a joia das filhas de maria_gemma galgani_1918 (2)

7/16/2019 A Joia Das Filhas de Maria_Gemma Galgani_1918 (2)

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VERDADEIRO RETRATO DA SERVA DE DEUS

G e m m a GT&LI^&LJCLX N ASCIDA EM 12 DE M ARÇO DE 1878,

F a l l e c i d a e m L u c c a n o d i a 1 1 d e A b r i l d e 1 9 0 3 .

Quisera (pie o meu coração não palpitasse, não vivesse, não suspirasse

shião por Jesus.— Dilate-se sempre o santo reino do amor de Jesus, afim

i/c que todos o amem.(P A LA V R A S D E G EMMA G A L G A N I . )

1

http://alexandriacatolica.blogspot.com

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h t t p : / / a l e x a n d r i a c a t o l i c a . b l o g s p o t . c o m

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CONFERÊNCIAS

sobreas virtixd.es, as

praticas religiosas, os

êxtaseseoespiritoda

servadeDeus


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t EmmanuelE P I S C O P U S

I V






' B T E M P E R A N D O ao s d e s e jo s d e p i e d o s o s s a c e rd o t e s s e c u

l a r e s e d e v ir tu o s os r e l ig ios os , e s a t is f a z e n d o á s l e g it ima s

a s p ir a ç õe s d e d is t in c ta S u p e r ior a d ' u m C o l l e g io, e n f e ixe i

n ' u m a b r o c h u r a a l g u m a s c o n f e r e n c i a s s o b r e a s v i r t u d e s d e

u ma b e l l a a l ma , c on f e r e n c ia s q u e f or a m p u b l ic a d a s p e l o

« Se me a d o r» , ve spe rt i n o c a t h o l i c o d e Ma c e i ó , d e po i s d e t e re m

s id o p r on u n c ia d a s n a s r e u n iõe s d a P ia U n iã o d a s F i l ha s d e M a r ia .

Além d'es té mo tiv o, re so lv i da r a es ta m pa es ta s co nf er en ci as , de st i

tu íd as d e to d o o mé r ito l i t te r a r io, p r im e ir o p a r a p r omo v e r a g l or ia d e

D e u s , s e g u n d o p a r a e d if ic a r o p r ó ximo, e e mf im p a r a tor n a r c on h e c id a e

ve ne ra da um a pie dos íss im a do nz el la cu ja sa nt id ad e ir ra di ou na au ro ra do

s é c u l o X X , c omo u ma f u l g e n te e s tr e l l a n o a n il d o f ir ma m e n to.

Qu iz e r a p r op a g a r o c u l to d e u ma s e r v a d e D e u s q u e a a r a g e m d a

g r a ç a b a f e j ou l og o n a me n in ic e , q u e os ma is b r i l ha n te s d ote s d o e s p ir ito

e d o c or a ç ã o a d or n a r a m, c u j a v id a f oi u m a s s om b r o e u m p or te n to d o s

f a v or e s d iv in os , e q u e mor r e u n a f l or d os a n n os e m od or d e s a n tid a d e .

Nu n c a t i ve a i n t e n çã o d e ve rt e r e m ve rn á c u l o a vi d a e a c o rr e sp o n

d ê n c ia d e G e m ma G a l g a n i, mu ito e mb o r a f a ça f a l ta á b ib l iothe c a d a

d o n z e l l a c h ri st ã .

E s ta f a l ta c ta n to ma is p a r a l a me n ta r , q u a n to c c e r to q u e a l e itu r a

s e r ia s u mm a me n t e e d if ic a nte e p r ov e itos a . N ã o p os s o a s p ir a r a p r e e n c he r

e s ta l a c u n a p or ma ior q u e s e j a .

De b ôa vo n t a d e d e i x o e st a t ã o l i n d a qu ã o i n ve j á vel t a re f a a u ma

p e n n a a d e s t r a d a e g e n u in a me n te p o r tu g u e z a ; p r e te n d o a p e n a s d a r á p u b l i

c id a d e u m p a l l i d o e s b oç o d a s b e l l is s im a s v ir tu d e s q u e l he a d or n a r a m a

a l ma a n g é l ic a, e r e p r od u z ir os tr a ç os ma is s a l ie n te s d ' e s té p e r f i l d e s a n ta

s u m m a m e n t e s v m p a t h i c a .

P r a z a a o c é o q u e ta n ta s a l ma s p ie d os a s , n o n or te c omo n o s u l d o

B r a s i l , q u e a n c io s a s a n he l a m p e l a p u b l ic a ç ão d a v id a d a s e r v a d e D e u s ,

.site"- v

m





não sejam frustradas na sua expectativa e encontrem a satisfacção pelaqual suspiram, n'estas paginas, apezar de todas as suas imperfeições.

O livro da Imitação de Christo não e perfeito debaixo do ponto de vistalitterario; o estylo é simples, sem ornato, e por vezes incorrecto, mas nempor isso deixam de consíderal-o como o mais bello de quantos escriptostêm sahido da penna do homem, porque eleva a alma e, derramandocelestial uncção, encanta e consola o leitor.

Dizem que esse áureo livro tem convertido, consolado e enxugadolagrimas a tantas almas em numero egual ás letras que possue.

Por minha parte, me daria por muito bem pago, se o meu trabalhodesforme e imperfeito illuminasse e consolasse uma só alma.

Nosso Senhor, apparecendo a Santa Gertrudes, prometteu abençoar-lhe os escriptos, concedendo uma tal virtude a cada uma de suas palavras,que penetrasse no coração do leitor e lhe infundisse uma celeste uncção,cheia de suavidade.

Desejaria que Nosso Senhor, pela intercessão da Mãe do Bello Amor,ligasse a mesma virtude ás palavras e ás cartas da serva de DeusGemma Galgani, perfeita imitadora e emula da illustre Virgem Santa Gertrudes, mestra da vida interior, e doutora da vida mystica, de maneiraque estas palavras, gravando-se profundamente no coração do leitor ou daleitora, nelle derramassem o cheiroso bálsamo da consolação e o inebriante nectar da santa alegria e do gozo espiritual.

Não ha pessoa piedosa que não estime a leitura espiritual. Não hacongreganista a lhe desconhecer a utilidade que, consoante á bellaexpressão de São Leonardo, é a irmã collaça da oração. O bom livro,dizem os sábios, é o melhor amigo e o mais fiel companheiro do homem,com o qual se pode conversar a todo instante, e cuja convivência nuncaaborrece. Se é verdade que a companhia dos homens de bem exerce umafeliz influencia sobre nós, outrotanto se pode dizer da leitura de um bomlivro.

D'ahi se vê a necessidade da boa escolha; ora, entre os livros quepodem exercer influencia salutar, a vida dos santos é dos melhores. Opoeta Sardi o exprimiu por meio de um apólogo encantador:

«Andava passeando, diz elle, e vi aos pés uma folha secca, exhalandoum cheiro suave; apanho-a e respiro-lhe deliciosamente o perfume.

«ïu que exhalas tão doce aroma, pergunto, és a rosa?«Não, respondeu-me, não sou a rosa, mas vivi algum tempo #0 meio

das suas folhas; d'ahi me vem o perfume que exhalo. »Assim também a congreganista que ficar em companhia de Gemma

Galgani, pela leitura assidua d'esté livrinho, ha de embeber-se na fragrânciamystica de suas florescentes virtudes.

Sou muito grato a todos aquelles que me auxiliaram, de todo coração agradeço-lhes a fineza. Tão numerosos são que não posso nomeal-ostodos, mas nem por isso me esquecerei dos favores de que lhes soudevedor.

Dizem que um celebre pintor, perfeito cavalheiro, de alta educação,fez o retrato de uma princeza imperial, e lhe cobrou, por paga, apenas umsorriso !

Assim também supplico a amável serva de Deus que volva osolhos meigos e extáticos do alto do céo para aquelles que cooperaram,generosa e gentilmente, para o retrato de suas egrégias virtudes-e sorria-lhes,testémunhando-Ihes' assim a complacência. . . . . . . . - • " • - * :

V I



Agradeço, outrosim, aos illustres editores que se esmeraram em offe-recer ao publico um volume mimoso, que faz honra á casa, e mereceriaos louvores do escriptor John Ruskin, o Petronio moderno, arbitro daelegância, que tanto recommendava aos editores dessem uma forma artísticae attrahente aos livros, pedindo também, com instancia, aos leitores tivessem cuidado em conservai-os em perfeito estado.

