a missão civilizatória de otto maria carpeaux
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Resenha: A reedição da obra do ensaísta austrobrasileiro, resgata o scholar por trás do jornalista e instaura mais uma polêmica do filósofo Olavo de Carvalho.TRANSCRIPT
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A missão civilizatóriade Otto Maria Carpeaux
A reedição da obra do ensaísta austrobrasileiro, resgata o
scholar por trás do jornalista e instaura mais uma polêmica do
filósofo Olavo de Carvalho
por José Maria e Silva
Publicado no Jornal Opção de Goiânia, de 8 de agosto de 1999
Numa tacanha reedição do autopreconceito que norteava a
corte de Dom Pedro II, sempre voltada para as idéias
importadas de Paris, a universidade brasileira, com seus cursos
de mestrado e doutorado, ainda não descobriu
verdadeiramente o Brasil. As idéias que proliferam na
academia são quase todas importadas e — mais grave — sequer
são traduzidas (primeira condição para se assimilar e
disseminar qualquer cultura estrangeira). Mestres e doutores
preferem ler o mundo em inglês, como se algumas idéias da
humanidade só pudessem ser expressadas nesse novo latim, a
língua do deus-mercado. Só isso explica o descaso quase total
com que a universidade trata a obra de um intelectual como
Otto Maria Carpeaux, um dos grandes humanistas que
marcaram a cultura brasileira neste século.
Felizmente, a obra de Carpeaux está voltando à cena. A
Faculdade da Cidade, do Rio de Janeiro, e a Editora Topbooks
estão lançando os Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux,
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organizados pelo filósofo Olavo de Carvalho. A obra sairá em
dez volumes. O primeiro, que já está chegando ao mercado,
reunirá os ensaios que vão de A Cinza do Purgatório, seu
primeiro livro publicado no Brasil, em 1942, até Livros sobre a
Mesa. Os dois volumes seguintes serão dedicados aos ensaios
dispersos, recolhidos por Olavo de Carvalho e pela equipe que
comandou. Obras históricas breves é o tema do quarto volume
e os Ensaios políticos ocuparão o quinto e o sexto volumes. A
seguir, do volume sétimo ao décimo, será reeditada um
monumento de Carpeaux — sua História da Literatura
Ocidental.
Todo esse ambicioso empreendimento editorial nasceu de um
projeto de pesquisa coordenado pelo filósofo Olavo de Carvalho
e financiado pela Faculdade da Cidade. Entretanto, por ser tão
combativo hoje quanto Carpeaux o foi em seu tempo, Olavo de
Carvalho não vem recebendo os devidos créditos por seu
trabalho. Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil e O Globo,
mesmo reconhecendo a importância da edição dos ensaios de
Carpeaux, a ponto de concederem-lhe fartura de páginas e
fotos, limitaram-se a mencionar, de passagem, o nome de
Olavo de Carvalho, desconhecendo o brilhante estudo
introdutório que o filósofo escreveu para a reedição dos ensaios
de Carpeaux. Nesse ensaio, disponível na Internet, Olavo de
Carvalho dimensiona, com agudeza crítica, o humanista e o
militante, o erudito e o panfletário.
O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony foi um dos poucos a
reconhecer o trabalho realizado por Olavo de Carvalho. A
respeito, escreveu: "Curiosamente, Carpeaux e Olavo não se
conheceram. Um dos desencontros que eu considero mais
cruéis do destino, uma vez que os dois, guardadas as posições
radicalmente pessoais de cada um, tinham um approach
idêntico da condição humana. Até mesmo na capacidade da
exaltação e da polêmica. De minha parte, considero-me
redimido por encontrar na presente edição das obras de
Carpeaux o sonho que persegui durante anos mas para a qual
não tive tempo e competência para realizá-lo". Já o editor
Daniel Piza, da Gazeta Mercantil, e o ensaísta Nelson Ascher,
da Folha de S. Paulo, estão sendo chamados por Olavo de
Carvalho, respectivamente, de Nelson Ascha Kessab e Daniel
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Piza Nabolla. Os dois subestimaram o trabalho realizado pelo
filósofo paulista.
Em seu estudo sobre Carpeaux, Olavo de Carvalho tenta
compreender o quase esquecimento a que sua obra vinha sendo
relegada, apesar do enorme sucesso que fez em vida de seu
autor. Para Carvalho, isso se deve a complexa personalidade
intelectual de Carpeaux. "As dificuldades aparecem quando
começamos a comparar um escrito com outro, em busca da
unidade de pensamento que subentendem", escreve o filósofo.
