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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física
Doutorado
VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI
A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO
Orientadora: Profa. Dr
a. Maria Regina Ferreira Brandão.
São Paulo
Março - 2014
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física
Doutorado
VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI
A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação
Física da Universidade São Judas Tadeu,
para obtenção do título de Doutora em
Educação Física.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina
Ferreira Brandão.
São Paulo
Março - 2014
Pedrinelli, Verena Junghähnel
P371t A trajetória para a autonomia de atletas com deficiência intelectual na
perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano / Verena
Junghähnel Pedrinelli. - São Paulo, 2014.
140 f. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Maria Regina Ferreira Brandão.
Tese (doutorado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2014.
1. Autonomia. 2. Deficiência intelectual. 3. Desenvolvimento humano.
I. Brandão, Maria Regina Ferreira. II. Universidade São Judas Tadeu,
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física. III. Título
CDD 22 – 796
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca
da Universidade São Judas Tadeu Bibliotecário: Ricardo de Lima - CRB 8/7464
VERENA JUNGHÄHNEL PEDRINELLI
A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação
Física da Universidade São Judas Tadeu,
para obtenção do título de Doutora em
Educação Física.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina
Ferreira Brandão.
Banca Examinadora
________________________________________________ Profa. Dra. Maria Regina Ferreira Brandão (Orientadora)
Universidade São Judas Tadeu
_____________________________________ Profa. Dra. Joice Mara Facco Stefanello
Universidade Federal do Paraná
_____________________________________ Profa. Dra. Lenamar Fiorese Vieira Universidade Estadual de Maringá
_____________________________________ Profa. Dra. Graciele Massoli Rodrigues
Universidade São Judas Tadeu
_____________________________________ Profa. Dra. Maria Luiza de Jesus Miranda
Universidade São Judas Tadeu
A meus mais queridos
André, Vivian e Thomas,
pelo amor que nos une,
pela família que somos.
Adoro vocês.
Meus melhores agradecimentos
A Maria Regina Ferreira Brandão Regina, pela pessoa sine qua non que é, cujas
palavras-chave são competência e acolhida. Mais do que pelo aprendizado,
minha gratidão por sua amizade.
Aos atletas, mães, treinadoras e treinadores, acompanhantes, coordenadores dos
programas e das instituições que inspiraram e possibilitaram a realização deste
estudo.
À família paralímpica, pela acolhida e inestimável colaboração.
À família Special Olympics, especialmente a Maria Teresa Krähenbühl Leitão e a
Vinicius Savioli, pela amizade construída ao longo de tantos anos de
convivência e pela gratificante experiência profissional.
A Lenamar Fiorese Vieira, Joice Mara Facco Stefanello, Graciele Massoli Rodrigues
e Maria Luiza de Jesus Miranda, membros da banca examinadora, pelas
contribuições para o aprimoramento da tese.
A Marli Nabeiro e Eilsabete dos Santos Freire, suplentes da banca, a quem admiro
muito.
A André Luiz dal Prá, meu primeiro aluno com síndrome de Down, e a sua família,
pelo inestimável aprendizado e pela valiosa amizade.
A Meico Fugita, AMIGA (com letras maiúsculas!), por balizar o projeto na pré-banca
e por compartilhar seu conhecimento e sua experiência de vida.
A Simone Salvador Gomes e Gerson dos Santos Leite, que acompanharam passo a
passo o processo de mais esta conquista. Viva a primeira turma de
doutorandos da Regina!
A Adriana Justino, Raul Santos de Oliveira, Rodrigo D’Alonso Ferreira e Gisele Maria
Silva, pela grata convivência no grupo de estudos em Psicologia do Esporte e
orientandos da Regina.
A Vanilton Senatore, inquestionável desbravador da educação física para pessoas
com deficiência no Brasil, a quem devo minha inserção na área e em nome de
quem agradeço a todos aqueles que fizeram (e ainda fazem) parte da história
da educação física adaptada neste país.
A todos da família da Sobama e da Ifapa, valiosíssimos e imprescindíveis.
A Ruth Eugênia Cidade, especialmente querida, pela amizade, pelo respeito e pela
admiração que nos mantêm unidas.
A Paulo Henrique Verardi, pela amizade e pelo acolhimento, tantas e tantas vezes,
no Simpósio SESC de Atividades Físicas Adaptadas, em São Carlos.
Ao Prof. Durval Luiz da Silva e a todos os colegas, amigos, professores,
funcionários, coordenadores e diretores da USJT, da graduação e da pós-
-graduação, que ampararam e possibilitaram meu desenvolvimento pessoal e
profissional.
A Marcelo Donizeti Micheletto, pelo idealismo (que muito admiro) e pela inestimável
colaboração para me substituir nas aulas sempre que necessário.
A todos os alunos de graduação, de cursos de especialização, pós-graduação e
capacitação, por meio de quem se dissemina o conhecimento da educação
física adaptada, assegurando a plena participação de pessoas com deficiência.
Às amizades construídas a cada tempo da minha vida, mediadas por atividades
desenvolvidas na escola (Colégio Benjamin Constant), nos clubes (Clube
Bragança, ACM, Pinheiros, Tênis Clube, Paineiras), no Conservatório Musical
Brooklin Paulista, na Mercedes-Benz do Brasil, nas aulas de artesanato e no
curso de audiodescrição.
Aos colegas de turma da EEFUSP.
À equipe de treinamento de natação do Koiti Anzai, cuja história tem sido
relembrada em encontros virtuais e presenciais do grupo Natação USP. Bons
tempos! Uma rica experiência como atleta de natação em jogos universitários
locais, regionais (JUPs) e nacionais (JUBs).
A Suiara Pereira Teixeira, pela amizade e pela acolhida carinhosa nas visitas a
Brasília.
Às “sincronéticas”, pelos divertidos momentos de treinamento e apresentação de
coreografias e pelas difíceis exibições de figuras e de rotinas nas competições
de nado sincronizado.
Aos profissionais da ATNESP, que aprimoraram minhas competências profissionais
na natação e foram parceiros no início da carreira.
Aos mestres, colegas e funcionários da EEFUSP (atual EEFEUSP), responsáveis
por minha formação na graduação e no mestrado, muitos dos quais me
acompanharam ao longo de dez anos como docente nessa instituição.
A Rita de Cássia Garcia Verenguer, pelos tantos e tão importantes momentos de
vida que compartilhamos.
A Rosângela Barqueiro e Antônio Carlos Barqueiro, Eliane Lemos e Adelino Ozores,
pelos anos de convivência, a quem admiro pela incansável dedicação à
inclusão de pessoas com deficiência.
Aos médicos amigos do Pedrinelli e respectivos familiares, que nos acompanham
desde o tempo de namoro.
A todas amigas do grupo Elas, tão especiais e muito queridas.
Ao grupo do Dojão, nossa confraria do vinho, pelos divertidos encontros e pela ótima
convivência.
A Rita Rodrigues Corsato, Marcos Corsato, Breno e Maria Eugênia, que considero
uma família dentro da nossa família.
A Montezuma Pimenta Ferreira, pela preciosa “receita médica” – 25/5 min, 2 a 4
vezes ao dia – para compor e finalizar esta tese.
A Shirlei Montanari, personal trainer, por saber cuidar do meu bem-estar e pela
amizade construída nos tantos encontros.
Às amizades que vieram com os filhos: as mães (e pais) do Colégio Visconde de
Porto Seguro, o grupo de Kantele e de lira, os professores da Sons, os
profissionais do Clube Paineiras do Morumby e a família escoteira do Gesp.
A Andrea Leitner Thomazoni, amiga tão querida, pelos pontos de vista tão diferentes
e tão necessários, que sedimentaram nossa amizade e nos motivam a sempre
e sempre nos reencontrarmos.
A Luis Phillipe Blanes (Dina) e Francisco Blanes (Nico), pela tentativa de resgatar
um importante arquivo deletado – afinal, qual tese não tem uma ocorrência
dessas?
À Confraria de Textos, na pessoa de Helena Meidani, pela competente e dedicada
revisão da tese.
À minha família
A minha mãe Lieselotte Junghähnel (Mami), a quem sou grata pela educação que
me deu.
A minha irmã, Sylvia Junghähnel, por me haver ensinado a importância e a
necessidade do vínculo fraterno.
A meu irmão, Mario Junghähnel, a quem admiro pela presença sempre alegre nos
encontros de família.
A Gertrud Reincke (Tante Trudi) e Susana Margarida Brechbühler (Tante Susi),
respectivamente tia e tia-madrinha, que, cada qual à sua maneira, fortalecem o
significado de família.
A meu pai (Harald Kurt Junghähnel), tio (Rolf Junghähnel) e avós (in memoriam) (e
demais antepassados), a quem sou grata pela herança germânica.
À família agregada, todos muito queridos: Ricardo Pedrinelli, Sylvia Regina Micalli
Pedrinelli, Victor e Bruno; Marisa Alves dos Reis Junghähnel, Patrick e
Amanda; João Pedrinelli, Neusa Santos Pedrinelli (in memoriam), Maria de
Lourdes Brombai; Camila Marqueis Fernandes; Fernando Moysés Chaim e
respectivos familiares.
Aos amigos de coração, tantos e todos (porventura não mencionados
nominalmente), por terem caminhado a meu lado em algum momento.
Cada um está nas entrelinhas deste estudo. E não poderia ser diferente.
“Pelo sonho é que vamos.”
David Rodrigues
“[...] são, na verdade, os processos proximais que poderão nortear a
transformação da criança de hoje, no adulto de amanhã.”
Ruy Jornadas Krebs
RESUMO
O objetivo deste estudo foi investigar a percepção da autonomia de atletas com
deficiência intelectual sob a perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento
humano. Entrevistaram-se dez atletas de natação com deficiência intelectual (cinco
do programa esportivo paralímpico e cinco do programa da Special Olympics), de
ambos os sexos, maiores de 18 anos, bem como suas respectivas mães (n = 10) e
treinadores (n = 8) e um assistente. Um questionário semiestruturado foi utilizado
para coletar suas opiniões. Os coordenadores (n = 5) de cada programa
responderam a duas questões por escrito. A análise descritiva e interpretativa
baseou-se no modelo processo-pessoa-contexto-tempo. Os resultados indicam que
as disposições, os recursos e as demandas (atributos da pessoa) observados nos
processos proximais do microssistema do ambiente lar/família e do ambiente esporte
refletem especificidades que demandam uma abordagem contextualizada do modus
operandi de cada atleta. Em alguns casos, os atributos se mostraram
desenvolvimentalmente instigantes e, em outros, combinaram-se características
pessoais positivas e negativas que influenciaram o comportamento autônomo. Os
resultados também indicaram que atividades no ambiente lar/família, bem como
treinamento e competições no ambiente esporte, têm um efeito importante na
autonomia. As metas e ações institucionais se relacionaram com a intervenção
profissional dos treinadores, refletindo interconectividade entre o meso e o
exossistema. Apesar de participarem de discussões em grupo sobre direitos
relativos à autonomia, mães, treinadores e mesmo atletas engajados em
organizações em defesa dos direitos da pessoa com deficiência mencionam apenas
poucos documentos existentes no macrossistema. Identificaram-se eventos com
características microtemporais e mesotemporais nos processos proximais, mas, para
o cronossistema, as expectativas deveriam contemplar mudanças de
comportamento em longo prazo. Mães e treinadores têm um papel importante na
mudança de comportamento dos atletas, mas a análise do mesossistema não
confirma a transversalidade entre os ambientes lar/família e esporte.
Aparentemente, prevalecem crenças pessoais nas ações adotadas pelas mães e
treinadores, em detrimento de aspectos culturais e de normas nacionais
relacionadas ao macrossistema. Desta forma, pode-se confirmar que os processos
proximais são de fundamental importância em qualquer relação interpessoal. A
perspectiva bioecológica adotada para compreender a autonomia de atletas com
deficiência intelectual permite afirmar que o esporte pode ser considerado um
ambiente favorável ao desenvolvimento humano.
Palavras-chave: Autonomia. Deficiência intelectual. Modelo bioecológico de
desenvolvimento humano.
ABSTRACT
This study´s aim was to investigate the perception of autonomy of athletes with
intellectual disability under the perspective of the bioecological theory of human
development. Ten athletes with intellectual disability (five attending a Paralympic
sports program and five attending a Special Olympics program), from both genders
and older than 18 years, were interviewed, as well as their respective mothers (n =
10), coaches (n = 8), and one assistant. A semi-structured questionnaire was used to
collect their opinions. The coordinators (n = 5) of each program answered two written
questions. The descriptive and interpretative analysis was based upon the process-
person-context-time model. Results show that dispositions, resources and demands
(personal attributes) observed in proximal processes in the microsystem of the
home/family environment and the sport environment reflect specificities that demand
a contextualized approach of the modus operandi of each athlete. In some cases it
was possible to observe that all of the attributes were developmentally instigative,
and in others positive and negative personal characteristics have been combined
influencing autonomous behavior. Results also showed that activities in the
home/family environment as well as training and competitions in the sport
environment have an important effect on autonomy. Institutional goals and actions
were related to professional intervention of coaches, reflecting interconnectivity
between meso and exosystem. In spite of participating in group discussions about
the rights toward autonomy, mothers, coaches and even athletes engaged in
organizations in defense of the rights of people with disability do only mention a few
existing documents in the macrosystem. Events with microtemporal and
mesotemporal characteristics were noted in proximal processes, but for the
chronosystem, expectations for changes in behavior in long-term should have been
contemplated. Mothers and coaches have an important role in the change of athletes
behavior, but the analysis of the mesosystem does not confirm transversality
between home/family and sport environment. Apparently, personal beliefs prevail in
actions adopted by mothers and coaches over cultural and national norms related to
the macrosystem. Therefore it can be stated that proximal processes are of
fundamental importance in any interpersonal relationship. The adopted bioecological
perspective to understand autonomy of athletes with intellectual disability allows to
state that sport can be considered a favorable environment for human development
Key words: Autonomy. Intellectual disability. Bioecological model of human
development.
LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1 - Construtos do modelo bioecológico de desenvolvimento
humano ......................................................................................
33
Esquema 2 - O processo e suas características ............................................. 34
Esquema 3 - Atributos da pessoa em desenvolvimento .................................. 35
Esquema 4 - O microssistema e seus componentes ...................................... 36
Esquema 5 - Representação de mesossistema e seus elementos ................. 37
Esquema 6 - Representação de exossistema ................................................. 38
Esquema 7 - Representação de macrossistema ............................................. 39
Esquema 8 - Tempo e o cronossistema .......................................................... 40
Esquema 9 - Mapa ecológico da atleta A1 ...................................................... 109
Esquema 10 - Mapa ecológico do atleta A2 ...................................................... 109
Esquema 11 - Mapa ecológico da atleta A3 ...................................................... 110
Esquema 12 - Mapa ecológico da atleta A4 ...................................................... 110
Esquema 13 - Mapa ecológico do atleta A5 ...................................................... 111
Esquema 14 - Mapa ecológico do atleta A6 ...................................................... 111
Esquema 15 - Mapa ecológico do atleta A7 ...................................................... 112
Esquema 16 - Mapa ecológico do atleta A8 ...................................................... 112
Esquema 17 - Mapa ecológico do atleta A9 ...................................................... 113
Esquema 18 - Mapa ecológico do atleta A10 .................................................... 113
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Demonstração do uso de normas para transcrição sugeridas por
Presti et al. (1999) e Presti (2000) ....................................................
58
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Livros e os artigos publicados por Urie Bronfenbrenner (em inglês
e português) ....................................................................................
31
Quadro 2 - Tema, número da definição, assunto, proposição e hipóteses
propostas por Bronfenbrenner em 1979 .........................................
42
Quadro 3 - Temas complementares ao modelo ecológico do
desenvolvimento humano organizados em tópicos, subtópicos,
princípios e corolários propostos por Bronfenbrenner em 1992 .....
44
Quadro 4 - Proposições abreviadas apresentadas por Bronfrenbrenner em
2001 ................................................................................................
45
Quadro 5 - Perfil dos atletas .............................................................................. 53
Quadro 6 - Síntese das características de cada elemento do modelo
bioecológico do desenvolvimento humano proposto por
Bronfenbrenner (1979; 1992; 2001) ................................................
61
Quadro 7 - Atributos pessoais de atletas e respectivas alocações no polo
negativo e/ou polo positivo de acordo com o depoimento ..............
94
Quadro 8 - Caracterização dos processos proximais na percepão dos
atletas,mães e treinadores ..............................................................
100
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................
1.1 Definição do problema ....................................................................................
1.2 Objetivos .........................................................................................................
1.2.1 Objetivo geral ...............................................................................................
1.2.2 Objetivos específicos ...................................................................................
1.3 Justificativa .....................................................................................................
1.4 Delimitação do estudo ....................................................................................
1.5 Definição de termos ........................................................................................
2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................
2.1 Autonomia: características .............................................................................
2.2 A teoria bioecológica do desenvolvimento humano .......................................
2.2.1 O modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT) ..................................
2.2.2. Um sistema teórico em evolução ................................................................
2.3 A pessoa com deficiência intelectual na perspectiva do modelo biológico de
desenvolvimento humano .....................................................................................
3 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO .........................................................
3.1 Sujeitos ...........................................................................................................
3.2 Instrumentos ...................................................................................................
3.3 Procedimentos ................................................................................................
3.3.1 Do contato com os participantes à anuência de participação .....................
3.3.2 Do agendamento e da realização das entrevistas .......................................
3.3.3 Da elaboração dos relatórios ......................................................................
3.4 Análise dos dados ..........................................................................................
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................
4.1 Ponto de partida: significado de autonomia ...............................................
4.2 Cada caso é um caso: a história contada .......................................................
4.2.1 Atleta 1 .........................................................................................................
4.2.2 Atleta 2 .........................................................................................................
4.2.3 Atleta 3 .........................................................................................................
20
20
25
25
25
25
26
27
28
28
30
32
41
47
51
52
55
55
56
57
57
59
62
62
64
64
68
70
4.2.4 Atleta 4 .........................................................................................................
4.2.5 Atleta 5 .........................................................................................................
4.2.6 Atleta 6 .........................................................................................................
4.2.7 Atleta 7 .........................................................................................................
4.2.8 Atleta 8 .........................................................................................................
4.2.9 Atleta 9 .........................................................................................................
4.2.10 Atleta 10 .....................................................................................................
4.3 A pessoa em desenvolvimento: atributos pessoais e processos proximais
no microssistema ..................................................................................................
4.4 O mesossistema: explorando a interconectividade entre ambientes .............
4.5. O exossistema: repercussão dos vínculos apoiadores .................................
4.6 O macrossistema: estrutura e ideário .............................................................
4.7 Tempo: a propriedade da completude ............................................................
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................
REFERÊNCIAS ....................................................................................................
APÊNDICES .........................................................................................................
73
77
79
82
84
87
89
92
100
102
106
114
116
119
129
20
1 INTRODUÇÃO
1.1 Definição do problema
Durante a vida, uma pessoa sofre diversas influências que afetam seu
desenvolvimento. Meu interesse em pessoas com deficiência intelectual teve início
em 1980, quando, durante o último ano da graduação em educação física, na então
Escola de Educação Física (EEF), hoje Escola de Educação Física e Esporte
(EEFE) da Universidade de São Paulo, num programa de atendimento à
comunidade, me dispus a dar aulas de natação para um adolescente com síndrome
de Down.
Em 1981, quando me tornei docente na USP, oficializou-se o curso então
denominado Natação para Deficientes Mentais, oferecendo mais vagas e a
oportunidade de monitoria a alunos em formação. Toda a orientação pedagógica era
planejada considerando a natação uma possibilidade de deslocar o corpo com
independência no meio líquido, com princípios de segurança fundamentados na
autonomia e responsabilidade do aluno. Esse curso ensejou uma experiência ímpar
de intervenção profissional. O trabalho com alunos com deficiência intelectual me
levou a querer compreender melhor seu desenvolvimento motor e seu processo de
aprendizagem, o que culminou na dissertação de mestrado Formação de esquemas
motores em crianças portadoras de síndrome de Down, defendida em 1989.
Marco histórico em 1981, o Ano Internacional da Pessoa Deficiente deflagrou
várias ações governamentais que se refletiram no processo de implantação da
disciplina de educação física adaptada (na época, também chamada de educação
física especial) na graduação em educação física. Em 1985, tive a oportunidade de
assumir a disciplina de Educação Física Adaptada na graduação da EEFEUSP,
passando a me dedicar a essa área de estudo até os dias de hoje.
Entre muitos momentos importantes da minha carreira, destaco meu
envolvimento no programa Special Olympics Brasil a partir de 2005 como
coordenadora nacional da natação, capacitando profissionais de educação física que
trabalham com atletas com deficiência intelectual a treiná-los para participarem de
competições da Special Olympics.
Por essa atuação, fui nomeada técnica-chefe da equipe de natação que
participou dos Jogos Mundiais de Verão da Special Olympics, em Xangai, em 2007.
21
Em 2009, fui convidada para ser diretora nacional de esportes da Special Olympics
Brasil e chefiar a delegação brasileira que participou dos Jogos Latino-Americanos
da Special Olympics em Porto Rico.
Na preparação da equipe de natação em 2007 e na da delegação brasileira
em 2010, muito se falou em desenvolver a autonomia, uma vez que a família dos
atletas não estaria com eles durante a viagem e nem seus treinadores estariam a
seu lado nas provas da competição, especialmente em modalidades individuais
como a natação. Assim, atletas, treinadores e famílias foram preparados para a
viagem. Sabíamos que o grande desafio seria lidar com as questões psicossociais,
e, em particular, me interessei em aprofundar o conhecimento relativo à autonomia
de atletas com deficiência intelectual.
Segundo Harris (2003) e Jolly et al. (2009), a autonomia é a capacidade de
uma pessoa ser agente daquilo que deseja e julga adequado fazer, desde que essa
escolha seja respaldada em opiniões e decisões baseadas em experiências,
conhecimento, preferências, crenças e valores. Essa afirmação encontra eco na
literatura referente à pessoa com deficiência intelectual (HOOREN et al., 2002;
MARTIN, 2003; MILL; MAYES; McCONNELL, 2009; WEHMEYER; BOLDING, 2001;
WILSON; CLEGG; HARDY, 2008; WULLINK et al., 2009).
Na perspectiva biecológica do desenvolvimento humano
(BRONFENBRENNER, 2001; 2005), é fundamental considerar que, sendo capaz de
fazer escolhas, expressar opiniões e tomar decisões, a pessoa com deficiência
intelectual demonstra ter atributos pessoais que lhe permitem ter autonomia.
Enfatize-se que a percepção de autonomia se estabelece a partir das relações
interpessoais, que serão tanto mais instigantes quanto mais disposições
desenvolvimentalmente geradoras envolverem.
Muitas vezes, as pessoas que convivem com uma pessoa com deficiência
intelectual assumem uma atitude paternalista, que, segundo Rogers e Ballantyne
(2008), se justifica, da perspectiva ética, pelas características de vulnerabilidade.
Hooren et al. (2002) afirmam que, muitas vezes, essas pessoas acreditam que estão
fazendo o melhor quando decidem ou induzem a pessoa com deficiência a aceitar
uma sugestão. No entanto, para Kimball (2007), isso afasta a discussão e a reflexão
sobre informações relevantes que podem ajudar a pessoa em desenvolvimento a
fazer escolhas, legitimando sua decisão e concorrendo para a percepção da
autonomia. Sua vulnerabilidade e a falta de condutas que favoreçam seu
22
desenvolvimento e sua participação social podem resultar num desastre, do ponto
de vista contextual (PEEK; STOUGH, 2010).
Ainda que se considere a autonomia um comportamento de natureza pessoal,
ela está diretamente relacionada aos valores que cada sociedade cultiva e, portanto,
é um ideal a alcançar (YANAY, 1994).
Desde 2001, a participação ativa e com autonomia de pessoas com algum
déficit ou deficiência em funções ou estruturas corporais tem sido o pressuposto
principal da Organização Mundial de Saúde (OMS) na atualização da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2001; versão traduzida OMS, 2003). O novo modelo valoriza a
realização de atividades (tarefas ou ações, ainda que com limitações) e a
participação (envolvimento em situações de vida diária, ainda que com restrições).
Visa sobretudo avaliar as capacidades e o desempenho para uma boa qualidade de
vida, incentivando a permanência ou a inserção produtiva da pessoa no contexto
social, em vez de considerá-la inapta ou inválida (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008;
FARIAS; BUCHALLA, 2005; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011).
Diretrizes nacionais e internacionais influenciam políticas de planejamento e
ações nas esferas administrativas e desencadeiam a disseminação de ideais nas
bases da comunidade envolvendo família e escola, entre outros, com o objetivo de
garantir a todos, de qualquer idade, em qualquer contexto, o direito de usufruir das
premissas de determinado momento sócio-histórico. No Brasil, o Programa Nacional
de Direitos Humanos (PNDH-3) (BRASIL, 2010) e a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2011) estabelecem as diretrizes que
orientam o direito à plena participação, especialmente dos grupos minoritários, com
a preocupação da construção da autonomia e da cidadania.
Estudos sobre a percepção de autonomia são explorados em diferentes
perspectivas; por exemplo, a percepção que o atleta tem de si mesmo e a percepção
de autonomia que ele consegue atribuir à intervenção do treinador no contexto do
esporte (ADIE; DUDA; NTOUMANIS, 2008; ÁLVAREZ et al., 2009; JOLLY et al.,
2009; SMITH; NTOUMANIS; DUDA, 2007; SOLBERG; HALVARI, 2009). Outros
estudos procuram estabelecer relação entre percepção de autonomia e motivação
ou entre estabelecimento de metas e autonomia (MOURATIDIS et al., 2008); entre
percepção de autonomia e bem-estar (RYAN et al., 2009); entre percepção de
autonomia e relação de amizade (DECI et al., 2006); entre autonomia e habilidades
23
de liderança (este com participantes de atletas com deficiência intelectual)
(SIPERSTEIN; KERSCH; BARDON, 2007). Embora identifiquem a percepção de
autonomia das partes envolvidas, esses estudos não discutem a influência do
contexto na autonomia.
Diante de um fenômeno complexo e multifacetado, Brandão (2007), García
Bengoechea (2002), Krebs (2001; 2003; 2006; 2010), Krebs et al. (2011) e Tudge et
al. (2009), estudiosos da psicologia do esporte, apontam a importância da teoria
bioecológica do desenvolvimento humano proposta por Bronfenbrenner (2001; 2005)
para explorar o efeito do processo interativo e dinâmico no desenvolvimento
humano.
Essa teoria entende o desenvolvimento humano como uma função da
interação pessoa-contexto ao longo do tempo, com especial atenção aos processos
proximais que ocorrem nas relações interpessoais. Segundo Bronfenbrenner (2001;
2005), o modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT) é considerado a essência
da teoria. Adotando-se a teoria bioecológica do desenvolvimento humano, se
assume que a investigação envolverá avaliação e análise simultânea desses
elementos.
Estudos em psicologia do esporte fundamentados na teoria bioecológica do
desenvolvimento humano de Bronfenbrenner têm discutido diferentes temas; por
exemplo, a influência de atributos pessoais em tenistas (COPETTI, 2001), a
participação esportiva (KREBS et al., 2011; SOUZA, 2010; STEFANELLO, 2005), o
engajamento social em jogos recreativos (TOLOCKA; FARIA; DE MARCO, 2011), o
comportamento parental (HOLT et al., 2009; NAKASHIMA, 2012), o
desenvolvimento de talento (HENRIKSEN, 2010; KREBS, 2009a), a importância dos
processos proximais (KREBS, 2009b) e a influência de fatores pessoais e
contextuais na prática esportiva (COPETTI; KREBS, 2004; KREBS, 2003;
STRACHAN; COTÉ; DEAKIN, 2009). E, embora sejam raros, os estudos sobre
pessoas com deficiência intelectual frisam a importância e o desafio de se adotar o
modelo bioecológico do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner no contexto da
educação especial ou inclusiva (BUTERA, 2005; KREBS, 2006; SONTAG, 1996;
SOUZA, 2009).
O esporte é considerado um fenômeno sociocultural e educativo, e seus
conceitos, características, orientações, manifestações e princípios têm sido
explorados por autores como Stigger (2001), Gonzalez (2004), Tani e Manoel
24
(2004), Rodríguez, Robles e Fuentes-Guerra (2009) e Tubino (2010). No glossário
da Política Nacional de Esporte (BRASIL, 2005), define-se o esporte como:
Fenômeno sociocultural que tem no jogo seu vínculo cultural e na competição seu elemento essencial e que, em suas diferentes formas, contribui para a formação e a aproximação dos seres humanos, ao reforçar o desenvolvimento de valores como a moral, a ética, a solidariedade, a fraternidade e a cooperação, o que o torna um dos meios mais eficazes para a convivência humana (p. 29).
