-se à percepção do indivíduo do mundo

e de como este absorve a realidade. Sua versão objetiva seria medida e refletiria nas

condições e padrões de vida levando em consideração “indicadores numéricos de

nutrição, saúde, moradia, uso do tempo, renda per capita, desigualdade, criminalidade e

poluição”70.

A compreensão objetiva de bem-estar de GIANNETTI consagra os direitos

humanos a serem protegidos pelas normas que regulam o mercado, e é adequada para o

desenvolvimento do tema em pauta uma vez que vai ao encontro das diretrizes da

Organização Mundial do Comércio.

concebidos em termos destes 8 valores, envolvem a preocupação em criar uma ordem pública mundialfundada no respeito à dignidade humana. (Human Rights in the world community... op.cit., p.5).69 Op.cit. p. 151.

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1.3 Características dos direitos humanos.

No que tange às características dos direitos humanos, é imperativo ressaltar a

classificação ponderada por VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI71, que bem concretiza

todas as suas características. O autor as apresenta relativamente à sua titularidade,

natureza e aos princípios, da seguinte forma:

“a) Historicidade — os direitos humanos são históricos, isto é,

são direitos que se vão construindo com o decorrer do tempo. Foi tão-

somente a partir de 1945 (com o fim da Segunda Guerra e com o

nascimento da Organização das Nações Unidas) que os direitos

começaram a, efetivamente, desenvolver-se no plano internacional, não

obstante a Organização Internacional do Trabalho já existir desde 1919

(garantindo-se desde então os direitos humanos – direitos sociais – dos

trabalhadores desde o pós-Primeira Guerra). Falando em termos de

direitos fundamentais, tem-se a revolução burguesa como gênese da

proteção desses direitos, os quais vieram posteriormente desenvolver-se

com o Estado social até chegar aos tempos atuais, com ampliada

proteção para outros âmbitos do conhecimento humano (para além dos

direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais),

como na garantia do direito ao desenvolvimento, do meio ambiente, da

paz etc. Essa ótica da historicidade dos direitos humanos parece então

retirar do fundamento de validade destes os direitos naturais ou inatos

do homem, dando-se a entender que os direitos humanos são direitos

sempre expressos e que encontram sua fundamentação no mundo

jurídico e não no campo da moral.

b) Universalidade — são titulares dos direitos humanos todas as

pessoas, o que significa que basta ter a condição de ser humano para se

poder invocar a proteção desses mesmos direitos, tanto no plano interno

como no plano internacional, independentemente de circunstâncias de

sexo, raça, credo religioso, afinidade política, status social, econômico,

cultural, etc. Dizer que os direitos humanos são universais significa que

70 GIANNETTI, Eduardo. Felicidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 61.71 Curso de Direito Internacional Público. Ed.RT, 2006. p.482-484.

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não se requer outra condição além da de ser pessoa humana para que

se possam ter assegurados todos os direitos que as ordens interna e

internacional asseguram a todos os indivíduos indiscriminadamente.

c) Essencialidade — os direitos humanos são essenciais por

natureza, tendo por conteúdo os valores supremos do ser humano e a

prevalência da dignidade humana (conteúdo material), revelando-se

essencial também pela sua especial posição normativa (conteúdo

formal), permitindo-se a revelação de outros direitos fundamentais fora

do rol de direitos expressos nos textos constitucionais.

d) Irrenunciabilidade — diferentemente do que ocorre com os

direitos subjetivos em geral, os direitos humanos têm, como

característica básica, a irrenunciabilidade, que se traduz na idéia de

que a autorização de seu titular não justifica ou convalida qualquer

violação do seu conteúdo.

e) Inalienabilidade — os direitos humanos são também

inalienáveis, na medida em que não permitem a sua desinvestidura por

parte de seu titular. Ainda por força da inalienabilidade, tem-se que eu

o exercício dos direitos humanos é imprescritível, não se perdendo ou

divagando no tempo, salvo as limitações expressamente impostas por

tratados internacionais que prevêem procedimentos perante cortes ou

instâncias internacionais.

f) Inexauribilidade — são os direitos humanos inexauríveis, no

sentido de que têm a possibilidade de expansão, a eles podendo ser

sempre acrescidos novos direitos, a qualquer tempo, exatamente na

forma apregoada pelo parágrafo 2 do art. 5, da Constituição brasileira

de 1988.

g) Imprescritibilidade — são os direitos humanos

imprescritíveis, não se esgotando com o passar do tempo e podendo ser

a qualquer tempo vindicados, não se justificando a perda do seu

exercício pelo advento da prescrição.

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h) Inalienabilidade — os direitos humanos são ainda

inalienáveis, no sentido de não poderem ser transferidos ou cedidos

(onerosa ou gratuitamente) a outrem, ainda que com o consentimento

do seu titular, sendo indisponíveis e inegociáveis.

i) Vedação do retrocesso — por fim, os direitos humanos devem

sempre (e cada vez mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano,

não podendo jamais retroceder na proteção de direitos. Ou seja, os

Estados estão proibidos de proteger menos do que já protegem, estando

os tratados internacionais por eles concluídos impedidos de impor

restrições que diminuam ou nulifiquem direitos anteriormente já

assegurados tanto no plano interno quanto no plano internacional.”

Além dessas características dos direitos humanos, pode-se modernamente

agregar ainda outras, provenientes de declarações e resoluções internacionais discutidas

em conferências especializadas com a presença de grande número de Estados. Tratam-se

das características contemporâneas dos direitos humanos, que podem ser apresentadas

como sendo a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-

relacionariedade.

1.4 A valorização da dignidade humana e dos direitos humanos como princípio

norteador das Relações Econômicas Internacionais.

Segundo HEGEL, “o ser humano sem relação com outras pessoas não é uma

pessoa real, e que assim, também o estado sem relação com outros estados não é um

indivíduo real”72.

Esta máxima hegeliana reflete a realidade da atual conjuntura política e

econômica internacional, em que os estados necessitam relacionar-se para

desenvolverem-se economicamente. A associação dos indivíduos é natural, buscam

72 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). Princípios da filosofia do direito. Tradução Norberto dePaula Lima. São Paulo. Ícone. 1997. p. 268.

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associar-se para melhorar a situação que se encontram, a qual deve ser revestida de

legitimidade e ser benéfica para todos os envolvidos.

Dispondo de parte de sua autonomia, o homem confere poderes ao estado para

que este atue de forma a garantir a proteção dos seus próprios interesses. Percebe-se,

assim, que o estado foi criado para o benefício do homem e não para o seu martírio.

O estado surge como forma de associação humana, o direito é instrumento que

viabiliza essa associação, e o direito das relações econômicas internacionais é o que

viabilizou a associação dos estados para interagirem no âmbito internacional do

comércio.

O estado foi criado e existe para atender aos interesses do homem. Quando o

homem vivia em seu estado natural, percebeu que não poderia viver em sociedade se não

houvesse uma efetiva proteção de seus interesses contra os outros indivíduos da

sociedade.

O princípio da dignidade humana tem íntima relação com o direito natural.

Considerando-se que o direito natural é aquele que nasce com o homem, a dignidade

humana faz parte dele. Haja vista que o homem detém capacidades próprias e poder de

raciocínio, já ao nascer, o que o diferencia dos demais seres. Todos os homens, ao

nascerem, são iguais em dignidade. O que os diferencia, em um momento posterior, é o

contexto sócio-cultural e econômico que estão inseridos.

ARISTÓTELES vincula, pela primeira vez, a idéia de fim e objetivo das associações

humanas, ou política, com o bem-estar da coletividade. Na ética, ARISTÓTELES define

bem-viver, bem-estar ou felicidade como o “bem supremo”, cujo alcance é possível

apenas em sociedade, visto que o homem é, por natureza, um animal político73. Na

política, defende ARISTÓTELES que as associações humanas se dão não apenas para

conservar a existência (do homem), mas também para buscar o bem-estar (do homem)74.

73 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 1 ed. Tradução de Edson Bini. São Paulo. Edipro, 2002. p. 39-44.74 ARISTÓTELES. Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira a partir da versão francesa de Marcel Prelot.São Paulo: Martins Fontes, 1991. Livro I. p. 03.

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À luz dessa concepção a busca do bem-estar do homem, como ser político que é,

está relacionada à valorização dos direitos humanos no âmbito comercial e econômico

que o cerca e influencia seu desenvolvimento proporcionando-lhe bem-estar.

Os direitos humanos e a dignidade humana desempenham, hoje, um papel

fundamental na vida social e econômica. A construção jurídica dos direitos humanos

econômicos encontra um conteúdo axiológico pautado na dignidade da pessoa humana,

para o fim de equilibrar a relação entre desenvolvimento e justiça social.

Advinda do direito natural, a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos

são princípios informadores do direito que, apesar do desprezo por ela dispensado,

precede ao próprio direito, que nasceu juntamente com o homem.

Levando-se em consideração o objetivo do direito, conclui-se que sua finalidade

é servir ao homem, assim como a do estado. O direito é um meio de se alcançar o bem-

estar do homem e proteger sua dignidade da ação dos demais indivíduos, de si mesmo e

do estado.

Posteriormente a ARISTÓTELES, a noção de bem-estar voltaria a ter significado

político relevante com S. TOMÁS DE AQUINO, que retoma o pensamento Aristotélico, em

que as instituições da vida social assumem, substancialmente, significado de “uma busca

coletiva do bem comum” e, instrumentalmente, fator organizacional decisivo para que o

indivíduo seja levado ao bem-estar.

DANTE ALIGHIERI sofreu profunda influência desta visão, em que o homem é

visto como animal destinado a viver em sociedade, sob uma ordem e um governo. Essas

condições levaram Dante a deduzir que o fim das instituições políticas, de todo aparato

que mantém a sociedade unida e pacífica, inclusive e principalmente o direito, é o bem

comum75.

75 ALIGHIERI, Dante. Da monarquia. Tradução de Jean Melville. São Paulo. Martim Claret, 2003. p. 40-44.

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A partir de meados do século XVIII essa teoria atinge seu ápice com a concepção

do “welfare state”, estado do bem-estar social, cujas bases são lançadas pelo utilitarista

JEREMY BENTHAM e seus seguidores.

Há todo um sistema de organizações internacionais intergovernamentais que

estrutura o direito das relações econômicas internacionais. Face ao contexto

demonstrado, as relações internacionais do comércio são de extrema importância para o

desenvolvimento dos estados e, conseqüentemente, dos indivíduos.

Em outras palavras, a construção jurídica dos direitos humanos econômicos

encontra um conteúdo axiológico pautado na dignidade da pessoa humana, para o fim de

equilibrar a relação entre desenvolvimento e justiça social.

1.5 Histórico e Internacionalização dos direitos humanos.

Antes de tecermos acerca do histórico e da internacionalização dos direitos

humanos, é fundamental fazermos breves comentários sobre a corrente filosófica do

humanismo e do humanismo jurídico.

1.5.1 Humanismo.

O Humanismo foi um movimento intelectual que teve início na Itália na segunda

metade do Século XIV, alcançando seu apogeu nos séculos XV e XVI. Os humanistas

estavam convencidos da grandeza e capacidade do homem, tendo-o como fim de tudo e

nunca como um simples meio.

Neste momento, buscavam-se respostas para as questões do momento e para isso

recorreram tanto ao Cristianismo como à Filosofia Greco-Latina. Criaram, assim, um

sistema intelectual caracterizado pela supremacia do homem sobre a natureza e pela

rejeição das estruturas mentais impostas pela religião medieval.

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A intenção do humanismo era desenvolver no homem o espírito crítico e a plena

confiança em suas possibilidades, condições que lhe haviam sido proibidas durante a

época medieval. O anseio pelo conhecimento e o espírito científico do homem

renascentista provocaram uma verdadeira revolução.

O humanismo, que demarca o fim do pensamento medieval na Europa, de forma

a abrir caminho para o posterior desenvolvimento capitalista do continente, é um

movimento histórico que surge concomitantemente ao renascimento, constituindo-se na

consciência da Renascença, estando intimamente relacionado ao processo de ascensão

da burguesia como classe social dominante.

Embora no renascimento o padrão cultural e intelectual ainda seja aquele

sinalizado pela nobreza e pelos setores eclesiásticos, é a classe média quem financia a

cultura e a vida urbana que fornece seus temas. Assim, a conformação psicológica do

burguês, mais centrada na observação e no raciocínio, assume um papel importante na

produção cultural.

Como movimento elitista o renascimento foi a afirmação dos valores da classe

emergente. Os humanistas ditam a racionalização do mundo, a individualidade do

homem como o centro de tudo, afirmando que o ser humano é o valor mais importante e

central do sistema (antropocentrismo) e não Deus (teocentrismo) como pregava a Igreja.

O “conhecer pela observação” substitui gradativamente o “conhecer pela fé”.

Deus lentamente desloca-se do centro da atenção do homem, que começa a prestar

atenção em si mesmo.

É o movimento humanista que prepara uma definitiva transformação na

concepção do mundo: o antropocentrismo que se concretizará nos séculos seguintes.

Nesta fase o homem era incentivado a buscar soluções racionais para todas as

questões que o cercavam, não contam com Deus ou outras forças sobrenaturais para

solucionar seus problemas ou obter orientação para sua conduta. Eles contam por sua

vez com a aplicação da razão, das lições da história, e das experiências pessoais para

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formar um alicerce ético/moral e para criar sentido na vida. A livre pesquisa na área

científica começa a ser valorizada.

Os Humanistas encaram a metodologia científica como a mais confiável fonte de

informação sobre o que é factual ou verdadeiro em relação ao universo que todos

compartilhamos, reconhecendo que as novas descobertas irão sempre alterar e expandir

nossa compreensão sobre esse mesmo universo e talvez mudar nosso entendimento,

inclusive, para questões éticas.

No entanto, o conceito de humanismo é em sua essência ambíguo, pois ainda que

de forma implícita, no seu discurso os humanistas comportam uma definição ou imagem

da natureza ou da essência humana.

No que tange à imagem do ser humano, há pontos comuns que aparecem no

início da época renascentista e que permanecem ao longo do seu desenvolvimento, como

a exaltação da dignidade e liberdade do ser humano; o reconhecimento da essência de

uma natureza estável e definida, no sentido do homem estar em eterna evolução, como

homem livre que é, não sendo sua natureza um ponto imutável; e por último, a

concepção do homem como um grande milagre, que enquanto microcosmo reflete em si

todas as propriedades do universo.

Contudo, o declínio do humanismo como visão filosófica que reivindica uma

especificidade ou uma centralidade para o ser humano, no mundo da natureza, inicia no

final do Renascimento, com o surgimento da ciência experimental e o desenvolvimento

da filosofia racionalista e mecanicista, quando o ser humano começa a ser interpretado

como um fenômeno puramente natural.

O vocábulo humanismo foi usado em diversos sentidos, referindo-se a muitas

ideologias. No século XIX, com o idealismo e o positivismo, o termo humanismo

começa a ser utilizado de modo rigoroso dentro de uma interpretação do ser humano

como puro e simples ser natural.

1.5.2 Principais correntes humanistas.

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62

Em síntese, as correntes filosóficas que se definem como humanistas são a

marxista, a cristã, a existencialista, o humanismo secular e o novo humanismo. Acerca

de cada corrente faremos breves comentários.

1.5.2.1 Humanismo marxista.

KARL MARX detectou a alienação do ser humano no interior do sistema

capitalista, tendo demonstrado a falta de autonomia e de independência desse ser, e

assim sua teoria faz todo um percurso humanista pela libertação. Por um lado o ser

humano é tido como um ser natural, por outro, possui uma característica que o identifica

como humano diferente de todos os outros seres naturais, a necessidade de associar-se

(sociabilidade). Para MARX o homem cessa sua capacidade de ser humano quando esta

característica lhe é negada, por tal fator prega a libertação. Indiscutivelmente, seus

trabalhos contribuíram para o desenvolvimento de uma sociologia crítica da luta de

classes.

Não obstante, um comentário possível sobre os seus trabalhos, ao atribuírem as

possíveis saídas para o homem à vitória de uma classe sobre a outra, é a de que o

conceito de classe é vago e ambíguo, permitindo fazer-se uma ilação sobre a falta de

condições de um homem individual de poder lutar pela sua libertação, levando mesmo a

um descrédito desse homem em si próprio. Inclusive, hoje em dia, está cada vez mais

difícil falar-se em classe quando se defende direitos, porque mais que sociais e coletivos,

os interesses e os direitos são difusos. Uma interessante leitura de sua obra, feita por

LOUIS ALTHUSSER, procurou demonstrar também que as instituições são meros aparelhos

ideológicos do estado, seja a escola, o direito, a religião etc., e assim não possibilitariam

nunca a libertação ao homem76.

76 OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades. Revista Juris Poiesis. Direito e Humanismo. Revista 3. Artigo 6.

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63

1.5.2.2 Humanismo cristão.

É definido em dicionários como sendo “uma filosofia que defende a auto-

realização humana dentro da estrutura dos princípios cristãos”. Esta fé com maior

direcionamento humano é em grande parte produto da Renascença e representa um

aspecto daquilo que produziu o humanismo da Renascença.

Tem como precursor JACQUES MARITAIN, ideólogo do início do século passado,

que pregou que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, “Disse Deus:

Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Criou Deus, pois, o

homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou”. (Bíblia

Sagrada Gn.1:26-27), e depende exclusivamente Dele (teocentrismo), a quem o ser

humano criado deve ser grato e pedir direção para tomar decisões.

A humanidade é considerada e definida a partir do ponto de vista de seus limites

em relação a Deus. O homem é humano porque é filho de Deus, porque está imerso na

história cristã da salvação. “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em

teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o

coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. Todo

aquele que nele crê não será confundido” (Bíblia Sagrada Rm. 10:9-11).

1.5.2.3 Humanismo secular.

Os humanistas seculares tipicamente se auto descrevem como ateístas (sem uma

crença em um deus e muito cético sobre a possibilidade) ou agnósticos (sem uma crença

em um deus e incertos sobre a possibilidade). Não contam com Deus ou outras forças

sobrenaturais para solucionar seus problemas ou obter orientação para sua conduta.

Seus fundamentos podem ser encontrados nas idéias dos filósofos clássicos

Gregos tais como os Estóicos e Epicuristas bem como também no Confucionismo

chinês. Estas visões filosóficas procuram mais pelos seres humanos do que pelos deuses

para solucionar os problemas humanos. Aqueles que rejeitam o supranaturalismo como

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64

um perfil filosófico viável adotaram o termo “humanismo secular” para descrever sua

atitude de vida não-religiosa.

Sustentam que as questões relativas à ética, condutas sociais e legais apropriadas

e as metodologias da ciência são filosóficas e não fazem parte do domínio da religião,

que lida com o sobrenatural, místico e transcendental. O humanismo Secular é uma

filosofia e visão do mundo centrada nas preocupações humanas e emprega métodos

racionais e científicos para lidar com o amplo espectro de questões importantes para

todos nós.

Enquanto o humanismo secular está em desacordo com sistemas religiosos

baseados na fé em muitas questões, ele está dedicado à realização do indivíduo e da

humanidade em geral. Para atingir esse objetivo, o humanismo secular estimula um

compromisso com um conjunto de princípios que promovem o desenvolvimento da

tolerância e compaixão e o entendimento dos métodos da ciência, análise crítica e

reflexão filosófica.

1.5.2.4 Novo Humanismo.

As idéias principais do novo humanismo estão associadas às necessidades da

vida humana, de forma que considera o homem como valor central. No entanto, a busca

para uma solução de problemas que envolvem o ser humano independe de teorias sobre

Deus, da sua natureza, da sociedade em que vive e tampouco de sua história. Os novos

humanistas crêem em uma transformação radical das estruturas políticas e econômicas

que regem os atuais problemas do homem para trazer-lhes benefícios.

1.5.3 Humanismo jurídico.

O Humanismo jurídico é o momento em que os filósofos do direito suscitam a

importância da filosofia para o mundo jurídico. Inicia-se uma preocupação com os

direitos do homem, considerando-o como valor-fonte de todos os valores, e a

conscientização da necessidade do direito enquanto instrumento de organização social.

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65

Valendo-se do conceito de homem como ser espiritual e cristão, fundado nos princípios

de lealdade, fraternidade e igualdade do ser humano, começa-se a falar em direitos

humanos.

Neste sentido, destaca-se IMMANUEL KANT, considerado um dos maiores teóricos

do humanismo. Na teoria desenvolvida por KANT, o homem figura como único ser no

mundo que se apresenta como um fim em si mesmo, de maneira tal que ele desenvolve

um novo imperativo categórico, no qual define: “Age de modo que consideres a

humanidade tanto na tua pessoa quanto na de qualquer outro, e sempre como objetivo,

nunca como um simples meio77.”

Essa definição constitui a base moral da sua doutrina política dos direitos

humanos. Nesse sentido, molda também o princípio supremo de igualdade, da qual se

estabelece o sistema contemporâneo de direitos humanos. Ao enunciar a necessidade da

dignidade como um direito de todos, proclama que todo e qualquer ser humano é

insubstituível.

Através do reconhecimento e da proteção dos direitos humanos o direito recupera

seu sentido humanista e restabelece o vínculo do direito com a justiça. Em razão disso,

apesar de a questão do significado do termo direitos humanos e sua definição ser tratada

em tópico próprio, é imperioso aqui tecermos alguns comentários acerca desses direitos.

O que na linguagem contemporânea se nomeia como “direitos humanos” são as

faculdades e possibilidades que decorrem da condição humana e das necessidades

fundamentais de toda pessoa. Tais faculdades e possibilidades são inerentes à natureza

humana e se referem à preservação da integridade e da dignidade dos seres humanos e à

plena realização de sua personalidade e do seu desenvolvimento com vistas ao seu bem-

estar.

Por essas características fica evidente que a ordem jurídica positiva não pode ser

contrária aos direitos humanos, não se admitindo que uma norma legal, sua interpretação

e aplicação contrariem as exigências éticas da dignidade humana. Precisamente por se

77 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edicoes 70, 1995. SegundaSeção, p. 205.

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66

tratar de faculdades e possibilidades que nascem com a pessoa humana, elas devem ter

na ordem jurídica positiva sua proteção e a garantia da possibilidade de sua satisfação e

expansão.

Pode-se dizer que os diretos humanos são os equivalentes das necessidades

humanas fundamentais, aquelas que devem ser atendidas para que se preserve o mínimo

compatível com a dignidade humana e para que todos tenham a possibilidade de se

desenvolver nos planos material, psíquico e espiritual. Por isso mesmo são universais,

pois se referem às características de todos os seres humanos, de todas as épocas e de

todos os lugares.

