27. a torta de maçã

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A T O R T A D E M A Ç Ã Infantil Texto de JULIO CARRARA Escrita em 2009

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Infantil

Texto de JULIO CARRARA

Escrita em 2009

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PERSONAGENS:

VELHINHA

CAMPONESA

MARIDO

MULHER

MOÇO

MÃE

CRIANÇA

VELHO

CENÁRIO: Descrição no texto. Tudo muito simples e despojado. Pode ser

apenas elementos que entram e saem conforme as necessidades das cenas.

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CENA 1

(Entra velhinha bonitinha, de touquinha, varrendo a casa. Encosta a vassoura, limpa

as mãos no avental e vai para o fogão.)

VELHINHA

(Falando sozinha, agradavelmente.) E que doce eu vou fazer hoje? (Abre um

livro de receitas e procura.) Bolo de creme, bolo de chocolate, hummm, torta de

ananás, torta de ameixa, não... Ah! Torta de Maçã. Hum, que delícia. Há quase

um ano que eu não como torta de maçã. Também o tempo das maçãs é só uma

vez por ano. Mas agora está no tempo... Vamos ver o que eu tenho aqui.

Farinha, açúcar, passas, fermento, ovos, leite... Tenho tudo menos as maçãs! E

não se pode fazer torta de maçãs sem maçãs. Acho que não há outro remédio

senão sair para comprar. (Pega uma caixinha-cofrinho.) Vamos ver se o

dinheirinho dá. (Abre e tira uma única moedinha.) Oh, não dá. Bem, paciência...

Faço outro doce. (Sem entusiasmo.) Doce de ameixa. (Vê o vidro de ameixas.)

Tenho tantas ameixas... (Para.) Mas o que eu tenho vontade mesmo é de comer

torta de maçã. Hum! Torta de maçã é o doce que eu mais gosto no mundo.

Que pena que o dinheirinho não dá para comprar maçãs... as ameixas sim

estão sobrando. (Ideia.) Estão sobrando? Mas claro. Vou ao mercado vender as

minhas ameixas! Vendo as ameixas e compro maçãs! Como é que eu não

pensei nisso antes?

(Com passinhos apressados, pega uma cestinha, enche de ameixas, cobre com um

guardanapo bem limpinho. depois vai se arrumar. Troca a touca simples por uma com

rendas, troca o avental simples por um branquinho, o xale por outro mais bonito,

suspende um pouco a saia para ver se as botinhas estão limpas, balança a cabeça pega

uma escova e lustra-as um pouco gemendo com o esforço e finalmente sai com a sua

cestinha. Anda com passinhos miúdos, alegre, cantarolando com voz de velhinha um

tema antigo. Ouve um passarinho, para para escutar um pouco e continua andando.)

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CENA 2

(Velhinha passa por um galinheiro onde uma camponesa joga milho para as galinhas

com ruídos típicos.)

VELHINHA

(Parando diante do cercado, muito amável.) Bom dia, vizinha!

CAMPONESA

Muito bom dia, vovozinha.

VELHINHA

Bom mesmo, não é? Lindo, lindo dia! E como vão as galinhas hoje? E os

galos? E os frangos? E os pintinhos?

CAMPONESA

Vão muito bem. Comem que dá gosto! Não há milho que chegue para

eles!

VELHINHA

Mas em compensação botam ovos, não é?

CAMPONESA

(Orgulhosa.) Ah, lá isso é verdade! As minhas galinhas botam os ovos

mais bonitos da redondeza! E os maiores também. Não deixam de botar todos

os dias. Quer ver? (Abaixa-se até um ninho e tira um ovo.) Está vendo,

vovozinha?

VELHINHA

Mas que beleza de ovos! Está de parabéns pelo seu galinheiro, vizinha!

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CAMPONESA

Obrigada. E a senhora para onde vai tão cedo e tão faceira assim? Se

fosse domingo, pensaria até que ia à missa.

VELHINHA

Eu vou ao mercado vender minhas ameixas.

CAMPONESA

A senhora tem ameixas para vender? Oh, que maravilha!

VELHINHA

Gosta de ameixas, minha filha?

CAMPONESA

Hum... E como eu gosto.

VELHINHA

Não quer comprá-las, então?

CAMPONESA

Não posso... Meu dinheiro já está contado para essa semana.

