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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaçãoXXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
A legislação da TV aberta no Brasil: regulação e democratização1
Carlos Henrique DEMARCHI2
Universidade Estadual Paulista - UNESP, Bauru, SP
Resumo
Mesmo diante do cenário de convergência tecnológica, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) de 1962 segue como o principal instrumento regulador do setor de radiodifusão no país. Com base no levantamento dos documentos legais que tratam da TV aberta e tendo como referencial teórico a Economia Política da Comunicação (EPC), o presente artigo se propõe a discutir a necessidade de atualização regulatória e da implementação de políticas para a área.
Palavras-chave: Economia política da comunicação; Radiodifusão; Estado; Regulação; TV aberta.
Introdução
No Brasil, a televisão aberta assume um papel central no campo das comunicações.
Criado na década de 1950, esse veículo está atualmente em 63,3 dos 65,1 milhões de
domicílios, o que corresponde a uma área de cobertura de 97,2% dos lares do país.
A inserção da TV na vida do brasileiro é confirmada em estudos recentes acerca dos
hábitos de consumo de informação no cenário nacional. A “Pesquisa Brasileira de Mídia
2015” revelou que a televisão comercial segue como meio predominante no país: o
levantamento apontou que 95% dos entrevistados afirmaram ver TV, sendo que 73% têm o
hábito de assistir diariamente, ultrapassando quatro horas diárias de exposição ao televisor
(BRASIL, 2014)3.
Com amplo poderio político, econômico e cultural, a televisão brasileira se
converteu em um dos principais instrumentos da indústria cultural, cuja consolidação se deu
com a concentração do setor, dominado por grupos de empresas privadas que exploram os
serviços de radiodifusão por meio de outorgas concedidas pelo Estado.
1 Trabalho apresentado no GP Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Doutorando em Comunicação na Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru (SP). Repórter legislativo concursado da Câmara Municipal de Araçatuba (SP). Professor do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium (Unisalesiano) de Araçatuba (SP). E-mail: [email protected].
3 O levantamento também trouxe dados sobre a forma de acesso à transmissão da TV aberta. Enquanto 72% possuem acesso à TV aberta, 26% dos lares brasileiros são atendidos por um serviço pago de televisão e 23% por antena parabólica.
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Contudo, a importância da televisão na vida nacional contrasta com a legislação que
orienta as atividades de radiodifusão, considerando que o principal marco legal do setor é o
Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, o CBT, conjunto de normas apontado por
estudiosos do tema como ultrapassados com as transformações tecnológicas de décadas
recentes.
Logo, além da relevância de mudanças e de atualizações regulatórias necessárias ao
setor de radiodifusão, deve haver a efetiva implementação de políticas públicas que
garantam a validade dos dispositivos legais que definem e orientam as atividades da
televisão aberta.
A partir do exame e levantamento bibliográfico sobre o arcabouço legal que define
as regras de funcionamento da TV aberta – radiodifusão de sons e imagens –, o presente
artigo objetiva discutir, com base nos aportes teóricos da EPC (Economia Política da
Comunicação), a necessidade de modificações legais que fomentem a democratização dos
meios de comunicação.
Economia Política da Comunicação e concentração midiática
O fenômeno da concentração da propriedade dos meios de comunicação, em
especial do ramo audiovisual, não é um caso específico brasileiro. Embora seja identificado
expressivamente em países latino-americanos, esse processo também se verifica nos
Estados Unidos e na Europa.
A formação de grandes conglomerados econômicos, incluindo as empresas de
mídia, deve ser compreendida a partir de um cenário maior, inserido no contexto do
capitalismo monopolista, período histórico iniciado no final do século XIX com mudanças
diversas no interior do modo de produção capitalista.
Para a Unesco, a concentração de atores na mídia comercial pode ser vista como
limitação ao pluralismo nos mercados de comunicação dominantes. Assim, “tem havido
uma tendência contínua, fora dos monopólios de Estado, de criação de sistemas de mídia
com base no mercado e de privatização da mídia pertencente ao governo” (TENDÊNCIAS,
2016, p. 13).
