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A LITERATURA INFANTIL PARA O ENFRENTAMENTO DE UM DILEMA: QUEM É
O LOBO?
Ynayah Jardim Coelho1
Dra.Luciana Brito2
Resumo: O propósito deste trabalho é apresentar os resultados obtidos no Projeto de Pesquisa A literatura infantil para o enfrentamento de um dilema: Quem é o lobo? Desenvolvido com as alunas da terceira série do curso Formação de Docentes do Colégio Estadual Professor “Silvio Tavares” da cidade de Cambará, configurando-se como trabalho de conclusão do Programa de Desenvolvimento de Educação 2010, promovido pela Secretaria da Educação do Paraná, sob a orientação da professora Dra. Luciana Brito. Efetuou-se a análise de algumas versões do conto maravilhoso “Chapeuzinho Vermelho”, visando discutir a transição das narrativas orais feitas por Perrault e Irmãos Grimm em contraponto com alguns contos modernos e contemporâneos: releituras e adaptações de escritores brasileiros e estrangeiros para o leitor infantojuvenil. As atividades trabalhadas seguiram os encaminhamentos do Método Recepcional de Bordini e Aguiar numa tentativa de propor melhorias para as práticas de leitura através do contato e da interação entre leitor e texto. As alunas puderam questionar e analisar, de forma crítica e prazerosa, as leituras realizadas enriquecendo a criatividade e o imaginário, além de confrontar culturas diferentes a fim de valorizar, respeitar e compreender a cultura do outro e a sua própria, promovendo a adoção de novos valores e a integração desses com o meio ambiente.
Palavras-chave: Leitura crítica, Método Recepcional, Contos de fadas.
Abstract: The purpose of this work is to present the results obtained in the Research Project Children’s literature to face a dilemma: Who is the wolf? Developed with students in third grade Teacher training Course of the State School “Professor Silvio Tavares” in the city of Cambará, for the conclusion of the course of the Education
1 Pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior, Teoria e Fundamentos, pela Universidade
Federal do Paraná. Professora do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná da disciplina de Língua Portuguesa, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional PDE 2010. 2 Docente do Curso de Graduação e Pós-graduação da UENP/Jacarezinho- Centro de Letras
Comunicação e Arte. Ocupa também o cargo de Diretora do Centro de Letras, Comunicação e Artes.
Development Program 2010, sponsored by the Department of Education of the state of Paraná, in the supervision of Professor Dr. Luciana Brito. Analysis was done some wonderful versions of little Red Riding Hood tale, with the objective to discuss the changes of the tales told by Perrault and Brothers Grimm, compared with some modern stories: readings and adaptations of Brazilian and foreign writers for the young reader. The activities followed by Method for Bordini and Aguiar, proposing upgrades for the practice of reading, through contact and interaction between reader and text. The students analyzed and questioned, critically and pleasurable reading enriching creativity and imagination. They compared different cultures with their own. And so they learned to value and respect both the culture of others as his own, putting in to practice these new values intending to preserve the environment.
Key- word: Critical lecture, Recepcional Method, Fairy tales
1. INTRODUÇÃO
Obras com olhares e linguagens diversificadas as quais tinham o lobo como
personagem principal foram o objeto de pesquisa deste trabalho. A figura do lobo faz
parte de histórias muito antigas, os contos de fadas ou contos maravilhosos, cuja
origem não se pode precisar, mas sabe-se que está na tradição oral camponesa e
suas fontes oriundas do oriente e Índia. De autoria anônima, sobreviveram e se
espalharam atravessando gerações. Consolidaram-se a partir do século XVII com a
publicação de Histórias ou Contos de tempos passados e subtítulo “Contos de
mamãe gansa”, em 1697, com Charles Perrault.
1.1 Contos de Fadas e Contos maravilhosos
Os Contos de Fadas despertaram o interesse de muitos estudiosos ao longo
dos tempos. Nelly Novaes foi um deles. Professora, pesquisadora e crítica literária
define o conto de fadas como uma narrativa que pode ter ou não fadas, mas sempre
com a presença do maravilhoso, tendo como eixo gerador uma problemática
existencial. (1998, p. 13).
“Chapeuzinho Vermelho”, um clássico da literatura infantil, é “o mais
conhecido dos contos”, segundo BETTELHEIM (1979, p. 203). Vale lembrar que não
há fada e sim o elemento maravilhoso, ou seja, a presença de um lobo que fala e
age como ser humano.
