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A música e a flauta de Tonico do Padre: peculiaridades estilísticas e inserção no contexto da música instrumental Pirenopolina

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A msica e a flauta de Tonico do Padre: peculiaridades estilsticas e insero no contexto da msica instrumental Pirenopolina

Pyero Raphael Jaime de Melo Talone[footnoteRef:2] [2: Orientando: Pyero Raphael Jaime de Melo Talone (PIBIC); Orientadora: Magda de Miranda Clmaco. Escola de Msica e Artes Cnicas (EMAC/UFG) - Projeto - registro SAP 33935 - Msicas Brasileiras: memria, diversidade e configuraes identitrias vinculado ao Ncleo de Estudos Musicolgicos (EMAC/UFG)[email protected]; [email protected]. texto revisado pelo orientador]

Magda de Miranda Clmaco

Resumo: A presente pesquisa teve como objeto inicial de estudo a msica para flauta do compositor pirenopolino Antnio da Costa Nascimento, tambm conhecido como Tonico do Padre, abordada a partir dos processos de interao cultural dos quais resultante e das suas peculiaridades estilsticas, visando investigar a importncia e as influncias que esse compositor e instrumento exerceram no cenrio da msica pirenopolina. Para tanto foram realizados levantamentos histricos e bibliogrficos sobre a vida e a obra de Tonico do Padre, bem como foram realizadas anlises de obras e de performances de sua msica, sobretudo aquelas relacionada aos instrumentos Flauta/Flautim. A trajetria da pesquisa, junto ao material que foi possvel trabalhar, possibilitou esboar a importncia de sua atuao, sobretudo, como regente de banda, e, nesse contexto, o seu trabalho com o instrumento flautim. A pesquisa bibliogrfica, por sua vez, proporcionou o contato com alguns trechos de composies de compositores locais e algumas referncias ao trabalho de Tonico do Padre com a flauta e com a msica sacra na cidade de Pirenpolis. Circunstncias que, juntas, confirmam a pressuposio de que esse compositor tenha realizado um trabalho significativo na cidade, permitindo um olhar, dentre tantos outros possveis, sobre essa realidade.Palavras-chave: Antnio da Costa Nascimento, Tonico do Padre, Pirenpolis, Flauta/Flautim, Banda

Abstract: This research has the purpose of studying the music of the composerAntnioda CostaNascimento, also known asTonicodo Padre, through the cultural interaction process and style characteristics from which it results as a way of investigating the importance and how the composter and the flute influenced the music in his hometown,Pirenpolis. Historical and bibliographical surveyswereconducted, as well as analyses of his pieces and performances of his music - especially the ones related to the instrument Flute/Piccolo - and his role as band conductor. Through the bibliographical research it was possible to be in touch with passages from the music of local composers as well as references to the work of Tonico do Padre related to the flute and to the sacred music in Pirenpolis. Those circumstances confirm the assumption that this composer had a significative role in his city.Keywords:Antonioda Costa Nascimento, Tonico do Padre,Pirenpolis ,Flute/Piccolo , BandIntroduoEsta pesquisa tem como objeto de estudo a obra para flauta do compositor pirenopolino Antnio da Costa Nascimento o Tonico do Padre enfocada nas suas peculiaridades estilsticas e na sua relao com a insero desse instrumento no universo musical mais amplo da cidade de Pirenpolis/Gois do sculo XIX. Nesse contexto, tive em vista um ngulo do trabalho desse flautista, regente e compositor, que, de acordo com os primeiros levantamentos bibliogrficos, dentre uma diversidade grande de atividades musicais, legou comunidade goiana um acervo de composies sacras e profanas (MENDONA, 1981; PINA JR, 1986). O interesse pelas suas obras para flauta vem do fato de que, alm de ser o instrumento ao qual me dedico, muito pouco tem se falado sobre o seu desenvolvimento em Gois. Isso, tendo em vista que no sculo XIX a flauta j era executada por Tonico do Padre, considerado um dos mais ativos e produtivos pela escassa historiografia existente sobre a msica goiana.Pirenpolis foi fundada em 07 de outubro de 1727 por portugueses e outros brasileiros que vieram explorar o garimpo do ouro, com o nome de Minas de Nossa Senhora do Rosrio de Meia Ponte e, mais tarde, Cidade de Meia Ponte. Segundo o site da cidade[footnoteRef:3], a partir de 1880 sofreu grande decadncia econmica, vindo a mudar seu nome em 1890 para Pirenpolis, a cidade dos Pireneus. Apesar da inatividade econmica, manteve as tradies, as atividades culturais e as festas populares que a destacava das outras cidades goianas desde os tempos da fundao. Foi nessa cidade que nasceu e morreu Antnio da Costa Nascimento (1837-1903), esse msico que se distinguiu de forma marcante no universo musical local (MENDONA, 1981). O apelido Tonico do padre se deve ao fato de ter sido criado pelo irmo, o padre Incio Francisco da Luz. Excelente flautista, Tonico do Padre executava tambm saxofone e clarineta, atuando em conjuntos instrumentais. Mestre-de-capela da matriz de Pirenpolis foi responsvel pela msica vocal, e a sua atuao, como regente da tradicional banda Euterpe de 1868 a 1903, levou Oscar Leal, citado por Jayme (1971, p.251), a observar: uma das melhores corporaes musicais do estado goiano a que dirige em Pirenpolis o cidado Antnio do Nascimento, o que raro encontrar nestes centros. J a atividade como professor, segundo Pina Filho (1986), possibilitou ao msico pirenopolino criar um mtodo para flauta. Esse mesmo autor, um estudioso da obra de Tonico do Padre observou ainda que era dotado de criatividade e esprito indagador, conquistou uma linguagem musical que o diferiu de qualquer outro msico de meio semelhante, por sua prpria individualidade e personalidade musical (PINA FILHO,1986, p. 15). [3: Disponvel em: Acessado em 21/09/2014]