Essas transformações dos modos de produção capitalista ocorreram em paralelo ao
desenvolvimento da indústria cultural que, liderada pela televisão, passou a ser protagonista
na veiculação de ideias calcadas no consumo de informação e entretenimento.
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Conforme Bolaño (2004), a criação da indústria cultural está intimamente ligada ao
desenvolvimento do setor produtor de bens de consumo capitalista. Assim, “a passagem
para o capitalismo monopolista se dá de forma tardia, levando à modernização de um setor
de bens de consumo difundido já existente e à plena constituição do setor produtor de bens
de capital” (BOLAÑO, 2004, p. 43).
Sustentada pela publicidade, a televisão brasileira se desenvolveu, em meados do
século XX, em conformidade com a lógica do mercado. Neste aspecto,
No final dos anos 60, todos os elementos para o desenvolvimento de uma verdadeira Indústria Cultural, tendo a televisão como centro dinâmico, estão dados. Em primeiro lugar, temos um sistema televisivo já bastante desenvolvido, operando de acordo com o que havia de mais avançado no que se refere ao sistema comercial de televisão; um setor publicitário forte que tinha na televisão a sua mídia básica; um mercado consumidor revitalizado pelas mudanças institucionais que geraram um esquema concentrador extremamente favorável aos extratos de mais alta renda; e um sistema de telecomunicações que permitia a integração do mercado nacional pelas redes de televisão. (BOLAÑO, 2004, p. 51)
Com as condições dadas para a expansão do capitalismo e da indústria cultural
brasileira, a Rede Globo de Televisão se tornou a principal favorecida desse panorama,
firmando-se como empresa líder de audiência na década de 1970, passando a dominar o
mercado em um sistema de afiliações de emissoras.
Na atualidade, a Globo é um dos principais grupos no segmento de televisão aberta.
De acordo com Marinoni (2015), a TV Globo engloba hoje 123 emissoras, em 5.490
municípios (98,56%) e atinge 202.716.683 habitantes (99,51%).
Bolaño (2004) também lembra que é no decorrer da década de 1970 que se pode
mencionar, com maior rigor, a existência de uma indústria cultural setorial e nacionalmente
integrada, constituindo-se em aparelho do capital monopolista.
Essa discussão sobre o formato concentrado da informação no contexto capitalista se
enquadra nas investigações da economia política que, em sentido estrito, estuda as relações
sociais, particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção, a
distribuição e o consumo de recursos, incluindo os recursos de comunicação (MOSCO,
2006).
Em linhas gerais, a Economia Política da Comunicação (EPC) descreve e examina o
significado das instituições, especialmente as empresas e os governos, responsáveis pela
produção, distribuição e troca de bens de comunicação e pela regulação do mercado de
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comunicação. Deste modo, “el énfasis en las estructuras de los medios y el contenido es
comprensible en vista de la importancia de las compañías globales de medios y el
crecimiento del valor del contenido mediático” (MOSCO, 2006, p. 67).
Outra perspectiva crítica da área enfatiza a análise da totalidade social,
acompanhando as transformações sociais. Segundo Cabral (2008), compreender as lógicas
do mercado, bem como a regulação promovida por parte do Estado a partir da
movimentação entre os diversos setores da sociedade, é a seara de atuação fundamental da
Economia Política da Comunicação. Assim, para o autor:
Compreender o jogo empreendido por esses atores sociais, bem como a atuação da sociedade civil nesse contexto, é um objetivo que não somente permite a realização dos estudos nesse campo, como também fornece subsídios mais estruturados para uma melhor compreensão das reais capacidades da sociedade em poder dar as cartas e fazer valer suas reais necessidades, afirmando a comunicação como direito humano em prol do interesse público. (CABRAL, 2008, p. 76)
Além disso, a área de estudos serve para melhor compreender o panorama midiático
brasileiro, no qual o poder político das grandes emissoras de televisão aberta se mostra
acentuado e deve ser considerado diante da configuração da indústria cultural e suas
implicações na homogeneização e na ausência de diversidade de conteúdos.
