a musicoterapia e suas interações com os ritmos biológicos

87
VIVIANE ROSE FOWLER A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos FMU - FACULDADES METROPOLITAN AS UNIDAS São Paulo 2008

Upload: paulreedsmith

Post on 08-Jan-2016

35 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

f

TRANSCRIPT

Page 1: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 1/87

VIVIANE ROSE FOWLER

A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos

FMU - FACULDADES METROPOLITANAS UNIDASSão Paulo

2008

Page 2: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 2/87

 

VIVIANE ROSE FOWLER

A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos

Trabalho de Conclusão do Curso de Musicoterapiada FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas –sob orientação da Professora Doutora IvetteCatarina Jabour Kairalla e co-orientação daProfessora Mestre Maristela Smith

São Paulo2008

Page 3: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 3/87

 

VIVIANE ROSE FOWLER

A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos

Trabalho de Conclusão do Curso de Musicoterapiada FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas –sob orientação da Professora Doutora IvetteCatarina Jabour Kairalla e co-orientação daProfessora Mestre Maristela Smith.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

 ____________________________________________Profª Dra. Ivette Catarina Jabour Kairalla

Faculdades Metropolitanas Unidas - Orientadora

_____________________________________________Profª Ms. Maristela Smith

Faculdades Metropolitanas Unidas – Co-orientadora

______________________________________________Profª Ms. Cléo Monteiro França Correia

Universidade Federal de São Paulo – Unifesp

 _______________________________________________Profª Ms. Cristiane Amorosino

Faculdades Metropolitanas Unidas

Page 4: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 4/87

 

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuíram para a realização desta monografia. Algumas compartilhando

generosamente conhecimento, material didático, artigos científicos, outras oferecendoincentivo constante através de palavras e gestos e outras apoiando e dando sustentação diaapós dia (às vezes até de madrugada) na concretização deste ideal. A todas expresso meus

mais sinceros agradecimentos.

Gostaria de destacar a estimada colaboração da minha orientadora, Profª. Dra. Ivette CatarinaJabour Kairalla, da minha co-orientadora Profª Maristela Smith e da Profª. Dra. Mirian David

Marques que muito me auxiliaram apontando a melhor direção no caminho em busca dosaber.

Agradeço ao Regente Supremo da Vida e a minha adorada família, a quem dedico este

trabalho.

Page 5: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 5/87

 

“Comecemos a pensar em nossos ritmos cotidianos e

descobriremos que existe uma pulsação subjacente a todos,

que nos identifica e nos diferencia dos demais.”

Carlos Fregtman

Page 6: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 6/87

 

RESUMO

Este trabalho busca identificar as interações entre a Musicoterapia, ciência que estuda osfenômenos sonoro/musicais e suas aplicações terapêuticas nos indivíduos, e os ritmos

 biológicos, eventos orgânicos que se repetem regularmente nos seres vivos expressando o seucomportamento como, por exemplo, nos humanos: os batimentos cardíacos, a freqüênciarespiratória, as ondas cerebrais, os ritmos de atividades motoras, entre outros.A Cronobiologia é a disciplina científica que estuda o funcionamento dos ritmos biológicosendógenos tanto no que diz respeito a sua auto-regulação como em suas relações com osfatores ambientais.Sendo assim, foi realizado um trabalho de pesquisa abrangendo as duas áreas doconhecimento - Musicoterapia e Cronobiologia - visando identificar trabalhos que abordassemos possíveis efeitos do som e/ou da música sobre a ritmicidade biológica dos indivíduos.Os resultados demonstraram que os ritmos biológicos podem ter seu comportamentoinfluenciado por estímulos sonoro/musicais.

O fenômeno que favorece a sincronização, denominado entrainment, é amplamente estudadona área da Cronobiologia e, na área da Musicoterapia, é utilizado como técnica nasexperiências musicais receptivas.Pode-se observar similaridades entre as estruturas temporais presentes nos ritmos biológicos enos ritmos musicais. Ambos organizam o movimento em um fluxo dinâmico de contração edilatação, antecipação, excitação, descarga e relaxamento.

Palavras-chave: Ritmos biológicos, ritmos sonoros, cronobiologia, musicoterapia, interação,entrainment , sincronização.

ABSTRACT

This assignment is trying to identify the interaction between musictherapy, the science thatstudies the sound and musical phenomena, and their therapeutical applications in the human

 beings, and the biological rhythms, organic events that repeat regularly in the beings livingscreature, expressing their behavior like, for exemplo, in menkind: the heart beating, therespiratory frequency, the brain wave, the rhythms of motor activities, among others.Cronobiology is the scientific area that studies the endogenous biological rhythms working,according to their self regulation and their relation with environmental factors.

Because of that, it was made a research covering both knowledgement areas – musictherapyand cronobiology – trying to find assignments that would include all the possible soundand/or musical effects about biological rhythmicity from the individuals.The results showed that the biological rhythmis can have their behavior influenced by soundand musical stimulations.The phenomena pro the synchronization is called entrainment and it is widely studied in thecronobiology area, and in the musictherapy it is used as a technique in the receptive musicalexperiences.It is easy to notice the similarities between the time structures found in the biological rhythmsand in the musical rhythms both organizes the movement in a dynamic flow of contractionand dilatation, anticipation, excitement, discharge and relaxation.

Key words: biological rhythms, sound rhythms, cronobiology, musictherapy, interactions,entrainment, synchronization.

Page 7: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 7/87

Page 8: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 8/87

 

/LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Exemplo de ritmos ultradianos..................................................................................22 Figura 2 - Localização dos núcleos supraquiasmáticos.............................................................24

Figura 3 - Registro das ondas cerebrais durante o ciclo do sono...............................................29

Figura 4 - Variações das freqüências das funções rítmicas em humanos..................................61

Figura 5 - Reação do sistema nervoso autônomo ao estímulo acústico.....................................72

Figura 6 - Relações entre as freqüências dos ritmos cardíaco, respiratório, motor e musical...74

Page 9: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 9/87

  8

INTRODUÇÃO

A Musicoterapia é um campo do conhecimento que estuda o universo sonoro-

musical e suas interações com o homem enquanto ser biopsicossocial. Sendo assim, na prática

clínica, todos os fatores inerentes às questões biológicas, psicológicas e sociais do paciente

devem ser consideradas no decorrer do processo terapêutico.

Sabe-se que os fenômenos rítmicos e temporais têm função relevante na regulação e

organização do comportamento humano. A palavra ritmo, de origem grega, significa “aquilo

que flui, movimento ordenado no tempo.” Todos os seres vivos, dos mais simples até os mais

complexos, apresentam ritmos nos diferentes níveis de organização das suas funções biológicas – nas células, nos tecidos, nos órgãos, nos sistemas e no organismo como um todo.

Alterações no equilíbrio rítmico dessas redes podem estar associadas a distúrbios patológicos.

Além das variações rítmicas que ocorrem internamente, os indivíduos mantém

interações constantes com o meio ambiente que, igualmente, apresenta características cíclicas

 bem definidas como o ciclo claro/escuro (dia e noite), o ciclo das estações do ano, o ciclo das

fases da lua, os ciclos de temperatura, os ciclos de alimentação, os ciclos sociais, entre outros.

As manifestações rítmicas que ocorrem no ambiente atuam como agentes

arrastadores ou  zeitgebers dos ritmos biológicos dos seres acarretando sincronizações. “Se o

ambiente oscila, uma espécie para se adaptar a ele precisa oscilar também e a adaptação

temporal consiste na harmonização entre a ritmicidade biológica e os ciclos ambientais.”

(MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.56)

O tema central deste trabalho é investigar de que forma os estímulos sonoros e/ou

musicais podem estabelecer sincronizações com os ritmos biológicos endógenos e,

 paralelamente, quais as possíveis interações entre a Musicoterapia e a ritmicidade biológica

dos indivíduos.

O som é um fenômeno físico que não incide de forma periódica no ambiente gerando

oscilações rítmicas como os ciclos citados anteriormente, porém, dependendo do tipo de

ocorrência, bem como da variabilidade de suas características tais como o volume, a duração,

a intensidade, a altura, o timbre e, principalmente, devido a fatores subjetivos como a

Page 10: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 10/87

  9

motivação e o interesse do ouvinte pode provocar efeitos físicos e psíquicos acarretando,

conseqüentemente, alterações nos ritmos biológicos.

Desde a vida intra-uterina, o ritmo e o som estão presentes nas etapas do

desenvolvimento fetal. “Com um mês, o embrião tem aproximadamente 1 cm, sua massa é

menor do que 1 g e inicia-se a formação do cérebro, órgãos dos sentidos e membros e o

coração começa a bater.” (OBRA COLETIVA, 2007, p. 59) “No terceiro mês de

desenvolvimento os batimentos do coração fetal são bastante fortes para poderem ser ouvidos

 por um estetoscópio. Nesse período, todos os grandes sistemas de órgãos estão formados.”

(MELLO, 1989, p.249)

Após o nascimento, pode-se constatar padrões de atividade rítmica com relação a

alimentação, sono e choro do bebê. Segundo Benenzon (2002, p. 55) “pesquisas recentes

mostram que os movimentos rítmicos de sucção do recém nascido estão em íntima relação

com seus próprios batimentos cardíacos, quer dizer, se aceleram os batimentos cardíacos, se

aceleram os ritmos de sucção e vice-versa.”

O pesquisador Lee Salk defendeu a tese de que um dos primeiros ritmos a influenciaro comportamento humano é o das batidas do coração da mãe durante o ambiente pré-natal.

Ele argumenta que “os bebês recebem o imprinting  auditivo do ritmo cardíaco materno

durante a vida pré-natal, e que tal som continua a ter um papel benéfico para o

comportamento infantil durante a vida pós-natal.” (1973 apud SALK; FITZGERALD;

BUNDY, 1978, p.22)

A teoria do imprinting, descrita pela primeira vez por Lorenz (1935,1937) refere-se auma predisposição instintiva do recém-nascido de estabelecer um vínculo duradouro com

quem teve seu primeiro contato, pressupondo-se que os processos vinculares iniciam-se após

o nascimento.

Benenzon discorda dessa idéia porque considera que os vínculos maternos-fetais

iniciam-se na vida intra-uterina. Na sua opinião:

A partir do momento em que se aninha no útero, o embrião se encontra emcontato com as pulsações do batimento cardíaco e com inumeráveissensações vibratórias de movimento e de fenômenos acústicos, como: o

Page 11: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 11/87

  10

fluxo sangüíneo, atrito de paredes uterinas, ruídos intestinais da mãe, sons deinspiração e expiração e o conseqüente movimento de todas as estruturasanatômicas que se põem em funcionamento, ondas aquosas do líquidoamniótico, sons que chegam amortecidos pela voz da mãe, e os ruídos, sonsou fenômenos sonoro-vibratórios, que irão se agregando através de toda ahistória gestacional desse ovo-feto-indivíduo. (BENENZON, 1988, p. 37)

Percebe-se que as inter-relações entre os ritmos biológicos e o fenômeno sonoro

ocorrem de forma intensa desde o início da vida do indivíduo envolvendo-o em sensações de

movimento espacial e temporal que atuam como princípios vitais de organização.

Segundo Thayer Gaston (1968, p. 37), “o ritmo é aquele que organiza e proporciona

energia.” O autor considera o emprego do poder singular do ritmo, para energizar e ajudar a

organizar o comportamento do indivíduo, um dos princípios da musicoterapia.

Para Benenzon (2002, p. 55), “deve buscar-se a base da relação do ritmo e do ser

humano no contato sonoro intra-uterino do feto e a música é a evocação da mãe, é reeditar a

relação com ela e com a natureza.”

A comunicação entre mãe e filho apresenta implicações profundas no que tange aos

registros sonoros. Roederer (2002, p. 265) sugere que:

os sons “musicais” simples e as sucessões rítmicas de sons (como as que sãovocalizadas pela mãe) despertam a atenção da criança para ouvir, analisar earmazenar esses sons como prelúdio para a aquisição da linguagem. Isso pode ter levado ao surgimento da motivação para ouvir, analisar, armazenare também vocalizar sons “musicais”, bem como da reação emocional ourecompensa límbica quando esses atos são realizados.

Dentre os elementos que constituem a música – ritmo, melodia e harmonia – o ritmo

é o que mais se associa à percepção de duração no tempo, de periodicidade. Para Edgar

Willems (1979) “o ritmo e seu elemento disciplinador, o pulso, são um recurso pelo qual o

indivíduo aprende a viver o tempo que passa, um tempo que é percebido, aceito, dominado e

experienciado em cada nova escuta musical.” (1979 apud WILLEMS; SEKEFF, 2007, p.44)

Pode-se observar paralelos significativos entre as estruturas temporais presentes nos

ritmos biológicos e nos ritmos sonoro musicais. Ambos organizam o movimento em um fluxodinâmico de contração e relaxamento cujos parâmetros são medidos em periodicidade

Page 12: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 12/87

  11

(duração), fase, amplitude (intensidade) e composição das freqüências (altura). Na visão de

Roederer (2002, p.267):

a propagação, pelo tecido cerebral, de um fluxo ciclicamente variável de

sinais neurais disparados por padrões sonoros rítmicos pode de algumaforma entrar em “ressonância” com os “relógios” naturais do cérebro, quecontrolam as funções do corpo e as respostas comportamentais. Essesrelógios provavelmente trabalham com base na atividade neural que se propaga em circuitos fechados, ou engramas, ou quaisquer outros sistemasde interligação neural que têm períodos naturais de resposta cíclica.

Os relógios naturais do cérebro ou “relógios biológicos” são estruturas localizadas no

Sistema Nervoso (nos animais superiores) que coordenam as atividades temporais endógenas

e intermediam as sincronizações com o meio externo. Segundo Lent (2005, p.520) esses

“relógios biológicos” recebem informação do ambiente, e desse modo a sua oscilação

espontânea fica acoplada aos ciclos ambientais. No hipotálamo está o relógio dos ritmos do

dia-a-dia (circadianos); no epitálamo fica o relógio dos ritmos sazonais (circanuais).

Para Jourdain (1997, p. 197) “a maioria desses relógios é regulada para durações que

seriam inúteis no caso da música. Mas, recentemente, os cientistas parecem ter identificado

um tipo de relógio diferente, apelidado relógio dos intervalos, que pode fabricar uma ampla

gama de pulsações e é candidato provável a fonte biológica do ritmo musical.

Ampliar o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos ritmos

 biológicos e suas interações com a Musicoterapia é relevante sob o ponto de vista

 profissional, em virtude das possíveis aplicações na prática clínica, e pessoal uma vez que os

mesmos causam impacto em nossa rotina diária incidindo sobre a regulação do sono,

atividades motoras, desempenho cognitivo e psíquico.

Justificativas

Uma vez que a Musicoterapia utiliza o som e a música como ferramentas

sistemáticas em sua prática clínica, faz-se necessário a busca contínua de conhecimentos

específicos que ampliem a capacidade de avaliação das reações e interações que ocorrem com

o paciente frente a esses estímulos durante o atendimento, visando conduzir, da melhor

maneira possível, o processo musicoterápico.

Page 13: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 13/87

  12

A Cronobiologia é um campo do conhecimento que estuda os mecanismos temporais

 presentes nas funções biológicas. A Musicoterapia estuda as relações entre o universo sonoro-

musical e o ser humano. O tempo biológico e o tempo musical possuem similaridades que

merecem ser estudadas ampliando a discussão sobre as possíveis conexões entre os ritmos

 presentes nas funções orgânicas o os ritmos presentes nos movimentos sonoros.

Estima-se que o desenvolvimento de estudos interdisciplinares entre essas duas áreas

estimule a criação de novos paradigmas na relação som – ritmos biológicos.

Objetivos

I - Investigar trabalhos científicos publicados por pesquisadores das disciplinas

Cronobiologia e Musicoterapia relacionados a aplicações clínicas de estímulos sonoros e/ou

musicais e suas correlações com os ritmos biológicos endógenos dos indivíduos;

II – Identificar os possíveis mecanismos de interação entre a ritmicidade biológica e

a Musicoterapia.

Fundamentação Teórica

A fundamentação teórica deste trabalho baseia-se nos conceitos sistematizados pela

Cronobiologia e Musicoterapia.

Buscou-se averiguar, através de revisão bibliográfica, entrevistas pessoais realizadas

com pesquisadores renomados e pesquisas na internet, se a Cronobiologia considera o som e a

música agentes arrastadores ou  zeitgbers eficientes dos ritmos biológicos e, paralelamente,

como a ritmicidade biológica é compreendida e investigada pela Musicoterapia

Page 14: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 14/87

  13

Dos resultados obtidos na Cronobiologia, o que despertou maior interesse foi a

 página da Universidade Mozarteum de Salzburg – Áustria, contendo o resumo de trabalhos de

 pesquisa que participaram do congresso internacional: O Impacto da Música – Um Diálogo

das Ciências e das Artes Sobre os Efeitos da Música em Arte, Educação e Medicina, realizado

no mês de outubro de 2006, em Viena. O objetivo do evento foi estabelecer um diálogo

interdisciplinar entre os vários campos científicos envolvidos em pesquisas referentes aos

efeitos da música, dentro de seus específicos contextos.

Dentre os trabalhos expostos, um era de autoria do cronobiologista Prof. Dr. Hans-

Ullrich Balzer, intitulado – Aspectos Cronobiológicos do Impacto da Música - (vide seção 4.5

 p. 70). Em sua pesquisa, Balzer procura explicar as interações entre as funções vegetativas e aaudição musical através de um complexo método matemático baseado em algoritmos. Os

resultados demonstraram diferentes influências do estímulo musical nos ouvintes dependendo

da fase em que se encontravam os ritmos biológicos dos mesmos (ativação, desativação e

regulação) e das características da música. Balzer demonstrou em um gráfico como a música e

o sistema nervoso começavam a sincronizar quando os ouvintes eram expostos à audição do

concerto de piano nº 17, de Mozart. (vide figura 05 – p. 72).

A legitimidade da fonte pesquisada foi confirmada pela Professora Dra. Mirian

David Marques, responsável pelo Laboratório de Cronobiologia do Museu de Zoologia da

USP. Ela atestou a credibilidade do autor Balzer junto à comunidade científica e, com grande

empenho, forneceu orientações relevantes para a compreensão dos mecanismos de

funcionamento dos ritmos biológicos.

Além desse trabalho, foi selecionado, também, o artigo escrito em 1998 pelo Prof.Dr. Gunther Hildebrandt, fundador da Sociedade Européia de Cronobiologia, intitulado

“Ritmos Biológicos em Humanos e suas Similaridades com a Música” buscando demonstrar

como os processos rítmicos de um organismo humano saudável seguem as leis harmônicas da

natureza presentes, igualmente, na música. (vide seção 4.5, p. 72) Em sua opinião “os

resultados encontrados na Cronobiologia e cronomedicina têm mostrado que o organismo

humano não só possui um design  interior complicada em termos de estrutura espacial, mas

também tem um design temporal altamente sofisticado, uma vez que é construído a partir de

inúmeras estruturas rítmicas. Existe, portanto, razão suficiente para procurar estruturas

Page 15: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 15/87

  14

 biológicas  temporais nos seres humanos que possam ser consideradas equivalentes ou

reagentes às experiências musicais.

O Prof. Dr. Hildebrandt consta nas referências bibliográficas do livro Cronobiologia:

Princípios e Aplicações. Essa obra, escrita por 24 especialistas brasileiros, que atuam nesse

campo, e organizado pelos Professores Drs. Nelson Marques e Luiz Menna-Barreto, que se

dedicam ao estudo da Cronobiologia desde 1981 e coordenam o Grupo Multidisciplinar de

Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) da USP, foi utilizada como fonte de

referência no que tange às definições conceituais e teóricas da cronobiologia expostas nesta

monografia. Em suas 320 páginas não aparece nenhuma citação de fenômenos sonoros

correlacionados aos ritmos biológicos.

