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A Maldição de Bibi Costa: desenvolvimento de um jogo voltado para a cultura amazônica Wagner A. Coelho Lucas R. Bacelar* José M. R. Neto** Antonio F. L. Jacob Jr. Universidade da Amazônia, Centro de Ciências Exatas, Brasil *Centro Universitário do Pará, Área de Ciências Exatas e Tecnologia, Brasil ** Universidade Federal do Pará, Instituto de Geociências, Brasil Figura 1: Tela de título jogo “A maldição de Bibi Costa” e imagem da cena do topo do Palacete. Resumo Este trabalho apresenta o processo de desenvolvimento do jogo “A Maldição de Bibi Costa”, que teve dois objetivos distintos para a sua concepção: contexto cultural, mostrando um pouco do folclore amazônico e das lendas de Belém do Pará; e contexto técnico, realização de um minicurso o processo de desenvolvimento do jogo, a fim de ensinar o processo de concepção de um jogo completo Neste sentido, este documento apresenta as principais etapas do desenvolvimento do enredo e do jogo, bem como breve exposição da execução de um minicurso realizado para ensino deste desenvolvimento. Palavras chave: Folclore, cultura, jogos, RPG Maker. Contato: [email protected], [email protected] *[email protected] **[email protected] 1. Introdução Desenvolver jogos é tido como uma tarefa complicada, que exige uma gama de conhecimento técnico nas mais diversas áreas de conhecimento, desde a programação, até conhecimento artístico para o preparo de material, seja ele gráfico ou escrito [Rocha and Araújo 2013]. Partindo deste pressuposto, imagina-se que desenvolver um jogo leve meses ou anos, dependendo da complexidade. Não é errado admitir esse pensamento como certo, mas tomá-lo como a única verdade é no mínimo discutível. Uma série de ferramentas vêm sendo lançadas no mercado, objetivando dar ganho e facilidade para desenvolvedores que estejam interessados na criação de jogos. Dentre estas, têm-se aquelas que exigem um pouco mais do usuário, no que se entende por conhecimento técnico na área de computação, tais como a Unity3D, Cocos2D ou a UnrealEngine. Por outro lado, existem ferramentas voltadas para um público que, não necessariamente, precisa de tanto conhecimento nessa área. Dentro desse último grupo, destacam-se os RPG Makers. Neste contexto, seria possível fazer uma pessoa leiga utilizar a ferramenta para criar um jogo funcional e, talvez, completo? E quanto ao jogo em questão, seria possível que ele fosse mais do que um personagem atirando pedras numa série de alvos? Teria como esse jogo oferecer um conhecimento a mais, tanto para os jogadores, quanto para quem o desenvolvesse? O resultado destes questionamentos foi o desenvolvimento da primeira versão do jogo "A Maldição de Bibi Costa", feito na ferramenta RPG Maker VX Ace, sem a utilização de grandes conhecimentos na área de computação, e que teve um fundo educacional, ensinando alguns elementos culturais presentes tanto no folclore amazônico, como nos mitos e lendas que existem na cidade de Belém. Além do desenvolvimento do jogo, para validação e visando os objetivos expostos, foi realizado um minicurso de 12h/a, a qual teve participação de 14 SBC – Proceedings of SBGames 2015 | ISSN: 2179-2259 Culture Track – Short Papers XIV SBGames – Teresina – PI – Brazil, November 11th - 13th, 2015 1127

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Page 1: A Maldição de Bibi Costa: desenvolvimento de um jogo voltado … · uma lenda envolvendo o Palacete Bibi Costa, prédio histórico localizado na Av. Governador José Malcher, Centro

A Maldição de Bibi Costa: desenvolvimento de um jogo voltado para a

cultura amazônica

Wagner A. Coelho Lucas R. Bacelar* José M. R. Neto** Antonio F. L. Jacob Jr.

Universidade da Amazônia, Centro de Ciências Exatas, Brasil *Centro Universitário do Pará,

Área de Ciências Exatas e Tecnologia, Brasil ** Universidade Federal do Pará, Instituto de

Geociências, Brasil

Figura 1: Tela de título jogo “A maldição de Bibi Costa” e imagem da cena do topo do Palacete.

