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A linguagem silenciosa das mulheres na obra de Lúcio Cardoso

Autor(es): Cardoso, Elizabeth da Penha

Publicado por: Associação Internacional de Lusitanistas

URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/34523

Accessed : 4-Feb-2019 01:47:59

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VEREDAS 17 (Santiago de Compostela, 2012), pp. 83-108

A linguagem silenciosa das mulheres na obra de Lúcio Cardoso

ELIZABETH DA PENHA CARDOSO

USP/CNPq; Unicamp

RESUMO:O artigo relaciona a questão do foco narrativo e a personagem feminina na obra de Lú-cio Cardoso, pois nota-se que raramente as mulheres assumem a primeira pessoa. Nas confl uências entre literatura, história e psicanálise, nos deteremos nesse padrão e em seus desdobramentos para apontar o objetivo do romancista: destacar a importância e a complexidade do feminino; apresentar e denunciar a condição precária da mulher, na primeira metade do século XX, e registrar literariamente a sua força, mesmo sob o signo do silêncio.

Palavras-chave: Mulher e literatura, foco narrativo, personagem feminina, Lúcio Cardoso, Crônica da Casa Assassinada.

ABSTRACT:This article correlates the focus of narration and the female character in Lúcio Cardoso’s work, since it is noted that the fi rst-person is rarely a woman’s voice. In the confl uence of literature, history and psychoanalysis, we will concentrate on this pattern and on its developments in order to determine the novelist’s aim: to point out the importance and complexity of femininity; to display and denounce the precarious condition of women in the fi rst half of the 20th century, and take account of women’s strength in literature, albeit under the sign of silence.

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Keywords:Women and literature, focus of narration, female character, Lúcio Cardoso, Crônica da casa assassinada.

INTRODUÇÃO

Em 2012, comemora-se o centenário de Lúcio Cardoso (1912-1968). O romancista mineiro, que se tornou célebre por edifi car um uni-verso introspectivo e atravessado por aspectos dos sentimentos huma-nos mais obscuros ou inconfessáveis, deve grande parte do êxito de sua obra às personagens femininas. Nina, de Crônica da Casa Assassinada, 1959, (CCA), está tão associada a Lúcio que chega ser impossível pensar no autor, ou em sua obra, sem mencioná-la. Mas não apenas ela. Lúcio dedicou trabalho minucioso para confi gurar Madalena, A Luz no Subso-lo (1936), Ida, Mãos Vazias (1938), Clara, Dias Perdidos (1943), Stela, Inácio (1944), Ana, de CCA.

No entanto, raras vezes Lúcio Cardoso entregou a narrativa de seus livros a uma voz feminina em primeira pessoa. Nesse sentido há es-pecifi cidades em CCA, romance no qual vários narradores contam suas versões da história, entre eles três mulheres: Nina, Ana e Betty. Assim, a análise recairá com mais detalhes sobre esse livro, especialmente as estratégias de discurso de Nina e Ana, personagens de Lúcio que mais lograram inscrever-se.

1. OS DESAFIOS DE REPRESENTAR-SE

Encerradas em seus quartos escuros, delimitados por corredores vazios de velhas casas, e embaladas pelo silêncio da solidão, as mulhe-res de Lúcio Cardoso têm apenas um interlocutor: o narrador de suas histórias. Elas chegam até o leitor, na maior parte das vezes, mediadas por uma terceira pessoa, onisciente, que não participa dos enredos e assume o ponto de vista de diferentes personagens.1 E como há várias

1 Deve-se ressaltar que Lúcio Cardoso tem preferência por narrar em terceira pessoa. Suas escritas em primeira pessoa são o romance Maleita (1934) e as novelas Inácio (1944), O Anfi teatro (1946), O Enfeitiçado (1954) e Baltazar, sendo a última não fi nalizada pelo autor e narrada por uma mulher. A especifi cidade narrativa de CCA é tema do artigo.

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fi guras femininas nas obras do autor, e parte delas protagonistas, ou com importante papel, em inúmeros momentos essa onisciência seletiva múl-tipla é guiada pelo ponto de vista feminino. Lúcio cria um narrador que opta por dar visibilidade a um ator socialmente marginalizado e ainda com pouca presença protagonista na literatura brasileira.2

Motivados por questões ontológicas, que surgem dos aconteci-mentos prosaicos, narrador e personagem caminham unidos. O ponto de partida é o mais íntimo dessas fi guras, seus afetos e recordações. Essa perspectiva demanda alto nível de integração entre personagem e narrador, que, mesmo onisciente não adianta informações ao leitor, mantendo-se no mesmo nível de conhecimento de suas personagens, in-dicando cumplicidade. Graças a esse tipo de proximidade, as duas vozes se contaminam, porém continuam distintas. Como acentuado por Genet-te (1989), um narrador pode mudar de perspectiva e manter a voz. Na prosa de Lúcio Cardoso, apesar do retrato do feminino e da confi guração de um olhar por meio desse ponto de vista, o narrador mantém a posse da voz e, na maior parte dos livros está interessado nos elementos for-madores dos mistérios humanos, atuando como confi dente de segredos íntimos para expor as situações motivadoras das tragédias cotidianas. Ele fala em nome de criaturas raramente ouvidas e conta histórias que, de outra forma, não seriam conhecidas. São narrativas pessoais conta-das por um terceiro que cede sua escrita para quem não tem voz. E para marcar a incomunicabilidade, geradora das mais íntimas afl ições, esse narrador está presente, ressaltando o isolamento das personagens femi-ninas.

Dois efeitos principais derivam desses recursos. O primeiro é a linguagem do silêncio. Apesar da adjetivação carregada, das inúme-ras metáforas e outras fi guras empregadas pelo narrador, o silêncio é o elemento de comunicação mais presente. São raros os momentos de explosão feminina em debates ou discussões, como ocorre em Salgueiro (1935), com a poderosa Rosa. Na maioria das vezes, quando a persona-gem feminina fala, por meio de discurso indireto, solilóquios ou diálo-gos, está sussurrando, murmurando, pensando.

2 Para mais detalhes sobre as personagens femininas de Lúcio Cardoso, consultar Cardoso (2010).

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O segundo efeito deixa um rastro indelével no leitor dos livros de Lúcio Cardoso: a sensação de desespero, de ausência de esperança. A caracterização do feminino em busca de autonomia, liberdade e expres-são ganha ainda mais efi cácia com a mediação que tenta, constantemen-te, encontrar uma maneira de comunicar o não dito e, principalmente, o não ouvido. A busca de um caminho de expressão para mulheres sem escuta, e que raramente tiveram a oportunidade de tornar públicas suas opiniões, gera uma sensação de sufocamento, de humanidade estrangu-lada, que toma conta dos livros com seus fi nais trágicos, carregados de mutismo.

