a literatura como forma de combate à violência · para a necessidade de se combater a violência...
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A LITERATURA COMO FORMA DE COMBATE À VIOLÊNCIA
Cláudia Gruber1 Cláudia Garcia Cavalcante2
RESUMO
O presente artigo é parte das atividades desenvolvidas no Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE) ofertado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Objetiva debater o Projeto de Intervenção Pedagógica e seus desdobramentos em que se discutiram
as diversas formas de violência contra as mulheres (adultas, jovens e crianças) na sociedade brasileira e como tal violência é retratada nas relações de gênero existentes entre os personagens das obras do contista Dalton Trevisan. Para a implementação do
referido projeto, além do desenvolvimento e aplicação do GTR (Grupo de Trabalho em Rede) para colegas-professores de Língua Portuguesa, foi elaborado um caderno
pedagógico com seis unidades que foram trabalhadas com alunos das séries finais do Ensino Médio usando contos específicos de Dalton Trevisan e se discutiu com os educandos dados estatísticos referentes à violência contra as mulheres e crianças; foram
apresentadas leis e mecanismos de proteção a elas e histórias que causaram comoção social devido à violência ocorrida com as vítimas. A partir das atividades desenvolvidas,
este artigo se propõe a discutir, em conexão com a literatura, as causas e consequências da violência contra as mulheres e crianças, bem como analisar quais foram as alternativas de enfrentamento e superação de tal violência produzidas pelos alunos.
Palavras-chave: Violência contra a mulher; Literatura na sala de aula; Dalton Trevisan.
RESUMEN
El presente artículo hace parte de las actividades desarrolladas en el Programa de Desenvolvimiento Educacional (PDE), ofertado por la Secretaria del estado de Educación
de Paraná. Tiene como objetivo central hacer el debate del Proyecto de Intervención Pedagógico y sus desdoblamientos donde se discutirán las más diversas formas de
violencia contra mujeres (adultas, jóvenes o niñas) en la sociedad brasileña y como esa violencia está retratada en las relaciones de genero existentes entre los personajes en las
1 Professora PDE da Rede Pública do Estado do Paraná, licenciada em Letras-Português pela PUC-PR,
especialista em Literatura Brasileira Contemporânea (PUC-PR), Mestra em Estudos Literários pela UFPR. Lotada no Colégio Estadual professor Victor do Amaral – EFMP, Curitiba-PR.
2 Mestra e Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP, professora de Prática de
Ensino em Língua Portuguesa do curso de Licenciatura em Linguagem e Comunicação da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral.
Agradecimento: Agradeço a atenção e empenho da Professora Pedagoga Luana Cristina Hugen, do Colégio Victor do Amaral, para que fosse possível a implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na escola.
obras literarias del escritor Dalton Trevisan. Para la aplicación del proyecto, fue desenvuelto
y aplicado el GTR (Grupo de trabajo en Rede) para profesores socios de la Lengua Portuguesa; donde se organizó un cuaderno pedagógico conteniendo seis unidades que
fueron trabajadas en aula con estudiantes del último año de la Enseñanza Media, donde se utilizarán cuentos específicos de Dalton Trevisan e se discutió con los educandos datos estadísticos sobre la violencia contra las mujeres y los niños; también fueron presentadas
leyes e mecanismos de protección para ellos; se presentaron historias que causaran conmoción social por cuenta de la violencia ocurrida con las víctimas. Dadas esas
actividades, este artículo se propone a discutir, conectado con la literatura, las causas y consecuencias de la violencia contra mujeres e niños, bien como analizar las alternativas de enfrentamiento y superación de esta violencia que fueron producidas por los estudiantes
durante la aplicación del proyecto.
Palabras clave: Violencia contra la mujer; Literatura en aula; Dalton Trevisan.
INTRODUÇÃO
O Projeto de Intervenção Pedagógica para o Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE) ofertado pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná, surgiu após
os debates realizados no Colégio Estadual Professor Victor do Amaral, em Curitiba-PR,
durante o “Formação em Ação” de 2015, onde a temática central foi “Violências contra a
mulher: uma questão de gênero” e a orientação da mantenedora foi dar continuidade ao
debate dentro das escolas no decorrer dos próximos anos letivos, devido aos números
alarmantes de violência contra as mulheres no Brasil, conforme dados apresentados.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (DCEs),
discutidas e elaboradas com os profissionais da Educação em 2004, trazem como um de
seus pressupostos básicos, a necessidade de que ocorram debates amplos e constantes
dos novos desafios e problemas sociais contemporâneos em todas as disciplinas que
compõe o currículo escolar. Debates estes que dizem respeito às questões de gênero, raça-
etnia, classe social, heteronormatividade, sexualidades, diversidade sexual, direitos
sexuais e reprodutivos, preconceito, discriminação e violências, entre outras.
Dentre as linhas de pesquisa disponíveis para nortear os trabalhos dos docentes de
Língua Portuguesa que ingressarem no PDE, há os “Diálogos Curriculares com a
Diversidade”, onde se sugere a discussão acerca das relações de gênero. Relações essas
que podem abordar a violência contra a mulher. Por isso, optou-se elaborar um projeto
dentro dessa linha com um recorte específico para a temática voltada à violência.
