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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ROSEMEIRE MOREIRA LEITE A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da Educação Formal MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ROSEMEIRE MOREIRA LEITE

A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da

Educação Formal

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO 2014

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ROSEMEIRE MOREIRA LEITE

A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos

Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da

Educação Formal

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profa. Doutora Jeni Silva Turazza.

SÃO PAULO

2014

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ROSEMEIRE MOREIRA LEITE

A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da

Educação Formal

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profa. Doutora Jeni Silva Turazza.

Área de concentração: Data da defesa: __ de____________________ de _____ Resultado:_____________________________________ BANCA EXAMINADORA _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________

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Autorizo, para fins exclusivamente acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos. Ass. _______________________________ ___ de_______________de 2015.

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A todos que anseiam pela formação de leitores proficientes e, especialmente, aos que trabalham para que a leitura significativa não seja somente um sonho.

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AGRADECIMENTOS

Sou muito grata pela minha vida tal qual ela tem sido desde que nasci até a

concretização desse momento tão especial. Agradeço a Deus pela família que me deu, a

iniciar pela MÃE maravilhosa que não viveu para me ver realizar este sonho, mas que

daria a própria vida para que eu o realizasse.

Sou grata ao meu esposo, companheiro e cúmplice, que sempre acreditou em mim e me

apoiou mesmo quando eu não mereci o seu apoio, e à minha filha Luiza, pequena leitora

que me inspira na busca da formação de leitores proficientes. Obrigada, filha, por ser tão

pequena e já compreender minhas ausências e por retribuir o meu amor incondicional por

você.

Às amigas Elaine e Meire, por fazerem parte de toda minha trajetória de busca pela

formação do leitor proficiente, desde quando eu era apenas uma menina que sonhava, e

às amigas, Adriana, Laura e Silvia, que conheci no mestrado e que tornaram meus dias

mais felizes.

Agradeço à professora Jeni, a melhor orientadora que eu poderia ter! Sou extremamente

grata por todas as tardes em que fui inebriada pelo seu conhecimento, cultura,

acolhimento e bondade! Obrigada por ter sido minha orientadora e, muitas vezes, amiga,

conselheira e até um pouco mãe, nos momentos em que eu precisei de colo.

Sou grata também às professoras examinadoras por todas as contribuições. À professora

Regina, minha querida Reca, primeiramente, pelo curso maravilhoso de discurso

científico, depois pela correção e revisão apurada de meu capítulo teórico e pela leitura

generosa e todas as intervenções no exame de qualificação. À professora Magali, pela

objetividade e precisão de seus apontamentos, todos cruciais para que meu objeto de

pesquisa fosse contemplado.

A todos os professores do curso pelas contribuições para o meu projeto e para minha

formação geral, aos colegas pesquisadores do DIPLE, com os quais eu aprendo muito

todas as semanas e, em especial, ao professor Cassiano, por quem eu tenho grande

respeito e admiração.

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LEITE, Rosemeire Moreira. A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: recursos léxico-gramaticais no espaço do ensino-aprendizagem da educação formal. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.

RESUMO

Esta Dissertação situa-se na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino da Língua

Portuguesa, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e tematiza os processos de construção de

sentidos, desenvolvidos por meio da leitura significativa do texto escrito.

Fundamentada pelos princípios e pressupostos da Educação Linguística, bem como da

Linguística Textual de vertente sócio interacionista, a presente pesquisa tem por objetivo

principal a reflexão sobre teorias e práticas para a formação leitores proficientes, capazes

de atribuir sentidos aos textos escritos, por meio do diálogo e da interação com os

mesmos.

Embora a leitura seja tematizada em muitas pesquisas acadêmicas de significativo

prestígio, ainda há muito a ser conquistado nas práticas de ensino-aprendizagem desse

tema na escola formal. Sendo assim, a motivação desse trabalho associa-se aos

péssimos resultados revelados por avaliações nacionais e internacionais voltadas à

caracterização dos leitores formados pela escola regular contemporânea.

Para tal, os estudos serão organizados, inicialmente, por uma pesquisa bibliográfica de

caráter historiográfico, com intuito de situar historicamente a educação formal no que se

refere ao ensino da leitura do texto escrito desde sua origem e, posteriormente, pela

apresentação de métodos e concepções de leitura e de sua aprendizagem significativa,

culminando em uma proposta de sequência didática orientada pelos princípios da

Educação Linguística que norteiam essa dissertação.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; cognição; Educação Linguística; ensino-aprendizagem.

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LEITE, Rosemeire Moreira. A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: recursos léxico-gramaticais no espaço do ensino-aprendizagem da educação formal. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.

ABSTRACT

This dissertation was written by following reading, writing and teaching research of

Portuguese language, belonging to the postgraduate Studies program in Portuguese

Language from the Pontifical Catholic University of São Paulo and discusses the

processes of construction of senses, developed through the reading of written text.

Based on the principles and assumptions of Linguistic Education, as well as the Textual

Linguistics of interacting strand partner, this research has as main objective the reflection

on theories and practices for training proficient readers, capable of assigning senses to

written texts, by means of dialogue and interaction with them.

Although the reading is themed in many academic research of significant prestige, there is

still much to be achieved in the teaching-learning practices of this theme in formal school.

Thus, the motivation of this work associates to lousy results revealed by national and

international assessments focused on characterization of regular school formed by

contemporary readers.

To this end, studies will be organized, initially by a literature search of historiographical

character, in order to situate historically formal education with regard to the teaching of

reading text written in their origins and, subsequently, by the presentation of methods and

conceptions of reading and its meaningful learning, culminating in a proposal of didactic

sequence guided by principles of Linguistic Education that guide this dissertation.

KEYWORDS: Reading; cognition; Linguistic Education; teaching and learning.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................

CAPÍTULO I – A HISTÓRIA DA LEITURA PELA HISTÓRIA DO TEXTO ESCRITO....

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAS...................................................................................

1.2 A ESCRITA DO SISTEMA NUMÉRICO E DO SISTEMA ALFABÉTICO................

1.3 A APRENDIZAGEM ESCOLAR DA LEITURA E DA ESCRITA: O PAPEL SOCIAL

DO ESCRIBA....................................................................................................

1.4 A FORMAÇÃO DO LEITOR E O SEU PAPEL SOCIAL: RESGATE DO PASSADO

PELO PRESENTE........................................................................................

1.4.1 A LEITURA E O LEITOR ENTRE O VOLUMEM E O CODEX........................

1.4.2 O LEITOR DO VOLUMEM NO TEMPO DOS MANUSCRITOS......................

1.4.3 O LEITOR ENTRE O CODEX E A IMPRESSÃO............................................

1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO: UM NOVO JEITO DE LER..............................

1.6 A HISTÓRIA DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA......................................

1.6.1. A HISTÓRIA DAS CARTILHAS......................................................................

1.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

CAPÍTULO II - FUNDAMENTOS TEÓRICOS: FACILIDADES E DIFICULDADES

PARA A APRENDIZAGEM DE PRÁTICAS DE LEITURA...........................................

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................

2.2 MODOS DE DIZER E DE OUVIR AS VOZES LEITORAS DO PASSADO.............

2.2.1 AS LEITURAS EM VOZ ALTA E A SILENCIOSA NA EUROPA OCIDENTAL .......

2.3 AS PERMANÊNCIAS NAS DIVERSIDADES: MODELOS DE PRÁTICAS DE

LEITURA.......................................................................................................................

2.4 O TEXTO PRODUTO E O TEXTO PROCESSO PELO ATO DA LEITURA ..........

2.4.1 O PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES PELO PRODUTOR-LEITOR

2.4.2. A CORRELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM-LÍNGUA E FALA:

PENSAMENTO E COGNIÇÃO ............................................................................

2.4.3 COGNIÇÃO E MEMÓRIA: MODELOS DE PROCESSAMENTO DE

INFORMAÇÕES ....................................................................................................

2.4.4 A MEMÓRIA SEMÂNTICA DO LONGO PRAZO E SEUS ARMAZÉNS.......

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2.5 A APRENDIZAGEM DA LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO...........

2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................

CAPÍTULO III – Procedimentos Didáticos: O Ensino-Aprendizagem de Práticas

Significativas de Leitura - Uma Proposta.................................................................

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...............................................................................

3.2 TEXTO: “GEOGRAFIA”, MILLÔR FERNANDES ..................................................

3.3 OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA CONCEPÇÃO SÓCIO-RETÓRICA................

3.4 QUADRO DE INTERPRETAÇÃO.............................................................................

3.5 O PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA...................................................

3.6 O DESENVOLVIMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

3.6.1 A APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO

3.6.2 A PRODUÇÃO INICIAL: A FASE DA PRÉ-LEITURA – PESQUISA

3.6.3 PRIMEIRO MÓDULO – RECONHECENDO O GÊNERO

3.6.4 SEGUNDO MÓDULO – DIALOGANDO COM O TEXTO

3.6.5 TERCEIRO MÓDULO – AMPLIANDO O REPERTÓRIO SOBRE O TEMA

3.6.6 PRODUÇÃO FINAL

3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................

CONCLUSÃO.................................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................

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A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: RECURSOS LÉXICO-GRAMATICAIS NO ESPAÇO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO

FORMAL.1

INTRODUÇÃO

Esta Dissertação compreende um estudo sobre os processos de produção de

sentidos dos quais resultam textos que, registrados em língua oral ou escrita,

são concebidos como produtos das interações sociais humanas por meio das

quais sempre foi assegurada a comunicação de conhecimentos de mundos

entre os homens. Nessa acepção, os autores das obras consultadas sobre

essas questões textuais-discursivas passam a afirmar que os humanos sempre

falaram e falam por textos coesos e coerentes, e não por palavras isoladas

inseridas na moldura das frases ou mesmo de frases combinadas ou

articuladas entre si. Trata-se de um tema bastante complexo, pois a concepção

de texto escrito sempre esteve presente entre os estudiosos da linguagem,

embora o seu ensino-aprendizagem fosse orientado, até então, por uma

perspectiva gramatical, qual seja: ele era/é formado por um conjunto de letras

que, articuladas ou combinadas entre si, responde pela produção de sílabas.

Essas, por sua vez, também são combinadas entre si para formarem as

1 Apresenta-se, junto ao título desta dissertação, a subsequente tirinha da Mafalda, a qual, por meio de

um paradoxo entre as ideias de atraso e progresso, possibilita uma reflexão sobre o número significativo de pessoas analfabetas no mundo. A personagem Mafalda foi criada pelo cartunista Quino, no contexto dos anos 60, tem apenas seis anos de idade, odeia sopa, adora os Beatles, tem uma visão humanista e vive questionando o mundo a sua volta. Por esta última característica, Mafalda foi eleita para abrir cada um dos capítulos deste trabalho, convidando nosso leitor a refletir e, tal qual a personagem, a questionar, pois, com certeza, a reflexão pautada nos conhecimentos prévios de cada sujeito é inerente ao processo de aquisição da leitura significativa aqui em pauta.

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palavras cuja combinatória implica a produção de orações que, combinadas

entre si resultam na produção de períodos que, por sua vez, combinados em

parágrafos formam os textos.

Essa concepção de texto fundada ou orientada por uma perspectiva gramatical,

herdada dos estudos greco-romanos, responderá pela sistematização de um

modelo de ensino-aprendizagem, cujo eixo situará a gramática das línguas

humanas como matriz produtora de textos, concebendo-os como estruturas

formais de uma dada língua e delas excluindo questões referentes à produção

de significados e/ou de sentidos. Para Lomas, Osoro e Tusón (1993) essa

concepção reducionista de texto resulta de um ponto de vista, orientado por

estudos que deixaram de observar ou de pontuar que, mesmo para os gregos,

a língua não se explicava como um objeto compreendido em si e por mesmo,

visto ser ela uma das dimensões por meio da qual a linguagem humana se

desenvolve e se explica pelo exercício das atividades de fala. A língua, nesse

sentido, já se fazia compreender como criação e criatura dos fatos de

linguagem, visto que, ao aprender uma língua, os homens desenvolvem a

linguagem e, ao fazer usos diferentes e variados dessa mesma língua, colocam

a linguagem em ação pelo exercício das atividades de fala e, assim

procedendo, desenvolvem a linguagem. Nessa acepção a língua,

compreendida como um conjunto de elementos léxico-gramaticais por meio dos

quais os homens denominam e designam seus conhecimentos de mundos,

organizados e ordenados como fatos de linguagem, respondem pela

materialidade ou objetividade desses conhecimentos produzidos pelo

pensamento e expressos por atividades de fala, quando são comunicados a

outros para se tornarem “comuns”. Assim sendo, a língua se qualifica como

meio de comunicação que assegura os processos de nomeação e os modos de

dizer, de expressar os conhecimentos produzidos e por ela designados.

Trata-se, portanto, de um tema bastante amplo e complexo e, segundo V.Dijk

(2004), esses processos respondem pela produção de sentidos que

asseguram, por um lado, a leitura de textos escritos e, por outro, a produção

desses mesmos ou de novos textos de que se ocupam os escritores que

sempre estão em busca de leitores para que tais textos possam ter suas

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existências asseguradas pelas práticas de suas respectivas leituras. Por

conseguinte, é a leitura que confere aos textos escritos existência e valor.

No contexto dessas considerações, o tema dessa pesquisa foi delimitado à

produção de sentidos circunscrevendo-o às práticas de leitura, muito embora

os processos de composição de textos escritos, designados no espaço das

práticas escolares como “redação”, sejam explicados por movimentos

contrários àqueles desencadeados pelas ações que orientam as práticas de

leitura. Pontua-se que a compreensão desse processo unívoco - explicitado

pela dupla lateralidade ou duas faces constitutivas da unidade que qualifica a

produção de sentidos - é uma das grandes dificuldades com que se deparam

os professores de Língua Portuguesa, no exercício de suas práticas de

docência.

Segundo os autores consultados para o desenvolvimento da pesquisa, a

origem dessas práticas inadequadas tem por marco a história da própria

invenção da escrita, indissociável da própria invenção da escola e,

consequentemente, da criação do papel social de professor: marco fundador da

denominada “civilização da escrita”, precedida da chamada “civilização do

oral”. Entre a longevidade desses dois tempos, diferenciados pelos

historiadores como aquele da “pré-história”, ou seja, quando a escrita não

existia, e o da “história da humanidade”, é preciso situar modelos de

sociedades que ignoravam, dentre as várias instituições do Estado moderno

contemporâneo, a instituição escolar.

Essas formações sócio-cultural-históricas, entretanto, ocupavam-se com

modelos educacionais voltados para a formação de suas crianças e jovens;

contudo, o ensino-aprendizagem dos bens culturais materiais ou não materiais,

capazes de assegurarem as normas de convivência e de sobrevivência eram

ensinados pelos adultos. A aprendizagem compreensiva desses bens ocorria

no fluxo das próprias práticas sociais do cotidiano da vida comunitária de

sociedades tribais, de modo a serem aperfeiçoados, reinventados, ou mesmo

aprimorados. Esse modelo de prática de docência pelo qual todos os adultos

eram responsáveis, segundo Aranha (2006) denomina-se “educação difusa”,

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em contraposição à “educação formal” que as sociedades letradas, modernas e

históricas, constroem, ao longo do tempo de suas existências, com a instituição

escolar como responsável pelo ensino da língua escrita, onde é criado e

institucionalizado o papel social de professor.

Nesse contexto, as dificuldades para se aprender a ler textos escritos, ou

escrever os produtos dessas leituras são indissociáveis de conhecimentos

teóricos herdados de nossos antepassados para quem essas práticas foram

ensinadas-aprendidas, durante milênios, mas dissociadas entre si e, ainda

hoje, não se pode afirmar que tal dissociação tenha sido superada.

Para Lerner (2002) não se pode negligenciar que, embora as práticas de

produção textual-discursiva existam há muito tempo e sejam ensinadas e

aprendidas de modo independente, é preciso pontuar que elas ainda hoje se

encontram bastante distanciadas dos estudos científicos da linguística

contemporânea. Segundo a autora, embora as ciências da linguagem não

possam oferecer ao professor de forma direta e precisa o objeto de referência a

ser por ele ensinado, de sorte a precisar o objeto do seu ensino, tornando-se

significativas elas possibilitam “explicitar alguns dos conteúdos que devem

estar em jogo na sala de aula” (p.62) e que orientam as práticas de docência

que se fazem ou devem se fazer significativas para o ensino-aprendizagem

proficiente da leitura e/ou dos processos de composição do texto escrito.

Essa concepção referente às práticas sociais de produção de sentidos

referentes no que tange à linguagem possibilita que se compreenda ser a

leitura de textos escritos e a escrita de leituras, dois percursos que se

entrecruzam tanto no campo da pesquisa, quanto no campo do ensino-

aprendizagem, principalmente quando o propósito é tematizar uso e as funções

sócio-cultural-históricas de uma dada língua, nesse caso, a materna.

Assim, ao situar a pesquisa no campo do ensino, de modo a privilegiar a

aprendizagem da leitura, faz-se necessário assegurar a indissociabilidade

acima registrada não só quanto aos fundamentos ou pressupostos teóricos

sobre os quais ela deve estar ancorada, mas também privilegiar essa mesma

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relação indissociável no campo do ensino-aprendizagem. Logo, ao se

pressupor práticas de docência implicadas no ensino-aprendizagem da leitura é

preciso pressupor, ao mesmo tempo, práticas de docência implicadas no

ensino-aprendizagem dos processos de composição da escrita, ou produção

de texto, de modo a concebê-los como as duas faces de uma mesma moeda.

Ressalta-se que, segundo Santana (2007), em se tratando da aprendizagem da

escrita, devem-se privilegiar estudos sobre a revisão cooperada do texto, o que

ainda é bem pouco praticado devido ao reduzido número de publicações sobre

pesquisas que tematizam a produção de textos escritos nos espaços da

academia, quando comparado ao crescente número de pesquisas que

tematizam a leitura.

A leitura - compreendida como prática social humana de que resulta a

produção de significados ou de sentidos pelos homens, ao longo do tempo

suas existências – tem sido compreendida por meio da história da invenção da

própria linguagem humana, cuja origem se encontra perdida no espaço da

memória semântica do longo tempo e lembranças e tem a própria história da

existência do homem sobre a Terra, como ponto de partida. Segundo Kristeva

(2007), esse marco inicial tem como seu primeiro ponto de referência o ensino-

aprendizagem de uma dada língua, dentre inúmeras outras, faladas por

variadas comunidades humanas que se organizam em sociedade, visto que a

linguagem, por ser uma faculdade humana de que as línguas são produtos,

conta a sua história pela história de suas respectivas línguas. Justifica-se que a

história do ensino-aprendizagem de uma língua tem o seu marco inicial inscrito

em cada nascimento de um novo homem que a aprende da boca de seus

próprios pais e passa, então, a ensiná-la, posteriormente, a seus próprios

filhos: esta é a gênese das práticas sociais da linguagem humana que, hoje,

têm a leitura como foco de inúmeras indagações a serem respondidas por

aquele que se ocupa de seu ensino formal. Nessa acepção, aprendemos a ler

quando nos inserimos ou somos inseridos no mundo da vida e abandonamos

nossas práticas de leitura quando deixamos de estar inseridos nesse mesmo

mundo e lemos com baixo grau de proficiência quando dele somos socialmente

excluídos: (cf. Magda Soares, 1995):

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“Os valores da leitura sempre apontados são aqueles que lhe

atribuem as classes dominantes, radicalmente diferentes dos que

lhe atribuem as classes dominadas. Pesquisas já demonstraram

que, as classes dominantes veem a leitura como fruição, lazer,

ampliação de horizontes, de conhecimentos, de experiências. As

classes dominadas a veem pragmaticamente como instrumento

necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à

luta contra suas condições de vida. (p. 21)

Nesse sentido, as práticas de ensino-aprendizagem da leitura, na sua

indissociabilidade com a aprendizagem de uma dada língua – inerente ao

próprio desenvolvimento da linguagem – têm os bancos da escola da vida

como lugar onde inicialmente se aprende a ler. Os professores dessa

modalidade de ensino são os adultos – pois é com eles aprendemos a

significar o universo da vida e seus diferentes mundos: o objeto do ensino-

aprendizagem da leitura, concebida como “leitura de mundos”: aquelas que,

segundo Lajolo (1999), é ensinada-aprendida nos bancos da escola da vida.

Por essa modalidade de leitura e, com esses mesmos adultos, aprendemos a

desenvolver a nossa faculdade da linguagem, a nomear conhecimentos de

mundo e, ao mesmo tempo, organizá-los e ordená-lo para dizê-los por meio da

língua àqueles com quem interagimos e convivemos, nos diferentes e variados

lugares do espaço sociocultural da comunidade à qual pertencemos, desde o

nosso nascimento.

Essa aprendizagem “natural” - orientada pela didática da imitação, permeada

por ensaios e erros e pelo respeito ao ritmo de cada novo homem, denominada

“educação difusa”– é associada desde a invenção da língua escrita e equivale

à aprendizagem adquirida na “escola da vida”. Já o modelo de aprendizagem

denominado “educação formal”, refere-se, segundo Libâneo (2004), àquele que

acontece na escola, por meio do qual a leitura tem a representação de

conhecimentos de mundos materializados pelos sinais gráficos do alfabeto e

não mais pelos sinais sonoros da tecnologia natural da voz humana.

Entretanto, esses sinais linguísticos não se opõem entre si e tampouco se

igualam – o segundo não é o desenho do primeiro que o antecede no tempo –

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e ambos passam a ser usados pelos humanos, seja para nomear, seja para

dizer os conhecimentos de mundos que produzem, e buscam compartilhar

entre si, por meio de suas práticas cotidianas de linguagem.

São duas modalidades de codificação de sinais, por meio dos quais uma língua

funciona como meio para signifazer tais conhecimentos, de modo a torná-los

compreensíveis quando comunicados a outros tendo por fundamento e

fundação as atividades da fala. Assim sendo, desde a invenção e

aprendizagem dos sinais escritos, tem-se a aprendizagem da fala oral e da fala

escrita: duas modalidades de usos das línguas humanas, exceção feita àquelas

faladas por comunidades ágrafas como é o caso de algumas tribos indígenas

brasileiras.

A aprendizagem de usos da língua na sua modalidade escrita, segundo Lajolo

(1999) denomina-se por “leitura do mundo da escrita”, na qual as crianças e

jovens são inseridos quando passam a ocupar lugar nos bancos escolares,

oferecidos por essas instituições públicas ou privadas, onde devem ou

deveriam aprender, onde aprendem ou não a ler textos escritos e a escrever os

produtos de suas leituras. É esta a concepção de leitura a ser pesquisada

neste trabalho: a concepção de leitura como meta da educação formal em seus

sucessos, insucessos e necessidades a serem contempladas.

A leitura tem sido compreendida pelos estudiosos das questões linguísticas

como uma prática ou atividade intermitente da linguagem. É por meio dessas

práticas que os homens aprendem a construir significados e/ou a atribuir

sentidos as "coisas no/nos mundos" que, articulados entre si, respondem pela

construção do universo da vida. Esses sentidos, quando são socialmente

partilhados e institucionalizados pelo uso são denominados significados, cujos

registros se inscrevem nas páginas dos dicionários da língua por meio da qual

se aprende a ler e a escrever, ou seja, a produzir textos escritos: um trabalho

realizado no espaço ocupado pelas instituições escolares.

Nesse âmbito, o ensino tradicional, centrado apenas em conhecimentos

gramaticais, é capaz de garantir o desenvolvimento das potencialidades

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referentes ao uso do idioma nacional de forma adequada aos diferentes

contextos sociais?

Toda e qualquer língua explica-se como estrutura que se deixa descrever por

regras gramaticais; todavia as estruturas linguísticas são léxico-gramaticais e

estas não se equivalem, pois são duas faces complementares de uma mesma

moeda. A sintaxe compreende combinatórias de palavras; sem palavras não há

o que combinar; todavia, ao serem combinadas entre si (sintaxe) as palavras

mudam os seus significados, pois esses passam a apontar para lugares,

pontos de vista diferentes, cujo sentido resulta dessa combinatória.

Podemos considerar que os estudos sobre o ensino da leitura e da escrita

evoluíram significantemente ao longo da história. Temos hoje pressupostos de

ensino apoiados em bases teóricas sólidas, entretanto isso não tem garantido a

eficácia no processo de ensino-aprendizagem do idioma nacional. O que falta

para que advenham os bons resultados neste processo? O que falta hoje para

que nossos alunos e professores sejam leitores e escritores competentes?

