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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE DIREITO FERNANDO CRUZ ALEXANDRE A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA CRICIÚMA 2011

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

CURSO DE DIREITO

FERNANDO CRUZ ALEXANDRE

A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

CRICIÚMA2011

FERNANDO CRUZ ALEXANDRE

A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de bacharel no curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.

Orientador: Prof. Msc. Maurício Muriack de Fernandes e Peixoto

CRICIUMA2011

FERNANDO CRUZ ALEXANDRE

A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de bacharel, no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Direito Constitucional.

Criciúma, 30 de novembro de 2011.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Maurício Muriack de Fernandes e Peixoto – Mestre – UNESC - Orientador

Profª. Renise Terezinha Melilo Zaniboni – Especialista – UNESC

Profª. Márcia Andréia Schutz Lirio Piazza – Especialista – UNESC

Agradeço aos meus pais, Marlene e Leonardo (em memória), pelo carinho e dedicação depreendidos na criação deste acadêmico. Bem como agradeço aos meus irmãos, que, até hoje, são exemplos a serem seguidos por mim.

AGRADECIMENTOS

Ao longo de minha caminhada acadêmica muitas dificuldades surgiram.

Posso dizer, seguramente, que sem a solidadriedade de algumas pessoas eu não

teria logrado êxito em concluir este curso. Dedico este trabalho monográfico a todos

aqueles que de alguma forma contribuíram nesta jornada, diante de tantas

dificuldades – financeiras e conjunturais – muitos foram aqueles que estenderam a

mão, seria injusto nominá-los, pois certamente preteriria alguém. Gostaria de

agradecer a professor Sheila Saleh, que com paciência me orientou nos projetos de

pesquisas que juntos conduzimos. Não posso deixar de agradecer, especialmente, a

minha estimada mãe, Marlene Cruz, que ao longo dos anos se mostrou uma

guerreira, cumprindo com singular destreza o papel de mãe e muitas vezes,

também, de pai. Se escrevo neste campo os agracimentos àqueles que de alguma

forma contribuíram para esta formação acadêmica, é por que tive a base e o apoio

necessários para conseguir lidar com as adversidades, se tenho o que agradecer à

tantos, é devido a prioridade dada à educação no seio familiar; gerando a

consciência de nunca abandonar os estudos, priorizando-os como meta de vida.

Neste sentido, agradeço, também, ao meu falecido pai, Leonardo Alexandre, que

nos deixou em 12 de julho de 2010, e, infelizmente, não me verá concluir o curso de

Bacharel em Direito, mas que certamente tem fundamental importância nesta

caminhada, sempre apoiando e acreditando neste acadêmico. Também gostaria de

agradecer, aos meus irmão Tiago Cruz Alexandre e Leonardo Cruz Alexandre, que

são duas verdadeiras fontes de orgulho para este subscritor, tanto por suas vidas

acadêmicas, como pelos homens honrados e dignos que se tornaram.

.

“As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras .”

Friedrich Nietzche

RESUMO

A legitimidade do Ministério Público, na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, por vezes tem sofrido ataques pelo legislador. O presente trabalho aborda a restrição imposta ao parquet, no tocante a propositura de Ação Civil Pública, para a defesa de interesse tributário. Realizou-se um estudo histórico da Instituição do Ministério Público e seu crescente papel constitucional na defesa da sociedade. Após, estudou-se os direitos coletivos, seu surgimento e suas peculiaridades, bem como, o processo que rege a tutela destes. Adiante, abordou-se os temas controversos quanto ao instrumento da Ação Civil Pública e o Ministério Público, momento em que abordou-se a supracitada restrição. Partindo-se, então, para uma análise da Medida Provisória n. 2.180-35/2001, que passou a balizar as ações do parquet, ao preterir a defesa coletiva dos interesses tributários, entendo-a como despreconizada dos princípios administrativos, vez que o Poder Executivo, usurpa o Poder Legislativo e, desarrazoado dos princípios administrativo, legisla em causa própria. Analisou-se, também, o posicionamento dos principais tribunais quanto a questão. Com base nesses dados, ousou-se uma análise crítica da referida vedação, tomando por base o conceito histórico do Ministério Público, o seu papel na Carta Magna de 1988, bem como, as características do interesses do contribuinte, enquanto coletivos. Após a abordagem crítica, restou considerada flagrantemente inconstitucional a vedação trazida a ensejo pelo parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 7.347/85.

Palavras-chave: Ação Civil Pública, Ministério Público, Tributário, vedação, inconstitucional.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ART. Artigo

CB Constituição Federal

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

LACP Lei da Ação Civil Pública

MP Ministério Público

MPE Ministério Público Eleitoral

MPT Ministério Público do Trabalho

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO ....................................................................................... 12 2.1 ESCORÇO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ......................................... 12 2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL ............................................................. 16 2. 3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NOS DIAS ATUAIS .................................................. 23 2.3.1 princípios regentes do ministério público ........................................................... 24

2.3.2 competências constitucionais do ministério público .......................................... 25

2.3.3 FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................................................... 26

3 Direitos Coletivos ................................................................................................... 26 3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU ....................... 26 3.2 GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 . . 30 3.3 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E AS GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................................ 36 4 PROCESSO COLETIVO .......................................................................................... 41 4.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA ........................................................................................ 41 4.2 MINISTÉRIO PÚBLICO E AÇÃO CIVIL PÚBLICA: UMA ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA ............................................................................ 46 4.3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA PROPOSITURA DE ACP EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ............................................................................................. 56 5 METODOLOGIA ...................................................................................................... 65 6 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 66 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 69

11

1 INTRODUÇÃO

Ação Civil pública é moderna ferramenta jurídico-processual a resguardar

os direitos da coletividade. Tem no Ministério Público o seu maior utilizador. A

legitimidade do parquet para promovê-la vem expressamente consagrada no art.

129, inciso III, da Constituição da República - somada aos dispositivos

constitucionais expressos que determinam a sua natureza jurídica, reputando-lhe a

capacidade de defender a ordem jurídica – tornaram o Ministério Público o principal

utilizador de referida ação.

Verifica-se, pelas demandas levadas a julgamento perante os Tribunais

Superiores, ou pelos posicionamentos encontrados na doutrina, que apesar da

legitimação Ministerial – em relação à muitas matérias – ser inquestionável, como

em lides envolvendo o meio ambiente e os direitos da criança e do adolescente, o

mesmo não ocorre quando se trata de assuntos envolvendo tributos.

Principalmente, em razão do recentemente introduzido parágrafo único do

art. 1º da Lei nº 7.347/85, fruto da Medida Provisória n° 2.180-35 de 2001. Há um

intenso debate sobre este caso, a capacidade do parquet figurar como parte legítima

tem sido questionada, sobretudo em razão da natureza jurídica atribuída pela

doutrina aos direitos e interesses dos contribuintes, considerados disponíveis sob

determinado espectro.

Desta forma, este trabalho monográfico busca a análise da vedação

trazida a ensejo, tomando por base seus requisitos formais e materiais. Ainda,

estudou-se o posicionamento dos principais tribunais pátrios sobre a questão.

O processo coletivo, bem como a conciliação, é o futuro do Judiciário.

Revelando-se muitas vezes como uma saída para a sobrecarga sofrida pelos

magistrados nacionais. Além de dar celeridade ao juízo, propicia uma segurança

jurídica, vez que possibilita o mesmo julgado para inúmeras lides.

Diante desta nova realidade, busca entender-se os motivos da vedação

trazida a ensejo. Fazendo-se uma análise crítica do dispositivo em questão, bem

como da jurisprudência dominante, busca-se concluir, ou não, pela

constitucionalidade da vedação contida no art. 1º, do parágrafo único da LADP,

juntamente com o posicionamento jurisprudencial.

12

2 O MINISTÉRIO PÚBLICO

2.1 ESCORÇO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Não há certeza sobre quando surgiu o Ministério Público, porém há um

consenso entre os autores de que a origem de Instituição se deu na França, ao final

da Idade Média, no início do século XIV, mais precisamente. Os procuradores e

advogados privados do monarca (les gens du roi), são os precursores do Ministério

Público, conforme ensinamentos de João Francisco Sauwen Filho. (1999, p. 11)

A Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, é considerado o primeiro

texto legislativo a – objetivamente – regulamentar os procuradores do Rei. Contudo

acredita-se que foi apenas o registro das obrigações já existentes. Todavia o

surgimento da forma como se conhece hoje o Ministério Público, se deu apenas

com os textos napoleônicos. (Mazzilli, 1997, p. 1)

Apesar do consenso ora apontado, acredita-se que o surgimento da

instituição pode ter origens muito mais remotas. Discorre sobre o tema o mestre

Roberto Lyra (1937, p. 9), que arrimado com Berto Valori, ventila que textos de leis

de aproximadamente 4.000 anos foram encontrados em escavações arqueológicas

e neles eram mencionados deveres de funcionário real, que hoje são afetos aos

órgãos do Ministério Público.

João Francisco Sauwen Filho (1999, p. 12) refere-se aos supracitados textos

antigos da seguinte forma:

Assim é que, segundo os aludidos textos, aquele funcionário:I – É a língua e os olhos do rei;II – Castiga os rebeldes, reprime os violentos, protege o cidadão pacífico;III – Acolhe os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo os malvados e mentirosos;IV – É o marido da viúva e o pai do órfão;V – Faz ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições legais em cada caso;VI – Toma parte nas instruções para descobrir a verdade;

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Tomando-se como base tais textos, deduze-se que no Egito Antigo não

existia um órgão com funções nos moldes do Ministério Público atual, porém vê-se

claramente a germinação de tal instituição.

Raulino Jacó Brüning (2001, p. 23) alerta que há ainda aqueles que buscam

na Grécia e em Roma o surgimento do Ministério Público. Os ditos Procurados do

Rei, eram encarregados de defender os interesses fiscais do Príncipe, bem como

seu patrimônio. Conhecidos em Esparta como éforos, ou tesmótetas gregos, e em

sua versão romana sendo nominados de defensor civitatis, advocatus fisci,

statiornarri, procuratoris caesaris.

De acordo com Hugo Nigro Mazzilli (2007, p.372):

Na Idade Média também se procura encontrar algum traço histórico da instituição nos saions germânicos, ou nos bailios e senescais, encarregados de defender os senhores feudais em juízo, ou nos missi dominici, ou nos gastaldi do direito longobardo, ou ainda nos Gemeiner Anklager (literalmente “comum acusador”) da Alemanha, encarregado de exercer a acusação, quando o particular permanecia inerte.

Como demonstra-se, há grande divergência doutrinária quanto a questão do

surgimento do órgão ministerial. Mas, como já citado, há uma concordância entre os

historiadores de que foi na França que surgiu o Mistério Público nos moldes atuais.

Nos dizeres do saudoso Jádel da Silva (1978, p.52):

Num ponto, porém, há plena concordância entre a maioria dos historiadores: foi na França que pela primeira vez o Ministério Público aparece com todas as suas características, com a denominação de les gens du roi, para a representação dos reis junto aos tribunais e a defesa dos seus interesses privados, confundidos, muitas vezes, com os do próprio Estado. Com a Ordenação de 23 de março de 1303, de Felipe, o Belo, inicia-se a disciplina do Ministério Público, considerada por César Salgado a certidão de nascimento da instituição. Os “gens du roi” de simples mandatários judiciais, especialmente nas questões que interessavam ao fisco, passaram a acusadores oficiais, encarregados de mover ações penais ede fiscalizar a atividade da Justiça e da Polícia.

A Ordenança de 1670, ampliou o campo de atuação do Ministério Público,

lançando as bases do processo público. A partir de então, iniciou-se a evolução da

instituição para a sua autonomia funcional. As leis de 1791, a lei de 7 Pluvioso ano

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IX e, o Código de Instituição Criminal, consagraram as novas tendências. As quais

repercutiram, principalmente, na Áustria, Alemanha e Portugal. (LYRA, 1989, p. 20)

José Frederico Marques (MARQUES, 1979, p 171), por sua vez, elucida o

tema com clareza:

Os antecessores dos atuais promotores de justiça são os advogados e procuradores do rei (les gens de roi) que, antes do século XVI eram apenas os representantes do interesses privados do monarca perante os tribunais. O papel desses advogados e procuradores do rei foi gradativamente ampliando-se pari passo com o fortalecimento dos poderes disnásticos; e se tornaram eles, assim, “agentes do pode púbico junto aos tribunais.

Não se pode ignorar os aspectos já levantados da origem da instituição

ministerial, porém não se pode olvidar que os primeiros traços dos Ministério Público

brasileiro são oriundos do velho direito lusitano. (MAZZILLI, 2007, p. 39)

O Reino de Portugal surge no ano de 1.139 com o surgimento do Condado

Portucalense. Por cerca de um século e meio após o direito que prevalecia era o

costumeiro, não havia grande intervenções do poder político central. Após esse

período iniciou-se a recepção do direito romano e também do canônico, como forma

de salvaguardar o patrimônio do Rei, foram criadas as figuras do Procurador da

Coroa e do Procurador da Fazenda. (BRÜNING, 2001, p. 26)

Depreende-se da obra de Octacílio Paulo Silva (1981,p. 5):

Cabral Netto informa ainda que, num diploma do Rei D. Afonso III, de 14 de janeiro de 1289, aparece o Procurador do Rei com o cargo permanente junto ao Monarca, tendo o privilégio de chamar à Casado Rei (Tribunal de Relação) as pessoas que com ele tinham pleitos. Isto em Portugal, onde, já com D. João I (1385/1422), no Regulamento da Casa de Suplicação, definem-se as qualidades, as aptidões e os deveres dos procuradores do Rei; no seu Livro das Leis e Posturas há disposições reguladoras da intervenção dos procuradores do Rei nas causas penais, e aparecem as figuras dos procuradores de justiça da Casa da Suplicação.

Opnião compartilhada por José Henrique Pierangelli (1983, p. 187), para

quem “Em 13.1.1289, sob o reinado de D. Afonso III, o cargo de procurador da

Coroa assume o caráter de permanência, justamente na época em que, na Europa,

se constituíam os tribunais regulares”.

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Como já mencionado, com a recepção do direito romano e do canônico, bem

como resquícios ainda existentes do direito costumeiro, que por vezes eram

divergentes, criaram um ambiente juricamente difícil para o Rei e seus procuradores.

Desta forma no ano de 1.446 promulgou-se as Ordenações Afonsinas, nas

quais era possível perceber uma tendência na substituição da vingança privada em

favor da publicização da justiça criminal. Contudo tais Ordenações pouco refletiram

no recém descoberto Brasil.

Hugo Nigro Mazzilli (2007, p. 40) explica que após o surgimento das primeiras

ordenações, outras se seguiram, como as Ordenações Manuelinas, que vieram

apenas seguindo os traços da sua precusora. Nas Ordenações Filipinas, de 1603,

há títulos como “Promotor da Justiça da Casa do Porto” (XLIII), “Promotor da Justiça

da Casa da Suplicação” (XV), todos do Liv. 1.

