a lavagem de dinheiro por meio de paraÍsos fiscais...

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Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR Ano 4 - Número 2 - Outubro de 2019 A LAVAGEM DE DINHEIRO POR MEIO DE PARAÍSOS FISCAIS COMO CRIME TRANSNACIONAL: A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA RECUPERAÇÃO DE ATIVOS Samuel Ebel Braga Ramos Sócio no escritório Ebel & Battu Socieda- de de Advogados, com sede em Curitiba/ PR. Mestre em Direito. Especialista em Gestão e Legislação Tributária. Professor de Direito Penal na Faculdade de Ensino Superior do Paraná – FESP. Resumo: Este artigo tem o foco de analisar a questão geral do crime de lavagem de dinheiro através de paraísos fiscais, abrangendo a origem desta expressão, bem como conceitos teóricos e métodos utilizados no emprego do cri- me. Ainda, visa observar e conceituar, de maneira objetiva, paraíso fiscal como destino de capital oriundo de atividade ilícita. Atualmente, verifica-se a dificuldade de repatriar este capital, uma vez que já incorporado na economia do

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A LAVAGEM DE DINHEIRO POR MEIO DE PARAÍSOS FISCAIS COMO CRIME TRANSNACIONAL: A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA RECUPERAÇÃO DE ATIVOS

Samuel Ebel Braga RamosSócio no escritório Ebel & Battu Socieda-de de Advogados, com sede em Curitiba/PR. Mestre em Direito. Especialista em Gestão e Legislação Tributária. Professor de Direito Penal na Faculdade de Ensino Superior do Paraná – FESP.

Resumo: Este artigo tem o foco de analisar a questão geral do crime de lavagem de dinheiro através de paraísos fiscais, abrangendo a origem desta expressão, bem como conceitos teóricos e métodos utilizados no emprego do cri-me. Ainda, visa observar e conceituar, de maneira objetiva, paraíso fiscal como destino de capital oriundo de atividade ilícita. Atualmente, verifica-se a dificuldade de repatriar este capital, uma vez que já incorporado na economia do

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Estado receptor, e, assim, caracterizando a transnacionali-dade do crime, uma vez que incide em ordenamentos jurí-dicos dos Estados envolvidos. Com este trabalho, tenta-se enfatizar e estudar a cooperação internacional para a re-cuperação deste capital, interpretando leis e acordos inter-nacionais e, ao final, apresentando considerações sobre o empenho internacional em coibir a prática do crime.

Palavras chave: Lavagem de dinheiro, paraíso fis-cal, crime transnacional, acordos internacionais, recu-peração de ativos.

1. Introdução

Atualmente, verifica-se a dificuldade de se res-ponsabilizar agentes os quais corroboram com a prática do ilícito. A lavagem de dinheiro é um ilícito penal de alta complexidade, ainda se tratando da transnacionali-dade do crime.

O tema proposto detém relevância por se tratar de um assunto que está estampado em jornais e noticiários diaria-mente e, pouco se fala, na recuperação deste capital oriun-do do ilícito e, menos ainda, da cooperação internacional a fim de coibir e responsabilizar culpados.

É fato que, tal dificuldade se atribui às questões ine-rentes aos paraísos fiscais e seu protecionismo aos inves-tidores, aliado ao sigilo fiscal e bancário, assim, tornando

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possível o despejo de dinheiro ilícito em países adeptos do anonimato em transações financeiras.

Fato notório é a recuperação deste dinheiro após sua internalização e integração na economia local, bem como atribuir responsabilidades criminais, haja vista este dinhei-ro ter trilhado vários países, versando sob vários sistemas jurídicos, dentre os quais não disporem de um sistema le-gal regulador e punitivo à prática da lavagem de dinheiro.

Merece atenção o entendimento da operação da lava-gem de dinheiro, especialmente através de paraísos fiscais, entendendo sua origem, bem como entendendo seu concei-to. Ainda se faz necessário a análise da cooperação sobre a matéria, sob a ótica dos tratados e acordos internacionais e sua devida aplicação legal no Estado brasileiro.

Por fim, debruça-se sobre alguns preceitos da recupe-ração dos ativos oriundos da lavagem de dinheiro, entendo o princípio da reciprocidade como uma maneira eficaz de ter acesso a bens e capitais já internalizados depois de ven-cidas as etapas do branqueamento do capital, bem como entendendo a atuação do órgão brasileiro responsável pela recuperação deste capital.

O interesse na matéria justifica-se no estudo da coo-peração internacional e, ainda, na maneira em que se pro-cede a recuperação do dinheiro outrora maculado na forma de capital lícito e, por conseguinte, verificar como os Es-tados cedem a abertura de sua soberania para a devolução do capital ilícito.

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2. Noções introdutórias à lavagem de dinheiro e paraísos fiscais

Ao realizar o estudo sobre lavagem de dinheiro e pa-raísos fiscais, justo se faz debruçar-se sobre a análise con-ceitual do tema proposto.

Este capítulo é introdutório à lavagem de dinheiro, bem como os denominados paraísos fiscais e contém al-gumas reflexões gerais sobre este crime, sua história, con-ceitos doutrinários e análise da conjugação lavagem de di-nheiro e paraísos fiscais para a prática do ilícito.

2.1 Conceito e Evolução Histórica da Lavagem de Dinheiro

A lavagem de dinheiro, sendo um fenômeno crimino-lógico, é, evidentemente, bastante antiga.

Entretanto, sua tipificação como modalidade crimi-nosa na legislação, é extremamente recente.

Pontualmente, verifica-se a efetividade do estudo das definições dos conceitos, bem como estudar o tratamento internacional sobre o assunto e ainda realizar uma linha histórica acerca do tema.

2.1.1 Definição

Pela definição mais comum, a lavagem de dinheiro constitui um conjunto de operações comerciais ou finan-ceiras que buscam a incorporação na economia de cada

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país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos (COAF, 1999, p. 8)1.

O conceito mais simples para a lavagem2 de dinhei-ro3, em termos gerais, é fazer com que produtos e capitais adquiridos como produto de crime pareçam ter sido ad-quiridos legalmente. Assim, a lavagem de dinheiro cons-titui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão liga-dos a atos ilícitos.

O entendimento do GAFI4, lavagem de dinheiro é o processo que tem como objetivo disfarçar a origem crimi-nosa dos proveitos de crime

Segundo a Lei nº 9.613/98, a qual institui a lavagem de dinheiro como ilícito penal, a lavagem de dinheiro impu-

1 COAF. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro: um problema mundial. Brasília, COAF, UNDCP, 1999. 2 Lavar: do Latim lavare, isto é, tornar puro.3 Dinheiro: do Latim: denarius, isto é, a cada dez, que correspondia a uma moeda romana.4 GAFI – GRUPE D’ACTION FINANCIÈRE. O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) é um organismo intergovernamental que tem por objetivo conceber e promover, a nível nacional como a nível internacional, estratégias contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Trata-se de um organismo de natureza intergovernamental e multidisciplinar criado em 1989 com a finalidade de desenvolver uma estratégia global de prevenção e de combate ao branqueamento de capitais e, desde Outubro de 2001, também contra o financiamento do terrorismo, sendo reconhecido a nível internacional como a entidade que define os padrões nesta matéria. Disponível em www.fatf-gafi.org, acesso em 15.05.11.

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ta-se em “ocultar ou dissimular a natureza, origem, locali-zação, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de crime”5

Como entende SILVA (2001)6, lavagem de dinheiro é “a expressão que passou a ser utilizada para designar o dinheiro ilícito com aparência de lícito, ou seja, o ‘dinheiro sujo’ transformado em ‘dinheiro limpo’, ou, ainda, o ‘di-nheiro frio’ convertido em ‘dinheiro quente’, com a oculta-ção de sua verdadeira origem”.

A lavagem de dinheiro caracteriza-se pelo conjunto de operações comerciais ou financeiras efetuadas a fim de transformar esse dinheiro “sujo” – recursos ganhos em ati-vidades ilegais – em ativos aparentemente legais, ocultando a sua origem e permitindo que sejam utilizados para finan-ciar estilos de vida luxuosos e para investir na continuidade da atividade criminosa ou até em atividades lícitas.

2.1.2 Tratamento Internacional

Existem vários tratados e convenções internacionais que são relevantes para a lavagem de dinheiro. No âmbi-to da Organização das Nações Unidas (ONU), não existe nenhum dedicado exclusivamente à lavagem de dinheiro, mas vários abordam a obrigação jurídica dos Estados de criminalizar a conduta de converter ou transferir bens, ou

5 Art. 1, Lei 9.613 de 3 de março de 1998.6 SILVA, Cesar Antonio. “Lavagem de dinheiro, uma nova perspectiva penal”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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de ocultar ou dissimular sua origem criminosa, além das medidas de bloqueio e confisco de bens, a transnacionali-dade das condutas, a cooperação internacional, as técnicas especiais de investigação.

No âmbito Europeu, existem três Diretivas7 (normas de aplicação regional, que obrigam apenas os Estados que compõem a União Européia) e duas Convenções8 que tra-tam sobre lavagem de dinheiro.

O Brasil é signatário de todas as Convenções da ONU9 tendo-as incorporado ao direito interno através de decretos10.

O crime da lavagem de dinheiro pode ter caracterís-tica exclusivamente nacional. Entretanto, com a utilização de paraísos fiscais, acaba obtendo o caráter transnacional e, desta feita, enseja a cooperação entre países com o intuito da prevenção, identificação e recuperação de bens e ativos.

7 Diretivas são atos legislativos da União Européia os quais exigem que os Estados-Membros alcancem um determinado resultado, sem ditar os meios para atingi-lo. 8 Convenção de Estrasburgo (Aprovada pela Convenção do Conselho da Europa em 1990, entrou em vigor apenas em 1º de setembro de 1993. Com o objetivo de atingir uma política criminal comum entre os Estados-membros da então Convenção de Europa, o documento é uma importante referência a todos os países que pretendem implementar o combate à lavagem de dinheiro.) e Convenção de Varsóvia (Convenção relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos de Crime e ao Financiamento do Terrorismo. Concluída em 16 de maio de 2005, Varsóvia.)9 Convenção de Viena, Convenção de Palermo e Convenção de Mérida.10 Convenção de Viena, pelo decreto nº 159, de 26 de junho de 1991. Convenção de Palermo, pelo decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 e Convenção de Mérida, pelo decreto nº 5687, de 31 de janeiro de 2006.