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, quem ensina língua materna

tem uma tarefa que transcende o papel a ele reservado, durante muito tempo,

pois atualmente, o professor de língua portuguesa, além de ser aquele que

ensina os conteúdos, é alguém que pode ensinar o valor que a língua tem,

demonstrando o valor que tem para si. Se esse professor for um usuário da

escrita de fato, se tiver boa e prazerosa relação com a leitura, se gostar

verdadeiramente de escrever, funcionará como um excelente modelo para seus

alunos. Mas será que essa prática pode ser observada, de fato, nas escolas?

Para responder as questões aqui elencadas foram postulados os seguintes

objetivos específicos:

1. Ler, compreender e interpretar o percurso sócio-cultural-histórico da invenção

da escrita e dos processos de aprendizagem da leitura dissociados dos

processos de aprendizagem da escrita.

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2. Discutir o ensino da leitura e da escrita do idioma brasileiro, buscando

respostas para as dificuldades que permeiam nossa prática docente de

mediadores do ensino da leitura como prática indissociável do ensino da

escrita.

3. Propor uma sequência didática que possibilite reflexão sobre as possibilidades

de trabalho desenvolvidos para formar leitores proficientes, bem como sobre o

papel da escola na formação de seres humanos aptos a participar de uma

comunidade real de leitores e escritores do idioma brasileiro.

Esses objetivos orientarão a organização de cada um dos capítulos da

Dissertação, consoante a seguinte ordenação:

A história da leitura do texto escrito pela história da escrita.

Fundamentos Teóricos: Facilidades e Dificuldades para a

Aprendizagem de Práticas de Leitura.

Procedimentos Didáticos para o Ensino-Aprendizagem de Práticas de

Leitura Significativas: uma proposta.

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CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DA LEITURA PELA HISTÓRIA DO TEXTO ESCRITO2

1.1 . CONSIDERAÇÕES INICIAS

Buscar compreender a história da leitura de textos escritos para entender, de

modo prático e/ou reflexivo, as facilidades e as dificuldades vivenciadas por

professores-educadores que se ocuparam em ensiná-la àqueles que se

sentaram e se sentam em um banco das instituições escolares, desde o tempo

da invenção da escrita e, assim procedendo, identificar as facilidades e as

dificuldades para se tornar um leitor proficiente, são os objetivos a que se

propõe alcançar o autor desta Dissertação, ao longo desse Capítulo.

Para tanto, o pressuposto que tem orientado as pesquisas historiográficas foi

tomado como ponto de referência para melhor compreender e representar

situações-problema, vivenciadas no nosso tempo presente. Essas pesquisas

2 Nesta tira, Mafalda fica espantada por seu amigo Filipe ter passado uma manhã INTEIRA na

escola e não ter aprendido a escrever. Mafalda também fica indignada quando seu amigo lhe

diz que “levam meses para ensinar uma pessoa a escrever”, e se revolta com os “malditos

burocratas” responsáveis pelo ensino. Entretanto, o que Mafalda considera burocrático no

ensino da língua escrita justifica-se historicamente, conforme será explicitado neste capítulo, no

que tange ao processo de alfabetização proficiente de um escriba, o qual ocorria ao longo de

12 anos (cf. p. 21 e 26).

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pressupõem a necessidade de se identificar situações já vivenciadas no

passado remoto que, interpretadas pelo passado-presente, possibilitam projetar

soluções futuras. Nessa acepção, o tempo presente está concebido pela

conjunção entre o futuro do passado e o futuro propriamente dito, ou seja,

aquele amanhã que esse leitor pesquisador será capaz de projetar, ao

identificar as facilidades e as dificuldades acima mencionadas, por um ponto de

vista historiográfico3. Não se pretende, portanto, reconstruir a história da leitura

como totalidade para recontá-la por um olhar digressivo na linha sequenciada

da temporalidade, marcada por uma postura crítica. Nessa acepção, a revisão

bibliográfica se reduz ao simples fichamento das obras selecionadas e lidas,

pois o esforço dispendido está orientado por um posicionamento reflexivo.

Segundo a bibliografia selecionada, para fundamentar e orientar a busca de

caminhos ou nova-outras perspectivas referente ao ensino-aprendizagem da

leitura de textos escritos e escritas de leituras, inúmeros são os problemas

que, há algum tempo, têm causado um certo mal estar entre os responsáveis

pela escolaridade das crianças e jovens. Divulgados esses problemas - sob a

forma de notícias diárias, pela imprensa - eles denunciam continuamente a má

qualidade do ensino da língua materna, enquanto as famílias se ressentem de

a escola não ensinar a seus filhos, de modo eficaz, a Língua Portuguesa”,

ainda que os professores se esforcem e sempre tenham feito o melhor que

podem, consoante as condições escolares atuais. Assim, se no passado da

memória de curto tempo, as críticas incidiam e incidem sobre os professores da

“escola tradicional” - que, por sua vez, recaíam sobre aqueles que também

foram herdeiros de uma tradição mais longínqua que se perdeu na memória do

3 Tal ponto de vista justifica-se pelo fato de esta pesquisa ter sido estruturada na

perspectiva da historiografia linguística e em seus princípios, a saber:

1. Princípio da contextualização: este princípio foi utilizado para que haja compreensão de cada autor e de seu estudo, considerando o contexto histórico da invenção do texto escrito e da aprendizagem formal e informal de sua leitura.

2. Principio da imanência: foi essencial para que seja possível compreender cada etapa do processo evolutivo da leitura em seus diferentes suportes, sem a contaminação ou a influência do pensamento da atualidade.

3. Princípio da adequação: possibilitou que fizéssemos uma análise comparativa numa perspectiva atual do tema, associando a aprendizagem da leitura e da escrita pelos escribas – num processo com duração de 12 anos- aos processos de alfabetização e letramento dos tempos modernos.

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longo tempo da história do ensino-aprendizagem da escrita - hoje, elas incidem

na incapacidade de essa mesma escola e seus professores modernos

“educarem para uma sociedade do futuro”. Entretanto, o futuro da sociedade

moderna já está entre nós, desde que sejamos capazes de compreender e

considerar, por um lado, que as crianças de hoje serão os cidadãos e os

habitantes do mundo adulto do amanhã e deles dependem a formação

daqueles que responderão pela construção ou reinterpretação da sociedade do

amanhã. Por outro lado, os avanços científicos e tecnológicos com que hoje

convivemos e respondem pela recontextualização dos usos da língua escrita

resultam de projeções, planificações ou invenções de cientistas e tecnólogos

que nos antecederam ou que ainda convivem entre nós.

Segundo Santos (1987), uma das grandes dificuldades da modernidade do

nosso tempo presente é ignorar que a sociedade moderna é/foi edificada nas

próprias entranhas da sociedade da Baixa Idade Média, de sorte que o

Renascimento do século XVI deve ser compreendido tão somente como um

marco histórico onde o teocentrismo já cedera espaço ao racionalismo. Assim,

a sociedade medieval, nos séculos XIV e XV, já não mais dispunha de

argumentos capazes de refutar ou combater o novo ponto de vista por meio do

qual os conhecimentos sobre “as coisas no mundo” deixavam de ser reduzidas

ou concebidas apenas por uma perspectiva sacrossantas. Desde então, a

racionalidade ascende cada vez mais entre os membros daquela antiga

sociedade eclesiástica e o desenvolvimento dessa outra-nova perspectiva,

orientada pelos princípios da racionalidade, serão organizados e ordenados ao

longo do final dos séculos XVII e XVIII. Esse, portanto, será um tempo de

mudanças dos modelos de formas de governos que terão a “república”, em

detrimento das “monarquias”, como fundamento da formação sócio-cultural-

histórica do mundo moderno. Esse mesmo modelo de sistematização

vivenciado ao longo dos séculos desse tempo de modernidade responderá pela

construção de conhecimentos e saberes que darão origem às tecnologias do

século XIX: marco da revolução industrial que, contextualizada e reinterpretada

ao longo do século XX, assegurará as invenções de bens materiais e não

materiais da sociedade termonuclear, dos microchips, do raio laser, das

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máquinas auto pilotáveis, dos aviões supersônicos, das naves espaciais. É

nesse contexto que a comunicação a distância é reinterpretada.

Nesse contexto, Santos (op.cit.), afirma ser necessário recorrer à história da

teoria do conhecimento para se compreender e considerar que a comunicação

à distância tem a sua origem com a invenção da escrita, pois, é a partir de

então que os humanos se tornam capazes de interagir uns com os outros,

quando não situados no mesmo tempo e lugar. A incapacidade de assim

proceder para se comunicarem tem por fundamento e fundação a invenção do

sistema de codificação escrita e, por ela, a formação proficiente de escritores e

leitores; razão por que é difícil, senão impossível, dissociar a aprendizagem do

alfabeto e o seu uso como recurso necessário e insubstituível dos processos

de escolarização. Assim, a formação do escritor-leitor, ou vice-versa, está

entretecida a objetivos de caráter sócio-cultural-históricos pelos quais a escola

responde e, desde então, ela é a guardião dos conhecimentos produzidos pela

humanidade registrados por essa modalidade de codificação. Deixar de ensiná-

los, relegando a um segundo plano a formação desse leitor-escritor, é contribuir

para que os humanos deixem de ascender a esse outro modelo de civilização

e, assim procedendo, condena crianças e jovens a permanecerem situados no

espaço ocupado pela civilização do oral que, a cada dia, os distancia do

modelo de formação social do mundo moderno. Assim procedendo, a escola se

faz guardião dos bens não materiais e materiais que se inscrevem nos registros

da memória de alguns poucos homens, reservando aos demais o direito de

viver às margens da sociedade do mundo moderno. No lugar ocupado por essa

marginalidade, prevalece um modelo de comunicação do “diz-se que” ou

“fulano comentou, contou que”, onde os sujeitos que falam nada dizem que

seja de suas respectivas responsabilidades, de suas autorias: uma sociedade

que precisa atribuir a outro a responsabilidade por aquilo a maioria diz ou faz.

Homens incapazes de construírem suas histórias por suas próprias vozes, de

saberem quem são e, por isso, incapazes de se auto reconhecerem como

cidadãos; pois, para tanto, faz-se necessário que eles aprendam a ser não

apenas seres comunicantes, mas seres-pensantes-comunicantes, seja por

meio de recursos da língua escrita-oralizada, ou da oralização em língua

escrita.

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Na complexidade desse contexto de restrições, situamos o objetivo desse

primeiro capítulo e, por ele, buscamos responder à seguinte questão

problemática4: qual é ou seria a razão primeira que sempre impossibilitou

continua impossibilitando o homem moderno de aprender a ler com proficiência

textos escritos? – embora a sociedade moderna tenha a sua origem nas

entranhas da civilização antiga, mais precisamente no campo da contabilidade

e do comércio. Para tanto, tivemos como ponto de partida as reais

necessidades vivenciadas pelos povos que, a várias mãos, são responsáveis

pela invenção de um sistema de registros capaz de assegurar a precisão

numérica de elementos trocados e/ou comercializados entre os povos da

antiguidade e um sistema alfabético capaz de nomear esses mesmos

elementos contábeis.

1.2. A Escrita do Sistema Numérico e do Sistema Alfabético

Estudiosos como Kristeva (2007) e Fischer (2009), dentre outros, consideram o

contexto plurilíngue que identifica a região da Mesopotâmia – aquela que se

situa entre rios, no caso o Tigre e o Eufrartes, por onde o comércio, depois de

fazer a travessia pelo Mar Mediterrâneo, era escoado e se fazia cada vez mais

intenso. Pontuam esses estudiosos que, no entorno dos fluxos dessas águas,

habitavam diferentes povos, usuários de diferentes línguas que se dedicavam a

atividades portuárias, onde se praticava “um falar de emergência”, denominado

“pidgin”. Segundo Elia (2000; p. 68), trata-se de uma modalidade de fala

oralizada que carrega consigo a necessidade de comunicação entre grupos de

usuários que têm diferentes línguas maternas. O pidgin também se caracteriza

pela acentuada redução dos processos morfológicos, bem como por

simplificada padronização sintática e de duração condicionada a interesses de

grupos político-econômicos dominantes, ou seja, daqueles que controlavam o

comércio desses portos5.

4 Ressalta-se que, à semelhança da Mafalfa (cf. p. 10), o homem dos nossos tempos modernos

também acredita ser possível acelerar os processos de aprendizagem da escrita significativa. 5 Observa esse autor que o pidgin”, na condição de língua de contato, foi denominado pela

expressão “língua franca”: aquela utilizada por marinheiros e comerciantes em portos do Mediterrâneo Oriental; contudo, esse termo foi expandido de modo a abarcar qualquer língua

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Os historiadores, por sua vez, afirmam ser preciso pontuar que os excedentes

agrícolas de que se originariam o sistema de trocas entre os homens, tiveram

as enchentes dos grandes rios da Mesopotâmia como responsáveis pela

adubação das terras ribeirinhas e/ou vales que, cultivadas, duplicavam as

colheitas do que nelas fora plantado. Embora as enchentes dos rios Tigre e

Eufrates não fossem tão fecundas quanto as do rio Nilo, elas exigiam um

trabalho intenso e coletivo para a construção de diques cujo propósito era

aproveitamento dessa irrigação natural. Assim, os mesopotâmicos não só

faziam usos de ferramentas de bronze e ferro – razão de serem eles os

inventores da escrita cuneiforme – mas também de conhecimentos diversos

nos campos da astronomia, da medicina e já dispunham de um calendário

lunar e de bibliotecas (cf. Chartier, 2009).

Nesse contexto em que os historiadores situam a escrita cuneiforme como

primeiro tipo de registro em língua escrita a que humanidade teve acesso,

ressalta-se que o alfabeto sumério tinha como suporte gráfico um tablete de

argila que, depois de grafado, era exposto ao sol para secar e, em seguida,

endurecido pelo fogo. Uma das características mais marcantes da escrita

suméria é o seu aspecto em cunha, originário estiletes utilizados para fazer o

registro dos caracteres do primeiro alfabeto por eles inventado Ressalta-se que

esses estiletes, bem como o modo com que eram usados, evoluíram ao longo

do tempo, alterando o aspecto dos pictogramas bem mais definidos para

caracteres estilizados e padronizados.

Assim, até meados do 3o Milénio a.C., a escrita cuneiforme sofreu uma rápida

ascensão e dispersão - por via econômica e política -, tornando-se rapidamente

mais abstrata e complexa. A própria direção da escrita muda, pois os

caracteres deixam de ser esculpidos da direita para a esquerda, em colunas de

cima para baixo, e passam a ser inscritos da esquerda para a direita, em linhas

de cima para baixo, à semelhança dos tempos atuais.

mista auxiliar ou de contato, como é o caso das línguas crioulas, as línguas gerais ou koinés, por exemplo, quando se tornam estáveis.

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Mesmo com a conquista e a consequente extinção da Suméria, inventora da

escrita cuneiforme, muitas das suas inovações técnicas e culturais se

perpetuaram por serem assimiladas pelos invasores. Assim, a escrita

cuneiforme se manteve pelas mãos dos povos semitas: os assírios e os

babilônicos, conquistadores da região habitada pelos sumérios que adaptaram

o sistema da escrita inventada pelos sumérios, ás necessidades para

expressar conhecimentos escritos em suas respectivas línguas. Por esse

processo de adaptação os caracteres de natureza ideográfica e pictográfica,

gradativamente, são substituídos por caracteres denominados “logogramas” e

“silabogramas”.

Nesse sentido, os ideogramas usados pelos sumérios, de modo a simplificar a

escrita, tornaram-se logogramas e, em vez de representar uma ideia, passam a

representar palavras. Observa-se que a forma gráfica sinalizada por “uma seta”

não só equivalia a “ti” cujo significado se refere àquele de “seta propriamente

dita”, ou seja, “sinal que indica direção, rumo, ou arma de arremesso”, mas

também passa a significar “vida”; portanto, um único sinal que já era usado

para fazer remissão a dois signos linguísticos. A polissemia do sistema

logográfico, não raramente trazia dificuldades de compreensão,

impossibilitando a identificação da palavra a que os sinais desse sistema

faziam referência. Os escribas, diante das dificuldades de polissemias,

propõem o uso de caracteres cuja função estaria circunscrita a determinar a

classe ou a natureza de sinais de que resultavam as palavras polissêmicas e,

denominaram a esses sinais “determinativos”. Entretanto, entendiam que os

determinativos não podiam ser usados em todas as situações ou todos os

casos de ocorrência do fenômeno polissêmico; razão porque passam a fazer

uso de complementos fonéticos de que resultam os silabogramas6.

6 Os complementos fonéticos no sumério:

eram colocados no final das palavras;

eram lidos;

eram associados para distinguir entre caracteres iguais com leituras diferentes;

podiam representar...

Vogais (V)

Consoantes + Vogais (CV)

Vogais + Consoantes (VC)

Consoantes + Vogais + Consoantes (CVC)

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Desse modo, os logogramas – sinais representativos de palavras – passaram a

representar sílabas pelo acréscimo ao final das formas representativas da

palavra e, por meio deles, oferecer pistas para favorecer a leitura adequada e

compreensiva das palavras. Nesse contexto, um mesmo caractere era lido e

compreendido como “du” ou como "gin", sendo que o primeiro tinha como

referência “perna” e o segundo, “ir”; mas acrescentado ao seu final, o caractere

“na” (silabograma), orientava o leitor a identificar “gin”, cujo significado equivalia

ao verbo “ir”. Observa-se que tais procedimentos de leitura, orientados por

sinais determinativos e fonéticos de natureza silábica, passaram a orientar o

comportamento do leitor na identificação das palavras adequadas, ampliando o

grau de compreensão dos textos por ele lidos, visto que, na língua acádia, as

palavras eram ditas de modo diferente daquele da língua dos sumérios. Por

conseguinte, o uso dos silabogramas não se restringia apenas à função de

complementos fonéticos, já que o som assumiu prioridade no sistema da

escrita que vai sendo, gradativamente, complementada por outros sinais

gráficos. (cf. Fischer, 2009).

Em suma, a escrita cuneiforme foi adotada e adaptada por muitas outras

culturas7, além de ser também usada como registro, quer para comércio, quer

para política, desde muito cedo. No entanto, tal como o Império Sumério,

também o Babilônico e o Assírio acabaram por se render ao Império dos

Persas, mas estes, ao contrário de muitos outros, não se limitaram a adaptar a

escrita cuneiforme, mas eles, orientando-se por ela, reinventaram a escrita.

Essa reinvenção explicou o resumo das centenas de caracteres da escrita

cuneiforme da Suméria, da Babilônia e da Assíria, em 36 silabogramas (vogais

e consoantes + vogais), aos quais se juntavam cinco logogramas, dentre

números e determinativos, configurando a escrita persa, a qual, no entanto, foi,

mais tarde, suplantada pelo Aramaico.

7 Alguns povos que adotaram a escrita cuneiforme foram os:

Elamitas, no Irão;

Hititas, na Anatólia;

Hurrianos, na Síria;

Persas, na Mesopotâmia;

Urartianos, na Arménia.

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Ressalta-se, por fim, que a escrita cuneiforme suméria não foi o único e

tampouco o mais importante sistema de escrita a surgir na civilização antiga;

embora ele tenha sido o primeiro, com ele coexistiram a escrita egípcia e os

hieróglifos hititas – estes menos conhecidos. Inicialmente, os hieróglifos hititas

eram extremamente pictográficos, mas, tal como aconteceu no Egito, foram se

tornando mais cursivos, pelo domínio do uso de pincéis e constituídos por

logogramas e silabogramas. Quanto à escrita egípcia, é quase tão antiga

quanto a escrita suméria (ou talvez ainda mais antiga que esta), pois remonta

ao final do 4o milénio a.C., de acordo com os registos descobertos, e sua

função variava de acordo com a grafia, a qual distinguia-se em quatro fases: a

fase hieroglífica, a hierática, a demótica e a fase alfabética – esta última

denominada por “alfabeto copta”, de influência grega.

Essas fases, comparadas entre si, permitiam a seus estudiosos pontuar que a

primeira entre elas – a hieróglifa – tendia a ser desenhada com riqueza de

pormenores e o seu uso estava voltado para a nomeação das “coisas do

mundo sagrado”, razão por que se trata de registros revestidos do poder das

“palavras mágicas”. Comparada à segunda fase, usada para registros do dia-a-

dia - a hierática – esse poder sagrado cedia lugar para uma versão simplificada

dos próprios caracteres pictográficos dos hieróglifos, que perdem a sua riqueza

de pormenores, na esfera do campo administrativo, que exige dos escribas

mais rapidez. Na terceira fase, por volta do século VII a.C., a escrita demótica

suplantaria a herática, por ser ainda mais simplificada. No entanto,

independentemente de qual a grafia usada, a estrutura da escrita era

semelhante, pois advinha de um processo natural de suas respectivas

evoluções, visto que

Os hieróglifos egípcios e a escrita cuneiforme da Mesopotâmia

saíram da mesma fonte – logografia ou escrita da palavra – de

acordo com as necessidades de seus idiomas subjacentes. Por

coincidência, as duas linguagens diferiram fundamentalmente,

e assim dois sistemas de escrita completamente diferentes

surgiram. (Fischer, 2009, p.34)

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Neste contexto de semelhanças e diferenças, é importante destacar a mudança

do papel social do escriba na elaboração da escrita ao longo do Nilo, pois, se

na Mesopotâmia este era visto como um mero escrevente, no Egito ele

pertence a uma classe de grande prestígio e influência, que podia alcançar

riqueza e posição social.

Os estudantes aspirantes à escriba, ao longo desses tempos de mudanças das

formas escritas, eram incentivados por seus pais a se dedicarem a tal ofício,

para o qual deveriam aprender setecentos sinais ao longo de vários anos de

esforço. Os estudantes escreviam em tábuas cobertas por gesso, pois a

superfície podia ser apagada com facilidade; mas, em geral, o material mais

usado para a escrita egípcia era o papiro8, o qual apresentava uma grande

vantagem sobre as tabuletas de argila pesadas e desajeitadas da

Mesopotâmia, pois era fino, leve, flexível e fácil de guardar (cf. Davies, 1987,

apud Fischer, 2009).

Por fim, a quarta e última fase da escrita egípcia foi a da escrita alfabética dos

invasores gregos, a qual passou a ser utilizada para escrever a língua egípcia e

a partir dela foram criados proto-alfabetos, dos quais se originou o alfabeto

latino que usamos hoje, pois assim como a escrita cuneiforme foi adotada e

adaptada por outras culturas, também a escrita egípcia teve o seu impacto: os

seus caracteres serviram de exemplo e base para formar um alfabeto

consonântico, que organizados por 22 caracteres, representava uma palavra

(logograma) e também o primeiro som consonântico dessa palavra (letra).

Ao longo de cinco ou quatro séculos, esse proto-alfabeto foi evoluindo de uma

escrita de carácter pictográfico para uma escrita linear – o fenício, cujos

registos mais antigos são do século XI a.C. Os Fenícios eram navegadores

mercantilistas e, por isso, espalharam-se pelo Mediterrâneo, formaram colônias

por toda a costa e por ela espalharam a sua escrita, dando origem a outros

alfabetos. E foi à escrita fenícia que os Gregos recorreram, para formar

o primeiro alfabeto (de que há registo histórico) com consoantes e vogais.

8 O papiro era uma folha para escrever e/ou pintar, feita de tiras cortadas das hastes de uma

planta chamada Cyperus papyrus, umedecidas e batidas, e geralmente polida após a secagem.

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Nesse contexto, os historiadores são unânimes em afirmar que, ao longo da

história, diversos foram os sistemas de escrita que percorreram a região do

Egeu, entretanto, quando os Fenícios entraram finalmente em cena,

espalhando-se por todo o Mediterrâneo, foram os Gregos que melhor

souberam reinterpretar o alfabeto consonântico fenício, modificando a escrita

e/ou o nível dos valores fonéticos que representavam.

Esse processo de reinterpretação incidiu sobre o desenho dos caracteres e

resultou não só em uma distinção entre caracteres gregos e fenícios, como

também na criação de variações locais do próprio alfabeto grego. No que se

refere aos valores fonéticos, pode-se mencionar dois pontos importantes: o

"nome" das letras e os sons a que estas correspondem. Os caracteres fenícios

representavam uma palavra e um som e o alfabeto grego seguirá um princípio

semelhante, mas os seus caracteres não vão representar palavras - são

apenas "nomes" que identificam as letras (alfa, beta, gama etc.). Além disso,

quanto à representação fonética dos caracteres, nota-se que o valor fonético

fenício manteve-se nos caracteres gregos - mas nem todos os sons

consonânticos existentes na língua fenícia faziam sentido na grega, além de

caracteres para representar os sons vocálicos. Aqueles caracteres foram, por

isso, direcionados para a representação dos sons vocálicos (cf. Kristeva, 2007,

p. 111). Este alfabeto tornou-se o primeiro alfabeto consonantal-vocálico da

história do qual, posteriormente, se originaria o alfabeto latino: aquele por nós

ainda hoje utilizado.