Na maioria das histórias, o narrador adota o discurso indireto e o discurso indireto livre. Poucas vezes, por meio dos diálogos, lemos o dito por elas. Na maior parte do tempo, sabemos o que pensam, ou melhor, o que o narrador nos conta sobre seus pensamentos. Mas ape-sar de ele estar sempre lá, inscrevendo-se no discurso indireto ou nas aspas, delimitadoras do que poderia ser um monólogo interior indireto, em alguns momentos a mulher assume a voz, transgredindo, burlando as regras para se constituir sujeito do próprio discurso.

Lúcio faz o uso literário desse expediente, desde seus primeiros livros. Em A Luz no Subsolo, os recursos de auto-inscrição do femi-nino acompanham o nível de autonomia da personagem: quanto mais Madalena se apodera de seu destino, reconhecendo as verdadeiras in-tenções do marido e assumindo o controle de sua vida, mais o narrador lhe concede o direito de expressão. A partir do fi nal da segunda parte do romance o narrador aumenta a presença da voz de Madalena, passando do discurso indireto para os solilóquios. Até o ponto em que ele lança mão de um recurso peculiar, a utilização simultânea do diálogo e da onisciência seletiva, criando uma dupla voz para Madalena, a da fala e a do pensamento. Mais uma tentativa de torná-la porta-voz de seu dis-curso. Trata-se da cena em que Pedro a interroga querendo saber se ela tinha fi cado com o resto do veneno utilizado por Adélia na tentativa de assassiná-la (Cardoso, 2003: 253-254, grifos meus):

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— «Ela» disse alguma coisa? —tornou a soprar Pedro.O vento do terror ganhava-a rapidamente.— Não. Mas eu sabia...O olhar continuava a devastá-la.— Talvez tenha levado consigo...Madalena fechou os olhos —o sangue latejava furiosamente nas suas têmporas.«Ele pensa que Adélia teve coragem para fazer a “confi ssão”» —murmurou consigo mesma.— Não sei, ela não me disse nada —tornou.Então Pedro golpeou a mesa de repente e gritou:— Mas que poderia ter dito ela? Quero saber se fi cou com o remédio, compreende?«Não sei por que vou mentir... mas é preciso que eu minta.»— Ouviu?— Ouvi. Mas eu não sei de nada.Abriu os olhos. O rosto de Pedro estava quase junto dela. Ofegava.— É impossível que você não saiba... Quem então?«É a minha defesa... é a minha defesa! Jamais ele saberá da verda-de inteira, ainda mesmo que isto me custe a morte.»— O vento... Acredita que o vento o tenha levado?«É a sua fraqueza...». — Madalena, está ouvindo?Ela apertou desesperadamente o envelope de encontro ao coração e, fi xando-o, articulou:— Vento? Naquela noite não ventava...— Tem certeza?Sorriu:— Tenho.

É utilizando esse duplo veneno, a apropriação da fala (percebe--se inclusive certa ironia de Madalena, indicando sua confi ança em ma-nipular as palavras, daí o sorriso) e a poção, que ela mata Pedro. Mas, depois desse ato, Madalena ainda murmura, novamente cercada pelas aspas, dúvidas sobre a sua atitude e vantagens da inevitável vida de si-lêncio e concordância. Ao fi nal, o narrador não a liberta, subordinando-a novamente, ressaltando ainda mais a condição submissa da mulher.

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Soma-se, que na obra de Lúcio, o eco de incomunicabilidade e incompreensão é ampliado com outra característica do narrador: seu es-forço em fazer desfi lar para o leitor uma série de personagens intrigadas com a incompreensão da mulher. São, na maioria, homens (mas também há mulheres) perplexos diante do feminino e suas múltiplas formas. O caso clássico é o de Nina, narrada em várias versões, mas antes dela Rosa, Ida e Stela também causaram perplexidade com suas múltiplas facetas. Felipe, marido de Ida, chega a sentenciar sua completa inabi-lidade em entendê-la: «Havia coisas em Ida que [ele] nunca chegaria a compreender» (Cardoso, 2000: 226). Quando fala sobre Stela, Inácio acentua seu caráter indefi nido, estendendo suas considerações para as mulheres em geral: «[...] nunca poderemos compreender inteiramente o que se passa na alma de uma mulher [...]» (Cardoso, 2002: 106-107). Valdo, marido de Nina, em carta enviada a Padre Justino, desabafa afl ito sobre o pavor da incerteza e relaciona o ambiente ambíguo com a pre-sença de Nina: «Meu tormento maior é precisamente esta incerteza, e um dos poderes desta mulher é fazer-nos duvidar de tudo, até mesmo da realidade» (Cardoso, 1996: 271).

A ideia do feminino portador de um mistério intraduzível está presente na cultura ocidental desde a tradição oral até a contemporanei-dade. No último século, com o feminino em evidência graças à revolu-ção sexual, o tema passou a integrar várias disciplinas, sendo a psica-nálise uma das pioneiras e ainda hoje interessada pelo feminino. Já se afi rmou que a mulher é indefi nível (Freud, 1931 e 1933/1996) e que A mulher não existe (Lacan, 1985). Tais teses começam a ser repensadas e refutadas com contra-argumentações relevantes, como a de que por trás da não compreensão do feminino está a denegação desse saber insufl ado pela visada androcêntrica dos estudos sobre o tema (Hamon, 1992).

No entanto, um dos momentos mais ricos dessas pesquisas é quando Lacan desloca a questão do biológico-anatômico para o nível simbólico, destacando a necessidade do sujeito (homens e mulheres) se inscrever no campo simbólico para existir como tal. É nesse terreno que aqui se lê a confi guração das mulheres em Lúcio Cardoso. Elas são de-lineadas na angústia da necessidade de existir pelas tentativas de cons-

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trução de um discurso como forma de tornar-se sujeito de seu próprio desejo e de seu destino.

Escrever a respeito da fi gura feminina e de suas histórias é a uma das metas do narrador de Lúcio Cardoso e, ao realizá-la, torna-se ouvin-te do feminino por excelência.

