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As origens da educação escolar e a "construção social" da organização "escola"

Autor(es): Santos, Rui Alberto Nunes dos

Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras

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Máthesis 8 1999 315·332

AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR E A "CONSTRUÇÃO SOCIAL" DA ORGANIZAÇÃO "ESCOLA"

RUI ALBERTO NUNES DOS SANTOS Direcção Regional de Educação do Centro

1- AS ORIGENS DA ESCOLA E DA EDUCACÃO ESCOLAR

As origens da educação escolar perdem-se nos confins da história. Essas origens poderão ser atribuídas ao desenvolvimento científico e tecnológico e complexificação das sociedades, com a consequente necessidade de especialização e divisão do trabalho. Estas circunstâncias terão levado à constatação de que a acção não sistemática da família, ou do clã de cada indivíduo, era insuficiente para preparar os mais jovens para o desempenho futuro de determinadas funções necessárias ao bom funcionamento da sociedade a que pertenciam, ou à simples manutenção da cultura desta.

Terá surgido, assim, a necessidade de estabelecer mecanismos de controlo social que assegurassem a coesão interna, a reprodução das sociedades e o seu desenvolvimento. Com estas finalidades criaram-se aparelhos institucionais especializados e processos específicos de funcionamento, de entre os quais se destaca a instituição «Escola» e o processo «Educação Escolar».

Poder-se-ão citar outros exemplos de aparelhos institucionais que, ao longo dos tempos, contribuíram para o controlo e reprodução social. As instituições religiosas, com os processos inerentes aos seus rituais e à sua autoridade sobre os elementos da sociedade, e os grupos de profissionais de determinados ofícios e artes são bons exemplos de aparelhos desse tipo.

A criação da escola e da educação escolar terá resultado, segundo Vial e Mialaret, da constatação de que:

liA cultura humana não é hereditária, aprende-se; é a linguagem que a transmite. Contrariamente ao que inúmeros antropólogos parecem pensar, esta transmissão não é espontânea, nem sequer nas sociedades ditas «primitivas». Ela requer um mecanismo, um aparelho social, uma

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instituição qualquer que dê lugar a um método de instrução que permita que os adultos transmitam os seus conhecimentos já armazenados, ou, pelo menos, uma parte essencial desses conhecimentos às crianças ainda ignorantes. Para identificarmos esse mecanismo, utilizamos presentemente o termo «educação». Esta educação passa

simultaneamente por um processo e uma instituição ou instituições, ... ".1

A existência de uma instituição especializada utilizadora de um processo específico para transmitir a cultura, ou aspectos da cultura, de uma determinada sociedade aos seus jovens, não impede essa cultura (entendida como conjunto de usos, costumes, leis, tecnologias, técnicas, religiões, valores, etc., que num determinado momento caracterizam uma dada sociedade) de ser também, paralelamente, transmitida por outros agentes que não a escola. A família, os grupos em que os jovens se integram, as igrejas, os clubes, ou mesmo as condições ambientais e, hoje com especial relevância, os meios de comunicação social de massas são exemplos de outras instâncias contribuintes, em permanência, para a transmissão dos padrões culturais da sociedade em que se integram. Este processo de transmissão dos padrões culturais resultante da interacção entre os jovens e estes grupos e instituições reveste-se de características diferenciadas do processo de transmissão que ocorre na escola, instituição teoricamente especializada nessa função, não se fazendo sentir apenas sobre os jovens.

Neste quadro, em termos de localização social da educaçã02 e aceitando que educação em sentido lato é o mecanismo de transmissão da cultura social atrás referido, poder-se-á falar em dois tipos diferentes de educação, distintos em função dos agentes ou instituições que por eles são responsáveis. Assim, se nos referimos ao processo de transmissão ocorrido na escola, instituição que sempre teve como finalidade essencial a realização do processo educativo, estaremos perante a educação escolar. Se nos referimos ao processo que decorre da interacção dos jovens e adultos com os grupos e instituições da sociedade que não têm como finalidade essencial a

IVIAL, Jean, MIALARET, Gaston - História mundial da educação, VaI. I. Porto, RÉS-Editora, Lda, 1986.

2PIRES, Eurico Lemos, FERNANDES, António Sousa, LIMA, Licínio Viana -Noções de sociologia da educação. Texto policopiado, Universidade do Minho, 1985.

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educação escolar, estaremos perante o que podemos designar por educação extra-escolar ou educação não escolar.3

É certo que em relação aos jovens a frequentar a escola se fazem sentir simultaneamente os efeitos destes dois tipos de educação. Estes interagem entre si e complementam-se, mesmo se por vezes originam situações conflituais entre os jovens e a escola, ou entre a escola e grupos da comunidade, devido à diferença de padrões culturais de uns e outros. Porém, também é certo poderem identificar-se características específicas dos processos escolares, ou actos educativos, que os diferenciam da acção educativa resultante do processo de influência exterior à escola que resulta na educação extra-escolar.