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2.1.3 Evolução Histórica

O método utilizado e batizado como lavagem de di-nheiro, na história recente, nos remete à década de 20, na plena atividade da máfia norte-americana, onde mafiosos investiram seu capital, este de origem ilícita, em lavande-rias locais, a fim de dar origem lícita ao dinheiro oriundo de atividade criminosa. Este ato de branqueamento de ca-pital ficou conhecido como “Money Laundry”, em men-ção à utilização das lavanderias como forma de macular a origem do capital11.

Este método de ocultação e branqueamento do ca-pital era necessário, pois vigorava naquele país à épo-ca a “Lei Seca”12, promulgada através da 18ª Emenda à Constituição13, em 1920. Esta emenda constitucional

11 Este precedente histórico é citado em suas obras pelos autores Sergio Fernando Moro, Edson Pinto, Rodrigo Tigre Maia, João Carlos Castellar, entre outros.12 A Lei Seca entrou em vigor em 1920, com o objetivo de salvar o País (Estados Unidos da América) de problemas relacionados à pobreza e violência. A Constituição americana estabeleceu em sua 18ª emenda à Constituição, a proibição, a fabricação, o comércio, o transporte, a exportação e a importação de bebidas alcoólicas. Entendia o governo que, todos os males e mazelas vividos pelo País tinham apenas o álcool como agente causador. Essa lei vigorou por 13 anos e foi considerado o maior fracasso legislativo de todos os tempos nos Estados Unidos.13 Emenda XVIII - Votada pelo Congresso em 18 de Dezembro de 1917. Ratificada em 16 de Janeiro de 1919. Revogada pela 21ª Emenda, 5 de Dezembro de 1933. Seção 1. Um ano depois da ratificação deste. Artigo: será proibida a manufatura, venda ou transporte de bebidas alcoólicas, assim como a sua importação ou exportação, nos Estados Unidos e em todos os territórios sujeitos à sua jurisdição. Secção 2. O Congresso e os diversos Estados terão competência para fixar as leis

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proibiu a fabricação, a venda e o transporte de bebidas intoxicantes (aquelas que continham mais de 0,5 % de teor alcoólico). Enquanto esteve em vigor,14 possibilitou o surgimento de várias organizações criminosas para o fornecimento de produtos e serviços ilegais, movimen-tando uma grande soma de dinheiro. Era necessário o branqueamento15 deste capital, a fim de torná-lo líci-to nas declarações de renda. Surgia assim, a lavagem de dinheiro nos tempos modernos, pois há relatos que camponeses na antiga China já utilizavam de métodos obscuros a fim de ocultar patrimônio do Imperador e, assim, recolher menos impostos16.

Se, por um lado, a expressão em questão remonta ao início do século XX, a prática que ela descreve - re-vestir de licitude o dinheiro adquirido ilicitamente - é

que garantem o cumprimento deste artigo. Seção 3. Este Artigo não vigorará enquanto não for ratificada, como emenda à Constituição, pelas Legislaturas dos diversos Estados, de acordo com as disposições da Constituição, dentro de sete anos a contar da data em que o Congresso o submeter aos Estados.14 A lei seca americana foi abolida em 5 de dezembro de 1933, pela 21ª Emenda à Constituição,durante o primeiro mandato de Franklin Delano Roosevelt (32º presidente dos EUA). Permaneceu ativa por 13 anos, 11 meses e 24 dias.15 Branqueamento de capitais é o termo utilizado em Portugal para Lavagem de dinheiro. Na Espanha: blanqueo de capitales. Na França: blanchiment d’argent. Na Colômbia: Del lavado de ativos. Na Alemanha: Geldwache. Na Argentina: Lavado de dinero. Na Itália: riciclaggio di denario. No México: encubrimiento y operaciones com recursos de procedência ilícita. 16 Monitor de Fraudes: Lavagem de dinheiro e seus perigos. Consultor Jurídico, 12 de maio de 2004. Disponível em: <http://www.fraudes.org/fraudes/lavagem.asp>. Acesso em 30.05.2011.

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bem mais antigo do que se possa imaginar, pois há re-ferências a ela até no Novo Testamento, na história de Ananias e Safira (WEISS, 2001).

Dos países pioneiros no combate à lavagem de di-nheiro destaca-se a Itália que, em 1978, já desenvolveu a conduta típica que se resumia à imposição de obstáculos na identificação das origens dos bens. Muito se desenvol-veu depois disso, tanto nas legislações internas como no âmbito internacional.17

2.2 Paraíso Fiscal: Concepções

Ao suscitar a transacionalidade do crime da lavagem de dinheiro, há de se falar que a hipótese de incidência da utilização dos paraísos fiscais18 como um segundo Esta-do com a finalidade de branquear o capital obtido através de crime antecedente, seja ele por corrupção ou tráfico de substâncias proibidas, é uma prática complexa e que envol-ve conhecimentos técnicos específicos19.

2.2.1 Conceito

A lavagem de dinheiro pode utilizar de vários cami-nhos para ser efetivada e uma das maneiras mais utiliza-

17 SILVA, César Antônio. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, pg. 34.18 São Estados nacionais ou regiões autônomas.19 Economia, Contabilidade, Direito tributário, Direito Internacional, Estudos de tratados internacionais entre outros.

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das e, de fato, mais técnica, é através do chamado paraíso fiscal20. A Receita Federal do Brasil entende como paraíso fiscal países ou dependências que tributam a renda com alíquota inferior a 20%21. O Brasil também entende como paraísos fiscais países cuja legislação permite manter em sigilo a composição societária das empresas.

O que se denomina paraíso fiscal é um pequeno país ou região com alíquotas de impostos especialmente baixas. Isso costuma levar cidadãos e empresas dos países com im-postos altos a transferir sua residência ou sede para esses lugares e, na maioria dos casos, trata-se de centros finan-ceiros offshore22. Com baixos impostos, aliado a um sigilo bancário especialmente rigoroso e um controle mínimo do mercado financeiro, os paraísos fiscais são o destino prin-cipal de bens e capitais de origem ilícita.

20 O termo “Paraíso Fiscal” deriva da expressão em inglês “Tax Haven”. Entretanto, a palavra em inglês Haven significa abrigo, porto seguro. Algum ouvido mais desatento interpretou como Heaven, que tem sua tradução como paraíso, céu. O termo ganhou força, pois sempre foi o desejo do homem, desde os ancestrais, de não pagar tributos ou obter vantagens fiscais e, assim, este lugar seria o lugar dos deuses, o paraíso.21 Instrução Normativa nº 1.037, de 2010, com posterior alteração através do Ato Declaratório Executivo RFB nº 3, de 25 de março de 2011, o qual excluiu o regime de holding company de 1929, de Luxemburgo, da relação de regimes fiscais privilegiados.22 Offshore Centros bancários extraterritoriais não submetidos ao controle das autoridades administrativas de nenhum país e, portanto, isentos de controle. “Offshore company” é uma entidade situada no exterior, sujeita a um regime legal diferente, “extraterritorial” em relação ao país de domicílio de seus associados. Também, são contas abertas em paraísos fiscais com o intuito de pagar menos imposto que em seu país de origem.

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Os países que adotam o regime de práticas fiscais favo-recidas ou preferenciais (preferential tax system), o fazem como forma de atrair atividades produtivas de comércio, serviços e investimentos, muitas vezes sendo única opção para arrecadação. A forma de atração de investimento es-trangeiro e, por conseguinte, atração de capital outrora de origem ilícita, se dá através dos incentivos fiscais, isenções totais ou parciais (como exemplo: redução na base de cál-culo, concessão de crédito, etc.).

Com propriedade, Heleno Tôrres (2001, p. 75/76) dis-corda da terminologia “paraíso fiscal”, versando que tal jargão, incorporada na doutrina do Common Law, e, ado-tada coloquialmente pelo Direito Tributário, para identi-ficar países com concorrência fiscal prejudicial, torna-se ultrapassada, haja vista a positivação da Lei 9.430/96, em seu art. 24, onde passa a utilizar a expressão “países com tributação favorecida”.

De grande valia é a definição trazida por Heleno Tôr-res para os países de tributação favorecida23, para coroar o entendimento acerca de paraísos fiscais:

23 O IBFD define o “regime de tratamento fiscal favorecido” (privileged tax regime) como sendo: “euphemism for the tax regime of a tax haven. More neutrally, the tax regime of any country wich is substantially less burdensome than that of the country with wich is it compared”. Na mesma esteira, define os chamados Paraísos Fiscais como: “tax heaven in the classical sense refers to a country which is used to avoid tax which otherwise would be payable in high tax country” International Bureau of Fiscal Documentation. International Tax glossary. Amsterdã: IBDF, 1996, p. 234 e 299.

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A definição de “países com tributação favorecida”, como vem sendo apresentada pela doutrina, desig-na aqueles países que, para o tratamento fiscal dos rendimentos de não residentes ou equiparados a residentes, aplicam “reduzida” ou “nula” tributa-ção sobre os rendimentos e que contam ainda com segredo bancário, falta de controle de câmbios e mantêm uma grande flexibilidade para a consti-tuição e administração de sociedades locais. Mas suas manifestações variam caso a caso. Mister, pois, separar os países com tributação favorecida (“paraísos fiscais’” dos países com regime socie-tário favorecido (“paraísos societários”), daqueles com regime penal favorecido (“paraísos penais”), mesmo sendo impossível encontrar uma forma ex-clusiva de um ou de outro, prevalecendo sempre as formas híbridas, segundo a vocação preponderante de cada uma deles.24

Paraíso Fiscal, na acepção do termo, não significa e não nos remete à prática criminosa. Eles servem ainda como “condutos” em operações financeiras internacio-nais e na montagem do planejamento tributário25 inter-

24 Tôrres, Heleno. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001, p. 79/80.25 Elisão fiscal configura-se num planejamento que utiliza métodos legais para diminuir o peso da carga tributária num determinado orçamento. Respeitando o ordenamento jurídico, o administrador faz escolhas prévias que permitem minorar o impacto tributário nos gastos do ente administrado. A elisão fiscal é muito utilizada por empresas quando das transferências internacionais de recursos, na busca de conceitos tributários diferentes em países diferentes - de forma a direcionar o tráfego dos valores; assim, pode-se reduzir a carga tributária e fazer chegar às matrizes as maiores quantidades possíveis de recursos vindas das filiais.

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nacional para o treaty shopping26 - que ocorre quando o contribuinte-empresário organiza seus negócios vi-sando se beneficiar de um tratado de dupla tributação que, em princípio, não o beneficiaria, para eliminar ou reduzir a tributação sobre a renda - como base para in-termediar este tipo de operação.