Esse contexto narrado, percebido atravs dos primeiros levantamentos bibliogrficos e da vivncia local, j que sou da regio, junto minha condio de flautista, levou s seguintes questes: como se deu a atuao especfica de Tonico do Padre, relacionada ao instrumento flauta, no cenrio musical mais amplo pirenopolino? Que obras comps para esse instrumento? Que peculiaridades estilsticas revelam, evidenciam processos identitrios relacionados ao contexto em que atuou? Qual a importncia desse trabalho no cenrio goiano e, em especial, no cenrio pirenopolino? A tentativa de responder essas questes levou a ter como objetivo nesse trabalho identificar, analisar e interpretar obras para flauta do compositor Antnio da Costa Nascimento, visando processos identitrios relacionados s suas peculiaridades estilsticas e sua insero no universo da criao e da recepo musical da cidade de Pirenpolis/Gois. A investigao, que levou avante, sobretudo, uma pesquisa bibliogrfica e uma pesquisa documental, tem carter qualitativo por investir numa relao intrincada entre homem, msica e sociedade. Referente pesquisa bibliogrfica, alm de autores e obras acadmicas que tm discorrido sobre circunstncias relacionadas msica no cenrio goiano/pirenopolino (MENDONA,1981; JAYME, 1971; PALACIN, 1995), sobre a trajetria de vida e da trajetria musical do msico Antnio da Costa Nascimento (PINA JR, 1986; MENDONA, 1981), foram levantadas obras sobre a banda esobre os instrumentos flauta e flautim (PINTO, 2006; SIQUEIRA, 1981; TOFF, 2012; SADIE, 2001). A pesquisa documental, por sua vez, remeteu a manuscritos de obras para flauta desse compositor, ao que foi possvel encontrar em acervos locais e/ou editados e publicados pela historiografia local (MENDONA, 1981). Cpias de manuscritos e ediesencontrados foram analisados e interpretados, num processo em que a organizao sonora escrita e ouvida (execues realizadas pelo pesquisador, vdeos, CDS disponveis), foi sempre relacionada a dados colhidos e separados nas seguintes categorias: elementos do cenrio scio histrico e cultural goiano/pirenopolino; elementos do cenrio musical goiano/pirenopolino; dados colhidos no estudo da vida e da trajetria musical de Antnio da Costa Nascimento; no estudo sobre a banda e os instrumentos flauta e flautim[footnoteRef:4]. [4: Os termos Flautim e Piccolo, nesse texto, referem-se ao mesmo instrumento (flauta que abrange uma regio mais aguda). No material de anlise encontrado ora se encontra uma denominao, ora outra, referindo-se ao mesmo instrumento.]

Assim, foram analisadas e interpretadas duas obras para flauta de compositores pirenopolinos (anterior e contemporneo atuao de Tonico) editadas pela historiografia local e de quatro obras de Tonico do Padre para banda (partes cavadas para flautim e partitura/grades[footnoteRef:5]): um manuscrito autgrafo e trs manuscritos assinados por copistas. Nenhuma obra sacra foi encontrada. A anlise e interpretao desse material junto anlise de fotos e da historiografia local possibilitaram apenas esboar algumas caractersticas estilsticas do compositor, perceber a importncia de seu trabalho, sobretudo para a banda e para o instrumento flautim, assim como possibilitou um olhar sobre a insero do instrumento flauta na cidade no sculo XIX.A justificativa do trabalho tem a ver com a cincia do pesquisador da importncia da divulgao da msica e, nesse caso especial da flauta dos pireneus goianos que foram cultivados nos sculos XVIII/XIX para outros brasileiros e, em especial, para os prprios goianos que, em grande parte, tambm a desconhecem. [5: Parte cavada manuscrito ou partitura do instrumento que integra a instrumentao de um conjunto instrumental maior; Partitura/Grade manuscrito ou partitura que traz todos os instrumentos que integram esse conjunto instrumental.]

1.Histria e Msica no cenrio PirenopolinoSegundo Palacn (1975), Gois era conhecido e percorrido pelas Bandeiras quase desde os primeiros dias da colonizao. Mas seu povoamento s se deu em decorrncia do descobrimento das minas de ouro (sculo XVIII). Este povoamento, como todo povoamento aurfero, foi irregular e instvel. Uma das trs zonas povoadas durante o sculo XVIII com uma relativa densidade foi o centro-sul, com uma srie desconexa de arraiais no caminho de So Paulo, ou nas suas proximidades e, dentre eles, estava Meia Ponte, hoje Pirenpolis(PALACN, 1975, p. 11). A fama da riqueza das minas trouxe para a povoao formada muitos habitantes novos, portugueses e elementos de outros estados brasileiros, assim como vrios sacerdotes que, arrostando diversos perigos, se instalaram no arraial e constituram fonte de desenvolvimento para o mesmo (MENDONA, 1981, p. 96). Esse contexto propiciou uma grande circulao de pessoas, foram construdas igrejas, e, com elas, firmou-se tambm a prtica da msica sacra e profana, as condies de circulao de msicos e de partituras.

