esboço lavagem de dinheiro

121
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO FRANCISCO JOSÉ BORSATTO PINHEIRO A LIMITAÇÃO DA ATUAÇÃO DO ADVOGADO FRENTE À LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO N.º 12.683/2012

Upload: francisco-pinheiro

Post on 17-Nov-2015

27 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em ciências penais. Trata sobre a atuação do advogado frente à nova lei de lavagem de dinheiro

TRANSCRIPT

3

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE DIREITOPROGRAMA DE PS-GRADUAO

FRANCISCO JOS BORSATTO PINHEIRO

A LIMITAO DA ATUAO DO ADVOGADO FRENTE LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO N. 12.683/2012

Porto Alegre2013

FRANCISCO JOS BORSATTO PINHEIRO

A LIMITAO DA ATUAO DO ADVOGADO FRENTE LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO N. 12.683/2012

Projeto de pesquisa apresentado ao Programa Ps-Graduao em Cincias Criminais da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre, 2013

SUMRIO1.INTRODUO ................................................................................................31.1 Tema............................................................................................................. 31.2 Problema .......................................................................................................31.3 Objetivo......................................................................................................... 41.4 Justificativa................................................................................................... 4 2. REVISO DE LITERATURA .........................................................................5 2.1 Lavagem de Dinheiro....................................................................................2.1.1 Conceito....................................................................................................2.1.2 Aspectos histricos....................................................................................2.1.3 O bem jurdico tutelado..............................................................................2.1.4 Consumao e Delitos Antecedentes........................................................2.1.5. O dano social causado pela Lavagem de Dinheiro...................................2.2 Legislaes acerca da lavagem de dinheiro..................................................2.2.1 Regime Global.............................................................................................2.2.2 Regime Local..............................................................................................2.3 Cooperao Internacional: Os Gatekeepers.................................................2.4 A Lei 12.683/2012.........................................................................................2.5 A Nova Lei no tempo....................................................................................2.6 A limitao da atuao do advogado aps a Lei 12.683/2012....................2.6.1 A questo dos honorrios........................................................................2.7 Resolues do COAF.................................................................................2.8. O Estatuto da OAB...................................................................................2.8.1 O sigilo profissional do advogado.............................................................2.8.2 Consultoria e Contencioso: Sigilo X Dever de Informao......................2.9 Princpios da Especialidade........................................................................3. Panorama atual............................................................................................3.1 Panorama Internacional.............................................................................3.1.1 Portugal.....................................................................................................3.1.2 Estados Unidos e Canad........................................................................3.2 Panorama Nacional......................................................................................5. METODOLOGIA ...........................................................................................166. PLANO DE TRABALHO.............................................................................. 17REFERNCIAS.................................................................................................18ANEXOSAnexo IAnexo II

Anexo III1. INTRODUO1.1. TemaO surgimento do que atualmente conhecido como lavagem de dinheiro[footnoteRef:1] algo relativamente novo em nosso ordenamento jurdico, sendo que a primeira lei versando acerca do tema de 1998. No entanto, devido aos constantes avanos tcnicos e tecnolgicos experimentados pela sociedade moderna, para que haja um mtodo eficaz de repreenso aos crimes econmicos, foi necessrio atualizar o mecanismo positivado. A lavagem de dinheiro est compreendida entre os crimes econmicos, logo, no sua integralidade. Os crimes econmicos podem possuir estreita ligao com os crimes de outros ris, no sendo incomum que surjam destes. [1: Expresso adotada e consagrada no ordenamento jurdico brasileiro, oriunda do termo usado nos Estados Unidos no final da dcada de 70. Representa o conjunto de atos empregados para transformar capital obtido por meio de aes criminosas em recurso aparentemente limpo, que transita normalmente pela economia.]

Exemplificativamente podemos citar o trfico de entorpecentes, que penetra na sociedade em mltiplas camadas juridicamente tuteladas, inclusive a econmica, constituindo a lavagem de dinheiro um de seus vasos comunicantes[footnoteRef:2]. [2: FILIPPETTO, Rogrio. Lavagem de dinheiro: crime econmico da ps-modernidade. - Rio de Janeiro: Lumen Juis, 2011.]

1.2 ProblemaHouve atualizao do dispositivo legal que criminaliza a lavagem de dinheiro. Em que pese se diga atualizao h sempre de se haver um juzo crtico sobre o que realizado, sendo imprudente concluir que por ser contemporneo adequado ou eficiente. Desta forma, analisar as mudanas impetradas pela novel legislao alm de um saudvel exerccio crtico pode assinalar as eivas de que padece. Assim sendo, o que mais chama ateno foi a alterao feita pela Lei 12.683/2012 na razo do art. 9, inc. XIV. No referido inciso o legislador capitula que as disposies dos artigos 10 e 11 da Lei 9.613/1998 tambm se aplicam: s pessoas fsicas ou jurdicas que prestem, mesmo que eventualmente, servios de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistncia, de qualquer natureza[footnoteRef:3] em um rol especfico de operaes. [3: BRASIL. Lei 12.683. Braslia-DF:Senado, 2012.]

O que se infere deste trecho, , infelizmente, preocupante. Vemos que a excessiva abertura do rol de pessoas fsicas e jurdicas compromete o dever do sigilo profissional dos advogados e de seus escritrios. Esse comportamento legislativo compromete seriamente as relaes entre advogados e clientes, alm de ferir tanto o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil como a prpria Constituio Feral.Desta forma, buscamos trazer luz aos fatos aqui narrados, justificando-se a escolhe desse tema pela cada vez maior necessidade de fazer com que o legislador e os operadores do direito sejam obrigados a observar os fatos e interpret-lo sob a tica da Constituio Federal, pois caso contrrio h inmeros subjulgamentos desta por leis ordinrias.1.3 ObjetivoAssim, objetivamos, com o devido cuidado que o assunto merece observar qual o efetivo papel do advogado na sociedade moderna, levando em considerao seu carter essencial administrao da justia[footnoteRef:4] e ao mesmo tempo a relao de confiana que se estabelece entre o profissional e seu cliente. [4: Art. 133. O advogado indispensvel administrao da justia, sendo inviolvel por seus atos e manifestaes no exerccio da profisso, nos limites da lei.]

1.4. JustificativaEscolhemos tratar desse assunto em virtude de sua abrangncia e controvrsia. A lavagem de dinheiro ocupa posio peculiar no ordenamento jurdico, sendo um crime que apesar de exigir requintado aparato para ser combatido, pode nascer de crimes que se alastram pelas camadas mais vulgares da sociedade, como o trfico e roubo.Optamos por trabalhar um tema que no apenas terico, ou ao menos sua teoria transpassa barreiras dogmticas, e interfere diretamente na prtica jurdica cotidiana. Assim sendo, acreditamos que realizando um trabalho deste teor estamos efetivamente dando vazo ao potencial e realizando o ideal da academia: debater, sem preconceitos, questes que envolvem a prtica jurdica, quer mais ou menos abstratamente.

2. REVISO DE LITERATURA2.1 Lavagem de Dinheiro: ConceitoDada a variedade de tipos de lavagem de dinheiro, bem como a forma pela qual ela tratada em diversos pases, o conceito mais abrangente que se pode dar seria: o processo de legitimao de capital esprio, realizado com o objetivo de torn-lo apto para o uso, e que implica, normalmente, em perdas necessrias[footnoteRef:5]. [5: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

Lavagem de dinheiro um procedimento que visa o lucro, como todo crime econmico. Esse procedimento tem o objetivo de tornar o dinheiro sujo em dinheiro limpo. Ou conforme outras denominaes[footnoteRef:6], o dinheiro negro em dinheiro branco. Para tornar a lavagem operacional preciso revesti-la de um empreendimento que em teoria tambm almeje lucro. No entanto, conforme conceituamos acima, algumas perdas so necessrias, e quando evidentes, ajudam a reconhecer a prtica delitiva. [6: Idem.]

A lavagem de dinheiro uma estratgia daqueles criminosos que querem usufruir do lucro de suas atividades sem pr em perigo a fonte desse lucro, protegendo-os assim, em tese, de bloqueios e confiscos.Sobre a operacionalidade da lavagem de dinheiro, DE CARLI, aduz:Existem, atualmente, trs vias principais para efetuar a lavagem de dinheiro: a movimentao fsica de dinheiro em espcie, o uso do sistema financeiro internacional e a utilizao do comrcio internacional. Todos eles operam de maneira global. medida que os governos intensificam os controles e a regulao em uma rea, os delinquentes migram para as outras. De um modo geral, os pases tm se preocupado mais com o uso do sistema financeiro internacional, deixando um pouco carente de cuidados o uso do comrcio internacional e as transferncias fsicas de dinheiro.[footnoteRef:7] [7: Idem.]

As formas prticas de lavagem so mltiplas e extremamente variadas. Como j mencionado tratar-se de um crime em permanente evoluo, que para sobreviver precisa atualizar-se constantemente frente s novas medidas de preveno que se instituem.No entanto, no raro ocorrer de o crime se atualizar antes da implementao de nova medida preventiva, dada a sua rpida evoluo, o que implica, eventualmente, na implementao de uma medida preventiva desatualizada.Por fim, vale ressaltar, que a lavagem de dinheiro no usa de instrumentos, em si, ilegais. O que a diferencia de uma atividade legal ou legtima que o ato, na essncia, no tem o contedo que aparenta ter, ou o procedimento utilizado no se destina ao objetivo que dele se esperaria.