VELHINHA

Que pena! (Ideia.) Sabe de uma coisa? Eu quero vender as ameixas para

poder comprar maçãs pra fazer uma torta. Se quiser eu troco essas ameixas

por maçãs! Quer?

CAMPONESA

Eu faria essa troca de bom grado, vovozinha. Mas acontece que as maçãs

que eu tinha já acabaram. Não sobrou nenhuma. Oh, que pena! Eu queria

tanto comer umas ameixas hoje. O meu pai também gosta muito de ameixas.

Se a senhora quiser trocar por outra coisa... Olha eu tenho um saquinho de

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penas de ganso bem macias. Dá para fazer um travesseiro digno de uma

princesa. Quer trocar as ameixas pelo saquinho de penas, vovozinha?

VELHINHA

Estou vendo que a sua vontade de comer ameixas é tanta como a minha

de comer torta de maçã. E como eu sou da opinião que é melhor uma pessoa

contente do que duas descontentes... aceito a troca!

CAMPONESA

Muito obrigada. Eu já vou buscar as penas.

(Sai correndo. Velhinha fica “conversando” com as aves. A camponesa volta logo com

um saquinho.)

CAMPONESA

Aqui estão as penas.

VELHINHA

Aqui estão as ameixas! Estenda o avental, minha filha! (A moça obedece,

Velhinha despeja as ameixas no avental dela.) E bom proveito, vizinha.

CAMPONESA

Obrigada, vovozinha. Boa sorte. Durma bem no seu travesseiro de

penas.

VELHINHA

Até logo. (Põe o saquinho na cesta e sai com seu passinho miúdo e falando

sozinha.) Se não estou mais perto da minha torta de maçã, não faz mal. Um

bom travesseiro também é gostoso. E afinal, as penas são mais leves do que as

ameixas.

(Continua a caminhar.)

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CENA 3

(Velhinha para na frente de um jardim com muitas flores para cheirá-las e um casal sai

de casa, brigando.)

MARIDO

Palha!

MULHER

Algodão!

MARIDO

Palha, mulher!

MULHER

Algodão, homem!

(Velhinha fica escondida entre as flores, espiando-os.)

MARIDO

Mas que mulher teimosa! Quando eu digo que é palha é porque sei o

que estou dizendo!

MULHER

Teimoso é você. Quer saber mais do que eu sobre essas coisas? Eu digo

que é algodão e tem que ser algodão!

VELHINHA

(Balançando a cabeça e sorrindo.) Tsk, tsk, tsk... Que é isso? Um casal tão

simpático discutindo assim? (Ambos olham para ela enfezados, mas mudam de

expressão ao ver a carinha dela.) Bom dia.

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MULHER

Bom dia, vovozinha!

MARIDO

Bom dia. (Ideia, cutuca a mulher.) Olhe, a vovozinha pode nos ajudar.

MULHER

É mesmo. (Para velhinha.) Quem sabe poderá nos ajudar a decidir a nossa

discussão.

VELHINHA

Se for coisa de que eu entendo, com muito gosto. Não me agrada ver

pessoas simpáticas brigando... E de que se trata, meus amigos? Parece que a

dúvida é entre algodão e palha?

MARIDO

É que a minha mulher é teimosa.

MULHER

(Interrompendo-o.) Deixa eu explicar primeiro. Acontece que a almofada

da poltrona do meu avô está velha e é preciso fazer-lhe uma almofada nova.

Eu já costurei e preparei tudo. Só falta encher a almofada. Acho que uma boa

almofada tem que ser cheia com algodão.

MARIDO

(Interrompe.) Eu acho que fica melhor com palha!

MULHER

Algodão fica muito melhor.

MARIDO

Palha que é melhor! E mais barato também.

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MULHER

Algodão!

MARIDO

Palha!

MULHER

Algodão!

MARIDO

Palha!

(Velhinha fica olhando para um e para o outro como jogo de tênis e já está com uma

ideia na cabeça.)

VELHINHA

(Agitando as duas mãos.) Chega! Chega!

MULHER

Então diga vovozinha. A senhora não encheria o travesseiro com

algodão?

VELHINHA

(Ar travesso.) Algodão? Não. Certamente que não!

MULHER

(Desapontadíssima.) Não?

