a jornada para o desenvolvimento da autonomia … · pedrinelli, verena junghähnel p371t a...

140
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física Doutorado VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Orientadora: Prof a . Dr a . Maria Regina Ferreira Brandão. São Paulo Março - 2014

Upload: vokien

Post on 14-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física

Doutorado

VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI

A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO

HUMANO

Orientadora: Profa. Dr

a. Maria Regina Ferreira Brandão.

São Paulo

Março - 2014

Page 2: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física

Doutorado

VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI

A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO

HUMANO

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Educação

Física da Universidade São Judas Tadeu,

para obtenção do título de Doutora em

Educação Física.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina

Ferreira Brandão.

São Paulo

Março - 2014

Page 3: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

Pedrinelli, Verena Junghähnel

P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na

perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano / Verena

Junghähnel Pedrinelli. - São Paulo, 2014.

140 f. : il. ; 30 cm.

Orientadora: Maria Regina Ferreira Brandão.

Tese (doutorado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2014.

1. Autonomia. 2. Deficiência intelectual. 3. Desenvolvimento humano.

I. Brandão, Maria Regina Ferreira. II. Universidade São Judas Tadeu,

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física. III. Título

CDD 22 – 796

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca

da Universidade São Judas Tadeu Bibliotecário: Ricardo de Lima - CRB 8/7464

Page 4: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI

A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO

HUMANO

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Educação

Física da Universidade São Judas Tadeu,

para obtenção do título de Doutora em

Educação Física.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina

Ferreira Brandão.

Banca Examinadora

________________________________________________ Profa. Dra. Maria Regina Ferreira Brandão (Orientadora)

Universidade São Judas Tadeu

_____________________________________ Profa. Dra. Joice Mara Facco Stefanello

Universidade Federal do Paraná

_____________________________________ Profa. Dra. Lenamar Fiorese Vieira Universidade Estadual de Maringá

_____________________________________ Profa. Dra. Graciele Massoli Rodrigues

Universidade São Judas Tadeu

_____________________________________ Profa. Dra. Maria Luiza de Jesus Miranda

Universidade São Judas Tadeu

Page 5: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

A meus mais queridos

André, Vivian e Thomas,

pelo amor que nos une,

pela família que somos.

Adoro vocês.

Page 6: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

Meus melhores agradecimentos

A Maria Regina Ferreira Brandão Regina, pela pessoa sine qua non que é, cujas

palavras-chave são competência e acolhida. Mais do que pelo aprendizado,

minha gratidão por sua amizade.

Aos atletas, mães, treinadoras e treinadores, acompanhantes, coordenadores dos

programas e das instituições que inspiraram e possibilitaram a realização deste

estudo.

À família paralímpica, pela acolhida e inestimável colaboração.

À família Special Olympics, especialmente a Maria Teresa Krähenbühl Leitão e a

Vinicius Savioli, pela amizade construída ao longo de tantos anos de

convivência e pela gratificante experiência profissional.

A Lenamar Fiorese Vieira, Joice Mara Facco Stefanello, Graciele Massoli Rodrigues

e Maria Luiza de Jesus Miranda, membros da banca examinadora, pelas

contribuições para o aprimoramento da tese.

A Marli Nabeiro e Eilsabete dos Santos Freire, suplentes da banca, a quem admiro

muito.

A André Luiz dal Prá, meu primeiro aluno com síndrome de Down, e a sua família,

pelo inestimável aprendizado e pela valiosa amizade.

A Meico Fugita, AMIGA (com letras maiúsculas!), por balizar o projeto na pré-banca

e por compartilhar seu conhecimento e sua experiência de vida.

A Simone Salvador Gomes e Gerson dos Santos Leite, que acompanharam passo a

passo o processo de mais esta conquista. Viva a primeira turma de

doutorandos da Regina!

A Adriana Justino, Raul Santos de Oliveira, Rodrigo D’Alonso Ferreira e Gisele Maria

Silva, pela grata convivência no grupo de estudos em Psicologia do Esporte e

orientandos da Regina.

A Vanilton Senatore, inquestionável desbravador da educação física para pessoas

com deficiência no Brasil, a quem devo minha inserção na área e em nome de

Page 7: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

quem agradeço a todos aqueles que fizeram (e ainda fazem) parte da história

da educação física adaptada neste país.

A todos da família da Sobama e da Ifapa, valiosíssimos e imprescindíveis.

A Ruth Eugênia Cidade, especialmente querida, pela amizade, pelo respeito e pela

admiração que nos mantêm unidas.

A Paulo Henrique Verardi, pela amizade e pelo acolhimento, tantas e tantas vezes,

no Simpósio SESC de Atividades Físicas Adaptadas, em São Carlos.

Ao Prof. Durval Luiz da Silva e a todos os colegas, amigos, professores,

funcionários, coordenadores e diretores da USJT, da graduação e da pós-

-graduação, que ampararam e possibilitaram meu desenvolvimento pessoal e

profissional.

A Marcelo Donizeti Micheletto, pelo idealismo (que muito admiro) e pela inestimável

colaboração para me substituir nas aulas sempre que necessário.

A todos os alunos de graduação, de cursos de especialização, pós-graduação e

capacitação, por meio de quem se dissemina o conhecimento da educação

física adaptada, assegurando a plena participação de pessoas com deficiência.

Às amizades construídas a cada tempo da minha vida, mediadas por atividades

desenvolvidas na escola (Colégio Benjamin Constant), nos clubes (Clube

Bragança, ACM, Pinheiros, Tênis Clube, Paineiras), no Conservatório Musical

Brooklin Paulista, na Mercedes-Benz do Brasil, nas aulas de artesanato e no

curso de audiodescrição.

Aos colegas de turma da EEFUSP.

À equipe de treinamento de natação do Koiti Anzai, cuja história tem sido

relembrada em encontros virtuais e presenciais do grupo Natação USP. Bons

tempos! Uma rica experiência como atleta de natação em jogos universitários

locais, regionais (JUPs) e nacionais (JUBs).

A Suiara Pereira Teixeira, pela amizade e pela acolhida carinhosa nas visitas a

Brasília.

Page 8: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

Às “sincronéticas”, pelos divertidos momentos de treinamento e apresentação de

coreografias e pelas difíceis exibições de figuras e de rotinas nas competições

de nado sincronizado.

Aos profissionais da ATNESP, que aprimoraram minhas competências profissionais

na natação e foram parceiros no início da carreira.

Aos mestres, colegas e funcionários da EEFUSP (atual EEFEUSP), responsáveis

por minha formação na graduação e no mestrado, muitos dos quais me

acompanharam ao longo de dez anos como docente nessa instituição.

A Rita de Cássia Garcia Verenguer, pelos tantos e tão importantes momentos de

vida que compartilhamos.

A Rosângela Barqueiro e Antônio Carlos Barqueiro, Eliane Lemos e Adelino Ozores,

pelos anos de convivência, a quem admiro pela incansável dedicação à

inclusão de pessoas com deficiência.

Aos médicos amigos do Pedrinelli e respectivos familiares, que nos acompanham

desde o tempo de namoro.

A todas amigas do grupo Elas, tão especiais e muito queridas.

Ao grupo do Dojão, nossa confraria do vinho, pelos divertidos encontros e pela ótima

convivência.

A Rita Rodrigues Corsato, Marcos Corsato, Breno e Maria Eugênia, que considero

uma família dentro da nossa família.

A Montezuma Pimenta Ferreira, pela preciosa “receita médica” – 25/5 min, 2 a 4

vezes ao dia – para compor e finalizar esta tese.

A Shirlei Montanari, personal trainer, por saber cuidar do meu bem-estar e pela

amizade construída nos tantos encontros.

Às amizades que vieram com os filhos: as mães (e pais) do Colégio Visconde de

Porto Seguro, o grupo de Kantele e de lira, os professores da Sons, os

profissionais do Clube Paineiras do Morumby e a família escoteira do Gesp.

A Andrea Leitner Thomazoni, amiga tão querida, pelos pontos de vista tão diferentes

e tão necessários, que sedimentaram nossa amizade e nos motivam a sempre

e sempre nos reencontrarmos.

Page 9: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

A Luis Phillipe Blanes (Dina) e Francisco Blanes (Nico), pela tentativa de resgatar

um importante arquivo deletado – afinal, qual tese não tem uma ocorrência

dessas?

À Confraria de Textos, na pessoa de Helena Meidani, pela competente e dedicada

revisão da tese.

À minha família

A minha mãe Lieselotte Junghähnel (Mami), a quem sou grata pela educação que

me deu.

A minha irmã, Sylvia Junghähnel, por me haver ensinado a importância e a

necessidade do vínculo fraterno.

A meu irmão, Mario Junghähnel, a quem admiro pela presença sempre alegre nos

encontros de família.

A Gertrud Reincke (Tante Trudi) e Susana Margarida Brechbühler (Tante Susi),

respectivamente tia e tia-madrinha, que, cada qual à sua maneira, fortalecem o

significado de família.

A meu pai (Harald Kurt Junghähnel), tio (Rolf Junghähnel) e avós (in memoriam) (e

demais antepassados), a quem sou grata pela herança germânica.

À família agregada, todos muito queridos: Ricardo Pedrinelli, Sylvia Regina Micalli

Pedrinelli, Victor e Bruno; Marisa Alves dos Reis Junghähnel, Patrick e

Amanda; João Pedrinelli, Neusa Santos Pedrinelli (in memoriam), Maria de

Lourdes Brombai; Camila Marqueis Fernandes; Fernando Moysés Chaim e

respectivos familiares.

Aos amigos de coração, tantos e todos (porventura não mencionados

nominalmente), por terem caminhado a meu lado em algum momento.

Cada um está nas entrelinhas deste estudo. E não poderia ser diferente.

Page 10: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

“Pelo sonho é que vamos.”

David Rodrigues

“[...] são, na verdade, os processos proximais que poderão nortear a

transformação da criança de hoje, no adulto de amanhã.”

Ruy Jornadas Krebs

Page 11: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a percepção da autonomia de atletas com

deficiência intelectual sob a perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento

humano. Entrevistaram-se dez atletas de natação com deficiência intelectual (cinco

do programa esportivo paralímpico e cinco do programa da Special Olympics), de

ambos os sexos, maiores de 18 anos, bem como suas respectivas mães (n = 10) e

treinadores (n = 8) e um assistente. Um questionário semiestruturado foi utilizado

para coletar suas opiniões. Os coordenadores (n = 5) de cada programa

responderam a duas questões por escrito. A análise descritiva e interpretativa

baseou-se no modelo processo-pessoa-contexto-tempo. Os resultados indicam que

as disposições, os recursos e as demandas (atributos da pessoa) observados nos

processos proximais do microssistema do ambiente lar/família e do ambiente esporte

refletem especificidades que demandam uma abordagem contextualizada do modus

operandi de cada atleta. Em alguns casos, os atributos se mostraram

desenvolvimentalmente instigantes e, em outros, combinaram-se características

pessoais positivas e negativas que influenciaram o comportamento autônomo. Os

resultados também indicaram que atividades no ambiente lar/família, bem como

treinamento e competições no ambiente esporte, têm um efeito importante na

autonomia. As metas e ações institucionais se relacionaram com a intervenção

profissional dos treinadores, refletindo interconectividade entre o meso e o

exossistema. Apesar de participarem de discussões em grupo sobre direitos

relativos à autonomia, mães, treinadores e mesmo atletas engajados em

organizações em defesa dos direitos da pessoa com deficiência mencionam apenas

poucos documentos existentes no macrossistema. Identificaram-se eventos com

características microtemporais e mesotemporais nos processos proximais, mas, para

o cronossistema, as expectativas deveriam contemplar mudanças de

comportamento em longo prazo. Mães e treinadores têm um papel importante na

mudança de comportamento dos atletas, mas a análise do mesossistema não

confirma a transversalidade entre os ambientes lar/família e esporte.

Aparentemente, prevalecem crenças pessoais nas ações adotadas pelas mães e

treinadores, em detrimento de aspectos culturais e de normas nacionais

relacionadas ao macrossistema. Desta forma, pode-se confirmar que os processos

proximais são de fundamental importância em qualquer relação interpessoal. A

Page 12: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

perspectiva bioecológica adotada para compreender a autonomia de atletas com

deficiência intelectual permite afirmar que o esporte pode ser considerado um

ambiente favorável ao desenvolvimento humano.

Palavras-chave: Autonomia. Deficiência intelectual. Modelo bioecológico de

desenvolvimento humano.

Page 13: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

ABSTRACT

This study´s aim was to investigate the perception of autonomy of athletes with

intellectual disability under the perspective of the bioecological theory of human

development. Ten athletes with intellectual disability (five attending a Paralympic

sports program and five attending a Special Olympics program), from both genders

and older than 18 years, were interviewed, as well as their respective mothers (n =

10), coaches (n = 8), and one assistant. A semi-structured questionnaire was used to

collect their opinions. The coordinators (n = 5) of each program answered two written

questions. The descriptive and interpretative analysis was based upon the process-

person-context-time model. Results show that dispositions, resources and demands

(personal attributes) observed in proximal processes in the microsystem of the

home/family environment and the sport environment reflect specificities that demand

a contextualized approach of the modus operandi of each athlete. In some cases it

was possible to observe that all of the attributes were developmentally instigative,

and in others positive and negative personal characteristics have been combined

influencing autonomous behavior. Results also showed that activities in the

home/family environment as well as training and competitions in the sport

environment have an important effect on autonomy. Institutional goals and actions

were related to professional intervention of coaches, reflecting interconnectivity

between meso and exosystem. In spite of participating in group discussions about

the rights toward autonomy, mothers, coaches and even athletes engaged in

organizations in defense of the rights of people with disability do only mention a few

existing documents in the macrosystem. Events with microtemporal and

mesotemporal characteristics were noted in proximal processes, but for the

chronosystem, expectations for changes in behavior in long-term should have been

contemplated. Mothers and coaches have an important role in the change of athletes

behavior, but the analysis of the mesosystem does not confirm transversality

between home/family and sport environment. Apparently, personal beliefs prevail in

actions adopted by mothers and coaches over cultural and national norms related to

the macrosystem. Therefore it can be stated that proximal processes are of

fundamental importance in any interpersonal relationship. The adopted bioecological

perspective to understand autonomy of athletes with intellectual disability allows to

state that sport can be considered a favorable environment for human development

Page 14: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

Key words: Autonomy. Intellectual disability. Bioecological model of human

development.

Page 15: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

LISTA DE ESQUEMAS

Esquema 1 - Construtos do modelo bioecológico de desenvolvimento

humano ......................................................................................

33

Esquema 2 - O processo e suas características ............................................. 34

Esquema 3 - Atributos da pessoa em desenvolvimento .................................. 35

Esquema 4 - O microssistema e seus componentes ...................................... 36

Esquema 5 - Representação de mesossistema e seus elementos ................. 37

Esquema 6 - Representação de exossistema ................................................. 38

Esquema 7 - Representação de macrossistema ............................................. 39

Esquema 8 - Tempo e o cronossistema .......................................................... 40

Esquema 9 - Mapa ecológico da atleta A1 ...................................................... 109

Esquema 10 - Mapa ecológico do atleta A2 ...................................................... 109

Esquema 11 - Mapa ecológico da atleta A3 ...................................................... 110

Esquema 12 - Mapa ecológico da atleta A4 ...................................................... 110

Esquema 13 - Mapa ecológico do atleta A5 ...................................................... 111

Esquema 14 - Mapa ecológico do atleta A6 ...................................................... 111

Esquema 15 - Mapa ecológico do atleta A7 ...................................................... 112

Esquema 16 - Mapa ecológico do atleta A8 ...................................................... 112

Esquema 17 - Mapa ecológico do atleta A9 ...................................................... 113

Esquema 18 - Mapa ecológico do atleta A10 .................................................... 113

Page 16: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Demonstração do uso de normas para transcrição sugeridas por

Presti et al. (1999) e Presti (2000) ....................................................

58

Page 17: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Livros e os artigos publicados por Urie Bronfenbrenner (em inglês

e português) ....................................................................................

31

Quadro 2 - Tema, número da definição, assunto, proposição e hipóteses

propostas por Bronfenbrenner em 1979 .........................................

42

Quadro 3 - Temas complementares ao modelo ecológico do

desenvolvimento humano organizados em tópicos, subtópicos,

princípios e corolários propostos por Bronfenbrenner em 1992 .....

44

Quadro 4 - Proposições abreviadas apresentadas por Bronfrenbrenner em

2001 ................................................................................................

45

Quadro 5 - Perfil dos atletas .............................................................................. 53

Quadro 6 - Síntese das características de cada elemento do modelo

bioecológico do desenvolvimento humano proposto por

Bronfenbrenner (1979; 1992; 2001) ................................................

61

Quadro 7 - Atributos pessoais de atletas e respectivas alocações no polo

negativo e/ou polo positivo de acordo com o depoimento ..............

94

Quadro 8 - Caracterização dos processos proximais na percepão dos

atletas,mães e treinadores ..............................................................

100

Page 18: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................

1.1 Definição do problema ....................................................................................

1.2 Objetivos .........................................................................................................

1.2.1 Objetivo geral ...............................................................................................

1.2.2 Objetivos específicos ...................................................................................

1.3 Justificativa .....................................................................................................

1.4 Delimitação do estudo ....................................................................................

1.5 Definição de termos ........................................................................................

2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................

2.1 Autonomia: características .............................................................................

2.2 A teoria bioecológica do desenvolvimento humano .......................................

2.2.1 O modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT) ..................................

2.2.2. Um sistema teórico em evolução ................................................................

2.3 A pessoa com deficiência intelectual na perspectiva do modelo biológico de

desenvolvimento humano .....................................................................................

3 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO .........................................................

3.1 Sujeitos ...........................................................................................................

3.2 Instrumentos ...................................................................................................

3.3 Procedimentos ................................................................................................

3.3.1 Do contato com os participantes à anuência de participação .....................

3.3.2 Do agendamento e da realização das entrevistas .......................................

3.3.3 Da elaboração dos relatórios ......................................................................

3.4 Análise dos dados ..........................................................................................

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................

4.1 Ponto de partida: significado de autonomia ...............................................

4.2 Cada caso é um caso: a história contada .......................................................

4.2.1 Atleta 1 .........................................................................................................

4.2.2 Atleta 2 .........................................................................................................

4.2.3 Atleta 3 .........................................................................................................

20

20

25

25

25

25

26

27

28

28

30

32

41

47

51

52

55

55

56

57

57

59

62

62

64

64

68

70

Page 19: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

4.2.4 Atleta 4 .........................................................................................................

4.2.5 Atleta 5 .........................................................................................................

4.2.6 Atleta 6 .........................................................................................................

4.2.7 Atleta 7 .........................................................................................................

4.2.8 Atleta 8 .........................................................................................................

4.2.9 Atleta 9 .........................................................................................................

4.2.10 Atleta 10 .....................................................................................................

4.3 A pessoa em desenvolvimento: atributos pessoais e processos proximais

no microssistema ..................................................................................................

4.4 O mesossistema: explorando a interconectividade entre ambientes .............

4.5. O exossistema: repercussão dos vínculos apoiadores .................................

4.6 O macrossistema: estrutura e ideário .............................................................

4.7 Tempo: a propriedade da completude ............................................................

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................

REFERÊNCIAS ....................................................................................................

APÊNDICES .........................................................................................................

73

77

79

82

84

87

89

92

100

102

106

114

116

119

129

Page 20: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

20

1 INTRODUÇÃO

1.1 Definição do problema

Durante a vida, uma pessoa sofre diversas influências que afetam seu

desenvolvimento. Meu interesse em pessoas com deficiência intelectual teve início

em 1980, quando, durante o último ano da graduação em educação física, na então

Escola de Educação Física (EEF), hoje Escola de Educação Física e Esporte

(EEFE) da Universidade de São Paulo, num programa de atendimento à

comunidade, me dispus a dar aulas de natação para um adolescente com síndrome

de Down.

Em 1981, quando me tornei docente na USP, oficializou-se o curso então

denominado Natação para Deficientes Mentais, oferecendo mais vagas e a

oportunidade de monitoria a alunos em formação. Toda a orientação pedagógica era

planejada considerando a natação uma possibilidade de deslocar o corpo com

independência no meio líquido, com princípios de segurança fundamentados na

autonomia e responsabilidade do aluno. Esse curso ensejou uma experiência ímpar

de intervenção profissional. O trabalho com alunos com deficiência intelectual me

levou a querer compreender melhor seu desenvolvimento motor e seu processo de

aprendizagem, o que culminou na dissertação de mestrado Formação de esquemas

motores em crianças portadoras de síndrome de Down, defendida em 1989.

Marco histórico em 1981, o Ano Internacional da Pessoa Deficiente deflagrou

várias ações governamentais que se refletiram no processo de implantação da

disciplina de educação física adaptada (na época, também chamada de educação

física especial) na graduação em educação física. Em 1985, tive a oportunidade de

assumir a disciplina de Educação Física Adaptada na graduação da EEFEUSP,

passando a me dedicar a essa área de estudo até os dias de hoje.

Entre muitos momentos importantes da minha carreira, destaco meu

envolvimento no programa Special Olympics Brasil a partir de 2005 como

coordenadora nacional da natação, capacitando profissionais de educação física que

trabalham com atletas com deficiência intelectual a treiná-los para participarem de

competições da Special Olympics.

Por essa atuação, fui nomeada técnica-chefe da equipe de natação que

participou dos Jogos Mundiais de Verão da Special Olympics, em Xangai, em 2007.

Page 21: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

21

Em 2009, fui convidada para ser diretora nacional de esportes da Special Olympics

Brasil e chefiar a delegação brasileira que participou dos Jogos Latino-Americanos

da Special Olympics em Porto Rico.

Na preparação da equipe de natação em 2007 e na da delegação brasileira

em 2010, muito se falou em desenvolver a autonomia, uma vez que a família dos

atletas não estaria com eles durante a viagem e nem seus treinadores estariam a

seu lado nas provas da competição, especialmente em modalidades individuais

como a natação. Assim, atletas, treinadores e famílias foram preparados para a

viagem. Sabíamos que o grande desafio seria lidar com as questões psicossociais,

e, em particular, me interessei em aprofundar o conhecimento relativo à autonomia

de atletas com deficiência intelectual.

Segundo Harris (2003) e Jolly et al. (2009), a autonomia é a capacidade de

uma pessoa ser agente daquilo que deseja e julga adequado fazer, desde que essa

escolha seja respaldada em opiniões e decisões baseadas em experiências,

conhecimento, preferências, crenças e valores. Essa afirmação encontra eco na

literatura referente à pessoa com deficiência intelectual (HOOREN et al., 2002;

MARTIN, 2003; MILL; MAYES; McCONNELL, 2009; WEHMEYER; BOLDING, 2001;

WILSON; CLEGG; HARDY, 2008; WULLINK et al., 2009).

Na perspectiva biecológica do desenvolvimento humano

(BRONFENBRENNER, 2001; 2005), é fundamental considerar que, sendo capaz de

fazer escolhas, expressar opiniões e tomar decisões, a pessoa com deficiência

intelectual demonstra ter atributos pessoais que lhe permitem ter autonomia.

Enfatize-se que a percepção de autonomia se estabelece a partir das relações

interpessoais, que serão tanto mais instigantes quanto mais disposições

desenvolvimentalmente geradoras envolverem.

Muitas vezes, as pessoas que convivem com uma pessoa com deficiência

intelectual assumem uma atitude paternalista, que, segundo Rogers e Ballantyne

(2008), se justifica, da perspectiva ética, pelas características de vulnerabilidade.

Hooren et al. (2002) afirmam que, muitas vezes, essas pessoas acreditam que estão

fazendo o melhor quando decidem ou induzem a pessoa com deficiência a aceitar

uma sugestão. No entanto, para Kimball (2007), isso afasta a discussão e a reflexão

sobre informações relevantes que podem ajudar a pessoa em desenvolvimento a

fazer escolhas, legitimando sua decisão e concorrendo para a percepção da

autonomia. Sua vulnerabilidade e a falta de condutas que favoreçam seu

Page 22: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

22

desenvolvimento e sua participação social podem resultar num desastre, do ponto

de vista contextual (PEEK; STOUGH, 2010).

Ainda que se considere a autonomia um comportamento de natureza pessoal,

ela está diretamente relacionada aos valores que cada sociedade cultiva e, portanto,

é um ideal a alcançar (YANAY, 1994).

Desde 2001, a participação ativa e com autonomia de pessoas com algum

déficit ou deficiência em funções ou estruturas corporais tem sido o pressuposto

principal da Organização Mundial de Saúde (OMS) na atualização da Classificação

Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (WORLD HEALTH

ORGANIZATION, 2001; versão traduzida OMS, 2003). O novo modelo valoriza a

realização de atividades (tarefas ou ações, ainda que com limitações) e a

participação (envolvimento em situações de vida diária, ainda que com restrições).

Visa sobretudo avaliar as capacidades e o desempenho para uma boa qualidade de

vida, incentivando a permanência ou a inserção produtiva da pessoa no contexto

social, em vez de considerá-la inapta ou inválida (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008;

FARIAS; BUCHALLA, 2005; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).

Diretrizes nacionais e internacionais influenciam políticas de planejamento e

ações nas esferas administrativas e desencadeiam a disseminação de ideais nas

bases da comunidade envolvendo família e escola, entre outros, com o objetivo de

garantir a todos, de qualquer idade, em qualquer contexto, o direito de usufruir das

premissas de determinado momento sócio-histórico. No Brasil, o Programa Nacional

de Direitos Humanos (PNDH-3) (BRASIL, 2010) e a Convenção sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2011) estabelecem as diretrizes que

orientam o direito à plena participação, especialmente dos grupos minoritários, com

a preocupação da construção da autonomia e da cidadania.

Estudos sobre a percepção de autonomia são explorados em diferentes

perspectivas; por exemplo, a percepção que o atleta tem de si mesmo e a percepção

de autonomia que ele consegue atribuir à intervenção do treinador no contexto do

esporte (ADIE; DUDA; NTOUMANIS, 2008; ÁLVAREZ et al., 2009; JOLLY et al.,

2009; SMITH; NTOUMANIS; DUDA, 2007; SOLBERG; HALVARI, 2009). Outros

estudos procuram estabelecer relação entre percepção de autonomia e motivação

ou entre estabelecimento de metas e autonomia (MOURATIDIS et al., 2008); entre

percepção de autonomia e bem-estar (RYAN et al., 2009); entre percepção de

autonomia e relação de amizade (DECI et al., 2006); entre autonomia e habilidades

Page 23: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

23

de liderança (este com participantes de atletas com deficiência intelectual)

(SIPERSTEIN; KERSCH; BARDON, 2007). Embora identifiquem a percepção de

autonomia das partes envolvidas, esses estudos não discutem a influência do

contexto na autonomia.

Diante de um fenômeno complexo e multifacetado, Brandão (2007), García

Bengoechea (2002), Krebs (2001; 2003; 2006; 2010), Krebs et al. (2011) e Tudge et

al. (2009), estudiosos da psicologia do esporte, apontam a importância da teoria

bioecológica do desenvolvimento humano proposta por Bronfenbrenner (2001; 2005)

para explorar o efeito do processo interativo e dinâmico no desenvolvimento

humano.

Essa teoria entende o desenvolvimento humano como uma função da

interação pessoa-contexto ao longo do tempo, com especial atenção aos processos

proximais que ocorrem nas relações interpessoais. Segundo Bronfenbrenner (2001;

2005), o modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT) é considerado a essência

da teoria. Adotando-se a teoria bioecológica do desenvolvimento humano, se

assume que a investigação envolverá avaliação e análise simultânea desses

elementos.

Estudos em psicologia do esporte fundamentados na teoria bioecológica do

desenvolvimento humano de Bronfenbrenner têm discutido diferentes temas; por

exemplo, a influência de atributos pessoais em tenistas (COPETTI, 2001), a

participação esportiva (KREBS et al., 2011; SOUZA, 2010; STEFANELLO, 2005), o

engajamento social em jogos recreativos (TOLOCKA; FARIA; DE MARCO, 2011), o

comportamento parental (HOLT et al., 2009; NAKASHIMA, 2012), o

desenvolvimento de talento (HENRIKSEN, 2010; KREBS, 2009a), a importância dos

processos proximais (KREBS, 2009b) e a influência de fatores pessoais e

contextuais na prática esportiva (COPETTI; KREBS, 2004; KREBS, 2003;

STRACHAN; COTÉ; DEAKIN, 2009). E, embora sejam raros, os estudos sobre

pessoas com deficiência intelectual frisam a importância e o desafio de se adotar o

modelo bioecológico do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner no contexto da

educação especial ou inclusiva (BUTERA, 2005; KREBS, 2006; SONTAG, 1996;

SOUZA, 2009).

O esporte é considerado um fenômeno sociocultural e educativo, e seus

conceitos, características, orientações, manifestações e princípios têm sido

explorados por autores como Stigger (2001), Gonzalez (2004), Tani e Manoel

Page 24: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

24

(2004), Rodríguez, Robles e Fuentes-Guerra (2009) e Tubino (2010). No glossário

da Política Nacional de Esporte (BRASIL, 2005), define-se o esporte como:

Fenômeno sociocultural que tem no jogo seu vínculo cultural e na competição seu elemento essencial e que, em suas diferentes formas, contribui para a formação e a aproximação dos seres humanos, ao reforçar o desenvolvimento de valores como a moral, a ética, a solidariedade, a fraternidade e a cooperação, o que o torna um dos meios mais eficazes para a convivência humana (p. 29).

Na condição de fenômeno sociocultural, educativo e político, o esporte é

dinâmico sofre influências constantes, o que se pode constatar pela evolução

conceitual de seus diferentes significados ao longo dos séculos e de seu

reconhecimento como uma das maiores manifestações culturais do mundo, sendo

hoje designado esporte contemporâneo (TUBINO, 2010). No Brasil, o esporte está

classificado em três categorias – (a) esporte-educação, (b) esporte-lazer e (c)

esporte de desempenho –, espectro que contempla todas as suas manifestações

nos meios educativos, populares, comunitários ou institucionalizados (TUBINO,

2010). Os princípios norteadores do esporte-educação são a participação, a

coeducação, a cooperação, a corresponsabilidade e a inclusão; do esporte-lazer, a

participação, o prazer e o desenvolvimento esportivo; e, do esporte de desempenho,

o desenvolvimento esportivo e a superação.

No Brasil, as organizações que gerenciam, em âmbito nacional, a participação

de pessoas com deficiência intelectual no esporte são o Comitê Paralímpico

Brasileiro (a que se subordina a Associação Brasileira de Desportos para o

Deficiente Intelectual [Abdem]) e a Special Olympics Brasil. O movimento

paralímpico segue a regulamentação estabelecida pela Inas (organização

internacional voltada aos para-atletas com deficiência intelectual), e o movimento

Special Olympics tem seu próprio regimento, estabelecido pela Special Olympics

(internacional) para a participação de atletas com deficiência intelectual. Ambos

focam o desenvolvimento esportivo, sendo que o primeiro visa o alto desempenho,

enquanto esta visa a participação. Na perspectiva bioecológica do desenvolvimento

humano, cada uma dessas organizações tem características próprias, e sua

estrutura e seu funcionamento têm implicações no desenvolvimento de cada atleta.

Diante do exposto, esta tese tem os seguintes objetivos:

Page 25: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

25

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

O objetivo do presente estudo é investigar os elementos propulsores da

autonomia na trajetória de vida de atletas de natação com deficiência intelectual sob

a perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento humano.

1.2.2 Objetivos específicos

1. Analisar o significado atribuído à autonomia por atletas, mães e

treinadores.

2. Analisar os atributos pessoais dos atletas na inter-relação com o contexto.

3. Analisar os processos proximais do microssistema do ambiente lar/família e

do ambiente esporte.

4. Analisar o mesossistema pelo processo de interação entre os

microssistemas.

5. Analisar o exossistema e o processo de interação com o mesossistema.

6. Analisar o macrossistema e o processo de interação com o exossistema.

7. Analisar a ocorrência de eventos conforme a concepção do elemento

tempo do modelo bioecológico do desenvolvimento humano.

1.3 Justificativa

O respeito à dignidade, à autonomia individual e à liberdade de fazer as

próprias escolhas é um dos princípios gerais da Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2011, p. 26). Mas, embora se fale em direito à

autonomia, pouco se sabe sobre os processos que levam pessoas com deficiência

intelectual a um comportamento autônomo.