Todos os contos infantis/maravilhosos que foram criados pela sabedoria dos
povos, há séculos, perduram até hoje porque trazem, em suas narrativas, as
necessidades básicas de todo ser humano, estimulando a emoção, a inteligência, os
afetos. A poetisa Cecília Meireles escreveu no prefácio do livro Panorama Histórico
da Literatura Infantil/Juvenil, (2010) de Nelly Novaes Coelho, que “os livros que
têm resistido ao tempo são os que possuem uma essência de verdade capaz de
satisfazer a inquietação humana por mais que os séculos passem.”
1.2 Literatura e o conto maravilhoso
Uma das finalidades da Literatura é desenvolver nas pessoas, em especial
nas crianças, um espírito capaz de assumir postura crítica e criativa frente ao
mundo, não aceitando como verdade inquestionável tudo o que lhe for imposto.
Assim estarão desenvolvendo uma maior capacidade para enfrentar os problemas
sociais, também emancipar-se dos dogmas que a sociedade impõe. Para Candido
(1972), a literatura é vista como arte que transforma/humaniza o homem e a
sociedade. Enquanto que para Fernando de Azevedo (2006. p.69) “Ler é crucial para
se colocar como sujeito no mundo.”
O desafio da escola enquanto instituição educativa mediadora de lutas deve
atuar com a proposta de alternativas que garanta à criança o cumprimento de seu
direito a uma educação de qualidade, capaz de desenvolver sua capacidade crítica e
de instrumentalizá-la para o enfrentamento de problemas de forma inteligente e
racional. No intuito de possibilitar tal prática, foi proposto um trabalho com a literatura
infantil visando à formação das alunas do curso de Formação de Docentes uma vez
que a qualidade da educação dos pequenos está relacionada à formação do
profissional de quem atuará com eles.
Assim, foram oferecidas às alunas, obras que articulam várias releituras do
conto maravilhoso “Chapeuzinho Vermelho”, das versões tradicionais às atuais, pelo
fato das crianças se encantarem com os contos de tradição, uma vez que estes
mexem com suas emoções, e ainda porque os diferentes gêneros trazem diferentes
valores a serem considerados pelo professor. Por estas razões, acreditou-se que
trabalhar a literatura infantil através de contos maravilhosos atrairia a atenção dos
alunos para as atividades propostas com a finalidade de alcançar a formação de
leitores competentes. Além de trazer a possibilidade das crianças vivenciarem a real
dimensão dos problemas ecológicos, também possibilitaria a descoberta da
importância da alteridade e o olhar para o outro na sociedade moderna. Durante a
leitura, ao estabelecer um pacto com os personagens, o leitor passa a se identificar
com o drama existencial de cada um deles.
Foi abordada a questão dos direitos e deveres humanos, fundamentais para
a convivência em sociedade, e da necessidade de preservação ambiental, desafio
que as novas gerações terão necessariamente de enfrentar, sob pena de ter a
própria sobrevivência ameaçada pelos graves problemas decorrentes da
degradação do ambiente em que vivemos.
Os alunos deveriam concluir que as leituras feitas durante todo o processo
permitiriam uma nova forma de ver a vida. Como dizem Bordini & Aguiar:
O processo de recepção se completa quando o leitor, tendo comparado a obra emancipatória ou conformadora com a tradição e os elementos de sua cultura e seu espaço, a inclui ou não como componente de seu horizonte de expectativas, mantendo-o como era ou preparando-o para novas leituras de mesma ordem, para novas experiências de ruptura com os esquemas estabelecidos. (1988, p.84)
Este estudo justificou-se pelo fato das crianças se interessarem pelas
histórias fantásticas, cheias de magia, que, além de trabalharem com o imaginário,
também são de grande valia para a formação do jovem. Segundo as Diretrizes
Curriculares da Educação Básica: “[...] o mágico não é apenas um recurso
narrativo, mas um elemento importante na composição estética da obra, um
fantástico que amplia a compreensão das relações humanas” (PARANÁ, 2008 p.
76).