O público alvo foram os alunos das séries finais do Ensino Médio, que já possuíam
mais maturidade e bagagem teórica para participar do projeto, pois sua caminhada escolar
os tornou capazes de realizar leituras diversificadas e estabelecer os devidos limites entre
o contexto e o ficcional, porém sempre levando em consideração a problematização
abordada no texto ficcional, bem como sua estilização e, para se tratar de um assunto como
a violência no ensino de Literatura, optou-se por utilizar com os discentes os contos do
escritor paranaense Dalton Trevisan que abordam esta temática, uma vez que:
A literatura, como produção humana, está intrinsecamente ligada à vida social. O
entendimento do que seja o produto literário está sujeito a modificações históricas, portanto, não pode ser apreensível somente em sua constituição, mas em suas relações dialógicas com outros textos e sua articulação com outros campos: o
contexto de produção, a crítica literária, a linguagem, a cultura, a história, a economia, entre outros. (DCE, 2008, p.57)
Dalton Trevisan, em seu fazer literário, aborda situações-limite na vida de seus
personagens que poderiam ser vivenciadas por qualquer pessoa, em qualquer época ou
contexto social, transcendendo assim os fatores tempo e espaço. A questão da violência
contra a mulher é uma constante em suas obras. Buscou-se, com o Projeto de Intervenção
Pedagógica tentar responder algumas questões como: O que faz o autor? Um alerta? Uma
denúncia? Um pedido de socorro? Ou apenas, o relato estilizado de uma situação
específica vivenciada pelos personagens?
A partir desse cenário, o trabalho com os alunos delineou os seguintes objetivos
específicos: a) coletar e analisar dados estatísticos referentes à violência contra as
mulheres em âmbito local e nacional; b) conhecer leis e mecanismos de proteção à mulher,
à criança e ao adolescente; c) realizar pesquisas sobre crimes cometidos contra meninas,
adolescentes e mulheres que causaram comoção nacional; d) analisar e discutir textos
diversos do autor com os alunos; e) refletir sobre as diversas formas de violência conta as
mulheres, utilizando outros aportes teóricos.
O início da pesquisa deu-se com a expressão “violência contra a mulher” na Internet
e a quantidade de dados que surgiram foram impressionantes, sendo que os casos
oficialmente registrados são apenas a “ponta do iceberg”. Assim como a violência contra a
mulher, a violência contra crianças e adolescentes traz um componente em comum que
precisa ser urgentemente combatido: o silêncio. Caberia então à escola, além dos saberes
sistematicamente constituídos abordar, a temática da violência, pois é preciso estar sempre
em alerta por que:
Professores, profissionais de saúde, assistentes sociais, pedagogos, enfim, todos
aqueles que lidam com crianças e adolescentes devem estar atentos aos sinais que possam denotar violência e encaminhar os casos às autoridades competentes, quais sejam: Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário. (SILVA et al, 2013, p.87,
grifos nossos).
O presente artigo tem como objetivo central apresentar o desenvolvimento das
diversas atividades realizadas durante o PDE, bem como analisar os resultados obtidos
após a término destas atividades. Além disso, pretende também chamar a atenção do leitor
para a necessidade de se combater a violência contra as mulheres, jovens e crianças.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para se realizar o presente trabalho, foram pesquisados, basicamente, os seguintes
temas: violência contra a mulher, ensino de literatura e Dalton Trevisan. Temas estes que,
a seguir, serão brevemente apresentados e comentados.
Não se intenta neste momento realizar uma discussão mais aprofundada sobre as
múltiplas violências às quais as mulheres foram submetidas no decorrer da História nem
nos aprofundarmos nos componentes que culminaram com o surgimento do movimento
emancipatório feminista ou das inúmeras discussões que permeiam as questões de gênero,
no entanto, faz-se necessário destacar alguns breves aspectos que são relevantes para se
iniciar a discussão a respeito do assunto.
Assim como a violência de raça, de religião e de classe, a violência de gênero pode
ser entendida como produto de uma construção histórica visando tão somente a
manutenção do poder instituído. Sua origem remonta aos primórdios bíblicos e mitológicos
que trazem as mulheres como as grandes pecadoras, as desobedientes. Veja-se Litilh, Eva,
Pandora ou as bruxas da Idade Média. Por causa delas e de outras que desafiaram a ordem
vigente, a obediência, submissão, recato, pudor, castidade e fertilidade, eram os atributos
mínimos que se passaram a esperar de uma mulher. Um verdadeiro “corpo dócil” como
diria Foucault.3
No Brasil, é visivelmente tardio o investimento em políticas afirmativas como forma
de eliminar ou minimizar as desigualdades historicamente surgidas e no que diz respeito à
questão da violência contra mulheres, crianças e adolescentes, os principais mecanismos
de proteção que se têm atualmente são: O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
3 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 31ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
(Lei Federal 8069, de 13 de julho de 1990); a Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340, de
07 de agosto de 2006); Delegacia da Mulher (criada em 1985 em São Paulo, SP) e os
Conselhos Tutelares (artigos 131 e 140 do ECA), muito embora ainda apresentem
problemas de efetividade e funcionamento em muitas localidades distantes.
Constatou-se, pelas leituras realizadas, que de todas as violências contra as
mulheres, crianças e adolescentes, depois do homicídio, será a violência sexual aquela que
deixará marcas mais profundas nas vítimas. Marcas estas que vão além das físicas. São
marcas psicológicas, emocionais, sentimentais, afetivas, pois, os agressores acabam por
despertar nas vítimas os piores sentimentos possíveis: raiva, medo, vergonha, rejeição.