A adoção da teoria de Bronfenbrenner se justifica por seu potencial explicativo

do desenvolvimento humano, considerando a pessoa e seu contexto

(BRONFENBRENNER, 1979; 1992; 2001; 2005; KREBS, 1995; 2006). Dada a

grande diversidade de processos proximais (tal como a ilimitada relação entre

genótipos e fenótipos, em genética), Bronfenbrenner (2005) afirma que o modelo

Page 26: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

26

bioecológico do desenvolvimento humano permite compreender como os

sistemas em que a pessoa está inserida se interconectam e exercem influências

recíprocas.

Assumindo a indissociabilidade entre processo-pessoa-contexto-tempo

(KREBS, 2006; TUDGE et al., 2009), a análise e compreensão da interatividade dos

elementos pode melhorar a estrutura e a rotina de vida da pessoa com deficiência,

favorecendo a plena e ativa participação na sociedade. Compreender a dinâmica

das relações identificando a forma, a força, o conteúdo e a direção dos processos

proximais favorece a orientação do comportamento autônomo.

De acordo com Bronfenbrenner (2001), a teoria bioecológica do

desenvolvimento humano está em permanente evolução. Nesse sentido, requer que

se pesquisem novos temas, com novas hipóteses e novos desenhos de pesquisa

que resultem num conhecimento científica e efetivamente válido, por meio de um

processo denominado ciência desenvolvimental (BRONFENBRENNER; EVANS,

2000, p. 115).

Nesses termos, a opinião de atletas com deficiência intelectual que participam

de programas de esporte no Brasil, de seus respectivos treinadores e de um

representante da família responsável pela sua educação é particularmente

importante para identificar processos que favorecem a autonomia. Os resultados

ensejarão o aperfeiçoamento dos programas de esporte e a consolidação da

educação física adaptada no Brasil e, em particular, a da psicologia do esporte,

especialmente no que tange a atletas com deficiência intelectual.

1.4 Delimitação do estudo

Este estudo investigou cinco atletas participantes de competições do

movimento paralímpico e cinco do movimento Special Olympics, adultos, com

deficiência intelectual, além de seus respectivos treinadores e um representante da

família responsável por sua educação, residentes na capital ou cidades do interior

de São Paulo.

Page 27: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

27

1.5 Definição de termos

autonomia: Faculdade de se governar por si mesmo, fundamental garantir a

oportunidade de fazer escolhas (entre opções oferecidas ou conhecidas), de

expressar opiniões (e preferências) e de tomar decisões (com base em suas razões

pessoais, valores e crenças). O comportamento autônomo é intencional e volitivo.

contexto: Um dos elementos do modelo processo-pessoa-contexto-tempo, designa

a interconexão entre micro, meso, exo e macrossistema.

desenvolvimento: Mudança ou permanência de características biopsicológicas dos

seres humanos como indivíduos e grupos ao longo do ciclo de vida humano nas

sucessivas gerações e ao longo do tempo histórico, tanto passado quanto presente

(BRONFENBRENNER, 2001).

modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT): Conjunto de elementos inter-

-relacionados que representam o complexo fenômeno do desenvolvimento humano,

conforme proposto na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de Urie

Bronfenbrenner.

processo: Construto central do modelo bioecológico do desenvolvimento humano,

consiste no resultado da relação dinâmica entre a pessoa e o contexto.

processos proximais: Mecanismos primários no desenvolvimento humano que

ocorrem na interação da pessoa com outras pessoas, objetos e símbolos em seu

ambiente.

Page 28: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

28

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Autonomia: características

Define-se autonomia como a “faculdade de se governar por si mesmo”,

“liberdade ou independência moral ou intelectual”, ou ainda a “condição pela qual o

homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta” (FERREIRA, 2009,

p. 233). De acordo Harris (2003) e Jolly et al. (2009), para que se caracterize a

autonomia, é fundamental haver a oportunidade de fazer escolhas (dentre opções

oferecidas ou conhecidas), expressar opiniões (em relação a preferências) e tomar

decisões (com base em suas razões pessoais, valores e crenças). O comportamento

autônomo, intencional e volitivo, auto-organizado e endossado pela pessoa fortalece

a percepção de autonomia e concorre para o desenvolvimento da autodeterminação

(RYAN et al., 2009; RYAN; HUTA; DECI, 2006; WEHMEYER; BOLDING, 2001;

WEHMEYER; PALMER, 2003).

Segundo Mill, Mayes e McConnell (2009) a percepção de autonomia se

desenvolve com base em relações interpessoais, cujas influências interdependentes

e intrincadas permitem à pessoa adotar uma postura passiva, proativa ou resistente.

No referido estudo, com pessoas com deficiência intelectual, observaram-se essas

posturas em negociações entre pais e filhos. Considera-se aqui a possibilidade de

essas posturas também se manifestarem no ambiente esporte, na relação entre

treinador e atleta ou entre atletas. Ainda de acordo com esses autores, a noção de

autonomia só tem lugar a partir da congruência entre os níveis percebidos e

desejados pela pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, aqueles que convivem

com a pessoa com deficiência intelectual e não consideram sua capacidade de fazer

escolhas muitas vezes assumem uma posição paternalista que, segundo Hooren et

al. (2002), do ponto de vista ético, só se justifica pelo fato de acreditarem que estão

fazendo o melhor quando decidem e induzem a pessoa a com deficiência a aceitar

tal decisão. Os autores apontam outras possibilidades para estimular a decisão

autônoma: dar informações esclarecedoras e discutir e refletir sobre os valores e as

crenças da pessoa com deficiência intelectual, fundamentando legitimamente sua

decisão e concorrendo para a percepção de autonomia.

A possibilidade de ser autônomo na idade adulta pressupõe desenvolvimento

e mudanças de comportamento, sobretudo na transição da adolescência, momento

Page 29: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

29

em que a pessoa com deficiência intelectual é confrontada com um novo papel – o

de adulto –, diferente do papel de criança – caracterizado pela dependência e

obediência –, agora com a expectativa de que tenha maior autonomia,

independência e autodirecionamento (MILL; MAYES; MCCONNELL, 2009).

Considerando que o ser humano desenvolve autonomia a partir de uma condição de

heteronomia (FREIRE, 2012), pode-se inferir que o contexto e as experiências

vividas permitem alcançar (ou não) um estado de autonomia relativa ou plena, de

acordo com seus interesses e características pessoais.

No ambiente esporte, Farrell et al. (2004), Spray et al. (2006) e Hagger e

Chatzirantis (2008) afirmam que se participa com mais prazer e motivação quando a

tarefa envolve autonomia, permanecendo e persistindo na atividade esportiva para

um melhor desempenho. Gagné, Ryan e Bargmann (2003) consideraram que,

quanto maior é a motivação autônoma, maiores serão a persistência, o desempenho

e o bem-estar. Ao contrário, se predomina o sentimento de obrigação, ou o de obter

recompensas externas como medalhas, ou ainda o de temer punições, o

desempenho pode ser comprometido (DUNN, 2003).

Muitas vezes, o ambiente esporte impõe limites severos à autonomia, mas

Kimball (2007) considera que, fazendo atividades não autônomas e percebendo-as

como tais, os atletas incorporam essa percepção a seu sistema de valores e,

consequentemente, aprimoram sua própria percepção de autonomia.

A escolha de determinada modalidade esportiva por livre vontade ou por

gosto são consideradas autônomas e, segundo Vallerand et al. (2008), refletem uma

personalidade também autônoma. Stancliffe e Parmenter (1999) e Chirkov, Sheldon

e Ryan (2011) realçam que a alegria e o bem-estar são inerentes à experiência

pessoal e motivacional de autonomia, uma vez que se baseiam na livre escolha de

metas que orientarão as ações e o comportamento no decorrer da vida, Assim, é

fundamental estimular a escolha e garantir à pessoa o direito de exercê-la,

principalmente quando se trata de pessoas com deficiência.

A percepção que o atleta tem da disposição do treinador de favorecer sua

autonomia também tem sido objeto de investigações na área esportiva (PIHU et al.,

2008). Adie, Duda e Ntoumanis (2008) e Álvarez et al. (2009) afirmam que a

intervenção do treinador baseada em autonomia é um elemento predisponente para

a vitalidade da participação em programas esportivos. Num estudo que investigou a

influência da orientação do treinador, Sheldon e Filak (2008) manipularam a variável

Page 30: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

30

dando total autonomia, relativa autonomia ou nenhuma autonomia para que os

sujeitos encontrassem determinada solução. Os resultados indicaram que,

restringindo-se a autonomia, compromete-se a motivação e, portanto, a consecução

dos objetivos. Os autores aconselham professores, chefes, pais, treinadores e

mentores a avaliar sua conduta em relação ao controle que porventura exerçam, se

pretendem um engajamento efetivo e a permanência nas atividades.

Fica evidente que a autonomia se desenvolve com base em relações

interpessoais e é influenciada pelo contexto, bem como pelas características da

pessoa. Assim, é necessária uma abordagem teórica da percepção da autonomia

em atletas com deficiência intelectual que permita analisar a complexidade desse

comportamento. O modelo bioecológico do desenvolvimento humano incorpora

elementos que permitem investigar o tema, que, competindo à ciência

desenvolvimental, em particular na área de psicologia, tem implicações na psicologia

do esporte. Como postularam Sherrill e Hutzler (2008), estudos com pessoas com

deficiência prestam importante contribuição ao progresso da atividade física

adaptada.

2.2 A teoria bioecológica do desenvolvimento humano

Não é simples sintetizar a teoria bioecológica do desenvolvimento humano,

concebida por Urie Bronfenbrenner numa longa trajetória. O modelo ecológico

original foi publicado no livro de 1979, mas, ao longo dos anos, Bronfenbrenner reviu

e atualizou a teoria, conforme artigos de 1992 e 2001, reimpressos no livro de 2005.

Esses livros foram traduzidos para o português e lançados no Brasil,

respectivamente, em 1996 e 2011. O tempo histórico e o intervalo entre as

publicações originais e as versões em português estão no Quadro 1. Nesta tese,

registra-se a data da publicação original acrescentando-se a da tradução brasileira

quando se a cita: 1979/1996, 1992/2011, 2001/2011, 2005/2011. Faça-se uma

ressalva: a data 1979 consta sempre que se menciona a proposta original do então

denominado modelo ecológico do desenvolvimento humano, ainda que só se tenha

consultado a versão em português, publicada no Brasil anos depois.

Page 31: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

31

Quadro 1 – Livros e artigos publicados por Urie Bronfenbrenner em inglês e

português

Título (em inglês e em português)

Ano de publicação do original (em inglês)

Reimpressão (em inglês)

Ano de publicação da

versão em português

Liv

ros

The ecology of human development: experiments

by nature and design. A ecologia do

desenvolvimento humano: experimentos naturais e

planejados

1979 -

1996

2002

(2ª reimpressão)

Making human beings human: bioecological

perspectives on human development

Bioecologia do desenvolvimento humano:

tornando os seres humanos mais humanos

2005 - 2011

Art

igos

Ecological systems theory Teoria dos sistemas

ecológicos 1992 2005

2011 (artigo 10)

The bioecological theory of human development

A teoria bioecológica do desenvolvimento humano

(artigo)

2001 2005 2011

(artigo1)

Fonte: Bronfenbrenner (1979/1996; 1992/2011; 2001/2011; 2005/2011)

Essencialmente, a teoria bioecológica do desenvolvimento humano é um

“sistema teórico para o estudo científico do desenvolvimento humano ao longo do

tempo” (BRONFENBRENNER, 2001/2011, p. 43), e essa teoria define

desenvolvimento humano como:

[...] fenômeno de continuidade e de mudança das características biopsicológicas dos seres humanos como indivíduos e grupos. Esse fenômeno se estende ao longo do ciclo de vida humano por meio das sucessivas gerações e ao longo do tempo histórico, tanto passado quanto presente (BRONFENBRENNER, 2001/2011, p. 43).

Inspirado na equação clássica de Kurt Lewin, C = f(P ME – segundo a qual o

comportamento evolui em função da interação entre pessoa e meio ambiente –,

Page 32: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

32

Bronfenbrenner (1979) substituiu o termo comportamento (C) por desenvolvimento

(D) (BRONFENBRENNER, 1979/1996, p. 46) e, em 1992, agregou o elemento

tempo, e a equação passou a ser:

D(t) = f(t-p) (PA)(t-p)

Os símbolos subscritos correspondem, respectivamente, a tempo (t) e a um

período de tempo (t-p), e as s letras PA designam os termos pessoa e ambiente

(HIRSTO, 2001). Bronfenbrenner (1992/2011) traduz a fórmula da seguinte maneira:

[...] as características da pessoa em um dado tempo de sua vida são uma função conjunta das características da pessoa e do ambiente durante o ciclo de vida da pessoa ao longo do tempo. Assim, a ciência define o desenvolvimento como o conjunto de processos pelos quais as propriedades da pessoa e do ambiente interagem para produzir a constância e a mudança das características biopsicológicas da pessoa ao longo do seu ciclo vital (p. 139).

As relações dinâmicas e interativas com outras pessoas, com objetos e com

símbolos da cultura constituem a base da teoria bioecológica do desenvolvimento

humano – mas não isoladamente, pois a abordagem ecológica pressupõe a

interatividade com o contexto. Esse contexto é um conjunto de sistemas (micro,

meso, exo e macrossistema) que originalmente Bronfenbrenner (1979) designava

como sistemas aninhados, numa analogia às conhecidas bonecas russas, ou

matrioshka. Em 2005, o autor registra que, em seus escritos mais recentes, passara

a chamar esse conjunto de sistemas de sistemas interconectados.

Assim, compreender o desenvolvimento humano na perspectiva da teoria

bioecológica de Bronfenbrenner (2001; 2005) requer a análise conjunta dos

elementos processo, pessoa, contexto e tempo.

2.2.1 O modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT)

O modelo processo-pessoa-contexto-tempo (ou modelo PPCT) representa a

inter-relação dos quatro construtos que compõem a teoria bioecológica do

desenvolvimento humano. O processo é a fusão e a relação dinâmica entre pessoa

e contexto. As mudanças ou as permanências do comportamento da pessoa (que se

apresenta com seus atributos pessoais) vinculam-se à dimensão tempo (envolvendo

múltiplas dimensões de temporalidade) (LERNER, 2005). O pressuposto teórico

Page 33: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

33

postula que todos os elementos do modelo PPCT devem ser contemplados

simultaneamente (BRONFENBRENNER, 2001; 2005) (Esquema 1).

Esquema 1 – Construtos do modelo bioecológico do desenvolvimento humano

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

O processo é o construto central do modelo bioecológico do desenvolvimento

humano e resulta da relação dinâmica entre a pessoa e o contexto mediada pelos

processos proximais que ocorrem no microssistema (Esquema 2). Os processos

proximais são considerados mecanismos primários no desenvolvimento humano e

operam durante algum tempo no contexto imediato (o microssistema). A forma, a

força, o conteúdo e a direção de cada processo proximal correspondem a

características diversas e únicas, variando segundo as interações entre a pessoa em

desenvolvimento e outras pessoas. Para Bronfenbrenner (2001; 2005), tais

processos proximais variam de acordo com as características da pessoa, do

contexto e do tempo, observando-se mudanças biopsicológicas progressivamente

mais complexas ou um comportamento constante.

Page 34: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

34

Esquema 2 – O processo e suas características

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Os processos “variam substancialmente como uma função das características

da pessoa em desenvolvimento” (KREBS, 2003, p. 97). A pessoa em

desenvolvimento tem atributos (disposições, recursos e demandas) que

desencadeiam processos proximais (Esquema 3). Cada atributo tem características

próprias, que podem ser positivas ou negativas. As disposições podem se

desenvolvimentalmente geradoras ou desenvolvimentalmente disruptivas, por

exemplo, a motivação (para engajamento e persistência na atividade física) no polo

positivo, ou a desmotivação (que pode conduzir ao abandono da prática esportiva)

no polo negativo. As características dos recursos, que podem ser físicos, cognitivos,

emocionais, sociais e/ou materiais, correspondem a quesitos que não são visíveis

(TUDGE et al., 2009). Nesse sentido, a deficiência intelectual expõe um rompimento

da integridade do organismo que enseja limitações pessoais. No entanto, apesar da

deficiência, a pessoa desenvolve competências e habilidades, adquire conhecimento

e vive experiências ao longo de sua vida. As características das demandas agem

como estímulo imediato, daí o potencial para rejeição ou atração de outras pessoas.

Page 35: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

35

Esquema 3 – Atributos da pessoa em desenvolvimento

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

O contexto é o ambiente onde se insere a pessoa em desenvolvimento.

Estruturalmente, consiste em quatro sistemas interconectados: o micro, o meso, o

exo e o macrossistema.

O microssistema:

[...] é um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciadas pela pessoa em desenvolvimento nos contextos nos quais estabelece relações face a face com suas características físicas e materiais, e contendo outras pessoas com distintas características de temperamento, personalidade e sistemas de crenças (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 176, grifados os

acréscimos de 1992).

O microssistema (Esquema 4) é o contexto em que ocorre a interação

imediata da pessoa em desenvolvimento com outras pessoas, objetos, símbolos e

língua de sua cultura. Em geral, é o ambiente onde ela passa boa parte do tempo,

por exemplo, no ambiente lar/família, no ambiente escola, no ambiente esporte.

Page 36: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

36

Esquema 4 – O microssistema e seus componentes

Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).

Nesses ambientes, a pessoa (com suas disposições, recursos e demandas)

faz atividades, se inter-relaciona com outras pessoas e desempenha diferentes

papéis. A atividade pode ser molecular (não ser considerada relevante) ou molar (ter

relevância e ser desenvolvimentalmente instigadora). As inter-relações pessoais são

formadas por díades, um sistema interacional entre duas pessoas em dado

ambiente, que podem assumir três formas. A primeira é a díade observacional

(quando uma presta atenção à atividade da outra); a segunda é de atividade

conjunta (ambas as pessoas estão presentes na relação, tendo como propriedades

a reciprocidade, o equilíbrio de poder e a relação afetiva); e a terceira é a díade

primária (na qual a relação persiste mesmo com uma parte ausente – presente em

pensamento). Os papéis correspondem à expectativa de cada pessoa em relação à

outra e também à expectativa que a sociedade em relação àquele que desempenha

cada papel.

Page 37: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

37

Todo microssistema é envolvido por e interconectado com um sistema maior,

o qual Bronfenbrenner denominou mesossistema (Esquema 5).

Esquema 5 – Representação de mesossistema e seus elementos

Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).

O mesossistema compreende as ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais ambientes, os quais contêm a pessoa em desenvolvimento (p. ex., as relações entre casa e escola, escola e local de trabalho). Em outras palavras, o mesossistema é um sistema formado por vários microssistemas (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 176).

Nesse contexto, existem “inter-relações entre dois ou mais ambientes onde a

pessoa em desenvolvimento se torna participante ativa” (1979/1996, p. 161).

Existem vínculos primários (a pessoa em desenvolvimento participa ativamente de

um ou mais de um ambiente) e vínculos suplementares (em que pessoas de

diferentes microssistemas migram para se relacionar, constituindo vínculos

transcontextuais).

Page 38: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

38

O exossistema (Esquema 6), por sua vez:

[...] engloba as ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais contextos, nos quais pelo menos um deles não contém ordinariamente a pessoa em desenvolvimento, mas nele ocorrem eventos que influenciam os processos no contexto imediato a que essa pessoa pertence (p. ex., para uma criança, a relação casa e local de trabalho dos pais; para os pais, a relação entre a escola e a vizinhança) (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 176).

Esquema 6 – Representação de exossistema

Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).

No exossistema, não há a participação direta da pessoa em desenvolvimento,

mas eventos que afetam ou são afetados por aquilo que acontece no ambiente em

que ela está presente. A instituição, as características institucionais e a interação de

uma instituição com outras integram o exossistema.

Page 39: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

39

Finalmente, o macrossistema (Esquema 7):

[...] consiste no padrão global de características do micro, meso e exossistema de determinada cultura, subcultura ou contexto social mais amplo, em particular os sistemas instigadores de desenvolvimento de crenças, recursos, riscos, estilos de vida, oportunidades estruturais, opções de curso de vida e os padrões de intercâmbio social que são imersas em cada um desses sistemas. O macrossistema pode ser definido como um modelo social para determinada cultura, subcultura ou outro contexto mais amplo (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 177).

Esquema 7 – Representação de macrossistema

Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).

Assim, inserem-se no macrossistema as diretrizes nacionais que orientam a

prática esportiva, os órgãos de fomento do esporte e apoio ao atleta e as

organizações que promovem competições e estabelecem critérios de participação e

desempenho. O macrossistema inclui ainda o sistema de crença e o ideário da

subcultura ou cultura do país, por conseguinte, atende às normas vigentes para o

desenvolvimento humano de cada cidadão. Segundo Bronfenbrenner, as influências

Page 40: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

40

de movimentos internacionais são consideradas além da fronteira nacional, por isso,

não são contempladas no macrossistema.

O tempo é o elemento do modelo bioecológico do desenvolvimento humano

que permite observar as mudanças e permanências no comportamento da pessoa

no ambiente em que está inserida em função dos eventos ao longo de um ciclo de

vida. Estes podem ser de natureza normativa (previsíveis) ou não normativa

(imprevisíveis). A persistência de um evento no tempo pode ter a dimensão de

microtempo (atividades molares em que se engaja), mesotempo (periodicidade de

um evento) ou macrotempo (tempo histórico que pode se estender por várias

gerações) (Esquema 8).

Esquema 8 – Tempo e o cronossistema

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Na concepção de cronossistema, enfatizam-se as mudanças na pessoa que

resultam da interação com o ambiente. De acordo com Bronfenbrenner (2005), o

Page 41: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

41

componente tempo pouco foi abordado no livro de 1979. Em 1992, o autor pondera

que há no organismo e no ambiente mudanças cujas características não se tinha em

conta e também passa a considerar que as mudanças podem não persistir por toda

a vida, sendo apenas acomodações temporárias. Assim, ao contemplar o tempo no

modelo PPCT, deve-se considerar que tanto a pessoa como o ambiente se

modificam ao longo da vida.

Na condição de um cronossistema, o tempo é considerado por

Bronfenbrenner (2005) um construto metodológico que permite acompanhar

transformações ao longo do tempo. É importante salientar que não se deve

considerar apenas a pessoa, tal como em estudos longitudinais (com idade

cronológica e/ou tempo de experiência), mas analisar o impacto de eventos em

apenas uma transição de vida ou o efeito cumulativo de uma sequência de

transições ao longo do ciclo de vida.

2.2.2 Um sistema teórico em evolução

A trajetória de Urie Bronfenbrenner (1917-2005) para conceber o modelo

ecológico do desenvolvimento humano começou em 1942, quando ele concluiu sua

tese de doutorado (não publicada) (BRONFENBRENNER, 1942). Há uma descrição

detalhada de sua vida acadêmica e de seu vasto legado no prefácio escrito por

Richard M. Lerner (2005) e na apresentação à edição brasileira, redigida por Silvia

H. Koller (2011), que teve o privilégio de ter uma breve e intensa convivência com o

autor.

Publicado em 1979, o livro The ecology of human development: experiments

by nature and design é o marco histórico de seu olhar ecológico sobre o

desenvolvimento humano. (Sob o título A ecologia do desenvolvimento humano:

experimentos naturais e planejados, a versão em português foi lançada no Brasil em

1996 e reeditada em 2002). Nesse livro, Bronfenbrenner apresenta, inicialmente, 11

definições básicas do modelo ecológico e propõe um modelo de pesquisa

apropriado para a investigação do desenvolvimento-no-contexto. Dá ainda outras

definições, acompanhadas de proposições, e um total de 50 hipóteses com as

respectivas explicações e os estudos correspondentes. No Quadro 2, vê-se a

cronologia dessas definições, proposições e hipóteses.

Page 42: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

42

Quadro 2 – Tema, número da definição, assunto, proposição e hipóteses propostas

por Bronfenbrenner em 1979

Tema Definição Assunto Proposição Hipóteses

Orientação ecológica: propósito, perspectiva e

conceitos básicos

Definição 1 Ecologia do

desenvolvimento humano

Definição 2 Microssistema

Definição 3 Mesossistema

Definição 4 Exossistema

Definição 5 Macrossistema

Definição 6 Transição ecológica

Definição 7 Desenvolvimento

humano

Definição 8 Validação ecológica

Definição 9 Validade

desenvolvimental

Definição 10 Experimento

ecológico

Definição 11 Experimento

transformador A

Elementos do ambiente: atividades molares, estruturas

interpessoais, papéis

Definição 12 Atividade molar B 1

Definição 13 A pessoa no

ambiente

- C D E

2 a 7 8

Análise dos ambientes: laboratório de pesquisa,

instituições infantis, creche e pré-escola

Definição 14 Papel

- F G H

9 a 14

15 a 19 20 a 26

Além do microssistema: mesossistema, exossistema,

macrossistema

27 a 50

Fonte: Bronfenbrenner (1979/1996)

Page 43: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

43

Em 1992, Bronfenbrenner publica um capítulo de livro (reimpresso na edição

de 2005, versão em português 2011) em que faz uma retrospectiva (reavaliação,

revisão, certificação e ampliação de conceitos). Essa publicação ocorre um pouco

mais de dez anos após a concepção inicial. Ele afirma que as modificações são

quase exclusivamente de adendos de corolários, isto é, deduções feitas a partir de

uma proposição já demonstrada, portanto, complementares, e não em relação aos

teoremas fundamentais de um paradigma ecológico. Nessa publicação, reapresenta

a definição 1 acrescida da expressão “durante todo o ciclo de vida” (p. 138), o que

modifica a equação D = f(PA) para D(t) = f(t-p) (PA)(t-p), inserindo a dimensão tempo,

apresentada no fim do artigo, numa retrospectiva e prospectiva da teoria. O artigo

completo está organizado em seis tópicos, que se subdividem em subtópicos, alguns

contendo princípios (que regem um conjunto de fenômenos verificados pela exatidão

de suas consequências) e corolários. No Quadro 3, estão os diferentes itens,

respeitada a numeração do texto original (em inglês), que não foi inserida na versão

em português.

Seguem-se cerca de mais dez anos, e o resultado de novas pesquisas leva

Bronfenbrenner (2001) a adotar o termo bioecológico e desenvolver a teoria

bioecológica do desenvolvimento humano agregando-lhe o elemento tempo e

adotando agora a abreviação modelo PPCT. Na publicação de 2001, ele conjectura

que a teoria alcançou a maturidade, mas continua em evolução, na medida em que

se desenvolvem novas ferramentas científicas. Agregam-se à revisão anterior ideias

emergentes e convergentes, bem como hipóteses alternativas com seus respectivos

desenhos de pesquisa. As novas constatações estão em seu último livro, Making

human beings human: bioecological perspectives on human development

(BRONFENBRENNER, 2005), traduzido para o português e publicado em 2011, com

o título Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais

humanos. Aí, o autor compila publicações de 1942 (parte da tese de doutorado) até

2001, data de seu último artigo publicado.

Page 44: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

44

Quadro 3 – Temas complementares ao modelo ecológico do desenvolvimento

humano organizados em tópicos, subtópicos, princípios e corolários propostos por

Bronfenbrenner em 1992

Temas complementares ao modelo ecológico do desenvolvimento humano

(I) Contexto sem desenvolvimento

(II) Um paradigma ecológico para o desenvolvimento no contexto

(III) Modelos de pesquisa adicionais no estudo do desenvolvimento no contexto (A) O modelo processo-pessoa-contexto (B) O modelo cronossistema

(IV) Propriedades da pessoa segundo uma perspectiva ecológica (A) Cognição no contexto

(1) Competência como um status alcançado (2) Competência avaliada dentro do contexto (3) Competência como o domínio das atividades culturalmente definidas e familiares na vida cotidiana

(B) Implicações para a teoria e delineamento de pesquisa Princípio 1 Corolário 1.1 Corolário 1.2 Corolário 1.3 Corolário 1.4

(C) Avaliação do temperamento e da personalidade Princípio 2 Corolário 2.1

(D) Uma concepção de desenvolvimento da pessoa em desenvolvimento Princípio 3 Corolário 3.1 Princípio 4

(V) Parâmetros do contexto segundo perspectiva do desenvolvimento (A) o microssistema revisitado e revisado

(VI) Forma e substância para futuras pesquisas Princípios 5 a 12

Retrospectiva e prospectiva

Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).

Page 45: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

45

Dez novas proposições relativas aos elementos e às propriedades do modelo

teórico foram apresentadas no texto de 2001. Citadas em poucas palavras no

Quadro 4, são depois explicadas brevemente.

Quadro 4 - Proposições abreviadas apresentadas por Bronfenbrenner em 2001

(I) a experiência vivida

(II) os processos proximais ao longo do ciclo de vida

(III) o delineamento de pesquisa para os processos proximais

(IV) as atividades progressivamente mais complexas

(V) o apego emocional mútuo

(VI) o envolvimento de outro adulto

(VII) a direção reversa de influência (novas gerações sobre as mais velhas)

(IX) a inversão de papéis (a criança que é cuidada pelos pais, cuidará dos

pais quando estes estiverem idosos)

(X) a pesquisa em modo de descoberta e uma prospectiva de estudos no

futuro

Fonte: Bronfenbrenner (2001/2011).

Na experiência vivida por uma pessoa, levam-se em conta as características

do ambiente, mas suas propriedades físicas e as ocorrências que nele têm lugar

pouco significam se não forem relacionados aos sentimentos subjetivos da pessoa.

De acordo com o modelo bioecológico, o desenvolvimento humano é impulsionado

conjuntamente por elementos objetivos e subjetivos, retratados pela percepção que

o sujeito tem do meio em que está inserido e como o ambiente é modificado por sua

presença. Sentimentos como expectativas, pressentimentos, esperança, dúvidas e

crenças pessoais correspondem a forças dinâmicas que são desenvolvidas a partir

de experiências vividas e que se estruturam na relação consigo próprio, com o outro

e com as atividades a que se se dedica. Sentimentos como amor ou ódio, alegria ou

tristeza, prazer ou sofrimento, curiosidade ou tédio, desejo ou repúdio agregam valor

emocional e motivacional, que moldará o desenvolvimento.

À interação da pessoa com outras pessoas, objetos e símbolos no ambiente

imediato, atribui-se o nome de processos proximais, os quais são cruciais para a

capacidade de apropriação do conhecimento e a habilidade para o engajamento em

Page 46: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

46

atividades. O gradativo aumento da complexidade dos processos proximais permite

ao ser humano se tornar um agente do seu próprio desenvolvimento.

A pesquisa baseada na teoria bioecológica do desenvolvimento humano deve

incluir os processos proximais, mostrando que a dinâmica na inter-relação entre as

pessoas interfere nas características biopsicológicas da pessoa por um período de

tempo.

Para que o ser humano se desenvolva nos domínios intelectual, emocional,

social e moral, deve participar de atividades progressivamente mais complexas

durante um tempo considerável, intermediadas por uma ou mais pessoas com quem

estabeleça uma ligação afetiva mútua. Em outras palavras, Bronfenbrenner propõe

que o desenvolvimento é influenciado pela ligação afetiva com pessoas

comprometidas com o bem-estar, ou melhor, com a vida da pessoa.

As ligações emocionais mútuas, por sua vez, exercem grande influência

motivacional para o engajamento em atividades no contexto imediato. A interação

progressivamente mais complexa pressupõe o envolvimento de uma terceira parte

(outro adulto) que apoie, incentive e valorize a participação.

A influência sobre o desenvolvimento na primeira infância não é

necessariamente para a vida toda. Embora seja mais marcante nesse período, o

desenvolvimento ocorre no decorrer de toda a vida. Tome-se como exemplo a

influência no desenvolvimento dos pais a partir do êxito da transição da

adolescência de um filho para a vida adulta, que Bronfenbrenner considera ainda

pouco investigado. A esse tema, acrescenta, como proposição, o efeito da ligação

afetiva entre pais e filhos quando se invertem os papéis, isto é, os filhos passam a

cuidar dos pais. Bronfenbrenner ressalva que, se não houve ligação afetiva no início,

não haverá no final.