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Apresentamos, a seguir, a título de ilustração, quadro comparativo entre alguns

alfabetos antigos que, sob a forma de síntese, explicita a pesquisa acima

registrada, a saber:

http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia - acessado em 30/11/14

1.3. A Aprendizagem Escolar da Leitura e da Escrita: O papel social do

escriba

No campo educacional as informações que nos foram e são legadas por povos

percussores da escrita alfabética, principalmente quanto a procedimentos

didáticos para o seu ensino, são bastante tênues. Esse legado, no que se

refere aos povos da Mesopotâmia, faz referência apenas ao modelo de

educação doméstica por meio do qual saberes e crenças da sociedade daquela

época eram ensinados pelos adultos a suas crianças e jovens. Entretanto, uma

informação relevante é aquela que faz referência ao fato segundo o qual o

processo de alfabetização proficiente ocorria ao longo de 12 anos.

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Informações mais sistematizadas sobre a criação de escolas de caráter oficial

datam do tempo em que os assírios – povo que habitava a terra montanhosa

ao Norte da Mesopotâmia, cujo solo era pouco fértil - invadem e ocupam a

região da Babilônia, situada às margens do rio Eufrates. Nela constroem, no

ano de 1240 a.C., as primeiras escolas públicas e, ao ensinar a língua escrita,

pelo uso da nova tecnologia por eles inventada, os sinais materiais do alfabeto,

os alunos aprendem a registrar não só a cultura mas também os valores

atribuídos a esse outro novo bem material, por meio do qual passavam a ter

acesso àqueles não materiais, herdados de seus antepassados. Esses bens

traduziam-se em informações que tinham por referência saberes que eram

controlados pela classe sacerdotal, cujos membros se fazem professores

dessas escolas - razão pela qual o papel social de professor por muitos séculos

foi interpretado como uma profissão qualificada pelo sacerdócio, inclusive ao

longo da nossa Idade Moderna. Observa-se, ainda, que o controle desses

saberes não deixa de ser, de certa forma, assegurado pelo fato de que muitos

escribas não desenvolviam habilidades de leitura e muitos leitores não

exerciam a escrita proficiente; contudo, os sacerdotes eram leitores-escritores

proficientes, ao contrário de muitos reis.

Logo, nessa acepção, aqueles que aprendiam a escrever e a ler com

significativo grau de proficiência e ascendiam aos mundos desses saberes,

tornavam-se cada vez mais distantes daqueles que, embora fossem capazes

de escrever, ou de ler, não alcançavam o grau de proficiência que lhes

facultaria exercer a profissão de escriba ou de leitor propriamente dito; razão

por que se tornam secretários ou responsáveis pela contabilidade dos templos,

dos palácios ou das escolas. Além desses homens cujo grau de letramento não

os impedia de exercer profissões de caráter administrativo – escrivão e/ou

escriturário - é preciso considerar aqueles que sequer tinham acesso a essas

escolas, visto não terem qualquer interesse para o exercício dessas “profissões

letradas”, embora fossem filhos de escribas. Logo, a profissão de escriba ou de

leitor era hereditária, no antigo Egito. (cf. Kristeva, 2007)

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Segundo Ferreiro9 (2005: p.11 e 12), não se pode ignorar que as sociedades

inventoras da escrita não só dissociavam o ensino da aprendizagem entre si,

mas também dessas duas práticas voltadas para os processos de composição

e produção textual, além de segmenta-las em duas profissões. A escola, por

sua vez, selecionava seus alunos pelo critério da hereditariedade, de modo que

o exercício do papel social de escriba e de leitor

(...) estavam de fato tão separadas que os que controlavam o

discurso que podia ser escrito não eram os mesmo que o

escrevia, e muitas vezes os que praticavam a leitura. Os que

escreviam não eram leitores autorizados e os leitores

autorizados não eram escribas.

Nessa acepção, e em se tratando da formação do escriba, a função social

dessas escolas construídas na Babilônia, à semelhança das escolas egípcias,

respondiam pela formação do profissional que deveria dominar conhecimentos

sobre as técnicas da transcrição da palavra oral, que a ele eram ditadas pelos

sacerdotes, em palavra escrita. A esses conhecimentos referentes ao registro

de textos ditados estavam inclusos aqueles implicados nos registros das leis,

nas suas respectivas reproduções por meio de cópias, no controle dos arquivos

desses documentos, que se faziam extensivos àqueles de dados numéricos

referentes ao controle das mercadorias negociadas nos portos do Mediterrâneo

e transportados por terra e pelos rios. Também era necessário controlar os

impostos, razão pela qual o objetivo das nossas primeiras escolas estava

voltado para: o ensinar a ler, a escrever e a contar. E, como poucas pessoas

dominavam a arte da escrita, os escribas tinham posição e papel social

relevante na sociedade da época, visto serem geralmente funcionários reais,

comandados pelo governante para registrar tudo o que seu superior ordenasse,

9 Ressalta-se que, embora este trabalho esteja pautado na concepção sócio interacionista de ensino, a

qual vai ao encontro das ideias de Vygotsky. Utilizamos os estudos de Ferreiro para lapidar alguns aspectos históricos referentes à história da leitura do texto escrito, visto que a teoria que Vygotsky formulou sobre a pré-história da linguagem escrita, ficou apenas esboçada, já que este autor faleceu muito cedo. No entanto, são muito grandes os pontos de convergência entre seus achados e os de Emília Ferreiro.

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principalmente aquele cujos conhecimentos se limitavam ao domínio da “escrita

cartorial e/ou contábil”.

Ressalta-se que, no Egito Antigo, os escribas eram mais valorizados do que

seus predecessores ou aqueles de outras regiões da Mesopotâmia, por terem

o domínio sobre a escrita demótica e dos hieróglifos e, por isso, ocupavam

lugar de destaque na sociedade egípcia. Eram eles que escreviam sobre a vida

dos faraós, registravam a cobrança de impostos e copiavam textos sagrados,

utilizando o papiro ou as paredes internas das pirâmides para escrever esses

diferentes e variados textos. Assim era o escriba - quando dotado de alto grau

de profissionalização - uma importante figura pelas variadas posições

ocupadas nas esferas das atividades administrativas civis, militar e religiosa do

antigo Egito. E, como a maioria dos egípcios não sabia ler e tampouco

escrever, quando uma pessoa iletrada precisava redigir ou ler um documento,

via-se obrigada a pagar o serviço de um escriba.

A máquina administrativa egípcia, por conseguinte, era formada basicamente

por escribas, que também se encarregavam de organizar e distribuir a

produção; de controlar a ordem pública; de supervisionar todo e qualquer tipo

de atividade, sempre obedientes à autoridade dos faraós ou à dos sacerdotes

dos templos (cf. Aranha, 2006). A habilidade para escrever lhes garantia uma

posição superior na sociedade e a possibilidade de progresso na carreira; mas

para ele ascender a posições hierárquicas de prestígio, na sociedade da

época, não era fácil; pois, embora a sua profissão permitisse ao escriba tais

ascensões, ele ocuparia esses lugares apenas se as suas realizações fossem

marcantes. O esforço para merecer a ascensão pelo exercício do papel de

escriba está registrado em um texto que se refere a procedimentos sobre sua

instrução profissional, usado durante o Império Novo, no qual se afirma ter ele

a garantia de que, em sendo um cidadão, poderia salvar-se da labuta e

proteger-se de todo tipo de trabalho pesado ou braçal. Assim, essa ascensão o

poupava do trabalho com a enxada ou com a picareta, de carregar cestas ou

fardos nas costas, de manipular o remo e, ainda, não mais precisaria se ocupar

dos processos manuais voltados para a produção do papiro ou do pergaminho:

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um suporte material, usado apenas pelos estudantes da época para exercitar a

escrita.

Reitera-se, conforme dados acima, que eram necessários 12 anos para que

alguém estivesse em condições de ler e escrever os cerca de 700 hieróglifos,

comumente usados no decorrer do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.), cuja

aprendizagem podia ser iniciada aos quatro anos de idade. Muitos dos

exercícios escolares dessa época continuaram sendo aplicados ao longo da

história, com correções dos professores e, geralmente, eles são cópias de

textos clássicos egípcios. O fato de o papiro ser um material de custos muito

altos levava os aprendizes a exercitarem a prática de seus registros escritos

em pedaços de pedra calcária ou cerâmica, de superfície plana, madeira

emplastrada, ou mesmo pergaminhos de que eles se ocupavam em

confeccionar10. Os professores não eram modelos de paciência e, não

raramente, recorriam à dor física para obter atenção de seus alunos. Mas o que

alguns escribas aprenderam a compreender era o fato de a escrita ser a chave

para toda a erudição daqueles tempos e, por ela eles se tornavam fiéis

depositários da cultura leiga e religiosa, dessa forma acabaram dominando

todas as atividades profissionais, ocupando cargos de agrônomos,

engenheiros, contadores, sacerdotes e até mesmo de oficiais do exército,

durante o Novo Império egípcio. Dentre os escritas que se fizeram sábios pelo

exercício ou prática da produção de textos escritos, identificamos a voz de um

deles, de nome Amenmosé (cf. Kristeva, 2007) para quem aqueles que se

propõem aprender a arte da escrita11, deveriam adotar os seguintes

procedimentos:

Escreve com tua mão, discute com os que são mais sábios do

que tu (...). Só podemos ser fortes se nos exercitarmos todos

os dias (...). Se tu te descuidares, nem que seja um só dia,

serás castigado. Os jovens têm os ouvidos nas costas. Só

prestam atenção a quem lhes bate. Deixa o teu coração

escutar as minhas palavras. Tirarás proveito disso. Podem

10

Observa-se que, no atual mundo moderno, os suportes – papel, lápis, caneta, tablet,

notebook - são fabricados e vendidos aos escritores. 11

Observa-se que, mesmos antes da invenção dos estudos linguísticos científicos, aprendia-se a escrever e a ler com proficiência.

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ensinar-se os macacos a dançar. Domesticam cavalos.

Consegue-se prender o milhafre no ninho. Pode-se fazer o

falcão voar. Não te esqueças que se progride pela discussão.

Não te esqueças do que está escrito. Esforça-te por ouvir as

minhas palavras e achá-la-ás úteis. (Kristeva, 2007)

Excluído o castigo, Amenmosé se refere à mudança de comportamento

daquele que visa a se tornar escriba e, para tanto, deixou-nos como legado os

seguintes procedimentos, passos ou modos de proceder para alguém se tornar

escritor ou compositor de textos escritos:

a) compreender que a escrita é produto de um trabalho bastante árduo a ser

assumido por ele que busca aprender a escrever, pois só “se aprende a

escrever, escrevendo” – razão pela qual orienta os futuros escribas a

escreverem com suas próprias mãos, trata-se, portanto, e à semelhança da

leitura, de um trabalho solitário, jamais realizado em grupo;

b) discutir o assunto ou tema do texto a ser escrito com aqueles que já se

fizeram sábios na arte da escrita – ou seja, não escrever sobre temas que não

foram discutidos por/com, pois para escrever é preciso saber sobre “o que se

fala” e esse conhecimento ou domínio se refere ao conteúdo da escrita que

precisa ser avaliado e socialmente compartilhado, como afirmam os cientistas

contemporâneos. Para tanto,

b.1) desenvolver o hábito de prestar atenção ao que dizem os sábios, ou seja,

“não ter os ouvidos nas costas”, mas aprender a ouvir para aprender a valorizar

a palavra do outro que nos é dirigida, durante uma discussão, um diálogo;

b.2) aquele que presta atenção às palavras do outro (de um homem sábio) e

as aprende, poderá transformar o mundo pelo conhecimento aprendido, pois

tornar-se capaz de ensinar “macacos a dançar, domesticar cavalos, prender

um milhafre no ninho e fazer um falcão voar” . – Para progredir na

aprendizagem da escrita é preciso progredir na aprendizagem, no

reconhecimento e uso do poder da palavra social, mas dela saber fazer uso

para expressar saberes, conhecimentos próprios;

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c) praticar a escrita diariamente, ou seja, escrever todos os dias e não de vez

em quando – portanto a aprendizagem da escrita deve estar associada às

práticas diárias do cotidiano do aluno;

d) observa para seus leitores a necessidade de prestar atenção naquilo que lê,

não apenas “escutar” suas palavras, mas “ouvir” o que ele diz; logo, não basta

ser escriba é preciso também ser leitor proficiente dos textos de um escriba:

saber o que ele nos diz.

1.4. A FORMAÇÃO DO LEITOR E O SEU PAPEL SOCIAL: RESGATE DO

PASSADO PELO PRESENTE

A história da leitura, conforme a história da escrita, não está dissociada da

história do alfabeto e tampouco do esforço despendido pelo trabalho do

aprendiz que se propõe a aprender a ler textos de outros autores-escribas, de

forma significativa. A sua aprendizagem ao longo da história da antiguidade e

mesmo da modernidade sempre esteve associada àquela referente à

soletração do alfabeto que, segundo Araújo (1996), desde a Idade Antiga,

perpassando o tempo da Idade Média e ainda se fazendo extensiva à Idade

Moderna, fez-se presente em nossas escolas. Aprender a usar a tecnologia

natural da voz, para aprender a conhecer e fazer uso dos sinais gráficos das

letras do alfabeto – a velha-nova tecnologia inventada pelo homem - foi o

procedimento didático do longo tempo da história da alfabetização escolar.

Nesta acepção a história da leitura do texto escrito não se dissocia de seus

suportes tecnológicos por meio dos quais esses textos são propagados e,

alguns deles impuseram ao leitor procedimentos complexos. Segundo Barbier

(2008), os suportes que circularam na Idade Antiga e Medieval não favoreciam

o mesmo grau de legibilidade que o livro moderno oferece aos seus leitores,

pois os registros escritos dos textos dessas épocas impuseram práticas

complexas a seus leitores. Dentre essas complexidades, é preciso situar

aquelas que sempre buscaram e, ainda hoje, buscam controlar e controlam as

informações veiculadas por esses e outros suportes do texto escrito.

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Nesse sentido, compreender a história desses suportes, sejam eles

qualificados como manuscritos ou impressos e pontuar a complexidade que

essas formas impõem às práticas de aprendizagem da leitura de textos

escritos, deverão contribuir para uma abordagem também significativa do livro

didático e das cartilhas de alfabetização. Estender essa complexidade para o

campo do controle das informações, veiculadas por esses suportes, ao longo

do tempo de suas produções diferenciadas, é outro aspecto que não pode ser

ignorado para ampliar a compreensão sobre as funções dos livros didáticos

modernos, visto que eles são qualificados, principalmente pelos professores,

como um facilitador da aprendizagem da língua materna, na sua modalidade

escrita. Mas, dentre aqueles que se fazem críticos desses tipos de livros, eles

funcionariam de modo a dificultar a aprendizagem da língua escrita pelos

escolares que dele fazem uso cotidiano. Essa dificuldade se faz extensiva a

professores que dele jamais se afastam, mesmo que fosse para complementar

seus conteúdos programáticos e, assim procedendo, ampliar as orientações de

suas práticas de ensino. Para Rangel (2003), se não é possível atribuir ao livro

didático grau suficiente ou satisfatório de qualidades que ele precisaria ter,

também não é possível atribuir a ele todas as responsabilidades pelos

insucessos da escola moderna referentes às suas funções essenciais.

Assim, conhecer os antecedentes de que se originaram esses suportes – os

livros didáticos dos tempos modernos – de modo a identificar suas funções ao

longo do tempo em que a humanidade passou a conviver com eles, deverá

facultar compreender por um lado, as funções desse objeto pedagógico. Dentre

elas, como sabemos situam-se aquelas exigidas pela sociedade moderna em

que se situam suas instituições escolares e sobre elas permanece a

responsabilidade pelo ensino-aprendizagem significativo da cultura da

civilização da escrita: um objetivo que permanece ao longo do tempo da sua

invenção. Para autores como Lajolo e Zilberman (2007), desde a invenção da

escola, inscrita nos primórdios da própria invenção da escrita, os materiais

didáticos sempre estiveram presentes nas salas de aulas para ensinar a

aprender a arte da composição escrita, bem como a leitura dessas

composições.

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Segundo Santos (1997) não se pode ignorar o fato de que as mídias impressas

da modernidade tornaram os conhecimentos textuais cada vez mais visíveis,

possibilitando compreender o processo histórico de transformação de conceitos

abstratos em imagens reais. Por conseguinte, os atuais suportes materiais

dessas novas tecnologias não só facilitaram a visualização e o arquivamento

da língua, mas também proporcionou uma representação temática mais

concisa, coerente e compreensível dos conhecimentos inscritos e registrados

em língua. Segundo esse autor, no tempo transcorrido entre os pictogramas, os

ideogramas, os logogramas ou hieróglifos e o alfabeto propriamente dito, bem

como o desenvolvimento da arte visual por meio da qual o homem buscou dar

forma aos sinais expressos, deslocando-se dos manuscritos para o impresso, o

texto abandonou a sua posição de subproduto de ações linguístico-

comunicativo.

O texto, desde então passou a se situar como lugar onde os conhecimentos

humanos são compreendidos e continuamente reinterpretados. Além disso, o

produto desses movimentos de compreensão e reinterpretações dos

conhecimentos sócio cognitivos humanos, representados por meio de textos

coesos e coerentes, são indissociáveis das formas modernas de distribuição

por meio das quais se assegura que eles sejam recebidos de modo cada vez

mais legível, mais fácil, mais barato, mais confortável, mais rápido e mais

direcionado às pessoas, às organizações ou instituições. Assim, uma

abordagem do texto, no espaço por ele ocupado no mundo moderno, não pode

ignorar a multiplicidade de formas sócio-cultural-econômicas e mediáticas,

implicadas nos processos de distribuição e recepção desses textos. Entretanto,

os estudiosos dos livros em geral afirmam que esses conhecimentos são sobre

a multiplicidade de formas sócio-cultural-econômicas e mediáticas insuficientes,

tanto quanto os processos de distribuição dos textos escritos. Essa

insuficiência se justifica em relação ao fato que, mesmo hoje tanto quanto nos

tempos de vivências passadas, eles são mundialmente controlados por

sistemas globais de comunicação, coordenados pelas agências das

tecnologias atuais.

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1.4.1 A LEITURA, O LEITOR E O LIVRO

O livro manuscrito carrega a primeira revolução da história da escrita e a ela se

segue a revolução da escrita impressa que responderá pela agilização dos

processos de divulgação e distribuição de textos e, com eles, ampliam-se a

propagação da cultura letrada, da fé e do poder entre aqueles que se fizeram e

se fazem leitores. Para Antos, os textos impressos revestem-se de alto grau de

legibilidade e, por isso, propagam, com facilidade, o conhecimento humano

armazenado ao longo do tempo, tão difícil de ser compreendido e interpretado,

na era do Volumem e do Códex – aqueles que antecedem a gramática da

paginação (cf. p. 35).

Na antiguidade clássica, a criação desse conjunto de folhas reunidas sobre as

quais há um conjunto de formas vocabulares escritas, já era denominado pela

palavra latina “liber” – “livre”, no francês, “libro”, no italiano e no espanhol e

“livro”, no português – para se referir à palavra com que era nomeada a

película de uma árvore de que se originou seu primeiro suporte material.

Todavia, a forma vocabular usada pelos gregos da qual somos herdeiros é

”biblion”, derivada de “biblos” com que aquele povo designava esse mesmo

objeto que recebia o nome de “papiro”, no Egito e de onde deriva a palavra

“bíblia” entre os hebreus e também “biblioteca”, enquanto da língua alemã

temos “bokis”. Da raiz indo européia “skrib” - equivalente a “graphein”, no

grego, a scribere”, em latim e a “scribus, gratter”, em português, mantemos o

uso de “gafar, grafismo, gavar” para nos referirmos a conceitos referentes à

escrita: modos ou maneiras de traçar sinais escritos sobre um dado suporte.

Observa-se que desse contexto de diferentes recortes lexicais hoje convivemos

com a instabilidade de uma concepção de “livro” e, por ela, hoje denominamos

por “livro” apenas o objeto impresso; pois, ao “livro digital chamamos de “e-

book”“. Contudo, essas diferenças nem sempre são exatas visto que além do

livro impresso - aqui designado como o livro propriamente dito – existem os

jornais impressos e os periódicos, sendo esses últimos geralmente usados

para designar revistas e suplementos publicados regularmente. Assim, usamos

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o termo “periódico” para denominar uma coletânea de textos reunidos e

encadernados, o termo “anuário” para nos referirmos a um periódico que é

publicado anualmente etc. Diante do grau da imprecisão para de definir o que é

um livro, a UNESCO passou a considerar ser ele uma publicação impressa,

não periódica, cujo número de páginas não deve ser inferior a cinquenta; essa

mesma concepção é hoje adotada e propagada, entre nós, pela ABNT.

Contudo, quando nos referimos a “livros manuscritos” ou simplesmente a

“manuscritos” fazemos referência a documentos escritos à mão ou livros sob a

forma de “rolos”, denominados “volumem” que se fizeram presentes na

civilização antiga.

1.4.2 O LEITOR DO VOLUMEM NO TEMPO DOS MANUSCRITOS

Os textos em volumem, cuja forma material se faz distante dos livros em

cadernos, foram conservados em bibliotecas pelos homens letrados da

antiguidade – os escribas, sacerdotes e leitores – cujo acervo não se confunde

com os arquivos que são depositários de documentos, também manuscritos e

possuem grande número de impressos de vários tipos. Dentre esses se situam

circulares, documentos administrativos, por exemplo, e também diferentes

livros, além de coleções das bibliotecas que, hoje, incluem o disco, o CD, fitas

de vídeos e o DVD e, muitas delas propõem espaço de conexões com a

internet conhecidas como “mediateca”.

Numa perspectiva mais abrangente, retoma-se o volumem para retomar não só

a natureza do texto por ele propagado, mas também a função de mediação

com o público-leitor daquela época. Sabe-se que o volumem foi fabricado por

meio de tiras de papiro que foram usadas pelos egípcios, pelos gregos e pelos

romanos até o século III a.C. Nesse tempo, quando os autores não escreviam

os seus próprios textos que eram ditados a um “secretário escriba”, esse

usava como rascunho uma tabuleta de cera ou mesmo um folheto de papiro,

bem como de pergaminho, antes de passar o “texto a limpo”. Segundo os

historiadores, Cícero e Virgílio ditaram os textos de que foram autores e

mesmo São Jerônimo e Santo Agostinho, na Idade Média, não redigiram

quaisquer textos de suas obras de próprio punho, pois só na Idade Moderna os

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autores passam a escrever e revisar seus próprios textos. Observa o autor para

os seus leitores que o tema do ditado, ainda

(...) está presente num afresco do século XV da Igreja de

Sainte-Paraskévi, em Chifre: o apóstolo Paulo está em pé,

inclinado sobre o ombro de seu secretário, olhando o que este

último escreve a partir de seu ditado. (...) A cópia tem

igualmente por efeito, alterar, às vezes, o texto original, quando

o secretário pode apenas tomar notas rápidas sobre as quais,

com a cabeça repousada estabelece o texto definitivo. (Barbier

2008:35)

Esta prática da cópia e do “passar o texto a limpo” perpassa toda a Antiguidade

Clássica, perdura durante a Idade Média e alcança os tempos modernos -

quando é usada na escola pelo professor – pois, terminada a redação, tem

início o trabalho da cópia propriamente dita. O texto é agora registrado sobre

um só lado do volumem, sob a forma de colunas perpendiculares e sucessivas,

variáveis segundo o comprimento desses suportes.

http://traduzca.com/voce-inventou-livro/ - acessado em 30/11/2014

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Normalmente, o papiro, com o qual é feito o volumem, tem a forma de uma

estreita tira de cinco centímetros e meio de comprimento por oito centímetros

de largura; contudo, há volumem cujo tamanho chegava a ultrapassar dez

metros de comprimento, dificultando a manipulação dos mesmos,

(...) a ponto de a sua própria leitura se mostrar perigosa: à

idade de oitenta e três anos, Virginius Rufus (...) leu em pé um

volumem tão pesado que acabou por lhe cair das mãos.