Servi-me para a composi ção d'estas conferencias do livro «Lebender Jungfrau und Dienerin Goltes

G EM M A G A L O A N I 9

pelo revmo. Frei Leo Schlegei, da Ordem de Cister.Este livro foi impresso em Saarlouis (Alsacia) c já está na sua sexta

edição.Com a l icença do autor, gentilmente concedida, servi-me lambem das

notas biographicas que sahiram no «Mensageiro do Apostolado», no annode 1914.O livrinho é destinado ás almas de fé esclarecida e de piedade

abrasada, ás associadas e zeladoras do Apostolado da Oração, e mormenteás Filhas de Maria, almas de escol, de virtudes acrysoladas, ás quaes aIgreja arranca este brado que transformou a humanidade: Gredimus cha-rUati quam habet Deus in nolris (S. João), cremos que Deus nos ama.

ùue m não tiver a fé viva, quem não conformar sua vida aos preceitos d'esta mesma fé, não leia este livro, porque não o comprehenderá,consoante ao parecer do piedoso autor da Imitação de Chrisfo :

« De Christo as phrases não entende ;«Somente as aprecia quem por norma«Tem d'elle a vida, e d'outra forma«Viver na terra não pretende.»

Eis o conceito do Padre Bougaud, historiador da Beata MargaridaMaria, illustre Virgem de Paray-le-Monial, a quem Jesus revelou as ri

quezas do seu divino Coração:«Quem não crer no infinito amor de Deus ao homem, no presepe,na cruz, na santa Eucharistia, não abra este livro. Ficaria admirado e quiçáescandalizado, »

Sim, os homens cujo coração acanhado não sabe o que é o amordivino, aquelles que passam diante da cruz abanando a cabeça, que olhampara o altar com um sorriso de escarneo, não leiam este livro, porque nãoo comprehenderão.

* *

Em obediência aos decretos de Urbano V I I I , submetto-me, complelac perfeitamente, ao juizo infallivel da Igreja no que diz respeito a algunsfactos maravilhosos que occorrer possam n'este livrinho, acreditando n'ellessomente humanamente falando.

Outrosim, dando o nome de santa ou de venerável a Gemma Gal-gani, faço-o no mesmo sentido, sem querer prevenir o juizo infallivel, masdesejando me conformar em tudo aos ensinamentos da Igreja que recebeude Nosso Senhor o magistério supremo.

São ] os é da Lage, 12 de Março de 1918, quadragésimo anniversariodo nascimento de Gemma.

O Autor.

V I I




™ i

PRIMEIRA CO NFERENCIA.

I p s a v e r o c i v i t a s a u r u m m u n d u m ,

s i m i l e v i t r o m u n d o .

A p o c . 21 -1 8.

A cidade mesma era de ouro finíssimo, semelhante ao vidroclaro.

UEM vae a Londres, não podo deixar de visitar a fortaleza vetusta,chamada — aTower, eni cujos subter râneos estão guardados os the-sonros da coroa, além de muitasoutras curiosidades preciosas paraantiquários.

A l l i podem ser contempladas,amontoadas em ricos e vastos escrí

nios, illuminados por luz eléctrica, as mais preciosas jóiasdo mundo, cujo esplendor deslumbra a vista.





Vê-so a coroa real crivada de opalas do rei dos Anglo-saxões, Santo Eduardo o Confessor; diademas e collaresrutilantes da rainha Elisabeth; uma multidão de sceptrosde marfim cravejados de brilhantes e mais insígnias esplendidas da realeza, formando a rica herança de muitas gerações de soberanos e rainhas, que se succederam sobre othrono dos Reinos-Unidos da Inglaterra.

A Igreja catholica tem também uma collecQão de jóias, mais brilhantes do que as gemmas do famoso museu

á margem brumosa do Tamisa, por mais bel las que sejam:é a assembléa gloriosa das almas santas cujo clarão alegrao céo e a terra.

Ganta a Igreja no officio litúrgico dos martyres:

Candidi facti sunt Nazaran ejus.

Mais alva que o leite na, nívea brancura, Refulge a phalange de eleitos, Senhor, Marfim incrustado excede em candura,

E vence a formosa, saphyra em fulgor.O vidente de Pathmos, transportado pelo espirito de

Deus sobre uma alta montanha, viu a Jerusalém Nova,



transparente como um erystal, descer do céo bella, adornada como uma esposa ataviada á espera do esposo. Seulustre era semelhante a uma pedra preciosa, como pedrade jaspe; os alicerces, de pedrarias raras; suas doze portas, ornadas de pérolas de inestimável valor. A cidademesma era de Ouro puro, brilhante como o erystal. AJerusalém Nova, tão bella e tão deslumbrante, symbolizaa Igreja Santa, Oatholiea, Apostólica, Romana.

As jóias representam as almas santas, que haviam de

illustrar a mesma Igreja, no correr tios séculos, desde osdoze Apóstolos figurados pelas doze portas, até as almassantas do século XX da era christã em que estamos.

Tenciono focalizar uma d'estas jóias que rebrilhamnos muros da Nova Jerusalém; tenciono determinar-lhe oquilate de santidade, e examinar-lhe todas as facetas.

Semelhante ao joalheiro, que abre o escrínio, põe em plena luz ante os olhos do comprador o artístico adorno,aponta-lhe a belleza, exalta-lho o valor, para provocar aadmiração e o enthusiasmo; assim quero, com a graça deDeus, expor á vista das Filhas de Maria, uma d'estas jóiasque projectou sobre o mundo o doce brilho da virtude eda santidade.

Esta joia foi encontrada no anno da graça de 1878na Itália, mina riquíssima e inesgottavel de santidade, aqual, depois de ter illustrado a Igreja por sua trajectóriatão rápida quão brilhante, Nosso Senhor engastou no seuthrono já irizado por tantos diamantes.

A serva de Deus que pretendo propor como modelode perfeição, por um desígnio da Providencia, recebeu no baptismo o nome significativo, suggestivo e predestinado

" de Gemma que em latim, na língua de Dante c suas congéneres, significa <-joia».

Apreciava ella este lindo nome que concretizava aseus olhos um vasto programma, executado fiel e religiosamente, merecendo ser, pela pratica de virtudes aery-soladas que a distinguiram, a joia de Jesus e a joia dasFilhas de Maria.

- Embora tudo seja admirável na vida dos santos, consoante á sentença dos mestres da vida espiritual, nem por



isso tudo é imitavel; porque almas ha a quem NossoSenhor conduz por vias extraordinárias e prodigaliza donsoxtra-communs. Assim, na vida milagrosa d'esta serva deDeus, nem tudo é imitavel, ainda que tudo seja admirável;

porque, semelhante a um brilhante, sua santidade lançava,ás vezes, raios faiscantes que offuscavam a vista, aindaque, por outras virtudes menos sublimes, Gemma de Jesustorne-se perfeitamente imitavel, sendo também uma esme

ralda, cuja còr verde e suave jamais cancã o olhar.Além de comparar Gemma de Jesus a uma joia preciosa* inspirando-me da poesia dos livros sagrados (muitosuperior á poesia dos livros profanos e das ficções da my-thologia pagã), tenciono destacar algumas pedras preciosasque embellezavam os fundamentos dos muros da NovaJerusalém, bem como algumas pedras preciosas que seachavam engastadas no paramento chamado racional, dosummo sacerdote Aarão, e comparal-as ás principaes virtudes que adornaram a bellissima alma de Gemma Galgani,doce esposa de Jesus.

Piedosas congreganistas, espelhae-vos nesta alma deescol, transparente e pura como a gotta de orvalho queamanhece sobre as flores do vosso jardim, em que podeisvèr o reflexo fugitivo das sete cores do íris, como nomelhor dos prismas. Mirae-vos no crystalino espelho (festaalma, estudando e analyzando as bellas virtudes que praticou, vivendo como vós, no meio dos perigos do mundocheio de enganos e desvarios, voando entre as chammasdas paixões, das torpezas, dos crimes, dos delictos, e detodas as baixezas sem tostar nem queimar as azas dadevoção. Oxalá que estas singelas conferencias sobre asvirtudes que Gemma praticou durante os poucos annosque viveu no reboliço do mundo como vós, possa estimular-vos a progredir na santidade e na pratica de todas asvirtudes, no perfeito cumprimento de todos os deveres devosso estado e, sobretudo, na devoção para com a Virgem

Santissima de quem sois filhas dedicadas.Praza aos céos que estas simples praticas tambémderramem em vossas almas a consolação, afim de confortar-vos nas agruras da vida presente, suavizando os vossostormentos e maguas.



Que possaes, como o Propheta Rei, correr velozes nocaminho estreito dos mandamentos, tendo o coração dilatado

por uma santa e corajosa alegria.D'esta maneira tornar-vos-eis dignas emulas de Gemma

Galgani, que foi vossa irmã no Coração de Jesus e deMaria.

Assim, tornar-vos-eis dignas imitadoras d'aquella, cujo

curto viver foi um harmonioso hymno de amor e devirtude.