Um país soberano, admitido na ordem jurídica inter-nacional, dispõe de liberdade para gerir seu ordenamento jurídico interno, constituindo seu sistema tributário a fim de exigir os tributos que criar e a carga tributária que en-tenda adequada. Portanto, não há de, preliminarmente, se atribuir ao paraíso fiscal um tipo criminoso.

O fato extremo da não obtenção e a não disponibi-lização de dados de empresas, sociedades e informações fiscais e bancárias torna-se o meio hábil para criminosos, sejam estes do sistema financeiro, criminosos do cola-rinho branco, traficantes de arma e drogas ou dinheiro oriundo da corrupção de agentes públicos ou privados, esconderem o dinheiro de forma a branqueá-lo, visando à incorporação deste na economia.

26 “Treaty shopping” generally refers to a situation where a person, who is resident in one country (say the “home” country) and who earns income or capital gains from another country (say the “source” country), is able to benefit from a tax treaty between the source country and yet another country (say the “third” country). This situation often arises where a person is resident in the home country but the home country does not have a tax treaty with the source country. Conceito disponível em http://intltax.typepad.com/intltax_blog/2008/05/treaty-shopping.html, acesso em 09.06.11.

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Segundo a Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico27 (OCDE), quatro fatores--chave são usadas para determinar se uma jurisdição é um paraíso fiscal:

1. Se a jurisdição não impõe impostos ou estes são nominais. A OCDE reconhece que cada jurisdição tem o direito de determinar se a impor impostos diretos. Se não houver impostos diretos, mas indiretos, utilizando os ou-tros três fatores para determinar se uma jurisdição é um paraíso fiscal.

2. Se houver uma falta de transparência.

3. Se as leis ou práticas administrativas não permi-tem a troca de informações para efeitos fiscais com outros países em relação aos contribuintes que se beneficiam de baixos impostos.

4. Se for permitido a não-residentes beneficiam de re-duções de impostos, enquanto na verdade não desenvolver uma atividade no país.

A concessão de vantagens fiscais “anormais”28, além

27 A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico - OCDE[ (em francês: Organisation de coopération et de développement économiques, OCDE) é uma organização internacional de 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado. Os membros da OCDE são economias de alta renda com um alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e são considerados países desenvolvidos, exceto México, Chile e Turquia. O Brasil não é país membro da OCDE28 Tôrres, Heleno p. 78

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dos benefícios e facilidades de ordem não tributária, espe-cialmente o sigilo bancário e societário, bem como isen-ções e tratamento concedido a renda de não residentes ou produzidas transnacionalmente, é o grande atrativo para a utilização dos países de tributação favorecida (paraísos fiscais) como instrumento para a prática da lavagem do dinheiro ilícito.

2.2.2 Classificação: Espécies de favorecimento

É necessária a delimitação de das vantagens conce-didas, pois existem tipos de favorecimentos no tocante aos paraísos fiscais que devem ser objeto de apreciação. Em geral, as manifestações de favorecimentos e vantagem ocorrem sempre em conjunto.

Além do já elencado paraíso fiscal, pode ser objeto de apreço outras situações de benefícios entendidos como “paraísos”: Paraísos Societários, Paraísos Penais e Paraísos Bancários/Financeiros29.

Paraísos societários são aqueles que oferecem regi-mes societários com ampla flexibilidade e com a exigência mínima de formalidade na sua constituição, não havendo o estabelecimento de limites de capital social mínimo e limi-tes para endividamento. Como exemplo, são mais freqüen-

29 Sobre a distinção apresentada, Tôrres, Heleno. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001, p. 79/85 e PINTO, Edson. Lavagem de capitais e paraísos fiscais. São Paulo: Atlas, 2007, p. 149/155.

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tes as holding companies30 e trading companies31.

Os Paraísos penais são entendidos como Estados que acumulam vantagens em demasia na esfera tributária, alia-da com a falta de tipificação rigorosa em legislação pe-nal, principalmente em matéria de lavagem de dinheiro, corrupção, receptação de bens provenientes de atividade ilícita, evasão fiscal, fraudes contábeis e, que ainda aceita a prática de ocultar ou dissimular a origem, natureza, cir-culação e movimentação de bens.

Por fim, os Paraísos Bancários/Financeiros são aqueles os quais operam sem a exigência de compro-vação patrimonial ou fiduciária, ocorrendo a ausência de transparência jurídica e administrativa e de contro-le cambial. Ainda, dispõem de segredos rígidos quanto a informações bancárias, fiscais e societárias, além de não compartilhas tais informações com a comunidade internacional. Ilhas Cayman, Bahamas e Panamá são exemplos deste tipo de favorecimento.

30 Trata-se de uma compania mantenedora ou controladora de demais empresas. A holding é constituída com a finalidade de administrar e controlar outras empresas.31 A Trading Company é uma empresa que tem como objeto a compra de produtos por conta própria no país onde se encontra sua sede, e a venda ao exterior. Em outras palavras, uma Trading possui como atividade principal a aquisição e exportação de produtos por ela adquiridos no mercado interno. Quando da prática dessas operações essas companhias têm um tratamento tributário diferenciado, adquirindo os mesmos benefícios fiscais que são conferidos à empresa que exporta produtos diretamente ao mercado internacional.

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2.2.3 Tratamento brasileiro aos Paraísos Fiscais

No ordenamento jurídico nacional, o primeiro diplo-ma legal que veio a tratar da matéria foi a Lei Federal nº 9.430 de 27 de dezembro de 1.99632. A norma em questão trouxe regras até então inexistentes, normatizando as no-ções preços de transferência33, pessoa vinculada, além da previsão dos caracteres dos países com tributação favore-cida, denominação legal dos paraísos fiscais.

No lastro lei 9.613/98, em seu art. 24-A34, no seu pa-

32 Lei Federal nº 9.430 de 27 de dezembro de 1.996: Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências.33 O termo “preço de transferência” significa o preço praticado na compra e venda (transferência) de bens, direitos e serviços entre partes relacionadas (pessoas vinculadas). Em razão das circunstâncias peculiares existentes nas operações realizadas entre empresas vinculadas, esse preço pode ser artificialmente estipulado e, conseqüentemente, divergir do preço de mercado negociado por empresas independentes, em condições análogas - preço com base no princípio arm’s length.34 Art. 24-A. Aplicam-se às operações realizadas em regime fiscal privilegiado as disposições relativas a preços, custos e taxas de juros constantes dos arts. 18 a 22 desta Lei, nas transações entre pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no País com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada no exterior. (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008)Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, considera-se regime fiscal privilegiado aquele que apresentar uma ou mais das seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)I – não tribute a renda ou a tribute à alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento); (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008)II – conceda vantagem de natureza fiscal a pessoa física ou jurídica não residente: (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008)a) sem exigência de realização de atividade econômica substantiva no país ou dependência; (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008)

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rágrafo único, fixa com precisão as características entendi-das pelo estado brasileiro como características de um país com tributação favorecida.

O Brasil, normalmente, considera paraísos fiscais to-dos os países com tributação da renda inferior a 20%. A Secretaria da Receita Federal publica periodicamente uma lista dos países considerados “paraísos fiscais”, sendo a mais recente a Instrução Normativa nº 1.037, de 2011.

Ressalte-se também, que o art. 4º da Lei Federal nº 10.451/2002, conferiu o mesmo tratamento dado aos pre-ços de transferência, para as operações realizadas com paí-ses ou dependências cuja legislação interna garanta sigilo à composição societária de pessoas jurídicas. Esta alteração legal vem no mesmo sentido das atuais discussões travadas internacionalmente acerca dos paraísos fiscais, combaten-do-os não apenas pelo reduzido nível de tributação.

2.3 Utilização dos Paraísos Fiscais para a Lava-gem de Dinheiro

O modus operandi da lavagem de dinheiro tem, dis-tintamente, três etapas, sendo, primeiramente o distan-

b) condicionada ao não exercício de atividade econômica substantiva no país ou dependência; (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008)III – não tribute, ou o faça em alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento), os rendimentos auferidos fora de seu território; (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008)IV – não permita o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas. (Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008).

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ciamento dos fundos de sua origem, evitando uma asso-ciação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficien-temente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado “limpo”.

2.3.1 Fases ou etapas da lavagem de dinheiro

Os mecanismos mais utilizados no processo de la-vagem de dinheiro envolvem, teoricamente, essas três etapas35 independentes que, com freqüência, ocorrem simultaneamente.

a) Colocação ou Placement36 – a primeira etapa do pro-cesso é a colocação do dinheiro no sistema econômico. Ob-jetivando ocultar sua origem, o agente visa movimentar o dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal37. A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos ne-

35 As etapas da lavagem de dinheiro e seus conceitos são citados em MAIA, Rodrigo Tigre, p. 37. PINTO, Edson, p. 106. CONSERINO, Cássio Roberto, p.21. Além disso, estas etapas/fases são também reconhecidas e adotadas pelo GAFI/FATF e pelo Banco Mundial.36 Utilizado os termos em inglês, haja vista serem amplamente difundidos e mundialmente adotados.37 Pode-se praticar o crime de lavagem de dinheiro em qualquer lugar. Entretanto, os criminosos valem-se dos paraísos fiscais, haja vista a baixa fiscalização, o rígido sigilo das informações societárias e das pessoas físicas, além da tributação favorecida.

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gociáveis ou compra de bens. Para dificultar a identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o fracio-namento dos valores38 que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmen-te trabalham com dinheiro em espécie.

b) Ocultação ou Layering – a segunda etapa do pro-cesso consiste em dificultar o rastreamento contábil dos re-cursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá--lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas – preferencialmente, em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas “fantasmas”.

c) Integração ou Integration – nesta última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômi-co, seja em investimentos, bens de alto valor e, recentemen-te, até em transações entre atletas, em especial no futebol.

Nesta ultima etapa, uma vez integralizado o capi-tal na economia local, com extrema dificuldade se dará prisão em flagrante ou até mesmo a imputação respon-sabilidades penais.

38 Conhecida como “Smurfing”, consiste na quebra de grandes quantias em dinheiro em quantias menores e menos suspeitas. Nos EUA, a partir de $10 mil, os bancos devem declarar a transação ao governo. No Brasil, esta quantia é de R$10 mil. Com esta prática, evita-se o controle e a fiscalização estatal.