Dos resultados obtidos na Musicoterapia, foram selecionados artigos que enfocavam

o entrainment   (arrastamento) da ritmicidade biológica através da música ou de técnicas

musicoterápicas. O primeiro intitula-se “O  efeito da música, terapia e relaxamento sobre

corticosteróides adrenais e re-arrastamento dos ritmos circadianos”, escrito por Mark Rider e

colegas, em 1985. (vide seção 4.6, p.75) Rider é Ph.D., professor de musicoterapia na

Universidade Metodista do Sul, em Dallas e atua como pesquisador no Centro de Ciências

 Não-Lineares, na Universidade do Norte do Texas. O segundo intitula-se “As conexões entre

ritmicidade e funções cerebrais”, escrito por Michael Thaut e colegas, em 1999. (vide seção

4.6, p. 76) Thaut é Ph.D., diretor científico do Centro para Investigação Biomédica em

Música na Universidade Estadual do Colorado, atua como professor de música e engenharia

elétrica e, como violinista, apresenta-se em concertos juntamente com seu trio.

Em complemento as pesquisas, será citado um interessante trabalho, desenvolvido

 por pesquisadores da área de fisiologia, intitulado “Ritmos musicais no ciclo dinâmico do

coração: uma abordagem interdisciplinar e inter-cultural dos ritmos cardíacos”, escrito por

Bettermann e colegas, em 1999 (vide seção 4.6, p. 78), no qual é demonstrado que padrões

cíclicos do coração podem ser interpretados como ritmos musicais.

Com relação às definições conceituais e teóricas da Musicoterapia foram utilizadoscomo referência os seguintes livros: “Definindo Musicoterapia” de Kenneth Bruscia (Prof. Dr.

da Temple University, Philadelphia), “A Comprehensive Guide to Music Therapy – Theory,

Page 16: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 16/87

  15

Clinical Practice, Research and Training” de Tony Wigram, Inge Nygaard Pedersen & Lars

Ole Bonde (University of Aalborg, Dinamarca), “From Out of the Silence - Music Therapy

Research and Practice in Medicine” de David Aldridge (Prof. Dr. da University of Herdecke,

Alemanha), “Teoria da Musicoterapia” de Rolando Benenzon e “Cadernos de Musicoterapia

2” de Lia Rejane M. Barcellos.

 Neste trabalho será dado continuidade ao assunto pesquisado na Iniciação Científica

intitulada “As Possíveis Correlações entre a Ritmicidade Biológica e a Percepção de

Estímulos Sonoros e/ou Musicais”, realizada no ano de 2007, buscando-se o aprofundamento

do tema, uma vez que, se no início das pesquisas supunha-se haver possíveis correlações entre

a ritmicidade biológica e a percepção de estímulos sonoro-musicais, ao final de um ano deinvestigações constatou-se, efetivamente, existirem interações entre os dois campos.

Metodologia da Pesquisa

Para a realização desta monografia utilizou-se o método teórico-conceitual. Foi

realizado levantamento bibliográfico por meio de livros didáticos e especializados, artigos

científicos nacionais e estrangeiros, revistas especializadas e páginas eletrônicas. Foram

realizados contatos com autores, entrevistas abertas pessoalmente e pela internet.

Page 17: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 17/87

  16

CAPÍTULO 1 – RITMOS BIOLÓGICOS 

Os ritmos biológicos se manifestam regularmente em todos os organismos vivos. A

cronobiologia é uma área da ciência que estuda os comportamentos rítmicos presentes na

organização temporal de diferentes espécies.

Segundo Araujo & Marques (2002, p.96) “como organização temporal

compreendemos, a capacidade dos seres vivos de expressarem seus comportamentos e

controlarem a sua fisiologia de uma forma recorrente e periódica.”

Os seres vivos são dotados de uma estrutura organizacional que mantém padrõesconstantes de movimento oscilatório, ou seja, tudo o que ocorre no organismo obedece a

 padrões rítmicos gerados endogenamente.

Esses ritmos, porém, podem ser alterados devido a fatores ambientais como a

 presença ou não de luz (ciclo claro/escuro), ciclo das estações do ano, ciclos da lua, ciclo das

marés, e, também, pelos ritmos de outras freqüências e sem correlatos com os ciclos

geofísicos como, por exemplo, ciclos de temperatura, ciclos de alimentação e ciclos deinteração social, apesar destes serem mais difíceis de serem quantificados.

Os eventos rítmicos biológicos possuem um tempo de duração do ciclo de atividade,

 bastante variável. De acordo com Marques & Menna-Barreto (2003, p.57) “os ritmos

 biológicos manifestam-se em períodos que vão de milissegundos, como os ritmos de disparo

de neurônios ou de batimento do flagelo de espermatozóides, até anos, como o ciclo

reprodutivo da cigarra americana (13 ou 17 anos) ou do bambu chinês (100 anos).”

 Nos humanos, o ato de dormir, as atividades motoras, o desempenho psicomotor e

cognitivo, a percepção sensorial, a secreção hormonal, a temperatura corporal, as atividades

reprodutoras e vários outros fenômenos fisiológicos e psicológicos manifestam-se em

 períodos rítmicos.

As pesquisas no campo da cronobiologia, realizadas na primeira metade do século

 passado, constataram gradualmente que “os ritmos biológicos observados não eram simples

flutuações de reações químicas internas do organismo, mas, sim, o resultado da interação

Page 18: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 18/87

  17

entre mecanismos internos e sincronizadores externos.” (MARQUES & MENNA-

BARRETO, 2003, p.39)

O organismo vivo e o meio ambiente estão em contínua interação na busca de um

estado de equilíbrio dinâmico. Na opinião de Fitzgerald & Bundy (1978, p. 12) “como os

sistemas biológico e psicológico do ser humano são mais ‘abertos’ do que os dos organismos

não humanos, podemos, com razão, esperar encontrar interações organismo-meio ambiente

muito mais complexas influenciando os biorritmos e o comportamento humano.”

Os ritmos biológicos se manifestam regularmente em ciclos com diferentes períodos

de duração e são agrupados de acordo com a periodicidade das oscilações, conforme seráabordado na seção 1.3 (p. 21).

1.1– Cronobiologia

A Cronobiologia é uma ciência que estuda a organização temporal dos seres vivos.

Por organização temporal compreende-se o equilíbrio entre dois fatores: a ritmicidade

endógena (eventos biológicos que se repetem regularmente no organismo) e a reação aestímulos ambientais (ciclos ambientais).

Um dos objetivos da Cronobiologia é investigar os mecanismos envolvidos na

manifestação dos ritmos biológicos e suas interações com os ritmos ambientais visando

contribuir, através dos resultados, com diversas áreas do conhecimento, direcionando

aplicações diretas na organização das atividades humanas e na compreensão de patologias e

terapêuticas.

Outra questão relevante para os cronobiólogos refere-se ao funcionamento de

mecanismos medidores de tempo (relógios biológicos) que seriam os responsáveis pelos

 padrões dos ritmos de atividade regular orgânica. Para Lent (2005, p.522) os relógios

 biológicos são ajustáveis ao ambiente pela ação de células sensoriais e vias aferentes,

tornando-se sincronizados com os ciclos naturais. Seus efeitos, por outro lado, são produzidos

 por vias eferentes. Um dos possíveis relógios biológicos foi identificado há algum tempo e

refere-se ao núcleo supraquiasmático que se localiza no hipotálamo (vide figura 2, p.24).

Page 19: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 19/87

  18

As proposições teóricas e metodológicas da Cronobiologia foram efetivamente

sistematizadas a partir de 1960, porém as descrições fenomenológicas de ritmos remontam à

Antigüidade. Uma das primeiras descrições detalhadas e com caráter mais científico foi a de

Andróstenes de Thasos em 325 a.C. Este historiador, acompanhante das explorações de

Alexandre, o Grande, descreve com riqueza de detalhes o movimento periódico diário das

folhas da planta Tamarindus indicus, o conhecido tamarindo. Provavelmente, este é o

 primeiro relato documentado de um ciclo de atividade/repouso em plantas (1983 apud  

SCHILDKNECHT; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.33)

Outro relato semelhante a esse foi descrito muitos anos depois por Jean Jacques de

Mairan. O pesquisador estudou, em 1729, os movimentos periódicos das folhas de  Mimosa mantidas isoladas de ciclos ambientais de claro/escuro (ibid ., p. 33)

Entre os séculos XVII e XIX, as investigações sobre os ritmos biológicos

distinguiam-se entre duas linhas principais. A primeira voltava-se para o homem, abordando

variáveis fisiológicas em condição de saúde e doença como o peso e a temperatura corporais,

volume urinário e comportamento humano, sendo que a maioria dos ritmos observados

referiam-se a mudanças diárias. A segunda envolvia a manipulação do ambiente, ou seja, osciclos ambientais eram eliminados ou atenuados para que os ritmos pudessem ser observados

sob essas condições. Essas experiências eram, geralmente, realizadas com plantas. Até a

 primeira metade do século passado, essa linha de investigação havia se ampliado para uma

grande variedade de organismos: abelhas e outros insetos, crustáceos, coelhos e roedores.

(ibid ., p. 33)

Com os resultados dos estudos, constatou-se que a ritmicidade se manifestava emtoda a matéria viva, em diversos níveis de análise (desde metabolismo celular até sistemas

complexos), restando identificar de que forma estes ritmos eram gerados e quais os processos

orgânicos envolvidos na sua sincronização com o meio ambiente.

Pittendrigh (1981) postulou “que esta ritmicidade seja gerada por um conjunto de

osciladores, os relógios biológicos, assim chamados por possuírem características que

 permitem considerá-los análogos a relógios.” (1981 apud PITTENDRIGH; MARQUES &

MENNA-BARRETO, 2003, p. 59)

Page 20: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 20/87

  19

Teorias referentes ao relógio biológico vinham sendo desenvolvidas havia algum

tempo. No final da década de 50, Bünning propõe modelos hipotéticos para explicar o

funcionamento do relógio biológico. Nestes haveria uma alternância de “tensão” e

“relaxamento”, ou seja, oscilações de “relaxamentos” fisiológicos (ou bioquímicos) como

mecanismos geradores da ritmicidade. (ibid ., p.39)

Recentemente, conforme explica Araujo & Marques (2002, p.109):

estão surgindo evidências de múltiplos osciladores para o sistema circadiano;evidências de osciladores circadianos independentes donúcleosupraquiasmático, incluindo os osciladores periféricos fora do sistemanervoso central; evidências de múltiplas freqüências simultâneas e

evidências de osciladores para outras freqüências.

Passados mais de 60 anos de sistematização e organização disciplinar desse campo

do conhecimento, existem atualmente 14 Sociedades de Cronobiologia espalhadas pelo

mundo e, recentemente, foi fundada a Federação Mundial de Sociedades de Cronobiologia.

Em São Paulo e em outros estados brasileiros diversos grupos de pesquisa estão

desenvolvendo estudos interdisciplinares contínuos que vem contribuindo muito para uma

maior divulgação dos conceitos cronobiológicos.

O GMDRB – Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos, da

Universidade de São Paulo, tendo como um dos coordenadores o Prof. Dr. Luiz Menna-

Barreto, “pode ser considerado o grupo pioneiro em tomar a Cronobiologia como objeto

 principal de investigação científica desde a sua constituição em 1981.” (ibid ., p.46)

Esse grupo é responsável pelo desenvolvimento de estudos sobre a ontogênese do

ciclo vigília/sono, pela publicação de livros contendo os fundamentos e aplicações principais

da cronobiologia e pela organização de simpósios brasileiros e latino-americanos. No Museu

de Zoologia da USP, sob a coordenação da Profª. Dra. Mirian David Marques, “também são

desenvolvidas pesquisas sobre a evolução da ritmicidade biológica e sobre a interação entre

fatores cronobiológicos e ecológicos.” (ibid ., p.47)

Page 21: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 21/87

  20

1.2 - Homeostase

O termo homeostasia foi cunhado pelo fisiologista americano Walter Cannon (1871-

1945) e refere-se às “reações fisiológicas coordenadas que mantêm constante a maioria dos

estados do corpo... e que são características do organismo vivo”. LENT (2005, p. 455).

A homeostase é o processo de regulação de funções orgânicas - pressão arterial,

temperatura, concentração de hormônios, dentre inúmeras outras - que ocorrem

simultaneamente, em vários sistemas como digestório, cardiovascular, respiratório, urinário,

etc., sob a coordenação do sistema nervoso autônomo (SNA).

O SNA dispõe de dois modos de controle do organismo: um modo reflexo e um

modo de comando. Segundo Lent (2005, p. 464) o “modo reflexo” envolve o recebimento de

informações provenientes de cada órgão ou sistema orgânico e a programação e execução de

uma resposta apropriada. O “modo de comando” envolve a ativação do SNA por regiões

corticais ou subcorticais, muitas vezes voluntariamente.

Dentro de cada sistema ocorrem funções bastante complexas que necessitamsincronizar o ritmo de suas atividades com outro órgão ou sistema e com o meio ambiente

visando à manutenção do equilíbrio do indivíduo. Essas interações são coordenadas através do

mecanismo de ação do relógio biológico.

Conforme descreve Lent (2005, p.484):

O órgão que coordena a homeostasia é o hipotálamo. Para isso, utiliza

informações neurais provenientes de diversos receptores sensoriaisestrategicamente posicionados e informações químicas provenientesde diversas substâncias circulantes, principalmente hormôniossecretados pelas glândulas endócrinas. De posse dessas informaçõessobre o organismo, o hipotálamo ativa o SNA e o sistema endócrino eemite através deles comandos neurais e químicos para os diversosórgãos e tecidos realizarem os ajustes fisiológicos necessários. Alémdisso, ativa outras regiões neurais que por sua vez irão provocar oscomportamentos motivados: ações de busca de abrigos aquecidos,água e alimentos, atos sexuais e outros.

Page 22: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 22/87

  21

Alguns cronobiologistas sugerem uma profunda revisão no conceito de homeostasia

 por acreditarem que “as flutuações de um sistema biológico fazem parte de sua essência, ou

seja, não podem ser entendidas como meras perturbações, uma vez que expressam um

 processo de adaptação a um ambiente também essencialmente variável.” (MARQUES &

MENNA-BARRETO, 2003, p.49)

Outros, por sua vez, sugerem “que princípios cronobiológicos seriam entendidos

como uma complementação à homeostasia”. (1979 apud ASCHOFF; MARQUES &

MENNA-BARRETO, 2003, p.49)

 Na visão dos musicoterapeutas, a homeostase é um estado fisiológico flexível e balanceado (equilibrado); um estado permanente de equilíbrio do organismo, sempre

direcionado para restabelecer as condições iniciais (como um termostato). Originalmente o

termo vem da biologia e define o estado do organismo de manter a estabilidade em meio às

mudanças das condições de equilíbrio. (WIGRAM et al.,2002, p.319)

 No livro Definindo Musicoterapia, Bruscia (1998, p.90) faz uma reflexão sobre os

conceitos de saúde e comenta que “ela existe ao longo de um continuum multidimensional,em mudança constante, indo do insalubre até a saúde; ela não é um ideal, um estado

dicotômico de homeostase que diferencia o bem estar da doença”. Essa afirmação parece

indicar a necessidade de reavaliação do conceito de homeostase, assim como foi preconizado

 pelos cronobiologistas.

A despeito da discussão teórica, percebe-se na prática musicoterápica que algumas

experiências receptivas como escuta somática, entrainment,  biofeedback musical, anestesiamusical, relaxamento musical e escuta eurrítmica atuam diretamente no SNA evocando

respostas corporais específicas. Essas técnicas serão citadas na seção 4.4 (p.66).

1.3 – Ritmos Circadianos, Ultradianos e Infradianos

Os ritmos biológicos são classificados de acordo com a sua periodicidade. Os ritmos

que se repetem a cada dia são denominados circadianos, um termo derivado das palavras

latinas circa (em torno) e dias (dia).

Page 23: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 23/87

  22

O ciclo vigília-sono é um ritmo circadiano comum a vários seres que se repete a cada

dia, em um período que varia de 20 a 28 horas, de acordo com a espécie.

Lent (2005, p.520) explica que:

o ciclo vigília-sono nada mais é do que uma oscilação do nível geral deatividade do sistema nervoso: maior atividade durante a vigília, menordurante o sono. Regulam este ciclo os sistemas modulares difusos, conjuntosde neurônios – cada um deles com um neurotransmissor diferente – queemitem extensos e longos axônios que estabelecem sinapses em grandesterritórios do córtex cerebral e regiões sub-corticais, do tálamo à medulaespinhal. Por ação deles, ao final do dia adormecemos: nossa consciência seapaga, os músculos repousam, as funções orgânicas ficam mais lentas e pausadas.

Além dos ritmos circadianos, existem os ritmos infradianos (ritmos de baixa

freqüência), que tem a duração maior do que um dia com períodos de oscilação superiores à

28 horas, como os ciclos ligados à reprodução (ciclo menstrual humano) e os ritmos

ultradianos (ritmos de alta freqüência), que tem a duração menor do que um dia com períodos

de oscilação menores que 20 horas, como os ritmos de respiração, de batimentos cardíacos e

de disparo de neurônios, entre outros.

Fig. 01 – Exemplo de ritmos ultradianos 

Fonte: HILDEBRANDT, 2002

Page 24: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 24/87

  23

Lent (ibid ., p.520) esclarece melhor a nomenclatura utilizada “nos ritmos ultradianos

o período é de horas (menor que um dia), mas a freqüência é alta (vários ciclos por dia). Daí o

 prefixo ultra. Nos ritmos infradianos ocorre o contrário: o período pode ser até de meses

(maior que um dia), mas a freqüência é baixa (alguns ciclos por ano). Daí o prefixo infra.”

Segundo Marques & Menna-Barreto (2003, p. 248) “apenas mais recentemente a

ontogênese da ritmicidade ultra e infradiana tem sido objeto de estudo, sendo bastante

incompleta a compreensão das modificações na composição de freqüências.”

1.4 – Ritmos biológicos endógenos e suas manifestações

Como foi descrito, os ritmos biológicos manifestam-se em diferentes freqüências. Os

ritmos circadianos referentes ao ciclo vigília/sono são os mais estudados. Com relação aos

ritmos ultradianos, os batimentos cardíacos são os ritmos que têm recebido maior atenção.

Quanto aos ritmos infradianos, os eventos que ocorrem sazonalmente (nas mudança das

estações) têm sido alvo de pesquisas.

 Na opinião de Marques & Menna-Barreto (2003, p. 117):

ritmos de diferentes freqüências podem estar inter-relacionados de diversasformas e a compreensão das correlações e interações dos ritmos circadianos-ultradianos-infradianos é fundamental para a compreensão da organizaçãotemporal dos seres vivos.”

Cabe salientar que a ritmicidade biológica endógena é um fenômeno bastante

complexo. Os conceitos expostos neste trabalho, apresentam-se de forma resumida no intuito

de elucidar alguns aspectos de âmbito geral.

Está comprovado que todo organismo vivo manifesta um comportamento rítmico,

 porém o processo de investigação sobre como esse ritmo se origina e qual ou quais estruturas

regulam a sua atuação ainda não foram totalmente desvendados.

As evidências experimentais mostram que, nos mamíferos, os ritmos circadianos são

controlados por circuitos neurais localizados nos núcleos supraquiasmáticos (NSQ) – par de

núcleos da porção anterior do hipotálamo que funcionam como um multioscilador. (ibid., pg.102)

Page 25: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 25/87

  24

 Fig. 02 – Localização dos núcleos supraquiasmáticos

Fonte: htpp://www.hhmi.org/biointeractive/mu

Apesar de não se conhecer ainda os mecanismos geradores de freqüências

infradianas, cujas oscilações se manifestam em períodos superiores à 28 horas, resultados de

testes confirmam que o NSQ influi sobre a expressão dos ritmos circanuais (com período de

aproximadamente 12 meses) (ibid ., p. 183)

 No que tange aos ritmos ultradianos, cuja freqüência de oscilação acontece em

 períodos abaixo de 20 horas, ou seja, com durações que variam entre milésimo, centésimo,

décimo de segundos, segundos, minutos e horas, não se conhece, igualmente, os mecanismos

geradores desses ritmos. Especialistas sugerem que estes padrões rítmicos sejam originados e

controlados por redes neurais, capazes de gerar atividades oscilatórias sem requerer

informação sensorial. (MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.153)

Outras investigações demonstraram a presença, em mamíferos, de osciladores

autônomos em diversos órgãos periféricos do organismo (ibid ., p.178). As estruturas

 biológicas capazes de gerar uma oscilação regular espontaneamente além dos núcleos

supraquiasmáticos são, por exemplo, os marca-passos cardíacos.