Com as companheiras da Esposa dos Cantares, dizei:

T r a h e m e , p o s t t e c u r r e m u s i n o d o r e m u n g u e n t o r u m t u o r u m .

Leva-me. Correremos após ti ao cheiro dos teus bál samos.

As Filhas de Maria que sigam, satisfeitas e alegres, osvestígios odoríferos de Gemma Galgam, perfumados por tantos egrégios e amáveis dotes espirituaes. As almas

piedosas que corram, ao alcance do rastro luminoso queesta tenra menina, como um astro do firmamento, deixouna sua passagem por este triste ermo.




"Virtiad.es precoces d.e0-em.m.aGalgazii

nasuLa, infância.

M u r e n u l a s á u r e a s f a c i e m u s t i b i ,

v e r m i c u l a t a s ar gê nt eo .C a n t . I - I O .

Enfeites de ouro te faremos,marchetados de lentejoilas de

•prata.

SsiM como os collares rutilantes queadornavam o pescoço da Esposados Cantares, eram de ouro finomarchetados de lentejoilas de prata,assim também a graça symbolizada

pelo ouro, e a natureza pela prata,uniram-se para fazer de Gemmauni acabado modelo de perfeição.

Estudemos e analysemos a infância da nossa heroina e encon

traremos n'ella signaos de prematura santidade e de predicados precoces que causam admiração.


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Quem está a par da historia universal nota que osgrandes gênios, os artistas que se celebrizaram nas artes,musica, litteratura, pintura, foram de uma grande precocidade.

Muitos santos também, que se assignalaram por egrégias virtudes, foram logo notáveis na meninice e distinguiram-se pela santidade assombrosa no verdor dos annos.

Em compensação, diversos (Testes santos que foramfavorecidos de precocidade maravilhosa, tiveram curta vida,como sejam vSão Luiz Gonzaga, Santo Estanislao Kostka,São João Berchmans.

Nos tempos modernos, temos uma triade graciosa:soror Thereza, do Menino Deus de Lisieux, soror Elisabethda Trindade de Dijon, ambos carmelitas francezas, e GemmaGalgani.

Estas très flores de santidade desabrocharam, anteci pando as leis da natureza e as normas geraes da graça, eforam transplantadas, depois de poucos annos de vida, parao bello jardim do céo.

Estas almas santas ouviram os conselhos de São Joãoda Cruz quando disse :

« E? de alta importunera que a ulmo se exerça ao amor divino, de maneira que, consumindo-sc rapidamente, não

pare n'esta terra, sinão chegue ligeira a, ver a Deus face<t face.»

Estas très almas dos tempos modernos passaramn'este mundo como uma chamma e como o incenso quese consome no fogo. (Eccles. 50. 9.)

Estas très almas entraram na liça prematuramente e,com passos agigantados, atiraram-se rapidamente ao alvoque ê o Christo. (Philipp. 3.)

Com vinte e cinco annos de idade puderam dizei' comoSão Paulo:

« Pelejei uma boa peleja, acabei a minha , carreira ... Está-me reservada a coroa da justiça. . . .» (Timoth. II.)

Assim Gemma Galgani, ainda muito criança, já eraum primor de virtude.

Ou sinão vejamos.Com dois annos, começou a frequentar uma aula par

ticular, mantida por duas distinctas senhoras e, n'esta idade,

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antes.que lhe madrugassem n'aima os primeiros lampejosda razão, era sensata, reflectida e comedida. A tenra menina, aos cinco annos, já estava bem adiantada nos estudos

primários e na doutrina, lia perfeitamente o officio de Nossa Senhora, e sabia decoradas todas as mais orações.

Aos sete Gemma, suspirava pelo céo e não se afastava de sua mãe quando lhe falava das delicias do paraíso.

Tão grande desejo de morrer tinha para ver Jesus e

ir ao céo, que seu confessor se viu na obrigação de lhe prohibir que pedisse a morte.Que anhelos prematuros numa cr iança! que primor

de piedade! N'essa idade Gemma se confessava a miúdo.D. Aurélia, sua piedosa mãe, desempenhava pessoal

mente a bella missão de catechista na sua família, ensinandoa cada filhinho em particular as orações e os actos pró

prios da confissão.A bôa mãe chorava de enternecimento ao ver Gemma

fazer o exame de consciência com muita applicação, rezandocom angélico fervor.

N'esta mesma idade, Gemma recebeu o sacramento da

Confirmação das mãos de D. Chilardi, na basílica de S.Michèle in Foro.Gemma na sua infância era de uma innocencia

exemplar.Poderíamos contar exemplos frizantes, para pôr em

relevo a candura de Gemma; limitamo-nos porém a mencionar os seguintes.

Ainda muito criança, ficava triste quando o pae, quelhe queria muito bem, a sentava nos joelhos e a acariciava paternalmente.

«Não quero ser tocada por ninguém», dizia, um poucoagastada, «nem por meu próprio pae».

Assim a serva de Deus tinha, no verdor dos annos, a

intuição precoce do pudor, este bello sentimento de honestavergonha, causada pela apprehensão do mal.Semelhante á sensitiva que recolhe, pudicamente, as

pétalas ao menor contacto, a castíssima serva de Deustremia diante de todo o contacto humano.

Nenhuma criança a vencia em recato e em modéstia.



A menor sombra do mal a fazia tremer; a menor palavra menos conveniente a fazia corar; uma companhiamundana a fazia fugir, tanto lhe parecia innato o amor da pureza com o horror ao vicio deshonesto.

Nenhuma criança teve jamais (a não ser as santascanonizadas) uma percepção tão nítida, tão prematura, etão instinctiva da virtude angélica, prenuncio de uma santidade extraordinária.

A purissima menina sabia, sem que ninguém lhetivesse dito que o lyrio murcha sendo manuzeado.Disse Jean Jaques Rousseau, no seu livro Emile sobre

a educação, que as crianças são naturalmente orgulhosase invejosas, Gemma, porém, não era assim.

Vendo que seu pae a preferia aos outros irmãos, levavaisto muito a mal e protestava que não queria nem mereciaesta distincção.

A humilde criança era também muito resignada ávontade de Deus. Tendo entisicado d. Aurélia, o medico,temendo o perigo do contagio, aconselhou ao pae que retirasse os filhos de casa.

Gemma foi obrigada a se apartar da mãe tão que

rida, indo para São Gennaro, á casa de uma sua tia. Alirecebeu o telegramma fatal dando-lhe noticia do falleci-mento prematuro d'esta mãe tão estremecida. Supportoueste primeiro golpe cruel com serenidade digna de umacriança tão santa, embora que fosse muito acima das forças naturaes n'esta idade precoce.

Aos nove annos, Gemma pediu, com muita instancia, para fazer a sua primeira communhão. Não era uso entãodar a communhão tão cedo.

O immortal Pontífice que devia publicar a Encyclica — Quam singulari —e restabelecer assim a antiga disciplinada Igreja, obrigando os fieis a commungarem desde a idadede discreção, era então simples bispo de Mantua e não pensava sequer alcançar as culminancias das dignidadesecclesiasticas, nem suspeitava que havia de ser chamadoum dia— O Papa da Primeir a Communhão.



P r i m e i r a C o m m u i i h a o

F u l c i t e m e f l o r i b u s , s t i p a t e m e

m a l i s , q u i a a m o r e l a n g u e o .

C a n t . 2 , S .

A piedosa menina suspirava como a Esposa dos Cantares: « Acudi-me com. cònfortàtivos de flores, trazei-me fruetos que me confortem, porque morro de amor. ••' Gemmasuspirava e gemia pelo fructo bemdito do seio immacu-lado de Maria Santíssima.

«Pae-me—dizia, — o meu Jesus e vereis como serei bôa,e não commetterei mais peccado. I)ae-m'o que sinto partir -seo meu coração e já não supporto mais esta ausência.» Seuconfessor, Mons. Volpi, depois bispo de Arezzo, achando-a

perfeitamente preparada para este acto importante da vidachristã, e não

querendo vêl-amorrer de pena,

persuadiu ao sr.Galgani que per-mittisse á querida filhinha fazer a primeira

comm unhão.A virgemzinha

internou-se noCollegio das irmãs de S.ta Zita,durante oito dias,

para fazer o re-

r

J

tiro e, na vés pera do grande

dia, enviou aseu pae uma

cartinha nos seguintes termos:

— Querido Pa peie,

Amanhã vou

fazer a minha primeira , com-nt unhão. Paramim este dia

será de suprema felicidade.

Escrevo-te estas mal traçadas linhas, porque te queromuito bem.

Reza por mim* para que, quando chegar Jesus pela primeira vez, me encontre bem preparada, em compensaçãode tantos benefícios que d'elle tenho recebido. Peço-tc perdão também pela, minha desobediência e mais faltas que

te causaram, talvez, algum desgosto. Perdoa, pa/pae querido, e esquece. Lança tua, bençam sobre tua filha que te ama.