1.3 O ensino da leitura e o Método Recepcional
Além da importância da leitura infantojuvenil na sala de aula, a escolha de
uma metodologia de ensino de leitura é relevante tanto para o processo ensino-
aprendizagem quanto para despertar o prazer em ler. Conforme as Diretrizes
Curriculares da Educação Básica, o ensino da literatura deve ser pensado a partir
dos pressupostos da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito, visto que essas
teorias buscam formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu. No
Método Recepcional, as obras oferecidas devem contribuir para a emancipação,
produzir alteração no horizonte de expectativas, para que possa romper com esse
horizonte.
No final da década de 60, críticos literários começam a se preocupar com a
figura do leitor. Em 1967, o professor e teórico da Literatura, Hans R. Jauss, em
conferência ministrada na Universidade de Constança, propõe uma reflexão das
concepções vigentes de história da Literatura e apresenta a Estética da Recepção
como uma teoria que focaliza a atuação do leitor como parte do processo de
produção da obra. Outros estudiosos como Umberto Eco reconheceram a
importância do leitor. Estudioso da teoria da literatura, faz algumas reflexões a
respeito do processo de escrita e de leitura afirmando que “o leitor é um ingrediente
fundamental não só do processo de contar histórias, como também da própria
história”. (1994, p.7). Fala também que os textos literários não têm como relatar tudo
sobre a ficção que apresentam e, por isso, pede ao leitor que preencha uma série de
lacunas, pois “[...] todo texto literário é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor
que faça uma parte de seu trabalho” (1994, p. 9).
A teoria conhecida como Estética da Recepção, elaborada por Hans Robert
Jauss, na década de 1960, questionou os estudos relativos à história da literatura,
apenas historiográfica, e a função do leitor no momento da recepção. Teceu, ainda,
uma crítica aos métodos de ensino da época que consideravam apenas o texto e o
autor numa perspectiva formalista e estruturalista, não valorizando o papel do leitor
como processo de produção da obra. Jauss não foi o único a reconhecer a
importância do leitor, Umberto Eco, em seu livro Seis Passeios pelos Bosques da
Ficção (2006), comenta que:
[...] para construir sentidos sobre o que lê, o leitor sempre faz escolhas e atualiza o texto, participando cooperativamente da construção da história que se apresenta a ele no momento da leitura.
A Estética da Recepção gerou o Método Recepcional de ensino de literatura,
que tem como objetivos:
[...] efetuar leituras compreensivas e críticas; ser receptivo a novos textos e a leitura de outrem; questionar as leituras efetuadas em relação ao seu próprio horizonte cultural; transformar os próprios horizontes de expectativas, bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar e social. ( PARANÁ, 2008, p. 74)
Esse método consiste em colocar o aluno em contato com uma variedade de
textos, os quais irão fazer comparações entre o familiar e o novo entre o próximo e o
distante no tempo e no espaço. Ele permite uma reação frente às obras ofertadas
pelo professor, tendo em vista todo saber individual construído ao longo de sua
existência e de acordo com as normas estéticas de uma época. O entendimento dos
textos pode satisfazer os horizontes de expectativas ou provocar estranhamento ou
ainda, o rompimento desse horizonte podendo levar a uma nova percepção da
realidade.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Resultados da aplicação do Projeto de Intervenção Pedagógica
A efetivação das ações tiveram início a partir da apresentação e divulgação
do material didático (Unidade Didática) como forma de socializar o Projeto de
Intervenção Pedagógica na escola com os demais professores e funcionários da
rede, durante a reunião da Semana Pedagógica, que se deu no mês de julho de
2011.
No retorno às aulas, o projeto foi apresentado para as alunas da terceira
série do curso Formação de Docentes, turma de implementação. Com o intuito de
responder ao problema da pesquisa e alcançar os objetivos foram criadas ações que
constaram ao longo das cinco etapas do Método Recepcional de leitura, estratégia
sugerida pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná
como alternativa para uma educação de qualidade.
2.2 Determinação do horizonte de expectativas
Para a realização da primeira etapa, Determinação do horizonte de
expectativas, foi feita uma sondagem através de questionário constando de questões
referentes às leituras feitas ao longo da vida das alunas para verificar o nível e os
hábitos de leitura. Através dessa sondagem, verificou-se que a turma não tem o
hábito de ler nem gosta muito de fazê-lo e costumam deixar leitura inacabada.