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Há diversas outras operações comerciais realiza-das internacionalmente que facilitam a lavagem de di-nheiro e, por essa razão, merecem exame permanente detalhado. Entre essas operações estão, por exemplo, a compra e venda de jóias, pedras e metais preciosos e objetos de arte e antigüidades. Esse comércio mos-tra-se muito atraente para as organizações criminosas, principalmente por envolverem bens de alto valor, que são comercializados com relativa facilidade. Além dis-so, essas operações podem ser realizadas utilizando-se uma ampla gama de instrumentos financeiros, muitos dos quais garantem inclusive o anonimato.39

2.3.2 Operações em Centros Financeiros Offshore

Os Centros Financeiros Offshore – CFO (Offshore Financial Center – OFC) constituem sistemas financei-ros cujos bancos têm ativos e passivos externos despro-porcionais às transações em conta corrente das econo-mias domésticas dos países onde estão instalados, já que, especialmente, servem para a realização de operações transnacionais e, desta maneira, recebem pouca atenção local40. Tais centros offshore oferecem abrigo sofisticado aos capitais que procuram “proteção”, isto é baixa fiscali-zação e mínima exigência documental.

39 Cartilha do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, p.8. 40 PINTO, Edson, p. 152.

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Nos Centros Financeiros Offshore – CFO, as empre-sas não recebem fiscalização contábil e, desta feita, per-mitem a possibilidade de significativas movimentações monetárias e operações de transferência de dinheiro obtido em atividades ilegais.

Com a existência dos Centros Financeiros Offshore – CFO, não é possível afirmar que se a completa extin-ção dos paraísos fiscais faria diminuir o volume de capital lavado. Por mais que haja ações no intuito de combater a lavagem de dinheiro ilícito através dos paraísos fiscais, o fato dos CFO s não sofrerem qualquer restrição ou atuação de fiscalização, os eleva à condição de grandes centros da lavragem de dinheiro.

2.3.3 Outros instrumentos financeiros

Não obstante à utilização dos paraísos fiscais, bem como dos centros offshore para utilização na prática da la-vagem de dinheiro, vale destacar alguns instrumentos fi-nanceiros que são objeto de uso por parte de agentes lava-dores de capital ilícito.

Instrumento utilizado com o intuito de mascarar transações de capital ilícito, o Smurffing consiste na frag-mentação de grande quantia monetária, oriunda na sua totalidade de crime antecedente à lavagem de dinhei-ro, com o objetivo de fugir do controle de autoridades administrativas. No Brasil, o Banco Central é o órgão competente para fiscalizar estas transações. O limite pra

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transações é R$ 10.000,00 (dez mil reais), segundo Carta Circular 2.852/98, Art. 4, inc. I.41

Desta forma, o agente utiliza movimentações ou transferências abaixo o valor fiscalizado, dividindo-o em tantas quantias que forem suficientes para não levantar desconfiança e, assim, macula a origem e afastando a pos-sibilidade de fiscalização.

Outro instrumento financeiro utilizado é o Commin-gling42. Trata-se da conjunção entre o capital lícito e o ilícito com o intuito de branquear/ regularizar a quantia monetária ilícita advinda de algum crime antecedente. De forma a exemplificar, entende-se quando da utilização de recursos provenientes de crime antecedente são incor-porados em empresa lícita, utilizando deste capital macu-lado para realizar pagamentos, aquisições para a própria empresa e, desta maneira, inviabilizando o seguimento do capital e seu rastreamento, tendo como objetivo mistu-rar os capitais lícitos e ilícitos.

Verifica-se que estes mecanismos financeiros são uti-lizados para dificultar o rastreamento do capital oriundo de atividade ilícita e, mais, dificultar a responsabilização do agente causador do ilícito.

41 Art. 4º Deverão ser comunicadas ao Banco Central do Brasil, na forma que vier a ser determinada, quando verificadas as características descritas no art. 2º:I - as operações de que trata o art. 1º, inciso III, cujo valor seja igual ou superior a R$10.000,00 (dez mil reais);42 Traduzido do inglês como Fungibilidade. Literalmente, significa “misturar”.

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3. O crime da lavagem de dinheiro: regime jurídi-co nacional e transnacionalidade

A partir das experiências de outros países e frente ao seu dever assumido diante da Convenção de Viena de 1988, o Brasil editou a Lei 9.613/98, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro. Trata-se de uma lei que reflete antigos anseios da sociedade no combate, não só da lavagem de dinheiro, mas dos crimes antecedentes, mesmo que de forma indireta, através do poder coercitivo das penas previstas na lei.

3.1 Tratamento brasileiro a luz da lei 9.613/98

O Brasil cedeu às pressões internacionais e, diante os compromissos assumidos, promulgou a Lei 9.613/98, a qual dispõe sobre a lavagem de dinheiro.

A Lei 9.613/98 é uma complexa interação de diversos ramos do Direito, como Direito Penal e Processo Penal, Direito Penal Internacional, Administrativo, Financeiro e Comercial, possibilitando ainda discussões constitucio-nais. É estruturada em nove capítulos, respectivamente: ‘Dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores’; ‘Disposições processuais especiais’; ‘Dos efeitos da condenação’; ‘Dos bens, direitos e valores oriundos de crimes praticados no estrangeiro’; ‘Das pessoas sujeitas à Lei’; ‘Da identificação dos clientes e manutenção dos re-gistros’; ‘Da comunicação de operações financeiras’; ‘Da responsabilidade administrativa’; ‘Do Conselho de Contro-le de Atividades Financeiras’.

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3.1.1 Objeto da Lei

Em seu bojo, a lei admite a quebra de alguns paradig-mas e valores constitucionais, tão somente nos casos que existam irrefutáveis provas e razões plenamente justificá-veis. Admite que a legi longa manus43 do direito alcance na privacidade, quebrando sigilo telefônico e bancário e, portanto, o interesse público prevalece sobre as relações do interesse privado.

Neydja Maria Dias de Morais44, oportunamente, versa sobre o escopo da Lei: a) estabelecer um novo tipo penal especial; b) coibir a utilização do sistema fi-nanceiro nacional como instrumento para a “lavagem”; c) instituir uma agência nacional de inteligência finan-ceira, o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras; d) criar normas administrativas, penais e processuais específicas para a prevenção e punição dos crimes instituídos.

No entendimento de Rodrigo Tigre Maia (1999, p. 53), o crime de lavagem de dinheiro é um conjunto com-plexo de operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (inte-gration) de bens, direitos e valores, que tem por finali-dade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos

43 Do latim: longa mão da lei. Expressão utilizada no campo jurídico para expressar o grande alcance das leis e do direito.44 O crime de lavagem de dinheiro no Brasil e em diversos países. Elaborado em 04.2005. Em: http://www.1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=742. Acesso em 15/10/2010.

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ilícitos penais, mascarando esta origem para que os res-ponsáveis possam escapar da ação repressiva da justiça.

Ainda, conforme o Professor Rodrigo Tigre Maia (1999, p. 53/54), a Lei 9.613/98 tem finalidades imediatas (identificação da procedência de bens, inviabilização da fruição de bens de origem ilícita, etc.) e mediatas (tais como desestimular a prática de crimes, restaurar danos causados aos particulares, etc.)

A Lei estabeleceu penas que variam de três a dez anos (art. 1), além da proibição de fiança ou liberdade provisória (art. 3).

3.1.2 O tipo objetivo principal

Verifica-se o artigo inicial da aludida lei:Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou proprie-dade de bens, direitos ou valores provenientes, di-reta ou indiretamente, de crime:

Conforme disposto no caput, nota-se a existência de dois verbos, “ocultar” e “dissimular”, os quais dispõem so-bre a conduta típica básica da lavagem de dinheiro.

A utilização destes dois verbos está em consonân-cia com a tipificação contida no artigo 3º, b.i e b.ii, da Convenção da Organização das Nações Unidas contra o Tráfico de Entorpecentes45.

45 b) i) a conversão ou a transferência de bens, com conhecimento

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Com isso, criminaliza-se a ocultação ou dissimu-lação da natureza, origem, localização, disposição, mo-vimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores. Pretendeu-se a redação de tipo penal bastante abrangente, com a finalidade de evitar dúvidas interpretativas.46

Muito embora um ato típico de lavagem de dinheiro possa ser revestido de alta complexidade, por se tratar de um crime ardiloso e munido de métodos a dificultar seu rastreamento, há a possibilidade da imputação do crime mesmo pela prática de atos muitas vezes singelos e sim-ples. Sobre isso, há inclusive precedente do Supremo Tri-bunal Federal47.

Não obstante, outros países adotaram formas diversas para a tipificação do crime de lavagem. É o caso, a título de

de que tais bens são procedentes de algum ou alguns dos delitos estabelecidos no inciso a) deste parágrafo , ou da prática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do delito ou delitos em questão, para fugir das conseqüências jurídicas de seus atos; ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou de participação no delito ou delitos em questão46 PITOMBO, Sérgio A. de Moraes, p. 3147 RHC 80816, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 18/06/2001, DJ 18-06-2001 PP-00013 EMENT VOL-02035-02 PP-00249)

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estudo, da Argentina48, França49, Itália50 e Índia51.

Evidentemente, com o estudo de casos concretos, po-dem ser examinados métodos e esquemas a fins de instru-ção da lavagem de dinheiro, com o objetivo da identificação da tipologia disposta na lei e, desta feita, entender os meca-

48 Código Penal de la Nación. Articulo 278: 1) a) Será reprimido con prisión de dos a diez años y multa de dos a diez veces del monto de la operación el que convirtiere, transfiriere, administrare, vendiere, gravare o aplicare de cualquier otro modo dinero u otra clase de bienes provenientes de un delito en el que no hubiera participado, con la consecuencia posible de que los bienes originarios o los subrogantes adquieran la apariencia de un origen lícito y siempre que su valor supere la suma de cincuenta mil pesos ($ 50.000), sea en un solo acto o por la reiteración de hechos diversos vinculados entre sí;49 Na França, o crime de lavagem de dinheiro abrange 4 tipos diferentes, variando segundo o crime antecedente ou o relacionado à lavagem.( HOTTE, David G., HEEM, Virginie. La lutte contre La blanchiment dês capitaux, p. 41) Há o crime de lavagem relacionado ao tráfico de drogas (artigo 222 a 238 do Código Penal), o crime de lavagem ligados a atos de terrorismo (artigo 421 do Código Penal), o crime de lavagem relacionado a uma operação financeira entre a França e o estrangeiro e envolvendo fundos provenientes de um delito aduaneiro ou de um crime de tráfico de drogas ( artigo 415 do Código Aduaneiro) e, por fim, o crime de lavagem relacionado a todo crime ou delito (artigo 324 do Código Penal).50 Código Penal Italiano, Art. 648 Recciclaggio. Ter Impiego di denaro, beni o utilità di provenienza illecita: Chiunque, fuori dei casi di concorso nel reato e dei casi previsti dagli artt. 648 e 648 bis, impiega in attività economiche o finanziarie denaro, beni o altre utilità provenienti da delitto, è punito con la reclusione da quattro a dodici anni e con la multa da lire 2 milioni a lire 30 milioni51 Na Índia, o crime de lavagem de dinheiro está previsto na Seção 3 do “The Prevention of Money Laundering Act, 2002”. Para aprofundamento, vide TREHAN, Jyoti. Crime and Money Laundering: The Indian Perspective, 2004.

