a militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PAULA REGINA DE OLIVEIRA CORDEIRO A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RIO DOS MACACOS: UM CONFLITO COTIDIANO ENTRE O TERRITÓRIO MILITARIZADO E O TERRITÓRIO DA VIDA Salvador 2014

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Page 1: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PAULA REGINA DE OLIVEIRA CORDEIRO

A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RIO DOS MACACOS: UM CONFLITOCOTIDIANO ENTRE O TERRITÓRIO MILITARIZADO E O TERRITÓRIO DA VIDA

Salvador 2014

Page 2: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PAULA REGINA DE OLIVEIRA CORDEIRO

A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RIO DOS MACACOS: UM CONFLITOCOTIDIANO ENTRE O TERRITÓRIO MILITARIZADO E O TERRITÓRIO DA VIDA

Monografia de Conclusão de Curso, sob orientação da Prof. Dra. CatherineProst, apresentada como requisitoparcial para obtenção do grau deBacharel em Geografia pelaUniversidade Federal da Bahia.

Salvador 2014

Page 3: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

TERMO DE APROVAÇÃO

PAULA REGINA DE OLIVEIRA CORDEIRO

A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RIO DOS MACACOS: UM CONFLITOCOTIDIANO ENTRE O TERRITÓRIO MILITARIZADO E O TERRITÓRIO DA VIDA

Trabalho de Conclusão de Cursoapresentado ao Curso de Graduaçãoem Geografia como requisito parcialpara obtenção do Grau de Bacharelem Geografia pela UniversidadeFederal da Bahia.

APROVADO EM: ...... de .................. de 2014

Banca Examinadora:_______________________________________________________________Profª. Drª Catherine Prost. Orientadora.Profª. Drª. em Geografia, Universidade Federal da Bahia

_______________________________________________________________Prof. Ms. Climaco Dias. Membro.Prof. Ms. em Geografia, Universidade Federal da Bahia

_______________________________________________________________Profa. Dra. Guiomar Inez Germani. Membro.Profa. Dra. em Geografia, Universidade Federal da Bahia

Page 4: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

Fomos socializadas para respeitar mais ao

medo que às nossas próprias necessidades

de linguagem e definição, e enquanto a

gente espera em silêncio por aquele luxo

final do destemor, o peso do silêncio vai

terminar nos engasgando. (Audre Lorde).

À mainha e painho, pelo maior ensinamento

de todos: viver é ter liberdade.

Page 5: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

AGRADECIMENTOS

Peço agô aos mais velhos, as mais velhas e aos egúns. Força e energia de

Exú e da alfange das Iyabás que acompanham as ngolas. Dedico essa monografia a

todos os negros e negras aquilomboladas de Angola e do Brasil, no campo e na

cidade. Dedico essa monografia a luta firme do Quilombo Rio dos Macacos.

Provavelmente ao final dessas linhas eu cometa injustiça, pois, essa

monografia não é resultado exclusivo desses últimos meses, mas sim, um processo

que resulta de experiências vividas em diferentes âmbitos da minha vida, além do

acadêmico. Diversas pessoas, organizações, coletivos foram importantes para a

construção desse texto e, principalmente para minha construção pessoal e política.

Agradeço primeiramente a minha mãe, Ednice, tão carinhosamente conhecida

como Dona Nice, que tanto me ensinou, me fez rir, chorar e sentir como é lindo o

amor entre mãe e filha. Mãe que é exemplo de garra, força e coragem. Com ela

aprendi a conhecer, enfrentar e superar desafios com raiva e sorrisos. Agradeço

também a meu pai, Josué (Josuel, Josuca, gordo etc) pai que pegou na minha mão,

despertou meu olhar para os estudos, me mostrou que é possível ser um negro

forte, autoafirmado e sem “rabo preso”. Me mostrou a rua, as vielas, os lugares que

ninguém queria ir, lá estávamos nós. Vários rolês massa, pai!!

Agradeço a meu irmão, Victor, pela oportunidade de descobrir a beleza de ter

um irmão como você. Fico muito feliz em ter você na minha vida, sempre perto,

conversando, nos rolês, nos amigos em comum, na vida em comum. Acho que

temos a autorização do universo para nos chamarmos de irmãos, viu?! É nois, nego!

Agradeço a Climaco Dias, queridão, por todas as conversas, orientações,

pelas tardes e manhãs juntos. Pelas falas sempre polêmicas e atuais nas mesas.

Por me apresentar Milton Santos, me incentivar intelectualmente. Ser meu amigo,

confidente e socorrista. Obrigada Profi!!

À minha querida orientadora Catherine Prost por quem sempre nutri

profundas admirações, tanto pela pessoa, quanto pela geógrafa que és. Cathy,

agradeço sua disposição, seriedade e coragem de enfrentar essa jornada conosco.

Te agradeço pela mística e coragem revolucionária.

À Guiomar, pela disponibilidade constante e revolucionária tanto aos

estudantes desta Universidade, mas também aos Movimentos Sociais que tão bem

conheces. Agradeço pelos aprendizados, pelas parcerias e postura acadêmica.

Page 6: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

Meu processo de graduação fora marcado por caminhos bem diversos.

Agradeço a galera do IGEO pelos momentos maravilhosos. Aos irmãos e irmãs que

construíram três edições da Semana de Geografia Negra passo importante para a

afirmação de uma geografia afro centrada. Aos companheiros do saudoso

Movimento Regional de Geografia do Nordeste pelas possibilidades, amores e

aprendizagens. Aos amigos do possas pela possibilidade de debates políticos e

sensações de riquezas imensuráveis. Aos irmãos e irmãs do Espaço Seu Gonçalo,

iniciativa autonomia de agroecologia dentro da Instituto de Geociências.

Impossível falar de minha trajetória acadêmica sem relacioná-la ao Grupo de

Pesquisa Produção do Espaço Urbano (PEU) coordenado pela Professora Maria

Auxiliadora, que muito me ensinou e por quem trago muito respeito. Agradeço

também a alguns professores que foram fundamentais ao longo desse caminho:

André, Noeli e Tomasoni.

Agradeço aos amigos e amigas da rua. Amigos do pôr do sol, do centrão, da

Liberdade, do Pero Vaz, do rap, do reggae. Os amigos que constroem o meu espaço

urbano – obrigada Deise pelos rolês de bike, risadas e conversas. Agradeço aos

amigos e amigas (!) da pixação de Salvador por terem me mostrado outra cidade.

Espero que continuemos vivos para celebrarmos sempre! Salve Rua!

Sem a existência do Conselho Pastoral dos Pescadores, da Associação dos

Advogados dos Trabalhadores Rurais, do Movimento de Pescadores e Pescadoras

Artesanais e do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra, na figura de

Vilma Reis esse trabalho jamais teria acontecido, a essas organizações muito

obrigado por colaborarem com a práxis militante do exemplo e da disponibilidade.

Agradeço a equipe RAUE por ter topado o desafio de construir uma técnica

popular para nossas áreas profissionais e pelos momentos felizes de reflexão. À

Luana por renovar a minha vontade geográfica.

Por fim, agradeço a Juliana e Hugo que viveram todo o processo de

construção dessa monografia. A Juliana por dividir casa, vida e uma sintonia que só

encontramos em família. A Hugo, companheiro que por acaso encontrei nas

esquinas da vida. Obrigada pelas conversas horas a fio e pela preguiça ao

amanhecer.

Page 7: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

RESUMO:

O conflito que envolve o Quilombo Rio dos Macacos e a Marinha do Brasil tem como

pano de fundo a disputa territorial entre os quilombolas que necessitam do território

para a reprodução da vida, e do outro a apropriação deste enquanto recurso e

reserva de valor, pelas Forças Armadas. Apesar de ter cumprido os procedimentos

para a regularização fundiária, até hoje os quilombolas enfrentam tentativas de

fragmentação do território, privação das áreas produtivas tradicionais (pesca, roça e

extrativismo), bem como a negação de direitos humanos fundamentais. Este

trabalho tem por objetivo sintetizar o conflito territorial, bem como espacializar as

lutas pelo território. Serão feitas considerações sobre as propostas apresentadas

pelo Estado brasileiro e seus desdobramentos na vida comunitária. O caráter racista

do Estado brasileiro também servirá de auxílio para melhor compreensão da política

territorial quilombola.

Palavras-Chave: Quilombo; Território; Racismo; Estado.

Page 8: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura1 – Sistematização do processo de regularização fundiária............................ 18

Figura 2 – Proposta à comunidade Rio dos Macacos …..............................................20

Figura 3 – Moradia em Rio dos Macacos ….................................................................. 21

Figura 4 – Historia do Conflito …................................................................................... 26

Figura 5– Barragem dos Macacos …............................................................................. 34

Figura 6 – Destroços da casa de Domingos …............................................................. 38

Figura 7 – Destroços de casas provocadas pela Marinha do Brasil …...................... 38

Figura 8–Casa de Farinha destruída …......................................................................... 39

Figura 9 – Ruinas das habitações em Rio dos Macacos …......................................... 39

Figura 10 – Território sitiado …...................................................................................... 40

Figura 11 – Gameleira ou irôko ….................................................................................. 48

Figura 12 – Consórcios Agroflorestais …..................................................................... 49

Figura 13 – Soterramento da Lagoa ….......................................................................... 58

Figura 14 – Bica do rio da Saúde …............................................................................... 59

Figura 15 – Vegetação densa …..................................................................................... 64

Figura 16 – Antigo campo de treinamento da Marinha …............................................ 64

Mapa 1 – Mapa de Perdas da Comunidade Quilombo Rio dos Macacos ….............. 17

Mapa 2 – Delimitação do INCRA para regularização fundiária de Rio dos Macacos, 2012 …........................................................................................................................................19

Mapa 3 – Mapa da Proposta dos 86 ha …..................................................................... 23

Mapa 4 – Mapa da Contra-Proposta ….......................................................................... 24

Mapa 5 - Planta das Fazendas …................................................................................... 33

Mapa 6 – Impacto da Marinha na comunidade Rio dos Macacos ….......................... 41

Mapa 7 – Usos da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos ….............................. 47

Mapa 8 – 104, ha regularizados pelo INCRA …............................................................. 51

Mapa 9- Mananciais Hídricos …..................................................................................... 57

Mapa 10 – Espacialização produtiva …......................................................................... 61

Page 9: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Atividades Produtivas …...................................................................... 35

Tabela 2 – Cultura Popular Tradicional de Rio dos Macacos …......................... 42

Page 10: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

Sumário

INTRODUÇÃO........................................................................................................................................11

1.1 HISTÓRICO.................................................................................................................................13

1.2 O CONFLITO TERRITORIAL..........................................................................................................14

CAPÍTULO 2 – O TERRITÓRIO MILITARIZADO E A MILITARIZAÇÃO DO COTIDIANO: O TERRITÓRIO ENQUANTO RECURSO...........................................................................................................................26

2.1 O ENGENHO – USINA ARATU.....................................................................................................27

CAPÍTULO 3 - O TERRITÓRIO DA VIDA...................................................................................................44

CONCLUSÃO..........................................................................................................................................66

REFERÊNCIAS:.......................................................................................................................................69

ANEXOS................................................................................................................................................72

ANEXO I...........................................................................................................................................72

Page 11: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

11

INTRODUÇÃO

Quanto a mim, considero-me parte damatéria investigada. Somente da minhaprópria experiência e situação no grupoétnico-cultural a que pertenço, interagindono contexto global da sociedade brasileira,é que posso surpreender a realidade quecondiciona o meu ser e o define. Situaçãoque me envolve qual um cinturão históricode onde não posso escaparconscientemente sem praticar a mentira, atraição, ou a distorção da minhapersonalidade.

(Abdias Nascimento)

A memória histórica é marcada pelos indivíduos envolvidos nela. Existem

momentos políticos que podem se tornar marcos na vida de pessoas diferentes em muitos

cantos do globo. Quando o simples e o cotidiano se transformam, as pessoas mudam. “A

cabeça pensa onde o pé pisa” gritamos, mas a verdade é que só existimos enquanto

seres humanos envolvidos em relações: materiais e imateriais. Relação para produzir e

reproduzir, relação para se comunicar.

Mas quando a vida cotidiana e a possibilidade de relação humana estão

condicionadas, vigiadas, impedidas? Quando os corpos são controlados? Quando

envolvidos na luta temos esperança? A monografia em questão é mais que um trabalho

de conclusão de curso, é o relato político, acadêmico e técnico de um conflito territorial

que envolve a Marinha do Brasil e uma comunidade quilombola chamada Rio dos

Macacos, situada na região metropolitana de Salvador, no início do século XXI.

O desenvolvimento do trabalho foi construído em duas grandes frentes: a da

Universidade Federal da Bahia (amparado pelo Departamento de Geografia e pela

Residência Técnica em Habitação de Interesse Social e Direito à Cidade da Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo) e a dos Movimentos Populares (tendo como foco os quilombolas

de Rio dos Macacos e o Movimento de Pescadores Artesanais do Brasil), cada qual com

importância específica.

A metodologia da pesquisa foi desenvolvida em conjunto com a assistência técnica

prestada à comunidade entre os anos de 2013 e 2014. A perspectiva metodológica

utilizada foi a pedagogia da autonomia de Paulo Freire, através da educação popular, bem

como o conceito de território usado de Milton Santos.

Page 12: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

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Paulo Freire aponta a necessidade de ser o educador “um companheiro dos

educandos”, no caso específico da assistência técnica1, o geógrafo precisa ser

companheiro dos moradores. Nesses termos, a relação técnico-morador não deve ser

construída como se o técnico fosse o dono do saber, e os moradores apenas receptáculos

desta técnica. É como se na relação social, a consciência popular necessitasse de

conteúdos, “Uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o

mundo lhe faz e que se vão transformando em seus conteúdos.” (FREIRE, 2011, p.87).

Nessa concepção os homens são apenas seres passivos, que recebem

informações, de forma acrítica, tornando-os “Homens espectadores e não recriadores do

mundo” (FREIRE, 2011, p.87). Nas palavras de Paulo Freire: “A libertação autêntica, que

é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma

palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens

sobre o mundo para transformá-lo.” (FREIRE, 2011, p.93).

Opta-se aqui por uma pesquisa-ação participativa marcada pela tendência de

estudar a geografia a partir do ponto de vista dos grupos oprimidos e pelo materialismo

histórico dialético. Perspectiva desenvolvida e sistematizada pelos grupos e movimentos

sociais da América Latina, a partir da década de 1950. Essa iniciativa, no Brasil, baseia-se

na ideia de que “Escravos africanos, indígenas, camponeses e operários foram sufocados

não apenas no processo histórico real, mas também foram sufocados, suprimidos ou

silenciados pela historiografia”. (SILVA, 1988, p.73).