Gemma.



Deixemos a ditosa menina contar os gozos ineffaveisd'esté dia, 16 de Junho de 1887, domingo immediato á festado Coração de Jesus, dia em que no collegio se celebrava,com grande pompa, a festa externa do divino Coração.

«Chegou, finalmente, a manhã do domingo. Estão satisfeitos os meus anhelos. Meu Padre, o que se passou n'aquellemomento entre mim e Jesus, não sei expressal-o. Jesus deu-sea sentir fortemente a minha alma. Comprehendi então comoas delicias do céo em nada se parecem com as da terra.

Senti-me tomada do desejo de tornar mais e mais continua a minha união com Deus, separando-me do mundo

para viver no recolhimento.Meu Padre, adeus.

Gemma de Jesus.»

De hoje em diante, o desejo ardente de possuir a Deuse de lhe agradar em tudo perfeitamente, será a única paixão d'esta santa creatura.

Não mais se apagou d'esta alma primorosa, a lem brança da primeira communhão. Todos os annos até a suamorte, Gemma recordava este dia e relembrava as docese puras consolações que então lograra. Vejamos os admiráveis sentimentos, que a animava no verdor dos annos,

e admiremos as celestes aspirações deste espirito seraphico,expressas n'uma carta que escreveu a seu director espiritual.«Meu Padre, ignoro si estaes a par de que o dia do

Coração de Jesus é também o dia da minha festa, o anni-versario da minha primeira communhão. Ilontem passeium dia de paraiso; estive sempre com Jesus, falei semprede Jesus, fui feliz e chorei aos pés de Jesus. O recolhimento interior foi tal, que me conservo ainda intimamenteunida com o meu caro Jesus. O' frios pensamentos d'estémundo, afastae-vos de mim! Quero estar com Jesus e sócom Elie.»

N'uma outra carta a bòa menina escrevi! :«Meu Padre, hontem experimentei as alegrias do bello

dia da minha primeira communhão. Mas, de que servegozal-as por um só dia, si podemos depois gozal-as parasempre ? Foi o dia em que senti o meu coração mais accesono amor de Jesus. Quanto serei feliz, quando, com Jesus



no peito, puder exclamar: O' meu Deus, o vosso Coração

é meu coração!»

Antes de saliir do convento onde fez o retiro e onde

fruiu tão grandes consolações espirituaes, a serva de Deus

escreveu as seguintes resoluções:

1. aQuero confessar-me e eommungar cada mez como

se fosse a ultima vez da minha vida.2. a Farei a minha visita ao SS. Sacramento, -principal

mente quando estiver afflicta.

3.

!l

Prcparar-me-ei com uma mortificação para as festasde Nossa Senhora e todas as noites pedirei a bençam da

Mãe do Céo.

• 4.a Lembrar-me-ei sempre da presença de Deus.

5.a Cada vez que ouvir soar as horas, direi a oração jaculatória: «Meu Deus, misericórdia.»

Gemma ia continuar a escrever, quando foi interrom

pida por uma Irmã que lhe disse se contentasse com estas

cinco resoluções. Bemdito e louvado sejaes, oh Deus de bondade, que

prevenistes esta- criança milagrosa com as beneams devossa doçura, e tão cedo pnzestes sobre a sua cabeça umacoroa de pedras preciosas, symbolo dos signaes de prema

tura santidade.Grande será a sua gloria na vossa salvação: gloria e grande formosura poreis sobre cila.

Exaltae-vos, Senhor, no vosso poder, e louvaremos asvossas m aravilhas.

Ditosa criança quem foi dado a conhecer, em verdes

annos, os mysteriös do reino de Deus, que tantas pessoas

adiantadas na idade ignoram!

Ditosa criança a quem Deus revelou tão cedo as

doçuras do maná celeste! *A grande graça da primeira communhão fervorosa

será, na vida de Gemma Galgani, o primeiro elo da longacadeia de favores mysticos, e das graças de devoção de

que sua alma de escol será inundada. Nosso Senhor não se communica a todos igualmente;

a uns diz cousas communs, a outros ensina cousas parti

culares.

13



Descobre-se a uns brandamente, envolto em sombrase figuras, revela a outros seus mysteriös no meio de umvivo esplendor; finalmente, Jesus distribue a cada um seusdons segundo lhe apraz. (Imit. )

Mil vezes felizes são as Filhas de Maria que, com oleite materno, beberam a piedade e o amor de Deus econsagraram a Nossa Senhora as primícias da vida.

Felizes, si nos verdes annos foram bafejadas pelaaragem benéfica do Espirito Santo e illuminadas pelasluzes da fé.

Felizes, si offereceram a Deus e á Virgem Santíssimaos primeiros sentimentos, as primeiras impressões de suaalma em flor. Felizes as Filhas de Maria, si Nosso Senhor lhes imprimir, nas almas de criança como na cera flexivel,sua imagem, que jamais apagará, porque as graças prematuras são o preludio de muitas outras, como disse o psal-mista, ibuní de virtute in virtutem : a passos gigantescostrilharão o caminho da santidade.

A piedade sincera na infância é também o penhor da pe rs eve rança final .

Exerce teipsum ad pietatem, escreve S. Paulo ao seuquerido discipulo Timotheo : Exerce-te em obras de piedade.A piedade para tudo é util, porque tem a promessa da

vida presente e da que ha de vir. Pietas ad omniautilis est.Felizes si, como Gemma, as Filhas de Maria fizeram

a primeira communhão com fervor e piedade, e não seesquecem d'esté bello dia, festejando o anniversario com

jubilo. Felizes, mil vezes, si commungam a miúdo, e vão pressurosas assentar-se á sagrada mesa do banquete divino,onde Jesus dá-se a comer, e communica as riquezas de suasgraças. Vinde, Filhas de Maria, a exemplo de Gemma, comsoffreguidão e com alegria, haurir as aguas vivas que brotam do peito do Salvador.

Vossa alma então será como um jardim copioso, frequentemente regado e abundantemente orvalhado, no quala flora mystica de perfumes delicados nunca ha de faltar,

assim como se deu com a alma de Gemma. Eritque anima eorum quasi hortus irriguus— disse

Jeremias o vidente.

14 Î3:



I

A l l i florescerá a açucena da innocencia.A l l i desabrochará a rubra rosa do bello amor.A l l i , escondida no musgo, a violeta da humildade der

ramará seu subtil perfume.A l l i vicejará o lirio de delicado aroma da integridade

virginal.A l l i cobrir-se-á de flores o jasmim cheiroso da devoção.A l l i amadre-silva da simplicidade enfeitará, com seus

ramos odoríferos, as janeîlas e as grades, por onde oEsposo divino da alma santa introduz a vista.

*AUi a alma do justo crescerá como a haste delgada eesbelta da majestosa palmeira. Justus ut palma florebit.A l l i os saborosos fructos, isto é, as obras de caridade,

de misericórdia, de zelo, amadurecerão antes do tempo marcado pela natureza como, nas estufas, ha uvas sazonadase morangos deliciosos na estação em que a neve cobre domanto immaculo a natureza adormecida e estéril.

A benéfica influencia da primeira communhão bemfeita e da sua re no va çã o frequente, não se limita ao individuo senão estende-se á família e quiçá a uma nação inteira.

Permitti-me citar o exemplo frisante da Irlandia. Si a Ilha dos Santos é a terra mais casta do mundo, como o provam cabalmente as estatísticas, devemol-o, disse um padre irlandez, a Jesus Hóstia que os meninos recebem

com um fervor extraordinário, e cuja acção salutar se prolonga na idade critica.Vi esta ilha bemdita emergir como uma bella esme

ralda do Oceano Atlântico, com os prados verdejantes,matizados de engraçadas flores. Apezar da latitude, o climaé relativamente ameno e a natureza bella, porque as correntes quentes, que passam at ravéz do golfo do Mexico, banham-lhe as praias. Assim também, apezar de perseguiçõesseculares, máo grado ás difficuldades politicas, a geraçãoactual traz impresso, na alma heróica, o cunho do espiritomystico e claustral de São Patuicio ; conserva intacto o deposito da fé, e se ufana de uma alta e impolluta moralidade.

E' o milagre da primeira communhão bem feita emuitas vezes renovada com devoção.

E a acção benéfica d'esté goulf stream que, passandoatravéz do Coração Eucharistico de Jesus, derrete o gelo,torna florescente as mais ingratas regiões, e fecunda asterras por estéreis que sejam.

is



16

» UN




sai [. VUS»* A -* I

T E R C E I R A C O N F E R E N C I A .