Querendo apanhá-lo, perdeu o equilíbrio, caiu, quebrou a perna

e morreu. (in:Barbier, 2008:36).

Observa-se o fato de o volumem ser guardado em jarras de cerâmica, em

cestos, em caixas, cofres ou em prateleiras e, em se tratando de bibliotecas,

em escaninhos e/ou armários; razão por que o termo “biblioteca” denominava o

móvel onde esse material é abrigado e, posteriormente, o lugar que a ele serve

de abrigo e proteção.

Cumpre pontuar, por fim, que o volumem impõe a seus leitores uma complexa

prática de leitura, visto que ele precisa desenrolar com a mão esquerda e, ao

mesmo tempo, desenrolar enrolar com a direita, o texto que tinha sob os seus

olhos. Torna-se inviável, por um lado, trabalhar com a leitura de vários rolos ao

mesmo tempo e, por outro lado, o leitor é compelido a fazer uma leitura

seguida o que o impedia de tomar notas, elaborar comentários, consultar

outros textos. Desse modo a leitura na sua cursividade fica reduzida a cada

coluna que sempre corresponde a “metades” da superfície do texto; não há uso

do verso da página do pergaminho que sempre fica inutilizado para qualquer

uso.

1.4.3 O LEITOR ENTRE O CODEX E A IMPRESSÃO

O papiro, conforme registrado no item que antecede a esse, durante muitos

séculos, permaneceu entre os povos da antiguidade e, por ele, foi propagada a

cultura dos egípcios entre os gregos e os romanos que dele também fizeram

uso para divulgarem as suas. Contudo, os gregos também fazem uso, desde

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o século II a.C. do pergaminho, que surgira em Pérgamo, na Turquia, e era

feito da pele de animais – cabra, carneiro, cordeiro, ovelha ou bezerros recém-

nascidos. A pele desses animais era mergulhada em água de cal e todos pelos

eram retirados, antes de retornarem para nova água de cal, a seguir eram

colocados sobre uma armação para secar. Durante a secagem a pele era

desbastada com uma fina lâmina e, depois de secas elas eram lixadas com pós

de pedra-pomes e, a seguir, eram cortadas em folhas retangulares que, à

semelhança das folhas de papiro, eram unidas umas às outras e enroladas,

conforme figura a seguir:

Gradativamente, elas foram sendo reunidas em várias lâminas, mantidas juntas

por um laço de couro e, sobre essas lâminas são registradas “contas” e outras

informações de valor durável. Embora o Codex não tenha sido imposto na

Roma antiga, onde o volumem de papiro permaneceu, ele era usado para

trabalhos rápidos e breves, notas e rascunhos e, nos séculos III e IV d.c., o

seu uso se torna generalizado e supera o uso do papiro. Assim, o texto era

copiado em frente e verso, e, em seguida, a pele era dobrada para se fazer ou

assumir efetivamente a forma de “cadernos” que, juntados uns aos outros,

eram costurados, tornando-se o protótipo do livro da Idade Moderna; razão

pela qual com o codex desenvolve-se a encadernação.

Nesse sentido, segundo Barbier (2010), o Codex é o suporte da cultura letrada:

o principal ponto de referência para trabalhos intelectuais sobre documentos

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escritos, pois a ele se torna possível superpor a consulta e, com ela, outros

sistemas de referências textuais: pode-se, desde então, consultar outros Codex

e tomar notas. Nesse sentido, ele vai possibilitando o abandono da leitura

pública oralizada, para privilegiar a leitura individualizada e silenciosa, sem

deixar de atribuir relevo ao fato de a letra minúscula, até então desconhecida,

haver sido incorporada pelos copistas medievais. Essas qualidades do Codex

serão exploradas no século XVI, com a multiplicação dos livros.

Mysterious Book: Codex Gigas In Socyberty ─ publicado em 06/07/2009 - acessado em 30/11/14.

1.5. A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO: UM NOVO JEITO DE LER

As renovações e/ou criações tecnológicas no campo da escrita, entre a

sociedade antiga e a medieval resultariam no desaparecimento de muitos

textos que deixaram de ser copiados do Volumem para o Códex,

principalmente aqueles muito antigos ou os que foram julgados pouco

significativos para o modelo de estado político medieval. Outro dado relevante

a ser considerado ao longo desse processo é o fato de a leitura pública - de

caráter oral - proferida nas praças públicas, dirigidas às multidões, ou mesmo

aquela proferida pelo sacerdote que, do púlpito, dirigia-se aos fiéis, durante as

cerimônias religiosas - ceder lugar no espaço da escrita para a leitura

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silenciosa. A essas revoluções do período medieval que antecedem à invenção

da imprensa e são indissociáveis das mudanças de suportes da escrita, situa-

se a invenção da gramática da paginação que facultaria ampliar o grau de

legibilidade atribuído aos textos pelos seus leitores. Nesse sentido, a gramática

da paginação refere-se à incorporação de regras e normas à escrita, as quais

tornam a leitura individual do texto mito mais fácil e significativa.

A página da antiguidade clássica e dos primeiros séculos da Idade Média difere

radicalmente daquela que será transformada, no entorno dos séculos XI, XII e

XIII, quando as letras minúsculas são introduzidas na redação dos processos

de composição textual e os elementos parasitas das letras maiúsculas são

banidos dos manuscritos, conforme figura abaixo:

http://efa-espombal.blogspot.com.br/2007/07/comunicao-da-antiguidade-clssica-ao.html - acessado em 30/11/14.

Agora as palavras gráficas passam a ser separadas entre si por um espaço em

branco, os traços usados para ligar letras entre si, decorações e abreviações

excessivas desaparecem dessa outra nova escrita, o que facilitaria o

aparecimento da leitura silenciosa. O alfabeto é ampliado pela criação de sinais

diacríticos: ponto final, de exclamação, de interrogação, dois pontos,

reticências, vírgula e travessão que facultariam diferenciar – o que

contribuiria significativamente para as práticas de leitura, bem como com os

processos de interpretações a elas atribuídas pelo leitor. Embora os diacríticos

sejam hoje empregados por quaisquer escritores modernos, eles foram

aperfeiçoados durante os primeiros séculos da Idade moderna e, mesmo

incompletos, eles já asseguram maior legibilidade ao texto e contribuíam

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sobremaneira para que a leitura silenciosa passasse a ocupar lugar na Baixa

Idade Média, pois:

a página sem distinção de palavras e sem pontuação: ambas

as coisas ficavam a cargo do leitor. (...) era algo semelhante à

preparação exigida do leitor de música na nossa época, O texto

clássico era feito para soar, como uma partitura musical.(...)

como na música, as letras eram o de menos (muitas delas

tinham de ser restituídas, pela abundância das abreviaturas). O

que realmente importava era a interpretação. (Ferreiro,

2009:44)

Essas mudanças, introduzidas por copistas irlandeses, nas fronteiras

geográficas da cristandade, afirma Ferreiro (2009: 41-47), asseguraria

compreensão quase imediata do leitor, sem ter de passar pela intermediação

da voz e responderia pela cópia rápida, de modo a suprir necessidades de

textos nas universidades. Tem-se, desde então uma página que possibilita a

extração de fragmentos de textos para citações; os textos passam a ter título e

autor; as páginas são numeradas, com índice, com divisão de capítulos,

secções e parágrafos, com letras ampliadas para indicar titulações e leitor

passa a identificar, por meio da pontuação, os limites externos e internos do

discurso. Sendo assim, a designação de “gramática da paginação” refere-se a

toda essa organização das páginas dos livros a serem lidos, estabelecida num

processo gradual de evolução da língua escrita.

Para Barbier (2010), é preciso considerar que a retomada e desenvolvimento

dos estudos sobre a sintaxe frasal muito contribuíram para que se

propusessem esses sinais de pontuação e essa a divisão dos textos em

parágrafos, além de facilitar a identificação das partes do discurso. É essa

página que também será o marco que diferenciará a citação do comentário, por

um lado e, por outro, também assegurará a liberdade do escritor: agora dono,

senhor da sua própria voz, outrora apagada pela técnica do ditado a um

escriba ou secretário, ou seja, autor e leitor tornam-se cúmplices dos sentidos

atribuídos aos mundos. Enfim, é essa gramática da paginação que fará a

página medieval explodir e assegurará o sucesso da impressão do livro da

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Idade Moderna, quando a página dos livros inverte a posição da escrita vertical

para a posição horizontal. Esta gramática possibilitou o processo de interação

entre o escritor-leitor ou leitor-escritor, papéis sociais, hoje, indissociáveis e

trouxe novas implicações para a forma de se aprender a ler e a escrever.

1.6. A HISTÓRIA DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA

Segundo Lerner (2002) ensinar a ler e a escrever é um desafio que vai muito

além do ato de alfabetizar em sentido estrito, pois incorporar os “aprendentes”

à cultura letrada, tornando-os parte da comunidade de leitores e escritores.

Nesse sentido, a alfabetização é apenas uma pequena, mas muito importante,

etapa desse processo. Sendo assim, a história da alfabetização, considerado o

contexto de necessidades acima pontuado, segundo Batista e Galvão (1999),

abarca três períodos:

O primeiro, referente à Antiguidade e A Idade média, quando

predominou um ensino orientado pelo método e/ou princípio da

soletração, que privilegiava a leitura do texto escrito circunscrita aos

processos de decodificação: associar sinais gráficos aos sinais gráficos,

aos signos do discurso.

O segundo, que privilegiava a leitura do texto escrito por duas

perspectivas ou momentos de aprendizagem: aquele que tinha como

ponto de partida o texto para a aprendizagem da palavra ou o que partia

da palavra para o texto, predominou, no Brasil, até a década de 1960 e

se qualificou pelo uso de métodos sintéticos e analíticos.

O terceiro, situado por volta de 1986, orientado pela teoria da língua

escrita e por ela a leitura é considerada como uma atividade que faculta

ao aprendente atribuir sentidos ao texto que lê, decodificando-os,

compreendendo-os e interpretando-os de forma significativa. Trata-se de

um trabalho capaz de superar os limites da leitura como instrumento de

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ação para situá-la como fundamento e fundação dos processos que

respondem pela ampliação dos conhecimentos prévios do leitor.

Nessa acepção, o primeiro método de ensino - a soletração - está associado à

criação do alfabeto e por essa razão também foi denominado método alfabético

ou do ABC. Por ele, afirma Araújo (1996) que a alfabetização se caracterizava

por um processo lento e complexo que era iniciado pela aprendizagem das

vinte e quatro letras do alfabeto grego, decoradas pelas crianças na mesma

ordem em que essas letras eram organizadas. À aprendizagem dessas letras

na ordem direta seguia-se aquela na ordem ou no sentido inverso, na qual as

crianças eram avaliadas por exercícios denominados decorar e saltar e, só

após esse processo, a forma gráfica das letras eram apresentadas e

aprendidas. A essas duas operações seguia-se a tarefa de associar o valor

sonoro (até então apenas memorizado) à respectiva representação gráfica de

cada um desses sinais, agora, escritos.

Observa-se, neste âmbito, que as primeiras grafias eram aquelas das letras

maiúsculas organizadas em colunas e só depois aprendia-se as letras

minúsculas, pois era necessário associar as letras a suas respectivas formas.

O mesmo processo era usado para o ensino das famílias silábicas, também

decoradas em ordem direta até serem esgotadas todas as possibilidades

combinatórias de cada letra na formação das sílabas, observada a seguinte

ordem: monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos, ou seja, esses

últimos se seguiam ao estudo da sílaba isolada. Esse mesmo procedimento

será reiterado pelas cartilhas12que, segundo Boto (1997), tem sua origem após

a invenção do silabário e, em se tratando daquelas produzidas para o uso de

textos grafados em língua portuguesa, tem o século XVI como seu marco

inicial.

12

O termo cartilha, segundo Boto (1997), constitui um desdobramento da palavra “cartinha”

que, por sua vez era usada em língua portuguesa desde o princípio da Idade Moderna, para identificar aqueles textos impressos cujo propósito explícito seria o de ensinar a ler, a escrever e a contar. Apresentavam usualmente o abecedário, a construção de palavras e suas subdivisões, alguns excertos simples com conteúdos moralizadores, quase sempre precedidos de excertos de orações ou de salmos, posto que a religiosidade era a marca daquele ensino primário que, pouco a pouco, se constituía.

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Nesse sentido, os primeiros textos apresentados às crianças eram

segmentados em sílabas e, posteriormente, por palavras sem qualquer

segmentação e, antes da invenção da gramática da paginação, sem qualquer

espaço entre essas palavras e sem qualquer sinal de pontuação (cf. p. 35)

Observa- se que embora Platão considerasse o período de quatro anos

suficiente para se aprender a ler e a escrever, esse processo de alfabetização

ocorria durante doze anos. (Cf. p. 21 e 26)

Esse mesmo processo de ensino-aprendizagem orientado por procedimentos

sistemáticos de progressão - letra, sílaba, palavra, texto- foi utilizado não só

durante a Idade Antiga, mas também se fez extensivo à Idade Média. Estudos

arqueológicos têm possibilitado afirmar que os procedimentos referentes à

alfabetização medieval ocorrem em dois tempos subsequentes: a

aprendizagem do alfabeto e aquela da leitura dos primeiros textos que eram

escritos em língua latina e tinham cunho religioso. Afirma Araújo que, segundo

a cartilha Civile Honesteté des enfants (Paris, 1560), o professor deveria

apresentar à criança quatro letras por dia, sendo as primeiras as letras A, B, C,

D- fato que daria origem à palavra abecedário; contudo, no século XVII a

orientação exigia que se ensinasse as letras de três em três - ABC, DEF, GHI –

mas na primeira aula seria ensinada apenas a letra A, razão por que o termo

"abecê" não se explica apenas como redução do termo abecedário.

Observa também o autor o uso de vários artifícios ou estratégias empregadas

na Idade Média para facilitar a aquisição da leitura pelas crianças, pois nos

museus arqueológicos europeus estão expostos suportes utilizados na época,

onde se vê o registro de alfabetos em couro, tecidos ou mesmo em ouro,

tabletes de madeira ou gesso. Tais objetos eram colocados em contato com as

crianças desde a mais tenra idade para que elas pudessem olhá-los, observá-

los, examiná-los e com eles interagir. Assim, as imagens da época revelam

crianças sendo amamentadas com essas tabularas penduradas em seus

braços. Também é possível identificar alimentos como bolos, doces e bolachas

que tinham o formato dessas letras, para que as crianças, depois de

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conhecerem as formas das letras, aprendessem seus respectivos nomes,

enquanto esses alimentos eram consumidos.13

Esse modo de ensinar por meio da soletração começou a ser questionado no

século XVI por alguns pensadores que o consideravam muito difícil. Alguns

desses pesquisadores apresentaram novos métodos como o ensino das letras

de palavras conhecidas pelos alunos e a própria reinvenção do método da

soletração, ensinando o som das letras em vez de ensinar os seus respectivos

nomes. Nestas buscas por um novo modo de ensinar, surge, em 1719, o

método fônico, cuja ênfase era dada ao som individual das letras que

compunham as palavras, provocando certo exagero considerado

desproporcional. O método fônico foi rejeitado no mesmo século em que foi

criado, no entanto, ainda hoje ele tem defensores, que alegam ser ele a

solução para o fracasso escolar no Brasil, contrariando os estudos linguísticos,

cujos postulados mostram que a menor unidade que o falante percebe ao falar

é a sílaba e não o fonema, visto que este último é uma unidade destituída de

sentido perceptível na fala.

Posteriormente, visando superar as dificuldades do método fônico, foi criado,

na França, o método silábico, pelo qual se ensina o nome das vogais, depois o

nome de uma consoante e, então, as famílias silábicas que formarão palavras.

Esse método foi criticado pela falta de contextualização e, desta crítica, surgiu

o método global, que ensinava a palavra partindo da própria palavra, pois as

palavras remetem algo conhecido pela criança e, portanto, com mais sentido

de ser aprendido,14já que falamos por palavras inteiras e não por pedaços

delas.

Após a criação desse método, focado na unidade da palavra, foram criados

métodos da sentenciação e outros que tinham como ponto de partida os contos

de fadas e outros aspectos inerentes à experiência das crianças. Neste

13

Observa-se ainda hoje o uso desta estratégia com a famosa “sopa de letrinhas”, cujo macarrão representa as letras do alfabeto e com elas as crianças podem brincar de escrever enquanto comem. 14

Em defesa ao método global, o gramático Nicolas Adams, afirma, em 1787, que para ensinar a uma criança o que é um vestido, mostra-se um vestido e não as partes que o compõem e assim também deve ser com as palavras.

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sentido, os métodos da soletração, o fônico e o silábico, são de origem

sintética, pois partem da unidade menor para a maior; já os métodos da

palavração, sentenciação e os textuais são de origem analítica, pois partem de

uma unidade que possui significado para as unidades menores.

1.6.1. A HISTÓRIA DAS CARTILHAS

A cartilha surge no século XVI, a partir da invenção do silabário, que vem a ser

a sua primeira versão, e é utilizada como material para ensinar a ler e a

escrever. No Brasil, a partir da última década do século XIX, com a

organização republicana da instrução pública, observa-se o início de um

movimento de escolarização das práticas de leitura e escrita e de identificação

entre o processo de ensino inicial dessas práticas e a questão dos métodos. A

partir de então, a cartilha vai se consolidando como um imprescindível

instrumento de concretização dos métodos propostos e, em decorrência, de

configuração de determinado conteúdo de ensino, assim como de certas

silenciosas, mas operantes, concepções de alfabetização, leitura, escrita e

texto, cuja finalidade e utilidade se encerram nos limites da própria escola e

cuja permanência se pode observar até os dias atuais.

Na primeira metade do século XIX, formar leitores no Brasil implicava conviver

com um conjunto reduzido de material impresso para o ensino da leitura.

Uma parte desse era de natureza religiosa (Bíblia, Evangelho) ou legal

(Constituição Política do Império, Código Criminal) tal como previa o art.6º da

Lei Imperial de 15 de outubro de 1827. Foi a partir da segunda metade do

século XIX que começaram, com mais frequência, a surgir, no país, livros

nacionais de leitura destinados especificamente às séries iniciais da

escolarização. As cartilhas escolares passam a ser utilizadas nas escolas

primárias.

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http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_cartilhas.htm - acessado em 30/12/14.

A palavra cartilha, que vem de cartinha, remonta, por seu turno, às

situações mais corriqueiras e frequentes: até o século XIX, boa parte (muitas

vezes a maioria) dos textos escritos que as crianças traziam de casa para

utilizá-los na escola como materiais de ensino de leitura eram manuscritos:

dentre esses, as cartas, certidões, relatos de viagens. Muitos dos meninos e

meninas que, em Portugal, aprenderam a ler, inicialmente o fizeram mediante a

leitura de cartinhas. Ao analisar a Cartilha Nacional utilizada nas escolas

primárias, escrita por HILARIO RIBEIRO, foi empregado esse método no

IMPERIAL LYCEU DE ARTES E OFFICIOS. A sua 1ª edição foi em 1885 e,

segundo o Prefácio do Autor , ela foi resultado de suas experiências com o

ensino simultâneo da leitura com a escrita, pelo método fônico. O método da

Cartilha Nacional constituía em: depois que o aluno tiver uma ideia clara e

consciente de que as vozes são representadas na escrita pelas vogais, e

analisados os respectivos valores de cada uma, passará o professor a

discriminar os elementos fônicos das consoantes, começando pelo v que tem

valor certo e proferível. O método proposto é sintético (que partem de

segmentos menores da língua que sintetizados formarão o todo). Do ponto de

vista histórico podemos observar através do seu trabalho o realce ao valor

moral e cívico.

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http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_cartilhas.htm - acessado em 30/12/14.

No final do século XIX, a leitura era um instrumento importante para a

educação cívica e moral, que poderia ser adquirida através dos livros de

leitura que, segundo ele, eram a “mola real do ensino”. A ideologia que informa

os aspectos ligados à cidadania nos textos das cartilhas geralmente se refere à

família, à escola e à pátria. A família é apresentada nas cartilhas como um

mundo à parte em si e para si, desvinculada da realidade social e econômica.

Os textos moldam uma personalidade de indivíduo subordinado às autoridades

públicas e desprovido de visão participativa no mundo. Entretanto, são

esparsas as informações sobre as cartilhas entre os séculos XIX e XX.

Embora a maioria das cartilhas esteja associada a métodos sintéticos de

ensino, há também aquelas que aderem ao método analítico, como a Cartilha

Maternal, do poeta João de Deus, editada ainda hoje em Portugal. Em geral,

independente do método de ensino, a alfabetização até o final do século XIX

acontecia inicialmente em letra cursiva (manuscrita) e só depois em letra

bastão, ou de forma.

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A publicação de cartilhas cresceu muito a partir de 1930 e se tornou um grande

negócio, em decorrência do qual, passou a ser editado junto às cartilhas o

Manual do Professor, cuja função é orientar o professor quanto ao uso

adequado desse material, que apesar das críticas por apresentarem o texto

apenas como um pretexto para uma leitura pouco proficiente, durante décadas

se alfabetizou apenas por meio de cartilhas e há quem defenda o uso desse

material, com o argumento de que ele foi eficiente num passado próximo e,

portanto, pode ser eficiente no presente, mas deixaremos esta discussão para

adentrarmos os conceitos de alfabetização e letramento no próximo capítulo.

1.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O resgate da história da leitura pela história da invenção escrita possibilitou que

se compreendesse o fato de os alfabetos terem sido inventados por diferentes

povos e por um processo bastante demorado e, nele implicadas, inovações,

renovações ou reconstruções, inclusive de seus suportes materiais. A

renovação desses diferentes e variados suportes – tabuinhas de argila,

superfícies lisas de pedras usadas na construção de palácios ou muralhas,

papiros e pergaminhos, por exemplo – coexistiu, por um lado, em um dado

tempo de duração de um dado modelo de formação ou modelo de sociedade,

como a egípcia, a grega e a romana. Por outro lado, alguns deles deixam de

ser usados pelos aprendentes de escritores ou escritores propriamente ditos de

uma sociedade – as tabuinhas de argila, as pedras, por exemplo – de modo

que, no final da Idade Média, persistem os papiros e os pergaminhos, mas

estes últimos sob a forma de códex: o protótipo do livro moderno. Esses

suportes, com a invenção da imprensa dos tempos modernos, da folha de

papel e do livro, passam a ser documentos alocados em grandes bibliotecas ou

museus públicos, por um lado e, por outro, nos dias atuais, as tabuinhas de

argila retornam nas telas do computador ou nas dos “tabletes” propriamente

ditos, quando os dedos das mãos substituem as cunhas e os estiletes de ferro.

Hoje, também o livro impresso já divide o espaço social com o e-book.

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Esse contexto de mudanças ou transformações das formas desses suportes

impuseram mudanças de comportamentos dos leitores para exercerem suas

práticas de leitura: se antes era necessário desenrolar e enrolar, ao mesmo

tempo o papiro ou o pergaminho, o que impedia trabalhar com vários textos ou

consultar o conteúdo de um pelo do outro, hoje isso se tornou uma prática

comum e corriqueira para leitores proficientes. Assim, tomar notas enquanto se

lê, com o advento do livro tornou-se uma prática usual para esse tipo de leitor,

mas a leitura praticada na tela do computador não deixa de ter significativo

grau de similaridade com a passagem do texto registrado no volumen que se

desenrolava sob os olhos do leitor. Todavia, para suprir essa falta referente ao

ler registrando, estão criados alguns aplicativos para computadores e tabletes,

que deverão facilitar a possibilidade de o leitor fazer apontamentos desses

textos lidos nessas telas. Nesse contexto e a princípio, o registro do texto

escrito se fez sob a forma de longas linhas horizontais, no sentido da largura do

papiro ou do pergaminho; mas, gradativamente, a sua disposição em colunas

verticais, em substituição às linhas horizontais, vai se tornando cada vez mais

frequente, favorecendo o advento do códex, no final do período medieval.