A última proposição de Bronfenbrenner destaca a necessidade de se

repetirem estudos após algum tempo, para confirmar se os resultados anteriores

ainda são válidos, e, não sendo, desafiar o pesquisador a propor novas formulações

e explicações para os novos dados obtidos. O modelo bioecológico do

desenvolvimento humano deve se adequar ao fenômeno de “caos crescente” e

verificar como os “sistemas caóticos” podem influenciar o ambiente e os processos

proximais.

Tal como concebida por Bronfenbrenner, a teoria bioecológica do

desenvolvimento humano tem o mérito de esclarecer a intrincada interconexão de

Page 47: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

47

sistemas que, uma vez compreendidos e aplicados, podem concorrer para

mudanças significativas nas políticas educacionais, servindo como importante

elemento no planejamento e na execução de programas. Em seu último livro

publicado (BRONFENBRENNER, 2005), ele estimula os leitores a encontrarem em

suas reflexões e nas evidências acumuladas por tantos anos a possibilidade de dar

continuidade a seus pensamentos. Assim, está implícito que a teoria bioecológica do

desenvolvimento humano é um sistema teórico em evolução, que tem no seu

modelo PPCT o referencial para novas pesquisas.

2.3 A pessoa com deficiência intelectual na perspectiva do modelo biológico do

desenvolvimento humano

A American Association on Intellectual and Developmental Disabilities

(AAIDD) (2010, p.16) destaca a importância de se adotar, para a pessoa com

deficiência intelectual, o princípio de desenvolvimento-no-contexto, fundamentado no

modelo bioecológico do desenvolvimento humano, de Bronfenbrenner.

Conceitualmente, a abordagem multidimensional engloba as capacidades

intelectuais, o comportamento adaptativo, a saúde, a participação e o contexto em

que se insere a pessoa com deficiência intelectual.

A definição de deficiência intelectual e o processo de avaliação do

comportamento das pessoas com deficiência intelectual vêm mudando ao longo do

tempo. Até 1992, definia-se a até então denominada deficiência mental por um

funcionamento intelectual inferior à média associado a limitações no comportamento

antes dos 18 anos. O quociente intelectual (QI) predominava como referência do

déficit cognitivo, podendo a deficiência intelectual ser considerada leve, moderada,

severa ou profunda.

Em 1992, Luckasson et al. (1992) propuseram uma nova definição, na qual,

além da constatação de um funcionamento intelectual à média antes dos 18 anos de

idade, os comportamentos adaptativos passaram a ser mais valorizados do que o

quociente intelectual, por meio da avaliação de dez itens: comunicação, cuidados

pessoais, vida no lar, adaptação social, uso de recursos da comunidade, autonomia,

saúde e segurança, habilidades acadêmicas e funcionais, lazer e trabalho.

Em 2002, os mesmos autores (LUCKASSON et al., 2002) modificam sua

definição, substituindo os dez itens de comportamento adaptativo por três tipos de

Page 48: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

48

habilidade: (a) as conceituais, (b) as sociais e (c) as práticas. As habilidades

conceituais envolvem compreensão e expressão da linguagem, leitura e escrita,

noção de valor do dinheiro e autodirecionamento. As sociais compreendem

relacionamento interpessoal, responsabilidade, autoestima, capacidade de acreditar

em outros (se é facilmente enganável ou manipulável), ingenuidade, respeito a

regras, obediência a regras e vitimização. Por último, as habilidades práticas se

revelam em atividades ordinárias como comer, se vestir, usar o banheiro, preparar

lanche ou cozinhar, tomar remédios, usar o telefone, manejar dinheiro, usar

transportes, fazer tarefas domésticas, ter habilidades ocupacionais e saber manter o

ambiente seguro. A mudança evidenciou sobretudo o foco nas habilidades com

ênfase no desempenho de atividades valorizando a relação com o outro e a

participação social.

A mais recente definição de deficiência intelectual, publicada em 2010

(AAIDD, 2010), oficializa o termo intelectual e não mais mental (mudança

esclarecida por Schalock et al., 2007), e incorpora as categorias de avaliação,

passando a deficiência intelectual a ser caracterizada por limitações significativas,

tanto no funcionamento intelectual como nos comportamentos adaptativos, avaliados

através de habilidades conceituais, sociais e práticas, e considerando que a

deficiência tenha se originado antes dos 18 anos de idade. A principal mudança está

ligada a cinco pressupostos: (a) as limitações do funcionamento intelectual devem

ser consideradas em função do contexto, do ambiente comunitário e da cultura típica

da faixa etária dos pares; (b) a avaliação deve considerar as variantes linguísticas e

culturais, as diferenças na comunicação e os fatores sensoriais, motores e

comportamentais; (c) deve-se presumir que as limitações frequentemente coexistem

com forças na mesma pessoa; (d) a partir da descrição de limitações, devem-se

prover o apoio e os serviços necessários; e (e) deve-se assumir que, provida de um

apoio personalizado apropriado por um bom tempo, a pessoa com deficiência

intelectual melhorará sua qualidade de vida. É evidente a mudança de perspectiva

em relação à deficiência intelectual, sobretudo considerando-se a possibilidade de

pleno desenvolvimento humano.

O que então considerar, ao investigar o desenvolvimento de uma pessoa com

deficiência intelectual com base no modelo PPCT? Como salienta Bronfenbrenner

(1992/2005, p. 127), parte-se da premissa de que o QI não é um aspecto

determinante quando há ótimo desempenho em algum contexto. É pela interação

Page 49: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

49

com o contexto que se revelarão disposições, recursos e demandas (atributos

pessoais), em função de inter-relações, atividades e papéis desempenhados no

microssistema dos ambientes de que a pessoa participa.

O ambiente lar/família é considerado o mais influente, uma vez que é onde a

pessoa em desenvolvimento fica a maior parte do tempo. A influência para o

desenvolvimento se dá pela forma, pelo conteúdo, pela força e pela direção dos

processos proximais, afetando ambos os componentes das díades; nesse caso, por

exemplo, a inter-relação filha-mãe ou filho-mãe. As experiências vividas nesse

ambiente ensejarão mudanças ou permanências no comportamento ao longo do

tempo.

Em outros ambientes – o esporte, por exemplo –, mesmo o período de

permanência sendo menor, eventos da relação atleta-treinador ou atleta-atleta

também podem induzir mudanças no desenvolvimento.

Assim, na perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento humano,

cabe explorar o conjunto de processos entre pessoa e contexto – isto é, como

interagem as propriedades da pessoa e do ambiente – para compreender as

mudanças biopsicológicas ao longo do tempo. Seja do ponto de vista pessoal ou

grupal, o ciclo de vida de uma pessoa com deficiência intelectual tem sido marcado

por um passado histórico-cultural de exclusão, segregação, integração,

normalização, inclusão, aceitação e, mais recentemente, de plena participação. Na

esfera do macrossistema brasileiro, em 2008, pelo Decreto Legislativo n. 186, de 9

de julho de 2008, o Congresso Nacional ratificou a convenção da Organização das

Nações Unidas (ONU) sobre os direitos das pessoas com deficiência assinada em

Nova York, em março de 2007. Com equivalência de emenda constitucional, Esse

Decreto Legislativo foi promulgado pelo presidente da república em 2009, através do

Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2011):

Pessoas com deficiência são, antes de mais nada, PESSOAS. Pessoas como quaisquer outras, com protagonismos, peculiaridades, contradições e singularidades. Pessoas que lutam por seus direitos, que valorizam o respeito pela dignidade, pela autonomia individual, pela plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e pela igualdade de oportunidades, evidenciando, portanto, que a deficiência é apenas mais uma característica da condição humana. (BRASIL, 2011, p. 11, grifo do original).

Ainda que Bronfenbrenner destaque que influências de organizações

internacionais estão além da fronteira do macrossistema, é certo que importantes

Page 50: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

50

discussões e decisões no âmbito internacional afetam a legislação brasileira. E, a

exemplo dos direitos humanos, espera-se que as orientações construídas no

macrossistema de nossa cultura nacional repercutam no microssistema das pessoas

com deficiência intelectual em desenvolvimento.

Page 51: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

51

3 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO

O referencial metodológico do presente estudo é o da pesquisa qualitativa do

tipo descritiva, que permite identificar ocorrências específicas em settings

particulares pelo envolvimento do pesquisador no diálogo com os sujeitos (TURATO,

2005). A escolha baseou-se em pesquisa bibliográfica sobre o tema (DRIESSNACK;

SOUSA; MENDES, 2007; GÜNTHER, 2006; TURATO, 2005).

Bronfenbrenner não estabeleceu um padrão ou um de desenho de pesquisa,

mas, em 1992, fala em “forma e substância para futuras pesquisas”

(BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 179), as quais orientam seus próprios

estudos. Reitera-se aqui que, a partir de 1992, agregou-se o elemento tempo ao

modelo ecológico, que passou a ser abreviado como PPCT (processo-pessoa-

-contexto-tempo).

Em 2000, Bronfenbrenner e Evans (2000, p. 115) reiteram que novas ideias

são bem-vindas para agregar conhecimento por meio de um processo que

denominam “ciência desenvolvimental”. A evolução e a revisão do conhecimento

produzido levam Bronfenbrenner (2001) a acrescentar novas propostas a ser

exploradas em pesquisas, entre as quais a observação do aumento da

complexidade dos processos proximais ao longo do tempo, a participação em

atividades com pessoas comprometidas com o bem-estar e a percepção dos

sentimentos dos pais, que os levam a instigar e explorar o desenvolvimento de seus

filhos.

Nessa perspectiva, o presente estudo se propõe a aplicar o modelo PPCT

como construto para observar e compreender o desenvolvimento humano,

particularmente ao que concerne à percepção de autonomia do atleta com

deficiência intelectual. Fundamentalmente, adotou-se a premissa de dar voz à

pessoa com deficiência intelectual – que, como sujeito falante (GAUTHIER, 2004),

fala por si mesma –, sem deixar de considerar fatores de vulnerabilidade como a

própria deficiência intelectual (ROGERS; BALLANTYNE, 2008). Assim, a partir da

percepção que o sujeito tem de si e do outro, é concebível especular sobre a

influência dos processos proximais que ocorrem nas relações interpessoais

presentes no ambiente lar/família e no ambiente esporte e observar como o contexto

concorre para mudanças ao longo da vida.

Page 52: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

52

3.1 Sujeitos

A amostra é do tipo intencional, composta segundo critérios que

compreendem a seleção de atletas de natação com deficiência intelectual indicados

por treinadores atuantes em diferentes programas de natação. Optou-se por uma

amostragem por acessibilidade, caracterizada pelo contato com dirigentes e

treinadores ou de conhecimento da pesquisadora tanto do movimento paralímpico

como da Special Olympics.

Estabeleceram-se quatro critérios de inclusão para a indicação e seleção dos

atletas: ter deficiência intelectual comprovada pela instituição de origem, ter mais de

18 anos, ter participado pelo menos uma vez de competição em local diferente do de

treinamento e conseguir se expressar verbalmente de forma compreensível. Foram

considerados inaptos para participar do estudo os atletas que necessitassem de

acompanhante para dar a entrevista, apresentassem uma hiperatividade que

pudesse comprometer o nível de atenção ou tivessem diagnóstico de ecolalia

(tendência a repetir palavras ou frases do entrevistador). Solicitou-se aos treinadores

que consultassem um representante da família responsável pela educação de cada

atleta selecionado para obter sua anuência prévia.

Assim, a amostra tem dez nadadores com deficiência intelectual, sendo sete

do sexo masculino e três do feminino, com idades entre 22 e 36 anos. Os dados

pessoais de cada atleta foram obtidos em seus prontuários, disponibilizados pelos

coordenadores de cada instituição, mas sua consulta revelou que a identificação e

comprovação da deficiência intelectual obedeceu a sistemas diferentes.

Dentre os dados apresentados no Quadro 5, a diagnose dos atletas é

mencionada em nove prontuários, alguns por escrito, outros pelos códigos da

classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde

(CID-10) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2008), a saber: Q90.9 – síndrome

de Down não especificada; R48.1, F83 e G40.2: R48.1 – agnosia (complementado

por informação no prontuário, de obstrução do nervo óptico e dificuldade de formar

imagem); F83 – transtornos específicos mistos do desenvolvimento: categoria

residual de transtornos em que há, ao mesmo tempo, sinais de um transtorno

específico do desenvolvimento da fala e da linguagem, das habilidades escolares e

das funções motoras, mas sem que nenhum desses elementos predomine

suficientemente para constituir o diagnóstico principal; em geral - mas nem sempre -,

Page 53: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

Quadro 5 – Perfil dos atletas

Atleta Sexo Data de

nascimento Idade Diagnose

Teste de inteligência

Programa/ Instituição

A1 F 03/09/1977 35 * G38

(Percentil 40) JR Ferraz

A2 M * 36 Síndrome de Down G38

(Percentil 5) JR Ferraz

A3 F 17/02/1982 30 Paralisia cerebral * Instituto

Indianópolis

A4 F * 27 Síndrome de Down G38

(Percentil 5) JR Ferraz

A5 M 25/09/1988 24 CID-10: Q 90.9

(síndrome de Down) * DEE

A6 M 17/04/1988 24 CID-10: R 48.1, F 83, G 402 (agnosia, transtornos específicos misto do desenvolvimento, epilepsia )

* Peama

A7 M 26/08/1977 35 CID-10: F 70, F 79, F 78.9

(deficiência intelectual, causa provável: anoxia) * Peama

A8 M 25/08/1978 34 * WAIS III (QI 64)

JR Ferraz

A9 M 11/09/1987 25 CID-10: F 70.1 (não fechado)

(encefalopatia crônica infantil não evolutiva) * DEE

A10 M * 22 Síndrome de Down * CNM

* dados não disponíveis nos documentos consultados.

53

Page 54: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

54

são acompanhados de um certo grau de alteração das funções cognitivas; G40.2 –

epilepsia e síndromes epilépticas sintomáticas definidas por sua localização (focal)

(parcial) com crises parciais complexas; F70, F79 e F78.9: F70 – retardo mental

leve; F79 – retardo mental não especificado; F78.9 – outro retardo mental – sem

menção de comprometimento do comportamento, sendo a causa provável anoxia;

F70.1 – retardo mental leve – comprometimento significativo do comportamento

requerendo vigilância ou tratamento; provável causa descrita no prontuário:

encefalopatia crônica infantil não evolutiva.

A aplicação de testes de inteligência para comprovação da deficiência

intelectual foi identificado em quatro relatórios de avaliação psicológica, segundo a

exigência para o cadastramento e a participação em competições paralímpicas. O

G38 é um teste de inteligência não verbal brasileiro (BOCCALANDRO, 2002) que

não requer leitura da pessoa avaliada. O resultado é apresentado em percentil

(máximo 99, para 37 questões certas). Dois atletas obtiveram percentil 5, e um

terceiro, percentil 40, o que indica déficit cognitivo. O WAIS III (Wechsler Adult

Intelligence Scale, ou Escala de inteligência Wechsler para adultos) (WECHSLER,

2004) é um teste geral de inteligência, cujo valor (64, no caso desse atleta)

corresponde ao quociente intelectual (QI).

Os atletas filiam-se a um dos cinco programas ou instituições: JR Ferraz

(treinamento no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa [COTP], na capital

paulista), Instituto Indianópolis de Educação Especial (treinamento na própria

instituição, na capital paulista); Departamento de Esportes Especiais (DEE) da

Secretaria de Esportes e Lazer de Vinhedo (treinamento em unidade da Prefeitura

de Vinhedo, SP); Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas (PEAMA),

da Secretaria Municipal de Educação e Esportes de Jundiaí (treinamento no

Complexo Educacional Cultural e Esportivo Dr. Nicolino de Lucca (CECE),

popularmente conhecido por Bolão) e Clube Náutico Mogiano (treinamento no

próprio clube, Mogi das Cruzes, SP). Destes, participam das competições do

programa paralímpico a JR Ferraz e o Clube Náutico Mogiano, e, das competições

do programa Special Olympics, o Instituto Indianópolis, o DEE e o Peama.

Além dos dez atletas, compuseram a amostragem do estudo dez mães (uma

delas adotiva), as quais se identificaram como representante da família responsável

pela educação do atleta, cinco treinadoras (duas das quais têm dois atletas na

mesma equipe de treinamento) e três treinadores. Incluiu-se ainda um adulto do

Page 55: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

55

sexo masculino, indicado por uma das mães como corresponsável na educação,

uma vez que acompanha o atleta em suas atividades diárias (com função de

personal trainer, companheiro de trabalho e condutor do automóvel). Somam-se a

essas 29 pessoas os coordenadores de cada programa ou instituição (n = 5),

totalizando 34 sujeitos envolvidos na pesquisa.

3.2 Instrumentos

O plano de estudo se alicerçou na possibilidade de extrair dados

principalmente das entrevistas. Para tanto, elaborou-se um roteiro semiestruturado,

com teor adaptado a cada grupo de sujeitos e sempre com os mesmos objetivos.

Tal como recomenda Turato (2005), fez-se um ensaio de aculturação com um

atleta (o que corresponde ao estudo-piloto na pesquisa quantitativa), e, de acordo

com Manzini (2008), atentou-se à linguagem utilizada e à formato e à ordenação das

perguntas. Isso permitiu ajustar o roteiro prévio, modificando algumas questões e

itemizando outras, caracterizando-o mais como uma pauta, com liberdade para se

abordarem as questões de acordo com as respostas. Essa opção deu mais

flexibilidade à interlocução.

Nos Apêndices (A, B e C), estão, respectivamente, os roteiros elaborados e

aplicados aos atletas, aos representantes da família (e ao acompanhante indicado

pela mãe) e aos treinadores. Dadas a realidade específica e a percepção subjetiva

de cada pessoa, pediu-se a cada sujeito um breve histórico de sua vida.

Todos os depoimentos foram tomados pela pesquisadora, tendo sido

registrados num minigravador (IC Recorder) da marca Sony, modelo ICD-PX312,

para posterior transcrição e análise.

Todo o material coletado, incluindo dados de prontuários e informações

institucionais, ficou sob a guarda e a responsabilidade da pesquisadora.

3.3 Procedimentos

O projeto da presente pesquisa foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de

Ética e Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, sob protocolo 84/2010, e

submetido à banca de avaliação do exame de qualificação, em 6 de junho de 2012,

Page 56: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

56

sob o título A trajetória para o desenvolvimento da autonomia em atletas com

deficiência intelectual na perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano.

3.3.1 Do contato com diversos treinadores à anuência de participação

Fosse no movimento paralímpico ou no Special Olympics, o primeiro contato

para localizar possíveis participantes se fez por e-mail dirigido a profissionais de

conhecimento pessoal da pesquisadora, os quais colaboraram com a indicação de

treinadores de natação. Estes, uma vez contatados, consultaram atletas que

atendessem aos critérios de inclusão e seus respectivos responsáveis para então

indicar os interessados em participar do estudo.

Enviou-se a cada atleta, mãe, treinador e coordenador uma carta-convite

nominal, por meio de uma mensagem eletrônica aos treinadores.

Cada instituição concordou em participar preenchendo seu respectivo termo

de responsabilidade para a consecução da pesquisa. Depois, os responsáveis

encaminharam uma cópia do prontuário de cada atleta (ou de autorização de

consulta a seu prontuário) e as respostas às perguntas da carta-convite.

No dia da entrevista, os sujeitos entregaram, preenchido e assinado, seu

termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), cuja redação respeitou as

características da pessoa com deficiência intelectual (Apêndice D): poucas

informações por vez e linguagem acessível, com termos simples e compreensíveis

(ARAÚJO; ZOBOLI; MASSAD, 2010). O TCLE foi lido e assinado pelo atleta e

endossado por seu responsável. A decisão de que a pessoa com deficiência

intelectual também assina o TCLE está baseado nos princípios do Código Civil

Brasileiro (BRASIL, 2002; ADERE; ADID; APAE, 2008), na Resolução CNS-466/12

(BRASIL, 2012), bem como na bioética da participação de pessoas com deficiência

em pesquisas científicas (COHEN, 2002). O responsável pelo atleta não alfabetizado

leu-lhe o TCLE, e, depois de compreendê-lo, o atleta assinou o documento. O TCLE

do representante da família (Apêndice E) e do treinador (Apêndice F) diferem

apenas quanto à responsabilidade assumida, no primeiro caso, pelo(a) filho(a), no

segundo, pelo(a) atleta.

Page 57: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

57

3.3.2 Do agendamento e da realização das entrevistas

O agendamento das entrevistas foi intermediado pelos treinadores, e as datas

marcadas em comum acordo com a pesquisadora. As entrevistas foram tomadas

entre 17 de setembro e 12 de dezembro de 2012, a maioria no próprio local de

treinamento, com três exceções: um atleta, sua mãe e sua treinadora foram

entrevistados na Universidade São Judas Tadeu, após a Confraternização

Paradesportiva de Natação, da qual participaram; uma das mães foi entrevistada em

sua casa, pois não podia ir ao local de treinamento, e uma atleta, sua mãe e seu

treinador foram entrevistados na casa da atleta, por questão de horário.

Todos os depoimentos foram tomados individualmente, logo depois de

recolhido o TCLE; os sujeitos que o não haviam levado assinaram-no nesse

momento. As entrevistas duraram de 15 a 35 minutos. Todos os treinadores foram

extremamente diligentes no encaminhamento dos atletas, na apresentação das

mães e em sua própria participação.

3.3.3 Da elaboração dos relatórios

As cerca de oito horas de depoimentos foram transcritas entre dezembro de

2012 e janeiro de 2013, inicialmente a mão, e depois digitadas e cotejadas com as

gravações. A maior parte das transcrições foi feita pela própria pesquisadora, pois,

de acordo Manzini (2008; 2012), já aí a oportunidade para uma pré-análise dos

dados. Depois de se familiarizar com o processo, uma segunda pessoa fez algumas

transcrições, por questão de tempo.

No Apêndice G, há um exemplo de transcrição, para a qual se adotaram as

normas estabelecidas por Preti et al. (1999) e Preti (2000) (Figura 1). São elas: (a)

não se usam sinais típicos da língua escrita (vírgula, ponto e vírgula, dois pontos,

ponto final); (b) em frases ou palavras interrogativas (p. ex. né?), deve-se inserir um

ponto de interrogação; (c) não se usam iniciais maiúsculas (exceto em nomes

próprios ou siglas); (d) toda pausa na fala é representada por espaço – reticências –

espaço; (e) não se usa ponto de exclamação em frases exclamativas; (f) ( ) [abre

parênteses – espaço – fecha parênteses] indica incompreensão de palavras ou

partes da fala; (g) insere-se uma barra (/) quando houver truncamento ou homografia

(comé/ mesmo?); (h) o sinal :: [dois-pontos duas vezes seguidas] significa que o

Page 58: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

58

Figura 1 – Aplicação das normas para transcrição sugeridas por Preti et al. (1999) e

Preti (2000)

prolongamento de uma vogal ou consoante; (i) toda informação complementar ou

comentário que não foi expresso pela pessoa entrevistada é inserido entre dois

parênteses (( )); (j) qualquer citação numérica deve ser feita por extenso; (k)

colchetes indicam superposição de falas; (l) usam-se aspas quando houver uma

citação literal (correspondente a falas ou pensamentos pessoais ou de terceiros);

(m) indica-se uma entonação enfática em letras maiúsculas.

Para comprovar a fidedignidade da transcrição, aplicou-se a concordância

interjuiz (MANZINI, 2008), em que um mesmo trecho foi transcrito pela pesquisadora

Não se utilizam sinais típicos da língua escrita

(vírgula, ponto e vírgula, dois pontos, ponto final). Em frases ou palavras

interrogativas a interrogação

deve ser inserida.

O ponto de exclamação

não deve ser inserido em

frases exclamativas.

( ) (Abre parênteses – espaço -

fecha parênteses) corresponde à

incompreensão de palavras ou

partes da fala.

Uma barra (/) é inserida toda vez

que houver truncamento ou

homografia (comé/ mesmo?).

Não são utilizadas iniciais

maiúsculas (somente para

nomes próprios ou para

siglas).

Toda pausa na fala é

representada por espaço

– reticências - espaço.

O sinal :: (dois pontos duas

vezes em seguida) significa

que uma vogal ou consoante é

falada de forma prolongada.

Toda informação complementar ou

comentário que não foi expresso

pela pessoa entrevistada é inserido

entre dois parênteses (( )). Qualquer citação numérica deve ser

feita por extenso.

Uma chave ({) é

utilizada para indicar

superposição de falas.

Quando houver uma entonação enfática a

palavra ou parte da palavra é grafada em

letras maiúsculas.

O uso de aspas quando

houver uma citação literal

(correspondente a falas ou

pensamentos pessoais ou

de terceiros).

Page 59: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

59

e por outra pessoa. Submeteu-se a esse processo uma gravação de 12 minutos e

13 segundos, cuja transcrição resultou em 2.189 palavras (9.411 caracteres

digitados). Constatou-se divergência em apenas três palavras, o que reflete bastante

semelhança entre as transcrições, sendo ambas consideradas fiéis à gravação

(MANZINI, 2008).

Os relatórios incluíram as entrevistas concedidas por todos os sujeitos –

atletas e suas respectivas mães e treinadores –, e foram redigidos sem roteiro

prévio. Eventuais ajustes de concordância obedeceram à sugestão de Manzini

(2008, p. 13):

[...] parece ser conveniente que as falas transcritas, para ser apresentadas publicamente, recebam pequenos ajustes na grafia, pois a experiência tem mostrado que falas escritas como, por exemplo, alcançá (alcançar), tá (estar), vô (vou) não têm sido bem

recebida pelos próprios participantes, ao fazerem a leitura do material escrito. [...] sabe-se de situações que entrevistados abandonaram as pesquisas após ler as transcrições costumeiramente intituladas literais (MANZINI, 2008, p. 13).

3.4 Análise dos dados

Analisaram-se as entrevistas de acordo com as recomendações de Miles e

Huberman (1994; 2004): (a) transcrição das afirmações sem qualquer interpretação,

para divisar as proposições e obter um sentido do relato dos sujeitos; (b) leitura

exaustiva das entrevistas visando a familiarização completa com os depoimentos; (c)

seleção das informações consideradas relevantes baseadas nos objetivos do

estudo, escolhendo frases e/ou afirmações a eles pertinentes.

Inicialmente, se identificaram e reuniram as afirmações dos atletas, das mães

e dos treinadores sobre o significado de autonomia. Depois, fizeram-se relatórios

com informações sobre a história pessoal, os papéis, as atividades e as relações

interpessoais dessas pessoas, para verificar como se revela a autonomia nos

microssistemas do ambiente lar/família e do ambiente esporte. A partir dos

relatórios, procurou-se identificar os atributos pessoais de cada atleta explorando

sua inter-relação com os componentes das respectivas díades: filho e mãe, no

ambientes lar/família, e atleta e treinador, no ambiente esporte.

Em seguida, procurou-se identificar as relações estabelecidas entre os

ambientes lar/família e esporte para verificar a conectividade entre eles. Arrolando

as metas institucionais porventura contempladas no planejamento e nas estratégias,

Page 60: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

60

bem como a menção a diretrizes nacionais, explorou-se a interconectividade entre o

micro, o meso, o exo e o macrossistema. Para analisar o elemento tempo do modelo

PPCT, procurou-se identificar os eventos de maior impacto nas mudanças de

comportamento.

A matriz que orientou a análise dos dados está no Quadro 6, que sintetiza as

características do modelo PPCT.

Page 61: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

61

Quadro 6 – Síntese das características de cada elemento do modelo bioecológico do

desenvolvimento humano proposto por Bronfenbrenner (1979; 1992; 2001)

PR

OC

ES

SO

PPROCESSOS PROXIMAIS

Variam de acordo com as características da

PESSOA, do CONTEXTO, e do

TEMPO

Operam por um período de tempo no contexto imediato com características diversas e únicas

Forma Força Conteúdo Direção

PE

SS

OA

ATRIBUTOS PESSOAIS

POLO NEGATIVO POLO POSITIVO

DISPOSIÇÕES Desenvolvimentalmente disruptivas Desenvolvimentalmente geradoras

RECURSOS Limitam ou rompem integridade do organismo

Competências

Habilidades

Conhecimento

Experiências

DEMANDAS Potencial para rejeição Potencial para atração

CO

NT

EX

TO

PARÂMETROS DO

CONTEXTO

ATIVIDADES INTER-RELAÇÕES PAPÉIS

- Molecular (não relevante)

- Molar (relevante)

DÍADE Expectativa de cada pessoa em

relação ao outro Expectativa da sociedade em

relação àquele que desempenha cada papel

Observacional (não envolvem duas ou mais partes da relação)

De participação conjunta Primária (relação se mantém mesmo

com uma parte ausente)

MICROSSISTEMA INTERAÇÃO IMEDIATA Relação pessoa-pessoa

MESOSSISTEMA LIGAÇÃO E PROCESSOS ENTRE DOIS OU MAIS AMBIENTES

Vínculo primário (pessoa participa ativamente de um ou mais ambientes)

Vínculo secundário (pessoas de diferentes ambientes migram para se relacionarem)

EXOSSISTEMA ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÕES

Pessoa em desenvolvimento não participa diretamente em pelo menos um ambiente

MACROSSISTEMA CULTURA DA SOCIEDADE – crenças e ideologia

TE

MP

O

DIMENSÕES DO TEMPO MUDANÇAS E

CONTINUIDADES considerados o tempo vital e o tempo histórico

EVENTOS DE NATUREZA NORMATIVA (previsíveis) DE NATUREZA NÃO NORMATIVA (imprevisíveis)

CRONOSSISTEMA

MICROTEMPO Engajamento em uma atividade molar/relevante

MESOTEMPO Periodicidade de um evento

MACROTEMPO Tempo histórico, que pode-se estender por várias gerações

Fonte: Bronfenbrenner (1979; 1992; 2001).

Page 62: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

62

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Ponto de partida: significado de autonomia

Afirmações acerca de autonomia tiveram larga abrangência e diversidade

quanto à escolhas, opiniões e decisões dos atletas. Houve falas como, “eu faço

muitas coisas: arrumo a cama, ponho a mesa do café, vou para o serviço, mexo no

notebook, entro no facebook; lavo louça, danço sozinha; jogo games de futebol e

luta; e ajudo nos serviços domésticos: varrer, colocar o lixo para fora”; “eu trabalho;

eu escolho [o que comprar, o que desenhar na tela, nas aulas de pintura]; eu tomo

conta dos meus sobrinhos, da minha avó”; “pra mim, é difícil falar sim ou não, talvez

– sou meio dividida”; “eu me viro bem em relação a isso [ter autonomia]: se quero

comprar algo, sei cotar preços, pesquiso, me informo e estudo a proposta; para

baixar ou inserir algum código, peço ajuda; se der para fazer sozinho, pode deixar

que eu assumo”; “se acho difícil, eu falo que não consigo fazer, depois volto para

tentar novamente”; “tarefas que oferecem certo perigo, não posso fazer”; “tem coisas

que consigo resolver, sou responsável, tomo algumas decisões; tem outras que

procuro conversar com minha mãe para decidir entre isso e aquilo”; “trabalho, quero

trabalhar”; “trabalho com criança, sou monitora; pinto tela”.

As mães reiteram a importância da autonomia para os filhos tomarem suas

próprias decisões e de se lhes dar a oportunidade de fazerem escolhas, e não

apenas o que se lhes sugerem os outros. Dizem, por exemplo, que “ninguém é

completamente autônomo – dependemos um do outro”, que “a autonomia é relativa,

uma vez que há supervisão ou respaldo constante, mesmo a distância”, que trata-se

de “saber o que se quer, fazer as coisas de que gosta, ter uma autonomia

emocional”, “fazer tarefas [por si e para si], ser esforçado, não precisar que se tome

conta, fazer sozinho, sem precisar pedir”, que “a interdição legal impede que a

autonomia seja plena, recomendando-se que a pessoa sempre esteja em ambiente

protegido, não podendo ser deixada sozinha” e que procura “preparar bem minha

filha para quando eu não estiver mais presente”. Essa preocupação tem implicações

na autonomia em casa (noção ter das horas, arrumar suas coisas, cozinhar), em

saber se defender, ser independentes e poder circular sozinho. “Eu atribuo o

desenvolvimento do meu filho muito a ele” [o acompanhante, que fica meio período

com o rapaz, acompanhando-o em todas as suas atividades].