Na condição de fenômeno sociocultural, educativo e político, o esporte é
dinâmico sofre influências constantes, o que se pode constatar pela evolução
conceitual de seus diferentes significados ao longo dos séculos e de seu
reconhecimento como uma das maiores manifestações culturais do mundo, sendo
hoje designado esporte contemporâneo (TUBINO, 2010). No Brasil, o esporte está
classificado em três categorias – (a) esporte-educação, (b) esporte-lazer e (c)
esporte de desempenho –, espectro que contempla todas as suas manifestações
nos meios educativos, populares, comunitários ou institucionalizados (TUBINO,
2010). Os princípios norteadores do esporte-educação são a participação, a
coeducação, a cooperação, a corresponsabilidade e a inclusão; do esporte-lazer, a
participação, o prazer e o desenvolvimento esportivo; e, do esporte de desempenho,
o desenvolvimento esportivo e a superação.
No Brasil, as organizações que gerenciam, em âmbito nacional, a participação
de pessoas com deficiência intelectual no esporte são o Comitê Paralímpico
Brasileiro (a que se subordina a Associação Brasileira de Desportos para o
Deficiente Intelectual [Abdem]) e a Special Olympics Brasil. O movimento
paralímpico segue a regulamentação estabelecida pela Inas (organização
internacional voltada aos para-atletas com deficiência intelectual), e o movimento
Special Olympics tem seu próprio regimento, estabelecido pela Special Olympics
(internacional) para a participação de atletas com deficiência intelectual. Ambos
focam o desenvolvimento esportivo, sendo que o primeiro visa o alto desempenho,
enquanto esta visa a participação. Na perspectiva bioecológica do desenvolvimento
humano, cada uma dessas organizações tem características próprias, e sua
estrutura e seu funcionamento têm implicações no desenvolvimento de cada atleta.
Diante do exposto, esta tese tem os seguintes objetivos:
25
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo geral
O objetivo do presente estudo é investigar os elementos propulsores da
autonomia na trajetória de vida de atletas de natação com deficiência intelectual sob
a perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento humano.
1.2.2 Objetivos específicos
1. Analisar o significado atribuído à autonomia por atletas, mães e
treinadores.
2. Analisar os atributos pessoais dos atletas na inter-relação com o contexto.
3. Analisar os processos proximais do microssistema do ambiente lar/família e
do ambiente esporte.
4. Analisar o mesossistema pelo processo de interação entre os
microssistemas.
5. Analisar o exossistema e o processo de interação com o mesossistema.
6. Analisar o macrossistema e o processo de interação com o exossistema.
7. Analisar a ocorrência de eventos conforme a concepção do elemento
tempo do modelo bioecológico do desenvolvimento humano.
1.3 Justificativa
O respeito à dignidade, à autonomia individual e à liberdade de fazer as
próprias escolhas é um dos princípios gerais da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2011, p. 26). Mas, embora se fale em direito à
autonomia, pouco se sabe sobre os processos que levam pessoas com deficiência
intelectual a um comportamento autônomo.
A adoção da teoria de Bronfenbrenner se justifica por seu potencial explicativo
do desenvolvimento humano, considerando a pessoa e seu contexto
(BRONFENBRENNER, 1979; 1992; 2001; 2005; KREBS, 1995; 2006). Dada a
grande diversidade de processos proximais (tal como a ilimitada relação entre
genótipos e fenótipos, em genética), Bronfenbrenner (2005) afirma que o modelo
26
bioecológico do desenvolvimento humano permite compreender como os
sistemas em que a pessoa está inserida se interconectam e exercem influências
recíprocas.
Assumindo a indissociabilidade entre processo-pessoa-contexto-tempo
(KREBS, 2006; TUDGE et al., 2009), a análise e compreensão da interatividade dos
elementos pode melhorar a estrutura e a rotina de vida da pessoa com deficiência,
favorecendo a plena e ativa participação na sociedade. Compreender a dinâmica
das relações identificando a forma, a força, o conteúdo e a direção dos processos
proximais favorece a orientação do comportamento autônomo.
De acordo com Bronfenbrenner (2001), a teoria bioecológica do
desenvolvimento humano está em permanente evolução. Nesse sentido, requer que
se pesquisem novos temas, com novas hipóteses e novos desenhos de pesquisa
que resultem num conhecimento científica e efetivamente válido, por meio de um
processo denominado ciência desenvolvimental (BRONFENBRENNER; EVANS,
2000, p. 115).
Nesses termos, a opinião de atletas com deficiência intelectual que participam
de programas de esporte no Brasil, de seus respectivos treinadores e de um
representante da família responsável pela sua educação é particularmente
importante para identificar processos que favorecem a autonomia. Os resultados
ensejarão o aperfeiçoamento dos programas de esporte e a consolidação da
educação física adaptada no Brasil e, em particular, a da psicologia do esporte,
especialmente no que tange a atletas com deficiência intelectual.
1.4 Delimitação do estudo
Este estudo investigou cinco atletas participantes de competições do
movimento paralímpico e cinco do movimento Special Olympics, adultos, com
deficiência intelectual, além de seus respectivos treinadores e um representante da
família responsável por sua educação, residentes na capital ou cidades do interior
de São Paulo.
27
1.5 Definição de termos
autonomia: Faculdade de se governar por si mesmo, fundamental garantir a
oportunidade de fazer escolhas (entre opções oferecidas ou conhecidas), de
expressar opiniões (e preferências) e de tomar decisões (com base em suas razões
pessoais, valores e crenças). O comportamento autônomo é intencional e volitivo.
contexto: Um dos elementos do modelo processo-pessoa-contexto-tempo, designa
a interconexão entre micro, meso, exo e macrossistema.
desenvolvimento: Mudança ou permanência de características biopsicológicas dos
seres humanos como indivíduos e grupos ao longo do ciclo de vida humano nas
sucessivas gerações e ao longo do tempo histórico, tanto passado quanto presente
(BRONFENBRENNER, 2001).
modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT): Conjunto de elementos inter-
-relacionados que representam o complexo fenômeno do desenvolvimento humano,
conforme proposto na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de Urie
Bronfenbrenner.
processo: Construto central do modelo bioecológico do desenvolvimento humano,
consiste no resultado da relação dinâmica entre a pessoa e o contexto.
processos proximais: Mecanismos primários no desenvolvimento humano que
ocorrem na interação da pessoa com outras pessoas, objetos e símbolos em seu
ambiente.
28
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Autonomia: características
Define-se autonomia como a “faculdade de se governar por si mesmo”,
“liberdade ou independência moral ou intelectual”, ou ainda a “condição pela qual o
homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta” (FERREIRA, 2009,
p. 233). De acordo Harris (2003) e Jolly et al. (2009), para que se caracterize a
autonomia, é fundamental haver a oportunidade de fazer escolhas (dentre opções
oferecidas ou conhecidas), expressar opiniões (em relação a preferências) e tomar
decisões (com base em suas razões pessoais, valores e crenças). O comportamento
autônomo, intencional e volitivo, auto-organizado e endossado pela pessoa fortalece
a percepção de autonomia e concorre para o desenvolvimento da autodeterminação
(RYAN et al., 2009; RYAN; HUTA; DECI, 2006; WEHMEYER; BOLDING, 2001;
WEHMEYER; PALMER, 2003).
Segundo Mill, Mayes e McConnell (2009) a percepção de autonomia se
desenvolve com base em relações interpessoais, cujas influências interdependentes
e intrincadas permitem à pessoa adotar uma postura passiva, proativa ou resistente.
No referido estudo, com pessoas com deficiência intelectual, observaram-se essas
posturas em negociações entre pais e filhos. Considera-se aqui a possibilidade de
essas posturas também se manifestarem no ambiente esporte, na relação entre
treinador e atleta ou entre atletas. Ainda de acordo com esses autores, a noção de
autonomia só tem lugar a partir da congruência entre os níveis percebidos e
desejados pela pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, aqueles que convivem
com a pessoa com deficiência intelectual e não consideram sua capacidade de fazer
escolhas muitas vezes assumem uma posição paternalista que, segundo Hooren et
al. (2002), do ponto de vista ético, só se justifica pelo fato de acreditarem que estão
fazendo o melhor quando decidem e induzem a pessoa a com deficiência a aceitar
tal decisão. Os autores apontam outras possibilidades para estimular a decisão
autônoma: dar informações esclarecedoras e discutir e refletir sobre os valores e as
crenças da pessoa com deficiência intelectual, fundamentando legitimamente sua
decisão e concorrendo para a percepção de autonomia.
A possibilidade de ser autônomo na idade adulta pressupõe desenvolvimento
e mudanças de comportamento, sobretudo na transição da adolescência, momento
29
em que a pessoa com deficiência intelectual é confrontada com um novo papel – o
de adulto –, diferente do papel de criança – caracterizado pela dependência e
obediência –, agora com a expectativa de que tenha maior autonomia,
independência e autodirecionamento (MILL; MAYES; MCCONNELL, 2009).
Considerando que o ser humano desenvolve autonomia a partir de uma condição de
heteronomia (FREIRE, 2012), pode-se inferir que o contexto e as experiências
vividas permitem alcançar (ou não) um estado de autonomia relativa ou plena, de
acordo com seus interesses e características pessoais.
No ambiente esporte, Farrell et al. (2004), Spray et al. (2006) e Hagger e
Chatzirantis (2008) afirmam que se participa com mais prazer e motivação quando a
tarefa envolve autonomia, permanecendo e persistindo na atividade esportiva para
um melhor desempenho. Gagné, Ryan e Bargmann (2003) consideraram que,
quanto maior é a motivação autônoma, maiores serão a persistência, o desempenho
e o bem-estar. Ao contrário, se predomina o sentimento de obrigação, ou o de obter
recompensas externas como medalhas, ou ainda o de temer punições, o
desempenho pode ser comprometido (DUNN, 2003).
Muitas vezes, o ambiente esporte impõe limites severos à autonomia, mas
Kimball (2007) considera que, fazendo atividades não autônomas e percebendo-as
como tais, os atletas incorporam essa percepção a seu sistema de valores e,
consequentemente, aprimoram sua própria percepção de autonomia.
A escolha de determinada modalidade esportiva por livre vontade ou por
gosto são consideradas autônomas e, segundo Vallerand et al. (2008), refletem uma
personalidade também autônoma. Stancliffe e Parmenter (1999) e Chirkov, Sheldon
e Ryan (2011) realçam que a alegria e o bem-estar são inerentes à experiência
pessoal e motivacional de autonomia, uma vez que se baseiam na livre escolha de
metas que orientarão as ações e o comportamento no decorrer da vida, Assim, é
fundamental estimular a escolha e garantir à pessoa o direito de exercê-la,
principalmente quando se trata de pessoas com deficiência.
A percepção que o atleta tem da disposição do treinador de favorecer sua
autonomia também tem sido objeto de investigações na área esportiva (PIHU et al.,
2008). Adie, Duda e Ntoumanis (2008) e Álvarez et al. (2009) afirmam que a
intervenção do treinador baseada em autonomia é um elemento predisponente para
a vitalidade da participação em programas esportivos. Num estudo que investigou a
influência da orientação do treinador, Sheldon e Filak (2008) manipularam a variável
30
dando total autonomia, relativa autonomia ou nenhuma autonomia para que os
sujeitos encontrassem determinada solução. Os resultados indicaram que,
restringindo-se a autonomia, compromete-se a motivação e, portanto, a consecução
dos objetivos. Os autores aconselham professores, chefes, pais, treinadores e
mentores a avaliar sua conduta em relação ao controle que porventura exerçam, se
pretendem um engajamento efetivo e a permanência nas atividades.
Fica evidente que a autonomia se desenvolve com base em relações
interpessoais e é influenciada pelo contexto, bem como pelas características da
pessoa. Assim, é necessária uma abordagem teórica da percepção da autonomia
em atletas com deficiência intelectual que permita analisar a complexidade desse
comportamento. O modelo bioecológico do desenvolvimento humano incorpora
elementos que permitem investigar o tema, que, competindo à ciência
desenvolvimental, em particular na área de psicologia, tem implicações na psicologia
do esporte. Como postularam Sherrill e Hutzler (2008), estudos com pessoas com
deficiência prestam importante contribuição ao progresso da atividade física
adaptada.
2.2 A teoria bioecológica do desenvolvimento humano
Não é simples sintetizar a teoria bioecológica do desenvolvimento humano,
concebida por Urie Bronfenbrenner numa longa trajetória. O modelo ecológico
original foi publicado no livro de 1979, mas, ao longo dos anos, Bronfenbrenner reviu
e atualizou a teoria, conforme artigos de 1992 e 2001, reimpressos no livro de 2005.
Esses livros foram traduzidos para o português e lançados no Brasil,
respectivamente, em 1996 e 2011. O tempo histórico e o intervalo entre as
publicações originais e as versões em português estão no Quadro 1. Nesta tese,
registra-se a data da publicação original acrescentando-se a da tradução brasileira
quando se a cita: 1979/1996, 1992/2011, 2001/2011, 2005/2011. Faça-se uma
ressalva: a data 1979 consta sempre que se menciona a proposta original do então
denominado modelo ecológico do desenvolvimento humano, ainda que só se tenha
consultado a versão em português, publicada no Brasil anos depois.
31
Quadro 1 – Livros e artigos publicados por Urie Bronfenbrenner em inglês e
português
Título (em inglês e em português)
Ano de publicação do original (em inglês)
Reimpressão (em inglês)
Ano de publicação da
versão em português
Liv
ros
The ecology of human development: experiments
by nature and design. A ecologia do
desenvolvimento humano: experimentos naturais e
planejados
1979 -
1996
2002
(2ª reimpressão)
Making human beings human: bioecological
perspectives on human development
Bioecologia do desenvolvimento humano:
tornando os seres humanos mais humanos
2005 - 2011
Art
igos
Ecological systems theory Teoria dos sistemas
ecológicos 1992 2005
2011 (artigo 10)
The bioecological theory of human development
A teoria bioecológica do desenvolvimento humano
(artigo)
2001 2005 2011
(artigo1)
Fonte: Bronfenbrenner (1979/1996; 1992/2011; 2001/2011; 2005/2011)
Essencialmente, a teoria bioecológica do desenvolvimento humano é um
“sistema teórico para o estudo científico do desenvolvimento humano ao longo do
tempo” (BRONFENBRENNER, 2001/2011, p. 43), e essa teoria define
desenvolvimento humano como:
[...] fenômeno de continuidade e de mudança das características biopsicológicas dos seres humanos como indivíduos e grupos. Esse fenômeno se estende ao longo do ciclo de vida humano por meio das sucessivas gerações e ao longo do tempo histórico, tanto passado quanto presente (BRONFENBRENNER, 2001/2011, p. 43).
Inspirado na equação clássica de Kurt Lewin, C = f(P ME – segundo a qual o
comportamento evolui em função da interação entre pessoa e meio ambiente –,
32
Bronfenbrenner (1979) substituiu o termo comportamento (C) por desenvolvimento
(D) (BRONFENBRENNER, 1979/1996, p. 46) e, em 1992, agregou o elemento
tempo, e a equação passou a ser:
D(t) = f(t-p) (PA)(t-p)
Os símbolos subscritos correspondem, respectivamente, a tempo (t) e a um
período de tempo (t-p), e as s letras PA designam os termos pessoa e ambiente
(HIRSTO, 2001). Bronfenbrenner (1992/2011) traduz a fórmula da seguinte maneira:
[...] as características da pessoa em um dado tempo de sua vida são uma função conjunta das características da pessoa e do ambiente durante o ciclo de vida da pessoa ao longo do tempo. Assim, a ciência define o desenvolvimento como o conjunto de processos pelos quais as propriedades da pessoa e do ambiente interagem para produzir a constância e a mudança das características biopsicológicas da pessoa ao longo do seu ciclo vital (p. 139).
As relações dinâmicas e interativas com outras pessoas, com objetos e com
símbolos da cultura constituem a base da teoria bioecológica do desenvolvimento
humano – mas não isoladamente, pois a abordagem ecológica pressupõe a
interatividade com o contexto. Esse contexto é um conjunto de sistemas (micro,
meso, exo e macrossistema) que originalmente Bronfenbrenner (1979) designava
como sistemas aninhados, numa analogia às conhecidas bonecas russas, ou
matrioshka. Em 2005, o autor registra que, em seus escritos mais recentes, passara
a chamar esse conjunto de sistemas de sistemas interconectados.
Assim, compreender o desenvolvimento humano na perspectiva da teoria
bioecológica de Bronfenbrenner (2001; 2005) requer a análise conjunta dos
elementos processo, pessoa, contexto e tempo.
2.2.1 O modelo processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT)
O modelo processo-pessoa-contexto-tempo (ou modelo PPCT) representa a
inter-relação dos quatro construtos que compõem a teoria bioecológica do
desenvolvimento humano. O processo é a fusão e a relação dinâmica entre pessoa
e contexto. As mudanças ou as permanências do comportamento da pessoa (que se
apresenta com seus atributos pessoais) vinculam-se à dimensão tempo (envolvendo
múltiplas dimensões de temporalidade) (LERNER, 2005). O pressuposto teórico
33
postula que todos os elementos do modelo PPCT devem ser contemplados
simultaneamente (BRONFENBRENNER, 2001; 2005) (Esquema 1).
Esquema 1 – Construtos do modelo bioecológico do desenvolvimento humano
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
O processo é o construto central do modelo bioecológico do desenvolvimento
humano e resulta da relação dinâmica entre a pessoa e o contexto mediada pelos
processos proximais que ocorrem no microssistema (Esquema 2). Os processos
proximais são considerados mecanismos primários no desenvolvimento humano e
operam durante algum tempo no contexto imediato (o microssistema). A forma, a
força, o conteúdo e a direção de cada processo proximal correspondem a
características diversas e únicas, variando segundo as interações entre a pessoa em
desenvolvimento e outras pessoas. Para Bronfenbrenner (2001; 2005), tais
processos proximais variam de acordo com as características da pessoa, do
contexto e do tempo, observando-se mudanças biopsicológicas progressivamente
mais complexas ou um comportamento constante.
34
Esquema 2 – O processo e suas características
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Os processos “variam substancialmente como uma função das características
da pessoa em desenvolvimento” (KREBS, 2003, p. 97). A pessoa em
desenvolvimento tem atributos (disposições, recursos e demandas) que
desencadeiam processos proximais (Esquema 3). Cada atributo tem características
próprias, que podem ser positivas ou negativas. As disposições podem se
desenvolvimentalmente geradoras ou desenvolvimentalmente disruptivas, por
exemplo, a motivação (para engajamento e persistência na atividade física) no polo
positivo, ou a desmotivação (que pode conduzir ao abandono da prática esportiva)
no polo negativo. As características dos recursos, que podem ser físicos, cognitivos,
emocionais, sociais e/ou materiais, correspondem a quesitos que não são visíveis
(TUDGE et al., 2009). Nesse sentido, a deficiência intelectual expõe um rompimento
da integridade do organismo que enseja limitações pessoais. No entanto, apesar da
deficiência, a pessoa desenvolve competências e habilidades, adquire conhecimento
e vive experiências ao longo de sua vida. As características das demandas agem
como estímulo imediato, daí o potencial para rejeição ou atração de outras pessoas.
35
Esquema 3 – Atributos da pessoa em desenvolvimento
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
O contexto é o ambiente onde se insere a pessoa em desenvolvimento.
Estruturalmente, consiste em quatro sistemas interconectados: o micro, o meso, o
exo e o macrossistema.
O microssistema:
[...] é um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciadas pela pessoa em desenvolvimento nos contextos nos quais estabelece relações face a face com suas características físicas e materiais, e contendo outras pessoas com distintas características de temperamento, personalidade e sistemas de crenças (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 176, grifados os
acréscimos de 1992).
O microssistema (Esquema 4) é o contexto em que ocorre a interação
imediata da pessoa em desenvolvimento com outras pessoas, objetos, símbolos e
língua de sua cultura. Em geral, é o ambiente onde ela passa boa parte do tempo,
por exemplo, no ambiente lar/família, no ambiente escola, no ambiente esporte.
36
Esquema 4 – O microssistema e seus componentes
Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).
Nesses ambientes, a pessoa (com suas disposições, recursos e demandas)
faz atividades, se inter-relaciona com outras pessoas e desempenha diferentes
papéis. A atividade pode ser molecular (não ser considerada relevante) ou molar (ter
relevância e ser desenvolvimentalmente instigadora). As inter-relações pessoais são
formadas por díades, um sistema interacional entre duas pessoas em dado
ambiente, que podem assumir três formas. A primeira é a díade observacional
(quando uma presta atenção à atividade da outra); a segunda é de atividade
conjunta (ambas as pessoas estão presentes na relação, tendo como propriedades
a reciprocidade, o equilíbrio de poder e a relação afetiva); e a terceira é a díade
primária (na qual a relação persiste mesmo com uma parte ausente – presente em
pensamento). Os papéis correspondem à expectativa de cada pessoa em relação à
outra e também à expectativa que a sociedade em relação àquele que desempenha
cada papel.
37
Todo microssistema é envolvido por e interconectado com um sistema maior,
o qual Bronfenbrenner denominou mesossistema (Esquema 5).
Esquema 5 – Representação de mesossistema e seus elementos
Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).
O mesossistema compreende as ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais ambientes, os quais contêm a pessoa em desenvolvimento (p. ex., as relações entre casa e escola, escola e local de trabalho). Em outras palavras, o mesossistema é um sistema formado por vários microssistemas (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 176).
Nesse contexto, existem “inter-relações entre dois ou mais ambientes onde a
pessoa em desenvolvimento se torna participante ativa” (1979/1996, p. 161).
Existem vínculos primários (a pessoa em desenvolvimento participa ativamente de
um ou mais de um ambiente) e vínculos suplementares (em que pessoas de
diferentes microssistemas migram para se relacionar, constituindo vínculos
transcontextuais).
38
O exossistema (Esquema 6), por sua vez:
[...] engloba as ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais contextos, nos quais pelo menos um deles não contém ordinariamente a pessoa em desenvolvimento, mas nele ocorrem eventos que influenciam os processos no contexto imediato a que essa pessoa pertence (p. ex., para uma criança, a relação casa e local de trabalho dos pais; para os pais, a relação entre a escola e a vizinhança) (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 176).
Esquema 6 – Representação de exossistema
Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).
No exossistema, não há a participação direta da pessoa em desenvolvimento,
mas eventos que afetam ou são afetados por aquilo que acontece no ambiente em
que ela está presente. A instituição, as características institucionais e a interação de
uma instituição com outras integram o exossistema.
39
Finalmente, o macrossistema (Esquema 7):
[...] consiste no padrão global de características do micro, meso e exossistema de determinada cultura, subcultura ou contexto social mais amplo, em particular os sistemas instigadores de desenvolvimento de crenças, recursos, riscos, estilos de vida, oportunidades estruturais, opções de curso de vida e os padrões de intercâmbio social que são imersas em cada um desses sistemas. O macrossistema pode ser definido como um modelo social para determinada cultura, subcultura ou outro contexto mais amplo (BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 177).
Esquema 7 – Representação de macrossistema
Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).
Assim, inserem-se no macrossistema as diretrizes nacionais que orientam a
prática esportiva, os órgãos de fomento do esporte e apoio ao atleta e as
organizações que promovem competições e estabelecem critérios de participação e
desempenho. O macrossistema inclui ainda o sistema de crença e o ideário da
subcultura ou cultura do país, por conseguinte, atende às normas vigentes para o
desenvolvimento humano de cada cidadão. Segundo Bronfenbrenner, as influências
40
de movimentos internacionais são consideradas além da fronteira nacional, por isso,
não são contempladas no macrossistema.
O tempo é o elemento do modelo bioecológico do desenvolvimento humano
que permite observar as mudanças e permanências no comportamento da pessoa
no ambiente em que está inserida em função dos eventos ao longo de um ciclo de
vida. Estes podem ser de natureza normativa (previsíveis) ou não normativa
(imprevisíveis). A persistência de um evento no tempo pode ter a dimensão de
microtempo (atividades molares em que se engaja), mesotempo (periodicidade de
um evento) ou macrotempo (tempo histórico que pode se estender por várias
gerações) (Esquema 8).
Esquema 8 – Tempo e o cronossistema
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Na concepção de cronossistema, enfatizam-se as mudanças na pessoa que
resultam da interação com o ambiente. De acordo com Bronfenbrenner (2005), o
41
componente tempo pouco foi abordado no livro de 1979. Em 1992, o autor pondera
que há no organismo e no ambiente mudanças cujas características não se tinha em
conta e também passa a considerar que as mudanças podem não persistir por toda
a vida, sendo apenas acomodações temporárias. Assim, ao contemplar o tempo no
modelo PPCT, deve-se considerar que tanto a pessoa como o ambiente se
modificam ao longo da vida.
Na condição de um cronossistema, o tempo é considerado por
Bronfenbrenner (2005) um construto metodológico que permite acompanhar
transformações ao longo do tempo. É importante salientar que não se deve
considerar apenas a pessoa, tal como em estudos longitudinais (com idade
cronológica e/ou tempo de experiência), mas analisar o impacto de eventos em
apenas uma transição de vida ou o efeito cumulativo de uma sequência de
transições ao longo do ciclo de vida.
2.2.2 Um sistema teórico em evolução
A trajetória de Urie Bronfenbrenner (1917-2005) para conceber o modelo
ecológico do desenvolvimento humano começou em 1942, quando ele concluiu sua
tese de doutorado (não publicada) (BRONFENBRENNER, 1942). Há uma descrição
detalhada de sua vida acadêmica e de seu vasto legado no prefácio escrito por
Richard M. Lerner (2005) e na apresentação à edição brasileira, redigida por Silvia
H. Koller (2011), que teve o privilégio de ter uma breve e intensa convivência com o
autor.
Publicado em 1979, o livro The ecology of human development: experiments
by nature and design é o marco histórico de seu olhar ecológico sobre o
desenvolvimento humano. (Sob o título A ecologia do desenvolvimento humano:
experimentos naturais e planejados, a versão em português foi lançada no Brasil em
1996 e reeditada em 2002). Nesse livro, Bronfenbrenner apresenta, inicialmente, 11
definições básicas do modelo ecológico e propõe um modelo de pesquisa
apropriado para a investigação do desenvolvimento-no-contexto. Dá ainda outras
definições, acompanhadas de proposições, e um total de 50 hipóteses com as
respectivas explicações e os estudos correspondentes. No Quadro 2, vê-se a
cronologia dessas definições, proposições e hipóteses.
42
Quadro 2 – Tema, número da definição, assunto, proposição e hipóteses propostas
por Bronfenbrenner em 1979
Tema Definição Assunto Proposição Hipóteses
Orientação ecológica: propósito, perspectiva e
conceitos básicos
Definição 1 Ecologia do
desenvolvimento humano
Definição 2 Microssistema
Definição 3 Mesossistema
Definição 4 Exossistema
Definição 5 Macrossistema
Definição 6 Transição ecológica
Definição 7 Desenvolvimento
humano
Definição 8 Validação ecológica
Definição 9 Validade
desenvolvimental
Definição 10 Experimento
ecológico
Definição 11 Experimento
transformador A
Elementos do ambiente: atividades molares, estruturas
interpessoais, papéis
Definição 12 Atividade molar B 1
Definição 13 A pessoa no
ambiente
- C D E
2 a 7 8
Análise dos ambientes: laboratório de pesquisa,
instituições infantis, creche e pré-escola
Definição 14 Papel
- F G H
9 a 14
15 a 19 20 a 26
Além do microssistema: mesossistema, exossistema,
macrossistema
27 a 50
Fonte: Bronfenbrenner (1979/1996)
43
Em 1992, Bronfenbrenner publica um capítulo de livro (reimpresso na edição
de 2005, versão em português 2011) em que faz uma retrospectiva (reavaliação,
revisão, certificação e ampliação de conceitos). Essa publicação ocorre um pouco
mais de dez anos após a concepção inicial. Ele afirma que as modificações são
quase exclusivamente de adendos de corolários, isto é, deduções feitas a partir de
uma proposição já demonstrada, portanto, complementares, e não em relação aos
teoremas fundamentais de um paradigma ecológico. Nessa publicação, reapresenta
a definição 1 acrescida da expressão “durante todo o ciclo de vida” (p. 138), o que
modifica a equação D = f(PA) para D(t) = f(t-p) (PA)(t-p), inserindo a dimensão tempo,
apresentada no fim do artigo, numa retrospectiva e prospectiva da teoria. O artigo
completo está organizado em seis tópicos, que se subdividem em subtópicos, alguns
contendo princípios (que regem um conjunto de fenômenos verificados pela exatidão
de suas consequências) e corolários. No Quadro 3, estão os diferentes itens,
respeitada a numeração do texto original (em inglês), que não foi inserida na versão
em português.
Seguem-se cerca de mais dez anos, e o resultado de novas pesquisas leva
Bronfenbrenner (2001) a adotar o termo bioecológico e desenvolver a teoria
bioecológica do desenvolvimento humano agregando-lhe o elemento tempo e
adotando agora a abreviação modelo PPCT. Na publicação de 2001, ele conjectura
que a teoria alcançou a maturidade, mas continua em evolução, na medida em que
se desenvolvem novas ferramentas científicas. Agregam-se à revisão anterior ideias
emergentes e convergentes, bem como hipóteses alternativas com seus respectivos
desenhos de pesquisa. As novas constatações estão em seu último livro, Making
human beings human: bioecological perspectives on human development
(BRONFENBRENNER, 2005), traduzido para o português e publicado em 2011, com
o título Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais
humanos. Aí, o autor compila publicações de 1942 (parte da tese de doutorado) até
2001, data de seu último artigo publicado.