No cotidiano escolar, muitas vezes sem saber, mulheres, adolescentes ou crianças
já foram vítimas de algum tipo de violência. Para tanto, optou-se pela Literatura como forma
de trabalhar a temática da violência contra as mulheres, crianças e adolescentes porque:
Nosso conhecimento das pessoas é limitado, nunca as conhecemos por completo,
e sempre estamos nos surpreendendo, nos encantando e, na mais dolorosa das hipóteses, decepcionando-nos com elas. Já a literatura consegue criar personagens mais coesos e coerentes, mesmo que não haja uma representação minuciosa dos indivíduos. Dessa maneira, a literatura nos fornece um retrato em profundidade dos
seres humanos, possibilitando-nos refletir sobre suas escolhas ou atitudes. (GRUBER, 2007, p.16).
Diz também Antônio Candido que: “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia,
apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas”.
(1977, p.243). Nesse sentido, o texto literário desempenhou e ainda desempenha um papel
vital na formação histórica e cultural de um povo, uma vez que ele também é fruto deste
mesmo sistema social, estando intrinsicamente ligado aos mecanismos de adequação da
língua à sociedade.
Diz ainda Antônio Candido (2000), para poder embasar seus estudos teóricos e suas
análises literárias, que há uma estreita relação entre autor – obra – leitor, ou seja, aquilo
que ele veio a chamar de “tríade indissolúvel”. Estes três elementos, a seu ver, encontram -
se intimamente ligados, sendo impossível pensá-los de forma separada; como vinha sendo
feito até então, onde o leitor era relegado a segundo plano nas análises e estudos literários.
Dois grandes teóricos: Hans Robert Jauss (Estética da Recepção) e Wolfgang Iser
(Estética do Efeito), no final dos anos 1960, mudarão a forma de discutir e se pensar os
estudos literários a analisar a importância do papel do leitor no processo da criação e da
recepção da obra literária. Ele, leitor é quem dá sentido à obra. Sem o lei tor a obra não
existiria, não teria sentido e ressonância na história e na cultura de um povo. Segundo Iser:
“Daí segue que o papel do leitor se realiza histórica e individualmente, de acordo com as
vivências e a compreensão previamente constituída que os leitores introduzem na leitura. ”
(ISER, 1996, p.78) Ou seja, para estes teóricos, mesmo que haja todo um aparato
mercadológico montado pelas editoras e respaldado pela crítica literária, será sempre o
leitor quem elegerá as obras que perdurarão e sobreviverão, instituindo e referendando o
cânone literário. Sobre a importância que desempenha o leitor nesse processo, Jouve
acrescenta: “Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de um meio e
de uma época. A leitura afirma sua dimensão simbólica agindo nos modelos do imaginário
coletivo quer os recuse quer o aceite.” (2002, p.22).
Se por um lado, há uma grande ênfase na importância do papel do leitor como
determinante no processo de ascensão ou queda de uma obra literária, há um grande
desafio que se impõe aos professores de Língua Portuguesa ao trabalharem com literatura.
Tal desafio consiste em como estimular o aluno a se tornar um leitor de textos literários,
uma vez que para tanto, é necessário que este leitor interaja de uma maneira específica
com o texto e se percebe aqui dois problemas.
O primeiro diz respeito ao modelo de aulas de literatura que, ainda hoje, obedece a
algumas regras pré-estabelecidas pelos manuais e livros didáticos. Além disso, há também
uma grande ênfase no ensino da historiografia literária já que muitos vestibulares solicitam
a leitura de obras literárias específicas e as aulas acabam sendo ministradas de maneira
teórica e expositiva, impossibilitando outras formas de interação com o texto literário, o que
acaba gerando o desinteresse do aluno, não o deixando perceber as emoções que o texto
literário desperta.
O segundo grande problema é a falta de interesse da grande maioria dos alunos de
Ensino Médio pela leitura de textos literários que surge em decorrência do primeiro
problema exposto, uma vez que a maneira com que se ensina literatura não atende ao que
se chama de “horizonte de expectativas” desse público leitor, pois a seleção de textos
literários feita pelos livros didáticos ou exigidas para um concurso vestibular não consegue
interagir de maneira frutuosa com os jovens que, quiçá, desejem em suas leituras tipos
distintos de experiências daqueles que lhes são propostos.
Diante do que se poderia chamar de uma “crise no ensino da literatura”, as DCEs
buscaram tanto na Estética da Recepção, de Jauss, quanto na Estética do Efeito, de Iser,
ambas da década de 1960, os pressupostos teóricos para uma nova maneira de se
trabalhar o ensino de Literatura nas escolas da rede estadual do Paraná e sugerem para
os professores da rede estadual do Paraná o uso do chamado Método Recepcional que foi
desenvolvido pelas Professoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar e conta
com cinco etapas de aplicação: 1º determinação do horizonte de expectativas; 2º
atendimento ao horizonte de expectativas; 3º ruptura dos horizontes de expectativas; 4º
questionamento do horizonte de expectativa e 5º ampliação do horizonte de.
Acreditamos ser o Método Recepcional um dos que melhor cumpre didaticamente
com o papel do ensino de Literatura atualmente já que procura levar em conta as
experiências de leitura do aluno, propondo-lhe constantes desafios para torná-lo um leitor
literário crítico e competente. Diante disso, o papel do professor é fundamental como
elemento contextualizador e intermediador entre o texto literário, a historiografia e o aluno -
leitor, já que ao se passar por um texto literário, mesmo que não se esgote totalmente o
seu sentido, a pessoa sempre sairá mais enriquecida, transformada após a leitura realizada.