Portanto, não estamos dispostas nesse texto ao “exercício de qualquer tipo de

ginástica teórica, imparcial e descomprometida” (NASCIMENTO, 1978, p. 41). Diante

disso e em concordância com Beatriz Nascimento (2007), não seguiremos o raciocínio de

que “a origem da discriminação está no aspecto socioeconômico que caracteriza a

sociedade brasileira” (NASCIMENTO, 2007, p.101). Para nós o preconceito racial é um

reflexo de uma sociedade como um todo, ou seja, está “em todos os níveis, pois a

ideologia, onde repousa o preconceito, não está dissociada do nível econômico, ou do

jurídico-político, não está nem antes nem depois destes dois, também não está em cima

ou embaixo” (NASCIMENTO, 2007, p.101).

Os procedimentos metodológicos da pesquisa se constitui de algumas etapas

fundamentais. A primeira etapa foi a demanda apresentada a nós, Residentes, pela

comunidade através de sua luta pela regularização fundiária2, tal demanda casa-se com a

necessidade da construção do Trabalho de Conclusão de Curso, com esse casamento as

1 Geógrafo enquanto técnico e educador.

Page 13: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

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etapas que se seguiram foram: 1) obtenção de dados secundários; 2) análise documental

sobre o processo judicial; 3) levantamento de bibliografia específica somada à vivência

junto a comunidade através de visitas em campo; 4) sistematização das informações; 5)

oficinas para reambular os dados de campo e demais informações; 6) elaboração do

trabalho.

É necessário pontuarmos, ainda, que esse trabalho espera contribuir com a práxis

de uma geografia liberada (SANTOS, 1978), uma geografia que pense o espaço banal, o

espaço dos homens e mulheres “o espaço de toda gente e não o espaço a serviço do

capital e de alguns” (SANTOS, 1978, p.218).

Bom, mas a qual conflito estamos nos referindo? Quando tem início? Que

comunidade quilombola é esta, como foi formada?

1.1 HISTÓRICO

Caracterizado como uma comunidade negra e de hábitos rurais, o Quilombo Rio

dos Macacos é composto por cerca de 70 famílias descendentes de quilombolas, e que,

há mais de um século, ocupam um território integrado atualmente ao município de Simões

Filho (BA), município este que faz parte da Região Metropolitana de Salvador.

A localização da comunidade dos Macacos é demarcada pelos seguintes fatores:

(...) ao Norte, as 150 famílias assentadas pelo sindicato dos trabalhadores ruraisde Simões Filho; ao Sul, pela BA-528; ao Leste, pela Via Periférica, que cortouparte do Território da Comunidade, onde estavam suas roças; e, ao [Noroeste], aBaía de Aratu, antigo local de pesca e caça. A comunidade é chamado Rio dosMacacos, por causa da área que havia uma população endêmica de Macacos, osquais não são mais encontrados no local. (GEOGRAFAR, 2012, p. 01).

Segundo o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) elaborado em

2012 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a história da

comunidade no território teve início com a compra do Engenho e da Usina Aratu, em

1783, pelo capitão Manoel de Oliveira Barrozo. Apesar da inexistência de documentos

2 É necessário colocar que apesar de se identificar com as demandas dos quilombolas a presente bacharelanda jamais trabalhou na universidade conflitos que envolviam uma população rural. Todos os estudos realizados por mim durante a graduação foram sobre as lutas dos negros e pobres na cidade, com foco na resistência contra a militarização do cotidiano, tendo como plano de fundo a noção de Direito à Cidade.

Page 14: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

14

que comprovem a desativação da Usina Aratu, fontes orais da comunidade apontam

meados de 1930 como o período de desativação desta. Porém sem a Usina Aratu é

impossível o entendimento territorial da comunidade:

A antiga Usina Aratu e as terras do seu entorno estão muito presentes nasevocações dos moradores de Rio dos Macacos. É a este lugar que eles fazemreferência quando falam da origem de seus antepassados, cuja história de vida etrabalho estava vinculada às atividades de Usina. (GEOGRAFAR, 2012, p. 31).

No RTID, produzido pelo INCRA, encontram-se diversos relatos sobre a relação

ancestral dos quilombolas com a terra, entre eles o de Herotildes dos Santos, nora de

Manuel Vigia:

Manuel trabalhou muitos anos aí com Manevino, dono aí dessa fazenda, aí deramaí essa terra a ele como aposentadoria. Foi grande. Ele que depois, como nãoteve condição de cuidar de tudo, ele foi dando um pedaço a cada pessoa e foidando e foi dando e ao foi chegando mais gente, mas o primeiro foi ele mesmo.(GEOGRAFAR, 2012, p. 31).

A Comunidade Rio dos Macacos, com a mediação de estudo elaborado pelo

INCRA, comprova seu pertencimento ancestral ao território ocupado atualmente. Porém,

apesar de todos os registros orais, históricos e físicos da ocupação, a comunidade de Rio

dos Macacos está em conflito aberto com a Marinha do Brasil.

O território tem grande evidência nesse conflito, já que se por um lado é

considerado como estratégico para Marinha como possível fonte de abastecimento de

água em guerras ou conflitos3; por outro é estratégico para a sobrevivência e reprodução

da vida dos quilombolas de Rio dos Macacos. Isso acontece porque:

O território é dinâmico e complexo e há, desse modo, coexistência deterritorialidades com projetos de desenvolvimento territorial, muitas vezesantagônicos e desdobrando-se em “conflitos territoriais”. Na base desses conflitosestão disputas por elementos da natureza apropriados de diferentes formas: aágua, a terra, o ar e mesmo o fogo (fonte de energia) (ANTONGIOVANNI, 2013,p. 319).

1.2 O CONFLITO TERRITORIAL

3 Tal justificativa não tem legitimidade quando consideramos a grande quantidade de barragens nas proximidades da Vila Militar da Marinha e da própria Base Naval da Marinha.

Page 15: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

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Em meados da década de 1950 a Marinha se torna proprietária da área de

concentração quilombola. O perímetro abrangido pelas terras em nome da Marinha neste

local resulta da desapropriação de uma pequena porção da Fazenda Aratu, da

desapropriação de partes da Fazenda Meireles e de uma doação, feita à Marinha pela

Prefeitura Municipal de Salvador, da Fazenda Macacos. A partir da década de 50, a

Marinha do Brasil começa a ocupar a região e inicia um processo de instalação de fixos:

edificações e equipamentos inerentes ao funcionamento da atividade militar. A ocupação

mais efetiva foi no ano de 1971, com o início da construção da Vila Naval da Barragem.

Obviamente, essa instalação da Marinha no território fora marcada pela imposição

de novos fluxos e estranhas dinâmicas. Dentre essas, destacam-se a expulsão de

moradores através do impedimento da construção ou reformas de suas casas, a negação

da manutenção das culturas de subsistência através dos roçados e do acesso à

infraestrutura básica como água e energia elétrica, além do ataque direto a religiosidade

quilombola, consolidado no fechamento e na destruição de terreiros de candomblé.

Com a construção da Vila da Marinha, locais de memória foram destruídos:

Ao retomar os fatos históricos, a Comunidade enfatiza a destruição dos trêsterreiros de santo na atual área ocupada pela Vila da Marinha, onde tambémestava localizada a casa grande da antiga fazenda, evidenciando a importânciadesse espaço, onde hoje é a Vila da Marinha, enquanto um ponto central deconvivência e reprodução cultural e de vida. (GEOGRAFAR, 2012, p. 09).

Existia na comunidade também o Samba de Roda:

O grupo de samba de roda sempre foi, nesta Comunidade, a atividade usada paraalegrar as festas, as rezas, a casa de farinha e os terreiros de santo através dotoque do violão, do cavaquinho, tambor, pandeiro e triângulo. E os puxadores desamba e as dançadeiras, eram um conjunto de pessoas e instrumentos que faziamanimação das atividades do cotidiano. (GEOGRAFAR, 2012, p. 09).

Existem também os mestres de capoeira, os quais são motivos de orgulho da

comunidade:

O mais antigo deles era o Deraldo, depois veio o Djalma, o Zé Deodato, o Hugo epor último Renilson. São todos lembrados como bons mestres. Todos eles faziamas suas rodas e treinavam na beira da praia e no mangue de Aratu.(GEOGRAFAR, 2012, p. 05-06).

A permanência da Marinha do Brasil coibiu e proibiu as práticas culturais da Comunidade, bem como conduziu o processo de expulsão dos quilombolas da região.

Segundo o RTID, um caso específico pode servir para demonstrar esse processo.

A Família Rabeca, que há cinco gerações ocupa o território, teve diversos membros

Page 16: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

16

expulsos, como é o caso da esposa e filhos de Lázaro que após a sua morte

“permaneceram no sítio até o momento em que a casa em que viviam caiu e eles se

viram obrigados a deixar o lugar, pois, segundo declaram, não receberam autorização da

Marinha para construir uma nova casa”. (INCRA, 2012, p. 140).

Além da expulsão das casas, outros processos impediram o sustento dessa

comunidade. A pesca e a caça foram dificultadas, não só pela Marinha, mas também após

a construção da BA-528 e da Via Periférica e do assentamento de 150 famílias

assentadas na área pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e indústrias instaladas em

área da Superintendência de Desenvolvimento Industrial e Comercial (SUDIC) (Mapa 1):

Os locais mais freqüentados pelos pescadores eram: a área onde hoje é o portode Aratú, ali se pescava de rede; na lagoa da Velha Salú, na mata de Aratú, ondeera também o lugar de muita caça e pesca, na área onde hoje é a Ilha de SãoJoão dos Martins; e nos Oitis era a área onde se mariscava, e na mata dos Oitis,antes de ser a reserva, a Comunidade caçava. (...) As outras áreas de pesca eramtambém, em Plataforma, no Lobato, em Mapele e no INEMA. Sendo que noINEMA, a Marinha os persegue, tem muitos mariscos mortos e o cheiro é muitoforte, o que se torna um local inapropriado a pesca. (GEOGRAFAR, 2012, p. 06-07).

Após a chegada da Marinha a vida da comunidade foi se transformando em miséria

e proibições, regadas de todos os tipos de violências, “no processo de proibições até a

comida para chegar aqui dentro a gente passava em sacos pequenos, para não ser

vistos” (GEOGRAFAR, 2012, p. 09).

Apesar da existência, muitas comprovadas, desses e de diversos outros conflitos

que envolvem as ações, práticas e condutas de violação de direitos humanos (em matéria

de segurança, moradia, trabalho etc), o conflito só atingiu um patamar jurídico em 2009, já

que em outubro deste ano foi ajuizada pela Marinha do Brasil, uma ação reivindicatória

requerendo a desocupação da área militar situada no entorno da Base Naval de Aratu. Foi

a primeira de 4 ações ajuizadas com o mesmo objetivo. Em novembro de 2010 foi

proferida a primeira decisão interlocutória determinando a desocupação do local.

Entretanto, essa decisão foi suspensa posteriormente em razão das negociações em

curso entre a comunidade, a Marinha do Brasil e outros órgãos dos Governos Federal e

Estadual.

Page 17: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

17

Mapa 1- Mapa de Perdas da Comunidade Quilombo Rio dos Macacos

Elaboração: Cordeiro, Paula Regina. Figueirêdo, Luana, 2014.

Fonte: RTID; GeografAR, Associação Quilombola de Rio dos Macacos.

Com a ameaça de perder seu modo de vida, a comunidade inicia um processo de

mobilização pela permanência no território e em paralelo entra com o pedido de titulação

da área, como prevê o artigo 68 da Constituição e garante a Convenção 169 da OIT.

Page 18: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

18

No mês de setembro de 2011, após intensa mobilização comunitária, a Fundação

Cultural Palmares certifica o Quilombo Rio dos Macacos como uma Comunidade

Remanescente de Quilombo (CRQ) e em novembro do mesmo ano, o INCRA e a

prefeitura de Simões Filho inicia a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e

Delimitação (RTID). O RTID foi apresentado à comunidade em agosto de 2012 e delimitou

o território quilombola em 301 hectares (Mapa 2- Delimitação do INCRA)4. Apesar de

elaborado, o RTID não foi publicado pelo INCRA no Diário Oficial da União, travando o

processo de regularização fundiária (Figura 1).

Figura 1 – Sistematização do processo de regularização fundiária

Elaboração: Cordeiro, Paula Regina, 2014.Fonte: AATR, 2009.

4 Dos 301 hectares, 187,0176 ha são de Floresta Ombrófila e, portando, submetidos a legislação específica.

Page 19: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

19

Mapa 2 - Delimitação do INCRA para regularização fundiária de Rio dos Macacos, 2012

Fonte: INCRA, 2012.

Com os impedimentos colocados à publicação do RTID tem-se início a mesa de

negociação entre a Marinha do Brasil, a Secretaria Geral da Presidência da República, a

Secretaria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Quilombo Rio

dos Macacos e suas assessorias (AATR, CPP, CDCN, Quilombo X e outras), contando

com a mediação Ministério Público Federal e da subprocuradora-geral da República,

Deborah Duprat, coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão. É necessário

lembrar que a Câmara de Conciliação instalada foi fruto da insistência política dos

quilombolas, que não aceitavam de forma alguma sua expulsão ou a “transferência da

comunidade” para uma “área crua”, como afirma o quilombola Joselito.

A primeira proposta feita pelo Estado à comunidade foi de 7,5 hectares fora do

território quilombola. Em dezembro de 2012, a Secretaria Geral da Presidência da

República apresenta a “Proposta do Governo Federal para a Comunidade do “Rio dos

Page 20: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

20

Macacos””, e oferta de maneira oficial5 21 hectares para titulação da comunidade6.

Obviamente, diante da inviabilidade produtiva e organizativa da comunidade, as duas

primeiras propostas do Governo Federal foram prontamente recusadas pelo Quilombo,

dando abertura então a novos processos de negociação.

Em outubro de 2013, o Governo Federal fez a terceira proposta à comunidade, de

28,5 hectares. Essa proposta era a soma dos 7,5 ha e 21 ha oferecidos anteriormente e

assim como as demais propostas, essa também não foi aceita, já que para a Associação

de Moradores “tornam inviáveis a sobrevivência e reprodução física, econômica e cultural

dos quilombolas”. Cabe ressaltar que os remanescentes de quilombos têm como principal

fonte de renda o cultivo da terra, a criação de pequenos animais, a pesca, o extrativismo e

o artesanato, sendo inviável aglomerar quase 70 famílias em áreas tão reduzidas (Figura

2).