Há cinqüenta anos a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) proclamou a

Declaração dos Direitos Humanos, não criando um direito novo mas despertando a

consciência da humanidade para a necessidade de repor nas relações humanas o Direito

antigo, que nasceu com a própria humanidade e que o egoísmo, a ambição desmedida

por riqueza, poder e prestígio político e social de alguns havia sufocado, deixando o

caminho aberto à injustiça, à violência e à degradação de milhões de seres humanos.

Um ponto fundamental, que deve ser sempre ressaltado, é a afirmação contida no

artigo primeiro da Declaração: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em

dignidade e direitos”.

Note-se que como fonte geradora desses direitos, a proclamação da ONU surtiu

efeitos na história da humanidade que resultou em um mundo mais justo apesar das

resistências dos privilegiados e dos que tradicionalmente usam sua força econômica,

política ou militar para manter privilégios.

No ano de 1966 a própria ONU deu um passo avante, aprovando os Pactos de

Direitos Humanos — o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais — dotados de plena eficácia jurídica e já incorporados

ao direito positivo de quase todos os povos do mundo, inclusive ao do Brasil.

Além disso, os preceitos dos direitos humanos penetraram também nas

Constituições, inclusive na brasileira, o que significa que qualquer interpretação ou

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67

aplicação de uma norma jurídica que contrarie os direitos humanos será antijurídica e

inconstitucional.

A presente concepção humanista de direito defende os valores da dignidade

humana, os quais nascem junto com o próprio homem, de forma que se pode afirmar que

é ele próprio, como sendo absolutos e superiores a qualquer outro. Partindo daí é que

será possível preservar a igualdade de direitos entre os povos, diminuindo as injustiças

geradas pelo sistema econômico e cultural em que estão inseridos.

MIGUEL REALE, em sua obra Filosofia do Direito78, bem sintetiza o assunto,

verbis:

“Eis aí por que motivo a concepção culturalista do direito deve

ser a concepção humanista do direito. Partimos dessa idéia, a nosso ver

básica, de que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores. O homem,

como ser natural biopsíquico, é apenas um indivíduo entre outros

indivíduos, um ente animal entre os demais da mesma espécie. O

homem, considerado na sua objetividade espiritual, enquanto ser que só

se realiza no sentido de seu dever ser, é o que chamamos de pessoa. Só

o homem possui a dignidade originária de ser enquanto deve ser,

pondo-se essencialmente como razão determinante do processo

histórico. A idéia de valor, para nós, encontra na pessoa humana a sua

origem primeira, como valor-fonte de todo o mundo das estimativas, ou

mundo histórico-cultural. Quando Kant dizia: “Sê uma pessoa e

respeita os demais como pessoas”, dando ao mandamento a força de um

imperativo categórico, de máxima fundamental de sua ética, estava

reconhecendo na pessoa o valor por excelência. É nesse sentido que

podemos concordar com Francisco Romero, quando diz que “ser é

transcender”.

Por fim, o humanismo jurídico incentiva os operadores do direito a intensificar

seu trabalho em favor do direito e da justiça, sem acomodações e transigências, com

otimismo, coragem e determinação, para assim chegar a uma nova sociedade, fundada

78 Op.cit. p. 220-221.

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no reconhecimento e na efetividade dos direitos humanos. Por esse caminho é que a

humanidade poderá ser conduzida a uma era de respeito pela liberdade e pela dignidade

de todos os seres humanos, de solidariedade, de justiça e de paz.

1.5.4 O Pós-II Guerra Mundial.

De tudo que analisamos até aqui, verifica-se ser de suma importância o histórico

dos direitos humanos já que estes representam a evolução e construção do ser humano

como ser social, isto é, vivem em perpétua transformação, pela memória do passado e o

projeto do futuro, erguendo-se no sentido de resguardar o valor da dignidade humana,

constatada como seu fundamento.

O processo de universalização e internacionalização dos direitos humanos situa-

se como um movimento extremamente recente na história do direito, apresentando

delineamentos mais concretos apenas após a Segunda Guerra Mundial, momento em que

diante das atrocidades ocorridas nesta época, face à crueldade exercida pelo nazismo e

pelo absurdo do genocídio ter sido pregado como projeto político e industrial do Estado.

Nesse momento histórico a comunidade internacional reconhece a importância da

proteção global da dignidade humana, independente das barreiras culturais e jurídicas

enfrentadas pelos Estados. No dizer da Professora FLÁVIA PIOVESAN, “se a Segunda

Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a

sua reconstrução”.

Como explica LOUIS HENKIN79: “Após a Segunda Guerra Mundial os acordos

internacionais de direitos humanos têm criado obrigações e responsabilidades para os

Estados, com respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição, e um direito costumeiro

internacional tem se desenvolvido. O emergente Direito Internacional dos Direitos

79 International law: cases and materials, 3 ed., Minessota, West Publishing, 1.993, p. 375-376.

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Humanos institui obrigações aos Estados para com todas as pessoas humanas, e não

apenas para com estrangeiros. Esse direito reflete a aceitação geral de que todo indivíduo

deve ter direitos, os quais todos os Estados devem respeitar e proteger. Logo, a

observância dos direitos humanos é não apenas um assunto de interesse particular do

Estado (e relacionado à jurisdição doméstica), mas é matéria de interesse internacional e

objeto próprio de regulação do Direito Internacional”.

Ao constituir tema de legítimo interesse internacional, os direitos humanos

transcendem e extrapolam o domínio reservado do Estado ou a competência nacional

exclusiva. São criados parâmetros globais de ação estatal, que compõem um código

comum de ação, ao qual os Estados devem se conformar, no que diz respeito à promoção

e proteção dos direitos humanos. Consolida-se o movimento do Direito Internacional dos

Direitos Humanos que, nas palavras de THOMAS BUERGENTHAL, “tem humanizado o

direito internacional contemporâneo e internacionalizado os direitos humanos” 80.

No mesmo sentido, pode-se citar o entendimento de ANTONIO AUGUSTO

CANÇADO TRINDADE, quando conclui que “o desenvolvimento histórico da proteção

internacional dos direitos humanos gradualmente superou barreiras do passado:

compreendeu-se pouco a pouco que a proteção dos direitos básicos da pessoa humana

não se esgora, como não poderia esgotar-se, na atuação do Estado, na pretensa e

indemonstrável competência nacional exclusiva81”.

Neste contexto o Estado é considerado o próprio agressor e o violador dos

direitos humanos e o conceito tradicional que arquitetava o direito internacional começa

a sofrer alterações, como na questão da soberania estatal e na redefinição dos seus

sujeitos. A questão da soberania nacional absoluta é questionada em razão de o Estado

ser considerado o próprio agressor e violador dos direitos humanos, de modo que os

regulamentos que surgem passam a estabelecer limites a uma comunidade internacional,

impondo-se sanções aos estados que violem suas obrigações, relativizando a sua

soberania.

80 BUERGHENTAL. Thomas. Prólogo do livro de Antonio Augusto Cançado Trindade, A proteçãoInternacional dos Direitos Humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, São Paulo, Saraiva,1991, p.31.81 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamento einstrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p.4.

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70

Quanto ao segundo ponto, o Estado passa a não ser mais o único sujeito do

direito internacional, o indivíduo já é o alvo direto das normas reguladoras deste direito,

posto que tais normas não mais visam garantir uma relação estritamente governamental

entre os Estados, mas transcendem seus interesses voltando-se à salvaguarda dos direitos

do ser humano.

Ao comentar o enfoque tradicional do Direito Internacional, explica THOMAS

BUERGENTHAL: “O Direito Internacional tradicional é definido como o Direito que

regula exclusivamente relações entre Estados-nações. Logo, sob este enfoque, apenas

Estados eram sujeitos de Direito Internacional e apenas Estados podiam possuir direitos

legais à luz deste Direito. Era inconcebível que os indivíduos detivessem direitos

internacionais. Eles eram vistos como objetos, e não como sujeitos do Direito

Internacional. Conseqüentemente, os direitos humanos eram concebidos como matéria

concernente apenas à jurisdição doméstica de cada Estado. Este princípio negava aos

outros Estados o direito de interceder ou intervir em hipóteses em que nacionais de um

Estado tinham seus direitos por ele violados”82.

Este advento foi marcado basicamente por três componentes de direitos humanos

que precederam a Segunda Guerra Mundial: o Direito Humanitário ou Direito

Internacional da Guerra, a Liga das Nações Unidas e a Organização Internacional do

Trabalho, que surgiram concomitantemente logo após a Primeira Guerra Mundial.

No que tange ao aspecto histórico da internacionalização e positivação dos

direitos humanos, é imperativo ressaltar a afirmação da ilustre professora citada, que

sintetiza o acima exposto com muita objetividade:

“Vale dizer, o advento da Organização Internacional do

Trabalho, da Liga das Nações Unidas e do Direito Humanitário registra

o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras

exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito

estritamente governamental. Através destes institutos, não mais se

visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados.

82 Op.cit. p. 2-3.

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Visava-se sim ao alcance de obrigações internacionais a serem

garantidas ou implementadas coletivamente que, por sua natureza,

transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Estas

obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser

humano e não das prerrogativas dos Estados. Estes institutos rompem,

assim, com o conceito tradicional que concebia o Direito Internacional

apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que

sustentava ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional.

Rompem ainda com a noção de soberania nacional absoluta, na medida

em que admitem intervenções no plano nacional, em prol da proteção

dos direitos humanos. Prenuncia-se o fim da era em que a forma pela

qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema

de jurisdição doméstica, restrito ao domínio reservado do Estado,

decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade. Aos poucos,

emerge a idéia de que o indivíduo é não apenas objeto, mas também

sujeito de direito internacional. A partir desta perspectiva, começa a se

consolidar a capacidade processual internacional dos indivíduos, bem

como a concepção de que os direitos humanos não mais se limitam à

exclusiva jurisdição doméstica, mas constituem matéria de legítimo

interesse internacional. Neste cenário, os primeiros delineamentos do

Direito Internacional dos Direitos Humanos começavam a se revelar83”.

NORBERTO BOBBIO, ao analisar o problema da efetivação dos direitos humanos,

torna clara sua opção por um debate aprofundado acerca da necessidade de se procurar

elementos direcionados ao desenvolvimento conjunto da civilização humana,

independentemente da nacionalidade, credo e outras concepções meramente

individualistas, e afirma que: “É um problema cuja solução depende de um certo

desenvolvimento da sociedade e, como tal, desafia até mesmo a Constituição mais

evoluída e põe em crise até mesmo o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica84”.

1.5.5 O Direito Humanitário.

83 Op.cit. p. 128-13084 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit. p. 45.

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O Direito Humanitário ou internacional da guerra, como o próprio nome já

revela, constitui o artefato de direitos humanos da guerra (the human rights component

of the law of war). É o direito que se aplica na hipótese de guerra com o objetivo de fixar

limites e sanções aos Estados com vistas à proteção dos direitos humanos. Foi criado

com o intuito de regulamentar a violência no âmbito internacional.

Esta proteção humanitária está intimamente associada à ação da Cruz Vermelha,

estando destinada a proteger militares postos fora de combate como feridos, doentes,

náufragos e prisioneiros, além da população civil. CELSO LAFER assevera que este direito

trata de um tema clássico de Direito Internacional Público — a paz e a guerra. Baseia-se

numa ampliação do jus in bello, voltada para o tratamento na guerra de combatentes e de

sua diferenciação em relação a não combatentes, e faz parte da regulamentação jurídica

do emprego da violência no plano internacional, suscitado pelos horrores da batalha de

Solferino, que levou à criação da Cruz Vermelha85.

Nesse sentido, ainda que em hipótese específica, o direito humanitário expressou

a necessidade de impor limites à liberdade e à autonomia dos Estados, dando início à

evolução da definição de soberania estatal acima relatada.

1.6 A Liga das Nações Unidas.

Por sua vez, à medida que também tinha como objetivo promover a paz, a

cooperação e a segurança internacional, condenando agressões externas contra a

integridade territorial e independência política dos seus membros, a Convenção da Liga

das Nações também reforça a relativização da soberania estatal.

Fundada em 1920 a Liga das Nações continha previsões genéricas relativas aos

direitos humanos, destacando-se as voltadas aos sistemas das minorias e aos parâmetros

internacionais do direito do trabalho, que se comprometia a assegurar condições justas e

dignas de trabalho aos homens e mulheres. Como medida repressiva ao desrespeito a

85 Prefácio ao livro “Os direitos humanos como tema global”, p. 24-25.

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estes parâmetros a Convenção da Liga das Nações estabelecia sanções econômicas e

militares impostas pela comunidade internacional.

O preâmbulo da Convenção da Liga das Nações consagrava: As partes

contratantes, no sentido de promover a cooperação internacional e alcançar a paz e a

segurança internacionais, com a aceitação da obrigação de não recorrer à guerra, com o

propósito de estabelecer relações amistosas entre as nações, pela manutenção da justiça e

com extremo respeito para com todas as obrigações decorrentes dos tratados, no que

tange à relação entre povos organizados uns com os outros, concordam em firmar este

Convênio da Liga das Nações.

1.7 A Organização Internacional do Trabalho.

Atualmente denominada International Labour Organization, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) foi criada imediatamente após a Primeira Guerra

Mundial para estabelecer padrões mínimos de condições de trabalho no âmbito

internacional, pautados na garantia do bem estar do trabalhador e na igualdade da

remuneração entre homem e mulher.

Em um lapso de sessenta anos a OIT promulgou mais de cem Convenções que de

forma extraordinária contribuiu para a internacionalização dos direitos humanos, pois

foram aderidas por um imenso número de países. A Organização Internacional do

Trabalho se tornou um efetivo instrumento para a fixação de condições de trabalho no

plano internacional, demonstrando que organizações relacionadas com áreas

especializadas de interesse podiam exercer uma considerável influência86.

Sobre esta Organização ANTONIO CASSESSE comenta:

“Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a

Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada e um de seus

objetivos foi o de regular a condição dos trabalhadores no âmbito

mundial. Os Estados foram encorajados a não apenas elaborar e

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aceitar as convenções internacionais (relativas à igualdade de

remuneração no emprego para mulheres e menores, à jornada de

trabalho noturno, à liberdade de associação, dentre outras), mas

também a cumprir estas novas obrigações internacionais”87.

No mesmo sentido vale citar os dizeres de LOUIS HENKIN, que aduz acerca da

importância da OIT como instrumento fundamental para a internacionalização dos

direitos humanos.

“Após a Primeira Guerra Mundial, a preocupação com o

indivíduo foi refletida em vários dos programas da Liga das Nações.

Pautando-se em precedentes estabelecidos no século XIX, os Estados

dominantes pressionaram outros Estados a aderirem a ‘tratados de

minorias’ garantidos pela Liga, nos quais os Estados-partes assumiram

obrigações de respeitarem os direitos de minorias étnicas, nacionais ou

religiosas que habitassem em seu território... Os anos que se seguiram a

Primeira Guerra Mundial também viram um considerável

desenvolvimento na preocupação internacional com o bem estar

individual, um desenvolvimento que é usualmente desconsiderado e

comumente subestimado: O International Labour Office (hoje a

Organização Internacional do Trabalho – OIT) foi estabelecido e

lançou uma variedade de programas, incluindo uma série de

convenções que estabeleceram padrões mínimos de condições de

trabalho, dentre outras medidas”88.

No entanto, conforme já acentuamos, a verdadeira consolidação dos Direitos

Humanos ocorreu em meados do século XX em decorrência da Segunda Guerra

Mundial, em um tempo em que o valor do ser humano se reduzia ao nada e a

necessidade da busca da ética, do direito e da moral torna-se primordial face ao cenário

totalitarista da era Hitler que balizava para a lógica da destruição do homem e dos

86 KIRGIS. International Organizations in their legal setting, 1977, p. 6.87 CASSESSE, Antonio. Philadelphia, Temple University Press, 1990. Human Rights in a changing world.p. 172.88 LOUIS HENKIN in Henry J. Steiner e Philip Alston, International Human Rights in Context – Law,Politics and Morals, Oxford, Clarendon Press, 2000, p. 128.

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paradigmas dos direitos humanos. Nesse ínterim, busca-se, então, a reconstrução desses

paradigmas.

Nesse panorama de ruptura dos direitos humanos a comunidade internacional

constata que as instituições nacionais se mostram falhas e omissas no exercício da

proteção dos direitos humanos, de modo que se busca uma ação internacional mais

eficaz desses direitos. A partir daí não poder-se-ía mais dizer que o Estado pode tratar

seus cidadãos como quiser, sem sofrer qualquer responsabilização na arena

internacional.

Sob este prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como

uma questão doméstica do Estado, mas deve ser concebida como um problema de

relevância internacional, como uma legítima preocupação da comunidade

internacional89.

Com o advento das Nações Unidas, em 1945, e com a adoção da Declaração

Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, os direitos

humanos passam a ocupar um lugar essencial nas agendas das instituições

internacionais. Em um item específico trataremos da Carta das Nações Unidas e da

Declaração mencionada.

Entre esse tempo, em 1945 e 1946, através do Acordo de Londres, estabeleceu-se

um Tribunal Militar Internacional, o denominado Tribunal de Nuremberg, para julgar os

responsáveis pelas barbáries do holocausto e demais crimes cometidos no período de

guerra, os chamados “crimes de guerra” e “crimes contra a paz”. Este Tribunal foi um

notável estímulo ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.

Em 8 de agosto de 1945, os Governos do Reino Unido, dos Estados Unidos,

Provisório da República Francesa e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas,

celebraram um acordo estabelecendo este Tribunal para o julgamento dos crimes de

guerra, cujas ofensas não tivessem uma particular localização geográfica. De acordo

com o art. 5, os seguintes Estados das Nações Unidas expressamente aderiram ao

89 PIOVESAN, Flavia. Op.cit. 132.

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acordo: Grécia, Dinamarca, Iugoslávia, Países Baixos, Checoslováquia, Polônia,

Bélgica, Etiópia, Austrália, Honduras, Noruega, Panamá, Luxemburgo, Haiti, Nova

Zelândia, Índia, Venezuela, Uruguai e Paraguai.

O Tribunal foi investido do poder de processar e punir as pessoas responsáveis

pela prática de crime contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, como

definido pela Carta90.

A competência deste Tribunal era de julgar os crimes cometidos ao longo do

Nazismo, seja pelos líderes nazistas, alemães ou pelos oficiais militares. Quanto a

competência do Tribunal de Nuremberg, HENRY J. STEINER e PHILIP ALSTON observam

que ao definir os crimes que seriam abarcados pela jurisdição do Tribunal, a Carta

(anexada ao Acordo de Londres de 1945) foi além dos tradicionais “crimes de guerra”

(parágrafo “b” do art. 6o) em dois aspectos. Primeiro, a Carta incluiu os “crimes contra a

paz” — os denominados jus ad bellum, que contrastavam com a categoria de direitos de

guerra ou jus in bello. Segundo, a expressão “crimes contra a humanidade” poderia ter

sido lida (não o foi) de modo a incluir a totalidade do programa do governo nazista de

exterminação dos judeus e de outros grupos civis, dentro e fora da Alemanha, “antes ou

durante a guerra”, e a incluir, conseqüentemente, não apenas o Holocausto, mas também

a elaboração dos planos e a perseguição inicial dos judeus e de outros grupos em um

momento anterior ao Holocausto91.

Ainda a respeito do Tribunal de Nuremberg, vale citar a explicação de HANS

KELSEN:

“Se indivíduos são diretamente obrigados pelo Direito

Internacional, tais obrigações não invocam sanções específicas do

Direito Internacional (represálias ou guerras) ao comportamento dos

indivíduos. A obrigação diretamente imposta aos indivíduos é

constituída por sanções próprias do Direito Interno, nominalmente a

punição e a execução civil. O Direito Internacional pode deixar a

determinação e a execução dessas sanções a critério da ordem jurídica

90 HENKIN, Louis. Op.cit. (International Law…) p. 381.

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nacional, como no caso do delito internacional de pirataria. As sanções

podem ser determinadas por um tratado internacional e sua aplicação a

casos concretos pode ser efetuada por uma Corte Internacional criada

pelo tratado internacional; isto ocorreu, por exemplo, no caso do

julgamento de crimes de guerra, de acordo o com o Acordo de Londres,

de 8 de agosto de 1.945”92.

1.8 A Carta das Nações Unidas (criação da ONU).

Em 26 de junho de 1945, em São Francisco, nos EUA, foi assinada a Carta das

Nações Unidas. O Brasil a ratificou em 21 de setembro do mesmo ano. Após a Segunda

Guerra Mundial assuntos como a segurança e a paz dos cidadãos passam a ser de

interesse internacional e não mais local. Assim, os Estados rompem as barreiras jurídicas

de limitação para contribuírem com os cidadãos independentemente de suas origens.

Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais vem a ser uma

problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito

internacional. Para tanto, surge no sistema organizações internacionais com finalidades

de cooperação internacional.

Neste sentido, arremata a professora FLAVIA PIOVESAN:

“A criação das Nações Unidas, com suas agências

especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional

que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais,

com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança

internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os

Estados, o alcance da cooperação internacional no plano econômico,

social e cultural, o alcance de um padrão internacional de saúde, a

proteção do meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica

internacional e a proteção internacional dos direitos humanos. (...)

Deste modo, a coexistência pacífica entre os Estados, combinada com a

91 HENRY J. STEINER e PHILIP ALSTON. International Human Right in Context – Law, politics and morals.Oxford, Clarendon Press, 2000, p. 114, 115 e 123.

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busca de inéditas formas de cooperação econômica e social e de

promoção universal dos direitos humanos, caracterizam a nova

configuração da agenda da comunidade internacional”93.

Nos termos do art. 1o (3) um dos propósitos das Nações Unidas é alcançar a

cooperação internacional para solucionar problemas econômicos, sociais, culturais ou de

caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitos humanos e liberdades

fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Embora a Carta das Nações seja enfática em defender e proteger os direitos

humanos, ela não define o alcance do significado da expressão, o que vem acontecer três

anos mais tarde com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. No

entanto, cabe elucidar os artigos da Carta das Nações que transmitem tal entendimento.

O art. 55 promove o respeito aos direitos humanos ao determinar que “Com

vistas à criação de condições de estabilidade e bem estar, necessárias para a pacífica e

amistosa relação entre as Nações, e baseada nos princípios da igualdade de direitos e da

auto-determinação dos povos, as Nações Unidas promoverão: c) o respeito universal e a

observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção

de raça, sexo, língua ou religião”.

O art. 56 assevera que todos os membros das Nações Unidas devem exercer

ações conjugadas ou separadas em cooperação com a própria Organização, para o

alcance dos propósitos lançados no art. 55.

A Organização das Nações Unidas constituiu-se em diversos órgãos a fim de

atingir seus objetivos.

Nos termos do art. 7o da Carta da ONU seis são os seus principais órgãos: A

Assembléia Geral, O Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o

92 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1976. p. 327.93 PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p. 139-140.