IDe-voçêi©d.eGremma<3-alg*a:n.i aliaria

Santíssima,

« D i t o s o o q u e e m V ó s c o n f i a ,

E x c e l s a V i r g e m M a r i a ;

F e l i z n a l u c t a o u b o n a n ç a

Q u e m e m V ó s p õ e a c o n f i a n ç a . »

ESDEos verdes annos, dedicou Gemma á Rainha do Géo um ternoaffiecto e inexcedivel amor. Comdoce confiança chamava-lhe: *Lacara mamma mia. » Com effeito, privada da mãe terrestre, na idadede oito annos, a piedosa meninatomou a Santíssima Virgem por mãe, tornando-se uma filha amantee devotada.

« Quanto quero bem a minha Mãe! dizia ella. Maria,o sabe; e depois, Jesus ê quem m'a deu e me disse que

17

Gemma Galgani.





a amasse muito. Que seria de mim si a não tivesse tido? Ella me tem sempre auxiliado nas minhas angustias espi-rituaes, preservou-me de muitos perigos, livrou-me dasmãos do demônio que sempre me molestava, deseidpou-me

junto a, Jesus quando peeeava, e o aplacou quando omovia á ira pela minha vida, ensinando-me a conhecel-oe amal-o. Ah minha querida Mãe, sempre, sempre te heide amar.»

Gemma tinha continuadamente estas e semelhantesexpressões na bocca ; era o assumpto de muitas das suascartas.

E' inutil accrescentar que Maria Santíssima recom pensava magnificamente tão filial amor, apparecendo amiúdo em pessoa, e consolando a sua filha nas contrariedades e afflicções. :.

Ouçamos de que maneira a serva de Deus" conta asapparições de Nossa Senhora:

«Quem poderá imaginar que esta noite me tenhavindo visitar minha Mãe querida!

Que felicidade durante estes momentos! Que doçuran'aquelles bellos instantes!

Maria Santíssima me tomou nos braços e me acariciou. Oh quanto é bella a Mãe celestial! A Rainha do Céome perguntou: «Verdadeiramente me amas e a mim só?»

Respondi-lhe: «Ha outro alguém a quem amo antesde tudo e primeiro que tudo.»

Maria, simulando ignorar de quem eu estava faiando,insistiu na pergunta, dizendo : « E quem é ? »

«E' o eleito de meu coração, pelo qual estou promptaa sacrificar tudo, até a propria vida. Elle se parece muitocom minha Senhora; tem a mesma còr de cabellos.»

A Mãe celeste continuou a não se dar por entendidae disse-me: «Minha filha, de quem falas?»

«Minha Senhora», repliquei, «então não entendeis? Não comprehendeis que falo de Jesus? e d'elle só?»

N'este instante, a Virgem me lançou um olhar deinfinita ternura e, sorrindo, apertou-me nos braços maternos,dizendo: «Ama a Jesus, sim, ama-o muito.»

Uma outra vez, Nossa Senhora tornou a apparecer ásua dilecta filha.

18



«Estava descançando», conta Gemma, «porém nãodormia; quando vi approximar-se de mim uma Senhora,esbelta, de formosura sobrehumana, cercada de viva luz.Veiu abraçar-me, tom ando-me ao collo. Foi tão grande adelicia sentida, que julguei morrer de prazer. Disse-meque vinha buscar meu ramo de flores. V. Rev.ma compre-hende isto?

. Minha Mãe deu-me muitos conselhos estimulando-meá pratica das virtudes; recommendando-me que fosse sem pre humilde e obediente.

Finalmente,ao desappa-recer, disse-me que me

lhorassecada vez

mais e meadiantassena santida

de.Oh, quão

bella é minha Mãe doCéo!

Desde quetive a dita decontemplar-lhe o lindo

rosto, fiquei

com muitasaudade e te

nho ardentedesejo de tornar a vel-a.»

Era d'esta

maneira, por taes favores, por tantasdoçuras, que N. Senhora

recompensava o amor

terno e adedicação de

Gemma.Filhas deMaria, a

exemplo da

serva de Jesus, amae a vossa gloriosa Padroeira, a VirgemTmmaculada de Lourdes, de quem vestis a formosa libré branco-azul, tal qual ella appareceu na gruta de Massa- bielle ã feliz Bernadette Soubirous. Embora pareça umdisparate encarecer o amor a Maria Santissima áquellas

que se gloriam de se chamar suas filhas, permit ti aconselhar-vos que procureis adquirir uma devoção solida paracom ella.

Imitae o exemplo de Gemma, que pedia aos séraphinslhe emprestassem os ardores para amar á Mãe celeste comomerece.



Não imiteis o máo exemplo de algumas pessoas, cujadevoção é falsa ou mal entendida, que trazem o nome deMaria na bocca sem tel-o no coração.

Algumas ha, infelizmente, que ostentam a fita azul dacongregação na. igreja e nas procissões, e não se envergonham de comparecerem a reuniões mundanas, trajandosegundo os últimos figurinos do Louvre.

Tenham as Filhas de Maria consciência de sua dignidade e dos graves deveres que tão bello titulo impõe.Assim como a filha de paes fidalgos e de alta linhagemnão pode, sem desdouro de seu brazão, divertir-se na chou

pana do morador, e confundir-se com a plebe, assim tam bém a Filha de Maria, que tem foros de nobreza, nãodeve sahir de sua casa a não ser como a rainha santa dePortugal, para exercer as obras de misericórdia, corporaese espirituaes.

Esta rainha exemplar, em lugar de dar festas e organizar bailes como soem fazer as princezas vaidosas, tratavados enfermos no hospital, beij ando-lhes as feridas como sifossem as chagas de Jesus. Santa Izabel, vivendo emboran'um palácio real, cercada dos prazeres requintados deuma corte, estava compenetrada das palavras de S. Thiago:

«A religião pura e sem macula aos olhos de Deusconsiste n'isto: em visitar os orphams e as viuvas nas suas afflicções e em se conservar isento da corrupçãodeste século (1-27).»

A Virgem Maria chora sobre suas filhas traidoras que procuram as delicias do mundo e se entregam ás festas,aos prazeres, aos divertimentos mundanos, como choravano Monte Salette, quando appareceu a Maximino Giraude a Melania Mathieu, acabrunhada de tristeza e com osolhos arrazadas de lagrimas.

Lembrem-se do bello dia em que, prostradas aos pésda Virgem Immaculada, juraram observar o regulamentoda Pia União e evitar o contagio mundano.

Tragam na memoria o delicioso momento em que se

consagraram á Virgem Santissima. Não faltem aos seus juramentos.

Si vossa Mãe, ó Filhas de Maria, vos falasse comofalava a Gemma e vos perguntasse: «Vós me amaes?»

2 0



poderíeis responder-lhe com verdade : « Sim ; eu vos amocom todas as veras do meu coração»?

Havia em Roma sete sacerdotizas que deviam manter,dia e noite, o fogo sagrado no altar da deusa Vesta, e por isso se chamavam vestaes.

Viviam as vestaes isoladas no templo, guardando acastidade, sujeitas a uma rigorosa disciplina. Levavam,n'uma palavra, uma vida muito privada. Os maiores casti

gos eram reservados á que profanasse o fogo sagradoou o deixasse apagar. Enterrada viva, expiava n'um tumuloa leviandade por uma morte horrorosa. As vestaes, raríssimas vezes, sahiam em publico ao lado dos Cezares, quandoestes, com grande pompa, subiam ao Capitólio a sacrificar aos falsos deuses.

Vestiam uma roupa talar bem ampla e de muitas pregas e tinham a cabeça coberta por espesso véo. Acabadaa solemnidade, recebiam as homenagens da multidão, reco-lhendo-se, em seguida, ao templo.

Mais felizes mil vezes e mais favorecidas da graça doque as vestaes da Roma pagã, são as Filhas de Mariaque devem manter, dia e noite, a chamma da lâmpada

sagrada. Ora, o azeite que alimenta a lâmpada é o fundosentimento de devoção. Virgem prudente ha de ser a Filhade Maria que trouxer o azeite comsigo, porque a luz nãose ha de apagar e ella irá ao encontro do divino Esposocelebrar, com alegria, as bodas do Cordeiro.

Loucas, muito loucas, hão de ser as que não têm umadevoção solida e verdadeira, porque não perseverarão no bem, e o divino Esposo ha de fechar-lhes a porta, dizendo;«.Em verdade vos digo que vos não conheço.»

Lede, estudae o Evangelho; n'elle encontrareis bellas parábolas referentes a vosso estado; segui as máximasevangélicas, d'onde manam, como da sua nascente, as virtudes christãs que renovaram a face da terra.

Lembrae-vos das bodas de Caná. Maria Santíssima láestava com seu divino Filho. Lá operou Jesus o primeiromilagre, a pedido de sua Mãe. Por seu exemplo, vossa Mãeespiritual vos .ensina a praticar a modéstia e a caridadenas reuniões e na sociedade; por seu exemplo, Maria Santíssima vos ensina a maneira de comportar-vos nas festas,



para as quaes vos convidarem com a licença dos vossos paes.