A ausência da fala direta dessas personagens está analogicamen-te vinculada à condição de submissão feminina prevalente durante as décadas de 1930, 1940 e 1950, tempo fi ccional das obras de Lúcio que ecoa as marcas históricas da situação da mulher. Perrot, em obra que registra e analisa o silêncio da mulher do século XIX até nossos dias, afi rma que para a convenção social o natural da mulher é consentir, ca-lar, silenciar (Perrot, 2005). Durante a primeira metade do século XX, salvo exceções, na vida privada, no lar, prevalecia a autoridade do pai e do marido que relegava a mulher à subserviência.3

Mas, se essas são preocupações sublineares da prosa de Lúcio Cardoso, por que negar voz direta ao feminino, optando pela escuta e mediação? Por que não permitir que assumam a primeira pessoa e se tornem narradoras de suas próprias histórias? Não seria esse o grande ato transgressor no âmbito de um livro? O silêncio da mulher indica, e reforça, a perpetuação da condição desfavorecida da mulher ou é um modo de denunciar o lugar miúdo relegado a ela na sociedade? Em ou-tras palavras, trata-se de uma mudez consensual ou de uma fala dissimu-lada e transgressora?

A mudez da mulher condensa o projeto do autor em relação à personagem feminina: representá-la em sua capacidade de revolta e po-der de transformação, mas, paradoxalmente, sem retirá-la de seu mundo sufocante e de sua condição subalterna, evidenciando o problema na construção da obra.

São dois argumentos de ordens diferentes, que se unem na com-provação da mesma tese: a subjugação feminina na primeira metade do século XX. O primeiro argumento se dá por meio da temática, apresen-3 A título de ilustração, ver o «Decálogo da esposa» publicado na Revista Feminina, periódico

de forte impacto junto ao público feminino durante as primeiras décadas do século XX. (Ma-luf e Mott, 2008: 394-396).

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tando os efeitos da perpetuação das regras minimizadoras das liberdades femininas, a insatisfação da mulher perante tal situação e sua busca por estratégias transgressoras que propiciem mudanças. O segundo realiza--se no modo como o tema é desenvolvido, ou seja, com a redução da voz feminina ao limite da mudez, subordinando-a completamente ao narrador ou aos narradores, caso de Stela, Inácio.

O curioso é que dessa orquestração surge um paradoxo enrique-cedor da literatura de Lúcio, pois na dupla denúncia da subjugação da mulher, por meio do silêncio, confi gura-se uma representação feminina de poder e revolta. A versão mais evidente dessa insurreição se dá no âmbito do foco narrativo, já que, como afi rmado, inúmeras vezes o nar-rador se coloca como mediador da voz feminina. Há momentos, porém, em que ele deixa entrever uma mulher transgressiva a ponto de colocar sua onisciência em xeque e, até mesmo, de ceder o foco narrativo.

Tal estrutura peculiar da relação entre foco narrativo e confi gura-ção do feminino ganha relevância em CCA, especialmente com Ana, por meio da escrita, e com Nina, que apesar de também escrever, dá a suas cartas mais a função de manipular os destinatários que a de traduzi-la intimamente. Sua estratégia de construção da fala sobre si é heterodoxa: por meio do deslocamento e da moda.

Mais à frente, passaremos a analisar essas ocorrências, além de comentar os «Diários de Betty», mas antes cabem algumas considera-ções sobre a centralidade do discurso sobre si na constituição do sujeito, especialmente, o sujeito feminino.

Anteriormente, foi mencionada a sustentação de Lacan sobre não existir A mulher, segundo o psicanalista isso se deve à ausência de uma imagem universal para representá-la, tornando possível conhecê-la, ape-nas, uma a uma. Infl uenciado por outras disciplinas, como a linguística e a antropologia, o psicanalista francês afi rma que as defi nições sobre ser um homem ou uma mulher estão associadas à construção de uma repre-sentação efi caz de cada uma dessas condições. E, mais, as indagações a respeito da mulher estão no fato de não haver um signifi cante capaz de signifi cá-las de maneira conjunta, mas apenas individualmente, daí a multiplicidade. Os homens, ao contrário, teriam essa situação resolvida

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pelo falo. Expondo com outras palavras, não há defi nição para a mulher enquanto grupo, pois, como não existe um signifi cante do feminino no inconsciente, ela só pode ser pensada uma a uma. Isso porque o sexo é designado pelo falo, que, pertencente à ordem do simbólico, pode ser re-presentado de várias maneiras, todas elas, contudo, associadas ao mas-culino (Lacan, 1985).

A tese lacaniana localiza a questão do ser homem ou ser mulher no âmbito do domínio e da manipulação das ferramentas de represen-tação, de discurso e da linguagem, pois, se o homem está efi cientemen-te representado, é porque o coletivo masculino construiu uma imagem, por meio da detenção milenar dos meios produtivos, legais e culturais. Dentro da estratégia patriarcal de conquistar e manter o poder sobre os bens culturais, cercear a liberdade, a educação e a profi ssionalização das mulheres foi crucial e efetivo. Em última análise, para que a mulher pudesse elaborar e divulgar uma autoimagem global não lhe poderia ter sido tirada a oportunidade de criar lastros simbólicos capazes de repre-sentar a existência.

O objetivo aqui não é politizar, mas sim ressaltar a sobrevivência do sujeito, vinculada à urgência de apropriação da linguagem, afi nal o sujeito é efeito de discurso, conforme propõe Lacan. É notável que, des-de Freud, em A Organização Genital Infantil (1923, ESB, Volume XIX), a psicanálise localize a identidade da mulher num complexo emaranha-do discursivo, para fi nalmente tornar-se devedora vitalícia da audácia da fala feminina —referência a Dora, que durante o tratamento sugeriu a Freud ser mais efi caz deixar o paciente falar livremente, ao invés de impor direcionamentos e considerações.

É nesse sentido que a importância da fala sobre si, e da conquis-ta de um discurso em primeira pessoa que represente a mulher, guia a leitura ora apresentada. Em CCA, tal abordagem ganha ainda mais rele-vância. É de supor que interpretar como Nina e Ana assumem a tarefa de representar-se seja vital para a leitura da obra de Lúcio, no entanto, mais urgente ainda é apontar o modo pelo qual a necessidade de se expressar constitui a única ferramenta acessível a elas para se tornarem sujeito de seus desejos.