Ainda do saudoso Hugo Nigro Mazzilli (2007, p. 41) se extrai sobre o

Desembargador da Casa da Supplicação, que servir de Promotore da Justiça:

Cabia-lhe formar libelos contra os seguros e presos que deveriam ser acusados na Casa de Suplicação, bem como ver todas as inquirições e devassas que os escrivães deveriam remeter-lhe em oito dias, sob pena de perda do ofício; deveria mostrar ao Corregedor-Geral o rol das pessoas que achasse culpadas, requerendo que os mandasse prender e proceder contra elas. Foi mantida a possibilidade de agirem o tabelião ou escrivão como promotores ad hoc.

Nota-se o surgimento do promotor de justiça como fiscal da lei, uma vez que

deveriam conferir todas as inquirições e devassas feitas pelos tabeliões. Também

percebe-se o surgimento como ente acusador, momento em que lhe cabia formar os

libelos contra os seguros e presos a serem acusado perante a Casa de Suplicação.

É fascinante na história do surgimento do Ministério Público a modificação

gradual sofrida pela instituição ao longo dos séculos. Criada como instuição a

sustentar os arbítrios autocráticos de monarcas medievais, evoluiu lenta e

inexoravelmente até transformar-se no baluarte da democracia, refletindo a

consequência lógica da transformação política dos povos. (SAUWEN FILHO, 1999,

p. 43)

16

2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL

Antes da independência e mesmo após, o desenvolvimento do Ministério

Público brasileiro esteve diretamente associado ao direito lusitano. Em 1609 criou-se

a Relação da Bahia, na qual o procurador da Coroa e da Fazenda tinha função de

promotor de justiça. Embora no Brasil-Colônia e no Brasil-Império, o procurador

geral ainda centraliza todo o poder, não existindo qualquer traço de independência

ou garantia. (MAZZILLI, 2007, p. 45)

Sobre o Ministério Público na constituição de 1824, ensina João Francisco

Sauwen Filho (1999, p. 117):

A Constituição Imperial de 25 de março de 182, não ser pela disposição do seu Art. 48, situado no capítulo “Do senado”, que aludia ao Procurador da Coroa e Soberania Nacional, reconhecendo-lhe competência para acusar, nos crimes cuja acusação não pertencesse à Câmara dos Deputados, silenciava quanto à Instituição que, mesmo assim, veio a ser organizada, embora de forma precária, pela Lei de 18 de setembro de 1818, que determinava o funcionamento de um Promotor de justiça junto a cada uma das Relações, inclusive na da Corte, e ainda em cada Comarca, junto aos Juízos.Não havia, entretanto, uma organização eficiente, nem mesmo uma unidade do Parquet que funcionava de forma desarticulada, sem unidade ou mesmo sem qualquer controle central. Até as atribuições de seus membros eram incertas, não havendo normas claras quanto aos seus limites.

Raulino Jocó Brüning (2001, p.83) disserta com maestria sobre o Código de

Processo Criminal brasileiro de 1.832:

Foi este Código, do início do Império, que deu novo status aos promotores, similar na essência aos dias atuais.Talvez o mais significativo avanço foi substituir o sistema inquisitorial pelo acusatório na maioria dos crimes.

Ainda neste mesmo norte e divagando sobre a estruturação do Ministério

Público no período, J. M. De Carvalho Santos (1947, p.288) ensina que “O 'Aviso' de

16 de janeiro de 1883, deu, depois, ao Promotor de Justiçao seu verdadeiro caráter

de 'fiscal da Lei'.

Após a Carta de 1824, seguiu-se o período republicano. Todavia, Mazzilli

(2007, p. 46) ao se referir a primeira Constituição da República (1891), explica que

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apesar dos avanços, acima expostos, esta ainda não aludiu ao Ministério Público

enquanto instituição, na verdade apenas fez referência à forma de escolha do

procurador geral e à sua iniciativa na revisão criminal pro reo. Contudo, diante do

descortino de Campos Salles, Ministro da Justiça no Governo Provisório, a

instituição já havia passado a ser tratada como tal, desde o Decreto n. 848, de 11

de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal.

Corrobora nesse sentido o professor José Dilermando Meireles (1984, p.

201):

A evolução do Ministério Público no Brasil conta com dois períodos bem distintos: o imperial e o republicano. No primeiro, o Ministério Público não chegou a ganhar características de instituição

Após, no inicio do Governo de Prudente de Morais, promulgou-se a Lei nº 221

de 20 de novembro de 1894, que visava a organização e funcionamento da Justiça

Federal. Esse diploma legal alterou disposições acerca do Ministério Público da

União, trazendo várias modificações.

Diversas leis posteriores vieram a regular o Ministério Público, porém sempre

mantendo as características ao alcance das atribuições da Instituição. Em comum,

tais leis tinham como escopo utilizar o órgão ministerial, como instrumento do

Governo, para fazer frente às dificuldades relativas à segurança pública. (SAUWEN

FILHO, 1999, p. 135)

Com o decreto nº 13.273, alterou-se mais uma vez a estrutura do órgão.

Delineou-se as múltiplas responsabilidades da Instituição, também foram

estabelecidas suas garantias e de seus membros e assegurou-se a independência

em relação ao poderes políticos. A partir deste momento o Ministério Público passou

a ter amplas atribuições e grande liberdade de ação, de tal forma que Alfredo

Valladão (1984, p.10-11) declarou:

Se Montesquieu tivesse escrito hoje o 'Espírito das Leis', por certo não seria tríplice, mas quádrupla a Divisão dos Poderes. Ao órgão que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro acrescentaria ele: o que defende a sociedade e a lei - perante a Justiça, parta a ofensa de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios poderes do Estado.

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Embora a declaração de Alfredo Valladão remeta ao Ministério Público dos

dias atuais, a nomeação discricionária e a demissão ad nutum de seu chefe pelo

Presidente da República, conforme artigo 50, §2º da Constituição de 1891,

desencorajavam qualquer ação independente por parte do promotor de justiça.

Com o advento da Constituição Federal de 1934, promulgada em 16 de julho

do mesmo ano, o Ministério Público finalmente alcançou a sua institucionalização. A

referida carta magna tratou do órgão em seu Capítulo VI (Dos Órgãos de

Cooperação nas Atividades Governamentais), Seção I (Do Ministério Público).

A então nova constituição traz a primeira garantia dos membros, em seu

artigo 95, §3º, determinando que a perda do cargo somente se daria por sentença

judiciária ou processo administrativo, garantindo-lhes direito à ampla defesa:

Art 95 - O Ministério Público será organizado na União, no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis locais. § 3º - Os membros do Ministério Público Federal que sirvam nos Juízos comuns, serão nomeados mediante concurso e só perderão os cargos, nos termos da lei, por sentença judiciária, ou processo administrativo, no qual lhes será assegurada ampla defesa.

A então recém criada Constituição separou completamente o Poder Judiciário

e o Ministério Público. A carta magna trouxe vedações explicitas à cumulação de

cargos, ensejando a dicotomia das instituições, veja-se os arts. 65 e 97:

Art 65 - Os Juízes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qualquer outra função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição. A violação deste preceito importa a perda do cargo judiciário e de todas as vantagens correspondentes.

Art 97 - Os Chefes do Ministério Público na União e nos Estados não podem exercer qualquer outra função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição. A violação deste preceito importa a perda do cargo.

Apesar da nascente independência, muito ainda faltava para o Ministério

Público atingir algo próximo do seu estado atual. Ao menos até a promulgação da

Carta de 1946, o órgão era considerado, tratado e utilizado pelos governantes como

instrumento político. O Presidente Vargas foi quem mais levou tal entendimento

adiante, afirmando que “o Ministério Público é um órgão que coopera na atividade do

Governo” e que “por Governo se deve entender aqui o Poder Executivo”. (SAUWEN

FiLHO, 1999, p. 143)

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Em 10 de novembro de 1937, o então Presidente Getúlio Vargas, com o apoio

dos militares e por meio de um golpe de estado, dissolveu os órgãos legislativos e

usurpou a função legiferante de tais instituições. Através de decretos leis, conferiu

poderes ditatoriais ao Presidente da República.

Ortogou, então, uma nova Constituição que ocasionou um severo retrocesso

à instituição ministerial. A garantia do devido processo legal para a perda do cargo

de Procurador Geral da República foi excluída, o Art. 99 da Carta Magna deixava a

cargo do Presidente da República a livre nomeação e demissão do chefe do

Ministério Público Federal. (MAZZILLI, 2007, p. 49)

Art 99 - O Ministério Público Federal terá por Chefe o Procurador-Geral da República, que funcionará junto ao Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Restou suprimido o Art. 95, §1º da Constituição anterior, que impunha como

condição à nomeação de Procurador Geral da República a aprovação da sua

indicação pelo Senado Federal. Tornando o ato de nomeação totalmente

discricionário à pessoa do Presidente da República.

A então recente constituição também determinou, em mesmo artigo, que o

Ministério Público passaria a funcionar junto ao Supremo Tribunal Federal,

acabando com a dicotomia noutrora estabelecida.

Como já mencionado, o então Presidente Vargas possuía uma visão peculiar

sobre o Ministério Público. Para ele a instituição era uma extensão à serventia do

Poder Excecutivo. O eminente João Francisco Sauwen Filho (1999, p.147) disserta

com maestria sobre a situação da instituição neste período:

Assim, é natural que, durante o tempo de vigência da Carta outorgada de 1937, o Ministério Público tenha sido tratado consoante esse entendimento do todo-poderoso Chefe do Governo, permanecendo como órgão de atuação do Poder Excecutivo junto aos Tribunais, dependente desse poder e transformado num simples instrumenta da política interna de seu Chefe.

No período da ditadura Vargas, o Ministério Público e até mesmo a própria

Justiça, sofreram duros golpes no seu prestígio, independência e segurança.

(BRUNING, 2001, p.141)

20

Embora o retrocesso ocasionado pela Constituição de 1937, foi nesse período

que o Ministério Público viu seu campo de autuação se expandir. Com o advento do

Código de Processo Penal, a instituição passou a poder requerer inquéritos policiais

e diligências, visando a apuração de ilícitos. Tornou-se titular na promoção da ação

penal pública e responsável por promover e fiscalizar a execução da lei.

Com o fim do regime ditatorial, urgia-se de uma nova Carta Magna. A

Constituição Federal de 1946 veio – dentre outras – consolidar a independência do

Parquet, alocando-o fora da abrangência de qualquer um dos três poderes do

Estado (SAUWEN FILHO, 1999, p. 148).

Na nova constituição, todo o Título III (Do Ministério Público) foi dedicado a

instituição. Segundo o mestre Hugo Nigro Mazzilli (2007, p. 49), a então recém-

criada constituição democrática tornou a dar relevo à instituição. No referido título,

previu-se a organização do Ministério Público da União (artigo 125) e dos Estados

(artigo 128), disciplinou-se a escolha do Procurador Geral da República (artigo 126).

Destaca-se na nova Carta Magna o artigo 127:

Art 127 - Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais da carreira mediante concurso. Após dois anos de exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa; nem removidos a não ser mediante representação motivada do Chefe do Ministério Público, com fundamento em conveniência do serviço.

O supracitado artigo fixou como regra o concurso público para ingresso no

cargo de Promotor de Justiça. Retirou do excecutivo a poder de interferir na escolha

dos membros e também assegurou as garantias constitucionais da estabilidade e da

inamovibilidade, dando ao parquet uma independência e segurança até então não

experimentadas.

Estava agora o Ministério Público apartado de qualquer órgão governamental,

sua independência estava estabelecida. É estabelecida a unidade do órgão, quando

a constituição se refere no singular (artigo 125) à instituição.

A Constituição de 18 de setembro de 1946, acentuadamente democrática,

deu ao Ministério Público enquanto instituição um relevo inédito. João Francisco

Sauwen Filho (1988, p. 151-152) destaca os seguintes fatos relevantes da Carta

Magna, resumindo-a no que couber:

21

Conferiu-lhe, como anteriormente dissemos, um título próprio no Texto Maior, previu a sua organização no âmbito da União, em seu Artigo 125 e na esfera das unidades federais, no Artigo 128.Além disso, cometeu à Instituição o encargo da representação da União, na forma do comando do parágrafo único do Artigo 126. Foram fixadas as regras para o ingresso na carreira do Ministério Público, optando-se pelo recrutamento qualificado pela via do concurso público, restaurando assim o sistema da constituição de 1934, revogado pela Carta ditatorial, consagrando as garantias de estabilidade e inamovibilidade, na forma do estatuído em seu Artigo 127.Finalmente, a nova Carta Constitucional, em seu Artigo 128, instituía o princípio da promoção de entrância a entrância, o que muito contribuiu para a estabilidade da carreira do Ministério Público.

Ainda de mesma obra (SAUWEN, 1999, p. 153) extrai-se que foi durante o

regime da Carta de 1946 que os Estados da Federação optaram por desvincular os

seus Parquets da representação Judicial do Estado. Ficando os membros restritos

as atividades típicas de fiscal da lei, titular da ação penal pública e suas funções re

presentação compendiadas na legislação procedimental.

Apesar do grande avanço neste período, o Órgão Ministerial permaneceu

demasiadamente dependente do Excecutivo, situação ocasionada por conta da

nomeação e demissão discricionária do Procurador Geral – tanto federal como

estadual – pelo Chefe do Governo.

Em 1964 os militares tomam o governo por meio de um golpe militar e

promulgam, no ano de 1967, uma nova constituição. A nova Carta dedicou ao ao

Ministério Público espaço na Seção IX, no Capítulo do Poder Judiciário. Em linhas

gerais manteve-se as mesmas características da constituição anterior, estendendo-

se aos Membros do órgão as regras da aposentadoria dos Magistrados.

A Carta Maior de 1967, bem como a Emenda outorgada de 1969, mantinham

a demissibilidade ad nutum do Procurador Geral da República pelo Presidente da

República. Contrastava tal discricionariedade com a garantia de estabilidade

reservada aos demais Parquets, tratava-se, dessa forma, desigualmente os

membros da instituição ministerial. O Promotor de Justiça possuía garantia de

estabilidade e de inamovibilidade (Artigo 128, §1º), enquanto estas não alcançavam

o seu Chefe, que poderia, a qualquer tempo, ser demitido pelo Chefe do Executivo.

João Francisco Sauwen Filho (1999, p. 156) sobre o assunto:

22

Tal submissão do Chefe do Ministério Público ao Presidente da República, na área federal e aos Governadores na esfera provincial, inviabilizava a independência da Instituição, submetendo-a à vontade política do Governo, o que viria agravar-se no regime da Emenda Outorgada, quando a reação do Governo aos movimentos estudantis de 1968/1969 e a consequente escalada da subversão da ordem determinaram o endurecimento do regime autoritário em 1970.

Durante o período militar o Texto Maior sofreu grandes modificações com a

Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1979. O Ministério Público agora

passava a configurar no Capítulo “Do Poder Excecutivo”, não restando dúvidas da

intenção dos governantes: tornar a Instituição um órgão a serviço do Executivo.

Na Carta de 1969 tinha-se os seguintes artigos:

Art. 94. A lei organizará o Ministério Público da União junto aos juízes e tribunais federais.Art. 95. O Ministério Público federal tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.§ 1° Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais de carreira, mediante concurso público de provas e títulos; após dois anos de exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou em virtude de processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa, nem removidos a não ser mediante representação do Procurador-Geral, com fundamento em conveniência do serviço.§ 2° Nas comarcas do interior, a União poderá ser representada pelo Ministério Público estadual.Art. 96. O Ministério Público dos Estados será organizado em carreira, por lei estadual.Parágrafo único. Lei complementar, de iniciativa do Presidente da República, estabelecerá normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público Estadual, observado o disposto no § 1º do artigo anterior.