Page 63: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

63

Os treinadores, por sua vez, dizem: “fazer uma atividade e com

responsabilidade, ter consciência daquilo que está fazendo em relação ao que foi

proposto, ter liberdade de escolha, ter liberdade de expressão, fazer o que quiser,

desde que considere direitos e deveres e respeite os direitos do outro”; “eles [atletas]

se sentem valorizados, úteis, independentes, o que aumenta a autoestima, é

importante ser reconhecidos como pessoas que podem ter autonomia”, “Conseguir

fazer o que deseja sem depender de outros para tudo, ser determinado, persistente,

entender aquilo que é feito, ser independente”.

Vários aspectos interessantes emergem dos discursos. O significado – e,

consequentemente, a percepção – de autonomia parece estar diretamente

associado ao uso e à compreensão do termo. Observa-se que, para os atletas, o

significado de autonomia se revela como competência ligada a querer fazer, a refletir

sobre e a compartilhar dúvidas. No discurso das mães, o reconhecimento da

competência nos afazeres domésticos, no autocuidado, na responsabilidade, no

conhecimento das leis e na a preocupação com o futuro. Os treinadores destacam o

convívio social, a crescente confiança, o respeito ao outro, a não dependência e a

liberdade de escolha e de expressão favorecendo a autoestima.

Segundo Gagné e Deci (2005), dar a uma pessoa a opção de escolher

concorre para aumentar seu sentimento de autonomia. As decisões são permeadas

por valores e crenças, respaldadas e ponderadas ao compartilhar dúvidas com outra

pessoa. Percebe-se que recorrer à mãe para ajudar a tomar decisões a coloca em

destaque na influência parental. O fato de os treinadores valorizarem a decisão e a

liberdade de expressão converge para o pensamento das mães nessa constatação e

valorização.

Vallerand (2001) afirma que a autonomia é exercida em função de situações

específicas, refletindo uma motivação situacional, impregnada de prazer e alegria,

de satisfação pessoal. É legítimo, portanto, que as pessoas que convivem com o

atleta reconheçam que a promoção de sua autonomia pode beneficiá-lo com uma

satisfação pessoal, a exemplo do que acontece com a autoestima. Pode-se

compreender essa relação pela articulação do significado implícito com as relações

estabelecidas entre os indivíduos e seu contexto (FERREIRA, 2012).

Bekker e van Assen (2006) consideram que a autonomia é uma condição

psicológica que se espera no início da vida adulta e focalizam, em particular, a

autonomia como resultado de uma separação para uma vida mais independente. O

Page 64: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

64

vínculo com outras pessoas dependerá muito da qualidade das experiências vividas

com segurança com as pessoas às quais se tem maia apego. Segundo Bekker et al.

(2008), o afastamento da família é uma transição de um forte apego a uma condição

que envolve a capacidade de manejar situações novas. Na perspectiva bioecológica

do desenvolvimento humano, trata-se de uma importante transição ecológica no

decorrer da vida.

Entende-se também que a autonomia concorre para que a pessoa seja

reconhecida como cidadão socialmente ativo, e isso é fundamental para combater a

vitimização, muito comum em grupos vulneráveis (AAIDD, 2010). Quanto aos

aspectos legais, a referência à interdição destaca o exercício da autonomia plena,

mas constata-se que é possível dar à pessoa com deficiência intelectual

oportunidade para exercitar sua autonomia, mesmo que em ambiente protegido.

4.2 Cada caso é um caso: a história contada

Nos tópicos a seguir, dá-se o perfil de cada atleta, de sua mãe e de seu(ua)

treinador(a), destacando-se eventos em cada microssistema. Cada atleta é

designado com a letra A (de atleta), posto que o estudo é uma investigação sobre

pessoas em desenvolvimento que estão no ambiente esporte, seguido de um

numeral de 1 a 10. Respeitados os microssistemas, os sujeitos são referidos como

filho(a) e mãe no ambiente lar/família e atleta e treinador(a) no ambiente esporte.

4.2.1 Atleta A1

A1 tem 35 anos, é do sexo feminino, nasceu e reside em São Paulo com a

mãe, a avó materna e o irmão, que só fica com elas durante a semana. Conta que

“na verdade, eu sou filha adotiva”. Foi alfabetizada e recebeu orientação profissional

na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), tendo sido encaminhada

para fazer estágios e conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Atualmente,

trabalha numa farmácia de manipulação como estoquista e afirma não ter dificuldade

no serviço. Em casa, arruma sua cama, põe a mesa do café, mexe no notebook e

entra no facebook para conversar. Sobre a remuneração que recebe, diz: “o dinheiro

[...] eu ajudo em casa”; quando precisa, usa-o para comprar alguma coisa para si ou

para ir ao cinema com o namorado. Ele trabalha na mesma empresa, e, em

dezembro, o namoro fará um ano. “De vez em quando, ele me leva até o metrô

Page 65: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

65

Santa Cruz, para eu não ficar sozinha até aparecer alguém para me buscar”. Outras

vezes, vai até a casa dela para escutar música ou assistir televisão. Às vezes, a mãe

a deixa ir ao shopping para assistir a um filme no cinema.

Treina natação às segundas e quartas-feiras e ginástica artística às segundas

e sextas. Às terças-feiras, fica em casa e, às quintas, vai de vez em quando à aula

de tricô. Nos fins de semana, fica em casa. Em dias de treino, vai direto do trabalho

à estação de metrô Santa Cruz, onde pega carona com mães de outros atletas.

Quando não há treino, volta para casa de ônibus.

Começou nas modalidades de natação e ginástica artística na Apae, onde

lecionavam então os coordenadores do atual programa de treinamento. Quando eles

saíram da instituição, montaram uma equipe de treinamento visando o alto

rendimento. A mãe relata que, quando se afastaram da Apae, a filha “ficou doida [...]

aí, descobrimos onde estavam”. Tanto A1 como outros colegas migraram para a

equipe de treinamento da Associação Paradesportiva JR Ferraz e hoje disputam

campeonatos brasileiros e internacionais. Para efeito de participação em

campeonatos regionais e nacionais, a instituição é filiada à Associação Brasileira de

Desportos para Deficientes Intelectuais (Abdem), que, por sua vez, é credenciada

junto ao Comitê Paralímpico Brasileiro. Para comprovar a condição de atleta com

deficiência intelectual, a Inas – órgão internacional que regulamenta a participação

de atletas com deficiência intelectual nos eventos promovidos pelo International

Paralympic Committee (IPC) –, deve-se preencher um protocolo de avaliação

psicológica.

Treina há muitos anos, embora diga “não sei quantos anos faz, mas faz

tempo”. Pratica esporte e se mantém engajada na equipe de treinamento para

preencher o tempo ocioso, pois sua mãe não queria que ela ficasse parada, sem

fazer nada. Quanto ao significado que o esporte tem para ela, sucintamente diz:

“bastante coisa, bastante coisa”. Recentemente, teve um entorse de tornozelo

quando fazia ginástica artística, o que a afastou dos treinos por algum tempo.

Na natação, participa das provas de crawl, costas, peito e borboleta e destaca

que do próximo campeonato brasileiro depende a renovação do bolsa-

-atleta. Comenta que, em dias de competição, fica nervosa, “a mão começa a suar

quando chega a vez”. Quanto a se manter engajada na equipe de treinamento,

finaliza a entrevista dizendo: “ano que vem, eu faço 36, o que eu queria era só fazer

a natação e sair da ginástica”.

Page 66: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

66

A mãe de A1 nasceu em São Paulo, foi criada no bairro onde mora, estudou

até a 5a série (atual 6o ano do ensino fundamental), quando optou ser cabeleireira.

Conta que, quando a adotou, sabia que a filha era especial, tendo a deficiência sido

causada por falta de oxigênio no nascimento, o que acarretou alguns atrasos no

desenvolvimento. A1 frequentou a escola regular, mas não acompanhou. Sua mãe

precisou deixar o salão de cabeleireira para acompanhá-la, evitando que ficasse em

casa sem fazer nada. Nessa época, fazia empanadas nos fins de semana para

sustentar os filhos. Quando A1 passou a frequentar a Apae e a ficar ali o dia inteiro,

a mãe foi convidada pela assistente social para trabalhar em sua residência, onde

ficou quase trinta anos. Sobre o processo de alfabetização de A1, a mãe relata que

ela se desenvolveu bastante graças às “pessoas maravilhosas que a ajudaram”: “Ela

não sabia nem ver as cores; aí, vinha no ônibus e falava assim: ‘vai parar/ sinal

vermelho’. Nossa! Aquilo me emocionou muito”. Quando a filha se alfabetizou, ela

lhe deu “parabéns”. “Essas coisas do desenvolvimento dela, para mim, são muito

importantes”.

Na época em que a filha estudava na Apae, às vezes chegavam atrasadas. A

mãe conta que ela ficava muito brava, muito nervosa, e dizia: “Um dia, eu vou

aprender a andar sozinha para não perder hora”. A mãe achava que isso não ia

acontecer, pois ouvira dizer que às vezes algumas crianças se perdiam e pensava

que ela daria mais trabalho.

Um dia, disse à filha: “Vou fazer uns ovos de Páscoa em casa e distribuir pras

crianças, porque eu gosto de fazer isso”. A1 respondeu: “Não acredito que eu vou

chegar atrasada mais um dia”. Foi então que a mãe decidiu colocá-la num ônibus e

deixá-la ir sozinha. Preocupada, quis saber se a filha tinha chegado bem e telefonou

para a Apae, e lhe disseram: “Mãe, você está de parabéns. Sua filha está uma

mocinha. Ela está aqui, sim”. A partir daí, só em situações novas – como quando

dos estágios em empresas – a mãe a levava, para ensinar o caminho. Atualmente,

já não a acompanha mais tanto, e, quando fica muito tarde, elas se falam pelo

celular e combinam encontrar-se no metrô ou no ponto de ônibus mais próximo.

Sobre os encontros da filha com o namorado, a mãe diz: “De vez em quando,

no fim de semana, deixo ir ao shopping [...] mas tem hora para voltar”. Considera

importante deixá-la ir de vez em quando para não dizer sempre “não”. Ressalta que

agora a filha está “tomando mais decisões”; por exemplo, avisa que vai ao shopping

Page 67: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

67

com o namorado. A mãe, no entanto, a faz voltar atrás, dizendo: “Não, você não vai.

Tem que pedir se pode ir”.

Segundo sua mãe, A1 é uma pessoa responsável e não tem preguiça. Por

exemplo, se levanta às 5h30 sem precisar que a chamem e se prepara para estar no

trabalho às 7h. A mãe a acompanha até o ponto de ônibus nesse horário. O turno de

trabalho termina às 15h30, e ela folga aos domingos e feriados.

Em relação à importância do esporte, a mãe afirma que “foi tudo de bom para

ela. Foi a melhor coisa”.

A treinadora de A1 nasceu em São Paulo e atualmente mora em Ferraz de

Vasconcelos com o marido. Formou-se em educação física pela Universidade

Paulista (Unip) em 2008. Em seu último semestre na graduação, fez estágio como

voluntária e está até hoje vinculada a esse programa de treinamento da Associação

Paradesportiva JR Ferraz. Sobre a educação recebida em casa, salienta o respeito

ao outro, saber dividir as coisas, conversar, dizer o que está sentindo. Afirma que

houve muitas restrições, como o momento de sair de casa, de ir ao shopping com

amigos ou de namorar. A confiança entre mãe e filha foi sendo conquistada ao longo

do tempo.

A equipe treina numa piscina olímpica (50 m x 25 m), aquecida e coberta do

Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP), da Secretaria de Esportes,

Lazer e Recreação da Prefeitura de São Paulo. Entre as 18h e as 20h, o espaço é

cedido a grupos de treinamento de atletas com deficiência, sendo as raias divididas

entre todas as instituições presentes.

Nas sessões de treinamento, a treinadora tem total liberdade para planejar e

agir com os atletas. Procura conversar, compartilhar o que pensam e, se necessário,

faz-lhes reparos ou advertências. Salienta que o respeito ao outro é fundamental,

uma vez que dividem o mesmo espaço. Reforça com os atletas que é preciso olhar o

outro, esperar o outro passar.

Quando começou a trabalhar com os atletas, estes já vinham treinando havia

um bom tempo. Se, no decorrer dos treinos, precisa contar alguma coisa aos pais,

passa a informação aos coordenadores do programa, pois é um trabalho em equipe.

A treinadora realça as qualidades positivas de A1, entre elas, a de ser

responsável e a de atender a tudo o que é orientada a fazer. Considera que está

sempre atenta ao que acontece com os colegas e cuida bastante do outro. Nesse

sentido, a treinadora destaca a oportunidade de conviver com outras pessoas no

Page 68: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

68

ambiente esporte, sobretudo para aqueles que têm dificuldade de se relacionar ou

de interagir com o grupo e que encontram no esporte a possibilidade de desenvolver

a dimensão afetiva. Além disso, acredita que o esporte é importante prioritariamente

para promover a saúde.

Quando vê que o atleta age com responsabilidade, sente-se motivada a lhe

propor novas tarefas: “Começamos com uma tarefa simples, por exemplo, levar a

caneta daqui até ali e depois levar um objeto maior ou fazer uma coisa a mais”.

Durante as competições, atletas andam em duplas, e os treinadores procuram reunir

os que são mais responsáveis com os que estão começando. De certa forma,

aqueles assumem o papel do treinador, que não teria condições de acompanhar

todo o grupo. Na opinião da treinadora, esse comportamento responsável “será

levado para a vida dela dentro de casa, no trabalho, onde estiver”.

4.2.2 Atleta 2

A2, 36 anos, sexo masculino, nascido em São Paulo, vive com a mãe numa

chácara e ajuda nos afazeres diários varrendo, lavando louça, cortando a grama

com a máquina, cuidando da horta e tratando dos bichos. Frequentou a Apae de

São Paulo por 25 anos, numa época em que ainda não havia um processo de

alfabetização para alunos com síndrome de Down.

A rotina de A2 é se ocupar dos afazeres domésticos de manhã e, nos dias em

que não há treino, assistir a filmes ou jogar games (futebol, luta), coisas que ele

adora fazer. Conta que também em casa pratica atividades físicas: “eu faço

ginástica; tenho esteira, tenho bicicleta e saco [de boxe]“. Faz sozinho a

programação na esteira e se exercita durante vinte minutos correndo e caminhando.

Às quartas e sextas-feiras, vai aos treinos de natação da Associação Paradesportiva

JR Ferraz, que acontecem na piscina do COTP, em São Paulo, das 18h às 20h.

Além da natação, A2 também treina futebol e tênis de mesa. Gosta de

competir e já ganhou muitas medalhas. Conta que “nesse mês, ganhei ouro” e que

as medalhas conquistadas estão expostas numa parede de sua casa.

A transição da adolescência para a idade adulta é, em sua opinião, marcada

pela seguinte observação: “Tenho amigos que têm namorados”. Conta que já teve

uma namorada, mas atualmente não tem. Amigos são aqueles com quem convive

nos dias de treinamento.

Page 69: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

69

A mãe de A2 completou a escola primária, tendo seus pais falecido quando

era criança. Casou-se e teve o primeiro filho, que está completando cinquenta anos.

Depois de muitos anos, nasceu A2. Como ela é doceira, quando ainda trabalhava,

sobretudo nos fins de semana, A2 ficava e até viajava com os tios (a irmã da mãe e

seu respectivo marido), pessoas que a mãe considera que foram muito importantes

na vida dele. Atualmente, frequentemente aos domingos, A2 vai à casa do irmão,

onde também faz tudo sozinho. Às quartas-feiras, a mãe o busca para levá-lo ao

treinamento. Lá também faz tudo sozinho. O irmão de A2 tem dois filhos, e a mãe

diz: “meus netos o adoram. São seus sobrinhos, um com quatorze, outro com nove

anos”. Segundo a mãe, “sai com meus netos, mas amigos de sair, não tem”.

De acordo com a mãe, A2 é prestativo, responsável, independente e

inteligente. Essas qualidades se refletem em ações tomar iniciativas, tomar

remédios, tomar banho, fazer a barba. Complementa dizendo que sempre o tratou

como uma pessoa que tem apenas uma pequena limitação – a de não saber ler – e

por isso não o deixa sair sozinho, com medo de que tome um ônibus errado. Exceto

por essa restrição, A2 sempre teve e ainda tem toda a liberdade de fazer o que quer.

Por exemplo, decidir se quer ou não participar de uma competição quando recebe o

comunicado. A mãe diz ainda que ele é muito obediente e que todo mundo o adora –

“não tem quem não goste dele”.

Quanto à natação, conta que, devido à idade e ao desempenho (ultimamente,

não tem conquistado boas colocações, recebendo apenas a medalha de

participação), ele não anda muito motivado. Gosta do futebol e adora o tênis, pois

tem conquistado o primeiro lugar.

O treinador de A2 nasceu em Pernambuco e, com um ano de idade, mudou-

-se para São Paulo. Estudou em escolas regulares e, por dificuldades pessoais, foi

encaminhado para a Apae, onde passou pelo processo de escolarização e de

capacitação para o trabalho. Iniciou a prática esportiva na Apae e continuou a nadar

pela JR Ferraz durante dez anos, tendo participado de várias competições

internacionais. Atualmente, auxilia nas atividades de treinamento de natação dessa

associação e continua como atleta na equipe de futebol. É casado e tem uma filha.

A presença desse treinador na equipe de trabalho é peculiar, e ele diz: “Sou

um deles também, especial”. Enquanto converso com o treinador, observo que A2

entrou na piscina e faz o aquecimento. Segundo o treinador, seus atletas sabem a

Page 70: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

70

rotina de começo do treinamento e fazem cinco chegadas para se aquecer. Na

sequência, respondem a seu comando fazendo aquilo que pede.

O treinador considera bom o convívio com outras pessoas que se encontram

com o mesmo propósito e interesse nas sessões de treinamento, tendo em vista que

A2 já tem certa idade e participar do grupo concorre para manter dinâmico o

relacionamento com outros, em vez de ficar isolado em casa. O carinho, perceber

quando alguém está triste e saber conversar são essenciais no relacionamento com

os atletas. O treinador diz que, se algum atleta tem alguma dificuldade, pode falar, e

ele faz o que está a seu alcance para resolver; se não, passa para os

coordenadores.

Para o treinador, “o esporte de forma geral é muito bom; o importante é você

estar fazendo o esporte para você mesmo”. Também considera que “o esporte

abrange corpo e mente, além de ser um ambiente em que se fica com amigos.”

Estar engajado no esporte afasta o envolvimento com a violência.

4.2.3 Atleta 3

A3, sexo feminino, 30 anos (“eu sou de 17 de fevereiro”, “sou de 82”, “nasci

onze e meia da noite e eu sou aquariana”). Conta que os pais são separados e que

tem dois irmãos (um mora em Caieiras e outro, em Porto Alegre). Enfatiza que seus

primos constituem outra família. Mora com a mãe e a tia, que há quatorze anos vive

com elas. Durante a entrevista, mencionou várias vezes a cachorrinha (Cacau),

dando detalhes da responsabilidade que assume com seus cuidados. A avó também

morava com elas, mas faleceu recentemente. Como a entrevista foi feita na casa,

ela aponta para um porta-retratos e diz “minha avó ali, na minha foto”. Na estante,

há outros porta-retratos: “tem o meu tio, que é palhaço; uma foto antiga da minha

tia”. Nas prateleiras da mesma estante, também há peças de madeira e telas

pintadas por A3, cujos motivos ela mesma escolheu. Parte de sua coleção de

pinturas integrou uma exposição no Museu Brasileiro de Escultura (Mube), onde

atualmente faz um curso de aprimoramento. Além do curso de pintura, faz

semanalmente dança de salão junto com uma amiga. Às quintas-feiras, faz manicure

e escova nos cabelos. Aos sábados, faz um trabalho voluntário no centro espírita

perto de sua casa, sendo monitora de um grupo de crianças (“levo a criança no

banheiro, lavo a mão da criança”).

Page 71: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

71

Às segundas, quartas e sextas-feiras, frequenta o Instituto Indianópolis de

Educação Especial, onde participa das oficinas e das atividades físicas (tênis e

natação). Treina tênis há muitos anos, tendo participado de várias competições

organizadas pela Special Olympics Brasil, nas provas de voleio e saque. Destaca

que seu professor a ensinou a jogar e mostra: “a minha mão, está vendo? Eu pego a

bolinha com essa mão, ponho a raquete aqui e jogo a bolinha pro outro lado da

rede”. Frequentou por muitos anos o Projeto Movimento da Apabb (Associação de

Pais Amigos e Pessoas com Deficiência de Funcionários do Banco do Brasil) e da

Comunidade (Apabb) – fundada por sua mãe – onde também teve a oportunidade

de treinar patinação e participar dos Jogos Mundiais de Inverno da Special

Olympics. Quando voltou dessa competição, foi recepcionada por amigos e

familiares. Essa participação teve repercussão na mídia, numa reportagem de um

conhecido programa televisivo.

A3 conta que, seu professor de educação física é também seu personal

trainer, e eles fazem caminhadas das 6h30 até 7h, às quartas-feiras e, às sextas,

após dez minutos de atividade na esteira, fazem alongamento. Comenta que,

durante os dez minutos de aquecimento, conversam e o professor orienta o ritmo.

Essa relação vem de longa data: “a gente tem uma história”.

A mãe de A3 é de São Paulo, de família modesta; seu pai foi funcionário

público e sua mãe, dona de casa. O pai fez até o 2o ano primário (atual 3o) e a mãe,

até o 4o (atual 5

o). Tinham valores muito claros: os filhos deveriam estudar. Estudou

na rede pública e se formou em sociologia na Universidade de São Paulo.

Atualmente, é bancária aposentada.

Conta que a família é espírita há várias gerações. É pequena, mas muito

unida, de forma que A3 tem relações excelentes com os primos, as tias, os tios e

também com a geração mais antiga. Gosta de ir à casa da tia-avó e de outra tia e

fica para dormir sempre que pode. “Hoje, é mais ligada a mim, uma vez que sou

separada”, mas se encontra de vez em quando com o pai.

A mãe esclarece a limitação motora de A3: “ela tem paralisia cerebral, nasceu

com microcefalia, apresentando uma lesão do lado esquerdo do cérebro”. Desde o

nascimento, foi muito bem acompanhada, tendo sido diagnosticada precocemente

(aos cinco meses), uma vez que o pai é fisioterapeuta e um grande amigo da família

era neurologista. A estimulação precoce teve início imediato, e A3 fez fisioterapia,

fonoaudiologia e terapia ocupacional ao longo dos anos. Sua limitação motora se

Page 72: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

72

restringe ao braço e ao pé direito; ela anda sozinha e eventualmente tropeça.

Precisa de estímulo físico constante, daí a importância do personal trainer, que lhe

corrige a postura e faz alongamento. Diz a mãe que o histórico da filha é ligado ao

esporte, e o evento mais marcante foi sua participação nos Jogos Mundiais de

Inverno da Special Olympics, realizados em Toronto, em 1997, como atleta da

patinação.

A3 foi alfabetizada e, “embora consiga ler e escrever com relativa facilidade,

às vezes lê a palavra mas não entende o contexto”. Segundo a mãe, seu

comportamento é característico da adolescência ou da pré-adolescência. Por isso e

pela deficiência intelectual, é interditada judicialmente, o que significa que não pode

ser deixada sozinha e deve sempre estar em ambiente protegido. Tem relativa

autonomia, mesmo porque ninguém é completamente autônomo: “dependemos uns

dos outros”, diz sua mãe. Considera que a filha tem uma boa autonomia emocional,

sendo capaz de tomar algumas decisões e saber o que quer em relação às coisas

de que gosta – entre outras, viajar e participar dos acampamentos de férias

promovidos pela Apabb. A mãe salienta que, acontecendo em ambiente de amigos

conhecidos, propiciaram o desenvolvimento de A3. As viagens em função do

esporte, por outro lado, envolviam pessoas que não conhecia – atletas e treinadores

que compunham a delegação, mas a visão dos profissionais, de não ficar tomando

conta dos atletas, também foi fundamental para seu desenvolvimento. As medalhas

conquistadas, por mérito de seu próprio esforço – “onde concorre com ela mesma o

tempo inteiro” – favoreceram sua autoestima e a formação de sua personalidade.

Hoje, A3 é uma pessoa muito autoconfiante.

A mãe está sempre atenta ao movimento das pessoas com deficiência. Foi

uma das responsáveis pela fundação da Apabb: “Sempre fui mais ou menos assim,

ativista nessa área de deficiência. Desde que minha filha nasceu, sempre achei tudo

importante e fundei a Apabb, que é uma associação de funcionários do Banco do

Brasil que hoje tem núcleos no Brasil inteiro. Está fazendo vinte e cinco anos, e

posso afirmar que sempre atuei na área, em paralelo à minha carreira profissional”.

O treinador e personal trainer de A3 nasceu em São Paulo. Na infância e na

adolescência, foi atleta de futebol. Formou-se em educação física na Universidade

de Mogi das Cruzes (UMC), em 1999. Antes disso, por influência do irmão, trabalhou

com pessoas com deficiência intelectual e faz isso até hoje. Depois de formado, fez

um curso de especialização em treinamento esportivo para pessoas com deficiência

Page 73: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

73

intelectual e alguns cursos de extensão universitária. Trabalha há muitos anos no

Instituto Indianópolis de Educação Especial, sendo responsável pela filosofia do

programa de atividade física e esporte.

A figura do professor é fundamental na relação com a família. O treinador de

A3 participa de reuniões em que relata sua evolução e compartilha eventuais

dificuldades. Adota como princípios respeitar a individualidade, garantir a

participação, valorizar a capacidade de executar as atividades, criar um ambiente

sem tensões e rico em oportunidades e observar a evolução nos treinamentos. Em

vésperas de competição, exige nos treinos mais responsabilidade e autocontrole,

necessários em competições.

Reconhece que A3 tem perfil de atleta, é dedicada nos treinos. Considera que

é a essência daquilo que se acredita quanto ao benefício do esporte para pessoas

com deficiência intelectual, “as limitações dela desaparecem quando está praticando

esporte”. Além de benefícios motores e físicos, as oportunidades de convívio e de

independência que ela teve foram através do esporte. A participação em

competições, as viagens a lugares diferentes, com pessoas diferentes, em situações

diferentes se refletem “nessa liberdade social que tem hoje”.

4.2.4 Atleta 4

A4, sexo feminino, nasceu em São Paulo, tem 27 anos, mora com a mãe,

uma irmã e o cunhado. O pai é falecido. Quando frequentava a Apae, conheceu sua

atual treinadora, com quem treina há 15 anos. A4 trabalha diariamente. Nos dias em

que não tem treino, volta do trabalho e fica em casa, entrando na internet e vendo as

fotos da JR no facebook. Às vezes, dança sozinha. Em casa, também ajuda nos

afazeres; gosta de cozinhar, lava louça e sabe lavar, passar e guardar a roupa.

A4 pratica ginástica e natação na Associação Paradesportiva JR Ferraz, cujos

treinamentos ocorrem no Centro Olímpico de Treinamento em São Paulo. Diz que

gosta de treinar. Em relação ao treinamento atual, afirma que sua treinadora diz:

“Tem que treinar, tem que treinar”. Como vários atletas dividem a mesma raia, é

preciso respeitar o ritmo de cada um e dar passagem, quando necessário. No dia da

entrevista, A4 contou que ouviu uma colega dizer a um amigo seu: “Não passa na

minha frente, não passa na minha frente”, o que gerou uma desavença entre elas.

A4 enfatizou que tem que treinar, pois precisa fazer o índice para ir à Itália,

para poder ganhar, fazer bonito lá. Sua participação nessa viagem dependeria dos

Page 74: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

74

resultados obtidos num campeonato no Sport Club Corinthians. Como atleta, diz que

“pra mim, o mais importante é a competição”. A4 é uma das atletas contempladas

com a bolsa-atleta na natação, renovada na medida em que conquista os índices.

Sobre sua participação em eventos internacionais, conta que já viajou para o México

e o Equador e que agora irá à Itália.

Na adolescência, A4 foi muito procurada pela mídia, pois, na época, nasceu

com a síndrome de Down a filha um conhecido jogador de futebol. As emissoras

procuravam a Apae, e ela era sempre indicada para as entrevistas. Um dos

assuntos explorados pela mídia era o namoro, motivo pelo qual foi convidada a

participar de diversos programas de auditório. A4 namorou esse rapaz durante nove

anos, mas terminou o namoro em 2012. Hoje, está namorando novamente, e, para

eles saírem, as mães combinam algo conjuntamente. Comenta que está guardando

dinheiro para se casar. Quanto à percepção de mudanças da adolescência para a

idade adulta, diz: “Vai indo, né? [...] Tem hora que eu fico mais... sou meio chata, às

vezes”. Comenta que “agora, eu estou ficando mais velha, penso em outras coisas”.

A4 trabalha e é independente para ir e vir, usando transporte público. Tem

noção do valor do dinheiro e entende que, levando certa quantia, pode pagar por

aquilo que deseja comprar.

A mãe de A4 nasceu em Tupã, interior de São Paulo, foi criada em

Teresópolis, estado do Rio de Janeiro. Aos 7 anos, já cozinhava e, aos 14, tomava

conta da família. Com 20 anos, mudou-se para São Paulo. Perdeu a mãe aos 24

anos, quando a irmã caçula tinha apenas 14. Acabou criando os irmãos. Seu pai,

hoje com 92 anos, mora com ela. Tem duas filhas, a mais velha com 33, já casada,

e A4, com 27 anos. Exerce a profissão de cabeleireira.

A mãe relata que A4 nasceu numa época muito difícil: raramente se via na rua

uma criança com síndrome de Down. Quando A4 tinha 4 ou 5 anos e frequentava a

Apae, a mãe foi orientada a matriculá-la numa escola regular, posto que tinha

condições de fazer tudo, mas era considerada tímida e, portanto, a integração com

outras crianças seria oportuna para aprender a brincar. Percebendo o despreparo

das escolas para aceitar crianças com síndrome de Down, a mãe persuadiu o diretor

de uma escola pública a conhecer o trabalho da Apae. Explicou que gostaria que a

filha ficasse na escola poucas horas, para brincar com outras crianças, salientado

que ela conversava normalmente e não era agressiva. Conseguiu matriculá-la e

considera que foi uma ação favorável ao movimento de inclusão, fundamental

Page 75: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

75

naquela época. A mãe de A4 a manteve em ambas as instituições durante dois

anos, quando foi orientada pela médica a considerar a sobrecarga e falta de

atividades próprias da infância; a menina não tinha tempo para brincar. A mãe

decidiu mantê-la apenas na Apae, avaliando que os dois anos na escola regular

tinham sido bons porque ela se soltou mais. O nascimento da filha do jogador

também ajudou a pôr em pauta e discutir a acessibilidade das escolas, antes

negada: “Houve uma mudança geral, o governo nos atende melhor também.”

A mãe salienta que A4 é bastante responsável: “ela sai, vai trabalhar sozinha,

volta, vem sozinha para o treino uma vez por semana”. Como o trabalho de A4 dista

seis a sete pontos de casa, quando acorda animada, vai a pé. A mãe comenta que é

capaz de ir sozinha, confia nela e não se preocupa com isso: “Tem muita gente que

diz: ‘Nossa! Você tem coragem de deixar?’”. Ela responde que, se tiver que

acontecer alguma coisa, vai acontecer. Às segundas e quartas-feiras, a mãe pega

A4 no serviço e a leva ao treino. Volta às 20h para buscá-la. Como ambas

trabalham, o tempo de convivência diária se restringe aos poucos momentos que

têm à noite. Discutem o que fizeram durante o dia e, no jantar, comentam a novela.

Sobre dedicação e educação, diz: “Fiz tudo o que tinha que fazer por ela; por

isso, hoje ela está onde está. Acho isso uma vitória muito grande. Me sinto vitoriosa

por tê-la educado dessa maneira, considerando as síndromes e a dificuldade que

vejo em muitas outras coleguinhas. Não a vejo como especial. Se hoje ou amanhã

eu me for, acho que ela tem condições não digo de morar sozinha, mas de se

defender. Acho que a preparei bem, nesse sentido.”