44
Quadro 3 – Temas complementares ao modelo ecológico do desenvolvimento
humano organizados em tópicos, subtópicos, princípios e corolários propostos por
Bronfenbrenner em 1992
Temas complementares ao modelo ecológico do desenvolvimento humano
(I) Contexto sem desenvolvimento
(II) Um paradigma ecológico para o desenvolvimento no contexto
(III) Modelos de pesquisa adicionais no estudo do desenvolvimento no contexto (A) O modelo processo-pessoa-contexto (B) O modelo cronossistema
(IV) Propriedades da pessoa segundo uma perspectiva ecológica (A) Cognição no contexto
(1) Competência como um status alcançado (2) Competência avaliada dentro do contexto (3) Competência como o domínio das atividades culturalmente definidas e familiares na vida cotidiana
(B) Implicações para a teoria e delineamento de pesquisa Princípio 1 Corolário 1.1 Corolário 1.2 Corolário 1.3 Corolário 1.4
(C) Avaliação do temperamento e da personalidade Princípio 2 Corolário 2.1
(D) Uma concepção de desenvolvimento da pessoa em desenvolvimento Princípio 3 Corolário 3.1 Princípio 4
(V) Parâmetros do contexto segundo perspectiva do desenvolvimento (A) o microssistema revisitado e revisado
(VI) Forma e substância para futuras pesquisas Princípios 5 a 12
Retrospectiva e prospectiva
Fonte: Bronfenbrenner (1992/2011).
45
Dez novas proposições relativas aos elementos e às propriedades do modelo
teórico foram apresentadas no texto de 2001. Citadas em poucas palavras no
Quadro 4, são depois explicadas brevemente.
Quadro 4 - Proposições abreviadas apresentadas por Bronfenbrenner em 2001
(I) a experiência vivida
(II) os processos proximais ao longo do ciclo de vida
(III) o delineamento de pesquisa para os processos proximais
(IV) as atividades progressivamente mais complexas
(V) o apego emocional mútuo
(VI) o envolvimento de outro adulto
(VII) a direção reversa de influência (novas gerações sobre as mais velhas)
(IX) a inversão de papéis (a criança que é cuidada pelos pais, cuidará dos
pais quando estes estiverem idosos)
(X) a pesquisa em modo de descoberta e uma prospectiva de estudos no
futuro
Fonte: Bronfenbrenner (2001/2011).
Na experiência vivida por uma pessoa, levam-se em conta as características
do ambiente, mas suas propriedades físicas e as ocorrências que nele têm lugar
pouco significam se não forem relacionados aos sentimentos subjetivos da pessoa.
De acordo com o modelo bioecológico, o desenvolvimento humano é impulsionado
conjuntamente por elementos objetivos e subjetivos, retratados pela percepção que
o sujeito tem do meio em que está inserido e como o ambiente é modificado por sua
presença. Sentimentos como expectativas, pressentimentos, esperança, dúvidas e
crenças pessoais correspondem a forças dinâmicas que são desenvolvidas a partir
de experiências vividas e que se estruturam na relação consigo próprio, com o outro
e com as atividades a que se se dedica. Sentimentos como amor ou ódio, alegria ou
tristeza, prazer ou sofrimento, curiosidade ou tédio, desejo ou repúdio agregam valor
emocional e motivacional, que moldará o desenvolvimento.
À interação da pessoa com outras pessoas, objetos e símbolos no ambiente
imediato, atribui-se o nome de processos proximais, os quais são cruciais para a
capacidade de apropriação do conhecimento e a habilidade para o engajamento em
46
atividades. O gradativo aumento da complexidade dos processos proximais permite
ao ser humano se tornar um agente do seu próprio desenvolvimento.
A pesquisa baseada na teoria bioecológica do desenvolvimento humano deve
incluir os processos proximais, mostrando que a dinâmica na inter-relação entre as
pessoas interfere nas características biopsicológicas da pessoa por um período de
tempo.
Para que o ser humano se desenvolva nos domínios intelectual, emocional,
social e moral, deve participar de atividades progressivamente mais complexas
durante um tempo considerável, intermediadas por uma ou mais pessoas com quem
estabeleça uma ligação afetiva mútua. Em outras palavras, Bronfenbrenner propõe
que o desenvolvimento é influenciado pela ligação afetiva com pessoas
comprometidas com o bem-estar, ou melhor, com a vida da pessoa.
As ligações emocionais mútuas, por sua vez, exercem grande influência
motivacional para o engajamento em atividades no contexto imediato. A interação
progressivamente mais complexa pressupõe o envolvimento de uma terceira parte
(outro adulto) que apoie, incentive e valorize a participação.
A influência sobre o desenvolvimento na primeira infância não é
necessariamente para a vida toda. Embora seja mais marcante nesse período, o
desenvolvimento ocorre no decorrer de toda a vida. Tome-se como exemplo a
influência no desenvolvimento dos pais a partir do êxito da transição da
adolescência de um filho para a vida adulta, que Bronfenbrenner considera ainda
pouco investigado. A esse tema, acrescenta, como proposição, o efeito da ligação
afetiva entre pais e filhos quando se invertem os papéis, isto é, os filhos passam a
cuidar dos pais. Bronfenbrenner ressalva que, se não houve ligação afetiva no início,
não haverá no final.
A última proposição de Bronfenbrenner destaca a necessidade de se
repetirem estudos após algum tempo, para confirmar se os resultados anteriores
ainda são válidos, e, não sendo, desafiar o pesquisador a propor novas formulações
e explicações para os novos dados obtidos. O modelo bioecológico do
desenvolvimento humano deve se adequar ao fenômeno de “caos crescente” e
verificar como os “sistemas caóticos” podem influenciar o ambiente e os processos
proximais.
Tal como concebida por Bronfenbrenner, a teoria bioecológica do
desenvolvimento humano tem o mérito de esclarecer a intrincada interconexão de
47
sistemas que, uma vez compreendidos e aplicados, podem concorrer para
mudanças significativas nas políticas educacionais, servindo como importante
elemento no planejamento e na execução de programas. Em seu último livro
publicado (BRONFENBRENNER, 2005), ele estimula os leitores a encontrarem em
suas reflexões e nas evidências acumuladas por tantos anos a possibilidade de dar
continuidade a seus pensamentos. Assim, está implícito que a teoria bioecológica do
desenvolvimento humano é um sistema teórico em evolução, que tem no seu
modelo PPCT o referencial para novas pesquisas.
2.3 A pessoa com deficiência intelectual na perspectiva do modelo biológico do
desenvolvimento humano
A American Association on Intellectual and Developmental Disabilities
(AAIDD) (2010, p.16) destaca a importância de se adotar, para a pessoa com
deficiência intelectual, o princípio de desenvolvimento-no-contexto, fundamentado no
modelo bioecológico do desenvolvimento humano, de Bronfenbrenner.
Conceitualmente, a abordagem multidimensional engloba as capacidades
intelectuais, o comportamento adaptativo, a saúde, a participação e o contexto em
que se insere a pessoa com deficiência intelectual.
A definição de deficiência intelectual e o processo de avaliação do
comportamento das pessoas com deficiência intelectual vêm mudando ao longo do
tempo. Até 1992, definia-se a até então denominada deficiência mental por um
funcionamento intelectual inferior à média associado a limitações no comportamento
antes dos 18 anos. O quociente intelectual (QI) predominava como referência do
déficit cognitivo, podendo a deficiência intelectual ser considerada leve, moderada,
severa ou profunda.
Em 1992, Luckasson et al. (1992) propuseram uma nova definição, na qual,
além da constatação de um funcionamento intelectual à média antes dos 18 anos de
idade, os comportamentos adaptativos passaram a ser mais valorizados do que o
quociente intelectual, por meio da avaliação de dez itens: comunicação, cuidados
pessoais, vida no lar, adaptação social, uso de recursos da comunidade, autonomia,
saúde e segurança, habilidades acadêmicas e funcionais, lazer e trabalho.
Em 2002, os mesmos autores (LUCKASSON et al., 2002) modificam sua
definição, substituindo os dez itens de comportamento adaptativo por três tipos de
48
habilidade: (a) as conceituais, (b) as sociais e (c) as práticas. As habilidades
conceituais envolvem compreensão e expressão da linguagem, leitura e escrita,
noção de valor do dinheiro e autodirecionamento. As sociais compreendem
relacionamento interpessoal, responsabilidade, autoestima, capacidade de acreditar
em outros (se é facilmente enganável ou manipulável), ingenuidade, respeito a
regras, obediência a regras e vitimização. Por último, as habilidades práticas se
revelam em atividades ordinárias como comer, se vestir, usar o banheiro, preparar
lanche ou cozinhar, tomar remédios, usar o telefone, manejar dinheiro, usar
transportes, fazer tarefas domésticas, ter habilidades ocupacionais e saber manter o
ambiente seguro. A mudança evidenciou sobretudo o foco nas habilidades com
ênfase no desempenho de atividades valorizando a relação com o outro e a
participação social.
A mais recente definição de deficiência intelectual, publicada em 2010
(AAIDD, 2010), oficializa o termo intelectual e não mais mental (mudança
esclarecida por Schalock et al., 2007), e incorpora as categorias de avaliação,
passando a deficiência intelectual a ser caracterizada por limitações significativas,
tanto no funcionamento intelectual como nos comportamentos adaptativos, avaliados
através de habilidades conceituais, sociais e práticas, e considerando que a
deficiência tenha se originado antes dos 18 anos de idade. A principal mudança está
ligada a cinco pressupostos: (a) as limitações do funcionamento intelectual devem
ser consideradas em função do contexto, do ambiente comunitário e da cultura típica
da faixa etária dos pares; (b) a avaliação deve considerar as variantes linguísticas e
culturais, as diferenças na comunicação e os fatores sensoriais, motores e
comportamentais; (c) deve-se presumir que as limitações frequentemente coexistem
com forças na mesma pessoa; (d) a partir da descrição de limitações, devem-se
prover o apoio e os serviços necessários; e (e) deve-se assumir que, provida de um
apoio personalizado apropriado por um bom tempo, a pessoa com deficiência
intelectual melhorará sua qualidade de vida. É evidente a mudança de perspectiva
em relação à deficiência intelectual, sobretudo considerando-se a possibilidade de
pleno desenvolvimento humano.
O que então considerar, ao investigar o desenvolvimento de uma pessoa com
deficiência intelectual com base no modelo PPCT? Como salienta Bronfenbrenner
(1992/2005, p. 127), parte-se da premissa de que o QI não é um aspecto
determinante quando há ótimo desempenho em algum contexto. É pela interação
49
com o contexto que se revelarão disposições, recursos e demandas (atributos
pessoais), em função de inter-relações, atividades e papéis desempenhados no
microssistema dos ambientes de que a pessoa participa.
O ambiente lar/família é considerado o mais influente, uma vez que é onde a
pessoa em desenvolvimento fica a maior parte do tempo. A influência para o
desenvolvimento se dá pela forma, pelo conteúdo, pela força e pela direção dos
processos proximais, afetando ambos os componentes das díades; nesse caso, por
exemplo, a inter-relação filha-mãe ou filho-mãe. As experiências vividas nesse
ambiente ensejarão mudanças ou permanências no comportamento ao longo do
tempo.
Em outros ambientes – o esporte, por exemplo –, mesmo o período de
permanência sendo menor, eventos da relação atleta-treinador ou atleta-atleta
também podem induzir mudanças no desenvolvimento.
Assim, na perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento humano,
cabe explorar o conjunto de processos entre pessoa e contexto – isto é, como
interagem as propriedades da pessoa e do ambiente – para compreender as
mudanças biopsicológicas ao longo do tempo. Seja do ponto de vista pessoal ou
grupal, o ciclo de vida de uma pessoa com deficiência intelectual tem sido marcado
por um passado histórico-cultural de exclusão, segregação, integração,
normalização, inclusão, aceitação e, mais recentemente, de plena participação. Na
esfera do macrossistema brasileiro, em 2008, pelo Decreto Legislativo n. 186, de 9
de julho de 2008, o Congresso Nacional ratificou a convenção da Organização das
Nações Unidas (ONU) sobre os direitos das pessoas com deficiência assinada em
Nova York, em março de 2007. Com equivalência de emenda constitucional, Esse
Decreto Legislativo foi promulgado pelo presidente da república em 2009, através do
Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2011):
Pessoas com deficiência são, antes de mais nada, PESSOAS. Pessoas como quaisquer outras, com protagonismos, peculiaridades, contradições e singularidades. Pessoas que lutam por seus direitos, que valorizam o respeito pela dignidade, pela autonomia individual, pela plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e pela igualdade de oportunidades, evidenciando, portanto, que a deficiência é apenas mais uma característica da condição humana. (BRASIL, 2011, p. 11, grifo do original).
Ainda que Bronfenbrenner destaque que influências de organizações
internacionais estão além da fronteira do macrossistema, é certo que importantes
50
discussões e decisões no âmbito internacional afetam a legislação brasileira. E, a
exemplo dos direitos humanos, espera-se que as orientações construídas no
macrossistema de nossa cultura nacional repercutam no microssistema das pessoas
com deficiência intelectual em desenvolvimento.
51
3 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
O referencial metodológico do presente estudo é o da pesquisa qualitativa do
tipo descritiva, que permite identificar ocorrências específicas em settings
particulares pelo envolvimento do pesquisador no diálogo com os sujeitos (TURATO,
2005). A escolha baseou-se em pesquisa bibliográfica sobre o tema (DRIESSNACK;
SOUSA; MENDES, 2007; GÜNTHER, 2006; TURATO, 2005).
Bronfenbrenner não estabeleceu um padrão ou um de desenho de pesquisa,
mas, em 1992, fala em “forma e substância para futuras pesquisas”
(BRONFENBRENNER, 1992/2011, p. 179), as quais orientam seus próprios
estudos. Reitera-se aqui que, a partir de 1992, agregou-se o elemento tempo ao
modelo ecológico, que passou a ser abreviado como PPCT (processo-pessoa-
-contexto-tempo).
Em 2000, Bronfenbrenner e Evans (2000, p. 115) reiteram que novas ideias
são bem-vindas para agregar conhecimento por meio de um processo que
denominam “ciência desenvolvimental”. A evolução e a revisão do conhecimento
produzido levam Bronfenbrenner (2001) a acrescentar novas propostas a ser
exploradas em pesquisas, entre as quais a observação do aumento da
complexidade dos processos proximais ao longo do tempo, a participação em
atividades com pessoas comprometidas com o bem-estar e a percepção dos
sentimentos dos pais, que os levam a instigar e explorar o desenvolvimento de seus
filhos.
Nessa perspectiva, o presente estudo se propõe a aplicar o modelo PPCT
como construto para observar e compreender o desenvolvimento humano,
particularmente ao que concerne à percepção de autonomia do atleta com
deficiência intelectual. Fundamentalmente, adotou-se a premissa de dar voz à
pessoa com deficiência intelectual – que, como sujeito falante (GAUTHIER, 2004),
fala por si mesma –, sem deixar de considerar fatores de vulnerabilidade como a
própria deficiência intelectual (ROGERS; BALLANTYNE, 2008). Assim, a partir da
percepção que o sujeito tem de si e do outro, é concebível especular sobre a
influência dos processos proximais que ocorrem nas relações interpessoais
presentes no ambiente lar/família e no ambiente esporte e observar como o contexto
concorre para mudanças ao longo da vida.
52
3.1 Sujeitos
A amostra é do tipo intencional, composta segundo critérios que
compreendem a seleção de atletas de natação com deficiência intelectual indicados
por treinadores atuantes em diferentes programas de natação. Optou-se por uma
amostragem por acessibilidade, caracterizada pelo contato com dirigentes e
treinadores ou de conhecimento da pesquisadora tanto do movimento paralímpico
como da Special Olympics.
Estabeleceram-se quatro critérios de inclusão para a indicação e seleção dos
atletas: ter deficiência intelectual comprovada pela instituição de origem, ter mais de
18 anos, ter participado pelo menos uma vez de competição em local diferente do de
treinamento e conseguir se expressar verbalmente de forma compreensível. Foram
considerados inaptos para participar do estudo os atletas que necessitassem de
acompanhante para dar a entrevista, apresentassem uma hiperatividade que
pudesse comprometer o nível de atenção ou tivessem diagnóstico de ecolalia
(tendência a repetir palavras ou frases do entrevistador). Solicitou-se aos treinadores
que consultassem um representante da família responsável pela educação de cada
atleta selecionado para obter sua anuência prévia.
Assim, a amostra tem dez nadadores com deficiência intelectual, sendo sete
do sexo masculino e três do feminino, com idades entre 22 e 36 anos. Os dados
pessoais de cada atleta foram obtidos em seus prontuários, disponibilizados pelos
coordenadores de cada instituição, mas sua consulta revelou que a identificação e
comprovação da deficiência intelectual obedeceu a sistemas diferentes.
Dentre os dados apresentados no Quadro 5, a diagnose dos atletas é
mencionada em nove prontuários, alguns por escrito, outros pelos códigos da
classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde
(CID-10) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2008), a saber: Q90.9 – síndrome
de Down não especificada; R48.1, F83 e G40.2: R48.1 – agnosia (complementado
por informação no prontuário, de obstrução do nervo óptico e dificuldade de formar
imagem); F83 – transtornos específicos mistos do desenvolvimento: categoria
residual de transtornos em que há, ao mesmo tempo, sinais de um transtorno
específico do desenvolvimento da fala e da linguagem, das habilidades escolares e
das funções motoras, mas sem que nenhum desses elementos predomine
suficientemente para constituir o diagnóstico principal; em geral - mas nem sempre -,
Quadro 5 – Perfil dos atletas
Atleta Sexo Data de
nascimento Idade Diagnose
Teste de inteligência
Programa/ Instituição
A1 F 03/09/1977 35 * G38
(Percentil 40) JR Ferraz
A2 M * 36 Síndrome de Down G38
(Percentil 5) JR Ferraz
A3 F 17/02/1982 30 Paralisia cerebral * Instituto
Indianópolis
A4 F * 27 Síndrome de Down G38
(Percentil 5) JR Ferraz
A5 M 25/09/1988 24 CID-10: Q 90.9
(síndrome de Down) * DEE
A6 M 17/04/1988 24 CID-10: R 48.1, F 83, G 402 (agnosia, transtornos específicos misto do desenvolvimento, epilepsia )
* Peama
A7 M 26/08/1977 35 CID-10: F 70, F 79, F 78.9
(deficiência intelectual, causa provável: anoxia) * Peama
A8 M 25/08/1978 34 * WAIS III (QI 64)
JR Ferraz
A9 M 11/09/1987 25 CID-10: F 70.1 (não fechado)
(encefalopatia crônica infantil não evolutiva) * DEE
A10 M * 22 Síndrome de Down * CNM
* dados não disponíveis nos documentos consultados.
53
54
são acompanhados de um certo grau de alteração das funções cognitivas; G40.2 –
epilepsia e síndromes epilépticas sintomáticas definidas por sua localização (focal)
(parcial) com crises parciais complexas; F70, F79 e F78.9: F70 – retardo mental
leve; F79 – retardo mental não especificado; F78.9 – outro retardo mental – sem
menção de comprometimento do comportamento, sendo a causa provável anoxia;
F70.1 – retardo mental leve – comprometimento significativo do comportamento
requerendo vigilância ou tratamento; provável causa descrita no prontuário:
encefalopatia crônica infantil não evolutiva.
A aplicação de testes de inteligência para comprovação da deficiência
intelectual foi identificado em quatro relatórios de avaliação psicológica, segundo a
exigência para o cadastramento e a participação em competições paralímpicas. O
G38 é um teste de inteligência não verbal brasileiro (BOCCALANDRO, 2002) que
não requer leitura da pessoa avaliada. O resultado é apresentado em percentil
(máximo 99, para 37 questões certas). Dois atletas obtiveram percentil 5, e um
terceiro, percentil 40, o que indica déficit cognitivo. O WAIS III (Wechsler Adult
Intelligence Scale, ou Escala de inteligência Wechsler para adultos) (WECHSLER,
2004) é um teste geral de inteligência, cujo valor (64, no caso desse atleta)
corresponde ao quociente intelectual (QI).
Os atletas filiam-se a um dos cinco programas ou instituições: JR Ferraz
(treinamento no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa [COTP], na capital
paulista), Instituto Indianópolis de Educação Especial (treinamento na própria
instituição, na capital paulista); Departamento de Esportes Especiais (DEE) da
Secretaria de Esportes e Lazer de Vinhedo (treinamento em unidade da Prefeitura
de Vinhedo, SP); Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas (PEAMA),
da Secretaria Municipal de Educação e Esportes de Jundiaí (treinamento no
Complexo Educacional Cultural e Esportivo Dr. Nicolino de Lucca (CECE),
popularmente conhecido por Bolão) e Clube Náutico Mogiano (treinamento no
próprio clube, Mogi das Cruzes, SP). Destes, participam das competições do
programa paralímpico a JR Ferraz e o Clube Náutico Mogiano, e, das competições
do programa Special Olympics, o Instituto Indianópolis, o DEE e o Peama.
Além dos dez atletas, compuseram a amostragem do estudo dez mães (uma
delas adotiva), as quais se identificaram como representante da família responsável
pela educação do atleta, cinco treinadoras (duas das quais têm dois atletas na
mesma equipe de treinamento) e três treinadores. Incluiu-se ainda um adulto do
55
sexo masculino, indicado por uma das mães como corresponsável na educação,
uma vez que acompanha o atleta em suas atividades diárias (com função de
personal trainer, companheiro de trabalho e condutor do automóvel). Somam-se a
essas 29 pessoas os coordenadores de cada programa ou instituição (n = 5),
totalizando 34 sujeitos envolvidos na pesquisa.
3.2 Instrumentos
O plano de estudo se alicerçou na possibilidade de extrair dados
principalmente das entrevistas. Para tanto, elaborou-se um roteiro semiestruturado,
com teor adaptado a cada grupo de sujeitos e sempre com os mesmos objetivos.
Tal como recomenda Turato (2005), fez-se um ensaio de aculturação com um
atleta (o que corresponde ao estudo-piloto na pesquisa quantitativa), e, de acordo
com Manzini (2008), atentou-se à linguagem utilizada e à formato e à ordenação das
perguntas. Isso permitiu ajustar o roteiro prévio, modificando algumas questões e
itemizando outras, caracterizando-o mais como uma pauta, com liberdade para se
abordarem as questões de acordo com as respostas. Essa opção deu mais
flexibilidade à interlocução.
Nos Apêndices (A, B e C), estão, respectivamente, os roteiros elaborados e
aplicados aos atletas, aos representantes da família (e ao acompanhante indicado
pela mãe) e aos treinadores. Dadas a realidade específica e a percepção subjetiva
de cada pessoa, pediu-se a cada sujeito um breve histórico de sua vida.
Todos os depoimentos foram tomados pela pesquisadora, tendo sido
registrados num minigravador (IC Recorder) da marca Sony, modelo ICD-PX312,
para posterior transcrição e análise.
Todo o material coletado, incluindo dados de prontuários e informações
institucionais, ficou sob a guarda e a responsabilidade da pesquisadora.
3.3 Procedimentos
O projeto da presente pesquisa foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de
Ética e Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, sob protocolo 84/2010, e
submetido à banca de avaliação do exame de qualificação, em 6 de junho de 2012,
56
sob o título A trajetória para o desenvolvimento da autonomia em atletas com
deficiência intelectual na perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano.
3.3.1 Do contato com diversos treinadores à anuência de participação
Fosse no movimento paralímpico ou no Special Olympics, o primeiro contato
para localizar possíveis participantes se fez por e-mail dirigido a profissionais de
conhecimento pessoal da pesquisadora, os quais colaboraram com a indicação de
treinadores de natação. Estes, uma vez contatados, consultaram atletas que
atendessem aos critérios de inclusão e seus respectivos responsáveis para então
indicar os interessados em participar do estudo.
Enviou-se a cada atleta, mãe, treinador e coordenador uma carta-convite
nominal, por meio de uma mensagem eletrônica aos treinadores.
Cada instituição concordou em participar preenchendo seu respectivo termo
de responsabilidade para a consecução da pesquisa. Depois, os responsáveis
encaminharam uma cópia do prontuário de cada atleta (ou de autorização de
consulta a seu prontuário) e as respostas às perguntas da carta-convite.
No dia da entrevista, os sujeitos entregaram, preenchido e assinado, seu
termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), cuja redação respeitou as
características da pessoa com deficiência intelectual (Apêndice D): poucas
informações por vez e linguagem acessível, com termos simples e compreensíveis
(ARAÚJO; ZOBOLI; MASSAD, 2010). O TCLE foi lido e assinado pelo atleta e
endossado por seu responsável. A decisão de que a pessoa com deficiência
intelectual também assina o TCLE está baseado nos princípios do Código Civil
Brasileiro (BRASIL, 2002; ADERE; ADID; APAE, 2008), na Resolução CNS-466/12
(BRASIL, 2012), bem como na bioética da participação de pessoas com deficiência
em pesquisas científicas (COHEN, 2002). O responsável pelo atleta não alfabetizado
leu-lhe o TCLE, e, depois de compreendê-lo, o atleta assinou o documento. O TCLE
do representante da família (Apêndice E) e do treinador (Apêndice F) diferem
apenas quanto à responsabilidade assumida, no primeiro caso, pelo(a) filho(a), no
segundo, pelo(a) atleta.
57
3.3.2 Do agendamento e da realização das entrevistas
O agendamento das entrevistas foi intermediado pelos treinadores, e as datas
marcadas em comum acordo com a pesquisadora. As entrevistas foram tomadas
entre 17 de setembro e 12 de dezembro de 2012, a maioria no próprio local de
treinamento, com três exceções: um atleta, sua mãe e sua treinadora foram
entrevistados na Universidade São Judas Tadeu, após a Confraternização
Paradesportiva de Natação, da qual participaram; uma das mães foi entrevistada em
sua casa, pois não podia ir ao local de treinamento, e uma atleta, sua mãe e seu
treinador foram entrevistados na casa da atleta, por questão de horário.
Todos os depoimentos foram tomados individualmente, logo depois de
recolhido o TCLE; os sujeitos que o não haviam levado assinaram-no nesse
momento. As entrevistas duraram de 15 a 35 minutos. Todos os treinadores foram
extremamente diligentes no encaminhamento dos atletas, na apresentação das
mães e em sua própria participação.
3.3.3 Da elaboração dos relatórios
As cerca de oito horas de depoimentos foram transcritas entre dezembro de
2012 e janeiro de 2013, inicialmente a mão, e depois digitadas e cotejadas com as
gravações. A maior parte das transcrições foi feita pela própria pesquisadora, pois,
de acordo Manzini (2008; 2012), já aí a oportunidade para uma pré-análise dos
dados. Depois de se familiarizar com o processo, uma segunda pessoa fez algumas
transcrições, por questão de tempo.
No Apêndice G, há um exemplo de transcrição, para a qual se adotaram as
normas estabelecidas por Preti et al. (1999) e Preti (2000) (Figura 1). São elas: (a)
não se usam sinais típicos da língua escrita (vírgula, ponto e vírgula, dois pontos,
ponto final); (b) em frases ou palavras interrogativas (p. ex. né?), deve-se inserir um
ponto de interrogação; (c) não se usam iniciais maiúsculas (exceto em nomes
próprios ou siglas); (d) toda pausa na fala é representada por espaço – reticências –
espaço; (e) não se usa ponto de exclamação em frases exclamativas; (f) ( ) [abre
parênteses – espaço – fecha parênteses] indica incompreensão de palavras ou
partes da fala; (g) insere-se uma barra (/) quando houver truncamento ou homografia
(comé/ mesmo?); (h) o sinal :: [dois-pontos duas vezes seguidas] significa que o
58
Figura 1 – Aplicação das normas para transcrição sugeridas por Preti et al. (1999) e
Preti (2000)
prolongamento de uma vogal ou consoante; (i) toda informação complementar ou
comentário que não foi expresso pela pessoa entrevistada é inserido entre dois
parênteses (( )); (j) qualquer citação numérica deve ser feita por extenso; (k)
colchetes indicam superposição de falas; (l) usam-se aspas quando houver uma
citação literal (correspondente a falas ou pensamentos pessoais ou de terceiros);
(m) indica-se uma entonação enfática em letras maiúsculas.
Para comprovar a fidedignidade da transcrição, aplicou-se a concordância
interjuiz (MANZINI, 2008), em que um mesmo trecho foi transcrito pela pesquisadora
Não se utilizam sinais típicos da língua escrita
(vírgula, ponto e vírgula, dois pontos, ponto final). Em frases ou palavras
interrogativas a interrogação
deve ser inserida.
O ponto de exclamação
não deve ser inserido em
frases exclamativas.
( ) (Abre parênteses – espaço -
fecha parênteses) corresponde à
incompreensão de palavras ou
partes da fala.
Uma barra (/) é inserida toda vez
que houver truncamento ou
homografia (comé/ mesmo?).
Não são utilizadas iniciais
maiúsculas (somente para
nomes próprios ou para
siglas).