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Conselho Econômico e Social, O Conselho de Tutela e o Secretariado. O mesmo artigo

adiciona que havendo necessidade, órgãos subsidiários podem ser criados.

Sucintamente, relataremos as características e funções básicas de cada um:

Assembléia Geral: Todos os membros das Nações Unidas são membros com

direito a um voto. Cabe à Assembléia iniciar estudos, discuti-los e fazer recomendações

acerca de qualquer assunto no sentido de promover a solução dos problemas

internacionais, com vistas a atingir os propósitos principais das Nações Unidas, nos

termos do art. 13.

Acerca da performance e desempenho atual desta Assembléia, o Embaixador

CELSO LUIZ NUNES AMORIM, Ministro de Estado das Relações Exteriores, em artigo

publicado na Folha de São Paulo em 17 de dezembro de 2006, acentuou que:

“(...) o papel político da Assembléia Geral, único órgão a

congregar a totalidade dos Estados-membros, necessita ser revitalizado.

Como já ficou demonstrado no passado, a exemplo da crise de Suez, em

1956, mesmo em temas ligados à segurança internacional a Assembléia

Geral tem e deve ter um papel a desempenhar. Mas ela precisa se

concentrar em assuntos prioritários para os países em desenvolvimento,

como o cumprimento das Metas do Milênio. Temas como a não-

proliferação e o desarmamento também devem estar na agenda da

assembléia”.

A Assembléia Geral da ONU pode, dentro das Resoluções que ela adotar,

designar uma de suas instâncias para receber reclamações. Assim, pela Resolução 1503,

de 27 de maio de 1970, designou o Conselho Econômico e Social, sobre o qual

trataremos detalhadamente mais adiante, para ser o encarregado de receber as

comunicações contendo alegações acerca dos direitos internacionais da pessoa que vêm

sendo sistematicamente violados por um Estado.

Considerando-se o comércio internacional como instrumento fundamental para o

desenvolvimento da economia mundial e para a redução da desigualdade e do

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desequilíbrio desta economia, em 1964, criou-se a Conferência das Nações Unidas para

o Comércio e o Desenvolvimento, órgão permanente da Assembléia Geral das Nações

Unidas.

Os trabalhos da Conferência têm especial incidência nas seguintes áreas: análise

do impacto dos acordos da OMC relacionados com o comércio e o desenvolvimento

econômico, especialmente nos Países em via de desenvolvimento, e contribuição para a

expansão do comércio internacional, sobretudo entre os Países em via de

desenvolvimento, e outros países com níveis mais baixos de desenvolvimento.

A Conferência ocupa-se com matérias de política comercial que envolve tanto a

concorrência comercial como os negócios acerca dos produtos de base e ainda da

eficácia comercial, além das questões macroeconômicas e financeiras. Como exemplo de

negociações que foram realizadas no âmbito da Conferência, podemos citar a adoção,

em 1971, do Sistema de Preferências Generalizadas, através do qual os países

desenvolvidos concedem aos países em vias de desenvolvimento um tratamento

preferencial para as suas exportações. Um acordo relevante realizado pela Conferência

entre os Países em vias de desenvolvimento foi o acordo que aventava sobre o Sistema

Global de Preferências Comerciais.

Conselho de Segurança: Conforme prevê o art. 14 da Carta, é o órgão com a

principal responsabilidade na manutenção da paz e segurança internacionais. É

composto por cinco membros permanentes e dez não permanentes. Os membros

permanentes são a China, a França, o Reino Unido, os Estados Unidos, e desde 1992, a

Rússia. Os não permanentes são eleitos pela Assembléia Geral, para um mandato de dois

anos, considerando a contribuição dos membros para os propósitos das Nações Unidas e

a distribuição geográfica eqüitativa (art. 23 (1)).

Corte Internacional de Justiça: Nos termos do art. 92, é o principal órgão judicial

das Nações Unidas, composto por quinze juízes. O funcionamento da Corte é

disciplinado por seu Estatuto, que foi anexado à Carta. Dispõe a Corte de competência

contenciosa e consultiva. Contudo, somente os Estados são partes em questões perante a

Corte (art. 34 do Estatuto da Corte).

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Conselho Econômico e Social: É composto por vinte e sete membros, tem a

competência de promover a cooperação em questões econômicas, sociais e culturais,

incluindo os direitos humanos (art. 62). Cabe a este Conselho fazer recomendações

destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos, bem como

elaborar projetos de convenções a serem submetidos à Assembléia Geral. No entanto, na

prática, sua função é burocrática e meramente de supervisão.

No mesmo artigo citado acima, do Embaixador CELSO LUIZ NUNES AMORIM,

Ministro de Estado das Relações Exteriores, publicado na Folha de São Paulo em 17 de

dezembro de 2006, ele demonstra a importância deste Conselho na proteção dos direitos

humanos por meio do cenário econômico. Veja-se:

“Os trabalhos do Ecosoc (Conselho Econômico e Social)

precisam ser reforçados para torná-los mais relevantes. O órgão

deveria ser liberado de suas atribuições de mera supervisão burocrática

para poder tratar do essencial: como promover o desenvolvimento. No

momento em que o G8 busca dialogar com economias ditas emergentes,

o Ecosoc poderá aumentar sua interlocução com o próprio G8, o Banco

Mundial, o FMI e a OMC. Isso permitirá debate genuíno sobre temas

econômicos e sociais. Mesmo quando não possa tomar decisões de

caráter operativo, os debates no Ecosoc serão fonte de inspiração para

outros organismos”.

Ainda, conforme o art. 68 prescreve, o Conselho Econômico e Social poderá

criar comissões que forem necessárias ao desempenho de suas funções. Neste sentido foi

criada a Comissão de Direitos Humanos da ONU94.

94 Ao tratar da Comissão de Direitos Humanos, afirma THOMAS BUERGENTHAL: “Esta Comissão devesubmeter ao Conselho Econômico e Social propostas, recomendações e relatórios relativos aosinstrumentos internacionais de direitos humanos, à proteção das minorias, à prevenção da discriminação edemais questões relacionadas aos direitos humanos. A Declaração Universal, os Pactos, as Convenções emuitos outros instrumentos de direitos humanos adotados pela ONU foram regidos pela Comissão”. EstaComissão é o mecanismo não convencional, isto é, mecanismo decorrente de resoluções elaboradas porórgãos criados pela Carta das Nações Unidas, mais importante de proteção dos direitos humanos.

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Secretariado: É chefiado pelo Secretário Geral, que é o principal funcionário

administrativo da ONU, indicado para um mandato de cinco anos pela Assembléia

Geral, a partir de recomendação do Conselho de Segurança (art. 97).

A propósito da importância e repercussão da Carta para a internacionalização dos

direitos humanos analisa THOMAS BUERGENTHAL:

“A Carta das Nações Unidas internacionalizou os direitos

humanos. Ao aderir à Carta, que é um tratado multilateral, os Estados-

partes reconhecem que os direitos humanos, a que ela faz menção, são

objetos de legítima preocupação internacional, e nesta medida, não

mais de sua exclusiva jurisdição doméstica. No sentido de definir o

significado de direitos humanos e liberdades fundamentais e esclarecer

e codificar as obrigações impostas pelos arts. 55. e 56 da Carta, um

vasto universo de normas jurídicas foi elaborado. Este esforço é

simbolizado na adoção da International Bill of Human Rights e em

inúmeros outros instrumentos de direitos humanos que existem hoje. A

Organização tem, ao longo dos anos, conseguido tornar claro o escopo

da obrigação dos Estados-membros em promover os direitos humanos,

expandindo estes e criando instituições, com base na Carta da ONU,

designadas a assegurar o cumprimento desses direitos pelos Estados. A

ONU tem buscado assegurar o cumprimento dessas obrigações

mediante resoluções que exigem dos Estados que cessem com as

violações a esses direitos, especialmente, quando configurar “um

consistente padrão de grave violações” (consistent pattern of gross

violations), fortalecendo a Comissão de Direitos Humanos da ONU e

seus órgãos subsidiários para que estabeleçam procedimentos para

apreciar as denúncias de violações”95.

1.9 A Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Em 10 de dezembro de 1.948 foi adotada pela Assembléia Geral das Nações

Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela aprovação unânime de 48

95 Op.cit. p. 21-24.

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Estados, sob a forma de resolução que, por sua vez, não apresenta força de lei. Assim,

como acentuou Roosevelt, a Declaração não é um tratado e tampouco um acordo

internacional, e sim uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e

liberdades.

Contudo, como a Declaração foi concebida como selo da interpretação da

expressão “direitos humanos”, após larga discussão sobre qual seria a maneira mais

eficaz em assegurar o reconhecimento universal dos direitos nela previstos, firmou-se o

entendimento de que ela tem força jurídica vinculante integrando o direito costumeiro

internacional e os princípios gerais de direito, devendo ser jurisdicizada sob a forma de

tratado internacional obrigatório e vinculante no âmbito internacional.

Ademais, como aponta a Professora FLÁVIA PIOVESAN, a natureza jurídica

vinculante da Declaração Universal é reforçada pelo fato de — na qualidade de um dos

mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX — ter se transformado,

ao longo de mais de cinqüenta anos de sua adoção, em Direito costumeiro internacional

e princípio geral do Direito Internacional96.

O processo de jurisdicização da Declaração foi finalizado com a elaboração de

dois tratados internacionais que passam a integrar os direitos constantes da Declaração

Universal, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que serão tratados à parte.

À luz da Carta das Nações Unidas, com o advento da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, os Estados assumem a obrigação de protestar pelo respeito universal

e efetivo dos direitos humanos. Tal Declaração consagra um consenso sobre valores

universais a serem seguidos pelos Estados, e tem como propósito promover o

reconhecimento universal dos direitos humanos e liberdades fundamentais, propondo

uma ordem pública mundial constituída no respeito à dignidade humana.

Desde o seu preâmbulo já se afirma a dignidade como valor inerente a toda

pessoa humana. É nesse sentido que se assegura que a dignidade humana é o

96 Op.cit. p. 154-155.

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fundamento dos direitos humanos. Pela Declaração Universal é que os direitos humanos

foram decifrados, sendo esta reconhecida como um código comum a ser seguido por

todos os Estados.

A Declaração também introduz a indivisibilidade dos direitos humanos, uma vez

que conjuga os direitos civis e políticos em conjunto dos direitos econômicos, sociais e

culturais, introduzindo uma linguagem de direito até então inédita, demarcando a

concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser

concebidos como uma unidade interdependente e indivisível.

De fato, concebida como a interpretação autorizada dos arts. 1o (3) e 55 da Carta

da ONU, no sentido de definir a expressão direitos humanos e liberdades fundamentais,

a Declaração de 1948 estabelece duas categorias de direitos: os direitos civis e políticos

e os direitos econômicos, sociais e culturais. Combina, assim, o discurso liberal e o

discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade.

Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os

direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a

realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida

em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de

verdadeira significação.

Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como

também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade.

Em suma, todos os direitos humanos constituem em complexo integral, único e

indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são

interdependentes entre si97.

A partir da elaboração dos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais forma-se a Carta Internacional dos Direitos

97 PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p. 146-151.

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Humanos, International Bill of Rights, integrada por ambos os Pactos, que serão

analisados no capítulo que trata dos instrumentos dos Direitos Humanos.

Por oportuno, acrescente-se a reflexão de ANTONIO CASSESSE:

“Qual é o real valor da Declaração? Eu pretendi até agora

demonstrar que a Declaração tem, quase que imperceptivelmente,

produzido muitos efeitos práticos – a maior parte deles visível apenas a

longo prazo. O mais importante é o efeito que eu devo definir em termos

essencialmente negativos: a Declaração é um dos parâmetros

fundamentais pelos quais a comunidade internacional “deslegitima” os

Estados. Um Estado que sistematicamente viola a Declaração não é

merecedor de aprovação por parte da comunidade mundial”98.

Com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, HENRY STEINER99

afirmou que os direitos humanos se tornaram um componente inafastável do cenário

internacional.

98 CASSESSE, Antonio. Human Rights in a changing world, op.cit. p. 46-47.99 STEINER, Henry J. In Political Participation as a Human Right. Harc. Hum. Rts. Y. B. 77, 79, 1, 1988.

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SEGUNDA PARTE – A CRIAÇÃO DA OMC E OS PRINCIPAIS

INSTRUMENTOS DO SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS INTERNACIONAIS RELEVANTES A ORDEM ECONÔMICA.

CAPÍTULO I – OMC – CRIAÇÃO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

1.1 O Contexto Histórico da Formação da OMC.

O Estado primitivo, em forma de associação de pessoas agrupadas convivendo

em cooperação mútua para garantir sua sobrevivência, existe desde a criação do homem,

enquanto que o Estado moderno, organizado, tem origem histórica identificada. A troca

de bens era prática usual que variava de acordo com as condições e necessidades dos

homens, até que se evoluiu para uma relação comercial, vez utilizada como fonte de

sobrevivência e vez como fonte de poder econômico, sempre aproveitada para garantir o

desenvolvimento dos homens.

Independente do momento histórico da sociedade verifica-se que esta sempre

esquadrinha a aplicação de um modelo de comércio que garanta o desenvolvimento

econômico dos homens e do Estado.

No entanto, enquanto não há crises de crescimento, a estrutura do modelo

aplicado não é modificada.

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Assim, desde os primórdios, as crises econômicas e comerciais geram

modificações estruturais dos modelos, que são fundamentais para o desenvolvimento da

sociedade e das relações econômicas interestatais.

Nesse sentido, as decisões econômicas e de interferência comercial adquirem

valorização extrema no cenário econômico internacional e, por conseqüência, na

preservação dos direitos humanos.

Ao longo da história os modelos econômicos aprimoraram-se passando por

diversas fases. Na grande maioria dessas fases o comércio apresentava-se em posição de

formação da organização social, já demonstrando o seu poder direto de influência nesta e

indireto na qualidade de vida dos cidadãos.

Até mesmo no modelo feudal o comércio já era elemento presente, tendo sido

considerado o fator principal da mitigação do feudalismo. O período determinante para o

desenvolvimento do comércio foi o denominado Renascimento Comercial100, que

delimitou um novo rumo para o modelo produtivo de até então.

Com o descobrimento de novos continentes, as navegações como meio de

expansão comercial começam a surgir e em oposição ao sistema feudal nasce o sistema

colonial, que se utiliza do Mercantilismo101 como sistema de política econômica. O

Estado passa a intervir na economia através de regulamentações, tarifas alfandegárias,

controle sobre salários, preços e qualidade de mercadorias.

100 O Renascimento comercial nada mais foi que a generalização do comércio por toda a Europa que, atéentão, era praticado em nível local e entre os feudos, com exceção das cidades de Lund, no Mar Báltico, eVeneza, no Mediterrâneo, que já tinham um fluxo comercial respeitável desde o Século IX. Estageneralização do comércio foi incrementada com a comercialização de artigos de luxo e dos produtosoriundos do oriente e, mais tarde, oriundos do novo mundo econômico do Atlântico e vendidos a preçosaltíssimos. Logo em seguida, surgiu uma produção local que barateou o custo do transporte e dosprodutos, formando assim as grandes oficinas urbanas. Com a explosão demográfica do Século X, aprodução feudal já não supria as necessidades dos servos que migraram para as cidades e para outras terrascriando novas profissões e trabalhando de forma livre, o que propiciou uma produção excedente que, emúltima análise, também fomentava o comércio.101 O mercantilismo foi, em poucas palavras, um sistema colonial de política econômica baseado noacúmulo de pedras preciosas e metais, incentivando a exportação destas e a redução máxima deimportação.

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Em seguida, ainda adotando o sistema Mercantilista, o Estado organizou-se em

monarquias nacionais e logo veio o absolutismo. É nesse contexto, no século XVI, que

se identifica o nascimento do Estado Moderno, caracterizado pelo aparecimento de uma

burocracia estatal, um exército nacional, impostos nacionais, substituição da moeda

feudal pela nacional e substituição do direito consuetudinário pelo direito nacional.

Em oposição ao Mercantilismo aparece a criação de escolas que pregavam o

Liberalismo Econômico, o qual serviu de fonte para a Revolução Industrial. Após uma

avalanche de revoluções102, no século XVIII, instituiu-se um novo modelo de Estado e

de economia política, o que propiciou o entendimento de uma ordem econômica

internacional necessitada de equilíbrio.

Todavia, cumpre lembrar que o liberalismo, que teve como marco teórico a

famosa obra de ADAM SMITH de 1776 intitulada A riqueza das nações103, baseada nos

princípios do iluminismo e do utilitarismo, prega, ainda que não explicitamente, a não

intervenção do Estado na economia, haja vista que essa atuação seria desnecessária, à

medida que o mercado naturalmente se encarregaria disso, trazendo assim paz social e

desenvolvimento. Assim, SMITH defendia que a economia não era (e não deveria ser)

guiada por atuação do Estado, e sim pela mão invisível do mercado, ou seja, pelas leis

naturais que regem os mercados104.

A primeira tentativa em manter o equilíbrio comercial entre os países atuantes e

dominantes no cenário político e econômico internacionais, através da aplicação de

normas, deu-se pelo Congresso de Viena em 1814.

102 Revolução Industrial Inglesa, Revolução Francesa, Revolução Intelectual e a Independência dos EUA.103 De acordo com ADAM SMITH: Cada indivíduo esforça-se continuamente para encontrar o emprego maisvantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu própriobenefício e não o da sociedade. Mas, o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor,necessariamente, a preferiri o emprego mais vantajoso para a sociedade (Inquérito sobre a natureza e ascausas da riqueza das nações. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. v. 2, p. 757)104 Nesse sentido, afirma ADAM SMITH: “Na verdade, ele não pretende, normalmente, promover o bempúblico, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez de externa, sóestá a pensar na sua segurança, e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximode valor, não está a pensar no seu próprio ganho, e neste como um muitos outros casos, está a ser guiadopor uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções (...) Inquérito sobre anatureza e as causas da riqueza das nações, op. cit., p. 758.

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Nesse contexto os países europeus já aplicavam as regras de livre comércio entre

si, excluindo os estrangeiros por meio de regras rígidas em relação a estes. Em meio ao

cânone do livre comércio, alguns países aumentaram drasticamente suas tarifas

colocando-se em oposição ao livre comércio europeu.

Note-se que o sentimento de rejeição da Alemanha pelos países inseridos no

contexto comercial internacional foi um dos fatores que desencadeou a Primeira Guerra

Mundial (1.914 a 1.918). Com a Primeira Grande Guerra, o fluxo do mercado

internacional foi alterado e os Estados Unidos se estabeleceram como potência.

A Conferência Econômica Mundial de 1927 resultou num grande acordo

multilateral de comércio. Foi o precursor do GATT/47 e ficou sem efeito até a assinatura

deste. Isso se deu em razão da crise econômica da década de trinta, em que revigorou as

práticas estatais protecionistas.

Neste quadro internacional a verdadeira ordem econômica internacional é

instaurada pelo liberalismo econômico através do comércio, dos investimentos e do

sistema monetário. No entanto, após a Primeira Guerra Mundial veio a crise do

capitalismo que culminou em uma nova modificação do modelo de economia política

internacional, reconhecida como padrão ouro que, em apertada síntese, vinte anos mais

tarde fomentou os problemas sociais e econômicos dos países europeus que geraram a

Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945).

Com o fim da Segunda Guerra os países se encontram em estado de

miserabilidade e se deparam com a necessidade de cooperação mútua a fim de se

reestruturarem e manter-se financeiramente estabilizados.

Em 1947, houve a regulamentação e institucionalização dos subsídios

governamentais europeus, pois foram estabelecidas linhas oficiais de crédito para o setor

agrícola local. Nesse caso a gênese dos subsídios europeus foi legítima e plenamente

justificável no quadro de destruição e economia de guerra105.

105 REZENDE, Ana Carla Figueroa. Aspectos do comércio internacional e de institutos de defesa comercial,com especial enfoque nos subsídios – uma análise das normas nacionais e das normas da OMC.Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – 2002, p.52-53.

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Os Estados passam, então, a compreender a importância de se regular o comércio

financeiro internacional para garantir um nível de vida adequado aos seus indivíduos, já

se atentando, superficialmente, à observância dos direitos humanos. Diante desta

consciência internacional é que surge a Organização das Nações Unidas, tratada em

tópico específico, e os Acordos de Bretton Woods.

Os Acordos de Bretton Woods visavam regulamentar o sistema comercial e

financeiro do momento. A fim de garantir a regulamentação internacional os acordos

criaram três organizações que formavam o chamado tripé econômico e que passariam a

exercer papel fundamental na nova ordem: O Fundo Monetário Internacional (FMI), o

Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), atualmente o

Banco Mundial, e a Organização Internacional do Comércio (OIC), criada pela Carta de

Havana, em 1948.

WELBER BARRAL se refere à função destas organizações dizendo:

“A primeira delas seria o Fundo Monetário Internacional,

incumbido de manter a estabilidade cambial e assistir a países que

atravessassem crises financeiras através de acesso a direitos especiais

de financiamento. A segunda organização seria o Banco Internacional

para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), cujo objetivo inicial

era prover financiamentos para a reconstrução dos países devastados

pela guerra. E, finalmente, a criação da Organização Internacional do

Comércio, objetivando promover a negociação de novos acordos

multilaterais, para liberalizar o comércio mundial106”.

Especificamente acerca da OIC, REZENDE destaca:

“Entre 1946 e 1948 foram promovidas três grandes

conferências de ordem econômica. Ao final da última, em 1948, em

Havana, foi prevista a Organização Internacional do Comércio, cujo

objetivo era alcançar o pleno emprego por meio do comércio

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internacional. Para tanto, privilegiava: 1) o desenvolvimento econômico

e a reconstrução dos países no Pós Guerra; 2) o acesso de todos os

países aos mercados existentes, às fontes de matéria prima e aos meios

de produção; 3) a redução de obstáculos ao comércio”107.

A OIC fracassou, pois não obteve a aprovação dos países que a negociaram, a

começar pelos Estados Unidos, o parceiro mais importante. Os historiadores dizem que

era um documento cheio de contradições, complexo e muito difícil108.

O aborto da OIC conferiu prestígio a outros órgãos regulatórios que surgiram a

fim de discutir a ordem econômica internacional, como à UNCTAD, United Nations

Conference on Trade and Development (Conferência das Nações Unidas para o

Comércio e Desenvolvimento), e à OCDE, Organization for Economic Cooperation and

Development (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento).

Apesar do empenho dispensado, estas organizações não foram satisfatórias para

deliberar a crise mundial estabelecida nas relações comerciais internacionais.

Face à essa insatisfação, e diante da necessidade da OIC ser substituída, nasceu

precariamente o GATT109, que não tinha pretensão de ser uma organização

internacional, de modo que foi firmado como tratado provisório.