Resumo

Este trabalho apresenta o processo de

desenvolvimento do jogo “A Maldição de Bibi Costa”,

que teve dois objetivos distintos para a sua concepção:

contexto cultural, mostrando um pouco do folclore

amazônico e das lendas de Belém do Pará; e contexto

técnico, realização de um minicurso o processo de

desenvolvimento do jogo, a fim de ensinar o processo

de concepção de um jogo completo Neste sentido, este

documento apresenta as principais etapas do

desenvolvimento do enredo e do jogo, bem como

breve exposição da execução de um minicurso

realizado para ensino deste desenvolvimento.

Palavras chave: Folclore, cultura, jogos, RPG

Maker.

Contato:

[email protected],

[email protected]

*[email protected]

**[email protected]

1. Introdução

Desenvolver jogos é tido como uma tarefa complicada,

que exige uma gama de conhecimento técnico nas

mais diversas áreas de conhecimento, desde a

programação, até conhecimento artístico para o

preparo de material, seja ele gráfico ou escrito [Rocha

and Araújo 2013]. Partindo deste pressuposto,

imagina-se que desenvolver um jogo leve meses ou

anos, dependendo da complexidade. Não é errado

admitir esse pensamento como certo, mas tomá-lo

como a única verdade é no mínimo discutível.

Uma série de ferramentas vêm sendo lançadas no

mercado, objetivando dar ganho e facilidade para

desenvolvedores que estejam interessados na criação

de jogos. Dentre estas, têm-se aquelas que exigem um

pouco mais do usuário, no que se entende por

conhecimento técnico na área de computação, tais

como a Unity3D, Cocos2D ou a UnrealEngine. Por

outro lado, existem ferramentas voltadas para um

público que, não necessariamente, precisa de tanto

conhecimento nessa área. Dentro desse último grupo,

destacam-se os RPG Makers.

Neste contexto, seria possível fazer uma pessoa

leiga utilizar a ferramenta para criar um jogo funcional

e, talvez, completo? E quanto ao jogo em questão,

seria possível que ele fosse mais do que um

personagem atirando pedras numa série de alvos?

Teria como esse jogo oferecer um conhecimento a

mais, tanto para os jogadores, quanto para quem o

desenvolvesse?

O resultado destes questionamentos foi o

desenvolvimento da primeira versão do jogo "A

Maldição de Bibi Costa", feito na ferramenta RPG

Maker VX Ace, sem a utilização de grandes

conhecimentos na área de computação, e que teve um

fundo educacional, ensinando alguns elementos

culturais presentes tanto no folclore amazônico, como

nos mitos e lendas que existem na cidade de Belém.

Além do desenvolvimento do jogo, para validação

e visando os objetivos expostos, foi realizado um

minicurso de 12h/a, a qual teve participação de 14

SBC – Proceedings of SBGames 2015 | ISSN: 2179-2259 Culture Track – Short Papers

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alunos. Neste minicurso foi apresentada a ferramenta

utilizada e criada as etapas iniciais do jogo.

2. Trabalhos relacionados

Tendo como base teórica outros trabalhos que

envolvem a transmissão direta ou indireta de

conhecimento cultural a partir de jogos, obtivemos as

seguintes informações como relevantes:

Couto e Matsuguma [2012] afirmam que é possível

encontrar uma gama de jogos cujo intuito é transmitir

ideais e pensamentos, incentivar a reflexão e a

introspecção, além da consideração sobre a condição

humana.

Além disso, Neves et al. [2012] apresentam

informações sobre o uso de acontecimentos passados

para a criação de jogos, a fim de criar enredos fieis ao

conteúdo histórico, ou que unem história e ficção e

criam algo pouco ou totalmente fora da representação

verídica, mas que ainda mantém a essência do período,

costumes ou padrões da época.

Somado a isso, Carvalho et al. [2014] mostram que

existe uma carência de mídia digital ou mesmo

material didático voltado para o tópico dos mitos

nacionais.

Portanto, fazendo uso dos princípios explicitados

acima, utilizando o folclore brasileiro como principal

plano de fundo aliado a todo contexto histórico que os

permeai, torna-se possível criar um jogo que dê ao

jogador os mesmos ganhos apresentados pelos

trabalhos citados.