Quando leem dão preferência à leitura de revistas e da bíblia. Os temas preferidos
são os educativos, seguido do tema amor. Revelou também que não receberam
incentivo da família para que pudessem desenvolver o hábito da leitura em fase pré-
escolar. Todos sabemos que a aquisição desses hábitos e o prazer de ler não
acontecem facilmente, é necessário esforço, tempo e dedicação.
Numa outra ocasião, foi feito um debate informal sobre a leitura, tendo como
suporte a fala da autora Maria Helena Martins que focaliza o ato de ler e o papel do
professor. Nessa prática, as reflexões e discussões feitas se voltaram mais para o
racismo, discriminação, preconceito do rico contra o pobre, no contexto escolar.
Essas reflexões foram frutos das experiências vivenciadas durante os estágios para
cumprimento das exigências do curso Formação de Docentes. De acordo com as
alunas, o professor tem que se adequar à realidade do aluno como condição para
prepará-los para aquisição de conhecimentos como forma de transformação, porque
através da leitura, o aluno se prepara para a vida e cabe ao professor mostrar os
caminhos. Para isso, o professor tem que inovar sempre e a escola, muitas vezes,
não está preparada para situações como a inclusão, por exemplo.
2.3 Atendimento do horizonte de expectativas
Segundo Bordini & Aguiar, o professor, para atender o horizonte de
expectativas dos alunos, deverá “[...] proporcionar à classe experiências com textos
literários que satisfaçam as suas necessidades” (1988, p. 88). Após o levantamento
dos dados do questionário aplicado, utilizando-se como recurso a TV pendrive, foi
apresentada, pelo professor, uma breve biografia dos escritores Perrault e Irmãos
Grimm, para que pudessem tomar conhecimento das diferentes épocas e
sociedades em que viveram, como tiveram início as histórias infantis já que se
distanciam em mais de duzentos anos. Feito isso, foram trabalhados os textos sobre
o conto “Chapeuzinho Vermelho”, na versão francesa e alemã. Para essa ação, a
sala foi dividida somente em dois grupos por se tratar de uma turma pequena. Para
cada grupo foi oferecida uma das versões, as quais deveriam ser lidas e discutidas
entre os participantes, Posteriormente, essa discussão se abriu para a sala toda
chegando-se a um consenso de que as transformações ocorridas com a sociedade
são devidas às influências de uma cultura regional da época. Nos contos de fadas
clássicos, as mulheres eram frágeis e passivas e Perrault se preocupava com a
educação feminina.
Ao comparar essas duas versões, perceberam a diferença do desfecho final
violento de Perrault e o mais suave dos Irmãos Grimm. A história conta que
Chapeuzinho, ao visitar sua avó, segue pelo caminho mais longo sugerido pelo lobo
ao encontrá-lo na floresta. Esse caminho era o desaconselhável pela mãe. Essa
desobediência lhe custou a vida e também da sua avó que foram devoradas pelo
lobo. No final dessa história há um poema que propõe uma moral: “[...] meninas
bonitinhas não deviam dar ouvidos a todo o tipo de gente”. Se o fazem, não é de
surpreender que o lobo as pegue e devore. Perrault viveu o período da Contra-
Reforma, operada pela Igreja Católica, o que certamente influenciou a mentalidade e
a produção desse autor. Por outro lado, os Irmãos Grimm procuraram transmitir em
sua obra a noção de valores humanistas construídos pelo pensamento cristão.
Nessa versão, a garota tem uma segunda chance para reparar o erro cometido pela
desobediência, dá oportunidade para Chapeuzinho aprender a lição, ela e sua avó
são salvas pelo caçador que dá um fim ao lobo. Ao ser salva, a menina aprende a
lição: “Nunca mais eu sairei do caminho sozinha para correr do mato, quando a
mamãe me proibir fazer isso”.
Segundo Nelly Novaes (2010), a violência do mundo feudal presente nos
contos maravilhosos vai desaparecendo à medida que os tempos passam ou que a
humanidade vai refinando seus costumes.