O Acordo Geral de Tarifas e Comércio constitui a primeira tentativa histórica de

regulamentação jurídica das relações de comércio entre Estados em termos multilaterais.

Como visto, até então o papel dos Estados no comércio era limitado ao plano interno,

com algumas exceções, com o estabelecimento de tarifas alfandegárias.

106 BARRAL, Welber. 2000. p.78-79.107 REZENDE, 2002, p. 60-64.108 BAPTISTA, Luiz Olavo. A Organização Mundial do Comércio e suas Repercussões sobre oOrdenamento Jurídico Interno. Conjur – Conselho Superior de Orientação Jurídica e Legislativa daFiesp/Ciesp. 1996.109 Os países signatários do GATT foram: Austrália, Bélgica, Birmânia, Brasil, Canadá, Ceilão, Cuba,Checolosváquia (atuais República Checa e Eslováquia), Chile, China, EUA, França, Índia, Líbano,Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Paquistão, Reino Unido, Irlanda do Norte, Rodésiado Sul, Síria e África do Sul.

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92

A história da criação do GATT tem ligação estreita com os fatos que precederam

a criação da Organização Internacional do Comércio. Dos quatro encontros preparatórios

para a formação da OIC, o último, realizado em Genebra, de abril a novembro de 1947,

teve seu grupo de trabalho dividido em três grandes subgrupos: (i) o grupo preparatório

da carta final da OIC; (ii) o grupo que cuidou da promoção de um acordo multilateral de

comércio sobre a redução tarifária recíproca entre os participantes; e (iii) o grupo

responsável pela assinatura das cláusulas gerais relacionadas a obrigações tarifárias.

Ocorre que, independentemente da conclusão da Carta da OIC (1948), os resultados dos

trabalhos do primeiro e segundo grupos foram unificados e constituíram o que seria

posteriormente chamado de Acordo Geral de Tarifas e Comércio/GATT (1947)110.

O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio nasceu na Conferência Internacional

sobre Comércio e Emprego, encerrada em 1947, momento em que os estados

participantes retomaram as negociações aduaneiras multilaterais e, antes mesmo da

entrada em vigor da Carta de Havana, firmaram o referido Acordo, cujo objetivo central

era, em princípio, liberalizar o comércio internacional, reduzindo substancialmente,

mediante negociações multilaterais e sob o princípio da reciprocidade e mútuas

vantagens, as alíquotas dos tributos no comércio internacional e as barreiras não

tributárias que o obstaculizavam111. O GATT era um conjunto de Acordos e não uma

instituição.

Acerca de sua forma, LUIZ OLAVO BAPTISTA112 assevera:

“Não era um tratado constitutivo de organização internacional,

não tinha membros contratantes, mas partes contratantes, expressão

que ressalta seu caráter normativo e contratual. Dependia, portanto, da

vontade constante de todo o mundo para ser cumprido e mantinha-se

pelo respeito a uma regra de natureza moral de Direito Internacional, a

pacta sunt servandae. Como tratado, o GATT permitiu a adesão entre os

coobrigados de algumas entidades heterodoxas: os territórios

aduaneiros, que têm autonomia econômica e administrativa para se

110 JACKSON, John H. The World Trading System – Law and Policy of International Economic Relations.Second Edition. Massachussetts: MIT Press, 1999, p.37.111 Tradução livre do original em espanhol Manffer (1994, p.734). Mais sobre origens do GATT e daOMC JACKSON (1999, p.31-77), LOWENFELD (1983, p.5-28) e TREBILOCK; HOWSE (2000, p.17-24).

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regularem em matéria aduaneira e econômica, mas não contam com o

reconhecimento internacional de sua personalidade. Dois exemplos são

Hong Kong e Taiwan, dois territórios aduaneiros que fazem parte,

desde o início, das obrigações do tratado”.

O GATT tinha muitas insuficiências, mais exceções do que regras, e uma

estrutura institucional quase inexistente. Foi originariamente concebido visando: (i)

manter um sistema geral de preferências, no qual qualquer Estado poderia eximir-se do

cumprimento das regras específicas de áreas preferenciais; (ii) atender obrigatoriamente

ao princípio da nação mais favorecida (NMF); (iii) regulamentar cortes nas alíquotas de

tributos aduaneiros; (iv) instituir um sistema de tomada de decisões, que privilegiasse a

negociação multilateral em reuniões periódicas (rodadas de negociação), que ocorreram

de 1948 a 1995, em número de oito, compondo o corpo normativo do GATT/47.

No GATT, consagrava-se um mecanismo de que os resultados conseguidos entre

partes contratantes interessadas num assunto principal seriam automaticamente

estendidas para o universo de todas as partes contratantes. Era a aplicação da regra mais

favorecida (ou cláusula de mais favor), segundo a qual um favor tarifário ou outro

qualquer relacionado ao comércio internacional concedido por uma Parte Contratante a

um seu principal parceiro, seriam estendidos para todas as demais partes contratantes

que integravam o GATT.

É notória a fragilidade dos quadros normativos do GATT. As tentativas de

combate às cláusulas de tratamento preferencial recíproco, deixam de ter qualquer

eficácia, a partir do momento que os Estados-Parte obrigavam-se aos acordos consoante

sua convivência. Atendendo a interesses econômicos politicamente bem amparados, os

países desenvolvidos escolhiam rigorosamente os tratados de que seriam signatários.

Note-se que os países em desenvolvimento, carentes de mobilização do seu setor

produtivo junto às missões diplomáticas, foram apenas favorecidos com o tratamento

especial na segunda metade da década de sessenta, aproximadamente vinte anos após a

concepção do GATT.

112 Op.cit. p.06.

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O sistema de solução de controvérsias, examinado em tópico mais adiante,

quando deliberava sobre determinado assunto, tinha a implementação de seu relatório

facilmente bloqueada pela parte infratora, amparada pela regra de consenso positivo

daquele mecanismo. Por óbvio, regras que não possuíam eficácia automática, expostas

ao resultado de barganhas políticas, à unilateralidade defensiva e arrazoada dos Estados-

Parte, e que não eram capazes de estabelecer bases de segurança e previsibilidade para o

desenvolvimento do sistema multilateral de comércio113.

Na tentativa de adaptar e preencher as imperfeições do tratado, os Estados

membros reuniam-se para tomar decisões que eram baseadas em entendimentos a partir

de um consenso. Note-se que a criação da OMC institucionalizou os mecanismos de

negociação multilateral de comércio e ocasionou a transição da expressão “rodada de

negociação” para “agenda negociadora”, que é adotada para anunciar as metas a serem

alcançadas, bem como os compromissos com datas prévias de conclusão.

Na seqüência dessas reuniões houve uma série de rounds a partir do Dillon

Round: Kennedy Round (1964-1967), Tokyo Round (1973-1979) e Uruguay Round

(1986-1994), o mais amplo de todos. Foi durante a Rodada de Negociação do Uruguay

que a OMC foi gerada e oficializada.

A Rodada Tóquio instituiu a Parte IV do GATT, de consagração da desigualdade

existente entre países industrializados e países em desenvolvimento, clara derrogação do

princípio da igualdade das partes contratantes nas negociações tarifárias.

Devido aos grandes avanços a Rodada Tóquio foi considerada a mais importante

e teve seus reflexos sentidos na Rodada Uruguay que foi a mais longa, com duração de

oito anos, e teve mais de cem participantes que oficializaram, em 1994, através dos

Acordos assinados na cidade marroquina de Marraqueche, a conversão do sistema

mundial de comércio coordenado pelo secretariado do GATT, em OMC.

Sinteticamente, foram os seguintes os principais resultados da Rodada Uruguai:

113 LAFER. Celso. A OMC e a regulamentação do Comércio Internacional... p.120. CARREAU, Dominique;JUILLARD, Patrick. Droit International économique... p.54.

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a) Corte médio de 37% das tarifas de importação internacionais. Em relação aos

produtos industrializados, os países desenvolvidos assumiram o compromisso de reduzir

suas tarifas em 49% - ou seja, de uma média de 6,3% para 3,8% - e de aumentar o valor

das importações isentas de tarifa de importação - de 20% para 44%. Após o período de

transição de cinco anos para os diversos países (prazo estabelecido para que pratiquem

as tarifas que registraram junto à OMC), apenas 5% dos produtos por eles importados

terão tarifas superiores a 15% [OMC (1995, p. 6)].

b) Reincorporação dos produtos agropecuários ao sistema multilateral de

comércio. Originariamente, o comércio de produtos agrícolas estava coberto pelas regras

do GATT, mas com o tempo a Comunidade Européia (sobretudo) e os Estados Unidos

foram conseguindo uma série de isenções quanto à utilização de medidas não-tarifárias e

de subsídios à sua produção e exportação [Lampreia (1994, p. 8) e OMC (1995, p. 20)].

Nenhuma das tentativas anteriores de trazer o setor agrícola de volta às disciplinas do

GATT logrou êxito.

A liberalização propiciada pela Rodada Uruguai ficou aquém daquela esperada

pelos países em desenvolvimento, mas não se pode negar que ocorreram alguns avanços

importantes nesta área. Um deles foi a “tarificação” de todas as restrições não-tarifárias,

que atingiam mais de 30% da produção agrícola. As tarifas resultantes serão reduzidas

em 36% para os países desenvolvidos e em 24% para aqueles em desenvolvimento,

respectivamente, em um período de seis e 10 anos, contados a partir de janeiro de 1995.

Além disso, o Acordo sobre Agricultura estabeleceu normas e novos

compromissos em matéria de acesso a mercados, ajuda interna e subsídios às

exportações. Novas negociações sobre o setor agrícola deverão começar antes do

término do quinto ano de aplicação do Acordo, ou seja, 1999.

c) Incorporação dos produtos têxteis ao sistema multilateral de comércio. O

comércio de produtos têxteis estava sujeito a regras especiais estabelecidas pelos países

desenvolvidos desde a década de 60. Em 1974, entrou em vigor o Acordo Mutifibras,

através do qual esses países passaram a fixar, negociada ou unilateralmente, cotas para a

importação de têxteis e confecções provenientes de países em desenvolvimento. O

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Acordo Multifibras deve ser eliminado em 10 anos contados a partir de janeiro de 1995,

obedecendo a um cronograma previamente estabelecido.

d) Aumento percentual das linhas de produtos consolidadas (registradas na

OMC) de 78% para 99% do total das linhas alfandegárias no caso dos países

desenvolvidos, de 21% para 73% com relação àqueles em desenvolvimento e de 73%

para 98% para as economias em transição.

A ampliação da lista de tarifas consolidadas por parte dos países em

desenvolvimento refletiu, em boa medida, os processos unilaterais de liberalização

comercial por eles promovidos a partir do final dos anos 80, assim como a percepção de

que teriam mais a ganhar (ou menos a perder) participando mais ativamente do sistema

multilateral de comércio. Muitos desses países consolidaram suas tarifas em níveis

superiores àqueles que efetivamente praticam ou que pretendem praticar em um futuro

próximo. O Brasil, por exemplo, consolidou sua tarifa em 35% para produtos

industrializados e em 55% para os agropecuários a partir do ano 2000, enquanto definiu

com os seus parceiros do Mercosul uma Tarifa Externa Comum (TEC) máxima de 20%.

e) Inclusão do setor serviços no sistema multilateral de comércio. Foram

negociados um código de conduta para o setor - Acordo Geral sobre o Comércio de

Serviços (Gats) - e compromissos em termos de acesso a mercados, os quais fazem parte

das listas nacionais vinculantes e devem ser ampliados em negociações em curso ou

futuras.

Pode-se dizer que os entendimentos (ou desentendimentos) sobre o setor apenas

começaram, e entre as negociações mais difíceis estão aquelas referentes a assuntos

financeiros.

f) Garantia de proteção aos direitos de propriedade intelectual relacionados com

o comércio - Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o

Comércio (Trips).

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g) Aperfeiçoamento dos instrumentos de defesa comercial, com a negociação de

um acordo sobre salvaguardas e o aperfeiçoamento dos códigos sobre subsídios e

medidas antidumping.

h) Criação de um novo sistema de solução de disputas comerciais.

Além disso, quatro compromissos fundamentais foram assumidos na ata final da

Rodada Uruguay: (i) o compromisso de os participantes submeterem a apreciação das

suas respectivas autoridades competentes, os acordos, com a finalidade de aprovar os

instrumentos negociados que fazem parte, na condição de anexos, da ata final; (ii) o

compromisso de aceitar os instrumentos negociados, devendo entrar em vigor no mais

tardar em 1 de janeiro de 1995; (iii) o compromisso de estabelecer a Organização

Mundial do Comércio provendo de adequada estrutura administrativa para a aplicação

internacional dos resultados da Rodada Uruguai; e (iv) o compromisso de aplicar o

Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio em caráter definitivo e não

provisório114.

O fim da Guerra Fria e conseqüentemente de um mundo estruturado em torno de

polaridades definidas levou à diluição — embora não à eliminação — de conflitos de

concepção sobre como organizar a vida econômica mundial. O novo macro contexto

político permitiu a conclusão da Rodada Uruguay e a criação da OMC. Num certo

sentido, poder-se-ia dizer que a OMC constitui a primeira organização internacional pós-

Guerra Fria115.

A OMC é fruto do desejo dos participantes da Rodada Uruguay em criar uma

base econômica mundial para regulamentar o processo de internacionalização do

comércio, visto que o mercado econômico e financeiro já contava com o FMI e o BIRD

(Banco Mundial). Destina-se a superar os defeitos do GATT, dando maior amplitude à

liberdade no intercâmbio internacional.

114 REZENDE, Ana Carla Figueiroa. Op.cit. p.63/64.115 LAFER, Celso. A OMC e a Regulamentação do Comércio Internacional. Uma visão Brasileira. Ed.Livraria do Advogado, POA. 1998. p.22.

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A OMC116 é uma organização internacional intergovernamental, isto é, uma

instituição com sua própria personalidade jurídica, com uma competência ratione

materiae mais extensa que o antigo GATT. A sua sede localiza-se em Genebra, Suíça. O

seu diretor-geral atual, eleito em 2005, é PASCAL LAMY.

Iniciou formalmente suas atividades em janeiro de 1995.117. Os acordos da OMC

englobam o GATT de 1947 e os resultados da Rodada Uruguai118. Contém 29 textos

jurídicos individuais e 25 entendimentos, decisões e declarações ministeriais, onde estão

especificados compromissos e obrigações adicionais dos seus membros que devem

observar os parâmetros básicos desses acordos ao definirem suas políticas comerciais.

As normas do GATT restringiam-se ao intercâmbio de mercadorias, ao passo que

as normas da OMC abrangem setores mais sofisticados, não só o comércio de bens

116 O site eletrônico oficial da OMC, http://www.wto.org, conceitua e aponta os objetivos e estrutura daOrganização. Na íntegra:“There are a number of ways of looking at the WTO. It’s an organization for liberalizing trade. It’s aforum for governments to negotiate trade agreements. It’s a place for them to settle trade disputes. Itoperates a system of trade rules. (But it’s not Superman, just in case anyone thought it could solve — orcause — all the world’s problems!).Above all, it’s a negotiating forum … Essentially, the WTO is a place where member governmentsgo, to try to sort out the trade problems they face with each other. The first step is to talk. The WTO wasborn out of negotiations, and everything the WTO does is the result of negotiations. The bulk of theWTO's current work comes from the 1986-94 negotiations called the Uruguay Round and earliernegotiations under the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). The WTO is currently the hostto new negotiations, under the “Doha Development Agenda” launched in 2001.Where countries have faced trade barriers and wanted them lowered, the negotiations have helped toliberalize trade. But the WTO is not just about liberalizing trade, and in some circumstances its rulessupport maintaining trade barriers — for example to protect consumers or prevent the spread of disease.It’s a set of rules … At its heart are the WTO agreements, negotiated and signed by the bulk of theworld’s trading nations. These documents provide the legal ground-rules for international commerce. Theyare essentially contracts, binding governments to keep their trade policies within agreed limits. Althoughnegotiated and signed by governments, the goal is to help producers of goods and services, exporters, andimporters conduct their business, while allowing governments to meet social and environmentalobjectives.The system’s overriding purpose is to help trade flow as freely as possible — so long as there are noundesirable side-effects. That partly means removing obstacles. It also means ensuring that individuals,companies and governments know what the trade rules are around the world, and giving them theconfidence that there will be no sudden changes of policy. In other words, the rules have to be“transparent” and predictable.And it helps to settle disputes … This is a third important side to the WTO’s work. Trade relationsoften involve conflicting interests. Agreements, including those painstakingly negotiated in the WTOsystem, often need interpreting. The most harmonious way to settle these differences is through someneutral procedure based on an agreed legal foundation. That is the purpose behind the dispute settlementprocess written into the WTO agreements.117 No final de 1995 já contava com cento e vinte e nove membros, além dos Estados observadores quevisavam aderir aos acordos da Organização.

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tangíveis ou corpóreos, mas de serviços, de direitos de propriedade intelectual e medidas

de investimentos relacionados com o comércio (TRIMS), além de contemplar

agricultura e têxteis, setores que não estavam efetivamente incluídos na jurisdição do

GATT.

O GATT possuía muitos acordos de caráter plurilateral (os chamados “códigos”),

dado que muitas das regras negociadas nos anos 70 (Rodada Tóquio) não foram

subscritas por todos os países. Já os acordos da OMC são praticamente todos

multilaterais, ou seja, subscritos integralmente pelos membros. As únicas exceções

ficam por conta dos acordos sobre carne bovina, produtos lácteos, aeronaves civis e

compras governamentais, que são denominados plurilaterais e cuja adesão é voluntária.

As normas da OMC representam o que deve ser um direito internacional

econômico. São fomentadas pela globalização e formam uma espécie de código do

comércio internacional, consolidando um significativo desenvolvimento progressivo do

direito internacional de cooperação econômica.

Tendo em vista a dimensão institucional da OMC, o seu sistema de normas é

composto, além de normas de comportamento, por normas de organização, isto é,

normas que conduzem juridicamente à convergência dos Estados para promoção de

propósitos comuns.

Essas normas são destinadas a conectar economias nacionais distintas num

mercado globalizado. Essas normas são essenciais, pois o mercado não opera no vazio.

A ordem econômica internacional de um mundo globalizado exige normas jurídicas

nacionais ou internacionais.

Daí a criação da OMC e o estabelecimento de um sistema multilateral de

comércio regido por normas. Essas normas têm por objetivo promover interesses

comuns através da expansão da produção e comércio de bens e serviços.

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Discorre CELSO LAFER que essa expansão, contemplada no preâmbulo do Acordo

de Marrequeche, foi concebida como propícia a criar o bem-estar geral visto, nesse

sentido, como um bem público internacional. A relevância do comércio para a paz é um

ingrediente que amplia o âmbito desse bem público internacional e consequentemente o

interesse comum. Para lembrar MONTESQUIEU119, o doux commerce reprime o ímpeto de

preconceitos e promove uma interdependência positiva entre as Nações. É por isso que,

para KANT120, uma das garantias da paz é o “espírito do comércio”, que não pode

coexistir com a guerra.

A nosso ver, a OMC possui capacidade para alcançar esse bem-estar a medida

que seu objetivo é garantir o desenvolvimento do comércio internacional com a maior

eliminação possível das tarifas aduaneiras e demais entraves que dificultam as operações

comerciais no plano internacional. Estas manobras são objetivas

As obrigações assumidas no âmbito da OMC são vinculantes, enquanto que o

GATT era aplicado como compromisso, com muitas possibilidades de exceção, como já

foi falado neste trabalho.

Os acordos da OMC, que englobam o GATT de 1947 e os resultados da Rodada

Uruguai, contêm 29 textos jurídicos individuais e 25 entendimentos, decisões e

declarações ministeriais, onde estão especificados compromissos e obrigações adicionais

dos seus membros que devem observar os parâmetros básicos desses acordos ao

definirem suas políticas comerciais.

Fixam, portanto, as regras que devem ser observadas no jogo do comércio

internacional, de modo a garantir condições gerais de competição aos produtores

estrangeiros nos mercados externos. Assim, o viés dos acordos da OMC é rule-oriented

e não results-oriented121.

119 MONTESQUIEU, De l’esprit des Lois, Paris: GE. Flammarion, 1979, 2-XX, 1/XX, 2, pp. 9-10, cf.Claudet Morilhat, Montesquieu, Politique et Richesses, Paris: PUF, 1996.120 KANT, “Eternal Peace”, in The Philosophy of Kant, ed. By Carl J. Friederich, N. York, ModernLibrary, 1977, p. 455.121 HOEKMAN, B. Kostecki, M. The political economy of the world trading system. Oxford: OxfordUniversity Press, 2.000. p.24.

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101

1.2 Função e Estrutura da OMC.

As funções da OMC estão inscritas no Artigo III do Acordo de Marraqueche, que

contemplam a competência para “- facilitar a implementação, administração e operação

e aprofundamento dos objetivos deste Acordo e dos Acordos Multilaterais de Comércio

(III:1)”. “- Ser o foro para negociações entre seus membros com respeito a relações

multilaterais de comércio em matérias tratadas em acordos constantes dos Anexos deste

Acordo. A OMC pode, também, prover um foro para negociações posteriores entre seus

membros com respeito a suas relações comerciais multilaterais. Também provê marco

para a implementação dos resultados de negociações que forem decididas pela

Conferência Ministerial (III:2)”. “- Administrar o Entendimento sobre Soluções de

Controvérsias – anexo 2 deste Acordo.”

Sendo assim, conclui-se que à OMC compete fixar, aplicar e controlar normas

comuns de relações comerciais internacionais, com vistas a assegurar a máxima

facilidade nas transações comerciais, previsibilidade e liberdades possíveis.

Compromete-se, em suma, a institucionalizar os mecanismos de negociação e a

solucionar conflitos comerciais internacionais, o

Para lograr esse objetivo a OMC se encarrega de122:

a) administrar os acordos comerciais;

b) servir de foro para as negociações comerciais;

c) resolver as controvérsias comerciais levadas à Organização

pelos Membros;

d) fornecer assistência técnica e cursos de formação para os

países em desenvolvimento;

122 Fontes: Página oficial da OMC na internet (tradução não-oficial) e Divisão de Política Comercial doItamaraty.

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e) promover cooperação com outras organizações

internacionais.

O internacionalista LUIZ OLAVO BAPTISTA, em reunião na sede da FIESP

realizada logo após a criação e início das atividades da OMC, de forma muito prática

explica as funções e a estrutura da Organização.

“As funções que a organização vai assumir dentro do novo

contexto serão: de um lado, as de centro de negociações ligadas ao

comércio internacional – centro no sentido do local, mas, também, do

agente que provoca a negociação, que afixa, levanta os temas e a

conduz; do outro, as de organizar os acordos que compõem a OMC.