1.1Trajetria musical nos PirineusPinto (2003), mostrando a interao da msica com esse cenrio histrico, em que a Igreja participava e promovia a atividade musical nas pequenas vilas goianas, comenta sobre uma das informaes mais antiga sobre msica em territrio goiano que se tem notcia hoje,uma passagem relacionada Matriz de Vila Boa, a antiga capital goiana:

...uma carta de 30 de maio de 1750 dos oficiais da Cmara de Vila Boa ao rei D. Joo V, onde esses reclamam de no se ter realizado a procisso de Corpus Christi daquele ano. O motivo exposto pelos oficiais foi a deciso do coadjutor da matriz de Vila Boa [...] de s cantar a missa que antecederia a procisso, aps o recebimento de uma esmola.

Na busca desse universo musical goiano, de suma importncia frisar tambm o papel das Ordens Terceiras e Irmandades como importante elemento propulsor da atividade artstica na poca em questo. Tais importantes organizaes eram ligadas Igreja, constitudas por leigos, e tinham como principal finalidade o fomento da devoo a um santo protetor e o auxlio entre seus membros. Segundo Borges (1999, p. 14), ao se envolverem musicalmente nas celebraes profanas e religiosas, tornaram a msica em um fenmeno social, sendo suas corporaes uma permanente escola de msica para as grandes massas.Por outro lado, uma abordagem de Kiefer (1976, p.46) sobre um momento da histria musical brasileira, pode trazer uma informao importante relacionada ao cenrio musical pirenopolino que emergia. Segundo esse autor, uma das primeiras iniciativas de D. Joo, ao se radicar no Rio de Janeiro, foi a criao da Capela Real, que teve como primeiro mestre de capela Jos Maurcio Nunes Garcia, cujo talento fora reconhecido pelo regente. (1976, p. 48). Jos Maurcio, no dizer de Kiefer, (1976, p. 55), ensinou msica por 28 anos, em seus bancos sentaram-se algumas das mais destacadas figuras da msica: compositores, professores, modinheiros, cantores, copistas, figuras que brilharam na administrao do Brasil Imprio no terreno da organizao social como no ensino da msica, sem falar na massa dos que se perderam no anonimato das Irmandades.

Alguns de seus discpulos alcanaram notvel projeo no panorama musical da Corte e fora dela. Segundo Borges (1999, p. 16) ao que tudo indica, um deles foi o Pe. Jos Joaquim Pereira da Veiga, renomado msico goiano, que viveu alguns anos em So Sebastio do Rio de Janeiro, como seminarista. A autora afirma ser possvel que o padre meiapontense tenha convivido ou recebido influncias do Pe. Jos Maurcio, trazendo para o serto goiano a influncia desse artista e consequentemente, fazendo com que a msica que se ouvia na terra dos goiases se assemelhasse msica brasileira. (BORGES, 1999, p. 16). Mendona (1981, p. 101), da mesma forma que Borges, afirma que foi Jos Joaquim Pereira da Veiga o Vigrio da Vara um dos msicos mais antigos de que se tem notcia em Pirenpolis, com um trabalho social de formao cultural. Ele nasceu a 13 de maio de 1772, ordenou-se no Rio de Janeiro a 16 de setembro de 1799, e faleceu a 10 de dezembro de 1840. Mendona (1981, p. 102) ressalta ainda que padre Veiga trouxera consigo do Rio de Janeiro, ensaiara e encenara nas festas religiosas de Meia Ponte uns dramas intercalados de rias que o povo chamava de pera. As rias dessas peras necessitavam ser acompanhadas por instrumentos durante a representao e, por esse motivo, padre Veiga providenciou a organizao de um quarteto de cordas que pudesse desincumbir-se de tal misso. atribudo a ele, portanto, um dos primeiros grupos instrumentais que se tem notcia na cidade.Primeiras formaes instrumentais pequenos conjuntos O incio desse conjunto, supe-se, deu-se em 1805, e ficou sob a direo de um dos alunos do padre Veiga, Paulo Antnio Baptista. Pina Filho (1975, p.34) assim se pronuncia sobre esse conjunto musicalO quarteto criado pelo padre Veiga funcionava principalmente nas igrejas, executando missas a quatro vozes, cujas partituras eram conseguidas em arquivos do Rio de Janeiro, das igrejas de So Joo del Rei ou eram compostas pelo prprio padre Veiga ou por outros compositores goianos.

Padre Francisco Incio da Luz, que tambm esteve durante algum tempo no Rio de Janeiro, trouxe para Meia Ponte diversas msicas sacras e teatrais (JAYME, 1971, p. 247). considerado, segundo Borges (1999, p. 19), juntamente com o Pe. Pereira da Veiga, um dos precursores do ensino musical na antiga Meia Ponte. Foi professor de Antnio da Costa Nascimento e por volta de 1858 fundou o que Jayme (1971, p.247) determina segunda orquestra da cidade, assim formada: flauta, Antnio da Costa Nascimento; 1 e 2 violinos, Francisco Incio da Luz e Teodolino Graciano de Pina; clarinete, Jos Incio da Cunha Teles; violoncelo, Jos Incio do Nascimento Jnior e oficleide, Jos Rafael da Cunha Teles. Em 1871, ao partir para a capela de SantAna das Antas, como vigrio, Incio da Luz passou a direo da orquestra a Antnio da Costa Nascimento. A orquestra duraria pouco tempo, devido ao desmembramento de alguns integrantes diante do temperamento irascvel do novo diretor.O enfoque dessas primeiras formaes instrumentais de Pirenpolis j permitiram observar, portanto, a atividade de Antnio da Costa Nascimento o Tonico do Padre relacionada flauta.