Houve também um confronto das duas versões com o filme Deu a Louca na
Chapeuzinho, feito em 2007. A tranquilidade da vida na floresta é alterada quando
um livro de receitas é roubado. Os suspeitos do crime são Chapeuzinho Vermelho, o
Lobo Mau, o Lenhador e a Vovó, mas cada um deles conta uma história diferente
sobre o ocorrido. Cabe então ao Inspetor Nick Pirueta investigar o caso e descobrir a
verdade. Essa comédia com enredo policial, desconstrói a imagem da mulher frágil e
indefesa de Perrault, havendo uma mudança radical nos sentidos originais da
história enquanto contos de fadas. O único elo aparente com a história de
Chapeuzinho Vermelho é o livro de receitas que desaparece e a trama toda se volta
para a investigação desse roubo. A menina não é comida pelo lobo que se
apresenta não violento, a protagonista da história é a vovó, sobretudo pelo esporte
radical que pratica e por vezes até se comportar de forma imoral.
O lobo foi interpretado, pelas alunas, como um homem com boa lábia que
engana as meninas jovens para se aproveitar delas. Perceberam, ainda, com
clareza, a questão da obediência e concordam que ela deva existir. Quando
perguntado qual das duas histórias mais gostaram, disseram ser a versão alemã por
ser menos violenta, isso nos faz inferir que não houve uma identificação positiva com
o lobo.
2.4 Ruptura do horizonte de expectativas
Foram discutidas questões sobre o meio ambiente a partir do texto “Tortura
nunca mais”, que trata de uma campanha feita em prol da extinção do lobo guará.
Houve ainda, a discussão de fragmentos de outros textos extraídos da Carta da
Terra, Greenpeace, IBAMA e planeta sustentável. Após as leituras realizadas, e
apoiadas na referência do teólogo e escritor Leonardo Boff, representante da
Iniciativa Internacional da Carta da Terra que refere-se a este planeta como sendo a
única casa comum que temos para habitar, tiveram que responder questões como:
Você acredita que um dia os povos irão se unir para salvar o planeta Terra? De que
maneira? Como resposta, a maioria acredita que há esperança de que os homens
irão se unir para salvar o planeta porque caso isso não aconteça, a Terra não mais
existirá e que o motivo de não darmos a devida importância a ele é por causa da
falta de consciência do povo. Outra questão discutida foi referente ao tráfico de
animais silvestres, principalmente os pássaros. Antes dessa discussão, foi visto o
clipe onde Chico Buarque de Holanda interpreta uma canção de protesto de sua
autoria junto com Francis Hime, chamada Passaredo. Através das interjeições feitas
ao longo da letra da música, foi possível perceber a intenção de alertar os pássaros
para o perigo que o homem possa oferecer. Refletiu-se também o conteúdo do artigo
2° da Declaração Universal dos Direitos dos Animais:
Cada animal tem direito ao respeito. O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ele tem o dever de colocar sua consciência a serviço de outros animais. Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem.
Para orientar as discussões foi proposta a questão: Como você vê o tráfico
de animais silvestres (aves) no Brasil? Qual a importância das aves para o equilíbrio
dos ecossistemas? De acordo com as reflexões feitas, há preocupação com essa
questão quando citaram a importância das aves para o reflorestamento das espécies
ao espalhar sementes pelo solo, além da beleza dos pássaros e de seus cantos.
Classificaram os traficantes como cruéis e desumanos.
Cantos de alguns pássaros presentes na letra da música Passaredo, como
pintassilgo, sanhaço, bem-te-vi, uirapuru, bicudo, patativa, tico-tico, foram ouvidos
em sala de aula proporcionando momentos agradáveis e ao mesmo tempo de
reflexão quanto ao maltrato desses animais.
Novas releituras do conto “Chapeuzinho Vermelho” foram comparadas. Os
textos, “Tragédia de Paixão” de Millôr Fernandes, que de todas as versões lidas, foi
a que mais chamou a atenção da turma por apresentar um espaço rural da região
nordestina e as guloseimas típicas de lá (baba-de-moça e pudim de coco) que
chapeuzinho levava na cesta. Também por mostrar um crime passional bastante
presente na sociedade atual. Outra versão de que gostaram foi a música “Lobo
bobo” de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscule, que nos mostra um lobo (homem safado)
sob o domínio da menina (uma mulher nada ingênua). Também foi usado o texto “O
lobo caluniado” de Lief Fearn, que nos remete a valores como o certo e o errado.
