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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA RODRIGO CUNHA MARTINS JACOB A METÁFORA DA SELEÇÃO NATURAL E SEU USO EM ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA RIO DE JANEIRO Novembro de 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

RODRIGO CUNHA MARTINS JACOB

A METÁFORA DA SELEÇÃO NATURAL E SEU USO EM ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA

RIO DE JANEIRO

Novembro de 2007

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RODRIGO CUNHA MARTINS JACOB

A METÁFORA DA SELEÇÃO NATURAL E SEU USO EM ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Corpo Docente do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia.

Orientadora: Prof. Maria da Graça Derengowski Fonseca

Rio de Janeiro

Novembro de 2007

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Rodrigo Cunha Martins Jacob

A METÁFORA DA SELEÇÃO NATURAL E SEU USO EM ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA

Rio de Janeiro, 29 de novembro de 2007

_________________________________________

Professora Dra. Maria da Graça Derengowski Fonseca (IE/UFRJ) - Orientadora

_________________________________________

Professor Dr. Jaques Kerstenetzky (IE/ UFRJ)

_________________________________________

Professora Dra. Célia de Andrade Lessa Kerstenetzky (UFF)

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AGRADECIMENTOS

À CAPES, pelo apoio financeiro durante o mestrado.

À minha orientadora, professora Maria da Graça Derengowski Fonseca, por tolerar um orientando com idéias completamente sem foco e que é incapaz de assimilar o significado do conceito de “prazo”.

Aos meus pais, por todo o apoio.

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RESUMO

JACOB, Rodrigo Cunha Martins. A Metáfora da Seleção Natural e Seu Uso em Economia Evolucionária. Rio de Janeiro. 2007. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Estudo da aplicação da metáfora da seleção natural por economistas pertencentes à escola evolucionária, do modelo de Alchian (1950) aos modelos modernos baseados no trabalho de Nelson e Winter (1982). Partindo-se de uma revisão bibliográfica das teorias que lidam com a classificação de metáforas e sua relação com progresso científico, identificam-se critérios para avaliação de sistemas analógicos férteis. Esses critérios são então aplicados primeiro em uma análise do modelo de viabilidade de Alchian e o subseqüente debate com Penrose (1952). Em seguida é feita avaliação semelhante sobre os modelos modernos que têm como base a metáfora entre rotinas e genes, identificando omissões e inconsistências nos sistemas de correspondências analógicas montados por esses diversos autores. Constata-se que uma formulação bem-sucedida de um sistema de analogias entre a economia e a seleção natural enfrenta diversas dificuldades de delimitação conceitual, que talvez somente possam ser superadas pelo emprego de conceitos de seleção mais generalizados.

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ABSTRACT

JACOB, Rodrigo Cunha Martins. A Metáfora da Seleção Natural e Seu Uso em Economia Evolucionária. Rio de Janeiro. 2007. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Study of the application of the natural selection metaphor by economists of the Evolutionary School, from the Alchian (1950) model to the modern approaches based on the work of Nelson and Winter (1982). From a review of the theories that deal with the classification of metaphors and their relationship with scientific progress, criteria for the evaluation of fertile analogical systems are identified. These criteria are then applied first on an analysis of the viability model proposed by Alchian and the subsequent debate with Penrose (1952). Afterwards, a similar evaluation is made over the modern models based on the metaphor of routines as genes, identifying inconsistencies and omissions in the analogical correspondence systems built by their various authors. It is argued that the successful formulation of a system of analogies between the economy and natural selection faces several difficulties of conceptual delimitation that could probably be surpassed by the use of more general selection concepts.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................8 1 METÁFORAS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DISCURSO CIENTÍFICO ............12

1.1 Introdução .................................................................................................................12 1.2 O Que São Metáforas, Afinal?..................................................................................14 1.2.1 Classificando Metáforas .......................................................................................17 1.2.1.1 Metáforas Pedagógicas .........................................................................................18 1.2.1.2 Metáforas Heurísticas ...........................................................................................18 1.2.1.3 Metáforas Constitutivas ........................................................................................19 1.2.1.4 Analogias ..............................................................................................................20 1.3 Metáforas e Mudança Teórica ..................................................................................22 1.4 A Armadilha Simbólica: Metáfora vs. Analogia no Pensamento Científico ............26

2 ALCHIAN E SEU MODELO DE ANÁLISE DE VIABILIDADE: O INÍCIO DA ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA...........................................................................................29

2.1 Introdução .................................................................................................................29 2.2 O Modelo ..................................................................................................................30 2.2.1 O Modelo Simplificado ........................................................................................32 2.2.2 O Modelo Ampliado .............................................................................................37 2.3 A Versão de Enke .....................................................................................................43 2.4 A Crítica de Penrose .................................................................................................45 2.4 Observações Finais ...................................................................................................50

3 A METÁFORA DA SELEÇÃO NATURAL E OS MODELOS MODERNOS DE ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA...........................................................................................52

3.1 Nelson e Winter ........................................................................................................52 3.2 Seleção de Subconjuntos e Seleção Darwiniana.......................................................56 3.3 Variação ....................................................................................................................58 3.4 Replicação.................................................................................................................62 3.4.1 A Interação entre Rotinas e Comportamento Efetivo...........................................63 3.5 Interação com o Ambiente ........................................................................................66

CONCLUSÃO ..........................................................................................................................71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ....................................................................................75

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Relações analógicas no modelo de Alchian ..............................................................43 Quadro 1: Requerimentos Sistêmicos para Processos de Seleção Natural...............................55 Figura 2: Seleção de subconjuntos e seleção darwiniana .........................................................57

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INTRODUÇÃO

O uso de metáforas pelos teóricos econômicos é uma constante na história da

disciplina. Desde os primeiros trabalhos, tentou-se encontrar isomorfismos entre o sistema

econômico e sistemas naturais, do movimento dos corpos celestes à dinâmica dos fluidos; da

dinâmica populacional de espécies em um determinado ambiente à seleção natural e à

transmissão de informações a partir do código genético.

Apesar desse fato, graças ao predomínio do pensamento positivista, metáforas e

analogias tiveram por muito tempo sua importância desconsiderada. Embora o apelo à

metáforas seja ubíquo em todos os grandes trabalhos de todas as escolas de pensamento

econômico, ainda hoje predomina entre os economistas a idéia de que o uso de metáforas

diminui a precisão da linguagem, confunde a transmissão da mensagem e que, na medida em

que a disciplina progride como uma ciência formal, deve ser progressivamente removido do

vocabulário dos praticantes.

Esta é porém uma idéia equivocada: reconhece-se hoje a importância das metáforas

como instrumentos cognitivos para a expansão do conhecimento. Identificar o sistema

econômico com outro sistema conhecido não só é um instrumento pedagógico, como estimula

nossas mentes a procurar seus pontos de similaridade e diferença, além de sugerir a escolha

do instrumental para a resolução de novos problemas.

Nos mais de dois séculos desde que a disciplina em sua forma moderna se consolidou,

as referências a fenômenos, processos e sistemas biológicos tem surgido com uma freqüência

tão grande ou maior do que as referências à física.

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É interessante notar porém, que esta influência não se manifestou em um único

sentido: de fato, é freqüente a importação de conceitos econômicos por biólogos, sendo que

em ocasiões esses novos conceitos são posteriormente reimportados pelos economistas.

O insight fundamental de Darwin (1859) tomava a princípio a observação malthusiana

de que organismos se reproduzem geometricamente, porém a população da maioria das

espécies se mantém constante ao longo do tempo. Deriva daí que existe uma competição pela

sobrevivência, tanto entre membros de uma espécie quanto entre membros de espécies

diferentes.

A segunda observação fundamental de Darwin foi que os membros que caracterizam

uma espécie possuem variações em suas propriedades. Ele foi assim capaz de inferir que os

sobreviventes dessa disputa são aqueles exemplares melhor adaptados a seus ambientes – seja

pela capacidade de defesa contra predadores, de resistência climática ou de aquisição de

alimentos e portanto com maior possibilidade de se reproduzirem em maior número. Ao notar

que tais características são transmitidas através das gerações, Darwin pôde concluir que elas

se tornariam mais comuns a cada geração até que estivessem presentes em todos os membros

de uma espécie.

Um ponto crucial da teoria é que a variação ocorra frequentemente e seja “cega” – i.e.

ocorra de forma independente das condições ambientais presentes (HULL et al, 2001).

Darwin não era capaz de fornecer uma explicação para a introdução de variabilidade, nem

para os mecanismos de hereditariedade. Esses componentes da teoria são explicados pela

moderna genética, que fornece um complemento para o arcabouço básico sugerido por

Darwin.

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Existem duas formas de variação genética: uma parte é resultado de mutações em

genes individuais, mas não é suficiente para explicar toda a variedade de formas observada na

natureza. A maior parte da variação, especialmente em organismos capazes de reprodução

sexuada, é resultado de processos de recombinação genética através da permutação

(crossover). A interação dos vários genes entre si e com o ambiente produz uma ampla gama

de fenótipos que são selecionados de acordo com sua contribuição ou prejuízo (fortuitos, vale

destacar) para a sobrevivência e reprodução. Porque só pode selecionar entre aquelas

variantes que já se manifestaram, a seleção natural tende a gerar soluções adaptativas que são

“rápidas e rasteiras” e não aquelas que são ótimos globais (DENNETT, 1998). Como um

organismo não pode contribuir para a evolução da espécie se não sobrevive e se reproduz, a

natureza tende a favorecer adaptações sub-ótimas que se valem de pequenas alterações a partir

das características vigentes. Caso contrário, no tempo que levaria para que uma adaptação

ótima surgisse na população, a espécie poderia já ter sido extinta.

Biólogos evolucionários e filósofos da biologia condensam as condições necessárias

para o funcionamento de processos de seleção natural na existência de replicadores e

interagentes (DAWKINS, 1986; HULL et al, 2001). Um replicador é definido como uma

entidade que passa sua estrutura de forma intacta através de replicações sucessivas. O

exemplo mais óbvio de replicador é o gene. Por sua vez, um interagente é qualquer entidade

que produza replicação diferencial mediante a interação direta como totalidade coerente com

seu ambiente. Organismos fazem o papel de interagentes paradigmáticos na seleção natural. A

entidade que evolui de fato é a linhagem, a série de interagentes conectados por relações de

ancestralidade e descendência. Assim definida, a seleção natural é o processo pelo qual a

extinção e proliferação diferencial de interagentes causa a perpetuação diferencial dos

replicadores relevantes (ROSENBERG, 1994).

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Nos capítulos a seguir, iremos analisar o uso da seleção natural como analogia para o

comportamento do sistema econômico por economistas evolucionários, do modelo de

viabilidade desenvolvido por Armen Alchian (1950) aos modernos modelos inspirados no

trabalho de Nelson e Winter (1982). Antes disso porém, iremos explorar as formas pelas quais

as metáforas influenciam no discurso científico, identificando as formas pelas quais metáforas

transmitem significado, seus diversos tipos e examinando a possibilidade de identificação de

critérios de avaliação de sistemas analógicos capazes de impulsionar a mudança teórica. É

esse o assunto a ser discutido no próximo capítulo.

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1 METÁFORAS E SUA IMPORTÂNCIA NO DISCURSO CIENTÍFICO

[...] the light of humane minds is perspicuous words, but by exact definitions first snuffed, and purged from ambiguity; reason is the pace; increase of science, the way; and the benefit of mankind, the end. And, on the contrary, metaphors, and senseless and ambiguous words are like ignes fatui; and reasoning upon them is wandering amongst innumerable absurdities; and their end, contention and sedition, or contempt. – Hobbes, Leviathan (1651)

1.1 Introdução

Podemos enxergar as metáforas de varias formas: como simples decorações literárias;

como uma ferramenta pedagógica útil; como um princípio central de organização da

linguagem; como uma base fundamental para a argumentação e narrativa. Porém, como

argumentado por Henderson (1994, p. 343), dada esta amplitude de possibilidades, é difícil

imaginar que qualquer lente única empregada para enxergá-las seja capaz de focar todos os

aspectos de seu papel nos argumentos econômicos.

Apesar desse fato, metáforas e analogias tiveram por muito tempo sua importância

desconsiderada no trabalho de economistas que se dedicaram a questões metodológicas.

Embora McCloskey (1983, p. 502) nos lembre que “cada passo do pensamento econômico,

até o pensamento da retórica oficial, é metafórico”, ainda hoje predomina entre os

economistas a idéia de que o uso de metáforas diminui a precisão da linguagem, confunde a

transmissão da mensagem e que, na medida em que a disciplina progride como uma ciência

formal, deve ser progressivamente removido do vocabulário dos praticantes.

Para os positivistas lógicos, que influenciaram profundamente o pensamento desses

autores, a ciência deveria se caracterizar por precisão e a ausência de ambigüidade, e assume-

se que a linguagem da ciência deve ser dessa forma precisa e não-ambígua – em suma, literal.

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Uma noção básica do positivismo era que a realidade poderia ser descrita de forma precisa

através da linguagem numa maneira que fosse clara, não-ambígua e, a princípio, testável. A

realidade deveria ser – e poderia ser – literalmente descritível. Outros usos da linguagem

eram insignificantes pois violavam o critério empiricista de significado.

Para eles, se a existência e o uso de metáforas demandam qualquer explicação, esta

deveria ser em termos de violações das normas lingüísticas. Metáforas caracterizariam a

retórica, não o discurso cientifico. Não passariam de decorações não essenciais e vagas,

apropriadas para os propósitos de políticos e poetas, mas não para os de cientistas, pois o

objetivo da ciência seria construir uma descrição apurada (ou seja,.literal) da realidade física

(ORTONY, 1993, p.1 et seq).

Com o declínio da proeminência do positivismo lógico nos círculos filosóficos, foi

aberto o espaço para uma reavaliação do papel das metáforas no discurso científico. Essa nova

perspectiva foi inicialmente formalizada no livro de Black (1962), em que este defendia a tese

de que metáforas são importantes devido a sua capacidade de prover novas formas de

enxergar o mundo. Nesse sentido, a assim dita linguagem literal pode ser considerada

restritiva demais devido a sua incapacidade de fornecer tais perspectivas. Consequentemente,

abordagens que atribuem à linguagem literal um status privilegiado vis-a-vis seu acesso à

realidade deveriam ser consideradas como fundamentalmente incorretas (ORTONY, loc. cit.).