1.2 A flauta em Pirenpolis algumas consideraesA obra mais antiga que inclui a flauta encontrada durante esta pesquisa (em MENDONA, 1981, p. 103) foi composta em 1801, ou seja, 36 anos antes do nascimento de Tonico do Padre. Ela foi escrita por Jos Joaquim Pereira da Veiga - o Vigrio da Vara que, como explicado anteriormente, exercia influncia primordial no desenvolvimento da msica em Meia Ponte, tendo sido, possivelmente, professor do Padre Francisco Incio da Luz, irmo mais velho de Tonico do Padre.Trata-se da abertura do Credo do Bom-Sucesso (Exemplo 1), cuja partitura apresenta duas linhas de flauta, duas linhas de violino, trompa, oficleide e baixos. As vozes das duas flautas movem-se juntas em homofonia, geralmente em intervalos de teras. Tais vozes so executadas na extenso mdia e aguda da flauta, onde o instrumento mais sonoro. Alm disso, esto dispostas sempre em alturas mais agudas que as vozes dos demais instrumentos.

Exemplo 1. Credo Do Bom-Sucesso - Jos Joaquim P. da Veiga Flautas.Comp. 1 a 4

Fonte: MENDONA, 1981, p. 103

Outro meiapontense de importante expresso musical, contemporneo de Tonico do Padre, foi o Major Silvino Odorico de Siqueira (1856 1935), a quem coube a direo da Banda Euterpe quando da morte de Tonico. Aluno de Tonico do Padre, major Silvino comps a Novena de So Sebastio e So Bento (MENDONA, 1981, p. 129). As madeiras nesta obra so de primordial importncia, pois suas melodias permeiam toda a extenso da obra, em andamento andante, ora movendo-se homofonicamente, ora em contraponto. Em grande parte desta pea em Sol maior, a primeira flauta permanece na regio aguda, a mais difcil de todas as regies da flauta[footnoteRef:6], chegando a alcanar, no compasso 27, a nota Si 6[footnoteRef:7]. No Exemplo 2 esto transcritos os cinco primeiros compassos desta pea, que antecedem a entrada do coro: [6: A terceira oitava a mais difcil de todas as regies da flauta porque o dedilhado deixa de ter a mesma sequncia natural, observada nas duas primeiras oitavas (WOLTZENLOGEL, 1982, p. 63)] [7: As notas mais crticas da flauta so o D # das regies mdia e aguda, que so muito altas. Alm destas, o Mib, o F #, o Sol #, o Si, o D e o D # da terceira oitava ficam igualmente altas quando emitidas em fortssimo (ibidem, p. 42)]

Exemplo 2. As flautas na abertura da Novena de So Sebastio e So Bento. Comp. 1 a 5.

Fonte: MENDONA, 1981, p. 129Havia ainda em Pirenpolis outros nomes que contriburam prestigiadamente para a presena da flauta no cenrio cultural pirenopolino, utilizando-a seja em suas composies, seja em apresentaes musicais. Um destes nomes o de Antnio de S (1879-1905), que, alm de legar Meia Ponte uma obra variada e valiosa, tocava piccolo. Viveu durante o perodo em que Tonico do Padre se encontrava frente da Banda Euterpe (MENDONA, 1981).De grande relevncia tambm para a flauta de Pirenpolis nesse perodo bem prximo atuao de Tonico do Padre, foi Sebastio Pompeu de Pina Junior (1896-?), que mesmo sendo violinista, contribuiu compondo peas e formando conjuntos que destacavam a importncia deste instrumento. Violinista da Orquestra Ideal da cidade de Gois, aps regressar a Pirenpolis, iniciou em 1923, com Otaclio Ferreira e o violonista Jos da Abadia, um movimento musical que teve a adeso do Mestre Joaquim Propcio de Pina. Propcio de Pina, por sua vez, convidou para participar desse movimento, executando flauta, alguns elementos da Banda Phoenix, como foi o caso de Joaquim Thomas de Aquino (que na banda tocava baixo). Mais tarde este grupo, conhecido como Orquestra dos Pireneus, contou com a colaborao de Braz Wilson Pompeu de Pina, que tambm tocava flauta. (MENDONA, 1981. P. 159). A Figura 1, uma fotografia datada de 1927, mostra sentados, da esquerda para direita, os flautistas Otaclio Ferreira, Braz Wilson Pompeu de Pina e Joaquim Thomaz de Aquino, juntos orquestra da cidade.

Figura 1. Orquestra da cidade de Pirenpolis criada em 1923 fotografia datada de 1927

Fonte: MENDONA(1981)Atravs da historiografia goiana, portanto, puderam ser relacionados alguns nomes e algumas obras que incluem a flauta em formaes instrumentais na cidade de Pirenpolis no sculo XIX e incio do sculo XX. A presena de Tonico do Padre, que morreu no final do sculo XIX, pde ser constatada tambm no cenrio mais amplo, atuando com a flauta, o que, certamente, abriu caminhos para o incio do sculo seguinte. Mas afinal, o que mais pode ser dito sobre esse msico, nessa busca de esboar a sua atuao, tendo como foco a flauta no cenrio musical pirenopolino em questo?