Toda pausa na fala é
representada por espaço
– reticências - espaço.
O sinal :: (dois pontos duas
vezes em seguida) significa
que uma vogal ou consoante é
falada de forma prolongada.
Toda informação complementar ou
comentário que não foi expresso
pela pessoa entrevistada é inserido
entre dois parênteses (( )). Qualquer citação numérica deve ser
feita por extenso.
Uma chave ({) é
utilizada para indicar
superposição de falas.
Quando houver uma entonação enfática a
palavra ou parte da palavra é grafada em
letras maiúsculas.
O uso de aspas quando
houver uma citação literal
(correspondente a falas ou
pensamentos pessoais ou
de terceiros).
59
e por outra pessoa. Submeteu-se a esse processo uma gravação de 12 minutos e
13 segundos, cuja transcrição resultou em 2.189 palavras (9.411 caracteres
digitados). Constatou-se divergência em apenas três palavras, o que reflete bastante
semelhança entre as transcrições, sendo ambas consideradas fiéis à gravação
(MANZINI, 2008).
Os relatórios incluíram as entrevistas concedidas por todos os sujeitos –
atletas e suas respectivas mães e treinadores –, e foram redigidos sem roteiro
prévio. Eventuais ajustes de concordância obedeceram à sugestão de Manzini
(2008, p. 13):
[...] parece ser conveniente que as falas transcritas, para ser apresentadas publicamente, recebam pequenos ajustes na grafia, pois a experiência tem mostrado que falas escritas como, por exemplo, alcançá (alcançar), tá (estar), vô (vou) não têm sido bem
recebida pelos próprios participantes, ao fazerem a leitura do material escrito. [...] sabe-se de situações que entrevistados abandonaram as pesquisas após ler as transcrições costumeiramente intituladas literais (MANZINI, 2008, p. 13).
3.4 Análise dos dados
Analisaram-se as entrevistas de acordo com as recomendações de Miles e
Huberman (1994; 2004): (a) transcrição das afirmações sem qualquer interpretação,
para divisar as proposições e obter um sentido do relato dos sujeitos; (b) leitura
exaustiva das entrevistas visando a familiarização completa com os depoimentos; (c)
seleção das informações consideradas relevantes baseadas nos objetivos do
estudo, escolhendo frases e/ou afirmações a eles pertinentes.
Inicialmente, se identificaram e reuniram as afirmações dos atletas, das mães
e dos treinadores sobre o significado de autonomia. Depois, fizeram-se relatórios
com informações sobre a história pessoal, os papéis, as atividades e as relações
interpessoais dessas pessoas, para verificar como se revela a autonomia nos
microssistemas do ambiente lar/família e do ambiente esporte. A partir dos
relatórios, procurou-se identificar os atributos pessoais de cada atleta explorando
sua inter-relação com os componentes das respectivas díades: filho e mãe, no
ambientes lar/família, e atleta e treinador, no ambiente esporte.
Em seguida, procurou-se identificar as relações estabelecidas entre os
ambientes lar/família e esporte para verificar a conectividade entre eles. Arrolando
as metas institucionais porventura contempladas no planejamento e nas estratégias,
60
bem como a menção a diretrizes nacionais, explorou-se a interconectividade entre o
micro, o meso, o exo e o macrossistema. Para analisar o elemento tempo do modelo
PPCT, procurou-se identificar os eventos de maior impacto nas mudanças de
comportamento.
A matriz que orientou a análise dos dados está no Quadro 6, que sintetiza as
características do modelo PPCT.
61
Quadro 6 – Síntese das características de cada elemento do modelo bioecológico do
desenvolvimento humano proposto por Bronfenbrenner (1979; 1992; 2001)
PR
OC
ES
SO
PPROCESSOS PROXIMAIS
Variam de acordo com as características da
PESSOA, do CONTEXTO, e do
TEMPO
Operam por um período de tempo no contexto imediato com características diversas e únicas
Forma Força Conteúdo Direção
PE
SS
OA
ATRIBUTOS PESSOAIS
POLO NEGATIVO POLO POSITIVO
DISPOSIÇÕES Desenvolvimentalmente disruptivas Desenvolvimentalmente geradoras
RECURSOS Limitam ou rompem integridade do organismo
Competências
Habilidades
Conhecimento
Experiências
DEMANDAS Potencial para rejeição Potencial para atração
CO
NT
EX
TO
PARÂMETROS DO
CONTEXTO
ATIVIDADES INTER-RELAÇÕES PAPÉIS
- Molecular (não relevante)
- Molar (relevante)
DÍADE Expectativa de cada pessoa em
relação ao outro Expectativa da sociedade em
relação àquele que desempenha cada papel
Observacional (não envolvem duas ou mais partes da relação)
De participação conjunta Primária (relação se mantém mesmo
com uma parte ausente)
MICROSSISTEMA INTERAÇÃO IMEDIATA Relação pessoa-pessoa
MESOSSISTEMA LIGAÇÃO E PROCESSOS ENTRE DOIS OU MAIS AMBIENTES
Vínculo primário (pessoa participa ativamente de um ou mais ambientes)
Vínculo secundário (pessoas de diferentes ambientes migram para se relacionarem)
EXOSSISTEMA ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÕES
Pessoa em desenvolvimento não participa diretamente em pelo menos um ambiente
MACROSSISTEMA CULTURA DA SOCIEDADE – crenças e ideologia
TE
MP
O
DIMENSÕES DO TEMPO MUDANÇAS E
CONTINUIDADES considerados o tempo vital e o tempo histórico
EVENTOS DE NATUREZA NORMATIVA (previsíveis) DE NATUREZA NÃO NORMATIVA (imprevisíveis)
CRONOSSISTEMA
MICROTEMPO Engajamento em uma atividade molar/relevante
MESOTEMPO Periodicidade de um evento
MACROTEMPO Tempo histórico, que pode-se estender por várias gerações
Fonte: Bronfenbrenner (1979; 1992; 2001).
62
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Ponto de partida: significado de autonomia
Afirmações acerca de autonomia tiveram larga abrangência e diversidade
quanto à escolhas, opiniões e decisões dos atletas. Houve falas como, “eu faço
muitas coisas: arrumo a cama, ponho a mesa do café, vou para o serviço, mexo no
notebook, entro no facebook; lavo louça, danço sozinha; jogo games de futebol e
luta; e ajudo nos serviços domésticos: varrer, colocar o lixo para fora”; “eu trabalho;
eu escolho [o que comprar, o que desenhar na tela, nas aulas de pintura]; eu tomo
conta dos meus sobrinhos, da minha avó”; “pra mim, é difícil falar sim ou não, talvez
– sou meio dividida”; “eu me viro bem em relação a isso [ter autonomia]: se quero
comprar algo, sei cotar preços, pesquiso, me informo e estudo a proposta; para
baixar ou inserir algum código, peço ajuda; se der para fazer sozinho, pode deixar
que eu assumo”; “se acho difícil, eu falo que não consigo fazer, depois volto para
tentar novamente”; “tarefas que oferecem certo perigo, não posso fazer”; “tem coisas
que consigo resolver, sou responsável, tomo algumas decisões; tem outras que
procuro conversar com minha mãe para decidir entre isso e aquilo”; “trabalho, quero
trabalhar”; “trabalho com criança, sou monitora; pinto tela”.
As mães reiteram a importância da autonomia para os filhos tomarem suas
próprias decisões e de se lhes dar a oportunidade de fazerem escolhas, e não
apenas o que se lhes sugerem os outros. Dizem, por exemplo, que “ninguém é
completamente autônomo – dependemos um do outro”, que “a autonomia é relativa,
uma vez que há supervisão ou respaldo constante, mesmo a distância”, que trata-se
de “saber o que se quer, fazer as coisas de que gosta, ter uma autonomia
emocional”, “fazer tarefas [por si e para si], ser esforçado, não precisar que se tome
conta, fazer sozinho, sem precisar pedir”, que “a interdição legal impede que a
autonomia seja plena, recomendando-se que a pessoa sempre esteja em ambiente
protegido, não podendo ser deixada sozinha” e que procura “preparar bem minha
filha para quando eu não estiver mais presente”. Essa preocupação tem implicações
na autonomia em casa (noção ter das horas, arrumar suas coisas, cozinhar), em
saber se defender, ser independentes e poder circular sozinho. “Eu atribuo o
desenvolvimento do meu filho muito a ele” [o acompanhante, que fica meio período
com o rapaz, acompanhando-o em todas as suas atividades].
63
Os treinadores, por sua vez, dizem: “fazer uma atividade e com
responsabilidade, ter consciência daquilo que está fazendo em relação ao que foi
proposto, ter liberdade de escolha, ter liberdade de expressão, fazer o que quiser,
desde que considere direitos e deveres e respeite os direitos do outro”; “eles [atletas]
se sentem valorizados, úteis, independentes, o que aumenta a autoestima, é
importante ser reconhecidos como pessoas que podem ter autonomia”, “Conseguir
fazer o que deseja sem depender de outros para tudo, ser determinado, persistente,
entender aquilo que é feito, ser independente”.
Vários aspectos interessantes emergem dos discursos. O significado – e,
consequentemente, a percepção – de autonomia parece estar diretamente
associado ao uso e à compreensão do termo. Observa-se que, para os atletas, o
significado de autonomia se revela como competência ligada a querer fazer, a refletir
sobre e a compartilhar dúvidas. No discurso das mães, o reconhecimento da
competência nos afazeres domésticos, no autocuidado, na responsabilidade, no
conhecimento das leis e na a preocupação com o futuro. Os treinadores destacam o
convívio social, a crescente confiança, o respeito ao outro, a não dependência e a
liberdade de escolha e de expressão favorecendo a autoestima.
Segundo Gagné e Deci (2005), dar a uma pessoa a opção de escolher
concorre para aumentar seu sentimento de autonomia. As decisões são permeadas
por valores e crenças, respaldadas e ponderadas ao compartilhar dúvidas com outra
pessoa. Percebe-se que recorrer à mãe para ajudar a tomar decisões a coloca em
destaque na influência parental. O fato de os treinadores valorizarem a decisão e a
liberdade de expressão converge para o pensamento das mães nessa constatação e
valorização.
Vallerand (2001) afirma que a autonomia é exercida em função de situações
específicas, refletindo uma motivação situacional, impregnada de prazer e alegria,
de satisfação pessoal. É legítimo, portanto, que as pessoas que convivem com o
atleta reconheçam que a promoção de sua autonomia pode beneficiá-lo com uma
satisfação pessoal, a exemplo do que acontece com a autoestima. Pode-se
compreender essa relação pela articulação do significado implícito com as relações
estabelecidas entre os indivíduos e seu contexto (FERREIRA, 2012).
Bekker e van Assen (2006) consideram que a autonomia é uma condição
psicológica que se espera no início da vida adulta e focalizam, em particular, a
autonomia como resultado de uma separação para uma vida mais independente. O
64
vínculo com outras pessoas dependerá muito da qualidade das experiências vividas
com segurança com as pessoas às quais se tem maia apego. Segundo Bekker et al.
(2008), o afastamento da família é uma transição de um forte apego a uma condição
que envolve a capacidade de manejar situações novas. Na perspectiva bioecológica
do desenvolvimento humano, trata-se de uma importante transição ecológica no
decorrer da vida.
Entende-se também que a autonomia concorre para que a pessoa seja
reconhecida como cidadão socialmente ativo, e isso é fundamental para combater a
vitimização, muito comum em grupos vulneráveis (AAIDD, 2010). Quanto aos
aspectos legais, a referência à interdição destaca o exercício da autonomia plena,
mas constata-se que é possível dar à pessoa com deficiência intelectual
oportunidade para exercitar sua autonomia, mesmo que em ambiente protegido.
4.2 Cada caso é um caso: a história contada
Nos tópicos a seguir, dá-se o perfil de cada atleta, de sua mãe e de seu(ua)
treinador(a), destacando-se eventos em cada microssistema. Cada atleta é
designado com a letra A (de atleta), posto que o estudo é uma investigação sobre
pessoas em desenvolvimento que estão no ambiente esporte, seguido de um
numeral de 1 a 10. Respeitados os microssistemas, os sujeitos são referidos como
filho(a) e mãe no ambiente lar/família e atleta e treinador(a) no ambiente esporte.
4.2.1 Atleta A1
A1 tem 35 anos, é do sexo feminino, nasceu e reside em São Paulo com a
mãe, a avó materna e o irmão, que só fica com elas durante a semana. Conta que
“na verdade, eu sou filha adotiva”. Foi alfabetizada e recebeu orientação profissional
na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), tendo sido encaminhada
para fazer estágios e conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Atualmente,
trabalha numa farmácia de manipulação como estoquista e afirma não ter dificuldade
no serviço. Em casa, arruma sua cama, põe a mesa do café, mexe no notebook e
entra no facebook para conversar. Sobre a remuneração que recebe, diz: “o dinheiro
[...] eu ajudo em casa”; quando precisa, usa-o para comprar alguma coisa para si ou
para ir ao cinema com o namorado. Ele trabalha na mesma empresa, e, em
dezembro, o namoro fará um ano. “De vez em quando, ele me leva até o metrô
65
Santa Cruz, para eu não ficar sozinha até aparecer alguém para me buscar”. Outras
vezes, vai até a casa dela para escutar música ou assistir televisão. Às vezes, a mãe
a deixa ir ao shopping para assistir a um filme no cinema.
Treina natação às segundas e quartas-feiras e ginástica artística às segundas
e sextas. Às terças-feiras, fica em casa e, às quintas, vai de vez em quando à aula
de tricô. Nos fins de semana, fica em casa. Em dias de treino, vai direto do trabalho
à estação de metrô Santa Cruz, onde pega carona com mães de outros atletas.
Quando não há treino, volta para casa de ônibus.
Começou nas modalidades de natação e ginástica artística na Apae, onde
lecionavam então os coordenadores do atual programa de treinamento. Quando eles
saíram da instituição, montaram uma equipe de treinamento visando o alto
rendimento. A mãe relata que, quando se afastaram da Apae, a filha “ficou doida [...]
aí, descobrimos onde estavam”. Tanto A1 como outros colegas migraram para a
equipe de treinamento da Associação Paradesportiva JR Ferraz e hoje disputam
campeonatos brasileiros e internacionais. Para efeito de participação em
campeonatos regionais e nacionais, a instituição é filiada à Associação Brasileira de
Desportos para Deficientes Intelectuais (Abdem), que, por sua vez, é credenciada
junto ao Comitê Paralímpico Brasileiro. Para comprovar a condição de atleta com
deficiência intelectual, a Inas – órgão internacional que regulamenta a participação
de atletas com deficiência intelectual nos eventos promovidos pelo International
Paralympic Committee (IPC) –, deve-se preencher um protocolo de avaliação
psicológica.
Treina há muitos anos, embora diga “não sei quantos anos faz, mas faz
tempo”. Pratica esporte e se mantém engajada na equipe de treinamento para
preencher o tempo ocioso, pois sua mãe não queria que ela ficasse parada, sem
fazer nada. Quanto ao significado que o esporte tem para ela, sucintamente diz:
“bastante coisa, bastante coisa”. Recentemente, teve um entorse de tornozelo
quando fazia ginástica artística, o que a afastou dos treinos por algum tempo.
Na natação, participa das provas de crawl, costas, peito e borboleta e destaca
que do próximo campeonato brasileiro depende a renovação do bolsa-
-atleta. Comenta que, em dias de competição, fica nervosa, “a mão começa a suar
quando chega a vez”. Quanto a se manter engajada na equipe de treinamento,
finaliza a entrevista dizendo: “ano que vem, eu faço 36, o que eu queria era só fazer
a natação e sair da ginástica”.
66
A mãe de A1 nasceu em São Paulo, foi criada no bairro onde mora, estudou
até a 5a série (atual 6o ano do ensino fundamental), quando optou ser cabeleireira.
Conta que, quando a adotou, sabia que a filha era especial, tendo a deficiência sido
causada por falta de oxigênio no nascimento, o que acarretou alguns atrasos no
desenvolvimento. A1 frequentou a escola regular, mas não acompanhou. Sua mãe
precisou deixar o salão de cabeleireira para acompanhá-la, evitando que ficasse em
casa sem fazer nada. Nessa época, fazia empanadas nos fins de semana para
sustentar os filhos. Quando A1 passou a frequentar a Apae e a ficar ali o dia inteiro,
a mãe foi convidada pela assistente social para trabalhar em sua residência, onde
ficou quase trinta anos. Sobre o processo de alfabetização de A1, a mãe relata que
ela se desenvolveu bastante graças às “pessoas maravilhosas que a ajudaram”: “Ela
não sabia nem ver as cores; aí, vinha no ônibus e falava assim: ‘vai parar/ sinal
vermelho’. Nossa! Aquilo me emocionou muito”. Quando a filha se alfabetizou, ela
lhe deu “parabéns”. “Essas coisas do desenvolvimento dela, para mim, são muito
importantes”.
Na época em que a filha estudava na Apae, às vezes chegavam atrasadas. A
mãe conta que ela ficava muito brava, muito nervosa, e dizia: “Um dia, eu vou
aprender a andar sozinha para não perder hora”. A mãe achava que isso não ia
acontecer, pois ouvira dizer que às vezes algumas crianças se perdiam e pensava
que ela daria mais trabalho.
Um dia, disse à filha: “Vou fazer uns ovos de Páscoa em casa e distribuir pras
crianças, porque eu gosto de fazer isso”. A1 respondeu: “Não acredito que eu vou
chegar atrasada mais um dia”. Foi então que a mãe decidiu colocá-la num ônibus e
deixá-la ir sozinha. Preocupada, quis saber se a filha tinha chegado bem e telefonou
para a Apae, e lhe disseram: “Mãe, você está de parabéns. Sua filha está uma
mocinha. Ela está aqui, sim”. A partir daí, só em situações novas – como quando
dos estágios em empresas – a mãe a levava, para ensinar o caminho. Atualmente,
já não a acompanha mais tanto, e, quando fica muito tarde, elas se falam pelo
celular e combinam encontrar-se no metrô ou no ponto de ônibus mais próximo.
Sobre os encontros da filha com o namorado, a mãe diz: “De vez em quando,
no fim de semana, deixo ir ao shopping [...] mas tem hora para voltar”. Considera
importante deixá-la ir de vez em quando para não dizer sempre “não”. Ressalta que
agora a filha está “tomando mais decisões”; por exemplo, avisa que vai ao shopping
67
com o namorado. A mãe, no entanto, a faz voltar atrás, dizendo: “Não, você não vai.
Tem que pedir se pode ir”.
Segundo sua mãe, A1 é uma pessoa responsável e não tem preguiça. Por
exemplo, se levanta às 5h30 sem precisar que a chamem e se prepara para estar no
trabalho às 7h. A mãe a acompanha até o ponto de ônibus nesse horário. O turno de
trabalho termina às 15h30, e ela folga aos domingos e feriados.
Em relação à importância do esporte, a mãe afirma que “foi tudo de bom para
ela. Foi a melhor coisa”.
A treinadora de A1 nasceu em São Paulo e atualmente mora em Ferraz de
Vasconcelos com o marido. Formou-se em educação física pela Universidade
Paulista (Unip) em 2008. Em seu último semestre na graduação, fez estágio como
voluntária e está até hoje vinculada a esse programa de treinamento da Associação
Paradesportiva JR Ferraz. Sobre a educação recebida em casa, salienta o respeito
ao outro, saber dividir as coisas, conversar, dizer o que está sentindo. Afirma que
houve muitas restrições, como o momento de sair de casa, de ir ao shopping com
amigos ou de namorar. A confiança entre mãe e filha foi sendo conquistada ao longo
do tempo.
A equipe treina numa piscina olímpica (50 m x 25 m), aquecida e coberta do
Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP), da Secretaria de Esportes,
Lazer e Recreação da Prefeitura de São Paulo. Entre as 18h e as 20h, o espaço é
cedido a grupos de treinamento de atletas com deficiência, sendo as raias divididas
entre todas as instituições presentes.
Nas sessões de treinamento, a treinadora tem total liberdade para planejar e
agir com os atletas. Procura conversar, compartilhar o que pensam e, se necessário,
faz-lhes reparos ou advertências. Salienta que o respeito ao outro é fundamental,
uma vez que dividem o mesmo espaço. Reforça com os atletas que é preciso olhar o
outro, esperar o outro passar.
Quando começou a trabalhar com os atletas, estes já vinham treinando havia
um bom tempo. Se, no decorrer dos treinos, precisa contar alguma coisa aos pais,
passa a informação aos coordenadores do programa, pois é um trabalho em equipe.
A treinadora realça as qualidades positivas de A1, entre elas, a de ser
responsável e a de atender a tudo o que é orientada a fazer. Considera que está
sempre atenta ao que acontece com os colegas e cuida bastante do outro. Nesse
sentido, a treinadora destaca a oportunidade de conviver com outras pessoas no
68
ambiente esporte, sobretudo para aqueles que têm dificuldade de se relacionar ou
de interagir com o grupo e que encontram no esporte a possibilidade de desenvolver
a dimensão afetiva. Além disso, acredita que o esporte é importante prioritariamente
para promover a saúde.
Quando vê que o atleta age com responsabilidade, sente-se motivada a lhe
propor novas tarefas: “Começamos com uma tarefa simples, por exemplo, levar a
caneta daqui até ali e depois levar um objeto maior ou fazer uma coisa a mais”.
Durante as competições, atletas andam em duplas, e os treinadores procuram reunir
os que são mais responsáveis com os que estão começando. De certa forma,
aqueles assumem o papel do treinador, que não teria condições de acompanhar
todo o grupo. Na opinião da treinadora, esse comportamento responsável “será
levado para a vida dela dentro de casa, no trabalho, onde estiver”.
4.2.2 Atleta 2
A2, 36 anos, sexo masculino, nascido em São Paulo, vive com a mãe numa
chácara e ajuda nos afazeres diários varrendo, lavando louça, cortando a grama
com a máquina, cuidando da horta e tratando dos bichos. Frequentou a Apae de
São Paulo por 25 anos, numa época em que ainda não havia um processo de
alfabetização para alunos com síndrome de Down.
A rotina de A2 é se ocupar dos afazeres domésticos de manhã e, nos dias em
que não há treino, assistir a filmes ou jogar games (futebol, luta), coisas que ele
adora fazer. Conta que também em casa pratica atividades físicas: “eu faço
ginástica; tenho esteira, tenho bicicleta e saco [de boxe]“. Faz sozinho a
programação na esteira e se exercita durante vinte minutos correndo e caminhando.
Às quartas e sextas-feiras, vai aos treinos de natação da Associação Paradesportiva
JR Ferraz, que acontecem na piscina do COTP, em São Paulo, das 18h às 20h.
Além da natação, A2 também treina futebol e tênis de mesa. Gosta de
competir e já ganhou muitas medalhas. Conta que “nesse mês, ganhei ouro” e que
as medalhas conquistadas estão expostas numa parede de sua casa.
A transição da adolescência para a idade adulta é, em sua opinião, marcada
pela seguinte observação: “Tenho amigos que têm namorados”. Conta que já teve
uma namorada, mas atualmente não tem. Amigos são aqueles com quem convive
nos dias de treinamento.
69
A mãe de A2 completou a escola primária, tendo seus pais falecido quando
era criança. Casou-se e teve o primeiro filho, que está completando cinquenta anos.
Depois de muitos anos, nasceu A2. Como ela é doceira, quando ainda trabalhava,
sobretudo nos fins de semana, A2 ficava e até viajava com os tios (a irmã da mãe e
seu respectivo marido), pessoas que a mãe considera que foram muito importantes
na vida dele. Atualmente, frequentemente aos domingos, A2 vai à casa do irmão,
onde também faz tudo sozinho. Às quartas-feiras, a mãe o busca para levá-lo ao
treinamento. Lá também faz tudo sozinho. O irmão de A2 tem dois filhos, e a mãe
diz: “meus netos o adoram. São seus sobrinhos, um com quatorze, outro com nove
anos”. Segundo a mãe, “sai com meus netos, mas amigos de sair, não tem”.
De acordo com a mãe, A2 é prestativo, responsável, independente e
inteligente. Essas qualidades se refletem em ações tomar iniciativas, tomar
remédios, tomar banho, fazer a barba. Complementa dizendo que sempre o tratou
como uma pessoa que tem apenas uma pequena limitação – a de não saber ler – e
por isso não o deixa sair sozinho, com medo de que tome um ônibus errado. Exceto
por essa restrição, A2 sempre teve e ainda tem toda a liberdade de fazer o que quer.
Por exemplo, decidir se quer ou não participar de uma competição quando recebe o
comunicado. A mãe diz ainda que ele é muito obediente e que todo mundo o adora –
“não tem quem não goste dele”.
Quanto à natação, conta que, devido à idade e ao desempenho (ultimamente,
não tem conquistado boas colocações, recebendo apenas a medalha de
participação), ele não anda muito motivado. Gosta do futebol e adora o tênis, pois
tem conquistado o primeiro lugar.
O treinador de A2 nasceu em Pernambuco e, com um ano de idade, mudou-
-se para São Paulo. Estudou em escolas regulares e, por dificuldades pessoais, foi
encaminhado para a Apae, onde passou pelo processo de escolarização e de
capacitação para o trabalho. Iniciou a prática esportiva na Apae e continuou a nadar
pela JR Ferraz durante dez anos, tendo participado de várias competições
internacionais. Atualmente, auxilia nas atividades de treinamento de natação dessa
associação e continua como atleta na equipe de futebol. É casado e tem uma filha.
A presença desse treinador na equipe de trabalho é peculiar, e ele diz: “Sou
um deles também, especial”. Enquanto converso com o treinador, observo que A2
entrou na piscina e faz o aquecimento. Segundo o treinador, seus atletas sabem a
70
rotina de começo do treinamento e fazem cinco chegadas para se aquecer. Na
sequência, respondem a seu comando fazendo aquilo que pede.
O treinador considera bom o convívio com outras pessoas que se encontram
com o mesmo propósito e interesse nas sessões de treinamento, tendo em vista que
A2 já tem certa idade e participar do grupo concorre para manter dinâmico o
relacionamento com outros, em vez de ficar isolado em casa. O carinho, perceber
quando alguém está triste e saber conversar são essenciais no relacionamento com
os atletas. O treinador diz que, se algum atleta tem alguma dificuldade, pode falar, e
ele faz o que está a seu alcance para resolver; se não, passa para os
coordenadores.
Para o treinador, “o esporte de forma geral é muito bom; o importante é você
estar fazendo o esporte para você mesmo”. Também considera que “o esporte
abrange corpo e mente, além de ser um ambiente em que se fica com amigos.”
Estar engajado no esporte afasta o envolvimento com a violência.
4.2.3 Atleta 3
A3, sexo feminino, 30 anos (“eu sou de 17 de fevereiro”, “sou de 82”, “nasci
onze e meia da noite e eu sou aquariana”). Conta que os pais são separados e que
tem dois irmãos (um mora em Caieiras e outro, em Porto Alegre). Enfatiza que seus
primos constituem outra família. Mora com a mãe e a tia, que há quatorze anos vive
com elas. Durante a entrevista, mencionou várias vezes a cachorrinha (Cacau),
dando detalhes da responsabilidade que assume com seus cuidados. A avó também
morava com elas, mas faleceu recentemente. Como a entrevista foi feita na casa,
ela aponta para um porta-retratos e diz “minha avó ali, na minha foto”. Na estante,
há outros porta-retratos: “tem o meu tio, que é palhaço; uma foto antiga da minha
tia”. Nas prateleiras da mesma estante, também há peças de madeira e telas
pintadas por A3, cujos motivos ela mesma escolheu. Parte de sua coleção de
pinturas integrou uma exposição no Museu Brasileiro de Escultura (Mube), onde
atualmente faz um curso de aprimoramento. Além do curso de pintura, faz
semanalmente dança de salão junto com uma amiga. Às quintas-feiras, faz manicure
e escova nos cabelos. Aos sábados, faz um trabalho voluntário no centro espírita
perto de sua casa, sendo monitora de um grupo de crianças (“levo a criança no
banheiro, lavo a mão da criança”).
71
Às segundas, quartas e sextas-feiras, frequenta o Instituto Indianópolis de
Educação Especial, onde participa das oficinas e das atividades físicas (tênis e
natação). Treina tênis há muitos anos, tendo participado de várias competições
organizadas pela Special Olympics Brasil, nas provas de voleio e saque. Destaca
que seu professor a ensinou a jogar e mostra: “a minha mão, está vendo? Eu pego a
bolinha com essa mão, ponho a raquete aqui e jogo a bolinha pro outro lado da
rede”. Frequentou por muitos anos o Projeto Movimento da Apabb (Associação de
Pais Amigos e Pessoas com Deficiência de Funcionários do Banco do Brasil) e da
Comunidade (Apabb) – fundada por sua mãe – onde também teve a oportunidade
de treinar patinação e participar dos Jogos Mundiais de Inverno da Special
Olympics. Quando voltou dessa competição, foi recepcionada por amigos e
familiares. Essa participação teve repercussão na mídia, numa reportagem de um
conhecido programa televisivo.