Esta nova perspectiva aparece em trabalhos de economistas, inicialmente no artigo de

McCloskey (1983) e de forma mais aprofundada no trabalho de Mirowski (1989, 1994), que

analisa (e critica) o papel da metáfora do ramo da física do século XIX conhecido como

energética para o desenvolvimento da economia neoclássica. Embora estes autores tenham

defendido a importância de que os economistas analisem criticamente as metáforas que

informam seu discurso, de maneira geral a reação da maior parte da comunidade pode ser

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resumida pela resposta de Solow (1988 apud KLAMER; LEONARD, 1994, p.21): “So

what?”.1

Este capítulo tentará argumentar que esta indiferença é equivocada: tentaremos

mostrar que as metáforas que escolhemos afetam diretamente como enxergamos os problemas

teóricos a serem resolvidos. Mais, se não examinado, a maneira como o pensamento

metafórico é empregado pode prejudicar o progresso teórico.

1.2 O Que São Metáforas, Afinal?

Aristóteles acreditava que metáforas eram comparações implícitas, baseadas nos

princípios de analogia, uma visão que traduz-se como o que seria, nos tempos atuais, chamada

de teoria comparativa das metáforas. Ele acreditava que seu uso era primariamente

ornamental. No Topica (apud ORTONY, 1993, p. 3) ele argumentava que é necessário ser

cauteloso com relação à ambigüidade e obscuridade inerentes às metáforas, que

frequentemente disfarçam-se como definições.

A visão comparativa propunha que uma metáfora consistiria em uma apresentação de

uma analogia ou similaridade subjacente. No entender de Black (1962), a visão comparativa

exigiria que toda declaração metafórica fosse equivalente a outra na qual algum aspecto

definido de analogia ou similaridade fosse apresentado. Uma comunicação via metáfora bem-

sucedida só seria possível se o receptor compreendesse os mesmos aspectos de analogia ou

similaridade pretendidos pelo transmissor (BOYD, 1993, p. 481).

1 Klamer e Leonard (op. cit., p. 20) propõem que a suspeita da maior parte da comunidade de economistas repousa “na impressão de que metáforas introduzem ambigüidade. A imprecisão criada por significado ambíguo seria aparentemente aceita para poetas, mas anátema para cientistas. Quando McCloskey iguala a economia à poesia porque essa também faz uso de metáforas, economistas de mentalidade científica sentiriam-se ofendidos.”

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A visão comparativa seria um caso especial de uma perspectiva mais geral, que Black

classifica como a perspectiva substitutiva. Segundo esta formulação, toda declaração

metafórica deveria possuir um equivalente literal – ainda que esta fosse mais desajeitada ou

menos decorativa.

Black (1962, 1993) propõe desenvolver sua teoria interativa para metáforas, uma

perspectiva cujas origens podem ser encontradas no trabalho pioneiro de Richards (1936),

mas que foi articulada em detalhes pela primeira vez em Black (1962). Black acredita que

metáforas às vezes funcionam como “instrumentos cognitivos”, uma visão que antecipa a de

Boyd (1993) com relação a seu papel no discurso cientifico.

Da mesma forma que Boyd argumenta que algumas metáforas constituem por si

mesmas teorias científicas, Black argumenta que algumas metáforas nos permitem enxergar

aspectos da realidade que elas mesmas ajudam a constituir. Duas implicações decorrem desse

argumento: a primeira é a idéia de que algo de novo é criado quando uma metáfora é

compreendida. A segunda é que metáforas proporcionam novas maneiras de se enxergar o

mundo. Nas suas palavras:

Why stretch and twist, press and expand, concepts in this way – Why try to see A as metaphorically B, when it is literally not B? Well, because we can do so, conceptual boundaries not being rigid, but elastic and permeable; and because we often need to do so, the available literal resources of the language being insufficient to express our sense of the rich correspondences, interrelations, and analogies of domains conventionally separated; and because metaphorical thought and utterance sometimes embody insight expressible in no other fashion. (BLACK, 1993, p. 33, grifos do autor).

De acordo com a perspectiva “interativa”, uma metáfora não comanda, sugere. Sua

sintaxe (ou estrutura) não revela seu significado pretendido, nem o significado extra-

metafórico de cada um de seus tópicos quando considerados em isolamento. Nem a estrutura

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da metáfora nem a semântica de seus tópicos separados são capazes de dizer quais dimensões

ou conceitos relacionados são desejados.

Como a perspectiva interativa tem grande influência sobre os trabalhos a serem

analisados no resto do capítulo, cabe aqui apresentar um sumário baseado em Black (1993, p.

27-28):

a) uma declaração metafórica possui dois tópicos distintos, identificados como os

tópicos “principal” e “subsidiário”;

b) o tópico subsidiário deve ser encarado como um sistema ao invés de como algo

individual;

c) a declaração metafórica funciona projetando sobre o tópico primário um conjunto

de “implicações associadas”. Este conjunto é denominado de “complexo implicativo”;

d) quem declara uma metáfora seleciona, enfatiza, suprime e organiza características

do tópico primário aplicando sobre este declarações isomórficas aos elementos do complexo

implicativo do tópico secundário;

e) os dois tópicos interagem de três maneiras distintas: a presença do tópico primário

incita o receptor da mensagem a selecionar algumas das propriedades do tópico secundário;

convida ele a construir um complexo implicativo paralelo que possa se adequar ao tópico

primário e; reciprocamente induz mudanças sobre o tópico secundário.

Esta possibilidade de o tópico subsidiário ser modificado reciprocamente pelo

primário é uma das principais - e mais implausíveis, para os defensores da visão convencional

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- características da perspectiva proposta por Black. McCloskey (1983, p. 504) defende da

seguinte maneira essa proposição da visão interativa:

The opposite notion, that ideas and their words are invariant lumps unaltered by combination like bricks, is analogous to believing that an economy is a mere aggregation of Robinson Crusoes. But the point of economics since Smith has been that an island-full of Crusoes trading is different from and often better off than the mere aggregation.

1.2.1 Classificando Metáforas

É possível estudar metáforas a partir de uma abordagem microscópica ou

macroscópica. Na abordagem microscópica, os argumentos e análises tendem a ser baseados

em exemplos os quais as metáforas referem-se a palavras ou sentenças. Por sua vez, a

abordagem macroscópica preocupa-se mais com sistemas de metáforas, ou com modelos

metafóricos ou analógicos.

Nesses casos pode existir um nível de sentença, uma “metáfora-raiz”, mas a ênfase

tende a estar nos sistemas maiores que dela derivam (o “complexo implicativo” na

terminologia de Black). Como estamos mais preocupados com o efeito do uso de metáforas

no discurso dos economistas a serem estudados, a análise neste trabalho irá se preocupar

primariamente com a abordagem macroscópica.

Embora defendamos neste trabalho a importância das metáforas para o discurso

científico, isto não quer dizer que toda metáfora é igualmente importante. Algumas são mais

férteis que outras e existem até mesmo aquelas que, tal como proposto pela visão substitutiva,

podem ser trocadas por expressões literais (ou outras metáforas) sem perda de significado. A

classificação a seguir é baseada nos trabalhos de Boyd (1993) e Klamer e Leonard (1994).

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1.2.1.1 Metáforas Pedagógicas

Muitas metáforas empregadas em economia (ou em qualquer outra ciência) servem

apenas para iluminar ou esclarecer a exposição e poderiam ser facilmente omitidas ou

substituídas sem que isso afete a argumentação em si. Essas metáforas tipicamente fornecem

imagens mentais a partir das quais o leitor (ou espectador) torna-se capaz de visualizar um

conceito complexo.

Metáforas pedagógicas familiares aos economistas incluem o diagrama de fluxo

circular da renda usada por professores de macroeconomia nos cursos introdutórios e termos

usados para facilitar a compreensão de figuras matemáticas tridimensionais quando traduzidas

para o plano bidimensional ('curvas de nível', 'ponto-de-sela').

As metáforas pedagógicas quando empregadas na ciência, funcionam de maneira

similar às metáforas poéticas: seu propósito consiste em trabalhar com o conhecido,

transmutando-o. Talvez por isso, é nesse tipo de metáfora que a maioria dos cientistas pensa

quando o termo é mencionado. Nesse caso, a crença predominante no caráter dispensável e

incidental das metáforas na prática científica não deixa de ser justificada.

1.2.1.2 Metáforas Heurísticas

Algumas metáforas nos ajudam a conceber novas abordagens para problemas

conhecidos, fornecendo uma nova linha para pesquisa futura. A este tipo de metáfora

denominamos metáforas heurísticas.

Metáforas heurísticas são, nesse sentido, crucialmente diferentes de metáforas

pedagógicas. As últimas funcionam ao induzir uma mudança de perspectiva em relação ao

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problema, mas são limitadas em escopo; elas nos ajudam a compreender algum aspecto do

tópico principal. As metáforas heurísticas, por sua vez, servem para catalizar nosso

pensamento, fornecendo novos significados para elementos do tópico principal.

Um exemplo interessante de metáfora heurística popular em economia é o conceito de

'capital humano'. O termo inicialmente tem como função traduzir conceitos de difícil

tratamento econômico (como talento, conhecimento, carisma) para o arcabouço tradicional de

microeconomia. Porém, ao fazê-lo, sugere uma série de novas investigações relacionadas ao

aprofundamento da metáfora. McCloskey ilustra este ponto com a seguinte passagem:

Thought in both fields was improved, labor economics by recognizing that skills, for all their intangibility, arise from abstention from consumption; capital theory by recognizing that skills, for all their lack of capitalization, compete with other investments for a claim to abstention. (McCLOSKEY, 1983, p. 504).

Metáforas heurísticas geralmente não irão revelar de início todas as suas possíveis

elaborações. A vasta literatura surgida a partir do conceito de capital humano vai muito além

do que Theodore Schultz - o economista que inicialmente cunhou o termo - possa ter

imaginado na ocasião.

1.2.1.3 Metáforas Constitutivas

O último tipo de metáfora consiste naquelas as quais nós utilizamos para que

possamos interpretar um mundo que é desconhecido ou mesmo incognicível. Foco de um

importante artigo de Boyd (1993) essas metáforas operam num nível ainda mais fundamental:

elas formam o arcabouço pelo qual o sistema estudado será interpretado. Em economia, a

hipótese mecanicista neoclássica, que enxerga a economia como uma máquina – com um

'mecanismo de preços', 'equilíbrio', 'elasticidades' – forma a principal metáfora constitutiva.

Ela não só fornece o vocabulário a partir do qual as metáforas heurísticas e pedagógicas serão

formadas, ela molda a forma como o problema será percebido. Conforme colocado por Schön,

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(1967, apud KLAMER; LEONARD, 1994, p. 32) “ao discutir a teoria dos genes, o palestrante

pode dizer 'pense nisto, se quiser, como uma espécie de código' quando na verdade ele mesmo

não consegue pensar de outra forma”.

Metáforas constitutivas são a resposta para a questão de onde vêm as metáforas

heurísticas. Uma metáfora deste tipo só será bem-sucedida se for compatível com as

metáforas constitutivas subjacentes à disciplina em questão. Como o pato-coelho de

Wittgenstein, o que nós vemos depende do que nós já conhecemos (ibid., p. 41). Este

conceito, que se assemelha à noção de paradigma proposta por Kuhn (1962) é exposto da

seguinte forma por Klamer e Leonard:

Usually implicit, constitutive metaphors determine what makes sense and what does not; they will determine, among other things, the effectiveness of pedagogical and heuristic metaphors. They are essential to our way of thinking, more so than heuristic metaphors. (KLAMER; LEONARD, 1994, p. 40-41).

1.2.1.4 Analogias

Analogia é uma metáfora prolongada e sistematicamente elaborada, onde um sistema

de relações é ligado a outro. Analogias fazem explícitas as ligações entre os tópicos principal

e subsidiário, especificando apenas algumas correspondências dentre a infinidade de

potenciais associações sugeridas pela metáfora original. Forma assim um mapeamento de

conhecimento de um domínio (o tópico subsidiário) para outro (o principal) de tal forma que

um sistema de relações que opera sobre o tópico subsidiário também o faz sobre o principal.

Analogia detalha aspectos específicos de uma comparação, que outras figuras de

linguagem - tais como símile e metáfora - também realizam, de forma implícita ou explícita.

Um sistema analógico elaborado pode acabar eclipsando sua metáfora fundadora,

obscurecendo seu parentesco conforme cresce em complexidade.

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21

Um exemplo frequentemente citado na literatura é o formulado por Black (1993, p.

29-30) a partir da metáfora “O casamento é um jogo de soma zero”. Essa metáfora tem um

complexo implicativo que pode ser explicitado da forma:

(J1) um jogo é uma “disputa”;

(J2) entre dois oponentes;

(J3) na qual um jogador só pode vencer às custas do outro.

Economistas, familiarizados com teoria dos jogos, poderiam sugerir novas

implicações, tais como:

(J4) uma estratégia “minimax” pode ser considerada racional;

(J5) jogar uma estratégia mista de longo prazo é uma solução possível.

O sistema correspondente de afirmações imputadas ao conceito de casamento depende

fundamentalmente das interpretações feitas a respeito das expressões “disputa”, “oponentes” e

“vencer”. Black oferece como possibilidades:

(C1) um casamento é uma disputa continuada;

(C2) entre dois contestantes;

(C3) na qual as recompensas (poder, dinheiro, satisfação, etc.) de um contestante são

ganhos somente às custas do outro.

De maneira mais generalizada, a relação entre os complexos implicativos J e C pode

ser vista da seguinte forma: J consiste de algumas afirmações, que podemos chamar de Pa,

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22

Qb, ..., aRb, fSd, ..., enquanto C consiste de afirmações correspondentes P’a’, Q’b’, ..., a’R’b’,

f’S’d’, ..., onde P é unicamente correlacionado com P’, a com a’, R com R’ e assim

sucessivamente. Poderíamos dizer assim que esses dois sistemas são isomórficos (tomando

emprestada a expressão matemática) 2, ou que compartilham uma mesma estrutura analógica.

Nesse sentido, J seria um “análogo-modelo” de C. Black propõe dessa forma, que:

Every implication-complex supported by a metaphor’s secondary subject, I now think, is a model of the ascriptions imputed to the primary subject: Every metaphor is the tip of a submerged model. (ibid, p. 30).

1.3 Metáforas e Mudança Teórica

Boyd argumenta que às vezes metáforas são essenciais para o pronunciamento de

novas teorias cientificas. Tais metáforas são classificadas como “constitutivas de teoria”. Ele

concede que essas podem não possuir a precisão lingüística que muitos consideram ser

importante ao discurso cientifico. Porém, tal imprecisão, ele argumenta, é referencial. Não

seria uma característica especial das metáforas no discurso cientifico, mas de termos

referenciais em geral (ORTONY, 1993, p.13-14). Dessa forma, Boyd enxerga o papel das

metáforas na transmissão de novos conceitos científicos como parte de uma teoria mais geral

da referência. Sua teoria é enunciada em termos da capacidade de termos gerais em

proporcionar “acesso epistêmico” para aspectos importantes e interessantes da realidade.