2.1.2. Aspectos histricosO conceito de lavagem de dinheiro difuso quando comparado ao de outros pases. As legislaes estrangeiras se dividem em dois lados. No primeiro, os pases que valorizam o resultado da lavagem, e assim matem o foco nos valores inseridos legalmente no sistema econmico. Neste cenrio a idia de lavagem no sentido de torn-lo limpo. Na segunda corrente vemos os pases que se preocupam com a natureza da ao cometida quando se busca transformar o ilcito em ato lcito. FILLIPETO afirma que seguidores da primeira corrente so: Frana e Blgica (blanchiment dargent); a Espanha (blanqueo de capitales ou blanqueo de dinero) e Portugal (branquemento de dinheiro). J inspirados pela ao praticada (lavar), os Estados Unidos (money laundering), seguidos pelos demais pases de raiz anglo-sax; a Alemanha (geldwache); a Sua (blanchissage dargent); a Argentina (lavado de dinero) e a Itlia (riciclaggio).[footnoteRef:8] [8: FILIPPETTO, Rogrio. Lavagem de dinheiro: crime econmico da ps-modernidade. - Rio de Janeiro: Lumen Juis, 2011;]

O Brasil, seguindo um velho padro legislativo, adotou uma posio mesclada pois apesar de consagrar a expresso lavagem de dinheiro, tambm se preocupa com a ocultao de bens e valores[footnoteRef:9]. [9: Idem;]

Existe ainda uma terceira posio, que, por sua vez, sustenta a existncia de diferena entre dinheiro negro e dinheiro sujo. O dinheiro negro necessitaria ser branqueado, enquanto o sujo, lavado. FIILIPETO afirma que a distino oriunda da origem do recurso: Se os bens ou valores so originrios de uma atividade lcita, porm que ludibriou o dever tributrio, fala-se em dinheiro negro que necessita de branqueamento. Mas se o dinheiro surge de atividades criminosas, trata-se de dinheiro sujo, que deve ser lavado para ficar limpo.[footnoteRef:10] [10: Idem;]

Etimologicamente a expresso utilizada no Brasil em sua traduo da expresso norte-americana, que l ganhou repercusso pelo uso freqente entre os mafiosos do pas, em virtude de uma rede de lavanderias que foi utilizada para mesclar com fundos lcitos os lucros obtidos com a venda de herona originria da Colmbia[footnoteRef:11]. [11: Idem;]

Sobre a origem da primeira lei brasileira versando sobre o tema temos que ela foi o resultado de esforos conjuntos da comunidade internacional por meio de vrios organismos[footnoteRef:12]. A necessidade desse esforo partiu da conscientizao das conseqncias lesivas das prticas ilcitas, tanto nacional como internacionalmente. [12: Idem.]

A Lei n. 9.613/1998 cumpriu as seguintes finalidades, segundo os pesquisadores do Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal CEJ/CJF:a) estabelecer um novo tipo penal denominado lavagem de dinheiro ou ocultao de bens, direitos e valores; b) preservar o sistema financeiro nacional contra a utilizao indevida desse sistema para a prtica das condutas ilegais estabelecidas; c) criar um rgo colegiado governamental (COAF) com o objetivo de fiscalizar as atividades financeiras sujeitas lavagem de dinheiro.[footnoteRef:13]. [13: ___, Uma Anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro/Conselho da Justia Federal, Centro de Estudos Judicirios, Secretaria de Pesquisa e Informaes Jurdicas. Braslia: CJF, 2002;]

A lei trouxe em seu texto inicial um rol de prerrogativas e restries que eram dirigidas administrao e s pessoas jurdicas e fsicas l relacionadas. Dessa forma, qualquer pessoa enquadrada na lei teria que as seguintes obrigaes: identificao dos clientes; manuteno do cadastro atualizado; registros de algumas transaes; atendimento s requisies do COAF; ateno s operaes suspeitas e comunicao de tais comunicaes s autoridades competentes.[footnoteRef:14] [14: BADAR, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo. Lavagem de dinheiro. Aspectos penais e processuais penais. Comentrios Lei 9.613/1998, com as alteraes da Lei 12.683/2012. - So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012;]

No entanto, como citamos na introduo, sendo a lavagem de dinheiro fruto de um mercado em constante expanso e aprimoramento, a lei precisa estar pari passu ao meio no qual tem incidncia, tal como CALLEGARI aduz:As atividades da lavagem de dinheiro caracterizam-se por uma internacionalizao ou globalizao, o que significa que o fenmeno ultrapassa as fronteiras dos pases. Tambm se verifica um profissionalismo dos membro das organizaes criminosas, contando com uma forte hierarquia e organizao entre eles. A conseqncia dessa organizao e profissionalizao que os mtodos de lavagem mudam rapidamente e so cada vez mais difceis de serem descobertos.[footnoteRef:15] [15: BADAR, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo. Lavagem de dinheiro. Aspectos penais e processuais penais. Comentrios Lei 9.613/1998, com as alteraes da Lei 12.683/2012. - So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.]

E prossegue:As novas tcnicas e a complexidade dos mtodos empregados pelas organizaes criminosas requerem novos recursos das autoridades competentes para detectar a comisso desse delito. Ocorre que em um pas subdesenvolvido muito difcil que o governo invista o suficiente para deter esse tipo de criminalidade, o que possibilita que as organizaes estejam sempre um passo a frente dos rgos de controle.[footnoteRef:16] [16: Idem;]

O processo histrico que desembocou na Lei 9.613 iniciou com a ratificao brasileira Conveno Contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e de Substncias Psicotrpicas[footnoteRef:17], aprovada em 20 de dezembro de 1988, em Viena, por meio do Decreto n. 154 de 26 de junho de 1991. [17: FILIPPETTO, Rogrio. Lavagem de dinheiro: crime econmico da ps-modernidade. - Rio de Janeiro: Lumen Juis, 2011;]

Tal conveno dispunha em seu artigo 3 Cada uma das partes adotar as medidas necessrias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidas internacionalmente:I) a converso ou a transferncia de bens; II) a ocultao ou o encobrimento...[footnoteRef:18];. Posteriormente, em 1992 com a participao do Brasil na XXII Assemblia-Geral da OEA, em Bahamas, foi aprovado o Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Trfico Ilcito de Drogas e Delitos Conexos, elaborado pela Comisso Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas CICAD. [18: Idem;]

Em 1994, na Cpula das Amricas foi firmado, ento, o Plano de Ao que previa que os governos: ratificaro a Conveno das Naes Unidades sobre o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas de 1988 e sancionaro como ilcito penal a lavagem dos rendimentos gerados por todos os crimes graves[footnoteRef:19]. [19: Idem.]

Finalmente, em 2 de dezembro de 1995, em Conferncia Ministerial sobre a Lavagem de Dinheiro e Instrumento do Crime, realizada em Buenos Aires, o Brasil firmou Declarao de Princpios relativa ao tema, inclusive quanto tipificao do delito e sobre as regras processuais especiais.2.1.3 O bem jurdico tuteladoPara que o legislador se ocupe de tutelar algum bem, necessrio que a conduta que dali pra frente ser tida como criminosa tenha alcanado um ponto em que no pode mais ser tolerada quer por sua lesividade ou pelas dimenses que tomou, quer pelas repercusses polticas que provoca[footnoteRef:20]. [20: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

Se assim no for, e, por hiptese, a conduta criminalizada escassa reprovao social, a lei ter pouqussima aplicao[footnoteRef:21]. [21: Idem;]

Nessa esteira de pensamento, equivale dizer que o Direito Penal no atribui valor a determinadas condutas. Tendo determinada ao ganho vultosa reprovao social o Direito Penal ocupa-se de reconhec-la[footnoteRef:22]. [22: Idem.]

No que tange exclusivamente tutela de bem referente lavagem de dinheiro, se constata um ponto de tenso na doutrina, como ressalta DE CARLI:Na verdade a histria desta criminalizao (...) uma histria de expanso:inicialmente, a criminalizao da lavagem de dinheiro foi uma resposta do Estado italiano a um surto de roubos e de extorses, mediante sequestros. Posteriormente, passou a ser um dos instrumentos utilizados pela poltica criminal norte-americana na luta contra as drogas, principalmente, em razes da emergncia do crime organizado. A partir da (...) passou a constar em instrumentos e tratados internacionais e foi, progressivamente, sendo acolhida, sem diferenas significativas de estrutura, em vrios pases. Ao mesmo tempo, o leque de infraes antecedentes foi-se ampliando, desde uma legislao de primeira gerao (cujo antecedente apenas o trfico de drogas), para uma legislao de segunda gerao (onde h um catlogo de crimes antecedentes) at as legislaes de terceira gerao (quando no mais se faz referncia a crimes ou a infraes penais em espcie como antecedentes). Obviamente, essa ltima concepo muito mais ampla, pois torna todo o dinheiro ou bem obtido com alguma atividade criminosa objeto possvel do delito de lavagem de dinheiro. O ltimo movimento, fortemente atrelado poltica criminal antilavagem de dinheiro, o da represso ao financiamento do terrorismo.[footnoteRef:23] [23: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

O crime de lavagem de dinheiro admitido facilmente como conduta pluriofensiva[footnoteRef:24], e embora tenha justificativas de tipificao diferente de acordo com a legislao de cada pas, permanece igual na essncia. [24: Idem;]

Na Alemanha a doutrina dividida entre a parte que considera que a administrao da justia o interesse tutelado, enquanto outros autores afirmam que a luta contra o crime organizado. Minoritariamente, h ainda quem sustente que o interesse tutelado a ordem econmica e os mesmos bem jurdicos dos delitos antecedentes[footnoteRef:25]. [25: Idem;]

Na Itlia considera-se, majoritariamente, que a lavagem de dinheiro um delito praticado contra a administrao da justia[footnoteRef:26]. [26: Idem;]

Para os doutrinadores espanhis no h consenso nem quanto a necessidade da interveno penal para o enfrentamento da lavagem de dinheiro. Entre as teorias mais aceitas, quanto pluriofensividade do delito, aceita-se que lavagem pode ser um crime contra a administrao pblica, administrao da justia, ofensa ordem econmica, livre concorrncia ou ainda circulao dos bens no mercado[footnoteRef:27]. [27: Idem;]

Em Portugal, legislativamente, inclu-se o branqueamento de capitais no rol de crimes praticados contra a boa administrao da justia. Entretanto, na doutrina, h o reconhecimento da conduta como pluriofensiva, tomando como bem tutelado o funcionamento das estruturas polticas e a estabilidade, a transparncia e a credibilidade da economia e do sistema financeiro[footnoteRef:28]. [28: Idem.]

A doutrina nacional no mais consensiosa, no havendo, no entanto qualquer inovao em referncia aos posicionamentos citados, salvo o de CASTELLAR[footnoteRef:29], que conclui no haver propriamente um bem jurdico merecedor de tutela do Direito Penal, bastando, para reprimir a lavagem de dinheiro, as vrias normas fiscalizatrias e reguladoras que j incidem sobre a atividade econmica financeira. [29: CASTELLAR, Joo Carlos. Lavagem de Dinheiro - A questo do Bem Jurdico. Rio de Janeiro: Revan, 2004;]

2.1.4 Consumao e Delitos antecedentesExistem dois fatores que tambm precisam ser considerados para a futura anlise que se pretende quanto inovao legislativa em destaque neste projeto. Primeiro, devemos tratar as hipteses discutidas quanto tratar-se a lavagem de dinheiro de crime permanente ou instantneo. As hipteses no s interferem na questo prescricional do delito, mas tambm na aplicao da lei no tempo.BOTTINI e BADAR adotam a classificao de ROXIN, que aduz ser o crime instantneo o delito concludo com a provocao de determinado estado ou resultado[footnoteRef:30]. Permanentes, em contrapartida, so os crimes que se prolongam durante um maior perodo. So os crimes que esto acontecendo [footnoteRef:31]. [30: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;] [31: Idem.]

