a música nas aulas de português

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A música nas aulas de Português Não existe um projeto para se trabalhar a música em sala de aula. A música em sala de aula não é uma disciplina pontual, no sentido de se realizar com exatidão no tempo em que foi combinado, exata, precisa. A música em sala de aula é pura sensibilidade. O professor deve pesquisar incessantemente, ouvindo todos os dias as músicas que emocionam seus alunos, ou mesmo aquelas que eles ouvem por ouvir, mas que não os emocionam; é o caso das músicas tocadas em rádio, a denominada, por Umberto Eco, música gastronômica, ou seja, música para engolir. Deve também ouvir as músicas de sua época e as músicas brasileiras universais, ou seja, deve ouvir todos os tipos de música para poder trabalhar com elas em sala de aula. Tem de procurar, em cada música, algum aspecto gramatical que possa aproveitar em sua aula, para enriquecer o conteúco dela. A cada aula, deve procurar trabalhar com uma música diferente e, a cada ano, renovar o repertório para acompanhar os sucessos e, assim, tocar os alunos. Caso contrário, a música poderá atrapalhar o trabalho do professor, pois pode transformar-se, para os alunos, em mais um trabalho cansativo, maçante. Passará a ser interessante para os jovens quando o for para o professor. Se este pesquisar de fato, mostrará energia, vontade, entusiasmo, e aqueles se contaminarão e julgarão o trabalho edificante. Peguemos, como exemplo, a música Eternas Ondas, de Zé Ramalho que diz Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas. Como ficaria a letra caso invertêssemos os termos voltarem e aquelas ondas? A maioria pensaria em responder: Quanto tempo temos antes daquelas ondas voltarem, não é mesmo? Pode até ser, mas não está adequada a frase, pois há inexistência de relação entre sujeito e preposição, ou seja, sujeito jamais pode ser encabeçado por preposição, e o termo aquelas ondas funciona como sujeito do verbo voltar, pois quem volta são as ondas. Quando isso ocorrer, ou seja, quando o sujeito for antecedido de preposição, eles não se aglutinam, por isso, o certo é Quanto tempo temos antes de aquelas ondas voltarem, e aproveito para explicar o uso do infinitivo flexionado: quando o sujeito de um verbo no infinitivo (verbo terminado em ar, er ou ir) estiver no plural e aparecer ao lado do verbo, este terá de ficar também no plural, ou seja, flexionado, por issovoltarem no plural. A tempo: sujeito é o elemento responsável pela ação, praticando-a ou sofrendo-a. Em sala de aula é a mesma coisa. Deve-se ficar antenado no dia a dia, e, em cada música que ouvir, procurar algo para apresentar aos alunos. Eis alguns exemplos: Malandragem, de Cazuza e Frejat:

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Utilização das músicas nas aulas de português.

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A msica nas aulas de PortugusNo existe um projeto para se trabalhar a msica em sala de aula. A msica em sala de aula no uma disciplina pontual, no sentido de se realizar com exatido no tempo em que foi combinado, exata, precisa. A msica em sala de aula pura sensibilidade.

O professor deve pesquisar incessantemente, ouvindo todos os dias as msicas que emocionam seus alunos, ou mesmo aquelas que eles ouvem por ouvir, mas que no os emocionam; o caso das msicas tocadas em rdio, a denominada, por Umberto Eco, msica gastronmica, ou seja, msica para engolir. Deve tambm ouvir as msicas de sua poca e as msicas brasileiras universais, ou seja, deve ouvir todos os tipos de msica para poder trabalhar com elas em sala de aula. Tem de procurar, em cada msica, algum aspecto gramatical que possa aproveitar em sua aula, para enriquecer o conteco dela.

A cada aula, deve procurar trabalhar com uma msica diferente e, a cada ano, renovar o repertrio para acompanhar ossucessose, assim,tocaros alunos. Caso contrrio, a msica poder atrapalhar o trabalho do professor, pois pode transformar-se, para os alunos, em mais um trabalho cansativo, maante. Passar a ser interessante para os jovens quando o for para o professor. Se este pesquisar de fato, mostrar energia, vontade, entusiasmo, e aqueles se contaminaro e julgaro o trabalho edificante.