2. Antnio da Costa Nascimento o Tonico do Padre um msico PirenopolinoAntnio da Costa Nascimento nasceu no dia 28 de dezembro de 1837. Filho do msico e professor de primeiras letras Jos Incio do Nascimento (1787-1850) e de Ana da Glria. Era descendente de paulistas, da famlia Rodrigues Nascimento, mais precisamente da terceira gerao dos nascidos em Meia Ponte. (JAYME, 1973, p. 330)As primeiras notcias de suas atividades como msico remontam ao ano de 1858, segundo levantamento de Pina Filho (1986, p. 11), atuando como um dos msicos da orquestra criada por seu irmo Pe. Francisco Incio da Luz. Seu instrumento era a flauta, conforme j observado.Em 1868, junto com o irmo Pe. Francisco, criou a Banda Euterpe, somatrio do que restava da antiga corporao de msica da Guarda Nacional, criada em 1831, inclusive, com o aproveitamento dos velhos manuscritos musicais de partes de missas, novenas, msica para teatro e msica para concerto (PINA FILHO, 1986, p. 11). A banda Euterpe foi dirigida, segundo Jayme (1971, p. 251), por Antnio da Costa Nascimento durante trinta e cinco anos, com energia e frrea disciplina. Conhecida tambm por Banda Velha, era tida como a melhor do Estado. H de se ressaltar, de acordo com Siqueira (1981, p. 32), a estranha aproximao entre a formao da banda de Tonico do Padre e as definidas pelos atuais mestres de banda, quanto variedade de instrumentos e quantidade de elementos. Outro ponto observado nas configuraes de banda levantadas por Siqueira que, dentre vrias bandas observadas no Estado de Gois, apenas as bandas Euterpe, Phoenixde Pirenpolis e a Banda do Seminrioda cidade de Gois (1915), contam com a presena do flautim. A partir de 1868, Antnio da Costa Nascimento tornou-se responsvel pela direo musical instrumental da Igreja, sendo que, segundo PINA FILHO (1986, p. 12), a partir de 1872 passou a ser responsvel pela parte instrumental e vocal, somando ao ttulo de diretor, o de Mestre Capella, como ele mesmo assinava. possvel que tenha atuado neste servio pelo resto de sua vida, uma vez que h registros de sua atuao no servio religioso em 1901 e 1902.H tambm registros da atuao de Antnio da Costa Nascimento nos livros das Irmandades. Segundo Pina Filho (1986, p. 12), estes livros contm muitos indcios de seu trabalho durante toda e qualquer festividade civil ou social, bem como no campo da msica teatral, sendo responsvel, inclusive, por representaes de alguns textos.Tomando como base os arquivos da Banda Euterpe, Banda Phoenix, do Teatro de Pirenpolis, do arquivo de Clotrio e Geraldo de Freitas (Jaragu) e de informaes colhidas entre os conhecedores de sua vida e obra, PINA FILHO (1986, p. 17) realizou um levantamento musical de suas obras. Segundo este pesquisador, atravs desse levantamento possvel notar que sua funo como compositor sacro quase que apagada em relao aos outros gneros,mas foi possvel constatar soube consolidar as duas coisas. PINA FILHO complementa que para as funes religiosas aproveitava as msicas j existentes e fazia arranjos, permitindo que sua fora criativa ficasse praticamente voltada para os gneros populares. Consoante o levantamento realizado, foram compostos entre 1872 e 1902 dez hinos religiosos, duas missas, trs ladainhas, duas novenas e uma jaculatria, ao passo que o nmero de obras profanas bem maior: so quinze valsas, treze quadrilhas, sete habaneiras, seis obras classificadas como marcha ou dobrado, trs schottisch polkas, duas fantasias, duas polkas, dois tangos, um galope, uma canoneta, uma sute (o Concerto dos Sapos), quatro msicas para peas teatrais e dois lbuns musicais.Conforme a distribuio das partes cavadas, usadas para a Banda Euterpe, o total de msicos era, em mdia, de vinte elementos. Quanto msica sacra (e a msica de teatro, que contava com a mesma disposio de instrumentos), segundo Pina Filho (1986, p. 22), por volta das dcadas de 1870 e 1880 a orquestra da Igreja era composta dos seguintes instrumentos: flauta em d; 1 e 2 trombones em d; barytono em sib; bombardom em Mib; Basso em d; 1 e 2 violinos. Nas dcadas de 1890 e 1900 foi acrescido o contralto em sib e excludos os violinos. Segundo essas anlises de Pina Filho (1986, p. 23), a obra de Tonico do Padre tem caractersticas muito pessoais, levando-se em conta ser ele um msico dotado de genialidade, encravado num ermo do interior brasileiro. O autor complementa que Tonico do Padre, herdeiro de uma tradio musical que remonta aos portugueses do sculo XVIII, teve uma educao intimamente ligada tradio de sua cidade, tendo sado rarssimas vezes para qualquer outra localidade. Seus conhecimentos foram ampliados graas ao estudo de antigos tratados de harmonia, contraponto e instrumentao, assim como do estudo das mais diversas obras musicais que lhe caram s mos. Nesse campo, Siqueira (1981, p. 32), registra que no acervo de Tonico foi encontrado o livro Le Polycorde nouveau trait thorique et pratique de musique vocale et de musique instrumentale, de J. Frderic Giraud, tratado que contm, alm de uma apresentao metdica da teoria musical e um mtodo elementar de harmonia, um resumo dos princpios do cantocho (GIRAUD, 1868)

2.1.1 A banda[footnoteRef:8] e a flauta na msica de Tonico do Padre [8: O dicionrio musical New Grove II apresenta duas definies para o termo banda. A primeira refere-se a qualquer conjunto de instrumentos musicais. A segunda diz respeito a um grupo de msicos que executam instrumentos de sopro e percusso; ou ainda madeiras, metais e percusso. a segunda definio que diz respeito a esse trabalho.]