Observou-se que tais mudanças contribuíam com o ensino da leitura, à

proporção que elas facultavam aos aprendentes das práticas de leitura atribuir

aos textos que liam, maior grau de legibilidade. Entretanto, com a invenção da

gramática da paginação, esse grau de legibilidade é estendido à totalidade

material de um texto nas páginas dos livros modernos, continuamente

aprimorada, por meio do espaço em branco instituído entre as formas

vocabulares das palavras, não mais grafadas de forma abreviada, a pontuação

e a convenção ortográfica instituída ao longo dos séculos dos tempos

modernos. Por conseguinte, a escola moderna, ao negligenciar o ensino

desses aspectos formais do texto, contribui para registros de textos ilegíveis,

razão por que muitos professores, senão a maioria deles, exigem “os textos

digitados na tela do computador e impressos na folha do papel”. Entretanto, ao

ensinarem a produção de texto escrito, em sala de aula, e avaliarem esse tipo

de produção dos alunos, seus professores têm dificuldades, quando não se

veem impossibilitados, de avaliarem essas produções em razão do baixo grau

de legibilidade e, consequentemente, de leitura.

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Foram identificadas ao longo desse estudo duas modalidades de leitura: a

leitura intensiva, que no fluxo do longo tempo da invenção da escrita e do seu

ensino escolar passou a conviver, gradativamente, com a leitura extensiva.

Pode-se observar que, a princípio, e, em razão da impossibilidade de

reprodução dos textos antigos por meio de cópias, ou do difícil acesso aos

textos originais, eles eram lidos de maneira intensa, profunda e reiterada.

Todavia, com a invenção da imprensa e a reprodução inumerável de uma

mesma obra – sem ignorar o fato da facilidade de editoração de um número

incontável de livros de diferentes áreas do saber e a facilidade do processo de

distribuição dessas obras – a leitura intensiva passa a conviver com a

extensiva, assim, essas duas modalidades de leitura hoje convivem nas

sociedades modernas, visto que hoje, leem-se alguns textos de forma intensa,

profunda e reiterada – leitura intensiva – e uma enorme quantidade de textos

de uma maneira mais rápida e superficial – leitura extensiva.

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CAPÍTULO II

FUNDAMENTOS TEÓRICOS: FACILIDADES E DIFICULDADES PARA A

APRENDIZAGEM DE PRÁTICAS DE LEITURA.15

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O domínio da escrita indissociável das suas práticas de leitura é símbolo de de

outro modelo de formação social das comunidades humanas permeadas e

transpassadas pela reflexão por meio das quais os humanos se fazem autores-

intérpretes de suas próprias histórias, ou sábios por deixarem de viver a

história construída por alguns outros poucos. A bibliografia selecionada e

trabalhada desvela o quanto essas práticas complementares são difíceis por

requererem uma aprendizagem formal por meio da qual o aprendiz ascende

aos processos de codificação de conhecimentos de mundos que,

materializados por sinais gráficos, qualificam-se por alto grau de

permansividade no tempo. Assim, quando se busca tematizar a aprendizagem

da leitura da língua escrita, necessariamente se faz referência não só ao

domínio desse sistema de sinais, mas principalmente, aos conhecimentos

adquiridos por intermédio desse domínio, quando se é capaz de usar os

15

A escolha desta tira para abrir o Capítulo Teórico desta dissertação deve-se à retomada de uma possível reflexão sobre os métodos de ensino da leitura do texto escrito, visto que Mafalda questiona os textos “cartilhescos”, que são apenas pretextos para a apresentação artificial de letras, sílabas e fonemas, desprovidos de qualquer contextualização e possibilidade de análise, quiçá de formação política para o exercício da cidadania.

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primeiros como recursos para fazer remissão aos segundos. (cf. Capítulo I,

item 1.3, p. 16 e 17 e item 1.7, p.40).

Neste capítulo, à semelhança de Assurbanipal (cf. Cap. I p. 40 – caminharemos

em busca dos conhecimentos científicos que se ocultam entre os sinais das

formas mortas da língua escrita, próprios desse tipo de textos, em busca das

palavras dos discursos que eles engendraram - e engendram - para tematizar a

leitura. O relevo atribuído aos sentidos, produzidos pelos pesquisadores a

esses discursos, incidem sobre investigações que tratam, por um lado, de

pressupostos teóricos sobre as práticas da leitura significativa da vertente

sócio-cognitivo-interacional e, por outro lado, sobre a aprendizagem proficiente

dessas mesmas práticas. Tem-se por ponto de partida a própria concepção de

prática discursa que, segundo estudos mais recentes diferem quanto às

abordagens tradicionais que pressupunham ser o conhecimento explicitado

pela interiorização de processos sociais e, ao mesmo tempo, a exteriorização

psicodinâmica dos mesmos. Os estudos mais recentes, mais especificamente

aqueles desenvolvidos por Bakhtin (2003), pressupõem que o conhecimento

não se explica como algo que se possui, mas como produto daquilo que se

constrói em sociedade, cuja mola propulsora sempre foram - e ainda são - as

ações dialógicas.

Assim, o estudo de tais construções, mantidas ou asseguradas no fluxo das

interações entre os humanos, não se tipificam pela pretensão de se poder

querer esgotá-las, mas em abdicar do ponto de vista por meio do qual a mente

humana espelha a natureza; razão por que a conversação contínua e

intermitente deve ser mantida em fluxo contínuo. Nesse e por esse fluxo, os

fatos sociais são versões de mundos implicadas nas práticas dialógicas das

relações humanas inerentes às leituras dessas mesmas versões de mundos.

Elas sempre carregaram e carregam consigo as “permanências” e, ao mesmo

tempo, “as rupturas” de velhos significados socioculturais e históricos, por meio

das quais esses velhos significados convivem com novos-outros sentidos.

(Turazza, 2006).

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Orientados por essa concepção de práticas sociais inerentes à construção de

novas versões do mundo da leitura, neste Capítulo – cujo objetivo é identificar

procedimentos que qualificam o leitor proficiente do não proficiente - tomou-se

como ponto de referência os significados atribuídos aos modos de ler, inscritos

nos registros da história da leitura, por um lado. Esses modos de ler – em voz

alta, ou no espaço da esfera pública (leitura pública); em silêncio ou no espaço

da esfera privada (leitura individual); leitura intensiva e extensiva – possibilitou

a identificação de algumas variações ao longo das práticas constantes que

qualificam, historicamente, os atos de leituras de textos escritos, conforme

dados registrados no Capítulo I. A necessidade de verticalizar essas

modalidades de leituras justifica-se pelo fato de os conhecimentos científicos

sobre o objeto investigado terem sido ressemantizados ao longo da segunda

metade do século XX estendendo-se pelas atuais décadas do século XXI.

Implicado nesse processo de extensividade situa-se a busca pela

ressemantização dos procedimentos que orientam as práticas de docência e

incidem sobre a aprendizagem significativa de práticas de leitura proficientes,

no campo do seu ensino escolar.

2.2. Modos de Dizer e de Ouvir as Vozes Leitoras do Passado

Cavallo e Chartier (2002) observam para seus leitores que suas tarefas

consistem em reconstruir por meio da singularidade da história das diferentes

vozes leitoras do passado as diferentes maneiras de ler os textos produzidos

no passado remoto. E, para tanto, eles não podem ignorar as palavras de Paul

Ricoeuer (1978) para quem a atenção deve se voltar para o modo como se dá

o encontro entre o mundo do texto e o mundo do leitor, visto que as

significações não só emergem das formas e das circunstâncias desses

encontros, mas também dos meios pelos quais os textos são recebidos e

apropriados por seus leitores. Esses nunca foram e não são leitores ideais

confrontados com textos abstratos, ideais, desligados de qualquer

materialidade, mas objetos que manipulados possibilitam a audição de palavras

que governavam e governam as práticas da escuta e, assim procedendo – ao

aprender não só a ouvir, mas a escutar as palavras durante as atividades de

leitura – torna-se possível comandam a compreensão dos referidos textos.

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Entretanto, é preciso ponderar que a semântica da palavra e, necessariamente

dos textos, não se limitam apenas às teorias da recepção, pois as formas das

palavras e dos textos que delas fazem usos também se revestem de sentidos,

razão por que a mudança de suporte material implica outras modalidades ou

modos de ler. E, nessa acepção, a história dos modos de ler abarca a história

não só dos objetos escritos, mas também das palavras leitoras, visto ser ela

uma prática encarnada por gestos, espaços, hábitos e tradições que orientam

os modos de ler.

Nesse contexto de pressuposições, os autores chamam a atenção de seus

leitores sobre os diferentes modos de ler - inclusive sobre a leitura de mundos,

feitas pelos analfabetos e alfabetizados – pois essas diferenças não esgotam

aquelas entre os modos de ler os suportes escritos, a leitura pública. Observa-

se, neste caso, que antes do advento da imprensa, o trabalho de divulgação de

textos oficiais eram lidos publicamente, diante de vários súditos e servos, na

grande maioria analfabetos. Esse trabalho do leitor - que desenrolava

gradativamente o rolo de papiro à vista medida em que fazia a leitura do que

nele fora ditado pelo rei e registrado pelo escriba – implicava a atenção desses

ouvintes que recaia sobre as palavras que o rei a eles mandava dizer. Hoje, os

jornais locais, nacionais e internacionais – embora ocultem os textos escritos,

propagados por meio das telas da televisão, mas lidos pelos apresentadores

dos telejornais – também são palavras redigidas em língua escrita por editores

desses telejornais, sob a forma de notícias. Contudo e geralmente, os seus

ouvintes estão sentados em um sofá e têm diante de si apenas a imagem do

apresentador do jornal, cuja função é a de oralizar o texto do editor que, na

condição de empregado do dono da empresa jornalística – uma concessão do

governo – diz aquilo que ele deve e pode saber sobre os acontecimentos

diários, à semelhança de seus antecedentes; sejam eles alfabetizados ou

analfabetos. (cf. Cavallo e Chartier, 2002) O público-ouvinte foi fragmentado

em pequenos grupos de familiares e dessa fragmentação tem-se a variação de

formas de escritos e de identidade pública desses grupos para melhor

compreender a significação móvel e plural dos textos divulgados. Segundo

ainda esses atores (op.cit. 2002; p. 7.):

(...) os contrastes que marcam os contrastes no longo prazo das diferentes maneiras de ler, caracterizam em seus desvios,

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as práticas das diversas comunidades de leitores, dentro de uma mesma sociedade, observando atentamente as transformações das formas e dos códigos que modificam, ao mesmo tempo, o estatuto e o público dos diferentes gêneros textuais.

É preciso, ainda, não ignorar modos de ler que desapareceram ou que foram

marginalizadas no mundo dos tempos modernos ao qual nos integramos, como

é o caso da leitura em voz alta em sua dupla função: a de comunicar o escrito

àqueles que não sabem decifrá-lo e também a de encaixar formas de

sociabilidade que são outras tantas figuras do espaço privado (op.cit.p.8). O

esquecimento dessas práticas marginalizadas são os gestos esquecidos,

hábitos que desapareceram e despertam estranhezas para pesquisadores por

se fazerem incomuns àqueles que leem em silêncio, movimentando apenas os

olhos. Assim, quando nos referimos a textos antigos, temos por referência

aqueles que foram compostos para leituras de nossos antepassados: aqueles

que, ainda na Idade Média e mesmo nos séculos XVII e XVIII tinham ouvintes

de uma voz leitora e não leitores propriamente ditos como hoje os qualificamos

e compreendemos. Eles eram dirigidos aos olhos e aos ouvidos e por isso

ainda jogavam com formas e fórmulas aptas a submeterem a língua escrita às

exigências próprias do desempenho da língua oral.

No caso dos textos literários convém pontuar o fato de esses tipos de textos

não existirem em si e por si mesmos, separados de qualquer materialidade

discursiva, pois mesmo esse tipo de texto, nunca teve ou terá dele excluído o

suporte que assegura a objetividade da sua materialidade linguística. Nenhum

autor do passado ou do presente escreveu ou escreve livros que não tenham

se tornado objetos escritos – sejam eles manuscritos, impressos ou gravados –

e manejados de diferentes formas por leitores reais, os de carne e osso.

2.2.1 As Leituras em Voz Alta e a Silenciosa na Europa Ocidental

A palavra escrita oralizada se faz presente no modelo de formação

sociocultural da antiga civilização grega desde o século VIII a.C, quando a

escrita alfabética, herdada dos fenícios, se faz totalmente reinterpretada por

aquele povo por meio do acréscimo das vogais aos sons consonantais,

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conforme registrado no Capítulo I. Marcada por alto grau de valorização dos

usos da língua oral, já inscritos na esfera do poder político, era a palavra oral

que reinava como marco cultural de forma incontestável, entre seus grupos

sociais; razão por que os textos eram por eles escritos para serem ditos em

público. É nesse sentido que, embora aprendidos nas suas escolas, eram

corrigidos pelos redatores, mediante leituras dos mesmos, mas sempre feitas

pelos próprios alunos- redatores-leitores, de modo a aprenderem os modos de

dizê-los na esfera do espaço público. Na antiga Grécia, pontuam Cavallo e

Chartier (0p.cit.2002: p. 40 e 41), que “(...) nos primeiros tempos a palavra oral

reina de forma incontestável (...)”, de sorte que sob a forma de “fama

imperecível”, ou pela “gloria pós-morte”, o sentido fundamental do som das

palavras era o meio usado para representar os heróis de suas epopeias dos

tempos homéricos. A eficácia da sonoridade das palavras é, portanto, a razão

da existência do próprio herói que sempre aceitaram a morte gloriosa, em

combate. Nessa acepção, entendiam que uma escrita muda, formada apenas

pela escrita consonantal, não era capaz de representar o sentido fundamental

da sonoridade, da acústica do tanger das espadas de um combatente de alma

nobre ou cidadã, ou seja: “(...) para que serviria „uma escrita muda‟, em uma

cultura na qual a tradição oral se acredita capaz de assegurar sua própria

permanência sem outro suporte além da memória e da voz dos homens?”.

A resposta a essa questão, segundo os autores, seria aquela que asseguraria

a produção de uma maior intensidade a ser atribuída aos sentidos da forma

vocabular “bleos” – ao poder da “fama e da glória” para os ouvidos, ou seja,

(...) a produção de mais bléos, (...), graças às inscrições funerárias que garantiam uma nova forma de posteridade dos mortos. Assim, a escrita teria sido utilizada pela cultura oral em uma perspectiva que não seria a de proteger a tradição épica (embora ela acabe por fazê-lo}, mas sim a de contribuir para a produção de som, de palavras eficazes, de glória retumbante.

Heller (1970) chama a atenção de seus leitores sobre o compromisso da leitura

com o passado e, mesmo em se tratando da leitura da civilização do oral, a

denominada leitura de mundo(s) teve e tem a função social e comunitária de

socializar informações por meio de rituais ou espécie de cerimonial coletivo. É

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nessa acepção que por ela respondia os anciãos: aqueles cujas memórias

eram valorizadas e preservadas pelos seus papéis de mestres, conselheiros,

chefes a quem todos ouviam e respeitavam.

Afirma essa autora que esquecer o compromisso da escrita com o passado é

promover rupturas na história da própria humanidade e ignorar que a

aprendizagem entre os humanos, por um lado, tem por ancoragem primeira a

imitação e, por outro, a sabedoria. Tal ignorância não deixa de ter por

referência o fato de se acreditar que os homens dotados vastos conhecimentos

são na verdade sábios, pois, em verdade, a sabedoria não equivale à

quantidade, mas ao uso qualitativo, inteligente, adequado e proficiente de

conhecimentos que os homens detêm. Logo, confundir essas duas dimensões

pode implicar em avaliações impróprias ou inadequadas sobre procedimentos

ou comportamentos humanos, pois um analfabeto pode agir com muito mais

sabedoria do que aquele que é altamente letrado. Observa também que a

escrita alfabética não só se adaptou às tecnologias dos mais variados e

diferentes tempos históricos e a elas continua se adaptando para divulgar

informações que, processadas adequadamente, transmudam-se em

conhecimentos: alicerces da sabedoria. Embora a escrita tenha respondido e

talvez continue a responder pela escolha de alguns poucos que podem

ascender ao espaço ocupado por seus saberes divinos que garantiram e

garantem aos homens descobrirem os segredos da vida comercial pelo

contrato dos lucros, há ainda uma grande maioria que não têm acesso a essa

divisão lucrativa, mas desproporcional. Assim, ignora-se o fato de ela também

ser capaz de desvendar segredos de outros bens sobre os quais o próprio

mundo do mercado não tem total acesso e tampouco controle: aqueles sobre o

domínio de novas ideias, novos hábitos, novos costumes e novos

conhecimentos que podem ameaçar o futuro. Nesse sentido e desde a sua

origem, a escrita tenha sido interpretada como uma técnica dada aos homens

pelos deuses da sabedoria: a chave de qualquer poder. (cf. Cap. I).

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2.3 As Permanências nas Diversidades: Modelos de Práticas de Leitura

Os tipos de leituras – principalmente aqueles qualificados ao longo do tempo

da invenção da própria escrita – quando correlacionados aos estudos

científicos propostos para o estudo das línguas humanas de caráter estrutural,

desenvolvidos ao longo do século XX, mais especificamente até as décadas de

1960 a 1970, não se distanciam daqueles que foram cultivados ao longo do

tempo de implantação da própria civilização da escrita. Segundo Bloomfield.

(op.cit. p. 264; in: Harris, T.L. e Hodges R.E, 1983), a leitura implica apenas a

“correlação de uma imagem sonora com a correspondente imagem visual”;

razão pela qual se mantém, ainda no século XX, a velha concepção de que o

saber ler é saber decifrar ou codificar-descoficar informações. Excluído o

homem desse campo de investigações e com ele a própria história da leitura,

essa perspectiva faz prevalecer o valor e o papel social da língua sistema,

dissociado da função social das atividades da fala e, consequentemente, das

funções exercidas pela leitura nas esferas sócio individuais do desenvolvimento

humano. Assim, no campo do ensino-aprendizagem, as práticas de docência

se mantinham dissociadas dos processos de compreensão e de interpretação

dos textos propostos para a leitura, cabendo ao aprendente se limitar a

pronunciar corretamente as palavras imprensas mesmo que não

compreendessem seus significados e, consequentemente, fossem incapazes

de atribuírem a elas sentidos postos ou pressupostos pelos referidos textos.

Trata-se de uma posição ou postura didática em que as aquisições de

significados a serem transmudados em sentidos, pelos produtores-leitores, não

eram perspectivizados como meios para a formação geral das pessoas ou

indivíduos.

A partir das décadas de 1960-1970, os modelos estruturalistas passam a ser

questionados face à insuficiência de eles serem incapazes de darem conta das

variadas e diferentes funções das atividades da fala, ordenadas e organizadas

pelas formas linguísticas de que resultam os textos: unidades de sentidos que

se explicam pela dupla lateralidade dos significados que, tecidos e entretecidos

entre si, respondem pela sua textura. Retoma-se a concepção de texto que,

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numa perspectiva etimológica, deriva da palavra latina textum, cujo sentido

aponta para uma estrutura coesa e autônoma, construída pacientemente por

meio de elementos entrelaçados e encadeados de que resulta um produto final

que se pode apreciar e manipular. Neves e Oliveira (2001) ocupam-se em

analisar um conjunto de definições propostas, desde os primeiros anos da

década de 1960 por diferentes autores, e colocam em relevo o fato de elas

postularem ser a função comunicativa e social aquela revestida de maior

importância. Concebido como produto de atividades verbais em contexto, o

texto assume o seu caráter de unidade e totalidade semânticas coesas e

coerentes e, nessa acepção, não pode ser focalizado apenas como

justaposição de frases, ainda que inter-relacionadas entre si, mas como

discurso, ou ato de enunciação oral ou escrita e, nessa condição, afirmam ser o

texto a unidade fundadora das práticas discursivas.

Ao longo desse desenvolvimento de fundamentos teóricos sobre a concepção

de texto como produto de práticas discursivas, muitos autores como Viana e

Teixeira (2002) ponderam não se poder negligenciar que a descodificação é

uma condição fundamental que, quando não satisfeita, impedirá o

desenvolvimento da leitura; contudo, reduzir a leitura a técnicas de

descodificação sempre foi uma posição limitada que impede o acesso à

produção de conhecimentos e, necessariamente, não faculta o

desenvolvimento sócio-cognitivo-interativo humano. Compreendendo ser a

leitura a interação entre os conhecimentos prévios do leitor e novas

experiências por ele vivenciadas, extensivas a informações léxico-gramaticais,

associadas a signos gráficos implicadas nos processos de descodificação de

informações não linguísticas, autores como Smith (1978.), Charmeaux (1975) e

Goodman (1995) privilegiam a dimensão psicolinguística da leitura na sua

relação entre pensamento e linguagem.

No fluxo desse processo de revisões sobre o ato da leitura, por meio do qual

ela é focalizada não apenas como atividade que faculta ascender aos

processos de produção de sentidos do texto escrito, mas também assegurar o

acesso ao pensamento e julgamento pessoal do próprio leitor. Esse esforço

para entender a concepção de leitura, em busca uma abordagem capaz de

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abarcar a relação entre linguagem e pensamento possibilitam que ela também

seja considerada como ato de socialização que se explica como um processo

multifacetado e multidimensional, implicado desde o reconhecimento da

palavra até a intervenção de processos mentais superiores. Ela envolve tanto

o reconhecimento dos signos impressos por meio dos quais se faz a evocação

dos significados das palavras construídos por experiências do passado e a

reconstrução de novos-outros significados pela manipulação de conceitos já

conhecidos pelo leitor. Esses são organizados por processos desencadeados

por outros-novos pensamentos que conduzem, orientam ou desencadeiam

novos comportamentos que se integram, favorecendo tanto o desenvolvimento

da pessoal e social do leitor.

Todos esses modelos partem do pressuposto que uma vez descodificada as

formas vocabulares e/ou as frases enunciadas pelo escritor-leitor de um texto,

por se atribuir a elas significados, convertendo-as em palavras, o processo de

compreensão das primeiras e os sentidos dos enunciados frasais serão

naturalmente compreendidos.

O quadro acima é complementado, reelaborado por estudos de Rumelhart

(1994) que busca reconciliar posições extremas e incapazes de representar

adequadamente conhecimentos que, produzidos pelo leitor em situações de

interações, tipificam-se por serem diferenciados e variáveis ou de diferentes

fontes ou dimensões. A leitura, para esse autor, abarca o processamento do

texto, o uso de experiências e de expectativas que, no fluxo dos processos

interativos, asseguram o processamento dessas variadas e diferentes

informações, asseguradas pela compreensão do leitor sempre gerada e

controlada pelos estímulos impressos. Há, portanto, tantas modalidades,

modos de processar as informações produzidas pelas práticas de leituras

quantas são as pessoas que leem os tipos de textos ou gêneros a serem lidos

– sejam esses modelos ascendentes ou descendentes – que exigem o domínio

de esquemas ou modelos complexos de leituras. A riqueza e/ou complexidade

do processamento de informações pelo produtor-leitor, bem como falhas na

apreensão de informações que, para seus estudiosos se torna impossível

postular um único modo de ler.

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Os estudos de Rumelhart (op.cit.) permitem considerar não haver um modelo

único para o processamento de informações, por conseguinte aqueles usados

por um leitor maduro ou proficiente e por leitores iniciantes não são

equivalentes. Os primeiros fazem usos de estratégias flexíveis em função do

tipo de texto que leem, dos objetivos a que se propõem a alcanças por meio de

suas leituras, os arquivos de seus conhecimentos prévios ou grau de

desenvolvimento de seus modelos cognitivos ou estilos de leituras. Assim, o

leitor maduro ou fluente domina os processos que a ele facultam identificar

novas informações, faz uso flexível e estratégico dos mesmos para ascender

aos significados dos textos escritos que lê, identifica ou produz inferências

autorizadas em relação a seus objetivos e/ou intenções, além de articular um

conjunto de operações mentais e atitudes que são facilitadoras de outras

aprendizagens. Portanto, não basta descobrir quais são as estratégias que

guiam ou orientam os procedimentos de um leitor maduro, envolvidas no ato de

ler, sem que se tenha como referência as razões ou objetivos por meio dos

quais as pessoas leem, ou quais são os propósitos que desencadeiam ou

motivam a leitura de um texto “x” ou “y”, “z”, etc.