Formalmente, diz-se um termo geral T oferece acesso epistêmico a um tipo k na medida em

que as classes de considerações que poderiam (dado o contexto histórico) ser consideradas

2 Conforme o próprio Black aponta, o termo não pode ser transferido completamente. Ao contrário da concepção matemática de isomorfismo, uma estrutura analógica admite que as relações que correlacionam os termos P a P’, b a b’, etc. não sejam idênticas. Cf. Black, loc. cit.

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23

racionalmente como evidências para proposições envolvendo T são, tipicamente, de forma

apropriada indicativas de características de k.3

Tome por exemplo o conceito de ADN. Nos valendo do testemunho de especialistas,

podemos saber que a molécula de ADN carrega o código genético de mamíferos. Na medida

em que esta seja a única forma de acesso epistêmico a este referente, não é um determinante

central da referência de “ADN”.

O importante é o acesso epistêmico que o termo “ADN” confere ao tipo ADN em

virtude do papel que o termo tem na organização da pesquisa. Existem pelo menos três formas

distintas pelas quais o uso do termo “ADN” torna possível fazer deste um instrumento útil

para a detecção ou descoberta de informações sobre o tipo ADN para a comunidade científica

relevante:

a) seu uso permite que cientistas reportem uns aos outros os resultados de estudos

sobre ADN;

b) permite a articulação justificação, critica, debate e refinamento públicos (a luz de

justificação, crítica, debate e experimentação) de teorias que concernem ao ADN, dessa forma

fazendo com que as tarefas de interpretação dos dados e avaliação de teorias propostas

tornem-se uma atividade social;

c) finalmente, o uso do termo “ADN” torna possível o raciocínio verbal a respeito do

ADN com relação a questões de interpretação de dados, avaliação de teorias, desenho de

experimentos, etc. Isto é, o uso da linguagem torna possível não apenas a formulação de

teorias e a publicação e cooperação em sua avaliação; ela permite que o raciocínio –

3 Para uma discussão mais aprofundada a respeito do termo, ver Boyd, op. cit., p. 507 et seq.

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individual ou público – seja verbal, que este seja articulado em palavras. (BOYD, 1993, p.

505-506).

O artigo de Boyd defende assim que metáforas permitiriam a articulação de novas

idéias, das quais teorias científicas são apenas um caso especial. Elas teriam a capacidade de

introduzir terminologias e modificar o uso de terminologias existentes de forma que

categorias lingüísticas que descreveriam as características causais e explicativas do mundo se

tornariam disponíveis (ibid, p. 483). Esta é uma função que às vezes não poderia ser suprida

pela linguagem literal. Pylyshyn (1993) oferece esta interpretação de maneira mais formal no

seguinte trecho:

Metaphor is seen as simply providing an alternative to ostension for initiating the reference fixing process by which linguistic usage eventually accommodates to the ‘causal structure of the world’. By this account, metaphors are not qualitatively different from other general terms in science.4 (PYLYSHYN, 1993, p. 548).

Kuhn (1993) vê o papel das metáforas como sendo mais extenso que o visto por Boyd.

Este limita sua abordagem às metáforas constitutivas, argumentando que alguns usos de

metáforas nas ciências são puramente exegéticas (por exemplo, a metáfora da estrutura

atômica como um sistema solar em miniatura – uma metáfora pedagógica pela classificação

apresentada anteriormente). Kuhn acredita que até metáforas como esta – onde é suposto que

se conheça exatamente a base de similaridade – requerem o emprego de processos baseados

em metáforas5. Ele argumenta que nós precisamos ainda distinguir entre aqueles aspectos que

são similares e aqueles que não são. Assim, Kuhn quer estender uma abordagem interativa de

4 O termo acomodação se refere aqui a um dos dois processos descritos por Piaget pelos quais nossos modelos mentais lidam com nossas experiências, o outro sendo assimilação. Este último se refere ao processo pelo qual o ambiente é feito acessível cognitivamente através da incorporação de alguns de seus efeitos em sistemas intelectuais estáveis denominados esquemas. Acomodação, por sua vez, se refere à maneira pela qual os próprios esquemas mudam em resposta às demandas do ambiente. Cf. Pylyshyn, op. cit., p. 544. 5 Klamer e Leonard seguem a mesma linha de interpretação como no seguinte trecho: “[...] metaphors make us think by their very nature. When encountering a metaphor, one will, consciously or not, reckon the ’associated commonplaces’ between two apparently unrelated domains that the metaphor connects” (KLAMER; LEONARD, 1994, p. 27)

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metáfora para o uso de modelos em geral; eles não seriam apenas ferramentas heurísticas e

pedagógicas, mas estariam no coração dos processos de mudança e transmissão teórica.

Uma metáfora científica é proposicional: ela somente convida uma investigação

posterior. Ela não pressupõe ou consolida por si mesma as similaridades entre os sujeitos

principal e subsidiário. O trabalho de interpretação persiste. É essa abertura a novos

desdobramentos e falta de rigidez dos conceitos que torna metáforas tão úteis à investigação

científica.

Neste sentido, a tradução literal de uma metáfora importante nunca termina. A esse

respeito (e outros), uma metáfora importante em economia tem a qualidade admirada em uma

metáfora científica bem-sucedida, uma capacidade de surpreender com implicações ainda não

percebidas.

Tanto para Boyd quanto para Kuhn, a necessidade de metáforas repousa em seu papel

em estabelecer ligações entre a linguagem da ciência e o mundo que esta se propõe a explicar.

Ambos os autores concordam em sua reticência em restringir tal função somente à linguagem

literal.

Pylyshyn (1993), embora concordando com o básico da teoria de Boyd, levanta a

questão de como se pode decidir se uma descrição qualquer é metafórica ou literal. Ele

argumenta que muitos exemplos empregados por Boyd (1993, p. 486 et seq.) de termos

metafóricos em psicologia cognitiva são na verdade exemplos de usos literais –

particularmente o conceito de computação6.

6 Um argumento similar é defendido por proponentes do darwinismo universal (HODGSON, 2002; HODGSON; KNUDSEN, 2006c; VROMEN, 2004) que afirmam que a identificação dos mecanismos de variação, replicação e interação com o ambiente é mais uma questão ontológica do que da formulação adequada de uma analogia. Sua posição será examinada mais profundamente no capítulo 3.

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26

Além disso, Pylyshyn preocupa-se com a possibilidade de distinguir entre metáforas

que são poderosas daquelas que se revelam impotentes. Em outras palavras, ele se preocupa

em distinguir entre as que carregam em si explicações e descrições daquelas que não possuem

potencial explicativo, mesmo que estas últimas possam deixar seus protagonistas com um

sentimento “confortável”, ainda que indevido, de que algo foi explicado. Assim, duas

importantes posições emergem do artigo de Pylyshyn: em primeiro lugar, distinguir metáforas

do uso literal da linguagem não é uma tarefa fácil de ser realizada. Em segundo lugar, que o

uso descuidado de metáforas pode trazer mais confusão do que ajudar.

1.4 A Armadilha Simbólica: Metáfora vs. Analogia no Pensamento Científico

Mas será que, seguindo a preocupação de Pylyshyn, seria possível avaliar e separar a

priori metáforas heurísticas ou constitutivas? Gentner e Jeziorski (1993), analisando o papel

das metáforas e analogias na história da ciência ocidental, mostram que diferentes grupos irão

empregar tais comparações de maneiras diferentes e – o que é mais relevante para a presente

discussão – irão adotar diferentes critérios tácitos para considerar válido seu emprego.

Focando sua observação em um período crítico da historia das idéias no Ocidente – os

séculos XVI e XVII – Gentner e Jeziorski comparam os trabalhos de alquimistas com os de

cientistas contemporâneos a eles, mostrando como a adoção de critérios mais estritos de

adoção e emprego de metáforas permitiu que os últimos não ficassem presos no interminável

jogo de manipulação de símbolos como os primeiros.

Os alquimistas abraçavam o uso de metáforas e analogias de forma indiscriminada.

Seu excesso era tanto quantitativo quanto qualitativo: metáforas e analogias dominavam seu

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pensamento, e eram imbuídas de muito poder. Eles não apenas conectavam dois domínios de

forma imprecisa e inconsistente7, como chegavam a confundir analogia com identidade,

acreditando que poderiam manipular os elementos através da manipulação dos símbolos que

os representavam.

Em contraste, cientistas modernos respeitam uma série de regras tácitas para o

emprego de metáforas e analogias, garantindo a preponderância de analogias estruturais sobre

outras formas de metáfora em seu discurso. Gentner e Jeziorski (op. cit., p. 450-452)

identificam 6 princípios do pensamento analógico que o fariam ser considerado válido:

a) consistência estrutural: os tópicos são relacionados em uma correspondência um-

por-um e a função exercida pelos elementos ligados em seus respectivos domínios é a mesma;

b) foco nas relações: comunalidades sistêmicas são preferidas enquanto descrições dos

objetos (cor, textura, forma, etc.) são desprezadas;

c) sistemacidade: dentre todas as interpretações relacionais, aquela com maior

profundidade – i.e, o maior grau de similaridade estrutural – é preferida;

d) associações irrelevantes são desprezadas: somente relações comuns reforçam uma

analogia. Outras associações entre os tópicos são desprezadas;

e) não misturar analogias: a rede de relações a ser mapeada deve ser totalmente

contida em um único tópico subsidiário;

7 A analogia (comum em textos alquimicos) entre elementos da Pedra Filosofal e de um ovo ilustram a forma imprecisa pela qual os alquimistas aplicavam analogias. Um único elemento do tópico subsidiário, como a gema, era ligada a mais de um elemento do tópico principal – o Espírito, enxofre (pela cor) ou ainda (em conjunto com a clara) a carne – sem que uma estrutura comum para o mapeamento fosse estabelecida. Cf. Gentner e Jeziorski, op. cit., p. 464-466.

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f) analogia não é causalidade: a descoberta que um fenômeno é análogo a outro não

implica que um cause o outro8.

É importante perceber que estes seis princípios relacionam-se apenas com a validade

estrutural da analogia; eles nada dizem a respeito do conteúdo empírico de suas inferências.

Qualquer característica do tópico primário inferida a partir do tópico secundário – depois que

uma correspondência é estabelecida entre eles – é apenas uma conjectura, sendo a verificação

do status factual de uma estrutura analógica um processo posterior. Conforme afirmam

Klamer e Leonard:

The mere coinage of a metaphor such as <human capital> does not make science. Science proceeds by taking a fertile metaphor and relentlessly articulating the nature of its subsidiary domains, probing the properties of that terrain, and testing the connections between that domain and the principal domain. (KLAMER; LEONARD, 1994, p. 35, grifo dos autores).

Ainda que nenhum método infalível de avaliação de metáforas seja apresentado na

literatura, os seis princípios delineados por Gentner e Jeziorski oferecem uma boa regra de

bolso. O sucesso da ciência moderna (com sua restrição a metáforas que não analogias

estruturais) em face de disciplinas com critérios menos seletivos de avaliação de metáforas,

mostra que tal escolha não deixa de ser razoável.

Os elementos apresentados neste capitulo informarão nossa análise da aplicação da

metáfora da seleção natural pelos economistas evolucionários. Ao fim de seu artigo,

McCloskey (1983, p. 507) nos lembrava que uma “unexamined metaphor is a substitute for

thinking – which is a recommendation to examine the metaphors, not to attempt the

impossible by banishing them”. É isso que tentaremos fazer nos capítulos a seguir.

8 Porém, a descoberta de relações causais comuns intra-domínios reforça uma estrutura analógica. Uma analogia entre dois tópicos A e B é melhorada se é descoberto que os elementos a’ e a” de A possuem relação causal (a’ causa a”) tal como os elementos b’ e b” de B (b’ causa b”). O problema seria interpretar que, por terem elementos análogos, A causa B.

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2 ALCHIAN E SEU MODELO DE ANÁLISE DE VIABILIDADE: O INÍCIO DA ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA

2.1 Introdução

Nossa análise do emprego da metáfora da seleção natural pelos economistas

evolucionários começa pelo que pode ser considerado o texto-fundador dessa escola de

pensamento: o artigo Uncertainty, Evolution and Economic Theory, de Armen Alchian

(1950). Neste trabalho vemos a primeira aplicação consistente do mecanismo de seleção

natural como metáfora para o funcionamento dos mercados.

De forma similar ao trabalho pioneiro de Darwin (1859), a análise proposta por

Alchian se concentra sobre o processo pelo qual o sistema seleciona os indivíduos mais aptos,

sugerindo apenas hipóteses preliminares para os mecanismos de geração de variedade e

transmissão de características.

Esta abordagem, denominada análise de viabilidade, é revisitada e defendida por Enke

(1951), que propõe o uso conjunto desta forma de análise de forma complementar ao

instrumental marginalista usual, provendo assim informações de ordem qualitativa a respeito

das firmas que povoariam uma indústria frente a mudanças exógenas. Enke defende também

que, em indústrias onde predomina competição intensa, os resultados dos modelos de análise

de viabilidade e de análise marginal seriam os mesmos, estando a vantagem do primeiro na

não-exigência de pressupostos irrealistas a respeito da capacidade cognitiva dos agentes. Em

suas próprias palavras:

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30

The character of the prediction may be the same whether the marginal analysis or the viability analysis is employed, and so the issue may seem rather immaterial; however the language of the former method seems pedagogically and scientifically inferior because it attributes a quite unreasonable degree of omniscience and prescience to entrepreneurs. (ENKE, 1951, p. 573).

Ambos os autores são criticados de forma contundente por Edith Penrose em seu

Biological Analogies In The Theory Of The Firm (1952). Este artigo, e o debate que se seguiu

(ALCHIAN, 1953; ENKE 1953; PENROSE 1953), proporcionam uma boa oportunidade para

observar os equívocos e acertos cometidos pelos participantes com relação ao mecanismo

biológico de seleção natural e – mais importante para nosso trabalho – quanto a formulação e

interpretação deste mecanismo como um análogo ao processo de mercado.

Ao longo deste capítulo, iremos detalhar o modelo proposto por Alchian, explicitando

as relações analógicas deste em relação ao mecanismo de seleção natural. Em seguida, será

estudada a crítica de Penrose à analogia e as respostas de Alchian e Enke, com especial

atenção a forma como a estrutura analógica inicial é alterada.

2.2 O Modelo

Ao formular seu modelo de análise de viabilidade, o objetivo inicial de Alchian era

sugerir uma modificação da análise econômica que incorporasse informação incompleta e

incerteza nas previsões como axiomas. Sua abordagem dispensa o principio da maximização

de lucros e não depende do comportamento individual previsível que é normalmente

assumido nos tratamentos usuais (ALCHIAN, 1950, p. 211).