Do ponto de vista da mãe, a prática do esporte é boa tanto para a saúde

como para a convivência com os amigos, a união entre eles: “Faz muito bem para

mim, como mãe, também, pois dois dedinhos de conversa que você tem com uma

mãe que tem filhos com o mesmo problema, a conversa é totalmente diferente do

que com outra pessoa. Trocar ideias faz muito bem”. A Associação Paradesportiva

JR Ferraz foi criada quando a Apae deixou de focar o esporte e a participação em

competições, de modo que a maior parte dos atletas que treinavam lá passou a

treinar nessa associação.

A treinadora de A4 nasceu em São Paulo, estudou em colégio estadual e se

formou em educação física pela Unesp de Rio Claro. Foi atleta de ginástica olímpica

e chegou a integrar a seleção brasileira. Concluindo a faculdade, voltou para São

Paulo e trabalhou inicialmente com natação em academias. Ingressou na Apae,

Page 76: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

76

onde deu aulas de educação física para crianças de 6 a 7 anos. Surgiu então a

oportunidade de montar equipes de treinamento na própria Apae. Tendo feito o

Curso Técnico de Ginástica Artística, montou uma equipe de treinamento dessa

modalidade e também foi auxiliar técnica nos treinos de natação. Ao deixar a Apae,

participou da fundação da Associação Paradesportiva JR Ferraz (citada como JR),

vinculada à empresa de mesmo nome. Percebendo o declínio no rendimento de

trabalho de dois alunos da Apae, o empresário atribuiu-o ao fato de terem deixado

de treinar e apoiou a criação da Associação, onde a treinadora de A4 é

coordenadora e também treinadora de ginástica artística e de natação, em equipes

de atletas com deficiência intelectual de alto rendimento. É casada e tem duas filhas.

Há onze anos, desenvolve o programa de natação na Associação, e vários

atletas treinam com ela desde então. Percebe que, no decorrer dos anos, sua

independência evoluiu muito, sobretudo pela oportunidade de viajarem sem os pais

e terem que cuidar sozinhos das próprias coisas. Afirma que acaba investindo não

no atleta, mas na pessoa. Observa que, como membros de uma equipe, se tornaram

mais determinados, mais “guerreiros”. Sobre A4, diz que “cresceu demais”.

O trabalho que desenvolve com os atletas envolve aprender a lidar com

vitórias e derrotas, valorizar a participação na equipe mesmo quando não ganham

medalhas, realçando que o troféu conquistado é de todo o grupo. Procura

desenvolver o companheirismo e o apoio mútuo, quando alguém está triste ou faz

algo errado. Relata um caso em que uma atleta que se trancou no quarto e não

queria abrir a porta. Os uniformes estavam nesse quarto, e, sem eles, ninguém

poderia ir à competição. Resolvido o problema, foram à competição e só quando

voltaram ela os reuniu. Ponderou que o que a atleta havia feito tinha prejudicado a

equipe e disse que gostaria que todos decidissem conjuntamente o que fazer com

ela.

Conversas desse tipo, que exigem reflexão e argumentação, fazem parte dos

encontros durante os treinamentos. A confiança mútua também é importante, uma

vez que, nas viagens, muitos atletas são acompanhados apenas de dois treinadores.

Quando necessário, pede que um atleta oriente o aquecimento, ação pela qual se

sentem valorizados, e melhora sua autoestima. Salienta que isso decorre de muito

trabalho, que não acontece de um dia para outro.

Sobre a preparação para campeonatos e viagens, orienta os pais no sentido

de que os atletas “têm que saber se virar sozinhos”. É claro que ela estará lá para

Page 77: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

77

apoiá-los, mas não fará nada no lugar deles. Acredita que os pais confiam em seu

trabalho e tem uma grande liberdade para conversar com eles. Sente-se um pouco

responsável por todos em todos os momentos. Pensa que o esporte lhes dá

oportunidade de trabalhar, de estar sozinhos num lugar estranho e de saber se

comportar socialmente.

Perante a sociedade, considera importante que sejam reconhecidos e tenham

liberdade de escolher e se expressar. Sente orgulho quando se mostram mais

independentes ou percebe o quanto cresceram, que sabem o que estão fazendo,

que estão preparados para ser responsáveis dentro de um grupo tão grande. A

relação afetiva se reflete “pelo carinho e pelo apoio que dão. A recompensa, não em

termos de resultado, mas a recompensa em termos de carinho, de querer bem.”

4.2.5 Atleta A5

A5, sexo masculino, tem 24 anos, nasceu em Santos, mora com os pais, a

irmã, o cunhado, os sobrinhos e a avó. Frequentou a escola a partir dos 7 anos, mas

parou de estudar na 4ª série (atual 5o ano). Conta que a empresa em que trabalha o

remunera para que pratique natação e participe dos torneios. Para ele, ser atleta

significa ser campeão, conquistar muitos títulos. Além da natação, pratica futebol e

hóquei sobre piso, modalidades em que compete na Special Olympics. O dinheiro

que recebe é controlado por ele mesmo e pela mãe. Está economizando para um

dia comprar uma chácara ou uma casa. Gosta de comprar uma certa bebida com

baixa dosagem alcoólica para tomar em festas como o Natal e o Ano Novo.

Considera-se responsável, cuida da avó, sabe a hora certa de cada coisa,

pega as compras, às vezes coloca o lixo na rua. Estabelece uma relação entre

responsabilidade nos treinos e retorno: “quem nada bem, ganha muitos títulos”.

Treina às segundas-feiras e comenta que sua treinadora lhe pede para nadar mais,

nadar forte. Participou de várias competições e foi campeão no Brasil. Quer

continuar treinando.

Na adolescência, era briguento, mas hoje procura controlar seu

comportamento. “Eu era rebelde; agora, não... agora, eu sou adulto”. Frequenta o

Centro Educacional Integrado de Vinhedo (Ceivi), onde participe de reuniões sobre

os direitos da pessoa com deficiência. Diz que “tem os grupos de deficiência, tem

deficiência física, deficiência auditiva, visual, intelectual”. Um tema em evidência é a

necessidade de transporte, de ônibus.

Page 78: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

78

A mãe de A5 nasceu em Santos, está casada há quarenta anos, tem três

filhas, e A5 é o caçula. É profissional liberal e está retomando as atividades após um

período de cuidados com sua mãe. A família mora há quinze anos em Vinhedo, e

destaca que A5 é muito próximo do cunhado, com quem compartilha sentimentos.

A5 nasceu com síndrome de Down, lê e escreve, mas não gosta muito.

Trabalhou numa empresa quatro anos e meio, desde os 19. Embora respondesse às

metas, sentiu-se vítima de preconceito e não quis mais ir. Por gostarem dele,

decidiram manter o vínculo empregatício como apoio ao esporte, estabelecendo

uma parceria com a prefeitura. Se faltar aos treinos, A5 é descontado na folha de

pagamento. Com o dinheiro recebido, mobiliou seu quarto e agora diz que pretende

assistir à copa mundial de futebol.

A mãe relata que ele é independente em afazeres, ainda que haja sempre

necessidade de um respaldo por trás, e que é muito pontual: se ele precisa estar

pronto às 6 horas, já está acordado às 5. Por outro lado, embora isso seja discutido

no Ceivi e A5 saiba chegar sozinho a determinados lugares, a família tem receio e

sempre vai levá-lo ou buscá-lo. A mãe elogia o trabalho do Ceivi e diz que é muito

bom no relacionamento com os pais, mantendo-os atualizados quanto aos direitos

das pessoas com deficiência.

Destaca que A5 gosta de todos esportes: assiste Fórmula 1, luta, futebol,

além de natação e hóquei sobre piso, e também participa de um festival de dança

pelo Ceivi. Já foi campeão em natação e, embora se tenha decepcionado quando

não foi sorteado para os Jogos Mundiais de Verão da Special Olympics, sistema

adotado pela Special Olympics, continua a gostar muito de nadar.

A treinadora de A5 nasceu em Cravinhos, São Paulo. Graduou-se na Escola

Superior de Educação Física (Esef) de Jundiaí e fez especialização em educação

física adaptada na Unicamp. Quando trabalhava na prefeitura de São Paulo, teve

oportunidade de fazer um curso a distância sobre esporte escolar. Posteriormente,

fez especialização em tênis de campo. Desde que entrou na Esef, em 1999, trabalha

em educação física adaptada e hoje diz que realmente faz o que gosta. Em Jundiaí,

trabalha no Programa de Esportes e Atividade Motoras Adaptadas (Peama) e está

lotada na Secretaria Municipal de Esportes e Lazer da Prefeitura de Vinhedo, tendo

participado da criação do Departamento de Esportes Especiais, que oferece

atividades esportivas para grupos especiais. A natação é desenvolvida às segundas-

-feiras, numa das unidades da prefeitura.

Page 79: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

79

A5 faz parte do programa de natação desde 2011. Durante os treinos, a

treinadora ensina seus atletas a organizarem o material, de modo que possam,

mediante solicitação, ajudar a buscar ou guardar alguma coisa; é uma forma de

exercitar direitos e deveres de cada um.

Observa o comportamento dos alunos e, sempre que percebe progressos,

enfatiza: “Você viu que legal que você conseguiu fazer?”. Mostra que não precisam

que outra pessoa que faça por eles, mas sabe que, muitas vezes, em casa, alguém

faz tudo por eles, o que limita a autorrealização. A treinadora acredita que eles

devem estar preparados para a vida, para casos em que não haverá uma pessoa ao

lado. Com essa preocupação, inclui no planejamento situações que favoreçam a

compreensão e a autonomia.

Já em viagens, visto que os pais não os acompanham, acredita que seus

atletas têm mais liberdade e, por conseguinte, sentem-se mais responsáveis por

seus atos. A convivência em grupo também implica aceitar determinadas regras.

Conta um episódio em que, tendo levado dinheiro numa viagem, A5 achou que

pudesse comprar um refrigerante. Como a treinadora havia levado lanche para

todos, o coibiu, pois os outros não poderiam fazer o mesmo. A5 reagiu com

indignação, o que, para ela, mostra sua dificuldade para lidar com o não.

Sempre gostou de esporte e acredita que faz bem para a autoestima – dá um

sentimento de “consegui fazer” – e que, a partir disso, os atletas conseguem fazer

melhor outras coisas, o que favorece sua saúde e sua qualidade de vida. Se, no

tempo de faculdade, não gostava de Psicologia, reconhece que hoje o que mais

precisa é lidar com aspectos psicológicos em suas aulas.

4.2.6 Atleta A6

A6, sexo masculino, nasceu em Jundiaí, tem 24 anos. Sempre morou com os

pais, num condomínio onde também residem outros familiares. Além de treinar

natação no Peama e em casa (com um personal trainer que também o acompanha,

como assistente, nas demais atividades diárias), A6 pedala, faz aula de teclado e

bateria e canta. De segunda a quinta-feira, vai a uma ONG (criada pela mãe) onde

trabalha com crianças especiais. Numa de suas tardes livres, fica com a avó e,

noutra, almoça com o primo: “Ou seja, eu não paro”.

Coleciona CDs e, para adquiri-los, cota preços, compara, consulta um amigo

que tem estúdio de som, estuda a proposta, discute com seu personal

Page 80: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

80

trainer/assistente, que o ajuda a inserir o código para emitir boleto, e então

“baixamos, jogamos num HD externo, depois passamos para o pen-drive, incluímos

no iTunes e eu passo pro iPod”. Em alguns casos, se necessário, decide junto com

outras pessoas, mas se pode fazer uma coisa sozinho, diz: “Deixa comigo, que eu

assumo”.

Conta que sempre foi de economizar, de guardar dinheiro; assim, quando o

avô faleceu, sua avó decidiu repassar a aposentadoria para ele.

Pratica natação desde 2006, ano em que, n uma disputa de bicicleta, caiu e

quebrou o braço. Decidiu então “abrir um ramo para a natação”, sem deixar de andar

de bicicleta. Em 2009, participou do Festival Regional Especial de Natação (Frena),

como atleta do Peama. Foi campeão numa prova, concorreu no sorteio e foi

contemplado com uma vaga para participar dos Jogos Mundiais de Verão da Special

Olympics na Grécia. Na época, intensificou os treinamentos em casa. Atravessa a

piscina inteira (25 m) e gosta de disputar com seu professor.

Sobre a viagem à Grécia, conta que o maior desafio foi comer coisas

diferentes. Em dado momento, provou um lanche e gostou, mas deixou-o como uma

opção de último caso, pois não considera saudável seu jantar semanal ser um

lanche. Focado nessa situação, afirma que foi uma viagem de autossuperação.

A mãe de A6 começa seu relato contando que perdeu a mãe quando tinha 11

anos e precisou cuidar da casa. Casou-se aos 18 anos e engravidou do primeiro

filho. A6 é o do meio e, quando completou um ano, um médico disse que ele não

andaria nem falaria. A família então procurou um neurologista, que os tranquilizou ao

afirmar que ele se desenvolveria, mas ele não saberia dizer nem quando, nem

como. Quando começou a dar alguns passos e a falar, se questionaram sobre

mandá-lo ou não à escola. ”Quando começou a andar de bicicleta, na primeira volta,

bateu numa árvore, pois tem uma deficiência visual – não forma imagens”.

Quando A6 fez 16 anos, a mãe passou ao personal trainer a tarefa de

acompanhá-lo em todas as atividades. Atribui a ele o desenvolvimento da autonomia

do filho e sugere que ele também seja entrevistado. Ao completar 18 anos, A6 quis

tirar carta de motorista, mas foi preciso lhe explicar que não poderia, por causa da

deficiência visual.

Na preparação para a viagem à Grécia, intensificaram-se os treinos de

natação, mantendo-se assim até hoje. Na época, ele treinava todos os dias, com a

intenção de competir, e não apenas de participar. Sabia que poderia ganhar ou não,

Page 81: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

81

mas foi bem preparado. Dizia: “Eu vou dar o meu melhor”. Acompanharam-no o

irmão mais velho com a namorada e o personal trainer; ela não foi, por ter medo de

andar de avião. Foi de fato uma viagem de superação, pois A6 nunca tinha saído de

perto da mãe. Quando lhe disseram que ele iria à Grécia, ela, a princípio, negou: “De

jeito nenhum. Não vai mesmo”. Acabou sendo convencida pelo argumento de que

A6 havia feito muitas conquistas, mas diz que precisou de um ano de trabalho com a

psicóloga para aceitar que ele fosse: “Então, foi bom eu não ter ido, porque foi uma

superação para ele, de ele ir sem mim e voltar; e eu ficar sem ele. Foi a melhor coisa

que fizemos, porque ele viu que pode ir sem mim e voltar”.

A6 queria trabalhar; comparava-se com os irmãos, que trabalhavam. Como o

acompanhamento do personal trainer fora bem-sucedido, pensaram em criar um

trabalho parecido e montaram a associação, da qual ambos tomam conta. As

crianças vão para se divertir e aprendem a “se virar” sozinhas – por exemplo, a ir ao

supermercado. É uma proposta de inclusão.

O personal trainer e assistente de A6 nas atividades diárias nasceu em São

Bernardo do Campo, com 5 anos mudou-se para São José do Rio Preto e, com 17,

para Jundiaí, já com o objetivo de ser um profissional de educação física. Aos 20

anos, em 2001, entrou na faculdade. Em 2004, conheceu A6 e está com ele até

hoje, acompanhando-o em suas atividades diárias e nos aspectos sociais, cognitivos

e esportivos e em conversas com a família. É também o motorista e comenta que

está para ser aprovada uma lei que amplia a isenção de impostos para a aquisição

de veículos em nome da pessoa com deficiência física, intelectual ou visual ou

autista, de modo que esse será mais um importante benefício. Afirma que, pelas

limitações visual e cognitiva, A6 é algo dependente para fazer algumas coisas.

Nesses oito anos de trabalho, ele passou a usar computador, a sair a pé ou de

bicicleta sem causar preocupações, a fazer atividades físicas e outras tarefas sem

ter a presença constante de outra pessoa a seu lado.

Sobre A6 andar de bicicleta sozinho, diz que ele consegue ir a certos lugares,

mas, se em algum desses percursos deparar algum obstáculo, pode não perceber a

tempo, devido à deficiência visual. De todo modo, procura fazer com que A6 faça as

coisas da forma mais autônoma.

Quando A6 foi contemplado com uma vaga na equipe de natação para

participar dos jogos mundiais da Special Olympics, passou a desenvolver um treino

específico, visando melhores resultados: “A partir desse dia, ele se dedicou aos

Page 82: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

82

treinos e melhorou muito. Continua a treinar, para conseguir uma vaga nos próximos

jogos”.

A treinadora de natação de A6 no Peama nasceu e foi criada no interior de

São Paulo. Com o incentivo da família, foi estudar fora quando terminou o colegial

(atual ensino médio). Fez parte do cursinho em Avaré e parte em Londrina.

Ingressou na Escola de Esporte e Educação Física da Universidade de São Paulo e,

quando se formou, prestou o concurso na prefeitura de Jundiaí, passando a

trabalhar no Peama.

Considera a prática de esporte uma das atividades mais importantes de seus

alunos, pois na água se sentem mais independentes, conseguem nadar sozinhos. O

fato de viajarem é uma grande oportunidade de estar longe da família, e conseguem

fazer tarefas básicas sem ajuda. Afirma que os atletas gostam muito: é uma forma

de cuidar da saúde, se divertir e, ao mesmo tempo, conhecer lugares novos e fazer

amigos.

Se algum atleta não cumpre uma tarefa por falta de força muscular, a

atividade física pode melhorar sua condição motora para, por exemplo, se abaixar e

levantar sozinho. Prestar atenção ao que diz o treinador, à dica que ele dá, bem

como escutar a opinião de outros, concorre para que o atleta consiga fazer algo

sozinho. Sente uma grande satisfação ao perceber mudanças no comportamento de

seus atletas, pois saber que contribuiu com esse desenvolvimento. Em relação a A6,

acredita a deficiência visual o impede de fazer tudo sozinho.

Associa a participação em competições a uma oportunidade de exercer a

autonomia. Alguns esperam ansiosamente esses eventos, pois viajam sem os pais,

experiência que lhes acrescenta muito, considerando o lado pessoal.

4.2.7 Atleta A7

A7, sexo masculino, 36 anos de idade, mora com os pais em Jundiaí, numa

casa que o pai comprou quando ele nasceu. Seu irmão mais velho é casado e

também mora na cidade. Conta que estudou em certo colégio e que, devido a “estes

problemas que eu tive”, precisou esperar até que houvesse uma classe especial.

Frequentou até a 6ª série (atual 7o ano) e então se transferiu para uma escola perto

de casa.

Uma vez por semana, acompanha o pai à oficina. Varre o chão, mas não

trabalha nos tornos, para não sofrer acidentes. Sua mãe é costureira, e, quando

Page 83: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

83

precisa, ele ajuda no serviço doméstico: troca o lixo, varre a casa ou põe o lixo para

fora.

Frequenta o Peama há sete anos. Participa do Frena e também já competiu

em São Paulo. Em Campinas, participou pela primeira vez de um evento da Special

Olympics. Atribui grande importância ao esporte. Sabe que não pode perder aula

para continuar inscrito no Peama. Gosta do nado crawl e do nado de peito; não é

muito bom no nado de costas nem no nado borboleta, mas pratica-os para aprimorá-

-los. Gosta ainda de tênis e futebol. Nos dias em que vai ao Peama, também faz

caminhadas com a treinadora.

Costuma viajar com a família e conta que foi ao casamento de um primo em

Amparo, à casa da avó e à da família da cunhada, em Jacareí. Quando viaja, vai

com o irmão e a cunhada, que assumem a responsabilidade por ele. Tem um vizinho

que considera seu melhor amigo. Cresceram juntos. Quando o irmão era solteiro,

levava-os a “baladas”, nas quais A7 gostava de se divertir e assistir as bandas.

A mãe de A7 nasceu em Jundiaí. Desde que seu bisavô veio da Itália, a

família está radicada em Jundiaí. Está aposentada e trabalha em casa. Durante o

nascimento de A7, faltou oxigênio, o que afetou o lado esquerdo, a área motora e a

fala. Desde um ano de idade, ele teve acompanhamento profissional; fez sete anos

de fonoaudiologia e só gagueja um pouco quando fica nervoso. Em termos de

raciocínio, é limitado em matemática, o que dificulta o manuseio de dinheiro. É

alfabetizado, tendo passado por uma escola de método Montessori e uma escola

regular com classe especial; fez dois anos de espanhol e curso de computação.

Sabe conversar sobre tudo: filmes, esporte e política. Ela o estimula a ocupar seu

tempo com tais afazeres para que não fique o tempo todo vendo televisão, ouvindo

música ou no computador.

Ele anda interessado em ter uma namorada, e ela o incentiva, procurando

orientá-lo, dada a dificuldade ele que tem para lidar com essa situação. No dia a dia,

acompanha-o em todas as atividades. Como tem a preocupação de seu filho estar

supervisionado, acredita que tenha criado o irmão para que este também possa

cuidar dele. Tanto o irmão como a nora gostam muito dele.

O esporte foi fundamental para que A7 evoluísse. Desde pequeno, ele fazia

natação, inicialmente, numa academia. Embora sua deficiência não seja aparente, o

fato de não poder mergulhar (por orientação do neurologista) foi motivo para

algumas crianças rirem dele, o que o fez abandonar a academia. Resistiu um pouco

Page 84: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

84

a entrar no projeto, mas hoje não quer sair – participa todos os dias. Às segundas-

-feiras, faz só natação; às terças, tênis e futebol; às quartas, caminhadas e natação;

às quintas, bocha, tênis e futebol; e, às sextas, só caminhada. O pai sofreu uma

cirurgia recentemente, e, temporariamente, A7 vai ao projeto com uma perueira.

Participa de competições locais, tendo ido apenas a cidades da região. Uma

vez, ficou dez dias num alojamento, num campus da cidade, e gostou muito da

convivência com os outros. Voltou mais independente, dizendo “deixa que eu faço”.

A treinadora de natação (também treinadora de A6 – ver perfil em A6) fala

sobre A7. Quando chegou, era muito tímido, não tinha iniciativa para fazer certas

coisas ou fazer perguntas. Depois que começou a frequentar a natação e a praticar

mais atividades físicas, passou a se soltar e apresentar um bom desenvolvimento.

Avalia que, entre seus atletas, foi o que mais evoluiu. Perceber essa mudança de

comportamento lhe é muito gratificante, pois reflete sua contribuição no

desenvolvimento do atleta.

4.2.8 Atleta A8

A8, sexo masculino, 34 anos de idade, nasceu em São Paulo, tem um irmão

mais velho e uma irmã caçula. Separado da mãe, o pai mora na parte dos fundos da

casa. Na casa principal, a mãe mora com o neto (primeiro filho de A8) na parte de

baixo, e A8, com sua segunda esposa e o bebê recém-nascido, na parte de cima.

Na escola, não conseguia acompanhar o curso, e uma psicóloga que trabalhava na

Apae orientou a mãe a matriculá-lo nessa instituição. Comenta que, na escola

regular, era difícil, porque os outros eram melhores do que ele; na Apae, ele era

melhor do que os outros.

Ainda assim, a adaptação foi difícil: precisava usar uniforme, as pessoas o

achavam louco, ele não sabia nada sobre a síndrome de Down e não queria saber.

De certa forma, tinha vergonha de estudar lá e deu muito trabalho à mãe. Conta que

a escola só passou a ter classe especial quando tinha 17 ou 18 anos e que passou

quase um terço da sua vida na Apae. “Hoje, eu só tenho que agradecer. Não me

envergonho, ao contrário, me orgulho disso. Boa parte do que eu tenho hoje,

principalmente de educação e de esporte. Amo o esporte e agradeço a meu

treinador (na época, professor da Apae), que sempre me incentivou a treinar”.

Formou uma família e teve um filho. Tudo envolveu adaptação, devido à

dificuldade de aprendizagem. Consegue digitar no computador, mas é um pouco

Page 85: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

85

mais lento. Afirma que é muito ligado à mãe, o que gera certo ciúme na esposa.

Hoje, se sente bem responsável e procura retribuir o que a mãe fez por ele no

começo. Quando algo não dá certo, conversa com ela a respeito.

Treina natação desde os 12 anos, tendo iniciado na Apae, pois era parte do

programa. Sempre teve o mesmo treinador. Conta que, no começo, o treinador lhe

disse que ele tinha dom e que futuramente iria gostar. A8 era muito rebelde nessa

época, mas o treinador passou a levá-lo a campeonatos, e ele gostou. Acredita que

o esporte o manteve afastado da bebida e de outros vícios. Após tantos anos

nadando, diz que seu corpo já não aguenta mais. Além disso, trabalha das 7h às

17h, treina e ainda tem que fazer coisas em casa. Ama nadar e não quer parar, mas

tem sido difícil competir, porque não tem obtido bons resultados. Segundo seu

relato, tem dito ao treinador para não levá-lo mais a competições internacionais, pois

pode estar tirando a vaga de outra pessoa, mais nova, que poderia adquirir

experiência. Ele próprio já foi o mais novo e viajou muitas vezes. Os bons resultados

alcançados na sua carreira de atleta lhe deram (e ainda dão) o benefício da bolsa-

atleta. Considera-se uma pessoa realizada e, se puder, quer ajudar a equipe até

ficar velho. Seu treinador lhe diz que ele não pode parar porque os meninos sentem

sua falta.

A8 conta ainda que, em viagens de competição pelas cidades do interior, às

vezes, pessoas locais conversarem com ele. Como não aparenta ter deficiência, os

que não o conhecem pensam até que é o treinador. Muitas vezes, não acreditam

que ele tenha qualquer deficiência, que é algum tipo de brincadeira. Na própria

empresa em que trabalha hoje, já passou por esse tipo de avaliação, motivo pelo

qual conversou com seu chefe. Acredita que só quem convive bastante com ele é

que compreende suas limitações.

A mãe de A8 nasceu em Minas Gerais. É a quarta de sete irmãos. Mudou-se

para São Paulo sozinha, com 13 anos de idade. A mãe veio tempos depois, de

modo que passaram a ter uma casa, ao invés de dormir no serviço. Conta que eram

pobres, mas muito lutadores. Conseguiu comprar uma casa para sua mãe, onde

também foi morar. Casou-se com 26 anos. A8 é seu segundo filho. Foi um parto

difícil, e, recém-nascido, ele teve muita diarreia e só emagrecia. Aos três meses,

diagnosticou-se o mal de Simioto (alergia a leite de vaca), e, com o tratamento, ele

foi melhorando aos poucos. A mãe se dedicava inteiramente a ele, e, por ele ser

Page 86: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

86

uma criança doente, a família o mimava muito. Em reconhecimento, hoje ele a tira

do chão para dizer: “Você é uma grande mãe”.

Na escola, repetiu quatro vezes a 1ª série (atual 2o ano do ensino

fundamental). Tinha dificuldade para aprender, e os outros o chamavam de bobo. A

professora não entendia, pois ele ouvia uma vez uma música uma vez e logo a

repetia: “Uma psicóloga nos orientou a procurar a Apae. No início, foi assustador,

pois A8 não tinha a deficiência dos demais. Frequentou a Apae, era bom em

natação, em futebol e em skate, dançava lambada e dava show. Os amigos que ele

fez aos 11 anos de idade ainda são os mesmos. Todos frequentam a minha casa”.

Houve uma época em que moraram perto da Apae, e, quando iam viajar, todos

amigos dormiam lá. Na Apae, fez de tudo: fez teatro, era o padre ou era o noivo, nas

festas juninas. A Apae o abraçou com muito amor.

Engravidou uma menina na Apae e, quando o bebê nasceu, como a menina

não tinha condições de cuidar dele, a mãe de A8 o criou. Ele está para completar 13

anos.

Hoje, convive pouco com A8, pois ele sai cedo e chega à noite. Sempre passa

para deixar um pão e pergunta se ela precisa de alguma coisa. Então, sobe para

ficar com a mulher e o bebê. Como mãe, pensou na educação de todos e julga

importante que A8 seja um grande homem, que tenha muita educação. O acordava

e dizia: “Um grande homem trabalha”. Considera que ele venceu como filho: é um

filho maravilhoso, uma pessoa muito querida.

Considera também que o esporte foi uma coisa maravilhosa – foi a vida dele.

Medalhas, troféus, viagens, treinadores, viagens internacionais, amizades, tudo

começou na Apae. E foi na época da Apae que ele foi aprendendo a sair sozinho.

Quando fez 18 ou 19 anos, teve seu primeiro carro. O trabalho também é muito

importante para ele ter seu próprio dinheiro.

O treinador de A8 nasceu em São Paulo, morou e foi criado na Mooca.

Sempre gostou de esporte e escolheu a educação física como profissão. No início

da faculdade, fez estágio e foi para a área da natação. Em dado momento, não

sabia se queria continuar na educação física, pela incerteza de conseguir emprego,

de ter um futuro, de conseguir sustentar uma família. Decidiu então cursar

engenharia no Mackenzie. Quando estava no 2o ano foi convidado a trabalhar na

Apae e não saiu mais. Abandonou a engenharia e se formou pela Faculdade de

Educação Física, em São Caetano do Sul. Foi aprendendo no dia a dia a lidar com

Page 87: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

87

os alunos, muitos dos quais se tornaram seus atletas. Na sua trajetória como

treinador, contou com dicas e orientações de outros colegas profissionais.

Atualmente, está em contato com um professor que faz um trabalho no Corinthians,

com quem tem montado o treino. Precisa da colaboração de alguém com mais

conhecimento técnico e de treinamento para ir além do alto rendimento (que já

alcançou), pensando em altíssimo rendimento. A atual equipe da JR é campeã

brasileira. Participa da Associação Regional de Desporto de Deficientes Intelectuais

(Ardem) e da Abdem e integra a equipe de natação do Comitê Paralímpico

Brasileiro.

O esporte deu importantes contribuições a A8, que dava muito trabalho à

mãe. Teve um patrão que o incentivou muito e o liberava para as competições. Pelo

esporte, participou de competições nacionais e internacionais. Esteve em vários

campeonatos mundiais: em 1997, viajou para Malta; em 1998, para Bologna; em

1999, para a República Tcheca; e, em 2002, participou do Parapan, em Mar Del

Plata. Essas competições são regidas pela INAS (INAS-FID International Sports

Federation for Persons with Intellectual Disability), e os índices são bem fortes. Até

hoje, A8 mantém esses índices, apesar de estar em fase de manutenção e de já não

querer se dedicar tanto porque sabe que o nível subiu demais e que não tem tanta

chance de conquistar uma medalha. Já tentou incluir A8 numa equipe regular, mas

não deu certo, porque o ritmo de treinamento é outro, as informações que se

passam são outras, e é preciso adaptar uma coisa ou outra.

Teve boa educação, sabe tratar bem as pessoas, sua família é importante,

está sempre arrumado, já se casou, separou-se, casou-se novamente, tem dois

filhos e trabalha. O esporte o ajudou muito no aspecto social. Conta que sempre

prezou muito o grupo, sem deixar de considerar e valorizar cada um individualmente.

Tem atletas mais jovens despontando. O respeito entre eles é muito cobrado, não se

vê ninguém falando mal do outro. Se alguém comete um erro, discute-se se foi

intencional ou não. Todos têm liberdade para conversar.

4.2.9 Atleta A9

A9, sexo masculino, tem 25 anos, nasceu em São Paulo, mora com o irmão e

a mãe numa chácara em Vinhedo. Seu pai faleceu recentemente. Em casa, gosta de

limpar as folhas no terreno. Frequenta o Centro Educacional Integrado de Vinhedo

(Ceivi) e diz que gostaria de estudar e trabalhar.

Page 88: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

88

Foi escoteiro – de lobinho a sênior, no período de doze anos. Quando saiu,

ficou na natação, a qual treina toda segunda-feira.

Com a natação, ganha medalhas. Compete pela Special Olympics e já viajou

para o Rio de Janeiro. Ganhou um troféu por praticar esportes. Além de nadar,

também joga futebol.

Sua rotina semanal inclui atividades no Ceivi, entidade que faz preparação

para a cidadania e inclusão no mercado de trabalho. Ele ainda não está nesse

grupo. Tem aulas de violão e de cerâmica, pratica natação, futebol (no verão) e

hóquei sobre piso (no inverno). A fonoaudióloga também lhe propõe tarefas de

escrita. No momento, todas as suas atividades estão concentradas em Vinhedo,

mas houve tempo em que o levavam a Campinas, Jundiaí ou Valinhos.