1.4.1- Ritmos em livre-curso

Page 26: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 26/87

  25

 Nas experiências realizadas em laboratório, onde são mantidas condições de claro

constante ou escuro-constante, diversos ritmos biológicos continuam a se expressar durante

dias, meses ou anos, dependendo da espécie e das condições experimentais. Estes ritmos são

conhecidos como ritmos em livre-curso e são a expressão de relógios biológicos endógenos.

(MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.59)

1.4.2-Ritmos sincronizados a ciclos ambientais

Os ritmos endógenos são sincronizados a acontecimentos externos através de um

 processo que envolve diversas etapas denominado adaptação temporal. Tomando como

exemplo o ciclo vigília-sono que, em geral, é sincronizado ao ciclo de 24 horas claro-escuro,constatou-se que os mecanismos do relógio biológico liberam hormônios como o cortisol e

elevam a temperatura interna nas últimas etapas de sono ajustando de maneira antecipada a

transição entre os dois estados. (1980 apud   CZEISLER et al.; MARQUES & MENNA-

BARRETO, 2003, p.60)

Além da antecipação, a adaptação temporal consiste na harmonização das fases dos

ritmos da espécie com aquelas dos ciclos ambientais. Isto implica em que os estados dosritmos fisiológicos e comportamentais estejam associados às fases mais propícias do ciclo

ambiental para a sobrevivência da espécie. Esta harmonização de fases é alcançada através do

arrastamento ou entrainment ; processo em que o ritmo em livre-curso, gerado pelo oscilador

interno, tem sua fase e sua freqüência ajustadas por um ou mais fatores cíclicos do ambiente.

(1981b apud PITTENDRIGH; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.60)

O mecanismo de arrastamento ou entrainment   (ajuste temporal de um ritmo poroutro ritmo) é amplamente estudado em pesquisas científicas em diversas áreas do

conhecimento, assim como na Musicoterapia. Esse assunto será abordado mais

especificamente na seção 4.1 (p. 57).

Ao fator cíclico ambiental que promove o arrastamento dos ritmos biológicos,

Aschoff (1960) deu o nome de zeitgeber , neologismo alemão que significa “doador de

tempo”. Mas não só os ciclos geofísicos constituem-se em zeitgebers; também os ciclos de

 pressão atmosférica, de temperatura, de disponibilidade de alimentos, ou os ciclos de

interação social podem arrastar eficientemente os ritmos de diversas espécies.

Page 27: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 27/87

  26

Um importante exemplo de sincronização por interação social é o observado entre a

mãe e suas crias em mamíferos. No momento do nascimento, a cria é sincronizada

 principalmente por ciclos de presença/ausência da mãe, dado que o zeitgeber CE

(claro/escuro) não age com tanta força como fará durante a vida adulta. (1985 apud

VISWANATHAN & CHANDRASHEKARAN; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003,

 p.75)

1.5 – Os fenômenos rítmicos e o comportamento humano

Conforme salienta Marques & Menna-Barreto (2003, p. 252):

o estabelecimento da ritmicidade biológica é um processo bastantecomplexo, que envolve a maturação de vários sistemas e que não deve serconfundido com o momento do nascimento. Existem ritmos presentes nasformas embrionárias assim como ritmos que vão aparecer mais tarde, porexemplo, os ritmos hormonais relacionados as funções reprodutivas.

O ritmo alimentar é um dos primeiros a serem estabelecidos. Os bebês são levados

 para que sejam alimentados no peito por suas mães dentro de horários preestabelecidos. Após

um período, o ritmo da produção de leite materno e a “fome” do bebê colocam-se mais e mais

em fase, atingindo, a sincronia. (FITZGERALD & BUNDY, 1978, p.20)

A sucção apresenta igualmente uma atividade rítmica. Crianças normais chupam seus

dedos numa razão de cinco a quinze sucções consecutivas. Wolff (1967) sugeriu que os ritmos

de sucção refletem a atividade de um relógio endógeno. Crianças que apresentam danos no

cérebro apresentam freqüentemente padrões anormais de sucção. (ibid ., p. 24)

Lee Salk (1973) considera que um dos primeiros ritmos a influenciar o

comportamento humano é o das batidas do coração da mãe durante o ambiente pré-natal. Ele

observou que a maioria das mães carrega seus filhos de tal forma que a cabeça da criança fica

recostada sobre seu lado esquerdo. Salk acredita que essa posição seria preferida devido a um

reflexo instintivo pois os bebês recebem o imprinting  do som do ritmo cardíaco materno

durante a vida pré-natal, e que tal som continua a ter um papel benéfico para o

comportamento infantil durante a vida pós-natal. (ibid ., p. 22)

Page 28: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 28/87

  27

Os ritmos estão presentes em nosso cotidiano e, na maioria das vezes, não nos damos

conta de quanto influenciamos e somos influenciados por eles. Recentemente, estudos

científicos sobre relaxamento e meditação estão comprovando que os seres humanos podem

ser capazes de um controle voluntário muito maior do que se pensava anteriormente sobre o

funcionamento do sistema nervoso central e autônomo.

Mas, de uma forma geral, os indivíduos apresentam ainda comportamentos bastante

vulneráveis perante as variações rítmicas como, por exemplo, as alterações no temperamento

feminino relacionadas à liberação do hormônio estrógeno e a síndrome da tensão pré-

menstrual.

Pesquisas realizadas por fisiólogos e psicólogos buscam comprovar as possíveis

correlações entre os ritmos biológicos e fatores psicológicos. Estudos sugeriram que homens e

mulheres têm ciclos de disposição. Em alguns, as alterações encontradas eram tão pequenas

que mal podiam ser distinguidas, enquanto que em outros variavam de períodos de grande

atividade e júbilo a períodos de profundo desespero e depressão. (FITZGERALD & BUNDY,

1978, p.29)

A psicose maníaco-depressiva ou transtorno bipolar é um tipo de enfermidade mental

que incide de forma recorrente promovendo alterações cíclicas no estado de humor do

 paciente oscilando, periodicamente, entre o estado maníaco e o estado depressivo.

Além dessas variações no comportamento, existe uma predisposição natural de

funcionamento do relógio biológico que distingue os indivíduos entre matutinos (apresentam

tendência a dormir cedo e acordar cedo), vespertinos (apresentam tendência a dormir tarde eacordar tarde) ou indiferentes.

É importante ressaltar que as questões relativas aos fenômenos rítmicos e o

comportamento humano variam entre os indivíduos.

1.6 - Os ritmos do sono

Os primeiros pesquisadores a estudarem sistematicamente o sono foram psicólogos

alemães, por volta de 1860. Eles avaliaram a profundidade do sono determinando o volume de

Page 29: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 29/87

  28

ruído necessário para acordar pessoas adormecidas em várias ocasiões durante a noite.

Descobriram que as pessoas têm maiores dificuldades em acordar durante as primeiras horas

de sono concluindo que o sono no princípio da noite era diferente do sono posterior.

(FITZGERALD & BUNDY, 1978, p.25)

Somente após a invenção do eletrencefalograma (EEG), por volta de 1930, que os

cientistas puderam medir e registrar as atividades elétricas do cérebro constatando a existência

de diferentes padrões de ondas cerebrais durante o sono. Na década de 50, os fenômenos do

sono foram estudados pelo americano Nathaniel Kleitman e seus alunos William Dement e

Eugene Aserinsky os quais descobriram que o sono possui vários estágios e dois estados

diferentes. (LENT, 2005, p.535)

Os dois estados diferentes de sono foram denominados sono de ondas lentas e sono

 paradoxal ou sono REM ( Rapid Eye Movements). E os vários estágios identificados na

verdade são quatro e acontecem no estado de sono de ondas lentas. Os ritmos das ondas

cerebrais são diferentes durante os estágios do sono.

Durante o estágio 1, o indivíduo vai tornando-se sonolento, os registros da atividadecerebral medidos no EEG passam de um traçado dessincronizado chamado ritmo beta para um

traçado ligeiramente diferente, de voltagem um pouco maior e menor freqüência, o ritmo alfa.

Durante o estágio 2, o indivíduo vai se tornando mais adormecido e seu EEG passa a

apresentar algumas ondas de alta voltagem (chamadas fusos de sono e complexos K, por

homenagem a Kleitman). Em seguida ocorrem os estágios 3 e 4 nos quais o sono se torna

ainda mais profundo, o EEG mais sincronizado apresentando ritmos de alta voltagem e baixa

freqüência, o chamados ritmos theta e delta. Após esses estágios, o EEG volta a se tornardessincronizado e os olhos passam a mover-se ativamente, embora o corpo do indivíduo

 permaneça imóvel. Caracterizando-se assim o sono paradoxal ou sono REM. (LENT, 2005,

 p.535)

Page 30: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 30/87

  29

 Figura 03 – Registros das ondas cerebrais

durante os ciclos do sonoFonte: UnicenP – Centro Universitário Positivo

-Ondas Gama: ondas de alta freqüência, acima de 30 Hz, consideradas como reflexo decodificação e concatenação temporal entre áreas cerebrais distintas.-Ondas Beta: entre 13 e 30 Hz no estado normal de vigília, são associadas às atividadesque requerem uma certa concentração.-Ondas Alpha: entre 8 e 13 Hz, presentes no estado de sonho e na meditação leve,quando os olhos estão fechados. Essas ondas pulsam através de todo o córtex cerebral.-Ondas Theta: entre 3 e 8 Hz no estado de sono, mas também nos estados demeditação profunda. Durante os sonhos lúcidos somos receptivos às informações além danossa consciência normal.-Ondas Delta: entre 0,05 e 3 HZ, presentes durante o sono muito profundo. Foiobservado que o hormônio de crescimento (melatonina) fica estimulado durante esseperíodo. Esse hormônio é propício à cura e à regeneração dos tecidos. 

Hoje se sabe que há sistemas neurais para manter o indivíduo alerta e ativo durante a

vigília, outros para iniciar os fenômenos do sono e controlar a transição gradual pelos estágios

do sono de ondas lentas, outros ainda que disparam os fenômenos do sono paradoxal, e ainda

outros que possibilitam o despertar. Os neurocientistas não querem só identificar os sistemas

moduladores envolvidos nessas operações de controle, mas determinar como eles interagem, e

como são todos controlados pelos sistemas temporizadores circadianos, que em última análisefazem com que o ciclo funcional se repita a cada 24 horas. (ibid ., 2005, p.543)

Page 31: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 31/87

  30

A cronobiologia estuda a intermodulação (combinação de freqüências que se

influenciam mutuamente) entre os ritmos biológicos. A ontogênese do ciclo vigília/sono no

homem é um exemplo de presença simultânea de freqüências ultradiana-circadiana-

infradiana, com diferentes pesos de cada uma dessas faixas de freqüência ao longo do ciclo de

vida do homem. (1981, 2002 apud  BENOIT; MARQUES et al.; MARQUES & MENNA-

BARRETO, 2003, p. 113)

Conhecer os mecanismos envolvidos na regulação do sono é relevante para a

Musicoterapia devido às implicações clínicas relacionadas à diminuição da atividade elétrica

cerebral. Sabe-se que o estímulo rítmico sonoro, dependendo de sua estrutura, favorece o

rebaixamento do nível de consciência promovendo, paralelamente, a redução geral dasfunções vegetativas diminuindo a freqüência cardíaca, a freqüência respiratória, a pressão

arterial, a temperatura corpórea, além da redução da atividade metabólica dos órgãos e

tecidos.

Page 32: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 32/87

  31

CAPÍTULO 2 – RITMOS SONOROS 

 No dicionário Aurélio encontra-se a seguinte definição de ritmo, no que diz respeito

ao aspecto musical: “agrupamento de valores de tempos combinados de maneira que

marquem com regularidade uma sucessão de sons fortes e fracos, de maior ou menor duração,

conferindo a cada trecho características especiais”. (FERREIRA, 1975, p. 1240)

Moraes (1983, p.197) sugere que “o ritmo pressupõe relações temporais e qualidades

envolvidas ciclicamente em três fases sucessivas e recorrentes de fluxo de qualquer tipo de

energia (acumulação, descarga, relaxamento).”

Para melhor compreensão dessas definições, faz-se necessário recorrer,

 primeiramente, ao conceito de som.

O som é um fenômeno acústico que consiste na propagação de ondas sonoras

 produzidas por um corpo que vibra em meio material elástico (especialmente o ar). As ondas

se deslocam no tempo em movimentos para cima (picos) e para baixo (depressões) dentro de

uma determinada amplitude.

Conforme afirma Menezes (2004, p.19) “sem movimento não pode haver som, e todo

movimento produz som, sejam estes percebidos ou não por nosso mecanismo auditivo.”

Teoricamente existem ondas sonoras de qualquer freqüência, entretanto o aparelho auditivo

humano é sensível somente a sons cuja área de freqüência esteja situada entre 20 Hz e 20.000

Hz. Abaixo de 20 Hz estão os infra-sons e acima de 20.000 Hz os ultra-sons. (SANTOS &

RUSSO, 1988, p.38) Freqüência é o número de vibrações por unidade de tempo ou o númerode ciclos que as partículas materiais realizam em um segundo (ciclos/segundo). Esta unidade

é medida em Hertz.

Se o movimento da onda se repete de forma quase exata após um certo intervalo de

tempo (período ou ciclo da vibração) ela é chamada de periódica. O som musical é

 proveniente de uma vibração periódica que se caracteriza por determinadas propriedades

físicas: altura, intensidade, duração e timbre.

Page 33: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 33/87

  32

Serão descritas abaixo definições de diferentes autores sobre os parâmetros sonoros:

Altura - “a percepção da altura é a capacidade para distinguir se um som musical é

mais baixo (grave) ou mais alto (agudo) que outro. A freqüência (número de vibrações por

segundo) do corpo vibratório é o que determina a altura de um som.” (KÁROLYI, 2002, p.6)

Intensidade - (acusticamente ligada à amplitude do movimento vibratório) “pode ser

definida como sendo a energia que atravessa uma área num intervalo de tempo em função da

 pressão sonora exercida pelas partículas materiais sobre a superfície na qual incidem.”

(SANTOS & RUSSO, 1988, p. 38)

Duração  - (tempo de produção do som) “elemento mais primitivo e genuíno das

 práticas musicais, além do fator mais próximo de fenômenos sonoros periódicos naturais, tais

como: batimentos cardíacos, respiração, etc. Relaciona-se às formas pelas quais percebemos o

tempo sonoro.” (MORAES,1983, p. 202)

Timbre - “a qualidade, ou o timbre, é o que nos permite distinguir os sons de

diferentes instrumentos, mesmo que eles tenham a mesma altura e a mesma intensidade.”(ROEDERER, 2002, p. 21)

Como bem pontuou Wisnik (1989, p.21) cabe lembrar que: “em música, ritmo e

melodia, durações e alturas se apresentam ao mesmo tempo, um nível dependendo

necessariamente do outro, um funcionando como o portador  do outro.”

A despeito dos conceitos formais inerentes a cada função acima descrita, éimportante destacar que no domínio da musicoterapia, os parâmetros sonoros são elementos

colocados a serviço da expressão do cliente/paciente sendo, portanto, passíveis de múltiplos

significados e variadas interpretações.

Da mesma forma, os efeitos que os elementos sonoros musicais podem vir a exercer

sobre o indivíduo são incontáveis. Sob o ponto de vista dos efeitos psíquicos, pode-se dizer

que “a música é um recurso que faculta a expressão do “eu” mediante simbolismos

aparentemente inocentes (duração, altura, intensidade, timbre, densidade, notas, pausas,

escalas, sistemas, categorias, funções, relações).” (SEKEFF, 2007, p.18)

Page 34: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 34/87

  33

A música cria um estado de ânimo ao qual respondemos em um nível subconsciente

e não verbal. (Wigram, 2002, p. 57)

Ainda com referência aos efeitos biológicos do som e da música, na interpretação de

Benenzon (2002, p.52), pode se dizer que:

a) segundo o ritmo, incrementa ou diminui a energia muscular.

 b) acelera a respiração ou altera sua regularidade.

c) produz efeito marcado, porém variável, na pulsação, na pressão sangüínea e na

função endócrina.

d) diminui o impacto dos estímulos sensoriais de diferentes modos.e) tende a reduzir ou retardar a fadiga e, conseqüentemente, incrementa o

endurecimento muscular.

f) aumenta a atividade voluntária e incrementa a extensão dos reflexos musculares

empregados no escrever, desenhar, etc.

g) é capaz de provocar mudanças nos traçados elétricos do organismo.

h) é capaz de provocar mudanças no metabolismo e na biossíntese de vários

 processos enzimáticos.

Para que o processo musicoterápico possa cumprir com êxito seu papel de agente

mobilizador e transformador de forças psíquicas e biológicas, entra em jogo:

a capacidade do musicoterapeuta em perceber os elementos musicaiscontidos na produção ou reprodução musical de um paciente (altura,intensidade, timbre, compasso e todos aqueles que formam o tecidomusical) e a habilidade em responder, interagir, mobilizar ou ainda

intervir musicalmente na produção do paciente, de forma adequada(Barcellos, 2004, p. 83).

De acordo com Barcellos (1992, p.20) existem cinco tipos de intervenções musicais

em musicoterapia:

1. Intervenções Rítmicas – visando descarregar e canalizar energias.

2. Intervenções Melódicas – visando a expressão de conteúdos do paciente por

intermédio de trechos musicais.

Page 35: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 35/87

  34

3. Intervenções Harmônicas – visando ampliar a linguagem musical do paciente

e através disto favorecer o desenvolvimento do seu “modelo de mundo”.

4. Intervenções Paraverbais – visando explorar aspectos da comunicação não-

verbal.

5. Intervenções Corporais – visando utilizar no contexto clínico gestos, posturas,

olhares e, principalmente, o corpo, considerado o primeiro instrumento

musical do homem.

Para concluir serão descritos brevemente conceitos mais abrangentes, portanto mais

condizentes com a visão que a musicoterapia tem da música e de seus três elementos

constitutivos, ritmo, melodia e harmonia.

Música -  “é gesto, é expressão corporal, vocal, instrumental; é ato criativo

repertoriado numa cultura, sustentado numa rede de estímulos, emoções e pulsões que

escapam do regime lógico-formal; porque ela mobiliza potencialidades e emoções; porque

música é poética pura, processo de penetrar na consciência e nos sentimentos do indivíduo por

meio da percepção de imagens sonoras em movimento.” (SEKEFF, 2007, p.173)

Ritmo -  “o ritmo está presente em todo tipo de vida – biológica, fisiológica,

 psicológica, estética, criadora -, e como elemento pré-musical pode existir independentemente

de qualquer realização auditiva. Quem fala em ritmo musical fala em “ordem no movimento”,

cuja natureza é tanto fisiológica quanto psicológica, por sua dupla condição de duração  e

intensidade. Pela duração o ritmo  penetra em nossa vida fisiológica e pela intensidade,  em

nossa vida psicológica.” (ibid ., 2007, p. 43)

.

Melodia -  “a melodia fala diretamente à fisionomia afetiva do indivíduo. E assim

como temos um ritmo próprio, resultado de trocas químicas e metabólicas, também temos

uma fisionomia afetiva própria, fisionomia permanente, ou pelo menos de certo modo

duradoura, e estreitamente relacionada com a totalidade de nossos interesses e preferências.