(Portanto, quando falo da OMC, trato não só da organização, mas,

também, do conjunto dos acordos). Desses acordos, os principais são: o

GATT revisto e corrigido; o GATTS, Acordo Geral sobre o Comércio de

Serviços; o TRIPS, Acordo Geral sobre a Propriedade Intelectual, e o

TRIMS, Acordo Geral sobre as Medidas de Investimento Relacionadas

com o Comércio. Além desses, há uma série de acordos setoriais, sobre

aeronaves civis, compras públicas, carne bovina, leite e laticínios,

têxteis e muitos outros. A estrutura da OMC é relativamente simples:

formada por um conselho ministerial, que se reúne a cada dois anos e

tem a obrigação de rever o estado da organização e faze-la prosperar;

um conselho, uma espécie de curador, que a administra; um órgão de

solução de disputas (atual órgão de solução de controvérsias); e um

órgão de exame das políticas comerciais. Esses dois órgãos são

subdivididos em conselhos específicos: o das mercadorias, o dos

serviços e o da propriedade intelectual. A organização dispõe, também,

de um “código de processo”, chamado procedimento de solução de

disputas, contido no anexo II do tratado. Essa rede de tratados será

sempre interpretada e aplicada pela OMC, por intermédio de seus

mecanismos de solução de disputas ou controvérsias e dos pareceres de

seus conselhos. No que implicar modificação do tratado, as decisões são

tomadas por consenso; no que for interpretação, por maioria dos votos.

Cada país tem um voto, independentemente do peso econômico ou da

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população, e as decisões, todas, se aplicam automática e imediatamente

após sua aprovação.

1.3 Relação de membros da OMC123.

PAÍS-MEMBRO DATA DE INGRESSO

África do Sul 1º de janeiro de 1995

Albânia 8 de setembro de 2000

Alemanha 1º de janeiro de 1995

Angola 23 de novembro de 1996

Antígua e Barbuda 1º de janeiro de 1995

Arábia Saudita 11 de dezembro de 2005

Argentina 1º de janeiro de 1995

Armênia 5 de fevereiro de 2003

Austrália 1º de janeiro de 1995

Áustria 1º de janeiro de 1995

Bahrein 1º de janeiro de 1995

Bangladesh 1º de janeiro de 1995

Barbados 1º de janeiro de 1995

Bélgica 1º de janeiro de 1995

Belice 1º de janeiro de 1995

Benin 22 de fevereiro de 1996

Bolívia 12 de setembro de 1995

Botsuana 31 de maio de 1995

Brasil 1º de janeiro de 1995

Brunei 1º de janeiro de 1995

Bulgária 1°de dezembro de 1996

123 Todos os Membros da OMC podem participar de todos os conselhos, comitês, etc., com exceção doÓrgão de Apelação, dos grupos especiais de solução de controvérsias e dos comitês estabelecidos nomarco dos acordos plurilaterais.

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Burkina Fasso 3 de junho de 1995

Burundi 23 de julho de 1995

Camarões 13 de dezembro de 1995

Cambodja 13 de outubro de 2004

Canadá 1º de janeiro de 1995

Chade 19 de outubro de 1996

Chile 1º de janeiro de 1995

China 11 de dezembro de 2001

Chipre 30 de julho de 1995

Colômbia 30 de abril de 1995

Comunidade Européia 1º de janeiro de 1995

Congo 27 de março de 1997

Coréia 1º de janeiro de 1995

Costa do Marfim 1º de janeiro de 1995

Costa Rica 1º de janeiro de 1995

Croácia 30 de novembro de 2000

Cuba 20 de abril de 1995

Dinamarca 1º de janeiro de 1995

Djibouti 31 de maio de 1995

Dominica 1º de janeiro de 1995

Egito 30 de junho de 1995

El Salvador 7 de maio de 1995

Emirados Árabes Unidos 10 de abril de 1996

Equador 21 de janeiro de 1996

Eslováquia 1º de janeiro de 1995

Eslovênia 30 de julho de 1995

Espanha 1º de janeiro de 1995

Estados Unidos da América 1º de janeiro de 1995

Estônia 13 de novembro de 1999

Ex-República Yugoslava da Macedônia(ERYM)

4 de abril de 2003

Fiji 14 de janeiro de 1996

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105

Filipinas 1º de janeiro de 1995

Finlândia 1º de janeiro de 1995

França 1º de janeiro de 1995

Gabão 1º de janeiro de 1995

Gâmbia 23 de outubro de 1996

Gana 1º de janeiro de 1995

Geórgia 14 de junho de 2000

Granada 22 de fevereiro de 1996

Grécia 1º de janeiro de 1995

Guatemala 21 de julho de 1995

Guiana 1º de janeiro de 1995

Guiné 25 de outubro de 1995

Guiné-Bissau 31 de maio de 1995

Haití 30 de janeiro de 1996

Holanda 1º de janeiro de 1995

Honduras 1º de janeiro de 1995

Hong Kong 1º de janeiro de 1995

Hungria 1º de janeiro de 1995

Ilhas de Salomão 26 de julho de 1996

Índia 1º de janeiro de 1995

Indonésia 1º de janeiro de 1995

Irlanda 1º de janeiro de 1995

Islândia 1º de janeiro de 1995

Israel 21 de abril de 1995

Itália 1º de janeiro de 1995

Jamaica 9 de março de 1995

Japão 1º de janeiro de 1995

Jordânia 11 de abril de 2000

Kwait 1º de janeiro de 1995

Lesoto 31 de maio de 1995

Letônia 10 de fevereiro de 1999

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106

Liechtenstein 1º de setembro de 1995

Lituânia 31 de maio de 2001

Luxemburgo 1º de janeiro de 1995

Macau 1º de janeiro de 1995

Madagascar 17 de novembro de 1995

Malásia 1º de janeiro de 1995

Malauí 31 de maio de 1995

Maldivas 31 de maio de 1995

Malí 31 de maio de 1995

Malta 1º de janeiro de 1995

Matsu 1º de janeiro de 2002

Marrocos 1º de janeiro de 1995

Maurício 1º de janeiro de 1995

Mauritânia 31 de maio de 1995

México 1º de janeiro de 1995

Moçambique 26 de agosto de 1995

Mongólia 29 de janeiro de 1997

Moldova 26 de julho de 2001

Myanmar 1º de janeiro de 1995

Namíbia 1º de janeiro de 1995

Nepal 23 de abril de 2004

Nicarágua 3 de setembro de 1995

Níger 13 de dezembro de 1996

Nigéria 1º de janeiro de 1995

Noruega 1º de janeiro de 1995

Nova Zelândia 1º de janeiro de 1995

Oman 9 de novembro de 2000

Panamá 6 de setembro de 1997

Papua Nova Guiné 9 de junho de 1996

Paquistão 1º de janeiro de 1995

Paraguai 1º de janeiro de 1995

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107

Peru 1º de janeiro de 1995

Polônia 1º de julho de 1995

Portugal 1º de janeiro de 1995

Qatar 13 de janeiro de 1996

Quênia 1º de janeiro de 1995

Reino Unido 1º de janeiro de 1995

República Centro Africana 31 de maio de 1995

República Democrática do Congo 1º de janeiro de 1997

República Dominicana 9 de março de 1995

República Kirguisa 20 de dezembro de 1998

República Tcheca 1° de janeiro de 1995

Romênia 1º de janeiro de 1995

Ruanda 22 de maio de 1996

Santa Lúcia 1º de janeiro de 1995

São Cristóvão e Nevis 21 de fevereiro de 1996

São Vicente e Granadinas 1º de janeiro de 1995

Senegal 1º de janeiro de 1995

Serra Leoa 23 de julho de 1995

Singapura 1º de janeiro de 1995

Sri Lanka 1º de janeiro de 1995

Suazilândia 1º de janeiro de 1995

Suécia 1º de janeiro de 1995

Suíça 1º de julho de 1995

Suriname 1º de janeiro de 1995

Tailândia 1º de janeiro de 1995

Tanzânia 1º de janeiro de 1995

Togo 31 de maio de 1995

Trinidad e Tobago 1º de março de 1995

Tunísia 29 de março de 1995

Turquia 26 de março de 1995

Uganda 1º de janeiro de 1995

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108

Uruguai 1º de janeiro de 1995

Venezuela 1º de janeiro de 1995

Vietnã 11 de janeiro de 2007

Zâmbia 1º de janeiro de 1995

Zimbábue 5 de março de 1995

1.4 Relação de observadores da OMC124.

PAÍS OBSERVADOR

Andorra

Argélia

Azerbaijão

Bahamas

Belarus

Butão

Bósnia e Herzegovina

Cabo Verde

Etiópia

Guiné Equatorial

Irã

Iraqeu

Kazaquistão

Líbia

124 Com exceção do Vaticano, os observadores devem iniciar as negociações de adesão no prazo de cincoanos depois de obter a condição de observador.

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109

Montenegro

Rep. Dem. Popular Lao

República Libanesa

Rússia

Samoa

Vaticano

São Tomé e Príncipe

Sérvia

Seychelles

Sudão

Tajequistão

Tonga

Ucrânia

Uzbequistão

Vanuatu

Yemen

1.5 Organograma da estrutura da OMC.

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110

1.6 Sistema de Solução de Controvérsias - O Órgão de solução de

controvérsias (OSC) e o Órgão de Apelação125 - sob o prisma da promoção

do direito ao desenvolvimento humano.

125 Fontes: Página oficial da OMC na internet (tradução não-oficial) e Divisão de Política Comercial doItamaraty.

Reunião doConselho Geralcomo ÓRGÃO DESOLUÇÃO DECONTROVÉRSIAS

Reunião doConselho Geralcomo MECANISMODE EXAME DEPOLÍTICASCOMERCIAIS

CONSELHO

GERAL

CONSELHO DEMERCADORIAS

ACORDOSPLURILATERAIS

CONSELHODE SERVIÇOS

CONSELHOPARA TRIPS

CONFERÊNCIA

MINISTERIAL

Órgão deApelação

Grupos Especiaisde Solução deControvérsias

Comitê de Comércio deAeronaves Civis

Comitê de ComprasGovernamentais

Comitês sobre:Serviços Financeiros eAcordos Específicos.

Grupos de trabalhosobre:

Serviços Profissionaise Regras do GATS.

Comitês sobre:Acesso ao Mercado; Agricultura. Medidas Sanitárias eFitossanitárias. Barreiras Técnicas para o Comércio; Subsídiose Medidas Compensatórias; Práticas Anti-Dumping. ValorAduaneiro; Regras de Origem; Licenças de Importação;Medidas de Investimentos Comerciais; Salvaguardas;Tecnologia da Informação.

Comitês sobre:Comércio e Meio Ambiente; Comércio e Desenvolvimento;Sub-comitê sobre Países Menos Desenvolvidos; Acordossobre Comércio Regional; Balança de Pagamentos;Orçamento, Finanças e Administração; Grupos de Trabalhopara novos Acessos; Grupos de Trabalho sobre as Relaçõesentre Comércio e Investimento; A Interação entre Comércioe Políticas de Concorrência; Transparência em ComprasGovernamentais.

Acordo Plurilateral

Comitê de Tecnologiada Informação

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111

Não há, em todo o sistema das Nações Unidas, organização que possua jurisdição

semelhante à de um Estado, ou mesmo sistema de solução de controvérsias tão

complexo e amplo quanto o da Organização Mundial do Comércio.

Considerado por muitos especialistas como o resultado mais significativo – do

ponto de vista institucional – da Rodada Uruguai, o sistema de solução de controvérsias

da OMC diferencia-se do mecanismo vigente no âmbito do GATT em vários aspectos.

O primeiro método usado para esse fim consistia em opinião expressa

interpretativa do acordo pelo chairman de determinado Grupo de Trabalho, em reunião

com os Estados-Partes do GATT126.

JACKSON aponta que a segunda forma de solução de controvérsias nos primórdios

do GATT foi a mediação realizada por Grupos de Trabalho, que formavam fóruns de

negociação das partes em litígio e terceiros eventualmente interessados127.

A substituição do Grupo de Trabalho pelo Grupo Especial (panel) ocorreu na

septagésima reunião das Partes-Contratantes quando a Noruega apresentou reclamação

contra a Alemanha Ocidental128.

Os procedimentos gerenciados pelos Grupos Especiais se desenvolveram e

sedimentaram como “costume”. Para JACKSON, esta transição significou um

adensamento de juridicidade nos procedimentos para solução de controvérsias, uma vez

que os Grupos Especiais agiam de forma rule-oriented e os Grupos de Trabalho não

arbitravam, apenas conciliavam benefícios de maneira informal129.

No sistema do GATT, os "panels", que levaram a denominação de Grupos

Especiais constituem referência obrigatória.

126 JACKSON, Jhon H. The World Trading System – Law and Policy of International Economic Relations.Second Edition. Massachussetts: MIT Press, 1999, p.173.127 JACKSON, Jhon H. The World Trading System… p.174.128 JACKSON, Jhon H. The World Trading System…p.95.129 JACKSON, Jhon H. The World Trading System…p.95.

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112

Um painel é um grupo de peritos, normalmente em número de três, constituído

para examinar controvérsias específicas quando a controvérsia não é resolvida por meio

de consultas entre as partes em disputa e uma das partes continua insatisfeita. Os

relatórios dos painéis, com recomendações sobre como resolver as controvérsias, são

aprovados pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), onde todos os membros são

representados.

O relatório do painel só não será aprovado pelo OSC caso haja o chamado

"consenso negativo", ou seja, caso todos os Membros presentes (inclusive o eventual

"ganhador" da disputa) desaprovem o relatório. Houve, assim, um inversão em relação

ao que ocorria sob o GATT, antes da OMC, quando a parte julgada inadimplente em

relação às suas obrigações podia, sozinha, obstaculizar o consenso.

À diferença do mecanismo de solução de controvérsias do GATT, o sistema da

OMC é dotado de um Órgão de Apelação, com a função de verificar, a pedido de

qualquer parte em disputa, os fundamentos legais do relatório do painel e de suas

conclusões.

O objetivo do sistema é reforçar a observância das normas comerciais

multilaterais e a adoção de práticas compatíveis com os acordos negociados. Não há o

propósito de punir membros pela adoção de práticas consideradas inconsistentes com as

regras da OMC. O sistema permite, a qualquer momento, a solução do conflito por meio

de um acordo entre as partes em contenda.

Com o aumento da juridicidade diminuiu-se a interferência política na solução de

disputas, e o sistema ganha segurança e previsibilidade.

Caso um relatório de painel aprovado pelo OSC conclua pela inconformidade da

prática de um Membro com as regras da OMC, a parte afetada deve modificar aquela

prática, de modo a recompor o equilíbrio entre direitos e obrigações. Apenas em caso de

recusa por parte do Membro derrotado em recompor tal equilíbrio é que a OMC poderá

autorizar retaliações.

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113

O sistema de solução de controvérsias contempla várias etapas sucessivas, assim

resumidas (para maiores detalhes, consultar o "Entendimento relativo às Normas e

Procedimentos sobre Solução de Controvérsias", DSU130):

01 - Consultas;

02 - Se as Consultas: a) não são realizadas dentro do prazo131 (30 dias,

ou conforme decidido de comum acordo); ou b) não levam a solução

mutuamente aceitável, a parte demandante pode solicitar o

Estabelecimento de painel;

03 - O painel será estabelecido o mais tardar na reunião do OSC

seguinte à reunião em que a solicitação constou pela primeira vez da

agenda do Órgão;

04 - O painel será composto, normalmente, por 3 peritos, após consultas

às partes em disputa. As partes em litígio, de comum acordo, podem

solicitar que o painel seja integrado por 5 peritos. As deliberações dos

painéis serão confidenciais;

05 - O painel terá 6, ou, no máximo, 9 meses, em condições habituais,

para apresentar seu relatório, a contar da data de seu estabelecimento e

da determinação de seus termos de referência;

06 - A parte demandante poderá solicitar a suspensão dos trabalhos do

painel, a qual não poderá exceder a 12 meses, sob pena de caducar a

autoridade para estabelecimento do painel;

07 - Etapa Intermediária de Exame: após a apresentação de réplicas e

argumentação oral das partes, o painel deve submeter as seções

130 As regras de solução de controvérsias do DSU são utilizadas em combinação com as regras eprocedimentos do(s) acordo(s) que guardam relação com o contencioso. As regras específicas dos acordosou entendimentos prevalecem sobre as regras gerais do DSU. Existe, ainda, o caminho alternativo desolucionar o contencioso por meio de arbitragem. Tal expediente deverá resultar de acordo entre as partesem litígio.131 Os prazos relacionados à conclusão dos diversos painéis variam muito em função da dinâmica doprocesso negociador e da natureza da questão envolvida. Somente a título de exemplo, o painel sobre agasolina venezuelana (Brasil e Venezuela x EUA) durou 2 anos e 7 meses desde seu início até a reversãodas medidas adotadas pelos EUA.

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114

descritivas do projeto de relatório, para comentários das partes.

Ultrapassada essa fase, o painel deve elaborar um relatório provisório,

ao qual as partes podem oferecer comentários. O relatório provisório,

já com as conclusões do painel, será considerado o relatório final,

pronto para a circulação entre todos os membros, se não houver

comentários;

08 - Adoção do relatório do painel: salvo em casos de apelação, o

relatório deverá ser adotado pelo OSC dentro de 60 dias, a contar da

data de circulação do documento entre os membros. Os relatórios não

serão examinados para efeito de aceitação pelo OSC até 20 dias após a

data de distribuição aos Membros;

09 - Apelação: o Órgão de Apelação (OA) – composto por sete

integrantes (nomeados para mandato de quatro anos, renovável), três

dos quais atuarão em cada caso – terá, como regra geral, 60 dias

contados a partir da data da notificação formal da decisão de apelar

para distribuir seu relatório. O procedimento não deverá exceder 90

dias. Apenas as partes em controvérsia, excluindo-se terceiros

interessados, poderão recorrer do relatório do painel;

10 - Adoção do relatório do OA: dentro do prazo de 30 dias a contar da

distribuição do documento aos membros, a menos que o OSC decida por

consenso não adotar o relatório do OA;

11 - Implementação das Recomendações do OSC: em reunião do OSC

dentro de 30 dias após a data de adoção do relatório do Painel ou do

OA, o membro interessado deverá informar ao OSC suas intenções com

relação à implementação das decisões e recomendações daquele Órgão.

Não sendo possível a implementação imediata, o membro interessado

deverá dispor de prazo razoável;

12 - Compensações: se a parte afetada não implementar as decisões e

recomendações do OSC dentro do prazo razoável estabelecido, deverá,

se solicitada, negociar com a(s) outra(s) parte(s) compensações

mutuamente satisfatórias;

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115

13 - Suspensão da Aplicação de Concessões ("retaliação"): Se dentro

dos 20 dias seguintes à data da expiração do prazo razoável

determinado não se houver acordado uma compensação satisfatória,

quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução

de controvérsias poderá solicitar autorização do OSC para suspender a

aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos

acordos abrangidos à parte interessada.

14 - Os princípios definidores da suspensão da aplicação de concessões

e a determinação de seu valor são objeto de arbitragem;

15 - Após a determinação, pelo comitê de arbitragem, de que maneira e

em que valor incidirá a suspensão da aplicação de concessões, a parte

interessada deve solicitar autorização ao OSC para poder aplicar

aquela suspensão.

A atividade interpretativa é inerente ao processo de julgar. O julgador inicia o

processo com a análise dos dispositivos legais para então aplicá-los às circunstâncias

fáticas geradoras da controvérsia. Cada sistema jurídico privilegia um ou outro método

interpretativo (princípio da subsunção dos fatos à norma).

Como visto, no âmbito dos tratados da OMC não é diferente. Com o intuito de

restringir a criatividade dos grupos especiais, o artigo 3 (2) do ESC, apresenta as bases

que deverão ser obedecidas na interpretação dos acordos da Organização. Esse artigo

estabelece que as disposições existentes nos acordos da OMC devem ser vistas sob o

prisma das regras de interpretação do direito internacional público costumeiro, de

maneira a não adicionar ou diminuir direitos e obrigações de seus membros.

As recomendações e decisões dos Grupos Especiais e do Órgão de Apelação

devem ser feitas de modo a promover “solução satisfatória” nos termos da OMC. No

entanto, não há qualquer previsão do que deve ser entendido por “solução satisfatória”.

Meras recomendações sugerindo que a parte infratora restabeleça seu cumprimento com

as regras do sistema podem ser ineficazes se os membros não possuírem os mesmos

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116

paradigmas interpretativos quanto à própria dimensão de seus deveres e obrigações

dentro da OMC132.

Deveras a diversidade das normas reguladoras da OMC, o termo “solução

satisfatória” deve ser entendido com vistas a promover o direito ao desenvolvimento,

pois o comércio é instrumento de desenvolvimento econômico e social, e

consequentemente papel fundamental na garantia da dignidade humana.

Ocorre, na realidade, que a prática vigente da OMC de eliminar quaisquer

paradigmas interpretativos que não estejam nos acordos e compromissos assumidos,

prejudica o alcance dos fins de desenvolvimento sustentado e do bem-estar social. O

julgador deveria pautar seu entendimento consoante os efeitos que sua decisão pode

gerar. Destaca CARLOS MAXIMILIANO: “desapareceu nas trevas do passado o método

lógico, rígido, imobilizador do direito: tratava todas as questões como se foram

problemas de geometria. O julgador hodierno preocupa-se com o bem e o mal

resultantes do seu veredictum. Se é certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e

alcance do texto; todavia este alcance e aquele sentido não podem estar em desacordo

com o fim colimado pela legislação – o bem social.133”

Com tudo, verifica-se que os relatórios dos grupos especiais são importante fonte

interpretativa e de aplicação das normas da OMC, tanto para o Órgão de Solução de

Controvérsias, quanto para os membros da Organização. O respeito pelos precedentes e

a atenção dispensada às controvérsias contribuem para a formação de um complexo de

decisões que adquirem força de costume internacional134.

132 PETERSMANN, Ernst-Ulrich. The GATT/WTO dispute settlement system. International law,international organizations and dispute settlement. (S.l.: s.n), 1997. p.136-137.133 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.p.157.134 “Les recommendation et suggestions des Groupes Spéciaux et de l’Orange d’appel vont orienter lespratiques des members – et, par consequent, fomer la consuetude indispensabile à l’émergence decoutumes générales em matieère commerciale internationale. L’opinio júris, ne fera pas défaut dès lorsqu’em se conformant à ces pratiques, lês members auront lê sentiment de respecter les príncipes et règlesconventionnelles qui em constituent le fondement. Il y a donc fort à parier que le dépassement desAccords de Marrakesch s’effectue grace à um détour par la coutume international”. CARREAU,Dominique; JUILLARD, Patrick. Droit International économique. Paris: Librairie Génerale de Droit et deJurisprudence, EJA, 1998. p. 91.