Congreganistas, pedi ao Senhor que vos livre dasloucuras do mundo, e vos preserve para sempre das vaidades e das illusões do século, dos ardis do demônio, dafrouxidão e da tibieza, pela poderosa intercessão da VirgemSantíssima. Assim como a hera, symbolo da fidelidade,abraça-se, fortemente, ao carvalho e sobe-lhe por graciosas

espiraes pelo tronco, desafiando o vendaval, apezar da suafraqueza, — assim também a Filha de Maria se ha de abraçar á sua Mãe que é forte como um exercito bem disciplinado no campo da. batalha, — sicut acies ordinata.

Lê-se, na mythologia, que um dia houve uma lucta porfiada entre Hercules, filho de Júpiter, que habitava oEmpyreo, e o gigante Anteu, que diziam ser filho da Terra.

Hercules debalde pelejava com o gigante e já deses perava poder vencel-o, quando, por sua felicidade, viu queAnteu recuperava novas forças cada vez que tocava a MãeTerra. Então o deus celeste soergueu o inimigo nos musculosos braços para tirar-lhe o meio de recobrar alento, e oestrangulou com facilidade.

Seja-me licito comparar o heróe da lenda ao demônio

pelejando com as almas consagradas a Maria Santíssima.Attendei, oh Filhas de Maria, em conservar-vos sem

pre estreitamente unidas á vossa Mãe celeste e, por maioresesforços que faça vosso adversário, nunca vos ha de vencer no combate renhido, emquanto unidas estiverdes a MariaSantíssima. O vosso inimigo ardiloso, como o heróe lendário,se empenhará em arrancar-vos ao seio de vossa Mãe; nãodeixeis que o consiga, afim de não lhe cahirdes nas garras.Sede devotíssimas de Maria Santíssima, e não vos esque-çaes de que a devoção para com a Rainha do Oéo é umsignal de predestinação. « Um servo de Maria não perecerá

jamais», disse São Bernardo.Cada dia a Filha de Maria ha de louvar a Mãe celestial,

como o disse o piedoso rei São Casimiro:Omni diedic MariaeMea laudesanima.

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Cada dia a piedosa congreganista meditará nos mysteriös da vida da Mãe de Deus e fará a leitura espiritualn'um livro que trate de sua devoção.

Cada dia deve progredir nas praticas de piedade paracom a celestial padroeira.

Tão numerosas são as modalidades d'esta bella devoção, tão complexo é o culto prestado a Maria, que nunca poderá causar tédio.

Numerosos são os titulos dados pela Igreja á VirgemSantíssima, só na sua ladainha contam-se quarenta e oito

a fornecerem matéria copiosa de meditação variada einteressante.

Venerae o Coração immaculado de Maria; venerae assuas sete dores, symbolisadas por sete espadas; venerae

os sete amores, symbolisados pelas sete rosas que o cingem. Nossa Senhora amou a Deus:

1. ° com o amor de complacência,2. ° com o amor de benevolência,3. ° com o amor de reconhecimento,4. ° com o amor de desejo,5. ° com o amor de amizade,6. ° com o amor de compaixão,

7. ° com o amor de esposa espiritual.Lembrae-vos, congreganistas, da bella sentença de

Santo Agostinho: De Maria nunquam satis. Não podereisnunca louvar bastante vossa Mãe, não podereis jamaisamal-a como merece.

Dizem os santos que Maria Santíssima, a Mãe do bello amor e da doce esperança, ha de coroar com as pró prias mãos os servos que lhe tiverem promovido o culto,construído uma igreja em sua honra, ou escripto um livro para lhe propagar a devoção, e, finalmente, a todos os quese tiverem esmerado em tornal-a conhecida, venerada eamada. •

Esforçae-vos por merecer esta dita singular, para que,um dia, a Rainha das Virgens possa dar-vos com as pró prias mãos a coroa da immortalidade, como fez á sua fielserva—Gemma Galgani, esta verdadeira Filha de Maria.

23



24




.A-pérola,das T7-IrtuLd.es pureza

cieo-emmaGalgani.

S i m i l e e s t r e g n u m c o e l o r u m h o m i n i n e g o -t i a t o r i q u e e r en t i b o n a s m a r g a r i t a s ; i n v e n t a

a u t e m u n a p r e t i o s a m a r g a r i t a a b i i t , e t v e n -

d i d i t o m n i a q u a * h a b u i t , e t e m i t e a r n .

M a t h . 1 3 - 4 5 -

O reino do céo é semelhante a um homemnegociante qtie busca boas pérolas e, tendoachado uma de grande valor, vae vender tudoo que possue e a compra.

pérola, a rainha das jóias encontra-se no fundo do mar, dentro d'umaconcha bivalva, agarrada aos rochedos ; os pescadores, para apa-nhal-a, empregam ingentes esforçose arriscam, muitas vezes, a própriavida.

Assim a rara e bella rainha dasvirtudes está guardada por duasoutras: a modéstia e a mortificação

que, semelhantes ás duas valvas da concha, encerram essethesouro da alma enrista.


http://t7-irtuld.es/






A pureza, semelhante á concha, esconde-se e foge dosolhares indiscretos.

Como as duas valvas da concha fornecem á industriaa madrepérola, substancia nacarada, própria á incrustaçãodos objectos de arte, também as duas guardas da purezaenfeitam e fortificam a alma. E, como as duas valvas daconcha adherem tão fortemente, que é preciso muito tra

balho para separal-as e tirar o thesouro que encerram,também a modéstia e a mortificação guardam, cautelosamente, a pureza.

A modéstia modera certas pequenas paixões, externase desregradas. Prescreve, portanto, regras aos olhos, álíngua, a todos os membros, quanto á decência e aosmovimentos.

Esta virtude não consiste tão somente na composiçãoexterior, deve proceder da composição interior da alma.E' necessário que seja muito cara á Filha de Maria, comofoi cara a Gemma.

Entre muitos outros favores e dons extraordinários, Nosso Senhor concedeu a sua fiel serva a graça de um perfeito desapego das creaturas, de um profundo desprezodas vaidades e de um domínio soberano sobre todos osseus sentidos. Gemma no vestir nunca se sujeitou á tyrannia

da moda e, por isso, pode servir de modelo a algumas Filhasde Maria, porque poucas ha que lhe não sejam escravas,affectadas no vestir e amantes de adornos.

Estas taes não se lembram da palavra de S. Paulo:«Seja conhecida a vossa modéstia de todos os homens,

porque Deus está perto.»O vestuário de Gemma era o mais simples e modesto

possível. Durante toda a vida vestiu preto, sem enfeitealgum, apezar dos motejos e da perseguição das própriasirmãs, que, muitas vezes, lhe exprobravam a excessivamodéstia.

O preto dizia-íhe o que o preto da batina diz ao padre:que a vida christã deve ser uma vida de sacrifícios, demortificação, de renuncia, de abnegação, de luto e de morte

ao mundo.Verdadeiramente, Gemma foi uma joia, foi um onyx,

esta pedra fina de um preto resplandecente.

26



O Padre Germano refere a este propósito o seguinte:«No anno de 1895, Gemma recebeu de um primo um lindorelógio com o respectivo trancelim, bem como uma cruz,tudo de ouro de lei. Em consideração ã pessoa unicamente,e não por vaidade, quiz adornar-se, pelo menos uma vezna vida, e sahiu levando o mimo.

Ao voltar para casa, encontrou o anjo da guarda como rosto irado que lhe disse: «Uma esposa de Christo nãodeve ter outro adorno a não ser os espinhos e a cruz ».Gemma cahiu de joelhos soluçando e, derramando rios de

lagrimas, exclamou: O/t Jesus, perdão! Por amor de Vóse somente para Vos agradar, prometto renunciar para todoo sempre á vaidade e aos atavios, e juro nunca mais pensar riessas misérias nem falar ri essas frivolidades.

Levantando-se, arremessou ao chão a rica dadiva, bemcomo um anel que trazia no dedo desde menina, e pisouaos pés esses objectos de luxo.

Gemma foi fiel á sua promessa, e nunca mais lembrou-se de ataviar-se.

Eis ahi uma bella acção. A modéstia suppõe a mortificação, outra valva da concha que encerra e guarda othesouro da pureza. Esta virtude affecta todos os sentidos:

a vista, o gosto, o olfacto, e também o andar. A mortificação é possível a todos, é inoffensiva, e não esgotta as forças.E' praticável em todos os logares, sagrados e profanos,em todo o tempo, de dia ou de noite.