Sobre as diferenças entre estes processos Marcel Postic entende:

"0 acto educativo distingue-se do processo de influência - que se exerce em diversos lugares sociais pelo jogo de acções, concertadas ou não, com o fim de fazer penetrar uma ideia, uma opinião, um sentimento ou o desencadear de uma acção - pelo facto de anunciar a sua intenção formadora em relação a um dos parceiros da interacção. É atribuída, e mesmo prescrita, uma influência a uma pessoa que se supõe agir sobre a outra.,,4

Conjuntamente com esta preclsao sobre o conceito de acto educativo escolar, não será de esquecer o facto de alguns autores considerarem, historicamente, o acto educativo anterior ao uso da linguagem escrita, situação a que habitualmente, de forma intuitiva, se associa a ideia de escola. Os autores que defendem a existência de acto educativo antes da existência da linguagem escrita, fazem-no por considerarem característico da educação de tipo escolar a intencionalidade de interacção caracterizada por grande unilateralidade na relação mais velhos-jovens. Aceitar esta concepção, evidentemente situando-a no seu contexto histórico-social, pressupõe aceitar a existência de um aparelho de educação oral, de que James Cook fez relatos escritos quando, em 1769, descobriu, no Taiti, uma

3 AFONSO, Almerindo Janela - "A sociologia da educação não escolar: reactualizar um objecto ou construir uma nova problemática"- ln Sociologia na escola. Porto, Edições Afrontamento, 1992.

4pOSTIC, Marcel - A relação pedagógica, 2° ed.,Coimbra, Coimbra Editora, 1990.

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sociedade primitiva ainda sem qualquer contacto com documentos escritos.5

Com a crescente complexidade das sociedades, acompanhada de um aumento exponencial do volume da informação e conhecimento das correspondentes mutações culturais, foi aumentando a especialização das instituições sociais e o nível de formação necessária aos indivíduos para desempenharem determinadas tarefas ou, simplesmente, para poderem participar na vida das suas comunidades. Ao mesmo tempo, a introdução da universalidade e da obrigatoriedade da escola até níveis etários cada vez mais elevados e o aumento do pluralismo dos agentes influenciadores dos jovens e adultos tornaram as categorizações educação escolar e educação extra-escolar insuficientes para descrever a realidades das acções educativas.

Por isso, muitos autores consideram hoje três tipos de educação correspondentes às categorizações a seguir descritas.

O primeiro tipo será a educação formal, da responsabilidade da escola e apresentando aspectos específicos em função das características da instituição escola, a abordar mais à frente;

Como segundo tipo teremos a educação informal, segundo Gonzalez Garcia, caracterizada por:

• ter lugar espontaneamente a partir das interacções do indivíduo com o seu meio ambiente físico e sócio-cultural; • não estar formalizada e institucionalizada segundo um sistema de normas definidas pela administração educativa e não ter um papel educativo específico; • não ter objectivos explícitos, nem ter uma mediação pedagógica expressa e especializada; • não ser sistemática, intencional, consciente ou estruturada; • se produzir indiferenciadamente de outros processos sociais, pelo que os seus resultados derivam de processos indiferenciados e inespecíficos;

Este tipo de educação, por Durkeim designada «educação difusa», poderá ser, de alguma forma, considerado como um processo de socialização geral, indutor de fenómenos de aculturação dos elementos que ingressam numa dada sociedade, sejam eles jovens ou adultos. As atitudes da generalidade dos nossos emigrantes, quando

5yIAL, Jean; MIALARET, Gaston -op. cito

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regressados dos países de acolhimento, poderão ser tomadas como evidência desse processo de socialização referido por Durkeim.6

O terceiro tipo de educação será a educação não formal. Trata-se de um tipo de educação típico das sociedades modernas e desenvolvidas, que vem ganhando progressivamente importância e reconhecimento como instrumento de progresso social. Podem ser-lhe reconhecidas as características seguintes:

• ser intencional, metódico, embora sem objectivos que constituam um todo integrado e sistematizado, ainda que as instituições que o ministram, as actividades desenvolvidas e os meios que utiliza prossigam finalidades educativas; • tendo como agentes elementos muito qualificados ou só pontualmente preparados para a sua função, mas socialmente reconhecidos como agentes educativos, não visa a obtenção de títulos ou diplomas académicos; • dada a variedade de objectivos prosseguidos, que pode ir da simples alfabetização de adultos à formação na utilização de tecnologias de ponta, utiliza meios e metodologias muito variadas baseadas na presençafisica dos agentes ou na utilização de tecnologias e técnicas sofisticada6, como por

exemplo a vídeo-conferência ou os bancos de dados internacionais.7

A caracterização apontada para a educação não formal deixa evidente a sua importância e a sua especificidade. Porém, não é difícil constatar que, de forma geral, ela só indirectamente influencia a educação formal que nela vai beber, sobretudo, as metodologias e tecnologias educativas. Já a educação informal é considerada como tendo uma relação estreita com o processo educativo formal e fortemente condicionante dos resultados deste mesmo processo.