Este foi um dos motivos qual foram escolhidos os textos do escritor paranaense
Dalton Trevisan para a realização do Projeto de Intervenção Pedagógica, pois ele retrata a
miséria ou a decadência do indivíduo comum, sem sobrenome, aquele em quem
esbarramos todos os dias pelas ruas e que nos é invisível. Seus personagens são joões e
marias anônimos que circulam pela cidade.
Sua extensa produção literária, que se inicia em 1945, na revista literária Joaquim
e se estende até o presente momento4, enseja uma variedade de leituras possíveis. Além
disso, sua linguagem apresenta uma série de peculiaridades como a coloquialidade e a
simplicidade narrativa com que os personagens se expressam, o que facilita aos alunos a
compreensão dos dramas vivenciados pelos personagens. O autor incorpora em seu
universo uma série de problemas concretos como a fome, a miséria, a pobreza e a violência.
Violência essa que se reflete nas relações de gênero, pois, seus joões e marias ficcionais
são postos diante de situações-limite no que diz respeito à violência.
Diante disso, as obras de Dalton Trevisan possibilitariam uma profunda reflexão junto
aos alunos do Ensino Médio para sensibilizá-los e alertá-los sobre a violação dos direitos e
da dignidade humana. As situações de violência contra as personagens femininas
trevisânicas apresentam, por vezes, uma realidade que é incômoda, difícil de ser discutida,
enfrentada, porém, que está posta e é uma constante.
4 Em 2014, Dalton Trevisan publica seu mais recente livro de contos. TREVISAN, Dalton. O beijo na nuca.
Rio de Janeiro: Record, 2014.
Esse homem é meu padrasto. Na frente da mãe se faz de todo bonzinho. Me chama
de filhinha. Põe no colo. E traz presente. [...] Esse homem, sabe? Não para de mexer comigo. Ai, que nojo. Me afoga de tanto abraço e beijo. Até na boca. Ui, beijo molhado. Eu não gosto. Ele tem bigode e um bafão de pinga e cigarro. (TREVISAN,
2008, p. 29, grifos nossos).
Não há nas obras de Dalton Trevisan uma discussão social nem posicionamentos
político-ideológicos explícitos. Há, na maioria das vezes, histórias de indivíduos vivenciando
situações-limite e o abuso sexual, a pedofilia e o estupro configuram-se como as piores
formas de violência contra as personagens femininas do autor. O texto causa então um
efeito de tensão e incômodo ao leitor. Mas, ao mesmo tempo:
Ler, pois, é uma viagem, uma entrada insólita em outra dimensão que, na maioria
das vezes, enrique a experiência: o leitor que, num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictício, num segundo tempo volta ao real nutrido da ficção. (JOUVE, 2002, p.109).
Por esse motivo, é fundamental que os Professores de Língua Portuguesa, além de
serem ávidos leitores e pesquisadores constantes, propiciem os suportes e as condições
para que seus alunos consigam realizar criticamente suas leituras.
METODOLOGIA DE TRABALHO
Dentre as diversas atividades desenvolvidas no PDE, durante o ano de 2016,
realizaram-se quarenta horas de inserção na escola. Tal atividade visava um diagnóstico
das demandas existentes pela comunidade escolar no que diz respeito às questões
propostas no Projeto de Intervenção Pedagógica. Nestas visitas, conversou-se com os
professores de Língua Portuguesa, Direção e Equipe Pedagógica para se ter noção das
melhores formas de intervenção com a turma onde o projeto seria desenvolvido. Ainda em
2016, paralelo à visitação, foram confeccionados o Caderno Pedagógico-Temático para
aplicação da Proposta de Intervenção Pedagógica e também organizado o material a ser
utilizado durante o GTR (Grupo de Trabalho em Rede). Já no primeiro semestre de 2017,
foi desenvolvido o GTR com professores da rede estadual e se deu a implementação do
Projeto de Intervenção Pedagógica com os alunos de uma turma de terceiro ano do Ensino
Médio. A seguir, serão apresentadas as atividades desenvolvidas no decorrer desses
dezoito meses de trabalho:
1. CADERNO PEDAGÓGICO-TEMÁTICO
O Caderno Pedagógico-Temático, parte integrante do PDE, foi produzido como um
material que se destina basicamente a professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio
das escolas da Rede Estadual de Ensino do Paraná, diretamente vinculado ao Projeto de
Intervenção Pedagógica. Além disso, pode servir como fonte de pesquisa para pessoas
interessadas nos assuntos centrais abordados no mesmo. O material encontra-se dividido
em seis unidades para serem trabalhadas em trinta e duas aulas: Unidade 1 – Teorizando
a obra de Dalton Trevisan (duas aulas); Unidade 2 – Discutindo os índices de violência
contra mulheres, crianças e adolescentes (seis aulas); Unidade 3 – Conhecendo leis e
mecanismos de proteção à mulher, à criança e aos adolescentes (seis aulas); Unidade 4 –
Relembrando os ausentes (seis aulas); Unidade 5 – Desvendando o universo trevisânico
(seis aulas) e Unidade 6 – Refletindo sobre as diversas formas de violência (seis aulas).
O objetivo desse material foi levantar possibilidades de debate sobre as diversas
formas de violência a que as mulheres (adultas, jovens e crianças) estão expostas na
sociedade, utilizando-se dos contos do escritor Dalton Trevisan, que permearam todas as
unidades. No próprio ambiente escolar há múltiplas formas de violência ocorrendo, sejam
elas físicas ou verbais e, ao abordar tal temática durante as aulas, o professor pode inserir
os alunos neste universo e debater o assunto, analisar as causas e refletir sobre as
consequências na vida das pessoas vitimizadas. Novos olhares sobre um antigo problema.