Para romper o horizonte de expectativas, o aluno deveria perceber, nesta
fase, que um mesmo tema pode ser abordado de maneira mais complexa. Portanto,
às alunas, solicitou-se a leitura do conto premiado “Fita Verde no Cabelo: Nova velha
estória”, de João Guimarães Rosa, o qual se assemelha aos anteriores quanto ao
tema, mas com uma exigência maior por serem usadas técnicas de composições
mais complexas, trata-se de uma narrativa carregada de simbologia, e a presença
da característica marcante desse autor que é a criação de neologismos. Durante a
leitura, a professora foi comentando essas características do estilo do autor. Depois
da leitura do conto, o texto foi analisado e observou-se que traz alguns pontos em
comum com o “Chapeuzinho Vermelho” de Perrault, como a manifestação de
curiosidade e desobediência, próprias de comportamento infantil, porém há muitas
divergências de valores ao longo das narrativas. No conto de Perrault, os valores
são ditados pela burguesia com o intuito de doutrinar uma sociedade. Em Fita Verde,
percebe-se uma liberdade de conduta adquirida com o passar dos séculos.
Guimarães Rosa substituiu a desobediência da Chapeuzinho pela livre escolha de
Fita verde. Na releitura de Guimarães, a história valoriza o homem ao invés de
valorizar o lobo que representa a metáfora da morte, significa o medo da passagem
da infância para a adolescência e vida adulta. Não havia lobo no bosque, pois os
lenhadores que entram na história não são para salvar a Chapeuzinho, mas para
destruir as reservas naturais. A morte acontece de forma não violenta. Antes de
chegar à casa da avó, Fita verde já encontra a morte pelo caminho quando perde a
sua fita do cabelo, ou seja, encerra-se mais um ciclo, a garota havia perdido a sua
infância e entrara num processo de amadurecimento e juízo.
2.5 Questionamento do horizonte de expectativas
Numa retomada dos textos utilizados nas etapas anteriores, comparações
com a realidade retratada foram sendo feitas com a finalidade de constatar as
transformações ocorridas em cada versão devido à influência da cultura regional, do
espaço e do contexto histórico que representam. Ao fazer um comparativo das
semelhanças e diferenças encontradas, as discussões realizadas, o levantamento
de alguns pontos como a impressão de leitura, enredo, transformação da
personagem e o porquê dela, possibilitou às jovens uma visão mais ampla entre
aquilo que leram e a sua própria vida, além da percepção das dificuldades que ainda
existem. Perceberam que nas histórias atuais há mais liberdade de expressão
adquirida com o passar dos séculos. O espaço aparece como reflexo da crise que se
instalou com as mudanças nas instituições e com o avanço industrial, como o
desmatamento, a extinção do lobo pelos caçadores, dentre outros.
2.6 Ampliação do horizonte de expectativas
Esta última etapa tratou do resultado da reflexão sobre as relações entre as
leituras efetuadas e a vida. Depois de todo trabalho posto em prática, as alunas
construíram em grupo, uma paródia do conto aqui trabalhado. Para tanto, foram
abordados pela professora, de forma sucinta, os conceitos de intertextualidade,
paródia e paráfrase. A paródia produzida apresenta um enfoque diferente, atualizado
de acordo com elementos da vida moderna, num contexto histórico que estão
inseridas as alunas. Isto se evidencia quando, no texto, há a presença do uso da
Internet e os perigos que esta ferramenta pode representar, principalmente para os
jovens. Ao produzi-la puderam relacioná-la ao seu conhecimento de mundo,
despertando-lhes a consciência de que além de leitores, também podem ser
produtores de texto e num processo de interação dialogarem com o outro.
A partir dessa etapa, o processo se reinicia com uma nova aplicação do
método.
3. CONCLUSÃO
Na medida que foram oferecidas múltiplas visões de leituras de textos
literários do tema proposto, muitas reflexões foram feitas na sala de aula propiciando
às educandas a ampliação de seus horizontes de expectativas, pois esse contato
além de permitir conhecer um pouco como eram as pessoas que viveram em
diferentes tipos de sociedades e épocas, trazem a mesma problemática existencial
que permite a compreensão das relações humanas.
Já nos primeiros momentos da implementação do projeto, notou-se, por
parte das meninas, uma conscientização da importância da leitura na vida das
pessoas quando, em debate informal, foi discutida a fala da autora Maria Helena
Martins sobre o ato de ler. Isso facilitou a continuidade das atividades, face ao
interesse demonstrado, apesar da necessidade da intervenção da professora para
incentivar a participação das alunas mais tímidas para que se posicionassem
criticamente frente aos debates realizados, para que não ficassem apenas no
“concordo” ou “discordo”, de maneira a motivá-las para outros conteúdos que viriam
a ser trabalhados.