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2. NINA, SENHORA DAS HORAS

Em latim ‘repetir’, repetere, remete a tornar a dizer ou escrever novamente. Tal noção também está presente na interpretação psicanalí-tica do termo, pois se trata de outra oportunidade do desejo inscrever-se, insistindo na urgência de sua realização e, ao reaparecer, revelar o sujei-to. É desse modo que a repetição mostra o sujeito até onde ele próprio está cego. Mesmo sem saber, repetindo-se o sujeito se faz presente, já que é no desejo que ele se mostra (Freud, 1914/1996; Lacan 1998 e 2008).4

Em termos literários, é na repetição que Nina alcança voz, pois, ao partir e retornar frequentemente, ela defende, até a morte, a urgência da mudança, comunicando e registrando sua história por intermédio do desejo. Em CCA, tal recurso vai mais além, e a movimentação de Nina assume o papel de marcar o tempo. A imbricação de seu deslocamento (aqui entendido como seu discurso) com o enredo do romance revela a importância dessa fala e indica o patamar de comunhão entre a persona-gem feminina e a prosa de Lúcio Cardoso. Sem controle sobre sua vida, Nina apossa-se da narrativa, ou melhor, esta é arquitetada de modo a fazer parecer que Nina comanda um dos elementos mais caros à prosa, o tempo. Vejamos como isso se efetua no romance.

Depois de travarem conhecimento, no Rio de Janeiro, Nina e Valdo Meneses casam-se e ela vai morar na chácara da, outrora, presti-giosa família, mas não conquista a simpatia dos novos parentes, os quais acabam desenvolvendo por ela uma estranha relação de atração e repul-sa. Ao envolver-se em situações de adultério, Nina decide deixar a casa do marido e, grávida, retorna ao Rio. Quando o menino nasce, é levado para viver com o pai e Nina segue sua vida de boêmia carioca, sustenta-da, tudo leva a crer, por amantes furtivos e o constante apoio do Coronel, um de seus eternos apaixonados. Ela vive assim durante quinze anos, até que, enferma e empobrecida, decide retornar ao lar ofi cial, envolvendo--se, dessa vez, em outra situação moral escandalosa: incesto com o fi lho adolescente. De novo sua presença tumultua e precipita fatos irreversí-4 Para Lacan, além de a repetição ser originária do sujeito, ela faz dele o que ele é: «Sendo essa

repetição uma repetição simbólica, averigua-se que a ordem do simbólico já não pode ser concebida como constituída pelo homem, mas constituindo-o» (Lacan, 1998: 50).

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veis na vida dos Meneses. Entretanto, com a doença agravada, retorna para o Rio, com o intuito de ver um médico. Como é dada a longas ausências, todos pensam que dessa vez ela partirá defi nitivamente, mas, quinze dias depois, Nina regressa à casa dos Meneses pela terceira vez, e nesse turno ela encontra a morte e os Meneses, o seu fi m.

Note-se que o roteiro da movimentação de Nina não apresenta variação, apesar de essa ser uma das possíveis versões da história, pois há infl exões dependendo do ponto de vista do narrador-personagem (o romance é formado por vários narradores, que contam a história a partir de sua perspectiva. Ana, por exemplo, assume a maternidade de André, abalando a tese do incesto —nunca a eliminando). Todos concordam que ela viveu durante três períodos na casa, logo após o casamento com Valdo (época do adultério), quinze anos depois (fase do incesto) e du-rante seus últimos dias de vida. Os ciclos de Vila Velha são intercalados por suas misteriosas permanências no Rio de Janeiro.

O motor das idas e vindas de Nina é sua insatisfação, deslocando--se ela comunica seu descontentamento. Assim como Ida, Stela, e outras mulheres da prosa de Lúcio, ela não está contente com a vida suposta-mente boêmia que leva no Rio de Janeiro, nem em ser esposa no interior de Minas Gerais, tão pouco com o papel de adúltera ou dama da socie-dade, pois nunca fi ca livre da tutela de alguém. Seus sonhos urbanos dependem dos favores do Coronel —não se diz claramente, mas pode imaginar-se o que um homem que ganha uma jovem em uma aposta é capaz de pedir em troca de sustentá-la por longos períodos. Por outro lado, a chácara dos Meneses, que deveria ser seu refúgio campestre, torna-se insuportável. Analogamente a maioria das mulheres de carne e osso da primeira década do século XX, Nina não tem alternativa, po-rém, diante da mediocridade gerada por padrões sociais que perpetuam a autoridade masculina no controle, ela não se conforma, tornando-se inquieta. A movimentação de Nina marca o enredo determinando o tem-po na narrativa. Nina é a senhora das horas.

A despeito de CCA ser um romance narrado fora da ordem cro-nológica dos fatos, é o deslocar de Nina que estabelece o tempo da nar-

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rativa. Esse tempo é cuidadosamente manipulado para enredar o leitor nos mistérios e poder de Nina.

Sabe-se que a sequência numérica dos capítulos é linear, do 1 ao 56, mas a ocorrência dos principais fatos narrados não está em ordem cronológica. No entanto, se seguirmos o ir e vir de Nina, teremos uma marcação temporal coerente. Sem Nina não há nem passado, nem pre-sente; com ela o tempo é instaurado.

O efeito gerado pelos dez primeiros capítulos é desnorteador. Apesar de prevalecer as recordações, impressões e narrativas sobre a primeira fase de Nina em Vila Velha, o que se anuncia é a sua segunda permanência na chácara, ocasião do incesto. Ou seja, ao tirar os fatos da ordem injeta-se uma série de dúvidas e questões envolvendo o período do reencontro de Nina e André, além de apresentar praticamente toda a trama do romance, o comportamento não convencional de Nina como elemento desestruturador da vida dos Meneses. Se o livro inteiro vai desenvolver em detalhes esse encontro destruidor, a tese crucial já está apresentada e representada no arranjo do enredo: Nina desnorteia a to-dos, inclusive o tempo do romance.

Do décimo primeiro capítulo em diante o tempo linear prevalece. Obviamente, as rememorações contidas nos diários, cartas, narrativas e confi ssões, especialmente em seus inícios, retornam ao passado, impri-mindo, na feição geral do livro, uma constante desordenação temporal apoiada em fl ashbacks. No entanto, essas lembranças do passado têm como principal objetivo preparar terreno para a narrativa de um fato ou colaborar com a ambientação do romance, caso do décimo segundo ca-pítulo, «Diário de Betty (III)», que, além de retomar a história pregressa da casa, registra a intensidade do tédio e da insatisfação de Nina com sua nova morada. Cabe notar que o capítulo 56 destoa do conjunto. Mesmo indicando que Ana tenha feito essa última confi ssão ao Padre depois da morte de Nina e que o religioso a reproduzira por escrito tempos depois, o texto abarca todos os tempos envolvidos na história, pois se trata de uma segunda versão dos principais acontecimentos.