Além dos textos ficcionais apresentados nas seis unidades, foram inseridos outros
gêneros textuais para serem trabalhados, utilizando assim os três eixos do ensino da
Língua Portuguesa que se encontram previstos tanto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais quanto nas DCEs de Língua Portuguesa: oralidade, leitura e escrita.
A maior parte das atividades elencadas no Caderno Pedagógico foram propostas
para serem realizadas em grupos no Laboratório de Informática, uma vez que a internet é
ferramenta essencial para realização das mesmas, já que, em determinadas unidades há
pesquisas a serem realizadas e os alunos já têm uma grande familiaridade com a rede.
Além disso, colocar os alunos em grupos, sugere uma forma de estimular o
companheirismo, a cooperação e a colaboração entre a turma e desta forma, criar laços de
solidariedade e respeito mútuo.
Ainda, todas as Unidades Didáticas apresentaram o seguinte formato: breve
introdução que traz os principais objetivos a serem trabalhados; um pouco de teoria para
auxiliar o professor nas atividades elaboradas; as estratégias de ação com sugestões de
materiais e metodologias a serem empregadas; sugestões de leitura extras; tempo de
duração e recursos a serem utilizados para cada atividade e, quanto à Avaliação, ao final
das Unidades Didáticas há um tópico discutindo o assunto e dando sugestões.
2. GRUPO DE TRABALHO EM REDE (GTR)
O Grupo de Trabalho em Rede (GTR), parte componente do PDE, é um curso online
de capacitação com 60 horas de duração, ofertado aos professores da rede estadual de
ensino. Neste curso, os professores escolhem uma das propostas de Intervenção
Pedagógica dos professores PDE, inscrevem-se e realizam as tarefas propostas dentro de
um cronograma previamente estabelecido. O GTR deste ano de 2017 foi composto por três
módulos: o Módulo 1 – Aprofundamento Teórico – discutiu o referencial teórico proposto
pela professora PDE; o Módulo 2 – Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola e
Produção Didática-Pedagógica – discutiu os desafios enfrentados na escola, via projeto de
intervenção pedagógica, da professora PDE e também dos projetos apresentados pelos
cursistas. Já o Módulo 3 – Implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola
– propôs aos cursistas a elaboração de um plano de ação para suas escolas. Todos os
módulos trouxeram materiais complementares específicos (vídeos, imagens, sugestões de
sites e textos), previamente selecionados pela professora PDE.
Os treze cursistas inscritos no GTR tiveram que interagir em fóruns específicos de
debates, discutir suas realidades escolares e, a partir das demandas apontadas,
produzirem projetos de intervenção. Dentre os treze cursistas, houve apenas um professor,
sendo ele e mais duas professoras da cidade de Curitiba. As demais professoras eram de
cidades da região metropolitana de Curitiba ou do interior do estado, porém, eles foram
unânimes em afirmar que já vivenciaram casos de violência contra seus alunos e alunas.
Dos treze cursistas que iniciaram o GTR, onze o concluíram e, em seus relatos, sempre
deixaram evidente o problema da violência dentro das escolas e do sentimento de
impotência que sentiam ao não poderem intervir da maneira com que realmente gostariam
de fazer em tais situações.
3. IMPLEMENTAÇÃO
A implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica ocorreu entre fevereiro a
julho de 2017 com alunos da turma 3D que é composta por vinte e oito alunos, sendo
dezesseis rapazes e doze moças na faixa etária de 16 a 19 anos. Todos eles estão inscritos
para realizar as provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) 2017.
Na primeira Unidade do Caderno Pedagógico-Temático – Teorizando a obra de
Dalton Trevisan – a estratégia de ação proposta foi a apresentação do contista para a turma
com a distribuição de microcontos previamente selecionados de Dalton Trevisan para que
os alunos fizessem a leitura oral dos mesmos e buscassem identificar alguma das
características do autor, registrando suas impressões pessoais a respeito dos textos
apresentados. Nessa atividade, observou-se que havia um pequeno conhecimento prévio
de quem era Dalton Trevisan, pois os alunos já tiveram oportunidade de realizar a leitura
de alguns contos do autor em anos anteriores e sabiam que o mesmo é uma personalidade
local. Porém, não conheciam características específicas de suas obras, bem como quais
eram as temáticas abordadas por ele. Na breve biografia entregue a eles, observaram o
conjunto de suas obras e, ao lerem os microcontos, puderam identificar, já com algum
domínio, as características apontadas no material. Chamou-lhes a atenção as falas
relacionadas à postura masculina machista dos personagens e o porquê de tais
comportamentos. Ainda, observaram que o contista tem um senso de humor bastante
ácido, que beira à ironia.
Na Unidade 2 – Discutindo os índices de violência contra mulheres, crianças e
adolescentes – a estratégia de ação proposta era a apresentação para a turma de várias
manchetes de jornais locais, com um breve debate sobre o assunto central das mesmas
que era o estupro. Os alunos não tinham noção do grau de violência que ocorre na cidade
e no estado. Antecipou-se a apresentação de dados estatísticos do país, pois não houve a
oportunidade de deslocá-los até o Laboratório de Informática. Novo espanto com os dados,
o que demonstrou um total desconhecimento do grau de violência que há no Brasil.