A mãe de A9 nasceu em São Paulo e cresceu em meio a uma família grande.

Ajudava a mãe na costura para o sustento da família. Estudou inglês. Ingressou na

universidade e se formou em ciências contábeis. Casou-se com 27 anos. Dois anos

depois, teve um filho e, no primeiro ano, percebeu uma diferença no

desenvolvimento – ele ganhava pouco peso e não era tão ágil. Um ano depois,

começou a ter convulsões. Aos 5 anos, melhorou e passou a frequentar uma

escolinha para conviver com outras crianças. Dada as diversas atividades

necessárias ao desenvolvimento de A9, ela parou de trabalhar para se dedicar a ele.

Desde pequeno, A9 faz fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional. Também

fez hidroterapia com uma renomada profissional de Campinas, a qual também

cantava durante as sessões, o que estimulou o desenvolvimento da comunicação do

menino.

Conta que A9 foi escoteiro por muitos anos, e conseguiu junto à União dos

Escoteiros do Brasil que se fizessem adaptações respeitando suas limitações. Com

isso, ele foi condecorado com a Lis de Ouro, motivo pelo qual foi homenageado

pelas câmaras de Vinhedo e de São Paulo. No Ceivi, conseguiu que se modificasse

o estatuto para atender, além de pessoas carentes, pessoas com deficiência. Ajudou

a criar o Conselho da Pessoa com Deficiência em Vinhedo e o presidiu por vários

anos. Atualmente, faz parte do Conselho da Criança. Assim, acompanha a

legislação e luta pelos direitos das pessoas com deficiência.

A treinadora de A9 (também treinadora de A5 – ver perfil em A5) está com ele

desde 2011, quando ele veio de outro trabalho. Considera que A9 sabe expressar

Page 89: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

89

seus sentimentos: de tristeza, quando o pai faleceu; de indignação, quando não

recebeu a justa remuneração por um serviço prestado.

Comenta que ele valoriza muito sua independência, quer dar passos largos.

Tem plena convicção de que quer trabalhar (seu grande sonho), já tem certa idade,

deseja ter sua própria casa, ser motorista de ônibus e soldado. No entanto, tem um

limite no desenvolvimento que lhe dificulta esses objetivos. Procura situá-lo para que

perceba melhor a realidade: por exemplo, quando nada o crawl, a parir do dia

seguinte, procurará aprimorá-lo. Diz-lhe que, se ele participa de determinada

competição, é porque conseguiu um tempo bom e que, para a seguinte, precisa de

um tempo melhor, o que demanda dedicação.

Pensa que às vezes A9 coloca metas muito altas e se cobra muito.

Entretanto, pondera se são realmente altas ou se lhe falta uma oportunidade para

realizá-las. Como profissional, revela que às vezes subestima o aluno: pensa “isso

não vai dar certo com esse aluno” e, de repente, o aluno se sai bem. Por isso, acha

que deve rever suas expectativas.

4.2.10 Atleta A10

A10, sexo masculino, tem 22 anos de idade, nasceu em Mogi das Cruzes.

Mora com os pais e tem um irmão. Juntos, gostam de jogar bola, basquete,

videogame. Quando está em casa, gosta de ver televisão. Arruma a cama e lava

louça. Estuda na Apae, onde faz lição no caderno e participa da banda. Toca tambor

e chocalho. Ensaiam todos os dias e fazem desfile na Apae.

Ser atleta significa que tem que nadar muito e comer menos. Gosta de treinar.

Pratica natação na Apae e no Clube Náutico Mogiano. Compete em eventos

organizados pela Abdem. Já viajou para Campinas e Maringá. Gosta de estar com

os amigos.

Tem o desejo de andar num caminhão de bombeiros: “É quando o campeão

fica em cima do caminhão de bombeiros”. Ainda não teve essa experiência, mas

afirma que, quando for campeão, “aí, vou andar em cima do carro de bombeiro”.

A mãe de A10 nasceu em Guaraciaba, Minas Gerais. Aos 12 anos, foi morar

em São Paulo. Começou a trabalhar muito cedo, sem ter tido oportunidade de

estudar. Aos 29 anos de idade, teve A10, com síndrome de Down, e passou a cuidar

dele e a viver com e para ele. A10 foi atendido na Apae pela primeira vez quando

tinha 15 dias, e está lá até hoje. Todos os dias, a mãe o leva à Apae de manhã e fica

Page 90: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

90

por lá. À tarde, o leva à natação, à academia ou à terapia. Ela decidiu também

participar de alguma das atividades e começou a fazer a natação. Seu marido e seu

segundo filho também começaram a nadar. Por isso, dizem que A10 mobiliza toda a

família.

Ele se dedica demais ao esporte, que lhe faz muito bem. É sempre uma

alegria imensa quando ele volta das competições. Para poder competir, foi

necessário tirar uma carteira de identidade, mas A10 não é alfabetizado. Quando ele

colocou sua digital, a mãe se sentiu culpada e lhe disse: “Eu vou ensinar você a

escrever seu nome”. Tentou, mas não conseguiu. Ele até sabia copiar, mas chegou

um ponto em que não queria mais; não adiantava. Assim, ela teve que reconhecer

que devia respeitar os limites do filho.

Diz que A10 tem muita força de vontade e se oferece para ajudar. É muito

organizado e asseado e mantém sua cama sempre arrumada. Atualmente, A10 não

anda sozinho – a mãe sempre o acompanha. Às vezes, ela simula não respeitar o

sinal para pedestres, e ele diz: “Mãe, não pode ainda. Tem que esperar o vermelho”

ou “tem que ser na faixa”. Acredita que, dessa forma, reforça sua educação. Um dia,

chegando em casa, surpreendeu-se: estavam sem a chave, e ele se prontificou a

entrar pela janela, motivo pelo qual ela o considera bem esperto.

De vez em quando, lhe perguntam se tem namorada e se se casará. Comenta

que o incentiva e que, se ele quiser formar uma família, o apoiará.

Em competições, sempre procura ir junto. Na primeira vez em que não foi,

ficou muito apreensiva e na expectativa. Como o filho tem o hábito de rezar em voz

alta antes de dormir, orientou-o a fazer a oração em voz baixa, só para si. Na volta,

a treinadora lhe disse que ele assim fez e a elogiou pelo bom comportamento de

A10 na viagem.

A treinadora de A10 nasceu em Rinópolis, interior de São Paulo. Cresceu e foi

criada na zona rural, onde seu pai era agricultor em plantações de café. Para ela e

seus nove irmãos, nunca faltou estudo. Praticou atletismo por muitos anos,

inicialmente em Santos, depois numa equipe em Mogi das Cruzes. Sonhava

trabalhar com educação física e trabalhar com crianças, ter uma equipe de formação

de atletismo. Prestou vestibular para educação física no Clube Náutico Mogiano, em

1990; foi monitora na própria faculdade e está lá até hoje. No tempo de faculdade,

não se interessava muito em trabalhar com pessoas com deficiência, mas tinha

contato com elas em estágios. Certo dia, a mãe de um autista lhe perguntou se ela

Page 91: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

91

não poderia dar aula de natação. Na época, nos anos 1990, havia muita

discriminação e poucas ofertas de atendimento. Embora ainda não estivesse certa

de querer trabalhar com esse público, iniciou o atendimento. O diretor do clube

resistiu à ideia, mas ela argumentou que qualquer pessoa tinha o direito de participar

e que, se ele a demitisse, ela entraria com processo e ganharia. E assim começou

sua carreira ensinando e treinando pessoas com deficiência. Passados muitos anos,

constata ter facilidade de trabalhar com eles, mas complementa: “Não sei de onde

vem”. Seu contrato atual é de quarenta horas, atuando tanto no clube como na

faculdade. Além da natação, também tem uma equipe de atletismo com pessoas

com deficiência. Todo trabalho é feito de forma inclusiva, reunindo pessoas com e

sem deficiência nos mesmos horários.

Qualidade de vida, bem-estar físico, mental e social são importantes aspectos

que o esporte favorece. Ser persistente, “correr atrás”, entender que determinadas

coisa devem ser feitas – tudo isso, ela associa à autonomia. Considera que, de

modo geral, as famílias tendem a proteger um filho com deficiência, o que muitas

vezes é necessário, para defendê-los. Como treinadora, procura mostrar às famílias

a importância da autonomia desses filhos. As viagens são em ótimas oportunidades

para ensinar os atletas a fazerem diferentes coisas por si sós. É muito gratificante

saber que, como treinadora, contribuiu para as mudanças. No seu planejamento,

inclui “valores morais, valores intelectuais, valores de preservação do meio

ambiente, valores da família e saber conviver em sociedade. Todos os dias, aborda

algum desses temas.

A10 tem uma boa estrutura familiar. Pratica natação quatro vezes por semana

e recentemente associou-se à Abdem. As competições têm um nível muito forte para

quem está começando um trabalho de base. Seria interessante se houvesse divisão

em categorias e mais festivais. No clube, consegue fazer festivais internos. Quando

surge uma oportunidade de participar de outros eventos – como o evento promovido

pela Universidade São Judas Tadeu –, isso mobiliza os atletas, pois eles se sentem

iguais aos outros.

Page 92: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

92

4.3 A pessoa em desenvolvimento: atributos pessoais e processos proximais no

microssistema

Dez atletas, suas respectivas mães e treinadores foram entrevistados para

explorar o que preconiza a essência da teoria bioecológica do desenvolvimento

humano: a interação dinâmica entre o indivíduo e o ambiente ao longo do tempo

promove mudanças ou continuidades em sua dimensão psicológica. A percepção da

autonomia – uma necessidade psicológica – é o foco temático desta tese, e, com

base nos elementos processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT), a análise dos

depoimentos procurou dimensionar as ações que favorecem essa percepção.

Bronfenbrenner (2001) salienta que, na perspectiva da teoria bioecológica do

desenvolvimento humano, a pessoa em desenvolvimento tanto é um dos elementos

do modelo PPCT como também é fruto do desenvolvimento humano resultante da

interação entre os quatro elementos. No primeiro caso, analisam-se as

características pessoais e sua influência na forma, da força, no conteúdo e na

direção dos processos proximais; no segundo, observam-se os efeitos da influência

recíproca entre os quatro elementos do modelo, configurando a pessoa num dado

momento de sua vida.

Parece mais oportuno apontar inicialmente as ocorrências nas relações

diádicas (cujos processos proximais têm nas características pessoais da pessoa em

desenvolvimento a marca de sua influência). É importante salientar que, segundo

Bronfenbrenner (1992), poder-se-ia incorrer na falsa pressuposição de que as

características pessoais são primariamente responsáveis pelo próprio

desenvolvimento e que o ambiente seria secundário. Mas Bronfenbrenner é

categórico: um não mudaria sem o outro. O autor esclarece que a capacidade de

uma pessoa modificar o ambiente só se concretizará se lhe for permitido engajar-se

em ações autodirecionadas como uma função conjunta de sua dotação biológica e

do ambiente. Segundo Krebs (2003, p. 91), na ótica bioecológica do

desenvolvimento humano, há a possibilidade de “explicar a indissociabilidade entre a

pessoa em desenvolvimento e os contextos em que se insere”, se se analisam os

atributos e sua relação com eventos do contexto. O foco nos processos proximais

permite observar a forma, a força, o conteúdo e a direção neles contidos.

Tomar a deficiência intelectual como base para compreender uma pessoa tem

se mostrado incongruente. Embora a definição caracterize a deficiência intelectual

Page 93: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

93

como uma limitação do funcionamento intelectual e do comportamento adaptativo –

expresso em habilidades conceituais, sociais e práticas originadas antes dos 18

anos de idade –, são tantos os elementos a considerar que o mais indicado é

procurar compreendê-la por uma visão multidimensional (AAIDD, 2010).

De fato, a definição de deficiência intelectual pode ser um ponto de partida,

mas é preciso ponderar que o modo de operar de cada pessoa é muito particular. Da

mesma forma, o diagnóstico tem importância relativa, tanto é que, enquanto

algumas mães especificam e discorrem com detalhes sobre as causas e

características que percebem em seus filhos, outras o fazem de forma constrita;

falam, por exemplo, numa “pequena dificuldade”. Assim, fica claro que o valor do

diagnóstico não é absoluto, mas apenas relativo.

Nessa perspectiva, é fundamental salientar as qualidades e valorizar a

pessoa pelo que ela é em dado momento, sem avaliá-la a partir dos déficits

(SACKS, 1984), como o fizeram as mães e os treinadores que participaram deste

estudo, frisando as qualidades de seus filhos ou atletas: ser prestativo, responsável,

independente, inteligente, obediente ou carinhoso ou ter força de vontade ou boa

autonomia emocional. De acordo com Copetti e Krebs (2004), as competências

percebidas são determinantes para reconhecer o status da pessoa no ambiente.

Na voz dos atletas, observam-se alusões a eventuais dificuldades, mas eles

também conseguem explicar como fazem adaptações para desenvolver

competências que, em si, envolvem processos cognitivos ou habilidades pessoais.

Percebem-se como seres humanos em contínuo desenvolvimento, com potencial de

desenvolvimento de competências que se moldam de acordo com seu ambiente e

contexto.

Entre os pressupostos básicos da dimensão bioecológica do desenvolvimento

humano, está conhecer os atributos psicológicos da pessoa (disposições, recursos e

demandas), lembrando que estes podem ser descritos como estando tanto no polo

positivo como no negativo e que os três não necessariamente se alinham num polo

(Quadro 7). A pessoa em desenvolvimento pode apresentar uma disposição positiva

(desenvolvimentalmente geradora), mas não ter recursos (capacidades

bioecológicas) para lidar com os desafios do ambiente, assim como pode ter

recursos positivos (habilidades, competências, conhecimento, experiências), mas

apresentar uma disposição negativa (desenvolvimentalmente disruptiva)

desfavorecendo (ampla ou relativamente) seu desenvolvimento pessoal.

Page 94: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

94

Quadro 7 – Atributos pessoais de atletas e respectivas alocações no polo negativo

e/ou polo positivo de acordo com o depoimento

Depoimento Polo

negativo Atributos pessoais

Polo positivo

Atleta afirma: “Pode deixar que eu faço”.

disposições X

recursos X

demandas

Atleta quer trabalhar mas seus recursos não

atendem às exigências socialmente

estabelecidas.

disposições X

X recursos

X demandas

Atleta que não atinge os resultados e se

desmotiva a continuar;

X disposições

recursos X

demandas X

Percebem-se disposições e recursos (no polo positivo) para a conquista da

autonomia quando a pessoa em desenvolvimento toma uma iniciativa. A

determinação de enfrentar restrições até então impostas na relação filho-mãe reflete

a vontade de fazer valer sua opinião e escolha. Quando confrontadas, opiniões

diferentes têm força (poder) para imprimir mudanças. Nesse caso, entende-se que o

filho tem recursos para o enfrentamento e está ciente de ter a necessária

competência, mas não teria sido acatado em seu desejo de ir e vir sozinho, se não

se reconhecesse essa competência. Segundo essa forma de operar, romper a

dependência em relação à outra pessoa, isto é, proceder à separação filho-mãe

pode ser uma transição importante, e, logrando êxito, enseja uma repercussão

positiva no desenvolvimento de ambas as pessoas que Bronfenbrenner (2001)

denomina influência reversa.

Disposições desenvolvimentalmente geradoras são aquelas em que o atleta

afirma “pode deixar que eu faço”, tomando uma iniciativa para a autonomia, o que

Page 95: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

95

pode levar a pessoa com que ele se relaciona a redimensionar seu pensamento e

sua observação e mudar uma conduta futura. Atletas, mães e treinadores relataram

ter percebido mudanças no comportamento em função de oportunidades surgidas

em casa, nos treinamento ou em viagens de competição, ou seja, os atletas tiveram

disposição cumprir tarefas e manifestaram satisfação por completá-las. Seria

interessante que essa satisfação fosse continuamente provida, tanto no ambiente

lar/família como em outros. No entanto, a mudança de um status quo no ambiente

depende de ambas as partes, de modo que o filho (ou atleta) mais assertivo fará

respeitar seu desejo. Em outros casos, ainda que se reconheça a importância da

mudança de comportamento, há um viés para manter o status quo, às vezes

baseado na (super)proteção, no ato de mimar (carinho excessivo que leva uma

pessoa a satisfazer os desejos ou os caprichos de outra), na simples razão de fazer

pelo outro ou de não atentar para um comportamento que pode ser desenvolvido.

Nesse caso, a pessoa que “protege” pode nem perceber que priva o outro do prazer

ou da autoestima resultante do cumprimento autônomo de uma tarefa, quando se

valoriza o que a pessoa pode fazer sozinho, sentindo que conseguiu e sabe fazer.

Se isso não for reiterado, a mudança de comportamento pode não perdurar.

O interesse em namorar, estar namorando e/ou querer se casar mostra uma

importante face da transição da adolescência para a vida adulta. Alguns atletas

comentam que têm amigos com namorados, outros contam que namoram e dão

alguns detalhes. Isso reflete disposições (desenvolvimentalmente geradoras) e

eventualmente recursos e demandas que lhes permitem uma relativa autonomia. E

vale o mesmo para manuseio de dinheiro, a frequência a cursos ou a centros de

apoio à pessoa com deficiência, ao entretenimento com games ou filmes ou outras

atividades no tempo livre.

Disposições (desenvolvimentalmente geradoras) nem sempre levam à

satisfação de um desejo, se faltam recursos à pessoa ou se o ambiente não for

favorável. Exemplo disso é observar no discurso que autonomia significa trabalhar,

mas tanto limitações pessoais como fatores contextuais, inclusive uma demanda

(nesse caso, negativa) de exigências socialmente estabelecidas restringem o

engajamento do atleta nessa atividade. A pessoa reconhece que tem certas

limitações e se mostra indignada com a barreira a sua participação no mercado de

trabalho. Seriam necessários ajustes (mudanças) de ambas as partes, uma vez

Page 96: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

96

reconhecido que o desenvolvimento interdepende da modulação entre pessoa e

contexto.

Analogamente, a inserção num contexto regular de um atleta com deficiência

intelectual, mesmo com uma condição física e técnica similar à de outros atletas,

pode ser desfavorável, sobretudo na adaptação do contexto a suas características

pessoais (VAN DE VLIET et al., 2006). Pode-se argumentar que, ainda que seus

atributos pessoais se tivessem considerado suficientes para enfrentar uma nova

realidade, a inter-relação atleta-treinador no novo contexto tenha exacerbado o lado

negativo desses atributos, quanto a disposições, recursos ou demandas,

evidenciando a necessidade de adaptação do contexto às características da pessoa.

Na relação interpessoal filho-mãe, às vezes a mãe reconhece que seu filho

tem força de vontade (disposição) para fazer certas coisas autonomamente, mas ele

afirma que não consegue. Pode ser que lhe faltem recursos (percepção de

competências) de enfrentamento quando depara um desafio. A força de vontade

demonstrada pelo filho leva a mãe a adotar uma orientação persuasiva,

incentivando-o a cumprir tarefas para melhorar sua autoconfiança e, assim,

apoiando seu desenvolvimento.

Apesar de providos de recursos, às vezes os atletas apresentam uma

disposição disruptiva. É o caso dos que alcançaram ótimos resultados, são

extremamente habilidosos na modalidade que praticam, mas já não têm a mesma

motivação para treinar com afinco. Deixam de ser destaque no pódio e desanimam

por não conquistar mais as almejadas medalhas. Frustrando-se uma expectativa

dessas, pode haver uma disposição desenvolvimentalmente disruptiva (que pode

levar à desistência) e uma demanda negativa que leva o atleta a se afastar do grupo

ou a não ser escolhido para compor a equipe em eventos competitivos. Por outro

lado, o ateleta por ser pessoa importante e querida na equipe, encontra uma

demanda positiva na atenção e no afeto dos que insistem que ele permaneça na

equipe. Essa ambiguidade reflete um momento de transição na carreira desse atleta.

O que dá sentido à manifestação dos comportamentos psicológicos é a

compreensão de fatores presentes no microssistema (papéis, atividades e relações

interpessoais). A relação parental envolve os papéis de filho e mãe. É no ambiente

familiar que se constata que as ações em direção à autonomia – seja ela mais, ou

menos concedida/manifestada – são balizadas pelas diferentes situações que a

requerem. Confirma-se o que preconiza a teoria bioecológica do desenvolvimento

Page 97: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

97

humano: “o desenvolvimento jamais ocorre no vácuo; ele está sempre inserido e

expresso num comportamento em um determinado contexto ambiental”

(BRONFENBRENNER, 1979, p. 22). Neste estudo, a constituição da família dos

atletas é diversificada. Algumas têm apenas mãe e filha ou mãe e filho, outras têm

também irmãos ou irmãs, e outras ainda, diversos parentes (tios ou avós). Num

único caso, um atleta constituiu sua própria família, estando casado pela segunda

vez e tendo um filho do primeiro casamento – que está sob os cuidados da avó – e

outro do segundo. As mães reportaram que sua filha ou seu filho ficam

eventualmente com parentes. Numa de suas hipóteses, Bronfenbrenner (2001, p. 7)

afirma que a influência do monitoramento da família que estabelece limites às

atividades fora de casa é maior quando há duas famílias, constituídas de parentes,

do que quando há apenas a mãe. De fato, seja pelas crenças, seja pela orientação

das mães, observa-se nos depoimentos que o monitoramento deve ser constante,

por motivos diversos.

Uma das grandes preocupações de Bronfenbrenner (1992) é compreender

como os diferentes ambientes familiares interferem no desenvolvimento. Embora

não tenham sido consideradas as diferenças sociais, observou-se que as mães de

pessoas com deficiência intelectual acompanham seus filhos diretamente por muitos

anos. Várias delas abriram mão de atividades profissionais ou as alocaram dentro de

casa para se dedicar em tempo integral aos filhos. Compreender as necessidades

psicológicas dos filhos demanda competência e busca de conhecimento para

estabelecer metas integradas aos princípios educacionais adotados. Em caso

contrário, Bronfenbrenner (1992) afirma que se pode incorrer n um ambiente com

desenvolvimento disfuncional, desfavorável ao desenvolvimento. O apoio dos pais

no provimento de uma interação progressivamente mais complexa fortalece os

processos proximais. Segundo Holt et al. (2009), o estilo parental pode refletir o

temor de deixar o filho decidir sozinho ou o encorajamento, o esforço de fazê-lo

compreender os valores ou o diálogo, oferecendo-lhe opções.

Embora o tempo de convivência seja sensivelmente menor que o da relação

parental, a relação atleta-treinador também enseja confiança mútua e leva à

progressão, quando se estimula a autonomia e a resposta é autônoma também.

Mesmo monitorados, os atletas têm oportunidade de experimentar sua autonomia. A

participação numa prova competitiva exige um comportamento autônomo, o que

pode gerar apreensão e ansiedade, condições psicológicas que devem ser

Page 98: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

98

amparadas para se preservar a disposição de buscar um bom resultado. É

interessante notar que, em algumas situações, a restrição é absoluta, em outras,

apenas relativa, e, noutras, há plena liberdade de ação. Bronfenbrenner (2001)

afirma que uma pessoa se desenvolverá tanto mais quanto mais for agente de seu

próprio desenvolvimento.

Observadas as inter-relações, particularmente no seio da família, negocia-se

a autonomia sobretudo na transição da adolescência para a idade adulta. Mill,

Mayes e McConnell (2009) investigaram o interesse de jovens adultos com

deficiência intelectual de se tornar mais independentes de sua família. Seja motivo

de conflito ou de satisfação com o nível de independência ou ainda tentativa de ser

mais independente, a negociação é sempre fundamental. Atitudes desafiadoras,

passivas ou pró-ativos da pessoa em desenvolvimento influem nos processos

proximais para a efetivação da negociação. O perfil desafiador é caracterizado pelo

protesto contra a autoridade dos pais como forma de mostrar que a pessoa

consegue tomar uma decisão. Já um perfil passivo é aquele que aparentemente não

vê necessidade de negociar a autonomia, estando satisfeito com a que tem nas

atividades que desempenha, em geral em ambientes protegidos e supervisionados.

Um perfil pró-ativo denota a busca de mais autonomia com o apoio da família, que

lhe dá liberdade para aprender a partir dos próprios erros. Negociar requer

ponderações, concessões e risco de ambas as partes, mas é um processo que

viabiliza a conquista de autonomia.

A orientação persuasiva é considerada um nível de negociação baseado no

entendimento interpessoal, segundo a escala de desenvolvimento da perspectiva

social adotada em estudo de Sônego e Zamberian (2007). A escala expressa níveis

de negociação e experiências compartilhadas observadas em diferentes faixas

etárias. A persuasão é uma estratégia cooperativa, pois envolve reflexão conjunta e

percepção de competência no outro, o que corresponde ao nível reflexivo recíproco.

Se se entendem os níveis dessa escala como de complexidade progressiva, ela

pode ajudar muito na orientação do desenvolvimento humano. Em particular, pode

refletir a maturidade do desenvolvimento. Se um atleta com síndrome de Down tem

22 anos de idade, pode-se pensar em parâmetros padronizados pautados na idade

cronológica, nem sempre adequados a pessoas de comprovado déficit cognitivo.

Nesse caso, uma escala pode orientar a progressão de ações que podem ser

adotadas no decorrer da vida da pessoa.

Page 99: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

99

A reciprocidade supõe que, “se um membro de uma díade sofre uma

mudança desenvolvimental, é provável que o outro também mude”

(BRONFENBRENNER, 1979, p. 53). Assim sendo, os depoimentos revelam a

importância da conversa e da reflexão, tanto mais influentes na escolha volitiva do

atleta quanto mais pautadas na reciprocidade, no equilíbrio de poder e no afeto, os

três aspectos fundamentais numa díade. As relações de poder podem ser

identificadas quando se manifesta a necessidade de controlar a situação, autorizar

ou não certo desejo. As relações afetivas se mostram presente na medida em que

se manifestam apoio, acolhimento e respeito. Bronfenbrenner compara a

reciprocidade numa relação a um jogo de pingue-pongue: o feedback mútuo motiva

ambas as partes a progredirem para padrões de interação mais complexos. Na

díade filha-mãe ou filho-mãe, esse movimento é mais presente, muito provavelmente

porque o envolvimento é diário e mais constante, e o resultado, mais duradouro do

que no ambiente esporte, onde atletas e treinadores se encontram uma, duas ou

três vezes por semana, com sessões de que duram de 50 minutos a duas horas,

conforme a infraestrutura institucional e as metas pretendidas.

Embora a teoria bioecológica do desenvolvimento humano enfatize a

bidirecionalidade de efeito dos processos proximais, poucos estudos pesquisam

esse aspecto. Aqui, se verifica que os atletas pouco percebem as oportunidades de

autonomia providas pelo treinador, embora o relato dos treinadores mostre que há

uma influência recíproca, quando podem aumentar a responsabilidade e a confiança

a partir do comportamento dos atletas.

Finalmente, o sentimento de eficácia da mãe ou do treinador ao observar

mudanças devidas a sua condutas também é um importante alicerce para o

respectivo ambiente. Reação a mudanças de comportamento suscitam sentimentos

gratificantes de alegria e orgulho. Em alguns casos, levam treinadores a propor

novas tarefas, a “fazer uma coisa a mais”, o que significa manter e ”propiciar maior

autonomia”.

Analisados os dez casos, constatam-se especificidades que demandam um

olhar individualizado e contextualizado de cada um. Identificam-se nos depoimentos

exemplos em que a interdependência nas relações pessoais não considera as reais

capacidades e habilidades mostradas pelo atleta. Em outros casos, os atributos são

observados e respeitados, mas nem sempre com vistas a novas etapas do

desenvolvimento. A percepção de autonomia supõe recursos (competências e

Page 100: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

100

habilidades) e é importante nos processos proximais. A partir destas ponderações, o

Quadro 8 dá uma síntese de como se podem caracterizar forma, força, conteúdo e

direção dos processos proximais na percepção dos atletas, mães e treinadores

relativa ao exercício da autonomia.

Quadro 8 – Caracterização dos processos proximais na percepção dos atletas, mães

e treinadores

Processos proximais

Atletas Mães Treinadores

forma querer fazer aprender a fazer saber fazer

força iniciativa propulsora valorização

conteúdo disposição

intenção

proteção

engajamento conscientização

direção desafio

escolha reconhecimento

oportunidade

responsabilidade

4.4 O mesossistema: explorando a interconectividade entre ambientes

A interconectividade entre dois ou mais ambientes constitui o mesossistema,

constituído pela presença de pessoas que migram de diferentes microssistemas.

Pelas características específicas de cada microssistema, o mesossistema permite

analisar os aspectos congruentes que deflagram comportamentos devidos a essa

influência recíproca. A interconectividade é marcada por comportamentos de um

ambiente que se refletem em outro, ou seja, é como considerar um trânsito da

pessoa entre diferentes ambientes, dos quais recebe e nos quais exerce influências

continuadamente. É também marcada pelas relações interpessoais entre pessoas

pertencentes a cada microssistema, que neste estudo contemplam mãe e treinador.

De acordo com Allen e Shaw (2009), é importante ouvir as mães e os

treinadores pois aquele que dá oportunidades de autonomia e desenvolvimento de

Page 101: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

101

competências o faz de acordo com compreensão e significado pessoais, que se

refletem e suas ações.

Nos discursos de mães e filhos, ações como ir e vir sozinho refletem uma

autonomia conquistada no ambiente lar/família que resulta no deslocamento para a

escola, para o trabalho ou para o local do treino. Quando se interpôs a necessidade

de uma atleta viajar desacompanhada em transporte rodoviário para outra cidade,

deflagrou-se a necessidade de uma comunicação entre mãe e treinadora. A

expectativa da mãe frente à nova situação demandou uma postura convincente da

treinadora para tranquilizá-la, afirmando que daria certo e que a esperaria na

chegada. Preocupação, expectativa e estresse permearam esse evento. O impacto

dessa nova atividade levou a atleta a esquecer as séries na competição de ginástica

artística, o que a treinadora considerou ocorrência fortuita, pelo fato de nunca ter

viajado sozinha, e a consequência desse episódio foi ela não ter conquistado uma

medalha. Antes de voltar para casa, comunicou à família: “Não precisam esperar

medalha, porque eu esqueci todas as séries”; ao que a mãe respondeu: “Tudo bem.

O importante é você ter conseguido ir sozinha, ter chegado direitinho. Ficarei

contente do mesmo jeito”.

O namoro, que apareceu em vários casos deste estudo, é outro aspecto que

tem influência em ambos os ambientes. Em casa, uma repercussão de apoio, de

orientação, de restrições e também de motivo de prioridade, pois passa a ser o

principal canalizador de atenção, que uma das mães verbaliza desta forma: “Se

deixar, só pensa em namorar”. No ambiente esporte, se reflete na motivação, que

oscila entre namorar e faltar ao treino ou deixar de namorar e atender ao

compromisso. Faltar significa menos aprimoramento, comprometendo os resultados,

com risco de perder a bolsa-atleta.

O convívio – em alguns casos, de muitos anos – leva a que se compartilhem

histórias pessoais como a separação dos pais, o casamento do irmão, o primeiro

namorado, a dificuldade no serviço. Nota-se que o vínculo da família com o treinador

revela uma relação de confiança mútua. Em um dos casos, o treinador conta que é

padrinho do filho de um de seus atletas.

Conversas informais ou reuniões entre treinadores e mães, relatadas nas

entrevistas, refletem importantes eventos de interconectividade. Diferentes aspectos

dessa inter-relação são motivo para encontros. A evolução da condição motora e a

progressão do desempenho são importantes informações prestadas à família por

Page 102: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

102

treinadores, e se constata sua repercussão pelo reconhecimento do trabalho

profissional desenvolvido, dando credibilidade ao programa, fidelização, e

agregando valor ao esporte.