Em alguns casos fcil distinguir a instantaneidade ou permanncia do crime com a mera anlise da redao do tipo. No entanto, em se tratando da ocorrncia do artigo 1 da Lei de Lavagem a interpretao das duas ocorrncias vivel. O verbo ocultar trazido no artigo referido pode tanto ser considerado como descritivo de conduta permanente quanto instantneo. Permanente caso considerado que enquanto o produto do crime estiver oculto a ao est ocorrendo, ou seja, a atividade delitiva estaria em permanente desenvolvimento.Instantneo caso se considere que houve a consumao do delito no momento em que o produto foi ocultado. No haveria, assim, continuidade da ocultao porquanto a conduta tpica teria sido realizada uma nica vez, sendo a permanncia mera consequncia da conduta original [footnoteRef:32]. [32: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;]

BOTTINI e BADAR afirmam que do ponto de vista poltico criminal a considerao de lavagem de dinheiro como crime permanente traz mais segurana jurdica, pois a lei ter aplicao imediata para as condutas em andamento [footnoteRef:33]. [33: Idem;]

Adicionando sobre os delitos antecedentes, lecionam ainda:(...) com o revolvimento de fatos passados, j atingidos muitas vezes pela extino de punibilidade, parece mais adequado do ponto de vista poltico criminal a caracterizao do crime como instantneo de efeitos permanentes. Nessa hiptese, o injusto estar consumado com o ato de ocultao, e sobre ele incidiro as normas vigentes poca dos fatos, da conduta, e do dolo. As alteraes legislativas posteriores no abarcam esse comportamento pretrito (a no ser as favorveis ao ru) mesmo que permaneam os efeitos do escamoteamento inicial.[footnoteRef:34] [34: Idem.]

Quanto ao rol amplo, em lugar do antigo, taxativo, adicionam os atuores: (...) sob uma tica poltico-criminal, a ampliao exagerada. Vale trazer lembrana a ponderao do Poder Executivo quanto apresentou a primeira proposta de legislao de lavagem de dinheiro, em 199: sem esse critrio de interpretao (restrio de crimes antecedentes) o projeto estaria massificando a criminalizao para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultao. Assim, o autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relgio, por exemplo, (exposio de motivos EM 692/MJ, 1996, item 24). Pela nova lei, a situao tida por absurda na exposio de motivos anterior pode ocorrer.[footnoteRef:35] [35: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;]

2.1.5 O dano social provocado pela Lavagem de Dinheiro Supe-se que para assegurar a adequao e dimenso social do bem ou do interesse protegido necessria uma estimativa do dano social. No entanto, no crime de lavagem de dinheiro, onde o que se pretende essencialmente ocultao no h como se deixar levar pelas estimativas do que apurado. evidente que h uma vultosa cifra negra, que por si s invalida qualquer estimativa elaborada.DE CARLI elenca quatro implicaes principais para a lavagem de dinheiro[footnoteRef:36]: [36: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p.]

a) Distores econmicasEm geral, quem lava dinheiro no visa, primordialmente, ao lucro. Quando realiza algum investimento, seu interesse o de proteger os rendimentos da atividade criminosa e disfarar sua origem ilcita. Por isso, os lavadores de dinheiro podem colocar seus fundos em atividades ineficientes, o que prejudica o crescimento econmico da economia como um todo.O prejuzo ao desenvolvimento do setor privado decorre do fato de que as decises de investimento no decorrem de uma motivao econmica normal, mas visam apenas misturar o rendimento da atividade ilcita com dinheiro legtimo. Em razo disso, quem lava dinheiro oferece produtos a preos inferiores aos de mercado, ou at mesmo inferiores ao custo de fabricao, prejudicando enormemente a concorrncia (em especial, aos negcios que cumprem com suas obrigaes tributrias, trabalhistas e sociais).O florescimento de atividades assim, criminalmente organizadas no setor privado, apresenta efeitos macroeconmicos negativos a longo prazo. Essa instabilidade monetria pode causar um deslocamento irremedivel de recursos pela distoro dos preos dos ativos (assets) e das mercadorias (commodities).Mas ainda: a lavagem de dinheiro pode trazer modificaes inexplicveis na demanda de dinheiro, e uma maior volatilidade de fluxos de capital internacional; das taxas de juros e das taxas de cmbio, devidas s movimentaes transfronteirias inesperadas de moeda.Ou seja, a lavagem de dinheiro pode resultar em instabilidade, perda de controle e distoro econmica, tornando mais difcil a implementao das polticas econmicas dos Estados.

b) Risco integridade e reputao do sistema financeiro

Problemas de liquidez e corrida aos bancos podem ocorrer quando grandes somas de dinheiro lavado chegam s instituies financeiras ou delas rapidamente desaparecem. Esses movimentos, claro, no so determinados por fatores de mercado. Em realidade, a lavagem de dinheiro pode provocar a quebra de bancos ou de outras instituies e crises financeiras.Alm disso, a lavagem de dinheiro pode manchar a reputao e a confiabilidade de uma instituio financeira (como ocorre, por exemplo, quando se torna pblico que um determinado banco se presta a grande operaes de lavagem de dinheiro). Os prejuzos so perfeitamente mensurveis quando, em razo do envolvimento com esse tipo de atividade, a instituio vem a sofrer penalidades, tais como, a imposio de pesadas multas a inabilitao temporria ou a cassao de autorizao para operao ou funcionamento.A partir do momento em que isso acontece, os efeitos prolongam-se alm do setor, afetando advogados, contadores e outros profissionais. Essa reputao negativa pode provocar a diminuio das oportunidades lcitas e a atrao das atividades criminosas, resultando em efeitos negativos para o desenvolvimento econmico de um pas na economia global.O Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional, apesar de terem misses fundamentalmente diferentes, trabalham em conjunto em todas as suas iniciativas relativas ao combate lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. As Direes Executivas dessas instituies reconheceram, em abril de 2001, que a lavagem de dinheiro um problema que preocupa o mundo inteiro e afeta tanto os principais mercados financeiros quanto aqueles de menor expresso.O Banco Mundial identifica, na lavagem de dinheiro, efeitos econmicos, sociais e polticos potencialmente devastadores para os pases em vias de desenvolverem as economias sociais.O Fundo Monetrio Internacional, por seu turno, considera que a lavagem de dinheiro apresenta uma vasta gama de consequncias macroeconmicas. Essa instituio afirma que a comunidade internacional tornou prioritria a luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.Entre os objetivos de seus esforos esto a proteo da integridade do sistema financeiro internacional, o corte dos recursos disponveis para os terroristas e o aumento da dificuldade para os criminosos lucrarem com seus crimes. O FMI est especialmente preocupado com as possveis consequncias de lavagem de dinheiro na economia dos pases em razo dos riscos sade e estabilidade das instituies financeiras e dos sistemas financeiros; do aumento da volatilidade dos fluxos de capital internacional; das mudanas imprevisveis na procura de dinheiro; e do aumento das taxas de cmbio como consequncia do volume imprevisto de transferncias transnacionais.

c) Diminuio dos recursos governamentais

Apesar de estarem a lavagem de dinheiro e a sonegao fiscal intimamente relacionados, seus processos diferem. A sonegao fiscal, normalmente, significa a ocultao de receita leal. A lavagem de dinheiro faz exatamente o oposto: oculta receita ilegal. Na verdade, quem lava dinheiro pode chegar a declarar receita maior do que a efetivamente havida por um negcio legtimo, a fim de juntar a esta os rendimentos de uma atividade criminosa, mesmo que, em razo disso, pague mais impostos.Normalmente, contudo, a lavagem de dinheiro dificulta a arrecadao dos impostos e diminui a receita tributria porque as transaes a ela relacionadas ocorrem na economia informal (ou ilegal), o que, em ltimo caso, prejudica a quem paga corretamente os seus impostos.

d) Repercusses socioeconmicaSe no for satisfatoriamente enfrentada, a lavagem de dinheiro possibilita o crescimento das atividades criminais, o que traz maiores problemas sociais e aumenta os custos implcitos e explcitos do sistema penal como um todo (abrangendo, inclusive, os rgos de polcia e de segurana pblica).A lavagem de dinheiro refora, ainda, a impunidade, pois permite quele que praticou um crime usufruir do proveito ilicitamente obtido, ao mesmo tempo em que se capitaliza para refinancias novas atividades criminosas.Segundo FOUCAULT, o prejuzo que um crime traz ao corpo social a desordem que introduz nele: o escndalo que suscita, o exemplo que d, a incitao a recomear se no punido, a possibilidade de generalizao que traz consigo. De acordo com o autor, para ser til, o castigo deve ter como objetivo as consequncias do crime, entendidas como a srie de desordens que capaz de abrir. Reprimir a lavagem de dinheiro significa, portanto, atacar as consequncias do crime que gera lucros.Existe um claro elo entre a lavagem de dinheiro e a corrupo: frequentemente, funcionrios de bancos, de seguradoras e de outras instituies financeiras so cooptados para possibilitarem a prtica das operaes financeiras que instrumentalizam o delito. Essa corrupo afeta a confiana do mercado financeiro e se estente a outras formas de criminalidade, como a fraude e a extorso. Mas a corrupo no se limita esfera privada: grande parte do dinheiro pblico, necessrio para o desenvolvimento de pases em desenvolvimento, acaba parando em contas bancrias, localizadas em importantes centros financeiros do mundo todo. Assim, a lavagem de dinheiro pode ser responsvel pelo aumento dos nveis de pobreza da populao de um pas.Considerando-se que os pases com sistemas financeiros mais podres so mais vulnerveis ao crime organizado, pode-se afirmar que os potenciais efeitos socioeconmicos da lavagem de dinheiro so multiplicados em mercados emergentes.Quando se tem em conta a altssima rentabilidade de crimes como, por exemplo, o trfico de drogas (que lucra com a misria humana a dependncia qumica de jovens cidados); as fraudes praticadas contra o Instituto Nacional de Previdncia Social (em prejuzo de milhares de beneficiados e de segurados); os desvios de recursos pblicos, destinados a programas sociais, obtidos por meio da corrupo de agente pblicos; os crimes contra o sistema financeiro (erodindo instituies bancrias, os investimentos e a poupana popular); e tantos outros efeitos deletrios dessa criminalidade aumento da violncia urbana, descrdito das instituies pblicas no parece difcil relacionar o dinheiro obtido com esses crimes ao indivduo e sociedade.