MARIDO

(Triunfante.) Viu, viu, viu mulher teimosa? A gente enche o travesseiro

com palha. Não é, vovozinha? Com uma boa palha seca!

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VELHINHA

Palha? Não! Eu nunca encheria o travesseiro do vovô com palha!

MARIDO

Não?

(Marido e Mulher se olham espantados.)

MULHER

Mas vovozinha, então o que nos aconselha a fazer?

MARIDO

Sim, o que nos diz, então? Nem algodão nem palha... Mas então...

VELHINHA

Vocês não acham que não existe melhor travesseiro do que travesseiro

de penas? Um travesseiro de penas de ganso, macias e leves?

MULHER

Penas de ganso? Isso é para gente rica!

MARIDO

Nós não podemos permitir um luxo desses!

VELHINHA

Quem sabe, quem sabe... (Velhinha tira o saquinho de penas da cesta.) Nesse

saquinho há penas para encher uma boa almofada para a poltrona do vovô.

MULHER

Mas vovozinha! Nós não temos dinheiro para pagar isso.

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VELHINHA

Eu não estou pedindo dinheiro... Eu troco esse saquinho de penas por

algumas maçãs... Estou com vontade de comer uma torta de maçã hoje.

MULHER

(Triste.) Oh, que pena! Não temos nenhuma maçã.

MARIDO

Que pena!

VELHINHA

Não fiquem tristes! Se vocês não tem maçãs eu troco por qualquer outra

coisa. (Olha em volta.) Por um raminho dessas lindas flores, por exemplo.

MULHER

Oh, vovozinha. Tire quantas quiser.

MARIDO

Eu mesmo vou fazer um raminho. (Os dois arrancam algumas flores e logo

está feito um raminho.) Aqui estão as suas flores, vovozinha.

VELHINHA

E aqui estão as suas penas.

MULHER

Essas penas valem muito mais do que as flores. Fez um mau negócio,

vovozinha.

VELHINHA

É o que você pensa, minha filha. Fiz um ótimo negócio. Podem ser que

em dinheiro as penas valham mais do que as flores, mas a minha satisfação de

ver vocês contentes, não há dinheiro que pague. Até loguinho.

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(Os dois acenam para a velhinha que sai pela estrada com as flores na cestinha.)

CENA 4

(Velhinha na estrada encontra com um moço bonito, bem trajado, mas de cara muito

amarrada.)

VELHINHA

Bom dia, moço. Não está lindo o dia hoje?

MOÇO

(Enfezado.) Dia lindo ou dia feio, frio ou quente, pouco me importa.

VELHINHA

Tsk, tsk, tsk. Um moço tão rico, tão bonito e tão mal humorado! Isso é

mau, meu filho. O que foi que lhe aconteceu?

MOÇO

(Caindo em si.) Desculpe os meus modos, vovozinha, mas é que estou

muito aborrecido.

VELHINHA

Aborrecido? O que é isso, menino? Um moço tão bonito...

MOÇO

É que eu vou até a casa da minha namorada...

VELHINHA

E isso é motivo para ficar aborrecido? Não me parece...

MOÇO

Hoje eu queria pedi-la em casamento.

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VELHINHO

Cada vez me parece que você tem menos razões para ficar triste, meu

filho.

MOÇO

Pois é. Seria tudo muito bom, mas acontece que encomendei um lindo

anel para dar a ela como presente de noivado. E o joalheiro não aprontou o

anel para hoje. E agora eu tenho que ir à casa da minha noiva com as mãos

vazias.

VELHINHA

Vocês jovens, tem cada uma. Não acha melhor ir de mãos vazias do que

de coração vazio? Não é o presente que importa.

MOÇO

Bem, isso é verdade. Mas é que gostaria de levar um presente pra minha

noiva. Já está na hora de ir pra lá e não dá mais tempo de arranjar nada.

VELHINHA

Ah, juventude, juventude... (Suspira.) Bom, o juízo não vem mesmo

antes do tempo. Não fique triste, mocinho. Não irá de mãos abanando...

MOÇO

Não? Como assim?

VELHINHA

Você não acha que não há presente mais lindo para uma jovem do que

um bonito ramo de flores?

(Tira o ramo da cestinha e entrega ao moço.)

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MOÇO

São lindas vovozinha. Mas não vão lhe fazer falta? Não ia levá-las a

algum lugar, para alguém?