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nismos complexos utilizados no crime, bem como a estru-turação lógica para o objetivo de branquear o capital ilícito.

3.1.3 Normatizações, Cartas Circulares e Resolu-ções do Banco Central do Brasil

Sobre o assunto no ordenamento jurídico brasileiro, tem primordialmente a já aludida Lei 9.613/98. Porém, a preocupação com o crime da lavagem de dinheiro sem-pre se mostrou latente e presente em outros ordenamentos jurídicos. Já em 1986, através da Lei 7.560 se criou o fun-do Nacional Anti Drogas. No ano de 1993, através da Lei 8.764/93 se instituiu, no âmbito do Ministério da Justiça, o Fundo de Prevenção, recuperação e Combate ao Abuso de Drogas (FUNCAB), a ser gerido pela Secretaria Nacional de Entorpecentes.

Anote-se, pois, que os recursos provenientes deste Fundo, serão destinados, entre outras hipóteses, ao custeio relativo às ações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, no tocante ao combate dos crimes de lavagem de dinheiro52.

Quanto ao regramento administrativo de situações envolvendo lavagem de dinheiro, no ano de 1999 o Ban-co Central editou a carta circular nº 2.852, a qual dispôs sobre os procedimentos a serem adotados na prevenção e combate às atividades relacionadas com os crimes previs-tos na Lei 9.613/98.

52 Conforme CONSERINO, Cássio Roberto, p. 9.

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Em destaque na referida carta circular está o art. 6º, in verbis, As instituições e entidades mencionadas no art.1 bem como a seus administradores e empregados, que dei-xarem de cumprir as obrigações estabelecidas nesta Circu-lar serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelo BACEN, as sanções previstas no Art. 12 da Lei 9.613/98.

As Instituições estão obrigadas a manter atualizadas as informações cadastrais dos clientes; O cadastro deve ser conservado por um período de 05 (cinco) anos, contados a partir do 1º dia do ano seguinte ao do encerramento da conta corrente ou conclusão da operação; Manter controles que permitam identificar o cliente e verificar a compatibi-lidade entre as movimentações financeiras e capacidade econômica financeira do mesmo. O controle deve abranger a totalidade das operações de uma pessoa, conglomerado ou grupo; Para Pessoas Jurídicas, as Instituições devem manter cadastro completo dos procuradores, bem como de seus controladores;

Ainda, devem desenvolver e programar controles para detectar as operações que caracterizem indício de ocorrência de “lavagem”; As Instituições, administradores e emprega-dos, que deixarem de cumprir as determinações da Circular, estarão sujeitos as penalidades previstas na Lei 9.613/9853.

Com finalidade de se expandir o entendimento, vá-lida é a exposição linha do tempo com as regulamenta-

53 Em https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method =detalharNormativo, acesso em 05.07.2011.

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ções do Banco Central (BACEN) pertinentes a lavagem de dinheiro54.

De forma concorrente, as normatizações administra-tivas regulam as atividades econômicas, com a finalidade de se obter informações pertinentes a prática do crime de lavagem de dinheiro, bem como introduzir ao ordenamen-to jurídico pátrio subsídios para o combate do crime, bem como a identificação de seus agentes.

3.2 Transnacionalidade do Crime da lavagem de dinheiro

Além do crescimento, natureza, diferentes motiva-ções adaptáveis dos criminosos e das empresas, é difícil encontrar consenso na comunidade internacional sobre quais atividades devem ser tratados como um crime trans-nacional. Desentendimentos sobre sanções internacionais e as diferenças nacionais nos códigos civis, especialmente entre os modernos e os Estados em desenvolvimento, ainda complicam mais a utilização das abordagens tradicionais de justiça penal para o crime transnacional.

Ainda se tratando da lavagem de dinheiro, a transna-cionalidade criminal se torna dissipada quando da inter-nalização do capital ilícito e, assim, dificultando a aplica-ção da legislação.

54 Conforme consulta formulada ao site do Banco Central do Brasil, em http://www.bcb.gov.br, acesso em 05.07.2011.

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3.2.1 Crime Transnacional: Conceito

O crime transnacional é uma ameaça às instituições democráticas e um desafio para o ordenamento jurídico internacional. A ONU, inserida nesse contexto de inse-gurança, buscou harmonizar as normas jurídicas referen-tes ao crime organizado e estabeleceu a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacio-nal. Esse instrumento se transformou em uma das mais importantes medidas internacionais no combate ao crime organizado transnacional.

A Convenção das Nações Unidas para contra o Cri-me Organizado Transnacional (TOC), adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, discorre sobre os cri-mes transnacionais e elenca os fatores para a atribuição do ilícito internacional.

O Brasil, aprovou e incorporou a convenção em 12 de março de 2004, através do decreto nº 501555. Em seu escopo, precisamente no art. 3, § 2, a inteligência do texto conceitua a transnacionalidade de um crime:

2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se:

a) For cometida em mais de um Estado;

b) For cometida num só Estado, mas uma parte

55 Conforme dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 49, inc. I é competência exclusiva de o Congresso Nacional resolver definitivamente sobre acordos, tratados ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

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substancial da sua preparação, planejamento, dire-ção e controle tenham lugar em outro Estado;

c) For cometida num só Estado, mas envolva a par-ticipação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Es-tado; ou

d) For cometida num só Estado, mas produza efei-tos substanciais noutro Estado.

Com este entendimento, fica evidenciado que a lava-gem de dinheiro, utilizando os países de tributação favore-cida como meio a branquear o capital oriundo de atividade ilícita, inclue-se no rol de crimes transnacionais.

Senão, vejamos: sabido que se exige a obtenção de capital oriundo de atividade ilícita ou capital que, há de se falar, não encontra base nem origem lícita para ser de-clarado ao fisco. Este fato ocorre no país de origem. A transnacionalidade do crime inicia-se com a remessa ile-gal de monta de capital não declarado ou de origem ilícita a outro país, este com tributação favorecida, os paraísos fiscais. A conditio sine qua non56 para a concretização da lavagem do dinheiro ilícito é o retorno deste capital ma-culado ao país de origem, com aspecto de dinheiro lícito, com origem definida. O simples fato de remeter capital à

56 Do latim: condição sem a qual não se atingirá seu objetivo. No âmbito do Direito Penal, não havendo o conditio sine qua non, não há nexo de causalidade, e nem há crime, como diz o Art. 13 do Código Penal: “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”

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um paraíso fiscal não constitui crime. Entretanto, se este capital ilícito retorna e é incorporado na economia local, constitui os elementos necessários à sua caracterização de crime57 transacional58.

3.2.2 A Convenção de Palermo

O crime transnacional é uma ameaça às instituições democráticas e um desafio para o ordenamento jurídico internacional. A ONU, inserida nesse contexto de insegu-rança, almejou harmonizar as normas jurídicas referen-tes ao crime organizado e estabeleceu a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado59 Transnacio-nal. Esse instrumento se transformou em uma das mais importantes medidas internacionais no combate ao crime organizado transnacional.

A convenção estabelece que os países signatários se comprometam a adotar medidas que incriminem “a con-versão ou a transferência de bens oriundos da atividade criminosa conexa como tráfico de substância estupefa-ciente ou psicotrópica, com finalidade de esconder ou en-

57 Segundo a doutrina, crime constitui uma conduta típica, antijurídica e culpável.58 Que vai além de suas fronteiras, englobando mais de uma nação.59 Artigo 2. Terminologia. Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) “Grupo criminoso organizado” - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

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cobrir a proveniência ilícita. O acordo também estabelece o confisco dos produtos do crime ou dos bens e propõe que o sigilo bancário não seja tão rigoroso60.”

Observa-se, então, que o Brasil61 e mais outros 123 países assinaram a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional em 2000 na Itália, mais conhecida como Convenção de Palermo.

A Convenção permite que os governos evitem e com-batam o crime organizado transnacional de forma mais eficaz, através de um conjunto comum de ferramentas que dispõem de técnicas de legislação criminal, além da coo-peração internacional. Analisando os dispositivos da Con-venção de Palermo, desde que obedecidos todos os trâmi-tes previstos na Constituição Federal, equiparados às leis ordinárias, nota-se a previsão de diversos institutos e pro-cedimentos que, bem antes da sua celebração, já estavam previstos no ordenamento jurídico interno.

O art. 2º traz uma série de medidas cabíveis e que visam aparelhar os órgãos da persecução penal no deside-rato da colheita de provas. Ocorre que no referido artigo somente há a menção das ações, sendo que muitas delas são pormenorizadamente disciplinadas em outras leis. O

60 Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro / Conselho de Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Secretaria de Pesquisa e Informação Jurídicas. Brasília: CJF, 2002. Pg. 30.61 No Brasil, incorporado ao ordenamento jurídico através do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 - Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

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art. 8º, a e b, determina a criminalização da corrupção. Outra disposição constante da Convenção é a necessidade de proteção das testemunhas.

O art. 6º da Convenção estabelece que os Estados parte adotem medidas legislativas no sentido de crimi-nalizar as condutas de lavagem de dinheiro. Observe-se que, no Brasil, o crime de lavagem de dinheiro já está previsto na lei nº 9.613/98.

O art. 12 recomenda que cada Estado parte deve-rá adotar medidas no sentido da apreensão e confisco do produto das infrações cometidas pela organização criminosa, bem como dos bens utilizados na prática de-lituosa. Tais medidas já estão previstas no Código de Processo Penal, conforme se depreende da leitura dos artigos 125 usque 144, que trata das medidas assecu-ratórias. Ademais, o artigo 13 determina a adoção de medidas de cooperação internacional para efeitos de confisco dos bens referidos no art. 12. A despeito de inexistir um instrumento internacional específico tra-tando da cooperação internacional para o confisco dos bens, no Brasil tal medida se dá pelo cumprimento das cartas rogatórias, sendo que tal medida está prevista no art. 210 do Código de Processo Civil62.