O que se quer ressaltar é que uma organização cronológica dos capítulos tem de levar em conta a movimentação de Nina, pois ela é o

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elemento que norteia o tempo do romance. Os fatos acontecem antes, durante ou depois de suas estadas na casa dos Meneses. Nina guia a organização das narrativas, os narradores-personagens e os leitores de CCA. Seu deslocamento também inscreve sua insatisfação e seu desejo de mudança. É no ato de chegar e partir que Nina registra seu discurso, sua narrativa principal. A moda é seu outro recurso.

3. OS TRAJES FALAM

Todas as vezes que Nina parte, a renovação de seu guarda-roupa está envolvida, o que leva algumas personagens a sugerirem, maldosa-mente, certa futilidade de Nina, que viveria para despender o patrimônio da família em excursões frívolas pela busca de sedas e presilhas. Para além da caracterização do feminino no registro da banalidade consu-mista ou das intrigas de cunho econômico-social, nas quais a mulher assume o papel de alpinista social, a leitura orientada pelo saber psica-nalítico pode fomentar outras interpretações, indicando que CCA perfi la o feminino na construção de seu sujeito de desejo por meio da formação de um discurso autônomo.

Nesse sentido, apesar das limitações inerentes a toda classifi -cação, Roland Barthes (2005) sugere um caminho signifi cativo para pensar a roupa enquanto discurso, partindo da perspectiva de Saussure sobre a linguagem humana. Barthes, pensando a moda, propõe chamar de indumentária o sistema e as normas da moda, o equivalente à língua em Saussure; e de traje o que a pessoa veste, atuando autonomamen-te dentro das opções apresentadas pela indumentária, estando, assim, o traje em paralelo com a fala; dessa forma, «indumentária e traje cons-tituem um todo genérico, ao qual propomos reservar doravante o nome de vestuário (é a linguagem em Saussure)» (Barthes, 2005: 269). Como na linguagem, nada é fi xo no vestuário, por vezes o traje infl uencia a indumentária e vice-versa.

Nina constitui sua subjetividade por meio das peças de moda: na seleção e no uso que faz do traje, ela transgride a indumentária e, con-sequentemente, o sistema de regras de Vila Velha. Em contraposição, as

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personagens Ana e Betty limitam-se ao uso funcional das roupas. Não que as roupas usadas por elas careçam de sentidos, mas são informações sociais sobre o grupo ao qual o usuário pertence, não sobre o sujeito.

Periodicamente, ao partir e valorizar a moda, Nina repete seu desejo de transformação e mudança e com isso escreve seu discurso de insatisfação. O longo histórico de mulher-objeto —vendida pelo pai, exibida como prêmio pelo amante, confi nada como relíquia pelo ma-rido— impede Nina de se realizar com plenitude e, como repetir é a insistência do sujeito que deseja, ela passa a representar seus desejos na repetição de partir e comprar/usar roupas. E quais seriam esses desejos? Primeiro, a construção de um discurso sobre si; segundo, a transforma-ção, a mudança, algo que possa confi gurar sua vida em outro patamar.

Como visto, Lacan salienta que a repetição faz do sujeito o que ele é, ela o defi ne. Não sem razão os vestidos e acessórios de Nina con-fi guram sua marca registrada, capaz de fazê-la presente na ausência, de contar e manter viva sua história.

Tais são os meandros que sustentam as constantes descrições de Nina por meio de seus trajes. São vestidos, babados e acessórios que a representam. Um de seus míticos vestidos continua a perturbar André até mesmo depois de muito tempo, a ponto de merecer um comentário complementar em seu diário. No fi nal do trecho, ele comenta sobre o vestido de Nina defi ni-la: «uma obra-prima de futilidade, de graça, des-se nada íntimo e fascinante que estrutura a presença exterior da mulher», (Cardoso, 1996: 225-226).

O poder das roupas de Nina vence o tempo. Em outra passagem, muitos anos depois de sua primeira partida da chácara, André, menino, encontra as roupas da mãe escondidas num armário obscuro. Valdo, ao ver o fi lho com tais roupas, quase desmaia. A encenação da morte do pai alegra o garoto interessado na mãe (caminho livre para viver a re-lação proibida?). André percebe que tinha ultrapassado um limite e fi ca perversamente satisfeito com a descoberta da maneira pela qual pode causar dor ao pai: apossando-se das recordações de Nina, por todos es-condidas: «Ergui as mãos lentamente, mostrando minha presa [roupas]: se todos fugiam às recordações, ali estavam elas, bem patentes, e mais

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do que ressurreição do perfume de um morto, o que eu exibia eram os signos inelutáveis de uma vida» (Cardoso, 1996: 243-244). No trecho, há referência direta sobre as roupas representarem Nina e trazerem com elas toda a força de sua presença.

Mesmo sem saber do abalo que a visualização e o toque de suas roupas causaram em Valdo e André, anos depois de sua partida, Nina é consciente dos efeitos que sua vestimenta possui. Não sem razão, ela incendeia toda a coleção quando se confi rma a gravidade de seu câncer. Na ocasião, decide queimar as roupas para encenar o fi m de uma época, para representar o esgotamento de sua versão em vigência até aquele momento.

A cena é narrada por Betty. Quando a governanta percebe que a patroa vai se desfazer das peças, concorda que os vestidos não servem para quase nada na roça. Nina então dispara sua fi losofi a sobre a moda —os vestidos servem para afi rmá-la como sujeito: «No dia em que não usasse mais desses trapos, garanto que não me sentiria mais eu mesma». Mas então por que queimá-los? «[...] minha época de vestidos bonitos já passou» (Cardoso, 1996: 363). Perto da morte, a moda não é mais necessária: «Quem vestia esses trajes, Betty, já não existe» (Cardoso, 1996: 367).