A abordagem interacionista propiciou a exposição dos conhecimentos e
opiniões após reflexão de cada atividade feita pelas alunas. O debate ofereceu a
elas a oportunidade de confrontar ideias, forçando-as a refletir sobre as das colegas,
assim, desenvolver a capacidade de arguir, expressar sentimentos, respeitar a
opinião do outro, esperar a vez para se colocar no assunto, contribuindo assim, para
o desenvolvimento da oralidade também.
Puderam verificar que há inúmeras interpretações da figura do lobo, não
havendo somente uma visão negativa (malvado sedutor). O lobo também pode ser
domesticado e até inocentado. Também puderam confirmar não somente o
pressuposto de que todo texto está vinculado aos problemas de sua época, mas que
desenvolver o interesse e o hábito de leitura é um processo constante que começa
muito cedo e aperfeiçoa-se na escola e que continua pela vida inteira.
Também constataram que realmente não há texto livre de contaminação. Ele
se produz no diálogo com outros textos. Uns impondo valores e normas, outros
rompendo essas normas e valores propondo a autonomia do leitor e que as
atividades que foram desenvolvidas possibilitaram uma melhor compreensão de
suas próprias vidas e o que é necessário modificar, tomaram consciência de que
seus horizontes eram limitados e da real importância da leitura, principalmente por
serem alunas de um curso de formação de docentes.
Fatores negativos também estiveram presentes. O fato da turma ser do
período noturno as ausências são mais constantes. Muitas vezes, as ações
planejadas para uma determinada data tiveram que ser desmarcadas em função
dessas faltas.
As atividades propostas e desenvolvidas não irão resolver toda problemática
relacionada à leitura, são apenas uma possibilidade entre tantas outras sobre o que
o professor pode fazer em sala de aula em prol do ensino de Literatura. Não se trata
de fórmulas prontas, trata-se apenas de uma sugestão para possibilitar a realização
de um trabalho. A ideia é que o professor elabore atividades que visem a atender a
necessidades específicas de grupos de alunos com características também
específicas.
Tendo em vista as informações obtidas nesta proposta, verifica-se que
apesar de saber que o problema da dificuldade com a formação do leitor não se
resolve apenas com a implementação deste trabalho e que transformar a realidade
escolar do país não é tarefa fácil, o retorno obtido das alunas resultaram
favoravelmente, na medida que foi oportunizado a elas o conhecimento do universo
de valores, costumes, comportamentos e outras culturas, de outros tempos e
lugares, possibilitando também o questionamento dessas quanto à sua condição
pessoal e social, pois os contos de fadas não têm somente a função de divertir e
encantar, mas também de desenvolver valores e impor ensinamentos relevantes à
vida. Através do conteúdo simbólico que as versões trouxeram, oportunizou o estudo
de textos que apresentam situações importantes para a sua vida.
O ensino da literatura na escola tem uma relevância significativa pelo fato de
proporcionar momentos de reflexão a respeito de nossas atitudes com relação às
outras pessoas e ao meio onde vivemos. As alunas concluíram que todas as leituras
e análises realizadas fizeram com que, segundo suas palavras, “abrissem nossa
cabeça” e “pudemos enxergar coisas que antes não enxergávamos”.
Desta forma, pode-se concluir que as histórias infantis tornam-se recursos
facilitadores e estimuladores do processo de contribuição do conhecimento de
mundo do leitor, pois o ajuda a lidar com suas emoções e valores levando-o à
transformação. Lembrando que todo processo educacional não ocorrerá em curto
espaço de tempo. As atividades realizadas em uma escola devem ser contínuas, e
que envolva a participação de todos.
Uma sugestão seria que outras obras sobre o mesmo tema pudessem ser
usadas para confronto como, “Mamãe trouxe um lobo pra casa” de Rosana Amanda
Strausz; “Chapeuzinho vermelho de raiva” de Mário Prata; e “Chapeuzinho amarelo”
de Chico Buarque de Holanda. Sugere-se, ainda, a realização de parcerias com
professores de outras áreas como Arte, História, Geografia e Ciências para uma
ação interdisciplinar.
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