62 Art. 210 do Código de Processo Civil. A carta rogatória obedecerá, quanto à sua admissibilidade e modo de seu cumprimento, ao disposto na convenção internacional; à falta desta, será remetida à autoridade judiciária estrangeira, por via diplomática, depois de traduzida para a língua do país em que há de praticar-se o ato.

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Deste modo, verifica-se que as disposições previstas na Convenção de Palermo, de uma alguma forma, são repro-duzidas na legislação pátria. Ocorre que, devido à inflação legislativa, muitas medidas de combate às organizações cri-minosas estão distribuídas em diversas leis, que por sua vez, caem no ostracismo e não são devidamente utilizadas.

4. Cooperação jurídica internacional para a repa-triação de ativos

A cooperação internacional pauta-se na tendência de se adotar institutos jurídicos que priorizem a recuperação dos ativos ilicitamente obtidos pela organização criminosa, visando à desestruturação e paralisa deste grupo de indiví-duos focados em macular o capital.

Novos instrumentos de identificação da atividade e novas formas de punibilidade contribuem para o aumento do o risco e, assim, encarecendo a prática do crime e o fi-nanciamento do combate às organizações criminosas.

4.1 Ação internacional contra a lavagem de dinheiro

Há tempos que se discute e são elaborados estudos vi-sando alcançar mecanismos para o controle e fiscalização sobre remessas de dinheiro transnacionais. Não obstante a este controle, depende-se de combater o crime primário, aquele que dá origem a obtenção do capital ilícito, seja ele em dinheiro, bens, entre outros.

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O tema da lavagem de dinheiro, embora conhecido desde a década de 80, difundiu-se, nos últimos anos, em conferências internacionais e a preocupação com os aspec-tos práticos do combate a esse crime começou a se materia-lizar de forma mais ampla já no início dos anos 90.

4.1.1 Convenção de Viena e Convenção de Mérida

Inicialmente, importante verificar o conceito de convenção internacional, conforme entendimento do go-verno brasileiro63:

Uma convenção internacional é um acordo de von-tades, regido pelo Direito Internacional, estabele-cido por escrito, entre Estados, agindo na quali-dade de sujeitos internacionais, do qual resulta a produção de efeitos jurídicos. Vale mencionar que, no Brasil, as Convenções Internacionais são inter-nalizadas no arcabouço jurídico interno com sta-tus de lei ordinária, tornando-se, pois, uma norma de aplicação obrigatória no país.

A “Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecen-tes e de Substâncias Psicotrópicas”, aprovada em Viena, Áustria, em 1988, no âmbito das Nações Unidas, mais co-nhecida como “Convenção de Viena”, teve como propósito promover a cooperação internacional no trato das questões ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes e crimes correla-tos, dentre eles a lavagem de dinheiro. Trata-se do primeiro instrumento jurídico internacional a definir como crime a

63 Disponível em http://www.cgu.gov.br/onu/convencao/info/index.asp

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operação de lavagem de dinheiro. O Brasil ratificou a Con-venção de Viena em junho de 1991, através do decreto nº 157 de 26 de junho de 1991.

Esta convenção versou oportunamente sobre coope-ração jurídica internacional a fins de mútua assistência nos casos envolvendo lavagem de dinheiro oriundo do tráfico ilícito de substâncias psicotrópicas. Como desta-que, o seguinte:

Artigo 7 - Assistência Jurídica Recíproca

1 - As Partes se prestarão, de acordo com o disposto no presente Artigo, a mais ampla as-sistência jurídica recíproca nas investigações, julgamentos e processos jurídicos referentes a delitos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3.

3 - As Partes poderão prestar qualquer outra forma de assistência judicial recíproca autoriza-da pelo direito interno da Parte requerida.

4 - As Partes, se assim lhes for solicitado e na medida compatível, com seu direito e práti-ca interna, facilitarão ou encorajarão a apre-sentação ou disponibilidade das pessoas, incluindo a dos detentos, que consintam em colocar com as investigações ou em intervir nos procedimentos.

5 - As Partes não declinarão a assistência jurídi-ca recíproca prevista neste Artigo sob alegação de sigilo bancário.

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O artigo 3º64 da presente Convenção versa sobre bens e capitais e sua possível dissimulação no intuito de macular a origem do montante:

b) i) a conversão ou a transferência de bens, com conhecimento de que tais bens são procedentes de algum ou alguns dos delitos estabelecidos no in-ciso a) deste parágrafo, ou da prática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do delito ou delitos em questão, para fugir das con-seqüências jurídicas de seus atos;

ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos mencio-nados no inciso a) deste parágrafo ou de participa-ção no delito ou delitos em questão;

A partir do Decreto nº 5.687/200665, as autorida-des fiscalizadoras obtiveram a chancela para prevenir e reprimir a prática ilegal da corrupção. O decreto pro-mulga a Convenção das Nações Unidas contra a Cor-rupção, mais conhecida como Convenção de Mérida. A

64 Artigo 3 - Delitos e Sanções. 1 - Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente:65 Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006: Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003.

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Convenção foi realizada em 2003, na cidade mexicana de Mérida, e resultou na assinatura de um documento por mais de cem países, entre eles o Brasil, que se com-prometem a combater a corrupção.

A Convenção de Mérida é o primeiro tratado global contra a corrupção. Ele oferece a estrutura legal para cri-minalizar práticas de corrupção, ampliar a cooperação in-ternacional no enfrentamento de paraísos fiscais e facilitar a recuperação de ativos desviados para o exterior, esfor-çando-se para atingir a finalidade base sendo esta a recu-peração do ativo.

A Convenção também trata da cooperação interna-cional. A restituição de ativos, aliás, é um princípio funda-mental da convenção e, de acordo com o texto, “os Estados participantes se prestarão a mais ampla cooperação e as-sistência entre si”. Para haver a facilitação da comunicação entre os países signatários, a convenção também prevê a cooperação interna, entre os órgãos responsáveis por com-bater a corrupção.

4.1.2 Grupo de Ação Financeira contra Lava-gem de Dinheiro - GAFI (ou Financial Action Task Force – FATF)

A Financial Action Task Force66 (FATF) é um órgão inter-governamental cujo objetivo é o desenvolvimento e

66 Disponível em inglês em: <http://www.fatf-gafi.org/pages/0,3417,en_32250379_32236836_1_1_1_1_1,00.html>

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promoção de políticas, tanto a nível nacional e internacio-nal, para combater a lavagem de dinheiro e financiamen-to do terrorismo. A Força-Tarefa é, portanto, um “órgão político” que trabalha para gerar a necessária vontade po-lítica para realizar nacional reformas legislativas e regu-lamentares nestas áreas.

O progresso dos membros do GAFI (em português, Grupo de Ação Financeira Internacional) monitores na implementação de medidas necessárias, revisões técnicas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo e contramedidas, e promove a adoção e implementação de medidas adequadas a nível mundial. Na realização dessas atividades, o GAFI colabora com outros organismos inter-nacionais envolvidos no combate à lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo.

O GAFI é atualmente composto por 34 membros e duas jurisdições de organizações regionais67, representan-do a maioria dos principais centros financeiros em todas as partes do globo.

Ainda, existem os membros associados, sendo eles órgãos com atuação similar ao GAFI:

67 Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, China, Dinamarca, Comissão Europeia., Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Conselho de Cooperação do Golfo do, Hong Kong, China, Islândia, Índia, Irlanda, Itália, Japão, Reino dos Países Baixos, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, República da Coréia, Rússia, Singapura, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos.

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The Asia/Pacific Group on Money Laundering (APG)

Caribbean Financial Action Task Force (CFATF)

The Council of Europe Select Committee of Ex-perts on the Evaluation of Anti-Money Landering Measures (MONEYVAL) (formerly PC-R-EV)

The Financial Action Task Force on Money Laun-dering in South America (GAFISUD)

Middle East and North Africa Financial Action Task Force (MENAFATF)

Eurasia Group (EAG)

Eastern and Southern Africa Anti-Money Launde-ring Group (ESAAMLG)

Intergovernmental Action Group against Money--Laundering in Africa (GIABA)

O GAFI não tem uma constituição bem definida ou um tempo de vida ilimitado. A Força-Tarefa opiniões sua missão a cada cinco anos. O GAFI tem sido na existên-cia desde 1989. Em 2004, representantes do Ministério dos membros do GAFI concordou em prorrogar o mandato da Força-Tarefa até 2012.

4.1.3 Unidades Financeiras de Inteligência – UFI

Uma Unidade Financeira de Inteligência (em inglês Financial Intelligence Unit) define-se como a agência cen-tral nacional, responsável por receber (e, se permitido, re-quisitar), analisar e encaminhar às autoridades competen-

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tes, denúncias sobre informações financeiras: a) referentes a recursos oriundos de crime e potencial financiamento do terrorismo; ou b) requisitados pela legislação nacional ou regulamentação, com o objetivo de combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo68.

As UFI são mecanismos estatais para a ccoleta de informações financeiras e envolve escrutinar um grande volume de dados transacionais, normalmente fornecido pelos bancos, como parte das exigências regulamentares. Operações realizadas por certos indivíduos ou entidades podem ser estudados. Alternativamente, as técnicas de mineração de dados ou datamatching pode ser empregada para identificar as pessoas potencialmente envolvidas em uma atividade particular.

No exemplo brasileiro, é o órgão criado por lei, com a finalidade de receber comunicações de operações suspeitas e analisá-las, a fim de identificar possíveis atos de lavagem de bens. A UIF também pode coletar informações, por iniciativa própria, a fim de detectar tais atos. No Brasil, a UIF é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), criado pela Lei n.º 9.613, de 3 de março de 199869.

68 Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?Definicao =1447&idioma=P&idpai=GLOSSARIO>69 A aludida lei é a Lei de combate à lavagem de dinheiro, amplamente debatida e citada na presente pesquisa.

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4.2 Atuações e mecanismos do governo brasileiro

Um setor em que o Brasil talvez tenha a maior pre-sença internacional é o de inteligência financeira. Nesse sentido, o Conselho de Controle de Atividades Financei-ras (COAF) é reconhecido pela comunidade internacional como a Unidade de Inteligência Financeira (FIU) do Brasil e tem atuado em foros internacionais vinculados ao tema, com destaque para as reuniões do Grupo de Ação Finan-ceira Internacional (GAFI/FATF) – a principal instituição de combate aos crimes financeiros que sustentam o cri-me organizado – e nos grupos regionais da América do Sul (GAFISUD70) e do hemisfério (Grupo das Américas e Grupo da América Central e Caribe).