Uma síntese dos estudos, acima registrados, aponta que a leitura: a) tem papel

fundamental nas atividades que facultam o desenvolvimento psicossocial de

seus aprendentes, por isso ela não se reduz a mecanismos de justaposições;

b) qualifica-se como atividade criativa e formativa que favorece o

desenvolvimento integral da criança ou do jovem, e ainda ao: c) desenvolver os

processos mentais próprios da aprendizagem, os seus aprendentes ao: c.1)

ampliar o domínio e o uso flexível de usos de regras de caráter linguístico que

qualificam os modelos de codificação- descodificação de caráter lógico, ou

seja, esse domínio favorece experiências de manipulação de regras e de suas

relações, que: c.2) diferenciar e classificam os conhecimentos linguísticos pelos

não linguísticos, ou vice-versa; logo, a leitura amplia os modelos ou esquemas

classificatórios de conhecimentos de mundos; logo, c.3) favorecer a

diferenciação conceptual pela diferenciação de novas relações entre os

conceitos. Enfim, com ou por meio dela, também se aprende a pensar; razão

por que elas responde pela aprendizagem de novas palavras, de outras

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modalidades de conceber novos-outros conhecimentos, desde que a leitura

mobilize o desenvolvimento de atitudes de pesquisas e descobertas de modos

de agir criativos, visto ser ela o elemento capaz de desencadear movimentos

que mobilizam a força produtora da linguagem ativada pelo pensamento crítico

e/ou reflexivo. Nessa acepção, ela responde pelos processos do

desenvolvimento da linguagem que ativa e é ativada pelo próprio pensamento

que se desenvolve e, ao mesmo tempo, é desenvolvido pela própria linguagem

e, nessa acepção, a leitura envolve operações mentais e atitudes referentes a

modos de ser e de agir no/sobre os mundos.

2.4 O Texto Produto e o Texto Processo pelo Ato da Leitura

Fundamentando-se nos modelos sócio-cognitivo-intertativos van Dijck se

desloca de seus estudos que incidiam sobre a Gramática do Texto, depois de

considerar ser impossível defender a hipótese segundo a qual os textos se

deixariam descrever por regras gramaticais. Voltando as suas investigações

para o campo da “Análise do Discurso” e, orientando- se por uma perspectiva

crítica de caráter interdisciplinar, de modo a privilegiar resultados obtidos de

pesquisas psicossociológicas e histórico-culturais, de modo a contemplar a

hipótese de que os humanos, em todos os lugares e tempos, sempre falaram e

falam por textos coesos e coerentes, van Dijck se ocupa em formalizar um

modelo sócio-cognitivo-interativo para o tratamento das questões linguístico-

discursivas. Trata-se de um modelo estratégico para o processamento do

discurso, desenvolvido entre as décadas de 1980 e 2000.

Esse modelo de processamento textual-discursivo, como advertem os seus

autores (Viana e Teixeira, 2002; p. 22), não se explica por níveis – proposta

teórica da linguística estruturalista – mas por complexidades, pois diferentes

diversos e variados tipos de informações podem ser usados pelos produtores

de sentidos para compreendê-las e integrá-las umas às outras:

Partimos da compreensão das palavras para a compreensão das orações nas quais as palavras têm várias funções e daí para sentenças complexas, sequências de sentenças e estruturas textuais gerais. Mesmo assim existe uma realimentação contínua entre unidades menos complexas. A

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compreensão de uma palavra em uma oração dependerá de sua estrutura funcional enquanto um todo, tanto na dimensão sintático quanto semântica. Isto significa que, ao invés de operarmos com um modelo convencional de processamento, operamos com um modelo estratégico. (...) A noção (...) de estratégia de compreensão (...) desejamos usá-las para processamento de diferentes dimensões das informações discursivas, tanto para as textuais como contextuais (....).

As estratégias, portanto, estão concebidas como próprias ou inerentes aos

conhecimentos específicos e aos gerais, sendo elas dependentes não só de

informações textuais-discursivas, mas também das características dos usuários

da língua, ou seja, dos objetivos ou conhecimentos de mundo dos produtores,

visto que elas fazem parte do conhecimento geral que, por sua vez, fazem

parte ou representam o conhecimento procedural sobre a compreensão do

discurso. Nessa acepção, elas precisam ser aprendidas e reaprendidas, antes

de serem automatizadas, pois outros ou novos tipos de discursos e/ou formas

de comunicação podem exigir a aprendizagem de outras novas estratégias de

produção de sentidos.

2.4.1 O Processamento de Informações pelo Produtor-Leitor

Os modelos relacionados aos processos de compreensão, afirma v. Dijk (2004;

p.12, 30 e 31), está relacionado ou associado àquele do processamento do

discurso e àquele de produção ou transmudação de significados em sentidos,

pois as estruturas tanto podem ser especificadas por procedimentos de análise

ou de síntese. Assim as regras de processamento sempre foram e são

especificadas por procedimentos analíticos ou de sínteses usadas ou aplicadas

pelo leitor, por meio de mapeamentos mentais e por relações entre

representações semânticas e da ordenação das expressões das estruturas de

superfície de um texto. Todavia, não é possível inverter a direção desse

mapeamento, pois o leitor tem acesso a diferentes tipos de informações a cada

ponto ou movimento de compreensão e as estratégias por ele aplicadas serão

diferentes e variáveis. Isto significa que o leitor “terá de perceber o tópico do

discurso de diferentes maneiras (...)”. e, dentre as principais estratégias por ele

aplicadas de que resulta esse seu trabalho de produção, as “principal

estratégia é a produção da macroestrura textual” pelo processamento da sua

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microestrutura, pois na dimensão semântica do discurso, a construção dos

sentidos a ele atribuído é “composto de elementos dos conhecimentos gerais e,

especialmente, pelo processamento de elementos do modelo situacional

(...)”situacional.

O autor, por meio desses fundamentos, afirma que a principal tarefa do leitor

está voltada para o trabalho de processamento da base do texto quando, de

maneira estratégica, ele escolhe entre informações implícitas e explícitas e, por

elas constrói a base semântica do texto de modo a construir a sua coerência

local, por meio de diversos dados semânticos, pragmáticos e contextuais.

Essa mesma perspectiva teoria sobre o processamento online das

informações identificadas no fluxo dos movimentos pela leitura é pontuada por

Kleiman (2002) , referente ao leitor proficiente para a produção de sentidos

atribuídos aos significados das informações processadas por esse tipo de

leitor. Assim, os procedimento por meio dos quais se atribui coerência local e

global a um texto e identificar sua referência temática se qualifica por um

contínuo movimento de vaievem e, por eles, são feitas remissões entre

passagens desligadas do texto. Tais movimentos implicam a ligação e a

sobreposição simultânea de elementos constitutivos de frases e de frases

entre si para a construção dos sentidos globais, ou seja, é por meio dessas

relações simultâneas, cujo limite é proporcional à capacidade de memorização

que o leitor carrega consigo e, por ela, ele conjuga a dimensão linear com a

alinear dos textos que lê.

Entende-se que, articulando essas duas dimensões, o leitor ultrapassa o

movimento da leitura linear e abre o horizontes infindável de releituras,

retomando suas próprias pegadas, movendo-se ou se deslocando aos saltos e,

assim procedendo, utilizando-se de estratégias que a ele facultam: a) cancelar

proposições referentes a informações não fundamentais para o processo de

interpretação; b) identificar e construir por processos de integração proposições

genéricas, agrupando conjuntos não genéricas entre si e, por meio desses

processo de identificação de proposições não fundamentais ou de suas

reconstruções por proposições fundamentais de caráter genérico, faz uso de

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estratégias: c) reconstrução e de integração entre os significados dessas

proposições, comparando, cancelando e sintetizando.

A complexidade das práticas de leitura, segundo Cossuta (2001) faz com que o

texto, ao se inscreve nos processos desses processamentos, torna-se

dinâmico e alinear – transmuda-se em texto processo – torna-se dinâmico. Os

limites desse dinamismo não são mensuráveis, pois suas referências fazem

múltiplas, plurais e a sua complexidade, gradativamente, se faz presente

ampliando e reduzindo, simultaneamente os limites da capacidade do seu

leitor. Para o autor, a esse trabalho intermitente e de unidades de significações

flutuante, deve assegurar, gradativamente, a organização das informações por

esquemas de sequências textuais – macroestruturas ou categorias de

narrações, de descrições, de argumentações, etc. que, para Cossuta garantem

a organização hierárquica e variável da tipologia de textos e/ou gêneros do

discurso. A função desses esquemas está voltada para a integração de

conjuntos mais amplos construídos transversalmente, segundo o modelo de

composição do texto.

O texto, embora muitas vezes se esconda atrás de uma voz impessoal,

também carrega consigo um nome próprio que a ele confere uma unidade, por

meio da chamada função-autor ou autoral: aquela que fala. Essas são

referências enunciativas. São elas que facultam a compreensão dos modos

como as significações devem, foram ou são organizadas, quais são os modos

de organização e ordenação do pensamento, os de expor as ideias, os pontos

de vista. Assim, pela leitura também se é integrado no espaço de referências

enunciativas por meio das quais é possível identifica o lugar e o papel do leitor,

pois processamos informações sobre o tom da voz com quem passamos a

conversar, às vezes carregada de reflexões, de sarcasmo, de humor, etc.

Nesse caso, os textos dependem da presença de alguém que dele se retirou,

se afastou, mas pelo tom da sua voz que nele permanece, fica a sua imagem.

Logo, eles sempre deixam marcas explícitas ou implícitas de uma outra

presença que o leitor precisa aprender a significar, sendo ela, essa voz, a

origem das construções de sentidos. Ler, por essa perspectiva teórica, é dar

conta de um paciente trabalho de decifração ou descoficação significativa e, ao

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mesmo tempo, da estruturação global da dinâmica textual de produção de

sentidos.

Reitera-se que, por esse modelo de processamento on-line, a concepção de

leitura deixa de ser compreendida pelo princípio da linearidade e, ao mesmo

tempo, é possível identificar os procedimentos por meio dos quais o leitor

constrói não só a coerência global pela coerência local dos textos que lê.

Assim, ler é ir além das aparências do texto produto, expressas em língua para

além das palavras, frases ou parágrafos. O leitor proficiente, portanto, se ocupa

com prudência desses processos de compreensão e, por eles, interpreta-

reinterpreta os diferentes textos que lê, ou reinterpreta aqueles já lidos, pois

cada leitura sempre implica a atribuição de novas significações e

reinterpretações.

2.4.2. A Correlação entre Linguagem-Língua e Fala: pensamento e

cognição

O quadro da linguística contemporânea situa a linguagem como uma

complexidade de processos inerentes à vida psíquica e sócio-cultural-

ideológica do homem que, em sendo um animal eminentemente relacional,

torna-se – dentre quaisquer outros e pelo próprio desenvolvimento da

linguagem – o único ser político-social e capaz de falar. Esses processos são

desencadeados, desenvolvidos, aprimorados, em todos os tempos e lugares e

mesmo quando circunscritos a momentos de introspecção eles arrastam

consigo a imagem de os outros com os quais se esteve ou estará em suas

companhias.

Cazacau, já na década de 1970, ponderava que pelo fato de o homem ser

dotado da faculdade de linguagem que ele se fez e se faz o criador e o

renovador ou reconstrutor das línguas e de outros sistemas de codificação, por

meio dos quais se assegura a objetividade, a materialidade dos exercícios da

fala. Para a autora, a língua é o fundamento da linguagem e da fala – ou seja, o

lugar em que se pode compreender e identificar os fatos de linguagem,

formalizados em língua e expressos pelos exercícios; razão pela qual nenhuma

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língua poderá funcionar se destituída das práticas de linguagem. A linguagem,

por sua vez, só poderá se desenvolver e se manifestar objetivamente pela

aprendizagem de uma dada língua e, nessa acepção, essas são duas

dimensões diferentes, mas jamais opostas, de um único e mesmo fenômeno

sócio-cognitivo-interativo que se autocomplementam, tendo a fala como

testemunha de suas existências. Esse grau de complementação e de

complementaridade imbricados entre si, no ato concreto da comunicação

humana, impossibilita saber ou traças os limites entre linguagemlínguafala.

Nesse e por esse quadro de complexidades, a fala – concebida como uma das

instâncias em que a linguagem - é concebida em ação para tecer, retecer,

entretecer o que é produzido pelo pensamento, formalizado em língua e

expresso pelo exercício das atividades da fala. O fato de a fala ser a dimensão

expressiva dos fatos de linguagem possibilita focalizá-la por uma perspectiva

globalizante e, desse modo afirma Gusdorf (1970), ao falar, o individuo se

personaliza, faz-se efetivamente pessoa.

A relação indissociável entre língua e fala, para Cazacau, implica considerar

que a primeira não é apenas constituída por um sistema léxico-fonético-

gramatical, mas também por outros sinais como entonação, pausas, inflexões

de vozes, que se conjugam aos primeiros para assegurar maior grau de

expressividade aos seus usuários. Assim, linguagem, língua e fala são

dinâmicas e esse dinamismo só se explica pela intensidade de ações sócio-

cognitivo-interativas: aquelas que facultam transferir para outrem as

representações por homens que, por esse mesmo processo, tornam-se

pessoas. É nessa e por essa dinâmica que não se pode negar o fato de a

linguagem ser uma das instâncias do pensamento que nela e por ela se

formaliza, pois é impossível apreendê-lo em si e por mesmo. A linguagem,

portanto, em não sendo o pensamento, apenas possibilita torná-lo tangível e

essa sua tangibilidade é sempre organizada e formulada pela linguagem. É

nesse sentido que os teóricos do conhecimento afirmam que o pensamento

fabrica “coisas e/ou ideias sobre e nos mundos”, sendo que essa fabricação

retira a sua matéria prima por ser realimentada continuamente por novas

informações produzidas pelas relações interacionais entre os próprios homens.

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A atividade do pensar é fundamental para a produção de sentidos; contudo ela

tem por ancoragem o processamento dessas novas informações pela

cognição.

A cognição, para Sebastian (1983: 10 e 11) - embora seja um processo

imbricado ao pensamento, dele se diferencia por não ser intermitente - pode

ser apreendida por um começo e por um fim; razão pela qual as atividades

cognitivas podem ser postas à prova, de sorte a verificar seus resultados.

Segundo a autora, os estudos desenvolvidos pela psicologia da cognição

investigam os processos mentais como a percepção, a atenção, as habilidades

de aprendizagem, a memória e, necessariamente, a linguagem. A psicologia

cognitiva tem sido concebida como (...) estudo dos processos mentais

mediante os quais se transforma, se reduz, se recupera e se reutiliza as

informações dos mundos que o sujeito obtém em sua interação com eles”

Essa concepção aponta ser a interação o meio natural e/ou sócio-cultural no

qual o homem está inserido o lócus primeiro da produção de conhecimentos,

pois o apreendido nesse meio pela percepção é codificado como informação

que está em contínua transformação. Tal transformação implica, por um lado, a

transformação da informação em conhecimento e, por outro lado, de um

conhecimento primário em novo conhecimento pela memória.

2.4.3 Cognição e Memória: modelos de processamento de informações

A transformação de sinais em informações e de informações em

conhecimentos é um trabalho desenvolvido pela memória que implica a

extensão da rede conceptual, quando fundada ou fundamentada pela reflexão

crítica e esse fazer transformador se dá por meio de modelos de

conhecimentos, arquivados na memória de longo prazo, sob a forma de

esquemas. Os cognitivistas postulam que a armazenagem de informações não

ocorre de forma desorganizada, pois os conhecimentos são arquivados na

memória, não de forma desorganizada, mas estruturados por esquemas

mentais cuja função é a construção de modelos de representações. Assim, a

cada entrada de novas informações, os modelos referentes a conhecimentos

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prévios, ou já armazenados esquematicamente, são reelaborados de modo a

incorporar tais informações processadas por esses esquemas de

compreensão. Tais incorporações podem implicar a extensão desses velhos

modelos cognitivos de organização e ordenação, mas também responder

pelas suas alterações e delas resultar a bifuração de um deles em outros. Mas

os modelos sempre funcionam como guias para esse processamento e sem a

integração de vários modelos ou as suas alterações não há produção de

novas outras significações ou sentidos.

O desenvolvimento de estudos no campo da cognição tem possibilitado

diferenciar três tipos de memória: a que responde pela descodificação, pelo

armazenamento e pela recuperação de informações semânticas. A memória

descodificadora responde pelo processo segundo o qual a informação é

identificada pelos sinais de uma língua e representada sob a forma de ondas

sonoras, ao ser descodificado. Assim, ela implica o reconhecimento dos sinais

linguísticos estruturados na linearidade pelos sinais das letras, articuladas de

modo a formar as sílabas e essas as palavra, as frases etc. São sinais

auditivos ou visuais que, ao se fazerem significativos, transmudam suas formas

físicas e se remetem a referências memorizadas sob a forma de esquemas de

representações. Contudo, afirma Sebastian (1983), as informações

memorizadas podem se perder no sistema da memória, resultando no

esquecimento e, nesse caso, a recuperação sempre implica habilidades para

acessar informações e, muitas vezes, não se trata de esquecimento mas de

dificuldades decorrente do baixo grau de conhecimento dos sinais linguísticos.

As razões pelas quais o homem apaga ou se esquece de fatos pode ser não só

por desconhecimento, mas por repressão, pois para Freud (1915), o que é

reprimido sempre é esquecido e a recuperação de informações perdidas pelo

esquecimento somente serão recuperadas por estratégias específicas: aquelas

de que os psicanalistas fazem uso. Segundo Solé (1998), essa recuperação,

no campo do Ensino Aprendizagem deverá ser feita por meio de pesquisas, de

estratégias de intertextualidade ou de indagações, perguntas encaminhadas

aos alunos pelo professor, não só para reavivar informações esquecidas, mas

também para reconstruí-las.

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Nesse sentido, afirma Terzi (2001), que não só a perda de informações pela

memória responde pela redução de esquemas mnemônicos, pois o

desconhecimento do vocabulário de um texto inviabiliza a recuperação de

velhas informações, mas também a produção daquelas que são novas, visto

que o vocabulário é o recurso por meio do qual o leitor estabelece relações

com os seus conhecimentos de mundos. Assim, os textos identificados como

difíceis pelos seus leitores são aqueles que têm um alto índice de formas

vocabulares desconhecidas que deles exigirão um grande esforço para

descodificá-las de modo significativo.

Afirma Sebastian (1983) que os enfoques propostos pela psicologia

conducionista no século XX, embora enfatizem muito mais as causas do

esquecimento, poucas contribuições podem oferecer no que se refere às

habilidades que facultam recuperar informações que foram esquecidas. Eles

apenas pontuam que as informações sobre recordações dependem do grau de

aderência entre estímulos e repostas: quanto maior a intensidade entre esses

dois elementos maior será aquele de aderência e de extensionalidade da

informação memorizada. Observam que o esquecido resulta de inibições que

interferem no movimento associativo entre estímulos e as informações

produzidas; portanto, o conducionismo oferece resultados de pesquisas rígidas

e bastante simplistas, segundo essa autora. Desse modo, os estudos

desenvolvidos sobre a linguagem, orientados por princípios conducionistas

implicarão na valorização de pressupostos da lógica matemática e do

determinismo que não possibilitaram o tratamento dos processos de

produtividade. São por essas razões que, a partir da década de 1970, o

interesse se volta para investigações sobre estratégias de produção,

desenvolvidas pelo sujeito para organizar, recuperar informações sobre os

modos como essas informações, situadas nos arquivos da memória, são

organizadas e funcionam para garantir representações de conhecimentos

linguísticos e não linguísticos.

Nesse outro contexto de investigações, ainda segundo Sebastian (1983),

passa-se a postular que os significados atribuídos aos textos pelos seus

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leitores dependem dos conhecimentos que eles têm armazenados em suas

respectivas memórias. Esses estudos, hoje e de forma consensual, apontam

que a memória humana opera em três dimensões: uma designada por

memória semântica de longo prazo; outra, memória operacional ou de médio

prazo e outra denominada por memória de trabalho, ou temporária.

2.4.4 A Memória Semântica do Longo Prazo e Seus Armazéns

Esses estudos sobre a armazenagem de informações levaria os estudos da

linguística sócio-cognitivo-interativa a reinterpretar os resultados dessas

investigações no campo da psicologia e operar com três dimensões temporais

no campo das investigações sobre as práticas textuais discursivas. Assim

procedendo, pontuam que:

A memória semântica de longo prazo se qualifica como lugar onde são

armazenados esquemas ou modelos de conhecimentos globais das “coisas

dos mundos”, organizados sob a forma de esquemas textuais e/ ou discursivos;

acontecimentos ou fatos generalizados bem como episódios; esquemas

referentes a modelos de contextos e situações vivenciadas; de atos de fala; de

recursos retóricos ou estilísticos; de esquemas léxico-gramaticais. Para

Bakhtin, trata-se da memória do longo tempo cujos conteúdos arrastam

consigo os fatos ou acontecimentos das civilizações humanas cujos

significados são históricos e, por isso, explicitam discursos de uma dada época,

bem como a compreensão dos processos de lexicalização referentes à de

formação das palavras de uma dada língua e também as ressignificações

sofridas por tais palavras, nesse longo tempo. Segundo o autor, essa

compreensão se faz extensivas às contingências que emergem dos contextos

do longo tempo, ou desses modelos globais que emergem do contexto

sociocultural-histórico de diferentes épocas; mas desde que os leitores tenham

domínio sobre tais conhecimentos de mundos. É por esse olhar digressivo,

orientado ou dirigido para o longo tempo, que possibilita que possibilita ouvir as

vozes do passado que outrora povoavam os enunciados desse tempo

longínquo;

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A memória de curto prazo se qualifica como lugar onde são armazenadas

sequências de informações percebidas ou identificadas pelos sentidos, num

dado tempo presente, cuja capacidade de armazenagem é bastante limitada –

não ultrapassa o limite a extensão de uma sequência numérica de sete dígitos

ou palavras, segundo os estudiosos da psicologia que trata de questões da

inteligência artificial. Assim, ao ascenderem à memória de curto prazo – depois

de serem processadas pela memória de médio prazo, pela ação da memória

de trabalho - quando não ascendem à memória de longo prazo por meio de

repetições, ao serem processadas pela memória de trabalho, essas

informações ficam sujeitas a vagas e tênues lembranças, por um lado. Por

outro lado, se tais sequências forem agrupadas de modo a se poder construir

com elas unidades mais amplas, segmentadas por três dígitos -

356891958426 = 356 -891-958-426 , por exemplo - a sua capacidade de

retenção se estenderá por um tempo maior. Para Bakhtin, essa memória é

aquela do tempo vivido referente às interações dialógicas, delimitada à

compreensão que faculta a produção de sentidos atribuídos a um texto pelo

seu leitor e nele se inscreve a interação dialógica entre as vozes do texto e

aquela do próprio leitor. São interações reais em que os interlocutores “autor”

interagem trocam experiências e vivências entre tempos diferenciados: aquele

da escritura do texto e aquele da sua leitura que possibilita a identificação de

repertório cultural entre tempos distintos, mas que em se fazendo significativos,

asseguram a interpretação de um pelo outro;

A memória de médio prazo se qualifica como lugar onde ocorre a

descodificação significativa das informações retidas pela de curto prazo

referentes aos acontecimentos ou episódios. A função dessa memória é a de

operar com significados e não com formas da estrutura superficial ou termos da

estrutura linguística; razão por que o seu processamento implica ou resulta da

memória de trabalho que não só ativa esquemas de modelos da memória do

longo, mas também transformando-os por meio de ações que visam a torná-

los adequados ao processamento dessas outras novas informações. Esses

modelos são ampliados, estendidos, reduzidos, bipartidos ou remodelados de

sorte a garantir a transmudação dessa informações em novos outros

conhecimentos. Esses movimentos de extensão e de expansão de significados,

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implicados nas atividades da memória de trabalho, durante o fluxo dessas

ações remodeladoras, respondem pelo reagrupamento e/ou reorganização de

significados referentes aos conteúdos das formas proposicionais - elaboradas

e reelaboradas pelo leitor, no fluxo de suas leituras - e resultam na produção

de sentidos. Segundo Bakhtin esta memória é aquela do curto tempo em que

o acontecimento não está tão distante do passado-presente da existência dos

homens, ou tão distante que o impeça de compreender, ressignificar ou

reinterpretar tal modelos de contextos situacionais locais pelos globais. Trata-

se de uma dimensão temporal do mundo vivido em que se mantém a

aprendizagem de uma ou mais línguas, da continuidade do desenvolvimento de

competências textuais-discursivas, participar da vida social-comunitária na

condição de pessoa adulta, de adquirir ou transformar novos esquemas

adquiridos ao longo da sua própria vida, desse passado próximo ou ampliar a

compreensão do longo tempo por algumas décadas ou período daqueles que o

antecederam.