Peguemos, como exemplo, a msicaEternas Ondas, de Z Ramalho que dizQuanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas. Como ficaria a letra caso invertssemos os termosvoltaremeaquelas ondas? A maioria pensaria em responder:Quanto tempo temos antes daquelas ondas voltarem, no mesmo? Pode at ser, mas no est adequada a frase, pois h inexistncia de relao entre sujeito e preposio, ou seja, sujeito jamais pode ser encabeado por preposio, e o termoaquelas ondasfunciona como sujeito do verbovoltar, pois quem volta so as ondas. Quando isso ocorrer, ou seja, quando o sujeito for antecedido de preposio, eles no se aglutinam, por isso, o certo Quanto tempo temos antes de aquelas ondas voltarem, e aproveito para explicar o uso do infinitivo flexionado: quando o sujeito de um verbo no infinitivo (verbo terminado emar,erouir) estiver no plural e aparecer ao lado do verbo, este ter de ficar tambm no plural, ou seja, flexionado, por issovoltaremno plural. A tempo: sujeito o elemento responsvel pela ao, praticando-a ou sofrendo-a.

Em sala de aula a mesma coisa. Deve-se ficarantenadono dia a dia, e, em cada msica que ouvir, procurar algo para apresentar aos alunos. Eis alguns exemplos:

Malandragem, de Cazuza e Frejat:

O trechoQuem sabe eu ainda sou uma garotinhatem inadequao quanto ao uso do verboser: a expressoQuem sabeindica dvida, hiptese;souindica fato certo. A indicao de hiptese feita por meio do tempo chamado presente do subjuntivo:que eu seja. O adequado, ento, Quem sabe eu ainda seja uma garotinha

Equalize, de Pitty:

O trechoQuando tenta me convencer que eu s fiquei aqui...tem inadequao de regncia verbal: o verboconvencerexige a preposiode(Quem convence, convence algumdealgo); o adequado, ento, Quando tenta me convencer de que eu s fiquei aqui...Tambm o trechoPorque voc sabe o que eu gosto, tem inadequao de regncia verbal com pronome relativo: o verbogostartambm exige a preposiode, que deve ser colocada antes do pronome relativoque, por isso o adequado Voce sabe do que gosto.

Me Chama, de Lobo:

Os versosAonde est voc / me telefona / me chama, me chama, me chamatm trs inadequaes gramaticais:1) Uso deonde, aonde e donde:ondesignificaem algum lugar;aonde,a algum lugaredonde,de algum lugar. Como Lobo usa o verboestar, e quem est, estemalgum lugar, o adequado Onde est voc.2) No se deve iniciar frase com pronome oblquo tono (me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes). O adequado, ento telefona-me / chama-me, chama-me, chama-me.3) Ordem, pedido ou conselho, por meio de verbo, fazem-se da seguinte maneira: se o interlocutor for tratado pelo pronometu, coloca-se o verbo diante da seguinte frase:Todos os dias tu...e retira-se a letrasdo verbo:

Todos os dias tu me telefonas; retira-se a letras:telefona-metu.Todos os dias tu me chamas; retira-se a letras:chama-metu.

Se o interlocutor for tratado pelo pronomevoc, coloca-se o verbo diante da seguinte frase:Espero que voc..., sem retirar letra alguma:

Espero que voc me telefone:telefone-mevoc;Espero que voc me chame:chame-mevoc.

Os versos de Lobo, ento, deveriam ser assim escritos para adequ-los ao padro culto da lngua:

Onde est voc / telefone-me / chame-me, chame-me, chame-me. Horrvel, convenhamos.