Praticamente todas as peas de Tonico do Padre para banda a que tive acesso contam com um flautim - cuja utilizao pode ser constatada tambm na Figura 2 - fazendo-se necessria uma pequena introduo sobre este instrumento que , segundo TOFF (2012, p. 62) o mais caluniado da orquestra. O uso do flautim e no de uma flauta tem uma lgica, visto que o flautim tem som mais penetrante que a flauta frente aos instrumentos de metal que predominam na banda. O que se sabe sobre os flautins utilizados que eles possivelmente no possuam a mesma afinao dos flautins em d de hoje em dia. Tonico do Padre utilizou em seu manuscrito da quadrilha Tim Tim por Tim Tim a indicao Piccolo Mib, e, nas outras peas, Piccolo Rb. Segundo Eitan (2000, p. 2), no sculo XIX estes instrumentos foram desenvolvidos, pois, j que os flautins eram anteriormente afinados em tonalidades com sustenidos, tocar em tonalidades com bemis era tarefa difcil e complexa. Especialmente em bandas militares, onde a msica era frequentemente escrita nessas tonalidades, de modo a facilitar a execuo dos trompetistas e clarinetistas. Pde ser verificado que Tonico do Padre utiliza-se do flautim em todos os registros. No compasso 56 da pea Tim Tim por Tim Tim, por exemplo, explorada a primeira oitava do instrumento (f# a si da primeira oitava). J no dobrado Cabeleira Pernambucana h trechos onde explorada uma regio do instrumento considerada clara (McKay apud TOFF, 2012, p. 14), mais aguda (r# a f# da ltima oitava). No item que se segue essas duas peas sero analisadas junto s outras peas selecionadas.

Figura 2. Banda Phoenix com o jovem flautinista Joo Luiz Pompeu de Pina, primeiro sentado esquerda

Fonte: MENDONA, 1981, p. 141

3. A msica de Tonico do Padre para flauta/flautimComo pode ser constatado at aqui, e a partir das informaes e do material que consegui ter acesso, a predominncia no trabalho de Tonico do Padre, sobretudo, do flautim, tem a ver com o seu grande investimento junto banda. As primeiras anlises do material que consegui ter em mos possibilitou constatar a presena do piccolo em quatro das cinco obraspara banda atribudas ao compositor. Nelas so utilizados piccolos em D, Mi bemol e R bemol. Essas obras, que sero comentadas no prximo item, so: a quadrilha Tim tim por timtim At o Fim, a fantasia Amor de Pai, o dobrado Cabeleira Pernambucana e o Hino do Divino.

3.1.1 Tim Tim por Tim Tim At o FimAps anlise da cpia do manuscrito datado de 1895, que traz a assinatura de Tonico do Padre (Nascimento), foi possvel perceber que esse msico comps esta obra nos moldes das quadrilhas francesas. Utilizo a palavra comps, sem deixar de reconhecer a dvida se a obra realmente do msico em questo ou se ele apenas assinou uma cpia, como era comum ser realizado naquela poca[footnoteRef:9]. Tive contato com o manuscrito (parte cavada) e com uma cpia da partitura (grade) sem data e sem assinatura. O manuscrito traz a indicao para Pcolo mi b e a cpia da partitura traz o ttulo Quadrilha Tim Tim por Tim Tim At o Fim de Nascimento e os seguintes instrumentos: Requinta mi b; 1 clarineta si b; 2 e 3 clarineta sib; alto mib; tenor sib; 1 trompete sib; 2 trompete sib; 2 e 3 alto; trombone si b; bombardino sib; baixo mib; baixo sib. A partitura traz escrito a lpis sobre cada instrumento a anotao de outro instrumento de corda ou madeira. Sobre a meno requinta na partitura, aparecem as trs ltimas letras de flauta (uta), o que significa que, atendendo aos diferentes momentos de execuo, os instrumentos foram substitudos. [9: A observao foi feita tendo como referncia o manuscrito assinado, que traz a parte cavada do flautim, e outra cpia que traz a partitura, sem data e sem a assinatura do copista. Nessa ltima, o ttulo tem como sequncia a expresso de Nascimento. ]

A quadrilha francesa, como encontrada por volta de 1840 nos sales parisienses, constituda pelo encadeamento de cinco ou seis danas, como uma sute, sendo elas: 1 Le pantalon, em 2/4 ou 6/4; 2 Lt, em2/4; 3 La poule, em 6/8; 4 La pastourelle ou La trnis, em 2/4, 5 La finale, em 2/4. (ZAMITH, 2007, p. 120). Tonico do Padre delimitou, numerando na partitura, cada uma dessas contradanas. O contedo musical de cada uma delas difere, mas todas tm compasso binrio simples ou binrio composto, como comum a este gnero, popular na Belle poque brasileira (ZAMITH, 2007, p. 120) e que aparece no repertrio das bandas. O exemplo 3 demonstra os sete primeiro compassos onde desenvolvido o primeiro tema da quarta dana (la trnis) de Tim Tim por Tim Tim.