Nota-se que pouco mudou em comparação ao Texto de 1967, a grande

mudança ocasionada pela Emenda Constitucional foi o deslocamento do Órgão

Ministerial – do Poder Judiciário para o Poder Executivo – fato que pode ser

facilmente entendido, uma vez que estava-se diante de um governo ditatorial, que

buscava no Ministério Público mais uma forma de repressão social.

Após a queda do Governo Militar em 1984, encerrou-se o ciclo da Ditadura.

Convocou-se uma assembleia nacional constituinte e em 5 de outubro 1988 o

Congresso Nacional promulgou um novo Texto Constitucional, entrava em vigor uma

Constituição Cidadã.

23

2. 3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NOS DIAS ATUAIS

Nesse sentido o professor José Afonso da Silva (2008, p. 90) ensina que é

assim considerada – Constituição Cidadã – porque teve ampla participação popular

ao longo de sua elaboração e em especial porque tem como escopo principal a

plena realização da cidadania.

Na recém criada Carta Magna, o Ministério Público recebeu tratamento

diferenciado ao anteriormente dispendido à Instituição. Recebendo espaço no

Título IV (Da Organização do Poderes, Capítulo IV (Funções Essenciais a Justiça),

Seção I (Do Ministério Público), alcançou a instituição a sua completa

independência.

Na atual Carta Magna, assegurou-se as principais regras da autonomia

funcional; determinou-se a forma de investidura e destituição dos procuradores

gerais, e ainda ficou-se as principais garantias, atribuições e vedações.

Hugo Nigro Mazzilli (2007, p. 103-104) explica com clareza o novo papel e as

novas características conferidas ao Ministério Público pela Constituição de 1988:

A opção do constituinte de 1988, foi, sem dúvida, conferir um elevado status constitucional ao Ministério Público brasileiro, quase o erigindo a um quarto poder: desvinculou a instituiçãoos Capítulos do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário; fê-lo instituição permanente, essencial à prestação jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa do próprio regime democrático; cometeu à instituição zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;erigiu à condição de crime de responsabilidade do presidente da República seus atos que atentem contra o livre exercício do Ministério Público, colocando-o assim lado a lado com os poderes de Estado; impediu a delegação legislativa em matéria relativa à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, à carreira e à garantia de seus membros; conferiu a seus agentes total desvinculação do funcionalismo comum, não só nas garantis para escolha, investidura e destituição de seu procurador-geral, como para a independência de atuação; concedeu à instituição autonomia funcional e administrativa, com possibilidade de prover diretamente seus cargos; conferiu-lhe iiiniciativa do processo legislativo para criação de cargos e também para organização da própria instituição, bem como iniciativa da proposta orçamentária; em matéria atinente ao recebimento dos recursos correspondentes às suas dotações orçamentárias, assegurou ao Ministério Público igual forma de tratamento que a conferida aos Poderes Legislativo e Judiciário; assegurou a seus membros as mesmas garantias dos magistrados, impondo-lhes iguais requisitos de ingresso na carreira e idêntica

24

forma de promoção e aposentadoria, bem como semelhantes vedações; conferiu-lhe privatividade na promoção da ação penal pública, ou seja, atribui-lhe com isso pacela direta de ssoberaniado Estado, assegurou ao procurador-geral da República par a par com os chefes de Poder, julgamento nos crimes de responsabilidade pelo Serando Federal.

O Artigo 129, III, incumbiu-lhe através da promoção de Inquérito Civil Público

e da Ação Civil Pública, “a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. O qual será objeto de estudo

mais aprofundado posteriormente.

Em 12 de fevereiro de 1993, promulgou-se a Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público, a Lei n. 8.625, que dispoz sobre normas gerais para a

organização do Ministério Público dos Estados e outras providências.

2.3.1 PRINCÍPIOS REGENTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Para Gilmar Fereira Mendes (2008, p. 996) os princípios institucionais que

regem o Ministério Público estão elencados no art. 127, §1º da Constituição, quais

sejam: a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Alexandre de Moraes (2011, p. 629) explica que o princípio da unidade

significa que “os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção

única de um só Procurador-geral”, ressalva ainda, que esta unidade existe dentro de

cada Ministério Público, de forma que se diferenciam os Ministérios Público Federal

e o dos Estados, bem como o de um Estado com o de outro, existindo a unidade em

cada um deles.

Ainda nos sábios dizeres de Alexandre de Moraes (2000, p. 475), os

membros da instituição ministerial não se vinculam aos processos nos quais atuam,

por força do princípio da indivisibilidade, o qual permite que os membros da

instituição possam ser substituídos uns pelos outros durante o processo. Trata-se na

verdade de um verdadeiro corolário do princípio da unidade.

A independência funcional garante ao parquet a livre atuação dentro da sua

competência. O livre convencimento de cada membro traz consigo a desvinculação

aos pronunciamentos anteriores dos outros membros. O promotor não deve

25

obedecer ordens de quem quer que seja, devendo prestar contas de seus apenas às

leis e à sua consciência.

Segundo Gilmar Fereira Mendes (2008, p. 997) como forma de resguardar o

princípio da independência funcional, veio a ser deduzida a doutrina do promotor

natural. Colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no HC 67.759/RJ1:

esse princípio [do promotor natural] consagra uma garantia de ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição

Tais princípios institucionais, consagrados constitucionalmente, possibilitam a

atuação livre do Ministério Público, tornando-o independente dos poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário.

2.3.2 COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO

PÚBLICO

O art. 128 da CFRB/88 diz que o Ministério Público abrange o Ministério

Público da União, que compreende: o Ministério Público Federal; o Ministério Público

do Trabalho; o Ministério Público Militar; o Ministério Público do Distrito Federal e

Territórios. E compreende também os Ministérios Públicos dos Estados, cada qual

com a sua chefia própria. Ainda há um Ministério Público atuante junto aos Tribunais

de Contas, conforme art. 130 de mesmo diploma legal.

Colhe-se dos dizeres de Gilmar Fereira Mendes (2008, p. 998) sobre o

Ministério Público Estadual, que este será mantido pelo Estado-membro, e este,

operará junto ao Judiciário local. Enquanto ao Ministério Público da União, atuará

junto à Justiça Federal. Sobre o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas,

menciona que não pertence a nenhum dos dois anteriores, e como reconheceu o

STF na ADI 7892, possui uma organização sui generis.

1Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 01 de outubro de 20112Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 01 de outubro de 2011

26

2.3.3 FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Segundo José Afonso da Silva (2011, p. 602) as funções institucionais do

Ministério Público estão relacionadas no artigo 129 da CFRB, no qual ele aparece

como: titular da ação penal, da ação civil pública para a tutelar dos interesses públicos, coletivos, sociais e difusos, e da ação direta de inconstitucionalidade genérica e interventiva, no termos da Constituição; garantidor do respeito dos Poderes Público e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia,; defensor dos direitos e interesses das populações indígenas, além de outras de intervenção em procedimentos administrativos

Ainda de referido autor, extrai-se além das supracitadas, são funções do

Ministério Público o controle externo da atividade policial, a requisição de diligências

investigatórias, bem como instauração de inquérito policial.

Importante ressaltar, vez que é relevante para o tema, o inciso IX do artigo

129: “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com

sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de

entidades públicas”. O legislador originário não limitou a ação do parquet, pelo

contrário, deixou expresso o seu interesse em permitir que o ente ministerial

exercesse outras funções, não exaurindo o campo e instrumentos de atuação do

Ministério Público. Neste norte, depreende-se dos ensinamentos de Gilmar Fereira

Mendes (2011, p. 999) que a enumeração promovida pelo rol não é exaustiva.

3 DIREITOS COLETIVOS

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

Com o surgimento das Ações Coletivas, fez-se necessária a definição dos

seus objetos tuteláveis. Ao tentar definir a classificação dos direitos coletivos, as

doutrinas encontraram grandes problemas.

27

Fredie Didier Jr. E Hermes Zanti Jr (2011, p. 75) referem-se aos direitos

coletivos lato sensu, como sendo o gênero, dos quais são espécies: os direitos

difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos.

Asseveram ainda que haveria – em conhecida sistematização doutrinária – os

direitos/interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e

os direitos acidentalmente coletivos (individuais homogêneos).

Corroborando com esta divisão, tem-se o Código de Defesa do Consumidor

(Lei 8.078/90), que em seu art. 81 traz:

A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Os direitos difusos (art. 81, par. ún., I do CDC) são aqueles transindividuais

(metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza

indivisível (sujeitos indeterminados), cujos titulares sejam pessoas indeterminadas

(impossível individualização) ligadas por circunstâncias de fato, sem que haja um

vínculo jurídico comum (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2011, p. 76).

Ressalta Roberto Senise Lisboa (2006, p. 63) que “o interesse difuso é

necessidade de toda a sociedade, e não de grupos sociais determinados”.

Classifica-se como direito ou interesse difuso, aquele em que todo cidadão seja

parte interessada, devido ao não conhecimento da a extensão do dano causado a

terceiros.

Pode-se tomar como exemplo de direito difuso, a veiculação, em mídia

nacional, de publicidade enganosa, capaz de afetar um número incerto de pessoas,

sem que exista relação jurídica base entre elas. Desta forma, a coisa julgada que

tenha por objeto direito difuso, será erga omnes (para todos) – conforme art. 103, I,

do CDC – pois será impossível quantificar a extensão do dano individual, bem como

28

não se saberá o número de afetados, sendo mais justo, portanto, que a sentença

alcance à todos os possíveis afetados.

Quanto ao efeito do trânsito em julgado, de eventual sentença, este será

erga omnes, ou seja, alcançará a todos, é o que se depreende dos ensinamentos de

Motauri Ciocchetti de Souza (2000,148), que cita a qualidade inadequada do ar de

São Paulo:

Contudo, à evidência que a solução do problema jamais passará por reparações individuais: ou a qualidade do ar melhora – e beneficia indistintamente a todos os moradores de urbe – ou se mantem como está. Inexiste solução intermediária.

Os interesses coletivos stricto sensu (art. 81, par. ún., II do CDC) foram

classificados como direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que: “seja

titular grupo, categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis,

frisa-se, enquanto grupo, categoria ou classe determinável) ligadas entre si, ou com

a parte contrária, por uma relação jurídica base”. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2011, p.

76)

Ainda dos processualistas Didier e Zaneti (2011, p. 77), colhem-se dois

exemplos de direito coletivo stricto sensu. O primeiro seria o caso dos advogados

escritos na Ordem dos Advogados do Brasil – ou qualquer outra categoria de

profissionais – estes estaria ligados a um órgão de classe, sendo abrangidos como

“classe de pessoas”.

O segundo exemplo mostra-se de extrema importância e vai ao encontro

deste trabalho monográfico. Segundo os autores, os contribuintes de determinado

imposto, possuem um direito coletivo stricto sensu. Estão ligados ao ente estatal

responsável pela tributação, configurando um “grupo de pessoas”.

Colhe-se da obra de Motauri Ciocchetti de Souza (2000,149), que são

peculiares ao interesses coletivos “a determinação dos sujeitos, que formam uma

unidade (grupo categoria ou classe), a invisibilidade do objeto e a existência de um

vínculo jurídico ligando os integrantes do grupe entre si ou como parte contrária.”

Vale ressaltar que a relação base existente entre esse grupo ou classe de

pessoas, deve ser anterior à lesão experimentada. É o que diferencia os direitos

difusos, dos direitos coletivos. Em ambos os casos haverá uma ligação entre os

afetados, porém no primeiro caso esta ligação ocorrerá após o dano sofrido, a

29

ligação, inclusive, será o dano sofrido; enquanto no segundo caso, a ligação já é

pré-existente, precedente e independente ao fato gerador do dano.

O legislador consumerista, em que pese a longa divagação definindo os

direitos difusos e coletivos, mostrou-se singelo ao definir os interesses induviais

homogêneos. Descreveu-os no art. 81, III do CDC, e para tanto utilizou apenas uma

de suas características; como sendo aqueles de origem comum.

Os interesses individuais homogêneos, segundo Motauri Ciocchetti de Souza

(2000,153), são aqueles “que dizem repeito a um número determinado de pessoas,

titulares de objetos divisíveis e que estão ligadas entre si por um vínculo fático

decorrente da origem comum das lesões”.

Roberto Senise Lisboa (2006, p. 313) é feliz ao destacar a situação fática ou

jurídica, só será considerada como interesse individual homogêneo quando houver

repercussão social. Explica que quando o dano experimentado pelo particular não

acarretar repercussão social, será considerado interesse individual plúrimo.

Processualmente a diferença é deveras importante, uma vez que os direitos

individuais homogêneos são passíveis de serem tutelados coletivamente, enquanto

os interesses individuais plúrimos, não possuem legitimidade para configurarem

como objeto das ações coletivas, mas sim, na melhor das hipóteses, litisconsórcio

ativo facultativo.

Novamente a diferenciação se faz importante, Roberto Senise Lisboa (2006,

p. 313) ao se referir a coisa julgada que tenha como objeto interesse individual

homogêneo, explica que a sentença terá efeito erga omnes (art. 103, III, do CDC).

Em contra partida, caso o interesse seja entendido como interesse individual

plúrimo, os efeitos da coisa julgada restará restrito entre as partes integrantes da

lide.

Como forma de estabelecer o que seria socialmente relevante, capaz de

alcançar repercussão social, o autor utiliza-se do termo “potencialidade de

proliferação” como sendo condição necessária da situação fática ou jurídica:

a potencialidade de proliferação de dano versa sobre a reconhecida possibilidade de que outras pessoas venham a sofrer idêntico prejuízo, pouco importando se essas pessoas poderão ser ou não, desde logo, determinadas.

30

Por diversas vezes o liame que separa uma classificação da outra é muito

pequeno. Muitas situações fáticas e jurídicas são capazes de apresentar os três

direitos concomitantemente.

3.2 GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO

DE 1988

Inicialmente faz-se importante diferenciar as garantias constitucionais dos

direitos constitucionais. Paulo Bonavidees (2006, p. 526) explica que “a garantia –

meio de defesa – se coloca então diante do direito, mas com este não se deve

confundir”.

Alexandre de Moraes (2011, p. 36) diferencia os direitos das garantias, ao

dizer que:

As disposições meramentes declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecutórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantia[...]

As garantias constitucionais são os instrumentos pelos quais os cidadãos

fazem reais e efetivos seus direitos garantidos na Carta Magna. Sendo estas as

mais altas garantias de um ordenamento jurídico, e as quais devem-se curvar tanto

o legislador comum, como os titulares de qualquer um dos Poderes; é o que se

depreende dos ensinamentos de Paulo Bonavides (2006, p. 532).

Colhe-se da melhor doutrina a definição de garantias fundamentais. Para

Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 268), há no Estatuto Político, direitos que

objetivam tutelar um bem específico da pessoa, tal como a vida, a honra e a

liberdade. Da mesma forma, existem outras normas que protegem esses direitos

indiretamente, por vezes, limitando o exercício arbitrário do Poder. Tais normas dão

origem aos direitos-garantias, as chamadas garantias fundamentais.