3. Desenvolvimento do Roteiro

Devido ao fato do projeto ter como um dos objetivos

que o desenvolvimento do jogo seja replicado em um

minicurso, o roteiro não podia ser complexo a ponto

de exigir muito tempo para o desenvolvimento. Porém,

não poderia ser tão simples a ponto de prejudicar o

objetivo de ensinar, também, um pouco sobre o

folclore amazônico e alguns mitos de Belém do Pará.

Objetivando esses fins, o primeiro passo foi definir

o palco da história. Após uma análise inicial das lendas

e mitos presentes na cidade de Belém, foi identificada

uma lenda envolvendo o Palacete Bibi Costa, prédio

histórico localizado na Av. Governador José Malcher,

Centro da Cidade. A Figura 2 mostra a modelo do

palacete.

Figura 2: Palacete Bibi Costa.

De acordo com essa lenda, um dos antigos

moradores do palacete, chamado José Júlio de

Andrade, barão da borracha da Belle Époque

amazônica, foi um homem com todo tipo de história

macabra. Essa história envolvia a posse de escravos,

em um tempo que a escravidão já havia sido abolida,

instrumentos de tortura e um intenso apego ao

palacete. Analisando esse plano de fundo, a escolha

desse prédio como cenário para o jogo foi imediata.

Para juntar estes fatos ao folclore amazônico, foi

utilizado um pouco de liberdade poética para juntar a

história de José Júlio com a lenda da Matinta Pereira.

A melhor saída foi adicionar ao antigo morador do

palacete o almejo de nunca morrer. A trama explica a

que conclusão esse antigo barão chegou e como

arquitetou a obtenção da imortalidade. A partir disso

tem-se o cenário e os primeiros personagens.

Em seguida, foi estabelecido quem seriam os

personagens jogáveis. Eles não podiam conhecer a

lenda do palacete, ou mesmo as lendas amazônicas.

Dessa forma, foi concebido um casal de irmãos,

estudantes de um colégio local.

Também foi adicionado na história um

personagem representando o Saci Pererê, responsável

por “ajudar” o jogador no decorrer da história, mas

mantendo a essência da lenda, sendo uma pessoa

travessa que se diverte à custa dos outros.

Outro ícone do folclore que também está presente

na história é o Uirapuru, um pássaro com cores fortes

e contrastantes, tido por trazer boa sorte a quem o levar

consigo. Sua utilização no jogo foi apenas para salvar

o progresso do jogador.

O jogo em si foca na visão dos irmãos, que acabam

presos dentro do Palacete Bibi Costa, vivenciando a

história por trás das lendas de José Júlio de Andrade e

seu envolvimento com as entidades do folclore

amazônico.

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A figura 3 apresentam alguns dos personagens

citados.

Figura 3: Personagens do Jogo.

4. Jogabilidade e narrativa

Uma jogabilidade simples foi um dos principais

objetivos a ser alcançado pelo projeto, já que ele

almejava, na parte técnica, servir de base para o ensino

da utilização do RPG Maker para a criação de um jogo

fácil de se montar e jogar.

Portanto, as ações do jogador são as mais simples

possíveis. Ele se desloca pelo mapa utilizando as setas

direcionais do teclado e interage com objetos apenas

por encostar de frente com eles. Além disso, também

existe uma função que permite ao personagem jogável

que corra. Essas três ações distintas são parte

integrante do pacote padrão de funcionalidades do

RPG Maker VX Ace, portanto, podem ser colocadas

no projeto sem grandes complicações em relação ao

processo de ensino da ferramenta.

Dessa forma, o que é mais importante no

desenvolvimento deste projeto, no que se trata do

ensino do folclore é a narrativa. A principal forma

usada foi o simples diálogo entre as personagens,

sendo o Saci mais utilizado para explicar sobre os

elementos do folclore e da lenda do palacete, e como

eles se enquadram no contexto do enredo.

5. Desenvolvimento do jogo e

Realização do Minicurso

O desenvolvimento deu-se em três etapas distintas: a

primeira foi a construção de todos os mapas, sem

qualquer preocupação com a interação entre jogador e

objetos do cenário, à exceção das colisões,

responsáveis por demarcar para onde os personagens

podem ou não se deslocar.