2.5 A Aprendizagem da Leitura Significativa do Texto Escrito

A aprendizagem, concebida de forma genérica, compreende uma modalidade

ou tipo de ação que, no fluxo do seu desenvolvimento, implica mudança de

modos de agir, de proceder ou de estar no mundo consigo mesmo ou em

companhia de outro(s), pois esta é a função representada pelos verbos de

ação: mudar a condição, a posição ou o estado do homem no mundo. Trata-se,

portanto, de agir para alcançar um propósito: fazer algo que antes não era feito

e, muitas vezes, que antes não podíamos fazer, por não ser ainda possível ou

viável. Assim, um resultado insatisfatório é produto de uma ação não realizada

a contento ou de forma eficaz, inadequada e, geralmente, implica um estado de

insatisfação. Nesse caso, torna-se indispensável modificar a forma de agir,

proceder ou de atuar e, para tanto, o agente deve se propor a se esforçar a

rever o seu plano de ação, suas estratégias sobre os modos de proceder para

obter o sucesso almejado.

Nesse contexto de buscas sobre os modos de aprender outras formas, ou

modalidades para agir, segundo Echeverría (in Rafael. 2010; p.39 a 45),

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recorremos a três tipos de procedimentos implicadas em ações de

aprendizagem: um primeiro tipo implica a revisão das próprias ações do plano

preestabelecido, ou do modelo de organização e ordenação das mesmas.

Nesse caso, pode-se inserir outras novas ações, substituir uma ou algumas

delas por outras, ou mudar a ordem usada para ordenar e organizá-las. Esse

trabalho de revisão do plano é orientado por questões como: O que deveria ter

sido feito, mas não foi; o que devo deixar de fazer; que outros repertórios deve

incorporar; acaso devo fazer o que fiz, mas de modo diferente porque faltou X

ou Y, para proceder de modo diferente ou mais adequado; estou em condições

de fazer o que foi previsto ou ainda preciso fazer ou alcançar X1; x2, etc..

As respostas a essas e outras questões podem incidir sobre: a) ações que

desvelam resultados que ainda não se pode fazer ou realizar devido à idade

biológica, ao grau de desenvolvimento mental, ou a questões de caráter ético

para não invadir ou violar as ações que competem a outros realizar(em); b)

ações que se remetem a observações sobre quem é o panificador das mesmas

e cujas respostas implicam na consciência de que as mudanças necessárias

dele exigem a construção ou a ampliação de conhecimentos prévios que ele

ainda não domina. Nesse caso, surge a necessidade de replanificação voltada

para ações dirigidas com vistas a ampliar esses conhecimentos prévios para

aprimorar ou trocar o foco do olhar do próprio aprendiz ou panificador, antes

de colocar em ação seu plano original. Esse movimento de retroações exige

que a aprendizagem seja, implicada na mudança de comportamento, nos

modos de agir ou de proceder, seja orientada, para romper os limites que o

impedem de alcançar os propósitos dos seus planos de ações.

Echeverría considera que, em se tratando de respostas que identificam as

segundas observações que exigem ampliação e mudanças de modelos

organizados e ordenados por conhecimentos prévios que exigem ampliação ou

mudanças desses modelos de organização e de ordenação do ponto de vista

traçado pelo olhar observador, os limites a serem superados ultrapassa o

simples uso de estratégias de complementação de informações. Trata-se,

nesse caso, de uma aprendizagem de segunda ordem ou dimensão que

implica a troca, a substituição do modelo de organização ou de ordenação de

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conhecimentos sedimentados que operam sobre os indivíduos e restringem

seu campo de ação. Assim, as estratégias de intervenções se tornam

insuficientes para realizar esse trabalho de forma satisfatória, visto que a

aprendizagem deve implicar mudança significativa de posição do aprendiz, ou

seja, para mudar o foco do seu olhar, ele precisa se deslocar do lugar por/de

onde observa as ações inscritas no seu plano de ações. São intervenções

referentes ao a consciência de que, embora se façam as substituições

necessárias, ele não se julga capaz de que poderá realizá-las, visto implicam

ou exigem mudanças, substituições dos modos de agir para desencadear os

movimentos necessários de aprendizagem

“núcleo básico o el corazión Del observador . Nos referimos a aspectos de um determinado observador que han devenide recorrientes em el y que se manifiestam independentiemente del troca del cambio de circunstancias (...) Dado su carater recurrente, e Independiente de circunstancias específicas , tal modalidade de observación se nos presenta como própria de la manera de ser de esa persoana, como um rasgo, diríamos, de su alma”.

Nesse caso, não se pode ignorar a possibilidade de essa pessoa considerar o

fato de a nova-outra aprendizagem modificará o seu modo de ser e de agir no

mundo e optar que não estar predisposta a tal mudança. Entretanto, por se

tratar de mudanças que implicam experiências difíceis de serem vivenciadas,

não exclui o fato de ser possível que ela venha a optar por se modificar, ou seja

modificada; mas, geralmente, apresenta razões bastante convincentes para

justificar sua atitude de rejeição ao empenho despendido pelo orientador da

sua aprendizagem, principalmente quando ela reduz o campo de liberdade de

suas ações diárias. São experiências difíceis de aprendizagem, visto alterar

hábitos que o acompanham por muito tempo e, assim sendo, trata-se de uma

“aprendizagem transformadora”.

Segundo o autor, alguns educadores entendem ser essa modalidade de

aprendizagem exigem mudanças radicais de comportamentos e atitudes do

aprendente, ela é bastante complexa ou perigora. Todavia, o que está em jogo,

nesse caso, são os sentidos que se atribui aos significados da palavra “radical”:

se tais sentidos têm por referência significados por meio dos quais eles se

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referem à totalidade dos comportamentos e atitudes do indivíduo, ou se tal

referência aponta para uma modalidade de aprendizagem totalmente diferente

daquela que estava em curso e visa a contribuir de forma mais adequada com

a formação da sua personalidade em fase de desenvolvimento. Ressalta, ainda

que, em toda experiência de aprendizagem, a pessoa mais conserva do que

modifica, transforma suas ações habituais; assim, nos outros novos modos de

agir ou de proceder, sempre é possível reconhecer, traços ou significados que

se referem àqueles do passado.

Nesse sentido, qualquer tipo ou modalidade de aprendizagem nunca foi ou

será “total” no sentido de “absoluta”, mas ela sempre faculta identificar rupturas

com certos padrões comportamentais, inadequados para agir em uma

sociedade que transformou as relações sociais entre os humanos. O objetivo,

nesse caso, é a adequação qualitativa a esses outros padrões que foram

reinterpretados e exigem mudanças de atitudes, de procedimentos para

realizar associações que visam a aprimorar os processos de socialização e

sociabilidade por outro novo ponto de vista. É fato, que a aprendizagem

transformadora responde por

“nuevas modalidades de acción (...) emergen (...) em el tipo de resultados que ese indivíduopuede alcançar (...ela) disuelve el muro de imposibilidade com o que el individuo antes chocava. Lo que previamente Le hacía sospechar que, quizás se había encontrado com uma barrera asociada a su particular forma de ser, ahora paraciera haberse esfumado. (...) La trasformación es el rasgo inherente de toda aprendizaje, tanto que aprendizaje e transformación muchas veces puedem der

usados como sinónimos.

Nesse contexto em que a aprendizagem implica e supera atividades

sistemáticas, concebida como um meio para alcançar atitudes e aptidões

específicas centradas numa modalidade de ensino específico ou raro,

circunscrita a alguns poucos, não se pode negar que a escola tradicional

cumpriu essa sua função social. Tal função estava voltada para uma sociedade

orientada pela divisão entre os campos educacional e o trabalhista; mas, hoje,

os conhecimentos do mundo do trabalho estão subsumidos por aqueles do

mundo da aprendizagem. Essa mudança de organização e ordenação do

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modelo social exige que os aprendentes sejam iniciados e desenvolvam outras

novas competências que extrapolam os limites daquelas que serão aprendidas

nos bancos escolares, ou seja, os aprendentes também precisam “aprender a

aprender” mesmo quando não dispõem da presença de um professor –

orientador. Para tanto, devem identificar todas as oportunidades de ensino,

estarem voltados para aprender a inovar e se renovar por si próprio:

desenvolver sua meta competência ou meta-aprendizagem.

2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A correlação entre os fundamentos teóricos da linguística sócio-cognitivo-

interativa entrelaçados àqueles pressupostos referentes à “pedagogia do

aprender a aprender” possibilitam a compreensão de modelos de ação

didáticas que orientam a aprendizagem significativa da leitura de textos

escritos. Assim, poderíamos considerar que o “aprender a aprender” tem por

ancoragem o desenvolvimento das próprias práticas de linguagem, voltado

para a aprendizagem da língua em situações de usos efetivos, onde situamos o

processamento de novas informações pelo uso estratégico das práticas de

leituras significativas.

Por meio dessa modalidade de leitura de textos escritos e de escritas de

leituras, cujo propósito é a mudança de posição implicada na mudança de

comportamento e de atitude do leitor-escritor, foi apontada uma outra

perspectiva por meio das qual os obstáculos para uma leitura compreensiva

poderão ser ultrapassados, ao longo da formação escolar de seus alunos.

Talvez esse desenvolvimento no campo dos exercícios dessas práticas de

linguagem seja o desvio de um caminho que, depois de tanto ser percorrido,

possa transformar tal desvio em uma nova estrada. E, se assim o for, a

linguagem por suas práticas significativas e conscientes seja o único caminho

capaz de contribuir com o desafio histórico que se propõe como meta a ser

alcançada pela escola moderna que deverá ser reinterpretada pelo modelo da

atual sociedade moderna. Nesse caso, as práticas de leitura significativa seria

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o principal recurso de que ela, efetivamente, necessita para formar o aluno

desse nosso tempo.

Nesse sentido, os estudos realizados neste capítulo possibilitaram a percepção

de que a função da escola é comunicar saberes e comportamentos sociais às

novas gerações e, por isso, a leitura e a escrita, assim como os números,

devem ser ensinadas e aprendidas na escola. Entretanto, os propósitos que a

escola apresenta para ensinar a ler e a escrever são didáticos - não naturais -

e, em decorrência disto, distanciam-se da prática social da leitura e da escrita,

bem como dos resultados eficazes. Sendo assim, no próximo capítulo desta

dissertação, apresentaremos um corpus e uma proposta de leitura significativa,

que possa servir não como um modelo, mas como mais uma possibilidade para

uma nova reflexão.

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CAPÍTULO III

PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS: O Ensino-Aprendizagem de Práticas

Significativas de Leitura - Uma Proposta.16

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo tem por objetivo apresentar uma proposta de sequência didática para

alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, numa busca de propor um trabalho de

construçao da leitura significativa como um aprendizado indissociável do da escrita.

Para tal, utilizaremos os pressupostos da Educação Linguística, cujo objetivo maior é a

formação do poliglota em sua própria língua (cf. Marcuschi, 2010) e apresentaremos

uma sequência didática composta por: apresentação, produção inicial, módulos de

atividades e a produção final, sempre respeitando as fases da leitura, nosso objeto de

estudo.

A sequência didática terá como base a leitura e na análise do texto “Geografia”, de

Millôr Fernandes, extraído de seu livro Compozissões Imfãtis. Trata-se de um

processo de leitura crítica, com intuito de comprovar tudo que foi exposto e defendido

neste trabalho. E propor um trabalho de interpretação que vai além da simples

decifragem do texto que comumente é apresentada por meio de texto e questionário,

16

O presente capítulo, por tratar de procedimentos didáticos eficazes com vistas às práticas de

uma leitura proficiente, foi ilustrado uma tira da Mafalda que, por sua vez, retrata um quadro de resultados ineficientes do ensino-aprendizagem, o qual é extensivo às práticas de leitura vivenciada em muitas escolas públicas e particulares do Brasil dos tempos modernos.

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sem nenhuma reflexão. Para tanto fizemos um amplo levantamento dos elementos

que compõem o texto e as questões sociais que o permeiam.

Sendo assim, o objetivo da leitura analítica do texto reitera o objetivo do presente

capítulo de fazer com que se compreenda, por meio da sequência didática

apresentada, como o trabalho com texto em sala de aula pode ser significativo para

os alunos e desafiador para o professor, pois um pequeno texto demanda uma

pesquisa muito grande de informações para sua real compreensão.

3.2 Texto: “Geografia”, Millôr Fernandes

Geografia

A geografia se compõe de nomes que a gente põe nos lugares do

mundo. Para saber melhor a distância desses lugares, a gente

divide o mundo em riscos, em pé e deitados, que se chama de

longitudes e atitudes. Esses riscos dividem a terra em tópicos,

sendo que uma risca bem no meio se chama Cuador. A geografia

se usa geralmente para não deixar a gente passar de ano.

(Millôr Fernandes: Compozissões Imfãtis. São Paulo: Nórdica editora, 1975).

3.3 INTERPRETAÇÃO

O texto “Geografia”, extraído do livro Compozissões Imfãtis, de Milôr Fernandes, será

utilizado como base da sequência didática que construiremos neste capítulo, pois

possibilita uma reflexão importante e abrangente para o mundo da leitura e para a

leitura do nosso mundo.

Millôr Fernandes (1976), em suas Compozissões Imfãtis, representa os sentimentos e

as impressões da criança em relação ao mundo. Ao escrever cada composição como

se fosse escrita por uma criança, Millôr revela também a dificuldade enfrentada pela

criança em expressar-se por meio da norma padrão da língua portuguesa. O texto

“Geografia” nos possibilita não só constatar estas percepções, mas também fazer

outras reflexões importantes.

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A frase inicial do texto explica que “a geografia se compõe de nomes...” Neste sentido,

podemos observar que o verbo COMPOR pode equivaler a FORMAR, CONSTRUIR

de diferentes ou várias coisas; FAZER PARTE DE; PRODUZIR, INVENTAR; DAR

FORMA A; ORGANIZAR; ESCREVER, dentre outros sentidos mais distantes daquele

expresso no texto.

A definição, tão característica nos textos descritivos, tem a como base de sua

construção “X é Y”. Isso nos coloca diante da expectativa de que o texto fosse

iniciado com a frase “A Geografia é o estudo da Terra”, mas logo percebemos que a

explicação dada à geografia do texto não se refere à definição de uma ciência, mas de

uma disciplina escolar. Então, se essa geografia estudada na escola é nome de lugar

da terra, o que é lugar? E se lugar é o espaço ocupado por seres, quais são os seres

que ocupam lugar na Terra? É possível estabelecer, nesse sentido, que o mundo é

composto de lugares e esses lugares são nomeados pelo homem?

Rememoramos que o texto em análise explica a geografia na concepção de uma

criança que é também uma estudante desta disciplina escolar. Na concepção infantil,

segundo o autor, é por meio da geografia que se nomeia os lugares do mundo, pois

ela “se compõe de nomes que a gente põe nos lugares do mundo”.

Na sequência dessa composição são apresentados outros conhecimentos em relação

à geografia, entretanto, o modo de nomear desvela o pouco conhecimento referente

aos conteúdos geográficos, conteúdos estes que deveriam ser adquiridos na escola e

são descritos com o humor provocado pela ignorância, pela falta de conhecimento e

pela vaga ideia conceitual que se foi capaz de construir.

Segundo o Dicionário Aurélio, geografia é a “ciência que tem por objeto a descrição da

superfície da Terra, o estudo dos seus acidentes físicos, climas, solos e vegetações, e

das relações entre o meio natural e os grupos” e existem cinco diferentes

especificidades da geografia: geografia econômica, geografia física, geografia

humana, geografia linguística e geografia política.

O texto de Millôr Fernandes nos remete à estrutura de uma sequência explicativa, cujo

caráter é o de conceituar e explicar por meio da descrição. A estrutura da sequência

explicativa também prevê uma avaliação que, neste caso, é marcada por uma forte

presença argumentativa.

Nesse sentido, geografia não é uma ciência com determinado objetivo, como descreve

o dicionário e a enciclopédia. Geografia é algo que as crianças acreditam que serve

para nomear, mas que não sabem utilizá-la adequadamente para fazer estas

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nomeações e, por isso, acreditam que a utilidade da geografia é impedi-las de passar

de ano na escola.

Nesse sentido, o texto de Millôr possibilita refletir sobre importantes questões tais

como:

Como aprender aquilo que acreditamos ter por objetivo nos prejudicar?

A que distância de nossos alunos está a compreensão dos conceitos de

trópicos, latitude, longitude, meridianos e Equador, se não conseguem,

se quer, compreender e grafar estas palavras adequadamente?

Millôr escreve como uma criança que compõe e por isso temos, mesmo neste

pequeno texto, algumas marcas importantes de oralidade, como é o caso do uso de “a

gente” em vez de “nós”, “riscos” em vez de “linhas” e “em pé e deitados” em vez de

“verticais e horizontais”. A escolha deste vocabulário garante a caracterização do texto

como composto por criança, ademais, embora sejam vocábulos próprios da linguagem

oral, podemos notar que são grafados no texto de modo adequado, seguindo a norma

padrão da língua portuguesa e sem omissões ou trocas de letras. A confusão na grafia

das palavras ocorre no texto apenas quando os termos escritos sugerem conceitos da

geografia, problematizando, mais uma vez, o ensino formal de geografia.

Page 90: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

90

Est

ág

ios

de

com

pre

en

são

E

stá

gio

s d

e in

terp

reta

ção

En

un

cia

do

s F

un

ção

do

s

enu

nci

ad

os

Ex

pa

nsã

o d

os

sig

nif

ica

do

s d

o

vo

cab

ulá

rio

Inte

rpre

taçã

o

Mic

ro

pro

po

siçõ

es

Ma

cro

pro

po

siçõ

es

A g

eogra

fia s

e

com

põe d

e

nom

es q

ue a

gente

e n

os

lug

are

s d

o

mundo.

A f

unçã

o d

este

enu

nci

ado

é s

ituar

o l

eito

r d

iante

do

texto

a s

er p

or

ele

lid

o.

Po

r m

eio

, d

o

per

íod

o i

nic

ial

do

texto

é p

oss

ível

per

ceb

er o

seu

fio

cond

uto

r “x

é y

”,

per

mit

ind

o a

o

leit

or

infe

rir

qu

e se

trat

a d

e u

m t

exto

des

crit

ivo

: q

ue

imp

lica

um

pro

cess

o a

nal

ític

o

pel

o q

ual

se

apre

senta

o

refe

rente

textu

al

seg

menta

do

em

suas

par

tes

(cf.

Sil

vei

ra,

20

12

).

O u

so d

o a

rtig

o

def

inid

o “

A”,

par

a

intr

od

uzi

r o

refe

rente

exp

õe

o

sab

er d

o d

escr

itor

quan

to à

def

iniç

ão

do

ser

des

crit

o

enq

uanto

cla

sse

de

O v

erb

o c

om

po

r em

seu u

so c

om

o v

erb

o

pro

no

min

al s

ignif

ica

ser

com

po

sto

ou

form

ado

; co

nst

ituir

-

se.

Ass

im,

seg

und

o

o t

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X é

fo

rmad

o

po

r Y

, se

nd

o x

a

geo

gra

fia

e y,

os

no

mes

do

s lu

gar

es

do

mund

o.

No

mes

são

pal

avra

s

que

des

ignam

pes

soas

, an

imai

s,

obje

tos

etc.

No

tex

to

em

anál

ise

a p

alav

ra

des

ignad

ora

ref

ere-

se a

os

lugar

es d

o

mu

nd

o.

Lugar

es s

ão

esp

aço

s, o

cup

ado

s

ou n

ão,

no

mea

do

s

po

r um

a p

alavra

des

ignad

ora

, to

mad

a

po

r co

nven

ção

, p

or

“bat

ism

o”

ou p

or

rem

eter

a s

ua

loca

liza

ção

.

Mund

o é

um

a

O p

erío

do i

nic

ial

do

tex

to d

escr

eve

a

geo

gra

fia

sem

menci

onar

ser

est

a u

ma

ciên

cia

ou u

ma

dis

cip

lina

esc

ola

r, m

as

apen

as c

om

o s

end

o f

orm

ada

po

r no

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de

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es.

Os

no

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de

cid

ades

, es

tad

os,

paí

ses,

co

nti

nen

tes

etc

com

em

a g

eogra

fia,

po

is s

ão

no

mes

de

lugar

es.

Os

lugar

es d

o m

und

o s

ão

esp

aço

s geo

grá

fico

s e

po

r is

so

seu

s no

mes

co

mp

õem

a

geo

gra

fia.

3.4

Qu

ad

ro d

e In

terp

reta

çã

o

Page 91: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

91

obje

to.

Nes

se s

enti

do

, o

des

crit

or

dif

eren

cia

a

geo

gra

fia

das

dem

ais

ciê

nci

as e

tam

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das

outr

as

dis

cip

linas

esco

lare

s, a

o

pro

feri

r q

ue

ela

“se

com

e d

e

no

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que

a gente

e no

s lu

gar

es d

o

mu

nd

o”.

des

ignaç

ão d

o

univ

erso

, fo

rmad

o

pel

a te

rra

e p

elo

s

astr

os

consi

der

ado

s

com

o u

m t

od

o.

Para

sa

ber

melh

or

a

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tância

desses lug

are

s,

a g

ente

div

ide

o m

undo e

m

riscos, em

pé e

deitados,

que

se c

ham

a d

e

lon

gitudes e

atitu

des.

Dep

ois

de

resp

ond

er à

per

gun

ta “

o q

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,

nes

se e

nunci

ado

o

auto

r d

escr

eve

“par

a q

uê”

ser

ve

a

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gra

fia.

Usa

nd

o a

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gra

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com

o

aquil

o q

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po

ssib

ilit

a q

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seja

med

ida,

co

m m

ais

pre

cisã

o,

a

dis

tanci

a entr

e o

s

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es

do

mu

nd

o.

As

coo

rden

adas

geo

grá

fica

s sã

o

des

crit

as c

om

o o

s

O v

oca

bulá

rio

des

se

seg

und

o f

rag

men

to

com

eça

a re

vel

ar o

seu h

um

or

po

r m

eio

da

cara

cter

izaç

ão d

e

texto

esc

rito

po

r

um

a cr

iança

. Is

so

aco

nte

ce

pri

nci

pal

mente

pel

o

uso

de

exp

ress

ões

típ

icas

da

ora

lid

ade,

com

o “

risc

os

em

e d

eita

do

s” e

pel

o

erro

co

met

ido

ao

refe

rir-

se a

o

vo

cab

ulá

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esp

ecíf

ico

da

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gra

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“ati

tud

e

longit

ud

e”,

revel

and

o a

O s

egund

o p

erío

do

do

tex

to c

arac

teri

za a

geo

gra

fia

com

o t

end

o p

or

fun

ção

faci

lita

r o

ace

sso

à d

ista

nci

a entr

e o

s

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es

da

Ter

ra.

Par

a m

edir

a d

istâ

nci

a entr

e o

s

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es

do

mu

nd

o,

uti

liza

-se

a

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tud

e e

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ngit

ud

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as o

texto

diz

“at

itud

e e

lon

git

ud

e”

e

os

exp

lica

co

m s

imp

lici

dad

e

que

pro

vo

ca h

um

or.

Já q

ue

cab

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geo

gra

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estu

dar

e

no

mea

r o

s lu

gar

es d

o m

und

o,

po

r el

a ta

mb

ém

é p

oss

ível

med

ir

a d

istâ

nci

a entr

e es

ses

lugar

es

po

r el

a no

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do

s e

isso

se

faz

calc

ula

nd

o a

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e, q

ue

é

med

ida

a p

arti

r d

a li

nha

do

equad

or

(na

ho

rizo

nta

l) e

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ud

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edid

a a

par

tir

do

mer

idia

no

de

Gre

enw

ich.

No

enta

nto

, o

tex

to r

evel

a q

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esse

conhec

imento

não

est

á

asse

gura

do

ao

seu

“co

mp

osi

tor”

,

dad

as a

s in

adeq

uaç

ões

de

vo

cab

ulá

rio

e n

om

encl

atura

apre

senta

das

.

Page 92: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

92

risc

os

ho

rizo

nta

is

e ver

tica

is,

que

quem

co

mp

õe

o

texto

no

mei

a

com

o r

isco

s em

e d

eita

do

s, u

sad

os

par

a ca

lcula

r o

que,

na

ver

dad

e,

conhec

em

os

com

o

lati

tud

e (n

ão

atit

ud

e)

e

longit

ud

e.

com

pre

ensã

o d

essa

term

ino

logia

esp

ecíf

ica.

Esse

s

risco

s

div

ide

m a

terr

a e

m

tóp

ico

s,

se

nd

o q

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um

a r

isca

be

m n

o

me

io s

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ch

am

a

Cu

ad

or.

