a moura torta, de ana maria machado

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A moura torta Ana Maria Machado Era uma vez um prncipe que tinha muita vontade de casar, mas ainda no tinh a encontrado a noiva de seus sonhos. O rei e a rainha davam muitas festas no palc io e sempre convidavam as mais belas filhas de nobres. Mas nenhuma delas atraa as atenes do prncipe. Em todas ele via defeitos. Uma era muito magra, outra era gorda demais. Uma era tagarela, outra no abria a boca. Uma era escandalosa, outra era apagada de dar d. Uma era boboca, outra parecia mais inteligente que ele. E, de d efeito em defeito, o tempo ia passando e ele no casava. J tinha se esgotado todo o estoque de moas nobres do reino, quando ele tev e a ideia de fazer uma viagem. Ia correr mundo em busca de aventuras. Os pais ac haram timo que ele pudesse ir procurar uma noiva em outras terras. A rainha o ani mou: Isso mesmo, meu filho, quem sabe voc no se apaixona por algum? E o rei foi mais alm: ... Nem precisa ser nobre. Se voc escolher, ns estamos de acordo. O prncipe ento resolveu ir. Pediu ao tesoureiro uns saquinhos com moedas d e prata e de ouro, mandou preparar uma mochila e um alforje, escolheu o que ia l evar, deu ordem para que selassem seu melhor cavalo bem cedo. E no dia seguinte, quando o sol raiou, ele j estava a caminho de algum lugar que no sabia onde era. Mas tinha certeza de que encontraria algum por l para ser a sua amada. Cavalgou por muitos lugares, por vales e montes, por bosques e campos. V isitou aldeias e castelos. Conheceu muita gente, aprendeu muita coisa interessan te, conversou sobre assuntos que nem desconfiava que existissem e jamais saberia se tivesse continuado a vida toda trancado no palcio. E viu como havia tanta gen te trabalhando duro no mundo. Como era um homem de bom corao, sempre que podia pux ava uma conversa, trocava ideias, ajudava um pouco. Mas no encontrou noiva nenhuma. Depois de muito tempo, j estava voltando para casa quando viu uma velha m uito velha na beira da estrada, toda atrapalhada para carregar um feixe de lenha . Ela no conseguia andar direito e precisava de uma bengala para se apoiar. Como tinha que levar um monte de gravetos, acabou soltando a bengala, que caiu no cho. A velha tentou pegar, mas com isso espalhou todos os galhinhos que tinha catado . Vendo isso, o prncipe apeou do cavalo e disse: Deixe que eu ajudo a senhora. Rapidamente, catou os gravetos espalhados e amarrou com um pedao de embir a. Depois, ajudou a velha a montar em seu cavalo, prendeu o feixe de lenha na ga rupa e se ofereceu para acompanha-la at em casa, caminhando ao lado da montaria. Ela agradeceu muito e l se foram os dois. Quando chegaram casinha onde a velha morava, o prncipe tornou a ajud-la. D epois se despediu, com muita pena de deixar a coitada sozinha, num lugar to isola do. Ela agradeceu de novo e disse a ele: Voc foi to bom para mim, que quero lhe dar um presente. Pegou trs melancias de um cesto que estava num canto e disse: Tome... para a viagem. Mas s abra perto de onde tiver gua. Ele agradeceu, disse que ela no precisava se incomodar, e coisa e tal toda s as gentilezas bem-educadas que os pais tinham ensinado. Mas aceitou o presente . Pegou as melancias, botou num saco de estopa que estava dobradinho e guardado debaixo da sela, prendeu bem preso na garupa do cavalo. E seguiu viagem. O tempo passava, o sol ia esquentando, e o prncipe foi ficando com muito calor. De repente, lembrou das melancias. Apeou, pegou uma delas e partiu ao mei o. Quase morreu de susto: l de dentro foi se desenrolando e crescendo uma moa muito linda, com cabelo bem comprido e olhos brilhantes. Estava peladinha e tod a suja de melancia. Como se estivesse com um pouco de frio, ela se agasalhou na cabeleira longa e negra, e suplicou: Dai-me gua! Dai-me gua, seno eu morro... O prncipe correu para junto do cavalo, para ver se ainda tinha algum restinho de gua no cantil. Mas o cantil estava seco. E a moa insistia: Por favor, estou com muita sede... Dai-me gua! Dai-me gua, seno eu morro. S que no adiantou pedir. Como o prncipe no tinha gua para dar, ela morreu. Ele ficou tristssimo. Mas no havia mesmo nada que pudesse fazer e seguiu v iagem. Muito impressionado com o que tinha acontecido, no conseguia tirar aquilo da lembrana. Era a moa mais bonita que j tinha visto. Olhos brilhantes, cabelo comp rido, boca cor de melancia. Quem sabe no poderia ter sido a noiva que ele tanto p rocurava? O dia ia esquentando, o prncipe seguia adiante. Cavalgava e pensava nela, pensava, pensava. Que falta de sorte a sua! Com trs melancias para comer, ele fo i escolher justamente a que no tinha polpa e s tinha uma moa sedenta dentro? No tira va aquila viso da cabea. E pensava nela, pensava... Da a pouco j estava a ponto de ter alucinaes. As rvores da beira da estrada, cheias de barbas-de-velho penduradas, faziam o prncipe lembrar da cabeleira da moa linda. O sol, brilhando, recordava o olhar dela. "Estou delirando, de tanto calor. Melhor eu abrir outra melancia", penso u ele. Mas aconteceu a mesma coisa. S que, dessa vez, a moa que saiu l de dentro, peladinha e suja de melancia, tinha cabelos castanhos. E no demorou tanto tempo p ara crescer. Mas pediu igualzinho: Dai-me gua! Dai-me gua, seno eu morro... Nem adiantava olhar no cantil. O prncipe sabia que ele estava mesmo vazio . Entrou no mato, para ver se havia algum riachinho por ali, algum brejo nas red ondezas. Mas nada. E, em meio s rvores, s ouvia a voz cada vez mais fraca, quase su mindo, da moa linda: Por favor, estou com muita sede... Dai-me gua! Dai-me gua, seno eu morro. No teve jeito. Ele no deu gua e ela morreu. Mas, dessa vez, quando continuou viagem, o prncipe aguentou firme. Por ma is sede que sentisse, por maior que fosse o calor, no partiu a ltima melancia. Pod ia ter algum com sede dentro dela e ele no queria arriscar. Quando j estava avistando ao longe as terras de seu pai, finalmente chego u a um lugar mais fresquinho e sombreado, com uma fonte de gua limpa brotando do meio de uma pedras, debaixo de uma rvore frondosa e alta. Parecia um pequeno lago , tranquilo e espelhado, que depois escorria numa cachoeirinha e formava um crreg o que seguia adiante, em direo s terras do rei. Depois de matar a sede, o prncipe se lembrou da melancia. Foi busc-la e, a o abrir, rapidamente uma moa ainda mais bela do que as outras duas pulou l de dent ro. Tinha os cabelos bem louros, os olhos brilhantes. E tambm estava sem roupa, t oda suja de melancia, e pedia: Dai-me gua! Dai-me gua, seno eu morro... Claro, com muito gosto disse ele. Serviu-lhe um pouco de gua em sua caneca de prata. A moa estava mesmo com muita sede. Bebeu tudo de um gole s e pediu mais. Depois de repetir vrias vezes, e ntrou na gua, tomou banho no lago e na cachoeiro, ficou limpinha. Olhos brilhante s e boca cor de melancia. Linda como os anjos e com perfume de flor. Nem parecia que tinha acabado de nascer de uma fruta de cheiro forte e cheia de caroos. O prncipe ficou encantado. Deu sua capa de veludo para que ela se enxugas se e se enrolasse, sentou-se ao lado dela e comeou a conversar. Ela disse que era uma princesa encantada e contou sua histria. Ele tambm contou a dele, e foram se apaixonando. Conversaram at o dia seguinte. Quando o sol raiou, ele disse moa: Quero casar com voc, para um dia voc ser minha rainha e me dos meus filhos. Estou louco para apresentar voc minha famlia. Mas no pode ser assim, enrolada numa capa empoeirada. Vou at o palcio buscar uma roupa digna da sua beleza e uma carru agem para voc viajar com conforto. Eu espero disse ela.