4.2.1 Conselho de Controle de Atividades Finan-ceiras – COAF

O COAF foi criado pela Lei nº 9.613, de 03.03.98, no âmbito do Ministério da Fazenda, com a finalidade de dis-ciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividade ilícitas rela-

70 O GAFISUD é o Grupo Regional (estilo do GAFI) da América do Sul, criado em 2000, mediante um Memorando de entendimento entre os governos da Argentina, da Bolívia, do Brasil, do Chile, da Colômbia, do Equador, do México, do Paraguai, do Peru e do Uruguai.Tem sede em Buenos Aires, na Argentina, e dedica-se a desenvolver políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no âmbito da América do Sul.Realiza exercícios de tipologias, e mecanismos de avaliações mútuas similares aos do GAFI.

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cionada à lavagem de dinheiro71.

Os princípios que regem a sua organização e estru-tura estão expressos no seu Estatuto, promulgado pelo Decreto nº 2.799, de 08.10.98, e na Portaria nº 330, de 18.12.98, que aprova o Regimento Interno do COAF, re-gulando seu funcionamento.

O Conselho de controle de atividades financeiras é a unidade de inteligência financeira brasileira e um órgão integrante do Ministério da Fazenda. Possui um papel cen-tral no sistema brasileiro de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, tendo a incumbência le-gal de coordenar mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à lavagem de dinheiro, disciplinar e aplicar penas administrativas e receber, examinar e identificar ocorrên-cias suspeitas. O COAF também coordena a participação do Brasil em várias organizações internacionais, tais como GAFI, GAFISUD e Grupo de Egmont72.

Ainda, tem participado ativamente de eventos in-ternacionais relacionados à lavagem de dinheiro e ao

71 Disponível em: < https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/institucional/o-coaf/sobre-o-coaf/ >72 Grupo de Unidades de Inteligência Financeira (UIFs), formado com o objetivo de incrementar o apoio aos programas nacionais de combate à lavagem de dinheiro dos países que o integram, e que inclui a ampliação de cooperação entre as UIFs e a sistematização do intercâmbio de experiências e de informações de inteligência financeira. o que melhora a capacidade e a perícia dos funcionários das unidades e gera melhor comunicação por meio da aplicação de tecnologia específica.

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financiamento ao terrorismo. Graças ao COAF, o Brasil se tornou membro do GAFI, do GAFISUD e do Gru-po de Egmont, sendo reconhecido internacionalmente como um país que luta de forma eficaz contra ativida-des financeiras ilícitas.

4.2.2 Departamento de recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional do Ministério da Justiça – DRCI

O Departamento de Recuperação de Ativos e Coope-ração Jurídica Internacional (DRCI), criado por meio do Decreto n.º 4.991, de 18 de fevereiro de 2004, está subordi-nado à Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça.

O DRCI tem como principais atribuições: a análi-se de cenários, a identificação de ameaças, a definição de políticas eficazes e eficientes e o desenvolvimento de cultura de prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Além disso, o DRCI é responsável pelos acordos interna-cionais de cooperação jurídica internacional, tanto em ma-téria penal quanto em matéria civil, figurando como auto-ridade central no intercâmbio de informações e de pedidos de cooperação jurídica internacional.

As competências do DRCI estão dispostas a fins de promover a recuperação de ativos73:

73 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7A4BFC59ITEMID 401B422470464DA481D21D6F2BBD1217PTBRNN.htm>

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A apreensão de bens também pode ser uma grande fonte de recursos para o combate ao crime, bem como uma mensagem de desestímulo aos criminosos. Uma das prin-cipais metas do governo brasileiro no combate ao crime organizado é tornar o estado mais eficiente na recuperação de ativos de origem ilícita.

4.2.3 Grupo de trabalho em lavagem de dinheiro e crimes financeiros do Ministério Público Federal – GTLD e a Estratégia Nacional de Combate à Corrup-ção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA

O GTLD é o Grupo de Trabalho da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal de-dicado aos temas de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro. Suas funções74 são:

a) prestar apoio às atividades de investigação e perse-cução penal desenvolvidas pelo Ministério Público Federal;

b) promover articulação interna e externa, dentro do sistema nacional e internacional antilavagem de dinheiro.

Ainda, o grupo dispõe da ASCJI – Assessoria de Coo-peração Jurídica Internacional está vinculada ao Gabinete do Procurador Geral da República e tem como principais atribuições assisti-lo em assuntos de cooperação jurídica internacional com autoridades estrangeiras e organismos internacionais, bem como no relacionamento com os ór-

74 Disponível em <http://gtld.pgr.mpf.gov.br/sobre-o-gtld/>

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gãos nacionais voltados às atividades próprias da coopera-ção internacional. A ASCJI é composta por três subprocu-radores-gerais da República, designados pelo PGR, sendo um deles o coordenador.

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA75 foi criada em 2003 (mesmo ano de criação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI), como forma de contribuir para o combate sistemático à lavagem de dinheiro no País. Posteriormente, em 2006, o tema “combate à corrupção” foi incluído como um dos ob-jetivos da Estratégia.

A ENCCLA consiste na articulação de diversos ór-gãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, com o objetivo de identificar e propor ajustes aos pontos falhos do sistema antilavagem e anticorrupção.

Atualmente, cerca de 60 órgãos e entidades fazem parte da ENCCLA, tais como, Ministérios Públicos, Poli-ciais, Judiciário, órgãos de controle e supervisão – CGU76,

75 Disponível em http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7AE 041E 8ITEMID3239224CC51F4A299E5174AC98153FD1PTBRIE.htm, acesso em 30.09.2001.76 Controladoria Geral da União

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TCU77, CVM78, COAF79, PREVIC80, SUSEP81, Banco Cen-tral, Agência Brasileira de Inteligência, Advocacia Geral da União, Federação Brasileira de Bancos, entre outros.

4.3 Instrumentos eficazes na utilização prática do resgate de ativos

A grande tendência que se molda atualmente é a har-monia global no tocante à cooperação jurídica internacio-nal nas relações bilaterais e multilaterais, pois, é fato que, sem a devida colaboração de todos os países, será impos-sível o controle dos crimes financeiros transnacionais e, mais, a recuperação desse ativo advindo do ilícito.

A legislação pátria dispõe sobre esta cooperação no artigo 8º, da Lei de Lavagem de Dinheiro:

Art. 8º O juiz determinará, na hipótese de exis-tência de tratado ou convenção internacional e por solicitação de autoridade estrangeira competente, a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou va-lores oriundos de crimes descritos no art. 1º, prati-cados no estrangeiro.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo, indepen-dentemente de tratado ou convenção internacio-nal, quando o governo do país da autoridade

77 Tribunal de Contas da União78 Comissão de Valores Mobiliários79 Conselho de Controle de Atividades Financeiras80 Superintendência Nacional de Previdência Complementar81 Superintendência de Seguros Privados

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solicitante prometer reciprocidade ao Brasil. (grifo nosso)

§ 2º na falta de tratado ou convenção, os bens, di-reitos ou valores apreendidos ou seqüestrados por solicitação da autoridade estrangeira competente ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre o estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito do lesa-do ou de terceiro de boa-fé.

Para tal, alguns instrumentos de cooperação internacio-nal se tornam eficazes para a contribuição do cerceamento das atividades ilícitas e, assim, dando início ao rastreamento e recuperação do montante e sua posterior repatriação.

4.3.1 As 40 recomendações do GAFI/FATF

Em 1990, o GAFI/FATF publicou as “40 Recomenda-ções” com o intuito de estabelecer ações a serem seguidas pelos países imbuídos do propósito de combater o crime de lavagem de dinheiro, bem como para promover a repatria-ção dos ativos oriundos de crime. Duas metas principais são fornecer instrumentos para o desenvolvimento de um plano de ação completo de combate à lavagem de dinhei-ro e discutir ações ligadas à cooperação internacional. Em 1996, as 40 Recomendações82 foram revisadas a fim de que

82 As Quarenta Recomendações e as Oito Recomendações Especiais do GAFI foram reconhecidas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial como os padrões internacionais para o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo

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pudesse refletir as tendências atuais do crime de lavagem e potenciais ameaças futuras, como o terrorismo.

No tocante à lavagem de dinheiro transnacional e a repatriação de ativos oriundo deste crime, as recomenda-ções do GAFI são balizas utilizadas pelos Estados a fim de conter a proliferação do crime. Neste ato, se faz útil para aclarar o entendimento, versar sobre os principais itens da cooperação internacional.

A recomendação nº 36 é essencial para o entendimen-to da assistência jurídica mútua entre os Estados:

36. Os países deveriam, de forma rápida, cons-trutiva e eficiente, proporcionar o mais am-plo auxílio judiciário mútuo nas investigações e procedimentos de natureza criminal sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo e em procedimentos conexos. Em espe-cial, os países: a) Não deveriam proibir nem co-locar condições injustificadas ou indevidamente restritivas à prestação de auxílio judiciário mú-tuo; b) Deveriam assegurar-se de que dispõem de procedimentos claros e eficazes para a execução dos pedidos de auxílio judiciário mútuo; c) Não deveriam recusar a execução de um pedido de auxílio judiciário mútuo, tendo como única jus-tificação o fato de o crime envolver também ma-téria fiscal; d) Não deveriam recusar a execu-ção de um pedido de auxílio judiciário mútuo, tendo como justificação o fato de o seu direito interno impor às instituições financeiras que mantenham o segredo ou a confidencialidade.

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Os países deveriam assegurar que os poderes atri-buídos às autoridades competentes, de acordo com a Recomendação 2883, podem ser também utiliza-dos para dar resposta a pedidos de auxílio judiciá-rio mútuo e, se for compatível com o seu direito interno, responder a pedidos diretos, apresentados por autoridades judiciárias ou autoridades de apli-cação da lei estrangeira às suas homólogas nacio-nais. (...)

Acerca do instituto jurídico da dupla incriminação84, versa a recomendação nº 37:

37. Os países deveriam prestar o mais amplo auxílio judiciário mútuo mesmo na ausência da dupla incriminação.

Quando a dupla incriminação seja um requisito exigido para a prestação de auxílio judiciário mú-tuo ou para a extradição, tal requisito deverá con-siderar-se cumprido independentemente de ambos os países subsumirem o crime na mesma categoria de crimes ou de tipificarem o crime com a mesma terminologia, sempre que em ambos os países es-teja criminalizada a conduta subjacente à infração.

83 Recomendação nº 28: Ao conduzir investigações sobre o branqueamento de capitais e as infrações subjacentes, as autoridades competentes deveriam estar em condições de poder obter documentos e informações para utilizar nessas investigações, nos procedimentos de natureza criminal e em ações relacionadas. Esses poderes deveriam incluir a possibilidade de impor às instituições financeiras e a outras entidades medidas compulsórias para a apresentação de documentos, para a busca e a revista de pessoas e locais e para a apreensão e obtenção de prova.84 Quando a conduta do agente é tipificada como crime em ambas as jurisdições.