Ainda segundo DE CARLI, o bem jurdico-penal tutelado pela norma que criminaliza a lavagem de dinheiro no Brasil a ordem scio-econmica. [footnoteRef:37] [37: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

Em assim sendo, os valores sociais reconhecidos so amplos, indo desde a repulsa pelo dinheiro obtido s custas de crimes graves proteo dos recursos pblico. [footnoteRef:38] [38: Idem;]

2.2 Legislao acerca da Lavagem de DinheiroRepetimos tantas vezes quanto a prpria doutrina repete, a Lavagem de Dinheiro um fenmeno recente e um organismo com capacidade evolutiva estonteante, elementos que do o tom to peculiar prtica.Assim, para combater algo nunca visto, e em sendo a Lavagem de Dinheiro uma conduta global, no de se surpreender que a medida adotada para combat-la tenha se estabelecido um complexo mecanismo de regulaes, avaliaes e controle. A lavagem de dinheiro um objeto de um regime global de proibio.2.2.1 Regime Global possvel notar em regimes de globais que estes compartilham entre si alguns elementos. Um desses elementos sem dvida a transnacionalidade de condutas, cuja motivao minimizar a possibilidade de fuga dos delinquentes e de mudanas de suas operaes para mercados e abrigos potencialmente mais favorveis[footnoteRef:39]. [39: Idem.]

O regime global de proibio composto de um conjunto de normas, instituies e recomendaes. Vamos citar os principais dispositivos jurdicos que apresentam relevncia para o regime.O primeiro documento internacional que forneceu a definio mundialmente aceita sobre o crime de lavagem de dinheiro foi o assinado por mais de duzentos pases na Conveno de Viena Contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas, realizado pelas Naes Unidas em 1988. A obrigao dos pases que aderiram a conveno era de tipificar em seus diplomas nacionais sobre a conduta de converter ou transferir bens, fruto de delitos relacionados ao trfico internacional de drogas, bem como a ocultao ou encobrimento da natureza, da origem, da localizao, do destino, da movimentao ou da propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de alguns daqueles delitos[footnoteRef:40]. [40: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

Vemos aqui claramente que a Conveno de Viena integra o que denominou-se nos tpicos anteriores de legislao de primeira gerao, quando liga a lavagem de dinheiro (embora ainda no se adotasse essa nomenclatura) ao trfico de drogas.Embora tenha adotado como razes de elaborao a preocupao em geral com a sade humana [footnoteRef:41], as razes econmicas so amplamente debatidas e evidentes. A conveno garantiu cooperao internacional de desestimulo tanto prtica do trfico quanto s prticas econmicas derivadas dessa poca. [41: Idem;]

O documento seguinte foi elaborado na Europa em 1990, quando da realizao da Conveno de Estrasburgo Conveno Sobre Lavagem de Dinheiro, Busca, Apreenso e Confisco dos Produtos do Crime. Trata-se de um tratado multilateral, de assinatura aberta a convidados. Seu teor prev um conjunto completo de normas que englobam todas as fases da persecuo penal: desde a investigao pr-processual at a imposio da pena e a execuo da medida de confisco. Um de seus principais objetivos obrigar os Estados-parte a adotarem medidas eficazes em seus ordenamentos jurdicos internos para combaterem delitos graves, privando os criminosos de seus ganhos[footnoteRef:42]. [42: Idem.]

A clara diferena entre os tratados elaborados com pouqussimo tempo (Viena, 1988 e Estrasburo, 1990), so as ditas geraes. Em 1990 no ocupou-se apenas do dinheiro lavado do trfico, mas sim de valores oriundos de qualquer ilcito, saltando assim uma gerao legislativa.A Europa ainda elaborou mais trs documentos, consistentes em trs diretivas com medidas preventivas e repressivas a lavagem de dinheiro. As diretivas: 91/308/CEE, 2001/97/CE, e 2005/60/CE. Como no estamos realizando uma abordagem essencialmente histrica, mas sim por relevncia, vamos destacar apenas a ltima diretiva, que revogou as anteriores. A diretiva 2005/60/CE traou disposies mais especficas e pormenorizadas para a identificao de clientes e beneficirios efetivos das transaes financeiras, fixa regras detalhadas em matria de deveres de vigilncia, e medidas reforadas em relao a clientes ou a relaes de negcio de alto risco[footnoteRef:43]. [43: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

A Conveno de Varsvia, de 2005, revogou a Conveno de Viena e acrescentou disposies especficas relacionadas ao financiamento do terrorismo. Trata ainda de garantir a eficcia em medidas de identificao, a busca, o congelamento e o confisco de propriedades de origem ilcita, entre outras disposies[footnoteRef:44]. [44: Idem;]

A Conveno de Palermo foi responsvel pela definio legal de organizao criminosa e imps aos estados-parte a legislao a respeito dos integrantes e dos colaboradores no integrantes de organizao criminosa[footnoteRef:45]. [45: Idem.]

A Conveno de Mrida foi assinada em 2003 por 95 pases, inclusive o Brasil. Ocupou-se da preveno contra a corrupo, recomendando tanto medidas legislativas como administrativas em todos os setores pblicos, incluindo o Poder Judicirio e o Ministrio Pblico.H ainda a Resoluo 1373 da ONU, promulgada pelo Brasil em 2001, que trata, essencialmente, da preveno e supresso de financiamento de atos terroristas.Como dissemos na introduo deste tpico, no apenas elementos legislativos atuam no combate da lavagem de dinheiro. Existem instituies e grupos que tambm se ocupam desta tarefa. Atualmente, o papel mais relevante no regime antilavagem de dinheiro desempenhado pela Financial Action Task Force, ou Grupe daction financire o GAFI[footnoteRef:46]. [46: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

As funes so[footnoteRef:47]: [47: Idem;]

a) o estabelecimento de padres internacionais para o combate lavagem de dinheiro, e ao financiamento do terrorismo; b) a promoo de uma ao global para o combate lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo; c) garantir que os membros do GAFI implementem as Quarenta Recomendaes revisadas e as Nove Recomendaes Especiais de maneira completa e efetiva; d) reforar a relao entre o GAFI e os organismos regionais no estilo GAFI, o Grupo de Superviso dos Bancos Offshore e os pases no membros; e) continuar a desenvolver os exerccios de tipologias[footnoteRef:48]. [48: Estudo dos mtodos e tendncias. Segundo DE CARLI: so um excelente instrumento de aprendizagem o problema que em razo da evoluo rpida do crime, frequentemente, pode estar desatualizados.]

As recomendaes citadas configuram os padres internacionais em matria de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo. Elas fornecem um conjunto completo de contramedidas que cobrem o sistema de justia criminal, o sistema financeiro e a sua regulao, assim como a cooperao internacional.Outros organismos citveis ainda so a Organizao das Naes Unidas, que possui diversos programas de combate lavagem e ao terrorismo, o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional, que avaliam desde 2002 os padres internacionais antilavagem de dinheiro, e Organizao para o Desenvolvimento e a Cooperao Econmica, que congrega trinta pases com o comprometimento com um governo democrtico e economia de mercado, alm disso, provm o sustento do GAFI. Existe ainda o Grupo Egmont, constitudo por Unidades de Inteligncia Financeira com o escopo de facilitar a cooperao internacional entre estes organismos[footnoteRef:49]. [49: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p;]

2.2.1 Regime LocalCitamos, em linhas gerais, os elementos que compe o Regime Global de combate e preveno Lavagem de Dinheiro, nos resta agora, e com maior interesse, tratar sobre o Regime Local.Basicamente temos sua constituio pela lei n. 9.613/98, pela atuao do COAF, e pela poltica criminal. Mais recentemente, temos o advento da Lei 12.683, que o foco deste projeto. Alm disso, o Brasil signatrio das convenes citadas, (Viena, Palermo e Mrida)[footnoteRef:50]. [50: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;]

Em 1996 o Ministrio da Justia apresentou o projeto de lei que viria dar origem Lei 9.613/98, o primeiro texto normativo brasileiro sobre o crime de reciclagem de capitais [footnoteRef:51]. [51: Idem;]

A lei sofreu diversas alteraes, sendo as duas primeiras bastante pontuais e a mais significativa, que desempenhou o papel efetivo de atualizao, foi apenas a promulgada em 2012.A primeira alterao foi feita em 2002, pela Lei 10.467 que deu conta dos crimes praticados por particular contra administrao pblica estrangeira como antecedentes de lavagem de dinheiro[footnoteRef:52]. [52: Idem.]

Outras alteraes pontuais se desenrolaram em 2003, que fez passar a constar o financiamento ao terrorismo como crime antecedente da lavagem de dinheiro.A alterao mais recente, por ser o foco do presente projeto, ganhar tpico especfico mais a frente. Ainda em se tratando do regime local, nos cabe tecer algumas breves consideraes, especificamente sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras COAF.Criado pela Lei. 9.613/98 com a finalidade de disciplinar, de aplicar penas administrativas, de receber, de examinar e de identificar ocorrncias suspeitas de atividades ilcitas relacionadas lavagem de dinheiro.[footnoteRef:53] [53: De Carli, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro : ideologia da criminalizao e anlise do discurso. 2. ed. Porto Alegre : Verbo Jurdico, [2012]. 303 p.]