Tendo lido na vida dos santos que estes conservarama virtude angélica ã custa de grandes mortificações corpo-raes e, sabendo que os que são de Christo crucificarão a

própria carne com os seus vicios e concupiscências, aoexemplo de S. Paulo, Gemma, como verdadeira penitente,castigava o corpo innocente com tanto r igor, usando disci plinas enlaçadas de pregos agudos, que acontecia cahir nochão desmaiada. Por muitas vezes, os confessores foramobrigados a prohibir ou, pelo menos, a moderar tão exces

sivas macerações.Vejamos os santos que engenhosos foram em descobrir

o que contrariasse ã sensualidade. Vejamos como Gemmafoi mortificada em tudo.

27



Diz o autor da sua biographia que os olhos da servade Deus só eram vistos com clareza, quando estava emêxtase; fora destes momentos baixava-os com pudor.

Os olhos são as janellas da alma, por onde entra oladrão, si por acaso as encontra abertas. Gemma sabia quea vista inclinada para o chão eleva o coração a Deus(S. Bernardo).

Quanto ao gosto, Gemma havia alcançado do Senhor, por instancias repetidas, a graça de não sentir prazer algum

na comida. O alimento que tomava era tão pouco, que todosficavam admirados. Também era muito franzina e pequena, parecendo mais nova do que realmente era. De formasgraciosas e bem proporcionadas, a serva de Deus era muitoattrahente, distincta, e cheia de encantos como uma delicadaflor da primavera.

Era tão mortificada, que se privava do odor das florese nunca usou extractos aromáticos e perfumes, perigososincentivos da voluptuosidade.

A santa donzella mortificava a lingua e, um dia, choroumuito aos pés de Jesus, porque, durante uma visita, prestouattenção e tomou parte em conversas que lhe pareciam umtanto mundanas e frívolas. Emfim, sua vida foi de tal modomortificada, que era verdadeiramente um modelo da pureza

de costumes.Em razão de se achar enferma, com frequência e gravidade, era chamado o medico, cujas visitas eram-lhe umverdadeiro martyrio. Ao vel-a assim tão meticulosa emdeixar-se tocar, um medico tomou-a por fanática e tola,

procurando convencel-a de mudar de proceder; mas Gemma,com rara eloquência, fel-o calar, desfazendo-lhe os argumentos, um por um, com grande admiração de quantos

presenciavam o facto. N'uma outra occasião, não quiz ser chloroformizada,

por um admirável sentimento de pudor, supportando,heroicamente, os tormentos de uma cruel operação naespinha dorsal.

O recato que Gemma patenteava em publico, andando

pelas ruas, chamava a attenção de todos; sua modéstia fezexclamar a um empregado da casa de sua tia, que a acom

panhava em suas sabidas : Só ha no mundo nona Gemino.»

28



Um dia, conta-nos o Padre Germano, um primo doGemma, devendo sahir a eavallo, pediu-lhe o favor de buscai1

um objecto de que se tinha esquecido. A serva de Deusannuiu ao desejo do cavalleiro e este, para corresponder a tanta gentileza, lembrou-se de aeari-

cial-a. Debruçado sobre asella, já esten

dia o braço emsua d i r ecção .

Gemma, porém, adivi

nhando-lhe ointento, re-

pe ll iu com ta lforça a mão do

primo, que este perdeu o equilíbrio e cahiu.Este rasgo nosmostra todo o

caracter deGemma, provando que eraum anjo de

pureza, e tam bém revelando

•

mm

Reproduccão de um quadro das Catacumbas, representando Santa Igncz, com

o vestido recamado de jóias.

o cunho particular de sua

vida espiritual : a gentileza para como p r óx i m o e

uma energiaindómita pararepellir as de

monstraçõesde amizade,

por mais innocentes que fossem.

Este exem plo é aindamais admirável pela tenra

idade, poisGemma eraentão uma menina de sete

annos.«E' próprio

das virgens »,

diz S.t0 Ambrósio, « temer toda a conversa e contacto humano, e fugir das oceasiões perigosas ».

Sabendo que o menor hálito embaça um espelho,Gemma evitava, com o máximo cuidado, o contagio que lhe

pudesse offuscar o brilho da innocencia. Sciente de quetrazia a virtude n'um vaso quebradiço e que não podiaconservar a continência, como disse Salomão, sem o auxiliode Deus, todos os dias orava n'esta intenção. Sua mãe quetora uma excellente educadora, lhe tinha aconselhado arezar, todos os dias, très Ave-Marias, afim de conservar illibada a candura. A santa menina nunca deixou passar

2ga -'



um dia, sem fazer estas orações, e nunca omittiu, até amorte, a piedosa pratica ensinada por sua mãe. Prostrada

perante a imagem da Immaculada, de mãos postas, dizia:« O minha Mãe, não consintaes que perca a minha inno-cencia ; recorro a vossa protecção e me colloco debaixo devosso manto materno. Gnardae minha pureza para que

possa agradar a Jesus cada vez mais. »Em conferencias subsequentes, quando desdobrar aos

vossos olhos as virtudes de constância maravilhosa e invicta

paciência que adornava a bellissima alma da serva de Deus,tereis o ensejo de admirar, mais uma vez, a alvura d'estaalma de arminho. Graças á valiosa protecção da Virgemdas virgens, Gemma Galgani, longe de resvalar na voragemtenebrosa do vicio, foi adquirindo uma pureza cada vezmais radiosa. Vereis de que maneira Gemma venceu, fortee corajosamente, os assaltos repetidos e violentos do espiritodas trevas, vereis como olla foi insensivel aos attractivosdo mundo e aos brados alliciadores de pessoas mundanase dissolutas.

A Virgem Maria que sempre ouve as preces fervorosas de suas filhas, preservou Gemma de toda a queda ea livrou de todo o labéu.

A pureza da serva de Deus foi á toda prova; e seu

odor embalsamou a nossa pobre terra, não só allegorica-mente falando, mas no sentido real.

De facto, — cousa maravilhosa!—attestaram as pessoasde sua intimidade que a serva de Deus exhalava uma suavíssima fragrância, mesmo nas longas e penosas doenças.

Era o perfume da pureza d'esse corpo innocente que parecia crystal.

Sabe-se, pelos attestados de seus confessores e directores de consciência, que Gemma nunca manchou a vestenupcial da graça, nem por um salpico sequer da lama do peccado, e que sua alma voou para o céo, pura e innocente,tal qual tinha sahido da pia baptismal.

Espectáculo grandioso e arrebatador é ver-se uma

alma entrar triumphante no reino da gloria, adornada coma mais bella flor do admirável jardim de Deus, uma almaem que resplandece a pureza do coração.

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Tendo-se apresentado um partido vantajoso, sua tiaHelena lembrou-se de transmittir o pedido a Gemma, nãosuspeitando que já tivesse escolhido o caminho do céo queo Verbo incarnado escolheu para sua bemaventurada Mãe.Penalizada, desgostosa, ferida no intimo d'alma, deixouincontinente a casa da tia e voltou para Lucca, preferindoa penúria e as privações do lar paterno ao bem-estar eluxo da casa hospitaleira onde soffrera tamanha decepção!«Esta santíssima alma, illuminada pelo Espirito Santo,comprehendera a superioridade da virgindade sobre qualquer outro estado. Conhecia a felicidade que havia em não1er no mundo outra affeição além da única que, em vez de terminar com a vida, renasce no céo com a immorta-lidade e a gloria. Gemma suspirava pela união divinano paraiso e anhelava, com todas as potencias de suaaima, a ventura d'aquellas virgens, cujo único amor verdura em logar de murchar como os amores do mundo,e se expande, se aperfeiçoa, se completa na eternidade. »(Cardeal Wiseman.)

Lembrem-se as Filhas de Maria das palavras da Imitação de Christo : « Tem o homem duas azas com que se

levanta acima das cousas terrenas : a simplicidade e a pureza. A simplicidade busca a Deus, a pureza o abraça en'elle se compraz. » Não se esqueçam da palavra de NossoSenhor no monte das bemaventuranças : « Bemavenluvadosos limpos de coração, porque verão a Deus. » Para alcançar esta bemaventurança, a exemplo de Gemma, a Filha deMaria recorra áquella a quem a Escriptura chama a Açucena Immaculada dos valles, a quem jamais o peccadomanchou. Disse o poeta portuguez Campo Santo :

« Fúrias que podemDa avernal catervaContra almas purasQue Maria assiste?Quem chama a VirgemCom devota prece

Forte resiste ! »

Nas occasiões perigosas, nas reuniões mundanas, lembrae-vos, congreganistas, das palavras que Gemma, vossomodelo, este anjo em carne, tinha nos lábios:



« Jesus não está aqui, fujamos pois/»« A Esposa dos Cantares», diz piedoso autor, tem as

mãos destillando myrrha que preserva da corrupção; seuslábios são fitas de escarlate purpúreo, signal do pejonas palavras; seus olhares são de pomba, em razão da

brancura; seu nariz está entre os cedros do Libano, madeira incorruptivel. Tal deve ser a alma devota.» Tal deveser a alma da Filha de Maria, fiel imitadora da castissima

donzella que se chamava Gemma Galgani, em que rebrilhou, em suaves esplendores, a rainha das virtudes, a pérolada pureza do coração. Sejam o ramilhete espiritual d'essaconferencia as palavras da Imitação:

« Para erguer nossa, alma, presa Da terra as cousas tão rasas,Temos lodos duas azas:Simplicidade e pureza.»