Tenho sede, de Dominguinhos e Anastcia, gravada por Gilberto Gil:O primeiro verso dizTraga-me um copo d'gua, tenho sede, e os ltimos,Meu corao s pede o teu amor / Se no me deres posso at morrer. Mais uma inadequao de uso do imperativo: Todos os dias tu trazes; retira-se os: Traze-me um copo d'gua. Espero que voc traga: Traga-me um copo d'gua. H, portanto, desuniformidade de tratamento. Ou muda o primeiro verso, aplicando a segunda pessoa,tu:Traze-me, ou muda os dois ltimos versos, fazendo os termos concordarem com o pronomevoc, terceira pessoa:Meu corao s pede o seu amor / Se no me der posso at morrer.

Eu sei que vou te amar, de Tom Jobim e Vincius de Moraes:Quando houver dois verbos, e o ltimo estiver no infinitivo (ar, er, ir), no gerndio (ndo) ou no particpio (ado, ido), ocorre a formao de uma locuo verbal. Estando o verbo no infinitivo, h duas maneiras de se colocar o pronome oblquo: junto do primeiro verbo e depois do infinitivo. Como antes do primeiro verbo, h a conjunoque, que sempre atrai o pronome oblquo para perto de si, as colocaes possveis do pronometeso as seguintes:

Eu sei que te vou amar.Eu sei que vou amar-te. Mais uma vez, horrveis, no mesmo?

Eu nasci h dez mil anos atrs, de Raul Seixas e Paulo Coelho:No se deve usar o verbohaver, que indica tempo decorrido com o advrbioatrs, que tambm indica tempo decorrido. As adequaes, ento:

Eu nasci h dez mil anos.Eu nasci dez mil anos atrs.

Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda:Os primeiros versos dizemTem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. Essa uma inadequao extremamente comum nos dias de hoje: o verboterusado no sentido deexistir. O nico verbo que pode substituirexistir o verbohaver. O adequado, ento, seriaH dias. Outra inadequao a ausncia da preposioemantes do pronome relativoque: A gente se sente de alguma maneiraEMalguns dias, em alguns momentos. Os versos adequados seriamH dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu.

Qualquer msica serve. Todas so escritas em Lngua Portuguesa; todas tm substantivos (abstratos ou concretos), adjetivos (restritivos ou explicativos), pronomes, verbos, oraes subordinadas e coordenadas. Todas tm adequaes gramaticais; algumas tm inadequaes. O cuidado que temos de tomar no usar apenas msicas com inadequaes, para no nos transformarmos emprofessores chatos de portugusque s se preocupam com erros alheios.

Pode-se trabalhar tambm com poesias, para no ficar restrito msica:

Vincius (Soneto de Fidelidade), explicando o uso do pronomemesmoe a inadequao deposto quecomo locuo causal, pois essa expresso indica concesso, tendo o mesmo valor deapesar de que.

Augusto dos Anjos (Vs, ningum assistiu ao formidvel enterro de tua ltima quimera), explicando o adequado uso do verbo assistir: quem assiste, assiste a algo, por isso a poesia est adequada.

Ceclia Meireles (Eu canto, porque o instante existe), explicando os usos do porqu.

Qualquer poesia tambm serve. Qualquer notcia de jornal; qualquer artigo de revista. Podemos transformar tudo em assunto para nossas aulas de Portugus. O segredo ser curioso, ter vontade, trocar informaes com outros professores e com os alunos tambm. bastante interessante levar uma aparelhagem de som para a sala de aula e apresentar msicas despretensiosamente (msica erudita, por exemplo). Aos poucos, os alunos comearo a levar seus discos tambm. a que entra a sensiblidade do professor. A o momento de ouvir a msica que o aluno levou com ateno e us-la como instrumento na aula, chamando a ateno para algum aspecto interessante, para alguma inadequao, etc.

Para isso tudo, h de haver vontade, pois trabalhoso. Deve-se tomar o cuidado de no usar a msica como o elemento mais importante da aula todos os dias, porque, assim, a novidade desaparece, e a msica acaba sendo o aborrecimento dos alunos, em vez de se transformar na parte mais interessante.

Enfim, no existe um projeto para usar a msica em sala de aula. O que deve existir um professor Educador, que se preocupe com o desenvolvimento de seus alunos e de si prprio.porDlson Catarinos10:18Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar no OrkutCompartilhar com o Pinterest