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117

O fim da OMC não pode ser outro a não ser promover o direito ao

desenvolvimento dos cidadãos, garantindo-lhes um nível de vida adequado.

1.7 Princípios básicos da OMC com vistas a assegurar a igualdade de tratamento

aos estados-membros – uma interpretação à luz da promoção do direito ao

desenvolvimento humano.

Note-se que os objetivos mais amplos das novas normas, além da maior

previsibilidade das condições em que operam o comércio internacional, são a garantia de

acesso aos mercados e a competição justa. Por trás destes dois objetivos estão dois

princípios básicos: a não discriminação e a reciprocidade, que muitas vezes parecem

entrar em contradição, e que, ainda que de forma superficial, promovem as vertentes dos

direitos humanos uma vez que concernem em maneiras de estabelecer a igualdade entre

os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

1.7.1 A não discriminação: Cláusula da Nação Mais Favorecida e Obrigação do

Tratamento Nacional.

A não discriminação é o princípio basilar do sistema multilateral do comércio,

previsto desde o GATT (1947) e expresso em duas regras: as cláusulas de nação mais

favorecida (artigo I) e de tratamento nacional (artigo III). Assim, conclui-se que ambos

são decorrentes do princípio da não discriminação.

1.7.1.1 A Cláusula da Nação Mais Favorecida.

A cláusula da nação mais favorecida, que proíbe regras de importação

discriminatórias entre os países membros, estabelece que qualquer vantagem atribuída a

um determinado país deve ser automaticamente atribuída a todos os membros

pertencentes à OMC, exceto quando as regras de importação baseiam-se numa cláusula

que garante tratamento preferencial aos países em desenvolvimento.

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118

O comércio deve ser conduzido sem qualquer discriminação, pois todas as partes

contratantes são obrigadas a se conceder, mutuamente, tratamento tão favorável quanto

aquele dado a qualquer país, na aplicação e administração dos direitos e impostos de

importação e exportação.

Seu alcance compreende qualquer benefício relacionado ao comércio, que exerça

influência sobre importações e exportações como, por exemplo, regras e formalidades

para importação e exportação, ou mesmo medidas que afetam compra, venda, uso,

transporte ou distribuição de mercadorias135.

Como esclarecido, há algumas exceções à cláusula da nação mais favorecida.

Nesse regime de exceções há as que são necessárias à lógica do sistema multilateral de

comércio e, no entanto, as que prejudicam os objetivos de liberalização comercial.

JACKSON chega a afirmar que cerca de 25% do comércio internacional flui sob alguma

forma de regime discriminatório136.

Os Artigos XXIV 3 (a) e XXIV 5 do GATT 1994 são exemplos de cláusulas que

garantem tratamento preferencial aos países em desenvolvimento. O Artigo XXIV 5

possibilita aos membros da OMC particularizar tratamento preferencial em zonas de

livre comércio e uniões aduaneiras. Utilizando-se da prerrogativa do Artigo XXIV 3 (a)

os Estados podem estabelecer concessões maiores do que as pactuadas multilateralmente

sob o argumento de facilitar o tráfego na fronteira.

Dispostas no GATT 1994, existem, ainda, as exceções dos Artigos XX e XXI. O

primeiro prevê a possibilidade de imposição de medidas restritivas a importações

originárias de fontes específicas, por razões sanitárias, morais, ambientais e etc. O Art.

XXI estende a legalidade dessas mesmas medidas por razões de segurança.

Com base nessa cláusula de tratamento preferencial, os Estados Unidos criaram o

Sistema Geral de Preferências – SGP (Generalized System of Preference - GSP),

definido no primeiro encontro da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

135 DAS, BHAGIRATH LAL. An introduction to the WTO agreements. New York: Zed Books, 1998. p. 11.136 JACKSON, JHON H. Op.cit. p. 163.

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119

Desenvolvimento - UNCTAD, em 1964. Atualmente, além dos Estados Unidos, vinte e

seis países industrializados mantêm programas pelo SGP137.

O Sistema Generalizado de Preferências regula a possibilidade da concessão de

preferências tarifárias por países desenvolvidos àqueles em desenvolvimento, ou mesmo

entre países em desenvolvimento.

137 Esse sistema prevê a importação, sem taxas, de todos os produtos enquadrados no programa eprovenientes de determinados beneficiários e territórios (países em desenvolvimento). Com a autorizaçãodo Congresso dos EUA, ele foi criado em primeiro de janeiro de 1976, por um período de dez anos, combase no capítulo V do Acordo de Comércio de 1974 ("Trade Act of 1974"). O Congresso americano temrenovado a autorização do SGP por prazos variáveis. Quando da sua renovação em 1984, foramapresentadas, dentre outras, as seguintes finalidades para o seu funcionamento:

1. promover o crescimento dos países em desenvolvimento;

2. mostrar que o comércio, ao contrário da ajuda, é um meio mais eficaz e menos onerosode promover o crescimento auto-sustentado;

3. usufruir a vantagem de os países em desenvolvimento potencialmente representaremmercados com taxas mais elevadas de crescimento para as exportações norte-americanas;

4. reconhecer que os países em desenvolvimento necessitam de divisas para honrar os seuscompromissos financeiros internacionais.

O programa é administrado pela Comissão de Comércio Internacional dos EUA (U.S. International TradeCommission – USITC), que publica a nomenclatura harmonizada da tarifa dos EUA (Harmonized TariffSchedule of the United States – HTSUS), onde se encontram listados os produtos enquadrados no SGP eos países beneficiários. Em parte, o produto da lista é elegível para o tratamento especial se três condiçõesque definem a Regra de Origem forem satisfeitas:

a. ter sido produzido no país beneficiário;

b. ter sido importado pelos EUA diretamente do país beneficiário;

c. ter custo operacional no país beneficiário não inferior a 35% do preço de exportação.

O esquema é revisado anualmente para atender aos interesses dos importadores norte-americanos, dosexportadores estrangeiros e dos países beneficiários, que formalizaram petição para incluir novos produtosna lista. De outra parte, a retirada de produtos ou a exclusão de um país beneficiário é competênciaexclusiva do presidente dos EUA, que notifica o Congresso. Em determinadas circunstâncias, o presidentenorte-americano pode também dispensar o cumprimento de certas exigências ("waiver") como, porexemplo, o Limite de Exclusão ou de Competitividade (Competitive-Need Limitation – CNL). O CNLcaracteriza o início da fase em que um país passa a ser suficientemente competitivo no mercado americanopara não mais merecer o tratamento preferencial. Uma referência importante para o detalhamentoatualizado do programa norte-americano é o manual da UNCTAD - Generalized System of PreferencesHandbook on the Scheme of the United States of America (UNCTAD/ITCD/TSB/Misc.58 May 2003). NoBrasil, a Circular nº3/01 da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, de 19 de janeiro de 2001,publicada no DOU de 24/01/2001, é o principal instrumento que torna públicas as informações sobre oSistema Geral de Preferências dos EUA, incluindo, no Anexo II, a lista de produtos cujo beneficiário é oBrasil. Fonte: site da Secretaria da Receita Federal www.receita.fazenda.gov.br

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120

Por fim, a cláusula da nação mais favorecida pode ser desconsiderada para

aplicação de medidas corretivas à prática imediata de dumping, subsídio, ou quando se

concluir, por meio dos procedimentos previstos para solução de controvérsias, que um

membro violou o ordenamento do sistema causando anulação ou prejuízo de benefício a

pelo menos um Estado-Membro.

As vantagens teóricas da cláusula de nação mais favorecida, de que todos os

Estados gozarão da liberalização do comércio em bases igualitárias, não resistem à

realidade do comércio internacional de que os Estados possuem diferenças em termos de

desenvolvimento.

LAFER138 observa que um dos pressupostos da cláusula, de que a liberalização do

comércio internacional traz reais vantagens econômicas para todos os países envolvidos,

não é correto do ponto-de-vista dos países subdesenvolvidos, que acabaram na periferia

do sistema por não serem grandes produtores nem grandes consumidores dos itens

negociados no GATT.

Em verdade, o tratamento de nação mais favorecida, ao garantir tão-somente a

igualdade formal dos Estados, não satisfaz as necessidades dos países menos

desenvolvidos, que têm buscado desde o advento do GATT a inclusão de normas que

compensem as suas desvantagens, promovendo a igualdade real139.

Ainda assim, não podemos deixar de esclarecer que, como afirmou CARREAU e

JUILLARD sobre tais mecanismos, estes agem no estabelecimento de condições

igualitárias para que países de potencial econômico diferenciados possam argüir seus

interesses e para que políticas e parâmetros humanitários não sejam prejudicas às

expensas do comércio140.

138 LAFER, Celso. Comércio e Relações Internacionais. São Paulo: Perspectiva, 1997, pp. 15-16.139 LAWSON, Michael Nunes. Do princípio da não-discriminação no comércio internacional: a cláusulade nação mais favorecida e a obrigação de tratamento nacional. Jus Vigilantibus, Vitória, 13 jul. 2005.Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/16394>. Acesso em: 20 fev. 2007.140 “Le droit international économique ne traite pas de façon identique les pays développés et le pays emdeveloppement. Il aménage sés régles em sorte que, dans lês relations internationales économiques, lepays em développement reçoivent um traitement plus favorable que lês pays développés, afin qu’á terme,soientent compensées lês inégalités de développement entre lês uns et les autres. Les régles ainsiaménagées accusent une forte originalité, au point qu’ellesfont désormais l’objet d’une systématisationparticuliére; il ságit du droit international du developpement dans lê lê lequel l’idée d’igualité réelle prend

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121

1.7.1.2 A cláusula da obrigação do Tratamento Nacional.

O princípio do tratamento nacional estipula que não deve haver discriminação

entre produtos, de modo que, uma vez no mercado do país importador, o produto

importado não esteja sujeito às condições que o coloquem numa posição de desvantagem

competitiva. Ou, como a própria denominação do princípio deixa claro, que o tratamento

dispensado ao produto importado seja o mesmo dispensado ao produto nacional.

Assim, não pode estar sujeito a qualquer limite diferente daqueles que recaem

sobre bens produzidos internamente, seja por meio de tributação, medidas que dificultem

sua circulação e comércio, ou mesmo imposição de quotas restringindo importações e/ou

venda.

A respeito da aplicação da cláusula do Tratamento Nacional também cabem

exceções, dentre as quais destacam as compras governamentais, situação em que um

governo, na aquisição de bens para seu próprio consumo, pode preferir o bem nacional

ao importado. Também cabe menção ao cenário em que o governo esteja incentivando

determinada indústria doméstica por meio do pagamento de subsídios permitidos pela

OMC.

Disposições quanto ao tratamento não-discriminatório também estão contidas em

outros acordos da OMC, como regras de origem, inspeção prévia à expedição, medidas

de investimentos relacionadas ao comércio (TRIMS) e aplicação de medidas sanitárias e

fitossanitárias141.

Enquanto a cláusula da nação mais favorecida tem por escopo promover a não-

discriminação entre parceiros comerciais, bem como propiciar a liberalização

generalizada do comércio, a cláusula do tratamento nacional promove a não-

discriminação entre produtos nacionais e importados. Conforme observado, na sua

le pás sur l’idée d’égualité formelle”. Carreau. Dominique; Juillard, Patrick. Droit internationaléconomique. Paris: Libraire Génerale de Droit et de Jurisprudence. EJA, 1998. p. 22.141 Fonte: site BNDES. www.bndes.gov.br. Acesso em 20 de fevereiro de 2007.

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aplicação as duas regras têm dado azo a manipulação por parte dos governos como meio

de legitimar interesses protecionistas.

Para ELBA CRISTINA LIMA REGO142 o princípio da reciprocidade nas negociações

complementa a cláusula da nação mais favorecida, limitando o incentivo por ela

conferido à concorrência de free-riding. As negociações realizam-se por meio da troca

de concessões em termos de acesso a mercados e cada negociador procura obter

contrapartidas para quilo que está disposto a oferecer. Na verdade, é a reciprocidade que

torna possível a realização de uma liberalização mais ampla e o estabelecimento de um

código de conduta multilateral. O equilíbrio resultante entre direitos e obrigações vai

depender do poder de barganha de cada país na negociação.

1.7.2 Os Princípios da Vigilância, Transparência e Cooperação Internacional.

A vigilância quanto ao cumprimento dos acordos multilaterais e dos

compromissos assumidos é exercida pelos próprios membros da OMC. Para isso, a

transparência é fundamental. Assim, os diversos acordos possuem inúmeras disposições

em matéria de transparência - leis, regulamentos e práticas nacionais devem ser tornados

públicos tanto em nível nacional (publicações oficiais e serviços de informação) quanto

multilateral.

Do ponto de vista multilateral, isto é feito através do mecanismo criado para

examinar as políticas comerciais e da obrigação de notificação à Secretaria da OMC das

práticas comerciais adotadas.

O Órgão de Exame das Políticas Comerciais (TPRB) da OMC realiza

periodicamente avaliações das políticas comerciais de todos os membros, com base em

dois documentos: uma declaração das políticas adotadas apresentada pelo governo do

país sujeito ao exame e um informe pormenorizado preparado de maneira independente

pela Secretaria da OMC. Após este exame, chamado de Trade Policy Review Mechanism

(TPRM), os dois informes são publicados, juntamente com a Ata da reunião do TPRM.

142 Do Gatt à OMC: O que Mudou, como Funciona e para onde Caminha o Sistema Multilateral deComércio in http://www.bndes.gov.br/conhecimento/revista/gatt.pdf . Acesso em 20 de fevereiro de 2007.

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123

Em seu documento, o Secretariado faz uma apresentação pormenorizada das

práticas e políticas nacionais que afetam direta ou indiretamente o comércio e, com isso,

aumenta a transparência dos regimes comerciais dos membros da OMC, permitindo

maior vigilância mútua. Vale destacar que a Organização não examina a compatibilidade

entre tais regimes e as disciplinas multilaterais que estão sob seus auspícios, o que é

exercido, repita-se, pelos próprios membros, utilizando como referência, entre outros, os

TPRMs.

Em 1996, foram programados TPRMs para 10 países, entre eles Brasil, Canadá,

Estados Unidos e Coréia. A periodicidade do exame depende da participação do país no

comércio internacional. Os quatro maiores traders mundiais têm suas políticas

examinadas a cada dois anos, enquanto os 16 seguintes (entre os quais o Brasil) a cada

quatro anos e o restante dos países a cada seis anos, com possibilidade de fixação de um

prazo maior para os de menor nível de desenvolvimento.

Quanto às notificações, destaque-se que os membros têm de fazê-las quando

ocorrer qualquer alteração quanto às medidas antidumping ou medidas compensatórias,

novas normas técnicas que tenham impactos sobre o comércio, novos regulamentos que

afetem o comércio de serviços etc.

Considerando que os princípios da vigilância, transparência e cooperação

internacional obrigam os acordos possuírem disposições em matéria de transparência, e

permitem a constatação da prática desregrada de políticas comerciais dos Estados-

membros, esses indiretamente podem contribuir profundamente na observação e

proteção do direito ao desenvolvimento humano.

É certo que esta contribuição somente será possível se os próprios membros da

OMC analisarem as políticas e práticas comerciais à luz dos direitos humanos, visando a

sua qualidade e desenvolvimento, o que, acreditamos, só será viável à medida que a

idéia de comércio como importante instrumento do desenvolvimento do ser humano for

incorporada por este órgão.

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CAPÍTULO II – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS NO CENÁRIO ECONÔMICO

GLOBALIZADO – O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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1.1 Principais Instrumentos do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos

Internacionais que Influenciam a Ordem Econômica.

A partir do advento da Declaração Universal de Direitos Humanos, outras

inúmeras Declarações e Convenções foram elaboradas com o objetivo de atualizar a

regulamentação dos direitos humanos internacionais. Algumas tratam de novos direitos,

outras da proteção de direitos e, ainda, outras da proteção dos direitos de indivíduos que

merecem tratamento especial, particularmente vulneráveis.

Essa evolução, denominada por BOBBIO como processo de “multiplicação de

direitos”, ampliou o rol dos bens merecedores de tutela e a extensão da titularidade de

direitos, tendo implicado, ainda, a especificação dos sujeitos.

A internacionalização dos Direitos Humanos conjugada com a multiplicação

desses direitos resultou em dois sistemas de proteção: o global ou geral e o especial de

proteção de direitos humanos, que se complementam. O sujeito de direito do primeiro é

o indivíduo em sua especificidade enquanto que do segundo é todo e qualquer indivíduo,

genericamente concebido.

O objeto desta análise são os principais instrumentos do sistema global de

proteção dos direitos humanos, os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a partir dos quais forma-se a Carta

Internacional dos Direitos Humanos, International Bill of Rights.

1.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Como dito anteriormente, este Pacto faz parte da Carta Internacional de Direitos

Humanos, International Bill of Rights, e embora aprovado pela Assembléia Geral das

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Nações Unidas em 1966, entrou em vigor dez anos depois, em 1976, ao alcançar o

número necessário de adesões para a sua ratificação.

O Pacto dos Direitos Civis e Políticos proclama em seus primeiros artigos o

dever dos Estados-partes em assegurar os direitos nele elencados a todos os indivíduos

que estejam sob a jurisdição, adotando todas as medidas necessárias para este fim. Esta

obrigação do Estado inclui também o dever de proteger os indivíduos contra a violação

de seus direitos perpetrada por entes privados.

Isto é, cabe ao Estado-parte estabelecer um sistema legal capaz de responder com

eficácia às violações de direitos civis e políticos.

Nesse sentido, o Pacto estabelece direitos endereçados aos indivíduos, que devem

ser assegurados pelos Estados. As obrigações dos Estados-partes são tanto de natureza

negativa (ex: não torturar), como positiva (ex: prover um sistema legal capaz de

responder às violações de direitos).

Ao impor aos Estados-partes a obrigação imediata de respeitar e assegurar os

direitos nele previstos, os direitos civis e políticos podem ser auto-aplicáveis.

Quanto ao catálogo de direitos civis e políticos propriamente dito, o Pacto não só

incorpora inúmeros dispositivos da Declaração, com maior detalhamento (basta

comparar os arts. 10 e 11 da Declaração com os arts. 14 e 15 do Pacto), como ainda

estende o elenco desses direitos.

Os principais direitos e liberdades cobertos pelo Pacto dos Direitos Civis e

Políticos são: o direito à vida; o direito de não ser submetido a tortura ou a tratamentos

cruéis, desumanos ou degradantes; o direito a não ser escravizado, nem submetido a

servidão; os direitos à liberdade e à segurança pessoal e a não ser sujeito a prisão ou

detenção arbitrárias; o direito a um julgamento justo; a igualdade perante a lei; a

proteção contra a interferência arbitrária na vida privada; a liberdade de movimento; o

direito a uma nacionalidade; o direito de casar e de formar família; as liberdades de

pensamento, consciência e religião; as liberdades de opinião e de expressão; o direito à

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reunião pacífica; a liberdade de associação; o direito de aderir a sindicatos e o direitos de

votar e tomar parte no Governo143.

Além desses direitos, o Pacto adota outros direitos e garantias não previstos na

Declaração Universal, como o direito de não ser preso em razão de descumprimento de

obrigação contratual (art. 11); o direito da criança ao nome e à nacionalidade (art. 24); a

proteção dos direitos de minorias à identidade cultural, religiosa e lingüística (art. 27); o

direito à auto-determinação (art. 1), dentre outros.

Há, ainda, outros direitos que foram inseridos pelo Segundo Protocolo ao Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos, como a vedação contra a pena de morte.

Excepcionalmente o Pacto admite a derrogação temporária dos direitos e garantias que

enuncia, estando esta condicionada aos limites impostos pela decretação de estado de

emergência, ficando proibida qualquer medida discriminatória baseada em raça, cor,

sexo, língua, religião ou origem social. Por outro lado, há direitos inderrogáveis, como o

direito à vida e proibição de tratamento cruel.

No intuito de assegurar a observância e efetividade dos direitos apresentados pelo

Pacto, ele obriga que os Estados-partes encaminhem relatórios sobre as medidas

legislativas, administrativas e judiciárias adotadas para implementar os direitos por ele

previstos.

1.1.2 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Da mesma forma que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, este

também foi adotado em 1966, por meio da Resolução 2200 (XXI), tendo entrado em

vigor dez anos mais tarde, vez que as ratificações dependiam das emulações do Leste-

Oeste. O Pacto encontra-se no centro do sistema de proteção dos direitos humanos da

Organização das Nações Unidas.

143 PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p.167-168.

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128

O intuito do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi

incorporar os preceitos da Declaração Universal sob a forma de direitos juridicamente

obrigatórios e vinculantes no plano internacional, mediante a sistemática da

international accountability, gerando responsabilização internacional em caso de

violação. Como pontua THOMAS BUERGHENTAL, esse Pacto contém um catálogo de

direitos econômicos, sociais e culturais mais extenso e elaborado se comparado ao

catálogo da Declaração Universal144.

O catálogo de direitos que este pacto enuncia inclui o direito ao trabalho e à justa

remuneração, o direito a formar e associar-se a sindicatos, o direito a um nível de vida

adequado, o direito à moradia, o direito à educação, o direito à previdência social, o

direito à saúde e o direito à participação na vida cultural da comunidade.

A família, como núcleo fundamental da sociedade, é reconhecida pelo art. 10,

parágrafo 1, corolário do direito “de toda pessoa ter um nível de vida adequado para si

próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas,

assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida” (art.11, parágrafo 1), e

do direito “de toda pessoa desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental” (art.

12, parágrafo 1).

Ao reconhecer o direito à educação, concordam em que a educação “deverá visar

ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a

fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (art. 13, parágrafo

1).

Os direitos econômicos, sociais e culturais explicitam as exigências dos valores

da dignidade, igualdade e de solidariedade humana, buscando superar as desigualdades

sociais, gerando o direito de participar nos benefícios da vida social, através de direitos e

prestações brindadas direta ou indiretamente pelos poderes públicos, todos os quais

constituem fins da atividade estatal e internacional.

144 Op.cit. p. 42.

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Em outras palavras, são direitos humanos que constituem prestações positivas

estatais, asseguradas por normas constitucionais ou do direito internacional, que

possibilitam uma melhor realização da dignidade humana e da igualdade substancial das

pessoas, constituindo pressupostos e complementos do gozo dos direitos individuais, ao

constituir condições materiais que possibilitam um melhor e mais efetivo exercício das

liberdades.

Os direitos humanos econômicos, marcados pelas características assinaladas,

pontuam suas formulações pela igualdade de oportunidades jurídicas e materiais ao

desenvolvimento dos indivíduos e dos Estados, no que tange à busca de bens necessários

às suas respectivas satisfações, respeitando sempre a concepção de vida digna.