Ela representa a fisionomia sentimental característica de cada indivíduo, estrutura particular

de suas respostas emocionais, é radicada em suas tendências e é apresentada num repertório

sociocultural, pois o homem é fruto de uma cultura.” (ibid ., 2007, p. 47)

Page 36: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 36/87

  35

Harmonia: “som, ritmo, melodia se completam com a harmonia, sustentada esta no

acorde, uma das concepções mais originais do homem ocidental, com seu tríplice poder:

sensorial, afetivo e mental.

a) sensorial: o acorde, fundamento da harmonia pelo qual a música do

Ocidente se distingue de todas as outras, é uma simultaneidade de três ou

mais sons que guardam entre si determinadas relações intervalares. Como

tal é um fenômeno fisiológico sensorial, que se torna realidade no ouvido

interno, graças ao sistema nervoso;

 b) afetivo: o acorde é uma simultaneidade de relações sonoras, intervalares,

relações de consonância e dissonância, tensão e relaxamento, que induzsensibilidade afetiva;

c) mental: o acorde é uma função tonal (tônica, subdominante, dominante)

acessível apenas à consciência, capaz de análise e síntese, que induz uma

experiência humana e psicológica única.” (ibid ., 2007, p. 47)

2.1 – O Ritmo Sonoro e suas Propriedades

Assim como o som, o ritmo também é composto por diferentes propriedades: pulso,

acento métrico, desenho rítmico e andamento.

O pulso pode ser definido como uma marcação de tempo regular que se baseia no

 princípio da pulsação (movimento de contração e dilatação do coração e das artérias). A

 pulsação funciona como uma base constante que sustenta as variações do movimento. Como

relata Jourdain (1998, p.172) “nosso sistema nervoso acrescenta pulsação onde não seencontra nenhuma.”

O metro ou acento métrico é a acentuação periódica e regular dos pulsos. Por

exemplo, no ritmo binário o acento métrico obedece ao seguinte padrão: a ocorrência de um

tempo forte e de um tempo fraco ou, no caso, do ritmo ternário: a ocorrência de um tempo

forte e dois tempos fracos facilitando, dessa forma, a percepção rítmica, pois de acordo com

Jourdain (1998, p.172) “uma característica dos nossos cérebros é medirem as distâncias no

tempo em termos de agrupamento de batidas.”

Page 37: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 37/87

  36

O desenho rítmico é a combinação de durações curtas e/ou longas que caracteriza os

contornos da obra musical por meio de figuras rítmicas positivas, que registram o som através

de notas, e figuras rítmicas negativas, que registram o silêncio através de pausas.

O andamento determina a velocidade das pulsações, podendo-se acelerar ou retardar

o tempo entre um pulso e outro. Existem três níveis de andamentos: lentos, moderados e

rápidos, com velocidades que variam entre 40 batimentos por minuto (grave - muito lento) a

208 batimentos por minuto (prestíssimo - o mais rápido possível).

Para se executar com mais precisão os andamentos musicais utiliza-se o metrônomo

 – instrumento inventado pelo mecânico austríaco Johann Maelzel, em 1816, que possui omesmo mecanismo de um relógio, acionado por um pêndulo. Atualmente existem

metrônomos de bolso e eletrônicos.

2.2 – As Origens do Ritmo Sonoro

Ao que parece, a maioria dos teóricos que estudam as origens da música concordam

com a idéia de que a expressão rítmica precedeu a expressão melódica no que tange às primeiras manifestações musicais dos indivíduos.

Ribeiro (1965, p.5) descreve que “antes de tudo vive a música pelo ritmo, repetição

de ruídos cadenciados em intervalos iguais: danças ritmadas, poesias ritmadas, cerimônias

religiosas ao compasso dos mais variados ritmos.”

 Na opinião de Andrade ( 1980, p.17) “por seu caráter dinamogênico, o ritmo agiacom grande poder sobre a parte física produzindo a absorção do indivíduo pela coletividade.

 Na música primitiva havia complexidade rítmica e pobreza melódica.”

Por outro lado, o musicólogo Curt Sachs (in: Jourdain, 1998, p.386) declara que a

organização do ritmo veio muito tempo depois que os homens deram forma melódica à

alegria e ao luto. A idéia sustenta-se no fato de que os bebês aprendem primeiro a melodia

através da modulação dos sons vocálicos. A regularidade rítmica vem anos depois.

Page 38: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 38/87

  37

Esse assunto tem sido alvo de investigações de neurocientistas que estudam os

fatores filogenéticos e ontogenéticos aliados ao desenvolvimento musical. As pesquisas visam

elucidar experiências que comprovem algum tipo de predisposição inata dos seres para a

aquisição de habilidades musicais.

2.3 - Percepção Rítmica

A percepção consciente dos sons obedece uma ordem previamente determinada

começando 1) pela captação das ondas pelo tímpano que as converte em ondas mecânicas e as

transmite por meio da ligação de três pequenos ossos para o ouvido interno; 2) no ouvido

interno ou cóclea, ocorre a classificação de acordo com a gama de freqüências captadas e suaconversão em impulsos nervosos e 3) no sistema nervoso auditivo os sinais neurais são

transmitidos ao cérebro onde a informação é identificada, armazenada na memória e

eventualmente transferida para outros centros do cérebro. (ROEDERER, 2002, p.19)

O primeiro e mais “primitivo” elemento de entrada a ser reconhecido pelo sistema

nervoso provavelmente é a intensidade, com o seu correlato perceptivo, o volume. O próximo

elemento auditivo de entrada a ser considerado é a periodicidade do som (representada peladistribuição espacial dos máximos de ressonância, ou pela distribuição temporal de pulsos

neurais). (ibid ., p.220)

Zatorre et al. (2006) realizaram um estudo sobre as interações entre o córtex auditivo

e pré-motor dorsal durante a sincronização com os ritmos musicais. Os resultados

demonstraram que a habilidade em perceber o ritmo musical se deve a regularidade da

ocorrência do estímulo, pois, cria-se um padrão de expectativa, ou uma previsão da ocorrênciade um padrão rítmico, com base no anterior, mesmo quando cessa o estímulo, ocasionando

uma antecipação da batida do mesmo.

Os autores relataram que em estudos anteriores foi observado que ritmos que têm

acentuação foram reproduzidos corretamente com maior freqüência do que aqueles sem

acentuação, sugerindo que a acentuação habilita a percepção mais acurada do ritmo.

Page 39: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 39/87

  38

Os pesquisadores ressaltaram que as bases neurológicas do movimento rítmico, ainda

são pouco entendidas. Alguns estudos feitos com pessoas que sofreram lesões mostram que os

lobos temporais desempenham um importante papel na discriminação do pulso sonoro, mas

não descrevem a predominância de alguns dos lados, ou anterior versus posterior.

Com relação a esse assunto, Jourdain (1998, p.200) acredita que os modelos rítmicos

são percebidos com mais precisão ao entrarem no ouvido direito e, conseqüentemente, no

hemisfério esquerdo. Sugere ainda, que maiores provas da lateralização do ritmo na esquerda

são fornecidas pela habilidade desigual das duas mãos, ao baterem o ritmo.

 Na pesquisa de Zatorre et al. (2006) foi observado que à medida que a acentuaçãométrica aumentava, mudanças comportamentais podiam ser medidas pela duração das batidas,

acopladas a uma atividade neural no giro superior temporal posterior e no córtex pré-motor

dorsal vista pela modulação durante essas interações auditivo-motoras.

Foi sugerido pelos autores que o giro superior temporal posterior deve decodificar os

 padrões da métrica rítmica, enquanto o córtex pré-motor dorsal deve representar a integração

desta informação auditiva com ações motoras, organizadas temporariamente. Houve tambémgrande envolvimento de regiões do córtex auditivo secundário bilateral. O córtex auditivo

secundário do hemisfério esquerdo visa às relações entre sucessões de sons. Preocupa-se com

hierarquias de seqüências e desempenha papel de destaque na percepção do ritmo. Lesões no

córtex auditivo secundário podem causar interferências na capacidade de reproduzir padrões

métricos.

Segundo Jourdain (1998, p.201) as lesões no cérebro esquerdo não apagam ahabilidade rítmica no mesmo grau em que as lesões no cérebro direito podem apagar a

habilidade harmônica. Isso ocorre porque, provavelmente, a função rítmica é tão espalhada no

cérebro e mostra tamanha capacidade de recuperação devido ao fato de que o tempo é um

fator que influi em todos os tipos de cognição, já a harmonia, ao contrário, é uma qualidade

apenas da audição.

Ratey (2002, p.114) adverte que o processo geral de percepção de sons envolve

muitos níveis de processamento e é influenciado pelas experiências do indivíduo.

Page 40: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 40/87

  39

CAPÍTULO 3 – MUSICOTERAPIA

3.1 – Breve Histórico

Desde a Antiguidade atribui-se à música poderes curativos. Conforme explica Cordás

(2002, p. 27) “as condutas médico-filosóficas no século III recomendavam ouvir música

suave para relaxar, banir o medo e mudar os pensamentos.”

A psiquiatria francesa do século XIX, comandada por expoentes como Philippe Pinel

(1745-1826) e Jean-Etienne Dominique Esquirol (1772-1840) dava início a um tratamento

mais humano aos doentes mentais. Pinel sistematizou o emprego da terapêutica da música noshospitais de alienados. (ANDRADE, 1980, P.26) Esquirol, seu discípulo, dizia “ainda que a

música não cure, ela distrai e, por conseguinte, alivia.” (LEINIG, 1977, p. 16)

Entretanto, foi após a Segunda Guerra Mundial (1939–1945) que os hospitais de

veteranos, nos Estados Unidos, passaram a contratar músicos profissionais para atenuar a dor

dos pacientes. Os resultados foram tão positivos que despertaram a atenção da comunidade

científica. Instituiu-se o Comitê da Fundação Nacional de Terapêutica Musical com o objetivode viabilizar o estudo do uso da música nas instituições hospitalares. Paralelamente, os

músicos passaram a receber treinamento específico para atuarem em centros médicos e

instituições hospitalares. (LEINIG, 1977, p.16)

Em 1950, cria-se a Associação Nacional Para a Musicoterapia ( National Association

 for Music Therapy, Inc.), hoje englobada à Associação Americana de Musicoterapia

( American Music Therapy Association - AMTA) com as seguintes finalidades: colaborar nodesenvolvimento progressivo do uso da música na medicina; na preparação profissional do

musicoterapeuta e no estabelecimento de um trabalho aliado à profissão médica. Com o

advento desta associação, muitas universidades americanas instituíram em seus departamentos

musicais, cursos para treinamento de musicoterapeutas em colaboração com escolas médicas

e hospitais. (ibid ., p.16)

A partir daí, o desenvolvimento da musicoterapia ocorreu em âmbito mundial e o

intercâmbio entre os países resultou na criação da Federação Mundial de Musicoterapia

(World Federation of Music Therapy  - WFMT ), no ano de 1983, em Paris. A WFMT

Page 41: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 41/87

  40

 produziu, por intermédio da Comissão de Prática Clínica, em 1996, uma definição global de

musicoterapia:

Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som,

ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, emum processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, orelacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização(física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais edesenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possaalcançar melhor integração intra e interpessoal e conseqüentemente umamelhor qualidade de vida. (REVISTA BRASILEIRA DEMUSICOTERAPIA, 1996, p.4)

A Musicoterapia é uma área científica em franco desenvolvimento. A sua prática

ocorre dentro de um processo sistemático de intervenção baseado em procedimentos

metódicos regulados, no intuito de alcançar objetivos terapêuticos.

Como disciplina, ela é um corpo organizado de conhecimentos e de práticascom interesse fundamentalmente no processo através do qual os terapeutasutilizam a música para ajudar o cliente a promover a saúde. Como profissão,a musicoterapia é um grupo organizado de pessoas que compartilham,utilizam e desenvolvem esse corpo de conhecimentos e práticas através deseu trabalho como clínicos, supervisores, teóricos, pesquisadores,administradores e educadores. (BRUSCIA, 1998, p. 257)

Atualmente, além da WFMT, instituiu-se a Confederação Européia de Musicoterapia( European Music Therapy Confederation) e a Confederação Sulamericana de Musicoterapia

(South American Music Therapy Confederation), organizações responsáveis pela integração

de cerca de 100 associações que reúnem mais de 10.000 musicoterapeutas, em todo o mundo.

3.2 – A Musicoterapia e o universo sonoro musical

 Na definição da WFMT, acima citada, afirma-se que a musicoterapia é um processoestruturado que utiliza a música e/ou os elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia)

visando favorecer mudanças significativas na vida do cliente.

 Nesse capítulo será abordado como os musicoterapeutas utilizam a música e os sons

durante a prática clínica e, paralelamente, serão descritas as teorias dos professores: Dr. Even

Ruud (Universidade de Oslo, Noruega) e Dr. Kenneth Bruscia (Universidade Temple,

Filadélfia, USA) sobre as funções da música na experiência musicoterápica.

Page 42: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 42/87

  41

Bruscia (1998, p. 113) explica que a musicoterapia não é simplesmente a utilização

da música, mas a utilização de experiências musicais. Isso significa que o agente da terapia

não é visto apenas como sendo a música, mas principalmente a experiência do cliente com

aquela música. É preciso ressaltar que o conceito de música em musicoterapia é bastante

abrangente.

Conforme foi relatado, no início da história da musicoterapia, os hospitais de

veteranos contratavam músicos profissionais visando auxiliar a recuperação dos internos.Essa

 prática promovia benefícios no estado de saúde geral dos pacientes.

O interesse em compreender melhor os efeitos sonoro-musicais nos indivíduos foicrescendo e, conseqüentemente, a forma de utilização da música e de seus elementos

constitutivos visando promover inter-relações, cada vez mais significativas com o cliente,

também se ampliaram.

Além da apreciação musical através da audição, os clientes passaram a ser engajados

em experiências que envolviam atividades práticas como: manipular instrumentos musicais,

 produzindo sons variados com instrumentos de percussão (tambores, congas, alfaias, pandeiros, chocalhos, guizos, etc.), instrumentos melódicos (cítara, xilofone, flauta, gaita,

ocarina, etc.), instrumentos harmônicos (piano, teclado, violão, etc.) e, concomitantemente,

experiências de exploração das possibilidades sonoras da própria voz, através do canto, e do

corpo.

As diversas atividades referentes à escuta e ao fazer sonoro-musical revelaram

inúmeras oportunidades de ação, reação e interação entre o cliente e o musicoterapeutaaumentando ainda mais a crença nos benefícios propostos pela nova ciência.

E mais do que isso, os elementos constitutivos do som – intensidade, altura, duração,

timbre e de outros parâmetros contemporâneos - e da música - ritmo, melodia, harmonia

comprovaram exercer ação psicofisiológica no indivíduo mobilizando a expressão do “eu” em

outros domínios, além do racional.

Page 43: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 43/87

  42

Tomando como base os diferentes tipos de atividades musicais observadas na prática

clínica, Ruud (1990) (in: Wigram, 2002, p. 40) apresentou um modelo classificando quatro

diferentes níveis de experiências através da música:

- O nível fisiológico – corresponde à música como um fenômeno sonoro físico: com

 propriedade materiais. Nesse nível, o foco concentra-se nos efeitos fisiológicos e no potencial

médico da música. Música como estímulo.

- O nível sintático – corresponde à música como um fenômeno estético: os elementos

musicais organizados ou estruturados. Nesse nível, o foco concentra-se na descrição e

interpretação precisas dos elementos musicais, seu papel no processo musical, suas ações efunções nas interações terapêuticas. Música como terapia.

- O nível semântico – corresponde à música como expressão e significado: a

“mensagem” da música e suas referências ao mundo externo ou interno. Nesse nível, o foco

concentra-se na interpretação da música como uma metáfora, ícone ou símbolo, e o

significado da música para o cliente e na relação terapêutica. Música na terapia.

- O nível pragmático – corresponde à música como um fenômeno social interativo: o

 papel da música no processo terapêutico ou no contexto social. Nesse nível, o foco concentra-

se no potencial das interações musicais e seus efeitos no tratamento.  Música como

comunicação e interação social.

Assim como Ruud, Bruscia (1998) (in: Wigram 2002, p. 41) também analisou as

 práticas clínicas da musicoterapia identificando seis modelos básicos utilizados para estruturara experiência musical do cliente:

- Música como experiência objetiva – consiste na utilização das propriedades da

música para influenciar diretamente o corpo ou o comportamento do cliente de modo

observável (seguindo padrões de estímulo-resposta documentado através de pesquisa).

- Música como forma de energia universal – consiste na utilização da música como

uma forma de energia viva que manifesta os princípios de ordem, equilíbrio e harmonia

encontrados na natureza visando restaurar essas mesmas qualidades no organismo do cliente.

Page 44: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 44/87

  43

- Música como experiência subjetiva – consiste na utilização da música para explorar

conteúdos internos ou qualquer aspecto do universo do cliente visando auxiliar a compreensão

de como o mesmo se relaciona dentro desse contexto.

- Música como experiência coletiva – consiste na utilização da música como meio de

expressar costumes, tradições inserindo o cliente nas várias esferas da sociedade em que vive.

- Música como experiência estética – consiste na utilização da música por si própria

não sendo nesse caso prescrita de acordo com objetivos terapêuticos.

- Música como experiência transpessoal – consiste na utilização da música visandofacilitar estados meditativos e de consciência expandida.

Avaliando os modelos descritos pelos musicoterapeutas Ruud e Bruscia constata-se

uma ampla gama de estímulos que emergem em uma experiência musical. Escutar música,

tocar instrumentos, cantar, produzir sons, vivenciar a experiência musical e, se possível,

refletir sobre ela permite ao indivíduo perceber-se como parte ativa e criativa dentro do todo.

Essa sensação possibilita a re-significação de condutas e valores perante a vida.

As experiências musicais são classificadas em duas categorias: interativas ou

receptivas. Para Barcellos (1992, p. 9) “na musicoterapia ‘inter-ativa’ ou ‘musicoterapia ativa

interpessoal’ somos às vezes, desafiados por um som, impulsionados por um ritmo ou atraídos

 por uma melodia. Somos puxados pela música para fora de nós mesmos e levados a interagir

com o outro, pelo prazer que nos causa fazer música ou partilhar essa experiência”.

 Nessa modalidade, o paciente executa improvisações musicais através do canto,

manipulação de instrumentos musicais e de qualquer meio musical dentro de sua capacidade

visando dar sentido à auto-expressão, estimular e desenvolver os sentidos, desenvolver

habilidades perceptivas e cognitivas, desenvolver a memória, melhorar a atenção e a

orientação.

 Nas experiências receptivas, o paciente ouve música para estimular ou relaxar,

evocar respostas corporais específicas, evocar estados e experiências afetivas, explorar idéias

e pensamentos.

Page 45: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 45/87

  44

 Na visão de Lécourt (1996 apud Sekeff, 2007, p. 123) “fazendo música, escutando,

cantando, vivenciando, o indivíduo acaba por influir no ritmo de seus pensamentos e

emoções, na harmonia de sua saúde corporal e mental. E é assim que a música pode mudar o

comportamento de uma pessoa.” Dessa forma, pressupõe-se que o trabalho desenvolvido pelo

musicoterapeuta deva seguir uma base teórica coerente com as propostas de intervenção

terapêutica, na qual os recursos sonoro-musicais utilizados contemplem os fenômenos

 biológicos, fisiológicos, psicológicos e sócio-culturais da vida humana. 

3.3 – O olhar musicoterapêutico perante o indivíduo biopsicossocial

Os indivíduos são constituídos de um complexo sistema biológico e psíquico queatua no meio social comandado pelo cérebro.

Segundo Ratey (2001, p. 27) “experiências, pensamentos, ações e emoções mudam a

estrutura do cérebro adulto que é plástico e resiliente e está sempre ávido por aprender.”

Conforme foi relatado anteriormente, as experiências musicais planejadas pelo

musicoterapeuta mobilizam pensamentos, ações e emoções do cliente durante o processo

terapêutico e essas dinâmicas, comprovadamente, mudam a estrutura do cérebro alterando

capacidades e aptidões.

Para Benenzon, (1988, p.15):

o ser humano não é corpo e mente ou corpo mais mente, nem psique e somaou psique e alma, nem matéria e espírito; é um todo; e a Musicoterapia (que, praticamente, entre todas as especialidades médicas utiliza elementos

abstratos que não se vêem e que somente se percebem com o transcorrer dotempo) é a técnica que mais se dirige à totalidade do indivíduo.