Partindo da compreensão do caráter público do espaço eletromagnético e da
intervenção estatal para assegurar o equilíbrio informativo, o debate leva a repensar o papel
dos atores envolvidos com as políticas de comunicação no país, a citar a sociedade civil, o
Estado e as empresas de comunicação.
Como forma de se contrapor à lógica de concentração das redes corporativas de
comunicação:
Existem espaços disponíveis a partir de legislações em vigor, a conquistar a partir de novas regulações, ou ainda, de ampliação do acesso a partir da redefinição das leis existentes: rádios comunitárias, canais comunitários de TV a cabo, telecentros, pontos de cultura, dentre outras iniciativas. E uma crítica eficaz, pautada na disposição para se contrapor à mídia tal como atualmente configurada, expondo a necessidade de incorporação desses vários atores, significa assumir a coragem em ver fechar as portas para a disseminação e o compartilhamento de idéias, seja no âmbito governamental/partidário, seja no que diz respeito às organizações sociais e acadêmicas. (CABRAL, 2008, p. 7)
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Contrapondo-se à mercantilização da comunicação e da cultura, a EPC, além de
evidenciar as contradições do sistema capitalista, permite compreender a recomposição dos
variados atores envolvidos com as políticas comunicacionais, fomentando a discussão de
alternativas à concentração monopólica verificada no campo da radiodifusão.
As legislações da radiodifusão comercial em perspectiva histórica
Os primeiros documentos legais ocupados com a regulação da radiodifusão no
Brasil são da década de 1930, no governo de Getúlio Vargas. Promulgado em 27 de maio
de 1931, o decreto nº 20.047 determinava a competência exclusiva do governo federal em
regulamentar as atividades de telegrafia, radiotelegrafia e radiodifusão (LOPES, 2009).
Considerados de interesse nacional, esses serviços tinham como objetivo levar
informação, educação e cultura à população. O decreto ainda criou a Comissão Técnica de
Rádio, cuja função era garantir a coordenação das frequências de radiodifusão.
Quase um ano depois, em 1º de março de 1932, o governo Vargas cria um
regulamento específico para os serviços de radiocomunicações, por meio do decreto nº
21.111. Tratava-se de um primeiro instrumento legal a definir regras para o processo de
outorgas de rádios no país.
Conforme revela Santos (2004), os dispositivos seguiram como instrumentos
centrais do Estado sobre o setor até 1962, quando é instituído o CBT (Código Brasileiro de
Telecomunicações).
Nesse período, a radiodifusão era competência exclusiva da União e previa, entre
outros pontos, o prazo de concessão de 10 anos, as renovações “a juízo do governo” e a
proibição do estabelecimento de qualquer convênio ou acordo com outras companhias ou
empresas de comunicação sem prévia aprovação governamental.
Com o passar dos anos, os decretos 20.047 e 21.111 foram alterados e complementados por diversas outras leis e decretos. Com isso, criou-se um cipoal regulatório de difícil entendimento, composto por peças orientadas por políticas muitas vezes divergentes e conflitantes. Essa realidade deixou evidente a necessidade de uma consolidação do marco regulatório do setor, por meio de uma nova legislação para as telecomunicações, incluindo a radiodifusão. (LOPES, 2009, p. 4)
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Na década de 1950, período histórico em que a televisão aberta inicia as operações
no país com a criação da TV Tupi, começou a tramitar no Congresso Nacional o projeto de
lei que daria origem ao CBT, cuja gestação durou mais de cinco anos.
Criado pela lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, o Código Brasileiro de
Telecomunicações é considerado o primeiro grande marco regulatório da radiodifusão e
telefonia brasileiras.
O código foi resultado de ampla negociação, em que prevaleceram os interesses do
empresariado da área. O texto definiu que a radiodifusão compreende os serviços
destinados a serem recebidos direta e livremente pelo público em geral e é dividida em
radiodifusão sonora (rádio) e radiodifusão de sons e imagens (televisão).