Hoje, nenhum estudioso da educação, mesmo se pertencente às correntes de investigação pedagógica mais recentes que atribuem fundamental importância à escola como meso-sistema, «unidade crítica» para a correcção das desigualdades resultantes da educação informal como evidenciam os estudos sobre as «escolas eficazes» e os «efeitos de escola»8, ignora a importância da educação informal, nomeadamente pela via do «currículo doméstico». Também para as correntes sociológicas marxistas, neomarxistas, autogestionárias, ou

6GARClA, Julio António Gonzalez - "Escuela y sociedade. Sociologia dei sistema escolar" ln Sociologia e psicologia social. Madrid, Ediciones Anaya, 1986.

7 idem, ibidem.

8CLÍMACO, Maria do Carmo - Monitorização das escolas. Indicadores de desempenho. Lisboa, GEP-Ministério da Educação, 1991.

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adeptas da «desescolarização», a influência da educação informal é determinante.

Como exemplo da importância concedida à educação informal, Michel Lobrot, um dos expoentes da corrente da Pedagogia Institucional, referia, em 1966:

"De um modo geral, na civilização moderna, além de um sistema de trabalho existe também um sistema paralelo que é o do lazer. É este que constitui o verdadeiro meio de cultura, a única via que permite satisfazer as aspirações dum indivíduo à ciência, ao conhecimento, à inteligência das realidades. Não é possível medir toda a informação fornecida - no plano cultural - pela televisão, pelos jornais, pelos livros, etc. É a eles, se lhes juntarmos os contactos sociais, que é devido o mérito da aculturação. Naturalmente que um indivíduo que adquiriu aspirações culturais, tira também proveito da escola. Mas esse proveito não é devido à escola; é acidental e pelo contrário, a escola tem sobretudo tendência para diminuir essas

aspiraçõe;"?

Apesar desta poslçao, mesmo os adeptos da pedagogia institucional nunca recusaram o importante papel da escola na formação dos jovens. Propuseram, sim, que ela modificasse os seus processos internos de funcionamento, nomeadamente ao nível da relação pedagógica no espaço turma, pelo recurso à utilização de metodologias activas e cooperativas de aprendizagem, tendentes a tomar os alunos agentes das suas aprendizagens científicas e sociais. Posição que reafirma o cada vez mais importante papel da educação formal nas sociedades em rápida mutação e desenvolvimento.

2- A ESPECIFICIDADE DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR

Tudo leva a crer que a escola como instituição social baseada na utilização de uma linguagem oral e escrita, em que a aprendizagem desta última seria uma das vertentes do hoje chamado currículo formal, terá como origem a sociedade suméria, florescente na Mesopotâmia, a partir de 3000 a.c. Esta sociedade complexa estava muito bem organizada e dispunha de elementos especializados em vários campos, da agricultura à arquitectura, passando pelo comércio

9LOBROT, Michel - A pedagogia institucional. Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1973.

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e serviços públicos. Esses elementos constituíam uma elite instruída que ia transmitindo o seus conhecimentos e cultura, de forma intencional e organizada, aos mais jovens que para isso eram seleccionados, normalmente de entre a alta sociedade. Conjugando este facto com uma clara ligação à religião e ao poder real, indistintos dadas as características teocráticas do regime, essa escola suméria assumia já um claro papel de instrumento de controlo social. Mesmo que, como referem Vial e Mialaret:

"A escola suméria. ou «casa das placas de argila». foi muito provavelmente. de início. um simples anexo do templo. Só muito mais tarde ela se transformou numa instituição independente do palácio. Na época do Alto· Império babilónico. parece ter havido igualmente escolas independentes em que os docentes eram remunerados em função das despesas com o ensino dos

alunos". 10

Esta situação ilustra, do nosso ponto de vista, a existência de uma instituição escolar com claras semelhanças à actual, em que nem o ensino particular faltava, embora utilizando tecnologias educativas características da época.

De igual modo, cerca de 2500 a.c., os antigos egípcios utilizavam também a escola como instrumento de controlo social. Sendo considerados os pais da pedagogia e reconhecendo a necessidade de o homem ser educado, distinguiam dois níveis de educação. O primeiro nível correspondia à aprendizagem de uma profissão e o segundo correspondia à formação do carácter.