A musicoterapia é uma atividade profissional indicada para atuar na profilaxia,

tratamento e reabilitação de distúrbios físicos (paralisias cerebrais, congênitas, deficiência

auditiva, visual, motora, oncologia, AIDS, coma, acidentes vasculares cerebrais, Alzheimer,

Parkinson, etc.), distúrbios mentais (síndrome de down, retardo mental, neuroses, psicoses,

autismo, esquizofrenia, etc.) e emocionais (distúrbios do sono, da alimentação, sexuais,

depressão, síndrome do pânico, ansiedade, etc.). De acordo com o perfil e as necessidades

Page 46: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 46/87

  45

inerentes a cada cliente, o musicoterapeuta desenvolve o plano de atendimento visando

alcançar objetivos terapêuticos específicos.

O perfil do cliente é determinado a partir das informações colhidas na avaliação

diagnóstica junto ao próprio cliente ou, no caso da impossibilidade de comunicação verbal do

mesmo, através dos dados obtidos com os familiares ou com profissionais da equipe

terapêutica.

Smith (n/p) esclarece que as informações coletadas referem-se especialmente a três

aspectos:

1. Pessoal, em que se verifica como ocorre a inserção do sujeito na família e nosoutros ambientes dos quais faz parte;

2. Clínico, para se ter ciência de medicamentos de que faz uso e/ou de outros fatores

relevantes que possam interferir no andamento do processo musicoterápico;

3. Sonoro-musical, em que toda e qualquer informação relativa à relação que o

sujeito estabelece com o elemento musical é importante.

 Neste último item, inclui-se o levantamento detalhado a respeito da história sonoro-

musical do sujeito.

Com base nos dados colhidos na avaliação diagnóstica o tratamento é planejado de

acordo com os objetivos clínicos que se pretende alcançar. Em função dos objetivos,

seleciona-se o método musicoterápico e as variações mais indicadas a serem aplicadas, bemcomo os procedimentos e as técnicas que deverão ser utilizadas durante o processo.

Os principais métodos de musicoterapia, de acordo com a denominação de Bruscia

(1988), são: “improvisação” (consiste nas várias formas de engajar o cliente no fazer-música

improvisada), “re-criação” (consiste nas várias formas de engajar o cliente em reproduzir

música), “composição” (consiste nas várias formas de engajar o cliente em compor) e

“audição” (consiste nas várias formas de engajar o cliente em experiências de ouvir música).

Os três primeiros métodos são considerados ativos e o último, receptivo.

Page 47: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 47/87

  46

 Na seção 4.4 (p. 66), que aborda as interações entre a musicoterapia e os ritmos

 biológicos endógenos, serão descritas as variações dentro do método receptivo que parecem

favorecer o arrastamento (entrainment ) da ritmicidade dos indivíduos, em função de

determinados estímulos sonoro-musicais.

Além dos quatro métodos descritos, existem ainda, os modelos de musicoterapia que

correspondem a uma abordagem sistemática e abrangente de avaliação diagnóstica,

tratamento e avaliação que inclui princípios teóricos, dentre os quais a visão que o modelo

tem do homem enquanto ser biopsicossocial, indicações e contra-indicações clínicas,

objetivos, orientações e especificações metodológicas e utilização de certas seqüências de

 procedimentos e técnicas.

Os modelos de musicoterapia e suas aplicações clínicas serão relatados,

resumidamente, a seguir, no intuito de avaliar a orientação teórica dos mesmos e se as

abordagens utilizadas consideraram possíveis interações com a ritmicidade biológica do

cliente.

Imagem Guiada e Música (GIM) – o Modelo Bonny

Desenvolvido por Helen Bonny, musicoterapeuta e violinista, no princípio dos anos

70, durante seu trabalho no Centro de Pesquisas Psiquiátricas de Maryland, nos Estados

Unidos. Esse modelo consiste na evocação de imagens durante a audição musical. GIM-

Guided Imagery and Music é a profunda abordagem da psicoterapia musical na qual um

específico programa de músicas clássicas é utilizado para gerar conteúdos dinâmicos de

experiências internas. O cliente tem a oportunidade de rever sua história de vida por um meiosimbólico e reconfigurar episódios ocorridos e as emoções conectadas a eles visando

 promover insights e mudanças positivas.

O modelo propõe uma experiência musical transpessoal através da indução a estados

alterados de consciência.

Page 48: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 48/87

  47

Musicoterapia Analítica – o Modelo Priestley

Desenvolvido por Mary Priestley, musicoterapeuta, violinista e psicanalista, no

começo dos anos 70, na Inglaterra. Nesse modelo, a forma de experiência musical mais

utilizada é a improvisação visando combinar musicoterapia e psicanálise. A composição

musical pode ser utilizada também. Durante a improvisação musical, freqüentemente ocorre

um leve estado alterado de consciência do cliente e do musicoterapeuta. Esse fenômeno pode

auxiliar a criação de novas idéias, a auto-expressão e a compreensão de conflitos existentes. O

objetivo principal é conectar o cliente com certas emoções, fantasias, sonhos, experiências

corporais, memórias ou situações através da música.

Após a improvisação, desenvolve-se uma reflexão verbal no intuito do cliente

conscientizar-se dos conteúdos internos que foram mobilizados durante a seção.

Musicoterapia Criativa – o Modelo Nordoff-Robbins

Desenvolvido pelo compositor e pianista americano Paul Nordoff e pelo músico e

 psicopedagogo, em educação especial, inglês Clive Robbins, por volta dos anos 60. Nessemodelo, a música apresenta-se liberta de convenções sendo utilizada de uma maneira bastante

flexível, no intuito de estabelecer o vínculo com o cliente, que geralmente possui

incapacidades diversas, propiciando um conteúdo de comunicação e auto-expressão para que

o mesmo possa efetuar mudanças e realização do potencial.

 Nesse modelo, acredita-se que a música por si só é um meio que promove

crescimento e que cada pessoa apesar da incapacidade, doença, distúrbio ou trauma possuiuma parte que pode ser alcançada e estimulada através da música possibilitando a melhora na

saúde e em outros aspectos de sua vida.

Terapia de Livre Improvisação – Modelo Alvin

Desenvolvido por Juliette Alvin, musicoterapeuta e violoncelista, nos anos 50, na

Inglaterra. Nesse modelo, a música é utilizada como força para revelar aspectos do

inconsciente.

Page 49: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 49/87

  48

Alvin acreditava que “música é uma criação do homem, portanto, o homem pode ver

a si próprio na música que ele cria”. Na terapia de livre improvisação, clientes e terapeutas

 podem improvisar sem regras musicais e a música pode ser uma expressão do caráter e

 personalidade do indivíduo. Dentro desse contexto, ocorrem naturalmente descargas

terapêuticas.

Do ponto de vista teórico e psicoterapêutico, a autora trabalhou com o conceito de

“igualdade na relação” onde o terapeuta e o cliente dividem experiências musicais no mesmo

nível, e tem igual controle sobre a situação musical. Autistas e crianças excepcionais

respondem bem dentro dessa abordagem, uma vez que ela oferece uma significativa e sensível

organização musical.

Alvin enfatizou a importância dos musicoterapeutas compreenderem a fisiologia

humana e a forma como o corpo reage à música e ao som para se inteirarem plenamente das

formas de aplicação da musicoterapia.

Modelo Benenzon

Desenvolvido por Rolando Benenzon, médico psiquiatra, músico e musicoterapeuta,

 por volta dos anos 60, na Argentina. Nesse modelo, o som, a música e o movimento são

utilizados para produzir efeitos regressivos e abrir canais de comunicação, com o objetivo de

empreender através deles o processo de treinamento e recuperação do paciente para a

sociedade. Benenzon (1988, p.33) considera que “no princípio de ISO se baseiam todas as

técnicas não-verbais e fundamentalmente a musicoterapia.”

Segundo o autor, o princípio de ISO é um conceito totalmente dinâmico que resume

a noção de existência de um som, ou um conjunto de sons, ou o de fenômenos acústicos e de

movimentos internos, que caracterizam ou individualizam cada ser humano. Para estabelecer

um canal de comunicação eficiente, o musicoterapeuta procura identificar os elementos

referentes à identidade sonoro-musical (ISO) do paciente através do contexto não-verbal.

Benenzon relatando um caso clínico explica que o diálogo não-verbal tem um ritmo que

 pertence a ambos (terapeuta e paciente) e que se ajustam. Em sua opinião, este ritmo é quase

que biológico e matemático, próprio do sistema humano primitivo. (ibid ., p.100)

Page 50: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 50/87

  49

O princípio de ISO desenvolvido por Benenzon baseia-se na teoria proposta pelo

médico psiquiatra Altshuler (1943) que durante suas observações clínicas da aplicação da

Musicoterapia constatou que para ocorrer a comunicação entre o terapeuta e seu paciente é

necessário que coincidam o tempo mental do paciente com o tempo sonoro-musical expresso

 pelo terapeuta. Esse assunto será exposto com maior abrangência na seção 3.5 (p.54).

Avaliando os modelos citados constata-se que os mesmos foram desenvolvidos

 praticamente na mesma época, há cerca de quarenta anos. Dessa forma, os autores, pioneiros

na área, não dispunham dos recursos tecnológicos e dos avanços nas pesquisas científicas em

diversos campos do conhecimento, que atualmente contribuem para um estudo pluralístico da

musicoterapia. A despeito dessa condição, percebe-se nos conceitos e idéias divulgadas pelosautores em livros e artigos clínicos, o cuidado no trato das questões fisiológicas tanto quanto

 psicológicas do cliente/paciente durante o tratamento musicoterápico.

Cabe salientar que as pesquisas na área da cronobiologia acerca da ritmicidade

 biológica alcançaram maior projeção dentro do meio científico a partir dos a nos 90, ou seja,

vários anos após a sistematização dos modelos de musicoterapia.

Além disso, o desenvolvimento das pesquisas científicas em diversas áreas como

neurociência, neuropsicologia, psicoacústica, psicologia da música, etnomusicologia e outras

afins, vem contribuindo, paulatinamente, para a compreensão dos aspectos físicos,

neurológicos, psíquicos e sociais envolvidos na compreensão de como a música é processada

 pelo sistema nervoso e de que forma seus efeitos atingem outras estruturas do complexo

orgânico.

3.4 – Musicoterapia e Medicina

A área da musicoterapia sempre esteve próxima à área da medicina uma vez que

ambas têm por objetivo tratar da saúde do paciente. Desde quando a musicoterapia foi

instituída como profissão, nos anos 50, a National Association for Music Therapy, Inc.

 buscou consolidar o trabalho desenvolvido pelos musicoterapeutas aliado às práticas médicas.

“No início, estabeleceu-se uma forte ligação com a área da psiquiatria e, posteriormente, com

outras especialidades como a cardiologia, a ortopedia e a neurologia.” (LEINIG, 1977, p. 16)

Page 51: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 51/87

Page 52: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 52/87

  51

Wigram (2002, p. 138) definiu parâmetros na utilização dos elementos musicais tanto

 para a estimulação como para o relaxamento musical, dependendo das necessidades

específicas do paciente. Através de pesquisas, constatou que se os elementos musicais são

estáveis e previsíveis o sujeito tenderá a relaxar. Se, por outro lado, os elementos musicais

variarem significativamente no tempo ocorrendo mudanças súbitas e imprevisíveis, o sujeito

deverá manter um nível elevado de consciência e atenção.

De acordo com a sua teoria, os elementos potenciais para a estimulação musical são:

mudanças imprevisíveis no tempo; mudanças imprevisíveis e súbitas no volume, ritmo,

timbre, altura e harmonia; variação na textura da música; dissonâncias inesperadas; acentos

inesperados; timbres irritantes; falta de estrutura e de forma na música; súbitos accelerandos,ritardandos, crescendos e diminuendos; paradas súbitas na música.

O autor considera que os elementos potenciais para o relaxamento musical são:

tempo estável; estabilidade ou somente uma mudança gradual no volume, ritmo, timbre, altura

e harmonia; textura consistente; modulação harmônica previsível; cadências apropriadas;

linhas melódicas previsíveis; repetição do material; estrutura e forma; timbres suaves; poucos

acentos.

A musicoterapia aplicada na medicina é orientada para práticas clínicas inerentes à

desordens patológicas de diversas especialidades. Dessa forma, têm sido desenvolvidos

estudos referentes aos efeitos da música relacionados a necessidades diversas como, por

exemplo, durante tratamentos intensivos em pacientes neonatais, cardiológicos, pulmonares,

no acompanhamento de procedimentos cirúrgicos, radiológicos, oncológicos, nas reabilitações

físicas e neurológicas, entre outros.

Segundo Maranto (in: Wigram et al  , 1995, p. X), a musicoterapia é uma área que

engloba arte e ciência. Os procedimentos sistematizados na prática clínica dependem dos

objetivos terapêuticos a serem alcançados e os resultados obtidos são difíceis de serem

relatados dentro de modelos tradicionais de pesquisa quantitativa. Por essa razão, métodos de

 pesquisa qualitativa assim como a combinação de métodos quantitativos e qualitativos devem

ser considerados visando uma análise consistente.

Page 53: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 53/87

  52

Standley (in: Spintge; Droh, 1989, p. 365) realizou um extenso trabalho de

investigação baseado nos resultados de pesquisas realizadas entre os anos de 1957 e 1989, que

avaliavam os efeitos da música em tratamentos médicos com os objetivos de sistematizar,

tanto quanto possível, respostas corporais similares e delinear as implicações do uso da

música na área médica. A maioria dos trabalhos científicos analisados enfocava os efeitos

audioanalgésicos ou ansiolíticos da música. Os dados obtidos foram comparados e

contrastados estatisticamente através de múltiplas variáveis possibilitando que os resultados

fossem transferidos para aplicações clínicas, assim como as implicações técnicas do

tratamento musicoterápico fossem descritas e identificadas.

O interesse dos médicos, musicoterapeutas e outros profissionais de saúde por essetipo de pesquisa crescia à medida que os efeitos do estresse afetavam um número cada vez

maior de pessoas acarretando graves problemas de saúde e, principalmente, com a constatação

clínica de que o estresse crônico afetava o sistema imunológico.

Aldridge e Brandt (1991) (in: Wigram, 2002, p. 147) estudaram a importância da

musicoterapia no tratamento da inflamação do trato gastro intestinal, pois na base dessa

desordem poderia haver um componente imunológico influenciado pelo estresse crônico.

 Nesse estudo, os autores tentaram traçar correlações entre o comportamento dos

 pacientes, descrito de acordo com a literatura médica, e os elementos de suas improvisações

musicais, descrito de acordo com os parâmetros musicais. Estabelecendo uma comparação

entre o comportamento de perda de mobilidade intestinal com os elementos que surgiam na

improvisação musical dos pacientes observou-se, nesta, a falta da flexibilidade rítmica, não-

responsividade às mudanças de tempo e falta de fraseado rítmico.

Aldridge acreditava que se a mobilidade intestinal é rítmica, parece ser razoável que

a musicoterapia possa restaurar ou promover a flexibilidade rítmica. Assim como o sistema

imunológico que é um ritmo ultradiano. “A música pode promover o arrastamento de vários

sub-sistemas fisiológicos.” (ALDRIDGE, 1996, p.180)

Esse trabalho é importante na medida em que avalia cientificamente as condições

 patológicas através da musicoterapia improvisacional.

Page 54: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 54/87

  53

Além desse estudo, o Dr. David Aldridge, PhD., professor de pesquisa clínica da

faculdade de medicina na Universidade de Witten Herdecke, Alemanha, conduziu vários

estudos interdisciplinares nas quais profissionais de diferentes áreas contribuíram para o

levantamento de metodologias adequadas para a pesquisa em musicoterapia relatadas no livro

Musicoterapia Pesquisa e Prática em Medicina, de sua autoria. Editou ainda cerca de dez

livros relatando como a musicoterapia pode ser uma intervenção eficiente em diferentes áreas

médicas.

Em São Paulo, a musicoterapeuta Cléo Monteiro França Correia realiza um trabalho

de musicoterapia voltado para reabilitação neurológica de pacientes geriátricos em parceria

com o Departamento de Neurologia da Unifesp-Universidade Federal de São Paulo. Pacientescom Alzheimer, demência fronto-temporal, demência vascular e outras síndromes clínicas

cadastrados no Nudec-Núcleo de Envelhecimento Cerebral são encaminhados para a

musicoterapia no intuito de atenuar, por meio de recursos sonoro-musicais, o declínio das

funções intelectuais incluindo memória, linguagem, função executiva e habilidades visuo-

espaciais, dos distúrbios comportamentais como a agitação, agressividade, apatia, além do

declínio social e do isolamento.

 No atendimento musicoterápico, pacientes com problemas de linguagem (afásicos) e

com déficits de memória, surpreendentemente, cantam entoando as letras de suas canções

 preferidas estimulando, assim, padrões de ativação neural relacionados às lembranças e as

áreas do cérebro envolvidas na sensação de prazer. As ações decorrentes dessa e de outras

 práticas utilizadas na musicoterapia auxiliam o paciente a restaurar a auto-confiança, o

interesse e a concentração reduzindo o sentimento de inutilidade e insegurança.

Quando os aspectos fisiológicos referentes à captação e decodificação do som estão

 preservados no paciente, as respostas aos estímulos sonoro-musicais estão diretamente

relacionadas a questões subjetivas como atenção e interesse associados a fatores emocionais.

Wigram (2002, p. 57) relata que a maioria das pesquisas demonstra que os efeitos da

música são maiores quando a música tem mais significado para o ouvinte e que as reações

emocionais à música provocam reações fisiológicas nos indivíduos e vice-versa. O

musicoterapeuta deve observar e considerar essas reações como parte do processo de

investigação sobre o paciente.

Page 55: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 55/87

  54

O fato da música evocar estados e experiências afetivas deve ser cuidadosamente

considerado tanto na prática clínica quanto na audição musical aplicada em pesquisas porque

os sentimentos que correspondem às emoções podem ser benéficos ou maléficos e irão refletir

diretamente no sistema orgânico do ouvinte. Sendo assim, faz-se necessário proceder uma

investigação minuciosa com relação ao histórico sonoro-musical do cliente/paciente antes de

dar início ao tratamento.

3.5 – Identidade Sonora – O Princípio de ISO

Conforme foi exposto, os indivíduos reagem ao som e à música espontaneamente

 pressupondo-se haver registros na memória remota ou de evocação que classificam essesestímulos como agradáveis ou desagradáveis. As preferências tanto quanto a indiferença com

relação às músicas podem revelar características psicológicas e conteúdos internos do

 paciente relevantes para o desenvolvimento do processo terapêutico.

 No início do atendimento musicoterápico, enquanto ainda está se formando o vínculo

com o musicoterapeuta, recomenda-se que sejam utilizados os sons e as músicas com os quais

o paciente se identifica visando promover a ressonância entre o estímulo e o paciente.

O princípio de ISO foi desenvolvido pelo psiquiatra americano Dr. Ira Altshuler

(1943) durante suas experiências clínicas, com música, realizadas no Eloise Hospital, EUA,

Altshuler verificou que o humor e o tempo mental do paciente podem ser

influenciados mais rapidamente pela música cujo caráter e andamento coincidam com esse

tempo mental. Com um paciente depressivo empregava música de caráter triste, emtonalidade menor, conseguindo desse modo um envolvimento mais rápido do que se usasse

música alegre, viva. (LEINIG, 1977 p.71). Ao contrário, os pacientes maníacos, cujo tempo

mental se apresenta rápido, disperso, podem ser estimulados ao entrar em contato com a

música de tempo “allegro”, “vivace”, do que com um “andante.” (BENENZON, 1988, p. 33)

Hoje, entretanto, essas considerações são bastante contestadas. Não se pode afirmar

que o caráter e o modo (maior ou menor) da obra musical estejam relacionados com estados

de ânimo. Pode-se citar como exemplo a música Tristesse, de Frédéric Chopin, que apesar de

ter sido composta na tonalidade maior, possui um caráter melancólico.