VELHINHA

Bem, para falar a verdade eu queria trocá-las por algumas maçãs. Estou

com tanta vontade de comer torta de maçã... Mas eu prefiro que você leve

essas flores para a sua noiva. Você vai ficar contente, a moça vai ficar contente,

as flores ficarão contentes... Tome-as, meu filho.

MOÇO

(Pegando o ramo.) Obrigado, vovozinha. Sinto não ter maçãs para lhe dar.

(Põe a mão no bolso.)

VELHINHA

(Fazendo que não com as mãos.) Não, não! Não quero dinheiro!

MOÇO

(Rindo.) Tem razão, vovozinha... Gentileza como a sua não há dinheiro

que pague! Mas então aceite essa lembrança minha. (Tira uma corrente do

pescoço.) É uma correntinha que uso desde pequeno.

VELHINHA

Mas eu não posso aceitar. É de ouro, não posso.

MOÇO

Vou ficar ofendido se não aceitar o meu presente. A senhora me deu

alegria hoje... Vamos, aceite!

VELHINHA

Bem, já que você insiste. Muito obrigada. (Põe a correntinha na cestinha.)

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MOÇO

Adeus, vovozinha. Estou com pressa.

(Moço sai cantando. Velhinha, parada, segue-o com os olhos. Fica sozinha examinando

a correntinha.)

VELHINHA

Uma corrente de ouro! Agora sim posso ir ao mercado e comprar

quantas maçãs couberem na minha cestinha! E ainda vai sobrar dinheiro! Que

torta de maçã eu vou comer hoje. Mas tenho que me apressar senão chego

tarde.

(Começa a andar com passos apressados.)

CENA 5

(Conforme vai andando, a velhinha ouve um choro de uma criança e logo vê uma pobre

mulher sentada à porta de um casebre, toda esfarrapada, com uma criança ao lado e um

cachorrinho.)

MÃE

(Consolando a criança.) Não chore meu filho... Não chore!

VELHINHA

Bom dia. O que aconteceu? Por que estão tão tristes?

MÃE

Ah, vovozinha... Estamos muito mal. Faz seis meses que fiquei viúva e a

única riqueza que nos ficou, a mim e ao meu filho, era uma vaca. E ontem a

vaca morreu... Agora não tenho mais o leite para vender para comprar um

pouco de comida.

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CRIANÇA

Estou com fome, mãe!

MÃE

Também estou com fome, filho... Não sei o que vai ser de nós,

vovozinha. Se ao menos eu tivesse um pouco de dinheiro. Não posso nem

trabalhar. (Chora.)

VELHINHA

Que horror! Uma pobre mãe e uma criança sem ter o que comer e eu,

velha egoísta pensando na torta de maçã enquanto uma criancinha pequena

passa fome. (Tira a corrente da cestinha e põe no colo da mulher.) Essa corrente é de

ouro. Dará para comprar comida para vocês por vários dias.

MÃE

Uma corrente de ouro? Não é possível!

VELHINHA

Tudo é possível e nada acontece sem razão. Foi sorte eu ter encontrado

aquele moço bonito.

MÃE

Mas... mas isso é demais, vovozinha.

VELHINHA

Demais? Não, não é demais. Com o dinheiro que sobrar poderá comprar

alguma coisa. Roupas, sapatos... Adeus, boa mulher. Felicidades. (Vai saindo.)

MÃE

(Alcançando-a.) Vovozinha! Eu nem pude lhe agradecer.

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VELHINHA

Não é preciso.

MÃE

Mas eu gostaria de retribuir de algum modo.

VELHINHA

O sorriso de uma criança é a melhor retribuição.

(Acaricia a cabeça da criança que está com o cachorrinho no colo.)

CRIANÇA

(Puxando a mãe pela manga.) Mãe, mãe...

MÃE

O que é meu filho? (A criança cochicha-lhe algo.) Você quer fazer isso?

CRIANÇA

Quero sim. Ela é tão boazinha. Fala pra ela, mãe. Fala!

VELHINHA

O que você quer me dizer, garoto?

MÃE

Ele quer te dar o cachorrinho para ficar em sua casa e lhe fazer

companhia.

VELHINHA

Quer me dar o seu cachorrinho? Que menino bom.