A3 conta que, seu professor de educação física é também seu personal
trainer, e eles fazem caminhadas das 6h30 até 7h, às quartas-feiras e, às sextas,
após dez minutos de atividade na esteira, fazem alongamento. Comenta que,
durante os dez minutos de aquecimento, conversam e o professor orienta o ritmo.
Essa relação vem de longa data: “a gente tem uma história”.
A mãe de A3 é de São Paulo, de família modesta; seu pai foi funcionário
público e sua mãe, dona de casa. O pai fez até o 2o ano primário (atual 3o) e a mãe,
até o 4o (atual 5
o). Tinham valores muito claros: os filhos deveriam estudar. Estudou
na rede pública e se formou em sociologia na Universidade de São Paulo.
Atualmente, é bancária aposentada.
Conta que a família é espírita há várias gerações. É pequena, mas muito
unida, de forma que A3 tem relações excelentes com os primos, as tias, os tios e
também com a geração mais antiga. Gosta de ir à casa da tia-avó e de outra tia e
fica para dormir sempre que pode. “Hoje, é mais ligada a mim, uma vez que sou
separada”, mas se encontra de vez em quando com o pai.
A mãe esclarece a limitação motora de A3: “ela tem paralisia cerebral, nasceu
com microcefalia, apresentando uma lesão do lado esquerdo do cérebro”. Desde o
nascimento, foi muito bem acompanhada, tendo sido diagnosticada precocemente
(aos cinco meses), uma vez que o pai é fisioterapeuta e um grande amigo da família
era neurologista. A estimulação precoce teve início imediato, e A3 fez fisioterapia,
fonoaudiologia e terapia ocupacional ao longo dos anos. Sua limitação motora se
72
restringe ao braço e ao pé direito; ela anda sozinha e eventualmente tropeça.
Precisa de estímulo físico constante, daí a importância do personal trainer, que lhe
corrige a postura e faz alongamento. Diz a mãe que o histórico da filha é ligado ao
esporte, e o evento mais marcante foi sua participação nos Jogos Mundiais de
Inverno da Special Olympics, realizados em Toronto, em 1997, como atleta da
patinação.
A3 foi alfabetizada e, “embora consiga ler e escrever com relativa facilidade,
às vezes lê a palavra mas não entende o contexto”. Segundo a mãe, seu
comportamento é característico da adolescência ou da pré-adolescência. Por isso e
pela deficiência intelectual, é interditada judicialmente, o que significa que não pode
ser deixada sozinha e deve sempre estar em ambiente protegido. Tem relativa
autonomia, mesmo porque ninguém é completamente autônomo: “dependemos uns
dos outros”, diz sua mãe. Considera que a filha tem uma boa autonomia emocional,
sendo capaz de tomar algumas decisões e saber o que quer em relação às coisas
de que gosta – entre outras, viajar e participar dos acampamentos de férias
promovidos pela Apabb. A mãe salienta que, acontecendo em ambiente de amigos
conhecidos, propiciaram o desenvolvimento de A3. As viagens em função do
esporte, por outro lado, envolviam pessoas que não conhecia – atletas e treinadores
que compunham a delegação, mas a visão dos profissionais, de não ficar tomando
conta dos atletas, também foi fundamental para seu desenvolvimento. As medalhas
conquistadas, por mérito de seu próprio esforço – “onde concorre com ela mesma o
tempo inteiro” – favoreceram sua autoestima e a formação de sua personalidade.
Hoje, A3 é uma pessoa muito autoconfiante.
A mãe está sempre atenta ao movimento das pessoas com deficiência. Foi
uma das responsáveis pela fundação da Apabb: “Sempre fui mais ou menos assim,
ativista nessa área de deficiência. Desde que minha filha nasceu, sempre achei tudo
importante e fundei a Apabb, que é uma associação de funcionários do Banco do
Brasil que hoje tem núcleos no Brasil inteiro. Está fazendo vinte e cinco anos, e
posso afirmar que sempre atuei na área, em paralelo à minha carreira profissional”.
O treinador e personal trainer de A3 nasceu em São Paulo. Na infância e na
adolescência, foi atleta de futebol. Formou-se em educação física na Universidade
de Mogi das Cruzes (UMC), em 1999. Antes disso, por influência do irmão, trabalhou
com pessoas com deficiência intelectual e faz isso até hoje. Depois de formado, fez
um curso de especialização em treinamento esportivo para pessoas com deficiência
73
intelectual e alguns cursos de extensão universitária. Trabalha há muitos anos no
Instituto Indianópolis de Educação Especial, sendo responsável pela filosofia do
programa de atividade física e esporte.
A figura do professor é fundamental na relação com a família. O treinador de
A3 participa de reuniões em que relata sua evolução e compartilha eventuais
dificuldades. Adota como princípios respeitar a individualidade, garantir a
participação, valorizar a capacidade de executar as atividades, criar um ambiente
sem tensões e rico em oportunidades e observar a evolução nos treinamentos. Em
vésperas de competição, exige nos treinos mais responsabilidade e autocontrole,
necessários em competições.
Reconhece que A3 tem perfil de atleta, é dedicada nos treinos. Considera que
é a essência daquilo que se acredita quanto ao benefício do esporte para pessoas
com deficiência intelectual, “as limitações dela desaparecem quando está praticando
esporte”. Além de benefícios motores e físicos, as oportunidades de convívio e de
independência que ela teve foram através do esporte. A participação em
competições, as viagens a lugares diferentes, com pessoas diferentes, em situações
diferentes se refletem “nessa liberdade social que tem hoje”.
4.2.4 Atleta 4
A4, sexo feminino, nasceu em São Paulo, tem 27 anos, mora com a mãe,
uma irmã e o cunhado. O pai é falecido. Quando frequentava a Apae, conheceu sua
atual treinadora, com quem treina há 15 anos. A4 trabalha diariamente. Nos dias em
que não tem treino, volta do trabalho e fica em casa, entrando na internet e vendo as
fotos da JR no facebook. Às vezes, dança sozinha. Em casa, também ajuda nos
afazeres; gosta de cozinhar, lava louça e sabe lavar, passar e guardar a roupa.
A4 pratica ginástica e natação na Associação Paradesportiva JR Ferraz, cujos
treinamentos ocorrem no Centro Olímpico de Treinamento em São Paulo. Diz que
gosta de treinar. Em relação ao treinamento atual, afirma que sua treinadora diz:
“Tem que treinar, tem que treinar”. Como vários atletas dividem a mesma raia, é
preciso respeitar o ritmo de cada um e dar passagem, quando necessário. No dia da
entrevista, A4 contou que ouviu uma colega dizer a um amigo seu: “Não passa na
minha frente, não passa na minha frente”, o que gerou uma desavença entre elas.
A4 enfatizou que tem que treinar, pois precisa fazer o índice para ir à Itália,
para poder ganhar, fazer bonito lá. Sua participação nessa viagem dependeria dos
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resultados obtidos num campeonato no Sport Club Corinthians. Como atleta, diz que
“pra mim, o mais importante é a competição”. A4 é uma das atletas contempladas
com a bolsa-atleta na natação, renovada na medida em que conquista os índices.
Sobre sua participação em eventos internacionais, conta que já viajou para o México
e o Equador e que agora irá à Itália.
Na adolescência, A4 foi muito procurada pela mídia, pois, na época, nasceu
com a síndrome de Down a filha um conhecido jogador de futebol. As emissoras
procuravam a Apae, e ela era sempre indicada para as entrevistas. Um dos
assuntos explorados pela mídia era o namoro, motivo pelo qual foi convidada a
participar de diversos programas de auditório. A4 namorou esse rapaz durante nove
anos, mas terminou o namoro em 2012. Hoje, está namorando novamente, e, para
eles saírem, as mães combinam algo conjuntamente. Comenta que está guardando
dinheiro para se casar. Quanto à percepção de mudanças da adolescência para a
idade adulta, diz: “Vai indo, né? [...] Tem hora que eu fico mais... sou meio chata, às
vezes”. Comenta que “agora, eu estou ficando mais velha, penso em outras coisas”.
A4 trabalha e é independente para ir e vir, usando transporte público. Tem
noção do valor do dinheiro e entende que, levando certa quantia, pode pagar por
aquilo que deseja comprar.
A mãe de A4 nasceu em Tupã, interior de São Paulo, foi criada em
Teresópolis, estado do Rio de Janeiro. Aos 7 anos, já cozinhava e, aos 14, tomava
conta da família. Com 20 anos, mudou-se para São Paulo. Perdeu a mãe aos 24
anos, quando a irmã caçula tinha apenas 14. Acabou criando os irmãos. Seu pai,
hoje com 92 anos, mora com ela. Tem duas filhas, a mais velha com 33, já casada,
e A4, com 27 anos. Exerce a profissão de cabeleireira.
A mãe relata que A4 nasceu numa época muito difícil: raramente se via na rua
uma criança com síndrome de Down. Quando A4 tinha 4 ou 5 anos e frequentava a
Apae, a mãe foi orientada a matriculá-la numa escola regular, posto que tinha
condições de fazer tudo, mas era considerada tímida e, portanto, a integração com
outras crianças seria oportuna para aprender a brincar. Percebendo o despreparo
das escolas para aceitar crianças com síndrome de Down, a mãe persuadiu o diretor
de uma escola pública a conhecer o trabalho da Apae. Explicou que gostaria que a
filha ficasse na escola poucas horas, para brincar com outras crianças, salientado
que ela conversava normalmente e não era agressiva. Conseguiu matriculá-la e
considera que foi uma ação favorável ao movimento de inclusão, fundamental
75
naquela época. A mãe de A4 a manteve em ambas as instituições durante dois
anos, quando foi orientada pela médica a considerar a sobrecarga e falta de
atividades próprias da infância; a menina não tinha tempo para brincar. A mãe
decidiu mantê-la apenas na Apae, avaliando que os dois anos na escola regular
tinham sido bons porque ela se soltou mais. O nascimento da filha do jogador
também ajudou a pôr em pauta e discutir a acessibilidade das escolas, antes
negada: “Houve uma mudança geral, o governo nos atende melhor também.”
A mãe salienta que A4 é bastante responsável: “ela sai, vai trabalhar sozinha,
volta, vem sozinha para o treino uma vez por semana”. Como o trabalho de A4 dista
seis a sete pontos de casa, quando acorda animada, vai a pé. A mãe comenta que é
capaz de ir sozinha, confia nela e não se preocupa com isso: “Tem muita gente que
diz: ‘Nossa! Você tem coragem de deixar?’”. Ela responde que, se tiver que
acontecer alguma coisa, vai acontecer. Às segundas e quartas-feiras, a mãe pega
A4 no serviço e a leva ao treino. Volta às 20h para buscá-la. Como ambas
trabalham, o tempo de convivência diária se restringe aos poucos momentos que
têm à noite. Discutem o que fizeram durante o dia e, no jantar, comentam a novela.
Sobre dedicação e educação, diz: “Fiz tudo o que tinha que fazer por ela; por
isso, hoje ela está onde está. Acho isso uma vitória muito grande. Me sinto vitoriosa
por tê-la educado dessa maneira, considerando as síndromes e a dificuldade que
vejo em muitas outras coleguinhas. Não a vejo como especial. Se hoje ou amanhã
eu me for, acho que ela tem condições não digo de morar sozinha, mas de se
defender. Acho que a preparei bem, nesse sentido.”
Do ponto de vista da mãe, a prática do esporte é boa tanto para a saúde
como para a convivência com os amigos, a união entre eles: “Faz muito bem para
mim, como mãe, também, pois dois dedinhos de conversa que você tem com uma
mãe que tem filhos com o mesmo problema, a conversa é totalmente diferente do
que com outra pessoa. Trocar ideias faz muito bem”. A Associação Paradesportiva
JR Ferraz foi criada quando a Apae deixou de focar o esporte e a participação em
competições, de modo que a maior parte dos atletas que treinavam lá passou a
treinar nessa associação.
A treinadora de A4 nasceu em São Paulo, estudou em colégio estadual e se
formou em educação física pela Unesp de Rio Claro. Foi atleta de ginástica olímpica
e chegou a integrar a seleção brasileira. Concluindo a faculdade, voltou para São
Paulo e trabalhou inicialmente com natação em academias. Ingressou na Apae,
76
onde deu aulas de educação física para crianças de 6 a 7 anos. Surgiu então a
oportunidade de montar equipes de treinamento na própria Apae. Tendo feito o
Curso Técnico de Ginástica Artística, montou uma equipe de treinamento dessa
modalidade e também foi auxiliar técnica nos treinos de natação. Ao deixar a Apae,
participou da fundação da Associação Paradesportiva JR Ferraz (citada como JR),
vinculada à empresa de mesmo nome. Percebendo o declínio no rendimento de
trabalho de dois alunos da Apae, o empresário atribuiu-o ao fato de terem deixado
de treinar e apoiou a criação da Associação, onde a treinadora de A4 é
coordenadora e também treinadora de ginástica artística e de natação, em equipes
de atletas com deficiência intelectual de alto rendimento. É casada e tem duas filhas.
Há onze anos, desenvolve o programa de natação na Associação, e vários
atletas treinam com ela desde então. Percebe que, no decorrer dos anos, sua
independência evoluiu muito, sobretudo pela oportunidade de viajarem sem os pais
e terem que cuidar sozinhos das próprias coisas. Afirma que acaba investindo não
no atleta, mas na pessoa. Observa que, como membros de uma equipe, se tornaram
mais determinados, mais “guerreiros”. Sobre A4, diz que “cresceu demais”.
O trabalho que desenvolve com os atletas envolve aprender a lidar com
vitórias e derrotas, valorizar a participação na equipe mesmo quando não ganham
medalhas, realçando que o troféu conquistado é de todo o grupo. Procura
desenvolver o companheirismo e o apoio mútuo, quando alguém está triste ou faz
algo errado. Relata um caso em que uma atleta que se trancou no quarto e não
queria abrir a porta. Os uniformes estavam nesse quarto, e, sem eles, ninguém
poderia ir à competição. Resolvido o problema, foram à competição e só quando
voltaram ela os reuniu. Ponderou que o que a atleta havia feito tinha prejudicado a
equipe e disse que gostaria que todos decidissem conjuntamente o que fazer com
ela.
Conversas desse tipo, que exigem reflexão e argumentação, fazem parte dos
encontros durante os treinamentos. A confiança mútua também é importante, uma
vez que, nas viagens, muitos atletas são acompanhados apenas de dois treinadores.
Quando necessário, pede que um atleta oriente o aquecimento, ação pela qual se
sentem valorizados, e melhora sua autoestima. Salienta que isso decorre de muito
trabalho, que não acontece de um dia para outro.
Sobre a preparação para campeonatos e viagens, orienta os pais no sentido
de que os atletas “têm que saber se virar sozinhos”. É claro que ela estará lá para
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apoiá-los, mas não fará nada no lugar deles. Acredita que os pais confiam em seu
trabalho e tem uma grande liberdade para conversar com eles. Sente-se um pouco
responsável por todos em todos os momentos. Pensa que o esporte lhes dá
oportunidade de trabalhar, de estar sozinhos num lugar estranho e de saber se
comportar socialmente.
Perante a sociedade, considera importante que sejam reconhecidos e tenham
liberdade de escolher e se expressar. Sente orgulho quando se mostram mais
independentes ou percebe o quanto cresceram, que sabem o que estão fazendo,
que estão preparados para ser responsáveis dentro de um grupo tão grande. A
relação afetiva se reflete “pelo carinho e pelo apoio que dão. A recompensa, não em
termos de resultado, mas a recompensa em termos de carinho, de querer bem.”
4.2.5 Atleta A5
A5, sexo masculino, tem 24 anos, nasceu em Santos, mora com os pais, a
irmã, o cunhado, os sobrinhos e a avó. Frequentou a escola a partir dos 7 anos, mas
parou de estudar na 4ª série (atual 5o ano). Conta que a empresa em que trabalha o
remunera para que pratique natação e participe dos torneios. Para ele, ser atleta
significa ser campeão, conquistar muitos títulos. Além da natação, pratica futebol e
hóquei sobre piso, modalidades em que compete na Special Olympics. O dinheiro
que recebe é controlado por ele mesmo e pela mãe. Está economizando para um
dia comprar uma chácara ou uma casa. Gosta de comprar uma certa bebida com
baixa dosagem alcoólica para tomar em festas como o Natal e o Ano Novo.
Considera-se responsável, cuida da avó, sabe a hora certa de cada coisa,
pega as compras, às vezes coloca o lixo na rua. Estabelece uma relação entre
responsabilidade nos treinos e retorno: “quem nada bem, ganha muitos títulos”.
Treina às segundas-feiras e comenta que sua treinadora lhe pede para nadar mais,
nadar forte. Participou de várias competições e foi campeão no Brasil. Quer
continuar treinando.
Na adolescência, era briguento, mas hoje procura controlar seu
comportamento. “Eu era rebelde; agora, não... agora, eu sou adulto”. Frequenta o
Centro Educacional Integrado de Vinhedo (Ceivi), onde participe de reuniões sobre
os direitos da pessoa com deficiência. Diz que “tem os grupos de deficiência, tem
deficiência física, deficiência auditiva, visual, intelectual”. Um tema em evidência é a
necessidade de transporte, de ônibus.
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A mãe de A5 nasceu em Santos, está casada há quarenta anos, tem três
filhas, e A5 é o caçula. É profissional liberal e está retomando as atividades após um
período de cuidados com sua mãe. A família mora há quinze anos em Vinhedo, e
destaca que A5 é muito próximo do cunhado, com quem compartilha sentimentos.
A5 nasceu com síndrome de Down, lê e escreve, mas não gosta muito.
Trabalhou numa empresa quatro anos e meio, desde os 19. Embora respondesse às
metas, sentiu-se vítima de preconceito e não quis mais ir. Por gostarem dele,
decidiram manter o vínculo empregatício como apoio ao esporte, estabelecendo
uma parceria com a prefeitura. Se faltar aos treinos, A5 é descontado na folha de
pagamento. Com o dinheiro recebido, mobiliou seu quarto e agora diz que pretende
assistir à copa mundial de futebol.
A mãe relata que ele é independente em afazeres, ainda que haja sempre
necessidade de um respaldo por trás, e que é muito pontual: se ele precisa estar
pronto às 6 horas, já está acordado às 5. Por outro lado, embora isso seja discutido
no Ceivi e A5 saiba chegar sozinho a determinados lugares, a família tem receio e
sempre vai levá-lo ou buscá-lo. A mãe elogia o trabalho do Ceivi e diz que é muito
bom no relacionamento com os pais, mantendo-os atualizados quanto aos direitos
das pessoas com deficiência.
Destaca que A5 gosta de todos esportes: assiste Fórmula 1, luta, futebol,
além de natação e hóquei sobre piso, e também participa de um festival de dança
pelo Ceivi. Já foi campeão em natação e, embora se tenha decepcionado quando
não foi sorteado para os Jogos Mundiais de Verão da Special Olympics, sistema
adotado pela Special Olympics, continua a gostar muito de nadar.
A treinadora de A5 nasceu em Cravinhos, São Paulo. Graduou-se na Escola
Superior de Educação Física (Esef) de Jundiaí e fez especialização em educação
física adaptada na Unicamp. Quando trabalhava na prefeitura de São Paulo, teve
oportunidade de fazer um curso a distância sobre esporte escolar. Posteriormente,
fez especialização em tênis de campo. Desde que entrou na Esef, em 1999, trabalha
em educação física adaptada e hoje diz que realmente faz o que gosta. Em Jundiaí,
trabalha no Programa de Esportes e Atividade Motoras Adaptadas (Peama) e está
lotada na Secretaria Municipal de Esportes e Lazer da Prefeitura de Vinhedo, tendo
participado da criação do Departamento de Esportes Especiais, que oferece
atividades esportivas para grupos especiais. A natação é desenvolvida às segundas-
-feiras, numa das unidades da prefeitura.
79
A5 faz parte do programa de natação desde 2011. Durante os treinos, a
treinadora ensina seus atletas a organizarem o material, de modo que possam,
mediante solicitação, ajudar a buscar ou guardar alguma coisa; é uma forma de
exercitar direitos e deveres de cada um.
Observa o comportamento dos alunos e, sempre que percebe progressos,
enfatiza: “Você viu que legal que você conseguiu fazer?”. Mostra que não precisam
que outra pessoa que faça por eles, mas sabe que, muitas vezes, em casa, alguém
faz tudo por eles, o que limita a autorrealização. A treinadora acredita que eles
devem estar preparados para a vida, para casos em que não haverá uma pessoa ao
lado. Com essa preocupação, inclui no planejamento situações que favoreçam a
compreensão e a autonomia.
Já em viagens, visto que os pais não os acompanham, acredita que seus
atletas têm mais liberdade e, por conseguinte, sentem-se mais responsáveis por
seus atos. A convivência em grupo também implica aceitar determinadas regras.
Conta um episódio em que, tendo levado dinheiro numa viagem, A5 achou que
pudesse comprar um refrigerante. Como a treinadora havia levado lanche para
todos, o coibiu, pois os outros não poderiam fazer o mesmo. A5 reagiu com
indignação, o que, para ela, mostra sua dificuldade para lidar com o não.
Sempre gostou de esporte e acredita que faz bem para a autoestima – dá um
sentimento de “consegui fazer” – e que, a partir disso, os atletas conseguem fazer
melhor outras coisas, o que favorece sua saúde e sua qualidade de vida. Se, no
tempo de faculdade, não gostava de Psicologia, reconhece que hoje o que mais
precisa é lidar com aspectos psicológicos em suas aulas.
4.2.6 Atleta A6
A6, sexo masculino, nasceu em Jundiaí, tem 24 anos. Sempre morou com os
pais, num condomínio onde também residem outros familiares. Além de treinar
natação no Peama e em casa (com um personal trainer que também o acompanha,
como assistente, nas demais atividades diárias), A6 pedala, faz aula de teclado e
bateria e canta. De segunda a quinta-feira, vai a uma ONG (criada pela mãe) onde
trabalha com crianças especiais. Numa de suas tardes livres, fica com a avó e,
noutra, almoça com o primo: “Ou seja, eu não paro”.
Coleciona CDs e, para adquiri-los, cota preços, compara, consulta um amigo
que tem estúdio de som, estuda a proposta, discute com seu personal
80
trainer/assistente, que o ajuda a inserir o código para emitir boleto, e então
“baixamos, jogamos num HD externo, depois passamos para o pen-drive, incluímos
no iTunes e eu passo pro iPod”. Em alguns casos, se necessário, decide junto com
outras pessoas, mas se pode fazer uma coisa sozinho, diz: “Deixa comigo, que eu
assumo”.
Conta que sempre foi de economizar, de guardar dinheiro; assim, quando o
avô faleceu, sua avó decidiu repassar a aposentadoria para ele.
Pratica natação desde 2006, ano em que, n uma disputa de bicicleta, caiu e
quebrou o braço. Decidiu então “abrir um ramo para a natação”, sem deixar de andar
de bicicleta. Em 2009, participou do Festival Regional Especial de Natação (Frena),
como atleta do Peama. Foi campeão numa prova, concorreu no sorteio e foi
contemplado com uma vaga para participar dos Jogos Mundiais de Verão da Special
Olympics na Grécia. Na época, intensificou os treinamentos em casa. Atravessa a
piscina inteira (25 m) e gosta de disputar com seu professor.
Sobre a viagem à Grécia, conta que o maior desafio foi comer coisas
diferentes. Em dado momento, provou um lanche e gostou, mas deixou-o como uma
opção de último caso, pois não considera saudável seu jantar semanal ser um
lanche. Focado nessa situação, afirma que foi uma viagem de autossuperação.
A mãe de A6 começa seu relato contando que perdeu a mãe quando tinha 11
anos e precisou cuidar da casa. Casou-se aos 18 anos e engravidou do primeiro
filho. A6 é o do meio e, quando completou um ano, um médico disse que ele não
andaria nem falaria. A família então procurou um neurologista, que os tranquilizou ao
afirmar que ele se desenvolveria, mas ele não saberia dizer nem quando, nem
como. Quando começou a dar alguns passos e a falar, se questionaram sobre
mandá-lo ou não à escola. ”Quando começou a andar de bicicleta, na primeira volta,
bateu numa árvore, pois tem uma deficiência visual – não forma imagens”.
Quando A6 fez 16 anos, a mãe passou ao personal trainer a tarefa de
acompanhá-lo em todas as atividades. Atribui a ele o desenvolvimento da autonomia
do filho e sugere que ele também seja entrevistado. Ao completar 18 anos, A6 quis
tirar carta de motorista, mas foi preciso lhe explicar que não poderia, por causa da
deficiência visual.
Na preparação para a viagem à Grécia, intensificaram-se os treinos de
natação, mantendo-se assim até hoje. Na época, ele treinava todos os dias, com a
intenção de competir, e não apenas de participar. Sabia que poderia ganhar ou não,
81
mas foi bem preparado. Dizia: “Eu vou dar o meu melhor”. Acompanharam-no o
irmão mais velho com a namorada e o personal trainer; ela não foi, por ter medo de
andar de avião. Foi de fato uma viagem de superação, pois A6 nunca tinha saído de
perto da mãe. Quando lhe disseram que ele iria à Grécia, ela, a princípio, negou: “De
jeito nenhum. Não vai mesmo”. Acabou sendo convencida pelo argumento de que
A6 havia feito muitas conquistas, mas diz que precisou de um ano de trabalho com a
psicóloga para aceitar que ele fosse: “Então, foi bom eu não ter ido, porque foi uma
superação para ele, de ele ir sem mim e voltar; e eu ficar sem ele. Foi a melhor coisa
que fizemos, porque ele viu que pode ir sem mim e voltar”.
A6 queria trabalhar; comparava-se com os irmãos, que trabalhavam. Como o
acompanhamento do personal trainer fora bem-sucedido, pensaram em criar um
trabalho parecido e montaram a associação, da qual ambos tomam conta. As
crianças vão para se divertir e aprendem a “se virar” sozinhas – por exemplo, a ir ao
supermercado. É uma proposta de inclusão.
O personal trainer e assistente de A6 nas atividades diárias nasceu em São
Bernardo do Campo, com 5 anos mudou-se para São José do Rio Preto e, com 17,
para Jundiaí, já com o objetivo de ser um profissional de educação física. Aos 20
anos, em 2001, entrou na faculdade. Em 2004, conheceu A6 e está com ele até
hoje, acompanhando-o em suas atividades diárias e nos aspectos sociais, cognitivos
e esportivos e em conversas com a família. É também o motorista e comenta que
está para ser aprovada uma lei que amplia a isenção de impostos para a aquisição
de veículos em nome da pessoa com deficiência física, intelectual ou visual ou
autista, de modo que esse será mais um importante benefício. Afirma que, pelas
limitações visual e cognitiva, A6 é algo dependente para fazer algumas coisas.
Nesses oito anos de trabalho, ele passou a usar computador, a sair a pé ou de
bicicleta sem causar preocupações, a fazer atividades físicas e outras tarefas sem
ter a presença constante de outra pessoa a seu lado.
Sobre A6 andar de bicicleta sozinho, diz que ele consegue ir a certos lugares,
mas, se em algum desses percursos deparar algum obstáculo, pode não perceber a
tempo, devido à deficiência visual. De todo modo, procura fazer com que A6 faça as
coisas da forma mais autônoma.
Quando A6 foi contemplado com uma vaga na equipe de natação para
participar dos jogos mundiais da Special Olympics, passou a desenvolver um treino
específico, visando melhores resultados: “A partir desse dia, ele se dedicou aos
82
treinos e melhorou muito. Continua a treinar, para conseguir uma vaga nos próximos
jogos”.
A treinadora de natação de A6 no Peama nasceu e foi criada no interior de
São Paulo. Com o incentivo da família, foi estudar fora quando terminou o colegial
(atual ensino médio). Fez parte do cursinho em Avaré e parte em Londrina.
Ingressou na Escola de Esporte e Educação Física da Universidade de São Paulo e,
quando se formou, prestou o concurso na prefeitura de Jundiaí, passando a
trabalhar no Peama.
Considera a prática de esporte uma das atividades mais importantes de seus
alunos, pois na água se sentem mais independentes, conseguem nadar sozinhos. O
fato de viajarem é uma grande oportunidade de estar longe da família, e conseguem
fazer tarefas básicas sem ajuda. Afirma que os atletas gostam muito: é uma forma
de cuidar da saúde, se divertir e, ao mesmo tempo, conhecer lugares novos e fazer
amigos.
Se algum atleta não cumpre uma tarefa por falta de força muscular, a
atividade física pode melhorar sua condição motora para, por exemplo, se abaixar e
levantar sozinho. Prestar atenção ao que diz o treinador, à dica que ele dá, bem
como escutar a opinião de outros, concorre para que o atleta consiga fazer algo
sozinho. Sente uma grande satisfação ao perceber mudanças no comportamento de
seus atletas, pois saber que contribuiu com esse desenvolvimento. Em relação a A6,
acredita a deficiência visual o impede de fazer tudo sozinho.
Associa a participação em competições a uma oportunidade de exercer a
autonomia. Alguns esperam ansiosamente esses eventos, pois viajam sem os pais,
experiência que lhes acrescenta muito, considerando o lado pessoal.