A realização de tais direitos depende da atuação do Estado, tanto é assim que o

preâmbulo do Pacto inicia afirmando que “os Estados-partes reconhecem o direito de

cada uma...”. É o Estado que deve adotar medidas econômicas e técnicas, isoladamente e

através da assistência e cooperação internacionais, até o máximo de seus recursos

disponíveis, para alcançar progressivamente a completa realização dos direitos previstos

pelo Pacto (art. 2, parágrafo 1 do Pacto).

Como os direitos previstos neste Pacto estão condicionados à atuação do Estado,

afirma-se que apresentam realização progressiva. Isto é, ao ratificar este Pacto, os

Estados não se comprometem a atribuir efeitos imediatos aos direitos nele enumerados.

Em sua maioria145, não são direitos auto-aplicáveis como os previstos pelo Pacto de

Direitos Civis e Políticos, e sim programáticos, que dependem de um mínimo de

cooperação econômica internacional, de forma que a realização integral e completa

desses direitos não se faz possível em um curto período de tempo.

Por este Pacto, os Estados reconhecem direitos aos cidadãos, não estando desde

já garantidos. Como destaca a doutrina, a capacidade de garantir os direitos econômicos,

sociais e culturais proclamados pelo Pacto pressupõe a existência de recursos

145 Usa-se o termo genericamente em razão de existir exceção, pois o Pacto impõe algumas obrigações deaplicação imediata, como a obrigação de que os direitos devem ser exercidos de forma nãodiscriminatória.

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econômicos bem assim de outra índole, que infelizmente não se encontram ao alcance de

todos os Estados.

Da obrigação da progressividade na implementação dos direitos econômicos,

sociais e culturais decorre a chamada cláusula de proibição do retrocesso social, na

medida em que é vedado aos Estados retrocederem no campo da implementação destes

direitos. Vale dizer, a progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais proíbe

o retrocesso ou a redução de políticas públicas voltadas à garantia destes direitos146.

Os direitos econômicos, sociais e culturais são direitos verdadeiramente

fundamentais, que estão integrados a muitos outros tratados internacionais. A

implementação desses direitos deve ser compreendida à luz do princípio da

indivisibilidade dos direitos humanos, apresentando-se como a dimensão atual do direito

ao desenvolvimento.

Os direitos sociais a que se refere o Pacto de direitos econômicos, sociais e

culturais são os direitos às necessidades básicas para o desenvolvimento econômico dos

indivíduos, representados pelo chamado direito ao desenvolvimento. Ressalte-se que em

seu aspecto privado o direito ao desenvolvimento atua na consagração de princípios e

regras jurídicas que possibilitem ao indivíduo o pleno acesso aos recursos suficientes à

sua subsistência, como educação, moradia, alimentação, saúde, emprego e cultura, entre

outros, os quais lhe proporcionarão condições mínimas para uma existência adequada às

necessidades constantes do mundo globalizado.

Esses direitos humanos econômicos expressam o direito de cada indivíduo dispor

de rendas e bens suficientes para o seu desenvolvimento e estabilidade econômica, a fim

de atingir um padrão de vida digno, configurados no denominado direito ao

desenvolvimento humano.

Nesse contexto, a regulamentação das trocas e políticas comerciais internacionais

assume função e responsabilidade de criar mecanismos que promovam o

desenvolvimento sustentado e, consequentemente, a melhoria do padrão de vida, tudo

146 PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p. 183.

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com vistas a garantir o bem-estar social e econômico do homem, reconhecidos no direito

ao desenvolvimento humano147.

Direitos ao desenvolvimento (aqui tratados como direitos sociais e econômicos)

diferem dos direitos clássicos à vida, à liberdade e à propriedade na natureza da

demanda que abarcam. A diferença primordial é de conteúdo. Os direitos clássicos são

direitos à liberdade de ação, enquanto que os direitos ao desenvolvimento são direitos

para obter bens. Essa distinção tem frequentemente sido descrita como a diferença entre

“liberdade de” e “liberdade para”.

Os direitos clássicos garantem a liberdade da interferência de outros, enquanto os

direitos ao bem-estar garantem a liberdade para ter coisas variadas que são vistas como

necessárias. Isso significa, em essência, que os direitos clássicos de liberdade (liberty

rights) estão preocupados com processos, enquanto os direitos ao desenvolvimento estão

preocupados com resultados. Note-se que o direito ao bem-estar relatado pela doutrina é,

a nosso ver, o direito humano ao desenvolvimento, posto que a efetividade de um

implica na do outro. (...) O Estado de bem-estar social envolve tipicamente programas de

transferência em larga escala148.

Na percepção de DAVID M. TRUBECK:

“Os direitos sociais, enquanto social welfare right invocam o

que é o mais básico e universal acerca desta dimensão do direito

internacional. Por trás dos direitos específicos consagrados nos

documentos internacionais e acolhidos pela comunidade internacional,

repousa uma visão social do bem-estar individual. Isto é, a idéia de

proteção a estes direitos envolve a crença de que o bem-estar individual

resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e culturais, nas

quais todos nós vivemos, bem como envolve a visão de que o Governo

tem a obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos

147 A respeito, afirma DAVID TRUBEK: Eu acredito que o Direito Internacional está se orientando nosentido de criar obrigações que exijam dos Estados a adoção de programas capazes de garantir um mínimonível de bem-estar econômico, social e cultural para todos os cidadãos do planeta, de forma aprogressivamente melhorar esse bem-estar.

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os indivíduos. A idéia de que o welfare state é uma construção social e

de que as condições de welfare são em parte uma responsabilidade

governamental, repousa nos direitos enumerados pelos diversos

instrumentos internacionais. Ela também expressa o que é universal

neste campo. Trata-se de uma idéia acolhida, ao menos no âmbito geral,

por todas as nações, ainda que exista uma grande discórdia acerca do

escopo apropriado da ação e responsabilidade governamental e da

forma pela qual o social welfare pode ser alcançado em sistemas

econômicos e políticos específicos. É porque os proponentes do liberal

welfare state e do Estado socialista, bem como das variações e

permutações entre estas estruturas, concordam na importância da ação

estatal para a promoção do bem-estar individual, que esses direitos têm

sido acolhidos pelo direito internacional.”

Nesse raciocínio está implícita a idéia de que a preservação das condições

econômicas e sociais resulta na promulgação da dignidade humana e do direito ao bem-

estar que preferimos chamar de direito ao desenvolvimento. Apesar de suscitar a questão

da responsabilidade e ação governamental quanto a estes direitos, há o reconhecimento

de uma inter-relação entre os direitos econômicos internacionais e os direitos

humanos149.

148 DAVID KELLEY, A life of one’s own: individual rights and the welfare state (1998), citado em HENRY J.STEINER e PHILIP ALSTON, International Human Rights in context, Oxford: Oxford University Press, 2000,p. 257-258.149 A título de ilustração, ressalta-se que no âmbito do direito interno já se faz relação do principio dadignidade humana com os direitos econômicos, sociais e culturais. Humberto Nogueira Alcalá, em artigopublicado na Revista de Direito Privado, relaciona este princípio aos direitos econômicos, sociais eculturais no âmbito do direito interno classificando esses direitos em categorias constitucionais. Veja suaobservação, na íntegra: “Theodor Tomandl distingue quatro formas de aproximação aos direitoseconômicos e sociais como categorias constitucionais149 Uma primeira aproximação é a de normasprogramáticas, constituindo-as em normas orientadoras da ação do Estado e dos operadores jurídicos,porém priva de eficácia direta a seu conteúdo, não estabelecendo verdadeiros direitos ou faculdades daspessoas nem obrigações para os órgãos estatais, nem tuteláveis juridicamente, são normas de caráteressencialmente políticas com o fim de que a ação dos governantes se canalize no sentido de satisfazer, namedida das possibilidades econômicas do Estado, as pretensões materiais da comunidade que levam a umasociedade mais igualitária e justa (Hernandez Valle Crisafulli), tais diretrizes de legislação somenteimplicam uma proibição para o parlamento e para a administração de agir desconhecendo o conteúdo dadiretriz, porém não um mandamento vinculante para o legislador que tenha efeitos jurídicos concretos emcaso de não ser atuado (Rubio Llorente). Uma segunda perspectiva é a de entendê-los como normas deorganização, as quais estabelecem mandados aos poderes públicos, sob a forma de atribuição decompetências para garantir mediante normas jurídicas o desenvolvimento econômico e social dacoletividade. Nesta perspectiva, os direitos econômicos, sociais e culturais saem da parte dogmática daConstituição e dos instrumentos que os prevêem e são situados no âmbito orgânico constitucionalconsiderados somente como instrumentos que regem o funcionamento dos poderes estatais. Um terceiro

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133

Os direitos incluídos neste Pacto refletem nas condições econômicas mundiais,

de modo que a violação aos direitos econômicos, sociais e culturais resulta em um

disparate social e econômico global, aprofundando as desigualdades sociais, a miséria e

a fome.

A globalização econômica assimétrica em conjunto com o relapso das

comunidades internacionais ao respeito a esses direitos, e a ausência de regulamentação

das políticas comerciais internacionais com vistas ao direito ao desenvolvimento

humano, só vem contribuindo para esse cenário mundial.

Face às circunstâncias apontadas, os direitos previstos pelo Pacto de direitos

econômicos sociais e culturais merecem maior reconhecimento da comunidade

internacional, devendo ser considerados verdadeiros direitos fundamentais. Face ao

status de direitos humanos internacionais que levam estes direitos, eles são inerentes aos

homens e devem ser protegidos pela ordem econômica internacional, pois garantem o

nível adequado de vida dos sujeitos internacionalmente considerados.

Assim, os instrumentos internacionais de política comercial, bem como sua

aplicação, não podem violar os direitos previstos por este Pacto, sob pena de infringirem

normas internacionais de direitos humanos.

Conforme alertado no Statement to the World Conference on Human Rights on

Behalf of the Committee on Economic, Social and Cultural Rights: Democracia,

estabilidade e paz não podem conviver com condições de pobreza crônica, miséria e

negligência. Além disso, essa insatisfação criará grandes e renovadas escalas de

movimentos de pessoas, incluindo fluxos adicionais de refugiados e migrantes,

denominados “refugiados econômicos”, com todas as suas tragédias e problemas.

Direitos sociais, econômicos e culturais devem ser reivindicados como direitos e não

como caridade ou generosidade.

enfoque é o de entendê-los como direitos públicos subjetivos, considerando-se como verdadeirasfaculdades das pessoas e obrigações prestacionais do Estado. Uma quarta aproximação é considerá-loscomo mecanismos de garantia, como garantias institucionais que estabelecem deveres de atuação para ospoderes públicos no âmbito econômico social a fim de respeitar a essência de determinadas instituições oucorpos intermediários da sociedade como são a família, os sindicatos, as organizações profissionais e etc.

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Por fim, quanto ao mecanismo de proteção dos direitos econômicos, sociais e

culturais note-se que não há um comitê próprio como órgão de monitoramento, nem um

mecanismo de comunicação inter-estatal e tampouco um Protocolo Facultativo. O real

mecanismo de proteção restringe-se à sistemática dos relatórios.

Alguns instrumentos de direito internacional recomendam outros critérios de

comunicação150 e o esforço para o reconhecimento desses direitos nos planos nacional,

regional e internacional.

1.1.3 Os Direitos Civis e Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais configurados

como o Direito ao Desenvolvimento humano.

Recentemente muitos adjetivos têm sido utilizados na tentativa de empregar o

termo desenvolvimento no aspecto jurídico. A discussão envolvendo desenvolvimento

como direito, acrescentando aos Direitos Humanos um novo direito, teve início em 1972

tendo como precursor o jurista Senegalês Keba M’Baye, tendo tornado uma ferramenta

de análise para determinação de políticas pela Organização das Nações Unidas151.

No entanto, no âmbito da Organização das Nações Unidas, sua Assembléia

Geral, em 26 de novembro de 1957, já havia declarado que “um desenvolvimento

econômico e social equilibrado e integrado contribuiria para fomentar e manter a paz e a

segurança, o progresso social e um melhor nível de vida, assim como a observância e o

respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos”152.

Em 1968, na Conferência Internacional de Direitos Humanos, celebrada em

Teerã, nos dias 22 de abril a 13 de maio, considerou-se que “o gozo dos direitos

econômicos e sociais está inerentemente vinculado a um verdadeiro exercício dos

150 A Declaração de Viena recomendou a incorporação do direito de petição mediante a adoção deProtocolo Adicional. A Conferência de Viena de 1993 recomendou a aplicação de um sistema deindicadores, para medir o progresso alcançado na realização dos direitos previstos no Pacto.151 PETER UVIN. Human Rights and Development. USA: Kumarian Press, 2004.152 Assembléia Geral Resolução 1161 (XII).

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135

direitos civis e políticos, e que entre a realização dos direitos humanos e o

desenvolvimento econômico existe uma estreita relação, ou seja, reconhece-se que recai

sobre a comunidade internacional a responsabilidade coletiva de assegurar a todos os

seres humanos a consecução de um nível de vida mínimo necessário para que se possam

gozar os direitos humanos e as liberdades fundamentais153.

Na seqüência, a Assembléia Geral, em 1969, aprovou a Declaração sobre o

Progresso e o Desenvolvimento Social, na qual se afirma que “o progresso e o

desenvolvimento social devem se encaminhar à contínua elevação do nível de vida, tanto

material, como espiritual a todos os membros da sociedade, dentro do respeito e do

cumprimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”154.

VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA155 lembra que em 1977 o direito ao

desenvolvimento humano foi incorporado e consagrado pela Comissão dos Direitos

Humanos das Nações Unidas, que decidiu prestar especial atenção à reflexão sobre os

obstáculos que se opõem à plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais,

particularmente, nos países em desenvolvimento, como também em relação às medidas

adotadas, tanto no plano nacional como internacional, para assegurar o desfrute desses

direitos.

Nesse sentido, a Comissão de Direitos Humanos reconheceu o desenvolvimento

como direito humano e recomendou ao Conselho Econômico e Social que sugerisse ao

Secretário Geral a elaboração de um estudo sobre o tema: “As dimensões internacionais

do direito ao desenvolvimento, como direito humano, em relação aos outros direitos

humanos, baseados na cooperação internacional, incluído o direito à paz e tendo em

conta as exigências da nova ordem econômica internacional e as necessidades humanas

fundamentais”156.

Em resposta ao estudo apresentado pelo Secretário Geral, a Comissão de Direitos

Humanos determinou um novo estudo, que considerasse o direito ao desenvolvimento

153 SILVEIRA. Vladmir Oliveira. O Direito ao Desenvolvimento na Doutrina Humanista do DireitoEconômico. Tese de Doutorado – Puc-SP. 2006.154 Resolução 2542 (XXIV), de 11 de dezembro de 1969.155 Op. cit. p.200.156 Resolução 4 (XXXIII) de 21 de fevereiro de 1977.

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136

como direito humano e apontasse os obstáculos que impedem que os países em

desenvolvimento gozem desse direito.

Em conseqüência, em 1981 a Assembléia Geral instaurou um Grupo de Trabalho

de Especialistas Governamentais para adotarem medidas para a promoção do direito ao

desenvolvimento como direito humano, cujo principal objetivo era a apresentação de

propostas para um instrumento internacional sobre a matéria157.

Na realidade, a Resolução158 formada para este propósito tratou de questões de

como colocar em prática, em todos os países, os direitos econômicos, sociais e culturais

que figuram na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e apresentou um estudo dos problemas

especiais, como os que enfrentam os países em desenvolvimento, em seus esforços para

a realização desses direitos humanos.

A despeito das observações acima, em 14 de dezembro de 1986 foi aprovada a

Declaração sobre o Direito ao desenvolvimento. Entretanto, como acentua VLADMIR

OLIVEIRA DA SILVEIRA, esta foi uma declaração que, no decorrer das suas negociações e

na aspiração de lograr um forte consenso, perdeu muito, inclusive frente a outros

documentos, como a Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Âmbito

Social, que é considerada como um de seus antecedentes imediatos159.

Muito embora as perdas ocorridas durante as negociações, foi a partir desse

documento que o direito ao desenvolvimento se configurou como um direito humano

inalienável e passou a ser entendido como um processo global econômico, social,

cultural e político, que tende ao melhoramento constante de toda a condição e qualidade

de vida da população e dos indivíduos, sob a base de sua participação ativa, livre e

157 O Grupo de Trabalho, estabelecido de acordo com a resolução da Comissão 36 (XXXVII), de 11 demarço de 1981, era integrado por 15 especialistas escolhidos pelos governos e nomeados pelo Presidenteda Comissão de Direitos Humanos, sob a base de uma representação geográfica eqüitativa. (AssembléiaGeral, Alternative approaches and ways and means within the Unites Nations sustem for improving theeffective enjoyment of human rights and fundamental freedoms, Resolution 35-174, de 15 de dezembro de1980).158 Resolução 36 (XXXVII), de 11.03.81.159 Ob. cit. p. 202.

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137

significativa no processo de desenvolvimento e na distribuição dos benefícios de que

dele derivam160.

Observe-se que esse direito foi fundamentado no entendimento acerca da

interdependência dos países e na indivisibilidade dos direitos humanos e liberdades

fundamentais, assentado ainda na base da cooperação internacional, consagrada na Carta

das Nações Unidas.

Na literatura de AMARTYA SEN, Desenvolvimento como liberdade161, o autor

busca identificar o conceito de desenvolvimento com a idéia de liberdade. SEN menciona

três liberdades fundamentais: a econômica, ou seja, a idéia de que o acesso ao mercado

deve ser garantido; a política, refletida principalmente nas garantias democráticas e as

denominadas liberdades instrumentais, aquelas que são fundamentais, inclusive, para

garantir que as demais sejam usufruídas. Tem-se aí a liberdade política, o direito de

acesso ao mercado, as oportunidades sociais, as transparências e garantias mínimas de

seguridade social, contra a intolerância, exclusão e preconceito.

Na visão do autor o desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades

reais. Ainda que as análises acima destacadas sejam de cunho economicista, o autor

identifica validade econômica à questão dos direitos humanos e afirma que a prioridade

deverá ser o ser humano, e o critério deve ser a maior liberdade do ser humano.

O conceito de desenvolvimento como liberdade coloca o ser humano no centro

das preocupações econômicas, por buscar consolidar valores que hoje são muito caros,

como os direitos humanos e os valores culturais162.

Acerca do debate que envolve o desenvolvimento, WELBER BARRAL chama

atenção para esclarecer que “o debate sobre as relações entre direito e desenvolvimento

não é novo. Mas a crítica que se pode fazer é que, durante muito tempo, esse debate foi

160 Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Parágrafo 2º , artigos 1.1 e 2.1161 SEN, AMARTYA. Development as freedom, New York: Alfred A. Knopf, 1999, p.297.162 No âmbito do direito interno encontra-se consagrado o reconhecimento ao direito ao desenvolvimento.A CF/88 faz menção ao desenvolvimento em seu próprio preâmbulo, enunciando que o Estadodemocrático brasileiro que se institui a partir desta Carta é destinado a assegurar o desenvolvimento dasociedade brasileira. Art. 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)II – garantir o desenvolvimento nacional”. (...).

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matizado por limites extremamente formais, caracterizados pela Declaração do Direito

ao Desenvolvimento. (...) O direito ao desenvolvimento, já estipulado em diversos

instrumentos normativos internacionais, enfrenta o problema inarredável do pólo

passivo, ou seja, de quem esse direito pode ser exigido”163.

O ponto levantado pelo autor que se destaca é em relação ao sujeito passivo deste

direito, e que vai de encontro com o nosso estudo, pois o que se pretende é enfatizar que

a OMC é um dos instrumentos passivos para a efetivação do direito ao desenvolvimento

humano.

Para a análise deste estudo interessa o conceito de desenvolvimento como objeto

do direito econômico internacional correspondente aos direitos humanos econômicos e

sociais como valores fundamentais que tenham por fim assegurar igualdade de

oportunidades econômicas para todos, em relação ao acesso aos recursos básicos,

educação, serviços de saúde, alimentação, moradia, emprego, distribuição de renda,

entre outros.

Ao definir o direito ao desenvolvimento como sendo direito humano, ANTONIO

CARLOS E MARIA DE FÁTIMA WOLKMER apontam os dois ângulos que a visão humanista

do direito ao desenvolvimento deve considerar: “Em sua potencialidade, o direito ao

desenvolvimento traz para o cenário institucional novos valores e novas formas de inter-

relações que instauram uma nova dinâmica entre o Direito e o desenvolvimento humano.

Por certo, uma correta discussão paradigmática no novo século, envolvendo Direito e

desenvolvimento, de um lado não pode prescindir de apontar as insuficiências do

sistema jurídico internacional identificado com o Estado-nação para captar o universo da

globalização e das interdependências complexas; de outro, deve expressar, mais do que

nunca, formas alternativas de desenvolvimento que considerem a construção específica

de direitos econômicos, sociais e culturais pautados em valores e implementados em

práticas autênticas de uma política voltada para os direitos humanos164.

163 Direito e Desenvolvimento: Um modelo de análise, p.47-48. Artigo publicado na obra de organizaçãode WELBER BARRAL: Direito e Desenvolvimento – Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica dodesenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005.

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Assim, o direito ao desenvolvimento está fundado na solidariedade, na superação

da miséria, na melhoria das condições socioeconômicas, na força criadora do poder

comunitário e no favorecimento de realização integral da pessoa humana como

dignidade.

Naturalmente, o direito ao desenvolvimento como direito humano individual e

interdependente não só é produto de uma nova ordem mundial, resultante de mudanças

em escala planetária, como, sobretudo, vincula-se diferentemente com a própria

humanidade, ou seja, passa a ser um Direito enquanto sujeito de obrigações para com a

comunidade mundial165.

A importância do Direito ao desenvolvimento está, no dizer de CAROL PRONER,

em pressupor “o respeito a todos os demais direitos humanos como parte integrante do

desenvolvimento humano. Supõe-se a interdisciplinaridade e a interdependência entre

todos os direitos humanos”166.

O que deve ficar claro é que a busca de alternativas econômicas, sociais e

políticas só reforça a obrigatoriedade do direito ao desenvolvimento humano como

processo de luta direcionado contra uma ordem internacional antidemocrática,

excludente e colonizadora.

164 WOLKMER, Antonio Carlos e Maria de Fátima. in Direitos Humanos e Desenvolvimento. Artigopublicado na obra de organização de WELBER BARRAL: Direito e Desenvolvimento – Análise da ordemjurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 61-62.165 WOLKMER, Antonio Carlos e Maria de Fátima. in Direitos Humanos e Desenvolvimento. Artigopublicado na obra de organização de WELBER BARRAL: Direito e Desenvolvimento – Análise da ordemjurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 71.