É interessante notar que o autor sente a necessidade de frisar que seu modelo não

pretende substituir a análise marginal:

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[…] this paper does not argue that purposive objective seeking is absent from reality, nor, on the other hand, does it indorse the familiar notion that action of economic units cannot be expressed within the marginal analysis. (ALCHIAN, 1950, p. 221).

Alchian argumenta que, ao constatar a presença de incerteza, torna-se insustentável

postular que os agentes sejam capazes de formular expectativas corretas com relação ao

ambiente econômico. Sendo assim, “maximização de lucro” perderia seu significado como

um guia para ação dos agentes (ALCHIAN, 1950, p. 212). O argumento repousaria no fato de

que, sob incerteza, cada rumo de ação que pode ser escolhido está relacionado a uma

distribuição de resultados potenciais – ainda que se desconheçam também a própria função de

distribuição de probabilidades associada.

Maximizar os lucros teria de envolver então alguma forma de escolher o rumo de ação

associado a uma distribuição máxima, mas havendo qualquer sobreposição entre as diversas

distribuições, tal busca é sem sentido.

Porém, é importante notar que a impossibilidade de escolher uma distribuição que

garanta lucros máximos não exclui do sistema a existência de um nível de lucros máximo,

associado às condições do mercado (ambiente) e à atuação dos agentes envolvidos. Como

Alchian escreve:

It must be noted that the meanigfulnesss of ‘maximum profits – a realized outcome which is the largest that could be realized from the available actions’ – is perfectly consistent with the meaniglessness of ‘profit maximization’ – a criterion for selecting among alternative lines of action, the potential outcomes of which are describable only as distributions and not as unique amounts. (ibid., p. 212).

Com este fim, ele interpreta inicialmente o sistema econômico como um sistema

adotivo que seleciona dentre ações exploratórias geradas pela busca adaptativa por “sucesso”

ou “lucros”. Da mesma forma que Darwin percebeu que a escassez (no sentido econômico do

termo) de alimentos e/ou parceiros sexuais implicava num processo de competição entre os

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indivíduos de uma mesma espécie, Alchian enxerga os lucros obteníveis em um mercado

como um recurso escasso disputado pelas firmas com o objetivo de continuar existindo.

Neste sentido, e mantendo as implicações sistêmicas da analogia, firmas relativamente

menos eficientes na obtenção de lucros correriam o risco de desaparecerem na medida em que

fossem incapazes de capturar uma parcela do total de lucros possíveis na competição com

seus concorrentes.

Podemos identificar assim como característica-chave da abordagem de Alchian a

substituição dos axiomas de maximização de lucros e informação perfeita, por informação

incompleta, previsão incerta e a adoção de lucros positivos como guia (fraco) para a ação.

2.2.1 O Modelo Simplificado

Na primeira variação do modelo, prevalece a ignorância extrema dos agentes, onde

todo comportamento é aleatório, sem nenhuma racionalidade individual, expectativas ou

motivação. O objetivo seria mostrar que mesmo nesse modelo simplificado, o economista

seria capaz de prever e explicar eventos a partir de uma modificação de seu instrumental de

análise.

O modelo simplificado delinearia desta forma as condições mínimas necessárias para a

observação de processos de adaptação econômicos. Seria parte de uma abordagem em que

elementos que adicionam complexidade ao modelo são progressivamente adicionados e não a

partir da remoção de princípios básicos9.

9 Poderiamos classificar o método defendido por Alchian como um exemplo de pesquisa baseada em gruas e do método alternativo como o de pesquisa baseada em skyhooks. Cf. Dennet (1998, p.76-88) para uma explicação detalhada dessa classificação.

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It is straightforward, if not heuristic, to start with complete uncertainty and nonmotivation and then to add elements of foresight and motivation and then to add elements of foresight and motivation in the process of building an analytical model. The opposite approach, which starts with certainty and unique motivation, must abandon its basic principles as soon as uncertainty and mixed motivations are recognized. (ibid., p. 221).

Um passo fundamental seria a substituição do foco de análise, do comportamento das

firmas individuais para a freqüência de distribuição de características na população de firmas

ao longo do tempo. Esta é a essência do “pensamento populacional”, termo cunhado por Mayr

(1959 apud METCALFE, 1998a, p. 6) para designar o modo de pensamento que viria a

adquirir predominância com a Nova Síntese da teoria evolucionária.

Seu contraponto seria o “essencialismo tipológico”, relacionado a tipos ideais e à

classificação de entidades quanto a existência de características fixas e identificáveis que

constituiriam sua essência. Nesta perspectiva, todas as variações a partir do tipo ideal seriam

acidentais e consideradas como aberrações decorrentes de forças externas10. É exatamente

essa substituição do modo de pensamento que Alchian propõe na seguinte passagem:

There is an alternative method which treats the decisions and criteria dictated by the economic system as more important than those made by the individuals in it. By backing away from the trees – the optimization calculus by individual units – we can better discern the forest of impersonal market forces. (ALCHIAN, op. cit., p. 213).

No “pensamento populacional”, variedade é vista como o estado natural das teorias

evolucionárias, sendo que é a operação das forças de seleção que tende a gerar uniformidade

(METCALFE, loc. cit.). Essa perspectiva toma os momentos estatísticos da distribuição de

características da população – média, variância, covariância e suas taxas de variação ao longo

do tempo – e os utiliza como medidas de direção e velocidade das mudanças evolucionárias

(ibid.).

10 Segundo Hodgson (1993, cap. 3), a falha em substituir o essencialismo tipológico pelo pensamento populacional seria uma das principais fontes de equívocos cometidos por economistas ao interpretarem o processo de seleção natural.

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Os momentos populacionais relevantes são construções teóricas definidas como

funções apropriadas das características de todos os membros da população. As populações

relevantes são, por sua vez, determinadas pela similaridade nos ambientes e pressões seletivas

as quais estão sujeitos seus membros.

Essa mudança de perspectiva também “resgata” o conceito marshalliano de firma

representativa, como o autor ressalta no trecho a seguir:

A “representative firm” is not typical of any one producer but, instead, is a set of statistics summarizing the various “modal” characteristics of the population. Surely this was an intended use of Marshall’s “representative firm”. (ibid, p. 217).

Empregando esta perspective alternativa, o modelo simplificado de Alchian toma os

lucros realizados (e não lucros máximos) como medida de aptidão (fitness) das firmas em

relação ao mercado (ambiente) em que atuam. As formas pelas quais as firmas individuais

atuam e os processos pelos quais estas decidem seus cursos de ação perdem importância para

a análise do desempenho comparado da população das firmas atuantes e da identificação de

características mais ou menos adaptadas.

Realized profits, not maximum profits, are the mark of success and viability. It does not matter through what process of reasoning or motivation such success was achieved. The fact of its accomplishment is sufficient.(…) those who realize positive profits are the survivors; those who suffer losses disappear.[…] As in a race, the award goes to the relatively fastest, even if all the competitors loaf. (ibid., p. 213, grifos do autor).

O modelo simplificado é totalmente determinado pelo acaso. A dinâmica depende da

existência de uma ou mais firmas capazes de obter lucros positivos em cada uma das

condições ambientais apresentadas. Ainda assim, se tal condição for satisfeita a evolução do

modelo torna-se determinável. Alchian faz questão de mostrar que a determinação do peso

relativo do fator sorte (em contraponto à volição dos agentes) no processo de evolução de uma

indústria é uma questão empírica que não pode ser resolvida a priori. Escreve ele:

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35

Collective and individual behavior does not per se imply a nihilistic theory incapable of yielding reliable predictions and explanations; nor does it imply a world lacking in order and apparent direction. […]Suppose that some business had been operating for one hundred years. Should one rule out luck and chance as the essence of the factors producing the long-term survival of the enterprise? No inference whatever can be drawn until the number of original participants is known; and even then one must know the size risk and frequency of each commitment.(ibid., p. 215).

Alchian faz uso de um exemplo simples para ilustrar como um modelo com agentes

completamente ignorantes11 pode gerar resultados previsíveis e regulares – com o sistema

econômico “direcionando” recursos de forma impessoal. Ele nos pede que imaginemos uma

situação em que milhares de viajantes partem de uma cidade selecionando suas rotas de

viagem de forma completamente aleatória e sem qualquer capacidade de antecipação.

Somente um observador externo (o “economista”) sabe que apenas uma das rodovias possui

postos de gasolina funcionando. O economista seria assim capaz de afirmar categoricamente

que os viajantes continuariam a percorrer somente aquela estrada, já que todos aqueles

viajando pelas outras rotas iriam ficar eventualmente sem combustível.

Para outros observadores externos, não-familiarizados com o pressuposto de

ignorância dos agentes, os viajantes que finalmente conseguissem chegar ao destino poderiam

ser vistos como sábios, eficientes ou previdentes, quando na verdade teriam apenas tido sorte.

Se os postos de gasolina fossem então movidos para uma outra estrada, um novo padrão de

viagem seria observado e um outro conjunto de viajantes chegaria ao destino – e seriam então

laudados da mesma forma pelos observadores desinformados. Nas palavras do próprio

Alchian:

11 Isto pode significar tanto que os agentes não possusem nenhuma informação a respeito do mercado onde atuam, ou que não possusem nenhuma noção de racionalidade guiando suas ações.

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The really possible paths have changed with the changing environment. All that is needed is a set of varied, risk-taking (adoptable) travelers. The correct direction of travel will be established. As circumstances (economic environment) change, the analyst (economist) can select the types of participants (firms) that will now become successful; he may also be able to diagnose the conditions most conductive to a greater probability of survival. (ibid., p. 214-215).

O problema é que “a set of varied, risk-taking travelers” é uma suposição bastante

forte, especialmente quando se deixa o exemplo e tenta-se aplicar o modelo a uma indústria

com uma estrutura próxima ao que se encontra na realidade. É uma forma de garantir

exogenamente que o processo terá um resultado previsível.

Como esse modelo simplificado de chance extrema não possui nenhum mecanismo

que garanta a entrada de novas firmas disputando os lucros do mercado em questão – i.e., não

há nenhum mecanismo que gere aumento da população de indivíduos disputando os recursos

– a probabilidade de que alguma firma seja capaz de sobreviver a uma dada mudança no

mercado diminui progressivamente: firmas mal-adaptadas são descartadas e não são

substituídas.

Para que a analogia com o mecanismo de seleção natural possa funcionar

continuamente, é preciso que as firmas que faliram por não estarem adaptadas às condições de

mercado sejam substituídas por outras, que por um lado garantem a pressão competitiva sobre

as firmas sobreviventes e, mais importante, permitem que o sistema continue a ter uma

população diversificada, o que por sua vez possibilita que a probabilidade de sobrevivência da

indústria não diminua a cada geração. Da mesma forma que o mecanismo biológico de

seleção natural nunca funcionaria se os organismos não se reproduzissem, podemos dizer que

o modelo simplificado de Alchian só não se esgota se forem feitas suposições bastante fortes a

respeito da entrada de novas firmas e da quantidade e intensidade das mudanças nas

condições do mercado.

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37

A não existência de um operador de variabilidade limita o modelo simplificado de

Alchian. É preciso um mecanismo que garanta o surgimento contínuo de novos indivíduos

(firmas) com diferenças entre si para gerar um processo de adaptação sustentado. Caso

contrário, a permanência de adaptações de sucesso se torna muito dependente do sucesso de

adaptações passadas, devido à diminuição progressiva da população de indivíduos. Como

descrito, o modelo simplificado é análogo funcional de apenas metade do mecanismo de

seleção natural. Por esse motivo, o processo de seleção descrito torna-se um exemplo de

seleção de subconjuntos12 (PRICE, 1995), onde “lucros não-negativos” é o critério de

eliminação de elementos do conjunto inicial.

2.2.2 O Modelo Ampliado

O passo seguinte de Alchian é introduzir no modelo um tipo de motivação individual

baseada na prevalência de incerteza e informação incompleta. Comportamento adaptativo,

imitativo e baseado em tentativa-e-erro é adotado em busca de “lucros positivos” – em

oposição à busca pela maximização de lucros da abordagem neoclássica padrão.

Embora reconhecendo que os objetivos que motivam a atividade econômica são

variados e até mesmo conflitantes, Alchian se restringe a adicionar ao modelo a motivação

por obter lucros positivos. Pelos motivos já apresentados anteriormente, na presença de

incerteza, qualquer implicação de maximização de lucros seria enganosa. Supor que com

competição perfeita, todas as firmas sobreviventes seriam maximizadoras e que, portanto, não

haveria diferença em se adotar o principio de maximização de lucros, obscureceria a

compreensão do funcionamento do sistema em favor de um axioma implausível (ALCHIAN,

1950, p. 217).

12 Esse conceito é examinado de forma mais aprofundada no capítulo 3, a seguir.

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A busca por lucros positivos num ambiente de incerteza é a forma pela qual Alchian

tenta introduzir fontes de variabilidade endógenas em seu modelo. Ele argumenta que, sem

informação completa, comportamento adaptativo, imitativo e baseado em tentativa-e-erro são

escolhas racionais. Ou como ele coloca:

[...] the pervasive effects of uncertainty prevent the ascertainment of actions which are supposed to be optimal in achieving profits. Now the consequence of this is that modes of behavior replace optimum conditions as guiding rules of action. (ibid., 218).

Sempre que firmas bem-sucedidas fossem observadas, os elementos comuns a esses

casos de sucesso seriam associados a ações bem-sucedidas e copiadas por outros em sua

própria busca por lucros. Surgiriam aí práticas baseadas em convenção – markups,

contabilidade ‘ortodoxa’, etc. – que, embora parecendo à primeira vista tradições sem base

racional, representariam na realidade a adoção de regras imitativas coerentes com um

ambiente onde predomina a incerteza. As razões para a adoção de comportamentos imitativos

incluiriam, segundo Alchian:

a)a ausência de um critério identificável para a tomada de decisão;

b) a variabilidade do ambiente;

c) a percepção de que superioridade com relação aos competidores é crucial;

d) a multiplicidade de fatores que demandam atenção e escolha (e a incerteza atrelada

a todos esses fatores e resultados);

e) a não-disponibilidade de processos baseados em tentativa-e-erro convergindo a um

equilíbrio ótimo (ibid., p. 218).

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Alchian ressalta também que o esforço de imitação pode levar ao surgimento de ações

inovadoras, na medida em que a interpretação de um agente A sobre o comportamento de um

agente B depende das características possuídas por A13. Ou em suas palavras:

[...] there are those who, in their imperfect attempt to imitate others unconsciously innovate by unwittingly acquiring some unexpected or unsought unique attributes which under the prevailing circumstances prove partly responsible for the success. (ALCHIAN, 1950, p. 218-219).