Figura 2 – Propostas à Comunidade Quilombo Rio dos Macacos

Fonte: BRASIL, 2014.

Para além da discussão referente à área em si, devido a pressões sociais, em

novembro de 2013, fora autorizada a construção e reforma de 19 casas, a serem

realizadas pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia (SEDUR), das quais 9

5 Ofício n. 299/2012/AE/SG/PR.

6 Já havia sido proposto antes a oferta de 7,5 hectares durante a primeira audiência pública envolvendo as partes.

Page 21: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

21

serão derrubadas e reconstruídas, 5 sofreriam reparos e as outras 5 ainda estão em

processo de estudo, análise e levantamento de informações7.

Apesar do aparente e relativo avanço institucional e prático, tanto na mediação,

quanto na tentativa de se chegar ao fim do conflito, em janeiro de 2014, duas lideranças

da comunidade foram agredidas, fortemente espancadas e torturadas pela Marinha do

Brasil (através de alguns de seus membros, devidamente fardados e em seus postos de

trabalho), no momento em que saiam do território pela única via existente: a portaria da

Vila Naval. O fato fora registrado por câmeras do circuito interno de segurança dessa

guarita e divulgado em grandes veículos da imprensa.

Apesar de grande repercussão, o caso até hoje (novembro de 2014) não foi julgado

e, segundo os quilombolas, os “navais” que agrediram os irmãos estão soltos e continuam

a rondar as casas, armados durante a noite. Além disso até hoje a reforma e a construção

de novas moradias não foram executadas, o que é um grave problema para a

permanência de Rio dos Macacos no território, já que a situação é de grande

precariedade (Figura 3).

Figura 3 – Moradia em Rio dos Macacos

Fonte: Acervo coletivo, 2014.

7 Ofício n. 13629/GABINETE DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA.

Page 22: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

22

Após nova onda de mobilização social, no mesmo mês em que ocorreu o recente

episódio de agressão, foi autorizada a construção da estrada própria, bem como a

construção do centro comunitário para os quilombolas, assim como as promessas

anteriores. Essas não foram cumpridas e até o presente momento os quilombolas passam

por todo o tipo de privações no que concerne à entrada e saída de visitantes e moradores.

Em março de 2014, o Governo Federal apresentou a quarta proposta para o

“Ordenamento fundiário do território quilombola Rio dos Macacos”, oferecendo 86

hectares (Mapa 3). Junto a essa proposta, foram listados iniciativas do governo para

garantir direitos fundamentais à comunidade.8

Mapa 3 – Proposta de 86 hectares à Comunidade Quilombo Rio dos Macacos

Fonte: INCRA, 2014.

8 Essa promessa já foi feita diversas vezes a comunidade. Assim como diversas outras que não foram executadas.

Page 23: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

23

Em 6 de maio de 2014, através de assistência técnica, jurídica e política, a

Associação de Moradores do Quilombo Rio dos Macacos apresenta a primeira proposta

(Mapa 4). A “contraproposta” apresentada pelos quilombolas se insere no contexto de

negação da proposta de 86 hectares apresentada anteriormente. O elemento principal de

divergência com esta proposta é a negação dos cursos hídricos; o único curso hídrico

que ficaria no interior da comunidade seria intermitente e insuficiente para manutenção

dos hábitos e modo de vida de uma comunidade pesqueira. Outro elemento negativo foi o

impedimento do acesso à barragem para uso da comunidade, além da desarticulação

com a parte sul do território.

A contraproposta apresentada pela Comunidade tinha como princípio o

compartilhamento da barragem, a preservação dos sítios sagrados (Gameleiras e locais

de arrego de oferenda) e a consolidação de área de produção agrícola e agroflorestal. A

área negociada pela comunidade é a de 28 hectares para Marinha do Brasil, dos 301

hectares disputados. Disto restariam para o uso, ocupação e desenvolvimento dos

quilombolas 273 hectares.

Page 24: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

24

Mapa 4 – Contra-Proposta Quilombo Rio dos Macacos

Elaboração: Cordeiro, Paula Regina; Figueirêdo, Luana. 2014.

Em 6 de junho de 2014, após apresentação da contraproposta por Rose Meire e

Dona Olinda, ao contrário do que se esperava, não houveram questionamentos sobre a

delimitação, a fala dos quilombolas gerou desconforto nos órgãos públicos seguido da

indiferença destes. Na ocasião, Seu Wilian, quilombola de Rio dos Macacos, lembrou que

mesmo com o andar das negociações, os quilombolas estavam sofrendo ameaça de

remoção por conta do processo judicial de desapropriação ainda em curso. Nesse

sentido, a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, afirmou que a

continuação desse processo inviabiliza as negociações, pois os quilombolas se sentem

pressionados para negociar. Após essa declaração, a comunidade pede a suspensão da

audiência pública.

Após a suspensão da audiência, o governo Federal apresentou9 o que seria a

quinta proposta à comunidade. O diferencial da proposta apresentada anteriormente é

que além dos 86 hectares ao norte da barragem, haveria a inclusão de 6 hectares ao sul

9A proposta não foi apresentada oficialmente, pois Deborah Duprat suspendeu a Audiência Pública devido aameaça de desapropriação sofrida pela comunidade.

Page 25: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

25

da Vila Naval, com mais 12 hectares do terreno da SUDIC (ao norte da barragem),

totalizando uma área de 104 hectares. O utilização da barragem pelos quilombolas foi

colocado, nesse momento, como sendo inegociável.

A comunidade novamente rejeitou a proposta, já que essa mantém os aspectos

básicos da anterior: a negação dos recursos hídricos e do uso compartilhado da

barragem, assim como sugere uma divisão do território quilombola, propondo dois

“núcleos quilombolas”.

De acordo com o MPF/BA10, o advogado Bruno Cardoso, da Advocacia-Geral da

União, “comprometeu-se a interpor recursos pedindo a suspensão do processo judicial

travado entre a Marinha e a comunidade” e também contra a liminar que impede a

reforma das casas da comunidade.

Porém, após audiência pública, a nota oficial do Governo Federal, através do

Ministro Gilberto Carvalho, afirma que: "não havendo o acordo, não há muito o que fazer,

porque a Marinha não pode retirar a ação que move na Justiça, para reintegrar aquela

área" (BRASIL, 2014). Ainda segundo o ministro, “o Governo Federal ainda está aberto a

retomar as negociações, desde que os quilombolas revejam sua posição e aceitem a

delimitação apresentada na reunião, uma vez que ela contempla os interesses dos

diversos órgãos federais envolvidos na questão”. (BRASIL, 2014).

Ao fim da audiência, o MPF exige que o RTID seja publicado pelo INCRA no prazo

de 30 dias. Após recorrer aos prazos estabelecidos em agosto de 2014 o INCRA publica o

RTID porém, ao invés dos 301 ha identificados e delimitados, há a publicação de 104 ha,

conforme a última proposta “apresentada” pela Presidência da República. Nos assusta

muito o autoritarismo como o processo foi conduzido pelos órgãos de estado. Em reunião

posterior com o INCRA e comunidades quilombolas, foram levantadas as questões

referentes à publicação do Relatório de Rio dos Macacos. Para nossa surpresa o

superintendente regional do INCRA na Bahia, Luiz Gugé Fernandes, afirmou que, por se

tratar de uma ordem do INCRA nacional essa era a publicação oficial referente ao

Quilombo Rio dos Macacos e a proposta final do Governo Federal.

O autoritarismo com que o governo delimitou o território quilombola de Rio dos

Macacos cria um precedente para a regularização de outras comunidades quilombolas no

Brasil, principalmente as em conflito com as forças armadas – como Alcântara e

Marambaia. Esse procedimento, segundo o INCRA, “reconhece uma área enquanto

10 Notícia disponível em R7 Notícias: http://noticias.r7.com/bahia/rio-dos-macacos-mpf-defende-suspensao-de-processo-contra-quilombolas-07052014

Page 26: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

26

legítima dos quilombolas, porém a regularização só deverá acontecer onde os 'interesses

do Estado' não são ameaçados.

O processo histórico vivido pela comunidade, até aqui, pode ser sintetizado na

figura abaixo:

Figura 4 – Historia do Conflito

Elaboração: Paula Regina de O. Cordeiro, 2014.

CAPÍTULO 2 – O TERRITÓRIO MILITARIZADO E A MILITARIZAÇÃO DO COTIDIANO: O TERRITÓRIO ENQUANTO RECURSO

Subumanas as condições de vida no Quilombo Rio dosMacacos.(Raquel Rolnik)11

Sabemos que dentro do Estado brasileiro, dirigido pelo Partido dos Trabalhadores,

existem setores que são contrários aos avanços na legislação pós governo do Presidente

Luiz Inácio da Silva, o Lula. Principalmente no que diz respeito ao acesso ao território

pelos povos e comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas, fundos e feixes

de pasto e pescadores, bem como pelos sem-terra e sem-teto.

No Brasil, a preferência pelo militarismo é notada não só no caso de Rio dos

Macacos, mas também em todos os processos em que envolvem conflitos com as

comunidades negras, como é o caso da violência exercida nas áreas urbanas pelas

Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro e as Bases Comunitárias de

Segurança na Bahia.

11 A Relatora Especial para o Direito à Moradia Adequada, pela ONU, a urbanista Raquel Rolnik esteve em Salvador a convite de movimentos sociais para participar do Encontro sobre o Direito à Moradia Adequada, nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2014.

Page 27: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

27

O conflito aqui descrito pode ser entendido a partir relação irreconciliável entre

“território como abrigo” e “território como recurso”:

Em Território como Abrigo o eixo norteador das ações está pautado no viver com anatureza e resulta em territorialidades que buscam se construir nos princípios da“autonomia dos povos” e do “respeito à diversidade”. Em Território como Recursoo eixo está pautado no viver da natureza, numa busca por colocar a natureza aserviço da humanidade e produz-se um território que se constrói a partir dasintencionalidades de “redução de custos” ou aparente redução de custos eaumento do “monitoramento” e do “controle à distância”, por uma “classificaçãohierárquica” e “auto-referenciada”, uma “ordem mais vertical que horizontal”.(ANTONGIOVANNI, 2006, 166).

A tentativa de destruição do território enquanto abrigo, em benefício do seu uso

enquanto recurso é a tônica das intervenções territoriais ocorridas em Rio dos Macacos.

A história da comunidade de Rio dos Macacos é marcada por dois momentos.

Ambos têm grande influência nas condições de reprodução da vida dos quilombolas. O

primeiro deles é a instalação da Usina Aratu, o segundo a implantação da Vila Militar da

Marinha. A análise deste território fica incompleta se não procedermos dessa forma.

2.1 O ENGENHO – USINA ARATU

O Engenho e Usina de Aratu está presente na memória da maioria dos

quilombolas, seja pela lembrança escravista, seja pelo cotidiano ou pelas histórias locais.

É no contexto colonial que estão as primeiras informações sobre o Engenho – Usina

Aratu:

Em 1783, o capitão Manoel de Oliveira Barrozo comprou o engenho Aratu dosantigos proprietários José Alves de Souza e sua mulher Vicência Maria das Nevese apesar de sua localização privilegiada, próximo ao porto de Salvador, com solopropício à produção de cana, quando adquirido estava “desfabricado” (...) Noentanto, com a ajuda de seus filhos, o capitão Barrozo tornou o Aratu um prósperoengenho de produção de açúçar. (INCRA, 2012, p.19).

Após a morte do capitão Barrozo, a propriedade foi transferida para o filho Sutério,

como herança: “Tomando como referência a lista de escravos do Engenho Aratu,

avaliados no inventário de Sutério, em 1822, existiam 74 escravos. Portanto, esse era um

engenho típico da zona açucareira da Bahia.” (ALVES apud INCRA, 2012, p. 19).

Em 1839, após a morte de Sutério o Engenho Aratu foi a leilão: “Arrematado por

João Vaz de Carvalho por 24 contos de réis” (ALVEZ apud INCRA, 2012, p.20). Em fins

Page 28: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

28

do século XIX o Engenho foi associado a um novo ramo familiar: a família Reis Meireles.

Consta no RTID e nos relatos orais da comunidade que em Aratu funcionou, nas primeiras

décadas do século XX, a Usina de mesmo nome.

A história de Manuel Vigia é um exemplo da territorialidade dos quilombolas no seu

lugar, segundo Herotildes Miguelina dos Santos, nora de Manuel:

Manuel trabalhou muitos anos aí com Manevino, dono aí dessa fazenda, aí deramessa terra a ele como aposentadoria. (...) Sabe o que o fazendeiro disse? Olheseu Manuel fique aí, eu já me fiz, já me vou, você que não fez nada fique aí. Eletrabalhou muitos anos, não tinha carteira, não tinha direito a nada, a única coisaque ele teve direito foi esse pedaço de terra. Que ele morreu e o filho ficoutomando conta. (INCRA, 2012, p. 34).

Encontramos poucas informações sobre essa Usina em documentos oficiais,

porém, os registros das memórias quilombolas afirmam que esta teria decretado falência

em meados da década de 1930. Apesar disso, esta unidade produtiva organizou o

território e é a ela que nos remetem as memórias mais profundas dos moradores de Rio

dos Macacos. Lembranças de “um passado mais distante, mítico, onde símbolos da

escravidão e de resistência à condição de subalternidade (...)” (INCRA, 2012, p. 21) estão

presentes.

Existe um reservatório de água ao norte do território conhecido como “Tanque de

Salu”, o qual fornecia água para a Usina Aratu. Segundo contam Edcarlos, Rosimeire, D.

Olinda e Seu Edgar – quilombolas de Rio dos Macacos, Salu era uma “nega da costa”

que morava no tronco de árvore e que, ao ficar irritada, fazia o Tanque secar, deixando a

Usina sem acesso a água: “Quando alguém espancava um de nós ou outro trabalhador,

ela ficava chateada. Fazia um ritual e a Usina ficava sem uma gota d' água.”.

As lembranças da escravização são marcas correntes nas populações negras do

Brasil, já que:

O escravo africano foi a força de trabalho de todo o sistema implantado na colônia:primeiro nos engenhos, depois nas minas de ouro e mais tarde nas fazendas dealgodão e café. Tudo o que se produzia neste período teve a marca do suor e dosangue do negro, obtido através do trabalho escravo. (GERMANI, 2006, p.128).

Na reprodução do capitalismo colonial brasileiro, “a existência do negro africano

nas fazendas e engenhos se contabilizava como capital fixo, como uma máquina, não

como uma pessoa.” (GERMANI, 2006, p.128).