Na sociedade egípcia, a aprendizagem da importante profissão de escriba era assegurada, na corte, pelos funcionários que sentiam aproximar-se a velhice, na sua Escola Real. A essa escola só tinham acesso os filhos dos faraós, dignitários e filhos de famílias abastadas não integradas na corte. Para estes últimos o acesso à Escola Real servia para os fazer amigos dos futuros faraós, assegurando desse modo a manutenção de privilégios. Mas servia também os interesses dos herdeiros reais pela criação, para com eles, de laços de amizade e lealdade nos outros alunos dessa escola. i i Esta situação configurava já uma primeira demonstração da consciência da importância da educação como instrumento de reprodução social e de, a partir dessa

iO_ VIAL, Jean, MIALARET, Gaston - op. cito

ii idem, ibidem.

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reprodução social, servir de instrumento de manutenção do poder político nas dinastias faraónicas.

Estava-se, então, muito longe da actual situação da escola básica, universal, gratuita e obrigatória, até idades relativamente avançadas, das sociedades actuais.

Estas longínquas origens, a sua perenidade e relativa constância de objectivos e processos de organização e funcionamento, permitem considerar a escola como uma instituição, entendida aqui como "un conjunto de actos o de ideas ya instituidos que los individuos encuentram ante sí y que se les imponem con menor o mayur rigor,,12.

A escola é uma instituição social básica, na medida em que é uma estrutura que o corpo social utiliza para organizar e realizar actividades destinadas a satisfazer necessidades básicas humanas. Caracteriza-se por um conjunto de regras de comportamento permanentes compartilhadas pelos seus membros e, como acima se referiu, responde a critérios de universalidade, necessidade e importância. 13

Numa perspectiva actual, a escola procura responder às necessidades sociais de transmitir cultura, de socializar o indivíduo para, como elemento de parte inteira, ser capaz de desempenhar um papel socialmente útil. Nesta perspectiva, a escola e a educação escolar têm semelhanças com outras instituições e processos de educação informal e não formal. Restará saber, então, quais as características que distinguem a escola e, em consequência, a educação escolar, das restantes instâncias educativas.

Como características específicas essenciais da escola podem ser apontadas as seguintes:

• - A educação e instrução constituem, em princípio, a actividade essencial da escola, pelo menos no plano formal e oficial, ainda que ela possa desenvolver outras actividades actualmente consideradas como actividades educativas e que, tradicionalmente, assim não eram entendidas. Pode, também, dar-se relevo ao desempenho da função de guarda ou custódia, que não correspondia, de início, a uma actividade essencial da escola, mas hoje a ganhar cada vez mais relevo em resultado das mudanças na composição e actividade dos elementos dos agregados familiares;

12SERRANO, Gloria Pérez - "La escuela como organización y como sistema social" ln Sociologia e psicologia social. Madrid, Ediciones Anaya, 1986.

13idem, ibidem

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• -A escola realiza as actividades educativas especificamente formalizadas, em locais próprios, máis ou menos adequados a cada tipo de actividade, com horários bem definidos, de acordo com programas e documentos pré­estabelecidos. Utiliza métodos apropriados que são sujeitos a avaliação de tipo periódico ou contínuo; • -A escola utiliza agentes educativos profissionais e especializados -professores e outros técnicos e auxiliares de educação. Professores que ocupam uma posição bastante central e claramente dominante na relação educativa, quer em relação aos alunos, quer relativamente aos pais; • - A educação escolar caracteriza-se por ser exercida durante períodos etários bem definidos, normalmente, a infância e a juventude. Pode também exercer­se em períodos bem definidos da vida dos adultos, no caso da educação recorrente ou em alternância. Neste aspecto distingue-se da educação informal, que se exerce durante toda a vida, e aproxima-se de algumas acções de educação não formal (as acções de formação contínua são um exemplo) também elas com características de formalização, objectivos bem definidos e responsáveis especializados; • - Finalmente a escola, local específico da realização da educação escolar, apresenta, como edifício, características próprias que o permitem distinguir de edifícios construídos com outras finalidades; a sua arquitectura poder servir mesmo para evidenciar elementos relativos ao tipo de concepções pedagógicas

que lhe estão subjacentes. 14

3- A ESCOLA CONSIDERADA COMO ORGANIZAÇÃO

Considerar a escola como organização e não como instituição é uma posição relativamente recente. Esta posição ganhou sentido, sobretudo, com a especialização da escola, com o seu crescimento em número de unidades, em indivíduos abrangidos e em volume de recursos que passou a mobilizar.