Alm disso, o responsvel por elaborar as auto-avaliaes, cujos relatrios so enviados anualmente ao GAFI[footnoteRef:54]. Convm destacar que na Segunda Avaliao Mtua no mbito do GAFI o Brasil apresentou grau de cumprimento total ou praticamente total s 40 recomendaes j citadas. [54: Idem;]

2.2.2 Cooperao Privada: Os GatekeepersAt agora abordamos os aspectos transnacionais do combate lavagem de dinheiro. No entanto, embora o aparato legislativo seja numeroso tambm de reconhecimento internacional[footnoteRef:55] que o Poder Pblico, sozinho, incapaz de prevenir e investigar as ocorrncias desse delito. [55: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;]

Parte da culpa disto so as demais protees criadas pelo prprio sistema, como por exemplo o sigilo bancrio. Alm disso h tambm dificuldades quanto capacitao tcnica das autoridades, ou ainda a falta de estrutura adequada para monitorar as atividades.Assim sendo, a poltica de combate lavagem de dinheiro passa a se constituir sobre dois pilares, o setor pblico e o setor privado. Para a colaborao privada a lei seleciona entidades ou pessoas que operam em campos sensveis lavagem de dinheiro, que exeram atividades em setores comumente usados pelos agentes de mascaramento de bens de origem ilcita, so os gatekeepers ou ainda as torres de vigia[footnoteRef:56]. [56: Idem.]

Essa funo dada a agentes privados faz com que tenham no s a obrigao de no colaborar com a prtica de atos ilcitos, mas tambm devam contribuir nas atividades de inteligncia e vigilncia do poder pblico.A ideia que obrigando esses agentes privados uma conduta de observncia e comunicao, o agente criminoso sinta-se isolado e tenha suas rotas habituais de escamoteamento de valores dificultada.As Convenes de Palermo e Mrida (principalmente em seus artigos 7 e 14, respectivamente[footnoteRef:57] e [footnoteRef:58]), e as Diretivas do Conselho Europeu so os principais dispositivos internacionais a tratar da colaborao privada. [57: Artigo 7 Medidas para combater a lavagem de dinheiro 1. Cada Estado Parte: a) Instituir um regime interno completo de regulamentao e controle dos bancos e instituies financeiras no bancrias e, quando se justifique, de outros organismos especialmente susceptveis de ser utilizados para a lavagem de dinheiro, dentro dos limites da sua competncia, a fim de prevenir e detectar qualquer forma de lavagem de dinheiro, sendo nesse regime enfatizados os requisitos relativos identificao do cliente, ao registro das operaes e denncia de operaes suspeitas; b) Garantir, sem prejuzo da aplicao dos Artigos 18 e 27 da presente Conveno, que as autoridades responsveis pela administrao, regulamentao, deteco e represso e outras autoridades responsveis pelo combate lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informaes em mbito nacional e internacional, em conformidade com as condies prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerar a possibilidade de criar um servio de informao financeira que funcione como centro nacional de coleta, anlise e difuso de informao relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro. 2. Os Estados Partes consideraro a possibilidade de aplicar medidas viveis para detectar e vigiar o movimento transfronteirio de numerrio e de ttulos negociveis, no respeito pelas garantias relativas legtima utilizao da informao e sem, por qualquer forma, restringir a circulao de capitais lcitos. Estas medidas podero incluir a exigncia de que os particulares e as entidades comerciais notifiquem as transferncias transfronteirias de quantias elevadas em numerrio e ttulos negociveis. 3. Ao institurem, nos termos do presente Artigo, um regime interno de regulamentao e controle, e sem prejuzo do disposto em qualquer outro artigo da presente Conveno, todos os Estados Partes so instados a utilizar como orientao as iniciativas pertinentes tomadas pelas organizaes regionais, inter-regionais e multilaterais para combater a lavagem de dinheiro.4. Os Estados Partes diligenciaro no sentido de desenvolver e promover a cooperao escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, os organismos de deteco e represso e as autoridades de regulamentao financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro.] [58: Artigo 14 Medidas para prevenir a lavagem de dinheiro 1. Cada Estado Parte: a) Estabelecer um amplo regimento interno de regulamentao e superviso dos bancos e das instituies financeiras no-bancrias, includas as pessoas fsicas ou jurdicas que prestem servios oficiais ou oficiosos de transferncia de dinheiro ou valores e, quando proceder, outros rgos situados dentro de sua jurisdio que sejam particularmente suspeitos de utilizao para a lavagem de dinheiro, a fim de prevenir e detectar todas as formas de lavagem de dinheiro, e em tal regimento h de se apoiar fortemente nos requisitos relativos identificao do cliente e, quando proceder, do beneficirio final, ao estabelecimento de registros e denncia das transaes suspeitas; b) Garantir, sem prejuzo aplicao do Artigo 46 da presente Conveno, que as autoridades de administrao, regulamentao e cumprimento da lei e demais autoridades encarregadas de combater a lavagem de dinheiro (includas, quando seja pertinente de acordo com a legislao interna, as autoridades judiciais) sejam capazes de cooperar e intercambiar informaes nos mbitos nacional e internacional, de conformidade com as condies prescritas na legislao interna e, a tal fim, considerar a possibilidade de estabelecer um departamento de inteligncia financeira que sirva de centro nacional de recompilao, anlise e difuso de informao sobre possveis atividades de lavagem de dinheiro. 2. Os Estados Partes consideraro a possibilidade de aplicar medidas viveis para detectar e vigiar o movimento transfronteirio de efetivo e de ttulos negociveis pertinentes, sujeitos a salvaguardas que garantam a devida utilizao da informao e sem restringir de modo algum a circulao de capitais lcitos. Essas medidas podero incluir a exigncia de que os particulares e as entidades comerciais notifiquem as transferncias transfronteirias de quantidades elevadas de efetivos e de ttulos negociveis pertinentes. 3. Os Estados Partes consideraro a possibilidade de aplicar medidas apropriadas e viveis para exigir s instituies financeiras, includas as que remetem dinheiro, que: a) Incluam nos formulrios de transferncia eletrnica de fundos e mensagens conexas informao exata e vlida sobre o remetente;b) Mantenham essa informao durante todo o ciclo de operao; e c) Examinem de maneira mais minuciosa as transferncias de fundos que no contenham informao completa sobre o remetente. 4. Ao estabelecer um regimento interno de regulamentao e superviso de acordo com o presente Artigo, e sem prejuzo do disposto em qualquer outro Artigo da presente Conveno, recomenda-se aos Estados Partes que utilizem como guia as iniciativas pertinentes das organizaes regionais, interregionais e multilaterais de luta contra a lavagem de dinheiro. 5. Os Estados Partes se esforaro por estabelecer e promover a cooperao em escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, de cumprimento da lei e de regulamentao financeira a fim de combater a lavagem de dinheiro.]

So basicamente trs as regras institudas pelos dispositivos citados: a criao de registros e a manuteno de cadastros com informaes precisas e atualizadas sobre clientes e suas principais obrigaes; a comunicao s autoridades competentes de atos e transaes suspeitas de lavagem de dinheiro; e que sejam desenvolvidas polticas internas de compliance, consistentes na qualificao de funcionrios, elaborao de programas, normas e regulamentos para a preveno e identificao e controle interno para impedir ou reprimir operaes direta ou indiretamente ligadas com os delitos em comento.Sobre o impacto dessas obrigaes, tiramos a lio de BADAR e BOTTINI[footnoteRef:59]: [59: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.]

A imposio dessas obrigaes tem grande impacto sobre o funcionamento dos setores obrigados, especialmente daqueles que fazem do sigilo e da confiana seus princpios estruturantes. O cumprimento das regras de registro e comunicao transforma as instituies em delatores institucionalmente obrigados em relao a eventuais atividades ilcitas praticadas por seus clientes, forando a reformulao de polticas de relacionamento, para alcanar um equilbrio entre o dever de colaborao com as autoridades pblicas e manuteno da relao de confiana com o cliente. O problema se acirra nos casos em que os profissionais/entidades obrigados exercem atividades cujo sigilo sobre as informaes obtidas no contexto profissional no s inerente ao exerccio da funo, mas exigido e imposto por lei, como no caso dos advogados.2. 4 A Lei 12.683/2012Repisando alguns termos que j manifestamos anteriormente, asseveramos que a atualizao legislativa no que tange aos crimes econmicos, especialmente a lavagem de dinheiro, fase natural do desenvolvimento dessa espcie de crime. Assim sendo cabe em nosso trabalho uma anlise dos pontos modificados pelo novo texto legal.A nova lei de lavagem busca incorporar recomendaes internacionais acerca da matria e assim fortalecer as vias administrativas de controle sobre setores diretamente ligados reciclagem de capitais. Apesar do recorte que buscamos fazer nesse trabalho no que se refere atuao do advogado haveria falha em sua confeco se no contextualizssemos as mudanas mostrando suas demais alteraes.A primeira mudana que assinalamos a expanso do conjunto de infraes antecedentes lavagem. No texto legal anterior apenas alguns bens oriundos de alguns crimes graves eram passveis de lavagem, ao passo que agora a ocultao do produto de qualquer delito pode ser considerada lavagem de dinheiro. Para analisar a incidncia e adequao do referido fenmeno, recorremos ao Editorial do Boletim 237 do IBCCRIM: A norma desproporcional, pois punir com a mesma pena mnima de trs anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilcito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Mais adequado seria estabelecer um parmetro de gravidade do crime antecedente, como um patamar de pena mnima a partir do qual a infrao seria considerada passvel de gerar a lavagem de dinheiro, como prope a Conveno de Palermo, adotada como marco por diversos pases. [footnoteRef:60] [60: ____ Editorial - Nova lei de lavagem de dinheiro: o excesso e a banalizao.Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4668-EDITORIAL---Nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro:-o-excesso-e-a-banalizacao.Acesso em: 27/10/2013;]

Mais um ponto preocupante, seguindo a mesma tica:Outro ponto digno de meno e preocupao a supresso da expresso que sabe da terceira modalidade tpica de lavagem de dinheiro (art. 1., 2., I). Seguiu aqui o legislador a tendncia de substituir o dolo direito pelo dolo eventual, esvaziando o elemento subjetivo e autorizando a punio mesmo em casos nos quais o agente no tem cincia plena de que os bens que recebe tem origem infracional.[footnoteRef:61] [61: ____ Editorial - Nova lei de lavagem de dinheiro: o excesso e a banalizao.Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4668-EDITORIAL---Nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro:-o-excesso-e-a-banalizacao.Acesso em: 27/10/2013.]