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Importante ressaltar que a dupla incriminação é um dos entraves jurídicos de maior relevância para a não cooperação entre os países. Sobre tal situação, a in-teligência do art. 42, item 2º, da Convenção de Mérida já advinha a expor esta questão, no sentido de que os países signatários aceitassem os pedidos de assistência jurídica, independente de incorrer em delito na legisla-ção do estado requerido.

A recomendação de nº 38 informa aos Estados, medi-das com a finalidade de atenção aos frutos e capitais per-cebidos com a prática de crime:

38. Seria conveniente que pudessem ser tomadas medidas rápidas, em resposta a pedidos de ou-tros países, para identificar, congelar, apreen-der e declarar a perda de bens objeto de bran-queamento de capitais, de produtos derivados do branqueamento ou das infrações subjacen-tes, de instrumentos utilizados ou destinados a serem utilizados na prática daqueles crimes ou outros bens de valor equivalente. Deveriam existir também medidas destinadas a coordenar os procedimentos de apreensão e de perda, podendo incluir a repartição85 dos bens declarados perdido.

Por fim, a recomendação de nº 40 sugere aos Estados que promovam a cooperação internacional:

40. Os países deveriam assegurar que as suas autoridades competentes proporcionem as mais

85 A repartição está presente no ordenamento jurídico brasileiro, na Lei de lavagem de dinheiro, art. 8.

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amplas possibilidades de cooperação interna-cional às suas homólogas estrangeiras. Deve-riam existir dispositivos claros e eficazes que faci-litassem, de forma imediata e construtiva, a troca direta com as autoridades homólogas86, esponta-neamente ou a pedido, de informações sobre o branqueamento de capitais e sobre as infrações que lhe estejam subjacentes. Essas trocas de in-formação deveriam ser autorizadas sem condições restritivas indevidas. Em especial:

a) As autoridades competentes não deveriam recusar um pedido de assistência, tendo como única justificação o fato de o pedido envolver matéria fiscal; (...) os países são igualmente en-corajados a permitir uma rápida e construtiva troca de informações com outras autoridades não homólogas. A cooperação com autoridades estrangeiras diferentes das homólogas pode ter lu-gar direta ou indiretamente. Quando existirem dú-vidas sobre a opção a tomar, as autoridades com-petentes deveriam, em primeiro lugar, contatar as suas homólogas estrangeiras para solicitar a assis-tência pretendida.

Contudo, percebe-se que as recomendações do GAFI sugerem, todavia, diferentes canais os quais po-dem ser adequados para a troca de informação, con-soante o tipo de autoridade competente envolvida e a natureza e fins da cooperação.

86 Para os efeitos desta Recomendação: “Homólogas” refere-se às autoridades com atribuições e funções equivalentes.

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Em seu bojo, as recomendações do GAFI versam so-bre a possibilidade jurídica dos Estados cederem no sen-tido de prestar informações pertinentes, deixando de lado balizas jurídicas e, por fim, promover a troca de dados a fins de, como objetivo precípuo, repatriar os ativos oriun-dos da lavagem de dinheiro internacional.

4.3.2 O princípio da reciprocidade

Proveniente do termo latino reciprocitas, a recipro-cidade significa a condição ou a qualidade daquilo que é recíproco (reciprocus), isto é, situação em que são estabe-lecidas condições mútuas ou correspondentes. A reciproci-dade, pois, implica na identidade ou na igualdade de direi-tos, de obrigações ou de benefícios87.

Este princípio, na falta de tratado, pode igualmente ser invocado como base para a cooperação se não houver óbice na legislação interna88. No caso do crime da lavagem de dinheiro, há inclusive expressa referência no texto legal, no art. 8, § § 1º e 2º, da lei 9.613/98, como base para apreen-são, seqüestro e confisco de bens oriundos de crime.

87 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.678-679.88 Sobre esse assunto, no âmbito da extradição, destaque-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “A ausência de tratado bilateral sobre extradição entre o governo requerente e o Brasil é superada pela promessa de reciprocidade formalizada nos autos, cujo cumprimento não encontra óbice legal.” (Ext. 999, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 17.05.07, DJ de 29.06.2007). Se a Corte detém este entendimento acerca da extradição, o mesmo pode ser válido para medidas menos gravosas de cooperação jurídica internacional.

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Podemos, de forma a sedimentar o estudo, colacionar o conceito do Prof. Eduardo Biacchi Gomes:89

“Através do princípio da reciprocidade, que visa harmonizar as relações entre os países, os direitos e obrigações assumidos por Estado integrante de um tratado internacional ou de um bloco econômi-co necessariamente deverão ser cumpridos pelos demais Estados signatários do instrumento”.

A assistência jurídica internacional deriva basica-mente desse auxílio mútuo ou recíproco que devem os Estados entre si, porém, está claro que se trata de um de-ver que se impõe a todos os Estados por igual quando a ocasião se apresenta. Da mesma forma, cabe destacar que a regra de reciprocidade só é válida quando não existe um tratado vigente, pois, se existe, não faz sentido eludi-lo na base da reciprocidade.90

O princípio da reciprocidade em se tratando do cri-me da lavagem de dinheiro transnacional se faz opor-tuna no sentido de aperfeiçoar a recuperação dos ativos oriundos do crime, bem como o acesso a documenta-ções e dados. Com isso, prima-se pela repatriação de bens e valores e, por fim, dando provimento à coopera-ção jurídica internacional.

89 GOMES, Eduardo, Biacchi. p. 145.90 Entendimento da OEA – Organização dos Estados Americanos. Disponível em http://www.oas.org/juridico/MLA/sp/ven/sp_ven-mla-gen-reciprocity.html

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4.3.3 As redes de cooperação jurídica da assesso-ria de cooperação jurídica Internacional do Ministério Público Federal

Vinculada ao Gabinete do Procurador-Geral da Re-pública, a Assessoria de Cooperação Jurídica Internacio-nal foi criada em 3 de fevereiro de 2005 pela Portaria PGR Nº 23, a qual foi modificada posteriormente, pela Portaria PGR Nº627/10.

Entre as principais atribuições da ASCJI, está a de as-sistir o Procurador-Geral da República em assuntos de cooperação jurídica internacional com autoridades estran-geiras e organismos internacionais, bem como no relacio-namento com os órgãos nacionais voltados às atividades próprias da cooperação internacional.

As redes de cooperação jurídica têm a finalidade de solucionar algumas dificuldades que existem na coope-ração entre os Estados. O acesso a informações, o cum-primento de prazos e procedimentos jurídicos específicos em cada país e a busca por soluções de auxílio são temas que buscam tratar91.

Essas redes são formadas por pontos de contato nacio-nais, designados por autoridades dos Ministérios Públicos, Poder Judiciário e demais entes envolvidos na cooperação jurídica, os quais centralizam temas de cooperação nacio-nalmente, e atuam como intermediários na intensificação

91 Disponível em: http://ccji.pgr.mpf.gov.br/atuacao-da-ccji/redes-de-cooperacao-juridica

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da cooperação entre seu país e os demais membros da rede. Mais do que desempenhar um papel estritamente burocrá-tico, as redes buscam facilitar a cooperação por meio de contatos informais, trocas de informações, remarcação de audiências, exames preliminares em pedidos de auxílio. Com esse intuito, são realizadas reuniões periódicas entre seus membros. Atualmente o Brasil faz parte de três redes de cooperação jurídica internacional.92

A atuação conjunta, associada à cooperação jurídica internacional, bem como a integração de organismos na-cionais na efetividade da repatriação de ativos, tem sido um grande avanço jurídico no que tange a coibir a prática de crime, inclusive com os entraves jurídicos existentes, além de demonstrar a atuação prática no resgate dos ativos oriundos de crimes financeiros, em especial a lavagem de dinheiro transnacional.

5. Considerações finais

Através dos estudos e pesquisas realizadas para o desenvolvimento do presente artigo, pode-se extrair bre-ves considerações.

Ocorre que a lavagem de dinheiro através dos cha-mados paraísos fiscais tem o condão de ser um crime pra-

92 1. Rede Ibero-americana de Cooperação Judicial (IberRED);2. Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa (Rede Judiciária da CPLP);3. Rede Hemisférica de Intercâmbio de Informações para o Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal e de Extradição

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ticado por agentes preparados, com desenvoltura técnica e estudo específico para o cometimento do crime finan-ceiro. Resta demonstrado que esta prática criminosa en-volve especialistas técnicos e, ainda, pessoas com know how apurado, empregando este conhecimento para o lado obscuro de suas profissões.

No tocante aos países com tributação favorecida, os denominados “paraísos fiscais”, nota-se a crescente utili-zação destes para a prática da lavagem de dinheiro, além do aumento significativo dos favorecimentos que estes paí-ses têm a oferecer e, desta feita, assediando agentes cri-minosos os quais querem total anonimato nas operações financeiras e empresariais de cunho ilícito.

Ao verificar a legislação pátria, sob um olhar ana-lítico, fica visível que ainda é uma legislação recente, esbarrando em balizas constitucionais e internacionais, bem como se faz complexa uma análise sistemática com a Carta Magna do Estado brasileiro. Ainda, há uma sé-rie de dificuldades de ordem prática, como, por exem-plo, carência de pessoal especializado e equipamento de ponta para auxiliar/otimizar as investigações e o le-vantamento de provas.

Por se tratar de um crime de alta complexidade, pra-ticado por indivíduos preparados para tal ato, a lavagem de dinheiro feito por meio dos paraísos fiscais se torna um crime difícil de ser coibido, devidos a entraves jurídicos internacionais e, ainda, complexo no rastreamento de bens

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e direito e, assim, tornando-se dificultosa a responsabiliza-ção criminal de seus agentes.

Com o presente estudo, ficou demonstrado que a coo-peração jurídica internacional ainda é deficitária, sendo que os Estados se reservam a aplicar tratados bilaterais e de assistência jurídica mútua, pouco aplicando a diploma-cia e reciprocidade, resguardando sua soberania e ordena-mento jurídico.

Porém, grandes avanços na área da cooperação jurídi-ca - neste presente trabalho tendo sido analisado a coopera-ção jurídica internacional - há de se congratular os esforços dos agentes brasileiros com vistas a coibir o crime, bem como repatriar os bens, direitos e ativos oriundos da lava-gem de dinheiro

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