4.2.7 Atleta A7
A7, sexo masculino, 36 anos de idade, mora com os pais em Jundiaí, numa
casa que o pai comprou quando ele nasceu. Seu irmão mais velho é casado e
também mora na cidade. Conta que estudou em certo colégio e que, devido a “estes
problemas que eu tive”, precisou esperar até que houvesse uma classe especial.
Frequentou até a 6ª série (atual 7o ano) e então se transferiu para uma escola perto
de casa.
Uma vez por semana, acompanha o pai à oficina. Varre o chão, mas não
trabalha nos tornos, para não sofrer acidentes. Sua mãe é costureira, e, quando
83
precisa, ele ajuda no serviço doméstico: troca o lixo, varre a casa ou põe o lixo para
fora.
Frequenta o Peama há sete anos. Participa do Frena e também já competiu
em São Paulo. Em Campinas, participou pela primeira vez de um evento da Special
Olympics. Atribui grande importância ao esporte. Sabe que não pode perder aula
para continuar inscrito no Peama. Gosta do nado crawl e do nado de peito; não é
muito bom no nado de costas nem no nado borboleta, mas pratica-os para aprimorá-
-los. Gosta ainda de tênis e futebol. Nos dias em que vai ao Peama, também faz
caminhadas com a treinadora.
Costuma viajar com a família e conta que foi ao casamento de um primo em
Amparo, à casa da avó e à da família da cunhada, em Jacareí. Quando viaja, vai
com o irmão e a cunhada, que assumem a responsabilidade por ele. Tem um vizinho
que considera seu melhor amigo. Cresceram juntos. Quando o irmão era solteiro,
levava-os a “baladas”, nas quais A7 gostava de se divertir e assistir as bandas.
A mãe de A7 nasceu em Jundiaí. Desde que seu bisavô veio da Itália, a
família está radicada em Jundiaí. Está aposentada e trabalha em casa. Durante o
nascimento de A7, faltou oxigênio, o que afetou o lado esquerdo, a área motora e a
fala. Desde um ano de idade, ele teve acompanhamento profissional; fez sete anos
de fonoaudiologia e só gagueja um pouco quando fica nervoso. Em termos de
raciocínio, é limitado em matemática, o que dificulta o manuseio de dinheiro. É
alfabetizado, tendo passado por uma escola de método Montessori e uma escola
regular com classe especial; fez dois anos de espanhol e curso de computação.
Sabe conversar sobre tudo: filmes, esporte e política. Ela o estimula a ocupar seu
tempo com tais afazeres para que não fique o tempo todo vendo televisão, ouvindo
música ou no computador.
Ele anda interessado em ter uma namorada, e ela o incentiva, procurando
orientá-lo, dada a dificuldade ele que tem para lidar com essa situação. No dia a dia,
acompanha-o em todas as atividades. Como tem a preocupação de seu filho estar
supervisionado, acredita que tenha criado o irmão para que este também possa
cuidar dele. Tanto o irmão como a nora gostam muito dele.
O esporte foi fundamental para que A7 evoluísse. Desde pequeno, ele fazia
natação, inicialmente, numa academia. Embora sua deficiência não seja aparente, o
fato de não poder mergulhar (por orientação do neurologista) foi motivo para
algumas crianças rirem dele, o que o fez abandonar a academia. Resistiu um pouco
84
a entrar no projeto, mas hoje não quer sair – participa todos os dias. Às segundas-
-feiras, faz só natação; às terças, tênis e futebol; às quartas, caminhadas e natação;
às quintas, bocha, tênis e futebol; e, às sextas, só caminhada. O pai sofreu uma
cirurgia recentemente, e, temporariamente, A7 vai ao projeto com uma perueira.
Participa de competições locais, tendo ido apenas a cidades da região. Uma
vez, ficou dez dias num alojamento, num campus da cidade, e gostou muito da
convivência com os outros. Voltou mais independente, dizendo “deixa que eu faço”.
A treinadora de natação (também treinadora de A6 – ver perfil em A6) fala
sobre A7. Quando chegou, era muito tímido, não tinha iniciativa para fazer certas
coisas ou fazer perguntas. Depois que começou a frequentar a natação e a praticar
mais atividades físicas, passou a se soltar e apresentar um bom desenvolvimento.
Avalia que, entre seus atletas, foi o que mais evoluiu. Perceber essa mudança de
comportamento lhe é muito gratificante, pois reflete sua contribuição no
desenvolvimento do atleta.
4.2.8 Atleta A8
A8, sexo masculino, 34 anos de idade, nasceu em São Paulo, tem um irmão
mais velho e uma irmã caçula. Separado da mãe, o pai mora na parte dos fundos da
casa. Na casa principal, a mãe mora com o neto (primeiro filho de A8) na parte de
baixo, e A8, com sua segunda esposa e o bebê recém-nascido, na parte de cima.
Na escola, não conseguia acompanhar o curso, e uma psicóloga que trabalhava na
Apae orientou a mãe a matriculá-lo nessa instituição. Comenta que, na escola
regular, era difícil, porque os outros eram melhores do que ele; na Apae, ele era
melhor do que os outros.
Ainda assim, a adaptação foi difícil: precisava usar uniforme, as pessoas o
achavam louco, ele não sabia nada sobre a síndrome de Down e não queria saber.
De certa forma, tinha vergonha de estudar lá e deu muito trabalho à mãe. Conta que
a escola só passou a ter classe especial quando tinha 17 ou 18 anos e que passou
quase um terço da sua vida na Apae. “Hoje, eu só tenho que agradecer. Não me
envergonho, ao contrário, me orgulho disso. Boa parte do que eu tenho hoje,
principalmente de educação e de esporte. Amo o esporte e agradeço a meu
treinador (na época, professor da Apae), que sempre me incentivou a treinar”.
Formou uma família e teve um filho. Tudo envolveu adaptação, devido à
dificuldade de aprendizagem. Consegue digitar no computador, mas é um pouco
85
mais lento. Afirma que é muito ligado à mãe, o que gera certo ciúme na esposa.
Hoje, se sente bem responsável e procura retribuir o que a mãe fez por ele no
começo. Quando algo não dá certo, conversa com ela a respeito.
Treina natação desde os 12 anos, tendo iniciado na Apae, pois era parte do
programa. Sempre teve o mesmo treinador. Conta que, no começo, o treinador lhe
disse que ele tinha dom e que futuramente iria gostar. A8 era muito rebelde nessa
época, mas o treinador passou a levá-lo a campeonatos, e ele gostou. Acredita que
o esporte o manteve afastado da bebida e de outros vícios. Após tantos anos
nadando, diz que seu corpo já não aguenta mais. Além disso, trabalha das 7h às
17h, treina e ainda tem que fazer coisas em casa. Ama nadar e não quer parar, mas
tem sido difícil competir, porque não tem obtido bons resultados. Segundo seu
relato, tem dito ao treinador para não levá-lo mais a competições internacionais, pois
pode estar tirando a vaga de outra pessoa, mais nova, que poderia adquirir
experiência. Ele próprio já foi o mais novo e viajou muitas vezes. Os bons resultados
alcançados na sua carreira de atleta lhe deram (e ainda dão) o benefício da bolsa-
atleta. Considera-se uma pessoa realizada e, se puder, quer ajudar a equipe até
ficar velho. Seu treinador lhe diz que ele não pode parar porque os meninos sentem
sua falta.
A8 conta ainda que, em viagens de competição pelas cidades do interior, às
vezes, pessoas locais conversarem com ele. Como não aparenta ter deficiência, os
que não o conhecem pensam até que é o treinador. Muitas vezes, não acreditam
que ele tenha qualquer deficiência, que é algum tipo de brincadeira. Na própria
empresa em que trabalha hoje, já passou por esse tipo de avaliação, motivo pelo
qual conversou com seu chefe. Acredita que só quem convive bastante com ele é
que compreende suas limitações.
A mãe de A8 nasceu em Minas Gerais. É a quarta de sete irmãos. Mudou-se
para São Paulo sozinha, com 13 anos de idade. A mãe veio tempos depois, de
modo que passaram a ter uma casa, ao invés de dormir no serviço. Conta que eram
pobres, mas muito lutadores. Conseguiu comprar uma casa para sua mãe, onde
também foi morar. Casou-se com 26 anos. A8 é seu segundo filho. Foi um parto
difícil, e, recém-nascido, ele teve muita diarreia e só emagrecia. Aos três meses,
diagnosticou-se o mal de Simioto (alergia a leite de vaca), e, com o tratamento, ele
foi melhorando aos poucos. A mãe se dedicava inteiramente a ele, e, por ele ser
86
uma criança doente, a família o mimava muito. Em reconhecimento, hoje ele a tira
do chão para dizer: “Você é uma grande mãe”.
Na escola, repetiu quatro vezes a 1ª série (atual 2o ano do ensino
fundamental). Tinha dificuldade para aprender, e os outros o chamavam de bobo. A
professora não entendia, pois ele ouvia uma vez uma música uma vez e logo a
repetia: “Uma psicóloga nos orientou a procurar a Apae. No início, foi assustador,
pois A8 não tinha a deficiência dos demais. Frequentou a Apae, era bom em
natação, em futebol e em skate, dançava lambada e dava show. Os amigos que ele
fez aos 11 anos de idade ainda são os mesmos. Todos frequentam a minha casa”.
Houve uma época em que moraram perto da Apae, e, quando iam viajar, todos
amigos dormiam lá. Na Apae, fez de tudo: fez teatro, era o padre ou era o noivo, nas
festas juninas. A Apae o abraçou com muito amor.
Engravidou uma menina na Apae e, quando o bebê nasceu, como a menina
não tinha condições de cuidar dele, a mãe de A8 o criou. Ele está para completar 13
anos.
Hoje, convive pouco com A8, pois ele sai cedo e chega à noite. Sempre passa
para deixar um pão e pergunta se ela precisa de alguma coisa. Então, sobe para
ficar com a mulher e o bebê. Como mãe, pensou na educação de todos e julga
importante que A8 seja um grande homem, que tenha muita educação. O acordava
e dizia: “Um grande homem trabalha”. Considera que ele venceu como filho: é um
filho maravilhoso, uma pessoa muito querida.
Considera também que o esporte foi uma coisa maravilhosa – foi a vida dele.
Medalhas, troféus, viagens, treinadores, viagens internacionais, amizades, tudo
começou na Apae. E foi na época da Apae que ele foi aprendendo a sair sozinho.
Quando fez 18 ou 19 anos, teve seu primeiro carro. O trabalho também é muito
importante para ele ter seu próprio dinheiro.
O treinador de A8 nasceu em São Paulo, morou e foi criado na Mooca.
Sempre gostou de esporte e escolheu a educação física como profissão. No início
da faculdade, fez estágio e foi para a área da natação. Em dado momento, não
sabia se queria continuar na educação física, pela incerteza de conseguir emprego,
de ter um futuro, de conseguir sustentar uma família. Decidiu então cursar
engenharia no Mackenzie. Quando estava no 2o ano foi convidado a trabalhar na
Apae e não saiu mais. Abandonou a engenharia e se formou pela Faculdade de
Educação Física, em São Caetano do Sul. Foi aprendendo no dia a dia a lidar com
87
os alunos, muitos dos quais se tornaram seus atletas. Na sua trajetória como
treinador, contou com dicas e orientações de outros colegas profissionais.
Atualmente, está em contato com um professor que faz um trabalho no Corinthians,
com quem tem montado o treino. Precisa da colaboração de alguém com mais
conhecimento técnico e de treinamento para ir além do alto rendimento (que já
alcançou), pensando em altíssimo rendimento. A atual equipe da JR é campeã
brasileira. Participa da Associação Regional de Desporto de Deficientes Intelectuais
(Ardem) e da Abdem e integra a equipe de natação do Comitê Paralímpico
Brasileiro.
O esporte deu importantes contribuições a A8, que dava muito trabalho à
mãe. Teve um patrão que o incentivou muito e o liberava para as competições. Pelo
esporte, participou de competições nacionais e internacionais. Esteve em vários
campeonatos mundiais: em 1997, viajou para Malta; em 1998, para Bologna; em
1999, para a República Tcheca; e, em 2002, participou do Parapan, em Mar Del
Plata. Essas competições são regidas pela INAS (INAS-FID International Sports
Federation for Persons with Intellectual Disability), e os índices são bem fortes. Até
hoje, A8 mantém esses índices, apesar de estar em fase de manutenção e de já não
querer se dedicar tanto porque sabe que o nível subiu demais e que não tem tanta
chance de conquistar uma medalha. Já tentou incluir A8 numa equipe regular, mas
não deu certo, porque o ritmo de treinamento é outro, as informações que se
passam são outras, e é preciso adaptar uma coisa ou outra.
Teve boa educação, sabe tratar bem as pessoas, sua família é importante,
está sempre arrumado, já se casou, separou-se, casou-se novamente, tem dois
filhos e trabalha. O esporte o ajudou muito no aspecto social. Conta que sempre
prezou muito o grupo, sem deixar de considerar e valorizar cada um individualmente.
Tem atletas mais jovens despontando. O respeito entre eles é muito cobrado, não se
vê ninguém falando mal do outro. Se alguém comete um erro, discute-se se foi
intencional ou não. Todos têm liberdade para conversar.
4.2.9 Atleta A9
A9, sexo masculino, tem 25 anos, nasceu em São Paulo, mora com o irmão e
a mãe numa chácara em Vinhedo. Seu pai faleceu recentemente. Em casa, gosta de
limpar as folhas no terreno. Frequenta o Centro Educacional Integrado de Vinhedo
(Ceivi) e diz que gostaria de estudar e trabalhar.
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Foi escoteiro – de lobinho a sênior, no período de doze anos. Quando saiu,
ficou na natação, a qual treina toda segunda-feira.
Com a natação, ganha medalhas. Compete pela Special Olympics e já viajou
para o Rio de Janeiro. Ganhou um troféu por praticar esportes. Além de nadar,
também joga futebol.
Sua rotina semanal inclui atividades no Ceivi, entidade que faz preparação
para a cidadania e inclusão no mercado de trabalho. Ele ainda não está nesse
grupo. Tem aulas de violão e de cerâmica, pratica natação, futebol (no verão) e
hóquei sobre piso (no inverno). A fonoaudióloga também lhe propõe tarefas de
escrita. No momento, todas as suas atividades estão concentradas em Vinhedo,
mas houve tempo em que o levavam a Campinas, Jundiaí ou Valinhos.
A mãe de A9 nasceu em São Paulo e cresceu em meio a uma família grande.
Ajudava a mãe na costura para o sustento da família. Estudou inglês. Ingressou na
universidade e se formou em ciências contábeis. Casou-se com 27 anos. Dois anos
depois, teve um filho e, no primeiro ano, percebeu uma diferença no
desenvolvimento – ele ganhava pouco peso e não era tão ágil. Um ano depois,
começou a ter convulsões. Aos 5 anos, melhorou e passou a frequentar uma
escolinha para conviver com outras crianças. Dada as diversas atividades
necessárias ao desenvolvimento de A9, ela parou de trabalhar para se dedicar a ele.
Desde pequeno, A9 faz fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional. Também
fez hidroterapia com uma renomada profissional de Campinas, a qual também
cantava durante as sessões, o que estimulou o desenvolvimento da comunicação do
menino.
Conta que A9 foi escoteiro por muitos anos, e conseguiu junto à União dos
Escoteiros do Brasil que se fizessem adaptações respeitando suas limitações. Com
isso, ele foi condecorado com a Lis de Ouro, motivo pelo qual foi homenageado
pelas câmaras de Vinhedo e de São Paulo. No Ceivi, conseguiu que se modificasse
o estatuto para atender, além de pessoas carentes, pessoas com deficiência. Ajudou
a criar o Conselho da Pessoa com Deficiência em Vinhedo e o presidiu por vários
anos. Atualmente, faz parte do Conselho da Criança. Assim, acompanha a
legislação e luta pelos direitos das pessoas com deficiência.
A treinadora de A9 (também treinadora de A5 – ver perfil em A5) está com ele
desde 2011, quando ele veio de outro trabalho. Considera que A9 sabe expressar
89
seus sentimentos: de tristeza, quando o pai faleceu; de indignação, quando não
recebeu a justa remuneração por um serviço prestado.
Comenta que ele valoriza muito sua independência, quer dar passos largos.
Tem plena convicção de que quer trabalhar (seu grande sonho), já tem certa idade,
deseja ter sua própria casa, ser motorista de ônibus e soldado. No entanto, tem um
limite no desenvolvimento que lhe dificulta esses objetivos. Procura situá-lo para que
perceba melhor a realidade: por exemplo, quando nada o crawl, a parir do dia
seguinte, procurará aprimorá-lo. Diz-lhe que, se ele participa de determinada
competição, é porque conseguiu um tempo bom e que, para a seguinte, precisa de
um tempo melhor, o que demanda dedicação.
Pensa que às vezes A9 coloca metas muito altas e se cobra muito.
Entretanto, pondera se são realmente altas ou se lhe falta uma oportunidade para
realizá-las. Como profissional, revela que às vezes subestima o aluno: pensa “isso
não vai dar certo com esse aluno” e, de repente, o aluno se sai bem. Por isso, acha
que deve rever suas expectativas.
4.2.10 Atleta A10
A10, sexo masculino, tem 22 anos de idade, nasceu em Mogi das Cruzes.
Mora com os pais e tem um irmão. Juntos, gostam de jogar bola, basquete,
videogame. Quando está em casa, gosta de ver televisão. Arruma a cama e lava
louça. Estuda na Apae, onde faz lição no caderno e participa da banda. Toca tambor
e chocalho. Ensaiam todos os dias e fazem desfile na Apae.
Ser atleta significa que tem que nadar muito e comer menos. Gosta de treinar.
Pratica natação na Apae e no Clube Náutico Mogiano. Compete em eventos
organizados pela Abdem. Já viajou para Campinas e Maringá. Gosta de estar com
os amigos.
Tem o desejo de andar num caminhão de bombeiros: “É quando o campeão
fica em cima do caminhão de bombeiros”. Ainda não teve essa experiência, mas
afirma que, quando for campeão, “aí, vou andar em cima do carro de bombeiro”.
A mãe de A10 nasceu em Guaraciaba, Minas Gerais. Aos 12 anos, foi morar
em São Paulo. Começou a trabalhar muito cedo, sem ter tido oportunidade de
estudar. Aos 29 anos de idade, teve A10, com síndrome de Down, e passou a cuidar
dele e a viver com e para ele. A10 foi atendido na Apae pela primeira vez quando
tinha 15 dias, e está lá até hoje. Todos os dias, a mãe o leva à Apae de manhã e fica
90
por lá. À tarde, o leva à natação, à academia ou à terapia. Ela decidiu também
participar de alguma das atividades e começou a fazer a natação. Seu marido e seu
segundo filho também começaram a nadar. Por isso, dizem que A10 mobiliza toda a
família.
Ele se dedica demais ao esporte, que lhe faz muito bem. É sempre uma
alegria imensa quando ele volta das competições. Para poder competir, foi
necessário tirar uma carteira de identidade, mas A10 não é alfabetizado. Quando ele
colocou sua digital, a mãe se sentiu culpada e lhe disse: “Eu vou ensinar você a
escrever seu nome”. Tentou, mas não conseguiu. Ele até sabia copiar, mas chegou
um ponto em que não queria mais; não adiantava. Assim, ela teve que reconhecer
que devia respeitar os limites do filho.
Diz que A10 tem muita força de vontade e se oferece para ajudar. É muito
organizado e asseado e mantém sua cama sempre arrumada. Atualmente, A10 não
anda sozinho – a mãe sempre o acompanha. Às vezes, ela simula não respeitar o
sinal para pedestres, e ele diz: “Mãe, não pode ainda. Tem que esperar o vermelho”
ou “tem que ser na faixa”. Acredita que, dessa forma, reforça sua educação. Um dia,
chegando em casa, surpreendeu-se: estavam sem a chave, e ele se prontificou a
entrar pela janela, motivo pelo qual ela o considera bem esperto.
De vez em quando, lhe perguntam se tem namorada e se se casará. Comenta
que o incentiva e que, se ele quiser formar uma família, o apoiará.
Em competições, sempre procura ir junto. Na primeira vez em que não foi,
ficou muito apreensiva e na expectativa. Como o filho tem o hábito de rezar em voz
alta antes de dormir, orientou-o a fazer a oração em voz baixa, só para si. Na volta,
a treinadora lhe disse que ele assim fez e a elogiou pelo bom comportamento de
A10 na viagem.
A treinadora de A10 nasceu em Rinópolis, interior de São Paulo. Cresceu e foi
criada na zona rural, onde seu pai era agricultor em plantações de café. Para ela e
seus nove irmãos, nunca faltou estudo. Praticou atletismo por muitos anos,
inicialmente em Santos, depois numa equipe em Mogi das Cruzes. Sonhava
trabalhar com educação física e trabalhar com crianças, ter uma equipe de formação
de atletismo. Prestou vestibular para educação física no Clube Náutico Mogiano, em
1990; foi monitora na própria faculdade e está lá até hoje. No tempo de faculdade,
não se interessava muito em trabalhar com pessoas com deficiência, mas tinha
contato com elas em estágios. Certo dia, a mãe de um autista lhe perguntou se ela
91
não poderia dar aula de natação. Na época, nos anos 1990, havia muita
discriminação e poucas ofertas de atendimento. Embora ainda não estivesse certa
de querer trabalhar com esse público, iniciou o atendimento. O diretor do clube
resistiu à ideia, mas ela argumentou que qualquer pessoa tinha o direito de participar
e que, se ele a demitisse, ela entraria com processo e ganharia. E assim começou
sua carreira ensinando e treinando pessoas com deficiência. Passados muitos anos,
constata ter facilidade de trabalhar com eles, mas complementa: “Não sei de onde
vem”. Seu contrato atual é de quarenta horas, atuando tanto no clube como na
faculdade. Além da natação, também tem uma equipe de atletismo com pessoas
com deficiência. Todo trabalho é feito de forma inclusiva, reunindo pessoas com e
sem deficiência nos mesmos horários.
Qualidade de vida, bem-estar físico, mental e social são importantes aspectos
que o esporte favorece. Ser persistente, “correr atrás”, entender que determinadas
coisa devem ser feitas – tudo isso, ela associa à autonomia. Considera que, de
modo geral, as famílias tendem a proteger um filho com deficiência, o que muitas
vezes é necessário, para defendê-los. Como treinadora, procura mostrar às famílias
a importância da autonomia desses filhos. As viagens são em ótimas oportunidades
para ensinar os atletas a fazerem diferentes coisas por si sós. É muito gratificante
saber que, como treinadora, contribuiu para as mudanças. No seu planejamento,
inclui “valores morais, valores intelectuais, valores de preservação do meio
ambiente, valores da família e saber conviver em sociedade. Todos os dias, aborda
algum desses temas.
A10 tem uma boa estrutura familiar. Pratica natação quatro vezes por semana
e recentemente associou-se à Abdem. As competições têm um nível muito forte para
quem está começando um trabalho de base. Seria interessante se houvesse divisão
em categorias e mais festivais. No clube, consegue fazer festivais internos. Quando
surge uma oportunidade de participar de outros eventos – como o evento promovido
pela Universidade São Judas Tadeu –, isso mobiliza os atletas, pois eles se sentem
iguais aos outros.
92
4.3 A pessoa em desenvolvimento: atributos pessoais e processos proximais no
microssistema
Dez atletas, suas respectivas mães e treinadores foram entrevistados para
explorar o que preconiza a essência da teoria bioecológica do desenvolvimento
humano: a interação dinâmica entre o indivíduo e o ambiente ao longo do tempo
promove mudanças ou continuidades em sua dimensão psicológica. A percepção da
autonomia – uma necessidade psicológica – é o foco temático desta tese, e, com
base nos elementos processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT), a análise dos
depoimentos procurou dimensionar as ações que favorecem essa percepção.
Bronfenbrenner (2001) salienta que, na perspectiva da teoria bioecológica do
desenvolvimento humano, a pessoa em desenvolvimento tanto é um dos elementos
do modelo PPCT como também é fruto do desenvolvimento humano resultante da
interação entre os quatro elementos. No primeiro caso, analisam-se as
características pessoais e sua influência na forma, da força, no conteúdo e na
direção dos processos proximais; no segundo, observam-se os efeitos da influência
recíproca entre os quatro elementos do modelo, configurando a pessoa num dado
momento de sua vida.
Parece mais oportuno apontar inicialmente as ocorrências nas relações
diádicas (cujos processos proximais têm nas características pessoais da pessoa em
desenvolvimento a marca de sua influência). É importante salientar que, segundo
Bronfenbrenner (1992), poder-se-ia incorrer na falsa pressuposição de que as
características pessoais são primariamente responsáveis pelo próprio
desenvolvimento e que o ambiente seria secundário. Mas Bronfenbrenner é
categórico: um não mudaria sem o outro. O autor esclarece que a capacidade de
uma pessoa modificar o ambiente só se concretizará se lhe for permitido engajar-se
em ações autodirecionadas como uma função conjunta de sua dotação biológica e
do ambiente. Segundo Krebs (2003, p. 91), na ótica bioecológica do
desenvolvimento humano, há a possibilidade de “explicar a indissociabilidade entre a
pessoa em desenvolvimento e os contextos em que se insere”, se se analisam os
atributos e sua relação com eventos do contexto. O foco nos processos proximais
permite observar a forma, a força, o conteúdo e a direção neles contidos.
Tomar a deficiência intelectual como base para compreender uma pessoa tem
se mostrado incongruente. Embora a definição caracterize a deficiência intelectual
93
como uma limitação do funcionamento intelectual e do comportamento adaptativo –
expresso em habilidades conceituais, sociais e práticas originadas antes dos 18
anos de idade –, são tantos os elementos a considerar que o mais indicado é
procurar compreendê-la por uma visão multidimensional (AAIDD, 2010).
De fato, a definição de deficiência intelectual pode ser um ponto de partida,
mas é preciso ponderar que o modo de operar de cada pessoa é muito particular. Da
mesma forma, o diagnóstico tem importância relativa, tanto é que, enquanto
algumas mães especificam e discorrem com detalhes sobre as causas e
características que percebem em seus filhos, outras o fazem de forma constrita;
falam, por exemplo, numa “pequena dificuldade”. Assim, fica claro que o valor do
diagnóstico não é absoluto, mas apenas relativo.
Nessa perspectiva, é fundamental salientar as qualidades e valorizar a
pessoa pelo que ela é em dado momento, sem avaliá-la a partir dos déficits
(SACKS, 1984), como o fizeram as mães e os treinadores que participaram deste
estudo, frisando as qualidades de seus filhos ou atletas: ser prestativo, responsável,
independente, inteligente, obediente ou carinhoso ou ter força de vontade ou boa
autonomia emocional. De acordo com Copetti e Krebs (2004), as competências
percebidas são determinantes para reconhecer o status da pessoa no ambiente.
Na voz dos atletas, observam-se alusões a eventuais dificuldades, mas eles
também conseguem explicar como fazem adaptações para desenvolver
competências que, em si, envolvem processos cognitivos ou habilidades pessoais.
Percebem-se como seres humanos em contínuo desenvolvimento, com potencial de
desenvolvimento de competências que se moldam de acordo com seu ambiente e
contexto.
Entre os pressupostos básicos da dimensão bioecológica do desenvolvimento
humano, está conhecer os atributos psicológicos da pessoa (disposições, recursos e
demandas), lembrando que estes podem ser descritos como estando tanto no polo
positivo como no negativo e que os três não necessariamente se alinham num polo
(Quadro 7). A pessoa em desenvolvimento pode apresentar uma disposição positiva
(desenvolvimentalmente geradora), mas não ter recursos (capacidades
bioecológicas) para lidar com os desafios do ambiente, assim como pode ter
recursos positivos (habilidades, competências, conhecimento, experiências), mas
apresentar uma disposição negativa (desenvolvimentalmente disruptiva)
desfavorecendo (ampla ou relativamente) seu desenvolvimento pessoal.
94
Quadro 7 – Atributos pessoais de atletas e respectivas alocações no polo negativo
e/ou polo positivo de acordo com o depoimento
Depoimento Polo
negativo Atributos pessoais
Polo positivo
Atleta afirma: “Pode deixar que eu faço”.
disposições X
recursos X
demandas
Atleta quer trabalhar mas seus recursos não
atendem às exigências socialmente
estabelecidas.
disposições X
X recursos
X demandas
Atleta que não atinge os resultados e se
desmotiva a continuar;
X disposições
recursos X
demandas X
Percebem-se disposições e recursos (no polo positivo) para a conquista da
autonomia quando a pessoa em desenvolvimento toma uma iniciativa. A
determinação de enfrentar restrições até então impostas na relação filho-mãe reflete
a vontade de fazer valer sua opinião e escolha. Quando confrontadas, opiniões
diferentes têm força (poder) para imprimir mudanças. Nesse caso, entende-se que o
filho tem recursos para o enfrentamento e está ciente de ter a necessária
competência, mas não teria sido acatado em seu desejo de ir e vir sozinho, se não
se reconhecesse essa competência. Segundo essa forma de operar, romper a
dependência em relação à outra pessoa, isto é, proceder à separação filho-mãe
pode ser uma transição importante, e, logrando êxito, enseja uma repercussão
positiva no desenvolvimento de ambas as pessoas que Bronfenbrenner (2001)
denomina influência reversa.