Page 29: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

29

O período colonial-escravista, portanto, tem a frente o negro sequestrado,

principalmente do leste da África os africanos eram resultados de capturas e guerras

internas, muitas vezes potencializadas pelos europeus. A Europa, nesse momento, vai

declarar guerra aos povos originários das Américas e de África com intenção de se tornar

o novo centro comercial do mundo. Clóvis Moura afirma que a escravidão, base social em

que a ideologia racista se consolida, surge de dois fenômenos distintos no Brasil:

De um lado, foi a continuação do desenvolvimento interno da sociedade colonialnos moldes em que se vinha realizando a sua evolução nas primeiras décadasque, de simples aglomerado de feitorias atomizadas no vasto território,transformou-se em donatárias com sistema de estratificação social fechado emestrutura praticamente feudal. De outro lado, foi consequência dos interesses dasnações colonizadoras em fase de expansão comercial mercantil. (MOURA, 1981,p.23).

Para os países da Europa o que importava no momento era fortalecer a

acumulação primitiva do capital, acumulação esta que serviu de alicerce para a sociedade

atual. A África tornou-se “um campo de pilhagem e grande parte do seu devastamento

geográfico esteve subordinado aos interesses dos traficantes de escravos” (MOURA,

1981, p.34).

A consequência desse processo histórico, para nós, negros e negras, é a exclusão

social, a violência do Estado, a dependência emocional e a sensação de estar no “lado

errado”12, essas experiências negativas na história do negro brasileiro são refletidas até

hoje através do impedimento de garantia das políticas públicas, como acontece no

Quilombo Rio dos Macacos. Esse impedimento confirma a inexistência da chamada

democracia racial, já que pretos e brancos não convivem em harmonia “desfrutando

iguais oportunidades de existência, sem nenhuma interferência, nesse jogo de paridade

social, das respectivas origens raciais ou étnicas.” (NASCIMENTO,1978, p.41). Pelo

contrário, ser negro no Brasil é viver sob o jugo excludente do racismo, ou como nos diz

Abdias Nascimento “As feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar

sobre a realidade social do país” (NASCIMENTO, 1978, p.82). A maioria dos negros estão

afastados das instâncias políticas de decisão, “depositados” em ambientes degradados,

sem perspectiva ou acesso a políticas de Estado.

A sociedade brasileira, portanto, carrega consigo valores racistas que gerame

exclusão socioeconômica aos negros. A história do Brasil é marcada pelo genocídio

constante do negro brasileiro. A negação de políticas públicas territoriais pelo Estado à

12 Letra do grupo de Rap OPANIJÉ (Organização Pan-Africana, Negros Invertendo o Jogo Excludente).

Page 30: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

30

comunidade Quilombola Rio dos Macacos é a prova cabal de que o racismo brasileiro não

está morto e que sua máscara benevolente não se sustenta:

Ser negro é enfrentar uma história de quase 500 anos de resistência à dor, aosofrimento físico e moral, à sensação de não existir, a prática de ainda nãopertencer a uma sociedade na qual consagrou tudo o que possuía, oferecendoainda hoje o resto de si mesmo. (NASCIMENTO, 2007 p.99).

É de conhecimento público de que as políticas territoriais brasileiras sempre

estiveram a serviço das classes dirigentes do país. Nesse sentido, sobre o território

quilombola em questão, o RTID traz outros elementos importantes para entender a

organização do território sob influência da Usina Aratu. Por exemplo, a Usina Aratu é

relacionada à Usina Aliança da empresa Magalhães Indústria e Comércio S.A. De fato,

ambas as usinas pertenceram ao mesmo grupo empresarial, que detinha o quase

monopólio da produção de açúcar na região do Recôncavo durante a primeira metade do

século XX. A organização espacial da Usina agregava:

[...] uma unidade industrial (composta pelos segmentos de fabrico, transporte emanutenção) e várias fazendas responsáveis pelo fornecimento da matéria-primaindispensável à produção do açúcar. Em 1946 a categoria dos açucareiros eracomposta “por cerca de 10 mil operários fabris e entre 30 e 40 mil assalariadosagrícolas e moradores. (SOUZA apud RTID, 2012, p. 24).

Em 1946, dispara um movimento grevista dos trabalhadores da Usina Aliança. A

greve é reflexo das péssimas condições de trabalho encontradas na região açucareira.

Segundo uma carta publicada da Usina São Bento, do mesmo grupo empresarial da

Usina Aliança e de Aratu:

(...) com um salário incrivelmente baixo, eles estavam sujeitos a freqüentesdescontos para higiene e habitação que chegavam a atingir Cr$ 70,00,quinzenalmente. Além disso, não existia higiene, pois os homens viviampraticamente dentro da lama e a habitação era sempre uma palhoça miserávelconstruída pelo próprio trabalhador, em suas horas de folga, e quando este, porqualquer motivo, não mais queria residir nas palhoças perdia o direito a qualquerindenização, ficando a empresa com a propriedade das mesmas e com o direitode alugá-las, pelo mesmo processo, a outros trabalhadores. (RTID, 2012, p. 25)

As lembranças desse período são muito confusas, diante disso, não serão tecidas

maiores considerações. O importante aqui é reconhecer a existência de descendentes de

homens e mulheres escravizadas e da persistência de um modelo violento contra os

trabalhadores, mesmo após a abolição formal do instituto da escravidão (1888).

Page 31: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

31

É necessário considerarmos aqui que a pressão para o fim do regime escravista foi

um dos marcos importantes para alterar a estrutura da propriedade da terra no Brasil.

Antes da criação da Lei de Terras, lei Nº 601 de 1850, que fundiu a posse e o domínio da

terra em um único direito, o Brasil proíbe oficialmente o tráfico de escravos. Com a Lei de

Terras, mesmo após a abolição da escravatura, os negros eram obrigados a continuar

trabalhando nas fazendas, já que o acesso à terra estava restrito a sua compra.

Essa lei, portanto, preparou o chão social para a abolição formal da escravidão, ou

seja, como afirma Martins (1984), “o fim do cativeiro do escravo coincide também com o

começo do cativeiro da terra.” Essa lei consolidou a estrutura desigual da propriedade da

terra no Brasil. No seu artigo primeiro afirma que “ficam proibidas as aquisições de terras

devolutas por outro título que não seja o de compra”, na nossa compreensão é neste

momento em que a terra adquire caráter mercantil.

O artigo segundo da Lei de Terras criminaliza todos os posseiros já que a partir de

agora “os que se apossarem de terras devolutas ou alheias, e nelas derrubarem matos ou

lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com a perda de benfeitorias, e demais

sofrerão a pena de dois anos a seis meses de prisão e multa de 100 $, além da satisfação

do dano causado...”.

Modificações ocorreram durante o período republicano: “Com a proclamação da

República, em 1889, as terras devolutas e as questões de terras passaram para a alçada

dos governos estaduais.” (MARTINS, 1984, p. 20), essa medida fortaleceu as oligarquias

regionais, as quais queriam independência do Estado para distribuir as terras a sua

maneira:

Durante essas décadas, a terra prevaleceu como instrumento de poder: ospresidentes da República foram geralmente sustentados no poder central namedida em que reconheciam a independência e o poder local e regional doschefes políticos, dos “coronéis” da política. (MARTINS, 1984, p.21).

Até o golpe de 1930, “isso implicou em tolerar a existência de exércitos privados”

(MARTINS, 1984, p.21). Após 1930, Getúlio Vargas imprimiu uma política estatal

centralizadora que retirava a autonomia dos coronéis. A quebra do poder dos coronéis

possibilitou que as lutas dos trabalhadores rurais ganhassem novo salto: através da

consolidação dos movimentos de libertação, das ligas camponesas e dos sindicatos

rurais, que realizavam levantes no território brasileiro.

Page 32: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

32

À medida que a luta no campo se intensificava, mais incomodados ficavam os

latifundiários. O lema “A terra para quem trabalha” foi ecoado nos grandes centros de

produção para exportação, foi quando os “latifundiários perceberam que alguma coisa

estava errada” (MARTINS, 1984, p.21). Com o anseio das camadas mais abastadas com

intuito de frear a reforma agrária em curso e as lutas dos trabalhadores, teve início um

processo que resultaria no golpe militar de 1964:

Pouco tempo depois do golpe de 1964, o governo do marechal Castelo Brancoenviou ao Congresso Nacional um projeto, elaborado meses antes porempresários e militares, destinado a concretizar uma reforma agrária que nãorepresentasse um confisco das terras dos grandes fazendeiros, mas quepermitisse conciliar a ocupação e utilização das terras com a preservação dapropriedade capitalista e da empresa rural. Esse projeto, aprovado rapidamente,transformou-se no Estatuto da Terra. (MARTINS, 1984, p.22).

A reforma agrária pensada pelo governo militar de Castelo Branco abria as portas

da agricultura brasileira ao grande capital, já que o Estatuto da Terra beneficiava, em sua

maioria, lavradores com vocação empresarial. Em 1965, tornou-se possível a

“desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida pública resgatáveis a longo

prazo” (MARTINS, 1984, p.22), rompendo o dispositivo da Constituição Federal que

obrigava a indenização. Em 1969, Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº9, tornando

desnecessária que a indenização, mesmo em títulos, fosse feita antes da desapropriação.

É “(...) a partir do governo de Costa e Silva que o problema da terra e particularmente da

terra na Amazônia, transformou-se progressivamente num problema militar.” (MARTINS,

1984, p. 41). A partir daqui o Estatuto da Terra começa a sofrer uma revogação tácita,

consolidada no governo Médici quando a base institucional da reforma agrária foi

destruída progressivamente.

Em 1980, foi criado o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins – GETAT.

Esse Grupo marca a progressiva interferência militar nas questões agrárias, e em 1982 há

a coroação dessa política com a criação do Ministério de Assuntos fundiários13: “Através

da militarização, o governo tenta controlar e domesticar o demônio político que ele libertou

com sua política agrária e econômica” (MARTINS, 1984, p.14).

É nesse cenário político que a Marinha do Brasil a partir de 1970 consolida a

apropriação do território quilombola, após ter adquirido na década de 1950 as terras de

desapropriação de uma pequena porção da Fazenda Aratu, de partes da Fazenda

13 O quartel da terra, segundo Martins.

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33

Meireles e de uma doação, feita à Marinha pela Prefeitura Municipal de Salvador. (Figura

5).

Mapa 5 - Planta das Fazendas

Fonte: RTID, 2012.Ainda na década de 1950 a Marinha do Brasil dá início a construção do barramento

do Rio dos Macacos, para que a “Base Naval de Aratu tivesse autonomia no fornecimento

e o controle da qualidade da água que utiliza” (RTID, 2012, p.30)14. Em 1956 a tulipa da

barragem foi construída e em 1954, o dique estava completo.

A área em que está localizada a Barragem dos Macacos (Figura 5) não é espaço

da Base Naval, mas sim da Vila Naval da Marinha do Brasil, local de moradia dos

fuzileiros navais e suas famílias. Quando a Marinha chega ao território, encontra uma

comunidade que vivia em terras apossadas, trabalhando nas fazendas e realizando

trabalhos de roça e pesca, além de extrações de matéria-prima da natureza local.

14 Depoimento do Comandante da Base Naval à época de construção do RTID.

Page 34: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

34

Figura 5– Barragem dos Macacos

Fonte: Campo por CORDEIRO, Paula Regina; FIGUEIREDO, Luana, 2014.

Mas quem eram essas pessoas? Quais eram seus hábitos? O que aconteceu pós-

ocupação militar da Marinha do Brasil? São esses elementos sobre os quais nos

debruçaremos a partir de agora.

Para o Quilombo Rio dos Macacos sua vida é marcada em três grandes fases, que

podem ser compreendidas na fala de Dona Olinda “A gente tem uma história bonita e

outra feia. A bonita é quando a gente brincava no mato e a triste são as violências. Tem

outra também que estamos escrevendo, né?”

A produção agrícola e pesqueira é um dos pilares fundamentais do Quilombo Rio

dos Macacos, já que é através dela que os quilombolas garantem sua reprodução no

território. Sabemos que, como diz a célebre frase de Josué de Castro, “a fome e a

desnutrição não são uma ocorrência natural, mas resultado das relações sociais e de

produção que os homens estabelecem entre si”. O direito a alimentação não se constitui

mais enquanto direito de todos os seres humanos, já que sob o capitalismo internacional

e o racismo, o acesso à alimentação é regido por um conjunto de mediações que tem

como centro a lógica da acumulação do capital e como prática política a negação do

acesso à terra,

A partir do momento em que o pilar da produção (Tabela 1) é criminalizado, a

Marinha do Brasil institucionaliza a fome dentro do território.

Page 35: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

35

Durante o regime escravista e colonial, o negro escravizado, muitas vezes,

dependia da pesca para sobreviver: “[…] o negro escravo sustentava a si próprio, no

regime de fome ao qual era submetido, pescando nos mangues e nos rios.” (SILVA, 1998,

p.31).

No que diz respeito o acesso à área de pesca e de mariscagem, o Brasil

historicamente estabeleceu políticas racistas, como a proibição da pescaria e da

mariscagem, em 1822, quando a utilização da rede de arrasto foi proibida:

Era, assim, considerado “danoso” o emprego das redes de arrasto, geralmenteutilizadas pelos pescadores mais humildes e despossuídos, ex-escravos ou índiosdestribalizados – mas não o eram os currais de peixes, pertencentes aos“curraleiros”, considerados verdadeiros “donos das praias”. (SILVA, 1998, p.35).

Existia um conflito intenso entre pescadores artesanais e os “curraleiros. Enquanto

no contexto escravista os termos “bem público” e “interesse nacional” significavam

“interesses exclusivos dos curraleiros”, no racismo contemporâneo significa “interesses

exclusivos dos navais”, já que conflitos envolvendo forças armadas e os quilombolas não

são novidades15

Tabela 1 – Atividades Produtivas

Atividades Produtivas

Criação de Cavalo

Criação de Gado

Criação de Galinha

Criação de Ganso

Criação de Jeque

Criação de Pato

Criação de Peru

Criação de Saqué (Galinha de Angola)

Mariscagem no manguezal

Pescaria no litoral

Pescaria no Rio

Roça

Fonte: Entrevista, 2014.Elaboração: Paula R. O. Cordeiro, 2014.

As heranças pesqueiras da comunidade certamente se justificam por esta ter sido a

principal forma das relações de trabalho encontrada pelos negros escravizados do litoral.

15 Ver Marambaia (RJ), Alcântara (MA) e Tororó (BA).

Page 36: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

36

Foi no contexto escravista que se “desenvolveu a categoria sócioprofissional específica

no Brasil – os pescadores...” (SILVA, 1998, p.50). Não só a categoria de pescadores foi

constituída nesse momento, mas também categorias como canoeiros, carpinteiros, negros

comerciantes etc. Essas categorias profissionais visavam controlar as atividades

profissionais dos negros. A categoria “pescadores”, por exemplo, foi criada na tentativa de

diminuir a atuação política daqueles que conheciam as entradas e saídas aquáticas e que

estavam presentes na maioria das revoltas anti-escravitas.