Realizou-se a leitura do conto de Dalton Trevisan intitulado “O maníaco ataca”5 que
relata em primeira pessoa, um caso de estupro. Na sequência, os alunos foram divididos
em cinco grupos e estabeleceram comparativos entre o conto e as manchetes, analisando
assim a intertextualidade presente no texto. Concluíram seus relatos observando que a
5 TREVISAN. Dalton. O maníaco do olho verde. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 105 a 108.
história se apropriou de fatos cotidianos, como o local e o horário do estupro da
personagem, refletindo assim a dura realidade que os cerca. Posteriormente, foi-lhes
entregue uma relação de sites que deveriam ser utilizados para a pesquisa das cinco
regiões do país e se solicitou que, a partir das informações que julgassem relevantes,
produzissem individualmente um pequeno texto dissertativo com base na proposta de
Redação do ENEM 2015: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade
brasileira”, ao invés da confecção de cartazes com os dados coletados de cada região. Tal
mudança de estratégia se deu devido ao aproveitamento do Plano de Ação Docente do
Primeiro Trimestre das turmas de terceiros anos que previa o trabalho com textos
dissertativos. Foram escolhidos os melhores textos que, devidamente corrigidos,
compuseram um painel sobre violência contra a mulher que se encontrou exposto na
Biblioteca da escola até o final do primeiro semestre letivo de 2017.
Já a Unidade 3 – Conhecendo leis e mecanismos de proteção à mulher, à criança e
aos adolescentes – teve como estratégia de ação a divisão da turma em cinco grupos, com
a entrega da primeira parte do conto “Numa rua escura”6 para que eles realizassem a leitura
do texto. A seguir, solicitou-se que os grupos dessem um encaminhamento à situação da
personagem Maria, o que eles achavam que poderia ser feito “legalmente” numa situação
como a dela, lembrando-lhes que a jovem tinha apenas quinze anos de idade quando foi
estuprada. Nos relatos dos grupos para a turma houve finais variados como a prisão e
condenação dos acusados logo após o incidente, fuga dos mesmos e posterior prisão e
morte na cadeia. Já com Maria, houve grupos que optaram por torná-la uma justiceira e
mandar matar os seus agressores; outros fizeram com que a personagem descobrisse que
estava grávida e depois optasse pelo aborto, já outros fizeram com que ocorresse a
gravidez e a criança fosse concebida. Com a turma ainda em grupos, foram apresentados
os trechos das seguintes leis: “Constituição da República Federativa do Brasil” (artigo 5º);
“Estatuto da criança e do adolescente” (artigo 5º) e “Lei Maria da Penha (artigo 2º) ” e os
mecanismos de proteção à mulher, à criança e aos adolescentes: Delegacia da Mulher;
Delegacia da Criança e do Adolescente; Conselho Tutelar; Disque 100 e Disque 180. Não
se comentou a finalidade dos mesmos, optou-se por indicar direto o objetivo da atividade
que foi a pesquisa de tais mecanismos. Orientou-se que fossem confeccionados panfletos,
que ficaram à disposição da comunidade escolar, com linguagem simples e acessível com
as seguintes informações: a) o que é; b) como funciona; c) qual é o público atendido; d)
6 TREVISAN, Dalton. Rita, Ritinha, Ritona. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.87 a 89.
local e horários de funcionamento. A finalização se deu com a entrega da segunda parte do
conto junto com o artigo 213 do Código Penal que fala sobre as penas para o estupro, para
que os grupos comparassem os finais feitos por eles e o final feito pelo contista.
A Unidade 4, intitulada Relembrando os ausentes, iniciou-se com a leitura oral do
texto “Maria Bueno” 7 pelos alunos. Chamou-se a atenção da turma para a estrutura do
texto, onde uma narrativa foi transformada em poema, indagando-lhes o que queria o autor
com esse recurso? Se havia um narrador para a história? Quem seria esse narrador? Que
posição ele assumiu diante dos fatos e como o texto em questão poderia ser classificado.
Destacou-se também a temática da morte, a dor da traição, o destino infeliz e trágico dos
personagens. A partir disso, pediu-se aos alunos que comentassem o que sabiam a
respeito da história de Maria Bueno – personalidade bastante conhecida em Curitiba.
Chamou muito a atenção o fato de nenhum dos alunos saber quem foi Maria Bueno, já que
ela é tida como uma santa muito popular em Curitiba e no Dia de Finados, formam-se filas
no seu túmulo (Cemitério Municipal de Curitiba) para pedir ou agradecer milagres. Na
sequência, foram levantadas impressões a respeito de mortes de mulheres, moças e
meninas que causaram comoção social devido à violência ocorrida com suas vítimas,
destacando o tratamento dado pela mídia ao fato ocorrido. Formados os grupos, foram
sorteados os seguintes nomes: Araceli Cabrera Sanchez Crespo; Cláudia Lessin
Rodrigues; Isabella de Oliveira Nardoni e Raquel Genofre. Trabalhou-se a estrutura do
recurso jornalístico do Lead e se esboçou, com auxílio dos alunos, dois exemplos de Lead
a partir do texto “Maria Bueno” para ilustrar a priorização de determinados elementos
narrativos. Os grupos pesquisaram suas histórias, criaram leads, montaram um mural e
expuseram os casos para a turma. O objetivo desse mural foi o de fazer com que os alunos
percebessem que a violência contra mulheres, moças e meninas, diferente dos crimes
cometidos contra os homens, traz componentes de extrema crueldade e violência sexual.