Embora pareça a princípio trivial, o aprendizado por imitação requer a construção de

um modelo mental do agente ao qual se pretende imitar, de forma que seja possível distinguir

dentre suas ações aquelas que são necessárias ao cumprimento do objetivo que se pretende

alcançar daquelas que são meramente incidentais14. O processo envolve assim a avaliação

subjetiva (e portanto dependente do conhecimento e características já possuídos pelo

imitador) das ações do agente a ser imitado, abrindo espaço para inovações potenciais.

Trazendo de volta a discussão da relação analógica entre o modelo de Alchian e o

mecanismo de seleção natural, o processo de imitação aparece de forma análoga à

recombinação genética. Ele permite a difusão de práticas bem-sucedidas pela população de

firmas, da mesma forma que a reprodução sexuada aumenta a freqüência estatística de genes

bem-adaptados na população de indivíduos. Note-se, porém, que a analogia funcional não é

completa: na recombinação genética, os cromossomos dos dois pais são combinados,

produzindo uma geração híbrida. Na segunda geração, a população seria composta então

pelos indivíduos iniciais (que chamaremos de A, B, C,...) e seus filhos (ab, ab, ab, cd,...)

No processo de imitação do modelo de Alchian, por sua vez, características de uma

firma são transferidas para a(s) firma(s) imitadora(s), tornando estas hibridas, mas mantendo o

13 Essa questão ressurge no debate recente entre Hodgson e Knudsen (2006a, 2007) e Nelson (2007) sobre a natureza do conceito de rotina e a pertinência do Lamarckismo para explicações evolucionarias em economia. Os detalhes específicos desse debate serão tratados no próximo capítulo. 14 Pinker (2002, p. 60-63) oferece um panorama acessível dessa habilidade – conhecida como psicologia intuitiva ou teoria de mente – e de sua importância para processos de aprendizado por imitação.

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tamanho da população original, ou seja, uma população (A, B, C,...) se converteria em (A, ba,

ca,...).

O segundo tipo de comportamento adaptativo analisado por Alchian envolve

processos de tentativa-e-erro. Esse tipo de processo também já era usado para justificar a

viabilidade do princípio de maximização de lucros onde, por tentativa e a subseqüente

obtenção de sucesso ou falha, ações mais apropriadas poderiam ser selecionadas de tal forma

que fosse possível convergir para um limite de equilíbrio com lucros máximos.

Porém, pelo menos três condições seriam necessárias para que tal processo garantisse

a convergência: em primeiro lugar, teria de ser possível avaliar uma determinada experiência

como sendo bem sucedida ou fracassada. Num ambiente estático, essa avaliação seria

relativamente simples: se uma determinada firma melhora sua lucratividade, então o novo

plano adotado seria melhor que o anterior e por modificações marginais seria possível avançar

até o ótimo local.

A segunda condição apontada por Alchian é que na função lucro, todo máximo local

deveria ser global. A existência de máximos locais interromperia o processo, já que na

heurística simples de tentativa e erro por ele proposta, qualquer modificação que levasse a

uma queda nos lucros seria descartada. Como todos os pontos da vizinhança de um máximo

local têm valor menor que este, o processo seria interrompido.

Esta segunda condição deixa de ser necessária caso o mecanismo de tentativa e erro

seja mais sofisticado. Se for introduzida na heurística uma probabilidade não-nula de que

ações correspondentes a valores menores de lucro sejam aceitas, então pode ser possível

ultrapassar os “vales” e prosseguir até que o máximo global seja atingido. Esta estratégia é de

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fato adotada por alguns algoritmos de busca modernos baseados em desvios aleatórios a partir

de uma solução provisória15.

A terceira condição de convergência seria a estabilidade do ambiente. Num ambiente

em constante mudança de parâmetros, não seria possível comparar os resultados de diferentes

ações alternativas. Dessa forma, a escolha das ações melhor adaptadas seria impossível.

Embora Alchian sustente que o processo de tentativa-e-erro adotado por firmas em

ambientes incertos é um análogo das mutações genéticas na biologia, a relação funcional só é

completa caso uma variação mais sofisticada do processo, que permita a eventual adoção de

uma ação inferior, for empregada. Isso está relacionado com o fato de que no caso biológico,

o espaço de busca frequentemente contém máximos locais, o que inviabilizaria a existência a

longo prazo de um mecanismo que descartasse imediatamente qualquer mutação que levasse a

perda de adaptabilidade.

A eventual persistência de mutações deletérias, ainda que transitórias, também permite

que o mecanismo de seleção natural continue operando mesmo no caso de um ambiente com

certo grau de alteração. Num ambiente suficientemente instável, por sua vez, a seleção

degenera-se a um processo de passeio aleatório. Nesse caso, os processos de mutação e

crossover tornam-se incapazes de afetar a freqüência relativa de genes na população de forma

que a aptidão média cresça.

Em conclusão, o modelo ampliado proposto por Alchian resolve apenas alguns dos

problemas aparentes em seu modelo simplificado. Nenhum mecanismo que garanta a entrada

contínua de novas firmas na indústria é oferecida. Pelo contrário, na prevalência de incerteza

15 Pode-se demonstrar que alguns desses métodos (como simulated annealing) são capazes de encontrar o máximo global de um determinado espaço de busca não-convexo, ainda que o tempo de busca se aproxime do infinito. Vide por exemplo Kirkpatrick et al (1983).

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e com a adoção por parte das firmas de comportamentos imitativos e de tentativa-e-erro em

substituição à maximização de lucros, a justificativa neoclássica usual – segundo a qual, com

a diminuição da competição numa determinada indústria, a elevação dos lucros potenciais

atrai capitais de outros setores da economia – também torna-se inverossímil. Como o processo

de adoção não garante a convergência para o lucro ótimo, é possível que numa indústria com

população de firmas reduzida, as sobreviventes não estejam obtendo lucros extraordinários

para a economia. Ainda que a sinalização esteja ocorrendo, a ignorância dos agentes atuando

em outros mercados pode servir como barreira contra a migração de capital.

Embora o autor afirme que “the economic counterparts of genetic heredity, mutations

and natural selection are imitation, innovation, and positive profits” a analogia funcional entre

esses conceitos não é completa. Elementos-chave do tópico subsidiário, necessários para o

funcionamento contínuo do processo de seleção natural em seu domínio original, não são

ligados a elementos do tópico principal. A hereditariedade genética é dissociada do

mecanismo de reprodução quando ligada à imitação e nenhum análogo para este último é

proposto. O operador de mutação, por sua vez, é ligado a uma heurística baseada em

tentativa-e-erro que sempre descarta soluções inferiores à solução provisória, perdendo dessa

forma a capacidade de superar “vales” no espaço de objetivos. A figura a seguir ilustra as

correspondências funcionais estabelecidas entre os diversos elementos dos tópicos subsidiário

e principal.

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Figura 1: Relações analógicas no modelo de Alchian

2.3 A Versão de Enke

Em seu artigo On Maximizing Profits: A Distinction Between Chamberlain and

Robinson (1951), Stephen Enke defende sua própria interpretação do modelo de viabilidade

de Alchian como um instrumento complementar à análise marginalista tradicional. Ele se vale

do modelo simplificado para prever comportamento agregado de longo prazo numa indústria

com forte concorrência.

Porém, ao tentar fazer do modelo de Alchian uma ferramenta capaz de realizar

previsões acuradas de longo prazo, Enke insere algumas suposições adicionais ao modelo que

acabam por torná-lo menos complexo e mais rígido. É assim que ele descreve a análise de

viabilidade:

A firm’s survival depends usually upon its ability to escape negative profits. If there is no competition, a great many policies – all ‘good’ but only one

Seleção Natural Sistema Econômico

Aptidão

Reprodução

Hereditariedade

Replicação Imitação

Lucros Positivos

Mutações

Processos de tentativa-e-erro

Fonte: Elaboração Própria

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‘best’ – will permit an isolated monopoly to survive; the fact that such a firm exist is no reason to supposing that it is securing maximum profits. However, if there is intense competition, all policies save the ‘best’ may result in negative profits, and in time elimination; then firms that survive must, through some combination of good luck or good management, have happened upon optimum policies. If environmental conditions are such that surviving and competing firms earn zero profits, we can often assume that they are securing maximum profits: it may then be justifiable to pretend that these firms cleverly and deliberately equated marginal revenue and marginal costs in all the various dimensions. However, this ‘as if’ approach can only be validly used for the special case of intense competition in the long run. (ENKE, 1951, p. 571).

No conceito de competição intensa que Enke usa, já está implícito que as firmas

maximizam seus lucros, de outra forma não seria possível dizer que a única possibilidade de

obtenção de lucros não negativos seria obtendo lucro zero. É impossível dizer qualquer coisa

mais precisa a respeito do lucro máximo possível do que notar que este não pode ser maior ou

igual ao lucro máximo de monopólio numa indústria, se não se assume que as firmas

maximizam seus lucros.

Mesmo adotando a perspectiva de longo prazo, a idéia de que as firmas que

sobrevivem por todo o período teriam lucro zero só se sustenta se for assumido que existem

infinitas firmas “bem-adaptadas” atuando na indústria.

Enke quase percebe o problema na passagem seguinte, mas o restringe ao caso em que

o ambiente se altera constantemente:

Unfortunately, as is well known, long-run equilibrium is in practice never attained. The processes of long-run adjustment are always being interrupted, before their work has been completed, by some new autonomous event. This has important repercussions. It means that maximum possible profits of the moment may be far in excess of zero profits. It means that the essential condition of continued survival becomes the earning not of maximum profits (including the case of zero profits), but of zero or positive profits (including submaximum profits). Moreover, it means that the firms that exist at any moment will include both those that are destined to survive and those that are not. Hence the economist cannot proceed to predict actual aggregate behavior, even for those firms that will survive, as if each one arranged its affairs according to the precepts of marginal analysis. If the environment is changing rapidly and unexpectedly, some poorly managed firms will survive and some well managed firms will expire. (ibid., p. 571-572)

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Até mesmo no caso de um ambiente relativamente estável, é impossível determinar a

priori a estrutura que predominará na indústria se não for incorporado ao modelo um operador

de hereditariedade (imitação). Sem tal operador, a estrutura final de uma indústria dependerá

não só da existência de firmas cujo comportamento permite a obtenção de lucros positivos

naquele ambiente quanto da quantidade firmas concorrentes com comportamentos

suficientemente similares.

Sem assumir que “competição intensa” significa que as firmas de uma indústria

maximizam lucros, não há nada que impeça uma situação em que várias firmas sobrevivam

mas com níveis de lucratividade diferentes entre si. De novo, tudo o que pode ser dito sobre as

firmas que sobrevivem no longo prazo é que seus lucros são não-negativos e o somatório de

lucros obtidos por todas as firmas da indústria tem de ser menor do que o que seria de um

monopolista maximizador.

2.4 A Crítica de Penrose

A análise de viabilidade é atacada de forma contundente por Edith Penrose. Em dois

artigos (1952, 1953), ela argumenta contra o que seria uma tentativa de “an explanation of

human affairs that does not depend on human motives” (PENROSE, 1952, p. 811-812). A

abordagem proposta por Alchian e Enke faria parte de um conjunto de modelos que

pretenderiam eliminar a volição humana como um determinante do comportamento

econômico das firmas.

Conforme vimos nas sessões anteriores, os objetivos de Alchian eram na verdade bem

menos radicais. Seu propósito em empregar a análise de viabilidade era, em primeiro lugar,

introduzir a incerteza no modelo de dinâmica industrial e, como conseqüência, remover o

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pressuposto inverossímil do comportamento hiper-racional (maximizador de lucros) como

único motor de fenômenos econômicos.

Ainda assim, a crítica de Penrose torna-se pertinente quando foca em dois pontos: a

suposta capacidade de previsão do modelo de Alchian e a falta de uma explicação

internamente consistente para a entrada de novas firmas na indústria.

Sua crítica quanto a este último ponto é melhor expressa na seguinte passagem:

If we assume that men act randomly, we cannot explain competition, for there is nothing in the reproductive processes of firms that would ensure that more firms would constantly be created that can survive; and certainly from observations of the real world we can hardly assume that competition is so intense that zero profits will result in the long run or that only the best adapted firms can survive. (PENROSE, 1952, p. 812).

Essa objeção é de forma surpreendente mais pertinente com relação ao modelo

ampliado do que ao modelo simplificado. Ainda que o primeiro sugira uma solução através de

processos de imitação, para que haja incentivo à entrada de novas firmas na indústria, pelo

menos uma das firmas já estabelecidas tem de estar obtendo lucros extraordinários, caso

contrário não haveria nenhum sinal sendo transmitido ao sistema econômico quanto à

possibilidade de lucros naquele mercado.

No caso do modelo simplificado, por sua vez, como o comportamento das firmas é

tomado como aleatório, seria concebível imaginar que entre as alternativas de ação possíveis a

uma firma em um dado momento estaria a diversificação ou migração de capital para outra

indústria.

Simplesmente assumir que haveria uma contínua entrada de novas firmas na indústria

compromete de certa forma o objetivo inicial de Alchian de eliminar suposições implausíveis

de seu modelo. E esta entrada é fundamental para garantir o nível de competitividade

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necessário para produzir os resultados previsíveis desejados por ele e Enke. Como Penrose

bem coloca:

[…] from the evidence at hand one cannot well conclude that a notable characteristic of our economic life is the prevalence of the kind of intense competition required to ensure that firms conforming to the ‘optimum conditions’ of a competitive model have a higher probability of survival than large diversified firms in protected monopolistic positions.(PENROSE, 1953, p. 605).

Como vimos nas seções anteriores, a falta de um elemento que garanta a entrada

contínua de novas firmas na indústria torna ainda mais frágil a capacidade de previsão da

abordagem de análise de viabilidade, principalmente quando tais previsões se aproximam dos

resultados da abordagem marginalista tradicional. Sem a geração de variabilidade e pressão

competitiva proporcionada pela entrada de novas firmas, não há como se esperar que o

processo de seleção seja nem duradouro nem agressivo o suficiente na eliminação de

comportamentos mal-ajustados para garantir a otimalidade.

O resto de sua crítica concentra-se numa reafirmação da sua posição a respeito da

importância da volição dos agentes para o comportamento das firmas e reflete em grande

parte desavenças semânticas e desacordos quanto a quais elementos do tópico subsidiário (o

mecanismo de seleção natural) deveriam ser aplicados ao tópico principal (a atuação das

firmas numa indústria).

Ao longo do texto Penrose alterna o uso de “best adapted” e “appropriately adapted”

como se estes dois termos fossem sinônimos, mas eles não são. Se a forma de análise proposta

por Alchian é válida, então o que é considerado “apropriadamente adaptado” vai ser definido

por um intervalo de confiança cujo nível de significância é determinado por convenção.