Para BOTTINI, quanto expanso do rol:Isso no surpreende. A rigidez dos controles impostos em determinados setores levaram transposio das atividades de lavagem de dinheiro para outros, menos fiscalizados. Para um controle mais efetivo, ampliou-se o leque de regras administrativas, que passaram a abranger esses novos setores. No futuro, possvel que mais uma vez os atos de reciclagem deixem tais searas e sejam realizados em outros campos ainda no fiscalizados, cuja regulao ser necessria. As contnuas mutaes no marco legal do combate lavagem de dinheiro sero sempre pautadas por esse movimento de progressiva ampliao das esferas de reciclagem, das entidades obrigadas e dos mbitos afetados.Outro expediente adotado e tambm alvo de crticas o contido no art. 17-D, que agora prev o afastamento imediato de servidor pblico acusado de lavagem de dinheiro. A crtica reside no no afastamento em si, mas no fato do excessivo poder concedido ao indiciamento, enquanto este, por si prprio, no carente de regulao processual. Alm disso, ignora o princpio constitucional da presuno de inocncia. Nesse sentido: Atrelar o mero indiciamento policial a uma cautelar de tal gravidade macula profundamente a presuno de inocncia, e deixa sem controle judicial a aplicao de uma das medidas restritivas de direito mais agressivas: aquela que impede o servidor de exercer seu mnus, seu trabalho, sua funo. bom ter sempre em mente as crticas reiteradas ao ato de indiciamento em si, at hoje no regulado pela legislao processual penal.[footnoteRef:62] [62: ____ Editorial - Nova lei de lavagem de dinheiro: o excesso e a banalizao.Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4668-EDITORIAL---Nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro:-o-excesso-e-a-banalizacao.Acesso em: 27/10/2013;]

Existem tambm ausncias desnecessrias, mas que cumprem com seu papel especfico. Tal o caso da delao premiada, embora no bem delineada no texto legal, prevista. Com a alterao realizada este recurso pode ser utilizado a qualquer tempo. O benefcio da tmida previso feita, na viso de ARAS, : Tratando-se de norma mais benfica para o ru colaborador, esta regra pode retroagir para beneficiar condenados por lavagem de dinheiro, mesmo que a deciso condenatria tenha transitado em julgado. Alm disso, este dispositivo autoriza a aplicao dos benefcios da delao premiada tanto para o crime de lavagem de dinheiro quanto para as infraes penais antecedentes que a ela se refiram.[footnoteRef:63] [63: ARAS, Vladimir. A invetigao criminal na nova lei de lavagem de dinheiro. Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4671-A-investigacao-criminal-na-nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro. Acesso em: 27/10/2013.]

Agora, especificamente quanto alterao feita no art.9 inc. XIV, implementada pela nova lei, que constitui numa ampliao das pessoas sujeitas aos mecanismos de controle, sendo essa a sua redao:Art. 9 Sujeitam-se s obrigaes referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas fsicas e jurdicas que tenham, em carter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessria, cumulativamente ou no: (...) Pargrafo nico. (...) XIV as pessoas fsicas ou jurdicas que prestem, mesmo que eventualmente, servios de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistncia, de qualquer natureza, em operaes: a) de compra e venda de imveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participaes societrias de qualquer natureza; b) de gesto de fundos, valores mobilirios ou outros ativos; c) de abertura ou gesto de contas bancrias, de poupana, investimento ou de valores mobilirios; d) de criao, explorao ou gesto de sociedades de qualquer natureza, fundaes, fundos fiducirios ou estruturas anlogas; e) financeiras, societrias ou imobilirias; e f) de alienao ou aquisio de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artsticas profissionais.[footnoteRef:64] [64: BRASIL. Lei 12.683. Braslia-DF:Senado, 2012.]

As obrigaes dos artigos 10 e 11 referem-se a obrigao de confeco de cadastro de clientela, atender as requisies do COAF, alm de identificar e comunicar qualquer atividade suspeita de lavagem ao COAF ou ao rgo fiscalizador competente. Identificada a suspeio da operao o fato deve ser comunicado no prazo de vinte e quatro horas, com absteno de dar cincia do ato a qualquer pessoa, inclusive quela a que se refere a informao.Quanto aos fatores que influenciaram a redao do artigo, GRANDIS assevera: inegvel que o art. 9., pargrafo nico, XIV, da nova Lei de Lavagem foi influenciado pelo contexto normativo vigente no plano internacional, haja vista a existncia, no mbito da Comunidade Europia, das Diretivas 91/308/CEE, 2001/97/CE, 2005/60/CE e 2008/20/CE, emitidas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, relacionadas preveno da utilizao do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. E no poderia ser diferente, ante a constatao da comunidade internacional de que, por se tratar de um crime marcado pela nota da internacionalidade, o esforo isolado dos pases na sua preveno e represso seria intil e que, por seus prprios instrumentos legais, no fariam frente a esse novo fenmeno. Da a harmonizao dos ordenamentos jurdicos e a uniformizao das ferramentas de preveno, represso e cooperao.[footnoteRef:65] [65: GRANDIS, Rodrigo de. Consideraes sobre o deverdo advogado de comunicar atividade suspeita de lavagem de dinheiro.Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4673-Consideracoes-sobre-o-dever-do-advogado-de-comunicar-atividade-suspeita-de-%E2%80%9Clavagem%E2%80%9D-de-dinheiro.Acesso em: 27/10/2013]

Em que pese no haja previso expressa aos profissionais da rea jurdica, sua presena pode ser inferida. Inobstante, GRANDIS relembra que: a Diretiva 2001/97 isentou os notrios, profissionais forenses independentes a includos os advogados , auditores tcnicos de contas externos e consultores fiscais das obrigaes de identificao de clientes, manuteno de registros e notificao de transaes financeiras suspeitas em relao s informaes recebidas de um dos seus clientes ou obtidas sobre um dos seus clientes ao ensejo de determinar a situao jurdica por conta do cliente ou no exerccio da sua misso de defesa ou de representao desse cliente num processo judicial ou a respeito de um processo judicial, inclusive quando se trate de conselhos relativos forma de instaurar ou evitar um processo judicial, quer essas informaes tenham sido recebidas ou obtidas antes, durante ou depois do processo. Por conseguinte justificou-se na Diretivaa consulta jurdica permanece sujeita obrigao de segredo profissional, exceto se o consultor jurdico participar em atividades de branqueamento de capitais, se a consulta jurdica for prestada para efeitos de branqueamento de capitais ou se o advogado souber que o cliente pede aconselhamento jurdico para efeitos de branqueamento de capitais.Tais alteraes so, em suma, a motivao da polmica que resultou na confeco deste trabalho. Antes de ingressarmos na atuao do advogado, especificamente, preciso que nos situemos com a aplicao da nova lei.[footnoteRef:66] [66: GRANDIS, Rodrigo de. Consideraes sobre o deverdo advogado de comunicar atividade suspeita de lavagem de dinheiro.Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4673-Consideracoes-sobre-o-dever-do-advogado-de-comunicar-atividade-suspeita-de-%E2%80%9Clavagem%E2%80%9D-de-dinheiro.Acesso em: 27/10/2013;]

2. 5 A NOVA LEI NO TEMPOO novo texto legal traz consigo dispositivos de ordem material e processual, cujas regras so diversas. Segundo BOTTINI[footnoteRef:67]: [67: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;]

As novas disposies de direito material no retroagem, salvo para beneficiar o ru (art. 5., XL, da CF/1988 e art. 1. do CP). Assim, (a) a ampliao da abrangncia do tipo penal com a aglutinao de todas as infraes penais quando antes havia um rol limitado de antecedentes (nova redao do art. 1., caput e 1. e 2. da Lei 9.613/1998); (b) a admisso do dolo eventual na modalidade tpica do art. 1., 2., II, da Lei 9.613/1998; (c) a expanso da causa de aumento para condutas reiteradas- mais frequentes que as habituais (art. 1., 4. da Lei 9.613/1998) e (d) aumento da abrangncia da perda (art. 7., I, da Lei 9.613/1998) no se aplicam aos crimes praticados antes de sua vigncia.Para entender a aplicao dos novos dispositivos, no entanto, no basta entender os conceitos acima. Precisamos, para elucidar melhor as formas de sua aplicao, recorrer definio da natureza do delito de lavagem de dinheiro. Para BOTTINI[footnoteRef:68]: [68: Idem.]

Se entendermos os atos de mascaramento como crimes permanentes, o novo texto legal se aplicar a todos os agentes que possurem bens ocultos ou dissimulados quando de sua aprovao, meso aqueles provenientes de infraes anteriormente no abrangidas pela norma em comento. Assim, se algum praticou roubo antes da vigncia da Lei 12.683/2012, transformou o produto em dinheiro e o depositou na conta de laranja, no respondia por lavagem de dinheiro, pois o roubo no era crime antecedente. No entanto, se aquele valor continuava oculto naquela conta quando do advento no novo marco legal, seus dispositivos incidiro sobre os fatos em andamento, e aquele mascaramento antes atpico se transformar automaticamente em lavagem de dinheiro, ainda que o agente no pratique qualquer ato novo. A permanncia do delito faz incidir a nova lei, mesmo que prejudicial ao ru (Smula 711 do STF[footnoteRef:69]). [69: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigncia anterior cessao da continuidade ou da permanncia;]

No entanto, se for considerada a lavagem de dinheiro como crime instantneo as novas regras no valero sobre algumas aes, tais como ocultao e dissimulao. Um crime praticado quando poca no se caracterizava como antecedente de lavagem de dinheiro e encaminhou o dinheiro de forma lcita, no ser afetado pela lei posterior e mais grave, ainda que a ocultao seja mantida. Seguindo a sua linha de pensamento BOTTINI[footnoteRef:70]: [70: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.]

Nesse sentido, o ato de lavagem ocorreu antes de 09 de julho de 2012 somente ser tpico nos casos em que os bens ou o capital provenham dos crimes antecedentes previstos expressamente no antigo art. 1., caput. A nica exceo so os casos do art. 1.1., II, na modalidade ter em depsito e guardar, hiptese sobre a qual incide a nova lei caso a conduta esteja em andamento.Nota-se que a nova legislao traz alteraes bastante substanciais na temtica processual, havendo inclusive possibilidade de sua aplicao a processos que j tramitavam poca em que entrou em vigor. Somente ao longo do tempo teremos como perceber, por meio das jurisprudncias, qual posicionamento, dentre os citados, sero adotados.