Cabe a essas garantias assegurar ao cidadão o direito de exigir dos Poderes

Públicos o respeito à normas e princípios vigentes. Muitos deles estão expressos no

art. 5º da Constituição, tais quais como as normas do direito processual penal.

Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 268), esclarece que a diferenciação entre

um e outro, tem pouca importância prática, “uma vez que a nossa ordem

31

constitucional confere tratamento unívoco aos direitos e garantias fundamentais”.

Desta forma, neste trabalho monográfico, tratar-se-á de ambas conjuntamente, não

divagando sobre as pormenorizações trazidas pelas variadas doutrinas.

A Constituição Nacional de 1988, trouxe em seu Título II, os Direitos e

Garantias Fundamentais. No art. 5º, ainda não exaurindo-os, assegurou os Direitos e

Garantias Individuais e Coletivos; do art. 6º ao 11º, apresentou o Direitos Sociais;

em seu art. 12º, os Direitos de Nacionalidades; no 14º positivou os Direitos Políticos;

enquanto no art. 17º trouxe os Direitos de Criação, Organização e Participação em

Partidos Políticos.

Esta é a classificação legal dos direitos e garantias fundamentais, porém

elas estão presentes em diversas partes da constituição. Direta ou indiretamente, as

demais garantias esparsas pelos texto constitucional originaram-se do Título II da

Carta Magna; e cumprem o papel de assegurar o efetivo cumprimento dos direitos

ali estabelecidos.

O constitucionalista José Afonso da Silva (2011, p. 182), referindo-se sobre as

origens dos direitos e garantias fundamentais, classifica-as em três. O doutrinador

leva em conta, para a classificação, o fato da própria constituição garantir outros

direitos e garantias não enumerados, quando, no art. 5º, §2º, declara que “os direitos

e garantias previstos neste artigo não excluem outros decorrentes dos princípios e

do regime adotado pelo Constituição e dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte”.

Neste sentido, divide em três as fontes dos direitos e garantias: (a) os

expressos (art. 5º, I a LXXVIII); (b) os decorrentes dos princípios e regime adotados

pela Constituição; (c) os decorrentes de tratados e convenções internacionais

adotados pelo Brasil.

As garantias expressas estão contidas no art. 5º da Carta Magna. Composto

por setenta e oito incisos. Os quais, no entendimento de José Afonso da Silva (2011,

p. 186), subdividem-se em, aproximadamente, meio a meio. Do inciso I ao XXXIV o

artigo contém os direitos e do inciso XXXV ao LXXVII apresentam-se as garantias.

Os direitos e garantias fundamentais decorrentes dos princípios e regime

adotado pelas constituição estão espalhados pela Carta Magna, ou podem ser

depreendidos dos princípios constitucionais. São os direitos e garantias que

asseguram, por exemplo, a manutenção de um Estado Democrático de Direito,

como os direitos políticos, contidos no Título II, Capítulo IV da Lei Maior.

32

No tocante aos direitos e garantias decorrentes de tratados e convenções

internacionais adotados pelo país, deve-se observar dois pontos importantes, ambos

trazidos nos parágrafos 2º e 3º do art. 5ª da CFRB. Analisar-se-á inicialmente o

parágrafo §2º, que já anteriormente citado, é o responsável por manter o

ordenamento jurídico aberto a novas garantias e direitos fundamentais, tais quais as

normas de direitos humanos em que o Brasil seja parte nos tratados internacionais.

O país ao assinar um tratado nacional de direitos humanos no âmbito

internacional deve incorporá-lo, então, ao ordenamento jurídico interno. Mantendo o

sistema de freios e contrapesos, tal incorporação se dá da seguinte maneira: o

Poder Executivo é responsável por assinar o tratado no âmbito internacional (art. 84,

inc. VIII, da CF), e após, o Poder Legislativo deverá submeter a votação a

incorporação de referido trato (art. 49, inc. I, da CF), que sendo aprovado, passará a

ter validade por meio de Decreto Legislativo, e só após terá executoriedade.

O Supremo Tribunal Federal, entendia que tais normas, de direitos humanos

incorporadas, seriam equivalentes às Leis Ordinárias (RHC 797853 de 29/03/2000),

e no caso de conflito, analisar-se-ia a especifidade da norma no caso concreto.

Porém, no ano de 2008 tal entendimento foi modificado. Passou o Tribunal Maior a

entender que os tratados internacionais de direitos humanos aos quais o Brasil

tivesse aderido, teriam um caráter supralegal, estando acima da lei e abaixo da

constituição:

Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. (RE 349703, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, Dje- 104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-04 PP-00675)4

3Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 03 de outubro de 20114Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 03 de outubro de 2011

33

Os tratados aos quais o Brasil aderir e após aprovação pelo Congresso

Nacional, via de regra terão, portanto, um caráter supralegal. Porém, não se pode

olvidar do rito estabelecido pelo §3º, do art. 5º da Carta Magna:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”

Incluído pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, o supracitado parágrafo

criou um rito próprio para que as normas internacionais de direito humanos sejam

equivalentes às emendas constitucionais. Com a inclusão do parágrafo 3º, criou-se

duas classificações para os direitos humanos incorporados: (a) acima do

ordenamento jurídico, mas abaixo das normas constitucionais – supralegal; (b) em

pé de igualdade com as normas constitucionais – constitucional.

Desde que aprovados conforme o rito destinado à aprovação das emendas

constitucionais, as normas de direitos humanos introduzidas no ordenamento

jurídico terão o peso daquelas, não podendo ser objeto de controle constitucional

difuso. Cabendo apenas ao STF, por meio do controle de constitucionalidade

concentrado, declará-las inconstitucionais,

Independentemente de sua origem, as garantias constitucionais podem ser

subdivididas em duas: as qualificadas e as simples. O constitucionalista Paulo

Bonavides (2006, p. 548) ensina que as garantias de primeiro grau, ou qualificadas,

são aquelas que circundam direitos, princípios e valores da Carta Magna, cuja a

alteração ou supressão, desconfiguraria o sentido do próprio conjunto de norma.

Além disso, elas:

privam o legislador constituinte, ou seja, o titular do poder de reforma constitucional da faculdade de emendar a Constituição para alterar cláusulas que o texto da lei maior rodeou de uma proteção máxima de intangibilidade, não podendo a matéria ali contida ser objeto sequer de deliberação da parte do poder constituinte derivado

Tais garantias limitam tanto o legislador constituinte derivado, quanto o

legislador ordinário. São tão rígidas, que não admitem nem mesmo a propositura de

emenda constitucional que vise alteração das normas e princípios sobre a sua égide.

34

As garantias constitucionais de primeiro grau estão expressas no art. 60 §4, da

CRFB:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I - a forma federativa de Estado;II - o voto direto, secreto, universal e periódico;III - a separação dos Poderes;IV - os direitos e garantias individuais.

O supracitado artigo não exaure as garantias qualificadas, essa classe é

composta ainda por outras garantias esparsas no texto constitucional, ou que

conduzem àquela cláusula, as ali inferidas, bem como as limitações tácitas ao poder

de reforma constituinte, como por exemplo uma proposta de emenda constitucional

que vise abolir o referido parágrafo do art. 60.

Ainda segundo os ensinamento de Paulo Bonavides (2006, p. 249), as

garantias contitucionais simples, ou de segundo grau, são aquelas que, ao contrário

das de primeiro grau, recaem apenas sobre o legislador ordinário. Não possuem o

poder de invalidar o poder constituinte reformador.

As garantias de segunda ordem não conferem aos preceitos consitucionais

proteção tão rígida quanto as de primeira ordem. Garantem proteção contra os atos

do legislador comum, mas poderão ser suprimidas pelo legislador constituinte

reformador, tratam-se, portanto, das garantias constituionais assegudas por

cláusulas não consideradas pétreas.

Paulo Bonavides (2006, p. 550) traz à discussão as novas garantias

constituicionais processuais introduzidas na constituição de 1998. Explica que o

constituinte inseriu intrumentos processuais capazes de efetiverem as garantias

constitucionais subjetivas, tais quais: mando de injunção, mandando de segurança

coletivo e o habeas data. Tema que será tratatado mais adiante, ao referir-se à

atuação do Ministério Público na proteção das garantias fundamentais.

No ordenamento jurídico nacional atual, os direitos e garantias fundamentais

possuem algumas caracterísicas próprias. Inicialmente nascidos às sombras das

concepções jusnaturalistas, ainda carregam de sua origem remota algumas

peculiaridades.

José Afonso da Silva (2011, p. 181) elenca os caracteres dos direitos e

garantias fundamentais nos dias de hoje: (a) Historicidade: como qualquer direito

35

são históriocs, nascem, modificam-se e desaparecem; (b) Inalienabilidade: São

intranferíveis, inegociáveis, não são de conteúdo econômico-patrimonial. Não se

pode desfazer deles, são conferidos a todos e são indisponíveis; (c)

Imprescritibilidade: Nunca perdem a exigibilidade. Não há intercorrência temporal de

não exercício que importe em prescrição do direito; (d) Irrenunciabilidade: Em que

pese possa não se exercer alguns direitos, jamais poderá se abdicar deles, não são

passíveis de renúncia.

Apesar da sua importância e de perfazerem os basilares da Lei Maior,

Alexandre de Moraes (2001, p.36) esclarece que os direitos e garantias

fundamentais não são absolutos, sendo na verdade relativos. Explica que quando

houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete

deve “utilizar-se do princíio da concordância prática ou da harmonização, de forma a

coordenar e combinar os bens jurídicos e conflito, evitando o sacrifício total de uns

em relação aos outros”.

Ponderando entre os interesses no caso concreto, o intérprete deve realizar

uma reduzação proporcinal de um em detrimento de outro e buscar o melhor

possível. Sua ações devem estar sempre em consonância e em harmonia com o

texto contitucuinal, jamais ignorando sua finalidade precípua. Por não serem

absolutos os direitos e garantias fundamentais, eles podem ser suprimidos por

outros de igual natureza, conforme o caso concreto.

Quanto aos destinatários da proteção estabelecidas pelos direitos e garantias

fundamentais, especialmente os elencados no art. 5º da CFRB, Alexandre de Moras

(2011, p. 38) explica que a expressão “residentes no Basil” tem o sentido de que a

Carta só poderá assegurar validade e gozo dos referidos direitos dentro do território

brasileiro, protegendo inclusive, o estrangeiro em trânsito pelo território nacional,

tendo igualmente acesso às ações para garantir tais direitos, como o mandado de

seguança e demais remédios. Sobre as pessoas jurídicas colhe-se:

Igualmente, as pessoas jurídicas são beneficiárias dos direitos e garantias individuais, pois reconhece-se às associações o direito à existência, o que nada adiantaria se fosse possível excluí-las de todos os seus demais direitos. Dessa forma, os direitos enunciados e garantidos pela constituição são de brasileiros, pessoas físicas e jurídicas.

36

Os direitos e garantias fundamentais, são na verdade a limitação imposta pelo

constituinte originário ao constituinte reformador. Asseguram que em território

nacional determinadas regras e princípios deverão ser sempre observados,

conferindo às pessoas físicas ou jurídicas proteções básicas, ora instituindo normas

de competência negativa, ora possibilitando o exercício de tais direitos

positivamente.

Os direitos e garantias fundamentais, não são, portanto, apenas preceitos a

serem seguidos pelos cidadãos. Além de possitivar os direitos inerentes à pessoa

humana, eles também instituem os mecanismos fáticos e jurídicos com os quais far-

se-ão valer os direitos assegurados na Carta Magna.

3.3 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E AS GARANTIAS E

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Contituição Federal de 1988 deu novo sentido ao Ministério Público. O

Ente Ministerial passou a ser essencial à função jurisdicional do Estado, sendo

incumbindo da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis.

O legislador originário postulou ao Ministério Público a função de guardião

maior dos direitos e garantias fundamentais. Considerado, por parte da doutrina,

como o quarto poder, cabe ao parquet zelar pelo efetivo cumprimento das leis e

observância dos princípios regentes da Carta Magna.

Como forma de balizar a atuação do promotor de justiça, no cumprimento da

sua função precípua, o art. 129 da CFRB estabeleceu como funções institucionais

do Ministério Público:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

37

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Neste sentido, como forma de alcançar os objetivos elencandos no art. 127: a

defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis; o legislador positivou no art. 129 os meios jurídicos que

estão à disposição do parquet, tratando-os como funções institucionais.

O art. 129 da CFRB, em seu inciso III, estabelece que cabe ainda ao parquet

a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses

difusos e coletivos.

Outrossim, o Código de Defesa do Consumidor (art. 82, I), legitimou o

Ministério Público para a defesa dos interesses individuais homogêneos. Cabendo a

instauração de ação civil pública para a defesa dos interesses difusos e coletivos, e

a ação civil coletiva para a defesa dos individuais homogêneos.

Para a defesa dos direitos e garantias fundamentais, o legislador concedeu

legitimidade ativa ao Ministério Público na propositura dos remédio heróicos

constitucionais.

O Ministério Público é, ainda, legítimo para propor mandado de segurança

para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas

data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou

jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade,

seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (art. 1º da Lei

12.016/09). Ainda determina a Lei do Mandado de Segurança em seu art. 12, que o

Minsitério Público será chamado a opniar no processo, fazendo às vezes de fiscal da

lei.

A Lei 4.717/65, regula a ação popular, que é intrumento processual a ser

utilizado por qualquer cidadão, nos termos do art. 1ª, para:

38

pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

O art. 1º da Lei concede legitimidade apenas a qualquer cidadão e não cita o

Ministério Público como interessado a promover a ação popular, porém devido às

características da instituição ela deverá sempre atuar como fiscal da Lei, também

deve acompanhar a ação, cabendo-lhe apressar a produção de prova, bem como

promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, e jamais

deverá defender o ato impugnado ou seus autores, segundo o art. 6º, §4 da Lei

4.717/65.

Em que pese não lhe caiba ingressar com a ação popular, caberá ao parquet

a substituição processual, sempre que o autor desistir da ação ou der motiva à

absolvição da instância.

Outrossim, do art. 16 extrai-se que após decorridos 60 dias da sentença

condenária e sem que haja a respctiva execução, caberá ao membro do Minsitério

Público promover a execução, após 30 dias, sob pena de falta grave.

Caberá também ao Ente Ministerial, se entender pertinente, recorrer a

segunda estância da sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação

(art. 19, §2º da Lei 7.717/65).

Outra forma de o Minsitério Público garantir o efetivo cumprimento das

garantias e direitos fundamentais, efetivados pela Carta Magna de 1988, é através

da propositura da ação penal.

A Constituição Federal, em seu art. 6, III, diz que caberá – privativamente –

ao parquet a promoção da ação penal. Assim, o promotor de justiça é o único capaz

de denunciar ao juízo o crime cometido pelo réu. Ressalva-se a única exceção à

regra, aquela trazida pelo art. 5ª, LIX, da Constituição Federal: “será admitida ação

privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”.