As discordâncias de Penrose quanto a quais elementos da analogia são significativos

aparecem claramente em dois trechos de seu artigo de 1952. É interessante notar que para a

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autora (contra Nelson e Winter), a possibilidade de que a transmissão de características no

caso econômico seja de certa forma lamarckiana inviabilizaria a utilização da analogia do

mecanismo de seleção natural como um todo:

To treat innovations as chance mutations not only obscures their significance, but leaves them essentially unexplained, while to treat them directly as purposive attempts of men to do something makes them far more understandable. To draw an analogy between genetic heredity and the purposive imitation of success is to imply that in biology the characteristics acquired by one generation in adapting to its environment will be transmitted to future generations. This is precisely what does not happen in biological evolution. (PENROSE, 1952, p. 819, grifo do autor).

No trecho seguinte, fica clara a discordância quanto ao conteúdo do complexo

implicativo da analogia: Alchian preocupa-se apenas com as relações funcionais do tópico

subsidiário, enquanto Penrose liga-se a questões essenciais.

[...] innovations are directly related to the environment of firms whereas the biologists tell us that genetic mutations are apparently completely unrelated either to the environment or to the agent inducing the mutation. The biologist cannot explain why mutations take the course they do while the economist, if he can assume with some justification that the activity of firms is induced by a desire for profits, has a plausible partial explanation of innovation.(ibid., p. 815).

Isto é, enquanto Alchian encontra a similaridade entre inovações e mutações genéticas

ao observar a função que estes dois conceitos exercem em seus respectivos domínios, Penrose

atem-se ao fato de que inovações e mutações são causadas por fenômenos distintos. Para

Alchian por outro lado, a natureza dos fenômenos é irrelevante frente à sua correspondência

funcional.

Além disso, a autora parece ter problemas em aceitar o grau de incerteza que é

proposto por Alchian e Enke. Para ela parece ser trivial assumir que, ao constatar uma

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situação insatisfatória, os agentes serão capazes de deduzir uma rota de ação apropriada para

melhorar sua condição:

Once human will and human motivation are recognized as important constituents of the situation, there is no a priori justification for assuming that firms, in their struggle for profits, will not attempt as much as possible to consciously adapt the environment to their own purposes as to adapt themselves to the environment. (PENROSE, 1952, p. 813).

Porém, a simples constatação de que a vontade e motivação são fatores importantes

para explicar as ações humanas não nos garantem nada a respeito de suas possibilidades de

sucesso. Querer realizar uma ação não é condição nem necessária nem suficiente para realizá-

la de fato, por mais que livros de auto-ajuda digam o contrário.

Podemos identificar duas dimensões do conceito de incerteza: a primeira estaria

relacionada a questões como indisponibilidade de informação, informação custosa, etc. Ela

informaria uma perspectiva que enxerga o conhecimento como um fator de produção, que

pode ser precificado e adquirido no mercado.

O conceito de incerteza pode também levar em conta o processo de transformação da

informação em conhecimento – i.e., interpretação e aprendizado. Isto cria toda uma nova série

de fontes de discrepância e falta de coordenação e inviabiliza o tratamento da informação

através do instrumental de análise de oferta e demanda usual.

A crítica de Penrose parece desconsiderar essa dimensão ampliada da incerteza ao

constantemente enfatizar a capacidade dos agentes em alterarem suas ações de forma a

aumentarem seus lucros. A abordagem de Alchian, por sua vez, admite ambas essas

dimensões, sendo inclusive fortalecida pelo emprego da versão mais ampla, já que esta

justifica uma maior variabilidade de ação entre os agentes, mesmo quando em face de um

mesmo ambiente externo.

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2.4 Observações Finais

Embora as críticas de Penrose à analogia tenham sido em parte infundadas e resultado

de desacordos semânticos, ao final do debate nem Alchian nem Enke conseguiram justificar

apropriadamente o suposto poder de previsão do modelo.

Para Alchian, é possível que o economista,usando seu modelo de viabilidade, preveja

de forma qualitativa as características das firmas que sobreviverão numa determinada

industria porque:

[...] individual behavior according to some foresight and motivation does not necessarily imply a collective pattern of behavior that is different from the collective variety of actions associated with a random selection of actions. […] a chance dominated model does not mean that an economist cannot predict or explain or diagnose. With a knowledge of the economy’s realized requisites for survival and by comparison of alternative conditions, he can state what types of firms or behavior relative to other possible types will be more viable, even though the firms themselves may not know the conditions or even try to achieve them by readjusting to the changed situation if they do know the conditions. It is sufficient if all firms are slightly different so that in the new environmental situation, those who have their fixed internal conditions closer to the new, but unknown, optimum position now have a greater probability of survival and growth.(ALCHIAN, 1950, p. 216).

De maneira similar, Enke argumenta que se existir competição suficientemente

intensa16 e se as condições do mercado são tais que o lucro máximo possível é próximo de

zero, então seria possível, dado um ambiente razoavelmente estável, prever o comportamento

médio das firmas que compõem uma indústria no futuro.

O problema, como mostramos anteriormente, é que tais condições não são triviais e

assumir que elas sempre acontecem vai contra o propósito do próprio modelo, qual seja, de

16 Que o autor claramente considera incluir a entrada permanente de novos competidores. Ver a este respeito Enke, 1951, p. 571-572.

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incluir a incerteza na análise econômica sem fazer uso de pressupostos irrealistas. Penrose

revela o problema de forma precisa na passagem a seguir:

The weakness of the traditional analysis in either the short or the long run is associated with the pound of ceteris paribus. It is clear, even from Enke’s example, that viability analysis must use the same pound to exclude all unpredictable actions of firms in response to environmental changes which themselves change the conditions of survival. (PENROSE, 1952, p. 608).

É interessante notar como os próprios defensores da análise de viabilidade foram

capazes de perceber que sua perspectiva poderia ser utilizada alternativamente – e com muito

mais precisão – para explicar a evolução de uma indústria em particular e as características

adquiridas historicamente pelas firmas que a compõem. Ou nas palavras de Alchian:

Even if environmental conditions cannot be forecast, the economist can compare for given alternative potential situations the types of behavior that would have higher probability of viability or adoption. If explanation of past results rather than prediction is the task, the economist can diagnose the particular attributes which were critical in facilitating survival, even though individual participants were not aware of them. (ALCHIAN, 1950, p. 216).

No capítulo seguinte, iremos analisar o emprego da analogia da seleção natural por

parte de autores inspirados pela perspectiva proposta por Alchian. Sua capacidade de explorar

de forma consistente a analogia e de superar as limitações iniciais da análise de viabilidade

serão alguns de nossos principais focos de análise.

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3 A METÁFORA DA SELEÇÃO NATURAL E OS MODELOS MODERNOS DE ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA

3.1 Nelson e Winter

O modelo desenvolvido por Alchian nos anos 50 forma o alicerce dos modelos

evolucionários baseados em seleção natural subseqüentes. O interesse profissional por novos

desenvolvimentos na explicação do processo de mercado a partir de uma analogia com tal

mecanismo teria novo ímpeto 30 anos depois, com a publicação de An Evolutionary Theory of

Economic Change, de Richard Nelson e Sydney Winter (1982).

Nessa obra, os autores desenvolvem e ampliam o modelo de Alchian, incorporando à

analogia mecanismos que tentam explicar a evolução de firmas e indústrias, indo além da

análise de viabilidade com eliminação de firmas não adaptadas pelo mercado.

Nelson e Winter mantêm a correspondência fundamental entre lucratividade e aptidão,

identificando a obtenção de lucros como objetivo e medida de sucesso adaptativo da firma em

relação ao ambiente – i.e. o mercado ao qual ela se insere. Essa analogia funcional primária é

complementada com o desenvolvimento da idéia sugerida por Alchian (1950, p. 218) de tratar

regras e hábitos de comportamento como guias de ação para as firmas frente a uma realidade

permeada de incerteza. Essas regras de comportamento, as rotinas, assumem assim o papel de

análogos do genótipo na seleção econômica.

At any time a firm’s routines define a list of functions that determine […] what a firm does as a function of various external variables (principally market conditions) and internal state variables (for example the firms prevailing stock for machinery or the average profit rate it earned in recent periods). (NELSON; WINTER, 1982, p.16)

A identificação do conceito de rotina permite a Nelson e Winter introduzirem em seu

modelo a distinção entre genótipos e fenótipos. As firmas passam a ser enxergadas assim

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como organizações que materializam a informação codificada nas rotinas, atuando em favor

de sua manutenção e propagação.

Organizational capabilities consist largely of the ability to perform and sustain a set of routines; such routines could be regarded as a highly structured set of “habitual reactions” linking organization members to one another and to the environment. The tendency for such routines to be maintained over time plays in our theory the role that genetic inheritance plays in the theory of biological evolution. (ibid., p. 142)

Dessa forma, o modelo de seleção de Nelson e Winter expande a formulação original

de Alchian introduzindo uma demarcação entre genótipos e fenótipos e oferecendo uma

ampla discussão das formas pelas quais as rotinas interagem entre si e definem o

comportamento das organizações.

Nesse caso, o processo de seleção é baseado em crescimento induzido por lucros. Isto

é, firmas bem-sucedidas obtêm lucros e se expandem. Como Nelson e Winter admitem (2002,

p. 27) esse processo depende de suposições comportamentais auxiliares: como ao nível da

firma, a resposta aos lucros é discricionária, para que haja uma trajetória previsível, é preciso

que em primeiro lugar, aquelas firmas que obtiveram lucros maiores no período t aceitem uma

maior participação no mercado no período seguinte. Em segundo lugar, essa maior

participação tem de envolver uma continuidade comportamental em relação às fontes do

sucesso passado. Caso contrário, nenhuma trajetória previsível é obtida com a transferência de

mais recursos para as firmas bem-adaptadas.

Nelson e Winter resumem assim o funcionamento de seu modelo em relação ao tópico

subsidiário:

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54

The comparative fitness of genotypes (profitability of routines) determines which genotypes (routines) will tend to become predominant over time. However the fitness (profitability) clearly depends on the characteristics of the environment (market prices) confronting the species (collection of firms with similar routines). The environment (price vector) in turn depends, however, on the genotypes (routines) of all the individual organisms (firms) existing at a time – a dependency discussed in the subdiscipline called ecology (market theory). (ibid., p. 160)

Embora autores subseqüentes não tenham necessariamente se valido da totalidade de

correspondências assinaladas por Nelson e Winter, eles geralmente aceitam que a seleção

natural quando aplicada à economia envolve a seleção de sobreviventes em termos do

resultado de disputas competitivas em mercados de produtos (KNUDSEN, 2002, p. 446).

Questionamentos quanto à validade das correspondências lucratividade aptidão e

“conjunto de rotinas”

genótipo aparecem em sua grande maioria em trabalhos críticos da

aplicação da analogia da seleção natural como um todo (e.g. FOSTER, 1997, 2005;

ROSENBERG, 1994).

Uma outra característica comum aos modelos inspirados em Nelson e Winter é a

suposição de que a “seleção natural” funciona mesmo sem a reprodução dos interagentes.

Como tentamos mostrar no capítulo anterior, este problema já surgia nos modelos

desenvolvidos por Alchian. Como Price (1995, p. 390) ressalta, porém, seleção de

subconjuntos (sem replicação) é funcionalmente distinta da seleção natural darwinista.

A preocupação com a construção de uma analogia funcional completa, com

correspondentes econômicos para todas as condições necessárias para o funcionamento da

seleção natural, aparece com os defensores do darwinismo universal (KNUDSEN, 2002;

HODGSON; KNUDSEN, 2002, 2004, 2006a, 2006c; VROMEN, 2004). Essa perspectiva,

inspirada em trabalhos como os de Dawkins (1983) e Dennett (1998) fala de um algoritmo

darwiniano independente de substrato.

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55

O darwinismo universal propõe assim que as três condições estruturais (variação,

replicação e interação com o ambiente) são necessárias e suficientes para gerar um processo

de seleção natural, independente de qual seja o domínio onde estejam atuando. Dessa forma,

para mostrar que a seleção econômica é análoga à seleção natural, “bastaria” encontrar

análogos das três condições no domínio econômico (VROMEN, 2004, p. 225). A definição de

Hull et al. (2001) é exemplar dessa posição:

This much being said, we define selection as repeated cycles of replication, variation and environmental interaction so structured that environmental interaction causes replication to be differential. The net effect is the evolution of the lineages produced by this process. (HULL et al, 2001).

Nesse sentido, Knudsen (2002, p. 449) expande as três condições estruturais e constrói

o seguinte quadro, identificando os requerimentos sistêmicos para um processo de seleção

natural:

Aceitando ou não a posição dos darwinistas universais quanto à suficiência das

condições de variabilidade, replicação e seleção, para que a analogia da seleção natural

satisfaça os critérios para boas analogias cientificas delineados no capitulo 1, é preciso pelo

menos que correspondências funcionais entre os elementos necessários à seleção natural

sejam estabelecidos com fenômenos econômicos (ROSENBERG, 1994, p. 403).

• Unidades de Interação e Replicação • Fontes de Variação •Mecanismos de Transmissão •Especificação de Transformação Sequencial Multiperíodo • Processos de Transformação (relação replicador-interagente) • Mapeamento de replicadores em um conjunto de interagentes •Fontes de Isolamento e Descontinuidade

Fonte: Knudsen, 2002

Quadro 1: Requerimentos Sistêmicos para Processos de Seleção Natural

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56

Dada a impossibilidade de analisarmos individualmente todas as diversas variantes dos

modelos baseados em Nelson e Winter, ao longo deste capitulo, iremos analisar alguns dos

problemas e dificuldades relacionados à identificação dos elementos de replicação, variação e

interação ambiental no domínio econômico. Começaremos com uma discussão mais

aprofundada da distinção entre processos de seleção de subconjuntos e seleção darwiniana.

3.2 Seleção de Subconjuntos e Seleção Darwiniana

Em sua tentativa de formalizar uma teoria geral para processos de seleção, Price (op.

cit.) identifica dois tipos principais: seleção de subconjuntos e seleção darwiniana17. O

primeiro tipo concerne aquelas formas de seleção classicamente entendidas pelo termo antes

da publicação do trabalho de Darwin. Seleção de subconjuntos envolve assim a criação de um

subconjunto de elementos a partir de um conjunto mais amplo, seguindo algum critério bem-

definido. Em outras palavras, a seleção de subconjuntos pode ser definida como um ciclo de

interação com o ambiente e eliminação de entidades de uma população, estruturada de tal

forma que tal interação com o ambiente leve à eliminação diferencial. A evolução nesse caso

acontece porque cada ciclo de seleção de subconjunto elimina variação (HODGSON;

KNUDSEN, 2006b, p. 480).