A percepção e entendimento da escola na sua dimensão organizacional, e dos efeitos por ela provocados nos processos de socialização dos alunos e funcionários, não tem sido fácil face ao peso da dimensão institucional da escola, que ao longo dos tempos se foi evidenciando.

cito

Constatando essa dificuldade, Licínio Lima refere:

"0 desenvolvimento da escola como organização especializada, separada da Igreja e controlada pelo Estado, carrega uma longa história, rica de

14pIRES, Eurico Lemos, FERNANDES, António Sousa, LIMA, Licínio Viana- Op.

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significados.{. . .}Mas a longa vigência de um determinado modelo escolar dominante, e a socialização que opera através dos variados processos que actualiza, tendem a esbater os traços da construção organizacional e a realçar os contornos institucionais, normativos, que em breve se transformam

em traços aparentemente definitivos e imutáveis". 15

A concepção de escola como "Estabelecimento, lugar público ou particular onde se ensinam ciências, literaturas, artes, ofícios" ou "Conjunto dos alunos, ou dos alunos e professores", 16 que José Pedro Machado apresenta no Grande Dicionário da Língua Portuguesa enfatiza a faceta institucional de escola referida por Licínio Lima. Numa perspectiva valorizadora da dimensão de organizacional, Ciscar y Vria conceptualizam a escola como:

" Comunidad educativa por excelencia, centro de formación sistemática, cultural y de preparación para la convivencia democrática en la sociedad de adultos, contando para su trabajo con la colaboración de otros grupos e instituiciones. Reglamentada juridicamente por el Estado." 17

Assinale-se que aqui comunidade educativa é entendida como

"grupo constituído por alunos, professores, pais/encarregados de educação, representantes do poder autárquico, económico e social que, compartilhando um mesmo território e participando de uma herança cultural comum, constituem um todo com características específicas, com uma dinámica

própria". 18

Entre estas duas concepções, existe uma grande diferença, que tem, precisamente, como base a consideração da dimensão da escola como organização socialmente construída. Por isso, o considerar a escola como organização, o assumir e concretizar a mudança das concepções organizacionais com base nas investigações da Sociologia das Organizações Escolares, poderá ser a estratégia mais eficaz para romper com o <<fatalismo» da reprodução social que as correntes de

15idem, ibidem

16MACHAOO, José Pedro - Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Vol I. . Lisboa, Publicações Alfa, 1991

17 OSCAR, C., URIA, M.E. - Organización escolar e acción directiva. Madrid: Ediciones Narcia, 1988.

18CLÍMACO, Maria do Carmo - "Os indicadores de desempenho de escola na gestão e avaliação da qualidade educativa" ln Revista Inovação, n° 2-3, 1991, pp. 87-125.

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análise social da educação de inspiração marxista, em certos aspectos com alguma razão, consideram ser apanágio da escola.

Assumindo-se como organização social, a escola pública poderá e deverá desenvolver práticas que limitem o seu carácter selectivo em função das desigualdades sociais e promover novas formas de socialização, dando um importantíssimo contributo para a formação social e cívica dos alunos e para o combate às novas formas de exclusão características das sociedades desenvolvidas.

Com base neste enquadramento teórico-conceptual, podem identificar-se como componentes da função geral de controlo social da escola, as finalidades, ou funções segundo alguns autores, selectiva, igualizadora, personalizadora, produtiva, cultural e socializadora. Para conseguir os efeitos desejados dessas funções, a escola começa a ser estudada como uma organização em que, para além da dimensão de «unidade estatística» ligada, sobretudo, à determinação da «configuração» do sistema educativo de um país, importa considerar as suas dimensões de «meso-sistema » e «sistema em si mesmo».

Mesosistema na medida em que detém:

"{. .. } a função mediática ou «simbólica» da escola. enquanto elemento de ligação entre o macro-sistema e os diferentes micro-sistemas. representados pelos vários grupos organizacionais da escola. e a «função generativa» que decorre das suas características de sistema aberto. sujeito a diferentes correntes de influências ou poderes. e que implicam a capacidade de reelaboração e tradução local daquilo que representa o conjunto de influências sobre a escola - os normativos. as culturas e a história de cada lugar. Esta capacidade - que Leitwood e Jantzj associam à capacidade transformacional dos líderes de escola - refere-se à competência necessária para saber fazer essa tradução e à autonomia ou poder suficientes para poder decidir em função das necessidades locais. enquanto que a primeira função se refere à clara necessidade negociadora. quer numa perspectiva horizontal. com os diferentes poderes dentro e fora da escola. quer numa perspectiva vertical. dentro das margens de autonomia de que dispõe. com o Sistema de que depende

hierárquica e funcionalmente." 19

Dimensão de «sistema em si mesmo», sistema social aberto e contingente, por isso mesmo em interacção com outros sub-sistemas sociais, uma vez que vários investigadores dos «efeitos de escola» mostraram:

19idem, ibidem.