CRIANÇA

É um cachorrinho bonzinho. A senhora vai gostar dele.

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VELHINHA

Tudo o que é dado de boa vontade traz alegria, meu filho. Aceito o seu

cachorrinho e muito obrigada. (Põe o bichinho na cesta.) Adeus!

MÃE

Adeus, vovozinha. Abençoada seja!

(Velhinha sai com o cachorrinho na cesta, andando com seu passinho.)

VELHINHA

(Acariciando o cachorrinho.) Não sei o que vou fazer com você, bichinho!

Mas a gente não recusa presente de criança!... Mas quantos negócios eu fiz

hoje! Um saquinho de penas por uma caixa de ameixas, um ramo de flores por

um saquinho de penas, uma corrente de ouro por um ramo de flores e um

cãozinho por uma corrente de ouro. Mas o que importa? O meu coração está

contente. (Sai andando, cantarolando.)

CENA 6

(Velhinha de repente para e vê uma macieira carregada de maçãs dentro de um

jardinzinho. Fica muito feliz.)

VELHINHA

Que maçãs bonitas... E quantas. (Aproxima-se e encosta na cerca e vê um

velho sentado embaixo da macieira. Para o Velho, alto.) Bom dia, tiozinho! Que

linda a macieira a sua. Parabéns!

VELHO

(Enfezado.) Parabéns nada! De que me adianta essa macieira?

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VELHINHA

Como de que lhe adianta? Uma árvore tão linda e as maçãs

vermelhinhas, madurinhas!

VELHO

Sei, sei. Vivo aqui sozinho. Não tenho nem um cachorro para me fazer

companhia.

VELHINHA

Cachorro? Gostaria de ter um cachorro?

VELHO

Um cachorro é melhor do que ninguém, não acha? Late, faz festa pra

gente, guarda a casa.

VELHINHA

Pois não seja por isso. Eu tenho aqui na minha cestinha exatamente o

que o senhor precisa.

VELHO

Como é que é?

VELHINHA

Eu acabo de ganhar um cachorrinho e não sei o que fazer com ele.

(Esperta.) Se quiser eu lhe dou o cachorrinho em troca de uma cesta de maçãs.

VELHO

(Animado.) Mas não é que é um cãozinho mesmo? E de boa raça!

VELHINHA

Quando crescer vai guardar a casa e lhe fazer companhia.

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VELHO

Vai me fazer companhia desde já! (Pega o bichinho.) E vai se chamar Fido,

porque será meu fiel amigo.

VELHINHA

Então, negócio fechado? Posso levar as maçãs?

VELHO

Naturalmente. Pode encher a sua cestinha, fique a vontade.

VELHINHA

Obrigada! (Começa a encher a cesta enquanto o velho brinca com o

cachorrinho.) Pronto. Enchi a cestinha. Que torta de maçã eu vou fazer hoje!

VELHO

Torta de maçã? Hum... Bom apetite!

VELHINHA

Obrigada... Adeus.

VELHO

Eu é que agradeço. Adeus!

CENA 7

(Velhinha agora volta mais do que depressa, passa por todos os cenários, cumprimenta

todos que encontra e finalmente chega à sua casinha. Entra, põe as maçãs em cima da

mesa, tira a roupa de passeio e coloca a roupa em que estava na primeira cena e põe-se a

trabalhar, toda assanhada, cantarolando. Passagem de tempo marcada pela iluminação.

Ela retira do forno uma linda torta de maçã e põe em cima da mesa.)

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VELHINHA

Hum... Como cheira bem! (Começa a cortar a torta. Ouvem-se palmas.)

Entre, a porta está aberta.

VELHO

(Entrando.) Dá licença, vovozinha!

VELHINHA

Oh, é o senhor? Que surpresa!

VELHO

Quando a senhora me falou em torta de maçã, eu pensei...

VELHINHA

Em me fazer companhia. Mas que boa ideia. Comer torta de maçã

sozinha é muito bom, mas com companhia, é melhor ainda.

VELHO

Sou da mesma opinião... Nada como uma boa torta de maçã e uma boa

companhia...

VELHINHA

Então o que está esperando? Sente-se...

(Serve-lhe um grande naco e pega outro. Ambos começam a mastigar com grande

apetite e com os olhinhos brilhando.)

FIM

Novembro/2009