A atitude de derrota de Nina não convence a empregada: para ela, Nina «[...] não era um simples ser humano, mas uma coisa construí-da, uma obra de arte» (Cardoso, 1996: 367), não podendo acabar assim. E, realmente, Nina adquire um novo ímpeto e declara: «Betty, não posso me resignar a ser outra criatura. Tenho de seguir o meu caminho até o fi m, tenho de ser eu mesma, contra tudo e contra todos. Foi Timóteo quem disse: “Nina, você é quem nos vingará”. Como posso traí-lo ago-ra, submetendo-me?» (Cardoso, 1996: 367).

O trecho é relevante em dois aspectos. Primeiro, Betty registra a impressão de que Nina, por meio de seus vestidos, é um discurso cons-truído, arquitetado e que por isso sobrevive, podendo alcançar patamar de uma obra de arte. Segundo, Nina faz o paralelo entre sua atitude de moda e a construção de sua subjetividade: em «não posso me resignar a ser outra criatura», entende-se sou o que sou e o que visto me traduz.

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Nina ainda reafi rma que seu modo de se vestir articula e expressa sua insatisfação e possibilita a transgressão, daí a sugestão de que mudar seu estilo de vestimenta para algo mais austero, na linha de Ana e Betty, sig-nifi caria submeter-se ao poderio dos Meneses e da sociedade decadente que eles representavam. Para continuar sendo ela mesma e resistir na transgressão, precisaria partir e comprar novas roupas.

Quem conhece bem esse roteiro é Valdo, que registra sua reação diante da notícia de que Nina partiria novamente, segundo ela, para ver um médico. O anúncio é feito dias depois da surpreendente queima das roupas: «Aí estava: havíamos chegado ao ponto decisivo. De novo se re-novava o clima antigo: partir, afrontar o mundo, esquecer —eu a admi-rava. Ah, com que persistência se é o mesmo indivíduo [...]» (Cardoso, 1996: 394). Valdo é certeiro ao pontuar a repetição de Nina, porém o que ela reencena, o que persiste, não é apenas a dor, mas também o desejo de partir, de mudar, de buscar vida nova.

Se a viagem promete novas oportunidades, as roupas dispen-sadas e substituídas guardam analogia com os casulos das mariposas--borboletas. Conhecendo a esposa, ele logo associa a viagem à compra de novas roupas; Nina nega, mas sabemos que, além de ir ao médico, também renova seu guarda-roupa, afi rmando, mais uma vez, seu cami-nho discursivo na moda e no deslocamento. Assim, a cadeia signifi cante move-se, mantendo sua produção de efeitos oriundos do estilo de Nina.

Com a aproximação da morte de Nina, os tecidos que a delineiam ganham aura mítica, acabando por mobilizar os afetos contraditórios de seus amantes e inimigos. Ana experimenta franco prazer ao dançar com as roupas e lençóis sujos da cunhada. Sua felicidade é, por um lado, mo-tivada pelo sofrimento da doente e, por outro, pela oportunidade de pro-ximidade com o corpo dela: «[...] Que me importava o seu mau cheiro, que me importava a umidade de suor, seu bafo de agonia: afogando-me neles, era como se eu estreitasse um ramalhete das mais frescas rosas» (Cardoso, 1996: 474-475).

Cercada de inimigos, conscientes da importância das roupas em sua vida, Nina é velada apenas envolta em um lençol branco. Apesar de

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ainda ter pulso, Nina agora está morta, pois está completamente destitu-ída da possibilidade de adornar-se para ser ela mesma, mulher.

Não satisfeito com a morte de Nina, Demétrio é impelido a des-truir seu discurso e partir para desfazer-se de suas roupas travando com os vestidos de Nina uma verdadeira luta corporal, narrada por Valdo: «[...] Não eram vestimentas comuns, restos de uma pessoa morta o que ele atirava fora: eram coisas vivas, que ainda valiam em toda a extensão de seu batalhador signifi cado. A visão paralisou-nos a todos: era como se a própria Nina ali estivesse» (Cardoso, 1996: 518-519).

Demétrio quer eliminar tudo que represente Nina com a justifi -cativa de que sua doença poderia ser contagiosa. Mas será que Demétrio temia o alastramento da enfermidade ou da ameaça de uma epidemia de transgressão feminina? Afi nal, a história contada por esses trajes poderia inspirar outras insurreições. Apesar da fúria de Demétrio, o legado de Nina não é dizimado e as roupas que sobram são doadas para Angélica, que promete encaminhá-las para meninas abandonadas. Ao fi nal Betty tinha razão, Nina «não era um simples ser humano, mas uma coisa cons-truída, uma obra de arte» (Cardoso, 1996: 367), uma personagem perene por meio de suas vestes: discurso de sua subjetividade.

4. UMA MULHER EM PRIMEIRA PESSOA

O silêncio da crítica literária em torno de Ana é indício do quanto a obra de Lúcio Cardoso ainda reserva desafi os para os estudiosos. Além de Ana literalmente dividir a cena com Nina, principalmente com o úl-timo capítulo do livro, ela é a personagem feminina com mais domínio sobre a primeira pessoa, na prosa do autor. Apesar de Adélia (Baltazar), Betty e Nina (CCA) também assumirem a narrativa, alguns aspectos tornam Ana a narradora-personagem mais profi ciente. Adélia poderia ser uma promessa frutífera para observar como seria a prosa de Lúcio Cardoso narrada por uma personagem feminina, mas a novela fi cou ina-cabada e mesmo a leitura dos manuscritos, publicados postumamente, não permite confi gurar essa personagem, devido ao estado fragmentário do texto. De fato, a novela só alcança sentido se vinculada a Inácio e a

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O Enfeitizado; fora da trilogia sua confi guração fi ca bastante compro-metida.

Ana não é a única personagem feminina de CCA a assumir a caneta —Betty e Nina também o fazem—, mas alguns aspectos acabam por destacá-la e diferenciá-la. O mais evidente deles diz respeito ao vo-lume de textos: Betty e Nina escrevem, cada uma, cinco capítulos, Betty perfazendo quarenta e sete páginas do livro e Nina totalizando trinta e cinco páginas e meia. Ana, por sua vez, tem dez capítulos num cômputo de oitenta páginas, o que a torna o segundo narrador-personagem mais presente no romance, perdendo apenas para André (onze capítulos em cento e cinco páginas).5

Não é somente na quantidade que Ana ganha relevo como nar-radora-personagem. Comparada com Betty e Nina, sua escrita é mais autônoma. A ela são permitidas regalias discursivas, como a metalin-guagem, a exclusividade da fala sobre si —sem priorizar a colaboração com investigações sobre os Meneses, a documentação da família (como faz Betty) ou a manipulação de outras personagens (enfoque das narrati-vas de Nina)— e, por fi m, a ousadia de contar uma versão completamen-te diferente da construída durante o romance. Uma leitura comparativa entre as narrativas das três fi guras femininas confi rma a distinção dos capítulos atribuídos a Ana e, assim, a intenção de confi gurá-la em um patamar fi ccional mais relevante.