2.6 A LIMITAO DA ATUAO DO ADVOGADO APS LEI 12.683/2012A alterao tornou-se polmica, alm dos pontos citados no tpico anterior, pois a interpretao ampla do novo dispositivo legal permite sua incidncia sobre profisses nas quais o dever de sigilo, obtidas em virtude das profisses, exigido por lei, como o caso da advocacia.J apontamos que para contar com a cooperao privada o legislador tratou de apontar os setores sensveis. Servios profissionais que podem ajudar que os criminosos que lavam dinheiro obtenham seu intento com mais facilidade. Em geral essas reas envolvem grandes e complexas movimentaes financeiras, que quer em virtude do vulto ou do entranhamento da informao so difceis de serem apuradas.A lei impe um dever de colaborar a esses setores. Esse dever de colaborao compreende diversas obrigaes de compilar e sistematizar dados sobre os usurios de seus servios (art. 10 da Lei de Lavagem de Dinheiro), bem como de comunicar s autoridades competentes atividades suspeitas de lavagem de dinheiro (art. 11 da Lei da Lavagem)[footnoteRef:71]. [71: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.]

A lei, ao expandir o rol dos setores sensveis incluiu as atividades de assessoria e consultoria de qualquer natureza. A interpretao ampla, como j ressaltado, permite imputar ao advogado o dever de notificar s autoridades movimentaes suspeitas de lavagem de dinheiro. Some-se a nova lei ao regulamento que rege a advocacia, os prejuzos para todos as partes envolvidas so evidentes.Para GRANDIS essa discusso pode ser iniciada fincada em pelo menos quatro dispositivos constitucionais:(i) o art. 5., caput, que assegura, como direito fundamental, a inviolabilidade do direito segurana; (ii) o art. 5., XIII, que contempla o livre exerccio de qualquer atividade profissional, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer; (iii) o art. 5., LIV, ao assentar, como imperativo, o devido processo legal; e, por fim, (iv) o art. 133, que trata da indispensabilidade do advogado administrao da justia. E isso sem olvidar, de um lado, a advertncia de Konrad Hesse no sentido de que a Constituio jurdica est condicionada pela realidade histrica, ou seja, a sua interpretao no pode ser separada da realidade concreta de seu tempo e, de outro, o fato de que os direitos fundamentais no se revestem de carter absoluto ou ilimitado, de modo que, sob as balizas do Estado Democrtico e Social de Direito, o exerccio dos direitos vincula-se inexoravelmente a uma compreenso de responsabilidade social e de integrao aos valores da comunidade.[footnoteRef:72] [72: GRANDIS, Rodrigo de. Consideraes sobre o deverdo advogado de comunicar atividade suspeita de lavagem de dinheiro.Boletim 237. Agosto/2012. Ibccrim. Disponvel em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4673-Consideracoes-sobre-o-dever-do-advogado-de-comunicar-atividade-suspeita-de-%E2%80%9Clavagem%E2%80%9D-de-dinheiro.Acesso em: 27/10/2013.]

Os contornos da inviolabilidade do advogado esto traados pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) e pelo Cdigo de tica e Disciplina da OAB, conjunto de normas que pautam a atividade da advocacia, asseguram seus direitos e preveem seus deveres.As diferentes atividades previstas pelo Estatuto da Advocacia, como inerentes ela no constituem classes distantes de profissionais. As atividades referidas so as do art. 1 do referido diploma: I) a postulao a rgo do Poder Judicirio; II) as atividades de consultoria, assessoria e direo jurdicas.Como afirmamos acima, as atividades previstas como inerentes advocacia esto previstas pelo mesmo texto legal. Logo, admitir a existncia de diferentes "classes" da mesma profisso, sendo uma delas no dotada de sigilo profissional, configura uma distoro dos direitos e deveres da instituio e que so constitucionalmente garantidos.Ainda iremos tratar da questo da impossibilidade de distino de advogados em classes, no momento precisamos abordar a questo do sigilo profissional inerente atividade.O Estatuto da Advocacia no abarca o sigilo como direito do advogado, mas sim o impe como um dever, passvel, inclusive de constituir infrao disciplinar, conforme previsto no artigo 34, VII do referido Estatuto. No bastasse a disposio do estatuto regulador da profisso, o Cdigo Penal Brasileiro tambm contm em seu texto previso tpica para a quebra de sigilo. Assinale-se que at mesmo impedidos de depor na condio de testemunhas so os advogados, uma vez que tenham obtido conhecimento de fato relevante em virtude da profisso, tudo conforme legislao civil e penal vigente.Considerando toda a proteo que envolve o sigilo do advogado, que contribui para uma sagrada confiana entre o profissional e aqueles que lhe buscam, investigaremos se possvel que agora se pretenda uma inverso do papel do causdico, tornando-o ento delator do patronado. preciso deixar absolutamente claro que mesmo as atividades de consultoria, diretoria e assessoria, ou seja, atos privativos, esto cobertos sim pelo manto do sigilo, de forma que constitui contra senso sua sujeio s obrigaes administrativas trazidas pela nova lei de lavagem.Alm dos dispositivos constitucionais elencados no incio do tpico, no podemos olvidar a ampla defesa, como meio de demonstrao que o sigilo profissional protege atos privativos, bem como est presente tambm a garantia do princpio da no auto-incriminao, em observncia ao disposto pela Conveno Americana sobre Direitos Humanos, norma sabidamente de eficcia supralegal em nosso ordenamento jurdico.Apesar do pretenso avano do aparato persecutrio, o legislador, prevendo como passveis de delatoria os advogados, ou seja, aqueles que legalmente detm informao necessria ao manejo de defesa jurdica mnima, est subvertendo o papel at hoje solidificado e reconhecido como essencial justia. evidente que se ao ru do procedimento de averiguao de lavagem assegurada a no auto-incriminao ilgico prever que os profissionais que o rodeiam sejam obrigados a previses semelhantes.Assim sendo, calcado no princpio da especialidade[footnoteRef:73], pelo qual se interpreta o ordenamento, de forma que a norma especfica derroga a geral, evidente que o sigilo profissional se estende a todos os dados e informaes mediante a prtica de atividade privativa reservada advocacia, seja ela qual for. [73: Princpio decorrente dos princpios da legalidade e da indisponibilidade do interesse pblico. lembrado quando os demais princpios no resolvem satisfatoriamente conflitos. Se distingue dos demais princpios por estabelecer in abstracto a prevalncia da norma especial sobre a geral, justamente por aquela possuir alguma caracterstica a mais e especial se comparada com a ltima.]

Nessa esteira de pensando, recorremos a BADAR e BOTTINI, que assim divagam:Alm do acentuado carter internacional, as estratgias dos diversos pases de combate lavagem de dinheiro tem como elemento comum o reconhecimento da incapacidade do Poder Pblico para prevenir ou investigar tal delito sem a colaborao de instituies privadas, que atuam nos setores mais sensveis prtica do crime. (...) Um dos pontos mais relevante e polmicos do novo texto legal brasileiro sobre lavagem de dinehrio justamente a ampliao das regras de colaborao privada. Novos setores foram incorporados no rol dos obrigados (art. 9 da Lei de Lavagem de Dinheiro), e regras e exigncias inditas foram estabelecidas (art. 10 e 11), em uma espcie de chamamento de outros atores para auxiliar no controle de atos suspeitos. Juntas comerciais, registros pblicos, agentes imobilirios autnomos, contadores, empresas de transporte e guarda de valores e outros profissionais foram convocados a cooperar no combate lavagem de dinheiro. (...) A imposio dessas obrigaes tem grande impacto sobre o funcionamento dos setores obrigados, especialmente daqueles que fazem do sigilo e da confiana seus princpios estruturantes. O cumprimento das regras de registro e comunicao transforma as instituies em delatores institucionalmente obrigado em relao a eventuais atividades ilcitas praticadas por seus clientes, forando a reformulao de polticas de relacionamento, para alcanar um equilbrio entre o dever de colaborao com as autoridades pblicas e a manuteno da relao de confiana com o cliente. O problema se acirra nos casos em que os profissionais/entidades obrigados exercem atividades cujo sigilo sobre informaes obtidas no contexto profissional no s inerente ao exerccio da funo, mas exigido e imposto por lei, como no caso dos advogados.[footnoteRef:74] [74: BADAR, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo. Lavagem de dinheiro. Aspectos penais e processuais penais. Comentrios Lei 9.613/1998, com as alteraes da Lei 12.683/2012. - So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012;]

Para ampliar a discusso, vamos observar o posicionamento do GAFI quanto advocacia. O GAFI traz duas recomendaes que englobam a advocacia. A recomendao 16 aduz que os advogados, notrios, outras profisses jurdicas independentes e os contabilistas, que trabalhem como profissionais jurdicos independentes, no esto obrigados a declarar as operaes suspeitas se as informaes que possuem tiverem sido obtidas em situaes sujeitas a segredo profissional ou cobertas por um privilgio profissional de natureza legal[footnoteRef:75]. [75: Idem;]

Em contrapartida, na recomendao 22 ficam obrigados indicao s autoridades competentes os advogados que preparem ou efetuem operaes para os clientes, no mbito da compra e venda de imveis, da gesto de fundos, valores mobilirios ou outros ativos do cliente, da gesto de contas bancrias, de poupana ou de valores mobilirios, da organizao de contribuies destinadas criao, explorao ou gesto de sociedades, da criao, explorao ou gesto de pessoas colectivas ou de entidades sem personalidade jurdica e compra e venda de entidades comerciais.[footnoteRef:76] [76: Idem;]

BOTTINI prope uma caracterizao dos profissionais da advocacia, aos moldes da legislao internacional, para que, a partir dela, se possa tecer mais congecturas[footnoteRef:77]: [77: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.]