Disposições desenvolvimentalmente geradoras são aquelas em que o atleta
afirma “pode deixar que eu faço”, tomando uma iniciativa para a autonomia, o que
95
pode levar a pessoa com que ele se relaciona a redimensionar seu pensamento e
sua observação e mudar uma conduta futura. Atletas, mães e treinadores relataram
ter percebido mudanças no comportamento em função de oportunidades surgidas
em casa, nos treinamento ou em viagens de competição, ou seja, os atletas tiveram
disposição cumprir tarefas e manifestaram satisfação por completá-las. Seria
interessante que essa satisfação fosse continuamente provida, tanto no ambiente
lar/família como em outros. No entanto, a mudança de um status quo no ambiente
depende de ambas as partes, de modo que o filho (ou atleta) mais assertivo fará
respeitar seu desejo. Em outros casos, ainda que se reconheça a importância da
mudança de comportamento, há um viés para manter o status quo, às vezes
baseado na (super)proteção, no ato de mimar (carinho excessivo que leva uma
pessoa a satisfazer os desejos ou os caprichos de outra), na simples razão de fazer
pelo outro ou de não atentar para um comportamento que pode ser desenvolvido.
Nesse caso, a pessoa que “protege” pode nem perceber que priva o outro do prazer
ou da autoestima resultante do cumprimento autônomo de uma tarefa, quando se
valoriza o que a pessoa pode fazer sozinho, sentindo que conseguiu e sabe fazer.
Se isso não for reiterado, a mudança de comportamento pode não perdurar.
O interesse em namorar, estar namorando e/ou querer se casar mostra uma
importante face da transição da adolescência para a vida adulta. Alguns atletas
comentam que têm amigos com namorados, outros contam que namoram e dão
alguns detalhes. Isso reflete disposições (desenvolvimentalmente geradoras) e
eventualmente recursos e demandas que lhes permitem uma relativa autonomia. E
vale o mesmo para manuseio de dinheiro, a frequência a cursos ou a centros de
apoio à pessoa com deficiência, ao entretenimento com games ou filmes ou outras
atividades no tempo livre.
Disposições (desenvolvimentalmente geradoras) nem sempre levam à
satisfação de um desejo, se faltam recursos à pessoa ou se o ambiente não for
favorável. Exemplo disso é observar no discurso que autonomia significa trabalhar,
mas tanto limitações pessoais como fatores contextuais, inclusive uma demanda
(nesse caso, negativa) de exigências socialmente estabelecidas restringem o
engajamento do atleta nessa atividade. A pessoa reconhece que tem certas
limitações e se mostra indignada com a barreira a sua participação no mercado de
trabalho. Seriam necessários ajustes (mudanças) de ambas as partes, uma vez
96
reconhecido que o desenvolvimento interdepende da modulação entre pessoa e
contexto.
Analogamente, a inserção num contexto regular de um atleta com deficiência
intelectual, mesmo com uma condição física e técnica similar à de outros atletas,
pode ser desfavorável, sobretudo na adaptação do contexto a suas características
pessoais (VAN DE VLIET et al., 2006). Pode-se argumentar que, ainda que seus
atributos pessoais se tivessem considerado suficientes para enfrentar uma nova
realidade, a inter-relação atleta-treinador no novo contexto tenha exacerbado o lado
negativo desses atributos, quanto a disposições, recursos ou demandas,
evidenciando a necessidade de adaptação do contexto às características da pessoa.
Na relação interpessoal filho-mãe, às vezes a mãe reconhece que seu filho
tem força de vontade (disposição) para fazer certas coisas autonomamente, mas ele
afirma que não consegue. Pode ser que lhe faltem recursos (percepção de
competências) de enfrentamento quando depara um desafio. A força de vontade
demonstrada pelo filho leva a mãe a adotar uma orientação persuasiva,
incentivando-o a cumprir tarefas para melhorar sua autoconfiança e, assim,
apoiando seu desenvolvimento.
Apesar de providos de recursos, às vezes os atletas apresentam uma
disposição disruptiva. É o caso dos que alcançaram ótimos resultados, são
extremamente habilidosos na modalidade que praticam, mas já não têm a mesma
motivação para treinar com afinco. Deixam de ser destaque no pódio e desanimam
por não conquistar mais as almejadas medalhas. Frustrando-se uma expectativa
dessas, pode haver uma disposição desenvolvimentalmente disruptiva (que pode
levar à desistência) e uma demanda negativa que leva o atleta a se afastar do grupo
ou a não ser escolhido para compor a equipe em eventos competitivos. Por outro
lado, o ateleta por ser pessoa importante e querida na equipe, encontra uma
demanda positiva na atenção e no afeto dos que insistem que ele permaneça na
equipe. Essa ambiguidade reflete um momento de transição na carreira desse atleta.
O que dá sentido à manifestação dos comportamentos psicológicos é a
compreensão de fatores presentes no microssistema (papéis, atividades e relações
interpessoais). A relação parental envolve os papéis de filho e mãe. É no ambiente
familiar que se constata que as ações em direção à autonomia – seja ela mais, ou
menos concedida/manifestada – são balizadas pelas diferentes situações que a
requerem. Confirma-se o que preconiza a teoria bioecológica do desenvolvimento
97
humano: “o desenvolvimento jamais ocorre no vácuo; ele está sempre inserido e
expresso num comportamento em um determinado contexto ambiental”
(BRONFENBRENNER, 1979, p. 22). Neste estudo, a constituição da família dos
atletas é diversificada. Algumas têm apenas mãe e filha ou mãe e filho, outras têm
também irmãos ou irmãs, e outras ainda, diversos parentes (tios ou avós). Num
único caso, um atleta constituiu sua própria família, estando casado pela segunda
vez e tendo um filho do primeiro casamento – que está sob os cuidados da avó – e
outro do segundo. As mães reportaram que sua filha ou seu filho ficam
eventualmente com parentes. Numa de suas hipóteses, Bronfenbrenner (2001, p. 7)
afirma que a influência do monitoramento da família que estabelece limites às
atividades fora de casa é maior quando há duas famílias, constituídas de parentes,
do que quando há apenas a mãe. De fato, seja pelas crenças, seja pela orientação
das mães, observa-se nos depoimentos que o monitoramento deve ser constante,
por motivos diversos.
Uma das grandes preocupações de Bronfenbrenner (1992) é compreender
como os diferentes ambientes familiares interferem no desenvolvimento. Embora
não tenham sido consideradas as diferenças sociais, observou-se que as mães de
pessoas com deficiência intelectual acompanham seus filhos diretamente por muitos
anos. Várias delas abriram mão de atividades profissionais ou as alocaram dentro de
casa para se dedicar em tempo integral aos filhos. Compreender as necessidades
psicológicas dos filhos demanda competência e busca de conhecimento para
estabelecer metas integradas aos princípios educacionais adotados. Em caso
contrário, Bronfenbrenner (1992) afirma que se pode incorrer n um ambiente com
desenvolvimento disfuncional, desfavorável ao desenvolvimento. O apoio dos pais
no provimento de uma interação progressivamente mais complexa fortalece os
processos proximais. Segundo Holt et al. (2009), o estilo parental pode refletir o
temor de deixar o filho decidir sozinho ou o encorajamento, o esforço de fazê-lo
compreender os valores ou o diálogo, oferecendo-lhe opções.
Embora o tempo de convivência seja sensivelmente menor que o da relação
parental, a relação atleta-treinador também enseja confiança mútua e leva à
progressão, quando se estimula a autonomia e a resposta é autônoma também.
Mesmo monitorados, os atletas têm oportunidade de experimentar sua autonomia. A
participação numa prova competitiva exige um comportamento autônomo, o que
pode gerar apreensão e ansiedade, condições psicológicas que devem ser
98
amparadas para se preservar a disposição de buscar um bom resultado. É
interessante notar que, em algumas situações, a restrição é absoluta, em outras,
apenas relativa, e, noutras, há plena liberdade de ação. Bronfenbrenner (2001)
afirma que uma pessoa se desenvolverá tanto mais quanto mais for agente de seu
próprio desenvolvimento.
Observadas as inter-relações, particularmente no seio da família, negocia-se
a autonomia sobretudo na transição da adolescência para a idade adulta. Mill,
Mayes e McConnell (2009) investigaram o interesse de jovens adultos com
deficiência intelectual de se tornar mais independentes de sua família. Seja motivo
de conflito ou de satisfação com o nível de independência ou ainda tentativa de ser
mais independente, a negociação é sempre fundamental. Atitudes desafiadoras,
passivas ou pró-ativos da pessoa em desenvolvimento influem nos processos
proximais para a efetivação da negociação. O perfil desafiador é caracterizado pelo
protesto contra a autoridade dos pais como forma de mostrar que a pessoa
consegue tomar uma decisão. Já um perfil passivo é aquele que aparentemente não
vê necessidade de negociar a autonomia, estando satisfeito com a que tem nas
atividades que desempenha, em geral em ambientes protegidos e supervisionados.
Um perfil pró-ativo denota a busca de mais autonomia com o apoio da família, que
lhe dá liberdade para aprender a partir dos próprios erros. Negociar requer
ponderações, concessões e risco de ambas as partes, mas é um processo que
viabiliza a conquista de autonomia.
A orientação persuasiva é considerada um nível de negociação baseado no
entendimento interpessoal, segundo a escala de desenvolvimento da perspectiva
social adotada em estudo de Sônego e Zamberian (2007). A escala expressa níveis
de negociação e experiências compartilhadas observadas em diferentes faixas
etárias. A persuasão é uma estratégia cooperativa, pois envolve reflexão conjunta e
percepção de competência no outro, o que corresponde ao nível reflexivo recíproco.
Se se entendem os níveis dessa escala como de complexidade progressiva, ela
pode ajudar muito na orientação do desenvolvimento humano. Em particular, pode
refletir a maturidade do desenvolvimento. Se um atleta com síndrome de Down tem
22 anos de idade, pode-se pensar em parâmetros padronizados pautados na idade
cronológica, nem sempre adequados a pessoas de comprovado déficit cognitivo.
Nesse caso, uma escala pode orientar a progressão de ações que podem ser
adotadas no decorrer da vida da pessoa.
99
A reciprocidade supõe que, “se um membro de uma díade sofre uma
mudança desenvolvimental, é provável que o outro também mude”
(BRONFENBRENNER, 1979, p. 53). Assim sendo, os depoimentos revelam a
importância da conversa e da reflexão, tanto mais influentes na escolha volitiva do
atleta quanto mais pautadas na reciprocidade, no equilíbrio de poder e no afeto, os
três aspectos fundamentais numa díade. As relações de poder podem ser
identificadas quando se manifesta a necessidade de controlar a situação, autorizar
ou não certo desejo. As relações afetivas se mostram presente na medida em que
se manifestam apoio, acolhimento e respeito. Bronfenbrenner compara a
reciprocidade numa relação a um jogo de pingue-pongue: o feedback mútuo motiva
ambas as partes a progredirem para padrões de interação mais complexos. Na
díade filha-mãe ou filho-mãe, esse movimento é mais presente, muito provavelmente
porque o envolvimento é diário e mais constante, e o resultado, mais duradouro do
que no ambiente esporte, onde atletas e treinadores se encontram uma, duas ou
três vezes por semana, com sessões de que duram de 50 minutos a duas horas,
conforme a infraestrutura institucional e as metas pretendidas.
Embora a teoria bioecológica do desenvolvimento humano enfatize a
bidirecionalidade de efeito dos processos proximais, poucos estudos pesquisam
esse aspecto. Aqui, se verifica que os atletas pouco percebem as oportunidades de
autonomia providas pelo treinador, embora o relato dos treinadores mostre que há
uma influência recíproca, quando podem aumentar a responsabilidade e a confiança
a partir do comportamento dos atletas.
Finalmente, o sentimento de eficácia da mãe ou do treinador ao observar
mudanças devidas a sua condutas também é um importante alicerce para o
respectivo ambiente. Reação a mudanças de comportamento suscitam sentimentos
gratificantes de alegria e orgulho. Em alguns casos, levam treinadores a propor
novas tarefas, a “fazer uma coisa a mais”, o que significa manter e ”propiciar maior
autonomia”.
Analisados os dez casos, constatam-se especificidades que demandam um
olhar individualizado e contextualizado de cada um. Identificam-se nos depoimentos
exemplos em que a interdependência nas relações pessoais não considera as reais
capacidades e habilidades mostradas pelo atleta. Em outros casos, os atributos são
observados e respeitados, mas nem sempre com vistas a novas etapas do
desenvolvimento. A percepção de autonomia supõe recursos (competências e
100
habilidades) e é importante nos processos proximais. A partir destas ponderações, o
Quadro 8 dá uma síntese de como se podem caracterizar forma, força, conteúdo e
direção dos processos proximais na percepção dos atletas, mães e treinadores
relativa ao exercício da autonomia.
Quadro 8 – Caracterização dos processos proximais na percepção dos atletas, mães
e treinadores
Processos proximais
Atletas Mães Treinadores
forma querer fazer aprender a fazer saber fazer
força iniciativa propulsora valorização
conteúdo disposição
intenção
proteção
engajamento conscientização
direção desafio
escolha reconhecimento
oportunidade
responsabilidade
4.4 O mesossistema: explorando a interconectividade entre ambientes
A interconectividade entre dois ou mais ambientes constitui o mesossistema,
constituído pela presença de pessoas que migram de diferentes microssistemas.
Pelas características específicas de cada microssistema, o mesossistema permite
analisar os aspectos congruentes que deflagram comportamentos devidos a essa
influência recíproca. A interconectividade é marcada por comportamentos de um
ambiente que se refletem em outro, ou seja, é como considerar um trânsito da
pessoa entre diferentes ambientes, dos quais recebe e nos quais exerce influências
continuadamente. É também marcada pelas relações interpessoais entre pessoas
pertencentes a cada microssistema, que neste estudo contemplam mãe e treinador.
De acordo com Allen e Shaw (2009), é importante ouvir as mães e os
treinadores pois aquele que dá oportunidades de autonomia e desenvolvimento de
101
competências o faz de acordo com compreensão e significado pessoais, que se
refletem e suas ações.
Nos discursos de mães e filhos, ações como ir e vir sozinho refletem uma
autonomia conquistada no ambiente lar/família que resulta no deslocamento para a
escola, para o trabalho ou para o local do treino. Quando se interpôs a necessidade
de uma atleta viajar desacompanhada em transporte rodoviário para outra cidade,
deflagrou-se a necessidade de uma comunicação entre mãe e treinadora. A
expectativa da mãe frente à nova situação demandou uma postura convincente da
treinadora para tranquilizá-la, afirmando que daria certo e que a esperaria na
chegada. Preocupação, expectativa e estresse permearam esse evento. O impacto
dessa nova atividade levou a atleta a esquecer as séries na competição de ginástica
artística, o que a treinadora considerou ocorrência fortuita, pelo fato de nunca ter
viajado sozinha, e a consequência desse episódio foi ela não ter conquistado uma
medalha. Antes de voltar para casa, comunicou à família: “Não precisam esperar
medalha, porque eu esqueci todas as séries”; ao que a mãe respondeu: “Tudo bem.
O importante é você ter conseguido ir sozinha, ter chegado direitinho. Ficarei
contente do mesmo jeito”.
O namoro, que apareceu em vários casos deste estudo, é outro aspecto que
tem influência em ambos os ambientes. Em casa, uma repercussão de apoio, de
orientação, de restrições e também de motivo de prioridade, pois passa a ser o
principal canalizador de atenção, que uma das mães verbaliza desta forma: “Se
deixar, só pensa em namorar”. No ambiente esporte, se reflete na motivação, que
oscila entre namorar e faltar ao treino ou deixar de namorar e atender ao
compromisso. Faltar significa menos aprimoramento, comprometendo os resultados,
com risco de perder a bolsa-atleta.
O convívio – em alguns casos, de muitos anos – leva a que se compartilhem
histórias pessoais como a separação dos pais, o casamento do irmão, o primeiro
namorado, a dificuldade no serviço. Nota-se que o vínculo da família com o treinador
revela uma relação de confiança mútua. Em um dos casos, o treinador conta que é
padrinho do filho de um de seus atletas.
Conversas informais ou reuniões entre treinadores e mães, relatadas nas
entrevistas, refletem importantes eventos de interconectividade. Diferentes aspectos
dessa inter-relação são motivo para encontros. A evolução da condição motora e a
progressão do desempenho são importantes informações prestadas à família por
102
treinadores, e se constata sua repercussão pelo reconhecimento do trabalho
profissional desenvolvido, dando credibilidade ao programa, fidelização, e
agregando valor ao esporte.
Viagens para participar de competição demandam um preparo especial, em
que se enfatiza a importância de os pais orientarem seus filhos em ações pessoais
como tomar banho sozinho, arrumar a mala, arrumar a cama, servir-se de comida,
fazer a barba. Acredita-se serem atividades de riquíssima aprendizagem, entre uma
gama de possibilidades existentes no ambiente do esporte. Uma das mães afirma
que não cumpre aos profissionais tomar conta dos atletas, o que revela a percepção
de uma especificidade que possivelmente difere do que acontece no ambiente
lar/família. Na volta das viagens, invariavelmente mães e treinadores reportam
mudanças de comportamento, as quais são ocasionalmente compartilhadas em
comentários individuais (incluindo elogios ao comportamento do filho) ou em
reuniões com o grupo de mães ou pais.
Com base nisso, observa-se que, embora os depoimentos sugiram uma
interconectividade, raramente ela é considerada para gerar uma intervenção similar
em ambientes diferentes. Ainda que (ou até porque) haja características diferentes
em cada ambiente, ações relevantes não são conhecidas por ambas as partes
envolvidas; se fossem, permitiriam uma convergência de ações e interesses,
favorecendo a continuidade ou novas mudanças. Assim, a não percepção de
mudanças pode resultar em regressão, ou mudança retrógrada, prejudicando o
desenvolvimento. Vale afirmar que a opção de mudar o comportamento também tem
cunho pessoal. Havendo apoio no ambiente, favorece-se a manutenção ou a
mudança, exemplo de que a interação pessoa-contexto é determinante para o
desenvolvimento.
4.5. O exossistema: repercussão dos vínculos apoiadores
Acrescentando o exossistema aos sistemas já delineados, procuram-se
eventos que indiquem “vínculos apoiadores entre o ambiente familiar e o meio
ambiente externo” (BRONFENBRENNER, 1979, p. 184). De acordo com o autor, a
primeira tarefa é identificar eventos do ambiente externo que se conectam com os
que ocorrem no microssistema, ou o inverso, em que “os processos que ocorrem
103
dentro do microssistema têm reverberações em locais distantes”
(BRONFENBRENNER, 1979, p. 182).
Não se podem estabelecer vínculos se não se considerar a pessoa em
desenvolvimento em pelo menos um dos sistemas. Em alguns dos ambientes do
exossistema, a pessoa em desenvolvimento nem sequer ingressa, e essa condição
distingue o exo do mesossistema. As ações institucionais focadas em autonomia e
seus desdobramentos nas ações dos treinadores, o encontro das mães e a inserção
em órgãos de apoio à pessoa com deficiência – de mães e treinadores – são
exemplos do exossistema.
As ações institucionais são outra faceta do exossistema. As informações
concedidas pelas instituições mostram como se estrutura e funciona cada parte.
Apresentam-se a seguir as ações preconizadas pelas instituições e as respostas dos
respectivos coordenadores.
As informações da instituição a que se vinculam os atletas A1, A2, A4 e A8
dizem de seu empenho em que estes se responsabilizem por seu material em
campeonatos, que viajem para competições e vivam sua rotina sem a supervisão da
família, que sejam capazes de comandar um aquecimento nos treinos e cumpram
tarefas com independência. Ouvir suas sugestões e discutir ideias com eles são
ações estimuladas visando autonomia. Como visto nos relatos, esses treinadores
mencionaram situações que corroboram o interesse da instituição, em particular,
liderar o aquecimento, valorizar o respeito com o outro e favorecer o diálogo, além
de exemplos em competições, quando os atletas precisam ter responsabilidade e
enfrentar situações sem a presença da família ou a supervisão do treinador. As
ações intencionais e o tempo de engajamento dos atletas nos treinamentos dessa
instituição são referidos como fatores relevantes para a conquista de confiança e a
superação. Para cadastramento no movimento paralímpico, faz-se uma avaliação
psicológica de cada atleta.
O foco da instituição que A3 frequenta é a qualidade de vida. Ao ingressar, os
atletas respondem ao questionário de qualidade de vida em pessoas com deficiência
intelectual (SCHALOCK; GARDNER; BRADLEY, 2010). No âmbito psicológico, as
prioridades são a autorrealização e o autoconhecimento. A instituição oferece
programas voltados para a independência (atividades de vida diária), a capacidade
criativa (oficina de artesanato), a discussão de assuntos de interesse e de seus
anseios e angústias (dinâmicas de grupo), a aprendizagem visando criatividade e
104
capacidade de pensar autonomamente (informática) e o trabalho e a adequação
social (atividades sociais diversas). Para alunos adultos (faixa etária da atleta),
segundo a coordenadora da instituição o programa de atividades físicas tem a
“preocupação de proporcionar atividades que favoreçam a manutenção dos
componentes físicos e motores adquiridos, assim como atividades que proporcionem
bem-estar e satisfação, colocando o aluno num ambiente livre de tensões e rico em
oportunidades”. O treinador de A3 destaca a importância da responsabilidade e do
autocontrole, sobretudo em competições. Salienta ainda que as oportunidades de
convívio social e de independência da atleta se devem ao esporte.
A5 e A9 usufruem de um serviço público oferecido por um departamento de
esportes especiais, cuja coordenadora (também treinadora dos atletas) destaca a
importância de levá-los a eventos (festivais, competições, palestras). Para a
participação no programa e nas competições, a diretoria exige o termo de
responsabilidade e de consentimento do uso da imagem, pois procura documentar
todos os eventos e divulgar a participação na mídia.
A instituição a que pertencem A6 e A7 entende que há diversas ações
focadas em autonomia, desde estimular os atletas a amarrarem seus tênis até ir ao
programa sozinho, em transporte coletivo, sempre respeitando a possibilidade de
cada um. Para pertencer ao programa, o participante deve ter atestado médico para
a prática de atividades físicas, laudo médico com CID, histórico da deficiência e
cadastro com dados pessoais e fazer uma entrevista. Aos que permitem o uso de
sua imagem para fins de estudo e divulgação, pede-se que assinem um termo de
concordância, e, antes de iniciar o programa, passam por uma avaliação física;
finalmente, em aula, se observa seu comportamento. Nas aulas, estimulam-se a
escolha de exercícios e a sugestão de atividades. A participação em eventos
competitivos possibilita a convivência com os treinadores e colegas, momento em
que podem fazer coisas sozinhos, sem a presença constante dos pais.
Por fim, o programa da instituição a que pertence A10 é coordenado por sua
própria treinadora. Segundo seu depoimento, o planejamento contempla os valores
morais, os valores intelectuais, os valores de preservação do meio ambiente. Por
exemplo, ser bom atleta, ter boa alimentação, compreender a importância da água e
sua relação com o meio aquático, respeitar a família e saber conviver em sociedade,
além de se estimularem ações que eles podem fazer sozinhos.
105
Em suma, cada instituição cita diferentes aspectos, alguns expressamente
contidos nas ações desenvolvidas pelos treinadores, outros não, realidade que se
mostra diversa em termos de oportunidades, de metas do planejamento e de
proposições institucionais. O vínculo revela que a intervenção do profissional nos
treinos e nas competições é muito mais baseada em crenças pessoais.
O encontro das mães no local de treinamento ou de ações consubstanciadas
pelos pais em apoio à instituição são eventos importantes do exossistema. Segundo
Bronfenbrenner (1979), a permanência das mães no local de treinamento favorece a
constituição de uma rede social parental, na qual o atleta não está presente mas é
alvo de atenção. O depoimento de uma das mães é claro: “[o esporte] faz muito
bem, não só pra eles [atletas], mas para nós, mães, também. Dois dedinhos de
conversa que você tem com uma mãe que tem filhos com o mesmo problema é
totalmente diferente do que com outra pessoa”.
Em outra situação, o apoio dos pais foi fundamental para a estruturação de
uma das instituições. A união entre pais e treinadores concorreu para uma ação
efetivada com êxito. O interesse nessa proposição é a possibilidade de manter a
adesão dos filhos ao programa esportivo. Segundo uma das mães, “se não tem
atleta, não tem o professor, não tem mãe para fazer acontecer”.
O vínculo que se estabelece entre uma instituição e uma empresa na qual
trabalha um atleta é uma importante interconectividade de apoio a seu
desenvolvimento. Uma treinadora relata que, quando sabe de alguma dificuldade
que um atleta encontra no trabalho, conversa com ele para se inteirar dos fatos e
depois procura a empresa para conversar com os responsáveis, procurando dirimir
os conflitos existentes.
A atuação – de mães e treinadores – em organizações sociais que discutem
os direitos e deveres da pessoa com deficiência é uma ação importante no
exossistema. A presença da mãe no Conselho da Criança e da treinadora no
Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência da mesma cidade as
motiva a compartilhar suas vivências em cada órgão e a discutir a possibilidade de
criar novos projetos. Essa mãe que hoje está no Conselho da Criança ajudou a criar
e presidiu por vários anos o Conselho da Pessoa com Deficiência e também
colaborou na reforma estatutária do Ceivi, possibilitando o atendimento de pessoas
com deficiência.
106
Associação que integra a sociedade civil de múltiplas deficiências, a Apabb foi
criada, fundada e presidida por uma mãe de atleta. Quando era ativa nessa
associação, ela procurava sempre estar atualizada com os temas que diziam
respeito à pessoa com deficiência. Entre diversas ações, mobilizava os pais para
que dessem sugestões quando da reforma ou da revisão de documentos em defesa
da cidadania. No decorrer dos anos, criaram-se núcleos da Apabb em vários
estados brasileiros.
A repercussão das ações no exossistema concorre para melhorar a formação
educacional dos atletas e sua condição de vida como cidadãos. Quando
expressamente alinhados com o meso e os microssistemas, Bronfenbrenner (1979)
afirma que se estabelecem influências recíprocas. As mães que se engajaram em
ações sociais contam que o fizeram por ter filhos com deficiência. Estes, por sua
vez, usufruem diretamente dos benefícios desse envolvimento, mas, por outro lado,
seu desenvolvimento e sua inserção social permitem vislumbrar novas alternativas e
sempre mais adequadas.
4.6 O macrossistema: estrutura e ideário
Bronfenbrenner (1979) defende que o ideário e a estrutura de uma
determinada cultura ou subcultura estão contidas no macrossistema. As políticas
públicas são estabelecidas em função da ideologia, e sua estrutura determinará as
“propriedades específicas do exo, meso e microssistemas, que ocorrem no nível da
vida cotidiana e governam o curso do comportamento e do desenvolvimento”.
Entre os temas associados ao macrossistema, destacam-se (a) o status social
da pessoa com deficiência intelectual consideradas as expectativas pessoal e em
relação a outros, (b) as leis que regem os direitos e deveres da pessoa com
deficiência e (c) as ações das organizações exercidas em âmbito nacional, que
orientam as que se revelam no exossistema. O conteúdo de cada aspecto deriva da
exposição e da interação das pessoas com o meio ambiente, isto é, “o que é
desejado, o que é temido, o que é pensado, o que é adquirido está intrinsecamente
relacionado à concepção desenvolvente da pessoa no meio ambiente e sua relação
com ele” (BRONFENBRENNER, 1979, p. 9). A questão tutelar e da interdição, que
na essência protegem a pessoa com deficiência intelectual, pode induzir ações
107
restritivas da autonomia, sobretudo no microssistema, a despeito de sua importância
psicológica.
As pessoas têm um status na sociedade em que vivem, caracterizado pelas
expectativas dos papéis que assumem, pela forma como devem agir e como devem
agir os outros diante dela. Ainda que um papel seja uma característica do
microssistema, Bronfenbrenner (1979) considera que ele tem suas raízes no
macrossistema, nas estruturas institucionais e nas ideologias associadas. Por
exemplo, é socialmente esperado que um atleta se perceba como rebelde na
adolescência e menos rebelde quando adulto, como visto num dos depoimentos.
Atletas, mães e treinadores deram poucos exemplos de aspectos que
remetem ao macrossistema. Dentre as leis que regem os direitos e deveres, que
defendem, protegem ou ampliam a autonomia da pessoa com deficiência intelectual,
foram citadas a interdição, o direito ao trabalho, os benefícios previdenciários, o
direito a herança e a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços (ICMS) para a aquisição de veículo para pessoas com
deficiência visual ou intelectual ou autista, bem como aquelas com deficiência física
que não conduzem seu veículo.
Segundo uma das mães, a Apabb (associação descrita no exossistema) tem
um assento no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(Conade), o que lhe permite o envolvimento no macrossistema. Por ocasião, da
revisão da Constituição da República Federativa do Brasil, aprovada em 1988, bem
como da reforma da Previdência Social, os grupos de trabalho enviaram propostas
na área de deficiência pelo Conade, o que caracteriza o vínculo institucional entre
exo e macrossistema, com influências recíprocas no âmbito das políticas públicas.