A segunda etapa foi a definição de todos os eventos

- entenda-se por evento qualquer objeto que pode

realizar uma ou mais ações, sejam elas mostrar

mensagens ou movimentar outros objetos no mapa. Os

eventos foram subdivididos em gerais e principais.

Eventos gerais são aqueles que podem se repetir

mais de uma vez, enquanto que eventos principais são

aqueles que realizam suas ações apenas uma vez. Cada

evento foi posicionado no seu respectivo mapa, e em

posições condizentes com as suas ações. Para cada

evento, foi definido seu tipo de ativar: se seria iniciado

automaticamente (assim que o jogador entrasse no

mapa), ou se seria iniciado por contato com o

personagem do jogador.

A última etapa foi o processo de refinamento do

jogo. Novos eventos gerais foram adicionados,

responsáveis por adicionar maior imersão entre

jogador e cenário, tais como simular a movimentação

da Matinta Pereira pelos diversos cômodos da casa.

Com o termino do desenvolvimento, realizou-se

um curso de 12 h/a denominado: “Hands-On – RPG

Maker: A maldição de Bibi Costa”. Este contou com a

participação de 14 alunos de cursos de Computação e

Engenharia Elétrica.

O curso foi estruturado da seguinte forma: Parte 1

- conhecendo a interface, criando o primeiro mapa;

conhecendo o banco de dados, adicionando eventos;

Parte 2 - testando o sistema de combate, pensando na

história, organizando os materiais, importando os

materiais; Parte 3 - criando os mapas, adicionando

eventos gerais, adicionando eventos específicos; Parte

4 - Refinando o jogo, criando um evento de

introdução.

Conforme observado, a Parte 1 foi centrada no

ensino da ferramenta e suas funcionalidades. A partir

da Parte 2, todas as etapas já direcionavam a atividades

que resultariam no jogo final.

Para auxiliar as atividades e, ao mesmo tempo,

deixar livre para aos participantes realizarem

modificações nos cenários, o material do curso foi

composto de “drafts” dos mapas/cenas do jogo,

conforme pode ser observado na figura 4.

Figura 4: Exemplo de “draft” para criação dos mapas pelos

alunos.

Para facilitar a criação dos eventos do jogo e,

devido ao pouco tempo e visando o rápido

desenvolvimento do protótipo, o material do curso

continha detalhes de cada evento a ser criado. Um

exemplo deste pode ser observado na Figura 5.

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Figura 5: Exemplo do material para criação de um evento.

No final do curso, todos os alunos conseguiram

realizar o desenvolvimento das atividades previstas e

a criação completa do protótipo do jogo.

6. Conclusão

O projeto em questão se encontra atualmente

finalizado, tanto no que se entende pelo minicurso e os

resultados obtidos deste minicurso, quanto pelo

desenvolvimento da versão completa do jogo. Existem

planos de se lançar uma nova versão do mesmo

projeto, desta vez focada apenas no ensino cultural, e

não mais técnico. Esta nova versão apresentaria

sistemas mais complexos, novos personagens e um

maior desenvolvimento da trama central.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Laboratório de

Inteligência Computacional e Pesquisa Operacional da

Universidade Federal do Pará (LINC/UFPA) pelo

apoio na realização do minicurso deste trabalho.

Referências

CARVALHO, L. F. B. S.; BARONE, D. A. C.; BERCHT, M., 2014.

Disclosing myths of Brazilian folklore through

motivational games. In: Proc. of XIII Simpósio

Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames

2014), p. 517-526.

COUTO, V. P. AND MATSUGUMA, V. R., 2012. Videogames

como meio de transmissão de cultura. In: Proc. of XI

Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital

(SBGames 2012), p. 147-150.

NEVES, I. B. DA C.; ALVES, L. R. G.; BASTOS, A. DE O., 2012.

Jogos digitais e a História: desafios e possibilidades. In:

Proc. of XI Simpósio Brasileiro de Jogos e

Entretenimento Digital (SBGames 2012), p. 192-195.

ROCHA, R. V.; ARAUJO, R. B., 2013. Metodologia de Design

de Jogos Sérios para Treinamento: ciclo de vida de

criação, desenvolvimento e produção”. In: Proc. of XII

Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital

(SBGames 2013), pp.1-10

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