Viagens para participar de competição demandam um preparo especial, em

que se enfatiza a importância de os pais orientarem seus filhos em ações pessoais

como tomar banho sozinho, arrumar a mala, arrumar a cama, servir-se de comida,

fazer a barba. Acredita-se serem atividades de riquíssima aprendizagem, entre uma

gama de possibilidades existentes no ambiente do esporte. Uma das mães afirma

que não cumpre aos profissionais tomar conta dos atletas, o que revela a percepção

de uma especificidade que possivelmente difere do que acontece no ambiente

lar/família. Na volta das viagens, invariavelmente mães e treinadores reportam

mudanças de comportamento, as quais são ocasionalmente compartilhadas em

comentários individuais (incluindo elogios ao comportamento do filho) ou em

reuniões com o grupo de mães ou pais.

Com base nisso, observa-se que, embora os depoimentos sugiram uma

interconectividade, raramente ela é considerada para gerar uma intervenção similar

em ambientes diferentes. Ainda que (ou até porque) haja características diferentes

em cada ambiente, ações relevantes não são conhecidas por ambas as partes

envolvidas; se fossem, permitiriam uma convergência de ações e interesses,

favorecendo a continuidade ou novas mudanças. Assim, a não percepção de

mudanças pode resultar em regressão, ou mudança retrógrada, prejudicando o

desenvolvimento. Vale afirmar que a opção de mudar o comportamento também tem

cunho pessoal. Havendo apoio no ambiente, favorece-se a manutenção ou a

mudança, exemplo de que a interação pessoa-contexto é determinante para o

desenvolvimento.

4.5. O exossistema: repercussão dos vínculos apoiadores

Acrescentando o exossistema aos sistemas já delineados, procuram-se

eventos que indiquem “vínculos apoiadores entre o ambiente familiar e o meio

ambiente externo” (BRONFENBRENNER, 1979, p. 184). De acordo com o autor, a

primeira tarefa é identificar eventos do ambiente externo que se conectam com os

que ocorrem no microssistema, ou o inverso, em que “os processos que ocorrem

Page 103: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

103

dentro do microssistema têm reverberações em locais distantes”

(BRONFENBRENNER, 1979, p. 182).

Não se podem estabelecer vínculos se não se considerar a pessoa em

desenvolvimento em pelo menos um dos sistemas. Em alguns dos ambientes do

exossistema, a pessoa em desenvolvimento nem sequer ingressa, e essa condição

distingue o exo do mesossistema. As ações institucionais focadas em autonomia e

seus desdobramentos nas ações dos treinadores, o encontro das mães e a inserção

em órgãos de apoio à pessoa com deficiência – de mães e treinadores – são

exemplos do exossistema.

As ações institucionais são outra faceta do exossistema. As informações

concedidas pelas instituições mostram como se estrutura e funciona cada parte.

Apresentam-se a seguir as ações preconizadas pelas instituições e as respostas dos

respectivos coordenadores.

As informações da instituição a que se vinculam os atletas A1, A2, A4 e A8

dizem de seu empenho em que estes se responsabilizem por seu material em

campeonatos, que viajem para competições e vivam sua rotina sem a supervisão da

família, que sejam capazes de comandar um aquecimento nos treinos e cumpram

tarefas com independência. Ouvir suas sugestões e discutir ideias com eles são

ações estimuladas visando autonomia. Como visto nos relatos, esses treinadores

mencionaram situações que corroboram o interesse da instituição, em particular,

liderar o aquecimento, valorizar o respeito com o outro e favorecer o diálogo, além

de exemplos em competições, quando os atletas precisam ter responsabilidade e

enfrentar situações sem a presença da família ou a supervisão do treinador. As

ações intencionais e o tempo de engajamento dos atletas nos treinamentos dessa

instituição são referidos como fatores relevantes para a conquista de confiança e a

superação. Para cadastramento no movimento paralímpico, faz-se uma avaliação

psicológica de cada atleta.

O foco da instituição que A3 frequenta é a qualidade de vida. Ao ingressar, os

atletas respondem ao questionário de qualidade de vida em pessoas com deficiência

intelectual (SCHALOCK; GARDNER; BRADLEY, 2010). No âmbito psicológico, as

prioridades são a autorrealização e o autoconhecimento. A instituição oferece

programas voltados para a independência (atividades de vida diária), a capacidade

criativa (oficina de artesanato), a discussão de assuntos de interesse e de seus

anseios e angústias (dinâmicas de grupo), a aprendizagem visando criatividade e

Page 104: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

104

capacidade de pensar autonomamente (informática) e o trabalho e a adequação

social (atividades sociais diversas). Para alunos adultos (faixa etária da atleta),

segundo a coordenadora da instituição o programa de atividades físicas tem a

“preocupação de proporcionar atividades que favoreçam a manutenção dos

componentes físicos e motores adquiridos, assim como atividades que proporcionem

bem-estar e satisfação, colocando o aluno num ambiente livre de tensões e rico em

oportunidades”. O treinador de A3 destaca a importância da responsabilidade e do

autocontrole, sobretudo em competições. Salienta ainda que as oportunidades de

convívio social e de independência da atleta se devem ao esporte.

A5 e A9 usufruem de um serviço público oferecido por um departamento de

esportes especiais, cuja coordenadora (também treinadora dos atletas) destaca a

importância de levá-los a eventos (festivais, competições, palestras). Para a

participação no programa e nas competições, a diretoria exige o termo de

responsabilidade e de consentimento do uso da imagem, pois procura documentar

todos os eventos e divulgar a participação na mídia.

A instituição a que pertencem A6 e A7 entende que há diversas ações

focadas em autonomia, desde estimular os atletas a amarrarem seus tênis até ir ao

programa sozinho, em transporte coletivo, sempre respeitando a possibilidade de

cada um. Para pertencer ao programa, o participante deve ter atestado médico para

a prática de atividades físicas, laudo médico com CID, histórico da deficiência e

cadastro com dados pessoais e fazer uma entrevista. Aos que permitem o uso de

sua imagem para fins de estudo e divulgação, pede-se que assinem um termo de

concordância, e, antes de iniciar o programa, passam por uma avaliação física;

finalmente, em aula, se observa seu comportamento. Nas aulas, estimulam-se a

escolha de exercícios e a sugestão de atividades. A participação em eventos

competitivos possibilita a convivência com os treinadores e colegas, momento em

que podem fazer coisas sozinhos, sem a presença constante dos pais.

Por fim, o programa da instituição a que pertence A10 é coordenado por sua

própria treinadora. Segundo seu depoimento, o planejamento contempla os valores

morais, os valores intelectuais, os valores de preservação do meio ambiente. Por

exemplo, ser bom atleta, ter boa alimentação, compreender a importância da água e

sua relação com o meio aquático, respeitar a família e saber conviver em sociedade,

além de se estimularem ações que eles podem fazer sozinhos.

Page 105: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

105

Em suma, cada instituição cita diferentes aspectos, alguns expressamente

contidos nas ações desenvolvidas pelos treinadores, outros não, realidade que se

mostra diversa em termos de oportunidades, de metas do planejamento e de

proposições institucionais. O vínculo revela que a intervenção do profissional nos

treinos e nas competições é muito mais baseada em crenças pessoais.

O encontro das mães no local de treinamento ou de ações consubstanciadas

pelos pais em apoio à instituição são eventos importantes do exossistema. Segundo

Bronfenbrenner (1979), a permanência das mães no local de treinamento favorece a

constituição de uma rede social parental, na qual o atleta não está presente mas é

alvo de atenção. O depoimento de uma das mães é claro: “[o esporte] faz muito

bem, não só pra eles [atletas], mas para nós, mães, também. Dois dedinhos de

conversa que você tem com uma mãe que tem filhos com o mesmo problema é

totalmente diferente do que com outra pessoa”.

Em outra situação, o apoio dos pais foi fundamental para a estruturação de

uma das instituições. A união entre pais e treinadores concorreu para uma ação

efetivada com êxito. O interesse nessa proposição é a possibilidade de manter a

adesão dos filhos ao programa esportivo. Segundo uma das mães, “se não tem

atleta, não tem o professor, não tem mãe para fazer acontecer”.

O vínculo que se estabelece entre uma instituição e uma empresa na qual

trabalha um atleta é uma importante interconectividade de apoio a seu

desenvolvimento. Uma treinadora relata que, quando sabe de alguma dificuldade

que um atleta encontra no trabalho, conversa com ele para se inteirar dos fatos e

depois procura a empresa para conversar com os responsáveis, procurando dirimir

os conflitos existentes.

A atuação – de mães e treinadores – em organizações sociais que discutem

os direitos e deveres da pessoa com deficiência é uma ação importante no

exossistema. A presença da mãe no Conselho da Criança e da treinadora no

Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência da mesma cidade as

motiva a compartilhar suas vivências em cada órgão e a discutir a possibilidade de

criar novos projetos. Essa mãe que hoje está no Conselho da Criança ajudou a criar

e presidiu por vários anos o Conselho da Pessoa com Deficiência e também

colaborou na reforma estatutária do Ceivi, possibilitando o atendimento de pessoas

com deficiência.

Page 106: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

106

Associação que integra a sociedade civil de múltiplas deficiências, a Apabb foi

criada, fundada e presidida por uma mãe de atleta. Quando era ativa nessa

associação, ela procurava sempre estar atualizada com os temas que diziam

respeito à pessoa com deficiência. Entre diversas ações, mobilizava os pais para

que dessem sugestões quando da reforma ou da revisão de documentos em defesa

da cidadania. No decorrer dos anos, criaram-se núcleos da Apabb em vários

estados brasileiros.

A repercussão das ações no exossistema concorre para melhorar a formação

educacional dos atletas e sua condição de vida como cidadãos. Quando

expressamente alinhados com o meso e os microssistemas, Bronfenbrenner (1979)

afirma que se estabelecem influências recíprocas. As mães que se engajaram em

ações sociais contam que o fizeram por ter filhos com deficiência. Estes, por sua

vez, usufruem diretamente dos benefícios desse envolvimento, mas, por outro lado,

seu desenvolvimento e sua inserção social permitem vislumbrar novas alternativas e

sempre mais adequadas.

4.6 O macrossistema: estrutura e ideário

Bronfenbrenner (1979) defende que o ideário e a estrutura de uma

determinada cultura ou subcultura estão contidas no macrossistema. As políticas

públicas são estabelecidas em função da ideologia, e sua estrutura determinará as

“propriedades específicas do exo, meso e microssistemas, que ocorrem no nível da

vida cotidiana e governam o curso do comportamento e do desenvolvimento”.

Entre os temas associados ao macrossistema, destacam-se (a) o status social

da pessoa com deficiência intelectual consideradas as expectativas pessoal e em

relação a outros, (b) as leis que regem os direitos e deveres da pessoa com

deficiência e (c) as ações das organizações exercidas em âmbito nacional, que

orientam as que se revelam no exossistema. O conteúdo de cada aspecto deriva da

exposição e da interação das pessoas com o meio ambiente, isto é, “o que é

desejado, o que é temido, o que é pensado, o que é adquirido está intrinsecamente

relacionado à concepção desenvolvente da pessoa no meio ambiente e sua relação

com ele” (BRONFENBRENNER, 1979, p. 9). A questão tutelar e da interdição, que

na essência protegem a pessoa com deficiência intelectual, pode induzir ações

Page 107: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

107

restritivas da autonomia, sobretudo no microssistema, a despeito de sua importância

psicológica.

As pessoas têm um status na sociedade em que vivem, caracterizado pelas

expectativas dos papéis que assumem, pela forma como devem agir e como devem

agir os outros diante dela. Ainda que um papel seja uma característica do

microssistema, Bronfenbrenner (1979) considera que ele tem suas raízes no

macrossistema, nas estruturas institucionais e nas ideologias associadas. Por

exemplo, é socialmente esperado que um atleta se perceba como rebelde na

adolescência e menos rebelde quando adulto, como visto num dos depoimentos.

Atletas, mães e treinadores deram poucos exemplos de aspectos que

remetem ao macrossistema. Dentre as leis que regem os direitos e deveres, que

defendem, protegem ou ampliam a autonomia da pessoa com deficiência intelectual,

foram citadas a interdição, o direito ao trabalho, os benefícios previdenciários, o

direito a herança e a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Prestação de Serviços (ICMS) para a aquisição de veículo para pessoas com

deficiência visual ou intelectual ou autista, bem como aquelas com deficiência física

que não conduzem seu veículo.

Segundo uma das mães, a Apabb (associação descrita no exossistema) tem

um assento no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência

(Conade), o que lhe permite o envolvimento no macrossistema. Por ocasião, da

revisão da Constituição da República Federativa do Brasil, aprovada em 1988, bem

como da reforma da Previdência Social, os grupos de trabalho enviaram propostas

na área de deficiência pelo Conade, o que caracteriza o vínculo institucional entre

exo e macrossistema, com influências recíprocas no âmbito das políticas públicas.

No âmbito do esporte, a política nacional viabiliza o acesso e o apoio à prática

esportiva com programas de alto rendimento e programas esportivos educacionais,

de lazer e de inclusão social. A promoção e o aprimoramento do esporte de

rendimento para pessoas com deficiência estão subordinados ao Sistema Nacional

de Esporte, que, entre outros, congrega o Comitê Paralímpico Brasileiro e suas

entidades filiadas. O Comitê Paralímpico Brasileiro viabiliza a participação do Brasil

em eventos continentais e mundiais e nos jogos paralímpicos. Especificamente para

o segmento de atletas com deficiência intelectual, é a Abdem que organiza e realiza

as competições em âmbito nacional, estando subordinada à regulamentação

estabelecida pela Inas – for para-athletes with an intellectual disability.

Page 108: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

108

No Brasil, encontra-se outra vertente, a Special Olympics Brasil, que também

visa promover esporte e o treinamento de atletas com deficiência intelectual,

oferecendo capacitação continuada de profissionais e realização de competições. A

Special Olympics Brasil é uma entidade de direito privado, juridicamente

estabelecida como fundação. Do ponto de vista organizacional e regulamentador,

está subordinada à Special Olympics América Latina, que, por sua vez, subordina-se

à Special Olympics (SO) internacional. Ambos os movimentos, em âmbito

internacional, realizam, de forma independente, eventos de magnitude olímpica,

nominal e respectivamente, os Jogos Paralímpicos (de verão e de inverno)

organizados pelo International Paralympic Committee (IPC), e os Jogos Mundiais (de

verão e de inverno) da Special Olympics, organizados pela Special Olympics

internacional. Vale reafirmar que as orientações de esferas internacionais e,

consequentemente, a participação de atletas brasileiros nos eventos competitivos

internacionais, segundo Bronfenbrenner (1992), transpõem a fronteira do

macrossistema. Tal participação, no entanto, tem impacto sobre o comportamento e

desenvolvimento psicológico daqueles envolvidos, como evidenciado nos relatos de

caso.

O ambiente esporte encontra nas organizações de âmbito nacional a

concessão de auxílio-financeiro via programa bolsa-atleta, com grande impacto na

vida de um atleta, pois lhe permite a dedicação necessária para obter resultados de

alto desempenho. Atletas relatam como o recurso auxilia a família e também os

motiva a se manterem engajados no esporte. E isso é confirmado por uma das

treinadoras, que também menciona a preocupação com os cortes de verba, com

graves consequências na motivação para a continuidade dos treinos e, em alguns

casos, até na desestruturação financeira da família.

Apresentam-se a seguir os mapas ecológicos de cada atleta com as relações

interpessoais estabelecidas no microssistema (em verde), a participação e

interconectividade deste com o mesossistema (em azul), a interconectividade de

treinadores ou de mães com instituições do exossistema (em lilás) e a

interconectividade com as estruturas presentes no macrossistema (em cinza).

Observa-se que a composição do contexto de cada atleta é única e particular.

Page 109: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

109

Esquema 9 – Mapa ecológico da atleta A1

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Esquema 10 – Mapa ecológico do atleta A2

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Page 110: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

110

Esquema 11 – Mapa ecológico da atleta A3

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Esquema 12 – Mapa ecológico da atleta A4

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Page 111: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

111

Esquema 13 – Mapa ecológico do atleta A5

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Esquema 14 – Mapa ecológico do atleta A6

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Page 112: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

112

Esquema 15 – Mapa ecológico do atleta A7

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Esquema 16 – Mapa ecológico do atleta A8

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Page 113: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

113

Esquema 17 – Mapa ecológico do atleta A9

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Esquema 18 – Mapa ecológico do atleta A10

Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).

Page 114: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

114

4.7 Tempo: a propriedade da completude

Mudanças e continuidades são relativas ao impacto de eventos ao longo da

vida e à importância das transições ecológicas. Três aspectos devem ser

considerados: “o desenvolvimento envolve uma mudança na característica da

pessoa; a mudança desenvolvimental ocorre concorrentemente em dois domínios, o

da percepção e o da ação; e cada um desses domínios tem uma estrutura que é

isomórfica em relação aos quatro níveis do meio ambiente ecológico”

(BRONFENBRENNER, 1979, p. 23). Em outras palavras, o desenvolvimento

atravessa todos os sistemas. Pode-se supor que uma nova conquista no

desenvolvimento implicará novas relações e interconectividade com os demais, na

proposição de novas metas, passando por momentos (quantidade de

movimentos/impulso) em que o comportamento se mostrará contínuo até que novo

evento tenha um impacto tal que volte a ensejar mudanças mais evidentes

(BRONFENBRENNER, 1979, p. 38).

O elemento tempo completa o modelo bioecológico do desenvolvimento

humano. Assim, ao adotar o modelo PPCT, devem-se levar em conta o tempo vital e

o histórico, respectivamente, o tempo da vida do atleta e o período histórico – nesse

caso, desde a participação no esporte.

O ingresso no ambiente esporte se mostrou favorável a mudanças de

comportamento, as quais, quando percebidas, instigaram ações novas e mais

complexas. A mudança de comportamento e sua continuidade derivam de um longo

processo de dedicação através dos anos. A autonomia conquistada denota uma

capacidade de resposta no atleta que se reflete em comportamento responsável. No

entanto, treinadores reportam que nem sempre a mudança observada no ambiente

esporte se mostra transversal, isto é, às vezes, não tem continuidade no ambiente

lar/família. Cogita-se que eventos relevantes em dado contexto podem ter uma

especificidade tal que a continuidade do comportamento se revela apenas nesse

ambiente.

Norteando pelo cronossistema os momentos em que se percebe a autonomia,

pode-se inferir que os episódios microtemporais ocorrem nos processos proximais

nas relações filho-mãe e atleta-treinador. Se se repetirem ao longo de dias ou

semanas, tornam-se mesotemporais. A expectativa de perpetuar ou provocar

Page 115: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

115

mudanças de comportamento e favorecer a percepção de autonomia em longo

prazo (macrotempo), aparece em alguns depoimentos, revelando preocupação com

mudanças no âmbito social que favoreçam o desenvolvimento individual. O não

estabelecimento de expectativas dessa magnitude, por outro lado, reflete a

predominância de ações perpetradas pelos atletas, mães e treinadores com

dimensões micro e mesotemporal.

Page 116: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

116

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre trajetórias:

Será que a pessoa simplesmente é levada pela corrente da história, ou ela apresenta um momento (quantidade de movimento) próprio? Existe alguma espera? O passado deixa sua marca no presente? E por quanto tempo? (BRONFENBRENNER, 1979, p. 203).

Investigou-se a autonomia de atletas de natação com deficiência intelectual

sob a perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento humano. O modelo

PPCT orientou a análise dos dados dessa intrincada rede de informações. Uma

reflexão sobre a análise e a discussão dos resultados permite tecerem-se algumas

considerações.

A autonomia é tanto mais percebida quanto mais faz parte da vida cotidiana

da pessoa com deficiência intelectual. Os processos proximais têm características

diferentes (em forma, conteúdo, força ou direção), mostrando-se ora

impulsionadores, ora refreadores da autonomia. Embora os atletas passem menos

tempo no ambiente esporte, considera-se que os eventos da relação atleta-treinador

têm um impacto considerável no desenvolvimento.

A influência das mães e dos treinadores também é importante para a

mudança de comportamento, mas a pouca transversalidade entre os ambientes,

inclusive ações e observação de mudanças, expõe uma fragilidade na continuidade

e na progressão no desenvolvimento e levar a cogitar que as mudanças observadas

podem ser apenas temporárias.

Apesar do direito à autonomia assegurado pela sociedade às pessoas com

deficiência, as poucas referências dos sujeitos põem sub judice a relevância desse

conhecimento em cada ambiente. Parecem preponderar as crenças pessoais em

detrimento dessas informações, influenciando a percepção da autonomia nos

processos proximais vivenciados no microssistema.

O ambiente esporte se mostrou propício para observar que as disposições

(desenvolvimentalmente geradoras) que motivam os atletas a persistirem nos treinos

estão interconectadas com as metas de desempenho para a conquista de índices,

de medalhas ou de bolsa-atleta. Ser atleta e reconhecer a importância de praticar

esporte, bem como ter clareza das metas de alto desempenho e da necessidade da

Page 117: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

117

prática para melhorar os resultados, reflete a existência de recursos pessoais

(competência, habilidades, conhecimento, experiências), e isso permite conjecturar

que as diferenças nas causas, nos diagnósticos e nas avaliações psicológicas de

atletas com deficiência intelectual pouco incidem sobre seu potencial de

desenvolvimento esportivo.

Como um setting com características específicas, o ambiente esporte pode

ser considerado um ambiente ecológico favorável ao desenvolvimento de pessoas

com deficiência intelectual. A prevalência de crenças pessoais nas ações das mães

e dos treinadores, em detrimento de aspectos culturais e de normas nacionais

presentes no macrossistema, realça a importância dos processos proximais.

Se comecei contando minha trajetória pessoal, termino refletindo sobre os

caminhos que conduzem à autonomia. A modulação e a modelagem de uma

condição psicológica estão presentes em nossa trajetória de vida, com traços que

marcam nossas características pessoais. E essa jornada seguirá no futuro. Parece-

nos que Bronfenbrenner será um bom companheiro, se assumirmos que D(t) = f(t-p)

(PA)(t-p). Qualquer ambiente pode instigar o desenvolvimento, inclusive o esporte. À

medida que leio e releio Bronfenbrenner, surgem mais e mais nuances, uma riqueza

de detalhes. De longe, um gigante; de perto, repleto de minúcias. Como vimos, o

modelo bioecológico do desenvolvimento humano, proposto por Urie Bronfenbrenner

em 1979, consolidado em 1992 e complementado em 2001, permitiu legitimar a

teoria bioecológica do desenvolvimento humano como um sistema teórico em

evolução.

Não posso deixar de mencionar que a origem de minhas inquietações é a

prática educacional, e é a ela desejo dirigir o conhecimento adquirido. Ao

acompanhar a evolução do construto de deficiência intelectual nos últimos vinte

anos (AAIDD, 2010), observo que a mudança de foco está na interação da pessoa

com o ambiente. Pergunto-me, então, como aperfeiçoar a prática educacional

fundamentada na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de

Bronfenbrenner. Creio que o desafio maior é encontrar maneiras de aplicar os

pressupostos, as proposições e as hipóteses das pesquisas de Bronfenbrenner e de

seus seguidores. Não tenho dúvida de que é preciso abrilhantar os elos que

interligam processo-pessoa-contexto-tempo e valorizar o profissional que procura,

em ações efetivas, ser um mediador do desenvolvimento humano.

Page 118: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

118

Aqui encerro o texto, ciente de que sempre haverá muito mais a acrescentar a

suas linhas e entrelinhas, motivando a realização de novos estudos. De todos os

quesitos, ouso sugerir: qualquer que seja o tema, é imperativo dar voz à pessoa com

deficiência intelectual, proporcionar momentos (quantidade de movimentos/impulso)

(BRONFENBRENNER, 1979) pautados na concepção de desenvolvimento com

ênfase nos processos psicológicos não só da percepção em si, mas também do

conteúdo que expresse aquilo que deseja, pensa ou adquiriu como conhecimento.

Page 119: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

119

REFERÊNCIAS ADERE; ADID; APAE. Manual dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência intelectual. São Paulo: ADERE, ADID e APAE, 2008. ADIE, J. W.; DUDA, J. L.; NTOUMANIS, E. N. Autonomy support, basic need satisfaction and the optimal functioning of adult male and female Sport participants. A test of basic needs theory. Motivation and Emotion, v. 32, p. 189-199, 2008. ALLEN, J. B.; SHAW, S. Women coaches´ perceptions of their sport organizations´ social environment: supporting coaches´ psychological needs? The Sport Psychologist, v. 23, p. 346-366, 2009. ÁLVAREZ, M. S. et al. Coach autonomy support and quality of sport engagement in young soccer players. The Spanisch Journal of Psychology, v.12, n.1, p. 138-148, 2009. AMERICAN ASSOCIATION OF INTELLECTUAL AND DEVELOPMENTAL DISABILITIES (AAIDD). Intellectual disability: Definition, classification, and systems of supports. 11th ed. Washington, DC: American Association on Intellectual and Developmental Disabilities, 2010. ARAUJO, D. V. P.; ZOBOLI, L. C. P.; MASSAD, E. Como tornar os termos de consentimento mais fáceis de ler. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 151-156, 2010. BEKKER, M. H. J. et al. Predicting individual differences in autonomy-connectedness: the role of body awareness, alexithymia, and assertiveness. Journal of Clinical Psychology, v. 64, n. 6, p. 747-765, 2008. BEKKER, M. H. J.; VAN ASSEN, M. A. L. M. A short form of the autonomy scale: properties of the autonomy-connectedness scale (ACS-30). Journal of Personality Assessment, v. 86, n. 1, p. 51-60, 2006. BOCCALANDRO, E. R. G-36 Teste não verbal de inteligência. Manual. São Paulo: Vetor, 2002. BRANDÃO, M. R. F. A psicologia do exercício e do esporte e seus desafios para o milênio. In: BRANDÃO, M. R. F.; MACHADO, A. A. (Eds.), Coleção Psicologia do Esporte e do Exercício: v. 1: Teoria e aplicação. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 143-147. BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei No 10.406, de 10 de janeiro de 2002: institui o Código Civil. Brasília, 2002. BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: decreto legislativo no 186, de 09 de julho de 2008: decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009. 4.ed., rev. e atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011.

Page 120: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

120

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS No 466, de 12 de dezembro de 2012. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf Acesso em: 10 aabr. 2014. BRASIL. Política Nacional de Esporte. 2005. Disponível em: <http://www.tubino.pro.br/PoliticaNacionalEsporte.pdf> Acesso em 5 set. 2012

BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Ed. rev. Brasília: SEDH/PR, 2010. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf> Acesso em: 26 mai. 2010. BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 2ª. reimpressão – 2002. BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Tradução: André de Carvalho-Barreto; revisão técnica: Sílvia H. Koller. Porto Alegre: Artmed, 2011. 310 p. BRONFENBRENNER, U. Ecological systems theory. In: R. Vasta (Ed.), Six theories of child development: Revised formulations and current issues (pp. 187-249). London: Jessica Kingsley, 1992. Reprinted with permission from Jessica Kingsley Pub., Ltd. (In: BRONFENNER, U. (Ed.), Making human beings human: bioecological perspectives on human development. Thousand Oaks, CA: Sage, 2005. Article 10, p.106-173.) BRONFENBRENNER, U. The ecology of human development: experiments by nature and design. 1979. Disponível em: <http://books.google.com.br/books> Acesso em 16 abr. 2011. BRONFENBRENNER, U. The bioecological theory of human development. In: N. J. Smelser & P. B. Baltes (Eds.) International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences, v. 10, p. 6963-6970. New Yourk: Elsevier, 2001. Reprinted with permission from Elsevier Science Ltd. (In: BRONFENBRENNER, U. (Ed.) Making human beings human: bioecological perspectives on human development. Thousand Oaks: Sage Publications, 2005. 306 p. Article 1, p. 3-15.) BRONFENBRENNER, U. Making human beings human: bioecological perspectives on human development. Thousands Oaks: SAGE, 2005. 306 p. BRONFENBRENNER, U.; EVANS, G. W. Developmental science in the 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Social Development, v. 9, n. 1, p. 115-125, 2000. BUTERA, G. Collaboration in the context of Appalachia: The case of Cassie. The Journal of Special Education, v. 39, n. 2, p. 106-116, 2005.

Page 121: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

121

CHIRKOV, V. I.; SHELDON, K. M.; RYAN, R. M. Introduction: The struggle for happiness and autonomy in cultural and personal contexts: an overview. In: CHIRKOV, V. I.; RYAN, R. M.; SHELDON, K. M. (Ed.) Human autonomy in cross-cultural context. Perspectives on the psychology of agency, freedom, and well-being. New York: Springer, 2011. Chapter 1. p.1-30Disponível em: <http://www.springerlink.com/content/978-90-481-9666-1> Acesso em 27 abr. 2011. COHEN, C. Bioética: Pesquisa e Deficiência. In: SEGRE, M.; COHEN, C. (Orgs.) Bioética. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Edição original de 1995). cap. 5, p.55-62. COPETTI, F. Estudo exploratório dos atributos pessoais de tenistas. 2001. 233 f. Tese (Doutorado em Ciência do Movimento Humano) - Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2001. COPETTI, F.; KREBS, R. J. As propriedades da pessoa na perspectiva do paradigma bioecológico. In: KOLLER, S. H. (Org.) Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. p. 71-93 DECI, E. L. et al. On the benefits of giving as well as receiving autonomy support: mutuality in close friendships. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 32, n. 3, p. 313-327, 2006. DI NUBILA, H. B. V.; BUCHALLA, C. M. O papel das Classificações da OMS – CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 11, n. 2, p. 324-325, 2008. DRIESSNACK, M.; SOUSA, V. D.; MENDES, I. A. Revisão dos desenhos de pesquisa relevantes para enfermagem: Parte 3. Métodos mistos e múltiplos. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 15, n. 5, p. 1046-1049, 2007. DUNN, J. C. Considering motivation. In: STEADWARD, R. D.; WHEELER, G. D.; WATKINSON, E. J. Adapted physical activity. Edmonton, Alberta: The University of Alberta Press and The Steadward Centre, 2003. p. 325-344. FARIAS, N.; BUCHALLA, C. M. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde: conceitos, usos e perspectivas. Revista Brasileira de Epidemiologia, v.8, n. 2, p. 187-193, 2005. FARRELL, R. J. et al. The driving force: motivation in Special Olympians. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 21, p. 153-166, 2004. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Coordenação e edição: Marina Baird Ferreira, Margarida dos Anjos. 4ª ed, atualizada e revista conforme o Novo Acordo da Língua Portuguesa de 7 de maio de 2008. Curitiba: Ed. Positivo, 2009.

Page 122: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

122

FERREIRA, R. D. Árbitro de futebol profissional: motivos para o início, permanência e disposição para o abandono da carreira. 2012. 103 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2012. FREIRE, E. S. A construção de valores nas aulas de educação física: habitus e illusio no cotidiano de três professoras. 2012. 186 f. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2012. GAGNÉ, M.; DECI, E. L. Self-determination theory and work motivation. Journal of Organizational Behavior, v. 26, p. 331-362, 2005. GAGNÉ, M.; RYAN, R. M.; BARGMANN, K. Autonomy support and need satisfaction in the motivation and well-being of gymnasts. Journal of Apllied Sport Psychology, v. 15, p. 372-390, 2003. GARCÍA BENGOECHEA, E. G. Integrating knowledge and expandig horizons in developmental sport psychology: a bioecological perspective. Quest, Champaign, IL, USA, v.54, p.1-20, 2002. GAUTHIER, J. Z. A questão da metáfora, da referência e do sentido em pesquisas qualitativas: o aporte da sociopoética. Revista Brasileira de Educação, v. 25, p. 127-142, 2004. GONZALEZ, F. J. Sistema de classificação de esportes com base nos critérios: cooperação, interação com o adversário, ambiente, desempenho comparado e objetivos táticos da ação. Revista Digital EFDeportes.com, n. 74, 2004. Disponível em: <www.efdeportes.com. Acesso em 10 set. 2012

GÜNTHER, H. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a questão? Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 22, n. 2, 201-210, 2006. HAGGER, M.; CHATZISARANTIS, N. Self-determination theory and the psychology of exercise. International Review of Sport and Exercise Psychology, v. 1, n. 1, p. 79-103, 2008. HARRIS, J. Time do make up your mind: why choosing is difficult. British Journal of Learning Disabilities, v. 31, p. 3-8, 2003. HENRIKSEN, C. The ecology of talent development in sport: A multiple case study of successful athletic talent development environment in Scandinavia. Thesis (Ph.D.) – University of Southern Denmark, 2010. 192 f. HIRSTO, L. Children in their learning environments: theoretical perspectives. Dissertation. Faculty of Education at the University of Helsinki. 2001. Disponível em: <http://ethesis.helsinki.fi> Acesso em 2 mai. 2013 HOLT, N. L. et al. Youth sport parenting styles and practice. Journal of Sport & Exercise Psychology, 2009, v. 31, p. 37-59, 2009.