A seleção darwiniana, por sua vez, envolve uma distinção fundamental, na medida em

que o conjunto de organismos descendentes não é um subconjunto do conjunto inicial. Aqui, a

seleção se dá pela reprodução diferencial dos elementos do conjunto inicial. A variabilidade

da população é mantida através de replicação incompleta e recombinação.

17 Hodgson e Knudsen sugerem os termos seleção generativa (2006b) e seleção de sucessores (2004) em lugar de seleção darwiniana. A fim de evitar confusão na nomenclatura, iremos adotar a terminologia original de Price.

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57

A figura abaixo representa a diferença básica da formação do conjunto posterior nas

duas formas de seleção: à esquerda, temos a seleção de subconjuntos, com a eliminação de

elementos. À direita, seleção darwiniana, com a formação um conjunto posterior composto de

elementos formados a partir da replicação das entidades do conjunto anterior.

Figura 2: Seleção de subconjuntos e seleção darwiniana

A grande maioria dos processos de seleção econômicos descritos por economistas

evolucionários são do tipo de subconjuntos. O mercado seleciona um subconjunto de firmas a

partir de critérios de lucratividade mínima (e.g. ALCHIAN, 1950; NELSON; WINTER,

1982) eliminando variabilidade progressivamente. A manutenção do processo evolucionário

ao longo do tempo depende da inclusão de mecanismos que reabasteçam a população e

mantenham a variabilidade.

Fonte: Price, 1995

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3.3 Variação

Variação é essencial para a operação de processos de seleção. Se não existe variação,

não existem alternativas para serem selecionadas. Ainda assim, a caracterização dos

mecanismos de variação como “aleatórios” ou “cegos” é um dos pontos mais contestados do

processo de seleção natural como analogia para o funcionamento de sistemas econômicos. A

acusação é a de que tomar as variações como aleatórias significaria desprezar o papel da

intencionalidade nas atividades humanas18. Como Hodgson e Knudsen colocam:

A widespread accusation against the Darwinian account of evolution is that it is ‘blind’. More specifically, some authors interpret the alleged ‘blindness’ of Darwinian evolution to mean that it assumes that organisms, including humans, act as if they are fumbling in the dark with little conception of what they are doing or where they are going. (HODGSON; KNUDSEN, 2006c, 11).

Porém, existem diversas outras maneiras pelas quais pode-se dizer que a evolução é

aleatória. Uma das formas pela qual a seleção natural é cega é a mesma pela qual a auto-

organização é cega: resultados específicos não são necessariamente previsíveis

antecipadamente (ibid.), ou em outras palavras, ordem se manifesta sem um planejamento

central. Isso não quer dizer que agentes ou organismos individuais sejam completamente

incapazes de planejar suas ações de alguma forma.

Uma característica metodológica fundamental de abordagens darwinistas é que

explicações a respeito das variações que operam em processos de seleção devem ser

completamente causadas. Há uma preocupação explícita em fundamentar qualquer processo

em suas causas anteriores, sem fazer recurso do que Dennett (1998, p.76-80) chama de

18 e.g. Penrose (1952), Cordes (2006), Dickson (2006), Khalil (2001), Berninghaus et al (2003).

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skyhooks – i.e. suposições exógenas e não-explicadas introduzidas de forma ad-hoc para

“fechar” um modelo.

Quando os defensores da seleção natural afirmam que a variação é “cega” ou

“aleatória”, estão fazendo uso de uma metáfora. Não há nenhum processo de geração de

variabilidade, nem mesmo na seleção natural biológica, que satisfaça o conceito matemático

de “aleatório”19.

Da mesma forma, quando inovações genuínas são lançadas no sistema econômico, é

impossível conhecer sua probabilidade de sucesso ou fracasso a priori. Nesse sentido, todas

as inovações são “cegas” (HODGSON; KNUDSEN, 2002, p. 12). Isso não elimina a

existência ou impede o reconhecimento da importância da capacidade humana de deliberar,

almejar objetivos e planejar metas, mas dissocia dessas disposições a qualidade de condições

suficientes para a obtenção de variações que se provam bem-adaptadas.

De acordo com Hull et al (2001), a origem da condenação ao caráter aleatório das

variações se encontra em grande parte na controvérsia entre os lamarckistas e os darwinistas.

Os críticos da teoria evolucionista darwiniana tenderiam a classificar qualquer desvio das

formas mais simples de herança sob o epíteto de “lamarckiano”. O problema é descobrir se

algumas dessas formas alternativas de herança podem ser consideradas lamarckianas em

qualquer sentido significativo.

A distinção entre transmissão darwiniana ou lamarckiana depende fundamentalmente

da distinção entre genótipo e fenótipo. Lamarckismo implica na herança de características

19 Os mesmos biólogos evolucionários que tão contundentemente defendem o caráter aleatório das mutações são muitas vezes os mesmos que em descobriram alguns dos mecanismos pelos quais as mutações genéticas se afastam da aleatoriedade pura em primeiro lugar, como por exemplo a descoberta de que certas segmentos dos genes da imunoglobulina têm taxas de mutação 1 milhão de vezes mais altas do que a média. Cf. Hull et al, 2001.

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adquiridas. Isso significa que o ambiente modifica o fenótipo de um organismo20 de tal forma

que este se torne melhor adaptado às condições ambientais que produziram essa mudança

fenotípica em primeiro lugar – melhor adaptado do que aqueles organismos que não foram

modificados dessa forma. Essa mudança fenotípica é de alguma forma incorporada ao

genótipo de tal maneira que seja transmitida na reprodução (HULL et al, 2001). A diferença

crítica seria portanto que na visão darwinista, as variações herdadas via genótipo seriam

causalmente independentes das condições ambientais presentes.

Dada a popularidade das descrições de fenômenos socio-econômicos com base em

uma metáfora com a teoria de Lamarck, o último ponto da discussão precisa ser enfatizado.

Em primeiro lugar, processos lamarckianos envolvem a herança de características adquiridas.

Isso significa que a mera transmissão de características de um organismo para outro é

insuficiente. Há a necessidade de que a modificação fenotípica esteja codificada de alguma

forma no genótipo. De outra forma, a transmissão de pulgas de uma cadela para seus filhotes

(ibid.) ou o contágio de um vírus entre membros de uma espécie (HODGSON; KNUDSEN,

2006a, p. 346) seriam exemplos válidos de evolução lamarckiana. Obviamente, se é desejado

que o termo lamarckiano contenha algum significado, o conceito de herança precisa ser

definido com maior precisão, i.e. como a transmissão de um genótipo para outro similar.

Em segundo lugar, para que a evolução seja lamarckiana, é preciso que as

modificações fenotípicas resultantes tornem o organismo mais apto a lidar com as

características ambientais que as deflagraram em primeiro lugar, i.e. que estas sejam

adaptações de fato. Aqui um novo problema surge, pois demanda a explicação de como e por

que “melhorias” adquiridas são preferidas a “pioras” ou danos estruturais adquiridos. Para que

a evolução lamarckiana ocorra é impossível que todas as características adquiridas pelos

20 Ou incentiva este a se modificar, nas versões lamarckistas que enfatizam o caráter deliberado das modificações. Cf. Hodgson e Knudsen, 2006a, p. 344-345.

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ascendentes sejam transmitidas. É preciso haver algum mecanismo que filtre e descarte

aquelas alterações fenotípicas que levam a perda de aptidão.

Ainda que se assuma que os indivíduos sejam capazes de escolher deliberadamente

aquelas modificações que se darão em seu fenótipo, dessa forma pré-selecionando somente

aquelas que levem a ganhos de aptidão, é preciso explicar como essa capacidade em particular

surgiu. Como Hodgson e Knudsen colocam, essa perspectiva:

[…] sometimes relies on a notion of intention as something distinct and separate from the multiple causal linkages of nature. Intentions are real and have effects. Nevertheless, intentions themselves are caused. According to Darwin’s ontological outlook, everything must submit to a causal explanation in scientific terms. Darwinism does not exclude deliberative and calculative behavior. (HODGSON; KNUDSEN, 2006c, p. 12).

Segundo eles, nenhuma explicação para o surgimento dessa capacidade existe que não

dependa de um mecanismo darwiniano, ou seja, a capacidade de agir deliberadamente sobre o

fenótipo tem de ter resultado num ganho de aptidão relativa dos indivíduos que a possuem,

levando a um favorecimento dessa linhagem pela seleção natural. “The lamarckian theory can

explain adaptive improvement in evolution only by, as it were, riding on the back of the

Darwinian theory” afirma Dawkins (1986 apud HODGSON; KNUDSEN, 2006a, p. 354).

Consequentemente, explicações lamarckianas, se válidas em qualquer domínio,

dependem de mecanismos darwinianos de seleção para guiar sua evolução. A relação entre

lamarckismo e darwinismo envolve portanto diferentes graus de completude nas explicações.

Tudo isso subscreve a afirmação de Rosenberg (1994, p. 405) de que “Lamarckianism is, of

course, not the label for an alternative evolutionary theory. It is just a label for the claim that

change is not Darwinian. As such it sheds no light on economic processes, or any other”.

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O uso da metáfora lamarckiana mostra-se assim particularmente problemático porque

cria uma falsa sensação de que o problema foi explicado. É um exemplo do tipo de metáfora

ao qual Pylyshyn se referia quando escreveu que:

[...] any metaphor which leaves one feeling that a phenomenon has been ‘explained’, even though only a superficial level of functional reduction or process explanation has been offered, is, to my mind […] unproductive. (PYLYSHYN, 1994, p. 553).

3.4 Replicação

Biólogos evolucionários e filósofos da biologia identificaram quatro propriedades

necessárias para a identificação de um elemento como um replicador. Segundo Aunger (2002,

apud HODGSON; KNUDSEN, 2004, p. 286), replicação é um relação entre uma cópia e sua

fonte exibindo as seguintes características21:

a) causalidade: a fonte precisa estar causalmente envolvida na produção da cópia;

b) similaridade: a cópia deve ser similar a sua fonte em aspectos relevantes;

c) transferência de informação: o processo que gera a cópia precisa obter a

informação que faz a cópia ser similar à fonte dessa mesma fonte;

d) duplicação: durante o processo, uma entidade leva ao surgimento de duas (ou

mais) entidades22.

21 Cf. a definição alternativa proposta por Godfrey-Smith (2000, p. 414-415): “Y is a replicate of X if and only if:

(i) X and Y are similar (in some relevant respects), and (ii) X was causally involved in the production of Y in a way responsible for the similarity of Y to X.” 22 Este quarto critério (replicação) é tomado como necessário para processos de replicação, mas não para outros processos de herança mais gerais.

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Hodgson e Knudsen (2004) argumentam que, quando caracterizam rotinas como

análogas ao genótipo23, Nelson e Winter satisfazem esses quatro critérios: rotinas bem

sucedidas causam comportamento imitativo. A rotina assim adquirida é similar à rotina

imitada quanto ao comportamento que pode promover sob determinadas circunstâncias.

Algum tipo de informação (possivelmente tácita) é transmitida nesse processo. E claro, como

o comportamento é imitado, há duplicação da rotina.

Embora superficialmente tal narrativa pareça satisfatória, ela envolve algumas

suposições implícitas que não são triviais, como os próprios autores reconhecem em outras

ocasiões (2006a, 2007). A herança por imitação inverte a estrutura causal da herança presente

no domínio biológico, tornando-a dependente da capacidade do imitador (a segunda geração)

em realizar a engenharia reversa (ou tradução reversa na terminologia de Godfrey-Smith) da

informação contida na rotina a ser imitada a partir do comportamento observado.

Para que seja possível resolver tal questão, é preciso que se identifiquem claramente

os mecanismos pelos quais as rotinas se relacionam ao comportamento realizado de fato.

Infelizmente, essa relação foi pouco explorada na literatura.

3.4.1 A interação entre Rotinas e Comportamento Efetivo

Escrevendo no Journal of Evolutionary Economics (1994), Giovanni Dosi e Richard

Nelson chamam atenção para a questão da interação entre genótipos e fenótipos na

perspectiva evolucionária da ciência econômica:

But in all these instances of applications of an evolutionary perspective to social change, a crucial issue – in our view, not yet sufficiently explored –

23 Em sua obra, as rotinas às vezes também são vistas como comportamentos observáveis, o que as colocaria como análogas a elementos fenotípicos. Mais sobre esta questão na próxima seção.

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concerns the relationship between the level of the “primitives” (so to speak, the genotypic level) and the behaviors of the units which embody them and upon which selection is supposed to operate. (DOSI; NELSON, 1994, p. 155)

É comum que rotinas sejam descritas tanto como ações recorrentes como regras que

levam a ações recorrentes (BECKER, 2003, p. 37-38). Embora ambas as descrições sejam

importantes para a compreensão do comportamento das organizações, elas não traduzem

funcionalmente os mesmos elementos do tópico subsidiário (a seleção natural).

Mais especificamente, rotinas-como-ações-recorrentes se refere a funções associadas

ao conceito de fenótipo ou interagente no complexo implicativo da seleção natural, enquanto

a perspectiva de rotinas como regras que levam a ações recorrentes (contingentes a

características do ambiente) é mais facilmente associada ao conceito de genótipo. Essa

ambigüidade no conceito significa que um mesmo elemento do tópico primário (rotinas)

mapeia mais de um elemento do tópico subsidiário, violando o princípio de consistência

estrutural identificado anteriormente como indicativo de bons sistemas analógicos.

Os efeitos deletérios de tal ambigüidade podem ser vistos no recente debate entre

Nelson (2007) versus Hodgson e Knudsen (2006a; 2007) sobre a validade da metáfora

lamarckista como descrição da evolução de fenômenos socio-econômicos. Em seu exemplo

do que seria transmissão lamarckiana de características, Nelson descreve a seguinte situação:

For example, consider the following story about the changing distribution of seed types used by farmers in a community. Initially all farmers use the same kind of seed. Then one farmer finds and switches to another kind which turns out to be more productive. Other farmers observe this, and they gradually switch over. Then another farmer discovers still another new kind of seed, which is still more productive. Etc. (NELSON, 2007, p. 350).

Hodgson e Knudsen (2007, p. 357 et seq.) argumentam que o exemplo de Nelson faz

uso da suposição implícita de que os fazendeiros dispõem da mesma capacidade de

discriminar a qualidade das sementes a partir dos resultados (lucros) observados. Segundo

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eles, essa capacidade em si pode e deve ser analisada segundo sua possibilidade de ser

resultado de processos de transmissão cultural e aprendizado. Nesse sentido, eles fazem uma

distinção entre a propensão de um determinado fazendeiro a escolher sementes com maior

produtividade (uma habilidade cuja probabilidade de sucesso evolui a partir de um processo

de retenção e seleção) e o ato de trocar de insumo em si.