Ainda compete ao Ministério Público – privativamente – a instauração de

Inquérito Civil, que possui como características: inquisitoriedade, dispensabilidade,

39

formalismo moderado, oficialismo e publicidade. Explica Ricardo Cunha Chimenti

(2009, p. 431):

É inquisitivo porque não abriga a necessidade de contraditório, da realização de ampla defesa pelo investigado, já que dele não resultará a imposição de sanções. É dispensável porque não se constituem condição de procedibílidade para a ação civil pública. É formal por ser próprio da atuação estatal; os atos nele praticados são atos administrativos e o procedimento detém a natureza de procedimento administrativo. A informalidade (ou o formalismo moderado) não retira a necessidade de os atos praticados atenderem a requisitos que lhes sejam próprios (como o respeito à atribuição do agente, a publicidade etc.). O impulso *oficial (oficialismo) é resultante da possibilidade de a instauração ter início sem qualquer provocação externa, uma vez que ao membro do Ministério Público será possível a atuação de ofício. O inquérito é, por fim, regido pelo princípio da publicidade (também comum a todos os atos estatais). O sigilo, porém, poderá ser imposto ao procedimento, mas desde que presente motivo para tanto (como para a preservação da intimidade, da vida pessoal ou do interesse público). Em qualquer caso, o dever de conservar o conteúdo de documento recoberto por sigilo será transferido ao membro do Ministério Público que presídir o inquérito civil.

Se convencido de infração aos objetos tratados no art. 1º da Lei da APC,

promoverá ação civil pública; caso entenda pela inexistência de elementos capazes

de justificá-la, deverá enviar o Inquérito Civil para o Conselho Superior do Ministério

Público que promoverá o arquivmaneto do feito.

Visando dar guarida aos direitos fundamentais consagrados na Carta de

1988, o constituinte inscreveu o Ministério Público como co-responsável pela defesa

do interesse público primário (aqueles atinentes à toda coletividade). Para tanto lhe

conferiu a função de fiscal da lei, defensor do regime democrático – quando

formaliza a representação interventiva – e lhe determinou a tutela dos interesses

transindividuais a partiro do exercício do inquérito civil e da ação civil pública.

(CHIMENTI, 2009, p. 426).

Enfim, salienta-se no Ministério Público a enorme relevância institucional e o

papel de ativo guardião da juridicidade e legitimidade das relações que envolvam o

Estado, como vem decidindo o Supremo Tribunal Federal com foco no dinamismo e

no vanguardismo do Ministério Público, in literris:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. POLICIAL CIVIL. CRIME DE EXTORSÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE CONCUSSÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTROLE

40

EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL. DENÚNCIA: CRIMES COMUNS, PRATICADOS COM GRAVE AMEAÇA. INAPLICABILIDADE DO ART. 514 DO CPP. ILICITUDE DA PROVA. CONDENAÇÃO EMBASADA EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. DECISÃO CONDENATÓRIA FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA. 1. Legitimidade do órgão ministerial público para promover as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição, inclusive o controle externo da atividade policial (incisos II e VII do art. 129 da CF/88). Tanto que a Constituição da República habilitou o Ministério Público a sair em defesa da Ordem Jurídica. Pelo que é da sua natureza mesma investigar fatos, documentos e pessoas. Noutros termos: não se tolera, sob a Magna Carta de 1988, condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais públicas incondicionadas; como se o Ministério Público fosse um órgão passivo, inerte, à espera de provocação de terceiros. 2. A Constituição Federal de 1988, ao regrar as competências do Ministério Público, o fez sob a técnica do reforço normativo. Isso porque o controle externo da atividade policial engloba a atuação supridora e complementar do órgão ministerial no campo da investigação criminal. Controle naquilo que a Polícia tem de mais específico: a investigação, que deve ser de qualidade. Nem insuficiente, nem inexistente, seja por comodidade, seja por cumplicidade. Cuida-se de controle técnico ou operacional, e não administrativo-disciplinar. 3. O Poder Judiciário tem por característica central a estática ou o não-agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de fragilidade: quem diz o que seja “de Direito” não o diz senão a partir de impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo compensador daquele primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiqüíssimos nomes de “promotor de justiça” para designar o agente que pugna pela realização da justiça, ao lado da “procuradoria de justiça”, órgão congregador de promotores e procuradores de justiça. Promotoria de justiça, promotor de justiça, ambos a pôr em evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos. 4. Duas das competências constitucionais do Ministério Público são particularmente expressivas dessa índole ativa que se está a realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 (“II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”). É dizer: o Ministério Público está autorizado pela Constituição a promover todas as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição. A segunda competência está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no “controle externo da atividade policial”. Noutros termos: ambas as funções ditas “institucionais” são as que melhor tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a dianteira das coisas, se assim preferir. 5. Nessa contextura, não se acolhe a alegação de nulidade do inquérito por haver o órgão ministerial público protagonizado várias das medidas de investigação. Precedentes da Segunda Turma: HCs 89.837, da relatoria do ministro Celso de Mello; 91.661, da relatoria da ministra Ellen Gracie; 93.930, da relatoria do ministro Gilmar Mendes. 6. Na concreta situação dos autos, o paciente, na condição de policial civil, foi denunciado pelos crimes de formação de quadrilha (art. 288 do CP), extorsão (caput e § 1º do art. 158 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998). Incide a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o procedimento especial do art. 514 do CPP se restringe às situações em que a denúncia veicula crimes funcionais típicos. O que não é o caso dos autos. Precedentes: HCs 95.969, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; e 73.099, da relatoria do ministro Moreira Alves. Mais: a atuação dos acusados se marcou pela grave ameaça, circunstância que também afasta a necessidade de notificação para a resposta preliminar, dada a inafiançabilidade do delito. 7. Eventual

41

ilicitude da prova colhida na fase policial não teria a força de anular o processo em causa; até porque as provas alegadamente ilícitas não serviram de base para a condenação do paciente. 8. O Tribunal de Segundo Grau bem explicitou as razões de fato e de direito que embasaram a condenação do acionante pelo crime de concussão. Tribunal que, ao revolver todo o conjunto probatório da causa, deu pela desclassificação da conduta inicialmente debitada ao paciente (extorsão) para o delito de concussão (art. 316 do CP). Fazendo-o fundamentadamente. Logo, a decisão condenatória não é de ser tachada de “sentença genérica”. 9. Ordem denegada” (HC 97969/RS-RIO GRANDE DO SUL; HABEAS CORPUS; Relator(a): Min. AYRES BRITTO; Julgamento: 01/02/2011; Órgão Julgador: Segunda Turma5.

Portanto, resta induvidoso o papel institucional insubstituível que a

Constituição reservou ao Ministério Público, sobressaindo-se, nesse diapasão, as

atribuições relativas à interposição e promoção da ação civil pública, a qual será

objeto de estudo aprofundado no capítulo seguinte.

4 PROCESSO COLETIVO

4.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA

As ações coletivas (re)surgiram no Brasil, por influência direta dos

processualistas italianos, na década de setenta. Fredie Didier Jr. E Hermes Zanti Jr

(2011, p. 28) explicam que embora as ações coletivas não tenham surgido na

Europa, o direito brasileiro inspirou-se nos congressos, livros e artigos jurídicos

publicados por lá naquela época. Buscou-se ali os elementos teóricos para a criação

das ações coletivas brasileiras,

Colhe-se, ainda, dos ensinamentos dos mesmo autores (2011, p.35), que as

ações coletivas surgem em razão de uma particular relação entre a matéria litigiosa

e a coletividade que almeja a tutela jurídica para a dissolução do litígio. Sendo que

não é importante para esta classificação a estrutura subjetiva do processo, e, sim, a

matéria litigiosa nele discutida:

por isso mesmo, pelo menos em termos de direito brasileiro, a peculiaridade mais marcantes nas ações coletivas é a de que existe a permissão pra que, embora initeressando a uma série de sujeitos

5 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=minist%E9rio+e+p%FAblico+e+relev%E2ncia+e+institucional+&base=baseAcordaos. Acesso em 23 de outubro de 2011.

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distintos, identifícaveis ou não, possa ser ajuizada e conduzida por iniciativa de uma única pessoa.

A lei Ação Civil Pública, segundo Gregório Assagra de Almeida (2010, p. 242),

foi o primeiro grande marco histórico no Brasil do movimento de coletivização do

direito processual, ou em outras palavras, o surgimendo da representação em juízo

dos interesses difusos, que surgiu – em âmbito mundial – na década de 60 do

século XX nos Estados Unidos da América, não obstante tenhamos também de

reconhecer que, desde 1965, já havia sido criada entre nós a ação popular, por meio

da Lei Federal nº 4.717/65, sem o mesmo impacto inicial, no entanto.

Regulada pela Lei n. 7.347/85, a Ação Civil Pública vissa tutelar o coletivo,

buscando a responsabilisação por danos causados ao meio-ambiente, ao

consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico e, ainda, dando outras providências

A lei da Ação Civil Pública, em seu art. 1º, elenca os objetos tuteláveis através

da propositura da ação, quais sejam: o meio-ambiente; o consumidor; os bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; qualquer outro

interesse difuso ou coletivo; infração da ordem econômica e da economia popular e

a ordem urbanística

O referido artigo traz ainda em seu parágrafo único a vedação da propositura

da Ação Civil Pública para tutelar pretensões que envolvam tributos, contribuições

previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos

de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente

determinados (a inconstitucionalidade deste parágrafo será abordada mais adiante).

Em seu art. 2º estabelece as competências para a propositura, enquanto em

seu art. 5º, traz os legitimados:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;V - a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

43

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Em que pese ter surgido no ano de 1985, explica Gregório Assagra de

Almeida (2010, p. 243), que o grande momento histórico da tutela coletiva no Brasil

foi com a Constituição Federal de 1988:

A Constituição Federal de 1988, rompendo com o sistema de tutela jurídica individualista, consagrou no Brasil, um novo sistema jurídico, que é aberto (§2º do art. 5º), dinâmico (art. 1º – princípio domocrático) e de tutela jurídica ampla ou irrestrita 9art. 5º XXXV, da CF), seja em relação aos direitos individuais, seja em relação aos direitos massificados (coletivos em geral).

A partir da Carta de 1988 a Ação Civil Coletiva passou a ter caráter

constitucional. Garantiu-se, ainda, a legitimidade ativa de referida Ação na defesa de

todo interesse difuso e coletivo, conforme art. 129, III. Denota-se do inciso, que ao

falar em todo interesse difuso e coletivo, o legislador originário não exauriu o rol,

pelo contrário, pode-se dizer que para ser tutelável por Ação Civil Pública basta que

o direito seja classificado como direito coletivo.

Assim, não é competente, quer seja o legislador reformador, quer seja o

legislador originário, para limitar a ação de referido instrumento. Sua amplitude de

atuação, constitucionalmente garantida, só será regulada pela classificação do

objeto pretendido enquanto direito coletivo ou difuso.

Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), em seu art.

81, III, trouxe para a égide das ações coletivas os interesses individuais

homogêneos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

44

Em que pese, em seu art. 91, o CDC determine que para a defesa dos

interesses induviais homogêneos o instrumento cabível é a Ação Civil Coletiva e não

Ação Civil Pública, este trabalho monográfico tomará uma pela outra, congratulando

com o Doutor José Marcelo Menezes Vigliar (2002, p. 441-457), que brilhantemente

demonstra que não existe razões para se diferenciar uma ação da outra. Também é

esse o entendimento de Roberto Senise Lisboa (2007, 556), das melhores doutrinas

e do Superior Tribunal de Justiça:

É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei de mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante de seu contexto. O art. 21 da Lei 7.347/8 (inserido pelo art. 117, da Lei 8.078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos. (RT 720/289)6

Não resta dúvida, portanto, que está destinada a Ação Civil Pública a

defender todo interesse coletivo, não importando se seria difuso, coletivo ou

individual homogêneo.

Através da inserção do art. 21 na Lei da ACP, determinou-se que: “Aplicam-se

à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível,

os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Ocorreu a fusão dos dois diplomas legais, não se podendo mais analisar cada um

deles isoladamente.

Com a conexão criada entre as leis, criou-se um microssistema de tutela

jurisdicional coletiva comum. Estabeleceu-se normas a tutelar o direito material e

processual coletivo. Por exemplo, o art. 103 do CDC, que diz expressamente não

haver litispendência entre uma ação coletiva e uma ação individual.

Uma vez que os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos podem

ser buscados individualmente, o art. 104, da Lei 8.078, estabelece que não existirá

litispendência entre as ações coletivas e as ações individuais.

Quanto ao foro competente para a propositura da Ação Civil Pública, o art. 2º

da Lei. 7.347/82, determina que será o juízo do local no qual se efetivou o dano ou

ameaça de dano. Roberto Senise Lisboa (2002, 572) explica, que quando o dano

houver ocorrido em mais de uma comarca, o caso será de competência concorrente, 6Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 05 de outubro de 2011

45

solucionando-se pela prevenção do juízo. Trata-se de competência funcional,

portanto, absoluta, não podendo ser alterada por conexão com outra ação.

A competência será via de regra da Justiça Estadual, mesmo tratando-se de

proteção do patrimônio público ou do meio ambiente. Apenas será de competência

da Justiça Federal quando a União ou suas entidades, referidas no artigo 109 da

Constituição da República, tiverem tiver interesse no feito (RSTJ 28/40, STJ, CC

2.230, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 26..11.1991).7

Inexiste foro privilegiado por prerrogativa de função pública exercitada pelo

demandado, pois tal deslocamento de competência somente se verifica para a

apuração de ilícito penal. (LISBOA, 2002, p. 573)

Via de regra será, portanto, a Justiça Estadual responsável pela demanda, e

seus tribunais responsáveis pelo segundo grau de jurisdição. Somente haverá

deslocamento para a Justiça Federal quando a União tiver interesse jurídico no feito.

Como o art. 103 do CDC é perfeitamente aplicável à Ação Civil Pública, uma

vez que juntos formam o já explicado microssistema de processo coletivo, os efeitos

da coisa julgada, que trate de interesse coletivo, serão erga omnes, porém

delimitados à competência territorial do órgão judiciário que a proferiu (art. 16 da Lei

7.347/85).

Quando se tratar de sentença acerca do interesse coletivo, a coisa julgada

terá efeitos ultra partes, alcançando o grupo, classe ou categoria de pessoas cujas

necessidades ou utilidades foram coletivamente tuteladas em juízo.

Todavia, caso trate-se de uma ação coletiva que cuide dos interesse

individuais homogêneos, a coisa julgada ensejará efeitos erga omnes, embora

somente quando da procedência do pedido.

Após o trânsito em julgado da sentença, inicia-se a liquidação e execução

judicial. Se tratar-se de obrigação de fazer ou não fazer, operar-se-á a execução

forçada, conforme art. 84 da Lei 8.078/90. Se houver condenação em dinheiro, nos

casos de interesse difuso e coletivo, o valor será destinado a um fundo gerido por

um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais (art. 13 da Lei 7.347/85).

Tratando-se de condenação referente a interesse individual homogêneo,

conceder-se-á o prazo de um ano – após o trânsito em julgado – para que os

interessados promovam as respectivas habilitações de crédito. Ressalta-se que tal

7Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 08 de outubro de 2011

46

sentença será sempre ilíquida, e o quantum indenizatório será apurado na fase de

liquidação e execução.

4.2 MINISTÉRIO PÚBLICO E AÇÃO CIVIL PÚBLICA: UMA ANÁLISE

DA JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA

O Ministério Público é um dos legitimados a propor a Ação Civil Pública na

defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Inserido no

inciso I do artigo 1º da Lei 7.347/85, que traz referido rol, o ente Ministerial por vezes

tem enfrentando dificuldades para alcançar sua função precípua.