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" que cada estabelecimento tem característica gerais de estrutura e de funcionamento comuns, mas que estas se associam diferentemente, originando modalidades de funcionamento e características próprias de cada escola. Estas relacionam-se com o conjunto de valores e de interacções constituintes de contextos geradores de experiências de vida, não necessariamente reprodutoras de estratégias individuais e sociais de adaptação e rejeição. Estes contextos não dependem só das estruturas or.ganizat1vas - que são muito iguais em todas as escolas - mas dos factores Oe contingência local, nomeadamente dos princípios e objectivos assumidos por cada comunidade educativa, do conceito de escola subjacente à sua

prática pedagógica, da cultura que cada comunidade educativa constrói. ,,20.

4-0 NOVO ORDENAMENTO JURÍDICO DAS ESCOLAS DO ENSINO NÃO SUPERIOR E A MUDANCA DE PARADIGMA NA CONCEPCÃO DE ESCOLA

Há hoje urna longa teorização sobre modelos conceptuais e explicativos do funcionamento da escola, cada um deles parecendo adequar-se melhor que os outros à interpretação de determinados aspectos específicos do funcionamento das organizações escolares.

Escola corno "anarquia organizada", funcionamento da escola corno "garbage can" I "caixote do lixo" ou corno "sistema debilmente acoplado", "modelo político de organização escolar", "modelos institucionais", etc., são aprofundamentos teóricos do estudo da escola corno organização e expressões já familiares de um grande número de agentes educativos.

O Ministério. da Educação apresentou em Janeiro de 1998, para discussão pública, urna proposta de novo Ordenamento Jurídico da Autonomia e Administração das Escolas do Ensino não Superior do Estado, que visa substituir os Decreto-leis n~ 769-N76, n~ 172/91 e Despacho n~ 40/75, este apenas aplicável ao 10 Ciclo do Ensino Básico.

Porém, não foi a análise comparativa com os modelos conceptuais e explicativos acima referidos, ou a realização do balanço das vantagens ou desvantagens de ter mais ou menos vincadas as

20BARROSO, João - "Modos de organização pedagógica e processos de gestão da escola: sentido de uma evolução" ln Revista Inovação, n"2-3, 1991, pp. 55-86.

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características ligadas a cada um deles, que marcaram o debate da proposta governamental.

O novo regime vem consagrar, em termos de política educativa, uma fundamental e necessária mudança de paradigma de concepção de escola. Nele, finalmente, a escola pública deixa de ser encarada como "serviço local do estado" para passar a ser concebida como "serviço público local da comunidade" 21 , na linha da concepção de democracia representativa partiCIpativa, configurada para a Administração Pública na Constituição da República Portuguesa. Avança-se, assim, no novo ordenamento jurídico regulador da administração escolar para a concretização dos princípios gerais, consagrados na Constituição, na Lei de Bases do Sistema Educativo e no Pacto Educativo22, que apontam para o reforço da integração das escolas nas comunidades por elas servidas e para o alargamento da participação dos diferentes actores locais na vida das mesmas.

Professores, funcionários, alunos, pais, autarcas, agentes económicos e culturais, quer individualmente, quer através das suas organizações representativas, participaram, de forma empenhada neste debate. Abriram, com essa participação, largas perspectivas de sucesso à intervenção futura dos vários actores sociais interessados na Educação na definição das chamadas "políticas de escola" 23, base

21_Como contributo teórico para a definição destes conceitos, importante também do ponto de vista da história da Reforma desencadeada pela Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei 46/86 de 14 de Outubro, veja-se FORMOSINHO, João - "De Serviço do Estado a Comunidade Educativa-Uma Nova Concepção para a Escola Portuguesa" Texto policopiado para publicação na Revista Portuguesa de Educação. Junho de 1989.

22-Constituição da República, Art!!... 9° alínea a) e Art° 74°, n° 2 alínea f); Lei 46/86, ~ 43° n~ e Art° 45° n~ e Pacto Educativo Para o Futuro, ponto 4.2, pago 16.

23 _ "Políticas de escola" entendidas como a aprovação de um projecto educativo/ plano de desenvolvimento de escola, concebido como instrumento de mudança e de avaliação para a auto-regulação da escola, que dê respostas a questões como:

• Que objectivos/resultados deve a escola obter? • que é a escola neste momento? • Que mudanças é necessário fazer? • Como deveremos gerir essas mudanças? • Como podemos saber que a nossa gestão da mudança foi bem sucedida? Uma interessante leitura sobre este tema pode ser feita em H. Hargreaves, David,

Hopkins,David - The Empowered School:The Management and Pratice Df Development Planing, Londres, CasseI Educational Limited, 1991.

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indispensável do sucesso de implementação do novo modelo de administração educativa em que o projecto se inspira.