No âmbito do esporte, a política nacional viabiliza o acesso e o apoio à prática
esportiva com programas de alto rendimento e programas esportivos educacionais,
de lazer e de inclusão social. A promoção e o aprimoramento do esporte de
rendimento para pessoas com deficiência estão subordinados ao Sistema Nacional
de Esporte, que, entre outros, congrega o Comitê Paralímpico Brasileiro e suas
entidades filiadas. O Comitê Paralímpico Brasileiro viabiliza a participação do Brasil
em eventos continentais e mundiais e nos jogos paralímpicos. Especificamente para
o segmento de atletas com deficiência intelectual, é a Abdem que organiza e realiza
as competições em âmbito nacional, estando subordinada à regulamentação
estabelecida pela Inas – for para-athletes with an intellectual disability.
108
No Brasil, encontra-se outra vertente, a Special Olympics Brasil, que também
visa promover esporte e o treinamento de atletas com deficiência intelectual,
oferecendo capacitação continuada de profissionais e realização de competições. A
Special Olympics Brasil é uma entidade de direito privado, juridicamente
estabelecida como fundação. Do ponto de vista organizacional e regulamentador,
está subordinada à Special Olympics América Latina, que, por sua vez, subordina-se
à Special Olympics (SO) internacional. Ambos os movimentos, em âmbito
internacional, realizam, de forma independente, eventos de magnitude olímpica,
nominal e respectivamente, os Jogos Paralímpicos (de verão e de inverno)
organizados pelo International Paralympic Committee (IPC), e os Jogos Mundiais (de
verão e de inverno) da Special Olympics, organizados pela Special Olympics
internacional. Vale reafirmar que as orientações de esferas internacionais e,
consequentemente, a participação de atletas brasileiros nos eventos competitivos
internacionais, segundo Bronfenbrenner (1992), transpõem a fronteira do
macrossistema. Tal participação, no entanto, tem impacto sobre o comportamento e
desenvolvimento psicológico daqueles envolvidos, como evidenciado nos relatos de
caso.
O ambiente esporte encontra nas organizações de âmbito nacional a
concessão de auxílio-financeiro via programa bolsa-atleta, com grande impacto na
vida de um atleta, pois lhe permite a dedicação necessária para obter resultados de
alto desempenho. Atletas relatam como o recurso auxilia a família e também os
motiva a se manterem engajados no esporte. E isso é confirmado por uma das
treinadoras, que também menciona a preocupação com os cortes de verba, com
graves consequências na motivação para a continuidade dos treinos e, em alguns
casos, até na desestruturação financeira da família.
Apresentam-se a seguir os mapas ecológicos de cada atleta com as relações
interpessoais estabelecidas no microssistema (em verde), a participação e
interconectividade deste com o mesossistema (em azul), a interconectividade de
treinadores ou de mães com instituições do exossistema (em lilás) e a
interconectividade com as estruturas presentes no macrossistema (em cinza).
Observa-se que a composição do contexto de cada atleta é única e particular.
109
Esquema 9 – Mapa ecológico da atleta A1
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Esquema 10 – Mapa ecológico do atleta A2
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
110
Esquema 11 – Mapa ecológico da atleta A3
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Esquema 12 – Mapa ecológico da atleta A4
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
111
Esquema 13 – Mapa ecológico do atleta A5
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Esquema 14 – Mapa ecológico do atleta A6
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
112
Esquema 15 – Mapa ecológico do atleta A7
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Esquema 16 – Mapa ecológico do atleta A8
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
113
Esquema 17 – Mapa ecológico do atleta A9
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
Esquema 18 – Mapa ecológico do atleta A10
Fonte: Bronfenbrenner (2001; 2005).
114
4.7 Tempo: a propriedade da completude
Mudanças e continuidades são relativas ao impacto de eventos ao longo da
vida e à importância das transições ecológicas. Três aspectos devem ser
considerados: “o desenvolvimento envolve uma mudança na característica da
pessoa; a mudança desenvolvimental ocorre concorrentemente em dois domínios, o
da percepção e o da ação; e cada um desses domínios tem uma estrutura que é
isomórfica em relação aos quatro níveis do meio ambiente ecológico”
(BRONFENBRENNER, 1979, p. 23). Em outras palavras, o desenvolvimento
atravessa todos os sistemas. Pode-se supor que uma nova conquista no
desenvolvimento implicará novas relações e interconectividade com os demais, na
proposição de novas metas, passando por momentos (quantidade de
movimentos/impulso) em que o comportamento se mostrará contínuo até que novo
evento tenha um impacto tal que volte a ensejar mudanças mais evidentes
(BRONFENBRENNER, 1979, p. 38).
O elemento tempo completa o modelo bioecológico do desenvolvimento
humano. Assim, ao adotar o modelo PPCT, devem-se levar em conta o tempo vital e
o histórico, respectivamente, o tempo da vida do atleta e o período histórico – nesse
caso, desde a participação no esporte.
O ingresso no ambiente esporte se mostrou favorável a mudanças de
comportamento, as quais, quando percebidas, instigaram ações novas e mais
complexas. A mudança de comportamento e sua continuidade derivam de um longo
processo de dedicação através dos anos. A autonomia conquistada denota uma
capacidade de resposta no atleta que se reflete em comportamento responsável. No
entanto, treinadores reportam que nem sempre a mudança observada no ambiente
esporte se mostra transversal, isto é, às vezes, não tem continuidade no ambiente
lar/família. Cogita-se que eventos relevantes em dado contexto podem ter uma
especificidade tal que a continuidade do comportamento se revela apenas nesse
ambiente.
Norteando pelo cronossistema os momentos em que se percebe a autonomia,
pode-se inferir que os episódios microtemporais ocorrem nos processos proximais
nas relações filho-mãe e atleta-treinador. Se se repetirem ao longo de dias ou
semanas, tornam-se mesotemporais. A expectativa de perpetuar ou provocar
115
mudanças de comportamento e favorecer a percepção de autonomia em longo
prazo (macrotempo), aparece em alguns depoimentos, revelando preocupação com
mudanças no âmbito social que favoreçam o desenvolvimento individual. O não
estabelecimento de expectativas dessa magnitude, por outro lado, reflete a
predominância de ações perpetradas pelos atletas, mães e treinadores com
dimensões micro e mesotemporal.
116
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre trajetórias:
Será que a pessoa simplesmente é levada pela corrente da história, ou ela apresenta um momento (quantidade de movimento) próprio? Existe alguma espera? O passado deixa sua marca no presente? E por quanto tempo? (BRONFENBRENNER, 1979, p. 203).
Investigou-se a autonomia de atletas de natação com deficiência intelectual
sob a perspectiva da teoria bioecológica do desenvolvimento humano. O modelo
PPCT orientou a análise dos dados dessa intrincada rede de informações. Uma
reflexão sobre a análise e a discussão dos resultados permite tecerem-se algumas
considerações.
A autonomia é tanto mais percebida quanto mais faz parte da vida cotidiana
da pessoa com deficiência intelectual. Os processos proximais têm características
diferentes (em forma, conteúdo, força ou direção), mostrando-se ora
impulsionadores, ora refreadores da autonomia. Embora os atletas passem menos
tempo no ambiente esporte, considera-se que os eventos da relação atleta-treinador
têm um impacto considerável no desenvolvimento.
A influência das mães e dos treinadores também é importante para a
mudança de comportamento, mas a pouca transversalidade entre os ambientes,
inclusive ações e observação de mudanças, expõe uma fragilidade na continuidade
e na progressão no desenvolvimento e levar a cogitar que as mudanças observadas
podem ser apenas temporárias.
Apesar do direito à autonomia assegurado pela sociedade às pessoas com
deficiência, as poucas referências dos sujeitos põem sub judice a relevância desse
conhecimento em cada ambiente. Parecem preponderar as crenças pessoais em
detrimento dessas informações, influenciando a percepção da autonomia nos
processos proximais vivenciados no microssistema.
O ambiente esporte se mostrou propício para observar que as disposições
(desenvolvimentalmente geradoras) que motivam os atletas a persistirem nos treinos
estão interconectadas com as metas de desempenho para a conquista de índices,
de medalhas ou de bolsa-atleta. Ser atleta e reconhecer a importância de praticar
esporte, bem como ter clareza das metas de alto desempenho e da necessidade da
117
prática para melhorar os resultados, reflete a existência de recursos pessoais
(competência, habilidades, conhecimento, experiências), e isso permite conjecturar
que as diferenças nas causas, nos diagnósticos e nas avaliações psicológicas de
atletas com deficiência intelectual pouco incidem sobre seu potencial de
desenvolvimento esportivo.
Como um setting com características específicas, o ambiente esporte pode
ser considerado um ambiente ecológico favorável ao desenvolvimento de pessoas
com deficiência intelectual. A prevalência de crenças pessoais nas ações das mães
e dos treinadores, em detrimento de aspectos culturais e de normas nacionais
presentes no macrossistema, realça a importância dos processos proximais.
Se comecei contando minha trajetória pessoal, termino refletindo sobre os
caminhos que conduzem à autonomia. A modulação e a modelagem de uma
condição psicológica estão presentes em nossa trajetória de vida, com traços que
marcam nossas características pessoais. E essa jornada seguirá no futuro. Parece-
nos que Bronfenbrenner será um bom companheiro, se assumirmos que D(t) = f(t-p)
(PA)(t-p). Qualquer ambiente pode instigar o desenvolvimento, inclusive o esporte. À
medida que leio e releio Bronfenbrenner, surgem mais e mais nuances, uma riqueza
de detalhes. De longe, um gigante; de perto, repleto de minúcias. Como vimos, o
modelo bioecológico do desenvolvimento humano, proposto por Urie Bronfenbrenner
em 1979, consolidado em 1992 e complementado em 2001, permitiu legitimar a
teoria bioecológica do desenvolvimento humano como um sistema teórico em
evolução.
Não posso deixar de mencionar que a origem de minhas inquietações é a
prática educacional, e é a ela desejo dirigir o conhecimento adquirido. Ao
acompanhar a evolução do construto de deficiência intelectual nos últimos vinte
anos (AAIDD, 2010), observo que a mudança de foco está na interação da pessoa
com o ambiente. Pergunto-me, então, como aperfeiçoar a prática educacional
fundamentada na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de
Bronfenbrenner. Creio que o desafio maior é encontrar maneiras de aplicar os
pressupostos, as proposições e as hipóteses das pesquisas de Bronfenbrenner e de
seus seguidores. Não tenho dúvida de que é preciso abrilhantar os elos que
interligam processo-pessoa-contexto-tempo e valorizar o profissional que procura,
em ações efetivas, ser um mediador do desenvolvimento humano.
118
Aqui encerro o texto, ciente de que sempre haverá muito mais a acrescentar a
suas linhas e entrelinhas, motivando a realização de novos estudos. De todos os
quesitos, ouso sugerir: qualquer que seja o tema, é imperativo dar voz à pessoa com
deficiência intelectual, proporcionar momentos (quantidade de movimentos/impulso)
(BRONFENBRENNER, 1979) pautados na concepção de desenvolvimento com
ênfase nos processos psicológicos não só da percepção em si, mas também do
conteúdo que expresse aquilo que deseja, pensa ou adquiriu como conhecimento.
119
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128
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129
APÊNDICE A – Roteiro da entrevista – Atleta
Nome:
Idade:
Você trouxe a autorização para participar desta pesquisa e entrevista? (TCLE)
(Caso não tenha trazido, utilizar um novo protocolo, ler e assinar.)
Me conte um pouco sobre você:
Onde você mora, com quem, tem irmãos?
Como é o seu dia-a-dia? (facilidades, dificuldades)
Você vem sozinho para cá? (local de treinamento).
Você gosta de praticar esportes?
O que significa ser um atleta? Desde quando você treina natação?
O que acha de ser um nadador? Já competiu?
O que mais gosta no treinamento?
Você tem amigos? Namora? É casado?
O que você considera importante em uma amizade/namoro/casamento?
Você gosta de ir à casa de outras pessoas? (de quem e porquê?)
Você trabalha? Aonde?
O que você faz no seu trabalho?
O trabalho é remunerado? O que você faz com o dinheiro que recebe?
Você escolhe o que quer fazer com o dinheiro?
Sobre o tema da pesquisa: autonomia
O que autonomia significa para você? (Obs.: se não conhece a palavra ou tiver uma concepção equivocada do termo esclarecer que está relacionada a fazer escolhas, expressar opiniões e tomar decisões sozinho(a)).
No seu dia-a-dia você tem liberdade para fazer escolhas? Você pode me dar alguns exemplos? (aguardar a resposta e se necessário citar exemplos como: decidir que roupa vestir, escolher o programa na televisão, preparar a mochila para o treino etc)
Você já tem idade de um adulto. O que significa ser adulto para você?
Ter autonomia é importante para você?
130
Você percebe quando você faz alguma coisa com autonomia? Me conta como é isso.
Como atleta de natação, você acha que tem momentos em que você tem autonomia? O seu treinador de natação dá oportunidade de você agir com autonomia?
Alguém incentiva você a fazer escolhas ou tomar decisões? Quem? Fale um pouco sobre isto.
Você acha que alguma característica sua ajuda ou atrapalha a ter autonomia?
Alguma outra pessoa é importante ou foi importante para você desenvolver a autonomia? Relate. (Algum amigo, amiga, tio, tia, primo, prima, avô, avó...)
Participa de alguma discussão sobre autonomia ou direitos da pessoa com deficiência?
Pauta de orientação
Fale um pouco sobre você.
Como é o seu dia-a-dia
Significado de ser um atleta
Significado da autonomia
No dia-a-dia liberdade para agir com autonomia
Características que ajudam ou atrapalham
Percebe que tem autonomia ... em casa... nos treinamentos .... em competições, durante uma prova.
No decorrer da vida algum acontecimento em especial que tenha influenciado suas ações. Alguém em especial?
Participou ou participa de discussões a respeito dos direitos da pessoa com deficiência.
131
APÊNDICE B – Roteiro da entrevista – FAMÍLIA
Nome
Fale um pouco sobre você (onde nasceu, sua educação, profissão).
Quanto tempo de convivência diária tem com o(a) filho(a).
Como é o dia a dia com ele / ela.
Conhece o diagnóstico ou causa da deficiência intelectual.
Como caracteriza a deficiência do seu(sua) filho(a). Ele/ela apresenta limitações/restrições que interferem no dia-a-dia?
Qual o significado de autonomia para você?
Você considera ele(a) capaz de ter autonomia, isto é, fazer escolhas, expressar opiniões, tomar decisões? Poderia citar um exemplo?
Da adolescência para a idade adulta houve a preocupação em desenvolver a autonomia?
Percebe mudanças em seu(sua) filho(a) em relação à autonomia?
As mudanças influenciaram o seu comportamento em relação seu(sua) filho(a)?
Você identifica alguma pessoa que tem especial importância para o desenvolvimento do seu(a) filho(a)? Relate porque.
Conhece algum documento/legislação sobre autonomia?
Participa de discussões a respeito dos direitos da pessoa com deficiência?
Pauta de orientação
Fale um pouco sobre você.
Como é o seu dia a dia com o filho/a filha.
Importância que atribui ao esporte no desenvolvimento de
seu(sua) filho(a)
Significado de autonomia
No dia-a-dia, como caracteriza a autonomia de seu filho/sua
filha? A família incentiva a autonomia?
132
Alguma característica pessoal (que ajuda, ou dificulta) ter
autonomia
Quando oferece oportunidade como ele/ela reage? E vice-
versa
Percepção de ações em casa, no treinamento, ou outros
ambientes
que favorecem ou limitam ter autonomia
Relação com o programa/associação/clube.
No decorrer da vida algum motivo/acontecimento em
especial que tenha influenciado as ações de autonomia?
Alguém em especial?
Conhece documentos/legislação a respeito?
Participou ou participa de discussões a respeito sobre os
direitos da pessoa com deficiência?
133
APÊNDICE C – Roteiro da entrevista –TREINADOR
Nome
Fale um pouco sobre você (onde nasceu, sua educação, formação profissional).
Há quanto tempo é treinador do(a) atleta?
Quanto tempo de convivência tem com atleta durante a semana?
Conhece o diagnóstico ou causa da deficiência intelectual do(a) atleta:
Como caracteriza a deficiência intelectual do(a) atleta:
Qual o significado de autonomia para você?
Durante os treinamentos e competições você propicia momentos de autonomia?
Percebe mudanças em seu(sua) atleta em relação à autonomia?
As mudanças influenciaram o seu comportamento como treinador em relação ao(à) atleta?
Você identifica alguma pessoa que tem especial importância para o desenvolvimento do(a) atleta? Relate porque.
Conhece algum documento/legislação sobre autonomia?
Participa de discussões a respeito dos direitos da pessoa com deficiência?
Pauta de orientação
Fale um pouco sobre você.
Dia-a-dia em relação ao atleta.
Conhece o diagnóstico
Importância que atribui ao esporte
Significado de autonomia
Incentiva a autonomia de seu atleta?
Propicia oportunidades para tanto?
Quando oferece oportunidade como reage ao
comportamento do atleta?
Relação com a família.
Conhece documentos/legislação a respeito?
Participou ou participa de discussões a respeito sobre os
direitos da pessoa com deficiência?
134
APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Atleta
Autorização para a participação DO ATLETA na pesquisa
Título da Pesquisa: A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Eu, _________________________________________ (nome do atleta em letra de forma), com _______ anos
de idade, confirmo que sou atleta/aluno(a) cadastrado(a) no(na)
_________________________________________________ (nome da Instituição/Associação/Programa
Esportivo no(na) qual treina natação). Entendo que ao assinar este documento estou dizendo que li e estou de
acordo com todos os itens descritos e que desejo participar deste projeto de pesquisa desenvolvido sob a
responsabilidade do Programa de Doutorado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu.
Assinatura do atleta: ________________________________________________ Data ___/___/____
(No caso em que o atleta não tenha condições de efetuar a leitura e assinar neste espaço, solicitamos que o
representante da família leia os itens a seguir para o(a) atleta, assinando em seguida.)
Assinando esta autorização confirmo que eu fui informado de que:
1) O objetivo da pesquisa é compreender como atletas com deficiência intelectual percebem a autonomia.
Serei entrevistado individualmente e minhas respostas serão registradas em um minigravador;
2) Sempre que eu tiver alguma dúvida posso pedir uma explicação;
3) Se por algum motivo eu não quiser continuar a responder posso pedir para parar a entrevista;
4) Entendi que a minha participação nesta pesquisa é voluntária e só participarei se eu quiser;
5) Os pesquisadores enviarão para mim os resultados das minhas respostas;
6) Quando a pesquisa estiver pronta ela poderá ser publicada de forma impressa ou através de mídia
eletrônica, em palestras e atividades de capacitação, respeitando o sigilo e o anonimato dos atletas,
treinadores e representantes da família, o que significa que o meu nome não aparecerá;
7) A minha opinião contribuirá para entender a importância da prática esportiva de atletas no Brasil;
8) Obtive todas as informações necessárias para poder decidir de livre e espontânea vontade sobre a
minha participação nesta pesquisa;
9) Poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (tel.
(11) 2799.1946) ou com a Professora Verena J. Pedrinelli (tel. (11) 9 8962.5002) que é a pesquisadora
responsável para apresentar reclamações ou solicitar maiores esclarecimentos em relação à pesquisa.
Eu,....................................................................................................................... (nome do adulto responsável
pelo atleta em letra de forma), certifico que li este documento para o(a) atleta .................................................
(nome do(a) atleta). Confirmo que ele(ela) compreendeu todas as condições apresentadas e que está de acordo
em participar voluntariamente da pesquisa.
Assinatura do Pai, Mãe ou Responsável: ________________________________________ Data: ___/___/___
Relação com o atleta: ( ) Pai, ( ) Mãe, ( ) Outra: (especifique qual) ___________________________
135
APÊNDICE E - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Representante da família
Autorização para a participação do REPRESENTANTE DA FAMÍLIA na pesquisa
(um dos pais, um dos irmãos ou o responsável pela educação)
Título da Pesquisa: A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Eu, _____________________________________________ (nome do representante da família em letra de
forma), confirmo que sou o responsável pelo(a) atleta ________________________________________
cadastrado no(na) ________________________________________________ (nome da
Instituição/Associação/Programa Esportivo) ______________________________________. Entendo que ao
assinar este documento estou dizendo que li e estou de acordo com todos os itens descritos e que desejo
participar deste projeto de pesquisa desenvolvido sob a responsabilidade do Programa de Doutorado em
Educação Física da Universidade São Judas Tadeu.
Assinatura: ________________________________________________ Data ___/___/____
Assinando esta autorização confirmo que eu fui informado de que:
1) O objetivo da pesquisa é compreender como atletas com deficiência intelectual percebem a autonomia.
Serei entrevistado individualmente e minhas respostas serão registradas em um minigravador;
2) Sempre que eu tiver alguma dúvida posso pedir uma explicação;
3) Se por algum motivo eu não quiser continuar a responder posso pedir para parar a entrevista;
4) Entendi que a minha participação nesta pesquisa é voluntária e só participarei se eu quiser;
5) Os pesquisadores enviarão para mim os resultados das minhas respostas;
6) Quando a pesquisa estiver pronta ela poderá ser publicada de forma impressa ou através de mídia
eletrônica, em palestras e atividades de capacitação, respeitando o sigilo e o anonimato dos atletas,
treinadores e representantes da família, o que significa que o meu nome não aparecerá;
7) A minha opinião contribuirá para entender a importância da prática esportiva de atletas no Brasil;
8) Obtive todas as informações necessárias para poder decidir de livre e espontânea vontade sobre a
minha participação nesta pesquisa;
9) Poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (tel.
(11) 2799.1946) ou com a Professora Verena J. Pedrinelli (tel. (11) 9 8962.5002) que é a pesquisadora
responsável para apresentar reclamações ou solicitar maiores esclarecimentos em relação à pesquisa.
136
APÊNDICE F - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Treinador(a)
Autorização para a participação do TREINADOR(A) na pesquisa
Título da Pesquisa: A TRAJETÓRIA PARA A AUTONOMIA DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
NA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Eu, _____________________________________________ (nome do(a) treinador(a)) em letra de forma),
confirmo que sou o responsável pelo treinamento de natação do(a) atleta
________________________________________ (nome do atleta//aluno(a)), cadastrado(a) no(na)
_________________________________________________ (nome da Instituição/ Associação/Programa
Esportivo no(na) qual treina natação). Entendo que ao assinar este documento estou dizendo que li e estou de
acordo com todos os itens descritos e que desejo participar deste projeto de pesquisa desenvolvido sob a
responsabilidade do Programa de Doutorado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu.
Assinatura: ________________________________________________ Data ___/___/____
Assinando esta autorização confirmo que eu fui informado de que:
1) O objetivo da pesquisa é compreender como atletas com deficiência intelectual percebem a autonomia.
Serei entrevistado individualmente e minhas respostas serão registradas em um minigravador;
2) Sempre que eu tiver alguma dúvida posso pedir uma explicação;
3) Se por algum motivo eu não quiser continuar a responder posso pedir para parar a entrevista;
4) Entendi que a minha participação nesta pesquisa é voluntária e só participarei se eu quiser;
5) Os pesquisadores enviarão para mim os resultados das minhas respostas;
6) Quando a pesquisa estiver pronta ela poderá ser publicada de forma impressa ou através de mídia
eletrônica, em palestras e atividades de capacitação, respeitando o sigilo e o anonimato dos atletas,
treinadores e representantes da família, o que significa que o meu nome não aparecerá;
7) A minha opinião contribuirá para entender a importância da prática esportiva de atletas no Brasil;
8) Obtive todas as informações necessárias para poder decidir de livre e espontânea vontade sobre a
minha participação nesta pesquisa;
9) Poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (tel.
(11) 2799.1946) ou com a Professora Verena J. Pedrinelli (tel. (11) 9 8962.5002) que é a pesquisadora
responsável para apresentar reclamações ou solicitar maiores esclarecimentos em relação à pesquisa.
137
APÊNDICE G – Exemplo de transcrição de entrevista de atleta
P me fale um pouquinho de você onde você nasceu onde você cresceu quem te
educou com quem mora
A1 nasci no hospital São Paulo ... eu moro com a minha mãe ... na verdade eu sou
adotiva
P quem educou você?
A1 minha mãe, meu irmão e minha avó
P a sua avó ainda faz parte da sua família?
A1 faz
P ela é uma pessoa especial pra você?
A1 sim
P e seu irmão ... mora com vocês?
A1 também
P você está estudando?
A1 não ... eu estou trabalhando
P aonde você trabalha?
A1 na Ultrafarma
P é remunerado este seu trabalho? O que você faz com o dinheiro?
A1 o dinheiro ... eu ajudo em casa
P você também compra coisas que você quer para você? consegue decidir
sozinha?
A1 sim
P como é o seu dia-a-dia? o que você faz todo dia?
A1 bem ... os dias ... os dias que eu treino ginástica é:: natação e ginástica de
segunda, quarta e sexta-feira ... terça e quinta-feira/ de terça eu fico em casa ...
de quinta de vez em quando eu vou pra aula de tricô ... fim de semana eu fico
em casa
P e aqui? você vem há muito tempo?
A1 aqui? sim faz ... não sei quantos anos faz ... mas faz tempo
P o que significa ser atleta para você?
A1 atleta ... hm ... bastante coisa ... bastante coisa assim
P que importância tem pra você praticar o esporte?
A1 é bom praticar esporte ... minha mãe não quer que eu fique parada sem fazer
138
nada né? e é bom também
P você participa de competições?
A1 sim ... natação e ginástica
P já viajou com o pessoal?
A1 não ... viajar pra fora assim/ três meninas já foram ... assim/ ainda não mas vai
ter uma oportunidade também
P quando vocês têm competição e ficam o dia inteiro fora?
A1 é ... igual a natação que era pra ser agora em setembro não foi e foi adiado ...
vai ser agora em outubro
P e você participa em que provas?
A1 é é:: brasileiro ... é:: crawl costa peito e borboleta ... esse brasileiro está valendo
renovação do bolsa para ano que vem
P você é uma atleta com bolsa atleta é isso?
A1 isso ... na natação
P você treina todo dia?
A1 não ... segunda e quarta natação e aí a ginástica também na segunda só que
na sexta é só ginástica
P a sua bolsa atleta é pela natação?
A1 isso pela natação
P você participa das competições pela ABDEM ((Associação Brasileira de
Desportos de Deficientes Mentais))?
A1 é::
P que significado tem pra você autonomia?
A1 autonomia?
P autonomia é quando a gente consegue fazer as coisas sozinhas ... tomar
decisões... escolher coisas ...
A1 em casa eu arrumo minha cama arrumo a mesa do café eu mexo no notebook (
) é:: facebook ... entro no face pra conversar
P então você consegue digitar ler escrever?
A1 é ... vou pro serviço sozinha e pra cá eu venho com uma das mães das
meninas que me traz
P na hora de ir embora também?
A1 na hora de ir embora eu vou com um ... uma assim ... uma mãe ... uma amiga
139
minha que a mãe dela mora lá perto de casa
P no dia-a-dia você percebe alguma dificuldade em relação às atividades que
você faz?
A1 ((silêncio)) aqui?
P e no trabalho
A1 não nada
P gosta da natação? aprende fácil? treina forte?
A1 isso
P no treino você percebe que você tem oportunidade de fazer escolhas do seu
treinamento ou em dia de competição?
A1 na competição eu fico mais né? é:: nervosa ... a mão começa a suar né?
quando chega a vez ...
P quantos anos você tem?
A1 35
P da sua fase de adolescência até hoje percebe alguma diferença?
A1 normal
P mais alguma coisa que você queira dizer?
A1 hm hm ((risos)) que eu já ... vou fazer em dezembro eu vou fazer um ano que
eu estou namorando um rapaz ... fiscal que trabalha na Ultrafarma ... vou fazer
um ano ... de vez em quando ele me leva até o metrô Santa Cruz pra eu não
ficar sozinha até aparecer alguém pra me buscar e de vez em quando ele vai lá
em casa fica comigo aí a gente fica escutando músicas do rádio assiste
televisão ... é:: de vez em quando minha mãe deixa eu ir no shopping assistir
um filme no cinema
P você usa o seu dinheiro para ir ao cinema
A1 isso
P que mais?
A1 nós estamos pretendendo mais pra frente é:: ficar noivo ... porque agora na
verdade assim/ estava pensando em parar agora ... com 35 ... mas é melhor eu
continuar porque no ano que vem eu faço 36 ... eu estava achando melhor quer
dizer continuar os treinos ... participando das competições né? porque o esporte
é bom mas ... melhor continuar enquanto der porque eu de vez em viro o pé
P na ginástica ... e atrapalha também na natação?
140
A1 a natação já é uma terapia e dá pra mexer o pé
P porque você quer parar?
A1 é:: eu falei pra ela ((treinadora)) o que eu queria era só fazer a natação e sair da
ginástica porque ( )
P imagino que você seja uma boa atleta ... eu desejo que você continue gostando
de treinar ... muito obrigada