Além da perseguição política com a produção pesqueira, a Marinha do Brasil

atacou as roças dos quilombolas. Segundo Dona Olinda “a gente não podia nem catar

castanha no pé de caju”. Ao atacar as culturas produtivas tradicionais a Marinha do Brasil

viola todos os direitos fundamentais dos seres humanos – como o direito à vida, ao

trabalho, à educação, à saúde, à moradia etc – e támbém os acordos internacionais com

a FAO e ONU. Este ato é uma agressão à soberania alimentar quilombola, indo na

contramão do que afirmam os direitos dos povos e comunidades tradicionais.

Essa perseguição aos quilombolas são ilustradas pelas memórias de desrespeito a

esta comunidade. O filho de Manuel Vigia, Barro Leite (Antonio dos Santos), por exemplo,

morreu em 2010, mas sua esposa Herotildes conta que ele vivia na roça16 e trabalhou

durante muito tempo conduzindo carro de boi e fazendo bicos. Os quilombolas lembram

também que “O Cabo Sampaio perguntou a Dona Olga se ela preferia que ele derrubasse

a casa ou se ela mesma queria derrubar. Ela foi e perguntou como é que poderia derrubar

a própria casa”.

Existe uma família presente nos relatos dos moradores mais antigos da

comunidade: a família Rabeca, que possui cinco gerações dentro do território. Segundo o

RTID, Severiano teria nascido no território, em 1910, e lá sepultado quem nos conta sua

história é seu filho Osvaldo:

Meu pai trabalhava em concerto de canela, concerto de pasto. A gente trabalhemo.A gente começou a trabalhar com nove anos. Cortando lenha de metro prafornecer ao hospital, fornecer a cidade. Couto Maia, a Sagrada Família, HospitalSão Jorge, esses lugares. (INCRA, 2012, p. 35).

Em entrevista, seu Osvaldo, 61 anos, afirmou que tinha apenas 6 anos quando a Marinha

começou os trabalhos por lá. Além da família de Severiano, tinha também a de seu irmão

16

Nome utilizado para caracterizar a área quilombola.

Page 37: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

37

Lázaro, que foi casado com Júlia Ribeiro dos Santos. Dona Júlia, como é chamada,

morou com seus filhos na comunidade até que a casa em que vivia caiu e não receberam

autorização da Marinha para reconstruí-la. Desde então Dona Júlia mora fora do território,

no Alto dos Macacos. Sobre os hábitos, no território Dona Júlia afirma a existência de um

fonte de água muito boa: lá as famílias tomavam banho, lavavam a louça, bebiam e

usavam para alimentação. A fonte da saúde é uma lembrança muito forte na comunidade,

assim como as roças. “Lá na fonte da saúde era tudo roça”, segundo Dona Júlia lá:

Era roça de mandioca, de aipim, tudo. Tinha casa de farinha. Os moradorescriavam ovelha, criavam cabra, criavam gado. Mas a Marinha disse que queria asterras. Saíram. Só ficaram os “torrão”. Minha mãe mesmo, só saiu porque faleceu.(INCRA, 2012, p. 41).

O relato de Dona Júlia é complementado pelo de seu Crispim: “Tinha o rio da

Saúde que era o principal, onde se panhava água para beber. Tinha o rio do Cafonge. Era

um rio muito forte. O rio que mais o pessoal pescava era esse Barroso e Cafonge.

(INCRA, 2012, p. 41).”

Seu Crispim (70 anos) afirma ainda que o momento mais difícil dele no território foi

quando, em 1965, a Marinha retirou as casas da área onde foi construída a Vila Naval da

Marinha:

Memésio era quem respondia pela barragem. Ele chegou várias vezes e falou pragente que a gente tinha que sair dali, a mandado da Marinha. Ah, para onde vai,pra onde não vai. Não vai. Não vai pra lugar nenhum. Um dia ele chega lácom o carro de choque e aí ameaçou todo mundo. Deram mais oito dias.Nesses oito dias teve que sair todo mundo. (...) Aí foi todo mundo procurandosair. Foi gente dormindo até debaixo do viaduto. Outros fazia casa de plástico, ouia pra casa de parentes, outros vinha dormir na estação. Foi um negócio triste,triste mesmo!! Foi triste na época. Foi horrível!! (INCRA, 2012, p.42).

Um caso emblemático é o de Dona Maria, moradora viva mais antiga, do território.

Dona Maria mora junto a seus filhos: Dona Olinda (55), Seu Osvaldo (59), Seu Orlando

(60), Zé (54) e Seu Luiz (50). Dona Maria em entrevista realizada por nós afirma “Ô minha

filha, porquê fizeram isso com a gente? Hoje em dia a beleza dessas terras ta banhada de

sangue. Já mataram gente, agarraram as meninas, por que?”. No RTID ela também conta

da existência da Bica da Saúde, local no qual ninguém mais pode ir com tranquilidade.

Sobre os costumes da comunidade reforça: “Meu pai fazia de tudo: trabalhava na roça,

fazia farinha, plantava mandioca. Minha mãe lavava roupa, fazia faxina de casa, catava

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38

café” (INCRA, 2012, p.44). Dona Maria demonstra bastante raiva pelo comportamento dos

“Navais”17, já que foi ela quem fez o primeiro parto de um deles.

As violências da Marinha não se extinguiu com a instalação da Vila Militar, era

necessário possuir toda a área quilombola. Os registros dessas violências estão

presentes não apenas na memória desta comunidade, mas também no próprio território,

como podemos ver nas figuras abaixo.

Figura 6 – Destroços da casa de Domingos

Fonte: RTID, 2012.

Figura 7 – Destroços de casas provocadas pela Marinha do Brasil

Fonte: Campo.CORDEIRO, Paula Regina. FIGUEIREDO, Luana. 2014

17 Forma que os quilombolas chamam os fuzileiros navais da Marinha do Brasil.

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Figura 8 –Casa de Farinha destruída

Fonte: Campo. CORDEIRO, Paula Regina. FIGUEIREDO, Luana. 2014

Figura 9 – Ruinas das habitações em Rio dos Macacos

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40

A Marinha, desde que chegou à comunidade, restringiu o acesso da comunidade

ao seu entorno, criando um território sitiado para os quilombolas:

Figura 10 – Território sitiado

Fonte: Campo. CORDEIRO, Paula Regina; FIGUEIREDO, Luana; POLLI, Leonardo. 2014

Com a chegada da Marinha, o território vira uma área militar e essas dinâmicas,

próprias do Estado de Exceção, se transformam no cotidiano da comunidade. O mapa 6

sintetiza a influência e reorganização do espaço.

Page 41: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

41

Mapa 6 – Impacto da Marinha na comunidade Rio dos Macacos

O mapa 6 mostra alguns dos terreiros que foram destruídos, casas que tiveram o

direito negado à reconstrução, além das fontes d’águas, muitas delas atualmente com

acesso restrito (incluindo a barragem) ou soterradas.

As violências no território e no modo de vida da comunidade não param por aí. A

cultura popular tradicional (Tabela 2) também foi atacada. O fechamento dos terreiros e a

proibição de outras festas “tirou a alegria” (Dona Olinda, 2014) da comunidade.

Dona Olinda conta que, no dia da destruição de um dos terreiros18, “tinham duas

meninas recolhidas no “camarim”, quarto destinado ao resguardo e contato profundo com

seu Orixá, e que mesmo assim os Fuzileiros Navais atiraram e derrubaram o barracão”

(Dona Olinda, 2014). Rosimeire afirma a perda das ervas para banho e tratamento

18 Alguns terreiros seguem na memória comunitária, são eles: os de Mané Vigia, Vavá Grande, Antonio Toco,Zé Pai Santo, Paizinho.

Page 42: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

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médico: “Uma vez eu estava na roça e estávamos pegando madeira para carvão e erva

cidreira pra fazer chá, de repente os navais chegaram com um ônibus e nos levaram pra

Vila e só estávamos fazendo carvão pra chá”. Complementa: “Nós não tínhamos médico,

nem emergência, a gente se tratava com as folhas, eu mesma perdi minha vó por falta de

assistência médica”.

O embranquecimento cultural, como afirma Nascimento (1978), é uma forte

estratégia de genocídio. Com a negação dos fundamentos religiosos e tradicionais, a

Marinha do Brasil tenta impor novamente a lógica colonizadora: se antes a capoeira, as

religiões de matriz africana e a cannabis foram proibidas em lei, hoje essas mesmas

religiões e demais tradições são destruídas sem a necessidade de uma legislação

específica:

A assimilação cultural é tão efetiva que a herança da cultura africana existe emestado de permanente confrontação com o sistema dominante, concebidoprecisamente para negar suas fundações e fundamentos, destruir ou degradarsuas estruturas. (NASCIMENTO, 1978, p.94).

Tabela 2 – Cultura Popular Tradicional de Rio dos Macacos

Culturas tradicionais

Aniversários

Benzendeiras-Rezadeiras

Candomblé

Capoeira

Caruru de Santa Bárbara

Caruru de São Crispim

Caruru dos Santos Cosme e Damião

Casamentos

Coco de Piaçava

Festas Dançantes

Judas (Quebra pote, pau de sebo etc)

Lindamor

Novena de Maria

Outras rezas

Parterjar

Reza de Santo Antônio

Samba de Roda

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São João

SerenataFonte: Entrevista, 2014.Elaboração: Paula R. O. Cordeiro

Uma marca porém é particular no Quilombo Rio dos Macacos, o corpo das

mulheres negras foi dilacerado. São incontáveis os casos de estupro no território,

incontáveis ameaças e violências físicas como espancamento. Num país que se

autoproclama democrático, o corpo das mulheres negras e indígenas afetadas pela

colonização se mantém como palco dos confrontos de guerra. Segundo a Relatora

Especial das Nações Unidas, Radhika Coomaraswamy, ao se reportar às mulheres

negras do Brasil “as mulheres são alvos especiais desse tipo de abuso por serem

frequentemente percebidas como representantes da honra simbólica e como guardiãs

genéticas da comunidade.” (COOMARASWAMU apud CRENSHAW, 2002, p.176).

Em lágrimas as mulheres suspiram “eles ficavam aqui um tempo sem ver mulher

direito. Esses mais novos quando chegavam então, tudo ficava bulindo com a gente. Eles

achavam que podiam fazer tudo, que era só falar, chamavam 'ei neguinha, vem namorar

que você gosta'.” Esse relato reafirma a ideia de Beatriz Nascimento que “Devido ao

caráter patriarcal e paternalista atribui-se à mulher branca o papel de esposa do homem,

mãe dos seus filhos e dedicada a eles” (NASCIMENTO, 2007, p.103). A mulher negra no

entanto é vista como objeto sexual “uma mulher essencialmente produtora”

(NASCIMENTO, 2007, p.103).

No Quilombo Rio dos Macacos a violência contra as mulheres negras se tornou a

norma durante a ocupação militar da Marinha19. Essas situações são prova de que a

“discriminação de gênero é ampliada pela ou combinada com a discriminação racial, ou

vice-versa” (CRENSHAW, 2002, p.174).

A resistência que tem caracterizado o negro e a negra brasileira nesses mais de

500 anos de opressão faz com que essa comunidade se organize, se associe e consiga

fazer frente ao racismo brasileiro. A luta foi uma opção política para fazer garantir os

direitos legalmente constituídos:

19 Infelizmente, as mulheres que sofreram violência no território não autorizaram a reprodução de seus nomes nesse texto, com medo de serem alvos de represálias.

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A democracia brasileira ainda é um projeto distante, porque não se materializaenquanto realidade para 52% da sua população, constituída de negros e negras,sendo o racismo um elemento estruturante da sociedade e fator que impede ainserção desse enorme contingente na chamada era do desenvolvimento. Nessemomento, quando o Brasil atravessa um círculo virtuoso, engendrando asferramentas para o sonhado projeto de transição de país emergente para paísrico, desenvolvido, a nação é posta frente a frente com a contradição da violaçãode direitos da população negra, grupo identitário maioria no país. (REIS, 2014).

A comunidade quilombola Rio dos Macacos não é a única comunidade negra a se

colocar em enfrentamento com o Estado e com os grupos racistas no Brasil, já que aqui

“(...) quando se trata dos direitos da população negra, destacadamente dos segmentos de

jovens e mulheres, a possibilidade de salvaguarda dos direitos civis está quase sempre

sob ameaça.” (REIS, 2014).

Nesse sentido serão tecidas agora considerações sobre a resistência e o fazer

história quilombola Como disse Beatriz Nascimento: “É tempo de falarmos de nós

mesmos não como 'contribuintes' nem como vítimas de uma formação histórico-social,

mas como participantes desta formação” (NASCIMENTO, 2007, p.101). Essa noção é

fundamental para mantermos coerente a análise do espaço geográfico, pois, como nos

diz Milton Santos “O espaço se dá ao conjunto dos homens que nele se exercem como

um conjunto de virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada

instante, em função da força de cada qual. (SANTOS, 2006, p.215).” Traremos no próximo

capítulo o território da vida dessa comunidade, o território enquanto abrigo. Aqui se

completa o par dialético, os dois campos de ação diferentes, que tão bem firmam esse

relato.

CAPÍTULO 3 - O TERRITÓRIO DA VIDA

Qual eu imito Cristóvão;Esse imortal haitiano,Eia! Imitar o seu povo,Ó meu povo soberano! (Emiliano Manducuru).20

Em contraposição ao território militarizado, que expõe o racismo e a incipiente

democracia brasileira, existe um território que foi construído pelas relações solidárias e

20 Escrita no Recife, fazendo referência a revolta dos escravizados do Haiti, que eliminou boa parte dos haitianos brancos.

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cheio de exigência de vida. É nesse território, carregado de memórias, práticas e

vivências, que os quilombolas de Rio dos Macacos sustentam sua força na luta pelo

território e pelo bem viver.

Ao mesmo tempo em que o meio técnico-científico-informacional avança sobre os

territórios das comunidades tradicionais, ele é confrontado por estas “num processo de

produção de resistências” (ANTONGIOVANNI, 2013, p. 319), conforme afirmou Porto-

Gonçalves (2006). Ao mesmo tempo em que meio provoca a “subalternização” dos

saberes coletivos, aproxima os grupos afetados em torno do objetivo de recuperar ou

reconstruir estes saberes:

A possibilidade da convergência dos momentos trazida por esse meio técnico(SANTOS, 2000a) conectou inúmeros grupos sociais, gerando váriaspossibilidades de articulação. Tal possibilidade de compartilhamento gera umprocesso de conscientização política pela experiência da escassez, tal comodiscute Santos (2000a, p.127). (ANTONGIOVANNI, 2013, p. 321).