Page 56: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 56/87

  55

Segundo Wigram (2002, p.110), na seleção de música para modificação do humor

dois princípios diferentes podem ser seguidos:

1 – Seguindo o princípio de ISO, a música deve ser selecionada visando manter o

humor do cliente no início e depois gradualmente induzir ao humor pretendido.

2 – Seguindo o princípio da compensação, a música deve ser selecionada visando

contrastar o humor do cliente e depois gradualmente retornar ao humor inicial.

O princípio de ISO trabalha no nível vegetativo onde a seqüência musical

corresponde ao senso de tempo orgânico do paciente (devagar/rápido;

accelerando/ritardando), excitação e elevação, tensão e relaxamento. O princípio dacompensação trabalha no nível emocional onde existe uma complexa interação entre o humor

expresso na música, o humor do paciente e o estado emocional. (ibid ., p.110)

Para Benenzon (1987, p.183), “ISO é um fenômeno de som e movimento interno que

resume nossos arquétipos sonoros, nossas vivências sonoras gestacionais intra-uterinas e

nossas vivências sonoras de nascimento e infantis até nossos dias.”

Baseado na teoria de Altshuler (1943), o autor preconiza que para produzir um canal

de comunicação entre terapeuta e paciente o tempo mental do paciente deve coincidir com o

tempo sonoro-musical executado pelo terapeuta.

 Na relação terapêutica, Benenzon (2002, p. 227) distingue a ocorrência de três

tempos característicos:

1) Tempo cronológico: é aquele cronometrado pelos aparatos criados pelo

homem. É o tempo que se consome.

2) Tempo biológico: é aquele que trazemos desde a época fetal e que vamos

 perdendo ao longo de nossa convivência, na civilização. O tempo

 biológico é aquele que devemos voltar a reconhecer em nós mesmos.

3) Tempo terapêutico: é o tempo que se estabelece no processo vincular e

que caracteriza a terapia, o paciente e seu musicoterapeuta. Tomar

consciência desse tempo permite avaliar a sincronia entre ambos e é parte

fundamental do mosaico dinâmico do ISO guestáltico e universal.

Page 57: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 57/87

  56

Como foi exposto, na área clínica, as constatações sobre a existência do tempo

 biológico e suas possíveis interações com a musicoterapia não são recentes. No campo da

 pesquisa científica, por sua vez, cresce o interesse em elucidar os mecanismos de

sincronização entre as estruturas rítmicas orgânicas e os estímulos sonoro-musicais.

O fenômeno da sincronização e da temporalidade tem sido igualmente alvo de

estudos na neurociência. Damásio (1996, p. 121) argumenta que o cérebro humano processa

simultaneamente, através do mecanismo da sincronização, representações de todas as

modalidades sensoriais ativas quando experienciamos ao mesmo tempo o som, o movimento,

a forma e a cor, num registro temporal e espacial perfeito.

Para que a interpretação cognitiva e emocional dos dados possa ser processada e

compreendida ocorre o que vários teóricos têm chamado de ligação pelo tempo (time binding)

desses conjuntos de atividade neural localizados em regiões cerebrais distintas. (ibid ., p.122)

 No próximo capítulo, será enfocado propriamente o tema central deste trabalho

referente aos fenômenos de sincronização entre os ritmos biológicos e os ritmos sonoros

começando pela descrição do conceito de entrainment (arrastamento), em seguidaapresentando um breve histórico da evolução das pesquisas nesse campo, citando as

abordagens e técnicas da musicoterapia que favorecem esses mecanismos, culminando com o

relato de pesquisas recentes realizadas nas áreas da cronobiologia e musicoterapia sobre o

assunto.

Page 58: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 58/87

  57

CAPÍTULO 4 – AS INTERAÇÕES ENTRE OS RITMOS BIOLÓGICOS E OS

RITMOS SONOROS

Conforme foi descrito no primeiro capítulo deste trabalho, os ritmos biológicos são

eventos inerentes a todos os organismos vivos que se repetem regularmente, interagindo entre

si e com o meio ambiente.

Os ritmos sonoros, por sua vez, são elementos inerentes à música que se repetem na

forma de sucessão temporal organizando os valores de duração do som.

Podem-se observar paralelos significativos entre as estruturas temporais presentesnos ritmos biológicos e nos ritmos musicais. Ambos organizam o movimento em um fluxo

dinâmico de contração e relaxamento cujos parâmetros são medidos em periodicidade

(duração), fase, amplitude (intensidade) e composição das freqüências (altura).

Para Langer (apud Sekeff, 2007, p. 118):

Há relações entre música e ritmo humano, pulso e tempo musical pois certos

aspectos da chamada vida interior e da vida física e mental apresentam propriedades formais similares às da música: esquemas de movimento erepouso, de tensão e distensão, de preparação, satisfação, excitação erelaxamento.

Antes de enfocar as questões referentes ao assunto deste capítulo, faz-se necessário

discorrer sobre os conceitos de alguns fenômenos envolvidos nas interações entre ritmos

 biológicos e ritmos sonoros.

4.1 - Conceito de Entrainment 

O fenômeno intitulado entrainment  pela ciência contemporânea foi observado, pela

 primeira vez, em 1665, pelo cientista alemão Christian Huygens quando percebeu que dois ou

mais osciladores no mesmo campo, pulsando quase ao mesmo tempo, tendem a um

deslocamento que faz com que passem a pulsar sincronizados.

Page 59: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 59/87

  58

“A razão da ocorrência deste fenômeno atribui-se ao fato de que na natureza a

energia mais eficiente prevalece e gasta-se menos energia pulsando-se em conjunto do que em

oposição.” (1978 apud LEONARD; WIGRAM et al., 1995. p. 64). É importante salientar que

 para a sincronização ocorrer é essencial que os dois osciladores estejam pulsando quase ao

mesmo tempo.

Atualmente, os mecanismos de entrainment são estudados por pesquisadores de áreas

diversas como biológicas, exatas e humanas. Na área da saúde, esse fenômeno tem sido alvo

de investigações pela cronobiologia, musicoterapia, psicologia, entre outras.

 Na área da cronobiologia, entrainment  ou arrastamento é definido como:

Ajuste temporal de um ritmo por um outro ritmo. Mais comumente, refere-seao processo de ajuste temporal de organismos a ciclos ambientais (como asincronização do ritmo da temperatura central com o claro/escuroambientais). Diz-se que um ritmo está arrastado quando mantém relações defase estáveis com o ciclo arrastador. (MARQUES & MENNA-BARRETO,2003, p.362)

 Na área da musicoterapia, entrainment é definido como:

a utilização de vibrações, de sons e de música sob várias formas elementarese combinadas para estabelecer sincronismo com as respostas corporaisvoluntárias ou autônomas: entre o cliente e a música, entre partes do corpodo cliente e entre o cliente e outra pessoa. Os estímulos utilizados podem sergravados ou criados pelo terapeuta e/ou cliente, podendo ser instrumentaisou vocais (BRUSCIA, 1998, p.130).

Uma vez que no fenômeno do entrainment   dois ou mais processos rítmicos

independentes sincronizam entre si ajustando-se até travar em uma fase e/ou periodicidade

comuns cabe ressaltar o conceito de sincronização.

Para a cronobiologia, sincronização significa “a manutenção de relação de fase

estável entre ciclos, podendo ocorrer através de arrastamento (entrainment ) ou

mascaramento.” (MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.367)

Sendo assim, os ritmos biológicos endógenos podem ser alterados pelo ambiente de

duas maneiras distintas. A primeira, através do fenômeno de arrastamento “que envolve

controle de fase e período da oscilação arrastada e, em geral, pode somente ser efetuado

Page 60: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 60/87

  59

dentro de uma faixa de períodos, próximos ao período natural do sistema arrastado.” (1959

apud PITTENDRIGH & BRUCE; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.84)

 No arrastamento, o controle de fase e período é realizado pelo mecanismo do relógio

 biológico. E a segunda, através do fenômeno de mascaramento no qual “fatores ambientais

 podem ter uma ação direta sobre o ritmo expresso, modificando-o, sem que haja envolvimento

do relógio biológico.”(ibid ., 2003, p.84)

 No mascaramento, o organismo responde ao sinal ambiental instantaneamente, mas

não antes dele. Apesar de o mascaramento ser primariamente descrito para atividades

locomotoras, seus efeitos podem ser detectados em outras funções. (ibid ., p. 87)

O mascaramento pode ser detectado também em ritmos de outras freqüências, tal

como acontece com os ritmos ultradianos da atenção em humanos. Este ritmo é um ritmo

 básico, conhecido como ciclo básico de atividade e repouso ou BRAC (do inglês, basic rest

activity cycle), que tem um período de 1,5 hora. Efeitos mascaradores provocam uma

instabilidade destes ciclos e, conseqüentemente, uma dificuldade de reproduzir os resultados.

(1989 apud  LAVIE; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.87)

Se o arrastamento representa um mecanismo para a sincronização geral de um

indivíduo ao seu meio ambiente, o mascaramento parece ser adaptativamente importante para

o ajuste fino da ritmicidade biológica. (MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p. 90)

Além dos conceitos de entrainment , mascaramento e sincronização, faz-se necessário

citar a definição referente ao fenômeno da ressonância para auxiliar na compreensão dasdiferenças inerentes a cada um.

 No dicionário Aurélio encontra-se a seguinte definição de ressonância, no que diz

respeito ao aspecto físico: “transferência de energia de um sistema oscilante para outro

quando a freqüência do primeiro coincide com uma das freqüências próprias do segundo.”

(FERREIRA, 1975, p. 567)

Page 61: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 61/87

  60

Segundo Goldman (in: Spintge; Droh, 1992, p. 196): “ressonância pode ser definida

como a freqüência na qual, mais naturalmente, um objeto deseja vibrar. É um fenômeno

cooperativo entre dois objetos diferentes dividindo a mesma freqüência.”

 Na opinião do autor a ressonância ocorre de forma passiva na natureza, enquanto que

o entrainment  parece ser ativo. “Através do entrainment você está mudando padrões naturais

de oscilação de um objeto e substituindo-os por diferentes padrões de oscilação de outro

objeto. Você está mudando ativamente a vibração (a freqüência ou ritmo) de um objeto para

outro padrão.” (ibid., p. 196)

Concluídas as definições dos fenômenos envolvidos nas interações entre ritmos biológicos e ritmos sonoros, será descrito na próxima seção de que forma podem ocorrer

sincronizações entre os mesmos.

Cabe salientar que neste trabalho não serão abordados assuntos referentes a

ressonância, uma vez que esse fenômeno não é enfocado nas pesquisas realizadas na

cronobiologia . O conceito foi descrito somente no intuito de esclarecer o quanto possível

eventuais dúvidas sobre o tema.

4.2 – Mecanismos de interação entre os ritmos

Como foi exposto na seção 1.3 (p. 21), os ritmos biológicos são classificados de

acordo com a sua periodicidade.

Os ritmos circadianos apresentam períodos de oscilação girando em torno de 20 a 28

horas, de acordo com a espécie, os ritmos infradianos apresentam períodos de oscilação

superiores a 28 horas e os ritmos ultradianos apresentam períodos de oscilação inferiores a 20

horas.

 No quadro a seguir, são apresentados alguns exemplo de ritmos biológicos com

diferentes periodicidades.

Page 62: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 62/87

  61

 Fig. 04 – Variações das freqüências das

funções rítmicas em humanosFonte: HILDEBRANDT, 2002

A ritmicidade biológica dos indivíduos é um sistema bastante complexo que envolve

inter-relações entre diferentes padrões de oscilação. Conforme explica Koepchen (in: Spintge;Droh, 1992, p. 40) “nós temos percepção de somente uma parte muito limitada de todos esses

ritmos. Existe um amplo espectro o qual pode ser medido utilizando métodos objetivos.”

Vários pesquisadores, entre as décadas de 50 e 60, levantaram suposições referentes

às possíveis interações entre a música e os ritmos biológicos. “A música tende a ativar os

ritmos humanos inerentes a cada um.” (ALTSHULER 1960; ALVIN 1966, COTTON 1965;

GILLILAND 1957; in: Spintge; Droh, 1992, p. 267)

 Na década de 90, Aldridge (1993, p.19) considerava que “se a música pode

influenciar condições fisiológicas como batimentos cardíacos ou pressão sangüinea, talvez

 possa ser usada terapeuticamente para ajudar pacientes com disfunções cardíacas ou

hipertensão.”

Page 63: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 63/87

  62

Mais recentemente, Saperston (in: Wigram et al., 1995 , p. 65) sugere que:

ambos, estímulos musicais e respostas fisiológicas são constituídos devibrações que ocorrem de uma forma regular e periódica. Sendo assim,

estímulos musicais e respostas fisiológicas consistem em oscilações.Considerando-se que entrainment   é o ajustamento de fase de oscilações, é possível que estímulos musicais possam sistematicamente funcionar comosincronizadores ( zeitgeber ) para influenciar mudanças previsíveis nasrespostas fisiológicas através do entrainment .

De acordo com os resultados de várias pesquisas, os estímulos sonoro-musicais

 podem efetivamente arrastar e sincronizar os ritmos biológicos. O fenômeno do arrastamento

ocorre com mais freqüência nos ritmos ultradianos, que oscilam em uma periodicidade

inferior a 20 horas, ou seja, o ritmo das ondas cerebrais, o ritmo da respiração, o ritmo dosmovimentos motores, o ritmo cardiovascular e o ritmo básico de atividade e repouso (BRAC).

Koepchen (in: Spintge; Droh, 1992, p. 41) comenta que:

certamente deva ser mais do que pura coincidência o fato de que a extensãodas freqüências instaladas no metrônomo que é utilizado no treino prático damúsica, corresponde exatamente a extensão da freqüência das batidas docoração que ocorrem entre o repouso e a intensa atividade física.

Com relação aos mecanismos de interação é preciso considerar mais uma questão.

Pode ocorrer uma resistência voluntária, por parte do indivíduo ao fenômeno da

sincronização.

4.3 – Estudos pioneiros envolvendo ritmos sonoros e ritmos biológicos

Antes de relatar as primeiras investigações relacionadas às interações entre ritmos

sonoros e ritmos biológicos, serão citadas as idéias de alguns teóricos sobre as relações entre

arte e saúde.

Vigotski (1896-1934) sugeria que existem princípios psicofísicos que servem de base

à arte. Em sua opinião, “todo o nosso comportamento não passa de um processo de equilíbrio

do organismo com o meio e, pelo visto, a arte resolve e elabora aspirações extremamente

complexas do organismo.” (VIGOTSKI, 1998, p. 309)

Page 64: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 64/87

  63

O neurologista Oliver Sacks (1986) opina que “por maior que seja o problema

orgânico isso não diminui a possibilidade de reintegração pela arte, pela comunhão, abrindo o

espírito humano e isso pode ser constatado mesmo em estados neurológicos devastados que

aparentam não ter esperança.” (ALDRIDGE, 1996, p.44)

O educador musical Jacques Emile Dalcroze (1865-1950) acreditava que “é

indispensável, no campo da música ou qualquer outro domínio, ocupar-se dos ritmos do ser

humano, favorecer na criança a liberdade de suas ações musculares e nervosas, ajudá-la a

triunfar sobre as resistências e inibições e harmonizar suas funções corporais com as do

 pensamento.” (BENENZON, 1985, p. 126)

Ao que parece, as opiniões formuladas expressam a percepção que os autores têm

sobre experiências cotidianas, embasadas em observações empíricas sobre a importância da

arte tanto nos aspectos físicos quanto psíquicos. Os dados analisados não foram colhidos em

laboratório, porém as conclusões a que chegaram denotam consistência e credibilidade.

A ciência, por sua vez, busca comprovar hipóteses dentro dos mais rígidos padrões

metodológicos visando garantir a confiabilidade dos resultados tanto nas pesquisas teóricasquanto experimentais.

Pesquisas científicas enfocando respostas fisiológicas à música vêm sendo realizadas

desde o século XIX. Conforme relata Saperston (in: Wigram et al., 1995, p.58) “apesar de

numerosos estudos terem explorado os efeitos da música em uma variedade de respostas

fisiológicas, revisões dessas investigações tem demonstrado que pouco tem sido estabelecido

quanto a esse fenômeno.”

Esse fato se deve, principalmente, a problemas metodológicos associados à

apresentação sistemática do estímulo musical, assim como o registro confiável das respostas

fisiológicas. (ibid ., p.60)

Page 65: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 65/87

  64

Com relação aos problemas metodológicos:

As tentativas de classificar os resultados e formular conclusões significativas são

questionáveis. As seleções musicais são altamente complexas compostas de vários elementos

(timbre, tempo, ritmo, metro, etc.) assim como vários estilos e combinações instrumentais.

Dainow (1977) recomenda que futuras pesquisas devam considerar alguma padronização do

estímulo musical e Hodges (1980) conclui que as definições de música estimulante e música

relaxante são muito gerais e não permitem a distinção suficientemente clara entre os dois tipos

de música. (ibid ., p.60)

Outra questão refere-se à variação na qualidade do equipamento de reprodução usadona apresentação do estímulo musical durante as investigações fisiológicas como, por exemplo,

fones de ouvido monaural (1938), gravadores acoplados a caixas-acústicas (1957), gravador

de 12 polegadas conectado a um fonógrafo de alta-fidelidade (1952) e gravadores com fones

de ouvido estereofônicos (1973). A variabilidade entre os equipamentos de reprodução

utilizados nos estudos sugere que os sujeitos foram expostos a estímulos qualitativamente

diferentes. (ibid ., p.61)

Com relação aos problemas de qualidade técnicas da mensuração:

 Na literatura percebe-se a utilização de variadas técnicas de mensuração. Por

exemplo, para registrar os batimentos cardíacos foram utilizados eletrencefalograma (EEG)

conectado ao pulso (1938), medida de pulso manual (1957), eletrodos colocados no peito e

acoplados a um transmissor telemétrico (1979) e um cardiotacômetro fotoelétrico acoplado ao

lobo da orelha (1963). A diversidade das técnicas dificulta a generalização dos resultadostornando inapropriada a comparação com estudos mais recentes. (ibid ., p.61)

Os problemas relatados evidenciam os motivos pelos quais são encontrados nas

 pesquisas resultados tão discrepantes. (ibid ., p.61)

Os recentes avanços tecnológicos possibilitam o controle sistemático dos

componentes do estímulo musical (tempo, timbre, ritmo, etc.), alterando um enquanto que os

outros se mantém constantes, através da utilização de música sintetizada. Essas investigações

Page 66: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 66/87

  65

 podem conduzir a informações mais precisas sobre música estimulante ou relaxante e pode

auxiliar o desenvolvimento de novos modelos de investigação. (ibid ., p.62)

Outros avanços tecnológicos incluindo a instrumentação fisiológica menos invasiva,

 programas de computador desenvolvidos para registrar dados fisiológicos seguros,

automaticamente, e equipamento de reprodução musical de alta qualidade permitem eliminar

os problemas metodológicos encontrados em pesquisas anteriores. (ibid ., p.62)

Consta na literatura que as primeiras investigações relacionadas especificamente aos

mecanismos de entrainment   associados à estímulos auditivos ocorreram a partir dos anos 40.

Conforme relata Saperston (in: Wigram et al.,1995, p. 65):

Lovell e Morgan (1942) constataram que padrões de respiraçãoaproximaram-se aos padrões de um tom regular e recorrente, enquanto queum estudo mais recente na Escola de Medicina da Universidade de NovaIorque, Hass et al., (1986) demonstraram que padrões de respiração damaioria dos sujeitos foram sincronizados através de ritmos musicaisgravados previamente. Bason e Celler (1972) afirmaram que batimentoscardíacos dos sujeitos estudados, sincronizaram através da apresentação de

 pulsos audíveis no preciso tempo, do ciclo cardíaco, medido noeletrocardiograma.