Este item do terceiro capítulo, terá como escopo levantar alguns pontos

controvertidos na doutrina e jurisprudência. Tomando por base os posicionamento

dos principais Tribunais do país, analisar-se-ão as questões controvertidas quando

da propositura de Ação Civil Pública pelo Ministério Público.

Inicialmente, cumpre-se esclarecer que o Ministério Público, ao acionar o

Poder Judiciário, pleiteando a defesa dos interesse difusos, coletivos ou individuais

homogêneos atuará, sempre, como substituto processual.

Depreende-se dos ensinamentos de Teoria Albino Zavascki (2006, p. 147):

O Ministério Público estará sempre defendendo não um direito próprio, e sim um direito alheio. Direito, ou de toda a comunidade, ou de pessoas indeterminadas, ou determinadas por classes, categorias ou grupes. Trata-se, portanto, de legitimação extraordinária, para a qual se exige habilitação legal específica, a teor do art. 6° do CPC. Quem defende em juízo, em nome próprio, direito de que não é titular, assume, no processo, a condição de substituto processual. Assim, o Ministério Público, autor da ação civil pública, é substituto processual.

Entender-se o parquet como mero substituto processual mostra-se

importante, gerando consequências jurídicas. Waldemar Mariz de Oliveira Jr (1971,

p.90), citando Chiovenda, explica que como consequência de ser substituto

processual, o promotor não pode praticar nenhum ato que, direita ou indiretamente,

resulte em disposição de direito material, que não lhe pertence.

Desta forma, entende a doutrina, não ser possível a transação ou o

reconhecimento do pedido nas ações coletivas propostas pelo Ministério Público, por

47

não serem faculdades próprias à substituição processual. Contudo, a

impossibilidade de transacionar, não impede o parquet, nas ações que tenha por

objeto obrigação de fazer ou não fazer, de acordar com o réu o modo de

cumprimento à prestação exigida.

Estabelecida a relação de substituto processual, restou a dúvida sobre quais

direitos o Ministério Público seria legitimado a postular no lugar do próprio titular,

especialmente no tocante aos interesse individuais homogêneos.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, doutrina e

jurisprudência, questionaram se caberia ao Ministério Público a defesa em juízo dos

interesses do consumidor isolado ou de pequenos grupos de consumidores, vítimas

de um dano de origem comum.

A resposta pode ser obtida analisando-se o art. 127 da Constituição Federal

de 1988: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

Observa-se, que o legislador legitimou o Ministério Público apenas para a

defesa dos interesses individuais indisponíveis. Desta forma, deve-se analisar o art.

81, III, do CDC, à luz da Carta Magna. Assim, a defesa dos interesses individuais

pelo parquet só caberá quando estes forem indisponíveis, ou seja, “aqueles dos

quais diz a palavra não se puder dispor, porque integrados na personalidade

humana”. (CORREA, 1991, p. 170)

Assim, entende a melhor doutrina, aqui representada por Hugo de Brito

Machado (v. 698, p. 27-28): "Não se pode admitir a defesa, pelo Ministério Público,

de um direito individual disponível, ao argumento de que se trata de um direito

homogêneo. Como já dissemos, isso aplicaria admitir a prática da advocacia pelo

Ministério Público”.

Com este mesmo entendimento, o STJ em Resp. 248.281/SP8, entendeu pela

ilegitimidade do Ministério Público para tratar de interesses dos contribuintes,

relativamente ao ICMS. Alegou, para tanto, que o interesse tributário, relativo ao

ICMS, tratava-se de direito individual disponível e, portanto, deveria ser pleiteado

invidualmente. Em mesmo ácordão, cita que a legitimidade do Ministério Público é

para cuidar de interesses sociais difusos ou coletivos e não para patrocinar

interesses individuais privados e disponíveis.

8Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 12 de outubro de 2011

48

Baseada nessa premissa, bem como o parágrafo único, do artigo 1º da Lei da

ação civil pública, a jurisprudência pátria tem entendido pela ilegitimidade do

Ministério Público para a defesa dos interesses tributários dos cidadãos. Colhe-se

dos julgados do Superior Tirbunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DE TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ILEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NATUREZA TRIBUTÁRIA.1. É juridicamente impossível a propositura de ação civil pública que tenha como objeto mediato do pedido Taxa de Iluminação Pública municipal.2. O artigo 1°, § único da Lei de ação civil pública (Lei nº 4 7.347/85) dispõe que: `Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço —FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Vide Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.8.2001)'3. A Taxa de Iluminação Pública tem inequívoca natureza tributária, posto encartada na definição de tributo do CTN, in verbis: 'Art. 3° Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.'4. Recurso especial desprovido" (STJ, 1= Turma, REsp 778.936/SC, relator: Ministro Luiz Fux, j. em 20/9/2007, DJ 18/10/2007, p. 273)9.

"PROCESSO CIVIL — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TRIBUTO (IPMF) — AJUIZAMENTO POR ÓRGÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR — RECONHECIDA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA — RECURSO ESPECIAL — PRETENDIDA REFORMA — ALEGADA AFRONTA AO ART. 535 DO CPC — RECURSO NÃO PROVIDO.[...]2. Segundo disciplina o parágrafo único do artigo 1° da Lei da Ação Civil Pública, `não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados'.3. Consoante já realçado pela jurisprudência, o contribuinte `não é consumidor, no sentido da lei, desde que, nem adquire, nem utiliza produto ou serviço, como destinatário (ou consumidor) final e não intervém em qualquer relação de consumo' (REsp n° 57.645/PR, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 19.6.95). Confiram-se, também: REsp nº 308.745, .Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28/11/2005 e REsp n° 302.647, Rei. Min. Franciulli Netto, DJ de 4/8/2003.

9Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de outubro de 2011

49

4. Recurso especial não provido" (STJ, 2= Turma, REsp 1033689/SP relatora: Ministra Eliana Calmon, j. em 12/8/2008, DJe 8/9/2008).10

Todavia, Humberto Theodoro Júnior (2011, p. 523) disserta com maestria

sobre a possibilidade de existir um interesse dúbio sobre um mesmo objeto.

Esclarece que muitas vezes poderão haver hipóteses em que haja tanto a existência

de um interesse individual e disponível, quanto de um interesse inerente a toda a

sociedade. Explica que, às vezes, num só ato, dois interesses são lesados: um de

natureza divisível. Individual, subjetiva, cuja defesa deve ser buscada pelo próprio

lesado; e outro, de caráter indivisível, coletivo e difuso, de interesse social, cuja

proteção deve ser exercida pelo Ministério Público, porque uma vez ignorados

trariam grandes transtornos para a sociedade:

O Ministério Público, então, estaria legitimado não pelo simples fato de haver uma soma de interesses idividuais, mas sim pelo fato de a lesão a um direito subjetivo desse tipo causar repercussões prejudiciais a toda coletividade. Seria, então, o interesse social, como direito difuso, que estaria sendo protegido e tutelado pelo Ministério Público, e não apenas os direitos individuais homogêneos dos diversos prejudicados de per si.

Neste mesmo norte, o STF sumulou, por exemplo, a legitimidade do Ministério

Público para promover ação civil pública tendo como objeto a ilegalidade de reajuste

de mensalidades escolares. Depreende-se da Súmula n° 64311, do STF: “O

Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento

seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares”.

O Ministério Público, então, estaria legitimado não pelo simples fato de haver

uma soma de interesses idividuais, mas sim pelo fato da lesão a um direito subjetivo

desse tipo causar repercussões prejudiciais a toda coletividade. Seria, então, o

interesse social, como direito difuso, que estaria sendo protegido e tutelado pelo

Ministério Público, e não apenas os direitos individuais homogêneos dos diversos

prejudicados.

Nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE

213.63112, em voto do Ministro Sepúlveda Pertence, entendeu que não se pode dizer

que “qualquer feixe de pretensões individuais homogêneas, seja qual for o seu

10Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 10 de outubro de 201111Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 10 de outubro de 201112Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 12 de outubro de 2011

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objeto, possa ser tema da tutela jurisdicional coletiva por iniciativa do Ministério

Público”. Alegou para tanto, que não bastaria a simples homogeneidade dos

interesses individuais de um número significativo de pessoas, mas seria necessário

também um efetivo dano a coletividade”.

Desta forma, quando não se entende, que além de causar um dano individual

e disponível, o fato também gere um dano à coletividade, não caberá ao parquet

ingressar com ação de cunho coletivo em prol do ofendido. Colhe-se tal

entendimento, por exemplo, da jurisprudência do STJ, que em julgamento do Resp.

740.850/RS13, pela 1ª Turma, proferiu que “falece legitimidade ativa ao Ministério

Público para propor ação ordinária, como substituto processual no sentido de

defender interesse individual de determinada pessoa a exame médico, mormente

quanto existe, na localidade, Defensoria Pública”.

Contudo, uma vez configurado o dano à coletividade, caberá ao Ministério

Público atuar como substituto processual, e por meio de ação civil pública defender

os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Estando o parquet

legitimado, há de se estabelecer a qual dos Ministérios Públicos caberia a defesa de

determinados direitos.

Na defesa dos referidos direitos, o art. 5º, §5º da Lei 7.347/85, esclarece que

admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os diversos Ministérios Públicos. Não

obstante, a questão mostra-se controvertida ao se determinar perante qual Justiça

tramitará a ação coletiva proposta: federal ou estadual.

Não há lei específica que regule se os diversos Ministérios Públicos podem

demandar em qualquer Justiça, restando bastante complicada a situação. Há,

basicamente, duas correntes doutrinárias que tratam do tema. A primeira, defende

que vinculam-se os ramos do Ministério Público às respectivas justiças. A

identificação, entre federal ou estadual – dar-se-á pela competência para julgar a

matéria em questão. Se se tratar de matéria de competência da Justiça Federal, o

MPF deverá propor a ação; se da Justiça Estadual, caberá ao Ministério Público

Estadual; e se da Justiça do Trabalho, será o caso da o MPT propor a ação

(ALMEIDA, 2001, p. 98-103).

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2011, p. 342-344) por sua vez,

defendem a segunda corrente, que por sua vez, entende que o Ministério Público,

qualquer que seja ele, poderá exercer suas funções em qualquer justiça. Bastando

13Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de outubro de 2011

51

para tanto, ser de sua atribuição a causa que venha a demandar, caso seja, poderá

fazê-lo perante qualquer órgão do Poder Judiciário. Os processualistas expõem,

com singular sabedoria, alguns fundamentos para tanto:

a) A delimitação das funções de cada Ministério não está constitucional vinculada à competência dos órgãos judiciais, sendo objeto das leis complementares. A LC 75/93 (art. 37, II) é explícita ao anunciar o exercício das funções ministeriais federais nas causas de quaisquer juízes ou tribunais.b) Não se pode equiparar o MPF à União ou a um de seus entes, de modo a sua simples presença na relação jurídica processual determinasse a compete em razão da pessoa da Justiça Federal, quer porque a sua atuação é desvinculada dos entes políticos, quer porque o rol do art. 109 da CF/88 é exaustivo e: não há referência ao Ministério Público Federal.c) A expressa autorização para o litisconsórcio facultativo entre Ministérios Públicos para a propositura de ação civil pública (art. 50, §5°, Lei F n° 7.347/85) revela nitidamente a possibilidade de o Ministério Público demandar em Justiça que não lhe seria correspondente. Esse litisconsorce facultativo e unitário; como tal, exige que cada um dos litisconsortes, só tenha legitimidade para demandar o mesmo pedido, fato que por si já demonstra o acerto da tese ora defendida.d) Se assim não fosse, o Ministério Público Estadual ficaria na dependência da atuação do MPF, que, se não agisse, impediria aquele de exercer as suas atribuições, demandando, por exemplo, uma ação civil pública por dano ambiental contra um ente público federal. Trata-se de um absurdo que, por si, já justificaria essa corrente defendida.e) O titular do direito de ação é o MP como instituição e não por seus órgãos fragmentados.f) Como ficaria, assim, a presentação do Ministério Público Estadual nos tribunais superiores? Somente o Ministério Público Federal poderia neles atuar? Quem faria a sustentação oral de um recurso especial interposto por um procurador de justiça? O subprocurador-geral da república?g) Como ficaria, por exemplo, a situação do MP Estadual diante da negativa de informações não-sigilosas por autoridade coatora vinculada à União (p. ex.: delegado Chefe da Receita Federal)? Ocorre, no caso, que a solicitação é dó próprio órgão do MPE, portanto a autoridade coatora (Delegado Chefe da Receita Federal) é responsável por obstaculizar, mediante ato ilegal e abusivo, as atribuições investigativas do parques estadual. Como o "direito" atingido é do MPE, como órgão, por óbvio é ele que detém a legitimidade autônoma e ordinária para a impetração do mandado de segurança, que, no caso, não é uma ação coletiva, mas, sim, uma demanda para a tutela do poder-dever do MP, que foi ofendido. Observem, ainda, que a competência será da Justiça Federal, embora o autor seja. o MPE, mas o MPF deverá manifestar-se como custos legis, por força do art. 10 da LMS, já que se trata de direito referente às atribuições do órgão (manifestação obrigatória de

52

mérito), sendo nítido exemplo de atuação conjunta do MP como órgão agente e órgão interveniente.

Entende-se que a corrente doutrinária que melhor elucida a questão é a

segunda, uma vez que os § 5° e 6° do art. 20 do Anteprojeto do Código Brasileiro de

Processos Coletivos contêm a seguinte redação: "§ 5° Os membros do Ministério

Público poderão ajuizar a ação coletiva perante a Justiça federal ou estadual,

independentemente da pertinência ao Ministério Público da União, do Distrito

Federal ou dos Estados, e, quando se tratar da competência da Capital do Estado

(artigo 24, inciso III) ou do Distrito Federal (artigo 24, inciso IV), independentemente

de seu âmbito territorial de atuação. § 6° Será admitido o litisconsórcio facultativo

entre os legitimados, inclusive entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito

Federal e dos Estados".

Na realidade, há um "acordo de cavalheiros" entre os diversos Ministérios

Públicos, cada qual "cuidando das causas de sua Justiça". Entretanto, se existir o

conflito de competências, a questão ainda não foi dirimida por completo, toma-se

como exemplo o STJ, que em julgamento da Primeira Turma, no Resp n. 440.002-

SE, tendo como relator o Min. Teori Zavascki, em 18.11.2004, publicado no DJ em

06.12.2004, optou por seguir a primeira corrente doutrinária aqui apresentada.

(Didier Jr, 2011, p. 344)14.