Importará referir alguns princípios consagrados no novo regime jurídico, derivados da concepção de escola a ele subjacente, para se constatar que alguns deles marcam uma clara diferença para os actuais regimes de gestão. Sem pretendermos ser exaustivos, enumeram-se seguidamente alguns desses princípios.

l-Democraticidade e participação:

A democraticidade e a participação traduz-se, no regime jurídico, pela capacidade de os diferentes actores educativos da comunidade participarem, com o mesmo estatuto, na eleição dos responsáveis pelos órgãos de definição da orientação geral e de gestão da escola. Da possibilidade de a comunidade escolar/educativa eleger os seus órgãos de direcção e gestão resulta também um reforço da autonomia jurídico-administrativa e pedagógica de cada organização escolar.

2-Universalidade de aplicação em todos os níveis de Ensino não Superior do Estado:

Consagra-se a adopção de figurinos idênticos na organização do ]O

CEB e Jardins de Infância e das escolas dos 2°, 3° ciclos e do Ensino Secundário. Valoriza-se, também, por essa via, como nunca tinha sido feito, o ]O CEB e a Educação Pré-Escolar, permitindo o agrupamento de estabelecimentos de ensino destes níveis entre si ou com escolas dos 2° e 3° Ciclos do Ensino Básico, visando: ~ superar situações de isolamento de estabelecimentos e prevenir a exclusão social; ~ reforçar a capacidade pedagógica dos estabelecimentos que integram os agrupamentos e o aproveitamento racional dos recursos; ~ valorizar e enquadrar experiências de agrupamento ou associação de escolas em torno de projectos de desenvovolvimento/projectos educativos comuns; ~ favorecer um percurso sequencial e articulado dos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória.

3 -Flexibilidade:

Permite-se às escolas/agrupamentos de escolas definir, no seu regulamento interno, a constituição e funcionamento do órgão de gestão geral e das estruturas de gestão pedagógica intermédia,

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ajustando-as à suas dimensões e características dos níveis de ensino e dos seus contextos educativos. Visa-se, assim, assegurar possibilidades de reforçar o primado dos critérios pedagógicos sobre os critérios de natureza administrativa, deixando às escolas a capacidade de expressão das suas margens de autonomia organizacional através da aprovação, pelo seu órgão de direcção, do seu projecto de desenvolvimento de escola - projecto educativo e do seu regulamento interno;

4-0 faseamento, pré-definido, da sua aplicação:

Este faseamento permite: • respeitar os mandatos dos órgãos eleitos nos termos dos normativos em vigor à data da aprovação do novo regime jurídico, como será normal num estado de direito; • evitar perturbações ao funcionamento das escolas no final do ano lectivo e no lançamento da preparação do arranque do ano lectivo seguinte; • criar as condições logísticas, em termos de recursos humanos, financeiros e materiais capazes de assegurar o apoio às novas organizações escolares-escolas constituídas a partir de agrupamento de estabelecimentos de ensino do ]O CEB e Jardins Escola; • na perspectiva de uma reorganização da rede escolar, negociar com as autarquias e comunidades a instalação das novas organizações escolares, que permitam assegurar o combate ao isolamento das escolas do ]O CEB e dos Jardins de Infância. Favorece-se, também, a racionalização da gestão de recursos educativos, bem como a disponibilização de recursos pedagógicos e materiais necessários ao aumento da qualidade do serviço educativo e ao combate às desigualdades de condições de sucesso escolar; • evitar que a mudança de modelo e regime jurídico se torne um fim em si mesmo, para, através do faseamento e tempo dado para a mudança, ser assumida como um instrumento promotor da qualidade do serviço educativo prestado pelas organizações escolares.

5-Contratualização:

A autonomia será contratualizada, regulando-se pela via dessa contratualização o nível de autonomia pretendida por cada escola, o ritmo de avanço para níveis mais avançados de autonomia e os meios que lhe serão facultados pela administração educativa e pelas autarquias locais para permitir o exercício da autonomia negociada. A contratualização negociada da autonomia pressupõe uma mudança

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quase radical da postura da administração educativa a todos os níveis, pois esta deixará de "gerir à distância" cada escola para passar a intervir apenas para regular e criar, localmente, as condições de funcionamento que evidenciem serem postos em causa os direitos de todos ao acesso à educação e às condições de igualdade de sucesso educativo.