"Aí descobrimos, por exemplo, que esse militante da esquerda,
perseguido e censurado pela ditadura reacionária,
compartilhava das temerosas reservas de Ortega y Gasset ante a
rebelión de las masas; que esse apologista da revolução cubana
tinha horror da politização geral da cultura; que esse
denunciador das mazelas do capitalismo fazia a apologia do
economista Friedrich Hayek, precursor do neoliberalismo; que
esse ídolo dos estudantes brasileiros sentia o mais fundo
desprezo pelo "proletariado intelectual", as massas de bacharéis
que as universidades despejam todo ano na atividade cultural e
política, vazios de cultura superior e intoxicados de slogans
demagógicos".
Apesar de ter-se tornado um ídolo da juventude de esquerda,
protagonizando, já sexagenário, o combate de rua ao regime
militar, Carpeaux, para Olavo de Carvalho, é "exatamente o
avesso de um marxista: não acreditava na primazia do
econômico, enfatizava a importância dos fatores espirituais e
identificava mesmo de vez em quando, nos movimentos da
História universal, sinais misteriosos de uma intervenção da
Providência, o que o tornava mais próximo de Bossuet que de
Marx". Mesmo afirmando que, com o passar dos anos,
Carpeaux foi afetado "atmosfera brasileira dominada pelo
marxismo", Olavo de Carvalho sustenta que, "em seus últimos
ensaios críticos — contemporâneos de suas mais violentas
polêmicas antiamericanas — ele mostra um senso da
supratemporalidade que só pode ser diagnosticado como
idealista ou como cristão e que é estranho a toda sensibilidade
marxista".
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Olavo de Carvalho argumenta que, para Carpeaux, o "passado é
o juiz do presente", que o crítico austrobrasileiro tinha uma
devoção quase religiosa pelos monumentos literários inscritos
na tradição. Entretanto, acrescenta o filósofo que "o passado,
para Carpeaux, não tinha jamais a pompa venerável e
inofensiva de um leão empalhado". E observa: "Levado por sua
formação e pela contínua meditação da história à tranqüilidade
compassiva de uma contemplação que tudo perdoa porque tudo
compreende, Carpeaux continuou no entanto, por
temperamento, um homem combativo, inflamado, capaz de
arrebatamentos de cólera na defesa de posições que para ele
tinham significação menos política do que moral".
Acerca da revolução operada na vida de Otto Maria Carpeaux,
com sua mudança para o Brasil, onde teve que aprender o
idioma desconhecido aos 40 anos, Olavo de Carvalho conclui:
"Seus primeiros ensaios mostram o intuito evidente de
transportar para o Brasil o legado dessa visão essencialmente
austríaca de uma unidade civilizacional anterior — ou posterior
— à fragmentação moderna. Essa visão indicava claramente o
sentido de uma nova paideia, que poderia ter sido a matriz de
uma nova e mais poderosa cultura brasileira. Poderia ter sido,
mas não foi. Os elevados propósitos de Carpeaux pairavam
muito acima das cabeças do seu auditório. Reconheceram nele
apenas o mais visível, o exterior: a erudição germânica, a
introdução de novos autores até então desconhecidos no meio
brasileiro". Para Olavo de Carvalho, a visão universal que
Carpeaux oferecia ao país foi apagadas por arraigadas
"filosofias provincianas", que reduziram Carpeaux apenas um
"interessante divulgador jornalístico", fazendo que nunca ele
fosse enxergado "por inteiro". Quem sabe, agora, com os
Ensaios Reunidos, isso seja possível.
Quem foi Carpeaux
Otto Maria Karpfen nasceu em 1900, em Viena, filho do
advogado e pianista Max Karpfen e da violonista Gizela
Schmelz Karpfen. Aos 20 anos, ingressou na Faculdade de
Direito, que abandonou para estudar química, física e
matemática e filosofia e letras, na Universidade de Viena. Em
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1925, obtém o título de doutor e começa a trabalhar como
jornalista. Casou-se, em 1930, com Helena Silberherz. Em
1939, com a eclosão da Segunda Guerra, mudou-se para o
Brasil, naturalizando-se brasileiro cinco anos depois.
Carpeaux exerceu o jornalismo no lendário Correio da Manhã,
onde trabalhavam intelectuais como Graciliano Ramos e
Aurélio Buarque de Holanda, e foi diretor da biblioteca da
Faculdade Nacional de Filosofia e da biblioteca da Fundação
Getúlio Vargas. Crítico do regime militar, chegou a ser preso,
por algumas horas, em 1967. Morreu no dia 3 de fevereiro de
1978, vítima de infarto.
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