Page 123: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

123

HOOREN, R. H. et al. Autonomy and intellectual disability: the case of prevention of obesity in Prader-Willi syndrome. Journal of Intellectual Disability Research, v. 46, n. 7, 560-568, 2002. INAS. History of Inas. 2013. Disponível em: <http://www.inas.org/about-us/history-of-inas/> Acesso em 8 ago. 2013 INTERNATIONAL PARALYMPIC COMMITTEE. Sports. 2012. Disponível em: <http://www.paralympic.org/Sports> Acesso em 18 abr. 2012. JOLLY, K. et al. Evaluation of a standard provision versus an autonomy promotive exercise referral programme: rationale and study design. BioMed Central Public Health, v.9, p.176- , 2009. KIMBALL, A. C. “You signed the line”: Collegiate student-athletes’ perceptions of autonomy. Psychoogy of Sport and Exercise, v. 8, n. 5, p. 818-835, 2007. KOLLER, S. H. Apresentação à edição brasileira. In: U. BRONFENBRENNER, Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Tradução: André de Carvalho-Barreto; revisão técnica: Sílvia H. Koller. Porto Alegre: Artmed, 2011. 310 p. KREBS, R. J. A criança e o esporte: reflexões sustentadas pela Teoria dos Sistemas Ecológicos. In: VARGAS, A.; KREBS, R. J.; COPETTI, F.; BELTRAME, T. S.; PINTO, R. F. (Org.) Os processos desenvolvimentais na infância. Belém: GTR Gráfica e Editora, 2003, p. 91-104. KREBS, R. J. A psicologia e o treinador esportivo: uma discussão fundamentada na teoria bioecológica do desenvolvimento humano. In: BRANDÃO, M. R. F.; MACHADO, A. A. (Org.) O treinador e a psicologia do esporte. São Paulo: Editora Atheneu, 2010, p. 1-16. (Coleção Psicologia do Esporte e do Exercício, v.4). KREBS, R. J. A teoria bioecológica do desenvolvimento humano e o contexto da educação inclusiva. Inclusão – Revista da Educação Especial, Brasília, v.1, p. 40-45, 2006. KREBS, R. J. Bronfenbrenner’s bioecological theory of human development and the process of development of sports talent. International Journal of Sport Psychology, v. 40, n. 1, p. 108-135, 2009a. KREBS, R. J. Novas tendências para o estudo do desenvolvimento humano. Coleção Prata da Casa (UFMA), São Luís-MA, n.11, p. 93-108, 2001. KREBS, R. J. Proximal processes as the primary engines of development. International Journal of Sport Psychology, v. 40, n. 1, pe. 219-227, 2009b. KREBS, R. J. Urie Bronfenbrenner e a ecologia do desenvolvimento humano. Santa Maria: Casa Editorial, 1995. 191p.

Page 124: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

124

KREBS, R. J. et al. Disposição de adolescentes para a prática de esportes: um estudo orientado pela Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner. Motriz, Rio Claro, v. 17, n. 1, p. 195-201, 2011. LERNER, R. M. Urie Bronfenbrenner: Career contributions of the consummate developmental scientist. In: BRONFENNER, U. (Ed.), Making human beings human: bioecological perspectives on human development. Thousand Oaks, CA: Sage, 2005. Foreword, p. ix-xxvi. LUCKASSON, R. et al. Mental Retardation: Definition, classification and systems of supports. 10th ed. Washington, DC: American Association on Mental Retardation, 2002. LUCKASSON, R. et al. Mental retardation: Definition, classification, and systems of supports. Washington, DC: Autor, 1992. MANZINI, E. J. Considerações sobre a transcrição de entrevistas. 2008. Texto elaborado como parte do material utilizado para obtenção do título de Livre-docência intitulada “A entrevista como instrumento de pesquisa em Educação e Educação Especial: uso e processo de análise, pela Unesp de Marília. Acesso autorizado pelo autor. MANZINI, E. J. Uso da entrevista em dissertações e teses produzidas em um programa de pós-graduação em Educação. Revista Percurso – NEMO, Maringá, v. 4, n. 2, p. 149-171, 2012. MARTIN, R. Empoderamento da pessoa com deficiência intelectual. Tradução: Romeu Kazumi Sassaki. Conferência Asiática sobre Deficiência Intelectual. Japão, 2003. Disponível em <http://www.bengalalegal.com/def-intelectual> Acesso em 9 fev. 2014. MILES, M. B.; HUBERMAN, A. N. Qualitative data analysis: an expanded sourcebook. Thousand Oaks: Sage, 1994.

MILES, M. B.; HUBERMAN, A. M. Reflections and advice. In: HUBERMAN, A. M.; MILES, M. B. (Eds.) The qualitative researcher’s companion. Thousand Oaks, CA: Sage, 2002. Chapter 16, p. 393-398.

MILL, A.; MAYES, R.; McCONNELL, D. Negociating autonomy within the family: the experiences of young adults with intellectual disabilities. British Journal of Learning Disabilities, v. 38, p. 194-200, 2009. MOURATIDIS, A. et al. The motivating role of positive feedback in sport and physical education: Evidence for a motivational model. Journal of Sport & Exercise Psychology, v. 30, p. 240-268, 2008. NAKASHIMA, F. S. Análise do comportamento parental no processo de desenvolvimento de talentos esportivos de ginástica rítmica. 2012. 148 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade Estadual de Maringá/Universidade Estadual de Londrina. 2012.

Page 125: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

125

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. Versão 2008. Tradução: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm> Acesso em 19 abr. 2013. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde / Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Família de Classificações Internacionais. São Paulo: EDUSP, 2003. PEEK, L.; STOUGH, L. M. Children with disabilities in the context of disaster: A social vulnerability perspective. Child Development, v. 81, n. 4, p. 1260-1270, 2010. PIHU, M. et al. How students´perceptions of teachers´autonomy-supportive behaviours affect physical activity behaviour: an application of the trans-contextual model. European Journal of Sport Science, v. 8, n. 4, p. 193-204, 2008. PRETI, D. (Org.) Fala e escrita em questão. São Paulo: Humanitas - FFLCH/USP, 2000. PRETI, D. (Org.) et al. O discurso oral culto. 2ª. Ed. São Paulo: Humanitas Publicações – FFLCH/USP, 1999. RODRÍGUEZ, J. R.; ROBLES, M. T. A.; FUENTES-GUERRA, F. J. G. (2009) Concepto, características, orientaciones y clasificaciones del deporte actual. EFDeportes, Revista Digital, n, 138, 2009. Disponível em : <www.efdeportes.com> Acesso em 07 set. 2012.

ROGERS, W; BALLANTYNE, A. Populações especiais: vulnerabilidade e proteção. RECIIS – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 2, Sup. 1, p.Sup.31-41, 2008. RYAN, R. M. et al. Self-determination theory and physical activity: the dynamics of motivation in development and wellness. Hellenic Journal of Psychology, v. 6, p. 107-124, 2009. RYAN, R. M.; HUTA, V.; DECI, E. L. Living well: A self-determination theory perspective on eudaimonia. Journal of Happiness Studies, v. 9, p. 139-170, 2006. SACKS, O. Rebecca. In: SACKS, O., O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SCHALOCK, R. L; GARDNER, J. F.; BRADLEY, V. J. Quality of Life for People With Intellectual and Other Developmental Disabilities – Applications Across Individuals, Organizations, Communities, and Systems. Washington, D. C: AAIDD, 2010.

Page 126: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

126

SCHALOCK, R. L. et al. The renaming of mental retardation: Understanding the change to the term intellectual disability. Intellectual and Developmental Disabilities, v.45, n.2, p.116–124, 2007. SHELDON, K. M.; FILAK, V. Manipulating autonomy, competence, and relatedness support in a game-learning context: New evidence that all three needs matter. British Journal of Social Psychology, v. 47, p. 267–283, 2008. SHERRILL, C.; HUTZLER, Y. Adapted physical activity science. In: Borms, J. (Ed.) Directory of sport science. 5th edition. (p. 89-103). Champaign, IL: ICSSPE; Human Kinetics, 2008. Disponível em: <http://www.institutophorte.com.br/icsspe/texte/1_adapted.html> Acesso em 12 jun. 2013. SIPERSTEIN, G. N.; KERSH, J.; BARDON, J. N. A new generation of research in intellectual disabilities: Charting the course. A Special Olympics Working Conference. 2007. 31 p. Disponível em: <http://media.specialolympics.org/soi/files/healthy-athletes/2007/Research/Agenda/Miami.pdf> Acesso em 18 abr. 2012. SMITH, A.; NTOUMANIS, N.; DUDA, J. Goal striving, goal attainment, and well-being: Adapting and testing the self-concordance model in sport. Journal of Sport & Exerceise Psychology, v. 28, p. 763-782, 2007. SOLBERG, P. A; HALVARI, H. Perceived autonomy support, personal goal content, and emotional well-being among elite athletes: mediating effects of reasons for goals. Perceptual & Motor Skills, v. 108, n. 3, p. 721-743, 2009. SÔNEGO, R. V.; ZAMBERIAN, M. A. T. Concepções e práticas sócio-educativas promotoras de autonomia no ensino fundamental. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 343-350, maio/ago, 2007. SONTAG, J. C. Toward a comprehensive theoretical framework for disability research: Bronfenbrenner revisited. The Journal of Special Education, v. 30, p. 319-344, 1996. SOUZA, P. B. M. Configuração do mesossistema entre professores e pais de alunos com deficiência. 2009. 152 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Pará, 2009. SOUZA, V. H. Iniciação esportiva no basquetebol: uma análise à luz do modelo bioecológico do desenvolvimento humano. 2010. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2010 SPECIAL OLYMPICS Sports & Games. 2013. Disponível em <http://www.specialolympics.org/sports.aspx> Acesso em 8 ago. 2013 SPRAY, C. M. et al. Understanding motivation in sport: An experimental test of achievement goal and self determination theories. European Journal of Sport Science, v. 6, n. 1, p. 43-51, 2006.

Page 127: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

127

STANCLIFFE, R. J.,; PARMENTER, T. R. The Choice Questionnaire: A scale to assess choices exercised by adults with intellectual disability. Journal of Intellectual & Developmental Disability, v. 24, p. 107-132, 1999. STEFANELLO, J. M. F. . A participação da criança no desporto competitivo: uma tentativa de operacionalização e verificação empírica da proposta teórica de Urie Bronfenbrenner. In J. M. F. Stefanello; R. N. F. Grisi (Org.). Educação Física e Esportes: abordagens multidisciplinares. 1ed. João Pessoa: Editora Universitária, 2005. STIGGER, M. P. Relação entre o esporte de rendimento e o esporte da escola. Movimento, v.VII, n. 14, p. 67-86, 2001. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/2609/1243> Acesso em 05 set. 2012.

STRACHAN, l.; CÔTÉ, J.; DEAKIN, J. An evaluation of personal and contextual factors in competitive youth sport. Journal of Applied Sport Psychology, v. 21, p. 340-355, 2009. DOI: 10.1080/10413200903018667 TANI, G.; MANOEL, E. J. Esporte, educação física e educação física escolar. In A. Gaya; A. Marques; G. Tani (Orgs.), Desporto para crianças e jovens: razões e finalidades. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2004.

TOLOCKA, R. E.; FARIA, M. C. M.; DE MARCO, A. Aspectos maturacionais e engajamento social de adolescentes em jogos recreativos. Motriz, Rio Claro, v. 17, n. 1, p. 170-179, 2011. TUBINO, M. Estudos brasileiros sobre o esporte: ênfase no esporte-educação. Maringá: UEM, 2010.

TUDGE, J. R. H. et al. Uses and misuses of Bronfenbrenner´s bioecological theory of human development. Journal of Family Theory & Review, v. 1, p. 198-210, 2009. TURATO, E. R. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetivos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, v. 39, n. 3, p. 507-514, 2005. VALLERAND, R. J. A hierarchical model of intrinsic and extrinsic motivation in sport and exercise. In G. Roberts (Ed.), Advances in motivation in sport and exercise (p. 263-319). Champaign, IL: Human Kinetics, 2001. VALLERAND, R. J. et al. Passion and performance attainment in sport. Psychology of Sport and Exercise, v. 9, p. 373-392, 2008. VAN DE VLIET, P. et al. Physical fitness profile of elite athletes with intellectual disability. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 15, p. 417-425, 2006. DOI: 10.1111/j.1600-0838.2006.00539.x WECHSLER, David (2004) WAIS-III - Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - manual para administração e avaliação. Adaptação brasileira: Elizabeth do Nascimento. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2004. ISBN: 85-7396-331-X.

Page 128: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

128

WEHMEYER, M. L.; BOLDING, N. Enhanced self-determination of adults with intellectual disability as an outcome of moving to community-based work or living environments. Journal of Intellectual Disability Research, v. 45, part 5, p. 371-383, 2001. WEHMEYER, M. L; PALMER, S. B. Adult outcomes for students with cognitive disabilities three-years after high school: the impact of self-determination. Education and Training in Developmental Disabilities, v. 38, n. 2, p. 131-144, 2003. WILSON, N.; CLEGG, J.; HARDY, G. What informs and shapes ethical practice in intellectual disability services? Journal of Intellectual Disability Research, v. 52, part 7, p. 608-617, 2008. WORLD HEALTH ORGANIZATION. International statistical classification of diseases and related health problems. – 10th revision, edition 2010. World Health Organization, 2011. Disponível em: <http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2010> Acesso em 19 abr. 2013. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Programme & Projects. Classifications. International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). 2001. Disponível em: <http://www.who.int/publications/en/> Acesso em 18 abr. 2012. WULLINK, M. et al. Autonomy in relation to health among people with intellectual disability: a literature review. Journal of Intellectual Disability Research, v. 53, part 9, p. 816-826, 2009. YANAY, N. The social construction of autonomy: A motivational model. Social Behavior and Personality, v.22, n.3, 209-226, 1994.

Page 129: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

129

APÊNDICE A – Roteiro da entrevista – Atleta

Nome:

Idade:

Você trouxe a autorização para participar desta pesquisa e entrevista? (TCLE)

(Caso não tenha trazido, utilizar um novo protocolo, ler e assinar.)

Me conte um pouco sobre você:

Onde você mora, com quem, tem irmãos?

Como é o seu dia-a-dia? (facilidades, dificuldades)

Você vem sozinho para cá? (local de treinamento).

Você gosta de praticar esportes?

O que significa ser um atleta? Desde quando você treina natação?

O que acha de ser um nadador? Já competiu?

O que mais gosta no treinamento?

Você tem amigos? Namora? É casado?

O que você considera importante em uma amizade/namoro/casamento?

Você gosta de ir à casa de outras pessoas? (de quem e porquê?)

Você trabalha? Aonde?

O que você faz no seu trabalho?

O trabalho é remunerado? O que você faz com o dinheiro que recebe?

Você escolhe o que quer fazer com o dinheiro?

Sobre o tema da pesquisa: autonomia

O que autonomia significa para você? (Obs.: se não conhece a palavra ou tiver uma concepção equivocada do termo esclarecer que está relacionada a fazer escolhas, expressar opiniões e tomar decisões sozinho(a)).

No seu dia-a-dia você tem liberdade para fazer escolhas? Você pode me dar alguns exemplos? (aguardar a resposta e se necessário citar exemplos como: decidir que roupa vestir, escolher o programa na televisão, preparar a mochila para o treino etc)

Você já tem idade de um adulto. O que significa ser adulto para você?

Ter autonomia é importante para você?

Page 130: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

130

Você percebe quando você faz alguma coisa com autonomia? Me conta como é isso.

Como atleta de natação, você acha que tem momentos em que você tem autonomia? O seu treinador de natação dá oportunidade de você agir com autonomia?

Alguém incentiva você a fazer escolhas ou tomar decisões? Quem? Fale um pouco sobre isto.

Você acha que alguma característica sua ajuda ou atrapalha a ter autonomia?

Alguma outra pessoa é importante ou foi importante para você desenvolver a autonomia? Relate. (Algum amigo, amiga, tio, tia, primo, prima, avô, avó...)

Participa de alguma discussão sobre autonomia ou direitos da pessoa com deficiência?

Pauta de orientação

Fale um pouco sobre você.

Como é o seu dia-a-dia

Significado de ser um atleta

Significado da autonomia

No dia-a-dia liberdade para agir com autonomia

Características que ajudam ou atrapalham

Percebe que tem autonomia ... em casa... nos treinamentos .... em competições, durante uma prova.

No decorrer da vida algum acontecimento em especial que tenha influenciado suas ações. Alguém em especial?

Participou ou participa de discussões a respeito dos direitos da pessoa com deficiência.

Page 131: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

131

APÊNDICE B – Roteiro da entrevista – FAMÍLIA

Nome

Fale um pouco sobre você (onde nasceu, sua educação, profissão).

Quanto tempo de convivência diária tem com o(a) filho(a).

Como é o dia a dia com ele / ela.

Conhece o diagnóstico ou causa da deficiência intelectual.

Como caracteriza a deficiência do seu(sua) filho(a). Ele/ela apresenta limitações/restrições que interferem no dia-a-dia?

Qual o significado de autonomia para você?

Você considera ele(a) capaz de ter autonomia, isto é, fazer escolhas, expressar opiniões, tomar decisões? Poderia citar um exemplo?

Da adolescência para a idade adulta houve a preocupação em desenvolver a autonomia?

Percebe mudanças em seu(sua) filho(a) em relação à autonomia?

As mudanças influenciaram o seu comportamento em relação seu(sua) filho(a)?

Você identifica alguma pessoa que tem especial importância para o desenvolvimento do seu(a) filho(a)? Relate porque.

Conhece algum documento/legislação sobre autonomia?

Participa de discussões a respeito dos direitos da pessoa com deficiência?

Pauta de orientação

Fale um pouco sobre você.

Como é o seu dia a dia com o filho/a filha.

Importância que atribui ao esporte no desenvolvimento de

seu(sua) filho(a)

Significado de autonomia

No dia-a-dia, como caracteriza a autonomia de seu filho/sua

filha? A família incentiva a autonomia?

Page 132: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

132

Alguma característica pessoal (que ajuda, ou dificulta) ter

autonomia

Quando oferece oportunidade como ele/ela reage? E vice-

versa

Percepção de ações em casa, no treinamento, ou outros

ambientes

que favorecem ou limitam ter autonomia

Relação com o programa/associação/clube.

No decorrer da vida algum motivo/acontecimento em

especial que tenha influenciado as ações de autonomia?

Alguém em especial?

Conhece documentos/legislação a respeito?

Participou ou participa de discussões a respeito sobre os

direitos da pessoa com deficiência?

Page 133: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

133

APÊNDICE C – Roteiro da entrevista –TREINADOR

Nome

Fale um pouco sobre você (onde nasceu, sua educação, formação profissional).

Há quanto tempo é treinador do(a) atleta?

Quanto tempo de convivência tem com atleta durante a semana?

Conhece o diagnóstico ou causa da deficiência intelectual do(a) atleta:

Como caracteriza a deficiência intelectual do(a) atleta:

Qual o significado de autonomia para você?

Durante os treinamentos e competições você propicia momentos de autonomia?

Percebe mudanças em seu(sua) atleta em relação à autonomia?

As mudanças influenciaram o seu comportamento como treinador em relação ao(à) atleta?

Você identifica alguma pessoa que tem especial importância para o desenvolvimento do(a) atleta? Relate porque.

Conhece algum documento/legislação sobre autonomia?

Participa de discussões a respeito dos direitos da pessoa com deficiência?

Pauta de orientação

Fale um pouco sobre você.

Dia-a-dia em relação ao atleta.

Conhece o diagnóstico

Importância que atribui ao esporte

Significado de autonomia

Incentiva a autonomia de seu atleta?

Propicia oportunidades para tanto?

Quando oferece oportunidade como reage ao

comportamento do atleta?

Relação com a família.

Conhece documentos/legislação a respeito?

Participou ou participa de discussões a respeito sobre os

direitos da pessoa com deficiência?

Page 134: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

134

APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Atleta

Autorização para a participação DO ATLETA na pesquisa

Título da Pesquisa: A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Eu, _________________________________________ (nome do atleta em letra de forma), com _______ anos

de idade, confirmo que sou atleta/aluno(a) cadastrado(a) no(na)

_________________________________________________ (nome da Instituição/Associação/Programa

Esportivo no(na) qual treina natação). Entendo que ao assinar este documento estou dizendo que li e estou de

acordo com todos os itens descritos e que desejo participar deste projeto de pesquisa desenvolvido sob a

responsabilidade do Programa de Doutorado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu.

Assinatura do atleta: ________________________________________________ Data ___/___/____

(No caso em que o atleta não tenha condições de efetuar a leitura e assinar neste espaço, solicitamos que o

representante da família leia os itens a seguir para o(a) atleta, assinando em seguida.)

Assinando esta autorização confirmo que eu fui informado de que:

1) O objetivo da pesquisa é compreender como atletas com deficiência intelectual percebem a autonomia.

Serei entrevistado individualmente e minhas respostas serão registradas em um minigravador;

2) Sempre que eu tiver alguma dúvida posso pedir uma explicação;

3) Se por algum motivo eu não quiser continuar a responder posso pedir para parar a entrevista;

4) Entendi que a minha participação nesta pesquisa é voluntária e só participarei se eu quiser;

5) Os pesquisadores enviarão para mim os resultados das minhas respostas;

6) Quando a pesquisa estiver pronta ela poderá ser publicada de forma impressa ou através de mídia

eletrônica, em palestras e atividades de capacitação, respeitando o sigilo e o anonimato dos atletas,

treinadores e representantes da família, o que significa que o meu nome não aparecerá;

7) A minha opinião contribuirá para entender a importância da prática esportiva de atletas no Brasil;

8) Obtive todas as informações necessárias para poder decidir de livre e espontânea vontade sobre a

minha participação nesta pesquisa;

9) Poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (tel.

(11) 2799.1946) ou com a Professora Verena J. Pedrinelli (tel. (11) 9 8962.5002) que é a pesquisadora

responsável para apresentar reclamações ou solicitar maiores esclarecimentos em relação à pesquisa.

Eu,....................................................................................................................... (nome do adulto responsável

pelo atleta em letra de forma), certifico que li este documento para o(a) atleta .................................................

(nome do(a) atleta). Confirmo que ele(ela) compreendeu todas as condições apresentadas e que está de acordo

em participar voluntariamente da pesquisa.

Assinatura do Pai, Mãe ou Responsável: ________________________________________ Data: ___/___/___

Relação com o atleta: ( ) Pai, ( ) Mãe, ( ) Outra: (especifique qual) ___________________________

Page 135: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

135

APÊNDICE E - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Representante da família

Autorização para a participação do REPRESENTANTE DA FAMÍLIA na pesquisa

(um dos pais, um dos irmãos ou o responsável pela educação)

Título da Pesquisa: A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Eu, _____________________________________________ (nome do representante da família em letra de

forma), confirmo que sou o responsável pelo(a) atleta ________________________________________

cadastrado no(na) ________________________________________________ (nome da

Instituição/Associação/Programa Esportivo) ______________________________________. Entendo que ao

assinar este documento estou dizendo que li e estou de acordo com todos os itens descritos e que desejo

participar deste projeto de pesquisa desenvolvido sob a responsabilidade do Programa de Doutorado em

Educação Física da Universidade São Judas Tadeu.

Assinatura: ________________________________________________ Data ___/___/____

Assinando esta autorização confirmo que eu fui informado de que:

1) O objetivo da pesquisa é compreender como atletas com deficiência intelectual percebem a autonomia.

Serei entrevistado individualmente e minhas respostas serão registradas em um minigravador;

2) Sempre que eu tiver alguma dúvida posso pedir uma explicação;

3) Se por algum motivo eu não quiser continuar a responder posso pedir para parar a entrevista;

4) Entendi que a minha participação nesta pesquisa é voluntária e só participarei se eu quiser;

5) Os pesquisadores enviarão para mim os resultados das minhas respostas;

6) Quando a pesquisa estiver pronta ela poderá ser publicada de forma impressa ou através de mídia

eletrônica, em palestras e atividades de capacitação, respeitando o sigilo e o anonimato dos atletas,

treinadores e representantes da família, o que significa que o meu nome não aparecerá;

7) A minha opinião contribuirá para entender a importância da prática esportiva de atletas no Brasil;

8) Obtive todas as informações necessárias para poder decidir de livre e espontânea vontade sobre a

minha participação nesta pesquisa;

9) Poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (tel.

(11) 2799.1946) ou com a Professora Verena J. Pedrinelli (tel. (11) 9 8962.5002) que é a pesquisadora

responsável para apresentar reclamações ou solicitar maiores esclarecimentos em relação à pesquisa.

Page 136: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

136

APÊNDICE F - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Treinador(a)

Autorização para a participação do TREINADOR(A) na pesquisa

Título da Pesquisa: A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Eu, _____________________________________________ (nome do(a) treinador(a)) em letra de forma),

confirmo que sou o responsável pelo treinamento de natação do(a) atleta

________________________________________ (nome do atleta//aluno(a)), cadastrado(a) no(na)

_________________________________________________ (nome da Instituição/ Associação/Programa

Esportivo no(na) qual treina natação). Entendo que ao assinar este documento estou dizendo que li e estou de

acordo com todos os itens descritos e que desejo participar deste projeto de pesquisa desenvolvido sob a

responsabilidade do Programa de Doutorado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu.

Assinatura: ________________________________________________ Data ___/___/____

Assinando esta autorização confirmo que eu fui informado de que:

1) O objetivo da pesquisa é compreender como atletas com deficiência intelectual percebem a autonomia.

Serei entrevistado individualmente e minhas respostas serão registradas em um minigravador;

2) Sempre que eu tiver alguma dúvida posso pedir uma explicação;

3) Se por algum motivo eu não quiser continuar a responder posso pedir para parar a entrevista;

4) Entendi que a minha participação nesta pesquisa é voluntária e só participarei se eu quiser;

5) Os pesquisadores enviarão para mim os resultados das minhas respostas;

6) Quando a pesquisa estiver pronta ela poderá ser publicada de forma impressa ou através de mídia

eletrônica, em palestras e atividades de capacitação, respeitando o sigilo e o anonimato dos atletas,

treinadores e representantes da família, o que significa que o meu nome não aparecerá;

7) A minha opinião contribuirá para entender a importância da prática esportiva de atletas no Brasil;

8) Obtive todas as informações necessárias para poder decidir de livre e espontânea vontade sobre a

minha participação nesta pesquisa;

9) Poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (tel.

(11) 2799.1946) ou com a Professora Verena J. Pedrinelli (tel. (11) 9 8962.5002) que é a pesquisadora

responsável para apresentar reclamações ou solicitar maiores esclarecimentos em relação à pesquisa.

Page 137: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

137

APÊNDICE G – Exemplo de transcrição de entrevista de atleta

P me fale um pouquinho de você onde você nasceu onde você cresceu quem te

educou com quem mora

A1 nasci no hospital São Paulo ... eu moro com a minha mãe ... na verdade eu sou

adotiva

P quem educou você?

A1 minha mãe, meu irmão e minha avó

P a sua avó ainda faz parte da sua família?

A1 faz

P ela é uma pessoa especial pra você?

A1 sim

P e seu irmão ... mora com vocês?

A1 também

P você está estudando?

A1 não ... eu estou trabalhando

P aonde você trabalha?

A1 na Ultrafarma

P é remunerado este seu trabalho? O que você faz com o dinheiro?

A1 o dinheiro ... eu ajudo em casa

P você também compra coisas que você quer para você? consegue decidir

sozinha?

A1 sim

P como é o seu dia-a-dia? o que você faz todo dia?

A1 bem ... os dias ... os dias que eu treino ginástica é:: natação e ginástica de

segunda, quarta e sexta-feira ... terça e quinta-feira/ de terça eu fico em casa ...

de quinta de vez em quando eu vou pra aula de tricô ... fim de semana eu fico

em casa

P e aqui? você vem há muito tempo?

A1 aqui? sim faz ... não sei quantos anos faz ... mas faz tempo

P o que significa ser atleta para você?

A1 atleta ... hm ... bastante coisa ... bastante coisa assim

P que importância tem pra você praticar o esporte?

A1 é bom praticar esporte ... minha mãe não quer que eu fique parada sem fazer

Page 138: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

138

nada né? e é bom também

P você participa de competições?

A1 sim ... natação e ginástica

P já viajou com o pessoal?

A1 não ... viajar pra fora assim/ três meninas já foram ... assim/ ainda não mas vai

ter uma oportunidade também

P quando vocês têm competição e ficam o dia inteiro fora?

A1 é ... igual a natação que era pra ser agora em setembro não foi e foi adiado ...

vai ser agora em outubro

P e você participa em que provas?

A1 é é:: brasileiro ... é:: crawl costa peito e borboleta ... esse brasileiro está valendo

renovação do bolsa para ano que vem

P você é uma atleta com bolsa atleta é isso?

A1 isso ... na natação

P você treina todo dia?

A1 não ... segunda e quarta natação e aí a ginástica também na segunda só que

na sexta é só ginástica

P a sua bolsa atleta é pela natação?

A1 isso pela natação

P você participa das competições pela ABDEM ((Associação Brasileira de

Desportos de Deficientes Mentais))?

A1 é::

P que significado tem pra você autonomia?

A1 autonomia?

P autonomia é quando a gente consegue fazer as coisas sozinhas ... tomar

decisões... escolher coisas ...

A1 em casa eu arrumo minha cama arrumo a mesa do café eu mexo no notebook (

) é:: facebook ... entro no face pra conversar

P então você consegue digitar ler escrever?

A1 é ... vou pro serviço sozinha e pra cá eu venho com uma das mães das

meninas que me traz

P na hora de ir embora também?

A1 na hora de ir embora eu vou com um ... uma assim ... uma mãe ... uma amiga

Page 139: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

139

minha que a mãe dela mora lá perto de casa

P no dia-a-dia você percebe alguma dificuldade em relação às atividades que

você faz?

A1 ((silêncio)) aqui?

P e no trabalho

A1 não nada

P gosta da natação? aprende fácil? treina forte?

A1 isso

P no treino você percebe que você tem oportunidade de fazer escolhas do seu

treinamento ou em dia de competição?

A1 na competição eu fico mais né? é:: nervosa ... a mão começa a suar né?

quando chega a vez ...

P quantos anos você tem?

A1 35

P da sua fase de adolescência até hoje percebe alguma diferença?

A1 normal

P mais alguma coisa que você queira dizer?

A1 hm hm ((risos)) que eu já ... vou fazer em dezembro eu vou fazer um ano que

eu estou namorando um rapaz ... fiscal que trabalha na Ultrafarma ... vou fazer

um ano ... de vez em quando ele me leva até o metrô Santa Cruz pra eu não

ficar sozinha até aparecer alguém pra me buscar e de vez em quando ele vai lá

em casa fica comigo aí a gente fica escutando músicas do rádio assiste

televisão ... é:: de vez em quando minha mãe deixa eu ir no shopping assistir

um filme no cinema

P você usa o seu dinheiro para ir ao cinema

A1 isso

P que mais?

A1 nós estamos pretendendo mais pra frente é:: ficar noivo ... porque agora na

verdade assim/ estava pensando em parar agora ... com 35 ... mas é melhor eu

continuar porque no ano que vem eu faço 36 ... eu estava achando melhor quer

dizer continuar os treinos ... participando das competições né? porque o esporte

é bom mas ... melhor continuar enquanto der porque eu de vez em viro o pé

P na ginástica ... e atrapalha também na natação?

Page 140: A JORNADA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA … · Pedrinelli, Verena Junghähnel P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na perspectiva bioecológica

140

A1 a natação já é uma terapia e dá pra mexer o pé

P porque você quer parar?

A1 é:: eu falei pra ela ((treinadora)) o que eu queria era só fazer a natação e sair da

ginástica porque ( )

P imagino que você seja uma boa atleta ... eu desejo que você continue gostando

de treinar ... muito obrigada