Como todo discurso revela o sujeito que o escreve, as páginas que compõem o diário de Betty também a deslindam, mas a governanta esquiva-se continuamente de falar sobre si. Quando o faz é para registrar sua descrição e consciência de sua condição dentro da casa. Na fatura geral do romance, a função dos diários de Betty é o registro dos aconte-cimentos na casa dos Meneses. Seus diários caracterizam-se mais como uma espécie de relatório do que um diário íntimo.

Acompanhando as confi ssões de Ana, nota-se que seu principal objetivo é narrar sobre si mesma. Mesmo quando dedica atenção aos Meneses e a Nina, tema que persegue continuamente, é para justifi car ou

5 O cálculo do número de páginas tem como referência a edição de 2009, da Civilização Bra-sileira.

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explicar alguma faceta de sua dinâmica afetiva ou social. Nesse sentido, Ana acredita que sua escrita possa traduzi-la e até mesmo a letra con-tribuiria para revelá-la: «[...] É que me achava convicta de que a minha letra seria reconhecida, e que o senhor furtaria cinco minutos dos seus sagrados deveres para acompanhar com interesse, quem sabe, tudo o que agora dita minha febre e minha impaciência» (Cardoso, 1996: 119).

Nina escreve cartas. Duas para Valdo e duas para o Coronel, to-das com o mesmo argumento: explicar temas passados e convencer os destinatários da necessidade de ajudá-la fi nanceiramente ou de apoiar seu retorno, ora para Vila Velha, ora para o Rio de Janeiro. Nas missivas dirigidas a Valdo, Nina apresenta sua versão da história: coloca-se como uma mulher frágil, sem dinheiro, que casa por amor, cujo comporta-mento é mal interpretado pela família do companheiro, a qual passa, por sua vez, a rechaçá-la acintosamente até provocar sua fuga e abandono do próprio fi lho. Passados quinze anos e ameaçada por agravamento de saúde, ela busca reaver seus direitos e voltar ao lar para retomar sua con-dição de mãe. Junto ao Coronel, ela registra suas impressões sobre o re-torno à chácara. Mostra-se melancólica, mãe amorosa e mulher infeliz.

Assim como Ana, Nina ao escrever inscreve-se, registra sua ver-são dos fatos e manipula a percepção do leitor sobre si. O que difere as duas, colocando Ana em outro patamar discursivo, é que as narrativas de Nina têm destino certo: seus primeiros leitores, Valdo e Coronel, são internos ao romance. Ao redigir sua correspondência nenhum missivista almeja ou aventa a possibilidade de alcançar outros leitores, ao contrário, as cartas estão protegidas por um pacto de confi dencialidade. Tais regras não se aplicam às narrativas de Ana, seu leitor é externo ao romance e a publicidade de seus escritos está prevista e desejada por ela; assim, mesmo à mercê das interferências do narrador-regente, sua consciência da escrita faz dela uma narradora mais independente e menos violada.

Nesse contexto, a titulação dos capítulos atribuídos a Ana é im-própria, pois suas narrativas oscilam entre várias formas, carta, diário íntimo, confi ssão, memórias. Inicialmente, suas confi ssões, dirigidas a Padre Justino, ganham mais aspecto de carta: «Padre Justino, talvez o senhor nunca receba esta carta [...]» (Cardoso, 1996: 119). No entanto,

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sabe-se que a confi ssão a um padre só pode ser realizada pessoalmente e não por meio de correspondência. De qualquer forma, essas cartas não foram imediatamente remetidas, já que Ana afi rma não encaminhar esses textos, mantendo, inclusive a posse do material, sobre o qual, pos-teriormente, acrescenta anotações à margem. Além disso, há dúvidas se escreveu tendo em vista um padre, mais provável destinatário de uma confi ssão, pois suas memórias acabam sendo endereçadas «a quem pos-sa interessar». Na terceira confi ssão, inicia: «Eu, Ana Meneses, escrevo estas coisas e não sei a quem me dirijo [...]» (Cardoso, 1996: 313); e, na última parte dessa confi ssão, menciona Padre Justino de modo in-direto, dando a entender que o escrito não se dirige a ele: «Revi, parti-cularmente, certa vez, que chamei Padre Justino [...]» (Cardoso, 1996: 354); para na quarta confi ssão assumir que se dirige a um leitor indeter-minado: «Porque, convenhamos, e nisto serei rápida para não enfastiar meu provável leitor [...]» (Cardoso, 1996: 418). Logo, Ana não assina, propriamente, nem confi ssões religiosas, nem cartas, nem tampouco di-ários, uma vez que não almeja guardar segredo, pelo contrário, anseia por leitores.

Uma das personagens femininas da obra de Lúcio que melhor representa a mulher enclausurada e limitada pelo casamento em bases patriarcais, Ana exerce a escrita sobre si para compor uma imagem pú-blica, negando o ambiente privado do qual é cativa. Mulher calada e invisível, vislumbra, enquanto narradora, o diálogo com um interlocutor desconhecido, alguém que a ouça, um cúmplice de sua subjetividade (Cardoso, 1996: 417):

Sou eu, ainda. Neste quarto onde não penetra nenhum rumor vindo de fora, escrevo, como sempre sem saber a quem, e isto, que no princípio me causava tanto mal, agora me traz uma certa tranqüilidade. Quando não sei a quem me dirijo, digo as coisas melhor, não há pejas nem em-baraços, e o que rememoro, sai destaviado e sem fantasia

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A passagem acima imprime outro diferencial do narrar de Ana —a refl exão sobre o ato de escrever, o que torna seu texto mais autoral (Cardoso, 1996: 119):

[...] pensei que este [escrever] seria o meio mais fácil de me fazer com-preender, e que as palavras viriam naturalmente ao meu pensamento. Vejo agora o quanto me enganei, e hesito, e tremo ainda, tropeçando nas expressões como uma colegial que lutasse com a difi culdade de um tema. [...] verdade é que nem mesmo tenho a pretensão de afi rmar o quer que seja, e ao longo das linhas que se acumulam diante de mim apenas deixo transbordar a minha alma e tudo o que nela vai de tre-menda confusão.