Ainda que corramos o risco de simplificao, propomos classificar as atividades de advocacia em quatro grandes grupos: (i) advogados togados, assim denominados aqueles que representam clientes em contencioso judicial ou extrajudicial; (iii) advogados de consultoria jurdica para litgios, que prestam consultoria ou proferem pareceres voltados especificamente a litgios judiciais ou extrajudiciais atuais ou futuros; (iii) advogados de consultoria ou assessoria jurdica estrita, que analisam a situao jurdica do cliente ou da operao por ele pretendida limitando-se anlise ou aconselhamento jurdico, sem relao direta com um litgio; e (iv) profissionais de consultoria ou operao extrajurdica, caracterizados como aqueles que assessoram ou colaboram materialmente para operaes financeiras, comerciais, tributrias ou similares, sem que tal se limite anlise jurdica (ex. advogado mandatrio para atividades extraprocessuais, gestor de fundos, analista financeiro, contador.)Conforme j expusemos, de acordo com a normativa internacional os advogados abarcados pelos itens i e ii estariam exonerados da obrigao de prestar informaes, em contrapartida, os dos itens iii e iv, a obrigao de delao compulsria se imporia.Ou seja: os profissionais de contencioso ou consultivo voltados ao processo estariam desobrigados, enquanto os demais devem prestar informaes sobre os atos suspeitos de lavagem de dinheiro que cheguem ao seu conhecimento. Tendo em vista o largo uso de BOTTINI e BADAR, graas a sua obra recente com comentrios ao novo diploma legal, nada mais justo que usar a concluso dos autores acerca do tratado:De todo o exposto, pode-se concluir que o advogado que atua dentro dos limites da representao ou da consultoria, assessoria ou direo jurdica atos tpicos da advocacia no tem o dever de comunicar fatos suspeitos de lavagem que cheguem ao seu conhecimento no exerccio da funo diferentemente dos demais profissionais mencionados no art. 9. da Lei de Lavagem de Dinheiro, mas tem o dever de abster-se de colaborar com atos de encobrimento de capital ilcito, sob pena de responder a ttulo de participao ou mesmo coautoria. Por outro lado, o profissional que exerce funes de gesto de bens, administrao de fundos, ou qualquer outra distinta das atividades descritas no art. 1. da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB) dever comunicar os atos suspeitos de lavagem dos quais tenha conhecimento (desde que tais atividades estejam dentre aquelas elencadas no art. 9. da Lei de Lavagem de Dinheiro).[footnoteRef:78] [78: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.]

2.6.1 A QUESTO DOS HONORRIOSJunto das alteraes polmicas quanto comunicao de fatos que pudessem caracterizar lavagem acabou surgindo a dvida quanto aos honorrios advocatcios. A preocupao residia na possibilidade de o recebimento de honorrios de cliente envolvido em atividade criminosa poder caracterizar alguma das condutas tpicas da lavagem.Tipifica a Lei de Lavagem, em seu art. 1 a conduta de quem: Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infrao penal.No entanto, no se vislumbra a possibilidade de recebimento de honorrios se enquadrar nessa tipificao. Segundo BOTTINI: O dinheiro recebido por profissional liberal, em contraprestao a servios realmente efetuados, com a regular emisso de nota fiscal, no contribui para mascarar o bem, uma vez que seu destino conhecido. No ato objetivo de lavagem de dinheiro. A transparncia/formalidade do pagamento afasta a incidncia do dispositivo.As demais figuras tpicas tambm no so aplicveis: 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilizao de bens, direitos ou valores provenientes de infrao penal:(Redao dada pela Lei n 12.683, de 2012)I - os converte em ativos lcitos;II - os adquire, recebe, troca, negocia, d ou recebe em garantia, guarda, tem em depsito, movimenta ou transfere;III - importa ou exporta bens com valores no correspondentes aos verdadeiros. 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:(Redao dada pela Lei n 12.683, de 2012)I - utiliza, na atividade econmica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infrao penal;(Redao dada pela Lei n 12.683, de 2012)II - participa de grupo, associao ou escritrio tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundria dirigida prtica de crimes previstos nesta Lei.[footnoteRef:79] [79: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Piepaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: comentrios Lei. 9.613 com as alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013;]

Para o festejado autor: Tambm no existem as demais formas tpicas (1. e 2.) por que ausente a inteno de ocultar ou dissimular no recebimento do pagamento, elemento subjetivo inerente aos tipos penais em comento, como j discutido. O advogado almeja apenas a remunerao por seus servios e o fato de receber formalmente os valores aponta para a inexistncia de qualquer vontade de contribuir para o encobrimento. Como j indicado, o mero beneficirio dos valores lavados no participa do crime, mesmo que saiba de sua prtica. O ato de gastar o dinheiro mero exaurimento do tipo de lavagem, no integra o delito. E isso parece valar para o advogado contencioso e para o operacional, pois o recebimento de honorrios relacionado com a prestao de servio em si, e no com o contedo do servio prestado.[footnoteRef:80] [80: Idem.]

Assim sendo tambm se desmistifica essa polmica gerada pelo novo texto legal de lavagem. Era de incio ilgico supor ou fazer querer crer que o valor obtido pelo advogado, a ttulo de honorrios, pudesse ser tipificado como lavagem. Caso se aplicasse esse entendimento seria gerado mais um bice atuao dos advogados particulares, pois em alguns casos onde a atividade do cliente exclusivamente ilcita como no trfico de drogas, por exemplo no haveria como um advogado ser contratado legalmente. 2.7 RESOLUES DO COAFPor fim, resta a resoluo 24 do COAF, que, como se no bastasse a nova lei, tambm foi fonte de inquietao entre os advogados. Na resoluo o COAF determina a forma de proceder dos profissionais elencados pela alterao legislativa.A referida resoluo em seu prembulo deixa clara a sua funo: Dispe sobre os procedimentos a serem adotados pelas pessoas fsicas ou jurdicas no submetidas regulao de rgo prprio regulador que prestem, mesmo que eventualmente, servios de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistncia, na forma do 1 do art. 14 da Lei n 9.613, de 3.3.1998.Polulou entre os advogados a polmica acerca da inteno do COAF de incluir a advocacia no rol de profisses que queria controlar.Note-se que no mesmo ano da promulgao da Nova Lei de Lavagem foi emitida a Resoluo n. 20 do COAF. Tal resoluo regulamentava, de forma ampla, e com o teor semelhante ao da Resoluo n. 24, os sujeitos que estavam imbudos do dever de comunicao e de observncia das regras de compliance. Alm disso, elencava quais seriam as hipteses capazes de configurar indcio de crime. No art. 1, inciso VIII da resoluo, dispunha:VII as pessoas fsicas e jurdicas no submetidas regulao de rgo prprio regulador que prestem, mesmo que eventualmente, servios de assessoria, consultoria, contadoria auditoria, aconselhamento ou assistncia, de qualquer natureza, em operaes: (...)Da mesma forma que a Resoluo 20, a Resoluo 24, aparentemente jamais teve o escopo de incluir a advocacia em seu rol. Apesar disso houve reunio do Conselho Federal da OAB com o COAF para que houvesse uma manifestao pblica do consenso.No entanto, o presidente do COAF reiterou seu posicionamento de que os rgos que regulam profisses teriam que estabelecer critrios de informaes. Ou seja, no h obrigao de comunicao ao COAF, mas ele assevera que a (...)regulamentao dessa atividade pela OAB seria um grande avano sentido da enorme mudana cultural que essa nova lei prope e para a proteo da prpria advocacia2.8 O ESTATUTO DA OABO Estatuto da OAB EOAB, preceitua em seu artigo 33 os deveres que devem ser cumpridos pelo advogado. Figuram entre os anunciados deveres o papel do advogado perante a sociedade, o cliente, com colegas; versa sobre a publicidade; sobre assistncia jurdica; princpios e procedimentos disciplinares. Versa, sobre tudo, do que mais nos interessa agora, que sobre a inviolabilidade de o sigilo do advogado.

O EAOB no uma mera cartilha de orientao. Constitui-se, na realidade, da indicao de regras deontolgicas, que primam por constituir o advogado algo superior a um profissional liberal comum, conforme aduz CARDELLA[footnoteRef:81]: [81: CARDELLA, Haroldo. Manual de tica profissional do advogado. Campinas, SP: Millennium Editora, 2005.]

O Cdigo de tica e Disciplina, entre outras finalidades, estabelece regras deontolgicas, como se verifica pelo pargrafo nico do artigo 33 do Estatuto, que norteiam o advogado no seu exerccio profissional, para no ser apenas um mero profissional liberal. Destacam-se do referido pargrafo os seus deveres para com a comunidade, sua funo social, as relaes com o seu cliente e com o colega, a observncia s formas de publicidade admitidas, a recusa do patrocnio, o compromisso de assistncia judiciria aos necessitados, o dever de urbanidade, e os procedimentos disciplinares. Essas regras devem acompanhar o advogado no seu dia-a-dia, em seus escritrios, na rua, no foro e em todos os espaos pblicos em que sua conduta possa enaltecer ou desprestigiar a classe que representa.Pode-se dividir o Cdigo de tica e Disciplina em duas partes, a primeira, que aborda a tica do advogado e a segunda, que trata do processo disciplinar. A abordagem tica divide-se nas regras deontolgicas fundamentais, as regras das relaes com os clientes, o sigilo, entre outros.

As regras deontolgicas so apresentadas exemplificativamente nos artigos 1 ao 7, e versam da conduta do advogado. J o relacionamento com o cliente merece abordagem mais dedicada, e no meramente exemplificativa. Vemos nos artigos 8 ao 24, e especifica que a relao deve ser uma real confiana do cliente em seu advogado e uma independncia deste em relao quele antes da aceitao da causa[footnoteRef:82]. [82: CARDELLA, Haroldo. Manual de tica profissional do advogado. Campinas, SP: Millennium Editora, 2005;]

O advogado o um profissional com dever de ser defensor do Estado Democrtico de Direito, da cidadania, da moralidade, e da justia. , portanto, uma figura indispensvel sociedade, e por essa razo transcende o prprio Estatuto da Ordem, e com essa finalidade, surgem as regras deontolgicas.Deontologia so os princpios ou regras que estabelecem os marcos de conduta do homem ou do profissional, conforme CARLIN[footnoteRef:83]: [83: CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurdica - tica e Justia. Florianpolis: OAB/SC, 2005.]

Ela opera, por excelncia, no campo profissional. Requer normas reagrupadas em textos, estatutos ou cdigos, exigindo, em seu estudo, noes de disciplina, falta e sano, entendidas coletivamente, posto que destinadas ao conjunto da profisso. No raro ela se acha utilizada para designar tica profissional ou a moral do exerccio de uma profisso, resultado da reflexo dos profissionais sobre uma prtica. Mesmo quando impulsionada pelos poderes pblicos, uma autodisciplina.Conforme referimos, no primeiro captulo podemos verificar a presena das regras deontolgicas inerentes profisso da advocacia. O Captulo I do Cdigo de tica trata especificamente da conduta do advogado, traduzindo-as em regras de conduta, com sanes disciplinares especficas em caso de descumprimento.

As morais individuais, sociais, ou profissional, so a abordadas logo de incio. Ou seja, alm das regras prticas, digamos assim, o advogado est destinado a ser um exemplo de moral individual social e profissional.

Abaixo, no artigo segundo, trata-se da indispensabilidade do advogado administrao da justia, e trs os deveres ticos do advogado, entre os quais dever de preservar em sua conduta a honra, a nobreza e a dignidade da profisso; dever de atuar com destemor, decoro, ind