The clean distinction between disposition and behavior that we propose is similar to the well-known distinction between a probability of the occurrence of an event and the actual realization of an event.(…) It arises because what a thing is cannot merely be what it does. Otherwise professors would cease to exist as professors when they were engaged in non-academic activities, and firms would cease to be firms when their workers were on holiday. It is therefore clear to us that there is a sharp conceptual distinction between proclivity and behavior, with the former generative and the latter generated. (ibid., p. 358).

A insistência de Hodgson e Knudsen pela restrição do conceito de rotina à propensão

contingente a adotar um comportamento decorre de sua percepção de que a separação entre

replicadores e interagentes é fundamental para compreender processos de evolução,

separando-os de fenômenos de contágio ou deriva24.

Considere por exemplo a diferença entre a disseminação de uma moda de vestuário e a

de uma risada contagiosa numa sala (HODGSON; KNUDSEN, 2006a, p. 361-362). No

segundo caso, existe cópia do comportamento (a risada) sem que isso envolva a cópia da

capacidade de rir; essa já existe e é deflagrada pelo estímulo. Em contraste, a disseminação de

um estilo de vestimenta leva geralmente a mudanças nas preferências individuais, nos hábitos

e rotinas. Eles concluem que:

Explaining social evolution requires a valid inheritance model, one that identifies the underlying cause of the material that is transmitted among agents. Otherwise, there is no way of knowing whether observed changes are outcomes of selection processes, drift, or something else. (ibid., p. 362).

24 Deriva gênica é o efeito estatístico resultante da influência de elementos aleatórios sobre a distribuição de um alelo numa população. É o processo que reflete a mudança na distribuição de características que não são afetadas por pressões seletivas na população.

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O problema se encontra em definir claramente esse modelo de herança. Como Cordes

(2006) coloca:

[…] in cultural transmission the active part is on the subject that disseminates or perceives information. Moreover, the notion of a ‘generation’ in socio-economic evolution is problematic. Hence, the identification of phenotypic differential fitness and the heritability of fitness, which means a correlation between generations, is difficult. (CORDES, 2006, p. 535).

As múltiplas possibilidades de transmissão, envolvendo a possibilidade de mais de um

sentido de causalidade na interação entre o genótipo e o fenótipo levam Godfrey-Smith (2000,

p. 421) a duvidar da significância do conceito de replicador no domínio cultural. Buenstorf

(2006, p. 521 et seq.) levanta a possibilidade de que a adoção da analogia da seleção natural

no nível da firma possa requerer a identificação de múltiplos replicadores atuando sobre um

mesmo interagente (a firma), sem que haja uma hierarquia clara entre esses replicadores.

De fato, ainda que defensores da abordagem darwinista universal como Knudsen

tenham reconhecido a possibilidade de múltiplos replicadores por interagente atuando em

processos de aprendizado25, em suas tentativas de descrever processos econômicos tal

possibilidade ainda não foi contemplada. Talvez a subdivisão do conceito de rotinas entre

uma multiplicidade de replicadores possa contribuir para reduzir a ambigüidade que o

conceito atualmente desfruta em relação a seu análogo apropriado (BECKER, 2003, p. 37-

38).

3.5 Interação com o Ambiente

Hull et al (2001) nos lembram que “there are units of replication and units of

environmental interaction, but there are units of selection only in a highly derived sense”.

25 Ver a esse respeito Pepper e Knudsen, 2001.

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Seleção natural é o resultado de replicação diferencial causada por interação com o ambiente.

Como tal, não caracteriza um único processo, mas dois: é a alternância entre replicação e

interação com a introdução ocasional de variação. Sem replicação, iteração é impossível, e

sem iteração a seleção não seria cumulativa (ibid.),

Isso mostra que a seleção natural exige não apenas a identificação dos replicadores,

mas dos interagentes associados a eles e a delimitação do ambiente ao qual esses interagentes

estão circunscritos. Uma das principais dificuldades encontradas na aplicação da analogia da

seleção natural está na formulação de um modelo que identifique de forma precisa e coerente

esses três elementos simultaneamente.

Rosenberg (1994), ao analisar o modelo de Nelson e Winter (1982), constata que o

sistema de relações se dá com as rotinas comportamentais como replicadores, as firmas como

interagentes, lucratividade como aptidão e o ambiente como o vetor de preços. Ele então se

pergunta:

But then what evolves? What is the lineage, what are the generations, what is the principle by which we individuate members of the lineage to establish intergenerational selection? Here incoherence sets in, because Nelson and Winter also identify the unit of evolution as the firm – in other words, in their model the interactor is both the lineage of firms and its proper parts, the individual firms, for it is the individual firms that grow in size and evolve, like populations. (ibid., p. 404).

Ele então propõe um modelo alternativo, que seria internamente coerente: nele, é

mantida a relação rotinas

replicadores enquanto que as outras relações analógicas são

reformuladas a fim de manter a coerência sistêmica.

O interagente seria a unidade organizacional que emprega as rotinas. Assim, se a

rotina fosse uma estratégia de marketing, o interagente seria o menor departamento de

marketing capaz de empregá-la; se fosse uma técnica de produção o interagente seria o menor

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time de chão de fábrica que a emprega (ibid., p. 405). Cada uma dessas unidades cresceria em

tamanho sujeita à restrição de outros interagentes, tanto internos quanto externos à firma. As

firmas seriam nesse caso conjuntos de interagentes coadaptados, que atuariam em conjunto

para produzir resultados que lhes permitissem aumentar seu número – seja numa mesma

firma, se as rotinas em questão fossem proprietárias, seja através da indústria.

Nessa perspectiva, as firmas não seriam linhagens também. A população que evolui

seria composta pelas menores unidades organizacionais que se reproduzem. Firmas

englobariam várias unidades organizacionais e, portanto, seriam compostas de múltiplas

linhagens. Mudanças no tamanho e na lucratividade de firmas particulares teriam efeitos sobre

a adaptabilidade das unidades que a compõem (tanto em relação umas às outras, quanto ao

ambiente industrial). A adaptação dos interagentes ao ambiente poderia levar tanto a um

rápido crescimento do número de firmas numa indústria (cada uma com um pequeno número

de unidades organizacionais) quanto a uma contração no número de firmas, cada uma

englobando uma grande quantidade de unidades organizacionais.

Esse modelo, se adotado, alteraria radicalmente a forma de se fazer análise industrial,

tornando a disciplina similar em método à ecologia (ROSENBERG, 1994, p. 406). Note-se

também, que ao colocar os interagentes como subunidades das firmas, o modelo de Rosenberg

acaba por tornar nebuloso o conceito de aptidão e o mecanismo pelo qual a reprodução

diferencial se dá. Enquanto nos modelos de Alchian e Nelson e Winter, o lucro surgia como

uma medida razoavelmente direta de sucesso adaptativo, no modelo de Rosenberg, essa

correspondência se dá de forma muito mais indireta e contingente, dependendo em grande

parte das peculiaridades organizacionais de cada firma. Como os interagentes são as unidades

organizacionais, para que o lucro da firma como um todo sirva de proxy para a medida de

aptidão, é preciso que haja forte correlação tanto entre a atuação de cada unidade

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organizacional e o desempenho da firma como um todo quanto com relação à distribuição

interna à firma dos recursos obtidos com os lucros para as unidades que contribuíram para ele.

Alternativas menos radicais em geral fazem uso de múltiplos níveis de seleção, com

entidades atuando como interagentes em ambientes mais restritos e transformando-se em

replicadores quando o foco de análise torna-se mais agregado.

Tome por exemplo o modelo proposto por Knudsen (2002, p. 463-462). Aqui, o

interagente associado às rotinas (que fazem o papel de replicadores) é a identidade social e

profissional dos membros da firma. Por essa visão, membros da organização são portadores

de rotinas replicantes, constituídas como disposições de agir de formas particulares como

parte de um time atuando numa organização em particular. Dentro da firma, esses membros

seriam organizados em times, isolados uns dos outros pela aquisição de conhecimento tácito

específico a cada time26. Dependendo do sucesso de uma identidade social em particular em

um time ou firma (em termos de status), seu conjunto de instruções (a rotina) sofrerá

propagação diferencial (ibid., p. 461). A evolução da firma seria determinada pela reprodução

diferencial dessas rotinas, baseada na seleção gerencial entre os times.

Num nível mais agregado, a firma como um todo aparece como o interagente, com os

diferentes times fazendo o papel de replicadores. Nesse nível de análise, o mercado faz o

papel de ambiente de seleção e o lucro obtido determina o crescimento diferencial das firmas.

A inconsistência apontada por Rosenberg é afastada deslocando o processo de evolução

interna da firma para um nível de agregação mais baixo.

Como no modelo de Rosenberg, o modelo de Knudsen sacrifica a operacionalidade

dos conceitos em favor da consistência interna na formação do sistema analógico. É difícil

26 Este processo de aquisição de conhecimento tácito e especialização pode ser, por sua vez, enxergado através de processos de seleção.

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imaginar alguma forma pela qual a aptidão de uma identidade social possa ser mensurada sem

abrir espaço para uma gama de suposições ad-hoc sobre a relação entre sua performance

econômica e o status que possui.

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CONCLUSÃO

No curso desse trabalho tentamos analisar a aplicação da seleção natural como

analogia para o funcionamento do sistema econômico. A partir dos critérios delineados por

Gentner e Jeziorski (1993), estudamos a formação do complexo implicativo tanto no modelo

pioneiro de Alchian (1950) quanto nos modelos mais recentes que, seguindo Nelson e Winter,

tomam as rotinas como replicadores.

Concluímos que a identificação de análogos funcionais para os elementos necessários

a um processo de seleção natural mostra-se bastante difícil. Na maioria dos modelos

analisados aparecem inconsistências na formação de correspondências, ou elementos críticos

do mecanismo de seleção natural não recebem correspondentes funcionais no domínio

econômico.

O modelo de Alchian, embora introduza de forma consistente o pensamento

populacional em modelos econômicos, sofre da falta de uma explicação endógena para a

introdução de novos indivíduos (firmas) numa população e consequentemente não é capaz de

garantir a geração de uma dinâmica permanente por si só. Sem a replicação das firmas melhor

adaptadas, o processo de seleção pelo mercado é na verdade do tipo de subconjuntos, como

definido por Price (1995).

A consolidação da metáfora das rotinas como genes, introduzida e desenvolvida por

Nelson e Winter, foi incapaz de resolver os problemas da analogia que já se manifestavam no

modelo de Alchian. Como Rosenberg (1994) mostrou, a utilização de rotinas como

replicadores e sua associação a firmas como as unidades de interação produz inconsistências

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no modelo – o mesmo elemento que interage com o ambiente é também o que evolui, i.e.,

firmas acabam fazendo papel tanto de interagentes quanto de linhagens.

A tentativa de enxergar processos evolucionários através do arcabouço da seleção

natural parece exigir, quando feita de forma consistente, uma reestruturação profunda da

forma como o sistema econômico é interpretado, mas não é fácil identificar qual seria a

vantagem de tal mudança. Os modelos sugeridos por Rosenberg (1994) e Knudsen (2002),

examinados ao fim do terceiro capítulo, exemplificam essa dificuldade.

O projeto dos darwinistas universais resultou até agora em modelos que, em nome da

consistência interna e da identificação das três estruturas básicas de processos de seleção

natural (replicação, variação, e interação com o ambiente) acabam por perder a

operacionalidade, sendo necessário o abandono das firmas e indústrias como unidades de

análise e o enfraquecimento de índices como a lucratividade como medida de aptidão. É

possível que, como Godfrey-Smith (2000) sugere, em processos de seleção econômica a

multitude de relações causais e mecanismos de retroalimentação possa tornar o conceito de

replicador sem significado. Quanto mais fatores estão envolvidos causalmente na criação de

uma entidade similar a uma antecedente, e quanto mais possibilidades de diferenças existirem,

menos se pode dizer que a entidade antecedente é responsável pela criação da entidade similar

da forma como a definição de replicador exige.

To the extent that cultural transmission involves a lineage of structures, distinct to some extent from the causal sea surrounding them, where earlier members of the lineage can be causally involved in the production of similar later members, in a way causally responsible for the similarity between them, we have replicators. To the extent that no lineage can be isolated because of constant blending, and to the extent that the similarities between cultural products over time result from a network of dispersed and interacting causal factors, in which all the quirks of human preference and flexibility are involved, we do not have replicators. These are reasons to be skeptical about general replicator-based theories of cultural change […] (GODFREY-SMITH, 2000, p. 421)

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Isto posto, a crítica usual aos modelos mais explicitamente darwinistas, qual seja, de

que o mecanismo de variação cega proposto subestima a importância da volição humana nos

processos econômicos, também mostra-se equivocada. O mesmo pode ser dito da comum

adoção da metáfora lamarckiana como alternativa à seleção natural em ambientes socio-

econômicos.

É possível que a recorrência de descrições de fenômenos econômicos como

lamarckianos envolva uma dificuldade em dissociar o conceito de seleção do arcabouço

proporcionado pela seleção natural na biologia. Mesmo entre os críticos da seleção natural

como analogia válida para a evolução de sistemas econômicos, o mecanismo de seleção

natural biológico parece formar a metáfora constitutiva a partir da qual quaisquer processos de

seleção são interpretados. Seja entre os defensores ou opositores do darwinismo na economia,

o recurso a exemplos – i.e. metáforas pedagógicas – baseados na biologia é constante. Nessa

medida, o recurso ao lamarckismo envolveria uma tentativa de não se afastar da metáfora

constitutiva quando em face da constatação de incompatibilidades entre os tópicos subsidiário

e principal. Relembrando Rosenberg, “Lamarckianism is [...] just a label for the claim that

change is not Darwinian” (1994, p. 405).

Por outro lado, o emprego bem sucedido de ferramentas baseadas em conceitos de

seleção mais generalizados, tais como as equações de Fisher e Price (Andersen, 2004;

Metcalfe 1998a) mostram que não é o caso que os processos econômicos sejam peculiarmente

incompatíveis com descrições de processos evolucionários resultantes de seleção27. É possível

que o futuro da escola evolucionária encontre-se menos numa aproximação mais estrita da

27 Cabe ressaltar que praticamente todas as abordagens alternativas, propostas dentro da própria escola de economistas evolucionários, envolvem de alguma forma processos de seleção. É o caso das abordagens baseadas em teoria da complexidade (e.g. Foster, 2005). Até mesmo posições minoritárias, como Mirowski e Somefun (1998), que defendem a analogia entre mercados e máquinas de Turing, envolvem processos de seleção em seus modelos.

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análise ao processo de seleção natural e mais na aplicação de modelos que façam uso de

processos de seleção mais generalizados.

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