Exemplo 3. Trecho da parte do piccolo na quadrilha Tim Tim por Tim Tim. Comp. 1 a 7

Fonte: Arquivo da Banda Phoenix

3.1.2 Amor de PaiOutro gnero utilizado por Tonico do Padre, em duas de suas obras musicais (segundo observado na catalogao de PINA FILHO, p.20), foi a fantasia. Uma das partes para flauta observadas no acervo da Banda Phoenix pertence fantasia Amor de Pai, cuja autoria atribuda a Antnio da Costa Nascimento, encontrada em cpia da parte cavada datada de 1989 e sem o nome do copista. No The New Groves Dictionary of Music and Musicians encontra-se a seguinte definio inicial para o verbete fantasia:

Um termo adotado na Renascena para uma composio instrumental cuja forma e fonte de inveno vem unicamente da fantasia e habilidade do autor que a criou (Luis de Milan, 1535-6). Do sculo XVI ao sculo XIX a fantasia tende a reter esta licena subjetiva, e podem consequentemente variar amplamente suas caractersticas formais e estilsticas, desde tipos improvisatrios livres at o estritamente contrapontstico e formas seccionais mais ou menos padronizadas (SADIE, 2001, p. 380)

O compositor caracteriza o termo fantasia ao utilizar nesta obra seis alternncias de andamento: maestoso (Exemplo 4), largo, andante, allegro, adgio e allegro vivo. Pde ser constatado atravs da anlise que tais andamentos so contrastantes e tal mobilidade no pulso secciona a obra em pequenos trechos livres.

Exemplo 4. Trecho do flautim na fantasia Amor de Pai. Comp. 1 a 13

Fonte: Acervo da Banda Phoenix

Tais trechos (ou subsees) dialogam pela coerncia na dinmica e pela utilizao de pequenos motivos. Ao observar a utilizao da dinmica, nota-se que em andamentos rpidos o compositor opta por dinmicas em ff e em andamentos lentos a dinmica pp. No centro da obra (no andamento Andante), considerado um andamento intermedirio, o compositor mescla dinmicas ff e pp, mantendo o padro de dilogo entre andamento e dinmica. O flautim (indicado na cpia da parte cavada Flautim D) possui papel importante nesse dilogo entre dinmica e andamento. A regio mais aguda do flautim explorada em andamentos rpidos, e dinmicas fortes, a extenso mdia mais explorada nos andamentos lentos e dinmicas em pp.

3.1.3 Cabeleira PernambucanaSegundo Rocha (2011, p. 4), o gnero dobrado teve sua origem no passo dobrado das marchas militares europias. O dobrado, portanto, herdou e abrasileirou a maioria das caractersticas musicais daquelas marchas, principalmente, no que se refere ao ritmo, aos compassos, ao andamento, estrutura formal, s tonalidades, harmonia e ao contraponto.J no referente rtmica, o ritmo do dobrado binrio, com forte acentuao do tempo forte do compasso, que usualmente o compasso simples 2/4 (ROCHA, 2011, p. 4), como pode ser verificado nos primeiros compassos da parte do flautim, indicada no Exemplo 5.

Exemplo 5. Primeiros compassos do flautim na Cabeleira Pernambucana

Fonte: Acervo da Banda Phoenix

A estrutura tpica do dobrado (ROCHA, 2011, p. 5), presente nesta pea, leva a considerar a seguinte frmula ternria: a exposio (A-B), o trio(C) e a reexposio (A-B). O flautim est presente em todas as sees, ora conduzindo a melodia principal, juntamente aos outros instrumentos, ora ornamentando o solo do baixo, remetendo a Rocha (2011, p. 5) quando observa que Nos dobrados, caracterstica fundamental da exposio que a sua ltima parte seja um solo dos instrumentos mais graves (baixos, trombones e bombardinos). Este solo, vibrante, grave e fortssimo, chamado de solo do baixo ou forte do baixo. acompanhado por todos os instrumentos de percusso, com forte marcao dos bombos e dos pratos, e pela harmonia executada pela trompas, trompetes, flautas e clarinetes, que, s vezes, executam arpejos, trinados e outras inventivas e curiosos ornamentos musicais. (ROCHA, 2011, p. 5)

Novamente vem a questo da autoria da obra, tendo em vista as circunstncias ligadas aos copistas que deixavam seus nomes nas cpias que faziam. No caso do Cabeleira Pernambucana, no entanto, foram observadas duas cpias, uma parte cavada / flautim em Re b e uma partitura para banda que traz a seguinte formao: Flautim em re b; requinta mi b; 1 2 e 3 clarineta si b; 1 e 2 sax alto mi b; 1 e 2 trompetes si b; 1 2 e 3 alto mi b; 1 e 2 trombones do; bombardino si b; baixo mib; baixo si b; Caixa clara; pratos; bumbo. As duas cpias no trazem assinatura nenhuma, nem data, somente as frases junto ao ttulo da obras: de A. C. Nascimento (parte cavada) e Msica de A. C. Nascimento (parte da partitura). A partitura traz escrito a lpis sobre cada instrumento a anotao de outro instrumento de corda ou madeira. Sobre o Flautim rb aparece flauta, o que significa mais uma vez que atendendo aos diferentes momentos de execuo, os instrumentos foram substitudos.

3.1.4 O Hino do DivinoO Hino do Divino tem papel fundamental em uma das festas mais tradicionais de Pirenpolis, a festa do Divino. A obra executada em momento especfico das cavalhadas, como observam Lobo e Miranda (2014), citando acontecer esse momento logo aps a performance dos mascarados, figura tpica dessa festa em Pirenpolis: na sequncia executado o Hino do Divino, composta em 1899 por Antnio da Costa Nascimento, popularmente conhecido com Tonico do Padre. (LOBO;MIRANDA, 2014, p.8)A obra hino do Divino dividida em duas partes: Folia e Hino. A folia no possui nenhuma letra. Um fato marcante a presena de fermatas em pequenas frases de 3 ou 5 compassos acompanhados de grupetos, conforme pode ser observado no Exemplo 6.