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140

TERCEIRA PARTE – A OMC COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO

DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO.

CAPÍTULO I – REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA OMC FACE AO

DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO

1.1 A atuação da OMC e o direito ao desenvolvimento humano.

Desenvolvidas as premissas antecedentes, cumpre explorar nesta parte do estudo

a relação existente entre a atividade da OMC e o direito ao desenvolvimento humano.

1.1.1 Considerações sobre sujeitos do Direito Internacional Público.

Maiores considerações sobre a caracterização dos sujeitos do Direito

Internacional Público consistem em pressuposto para qualquer conclusão sobre a

efetividade da atuação da OMC no que tange aos direitos humanos.

Acerca do tema, esclarece VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI167 que o

reconhecimento do Direito Internacional é classicamente caracterizado pelo “critério dos

sujeitos intervenientes”:

“Estatisticamente, o critério dos sujeitos intervenientes é ainda

o mais utilizado doutrinariamente na conceituação do Direito

Internacional Público. Não é de hoje que essa disciplina vem sendo

conceituada como o conjunto de regras e princípios que regem apenas

as relações interestatais, ou seja, um complexo de normas que regulam

tão-somente a conduta recíproca dos Estados. Tome-se como exemplo a

definição de Rousseau, para quem o Direito Internacional "é o ramo do

166 PRONER. Carol. Os direitos humanos sem Paradoxos: análise do sistema americano de proteção. POA:Sergio A. Fabris. 2002. p.54.167 Pp. 38-39.

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direito que rege os Estados nas suas relações respectivas". Trata-se do

conceito clássico (positivista e restrito) de Direito Internacional

Público, baseado na chamada corrente estatal, segundo a qual somente

os Estados podem ser sujeitos de Direito Internacional, de modo que

somente eles são capazes de contrair direitos e obrigações estabelecidos

pela ordem jurídica internacional."

Essa doutrina, baseando-se nas premissas teóricas do dualismo

de Carl Heinrich Triepel, nega que os indivíduos possam ser sujeitos de

Direito Internacional, sob o fundamento de que o direito das gentes

somente regula as relações entre os Estados, jamais podendo chegar até

os indivíduos, sem que haja uma prévia transformação de suas normas

em Direito interno. Assim, dentro desta definição tradicional, os

benefícios ou obrigações porventura reconhecidos ou impostos a outras

instituições, que não o Estado, são considerados como sendo meramente

derivativos, visto terem sido adquiridos em virtude de relação ou

dependência que tiveram com o Estado respectivo, este sim o único

sujeito internacionalmente válido.”

O mencionado autor descreve, conquanto, que tal concepção jurídica é

ultrapassada, enfatizando, na espécie, a situação dos direitos humanos168:

“Tal concepção tradicional do Direito Internacional Público

deve ser hodiernamente afastada, por não mais corresponder à

realidade atual das relações internacionais. Na atualidade, o Direito

Internacional não mais se circunscreve às relações entre os Estados,

exclusivamente, e tampouco regula matérias da alçada unicamente

exterior dos Estados. Tem ele, hoje, um alcance muito mais amplo, visto

que se ocupa da conduta dos Estados e dos organismos internacionais e

de suas relações entre si, assim como de algumas de suas relações com

as pessoas naturais (vejam-se, por exemplo, os aspectos ligados "à

proteção da pessoa humana") ou jurídicas, regulando matérias externas

e internas de interesse da sociedade internacional. É dizer, figura o

Direito Internacional Público, num primeiro momento, como um

168 Op.cit., pp. 38-39.

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conjunto de regras e princípios que disciplinam tanto as relações

jurídicas dos Estados entre si, bem como destes e outras entidades

internacionais, como também em relação aos indivíduos. Assim também

podem ser considerados sujeitos de Direito Internacional Público na

atualidade, além dos Estados soberanos, as organizações internacionais

intergovernamentais (por exemplo, as Nações Unidas, que têm

capacidade jurídica para celebrar tratados de caráter obrigatório,

regidos pelo Direito Internacional, com os Estados e com outros

organismos internacionais), bem como os indivíduos, embora o campo

de atuação destes últimos seja mais limitado, sem, contudo, perder ou

restar diminuída sua importância. Num segundo momento, o Direito

Internacional Público (composto por estes sujeitos) disciplina e

regulamenta assuntos que não se circunscrevem ao âmbito

propriamente exterior dos Estados, tratando atualmente de matérias

que, até então, eram consideradas de competência da sua exclusiva

jurisdição doméstica (como direitos humanos e meio ambiente), o que,

nos dias atuais, não tem mais razão de ser.”

1.2.2 A atuação da ONU e da OMC no cenário internacional.

Após toda a evolução apresentada neste estudo, podemos afirmar que a ONU e a

OMC são deveras importantes no cenário da Nova Ordem Internacional vigente,

notadamente e respectivamente: (i) em face da previsão dos direitos humanos, com

hierarquia normativa privilegiada, (ii) e diante da “irrecusabilidade da ordem econômica

internacional”.

Em matéria de direitos humanos, tem-se que são expressamente preconizados, na

Carta das Nações Unidas, como princípios, “o aumento do nível de vida, o pleno

emprego e condições de progresso e desenvolvimento na ordem econômica e social”

(art. 55, “a”), bem assim “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das

liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, de sexo, de língua ou de

religião”. (art. 55, “c”)

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143

Por outro lado, em virtude do art. 56, da própria Carta, os Estados-Membros se

obrigam a “agir, tanto conjuntamente como separadamente, em cooperação com a

Organização, no objetivo de promover os direitos humanos”. Ademais, os membros das

Nações Unidas afirmaram, em preâmbulo, sua “fé nos direitos fundamentais do homem,

na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das

mulheres, assim como das nações, grandes ou pequenas”. (art. 56, preâmbulo)

Bem verdade, outrossim, que a ONU tem, como um de seus objetivos,

expressamente insculpido no art. 1 (3), da Carta das Nações Unidas, o de “realizar a

cooperação internacional, solucionar os problemas internacionais de ordem econômica,

social, intelectual ou humanitária, desenvolver e encorajar o respeito dos direitos do

homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou

religião.”

Cabe aqui lembrar que em 1993 a Assembléia Geral da ONU criou o cargo de

Alto Comissariado para os Direitos Humanos, reconhecendo a importância da promoção

de um desenvolvimento equilibrado e sustentável para todos, ao mesmo tempo que

assumiu como uma de suas funções a promoção e proteção do direito ao

desenvolvimento humano, ampliando o apoio aos órgãos competentes do sistema das

Nações Unidas.

Na tentativa de promulgar a importância desse direito, várias sessões169 foram

realizadas contendo propostas concretas para a aplicação do direito ao desenvolvimento,

tanto no âmbito nacional como internacional, das quais se destaca a necessidade de que a

comunidade internacional considere que o exercício desse direito é um trabalho

preventivo para a redução da violência e dos conflitos.

Como se vê, a participação no âmbito da ONU, quanto à preocupação e

efetivação desse direito foi ampla, tanto que sua Assembléia Geral, o Conselho

Econômico e Social e a Comissão de Direitos Humanos aprovaram uma série de

169 Ver: Questão do exercício do Direito ao desenvolvimento. Informe do Grupo Intergovernamental deEspecialistas sobre o Direito ao Desenvolvimento, sobre seu primeiro período de sessões, E-CN. 4-1997-22,de 21.01.1997; e GTEIG, do Direito ao desenvolvimento. Informe do Grupo Intergovernamental deEspecialistas sobre o Direito ao Desenvolvimento, sobre seu segundo período de sessões, E-CN. 4-1998-29,de 07.11.1998.

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resoluções e manifestações sobre o tema, em particular durante o mandato do Alto

Comissariado para os Direitos Humanos.

VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA destaca sobre a importância da efetividade deste

direito afirmando que “se é certo que se tornou fundamental implementar no plano da

efetividade o direito ao desenvolvimento no âmbito supranacional, à medida que ele

passou a ser considerado como uma das questões mais urgentes, demandando inclusive a

cooperação internacional, é também essencial superar o debate teórico, no sentido de

aplicar nos Estados-nações as medidas práticas indutoras da garantia do efetivo exercício

do direito ao desenvolvimento”170.

Depreende-se também, por outro lado, que a complexidade das relações

internacionais tem exigido também a participação efetiva da OMC como mecanismo

apaziguador e garantidor de direitos precípuos da humanidade em função da extrema

relevância do fenômeno econômico.

Vale dizer que a valoração da atuação da OMC em relação à efetividade dos

direitos humanos, internacionalmente reconhecidos, reside na compreensão do papel

importante do fenômeno econômico como fator de poder no seio de uma sociedade e a

relevância dos procedimentos da Organização Mundial aplicáveis nos mercados

internacionais.

Para destacar a efetividade de atuação no processo peculiar da OMC, com

relação aos direitos humanos, afirmam ROBERT HOWSE e MAKAU MUTUA:

“(...) prevê certas disposições que permitem aos Estados

proteger e promover os direitos humanos por intermédio do comércio,

autorizando, para este efeito, a tomada de algumas medidas contra os

Estados que violam os direitos humanos. A disposição fundamental para

esse entendimento é o precitado artigo XX, o qual enuncia uma série de

exceções em virtude das quais um membro da OMC pode proteger e

promover os direitos humanos sem contrariar as disposições do GATT.

Nos termos do referido artigo, não constituiriam um meio de

170 Op. cit. p.208.

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discriminação arbitrária, injustificável, tampouco uma atitude

protecionista disfarçada ao comércio internacional, as medidas

necessárias à proteção da moralidade pública, da saúde e da vida das

pessoas e dos animais, ou ainda à preservação dos vegetais, bem como

as medidas relacionadas aos produtos fabricados pelos detentos.”

Veja-se, ademais, que o art. 103 da Carta das Nações Unidas preconiza que, “em

caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas decorrentes da

presente Carta e das obrigações oriundas de qualquer outro acordo internacional, as

primeiras deverão prevalecer”.

Nessa esteira de entendimento é a visão de LUCIE LAMARCHE e DIANA BRONSON,

no caso de conflito entre uma obrigação em matéria de direitos humanos —

particularmente uma obrigação universalmente conhecida — e um engajamento oriundo

do direito internacional dos tratados, no sentido de que a primeira deve prevalecer ou a

segunda deve ser interpretada em conformidade com a primeira.171

As referências ao direito ao desenvolvimento humano no texto da Carta das

Nações Unidas são esparsas, mas denotam importância de fundamental observação para

os Estados-Membros, à medida que implicam obrigações a serem cumpridas em matéria

de promoção e proteção aos direitos humanos.

Para ROBERT HOWSE e MAKAU MUTUA, ao tecer comentários sobre “As Relações

entre o Direito Comercial e os Direitos Humanos”, discorre que, “no caso de conflito

entre um direito humano universalmente reconhecido e uma obrigação oriunda de um

tratado, como, por exemplo, de um tratado comercial, a segunda deve ser interpretada de

conformidade com o primeiro.”

Não obstante essas afirmativas GUIDO F. S. SOARES172 reconhece que, “Mesmo

após terem as Partes Contratantes do antigo GATT reformado o sistema, após os oito

anos que duraram as Rodadas Uruguai, das quais resultou a instituição da OMC, para

171 In Cadre de référence dês droits humains pour lê commerce dans lês Amériques, site eletrônicohttp://www.ichrdd.ca.

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incluir nesta organização, ademais do comércio de materiais, os bens imateriais

(propriedade intelectual), os serviços e os investimentos internacionais, mesmo assim, o

tema da proteção dos direitos humanos não ganhou qualquer temática da nova

organização. O que se tem antes verificado é a inclusão, na agenda das discussões na

OMC, da denominada “cláusula social”, ou seja, a situação privilegiada de que os países

em desenvolvimento poderiam eventualmente desfrutar, pelo fato de contarem com o

custo final mais baixo no preço das mercadorias transacionadas em nível internacional,

devido aos custos do fator trabalho (...).”

172 SOARES, Guido F.S. União Européia, Mercosul e a Proteção dos Direitos Humanos, pp. 132, in DireitosHumanos, Globalização Econômica e a Integração Regional — Desafios do Direito ConstitucionalInternacional, editora Max Limonad, 2002, coord. FLÁVIA PIOVESAN.

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1.1.3 Reflexões conclusivas sobre a OMC enquanto instrumento de fomento ao

direito ao desenvolvimento humano.

Para atender as expectativas de um novo direito ao desenvolvimento humano a

lógica do capitalismo deverá ser alterada, definindo, como conclama FRANÇOIS

HOUTART, as novas regras do jogo que implicam “a substituição da noção de lucro por

aquela de necessidade; a consideração da maneira social de produzir no processo de

produção e no desenvolvimento das tecnologias; o controle democrático não somente do

campo político, mas também das atividades econômicas; o consumo como meio e não

como objetivo; o Estado como órgão técnico e não como instrumento de opressão

etc”173.

Note-se que ainda que a estrutura de direitos e obrigações da OMC não possua

normas específicas que tutele o direito ao desenvolvimento humano, esses princípios

devem ser invocados nesse sentido.

Como visto, o preâmbulo do Acordo que constituiu a OMC fixou alguns

objetivos, os quais podem ser associados a certas obrigações em matéria de direito ao

desenvolvimento humano. Na prática a OMC, como órgão de regulamento de comércio

mundial, não passa de um fórum de discussões, e neste sentido, deve aproveitar dessa

constituição para discutir meios de garantir o desenvolvimento humano através de si

própria, como, por exemplo, utilizando o órgão de solução de disputas e as cláusulas

especiais direcionadas a este sentido.

173 Houtart, François. Alternativas Plausíveis ao Capitalismo Globalizado. In: Cattani, Antonio David(Org.) Fórum Social Mundial. A Construção de um mundo melhor. POA/Petrópolis: UFRGS/Vozes, 2001.

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A propósito, com base no que se denomina a “Era dos Direitos”, LOUIS

HENKIN174 afirma que os direitos humanos são a “única idéia político-moral

universalmente aceita”, sendo que PHILIP ALSTON175 defende que o “fato de se

caracterizar um objetivo comum específico de direito humano o eleva acima dos outros

objetivos sociais, o imuniza contra toda eventual contestação e o envolve de uma aura de

intemporariedade, de absolutismo e de validade universal.”

A despeito de todo o demonstrado, o direito ao desenvolvimento ainda é uma

categoria de direitos que está em constante evolução. Destaca FREI BETO176, a seu turno,

que “A Declaração Universal dos Direitos Humanos precisa ser enriquecida, somando-

se, aos direitos de liberdade (proclamados pelas revoluções burguesas do século 18), os

direitos de igualdade (exigidos pelas conquistas sociais dos séculos 19 e 20) e os direitos

de solidariedade (reconhecidos no século 20 a partir da Segunda Guerra). Entre estes

últimos, destacam-se o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação, ao

ambiente natural ecologicamente equilibrado, à paridade nas relações comerciais entre

países e à utilização do patrimônio comum da humanidade”.

Ainda os autores HENRY J. STEINER e PHILIP ALSTON, ao discorrer sobre a

importância fundamental dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos,

afirmam que, após a Segunda Guerra Mundial, a forma pela qual um Estado trata seus

próprios cidadãos não pode ser extraída somente de seu direito interno.177

Discorre DANIEL GRISWOLD178 sobre a estreita conexão que existe entre o

comércio, regulamentado pela OMC, e o direito ao desenvolvimento humano, da

seguinte forma:

“Quando se discutem comércio e globalização no Congresso

dos EUA ou na mídia americana, o foco é quase totalmente voltado

para o impacto econômico interno – na indústria, nos empregos e nos

salários. Entretanto, comércio é algo mais do que exportar soja e

174 In The Age of Rights, op.cit.175 ALSTON, Philip. Making Space for New Human Rights: the Case of the Right to Development.176 BETO, Frei. Fonte: site, visitado em 21 de fevereiro de 2007, http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios.Artigo: Globalização e Direitos Humanos.177 Op.cit.

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máquinas-ferramentas. Significa também exportar liberdade e

democracia.

O comércio e a globalização podem incentivar a reforma

política aumentando a liberdade do povo para exercer maior controle

sobre seu cotidiano. Em países menos desenvolvidos, a expansão de

mercados significa que as pessoas já não precisam subornar

funcionários do governo ou lhes pedir permissão para importar uma TV

ou peças para seu trator. Controles de intercâmbio externo já não

limitam sua liberdade de viajar ao exterior. Elas podem adquirir com

mais facilidade equipamentos de comunicação como telefones celulares,

acesso à internet, TVs via satélite e aparelhos de fax.

Trabalhadores e produtores que vivem em países mais abertos

são menos dependentes das autoridades para sua subsistência. Em uma

economia direcionada para o mercado, por exemplo, o governo não

pode mais proibir a publicação de jornais independentes, mesmo que

suas matérias desagradem às autoridades governantes. Em economias e

sociedades mais abertas, o "efeito CNN" da mídia global e a atenção do

consumidor expõem e desencorajam abusos contra os trabalhadores.

Nos países em desenvolvimento mais globalizados, as multinacionais

têm mais estímulo para oferecer benefícios e salários competitivos do

que nos países fechados.

Liberdade econômica e rendas crescentes, por sua vez, ajudam

a criar uma classe média mais educada e com mais consciência política.

Uma classe empresarial em ascensão e uma sociedade civil mais

próspera geram líderes e centros de influência fora do governo. Com o

passar do tempo, as pessoas economicamente livres também querem e

esperam exercer seus direitos políticos e civis. Por outro lado, um

governo que isola seus cidadãos do resto do mundo pode controlar as

pessoas com mais facilidade e privá-las de recursos e informações que

elas poderiam usar para contestar a autoridade governamental.

178 Fonte: site http://usinfo.state.gov/journals visitado em 21 de fevereiro de 2007. GRISWOLD, Daniel, emartigo: Globalização, Direitos Humanos e Democracia.

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Em âmbito multilateral, um acordo bem-sucedido na

Organização Mundial do Comércio (OMC) criaria no mundo inteiro um

clima mais propício à democracia e aos direitos humanos. Os países

menos desenvolvidos, com a abertura de seus mercados relativamente

fechados e a conquista de mais acesso aos mercados dos países ricos,

poderiam atingir taxas de crescimento mais elevadas e desenvolver a

crescente classe média que forma a base da maioria das democracias.

Uma conclusão satisfatória das negociações comerciais da Rodada de

Desenvolvimento Doha, da OMC, reforçaria a globalização e a

expansão das liberdades políticas e civis, duas tendências que

caminham juntas e marcaram os últimos 30 anos. O fracasso poderá

retardar e frustrar o avanço nas duas frentes para milhares de pessoas.

Nas três últimas décadas, globalização, direitos humanos e

democracia têm avançado juntos de forma vacilante − nem sempre e

nem sempre no mesmo ritmo em todos os lugares, mas de modo a não

deixar dúvidas de que estão interligados. Ao incentivar a globalização

em países menos desenvolvidos, não estamos apenas contribuindo para

aumentar as taxas de crescimento e de renda, promover padrões mais

elevados e alimentar, vestir e abrigar os pobres; estamos também

disseminando liberdades políticas e sociais”.

Em suma, em razão da indivisibilidade dos direitos humanos, a violação ao

direito ao desenvolvimento humano propicia a violação a todos os demais direitos

fundamentais, eis que a vulnerabilidade econômica-social leva à vulnerabilidade dos

direitos civis e políticos. No dizer de AMARTYA SEN179: “A negação da liberdade

econômica, sob a forma da pobreza extrema, torna a pessoa vulnerável a violações de

outras formas de liberdade. (...) A negação da liberdade econômica implica a negação da

liberdade social e política”.

Como leciona JACK DONNELY, “se os direitos humanos são os que civilizam a

democracia, o Estado do Bem-estar Social é o que civiliza os mercados180. Se os direitos

179 SEN, AMARTYA. Development as freedom, New York: Alfred A. Knopf, 1999, p. 8.180 DONNELY. Jack, International Human Rights, Boulder: Westview Press, 1998, p. 160.

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civis e políticos mantêm a democracia dentro de limites razoáveis, o direito ao

desenvolvimento humano estabelece os limites adequados aos mercados.

Com efeito, é de se concluir, usando as palavras de ANTONIO AUGUSTO

CANÇADO TRINDADE181, que “Os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados e,

em igual medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos detentores do

poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no quotidiano da

vida de milhões de humanos”, tendo em vista que “Os direitos humanos, em razão de

sua universalidade nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam obrigações

erga omnes”.

Se o instrumento de maior relevância e adensamento de matérias que regula o

sistema multilateral de comércio é a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO (OMC), os

termos normativos prescritos pela OMC influenciam qualquer percepção apriorística de

bem-estar humano e da dignidade humana.

O direito ao desenvolvimento humano compõe-se de direitos que podem ser

legitimamente reivindicados pela OMC, visto que, num mundo capitalista e globalizado,

a sua efetividade depende diretamente das condições econômicas que cercam o

indivíduo.

As diretrizes da OMC determinadas já no preâmbulo do seu Acordo Constitutivo

vão ao encontro da preservação da dignidade humana e do direito ao desenvolvimento,

veja-se:

“As partes reconhecem que as suas relações na área do comércio e

atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos

padrões de vida e, assegurando o pleno emprego e um crescimento

amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e

expandindo a produção e o comércio de bens e serviços ao mesmo

tempo que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com

os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e

preservar o ambiente e reforçar os meios de fazê-lo, de maneira

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consistente com as suas necessidades nos diversos níveis de

desenvolvimento econômico.”

A verdade é que nos parece que existe uma hipocrisia, que necessita

urgentemente ser confrontada, ao se prever na OMC a valorização do direito ao

desenvolvimento humano, quando esta na verdade é colocada em segundo plano ao ser

deparada com interesses puramente econômicos.

É indiscutível a interdependência entre o direito ao desenvolvimento e o direito

das relações econômicas internacionais, em especial os acordos que disciplinam o

comércio, e considerando que de fato e de direito isto não acontecerá espontaneamente,

mas sim por intermédio de muito esforço político, é que concluímos propondo a sua

realização por intermédio de um órgão político com poder o suficiente para interferir

nesta seara, a OMC.

É certo que para atingir tal fim deve haver uma maior inter-relação entre as

instituições encarregadas de proteger o direito ao desenvolvimento humano e a OMC.

Por fim, entendemos que o equilíbrio das relações econômicas internacionais

entre os países é a razão da formação da OMC, e este papel deve ser exercido por meio

das suas normas com vistas a respeitar e promover o direito ao desenvolvimento

humano, que deve ser reconhecido como princípio basilar de sua aplicação. Um

princípio jurídico é um instrumento de interpretação e integração do direito, devendo o

intérprete analisar o caso concreto a partir deste.

181 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Memória da Conferência Mundial de Direitos Humanos(Viena, 1993), Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 80. p. 222, jan. 1995.

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