A pesquisa de Bason e Celler (1972) demonstrou que quando o pulso audível ocorria

dentro dos limites de variação do ciclo cardíaco, os batimentos poderiam aumentar ou

diminuir em 12% dentro de um período de 3 minutos ou menos. Flutuações nos batimentos

causadas pela respiração permaneceram. Porém, tendiam a ser menores quando o ritmo do

coração estava arrastado pelo estímulo auditivo. Quando o pulso não estava dentro do limite

de variação do ciclo cardíaco nenhuma alteração ocorria. (ALDRIDGE, 1993, p. 19)

A premissa de que o ritmo musical é um marca-passo (estimula a contração muscular

cardíaca) foi investigada por Hass e seus colegas (1986). Os pesquisadores examinaram os

efeitos dos ritmos musicais em padrões respiratórios, um padrão que serve tanto às funções

metabólicas quanto comportamentais. Os sujeitos, primeiramente, ouviam um metrônomo

ajustado em 60 batidas por minuto e batiam essa marcação em um microfone após um

determinado período. Em seguida eram submetidos a cinco condições de estímulo: quatro

trechos musicais que deveriam ser acompanhados por batimentos e um período de silêncio.

(ibid ., p.19)

Page 67: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 67/87

  66

Durante a experiência, não foram encontradas mudanças significativas nos

 batimentos cardíacos indicando alterações metabólicas, por outro lado, constatou-se que os

ritmos respiratórios foram sincronizados pelo ritmo musical, expresso pelas batidas

realizadas. (ALDRIDGE, 1993, p. 20)

Outro estudo realizado por Safranek et. al (1982) sugeriu que atividades musculares

diminuem quando o sujeito realiza tarefas motoras acompanhadas por ritmos musicais

similares aos padrões rítmicos de batimento cardíaco dos mesmos. (ibid ., p.20)

As pesquisas descritas até aqui foram extraídas de livros e artigos da área de

musicoterapia, mas foram conduzidas por pesquisadores de outras áreas. A seguir serãocitadas algumas técnicas receptivas que são utilizadas na clínica e parecem favorecer o

arrastamento dos ritmos biológicos dos pacientes, bem como serão relatados trabalhos

científicos voltados para a área de musicoterapia enfocando os mecanismos de entrainment ,

4.4 - A Musicoterapia e suas interações com os ritmos biológicos

Existem técnicas dentro do método receptivo de musicoterapia que parecemfavorecer o arrastamento (entrainment ) da ritmicidade dos indivíduos, em função de

determinados estímulos sonoro-musicais. Bruscia (1988, p.129)) compilou um total de 20

técnicas receptivas e mais 15 subtipos. Dentre essas, serão destacadas algumas que se

relacionam com o sistema corporal:

Escuta Somática: A utilização de vibrações, de sons e de música sob várias formas

elementares e combinadas para influenciar diretamente o corpo do cliente e sua relação comas outras facetas do cliente.

 Entrainment : A utilização de vibrações, de sons e de música sob várias formas

elementares e combinadas para estabelecer sincronismo com as respostas corporais

voluntárias ou autônomas.

 Biofeedback   Musical: A utilização da música para fornecer  feedback auditivo

contínuo das funções corporais autônomas (por exemplo, pressão sangüínea, freqüência

Page 68: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 68/87

  67

cardíaca, níveis hormonais, secreção glandular, etc.) durante a utilização da tecnologia de

biofeeedback .

Anestesia Musical: A utilização da escuta musical para aumentar os efeitos de drogas

anestésicas e analgésicas, induzir insensibilidade à dor sem anestesia, reduzir ou controlar a

dor, e reduzir a ansiedade associada à dor.

Relaxamento Musical: A utilização da escuta musical para reduzir o estresse e a

tensão, reduzir a ansiedade ou aumentar o condicionamento contra a ansiedade, induzir

relaxamento corporal, ou facilitar a entrada em estados alterados de consciência.

Escuta Eurrítmica: A utilização da música para organizar ritmicamente e monitorar

os comportamentos motores do cliente, inclusive da fala, da respiração, das seqüências de

movimentos grossos e de movimentos finos, dos exercícios corporais, e de passos formais de

dança.

Foram citadas algumas técnicas musicoterápicas receptivas, pois as mesmas têm

como objetivo evocar respostas corporais específicas, mas é preciso ressaltar que as técnicasde musicoterapia “inter-ativa” (Barcellos, 1992), igualmente, induzem respostas

 psicofisiológicas e, por conseguinte, devem favorecer o arrastamento dos ritmos biológicos.

 Na visão de Aldridge, (1996, p.52):

“quando a periodicidade normal dos ritmos ultradianos, responsáveis pelaregulação do sistema autonômico e dominância cerebral, é interrompida peloestresse, reações psicossomáticas podem ocorrer. A restauração de umaresposta rítmica hipotalâmica integrada pode ser um fator importante no

 processo da cura. É provável que a musicoterapia seja um meio ideal para promover essa integração e regulação através do ritmo.”

O fenômeno do arrastamento pode ocorrer na clínica, através de técnicas

musicoterápicas e no ambiente de laboratório, através de procedimentos metodológicos

 padronizados.

O musicoterapeuta, por definição, possui competências específicas para exercer

 plenamente o seu trabalho que inclui a aplicação de técnicas que podem induzir respostas

Page 69: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 69/87

  68

 psicofísiológicas, bem como qualificação necessária para assumir as responsabilidades

inerentes as intervenções terapêuticas que realiza.

Com relação às investigações científicas envolvendo os mecanismos de entrainment  

desenvolvidas na área de musicoterapia, foram encontradas, na literatura especializada,

citações aos trabalhos de Mark Rider, Bruce Saperston e Michael Thaut.

Mark Rider realiza pesquisas desde a década de 80, tendo publicado diversos artigos

abordando a técnica do entrainment . Em 1985, realizou uma investigação para verificar se a

aplicação do princípio de ISO na seleção das músicas tocadas durante o relaxamento muscular

 progressivo associado a imagens poderiam acarretar mudanças fisiológicas nos sujeitos. Osresultados demonstraram que músicas selecionadas pelo princípio de ISO foram mais efetivas

na redução da tensão muscular. Nesse mesmo ano, outra pesquisa conduzida por Rider e

colegas demonstrou que música associada a imagem e relaxamento muscular progressivo

resultaram no re-entrainment   dos corticosteróides (hormônios do estresse) e temperatura

corporal. (WIGRAM et al., 1995, p.65) Essa pesquisa será descrita resumidamente na seção

4.6 deste capítulo.

Mais recentemente, Rider desenvolveu um procedimento terapêutico intitulado

homeodinâmica, baseado no fenômeno do entrainment que combina técnicas de imagem

improvisacional, biofeedback  e música. É, também, autor do livro “A linguagem rítmica da

saúde e doença”, baseado em seu trabalho de investigação científica enfocando música,

imagens, EEG e o sistema imunológico.

Bruce Saperston desenvolveu o modelo de música interativa fisiológica no qual umou mais elementos da música (ou combinações do mesmo elemento) são continuamente

apresentados em uma relação sistemática com o ritmo do organismo, com os limites de

 periodicidade necessários para o arrastamento do mesmo. Enquanto o ritmo do organismo

muda, tanto na direção desejada (em direção ao sincronizador musical) ou afastando-se dele, o

sincronizador musical é novamente apresentado dentro de novos limites de periodicidade

necessários para o arrastamento. O mecanismo é repetido de maneira contínua.

Page 70: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 70/87

  69

O processo é interativo por causa da hipotética relação de interdependência que

existe entre o estímulo musical e a resposta fisiológica. Um exemplo dessa abordagem seria o

uso do tempo interativo fisiológico alternando com os batimentos cardíacos. Primeiro, o

tempo da música é dependente do batimento cardíaco enquanto a música é apresentada em um

tempo logo abaixo do batimento cardíaco. Segundo, se o tempo está dentro dos limites de

 periodicidade necessários para o arrastamento o batimento cardíaco é influenciado pelo

tempo. Terceiro, o tempo é novamente influenciado pelo batimento cardíaco uma vez que é

apresentado logo abaixo do novo batimento cardíaco. (WIGRAM et al., 1995, p.65)

Michael Thaut pesquisou, igualmente, os mecanismos do entrainment relacionados,

 principalmente, à influência de estímulos rítmicos externos nas atividades motoras. Em 1985,realizou uma pesquisa com crianças com disfunção motora grossa e os resultados

demonstraram que as crianças atuaram com uma melhora significante no ritmo motor quando

ajudadas por discurso rítmico e ritmos audíveis. Neste trabalho, concluiu-se que ritmos

musicais podem ser usados por sua influência terapêutica em parâmetros fisiológicos.

(ALDRIDGE, 1995, p.44)

Thaut participou de pesquisas voltadas ao tratamento de pacientes com desordensneurológicas como doença de Parkinson obtendo significativo sucesso usando pulso e ritmo

 para regularizar e estimular padrões de marcha. (Wigram et al., 2002, p.224). Publicou

inúmeros artigos científicos que são muito citados tanto na área da musicoterapia como em

outras afins. Em 2003, estudou a dinâmica neural do entrainment através das respostas das

ondas cerebrais tendo identificado redes neurais envolvidas em sincronização motora frente a

ritmos auditivos. (in: THAUT, 2003, N.Y. Acad. Sci, 999: 364-373). O artigo de Thaut e

colegas que será descrito nesta monografia intitula-se “A conexão entre ritmicidade e funçõescerebrais – Implicações para Terapia nas Desordens do Movimento”. (vide seção 4.6 – p.64)

Aspectos relacionados a ondas cerebrais são estudados também pelo musicoterapeuta

Raul Brabo que desenvolveu, uma técnica de musicoterapia associada a eletroestimulação,

aplicada ao tratamento e prevenção do estresse.

A técnica, denominada AudioMusicoTens, consiste na audição de músicas

selecionadas (musicoterapia receptiva) de acordo com o princípio de ISO (descrito na seção

3.5, p.54) e, simultâneamente, a aplicação de eletroestimulação nervosa transcutânea

Page 71: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 71/87

  70

(T.E.N.S.) visando promover no indivíduo uma “resposta induzida por freqüência”: fenômeno

que evidencia a modificação das ondas cerebrais, frente a estímulos exteriores, dentre eles o

som, ao qual certas áreas do nosso cérebro tende a adotar o mesmo padrão de freqüência do

estímulo sonoro, após 12 minutos de estimulação em média, bem como, a seguir as variações

do estímulo, se essas forem lentas e progressivas. REVISTA BRASILEIRA DE

MUSICOTERAPIA, 1996, p. 25)

Os resultados auferidos demonstram que a técnica promove analgesia e relaxamento

através do rebaixamento natural da freqüência das ondas cerebrais.

4.5 – Trabalhos enfocando Cronobiologia e música

 Nesta seção serão relatadas investigações realizadas por dois cronobiologistas

renomados, localizadas através da Internet.

A primeira refere-se a uma pesquisa apresentada, em 2006, pelo Prof. Dr. Hans-

Ullrich Balzer, na conferência internacional intitulada O Impacto da Música – Um Diálogo

das Ciências e das Artes Sobre os Efeitos da Música em Arte, Educação e Medicina, realizadaem Viena. O objetivo do evento era estabelecer um diálogo interdisciplinar entre vários

campos da ciência envolvidos em pesquisas sobre os efeitos da música dentro de seus

específicos contextos. (www.mozart-science.at)

O Prof. Dr. Balzer atua como cronobiologista e diretor científico da Science Network

Man and Music e o seu campo de pesquisa engloba cronobiologia, distúrbios de estresse,

distúrbios do sono e medicina espacial. O trabalho que apresentou na conferência intitulava-se“Aspectos Cronobiológicos do Impacto da Música” hipotetizando que as respostas dos

indivíduos ao impacto da música podem ser analisadas utilizando-se informações relativas às

mudanças de estados biológicos corporais.

Foram conduzidos por ele e colegas, diversos estudos explorando a inter-relação

entre os ritmos biológicos e as funções vegetativas (respostas emocionais, neurológicas e

motoras) de sujeitos saudáveis e pacientes com depressão, submetidos à audição musical.

Page 72: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 72/87

  71

Primeiramente, os pesquisadores determinaram as alterações nos estados biológicos

através da análise de sucessão de tempo (time series), um conjunto de informações

estatísticas, compiladas, registradas ou observadas em diferentes datas ou períodos de tempo e

organizadas cronologicamente. As interações entre as funções vegetativas podem ser

demonstradas através de correlações cruzadas.

Os parâmetros musicais (flutuação de volume, espectro de freqüências e densidade

tonal) foram analisados através dos mesmos métodos matemáticos aplicados às funções

vegetativas. O objetivo desses estudos era demonstrar como certos parâmetros fisiológicos

correspondem a componentes específicos contidos na estrutura da música.

Balzer hipotetiza que os ouvintes apreciam a música quando os ritmos biológicos

contidos na mesma (analisados por métodos matemáticos) começam a sincronizar com o seu

 próprio ritmo biológico.

As interações entre as funções vegetativas e a audição musical podem ser

demonstradas através de um complexo método matemático baseado em algoritmos

desenvolvido por Balzer, em 1986, que permite avaliar como o sistema nervoso autônomoreage ao estímulo acústico. Os resultados dos estudos demonstraram diferentes influências do

estímulo musical nos ouvintes dependendo da fase em que se encontravam seus ritmos

 biológicos (ativação/desativação) e das características da música.

Balzer demonstrou em um gráfico como a música e o sistema nervoso começavam a

sincronizar quando os ouvintes eram expostos à audição do concerto de piano nr. 17, de

Mozart.

Page 73: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 73/87

  72

 Fig. 05 – Reação do sistema nervoso autônomo ao estímulo acústico

Fonte: www.ostina.org

O pesquisador acredita que através de correlações-cruzadas, as inter-relações entre as

mudanças do estado vegetativo e as mudanças do estado musical podem ser demonstradas e

esse conhecimento aplicado terapeuticamente.

O segundo trabalho a ser relatado refere-se ao artigo intitulado Fundamentos

Biológicos da Administração do Estresse - Aspectos Cronobiológicos da Fisiologia da Música

escrito pelo Prof. Dr. Gunther Hildebrandt. (www.micromusiclaboratories.com)

O Prof. Dr. Hildebrandt é cronobiologista fundador da Sociedade Européia para

Cronobiologia e foi vice-presidente da Sociedade Internacional para Cronobiologia – ISC, pormuitos anos. Atualmente é professor emérito da Escola de Trabalho Fisiológico e Pesquisa em

Reabilitação da Universidade de Marburg e desenvolve estudos visando demonstrar como o

 processo rítmico biológico de organismos saudáveis seguem as leis harmônicas da natureza

 presentes também na estrutura da música. Em seu artigo, ele comenta que a música e o

movimento musical são formas de arte realizadas no tempo e constituídos de organismos

temporais. Sendo assim, os eventos biológicos em humanos que igualmente são estruturados

no tempo possuem equivalência e reagem ao sistema musical.

Page 74: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 74/87

  73

Devido aos recursos terapêuticos e educacionais da música, ele considera ser de vital

importância conhecer de que forma suas funções temporais interagem no organismo.

Estudos analíticos espectrais dos ritmos respiratórios e circulatórios durante o sono, à

noite, têm demonstrado que assim como a relação entre pulso e respiração, a relação de

freqüência do ritmo da pressão sanguínea e o ritmo da circulação periférica são ajustados com

grande precisão ao quociente de valor 4:1 (oitava dobrada) se, durante o sono, à noite, as

funções regeneradoras do sistema metabólico predominarem. Os ritmos da respiração e do

coração estão no centro de polarização da organização rítmica dos humanos. Em vista desta

 posição central no espectro total dos ritmos autonômicos não é de surpreender que essas áreas

estão especialmente próximas das experiências musicais e movimento musical.

Hildebrandt afirma que no conjunto, uma investigação mais detalhada das funções

rítmicas corporais mostra que os elementos básicos da música podem ser encontrados em

humanos. Assim como, apresentam os mesmos princípios de organização funcional das

estruturas temporais.

A ilustração a seguir demonstra as freqüências rítmicas das áreas da respiração e docoração e suas relações com as funções rítmicas do sistema motor, assim como suas relações

com os ritmos musicais.

Page 75: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 75/87

  74

 Fig. 06 – Relações entre as freqüências dos ritmos cardíaco, respiratório, motores e musicais.

Fonte: Hildebrandt 2002

Ao final do artigo, Hildebrant conclui que não é possível provar em detalhes de que

forma a organização temporal dos humanos pode reagir a que tipo de música ou estímulo

musical. As experiências realizadas no campo da fisiologia musical e musicoterapia estão, em

 parte, limitadas à dimensão das funções vegetativas, ativação motora, sono e alívio da dor. A

investigação da organização temporal em humanos, entretanto, torna claro que, para todos oselementos básicos da música, aspectos funcionais fisiológicos adequados podem ser

encontrados. Esta consideração expande os pontos de vista e questionamentos da fisiologia

musical e musicoterapia, uma vez que são áreas que estudam os ritmos. As pré-condições

metodológicas relativas a isso já foram investigadas amplamente pela moderna cronobiologia.

4.6 – Pesquisas Científicas na Musicoterapia

 Nesta seção serão apresentados resumidamente trabalhos de pesquisa enfocando os

mecanismos de entrainment com interesse voltado para área da musicoterapia.

Page 76: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 76/87

  75

Mark Rider, PhD, musicoterapeuta, psicólogo e pesquisador, realizou uma extensa

investigação referente a cura, música, imagens, eletrencefalograma e o sistema imunológico.

Rider (1997) acredita que no mecanismo mente/corpo não somente o corpo afeta a

mente mas a mente pode também controlar o corpo. Com base nos resultados de seus estudos

desenvolveu a teoria homeodinâmica. “Homo” refere-se às similaridades entre corpo e mente,

incluindo canais de comunicação química idênticos, comunicações elétricas idênticas e

organização harmônica idêntica. O cérebro-mente, sistema imunológico e sistema da dor

(corpo) são inter-relacionados uma vez que utilizam as mesmas conexões neurais e se

comunicam através de mensageiros químicos como os neurotransmissores e endorfinas.

Uma vez que a musicoterapia estimula esses mensageiros químicos, pode ser um

recurso efetivo para alterar o humor e a dor.

Em sua opinião, toda atividade elétrica e química no corpo e mente oscila em ritmos.

As ondas cerebrais, os hormônios, os neurotransmissores e o sistema imunológico tem ritmos

circadianos, assim como ritmos mais rápidos e mais lentos, criando uma organização

harmônica. O fato de todos os sistemas em nosso corpo atuarem ritmicamente sugere que osindivíduos são facilmente arrastados ou alterados através do processo do Princípio de ISO.

Em 1985, Rider e colegas conduziram uma pesquisa visando avaliar os efeitos da

música, imagem guiada (GI) e relaxamento progressivo muscular (PMR) sobre os

corticosteróides adrenais (hormônios do estresse). Foram concebidas hipóteses baseadas no

teor médio da amplitude circadiana, do re-arrastamento da temperatura corporal e dos

corticosteróides da urina através da audição de fita musical e indução verbal. Foramrecolhidas amostras de urina e registrada a temperatura corporal de enfermeiras quando se

deslocavam para o trabalho durante três dias, com intervalos, no período de um mês. As

enfermeiras ouviam a fita em uma base diária começando após o primeiro período de registro.

Os resultados indicaram que a amplitude circadiana reduziu de forma acentuada e o

ritmo da temperatura foi significativamente mais arrastado durante a audição. O teor médio

dos níveis de corticosteróide na urina também diminuiram. Os pesquisadores concluiram que

devido a estreita relação entre os hormônios do estresse e o sistema imunológico, os

resultados sugerem a relação entre música, técnicas de relaxamento e saúde física.

Page 77: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 77/87

  76

Michael Thaut, PhD., é diretor científico do Centro para Pesquisas Biomédicas em

Música, na Universidade do Estado do Colorado. Tem publicado extensivamente pesquisas

nas áreas de neurociência dos sistemas auditivo e motor, fisiologia musical, psicologia,

reabilitação neurológica e musicoterapia.