O a

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r se

gue

des

crev

end

o a

geo

gra

fia

de

form

a

equiv

oca

da,

mas

o

tem

po

to

do

par

afra

sean

do

o

conhec

imento

da

educa

ção

fo

rmal

po

r m

eio

da

sub

stit

uiç

ão d

e

pal

avra

s q

ue

rem

etem

o l

eito

r

ao s

eu

conhec

imento

pré

vio

so

bre

o

tem

a e

conse

quente

men

te,

ao r

iso

.

Nes

se t

rech

o o

auto

r

inic

ia c

om

o

pro

no

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dem

onst

rati

vo

“ess

es”,

que

det

erm

ina

o

sub

stanti

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“ri

sco

s”,

nu

ma

reto

mad

a q

ue

man

tem

a c

oes

ão

textu

al.

Ele

uti

liza

ris

cos

po

r

lin

has

, tó

pic

os

po

r

tró

pic

os,

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ca p

or

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ha

e C

uad

or

po

r

Eq

uad

or.

Nes

se p

erío

do

o a

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r fa

la s

obre

a

div

isão

da

Ter

ra e

m T

róp

ico

s, f

eita

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os

mer

idia

no

s e

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a li

nha

do

Eq

uad

or.

No

vam

ente

co

nq

uis

ta o

hu

mo

r p

or

mei

o

das

tro

cas

de

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cáb

ulo

s, r

evel

and

o a

falt

a d

e co

nhec

imento

fo

rmal

men

te

sist

em

atiz

ado

.

Alé

m d

e p

oss

ibil

itar

med

ir a

dis

tanci

a entr

e o

s p

onto

s d

a

terr

a, a

s li

nhas

ho

rizo

nta

is e

ver

tica

is,

tam

bém

div

idem

a

Ter

ra e

m t

róp

ico

s.

A l

inha

do

Eq

uad

or

e o

s

mer

idia

no

s d

ivid

em

a T

erra

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tró

pic

os

– p

aral

elo

s geo

grá

fico

s

que

tam

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são

lugar

es d

o

mu

nd

o e

, p

ort

anto

, fa

zem

par

te

da

geo

gra

fia.

Page 93: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

93

A

ge

og

rafia

se

usa

ge

ralm

en

te

pa

ra n

ão

de

ixa

r a

ge

nte

pa

ssa

r de

ano.

Aq

ui

o a

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r, q

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já r

espo

nd

eu à

s

per

gun

tas

“o

quê?

” e

“par

a

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bre

a

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gra

fia,

diz

com

o e

la é

uti

liza

da,

ou s

eja,

“se

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ger

alm

ente

par

a não

dei

xar

a

gen

te p

assa

r d

e

ano

”. N

esse

senti

do

, a

geo

gra

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é usa

da

não

co

mo

um

inst

rum

ento

de

aval

iaçã

o,

mas

tam

bém

de

puniç

ão.

Oco

rre

nes

se

per

íod

o o

uso

reco

rren

te d

a

lin

guagem

in

form

al,

cara

cter

ísti

ca d

o

texto

in

fanti

l, c

om

o

no

uso

da

pró

clis

e

“se

usa

” e

não

da

êncl

ise

“usa

-se”

e d

a

exp

ress

ão c

olo

quia

l

“a g

ente

” p

elo

pro

no

me

pes

soal

“nó

s”,

ond

e p

ara

evit

ar u

m p

rob

lem

a

de

colo

caçã

o

pro

no

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al,

já q

ue

a

pal

avra

neg

ati

va

atra

i p

rócl

ise,

o

corr

eto

ser

ia “

não

no

s d

eixar

”.

Outr

o u

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ante

nes

se

per

íod

o é

o d

a

par

tícu

la “

se”

com

o

índ

ice

de

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eter

min

ação

do

suje

ito

em

“se

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”,

o

que

ind

ica

que

alguém

usa

a

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gra

fia

par

a

imp

edir

a a

pro

vaç

ão

das

cri

ança

s, m

as

não

se

diz

exp

lici

tam

ente

quem

faz

isso

, em

bo

ra s

eja

po

ssív

el i

nfe

rir

Nes

se p

erío

do

que

final

iza

o t

exto

,

apar

ece,

co

m a

ind

a m

ais

pro

pri

edad

e, a

exp

ress

ão d

e u

m p

onto

de

vis

ta.

Sen

do

assi

m,

pel

o p

onto

de

vis

ta d

o d

escr

ito

r,

um

“co

mp

osi

tor

infa

nti

l” -

co

mo

su

ger

e

o t

ítulo

da

ob

ra d

e q

ue

o t

exto

fo

i

extr

aíd

o –

de

que

a geo

gra

fia

serv

e p

ara

rep

rovaç

ão e

sco

lar.

A g

eogra

fia

é usa

da

pel

o

pro

fess

or

com

o m

eio

de

rete

nçã

o d

e se

us

aluno

s.

A g

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fia

é u

ma

dis

cip

lina

esco

lar

e to

da

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cip

lina

tem

seu

s o

bje

tivo

s e

conte

úd

os

a

sere

m t

rab

alhad

os

na

esc

ola

.

Ess

es o

bje

tivo

s e

conte

úd

os

são

aval

iad

os

e o

res

ult

ado

da

aval

iaçã

o d

eter

min

a se

os

alu

no

s

estã

o a

pto

s o

u n

ão à

ap

rovaç

ão,

a “p

assa

r d

e an

o”.

Page 94: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

94

trat

ar-s

e d

o

pro

fess

or.

Page 95: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

95

3.5 O PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Objetivo Geral: Contribuir para a formação de cidadãos que sejam

leitores proficientes.

Objetivo Específico: Propor procedimentos de leituras que possibilitem

ao aprendente desenvolver uma leitura crítico-reflexiva do mundo por meio de uma

estrutura descritiva do gênero humorístico e das relações estabelecidas com outras

sequências e gêneros textuais.

Publico alvo: Aprendentes do 6°ano do Ensino Fundamental.

Justificativa: Ninguém conquista a fromação integral sem tornar-se um

leitor proficiente, capaz de ler, refletir e agir no mundo diante de suas questões e de

tomar um posicionamento para agir sobre esse mundo e, principalmente, sobre suas

relações com a escola e com o ensino-aprendizagem.

Aulas previstas: Estima-se que sejam utilizadas dez aulas para a

realização completa da sequência didática, porém esse tempo poderá ser menor ou

maior, dependendo dos módulos a serem excluídos ou inseridos conforme a

necessidade dos aprendentes-ensinantes.

Materiais utilizados: Enciclopédias, vídeos, dicionários e textos e livros de

diferentes gêneros e esferas sociais, lidos em diferentes suportes.

Produto final: Depois de aprender a ler com significado o texto principal

dessa sequência didática, os alunos serão orientados à leitura do livro “Professor

Burrim e as Quatro Calamidades, de J.J. Veiga e, a partir da compreensão e

interpretação de ambos os textos, estabelecerão relações com a realidade em que

vivem, com dois produtos finais, que farão parte do mural da sala:

Page 96: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

96

1. Cada aluno escolherá um de seus professores e fará uma caricatura

homenageando-o. Neste trabalho será retomado o papel do professor,

abordado e argumentado nos textos lidos e a exploração de um texto não

verbal, mas que também é referência em humor e expressa um ponto de

vista.

2. Os alunos discutirão possíveis causas para que o aluno do texto de Millôr

Fernandes tenha ficado com tantos problemas em sua aprendizagem. A

partir das causas, em grupos de trabalho, os alunos escreverão uma

pequena lista do que eles podem fazer para melhorar a qualidade das

aulas e do aprendizado na escola. As sugestões serão discutidas na sala

como uma prátca educativa

3.6 O DESENVOLVIMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – Algumas

considerações

Ao escrever um texto, seja ele de qualquer estilo, o autor deixa explícita uma trama;

no entanto, na maioria das vezes, somente um leitor experimentado consegue

estabelecer relações a partir dessa trama, obtendo sentido(s) no texto. Para que isso

aconteça adequadamente, de acordo com a concepção discursiva da leitura,

mencionada anteriormente nesse trabalho, esse leitor lança mão de seus

conhecimentos prévios, oriundos de outras variadas leituras.

Mas o que ocorre quando o leitor ainda não é experimentado? O que deve ser feito

quando os conhecimentos prévios do leitor não são suficientes para que encontre o

sentido no texto? E se a complexidade das informações deixadas no texto pelo autor

não constarem do arcabouço esquemático de informação armazenado na memória

desse leitor?

Cabe aqui esclarecer mais uma vez que, neste trabalho, entendemos por

conhecimentos prévios o conjunto de informações armazenadas na memória do

indivíduo, em forma de esquemas (RUMELHART, 1980), que abarcam seus

Page 97: A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos … Moreira... · daria a própria vida para que eu o realizasse. ... Sendo assim, a motivação ... 1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO:

97

conhecimentos linguístico, discursivo e de mundo, oriundos de suas experiências

prévias, seus anseios, desejos e crenças, bem como do conhecimento comum.

Conforme abordado anteriormente, é de suma importância que o professor de leitura

prepare seu aluno para tornar-se um leitor experiente, propiciando-lhe ferramentas

que o façam desenvolver estratégias de leitura, sempre visando à autossuficiência.

Essas ferramentas são adquiridas a partir de atividades que exponham esse aluno a

atitudes e estratégias como as de um leitor mais experiente para que,

gradativamente, conforme os postulados vygotskyanos sobre a ZDP, vá imitando-as

até que consiga delas se apropriar.

De acordo com o que postula Kleiman (2004), para que o trabalho seja mais eficaz,

essas atividades devem ser apresentadas ao leitor inexperiente antes mesmo do

início da leitura propriamente dita.

O trabalho anterior à fase da entrada no texto, etapa da pré-leitura, fica evidente

como sendo primordial para o sucesso das fases subsequentes no processo de

leitura, uma vez que visa a preparar o aluno para que identifique, nas fases

seguintes, as características linguísticas, discursivas e culturais presentes no texto.

Essa é uma das principais tarefas do professor de leitura no intento de solucionar os

problemas levantados até então; e, quando realizada a contento, torna o processo

mais ágil, significativo e eficiente, sendo, consequentemente, mais prazeroso para o

aluno-leitor, o qual, munido de estratégias eficazes de leitura, consegue dar seus

próprios passos no postular dos múltiplos significados quando em contato com o

texto.

Dessa forma, durante a pré-leitura, os alunos recebem informação suficiente para

que, na fase de leitura, tenham condições de ativar os conhecimentos prévios

armazenados em sua memória a fim realizarem inferências, antecipações, e outros

processos que um leitor experimentado normalmente realiza ao ler um texto.

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Na sequência didática proposta nesse capítulo, exploraremos a fase de pré-leitura

do texto “Geografia”, de Millôr Fernandes, objetivando a posterior leitura significativa

do texto, para então, fecharmos a sequência com a fase da pós-leitura, na qual o

aluno estabelecerá relações entre o universo do texto lido e o seu universo, trazendo

à tona a função social da leitura.

3.6.1 A APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO

Para apresentar o tema e levantar o conhecimento prévio da turma a

respeito da “Geografia”, o professor deverá formar um círculo com os aprendentes

de forma que todos possam se olhar, falar e ouvir o que sabem sobre a geografia.

Também serão levantados os conhecimentos prévios sobre o ensino escolar, com o

objetivo de possibiliatar ao aprendente a reflexão sobre o ensino escolar, não

apenas em seu colégio, mas na sociedade como um todo, e posicionar-se

criticamente em relação a esse tema.

3.6.2 A PRODUÇÃO INICIAL: A FASE DA PRÉ-LEITURA – Pesquisa

Nesta etapa realizaremos a fase da pré-leitura, que consistirá na pesquisa sobre o tema

“geografia” e sobre alguns termos inerentes ao tema, mensurados no texto de Millôr.

Os alunos serão orientados a pesquisar em enciclopédias impressas e virtuais e a

responder às seguintes perguntas:

O que é geografia?

O que se estuda/aprende em geografia?

O que é espaço? E lugar?

O que é meridiano?

O que é latitude e longitude?

O que é Equador?

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Esses estudos possibilitarão compreender e inferir sobre o texto “Geografia”, por

isso, essa fase da pré-leitura terá seu desfecho em sala de aula, com a oralização

das pesquisas realizadas pelos alunos para ampliação das impressões iniciais sobre

as leituras realizadas e apresentadas oralmente.

3.6.3 PRIMEIRO MÓDULO – RECONHECENDO O GÊNERO

Geografia

“A geografia se compõe de nomes que a gente põe nos lugares do mundo. Para saber

melhor a distância desses lugares, a gente divide o mundo em riscos, em pé e

deitados, que se chama de longitudes e atitudes. Esses riscos dividem a terra em

tópicos, sendo que uma risca bem no meio se chama Cuador. A geografia se usa

geralmente para não deixar a gente passar de ano.”

O objetivo da leitura deste texto é promover um diálogo entre os aprendentes e o texto,

utilizando-se das contribuições da discussão anterior para compreensão do gênero textual

em questão. Novamente o professor deverá mediar outra discussão oral seguindo as

seguintes diretrizes:

− O texto pertence a que gênero?

− Representa o discurso de que esfera social?

− Para quem ele foi produzido?

− Por que ele foi produzido, ou seja, qual é a sua função social?

− O texto atende à necessidade de interação estabelecida?

− A sua organização e a sua linguagem estão adequadas à necessidade de interação?

− Quem produziu o texto?

− O texto foi produzido para circular em que veículo?

− O assunto abordado no texto, em sua opinião, é interessante?

− Ao ler o texto, você consegue entender totalmente o assunto abordado? Se a sua

resposta for “sim”, explique por que, e se for “não”, aponte quais informações você

não domina e necessita de pesquisa.

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− A linguagem empregada no texto está adequada ao gênero e à situação de

interação? Por quê?

3.6.4 SEGUNDO MÓDULO – DIALOGANDO COM O TEXTO

Como o texto de humor está atrelado à argumentação frente a questões cotidianas como o

sucesso e o fracasso do ensino escolar, é fundamental que o aprendente reconheça no

texto os argumentos utilizados pelo autor na defesa do seu ponto de vista, para garantir a

leitura proficiente do texto.

O texto “Geografia” traz, por meio do humor decorrente de uma escolha léxico-gramatical

inerente ao universo infantil, mas intimamente associável às palavras do campo semântico

dos conteúdos de geografia, uma crítica ao modo como se ensina (e se aprende ou não) a

disciplina escolar, geografia. A crítica evidencia um grave problema no ensino de geografia,

o qual pode estender-se às demais disciplinas escolares e, inclusive ao ensino da leitura,

que é o tema gerador da nossa análise.

Nesse sentido, para que os alunos percebam e dimensionem as premissas do texto, o

professor incitará novas questões para que eles discutam, pesquisem e respondam, desta

vez, por escrito. São elas:

Qual a questão tratada pelo autor do texto?

Qual a posição defendida pelo autor, nesse texto? Explique.

Qual a crítica que podemos notar no texto?

Que posição você assume diante desse assunto?

Com base nas pesquisas realizadas, em seus conhecimentos prévios e no

texto “Geografia”, qual a diferença entre CUADOR E EQUADOR?

3.6.5 Terceiro Módulo – Ampliando o repertório sobre o tema

Nessa etapa, os aprendentes serão estimulados a ler o livro O Professor Burrrim e as

Quatro Calamidades, de J.J. Veiga.

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A leitura amplia as percepções do texto “Geografia”, pois

permite conhecer um novo ponto de vista sobre a figura

do professor e seu papel social.

O livro mostra algumas dificuldades enfrentadas por um

professor em seu cotidiano de trabalho. O Professor

Burini não sabe mais o que fazer para que os alunos

prestem atenção nas aulas de Português. Como lidar

com a indisciplina e a irreverência dos estudantes da

Escola Centenários, principalmente da turma das Quatro

Calamidades, que o apelidou de Professor Burrim?

Burini então decide: vai mudar de profissão. A gota d‟água foi uma fogueira em plena sala

de aula. Ele não pode mais viver daquela forma, aguentando a grosseria dos alunos e

ainda por cima ganhando mal. Mas o que o Professor Burini pode fazer? Mudar de

profissão não é como mudar de sapato ou roupa, que a gente troca quando quer. Ainda

mais na idade dele. A solução, imprevisível, estava num picolé. E foi uma surpresa muito

gostosa para todos. Ainda mais porque, mesmo na nova profissão, ele não deixou de ser

um bom professor.

Tratando de temas importantes como comportamento, disciplina, educação, respeito e a

profissão de professor, o livro possibilita refletir sobre importantes questões do processo

de ensino aprendizagem, como, por exemplo, será que o descritor do texto “Geografia”

pertencia a uma turma parecida com a turma do professor Burini? Se o professor Burini

fosse o professor de geografia do texto de Millôr, ele estaria certo em reprovar seus

alunos? Em sua opinião, o que os alunos do professor Burini faziam que enlouquecia

tanto o professor? Cite algumas atitudes.

Para orientar a leitura do livro, o professor poderá propor algumas perguntas:

Liste as características dos personagens da história.

Desenhe-os diferente do livro ou faça caricaturas.

Discuta a questão comportamento dos alunos da história e do professor.

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Conte como se sentiu o professor depois do encontro com Queixada.

Elabore, em grupo, cinco questões sobre a história. Promova uma gincana

com os seus colegas.

Você achou o título bem escolhido pelo autor? Justifique sua resposta.

Após a leitura e, visando ampliar o repertório cultural do aluno, o professor poderá

solicitar algumas das seguintes atividades:

Pesquise para conhecer outros livros publicados por José J. Veiga. Monte um

painel com as capas dos livros.

Discuta com seus colegas sobre os seus professores preferidos. Trace um

perfil destes professores.

Quais as diferenças e semelhanças entre a figura do professor no texto de

Millôr e no de J.J.Veiga? Seria possível atribuir a eles os papéis de heróis e

vilões?

3.6.6 PRODUÇÃO FINAL

Esta etapa é de extrema importancia, pois nela observa-se a importância da leitura

significativa, num processo que privilegie a função social da leitura em sua

indissossiabilidade com a escrita.

Sendo assim, após as elucidações propiciadas no decorrer dos módulos, o

professor deverá orientar seus alunos em duas diferentes atividades de reflexão

articuladas à realidade escolar por eles vivenciada.

Nesse sentido, na primeira atividade, cada aluno escolherá um de seus professores

e fará uma caricatura homenageando-o. Neste trabalho será retomado o papel do

professor, abordado e argumentado nos textos lidos e a exploração de um texto não

verbal, mas que também é referência em humor e expressa um ponto de vista. Os

alunos serão orientados a agir com ética e respeito, a fim de que o trabalho sirva

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apenas para melhorar as relações de aprendizagem significativa nas diferentes

disciplinas escolares, já que, como visto na leitura do livro de J. J. Veiga, a

aprendizagem significativa não depende apenas da vontade do professor.

Na outra atividade, subsequente à primeira, os alunos discutirão possíveis causas

para que o aluno do texto de Millôr Fernandes tenha ficado com tantos problemas

em sua aprendizagem. A partir das causas, em grupos de trabalho, eles escreverão

uma lista do que podem fazer para melhorar a qualidade das aulas e do aprendizado

na escola. As sugestões serão discutidas na sala como uma prátca educativa a

partir da qual os alunos poderão escrever também uma lista de combinados

atitudinais para favorecer a aprendizagem significativa em todas as disciplinas e,

especialmente, na hora da leitura, que transcende as aulas de Língua Portuguesa.

3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sequência didática apresentada neste capítulo configura-se, dentre as múltiplas

possibilidades de se construir atividades significativas e aplicá-las, em um recurso

metodológico para o ensino da língua materna, por meio do diálogo entre muitos

conhecimentos apreendidos e aprendidos até aqui e que se completam, ampliando a

concepção de que a leitura e a produção textual estão indissociavelmente

interligadas ao trabalho com gêneros textuais.

Observa-se que esse trabalho não tem nenhuma pretenção de resolver os

problemas de formação dos leitores brasileiros, cuja dimensão ultrapassa em muito

as possibilidades do capítulo que aqui se encerra. A sequência didática nele

apresentada traduz-se, antes de tudo, em uma forma de concretização dos

princípios da Educação Linguística, pautada nas fases da leitura e estruturada à luz

da concepção sócio-interacionista de ensino-aprendizagem.

Neste sentido, espera-se que o leitor-professor reflita e aja, buscando suas próprias

sequências didáticas e, assim, complementando e enriquecendo o material didático-

pedagógico com o qual tem articulado suas aulas.

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CONCLUSÃO

A página do livro moderno possibilita que o leitor dê voz aos textos que lê e, é por

essa razão que, a leitura silenciosa, de caráter individual, passa a conviver com a

leitura em voz alta, de caráter público. Logo, a leitura silenciosa é uma consequência

do aprimoramento da escrita e de suas tecnologias; portanto os textos que

antecedem a gramática da paginação eram feitos apenas para soar “nas praças

públicas e nos púlpitos da Igreja”. Nessa acepção a leitura em voz alta assegura a

divulgação de conhecimentos entre os membros das comunidades da civilização do

oral mesmo no espaço ocupado na civilização da escrita.

Nesse sentido, as investigações registradas neste trabalho tematizam o ensino-

aprendizagem da leitura significativa, considerando que, se para se ler um escrito

nas paredes das cavernas o leitor precisava se deslocar até a caverna a fim de

realizar tal leitura; quando o homem passou a utilizar os tabletes de argila, esses

podiam ser carregados e lidos em outros lugares. E, assim, pode-se constatar essa

mudança na relação entre leitor e suporte ao longo de todo o desenvolvimento dos

suportes.

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Do mesmo modo, pode-se constatar que um escriba demorava 12 anos para

aprender o sistema de escrita de sua época, mas que, já no tempo desses

profissionais, era possível aprender a ler e a escrever de modo significativo e

proficiente. Entretanto, assim como passou a acontecer na educação escolar das

crianças da Idade Moderna e da Contemporânea, nem todo escriba tornava-se um

leitor proficiente – o que revela que os problemas de alfabetização existiam antes

mesmo do processo de democratização da escola e do ensino.

Sendo assim, no que tange ao ensino, os alunos de outrora aprenderam a ler e

escrever com os recursos de que dispunham, muitos deles feitos pelos próprios

alunos. A escrita em diferentes suportes sempre esteve ligada ao ensino, seja

aquisição de conhecimento por meio da leitura, seja como modelo de gênero a ser

produzido. E a conclusão a que chegamos é que independentemente do tipo de

suporte os alunos aprenderam a ler e a escrever e alguns chegaram a ser grandes

escritores e intelectuais reconhecidos mundialmente até hoje. Então, a qualidade da

educação do ensino da leitura e da escrita nos dias atuais está amplamente

articulada a sua história e à concepção de alfabetização veiculada nas cartilhas que,

durante décadas, dominaram a forma de se ensinar a ler e a escrever.

Além disso, se no passado ler e escrever eram atividades profissionais, nos dias

atuais, escrever não é uma profissão e sim uma obrigação e ler é marca de

cidadania e não de sabedoria, e é este o ponto inicial dos problemas da

alfabetização, pois, com a multiplicação dos leitores e a diversificação dos textos

escritos, a definição dos verbos "ler" e "escrever" passaram a indicar construção

social, perdendo a característica de definição imutável.

Sendo assim, este trabalho elucidou que é e sempre foi possível ensinar e aprender

a ler modo significativo e proficiente e, para tal, não cabe censurar tempo, lugar,

suporte, ou método, embora sempre haja constatações de maior ou menor grau de

eficiência. Cabe, antes de tudo, um olhar apurado de cada professor de língua

materna sobre o princípio básico da Educação Linguística, que aponta para a

formação de cidadãos capazes de utilizar a língua com adequação às mais variadas

situações comunicativas, o que implica também o saber ler, compreender, inferir e

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ressignificar textos de diferentes gêneros, em seus diferentes suportes e em suas

mais variadas esferas sociais.

Nessa acepção, e para encerrar o trabalho com a criticidade da personagem

Mafalda, vale elucidar as dificuldades que permeiam esse processo de aquisição da

leitura significativa num universo cujo objetivo não é a educação, mas sim o dinheiro,

e que os bancos, sem nenhuma dúvida, têm mais importância que as bibliotecas,

cada vez mais escassas e menos frequentadas. Trata-se de um processo árduo,

conduzido na contramão das ideologias vigentes, mas que se pode fazer acontecer.

Discutir esse processo com os alunos e professores, desde as séries iniciais é

trabalhar a leitura proficiente associada à formação do cidadão, na acepção de

Monteiro Lobato de que “um país se faz com homens e livros”.

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