6-Responsabilização e prestação de contas:

o regime consagra existência da autonomia da escola/agrupamento de escolas ligada à responsabilidade pelo exercício da mesma autonomia. A responsabilidade da escola no exercício da autonomia perante a comunidade e a administração educativa operacionaliza-se através da prestação de contas, em relatórios periódicos e anuais, ao órgão representativo da comunidade educativa, a assembleia de escola, e à administração educativa. Fora do quadro experimental do Decreto-lei 172/91, é a primeira vez que se introduz a obrigação de as organizações escolares elaborarem relatórios demonstrativos da sua actividade, que evidenciem, de forma contextualizada, os resultados obtidos e a adminitração dos meios materiais e humanos colocados à sua disposição para os obter. Esta obrigação contribuirá para a responsabilização da escola e da comunidade pelas funções complementares que lhes cabem em matéria de educação, permitindo também potenciar o desenvolvimento de práticas de auto-análise organizacional, objectivamente sustendadas, indispensáveis à melhoria da qualidade do serviço educativo prestado.

o debate público abriu claras perspectivas de sucesso à implementação do modelo, uma vez que se pôde constatar um largo consenso em relação aos princípios acima referidos. Porém, por vezes, das posições expressas por alguns representantes de organizações participantes nos debates, pareceu ressaltar a ideia de que a mudança de ordenamento jurídico da autonomia e administração das escolas seria um fim em si mesmo.

Será importante não deixar instalar essa ideia, procurando ter sempre presente que a autonomia e a acção da administração das organizações escolares são apenas instrumentos para conseguir a melhoria da qualidade do serviço educativo e para se atingirem as finalidades do Sistema Educativo. A advertência de Walo Hutmacher a esse respeito é clara:

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"Reconheça-se, no entanto, que a autonomia não significa inevitavelmente uma melhoria da qualidade; em última análise é o uso da autonomia que é determinante. E este uso, depende, nomeadamente, da maneira como se pensa o estabelecimento de ensino, o seu lugar no sistema educativo, o seu modo de organização interna, a organização do trabalho, a partilha das tarefas e das responsabilidades, a atribuição dos recursos humanos e materiais, as estratégias

de avaliação e a formas de regulação das relações de trabalho.,,24

A proposta de ordenamento jurídico tem por base a opção por um modelo de "controlo social" 25, ou "modelo emergente,,26 do funcionamento da escola27 que, ao contrário de algumas vozes pouco informadas ou interessadas na desinformação da opinião pública quiseram fazer crer, é perfeitamente antagónico das perspectivas liberais ou neoliberais do Estado perante a Educação_ De facto, a autonomia e a participação da comunidade na vida da escola só reforça a posição e capacidade reivindicativa desta perante a administração educativa e a administração locaL

Com a publicação do novo Regime Jurídico da Administração das Escolas do Ensino não Superior, criam-se condições para uma melhoria significativa na ligação escola-comunidade e no ajustamento do funcionamento das escolas às necessidades das comunidades em que se inserem. Se nas escolas dos 2° e 3° ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário a importante mudança se fará sentir, sobretudo, através de uma diferente partilha do poder entre os diferentes parceiros educativos no exercício da autonomia que já hoje lhes é legalmente atribuída, para as escolas do P Ciclo e Jardins de Infância abre-se um verdadeiro mundo novo.

24_HUTMACHER, Walo- "A Escola em Todos os Seus Estados: Das políticas de Sistemas às Estratégias de Estabelecimento" in António Nóvoa et ai., As Organizações Escolares em Análise, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1992, pago 57.

25 -Para uma interessante leitura sobre "modelos de controlo" veja-se AFONSO,

Natércio-A Reforma da administração escolar. A abordagem política em análise organizacional. Lisboa. I.I.E.

26_ALVAREZ, Manuel- "Autonomia da escola e profissionalização da direcção escolar" in Revista Inovação, vol. 8, n° 1e 2. Lisboa, I.I.E.

27 -Para uma interessante síntese descritiva dos vários modelos explicativos do funcionamento das organizações escolares veja-se - SÁ, Virgínio- Racionalidades e práticas na gestão pedagógica. O caso do director de turma. Lisboa, I.E.E.,l 997.

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No caso do 10 Ciclo e Jardins de Infância trata-se de estas escolas virem a ter, em primeiro lugar, meios humanos, materiais e pedagógicos até agora só à disposição das escolas do outro nível. Mas trata-se, além disso, de conquistarem a possibilidade de escolher, por eleição, os seus órgãos de administração com poder e competências efectivas, nos planos administrativo e pedagógico, para além das de um mero director de escola, ou de optar por partilhar, como parceiro de parte inteira, as responsabilidades da acção educativa num território educativo com as escolas dos outros níveis de ensino. Democratiza-se, assim, finalmente, a administração das escolas do 10 CEB e Jardins de Infância, dando corpo ao que vinha a ser prometido desde o 25 de Abril.

As condições para uma escola melhor estão criadas. Cabe agora a cada comunidade de interesses educativos tomar nas suas mãos a tarefa de "construir organizacionalmente" a escola que todos desejamos.