A força da liberdade sempre esteve presente na alma do negro brasileiro, mesmo

nos tristes dias de escravidão. Apesar de terem tentado nos fazer acreditar que o

escravizado africano se “acostumou” com as dores da prisão escravocrata, a história

mostra exatamente o contrário. A Revolta dos Búzios de Luiz Gonzaga das Virgens,

Cosme Damião, Inácio Pires e Manuel José de Vera Cruz no final do século XVIII

anunciavam em panfleto: “A liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do

abatimento; a liberdade é a doçura da vida, o descanso do homem com igual paralelo de

uns para outros, a liberdade é o repouso, a bem-aventurança do mundo” (MOURA, 1981,

p.63).

É com essa certeza da necessidade de liberdade que o negro brasileiro vai

participar em parceria com outras classes e camadas sociais das lutas à época, mas

também vai criar o chão social21 para a sua própria resistência. Eis que surge a unidade

fundamental de resistência ao escravismo, o Quilombo:

O quilombo foi, incontestavelmente, a unidade básica de resistência do escravo.Pequeno ou grande, estável ou de vida precária, em qualquer região em queexistia a escravidão, lá se encontrava ele como elemento de desgaste do regimeservil (...) O quilombo não foi, portanto, apenas um fenômeno esporádico.Constituía-se em fato normal dentro da sociedade escravista. (MOURA, 1981, p.87)

21 Clovis Moura lista outras formas de luta dos escravos, são elas a revolta organizada, a insurreição armada,a guerrilha, a participação em outros movimentos.

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A localização dos quilombos variava, porém era muito comum encontrá-los “em

planaltos ou colinas, nas proximidades de rios, ou outros caminhos onde as condições do

sol e de outros astros dão uma sensação de espaço aberto, diríamos oceânica e infinito”

(NASCIMENTO, 2007, p.115). Ao se localizarem nas áreas de fronteiras (geográficas,

demográficas, econômicas e culturais) os quilombos em Angola ou no Brasil buscavam

recompor suas tradições, baseadas na sabedoria dos mais velhos. Essa instituição de

origem angolana pré-diáspora (NASCIMENTO, 2007) teve vários significados, variando de

casa sagrada, instituição em si, território ou campo de guerra (jaga) e até acampamento

de escravos fugitivos.

Os negros brasileiros, em seus quilombos e mocambos, constroem a sociedade

protegida por Oxum e os ogboni, companheiros que visam a coletividade e a sustentação

da família e do modo de vida escolhido pelos negros e negras, dão sustento estratégico a

esta sociedade.

Poderíamos passar horas explanando sobre as revoltas dos quilombolas,

principalmente em conjunto com os povos originários do Brasil como a grande Insurreição

de 1835, dos Nagôs com os índios Tapa de Preta Engrácia, Dandará, Licutã, Sanim,

Belchior e Calafate, ou do grande Quilombo do Urubu (1826), no sítio de Cajazeiras da

negra Zeferina e do Pai Antonio e quem sabe o Quilombo dos Palmares das eternas

Acotirene, Aqualtune, Dandara e do grande Zumbi. Mas trataremos agora das relações

sob o território usado (SANTOS; SILVEIRA, 2005) presentes na comunidade quilombola.

Manteremos porém toda a inspiração à luta dos que vieram antes de nós já que “As

comunidades negras de quilombos trouxeram na sua gênese a intensa resistência que

não ficou restrita ao passado.” (CARVALHO, 2011, p.32)

O Mapa 7 sintetiza os atuais usos da comunidade. Conforme análise de Cordeiro,

Figueirêdo e Polli (2014) os poucos espaços coletivos presentes no território são os

produtivos, incluindo aqui a natureza dos cursos hídricos e da floresta e os de

organização política. No mapa notamos também a presença das gameleiras (figura 11),

testemunhas do genocídio cultural, mas símbolo de resistência atual, já que as gameleiras

no candomblé são consideradas o orixá Irôko e foi através dela que todos os outros orixás

vieram ao mundo. Ao definirmos o território é necessário “levar em conta a

interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o

seu uso, que inclui a ação humana...” (SANTOS; SILVEIRA, 2005, p. 247).

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Mapa 7 – Usos da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos

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Figura 11 – Gameleira ou irôko

Fonte: Cordeiro, Paula Regina; Figueirêdo, Luana; Polli, Leonardo, 2014.

Em Rio dos Macacos, a ação humana possibilitou a resistência de quase 60 anos,

tendo como eixos principais a manutenção da produção local e a organização política.

Infelizmente, no nosso trabalho não entraremos nas táticas utilizadas pela

comunidade, pois estamos em um contexto de conflito territorial e permanente violência

da Marinha. Como disse Dona Olinda “A gente não pode falar tudo por conta das

retaliações”. Sobre a organização, além da presença de roças, apenas um elemento será

explicitado por nós.

Com a perseguição, a comunidade desenvolveu um tipo de produção que

denomina-se de consórcios agroflorestais – prática ancestral já conhecida pela

comunidade. Os consórcios mesclam a existência de culturas produtivas com plantas

nativas. Como exemplo, hoje a plantação de cacau em área de gameleira, no Mirante da

Jaqueira.

Por vezes os consórcios (ver figura 12) garantiram o alimento na mesa dos

quilombolas. Durante articulações dos movimentos e grupos sociais vinculados às

práticas de agricultura familiar e agroecologia, Seu José de Assis, da cooperativa de

agroecologia de Rondônia afirmou que “Não é preciso desmatar para sobreviver. As

florestas são vidas cheias de vidas morando nelas”. Nessa lógica que seu Zezinho

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constantemente lembra que a força que tem nas árvores lhe deu forças para continuar no

território “Toda vez que eu pego nas árvores eu sinto minha família”.

O quilombo Rio dos Macacos, com suas práticas produtivas, se contrapõe ao

modelo agrícola adotado pelo Brasil, baseado na alta concentração de agrotóxicos e no

monocultivo para exportação. A prática produtiva quilombola expressa, ao contrário,

noções de autonomia e diversidade, noções que formam a base social e produtiva da

agroecologia.

Figura 12 – Consórcios Agroflorestais

Fi

Fonte: MMA, PDA, 2006.

Elaboração: Paula Regina, 2014.

As noções de família e de quilombo demonstram o quanto o cotidiano alimenta as

ações políticas comunitárias. A atualidade deste território, “isto é, sua significação real,

advém das ações realizadas”. Não é raro presenciarmos ações de solidariedade entre os

quilombolas. Nesses períodos de convivência sempre notamos a presença de vizinhos,

amigos e parentes dividindo refeições ou ingredientes, ou até nos trabalhos de campo,

quando alguém estava sem bota ou calça rapidamente se providenciava22.

O cotidiano e a proximidade aqui são entendidos a partir da dimensão espacial. A

proximidade, para Mílton Santos, forja relações sociais próprias dos “homens lentos”, “ela

tem que ver com a contiguidade física entre pessoas numa mesma extensão, num mesmo

conjunto de pontos contínuos, vivendo com a intensidade de suas interrelações”

(SANTOS, 2006, 215). Essa intensidade nas relações acaba por forjar as relações de

identidade (e alteridade) presentes no território. Para Santos (2006) é justamente esse

cotidiano comum que potencializa a ação e luta política:

22 Nós, inclusive, fomos muitas vezes socorridas pela solidariedade quilombola.

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50

Pode-se dizer, também, que esse cotidiano homólogo leva a um aumento daeficácia política. (...) Os mesmos interesses criam uma solidariedade ativa,manifestada em formas de expressão comum, gerando, desse modo, uma açãopolítica. (SANTOS, 2006, p.195).

A potência da ação política gerada pelo cotidiano pode ser a chave para entender a

força organizativa e de articulação que tem essa comunidade.

A violência sofrida por Rose Meire e Ednei no início desse ano, foi recebido com

bastante repúdio pela comunidade e seus parceiros. Com sua capilaridade organizativa23,

a comunidade reuniu um conjunto de parceiros e garantiu visibilidade nacional a

agressão.

Outro ocorrido recente foi o assassinato de Moisés, filho de Zezinho. Essa morte foi

encarada com muita dor pelos quilombolas que, em conjunto com os familiares,

organizaram a “Caminhada pela Justiça”, mesclando a dor da morte com a revolta política

que exige o fim do genocídio e extermínio da juventude negra. O contínuo genocídio das

populações negras nos leva a crer que a democracia brasileira só é real para

pouquíssimos setores da sociedade:

A democracia está perdendo seus adeptos. No nosso paiz tudo estáenfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticosfraquíssimos. E tudo que está fraco, morre um dia […] Os políticos sabem que soupoetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê seu povo oprimido (JESUS,2006, p.35).

Esse trecho de Carolina Maria de Jesus descreve o espírito quilombola, o de ânsia

por liberdade coletiva, liberdade do povo, do irmão, do vizinho, de quem é próximo e

constrói coletivamente a identidade.

Essas ações sobre o território permitem a existência atual da comunidade. Não há

quilombo sem território, não há povo sem identidade. É nesse sentido que aqui

estudamos o território do ponto de vista de sua apropriação e uso (pelos quilombolas,

Usina de Aratu e o processo de territorialização da Marinha). Agora, considerando que a

territorialidade humana “pressupõe também a preocupação com o destino, a construção

do futuro” (SANTOS, 2005, p.19) realizaremos uma análise sobre a regularização

fundiária pretendida pelo Estado, tendo como base a publicação do Relatório Técnico de

23 A comunidade possui um número significativo de apoiadores e assessorias, dentre elas destacamos a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais, o Conselho Pastoral dos Pescadores, O Grupo de Pesquisa GeografAR, o Serviço de Assessoria Jurídica da UFBA, uma equipe técnica da UFBA, coletivos culturais e pessoas, que infelizmente não podem ser citadas nesse texto por segurança. Sabemos que outros grupos tiveram atuação dentro do território, mas durante a realização dessa pesquisa não os acessamos.

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Identificação e Delimitação, que nega os 301 ha iniciais, regularizando, em agosto de

2014, apenas 104 hectares (mapa 8).

Mapa 8 – 104, ha regularizados pelo INCRA

Fonte: INCRA, 2014.

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O mapa 8 elaborado pela cartografia do INCRA espacializa os 104 ha publicados

para a regularização fundiária quilombola. Para melhor entendimento, dividimos o

território, tendo a barragem como parâmetro. Ou seja, toda vez que utilizarmos os

referências de posicionamento geográfico, falaremos a partir da localização central da

mesma.

Os 104 ha fragmentam o território em duas glebas: a primeira, na área norte-

noroeste do território, possui 98,2755 ha; a segunda possui 5,8057 ha e está localizada a

sudoeste. A princípio essa proposta ignora e desrespeita a decisão quilombola contrária a

fragmentação territorial. Os quilombolas, porém, não consideram essa possibilidade de

organização territorial enquanto uma proposta.

Como as anteriores, esta espacialização proposta não contempla as necessidades

produtivas, organizacionais e culturais dessa comunidade. As propostas anteriores foram

rejeitadas tendo o critério quantitativo do território como pilar, porém os quilombolas

sempre afirmaram que existe “um Quilombo só” e que sua reprodução econômica

depende dos elementos naturais existentes.

Os 7,5 ha por exemplo (figura 2) além de não possuir relações significativas com os

quilombolas, não suprem as necessidades presentes, nem futuras da comunidade.

Estavam distantes dos cursos hídricos e com grande possibilidade de ser invadida pela

expansão urbana. Os 21 ha também não garantem a reprodução da comunidade. A

proposta de 86 ha foi recebida com raiva pelos quilombolas. Definida como sendo uma:

“Proposta sem graça, [e que] não incorpora todos os quilombolas. Foi muito ruim e deu

pano pra manga. [pois] Ela só contempla metade” Para uma das lideranças: “Foi o

demônio que fez essa proposta para dividir a comunidade”. Com a divulgação quantitativa

dessa proposta, parte da opinião pública, principalmente os meios de comunicação em

massa, se mostra contrária e realizam, sutilmente, campanhas acusando os quilombolas

de intransigência24.

Porém a contraproposta apresentada pela comunidade não foi sequer analisada

“104 ha não fazem sentido nenhum, já que a proposta de 270 ha não foi analisada pela

presidenta Dilma”. Para os quilombolas o raciocínio do INCRA ao publicar o RTID foi o

seguinte: “Eles pediram 270, vamos botar 104, parece que somos abestalhados.”. A

frustração com os órgãos é clara: “Não entendo como a Palmares e o INCRA se

comportaram. O INCRA tinha que ter publicado integralmente”. Outra liderança completa:

24 Ver nota pública da Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos, em anexo.

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“Pessoas do INCRA e da Fundação Palmares sempre fizeram o trabalho sujo por fora, era

pra eles nos defender”.

A atuação do Estado brasileiro fere os direitos dos povos e comunidades

tradicionais, protegidos legalmente pelos arts. 215 e 216 da Constituição Federal da

República, pela Convenção 169 da OIT e pelo Decreto Presidencial 6.040/2007.

O Decreto 6.040/2007 afirma em seu art.68: “Aos remanescentes das comunidades

dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,

devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”. Apesar disso a regularização das

comunidades quilombolas continua enfrentando o racismo institucional, manifestado tanto

no sucateamento dos órgãos públicos do Estado, quanto na ideia de que a questão

quilombola refere-se apenas ao “acesso a terra”. Os números sintetizam a realidade

racista:

Segundo a Fundação Cultural Palmares, órgão responsável pela emissão decertidão de autoidentificação de comunidades quilombolas no País, foram emitidasaté 2013, cerca de 1.318 certificados em todo o Brasil. Na Bahia foram 496comunidades certificadas, num universo de 801 identificadas pelo ProjetoGeografAR. Dados do movimento negro organizado indicam a existêcia de maisde 5.000 comunidades quilombolas em todo o Brasil. (RODRIGUES, 2013).

Na Bahia o número de comunidades que possuem processos abertos no INCRA:

(…) chega a 139, o que representa 28% das certificadas no estado ou 17% dototal identificado no território baiano. Desses 139 processos, 37 estão comRelatórios Técnicos de Identificação e Delimitação publicados, representando 26%do total de procedimentos administrativos em curso ou 7% das comunidadescertificadas no estado. (…) De todo esse complexo quadro, apenas trêscomunidades tiveram seus territórios integralmente titulados até o fim de 2013.(RODRIGUES, 2013).