Ter a palavra e dela fazer uso de modo a revelar-se não é fácil para Ana. Essa difi culdade já está registrada por Virginia Woolf (1985), que, em texto do início do século XX, aponta como as mulheres sempre quiseram escrever e nunca puderam, impedidas por questões materiais, sociais e culturais. Para Ana, anos de silêncio e de inexpressividade tor-nam difi cultosa a tarefa. Em outro trecho, ela localiza seu óbice no âm-bito do excesso e não da falta: «[...] as palavras parecem se atropelar ao meu encontro, rebeldes e estranhas [...]» (Cardoso, 1996: 23-124). Uma vida sem voz molda Ana na prolixidade e, curiosamente, ela ambiciona escrever para confi gurar o silêncio: «Mas meu fi to é alcançar a verda-de, uma verdade plena que não me assuste e nem me faça corar, mas que exprima com exatidão o ser calado e cheio de compromissos que represento [...]» (Cardoso, 1996: 180). Em outro momento, debruçar-se sobre a folha em branco leva Ana ao alívio tóxico, o texto como lugar de expressão da subjetividade também tem o poder de aliená-la (Cardoso, 1996: 314):

[...] recorro a este meio [escrever] para não sucumbir totalmente ao meu desamparo. [...] serviam [as confi ssões] muitas vezes para me tranqüilizar. Falando, como que uma serenidade postiça aplacava o

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meu íntimo. E agora, talvez seja ainda isto que eu procuro: um esque-cimento, um letargo que me faça não diferente do que sou, mas esque-cida de mim mesma, como sob efeito de um entorpecente.

Ana vislumbra no domínio da escrita um espaço para ser ela mesma e, ao dominar essas «palavras tão cheias de identidade» (Car-doso, 1996: 418), encarrega-se de contar sua versão da história, não se furtando a exercer o poder de neutralizar a presença de Nina.

Se Nina domina a arte de gerar grandes efeitos, Ana tem o poder de narrar e, com a última parte de seu relato, assume a maternidade de André e abala a tese do incesto, central para a história do romance. No entanto, semelhante à Madalena (A Luz no Subsolo), que conquista sua voz em etapas, como parte de um aprendizado guiado pela transgressão e, ao fi nal, permanece sob a guarda de um narrador e suas aspas, Ana tem a palavra fi nal mediada por Padre Justino, que sustenta o relato dela por meio do discurso indireto, abrindo, quando muito, aspas ou usando travessão para indicar sua voz.

Mas os acontecimentos se desenrolaram conforme o Padre afi r-ma ter Ana contado ou ele faz justiça com as próprias palavras? Não há resposta para tal questão, mas uma importante vertente de interpretação de CCA é aberta por ela, e diz respeito a realização do mais intenso de-sejo de Ana —roubar a cena de Nina.

Ana não escreve o capítulo, mas seu intermediário deixa claro a intenção de divulgar a versão por ela apresentada: «Repito, tudo isto não me foi dito em caráter de confi ssão, ao contrário, ela mesma me pediu que divulgasse os fatos, para que essa mancha —se desconhecia que houvera mancha— pesasse menos sobre seu túmulo [...]» (Cardoso, 1996: 568). Desse modo, o Padre demarca a autoria de Ana sobre a ver-são por ele apresentada. Em suma, Ana assume a maternidade de André, não apenas absolvendo Nina de seus pecados, como também tornando-a vítima, já que ela teria morrido acreditando-se incestuosa (o relato de Ana mantém a ambiguidade sobre esse ponto ao levantar a hipótese de que Nina sabia que André não era seu fi lho, pois manteria contato com

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sua prole verdadeira). Com isso, Ana ganha o mérito dos pecados assu-midos (tese de Padre Justino) e se transforma na grande vilã e persona-gem central na história dos Meneses.

De qualquer modo, o desfecho da história (seja Nina ou Ana a in-cestuosa) reafi rma que Lúcio Cardoso confi gura a personagem feminina no registro da transgressão, destruição e mudança, nas tramas de uma linguagem silenciosa e íntima.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao relacionar foco narrativo e personagem feminina na obra de Lúcio Cardoso nota-se que o romancista busca mimetizar a complexi-dade do feminino, denunciar a condição precária da mulher e registrar sua força, pois mesmo sob o signo do silêncio, ela busca a subjetividade.

O silêncio, a condição de quase mutismo da mulher, aparece na obra de Lúcio como recurso duplo. Tanto representa a precária situação política e social da mulher, quanto se transforma em possibilidade dis-cursiva. É nesse segundo desdobramento do silêncio, que dá margem a uma peculiar fala feminina, que a obra de Cardoso se realiza de modo admirável.

Presas em suas vidas cotidianas de dona-de-casa-mãe-esposa as fi guras femininas de Lúcio estão insatisfeitas. Sem voz e solitárias ter-minam por enredar estratégias que comuniquem essa revolta. Ida, o faz por meio de seu deslocamento; Madalena, paulatinamente, assume a fala sobre si; Nina comunica-se por meio de suas roupas e movimentação; Ana escreve sua história. O notável é que os enredos são estruturados em torno da urgência desse discurso feminino sobre si. O caminhar de Ida, a assunção de Madalena, o ir e vir de Nina são os temas dos respec-tivos livros e também estão na base do modo como a história é contada. Nina é a síntese dessa proposta, pois apesar de motivar inúmeros discur-sos sobre si, ela própria e o conjunto das narrativas só fazem afi rmá-la na indefi nição, segundo a psicanálise freudiana e lacaniana, a marca do

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feminino. Não por acaso várias personagens de Lúcio indagam-se sobre como defi nir uma mulher.

O embate e o desafi o de narrar o feminino é constante na obra de Lúcio. Na maior parte dos livros o narrador em terceira pessoa está presente e evita que a caneta caia nas mãos das personagens femininas. Mas, apesar de ele estar sempre inscrevendo-se no discurso indireto ou nas aspas, sua vocação é retratar os afetos e a vida dessas mulheres e, em alguns momentos, permitir que elas assumam a voz. O curioso é que tal assunção se dá no registro da transgressão, como se o narrador não tivesse controle completo sobre a narrativa. E mais uma vez Lúcio Cardoso salienta a necessidade e a urgência feminina de burlar as regras e a autoridade patriarcal para constituir-se sujeito do próprio discurso, engendrando literatura.

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