Como ensina Bolaño (2007), a aprovação do CBT possibilitou, ao contrário do que
ocorreu na Europa, a consolidação de um sistema comercial privado de rádio e televisão,
com base num modelo de concessões públicas – para 10 e 15 anos respectivamente,
renováveis por períodos idênticos e sucessivos.
O texto original da norma institucional que consolidou a regulamentação das áreas
de telecomunicações e radiodifusão ainda sofreu duas mudanças de maior relevo no
transcorrer da década de 1960, a citar:
O código será complementado com o Regulamento Geral, decreto 52.026, de maio de 1963, que detalha a estrutura, atribuições e funcionamento do Contel – responsável pela elaboração de um Plano Nacional de Telecomunicações – e do Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel). Fica assim estabelecido o arcabouço básico da legislação brasileira em matéria de comunicação, que vigoraria no país até a reforma dos anos 90. O governo militar edita ainda, em fevereiro de 1967, o decreto-lei 236 que, além de tornar o modelo mais autoritário e centralizador, impondo, por exemplo, penalidades mais severas, cria restrições à propriedade de emissoras de rádio e televisão, limitando em 10 o número de emissoras que cada entidade poderia controlar em todo o território nacional, sendo no máximo 5 em VHF e 2 por Estado da federação, e eliminando qualquer possibilidade de participação de estrangeiros na propriedade ou na direção de empresas de comunicação no país. (BOLAÑO, 2007, p. 12-13)
Essa medida, adotada para evitar a entrada de empresas de capital estrangeiro no
mercado brasileiro de comunicação no período, garantiu a hegemonia da TV Globo que, na
década seguinte, já despontava como líder de audiência no segmento.
Logo, “espremido entre a fragilidade do Poder Executivo e a força do nascente
lobby empresarial que lhe dera vida, o CBT, instituiu aquele que seria o primeiro organismo
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brasileiro de regulação para o setor – o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel),
diretamente subordinado ao presidente da República” (RAMOS, 2006, p. 53).
Cabe assinalar que, ao longo da história da regulação da radiodifusão no Brasil,
ocorre a centralidade das atribuições nas outorgas e renovações das outorgas na figura do
Poder Executivo, situação que perdura nas Constituições de 1946 e 1967.
Em 25 de fevereiro de 1967, surge o Ministério das Comunicações, órgão do
Executivo responsável pela formulação e proposição de políticas, diretrizes e metas
relativas à radiodifusão, além de administrar as concessões de TV aberta e fiscalizar a
exploração dos serviços de radiodifusão, quanto ao conteúdo de programação das emissoras
e sua composição societária e administrativa4.
As mudanças na questão das outorgas se dão efetivamente com a Constituição
Federal de 1988, cujo texto dedicou um capítulo com cinco artigos (220 a 224) tratando da
Comunicação Social. De fato, a Constituição de 1988 complementou o texto do CBT, ao
estabelecer as regras, os princípios e as competências sobre as concessões de rádio e TV, o
conteúdo e a propriedade dos meios.
A preocupação com o conteúdo ficou expressa nos artigos 220 e 221, que
destacaram, respectivamente, a previsão de garantia dos meios legais para os
telespectadores se defenderem de programações inadequadas de rádio e TV e o atendimento
aos princípios e finalidades educativas e culturais, a promoção da cultura nacional e
regional e o estímulo à produção independente (BRASIL, 2003).
A propriedade dos meios foi mencionada nos artigos 220 e 222. O artigo 220 do
Capítulo da Comunicação Social previu que os meios de comunicação social não poderiam,
direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. O artigo 222 enfatizou a
propriedade de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens como privativa de
brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas
sob as leis brasileiras e com sede no país5.
Já os artigos 223 e 224 trataram das competências e procedimentos nas outorgas dos
serviços de radiodifusão. O primeiro deles trouxe como novidade a participação do
Legislativo no processo de concessão e renovação de outorgas, até então procedimentos
4 Também é função do Ministério, ao apurar infrações de qualquer natureza, instaurar procedimento administrativo e adotar as medidas necessárias ao efetivo cumprimento das regras e sanções aplicadas aos executantes do serviço de radiodifusão (BRASIL, 2015).