Com relação às vítimas pesquisadas, a maioria dos alunos só tinha ouvido falar na história
de Rachel Genofre8, por ser um caso que até hoje ainda repercute na mídia local.
Já a Unidade 5, Desvendando o Universo Trevisânico, trabalhou com cinco contos
específicos de Dalton Trevisan: O padrasto (2008); A pior morte (2006); 157 (1994); 58, 60,
7 TREVISAN, Dalton. O anão e a ninfeta . Rio de Janeiro: Record, 2011. 8 Rachel Maria Lobo Genofre (1999-2008): a garota sumiu no final da tarde de 03 de novembro de 2008, logo
após sair do colégio no centro de Curitiba-PR. O laudo pericial acusou a morte no mesmo dia entre às 20h e 24h. O corpo foi abandonado dentro de uma mala, embaixo de uma escada, na rodoferroviária de Curitiba com sinais de violência sexual. Não há suspeitos. O inquérito corre até hoje em segredo de justiça.
62, 64 (1997) e Sim, Senhor (2005). Os alunos foram separados em grupos e receberam
os contos selecionados, tiveram tempo para uma primeira leitura e discussão preliminar dos
mesmos, nas aulas seguintes responderam uma discussão dirigida composta por dezoito
questões que abordaram a temática e os elementos narrativos, bem como se sugeria a
continuidade das histórias. Na última aula destinada para esta unidade, os alunos fizeram
o relato dos contos trabalhados para toda a turma. Teceram considerações a respeito das
leituras realizadas, que lhes causou medo, insegurança e impotência diante de como os
fatos foram narrados. Contaram que conheciam casos parecidos e concluíram que há muita
violência ocorrendo ao nosso redor e que não dão conta da mesma.
Na última Unidade Didática – Refletindo sobre as diversas formas de violência –
houve uma mudança substancial do que estava previsto pois surgiram demandas
específicas no decorrer das aulas e se optou por trabalhar somente uma produção textual
próxima aos moldes do ENEM (trinta linhas) que abordou a seguinte questão: “Como ser
mulher e viver numa sociedade machista? ”. Para tanto, o ponto de partida foi o feminicídio
da jovem Mahara D`Avilla Scremin9, ocorrido no bairro do Boqueirão, onde se localiza a
escola e que teve forte repercussão local. Na sequência, os alunos receberam textos de
apoio que falavam sobre machismo e estupro para a realização de suas produções textuais.
No material produzido pelos alunos, além de discutir causas e consequências da violência
contra a mulher, era necessário que houvesse a proposição de alternativas de
enfrentamento e possíveis superações de tal violência.
Tal atividade foi estendida para mais quatro turmas de terceiros anos do Ensino
Médio, uma vez que textos dissertativos estavam propostos no Plano de Trabalho Docente
do primeiro trimestre letivo. Além disso, aproveitou-se para se realizar uma comparação
entre os textos produzidos pela turma PDE e os outros produzidos pelas demais turmas.
Para se analisar os textos produzidos pelas cinco turmas de terceiros anos do
colégio, usaram-se os seguintes critérios: ótimo, bom e regular no que diz respeito aos
seguintes aspectos: a) formal (respeito ao limite de linhas proposto, ausência de borrões e
rasuras, espeito às margens e parágrafos e letra legível) b) gramatical (uso da norma culta
da língua, respeitando acentuação, ortografia, concordâncias e regências) c) estilístico
9 MAHARA D´AVILA SCREMIN: jovem de 23 anos, estudante de Direito, moradora do Boqueirão, Curitiba -PR, morta na madrugada do dia 31 de maio de 2017. O ex-marido da vítima, desconfiado que ela tinha
arrumado um namorado, arquitetou sua morte. Enio Bertoncello foi à casa da jovem e a esfaqueou diversas, levando alguns pertences para simular um assalto. In: http://www.bandab.com.br/seguranca/ex-que-matou -estudante-de-direito-postou-luto-nas-redes-sociais -e-mantinha-fotos-com-vitima/ acesso em 19/08/17.
(coesão e coerência, semântica adequada, uso de conectivos) e d) estrutural (respeito à
estrutura básica do texto dissertativo: introdução, desenvolvimento e conclusão).
Houve muitos textos regulares que, de um modo geral, não obedeceram aos
aspectos solicitados, sobretudo nos aspectos estilísticos e estruturais. As frases foram
muito longas, confusas, com a presença de muitos lugares comuns e sem a apresentação
de propostas efetivas de intervenção. Nos aspectos básicos – formal e gramatical – houve
erros recorrentes no que diz respeito, sobretudo, ao uso correto de concordâncias verbais
e nominais e também uma grande quantidade de erros básicos de ortografia e acentuação
de palavras de uso corrente, o que denota haver a falta de pré-requisitos básicos destes
alunos e também a falta de hábitos de leitura. Veja-se: “No meu ponto de vista da sociedade
tudo isso já virou uma coisa tão comum que a maioria das pessoas não ligam muito mas
sim tem como mudar isso. ” (Aluno, 3ºA, produção textual em 26/06/2017) ou ainda: “Bom,
sinceramente eu não sei porque sou homem, o que sei é que a mulher conseguiu adquirir
um grande espaço na sociedade pois a mulheres fazem trabalhos que antigamente só os
homens poderiam. ” (Aluno 3ºB, produção textual em 04/07/2017)
Salienta-se que, no decorrer das atividades propostas, foram retomados em sala de
aula aspectos referentes à estrutura básica do texto dissertativo, com exercícios voltados à
elaboração de diferentes tópicos frasais, relações de causa e consequências e também
propostas de intervenção para temas já abordados nos ENEMs anteriores.