14 Pode-se mencionar, também, que o Supremo Tribunal Federal aderiu a esta primeira corrente, uma vez que seus julgados são no sentido de que se houver interesse federal envolvido, a atribuição será do Ministério Público Federal, e perante a Justiça Federal, senão vejamos, in literris:

Ementa “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. AUTARQUIA ESPECIAL. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 102, I, f, e 109, I, CF. 1. Trata-se de conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual a respeito dos fatos constantes de procedimento administrativo. 2. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público Federal e do Estado do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar conflito entre órgãos de Ministérios Públicos diversos. 3. Os fatos indicados nos autos evidenciam o interesse jurídico da União, aqui consubstanciado no efetivo exercício do poder de polícia da Agência Nacional do Petróleo, evidenciando a atribuição do Ministério Público Federal para conduzir a investigação. 4. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro” (ACO 1136 /RJ - RIO DE JANEIRO; AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 04/08/2011; Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Ementa DIREITO PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. COMPETÊNCIA DO STF. POSSÍVEL CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE PERPETRADO POR MAGISTRADO. FATO OCORRIDO DURANTE O PLEITO ELEITORAL. CRIME COMUM. JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Suposto conflito de atribuições entre membros do Ministério Público do Estado do Amapá e do Ministério Público Federal, relacionados a suposto cometimento de crime de abuso de autoridade por Juiz Eleitoral Auxiliar. 2. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da

53

Em que pese, entender-se pela legitimidade ativa de qualquer Ministério

Púbico, para demandar em qualquer uma das Justiças, caberá sempre ao

magistrado da justiça acionada. Inicialmente deve-se analisar se é competente a

Justiça à qual se recorreu, para, após, então, analisar-se a legitimidade do Ente

Ministerial (ZAVASKI, 2006, p. 140):

Essa, a da legitimidade, é uma questão logicamente posterior à da fixação de competência. A existência ou não da legitimação ativa deve ser apreciada e decidida pelo juiz considerado competente para tanto, o que significa que a questão de competência antecede à da legitimidade ativa.

Outro ponto controvertido na doutrina, é a legitimação do Ministério Público

para propor ação civil pública para tutela do patrimônio público, conforme art. 129, II,

da Constituição Federal. Juntamente com o meio ambiente, referido artigo traz o

“patrimônio público”, como objeto a ser tutelado por ação civil pública.

Não há divergência de que eventual lesão ao patrimônio público, configurará,

também, lesão ao interesse de toda a sociedade. Todavia, não se pode olvidar, que

o patrimônio público é formado por bens e direitos pertencentes às pessoas jurídicas

de direito público.

O dano ao patrimônio público será necessariamente suportado por alguma

entidade de direito público, que deverá buscar o ressarcimento pelas vias judiciais.

Ocorre que o art. 129, IX, veda expressamente o exercício da representação judicial

e consultoria jurídica a entidades públicas, pelo Ministério Público.

Assim, há, de um lado, a legitimidade do Ministério Público para a defesa do

interesse público, e, por outro lado, há a vedação da sua atuação como mero

representante judicial da administração pública. Assim, resta um conflito de normas

constitucionais, que devem ser analisadas de forma a respeitar a harmonização da

Carta.

Pedro Lenza (2003. p. 95), com abundante referência doutrinária no mesmo

sentido, defende que a atuação do Ministério Público ocorra apenas em caráter

República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público do Estado do Amapá e do Ministério Público Federal diante da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 3. Crime de abuso de autoridade não tipificado no Código Eleitoral. Ausência de competência da Justiça Eleitoral. 4. Conflito conhecido, para declarar a atribuição do órgão de atuação do Ministério Público do Estado do Amapá.

ACO 1010 / AP – AMAPÁ; AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 04/08/2011; Órgão Julgador: Tribunal Pleno.

54

subsidiário à dos agentes estatais. Em contrapartida, há uma corrente minoritária e

ainda mais restritiva, ao defender que para efeito de legitimação ativa do parquet, a

defesa do patrimônio público e social, que se refere o art. 129, II da CFRB

(DINARMACO, 2000, p. 413):

é estritamente aquele conjunto de valores integrantes da constelação que se chama interesse difusos ou coletivos, os quais, necessariamente, não têm e não podem ter um titular personificado. Não fora assim, admitir-se-ia ação civil pública e o Ministério Público teria legitimidade ativa toda vez que se tratasse de defender o patrimônio de qualquer entidade estatal ou paraestatal.

Teori Albino Zavascki (2006, p.145), explica que a solução da polêmica,

encontra dificuldades em se traçar os limites entre os dois campos: o da atuação do

Ministério Público e o da atuação da entidade pública lesada. Para tanto, entende

que não será a simples existência de lesão ao patrimônio público, que legitimará a

atuação do parquet, essa legitimação se dará apenas em casos extraordinários.

Situações em que o patrocínio judicial – promovido pelo Ministério Público – em

defesa do patrimônio público, vislumbre a defesa de um interesse superior, como

aquele que transcende ao interesse ordinário da pessoas jurídica titular do direito

lesado.

O STJ no julgamento, pela 1ª Turma, do REsp 246.698, tendo como relator o

Ministro Teori Albino Zavascki, se posicionou neste mesmo norte:

Processual civil —Ação civil pública em defesa do patrimônio público — Hipóteses de cabimento — Legitimidade do Ministério Público — Limites. 1. A função institucional do Ministério Público, de promover ação civil pública em defesa do patrimônio público, prevista no art. 129, III, da Constituição Federal, deve ser interpretada em harmonia com a norma do inciso IX do mesmo artigo, que veda a esse órgão assumir a condição de representante judicial ou de consultor jurídico das pessoas de direito público. 2. Ordinariamente, a defesa judicial do patrimônio público é atribuição dos órgãos da advocacia e da consultoria dos entes públicos, que a promovem pelas vias procedimentais e nos limites da competência estabelecidos em lei. A intervenção do Ministério Público, nesse domínio, somente se justifica em situações especiais, em que se possa identificar, no patrocínio judicial em defesa do patrimônio público, mais que um interesse ordinário da pessoa jurídica titular do direito lesado, um interesse superior, da própria sociedade. 3. No caso, a defesa judicial do direito à reversão de bem imóvel ao domínio municipal, por alegada configuração de condição resolutória da sua doação a clube recreativo, é hipótese que se situa no plano dos interesses ordinários

55

do Município, não havendo justificativa para que o Ministério Público, por ação civil pública, atue em substituição dos órgãos e das vias ordinárias de tutela. 4. Recurso especial a que se nega provimento.

Deve, portanto, o parquet observar se o dano ao patrimônio público alcança

um interesse superior, passando a atingir toda a coletividade. Não agindo com tal

cautela, correrá o risco de fazer as vezes de advogado do poder público, o que

expressamente vedou o legislador originário.

Diante de tamanhas divergências e dúbias interpretações, surgiu, entre os

anos de 2002 e 2008, um forte e polêmico movimento pela codificação do Direito

Processual Coletivo. Percebeu-se que a codificação ou sistematização do Processo

Coletivo em um único diploma normativo, certamente, traria maior uniformidade às

interpretações. (DONIZETTI, 2010, p. 33)

O debate acerca do tema, resultou na elaboração de dois códigos-modelos e

duas propostas de anteprojeto, ideias abandonadas no ano de 2008, quando o

Ministério da Justiça constituiu comissão especial de jurista e operados de direitos,

com a missão de elaborar um anteprojeto de nova lei sobre a ação civil pública.

O trabalho da comissão resultou no Projeto de Lei 5.139/200915, que

atualmente tramita no Congresso Nacional. Apesar de algumas críticas da doutrina,

Elpídio Donizetti (2010, p. 35) entende que:

o PL 5.139/2009 não se furta ao objetivo de uniformização do conjunto de princípios e regras que disciplinam o processo coletivo, o que talvez consista no seu principal mérito. A disciplina do Direito Processual Coletivo somente tem a ganhar com a sua sistematização uniforme e ordenada, a qual ensejará, certamente, maior efetividade na tutela coletiva.

A eventual aprovação do referido Projeto de Lei, com certeza, não findará

com todas as divergências existentes, mas será um importante passo para a efetiva

garantia dos direito difusos, coletivos e individuais homogêneos. A dicotomia do

processo individual e do processo coletivo, parece o melhor caminho para – senão

findar – diminuir substancialmente as divergentes posições sobre os direitos

coletivos e sua tutela. Certamente é um avanço jurisdicional no ordenamento jurídico

pátrio, que será festejado pelos operadores jurídicos.

15 Disponível em www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=432485. Acesso em 20 de outubro de 2011.

56

4.3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA PROPOSITURA

DE ACP EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

A Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, traz em seu art. 1º,

parágrafo único que “não será cabível ação civil pública para veicular pretensões

que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários

podem ser individualmente determinados”.

Supracitado parágrafo foi acrescentado à LACP por meio da Medida

Provisória nº 2.180-35/2001, e constituiu novo ataque do Poder Executivo às

demandas coletivas. Esclarece-se que, anteriormente, por meio da Medida

Provisória nº 1.570-5/97 (convertida na Lei nº 9.494/97), o Poder Executivo restringiu

a eficácia da coisa julgada coletiva conforme os limites da competência territorial do

órgão judicial, utilizando-se do instituto da medida provisória, para legislar em causa

própria.

Elpídio Donizetti (2010, p. 190), em feliz entendimento, revela que trata-se de

disposição flagrantemente inconstitucional, uma vez que viola as garantias da

inafastabilidade do Judiciário e do amplo acesso à justiça das coletividades (art. 5º,

XXXV, da CRFB), alega ainda, que, referido dispositivo, também fere os princípios

da proporcionalidade, razoabilidade e moralidade administrativa (art. 37, caput, da

CRFB), bem como da economia processual.

Feliz síntese também é trazida, neste mesmo norte, por Nelson Nery Junior e

Rosa Maria de Andra Nery (2004, p. 1418):

O parágrafo ora comentado exclui da apreciação judicial ameaça ou lesão a direito, em desobediência intolerável à Carta Magna e, portanto, ao estado democrático de direito (CF 1° caput). Ainda que se entenda que a norma comentada apenas limitaria o pedido judicial, na verdade proíbe o ajuizamento de ação coletiva nos casos que enumera. É flagrante a inconstitucionalidade, notadamente porque a norma é oriunda do Chefe do Poder Executivo federal, que legisla em causa própria e proíbe que o Poder Judiciário examine pretensões coletivas contra ato dele, Poder Executivo. A proporcionalidade, a razoabilidade e a moralidade administrativa (CF 37 caput) são desrespeitadas pelo parágrafo incluído pela MedProv 2180-35

57

Ao analisar-se a referida vedação, salta aos olhos sua inconstitucionalidade,

tanto formal, como material. Apresenta vícios de ordem formal, uma vez que foi

inserida por medida provisória; e vícios materiais, que mais adiante serão expostos.

A medida provisória é instrumento a ser utilizado pelo Poder Executivo para

legislar em casos excepcionais. Contida do art. 62 da Carta Magna, tem a seguinte

redação: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá

adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao

Congresso Nacional.”

A primeira inconstitucionalidade latente, é a inobservância dos requisitos para

a sua edição. O legislador reformador – diga-se da passagem – concedeu a

capacidade ao Poder Executivo, de, em certo casos, agir como Poder Legislativo.

Para tanto, estabeleceu serem imprescindíveis a relevância e urgência, como

condição à legitimação extraordinária.

Nesse sentido, disserta, com singular sabedoria, o professor Maurício Muriack

de Fernandes e Peixoto (2006, p. 6):

Assim, a Medida Provisória, em tese, deveria ser um instrumento excepcional de resolução de problemas absolutamente insuscetíveis da espera comum da maturação no forno legislativo das casas congressuais, significando a prerrogativa atípica do Poder Executivo de expedir ato normativo dotado de eficácia imediata que viesse a se antecipar e prevenir litígios e conflitos sociais de toda ordem, não significando, no entanto, porta escancarada para a deflagração de uma predatória e inominável concorrência normativa com o Poder Institucional dotado da função ordinária de legislar, salientando-se, decerto, a natureza eminentemente extraordinária das referidas MP´s.

A vedação trazida a ensejo, não cumpre tais requisitos, já que a matéria não

se reveste de relevo e urgência, a ponto de não poder o legislativo resolver sobre a

questão. A medida provisória é instrumento extraordinário, a ser usado de forma

cautelosa, não com o escopo de satisfazer os desejos do chefe do executivo.

Ademais, em seu parágrafo primeiro, o art. 62 da CFRB, apresenta os objetos

que não serão objetos de alteração por medida provisória:

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil;

58

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º

Observa-se o contido na alínea b, que veda a edição de medida provisória

que tenha por objeto direito processual civil. O parágrafo único, do art. 1º, da LACP,

trata justamente de norma concernente ao processo civil. Ao determinar, ou não, a

legitimidade ativa de determinados órgãos para demandarem acerca de certos

objetos, está, na verdade, legislando sobre matéria que lhe é vedada.

Argumente-se, talvez, que a medida provisória nº 2.180-35, foi expedida em

24 de agosto de 2001; e que, por sua vez, a emenda constitucional nº 32 – que

vedou medidas provisórias que tivessem por objeto o direito processual civil – data

de 11 de setembro de 2001. Portanto, dessa maneira, à época da edição da atacada

medida provisória não haveria vedação constitucional.

Tal argumento não deve prosperar, uma vez que constata-se que o intervalo

entre a expedição da medida provisória e a vedação constitucional é de dezenove

dias. Considerando-se que as emendas constitucionais possuem um rito próprio,

trazido pelo art. 60 da CFRB, fica clara a má fé do Poder Executivo.

Enquanto tramitava referida vedação, trazida a ensejo pela Emenda

Constitucional, no Congresso Nacional, apressou-se o chefe do Excecutivo em

expedir emenda constitucional que dispusesse sobre direito processual civil.

Configurando uma artimanha política, para engessar a atuação dos legitimados a

defesas dos interesses da coletividade.

Outrossim, quando do estabelecimento da referida vedação, a Medida

Provisória nº 2.180-35, ainda engatinhava no seu trâmite processual junto ao Poder

Legislativo, no intento de tornar-se lei. Neste sentido, deveria ter sido rejeitada pelos

parlamentares, por abordar tema vedado pela Constituição, todavia carece de

apreciação até os dias atuais; produzindo, assim, seus efeitos flagrantemente

inconstitucionais.

Desta forma, pretere a normal de constitucionalidade ao ferir dois requisitos

formais de uma só vez: a medida provisória que a modificou o referido artigo, não

pode ser justificada como urgente e relevante; bem como, não observou as

vedações trazidas pelo art. 62 da CFBR, em especial o contido na alínea b.

59

Ademais, a medida provisória reveste-se de transitoriedade. Devendo, nos

termos do art. 62, §6º, da CF/88, ser apreciada em até 45 dias, após sua publicação,

em cada uma das Casas do Congresso Nacional. Todavia, a Medida Provisória nº

2.180-35 de 2001, até hoje não foi apreciada pelo Poder Legislativo, em flagrante

descaso, a referida medida produz efeitos de Lei até presente data.

Ainda, o art. 37 da Cata Magna, traz descritos os princípios a serem

observados pelo ente público, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência. Neste caso concreto, o chefe do Poder Executivo, passa

longe do princípio da moralidade. Uma vez, que usurpa o Poder Legislativo – ao

legislar sobre tema sem urgência e relevância – e cria norma em proveito próprio.

A União seria a principal prejudicada com o entendimento, da legitimidade das

ações coletivas para atacar os atos ilegais concernentes à matéria tributária. Como

maior instituidor de tributos e maior arrecadador, seria o principal agente a figurar no

polo passivo das futuras ações.

Para se ver livre destas cobranças coletivas, cria norma em interesse próprio,

retirando do alcance das ações coletivas a matéria tributária. Ignora-se o princípio da

moralidade; em detrimento do contribuinte, institui vedação a dificultar o

ressarcimento dos danos causados por atos ilegais da mesma; norma, que por sua

vez, trará benesse ao ente arrecadador.