5 Com a regulamentação da Emenda Constitucional nº 36/2002 pela lei nº 10.610 de dezembro de 2002, o capital estrangeiro ficou autorizado a adquirir até 30% das ações das empresas de radiodifusão.
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exclusivos da União. Com a mudança, o ato de outorga ou renovação passou a ter efeitos
somente após a deliberação do Congresso Nacional.
A não-renovação da concessão ou permissão de emissoras de rádio e televisão ficou
condicionada à aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso, em votação nominal.
O artigo 224 trouxe a previsão de instalação pelo Congresso do Conselho de Comunicação
Social como seu órgão auxiliar, fato que ocorreu tardiamente (BRASIL, 2003).
Após a Constituição, na passagem da década de 1990, uma série de transformações
regulatórias incidiu sobre as telecomunicações. Com a lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997,
a Lei Geral de Telecomunicações, o CBT é atualizado na parte do texto que recai sobre as
telecomunicações, que ganhou um novo marco regulatório. A radiodifusão, porém,
continuou sendo regida pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, não sendo alterada.
Outro marco para a área foi a criação de um agência reguladora, a Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações), que trata dos aspectos técnicos das concessões, sendo
responsável por administrar o espectro através da atribuição, distribuição e destinação de
radiofrequências; expedir licenças de instalação e funcionamento das estações transmissoras
de radiodifusão sonora e de sons e imagens e fiscalizá-las permanentemente6.
Mais recentemente, em dezembro de 2009, propostas de regulação e atualização da
legislação sobre a radiodifusão de sons e imagens foram discutidas na 1ª Confecom
(Conferência Nacional de Comunicação). O encontro possibilitou, de forma inédita, a
possibilidade de um debate entre os três principais atores envolvidos com as políticas de
comunicação no país: o Estado, o empresariado da radiodifusão e a sociedade civil.
A Confecom alcançou inegável êxito e constituiu-se num marco, tanto da mobilização e conscientização do movimento popular relativamente à agenda das comunicações, quanto na construção de um projeto, incluindo segmentos mais avançados do capitalismo brasileiro, de regulamentação dos meios de comunicação social. Ao contrário do que imaginavam os muitos críticos das salvaguardas exigidas pelos empresários, e do que podiam esperar até quem as acatou temendo que, sem elas, a Confecom não se realizasse, deu-se que elas, as salvaguardas, acabaram gerando inesperado efeito positivo: ajudaram a filtrar as questões realmente relevantes para o debate. Das exatas 1.422 teses levadas a Brasília, metade delas foi liminarmente rejeitada ainda nos grupos de trabalho (DANTAS, 2013, p. 204).
6 Conforme destaca o estudo da Ancine, denominado “TV aberta no Brasil: aspectos econômicos e estruturais”, após um convênio firmado em 2007 entre o Minicom e a Anatel, a fiscalização da radiodifusão em relação a alguns aspectos técnicos e de conteúdo foi delegada à agência reguladora, que passou a proceder à outorga de autorização de uso de radiofrequência para o serviço de radiodifusão, bem como à certificação de equipamentos destinados à exploração de serviço de radiodifusão. A Agência pode ainda fiscalizar e aplicar sanções a irregularidades definidas pelo convênio, bem como instaurar e conduzir o processo administrativo.
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Como saldo da conferência, 633 resoluções foram aprovadas, incluindo a proposta
de regulamentação do capítulo da Comunicação Social presente na Constituição de 1988.
As proposições, que serviriam de orientação para a implementação futura de políticas
públicas para a área, não tiveram andamento nas agendas dos Poderes Executivo e
Legislativo.
Em 2012, sob a liderança do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação), é lançada a campanha “Para expressar a liberdade: uma nova lei para um
novo tempo”. A iniciativa da sociedade civil busca mobilizar a população em torno da
aprovação do projeto de lei da Mídia Democrática7, cuja ideia é atualizar os instrumentos
normativos do Código Brasileiro das Telecomunicações e garantir os avanços presentes na
Constituição Federal de 1988.