Houve textos, não apenas da turma onde foi aplicado o Projeto de Intervenção
Pedagógicas, resguardadas as devidas proporções, que se sobressaíram em todos os
aspectos, demostrando, sobretudo consciência crítica a respeito das múltiplas violências às
quais as mulheres, jovens e crianças, sofrem cotidianamente:
O machismo, durante muitos anos, vem sendo pregado como uma situação normal,
onde as mulheres tem a obrigação de serem submissas aos homens, começando
desde a figura patriarcal do pai, até a união com seu esposo onde a submissão
tende a ser maior. (Aluna, 3ºF, produção textual em 27/06/2017)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta inicial do trabalho do PDE buscava, ao abordar a questão da violência
contra as mulheres e também contra as crianças, via estratégias de ação adotadas no
Projeto de Intervenção Pedagógica, poder despertar um olhar mais sensível e humanitário
para esta situação, fazendo da escola um espaço de diálogo e confrontação entre os
saberes sistematizados e os conhecimentos cotidianos dos discentes envolvidos no projeto
e demais membros da comunidade escolar.
Das seis Unidades Didático-pedagógicas trabalhadas, cinco delas apresentaram
diversos textos de Dalton Trevisan para a turma escolhida. De maneira geral, os textos
ficcionais causaram um profundo impacto e desconforto nos alunos que não estavam
acostumados a verem situações limítrofes de violência apresentadas num texto literário, já
que, via de regra, a visão de literatura dos mesmos, estava voltada para obras de
entretenimento e por fragmentos textuais constantes nos livros didáticos. Diante do impacto
causado pelos textos, surgiram indagações sobre o porquê de se retratar tal violência, se o
autor estaria fazendo um alerta, uma denúncia, um pedido de socorro ou se eram apenas
relatos estilizados de situações vivenciadas pelos personagens. Indagados a respeito
dessas questões, os alunos vislumbraram nas histórias lidas preocupação do autor em
retratar a violência cotidiana, já que para eles, a linguagem empregada nos textos, buscou,
com um falar coloquial, dialogar com quem lia o texto e assim, expor com propriedade as
dores e sofrimentos das vítimas. Segundo os alunos, era como se as moças, meninas e
mulheres abusadas, estivessem falando diretamente com e para eles. Os textos de Dalton
Trevisan também lhes facilitaram o entendimento da função social da literatura como
mecanismo de denúncia de violências, injustiças, desigualdades e abusos diversos, já que,
no segundo semestre deste ano, iniciou-se o trabalho com outros autores contemporâneos.
Com relação às demais turmas que também trabalharam a Unidade Seis, houve uma
aceitação positiva para se discutir a temática da violência contra mulheres, jovens e
crianças, sobretudo quando se abordou a morte da jovem Mahara D´ávila Scremin para a
realização da produção textual.
Diante das diversas atividades realizadas, percebeu-se que faltam muitos pré-
requisitos aos alunos no que diz respeito à capacidade de expressarem suas opiniões por
escrito, usando a linguagem formal. Falta-lhes também um repertório maior de leituras
literárias e conhecimentos a respeito da história da cidade em que vivem, porém há
curiosidade e interesse quando lhes é ofertado material que introduza e instigue à leitura.
A respeito do hábito de leitura, a visita à biblioteca escolar ou outras bibliotecas pode ser
um estímulo importante, haja vista a possibilidade de sair do espaço tradicional da sala de
aula e colocar os alunos em contato direto com leituras variadas. Considera-se vital neste
quesito que a escola possua um acervo diversificado e atualizado, que haja investimento
na compra periódica de livros para ampliação do acervo.
Observou-se também que não lhes foi comum até então serem avaliados nas três
esferas de conhecimentos da Língua Portuguesa: oralidade, leitura e escrita, como
apontam as DCEs, sobretudo no que diz respeito à oralidade. Por isso, sugere-se que o
trabalho de avaliação do professor de Português no ensino da Literatura busque contemplar
tais aspectos, observando: a) na Oralidade, a participação dos alunos nas apresentações
de trabalhos em grupo desenvolvidos, na maneira com que realizam seus relatos, se
expõem com objetividade suas ideias e pontos de vista sobre os temas abordados; b) na
Leitura, se, ao ler, os alunos, ativam conhecimentos prévios e identificam as diferentes
vozes presentes no texto literário, a estilização do mesmo e se realizam a distinção entre
diferentes gêneros textuais e c) na Escrita, se as produções textuais dos alunos encontram-
se adequadas aos gêneros textuais que lhes foram propostos; se para textos dissertativos,
apresenta-se coerência e coesão textual e argumentação consistente.
Outra questão importante é ampliar a discussão no interior das escolas a respeito da
violência contra mulheres, jovens e crianças, de maneira constante e também envolvendo
outras disciplinas e segmentos da comunidade escolar nesse debate. Por isso, sugere-se
que o material elaborado no Caderno Pedagógico-Temático seja um ponto de partida e
possa colaborar com os professores para a promoção de atividades e debates onde se
apontem alternativas de enfrentamento para esse grave problema social e que as
atividades desenvolvidas no PDE contribuíam com a melhoria do processo ensino-
aprendizagem e com a formação da criticidade para um amplo exercício da cidadania dos
alunos e demais membros da comunidade escolar.
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