O artigo intitulado “A conexão entre ritmicidade e funções cerebrais – Implicações

 para Terapia nas Desordens do Movimento”, escrito por Thaut e colegas em 1999, será citado

nesta monografia por sua relevância para a área da musicoterapia, uma vez que, os autores

ressaltam a eficácia da aplicação de técnicas musicoterápicas para a obtenção de respostas

motoras em pacientes com disfunções neurológicas.

 Neste artigo, são discutidas questões referentes às aplicações de estruturas rítmicas

sonoras na reabilitação motora. O mecanismo fisiológico para essa conexão é baseado em

interações entre os sistemas auditivo e motor frente a estímulos sonoros que podem provocar

e aumentar a excitação dos neurônios motores espinais (localizados na saída da medula)

mediados pelo circuito motor auditivo. Em outros artigos, já havia sido demonstrado que

 padrões sonoros de estrutura rítmica, como uma simples melodia em um compasso 2/4, pode

arrastar o tempo dos padrões de ativação muscular.

Foram realizados testes clínicos com pacientes hemiparéticos utilizando-se a

freqüência de um metrônomo em uma composição instrumental do período renascentista

adequada ao padrão de marcha do paciente. Os resultados demonstraram que os efeitos da

estimulação rítmica acústica melhoram a simetria da marcha reduzindo a variabilidade nos

 padrões medidos no eletromiograma (EMG).

A presença de estímulos rítmicos acrescentam estabilidade imediata no controle

motor, mais do que através de um processo gradual de aprendizagem. Essa estabilidade é

 provavelmente mediada por um processo imediato de sincronização rítmica entre o

metrônomo e a resposta motora. Os mecanismos de adaptação temporal subjacentes a esse

 processo sugerem a existência de processos diretos de acoplamento sensório-motor no qual a

informação sensorial dirige ações motoras diretamente, independentemente da adaptação

cognitiva ou processos de aprendizado.

Page 78: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 78/87

  77

Uma linha de pesquisa similar, utilizando o arrastamento e modelos terapêuticos

como protocolos experimentais, foi realizada com pacientes com doença de Parkinson. Nos

experimentos que estudavam o arrastamento rítmico imediato da marcha foi constatado que

sem treinamento, os pacientes eram capazes de sincronizar seu padrão de marcha ao

metrônomo e aos estímulos rítmicos musicais de uma forma similar a resposta de indivíduos

idosos saudáveis.

A importância terapêutica desses achados foi evidenciada pelo fato da sincronização

rítmica melhorar a simetria da marcha assim como arrastar intensamente a cadência e a

extensão da mesma resultando em uma maior normalização dos parâmetros motores.

Com base nas pesquisas, constataram-se algumas características importantes da

sincronização rítmica que auxiliam na compreensão do papel do ritmo no controle motor:

- Ritmos auditivos criam muito rapidamente referências internas de intervalo estáveis

 para guiar o tempo das respostas motoras.

- O sistema motor é fisiologicamente muito sensível à estímulos do sistema auditivo.

- Os impulsos neurais dos ritmos auditivos acessam e estimulam impulsos motoresneurais, os quais tendem a ser arrastados pelo sinal auditivo de freqüência.

- O processo de arrastamento auditivo-motor pode ocorrer em níveis subliminares de

 percepção sensorial.

- A estratégia dominante de sincronização é baseada na freqüência de arrastamento

(período similar entre estímulo e resposta), considerando que correções de fase flutuam mais

livremente com certos limites de entrada, às vezes, a apresentação da sincronização tem sido

aplicada erroneamente.

Os autores concluiram o trabalho afirmando que o achado mais excitante dessa

 pesquisa refere-se à evidência de que as interações entre ritmos auditivos e respostas corporais

 podem ser efetivamente aproveitadas para propostas terapêuticas específicas na reabilitação

de pessoas com desordens no movimento. Ressaltaram, ainda, que as técnicas de

musicoterapia originalmente designadas para necessidades sócio-emocionais estimulam

respostas motoras em pacientes com doenças neurológicas que não são prontamente

acessíveis por outras terapias.

Page 79: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 79/87

  78

O outro artigo que será descrito neste trabalho intitula-se: “Ritmos musicais no ciclo

dinâmico do coração: uma abordagem interdisciplinar e inter-cultural dos ritmos cardíacos.”,

 publicado em 1999, por Bettermann e colegas. Essa pesquisa foi selecionada porque, de

acordo com os autores, o método apresentado pode ter um amplo potencial de utilização nas

 pesquisas em musicoterapia.

 No início do artigo afirma-se que até agora nenhum estudo revelou a ligação entre a

complexa fisiologia e os ritmos musicais. Somente o fenômeno do arrastamento ou a resposta

fisiológica a estímulos auditivos tem sido relatado. A pergunta continua sem resposta: os

complexos ritmos musicais podem ser representados fisiologicamente? A pesquisa procura

elucidar essa questão por meio da aplicação de princípios rítmicos composicionais da músicaafricana para analisar a sucessão de tempo nos batimentos cardíacos porque, segundo os

autores, a música africana é como a batida do coração: pulsátil e caracterizada por complexos

 padrões rítmicos de repetição cíclica.

Foi aplicado o conceito rítmico da música africana estruturando todas as

 possibilidades de padrões de tempo com três a oito pulsos, evitando redundância. Isso

resultou em um esquema musical rítmico com 42 classes de padrões que são intensamenterelatadas pela Classificação Rítmica Derler – desenvolvida por Thomas Pfob e Alfons Dauer,

em 1988, e baseado em combinações matemáticas.

Os batimentos cardíacos de sujeitos saudáveis foram convertidos em padrões

simbólicos binários que juntamente com os padrões da música africana permitiram uma

interpretação musical do ciclo dinâmico do coração. Em sujeitos saudáveis, padrões de

sincronização 4:1, foram encontrados mais freqüentemente, seguido por padrões 7:2, 3:1 e5:1. A ritmização dos batimentos cardíacos pode ser observada primeiramente durante os

 períodos de descanso.

Os autores sugerem que no futuro, a busca por ligações fundamentais entre ritmos

musicais e fisiológicos pode promover pesquisas interdisciplinares visando esclarecer

aspectos referentes a ritmo, percepção do tempo e estruturas de tempo da vida humana. Uma

estratégia possível seria criar ritmos fisiológicos audíveis através da adequada transformação

dos dados em arquivos de áudio do computador para depois, analisar as respostas fisiológicas

à percepção dos ritmos fisiológicos pessoais. Esse retorno psicoacústico ou ressonância

Page 80: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 80/87

  79

rítmica poderia ter um grande potencial de uso, particularmente, para avaliação em

musicoterapia.

Page 81: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 81/87

  80

CAPÍTULO 5 – DISCUSSÃO

A musicoterapia é uma modalidade terapêutica firmemente sustentada por teorias e

conceitos que foram sendo desenvolvidos durante, aproximadamente, 50 anos de prática

clínica. O som e a música, que são as ferramentas utilizadas pelo musicoterapeuta visando

alcançar objetivos terapêuticos, induzem respostas psicofisiológicas nos indivíduos,

suscitando o interesse da comunidade científica há mais de dois séculos.

As tentativas de quantificar e padronizar os resultados obtidos nas pesquisas sempre

foi uma tarefa bastante complexa porque envolve parâmetros de análise não-lineares,

subjacentes à subjetividade humana.

Atualmente, a ciência conta com um sofisticado aparato tecnológico permitindo

formas mais precisas de investigação e, também, com equipes transdisciplinares colaborando

no desenvolvimento dos projetos de pesquisa.

 Nesse contexto, a musicoterapia procura acompanhar as mudanças de paradigmas e

estabelece-se como um campo do conhecimento que promove a aproximação entre a saúde e aarte.

O musicoterapeuta, por sua vez, é um profissional que utiliza os recursos sonoro-

musicais visando alcançar objetivos terapêuticos junto a clientes/pacientes com necessidades

muito diversas sendo de fundamental importância possuir conhecimentos específicos da área

médica e habilidades na área musical para que possa apresentar a competência necessária à

 prática musicoterápica.

Além das disciplinas que fazem parte da grade curricular da graduação como:

anatomia, neurofisiologia, neurologia, reabilitação, psicomotricidade, entre outras, faz-se

necessário pesquisar novas áreas do conhecimento como a cronobiologia, neurociência

cognitiva, neuropsicologia e biomusicologia visando aumentar a capacidade de compreender

os aspectos psicofisiológicos inerentes ao cliente/paciente para que ele possa ser atendido em

suas necessidades.

Page 82: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 82/87

  81

 Neste trabalho foram enfocadas as interações entre os ritmos biológicos, estudados

 pela cronobiologia e a musicoterapia. Compreender os mecanismos envolvidos nessa

dinâmica é relevante, uma vez que a expressão da ritmicidade biológica reflete estados de

equilíbrio ou desequilíbrio endógeno que podem ser influenciados pelos estímulos sonoro-

musicais.

Está cientificamente comprovado que pacientes com disfunção motora podem ser

 beneficiados por meio de técnicas musicoterápicas como, por exemplo, a técnica de

entrainment , na organização dos movimentos.

Existem patologias caracterizadas por distúrbios rítmicos como a insônia, algunsdistúrbios do envelhecimento, alguns distúrbios psiquiátricos, entre outras. Sendo assim,

supõe-se que os mecanismos rítmicos endógenos peculiares a esses quadros também possam

estar sujeitos ao arrastamento e sincronização através dos ritmos sonoro-musicais.

Aldridge (1993) acredita que “se a música pode influenciar condições fisiológicas

como batimentos cardíacos ou pressão sangüinea, talvez possa ser usada terapeuticamente

 para ajudar pacientes com disfunções cardíacas ou hipertensão.”

Com relação à influência dos estímulos sonoro-musicais no ritmo das ondas cerebrais

é necessário considerar que mudanças de freqüências podem promover estados alterados de

consciência, sendo, portanto, de extrema importância, nesses casos, a intervenção de um

musicoterapeuta visando restabelecer o equilíbrio do estado de vigília.

É importante ressaltar que a capacidade de estímulos sonoros influenciarem os ritmos biológicos está diretamente relacionada ao interesse e a atenção do indivíduo. Sendo assim,

novamente o papel do musicoterapeuta é fundamental na identificação da identidade sonoro-

musical do sujeito.

Page 83: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 83/87

  82

CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Musicoterapia é uma abordagem terapêutica expressiva que auxilia o

cliente/paciente a comunicar-se através do som e da música dando vazão às suas emoções. A

regulação do equilíbrio emocional tende a auxiliar a coordenação rítmica das funções

fisiológicas favorecendo um estado de bem-estar físico e psíquico.

O som e a música são constituídos por vibrações que pulsam em oscilações rítmicas.

O cliente/paciente, por sua vez, é constituído por estruturas físicas e não físicas que vibram,

igualmente em freqüências rítmicas oscilatórias.

O musicoterapeuta pode estabelecer a sincronia entre esses sistemas (som/ser

humano), através do arrastamento ou da ressonância, visando alcançar objetivos terapêuticos.

Esse procedimento requer conhecimento, habilidade e demanda tempo. O tempo, aliás, é o

fator primordial na relação terapêutica. O ajuste temporal entre o cliente e o terapeuta é o que

 possibilita o início do vínculo e o desenrolar positivo do processo.

 Na realidade, não poderia ser diferente porque o tempo é quem fornece a estrutura para a construção sonoro-musical e, através dessa percepção, o paciente tem a chance de

 perceber a si mesmo, ao outro, ao mundo e sentir-se integrado dentro dessa organização.

A compreensão da importância do som, da música, do paciente e do musicoterapeuta

no processo musicoterápico estimula a busca de aprimoramento constante através do

conhecimento científico, quantificável, mensurável, paupável, mas, principalmente, através da

valorização de atributos imponderáveis como o respeito, a consideração, a responsabilidadefrente ao indivíduo que se coloca sob os cuidados desse profissional.

A musicoterapia é um campo vasto. Conforme publicou a revista Veja (maio/2008):

“a profissão do futuro”. Considerando-se que o futuro depende do presente cabe aos

 profissionais de agora participarem ativamente da edificação do porvir.

Page 84: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 84/87

  83

Referências Bibliográficas

ALDRIDGE, David. From out of the Silence: MusicTherapy and Practice In Medicine,London: Jessika Kingsley Publishers, 1996.

 _____________ The Music of the body: Music Therapy in Medical Settings, Advances, TheJournal of Mind, Body Health,Vol. 09, nº 1, 1993.

ANDRADE, Mario de. Namoros com a medicina, 4. ed., Belo Horizonte, Itatiaia, 1980.

ARAÚJO, John Fontenele ; MARQUES, Nelson. Cronobiologia: uma multidisciplinaridadenecessária, São Paulo: Margem. nº 15. páginas 95-112, Junho 2002.

BALZER, Hans-Ullrich. Chronobiological Aspects of the Impact of Music, Austria,  Jun.2006. Disponível em:< http://www.ostina.org/index2>. Acesso em : agosto/2007.

BARCELLOS, Lia Rejane M. Cadernos de Musicoterapia 2, Rio de Janeiro: Enelivros,1992.

 ____________ Lia Rejane M. Musicoterapia: Alguns Escritos, Rio de Janeiro: Enelivros,2004.

BENENZON, Rolando O. Manual de Musicoterapia, Rio de Janeiro: Enelivros, 1985. ____________. Teoria da Musicoterapia, 2. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1988.____________. Musicoterapia: De la teoria a la práctica, Buenos Aires: Paidós, 2002. 

 ____________ O Autismo, a Família, a Instituição e a Musicoterapia, Rio de Janeiro:Enelivros, 1987,

BETTERMANN, H.; AMPONSAH, D. Cysarz; LEEUWEN, P. Van, Musical Rhythms inHeart Period Dynamics: a Cross-Culural and Interdisciplinary Approach to CardiacRhythms, AJP – Hearth and Circulatory Physiology, 1999.

BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia, 2. ed., Rio de Janeiro: Enelivros, 1998.

CORDÁS, Táki A. Depressão  – da Bile Negra aos Neurotransmissores – Uma introduçãohistórica, São Paulo: Lemos Editorial, 2002.

COSTA, Clarice Moura. O Despertar para o Outro, São Paulo: Summus Ed, 1989.

DAMÁSIO, Antônio R. O Erro de Descartes, São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

FERREIRA, Aurélio B.H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1975.

FITZGERALD, Hiram E; BUNDY, Robert S. Ritmo, Tempo e Comportamento Humano,São Paulo: Editora Brasiliense, 1978.

GASTON Thayer. Tratado de Musicoterapia, Buenos Aires: Paidós,1968.

HILDEBRANDT, Günther. Biological Fundamentals of Digital Stress Management:Chronobiological Aspects of Music Physiology, Áustria, 2002. Disponível em<http://www.micromusiclaboratories.com/ Acesso em: março/2006.

Page 85: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 85/87

  84

 JOURDAIN, Robert Música, cérebro e êxtase, Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

KAROLYI, Ótto. Introdução à musica, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

LEINIG, Clotilde E. Tratado de Musicoterapia, São Paulo: Setta, 1977.

LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios, São Paulo: Atheneu, 2005.

MARQUES, Nelson ; MENNA-BARRETO, Luiz. Cronobiologia: Princípios e Aplicações,3. ed., São Paulo: Edusp, 2003.

MELLO, Romário A. Embriologia Comparada e Humana, Rio de janeiro: Atheneu, 1989.

MENEZES, Flo. A Acústica Musical em Palavras e Sons, São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

MORAES, J. Jota. O Que é Música, São Paulo: Círculo do Livro, 1983.

MUSZKAT, Mauro. Música e Neurociência, São Paulo, disponível emwww.neuroclin.com.br/notícias/Dr_Mauro_Muszkat_05.html, Acesso em mai. 2007.

OBRA COLETIVA. Projeto Araribá, São Paulo: Editora Moderna, 2007.

RATEY, John J. O Cérebro – Um Guia Para o Usuário, Rio de Janeiro: Editora Objetiva,2001.

Revista Brasileira de Musicoterapia – Ano I, número 2, Rio de Janeiro: União Brasileiradas Associações de Musicoterapia, 1996.

RIBEIRO, Wagner. História da Música no Antigo Continente, São Paulo: Editora ColeçãoFTD, 1965.

Rider, M. S. The rhythmic language of health and disease. St. Louis: MMB, 1997.

Rider, M. S., Floyd, J. E., & Kirkpatrick, J.. The effect of music, imagery, andrelaxation on adrenal corticosteroids and the re-entrainment of circadian rhythms.

 Journal of Music Therapy, 22(1), 48-58,1985.

ROEDERER, Juan G. Introdução à Física e Psicofísica da Música, São Paulo: Edusp, 2002.

SANTOS, Tereza M.M. e Russo, Ieda C.P. A Prática da Audiologia Clínica, São Paulo:Cortêz, 1988.

SEKEFF, Maria de Lourdes. Da Música Seus Usos e Recursos, São Paulo: Editora UNESP,2007.

SPINTGE, Ralph; DROH, Roland. Music Medicine, Missouri: MMB Music Inc, 1992.

THAUT, Michael H. The Connection Between Rhythmicity and Brain Function, IEEEEngineering in Medicine and Biology, março/abril 1999.

Page 86: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 86/87

  85

  _________, Neural Basis of Rhythmic Timing Networks in The Human Brain, Ann. N.Y.Acad. Sci. 999: 364-373, 2003. 

Veja São Paulo Educação, artigo Carreiras em Alta – Profissionais do Futuro, São Paulo,Ed. Abril, publicada em 21.05.2008.

VIGOTSKI, L. S. Pisicologia da Arte, São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WIGRAM, Tony; SAPERSTON, Bruce; WEST Robert. (ed.) The Art & Science of MusicTherapy: A Handbook, Australia: Harwood Academic Publishers. 1995.

WIGRAM, Tony; PEDERSEN Inge N. e BONDE, Lars O. A Comprehensive Guide toMusic Therapy  – Theory, Clinical Practice, Research and Training, London: Philadelphia:Jessika Kingsley Publisher, 2002.

WISNIK, José M. O Som e o Sentido: Uma outra história das músicas, 2. ed., São Paulo:Companhia das Letras, 1989.

ZATORRE, Robert J.; CHEN, Joyce L.; PENHUNE, Virginia B, Interactions BetweenAuditory and Dorsal Premotor Cortex During Synchronization to Musical Rhythms,

 publicado por Elseier Inc., p. 1771/1781, 2006.

Page 87: A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

7/17/2019 A Musicoterapia e Suas Interações Com Os Ritmos Biológicos

http://slidepdf.com/reader/full/a-musicoterapia-e-suas-interacoes-com-os-ritmos-biologicos 87/87

  86

GLOSSÁRIO

adaptação temporal – processo de ajuste de ritmos biológicos a ciclos ambientais ou do próprio organismo.

agente arrastador – ciclo que promove alterações de período em outro ciclo, tipicamente açãode ciclo ambiental sobre relógios biológicos.

algoritmo – processo de cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes, emque se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção doresultado, ou da solução do problema.

arquétipos – segundo C.G. Jung psicólogo e psicanalista suíço (1875-1961), imagens psíquicas do inconsciente coletivo e que são patrimônio comum a toda a humanidade.

ciclos geofísicos – período gerado por fenômenos geofísicos, como o ciclo noite/dia gerado pela rotação da Terra em torno de seu eixo.

coordenação relativa – modificação passageira da freqüência de um ritmo em livre-curso provocada pela ação de um agente arrastador com força insuficiente para arrastar de formaestável o ritmo biológico.

dinamogênico – relativo à dinamogenia: exaltação funcional dum órgão, sob a influênciaduma excitação.

endógeno - originado no interior do organismo, ou por fatores internos

engrama - uma representação de algo a ser recordado. 

filogênese / filogenético – história evolucionária das espécies.

hemiparético – paciente com fraqueza muscular que incide apenas em uma das metades docorpo.

marca-passo – estrutura biológica, por exemplo um conjunto de neurônios, cuja característicafuncional é produzir oscilação regular.

neologismo – palavra, frase ou expressão nova.