Políticas públicas e possibilidades de democratização
Quando se analisa a história da radiodifusão no Brasil, levando em conta as
legislações da área e as políticas até hoje implementadas, pode-se afirmar que as decisões
envolvendo a televisão aberta beneficiaram, em grande medida, os interesses empresariais e
econômicos das emissoras detentoras das concessões.
Do ponto de vista histórico, o poder exercido pela burguesia radiodifusora se
manifestou desde o primeiro marco regulatório sistematizado para a área, o CBT, com a
criação da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), em 1962. Ao
analisar esse percurso, Bolaño (2007) lembra que a estrutura do Estado capitalista permitiu,
ao longo do tempo, a concentração do poder, preservando sempre os interesses das frações
hegemônicas.
Mesmo após a Constituição de 1988, aspectos como a proibição da concentração dos
meios de comunicação e a garantia da participação social na formulação de políticas para o
setor estiveram longe de serem efetivamente aplicados. É mister entender que, devido a
fatores de ordem tecnológica, econômica e social, existe a necessidade de um novo modelo
de regulação para o campo da radiodifusão (BOLAÑO, 2007).
Para fazer frente ao arcabouço legal em curso, permitindo a abertura de espaços
democráticos e alternativos, surge a compreensão de que a atividade de comunicação,
7 Trata-se de um projeto de lei de iniciativa popular que necessita de 1,3 milhão de assinaturas para iniciar tramitação no Congresso Nacional. Atualmente, as organizações da sociedade civil continuam recolhendo assinaturas para a matéria.
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mesmo no âmbito comercial, como se dá com o sistema privado de televisão, precisa do
acompanhamento e da regulação do poder estatal.
Os estudos da área de políticas públicas auxiliam nessa compreensão, uma vez que
os atores estatais acabam por ser elementos centrais na execução das políticas. Desta forma,
as políticas públicas são elaboradas no aparato institucional do Estado, apesar de as
decisões e iniciativas terem origens variadas (SECCHI, 2013).
Para Howlett, Ramesh e Perl (2013), as políticas públicas ultrapassam o registro da
investigação formal e das decisões oficiais, englobando as decisões potenciais e que não
foram tomadas. Por isso, a identificação das políticas públicas não se limita à busca de
registros oficiais das decisões disponíveis em leis e regulamentações, envolvendo também
os atores, estruturas e ideias existentes no contexto sociopolítico analisado.
Outrossim, as relações entre os atores nos estágios que antecedem os anseios
públicos que passam a fazer parte da agenda governamental devem ser consideradas, pois
muitas vezes as atividades dos atores não-governamentais influenciam as decisões políticas
dos governos, embora os esforços desses atores não constituam em si política pública
(HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
Como é competência do Ministério das Comunicações definir as políticas de
radiodifusão em território nacional, o ator governamental, representado pelo Executivo,
deve promover ações regulatórias sobre as legislações antigas que perduram na área.
Autores da EPC avaliam que essas intervenções buscam resguardar o interesse público.
Os instrumentos legais que podem viabilizar o reequilíbrio e a descentralização dos sistemas de comunicação são indispensáveis, mas ressaltemos que as mudanças dependem de um leque de ações coordenadas e permanentes, e não apenas da letra-de-forma jurídica. Até porque não adianta ter princípios gerais democráticos se não houver a determinação política de fazer valer normas, regulamentações e procedimentos que garantam a sua aplicação. Além de leis que impeçam práticas monopólicas, uma nova feição dos sistemas de comunicação depende de políticas públicas consistentes, debatidas e formuladas em sintonia com as aspirações de segmentos reivindicantes da sociedade civil. (MORAES, 2011, p. 163)
O cenário brasileiro, em perspectiva histórica, revela a dificuldade de implementar
transformações legais democratizantes envolvendo a TV aberta. As iniciativas neste sentido
vieram por enfrentar a resistência da grande mídia que, por meio de seus grupos, vem
conseguindo impedir mudanças regulatórias.