Exemplo 6. Folia do Hino do Divino do flautim em Rb. Comp. 1 a 5 Fonte: Acervo da Banda Phoenix

A tonalidade Mi bemol e tem um carter bastante solene. As cadncias mais importantes so as cadncias V- I e V - IV. A cadncia final uma cadncia suspensiva IV V. Ao optar em terminar em uma dominante d-se a entender que esta folia antecede o hino. A primeira hiptese a de que a resoluo deste acorde suspenso aconteceria na tnica que est no primeiro acorde do hino. No entanto, na tentativa de elucidar essa dvida com membros da atual formao da Banda Phoenix, foi esclarecido que o hino da folia s executado no Domingo de Pscoa ao meio-dia na porta da Matriz, simbolizando a abertura da Festa do Divino, e que nada mais tocado aps a sua execuo.A obra escrita em forma coral e as vozes caminham juntas predominantemente em intervalos de oitavas e teras.O Hino faz parte de um momento muito especfico da festa do Divino. uma pea de rico significado histrico e cultural e tradicionalmente conhecida por todos os seus participantes. Estruturalmente possui uma introduo instrumental e logo aps as vozes so entoadas.Na introduo (Exemplo 7) o papel do flautim introduzir o tema principal que aparecer em seguida na entrada das vozes. A nica variao meldica acontece nos 3 ltimos compassos da introduo. O momento em que o flautim no est fazendo a melodia principal aquele relacionado aos primeiros quatro compassos (a partir da entrada das vozes). Neste momento ele realiza apenas um acompanhamento.

Exemplo 7. Introduo do Hino do Divino. Parte do flautim em D

Fonte: Arquivo da Banda Phoenix

4. Consideraes FinaisA pesquisa contnua, e, portanto, ainda no concluda, sobre a vida e a obra de Tonico do Padre revelou que o interesse pelo assunto no se restringe a poucas pessoas ligadas rea acadmica musicolgica em Gois ou a um grupo pequeno de pirenopolinos que luta pelo resgate das origens culturais de seu passado. Felizmente, durante a busca confesso que quase improfcua de dados e documentos que ainda no tivessem sido expressados pela historiografia goiana - sobretudo Mendona (1981) e Pina Filho (1986) foi possvel constatar que a curiosidade e o fascnio sobre esta importante personalidade da cultura goiana, embora obstado pelo zelo imdico dos donos dos acervos de sua obra, grande e no exclusivo a pequenos grupos, como fora imaginado.Para investigar como se deu a atuao especfica de Tonico do Padre, relacionada flauta, no cenrio mais amplo pirenopolino, foi imperativa a pesquisa sobre como se deu a sua atuao como um todo na cultura e na histria de Pirenpolis. A trajetria metodolgica estabelecida nesse trabalho possibilitou afirmar que inegvel que Tonico, tendo investido tantos anos de sua vida, e tendo composto tantas peas para sua banda, foi de primordial importncia para que essa cultura de banda ainda seja to significativa em Pirenpolis. Foi constatado atravs do contato com regentes e msicos de importantes bandas goianas que sua msica ainda valorizada e tocada. O mesmo vale para a msica sacra, principalmente o Hino do Divino, que conforme verificado em gravaes atuais, ainda cantado e executado de cor pela populao local. Quanto ao uso da flauta, a pesquisa mostra que Tonico do Padre era flautista, que escreveu um lbum musical para o instrumento (PINA FILHO, 1986) ao qual, infelizmente, no obtive acesso, e que a grande maioria de suas obras para grupos sacros e profanos continham flauta ou flautim. Este ltimo fato, vale ressaltar, por si s motivo de interesse visto que, possivelmente, era a sua a nica banda de Gois que continha esse instrumento no sculo XIX. Em Vila Boa, cidade de tambm grande expresso cultural, s h registro de flauta em bandas a partir de 1915 (SIQUEIRA, 1981, p. 32). Em Jaragu no h registro de flauta no acervo do maestro Balthasar de Freitas, conforme verificado em Pinto (2006). A obra de Tonico do Padre evidencia caractersticas muito pessoais, como aponta Pina Filho (1986, p. 23), levando-se em conta ser ele um msico dotado de genialidade, encravado num ermo do interior brasileiro. Tonico do Padre, herdeiro de uma tradio musical que remonta aos portugueses do sculo XVIII, teve uma educao intimamente ligada com a tradio de sua cidade, tendo sado rarssimas vezes para qualquer outra localidade. Foi possvel constatar, atravs de partituras, registros fotogrficos e sonoros que, desde ento, a flauta vem sendo utilizada nos grupos musicais de Pirenpolis at os dias de hoje, tanto na Igreja quanto na Banda Phoenix, que , atualmente, a banda de maior expresso na cidade. Nesse contexto, como j pde ser observado, Antnio da Costa Nascimento, que legou obras sacras e profanas aos goianos, conforme catalogao do pesquisador Braz Wilson Pompeo de Pina Filho (1986, p. 17-21), dedicou-se de forma especial msica popular. vlido ressalvar ainda que o acesso aos manuscritos de Tonico do Padre , atualmente, uma tarefa rdua, mesmo para quem de Pirenpolis e convive com os principais guardies do que resta de sua obra. Que fique registrado esse apelo e a exposio da necessidade de que se preserve e se catalogue essa obra, que to importante para a histria do estado, no s por todo seu valor histrico, mas pelo seu valor simblico e cultural.

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PALACN, Luis.Histria de Gois (1722-1972). Goinia: Imprensa da UFGO, 1975

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SIQUEIRA, Jacy. A Banda ontem e seu futuro. Edio Estado de Gois, 1981.

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ZAMITH, Rosa Maria. A dana da quadrilha na Cidade do Rio de Janeiro: sua importncia na sociedade oitocentista. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 113-132, 2007.