Nota-se a falta de decoro, ao analisar-se a questão do direito tributário.

Tratam-se de questões exclusivamente de direito. As lides propostas serão todas

iguais, e por segurança jurídica, espera-se que os julgados também.

Uma enorme econômica processual seria operada, se em uma só ação vários

contribuintes fossem representados. O escopo do processo coletivo, é justamente a

economia processual e a segurança jurídica. Aqui o princípio ignorado é o da

eficiência.

O parágrafo ora criticado, também alcança as raias da ilegalidade ao limitar a

ação do parquet. Com a Constituição de 1998, o Ministério Público erigiu como

um colosso defensor dos direitos assegurados na Carta. Para tanto, foi legitimado

pelo constituinte originário, para propor ação civil pública para a proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos.

Nota-se, que em momento algum o legislador originário limitou o campo de

atuação do Ministério Público. Mais tarde, com o advento do Código de Defesa do

60

Consumidor, passou o promotor a possuir legitimidade legitimidade ativa, para

promover a defesa coletiva dos interesses homogêneos individuais, como já

explicitado anteriormente.

Não cabe ao Poder Executivo ou ao Poder Legislativo, deixar de lado a

hermenêutica constitucional, e, ignorando a vontade do legislador originário, instituir

balizas à atuação do Ministério Público. Caberia apenas ao Poder Judiciário, o não

entendimento da defesa dos interesses tributário por vias coletivas, o que, ainda

assim, seria objeto de ferrenhas críticas.

Assim, não poderia – ainda que por lei – ser ceifada a intenção do constituinte

originário na Carta Magna de 1988, notoriamente conhecida como a Constituição

Cidadão, que almeja assegurar os direitos e garantias fundamentais, bem como,

conceber os instrumentos necessários à garantir-lhes máxima efetividade. Qualquer

ato a obstar tal ensejo, é flagrantemente incompatível com a Lei Maior.

Ademais, extrai-se da Lei Orgânica do Ministério Público da União, que é

função institucional do órgão, zelar pela observância dos princípios constitucionais

relativos ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do

poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte (art. 5, II, a

da Lei 75/93).

Isto posto, aliado aos princípios institucionais da entidade, trazidos à baila

pelo art. 127 da CFRB, em especial o da independência funcional, ensejam, a não

outra, que a conclusão pela legitimidade do Ministério Público para a propositura de

ação civil pública para defesa dos interesses tributários dos contribuintes. Outro

entendimento, que não este, estaria desarrazoado com a interpretação sistemática

da Constituição.

Cabe ainda reflexão acerca dos tributos e sua consequente majoração no

preço final dos produtos. Os tributos são, naturalmente, suportados pelos

contribuintes. Um aumento ilegal nos tributos, fatalmente refletirá em um aumento do

preço final dos produtos que sofrem a incidência da referida tributação, aumento

este, que será prontamente repassado aos consumidores deste produto.

Desta forma, é possível que um tributo criado fazendo tábua rasa da lei,

venha a gerar danos à ordem econômica. Segundo a Lei 8.884/94, que dispõe sobre

a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, são

consideradas infrações à ordem econômica:

61

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;III - aumentar arbitrariamente os lucros;IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

Certamente, o intuito do legislador ao criar supracitada lei, não foi balizar as

ações do Ente Estatal, mas, sim, regular as relações privadas e suas transações

comerciais. Entretanto, o maior escopo da norma é, efetivamente, proteger o

consumidor, o cidadão que arcará com eventuais prejuízos ocasionados por

infrações cometidas à ordem econômica.

Lendo-se os incisos do art. 20, torna-se impossível não fazer uma analogia ao

Ente Estatal. Eventual criação ou majoração ilegal de um imposto, certamente surtirá

efeitos, tão, ou mais graves, do que as infrações à ordem econômica. Considerando

que, uma vez que a majoração de determinado tiburo é repassada ao consumidor

final, aquela que advinda de um aumento/criação ilegal de determinado produto, irá:

a) aumentar arbitrariamente os lucros – no caso a arrecadação do Estado; b)

exercerá de forma abusiva posição dominante – utilizando-se da compulsoriedade

dos tributos.

Estabelecida essa relação, é possível dizer que ao coibir o uso da ação civil

pública para a defesa dos interesses tributários, reflexamente estará, também,

impedindo-se a defesa da ordem econômica, sempre que os danos causados a esta

sejam ocasionados por tributação ilegal.

Desta forma, ainda que por via reflexa, poderá um um tributo ocasionar dano

à ordem econômica. Neste caso, o parquet ao demandar contra o referido, não

estará defendendo interesse individual disponível, mas, sim, postulando em defesa

da ordem econômica.

Analogia semelhante, se faz ao extrair da Lei 1.521/51, o conceito de crimes

contra a economia popular. Colhe-se do art. 2º, IX, que “obter ou tentar obter ganhos

ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante

especulações ou processos fraudulentos “, configurará o referido ilícito.

Novamente, estaria o Ministério Público legitimado para atacar – por meio de

ação civil pública – um tributo ilegal, que, conforme o artigo citado a cima, obtivesse

62

ganhos de origem ilícita em detrimento do povo, ainda, que este ganho seja auferido

pelo ente estatal.

Em que pese, defenda a jurisprudência dos tribunais superiores, que o direito

tributário trata-se de interesse disponível, não caberia generalizar o impedimento da

propositura de ação civil pública com base nele.

É inegável a analogia estabelecida, generalizar o interesse tributário como

individual disponível, é negar seus reflexos à sociedade. É ser indiferente à intenção

do legislador de proteger a ordem econômica e a econômica popular, é julgar

politicamente uma questão de direito.

Partindo-se de uma análise da jurisprudência pátria – conforme já explicitado

no item 3.2 deste trabalho – colhe-se dos tribunais superiores, o entendimento de

que o direito tributário é um direito individual homogêneo disponível.

O art. 3º do Código Tributário Nacional traz o conceito de tributo como “toda

prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir,

que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada”. Tributo é uma prestação paga

compulsoriamente, ou seja, obrigatoriamente.

Uma vez que não é uma faculdade pagá-lo e sim uma obrigação, não se pode

entender como disponível o direito inerente à contraprestação do mesmo. É

paradoxal a interpretação dada: o contribuinte é obrigado a pagar, porém poderá

dispor de um direito gerado pela obrigação.

Nesse sentido, transcrevemos lição doutrinária ainda inédita de Maurício

Muriack de Fernandes e Peixoto (texto Inédito, 2011) sobre o assunto, no qual,

inclusive, se faz análise mais sistêmica das características indesejadas da vedação

do uso da ação coletiva em matéria tributária, in verbis:

Da mesma forma, que alguns contribuintes se aproveitam da irracio-nalidade de nosso sistema para sonegar e dissimular fatos tributários, ou, simplesmente praticar crimes tributários com a quase-certeza da impunida-de penal, há alguns entes federativos que fazem o que querem, na teoria de que “se colar colou”.

Quando o Supremo achava que a taxa de iluminação pública era in-constitucional, vários municípios cobravam, mesmo sendo tal exação paten-temente inconstitucional, por reiteradas decisões do Pretório Excelso.

Porém, qual a conseqüência jurídica de adotar a promulgação de leis tributárias inconstitucionais?

63

Quem vai entrar na Justiça contra uma cobrança cujo valor, indivi-dualizado, não é tão grande? Evidentemente, a ação individual do contri-buinte, muitas vezes, é inviável.

Seria típica situação em que caberia processo coletivo para proteger interesses individuais homogêneos ou coletivo16.

Vem o Pretório Excelso e assevera: não cabe mandado de seguran-ça coletivo em matéria tributária, ou seja, assuntos tributários não podem ser discutidos em processo civil coletivo17.

Direitos coletivos tributários não existem, este é o entendimento ver-gonhoso do Supremo Tribunal Federal.

Então, cabe ao contribuinte que resolva o seu próprio problema, e se não tiver advogado privado, que desista ou procure a defensoria pública, que vai ter de entrar com um sem-número de ações idênticas.

Ou seja, em pleno século XXI, nossa mais importante Corte usa um critério processual-individualista cuja essência remonta ao liberalismo exa-cerbado do século XIX, sem qualquer reconhecimento de que a defesa e tu-tela de interesses coletivos lato sensu, seja os individuais homogêneos, seja os interesses coletivos stricto sensu, seja os direitos difusos, já são reco-nhecidos por nossa ordem jurídica em matéria de direito econômico, direito ambiental, direto do consumidor, direito civil.

É como se tivéssemos parado no tempo em matéria de processo co-letivo tributário, algo que coopera, inclusive, com a irresponsabilidade fiscal e o caráter aventureiro de nossos entes federativos e gera enormes desi-gualdades na distribuição da carga tributária, pois os contribuintes mais abastados logram se proteger, e os menos aquinhoados e os menos aten-tos, suportam muitas vezes uma carga tributária que sequer deveria existir, quando patentemente destoante da ordem jurídica estabelecida. Tudo isso, contribui de forma contundente para que o sistema tributário brasileiro, sur-preendentemente, seja um sistema tributário regressivo.

Há, ainda, aqueles que entendem que o interesse tributário se dá pela sua

ligação com a parte contrária. Fredie Didier Jr. E Hermes Zanti Jr (2011, p. 76),

defendem que o interesse tributário é coletivo stricto sensu, uma vez que os

16 Ver ementa do julgamento pelo STF do RE 196184/AM – AMAZONAS, ipsis verbis:CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO.

LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PARTIDO POLÍTICO. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA. IPTU. 1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido”. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 25 de outubro de 2011.17 Ver ementa do julgamento pelo STF do RE 196184/AM – AMAZONAS, ipsis verbis:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PARTIDO POLÍTICO. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA. IPTU. 1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido”. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 25 de outubro de 2011.

64

contribuintes são configuram-se num “grupo de pessoas”, ligados pela parte

contrária.

Desta forma, por todos estes motivos, ousa-se discordar dos tribunais

superiores, ao entender o direito gerado pela prestação pecuniária compulsória dos

tributos, como interesse individual indisponível ou ainda como direito coletivo stricto

sensu, uma vez que o uso da ação civil pública e das ações coletivas para defender

de forma padronizada e uniforme os contribuintes jamais poderia ser relegado ao

caminho obscuro e vetusto do processo individual, como se tivéssemos parado no

tempo do século XIX, no qual a cada um era dado solucionar seus próprios

problemas, individualmente, e como se não fôssemos um Estado Democrático de

Direito com função de organizar e criar uma sociedade, justa, livre e solidária.

65

5 METODOLOGIA

Para a realização do presente trabalho utilizou-se o método dedutivo

teórico, por meio de pesquisa bibliográfica em doutrinas e artigos, além de

legislações e decisões judiciais pertinentes.

66

6 CONCLUSÃO

O Ministério Público, que surge inicialmente como instituição a sustentar os

arbítrios dos monarcas absolutistas, sofre gradual modificação e inexoravelmente

torna-se guardião da democracia e dos direitos e garantais fundamentais. É elevado

à função essencial justiça e recebe garantias constitucionais para a égide de sua

função precípua.

Juntamente com o desenvolvimento Ministerial, ocorreu a evolução dos

direitos sociais. Os quais, muitas vezes, passaram a ser coletivamente tratados,

tanto por segurança jurídica, como por economia e celeridade processual. Por

perfazer uma das suas funções essenciais, o Ministério Público é o principal

defensor dos direitos coletivos, possuindo diversos meios processuais para tanto.

Certamente, o instrumento mais comumente utilizado pelo parquet na defesa

dos interesses da população, quando coletivamente tratados, é a ação civil pública,

disciplinada pela Lei n. 7.347/85. Em seu art. 1º, a lei traz em seus incisos os objetos

tuteláveis através da referida ação.

Entretanto, o parágrafo único – inserido pela Medida Provisória nº 2185-35 de

2001) – passou a limitar a atuação do órgão Ministerial, ao restringir a utilização da

ação civil pública para tutela dos interesses tributários dos contribuintes. Em que

pese, ferrenhas críticas doutrinárias, os tribunais superiores ratificaram tal vedação,

alegando para tanto, que o interesse tributário trata-se de interesse individual

disponível, desta forma não sendo tutelável por meio de ação civil pública.

Vale ressaltar, inicialmente, que todos os atos da administração pública

devem observar os princípios administrativos. A CFRB/88 traz em seu art. 37, os

princípios que deverão ser observados pela administração pública, direta e indireta

“legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Ao redigir a Medida Provisória em questão e instituir a vedação ora atacada, o

Chefe do Poder Executivo, age em desacordo com todos os princípios elencados no

art. 37 da CFRB/88, tornando nulo o ato desde sua criação. Bem como utiliza a

Medida Provisória de forma equivocada, ignorando os preceitos necessários a sua

criação: relevância e urgência. Em suma: usurpa o Poder Legislativo e legisla em

causa própria.

67

Deixando de lado os vícios formais, tem-se ainda a inconstitucionalidade do

objeto da medida provisória. Legisla (o Executivo) em desacordo com o legislador

originário. Como já mencionado, se a Carta Magna não limitou a atuação do

Ministério Público, não cabe ao legislador ordinário limitá-la, e quiçá caberá ao

Chefe do Poder Executivo.

Ainda, pode-se criticar os entendimentos do tribunais superiores, que

legitimam a vedação trazida a ensejo. Tomar o interesse tributário como individual

disponível, ignorando suas consequências, é, por vezes, afetar reflexamente a

ordem econômica. Bem como, discorda-se que os referidos interesses sejam

disponíveis, vez que o tributo é cobrado compulsoriamente: paradoxalmente,

entende-se pela indisponibilidade do pagamento do tributo, todavia, entende-se, pela

disponibilidade dos direitos gerados pelo adimplemento da obrigação.

Não se pode olvidar, ainda, que o interesse tributário, trata-se de matérias

exclusivamente de direito. Não há necessidade de criação de provas diversas, todas

as lides serão iguais, não faz sentido tratá-los de outra forma, que não

coletivamente, uma vez que todos terão o mesmo julgamento e haverá, após, a fase

de habilitação de crédito, onde as particularidades de cada caso poderão ser

discutidas.

Negar legitimidade ao Ministério Público para a defesa coletiva dos interesses

tributários, é um grande retrocesso na defesas dos interesses coletivos. Limitar a

competência do promotor – por lei ou medida provisória – é um ataque a

independência funcional do parquet, consagrada constitucionalmente.

O parágrafo único, do art. 1º, da Lei 7,347/85, é inconstitucional conforme os

argumentos expostos. É inconstitucional em sua origem e em seu objeto, malfere os

princípios da administração pública, bem como os requisitos legais para sua origem,

além de ferir o texto constitucional de forma indireta.

Julga-se uma questão de direito de forma política. Impedir a defesa coletiva

dos interesses tributários é concordar com as ilegitimidades cometidas contra os

contribuintes. Exigir que cada cidadão postule individualmente seu direito frente ao

poder judiciário, é negar o acesso à justiça, é manter-se inerte frente aos

impropérios cometidos pelo fisco.

O maior arrecadador de tributos, é justamente a União, aquela que

instituiu a vedação em questão, ao ratificar este entendimento, frusta o judiciário o

68

acesso à justiça, legitima a cobrança de impostos ilegais, julga à favor do ente

arrecadador e em detrimento da população.

69

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