Esse é o cenário institucional da política de Regularização que incide sobre as

comunidades negras rurais. Para nós esse cenário é um contrassenso e uma violação

dos direitos dos povos indígenas e tribais assegurados pela Convenção 169, que além de

reconhecer a contribuição desses povos à diversidade cultural, exige que os Estados

signatários – como o Brasil – garantam “os direitos humanos fundamentais no mesmo

grau que o restante da população dos Estados onde moram” evitando com que as “leis,

valores, costumes e perspectivas” sofram erosão:

Artigo 2° 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, coma participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática comvistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela suaintegridade. 2. Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros

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54

desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidadesque a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) quepromovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais dessespovos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes etradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povosinteressados a eliminar as diferenças socioeconômicas que possam existir entreos membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, demaneira compatível com suas aspirações e formas de vida. (BRASIL, 2004).

Apesar de avanços institucionais significativos: criação da Secretaria de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), da Secretaria de Promoção da Igualdade do

Estado da Bahia (SEPROMI) e de núcleos quilombolas estaduais. Esses esforços e

avanços institucionais – principalmente pós-decreto 6.040/2007 que institui a Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – estão

indicados no I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, que “tem como objetivo primordial a

salvaguarda a tradição africana preservada no Brasil” (SEPPIR, 2013, pg.12).

Para nós esse plano se configura como a coroação institucional do movimento

negro organizado no sentido de garantir políticas públicas de reparação à população

afrodescendente. Nessa etapa do trabalho analisaremos preliminarmente a viabilidade

produtiva e geracional dos 104 ha publicados pelo INCRA e algumas iniciativas propostas

por esse plano.

O mapa que espacializa os 104 hectares mostra claramente a fragmentação do

território quilombola. Apesar do mapa não ser o território, este traz elementos

fundamentais para a compreensão territorial, ele representa a realidade territorial:

Não podemos perder de vista que um mapa não é o território, mas nos produtosda cartografia estão as melhores possibilidades de representação do queaconteceu, do que está acontecendo e do que poderá acontecer no território.(ANJOS, 2006, 338)

A delimitação realizada pelo INCRA cria dois núcleos populacionais que no futuro

não terão nenhuma possibilidade de existência comunitária, inviabilizando a preservação

das relações de proximidade e do cotidiano. Notem que a hidrografia presente no território

cria uma barreira natural entre as duas glebas, outro elemento segregador é a futura

implantação de fixos (prédios, hospitais etc) da Marinha do Brasil no território. Além do

mais as relações subjetivas engendradas no território não permitem uma relação saudável

de vizinhança dos quilombolas com os navais.

Page 55: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

55

Essa configuração espacial destrói o território étnico desta comunidade. O território

étnico “seria o espaço construído, materializado a partir das referências de identidade e

pertencimento territorial, onde geralmente a sua população tem um traço de origem

comum” (ANJOS, 2006, 339). O “espírito de plena associação” a que tão bem se refere o

anarquista Reclus (2010, p.57), corre o risco de ser substituído pela fragmentação dos

indivíduos isolados, tão próprios do período de crise estrutural do capital (MÉSZÁROS,

2011).

A opção de utilizarmos aqui o termo fragmentação é intencional. A criação desses

núcleos vem no sentido não de uma simples divisão, mas de reduzir Rio dos Macacos a

fragmentos.

Contrário a este destino, os quilombolas afirmam a inviabilidade de residência e do

desenvolvimento familiar em 104 ha; esse valor contraria, inclusive, o tamanho do módulo

fiscal da região. Segundo documento publicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (EMBRAPA), que regulamenta a variação geográfica do tamanho dos

módulos fiscais no Brasil:

O módulo fiscal representa uma unidade de medida instituída pelo INCRA (InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária) para indicação da extensão mínimadas propriedades rurais consideradas áreas produtivas economicamente viáveis, oque depende do município em que cada uma está localizada. (EMBRAPA, 2012).

Se considerarmos o módulo fiscal de Simões Filho de 7 ha e as 67 famílias

cadastradas no RTID, o território ideal para o desenvolvimento do Quilombo Rio dos

Macacos seria de 469 hectares. Ao que parece esse elemento não foi levado em conta

nas propostas de Estado. Como pensar na permanência desta comunidade com a atual

delimitação de 104 ha?

O eixo de territorialidade e cultura do Plano Nacional de Desenvolvimento

Sustentável de Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, traz uma compreensão

muito interessante sobre a centralidade do território na manutenção da vida tradicional:

Os territórios tradicionais compreendidos como os espaços necessários àreprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica são a base daorganização social e da identidade cultural dos povos e comunidades tradicionaisde matriz africana. (SEPPIR, 2013, p. 36).

Ao que nos parece a existência de Plano (e portanto da Política) que estabelece

eixos e linhas gerais de atuação com povos tradicionais de matriz africana não é

Page 56: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

56

suficiente para vencer o racismo institucional do Estado brasileiro, mesmo quando diz

respeito a possibilidade de extinção dos modos quilombolas.

Enfaticamente registramos nas páginas da história que a coesão territorial é de

suma importância para o desenvolvimento pleno do território e do patrimônio cultural

africano na Bahia. A destruição do território étnico dessa comunidade significa a sentença

de morte. Como nos diz Iná Elias de Castro:

O que resulta da fragmentação, como fenômeno desencadeado por um processode fratura ou quebra, é o fragmento, ou seja, uma parte quebrada de, oudeslocada de, uma porção isolada, desunida, desconectada; uma parte incompletaou inacabada. No campo da política, a ideia de fragmentação remete à destruiçãoda unidade (…) (CASTRO, 2013, p. 41).

O processo de destruição do fazer, viver e criar da comunidade só pode ser

analisado em sua totalidade quando consideramos que os 104 ha exclui do território os

mananciais hídricos (mapa 8) e limita a área destinada a produção agrícola, de criação de

animais e extrativista. Essa situação de privação do meio de trabalho fundamental 25, como

vimos, existe no território desde a implantação da Marinha do Brasil. Segundo Rose Meire

“A Marinha não quer deixar nem a gente pescar, nem trabalhar na roça. Eles querem que

a comunidade morra mesmo” (PIRES, 2011). Ao que nos parece o Estado tem atuado no

mesmo sentido ao manter as privações produtivas no território.

25 Para Karl Marx em O Capital “A própria terra é um meio de trabalho, mas, para servir como tal na agricultura, pressupõe toda uma série de outros meios de trabalho e um desenvolvimento relativamente elevado da força de trabalho.”

Page 57: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

57

Mapa 9 - Mananciais Hídricos

Se compararmos o mapa 8 com o mapa acima, que espacializa os cursos hídricos

presentes na comunidade, notamos que a norte encontramos o Rio Seco, conhecido

assim, pois nas propostas era apresentado como um rio permanente porém ao

realizarmos o mapeamento foi confirmada a sua característica de temporário. A leste se

encontra o rio que dá nome à barragem, o Rio dos Macacos – Barroso –, rio principal de

alimentação da barragem. Em sua parte leste este rio se encontra sem poluição aparente

(sem odor, sem cor e utilizado para consumo), já em sua parte oeste este rio se encontra

poluído. Possivelmente o curso hídrico que deságua nele seja o Rio do Barroso , também

muito presente nas histórias dos moradores.

A sudeste encontramos ainda o Rio do Cobre. Ao compararmos os pontos

marcados in locu com os shapes dos cursos hídricos (INCRA) notamos a sobreposição

deste rio com o possível curso do Rio do Barroso, também a sudeste existe um Rio que

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58

não houve correspondência com os shapes, o rio da Jaqueira. O que é certo é que tanto o

Rio do Cobre quanto o Barroso e o da Jaqueira aparecem na memória dos moradores.

Cortando o território no sentido sudeste-sul, existe o Rio do Tanque Velho. Mais

acima localizamos duas lagoas identificadas como Tanque do Óleo, em determinado

trecho não encontramos a presença de água (figura 13), já que a Fábrica Refinol jogava

ali seus dejetos, o que ocasionou o soterramento desta lagoa. O mesmo processo era

previsto para o restante do curso d'água, porém a fábrica veio a falência e a incompletude

da ação é visível no soterramento parcial desta lagoa. À sudoeste do território existe o Rio

do Grilo, que passa por dentro da Vila Naval da Barragem. Por todos os lugares que

encontramos esse rio, ele está poluído; nele são jogados dejetos dos prédios da Vila

Naval da Barragem. Por apresentar odor muito forte e cor escura é apelidado de

“esgotão”.

Figura 13 – Soterramento da Lagoa

Fonte: Cordeiro, Paula Regina; Figueirêdo, Luana; Polli, Leonardo, 2014.

A sul existe uma grande concentração de rios permanentes, são eles os rios da

Saúde (figura 14) e de Guilhermina. Acreditamos que são nomes diferentes dados pelos

quilombolas ao mesmo curso hídrico, localizados em áreas distintas, como podemos ver

no mapa, portanto dotados de identidades próprias. O rio de Guilhermina, por exemplo, se

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59

refere ao manancial presente nas proximidades da casa de Dona Guilhermina e Seu

Augusto.

Figura 14 – Bica do rio da Saúde

Fonte: Cordeiro, Paula Regina; Figueirêdo, Luana, 2014.

Além dos rios permanentes existem também as nascentes de rios e afloramentos

de lençol freático, os rios temporários. O rio temporário mais emblemático no território,

como já citado, é o rio Seco. Existem porém diversas fontes, nascentes distribuídas de

forma equilibrada na área, além das áreas de charco nas proximidades dos cursos

hídricos permanentes e dos lençóis freáticos.

Essa análise inicial nos possibilita afirmar que a Comunidade está inserida em área

com grande presença de mananciais e áreas alagadas, sendo em grande parte

preservados, com exceção dos cursos que sofreram interferência externa (Marinha,

expansão urbana e industrial). Vale ressaltar que a comunidade faz uso sustentável e

consciente dos recursos hídricos a partir de acordos comunitários estabelecidos para a

preservação do meio ambiente.

Esse fator ressalta que, mesmo a partir de um conhecimento informal e popular, a

comunidade entende que para preservar a sua forma de produção e ordenamento do

território, o fator água deve ser levado em conta. Ou seja, privar o acesso à água – como

querem as propostas apresentadas até Novembro de 2014, incluído aqui o RTID de 104

ha publicado pelo INCRA – significa destruir o modo de vida quilombola.

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60

Se voltarmos à comparação inicial entre os mapas notaremos que o único rio

permanente que está incluso nos 104 hectares é o rio do Grilo, que como vimos está

poluído, principalmente nas margens da vila militar.26

A proibição da água tem inúmeros impactos na vida desta comunidade. Se

somarmos a proibição de acesso aos cursos hídricos com a diminuição do território

pleiteado (de 301 ha para 104 ha publicados) notamos um ataque permanente à produção

quilombola, iníciado com a chegada da Marinha do Brasil e tem como coroamento os 104

ha publicados pelo INCRA.

A análise cuidadosa do mapa que espacializa a produção atual dos quilombolas

(mapa 10) mostra que existe uma relação entre os locais de roça com a presença de

água, seja fonte, rio ou charco, tanto que o nome dos mananciais hídricos faz referência

ao agricultor. Essa articulação de terra e água cria territorialidades específicas ao longo

de cursos hídricos contíguos.

26 Divido a autoria dessa análise com Luana Figueriêdo, Arquiteta e Urbanista e Leonardo Polli, Urbanista, que compunham a equipe técnica que prestou assistência técnica à Rio dos Macacos.

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61

Mapa 10 – Espacialização produtiva

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Existe no território a prática produtiva da mariscagem nos manguezais, localizados

principalmente na Baía de Aratu (acesso pelo norte) e da pescaria, tanto no rio quanto no

mar. A pescaria nos rios do Barroso e dos Macacos é lembrada com muita alegria pelos

mais velhos. Ali eles se reuniam para fazer confraternização e a pescaria era

acompanhada pelo espírito familiar e comunitário. Era nos rios também que as mulheres

lavavam roupas para fora, bem como pegavam água para cozinhar os alimentos e para

uso geral da casa. A água utilizada para a rega das plantas era também das fontes, rios e

charcos das proximidades. O mapeamento territorial permite-nos afirmar que a água tem

diversos usos no território, relacionados com a soberania alimentar, a geração de renda e

lazer desta comunidade. Sem água, portanto, não há sustentabilidade para que a vida e a

tradição quilombola da pesca artesanal e de pequena escala sejam mantidas.

Segundo as Diretrizes Voluntárias para assegurar a Pesca de Pequena Escala

sustentável no contexto da Segurança Alimentar e Erradicação da Pobreza, a pesca

artesanal e de pequena escala (PPE)27 “abrange todas as atividades ao longo da cadeia

produtiva – captura, atividades anteriores e posteriores – realizada por homens e

mulheres” (p.4). Nesse contexto a atividade pesqueira é responsável pela subsistência

das famílias quilombolas de Rio dos Macacos. Para essas famílias a pesca e a roça são

os pilares para o bem-estar social e cultural e o desenvolvimento sustentável comunitário.

Segundo as Diretrizes é dever do Estado proteger e garantir acesso aos recursos

pesqueiros: “Os estados devem, conforme o caso, reconhecer e salvaguardar os recursos

públicos que são utilizados e geridos coletivamente, em particular por comunidades de

pescadores de pequena escala” (p. 11). Com a atual regularização fundiária, porém, a

utilização da principal barragem será impedida aos quilombolas (veja que o território ao

norte termina justamente quando começa as áreas inundadas de barragem). A barragem

dos Macacos possui grande importância para a soberania hídrica, para a pesca e para a

preservação do patrimônio cultural dos quilombolas.

A lógica de apropriação das áreas de pesca pelos quilombolas é a do valor de uso,

na qual o pescador garante a sua subsistência. Ao excluir as áreas tradicionais de pesca,

a regularização proposta pelo INCRA destrói a territorialidade e o modo de produzir

quilombola, bem como institucionaliza a fome dentro do território:

Onde existe pobreza nas comunidades de pesca artesanal, é de naturezamultidimensional não sendo só causada pela baixa renda, mas também devido a

27 Texto ainda não publicado.

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63

fatores que impedem o pleno gozo dos direitos humanos, incluindo direitos civis,políticos, econômicos, sociais e culturais. (p.5-6).28

No que se refere à produção agrícola, o mapa traz a espacialização do conflito

fundiário. Nota-se que no núcleo a norte, mais distante da Vila Naval, há maior

concentração de roças no território, isto porque a maior parte das roças e casas (famílias)

foram destruídas durante a construção da Vila Naval e da Barragem e impedidas de

reconstrução. É necessário considerar que junto com as roças foram destruídas as casas

de farinhas – como por exemplo as mapeadas por nós: 050, 104, 151 – do território, os

viveiros de aves. Mas apesar de todas as violências, a produção agrícola persiste no

território.