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Marinoni (2015) também concorda que a manutenção de um sistema central de
poucas redes nacionais privadas (representadas pela Globo, SBT, Bandeirantes, Rede TV! e
Record) impede a democratização da comunicação, defendendo o papel do Estado de
regulador e garantidor de direitos.
Existem leis e propostas que apontam no sentido da desconcentração, como a da regionalização da produção e do funcionamento efetivo de um Conselho Nacional de Comunicação, como lócus privilegiado de diálogo com os diferentes grupos sociais. Tais medidas, entretanto, não têm sido colocadas em prática. Pelo contrário, em alguns casos, observa-se a obstrução da regulamentação de mecanismos que garantiriam sua efetividade. (MARINONI, 2015, p. 20)
A observância do marco legal, com as atualizações trazidas pela Constituição
Federal de 1988, poderia, por si só, já permitir um contexto mais democrático em relação ao
existente hoje, se houvesse o atendimento aos princípios como a pluralidade de ideias e a
diversidade de conteúdos, tomados como pilares para uma real democratização dos serviços
de rádio e televisão.
Para a Unesco, o pluralismo midiático refere-se aos tipos e números de meios de
comunicação disponíveis em um sistema político específico, relacionando-se com a política
existente e com o regime regulatório em termos de limites à concentração da propriedade e
em termos de mecanismos de apoio ao setor de mídia (TENDÊNCIAS, 2016).
Para garanti-lo, o audiovisual deve, a partir do equilíbrio entre os sistemas público,
privado e estatal, fomentar a diversidade de conteúdos e a pluralidade de informações e
opiniões, as quais devem se basear nos direitos humanos universais.
Considerações finais
O processo de mercantilização capitalista, cada vez mais engolfado na indústria
cultural, da qual a radiodifusão é uma de suas principais manifestações, requer ações de um
outro tipo de Estado, mais ocupado com os dimensões democráticas e cidadãs do que
mercadológicas.
Essa necessidade perpassa as linhas de estudos da Economia Política da
Comunicação, para a qual a concentração midiática, a ausência de diversidade dos meios e
o afastamento da participação social nas políticas nacionais de comunicação representam
entraves para a democratização.
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Como forma de se contrapor aos monopólios, que se sobressaem no setor da
televisão comercial aberta, cabe aos países enfrentarem a questão, mediante ações de
atualização dos marcos regulatórios e acompanhamento efetivo das normas legais
existentes.
No caso brasileiro analisado, os problemas principais identificados remetem à
inoperância do quadro de leis da radiodifusão e ao esclarecimento acerca da relevância de
um marco regulatório atualizado para o setor. No primeiro caso, a persistência de um
modelo de exploração comercial concentrado de TV impede avanços na construção de um
sistema equilibrado de mídia, com espaços razoáveis também para os segmentos público e
comunitário.
Um segundo problema está relacionado à manutenção do Código Brasileiro de
Telecomunicações que, enquanto principal instrumento regulador das atividades de
radiodifusão de sons e imagens, revela o atraso regulatório do país em matéria de
comunicações.
Portanto, infere-se que os desafios para assegurar a aprovação e fazer valer novas
leis para o setor passam pela reivindicação, por parte da sociedade, de ações do Estado
voltadas para disciplinar e regular os serviços privados da radiodifusão de sons e imagens.
A aprovação de legislações convergentes e democráticas é o primeiro passo para
inserir o país em padrões internacionais regulatórios da mídia. Outra necessidade,
decorrente da primeira, envolve a fiscalização e o acompanhamento da aplicação dos
marcos legais. Neste último caso, cabe aos atores estatais apontarem e corrigirem as
irregularidades, por meio da adoção de políticas públicas democráticas para a área.
Referências
BOLAÑO, C. Mercado brasileiro de televisão. 2. ed. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe; São Paulo: EDUC, 2004.
__________. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007.
BRASIL. Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4117.htm>. Acesso em: 10 jun. 2016.
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