O território como um todo é composto de vegetação típica da Mata Atlântica do tipo

Ombrófila29 (figura 15), vegetação com grande potencial para extrativismo de Dendê ,

como ocorre no território. Existem alguns locais onde houve degradação do ambiente

vegetal, principalmente nas margens do Rio da saúde (54). Nessa área a vegetação foi

retirada para extração de matéria-prima para a construção da Vila Militar. Outro caso de

desmatamento significativo serviu para a construção do campo de treinamento da

Marinha (figura 16), local que guarda até hoje o registro desse período incomodo na

memória quilombola. Esses casos de desmatamento não dão a tônica do território, já que

são casos isolados e de influência externa. A comunidade de Rio dos Macacos tem

utilizado a natureza local com bastante sabedoria, respeitando os princípios ambientais de

produção sustentável.

28 Texto ainda não publicado.

29 Ombrófila significa amigo da chuva.

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64

Figura 15 – Vegetação densa

Fonte: Cordeiro, Paula Regina; Figueirêdo, Luana, 2014.

Figura 16 – Antigo campo de treinamento da Marinha

Fonte: Cordeiro, Paula Regina; Figueirêdo, Luana, 2014.

A análise do mapa 8 mostra a aptidão agrícola e pesqueira do território. Se não

forem asseguradas políticas públicas que garantam o direito da comunidade à soberania

alimentar e se as restrições de acesso a água e a terra se mantiverem, é provável a

urbanização e a destruição dos modos de fazer, viver, criar e produzir quilombola.30

É necessário encararmos que “O território delimitado compreende a áreas onde a

comunidade vive e a área necessária para a garantia mínima de sua sustentabilidade

econômica, ambiental, social e cultural.” (INCRA, 2014, p. 414). A redução proposta pelo

INCRA fere a soberania alimentar e produtiva dessa comunidade, deixando-a vulnerável

30 Divido a autoria da análise com Luana Figueirêdo e Leonardo Polli.

Page 65: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

65

frente a expansão urbana própria do capitalismo brasileiro, marcado por “quartos de

despejo”31. Fere também os princípios que nortearam toda a política quilombola brasileira.

31 Referência ao livro de Carolina Maria de Jesus.

Page 66: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

66

CONCLUSÃO

Infelizmente vivemos em um país que precisamos desecretarias para provar o que já sabemos: que a terra énossa!(Nega de Ilha de Maré)32.

O negro brasileiro sempre teve os direitos fundamentais negados. Desde seu sequestro

realizado pela expansão europeia, os povos originários da América e África veem seus

territórios sendo possuídos, fragmentados, transformados em recurso para criar e

consolidar um modo de vida ocidental baseado na competição e no acúmulo de riqueza

sob a forma de dinheiro.

Os modos de vida dos diferentes povos africanos foram destruídos, a autonomia e

organização política própria foram desfeitas e reconfiguradas por critérios autoritários. As

religiões, valores e culturas foram fragmentadas e pulverizadas no continente americano.

Os povos originários da América também sofreram nos seus territórios as mazelas da

expansão mercantil. Línguas, tradições, construções políticas foram aprisionadas e

fragmentadas.

Nada mais compreensível do que a presença e aliança desses povos originários

nas lutas e resistências nos períodos que seguem a colonização brasileira. No Brasil há

diversos registros da presença de indígenas em quilombos.

Apesar do mito criado em torno da democracia racial a verdade é que o Brasil,

mesmo depois da extinção da abolição formal da escravatura, permanece um país racista,

no qual o critério cor-raça-etnia é carregado de significância negativa. Quando se trata da

mulher negra, a negatividade extrapola a personalidade em si e se encontra com a

perversão sexual. Se pensarmos, então, em mulheres e homens negros que não aceitam

a submissão perante um dos setores mais racistas e conservadores da sociedade, a

Marinha do Brasil, e que, em contraposição ao desenvolvimento homogêneo do

capitalismo deseja manter a diversidade como parâmetro ao desenvolvimento.

O quilombo Rio dos Macacos é a prova viva de que sem a luta não há garantia de

direitos para os negros. Mesmo quando há luta e corpo legal de apoio, as comunidades

negras rurais têm dificuldades para assegurar a vitória. Na nossa compreensão, desde

2009, o quilombo Rio dos Macacos vem conquistando importantes vitórias, que são

espelhos para inspirar a luta de outras comunidades quilombolas. Temos a certeza de que

futuramente essa história territorial trará diversas lições, tanto do ponto de vista do

32 Representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, em reunião entre o Estado e o Rio dos Macacos

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67

funcionamento do Estado, dos governos e de diversos órgãos; quanto da experiência nos

campos organizativo, político e de articulação.

O quilombo Rio dos Macacos promoveu uma reorganização dentro do Movimento

Negro, já que grupos institucionalizados (governo, universidade, associações, etc) e não

institucionalizados (coletivos, aquilombolados, etc) tiveram que aproximar suas atuações

políticas. Apesar de ainda estarmos no furacão, o símbolo Rio dos Macacos promoveu o

surgimento de uma juventude negra que novamente volta os olhos para a organização

pan-africana, afrocentrada ou simplesmente, negra.

Rio dos Macacos também rearticulou as Universidades da Bahia em torno do

debate quilombola. Não só a Universidade, mas a sociedade de modo geral pôde ter

contato e acompanhar os desdobramentos territoriais ocorridos, graças a massiva

cobertura da mídia, nem sempre favorável aos quilombolas. Durante todo o processo Rio

dos Macacos esteve em teia com várias organizações. Essa articulação foi interessante

não apenas do ponto de vista do apoio à comunidade, mas também da possibilidade de

síntese coletiva tendo como o elemento balizador a garantia do território e soberania

produtiva quilombola.

Um fato importante de fortalecimento da identidade quilombola foi o contato com as

comunidades quilombolas, trazidas, principalmente a partir da articulação com o

Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais da Bahia (MPP). A atuação do

Movimento vai justamente no sentido de congregar a luta dos pescadores (em sua

maioria quilombolas e indígenas) através da garantia e conquista do território. A principal

demanda do MPP é a da Campanha pelo Território Pesqueiro, entendido aqui não

apenas como acesso à terra, mas também como acesso as áreas de pesca e direito à

cultura, educação.

A monografia proposta por nós é a tentativa inicial de sintetizar o processo de

garantia do território até novembro de 2014 do Quilombo Rio dos Macacos. Temos a

certeza de que próximos capítulos deverão ser escritos com maior riqueza de detalhes.

Esses capítulos incluirão novas etapas de conquista e consolidação do território. Sobre o

processo de consolidação do território podemos afirmar desde já que este depende do

acesso aos cursos hídricos do território e as áreas de roça, bem como do acesso

independente às casas, permitindo a livre entrada dos quilombolas em seu território, tudo

isso somado a exigência da liberdade religiosa, cultural quilombola.

Consideramos urgente a abertura de estrada no território. A demora para a sua

construção explicita o descaso e racismo dos órgãos competentes, diante do clamor

Page 68: A militarização do cotidiano e a luta territorial na comunidade

68

quilombola. Para nós, esse é o primeiro sinal concreto de que as negociações com o

Estado brasileiras podem avançar no sentido de beneficiar Rio dos Macacos..

A vinculação ao acesso da Vila Naval da Marinha é um dos principiais

impedimentos para o acesso de direitos e políticas públicas, já que para receberem visitas

de órgãos, os quilombolas precisam de autorização da Marinha do Brasil. Esse fato pode

ser comprovado através de novo esforço frustrado da SEPROMI em discutir políticas

públicas para a comunidade.33

Esperamos que a coragem e a garra com que as comunidades negras conduzem

suas lutas territoriais possam ser sistematizadas e espacializadas por nós, geógrafas.

Dessa forma criaremos novas matrizes metodológicas construídas a partir da sabedoria,

ancestralidade e intelectualidade negra tão bem representada por Yansã.

Além disso, acreditamos ser importante o desenvolvimento de algumas questões

que ficaram em aberto nesse trabalho, como por exemplo: a relação do racismo e

sexismo sofrido pelas mulheres negras e a disputa territorial em curso; a relação da terra

e do território quilombola com a política quilombola. E claro, no futuro, quando o conflito

tiver terminado é necessária uma revisão criteriosa sobre a espacialização e

desdobramentos deste conflito.

33 No último mês a SEPROMI foi ao território no intuito de discutir políticas públicas. Todos os órgãos, porémcolocaram a necessidade de realizar cadastros que seriam impossibilitados sem a existência da estrada. Diante disso, a SEPROMI se comprometeu a realizar esforços para a sua construção. Haveria uma próxima reunião, porém essa foi desmarcada diante da “impossibilidade de definição em relação a estrada. Sobre essa articulação a comunidade afirma que “esse GT aí só serviu para os órgãos tirarem foto e publicar no site”.

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69

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TONET, Ivo. A propósito de “Glosas Críticas”. In: MARX, Karl. Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social” de um prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

ANEXOS

ANEXO I

ASSOCIAÇÃO DOS REMANESCENTES DE QUILOMBO RIO DOS MACACOS

NOTA PÚBLICA

A respeito das informações divulgadas recentemente pela Secretaria Geral da Presidência da República, emseu site ), e pela revista VEJA (Ed. 2373, nº 20) sobre o conflito envolvendo a Marinha do Brasil e oQuilombo Rio dos Macacos, na Bahia, a comunidade, junto com movimentos e organizações que apoiam anossa luta, vêm a público esclarecer que:

(1) A comunidade apresentou na Audiência Pública promovida pelo Ministério Público Federal, no dia 06 demaio, uma proposta que contempla suas reais necessidades e propõe o uso compartilhado da Barragem dosMacacos, além de ceder mais 28 ha do território tradicional reivindicado (301 ha), no entorno da VilaMilitar; a comunidade aguarda o posicionamento oficial do Governo Federal a respeito da proposta.

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(2) A proposta de território apresentada pela Marinha e Governo Federal, na mesma oportunidade, divide oterritório em duas áreas isoladas, sem acesso entre elas; se destina, como consta na nota expedida pelaSecretaria, a apenas 40 famílias e não às 67 identificadas no estudo do INCRA sobre o território; nãocontempla nenhum curso (rios e lagoas) d’água, tampouco o uso compartilhado e sob administração daMarinha da Barragem dos Macacos proposto pela comunidade; retira a maior parte da área agricultável doterritório tradicional quilombola e tem mais da sua metade composta por Áreas de PreservaçãoPermanente.

(3) O Ministério Público Federal, em posicionamento durante a audiência, manifestou preocupação com apostura arbitrária do Juiz da 10ª Vara Federal, Evandro Reimão dos Reis, destacando as ilegalidadescometidas no decurso processual e a flagrante imparcialidade do Juiz, que dificulta ao máximo o direito dedefesa da comunidade (não admitiu uma dezena de recursos) e facilita os encaminhamentos de interesseda Marinha. Por essa razão, o MPF entendeu que a Advocacia Geral da União deve pedir a suspensão doprocesso judicial enquanto se encaminham as tratativas sobre uma possível solução negociada.

(4) A declaração do ministro Gilberto Carvalho sobre a impossibilidade da suspensão do processo nãopossui fundamento legal nem justificativa razoável, considerando que a AGU é parte autora do processo epode propor a suspensão em comum acordo com os quilombolas, que são a parte acionada (art. 265, II, doCódigo de Processo Civil).

(5) Até o presente momento, não foram cumpridos os acordos firmados no final de 2013 sobre a reforma econstrução das casas em risco de desabamento e abertura de estrada para acesso alternativo aoquilombo, sem submeter-se a constrangimentos e violências pela atual passagem por dentro da Vila Militar.

(6) Até o presente momento, apesar da abertura de inquérito logo após a agressão, a Polícia Federal nãoelucidou nem indiciou os militares envolvidos nos fatos ocorridos no dia 06 de janeiro, em que duaslideranças da comunidade foram barbaramente presas e torturadas tão somente pela sua entrada e saídado território pela portaria da Vila Naval.(http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/02/1411074-em-video-militares-agridem-lider-quilombola-que-pediu-ajuda-a-dilma.shtml ; https://www.youtube.com/watch?v=Mo9ks_M0zyk )

(7) Em síntese, a proposta “contempla os interesses dos diversos órgãos federais envolvidos na questão”, deacordo com a nota da Secretaria Geral, mas não contempla a viabilidade e sustentabilidade, presente efutura, da comunidade. Pelo contrário, exclui diversas famílias, dividindo a comunidade em duas ecomprometendo a sua soberania alimentar, num verdadeiro atentado à sua continuidade e reproduçãotanto física quanto cultural. A referida nota também não considera as perdas territoriais da comunidade,que incluem a área da própria Vila Naval, de onde foram expulsas dezenas de famílias e destruídos diversosterreiro de candomblé.

(8) Reafirmamos ser obrigação do Estado Brasileiro a demarcação e titulação do território da comunidade,bem como a garantia do acesso às políticas públicas do Programa Brasil Quilombola, para que não sejapreciso pedir “autorização” a quem quer seja “para construção de um centro comunitário” ou, pior, “pararetomada do plantio e da criação de animais para subsistência”.

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(7) A revista Veja (Ed. 2373, nº 20) publicou nesta semana “reportagem” intitulada “O falso quilombo doministro” (sic), baseada em falsas premissas e acusações sem nenhum lastro na realidade. Não ouviu osquilombolas ou verificaram as informações divulgadas. Mais uma vez a dita revista demonstra seu racismo eo seu comprometimento com as forças conservadoras, ignorando o jornalismo e os fatos, atacando deforma grosseira e criminosa uma comunidade negra que vem sofrendo há décadas com a violação de seusdireitos pelo Estado brasileiro. Rio dos Macacos não se intimidará diante do ataque e tomará as medidasnecessárias para reparar o dano provocado pela matéria.

Simões Filho, 27 de maio de 2014.

ASSOCIAÇÃO DOS REMANESCENTES DO QUILOMBO RIO DOS MACACOS, MOVIMENTO DOS PESCADORESE PESCADORAS (MPP), CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES (CPP), AATR, QUILOMBO XIS – AÇÃOCULTURAL COMUNITÁRIA, CAMPANHA REAJA OU SERÁ MORTA, REAJA OU SERÁ MORTO, NÚCLEO DEASSESSORIA DO SERVIÇO DE APOIO JURÍDICO (SAJU) - UFBA