São Boaventura, o douto cardeal franciscano, com parou também as virtudes que devem adornar a almaenrista ás azas do Seraphim que appareceu ao seu bem-aventurado Pae, S. Francisco de Assis.

Depois de contemplarmos a radiosa pureza, esta aza

direita que erguia ao céo a serva de Deus, Gemma Galgani,na conferencia seguinte, consideraremos a maravilhosa sim plicidade, a aza esquerda, que levava ás alturas do paraisoesta alma de arminho, esta castissima donzella.

Sobre o tumulo de Gemma, coberto de inscripções, pedidos, acções de graças por benefícios alcançados, destaca-se a seguinte prece:

« Querida Gemma, ajuda-me a desterrar os máos pensamentos que me perseguem ».

Piedosas Filhas de Maria! nas vossas difficuldadesespirituaes, nas vossas lutas contra o poder das trevas,chamae pelo nome de Gemma Galgani, porque é doce,querido de Deus e dos anjos e, ao mesmo tempo, terrível,fazendo tremer aos demônios, que tantas vezes foram vencidos pela serva de Deus. Collocae o retrato da castissimaDonzella de Lucca no vosso Manual o no vosso oratório;

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invocae, com fé e confiança, seu nome bemdito, nas horastrabalhosas, porque tem a vir tude particular de, — comomuitas pessoas experimentaram, — afugentar Satanaz e osespíritos malignos que, embora repellidos com energia, nem por isso deixam de tentar os christãos e perseguir de preferencia as almas piedosas.

Embora Gemma ainda não esteja elevada sobre osaltares, e seja prohibido render-lhe um culto publico, pode sei1

invocada nas preces particulares, desde que a causa desua canonização já foi introduzida em Roma, o que se deucinco annos apenas depois de sua preciosa morte. Oh Filhas de Maria, supplicae, pois, a esta virgem prudente

para que, do alto do céo, vos auxilie a guardar a bellaflor da innocencia, de maneira que, a seu exemplo, possaes,

na hora da morte, levar nas mãos o lyr io da castidade1i l l i -

bada. Si Deus vos chama ao estado conjugal,—porque asFilhas de Maria podem escolher o estado que mais lhesconvier,—no matrimonio mesmo, podereis praticar muitasvirtudes excelsas, e sobretudo a fidelidade conjugal. Com-tudo lembrae-vos que o Esj)oso dos Cantares se apresentaentre as açucenas.

Seja Gemma, que mereceu o bello appellido de Virgemde Lncca por suas acrisoladas virtudes, a vossa protectorae advogada!

Si a bemaventurada Anna de Paredes, uma das mais puras glorias da America do Sul, mereceu o bello titulo de Açucena de Quito, cidade do Equador, onde morreu naidade de vinte e seis annos, nossa Gemma merece também oappellido de Flor de Lucca pela fragrância de suas virtudes.

Imitae, pois, o exemplo de ambas, de modo que possaesdizer com o apostolo das gentes: Bônus odor Christi sunms!

Conta-se, na Odysséa, que alguns homens, companheiros de Ulysses, embrenharam-se nos bosques de umailha, levando uma vida material, semelhante a dos animaes.Quando foi hora de levantar ferro, estes homens cabelludos,de longas barbas e unhas crescidas, declararam ao heróeda lenda que tinham resolvido trocar uma vida cheia de perigos e trabalhos por uma vida carnal como a dos ani

maes da selva. A Filha de Maria não pode imitar o máoexemplo representado pela ficção poética de Homero. Pelo

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Gemma Galgani. 3



contrario, a congreganista deve levar uma vida semelhantea dos habitantes do céo, brilhar como uma pérola pela

pureza dos costumes, afim de não parecer com os mundanosque S. Paulo estigmatizou por uma expressão enérgica,chamando-os homines animales, que não comprehendem asdoçuras e delicias da vida espiritual e sobrenatural.

Tão cara é a Deus a pureza, que lhe está promettidauma bemaventurança privilegiada. São as almas virginaesque, vestidas de luz como de uma estola branca, cobertas

de myrtos sempre florescentes, coroadas de gloria e dehonra, triumpham eternamente, cantam junto ao throno deDeus, diante do Cordeiro immaculado, os hymnos melodiososda victoria e os cânticos perennes da suprema alegria.

A serva de Deus, nas suas idas á igreja e nos seus passeios, acotovelava-se com os mundanos que trazem, estam pado na fronte, o negro ferrete de todos os vicios.

Ella ouvia os gritos de alegria e de volúpia dosque, coroados de rosas, sentam-se ao banquete da vida e bebem, ao som de uma musica lasciva, a taça inebriantedo prazer. Seu coração, comtudo, longe de se deixar amol-lecer pelo. espectáculo perigosíssimo d'essas loucuras, cadavez mais, se fortalecia e progredia na virtude. Congregá-

nistas, imitae este bello exemplo!Acabando esta conferencia que vae muito longa, peço-

vos ainda me permittaes exclamar com o autor inspiradoda Sabedoria:

« Oh quão bella é a geração casta, cujo brilho é tão suave! Tem a estima cie Deus e dos homens!»

Oh quão bella e admirável é a Congregação das Filhasde Maria, vencedora das artimanhas do demónio e das milseducções do mundo.

Quão bella é a Pia União, cujos membros se elevamacima dos sentidos, acima das affeições terrestres e carnaes,e vivem uma vida semelhante a dos anjos no céo; porquemereceram a amizade de Deus e a estima dos homens !

Quani pulehra est. casta generatio eum claritate.Quão bella é no céo a coroa de Gemma, em que re

brilha a pérola das virtudes!

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Q U I N TA C O N F E R E N C I A .

O cr 37-3tal. -A. simplicidadedeO-emma

O-alanl.

E t l u m e n e j u s s i m i l e l a p i d i p r e -

t i o s o t a m q u a m l a p i d i s j a s p i d i s , s i c u t

c r y s t a l l u m .

A p o c . 22 .

O seu lustro c semelhante, a ama pedra preciosa, como a pedra de jaspe, d maneira do crystal.

crystal, esta substancia mineraltr ans par ent e que, naturalmente,toma linhas symetricas e formasgeométricas, encontra-se nas cavernas do subsolo.Por sua transparência pode sym-

bolisar a simplicidade e a sinceridade, virtudes evangélicas, tantasvezes elogiadas por Nosso Senhor.

A alma de Gemma era um puro crystal transparentee luminoso, porque era de uma simplicidade e de umaingenuidade encantadoras.

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Pode-se dizer que esta virtude era o característico daserva de Deus, o fundo de sua natureza.

A simplicidade resplandecia-lhe em todo o ser, princi palmente nos olhos que, alem de serem muito vivos, retratavam a belleza interior de sua alma ingênua.

Gemma era simples, em tudo: simples no vestir, noandar, no falar, no proceder, simples finalmente em todo oser, de sorte que se tornou uma menina summamentesympathioa e amável.

A candura infantil lhe concedia um não sei que de

attrahente, conquistando-lhe a estima das mestras, a amizade das collegas e a viva sympathia das pessoas quecom elia se relacionavam.

Diz o autor de sua vida que não se distinguia dasoutras moças, nem por um porte affectado, nem por umamodéstia disfarçada. Na igreja se comportava perfeitamente,testemunhando um respeito e um procedimento raros, semtodavia chamar a attenção de quem quer que fosse, por uma posição singular, ou por gemidos ou suspiros.

Com o máximo cuidado Gemma escondia o segredodo Rei e os dons sublimes de que era favorecida; por issona igreja nunca rezava de modo affectado que attrahisseos olhares; encobria o dom das lagrimas que o Senhor lhe

tinha concedido com abundância.Quando ardorosamente meditava e a santa compuncçãolhe chegava ao extremo, a serva de Deus se contentavaem inclinar-se e cobrir o rosto com as mãos, escondendoassim as lagrimas ardentes que, sem cessar, lhe corriamdos olhos.

Por fora nada transpirava; tudo se passava na intimidade entre Deus e sua alma.

As pessoas visinhas nem de leve suspeitavam que alli, bem perto, estivesse uma grande santa. Ninguém pensavaque Gemma, abysmada em sublimes contemplações, semelhante a Moysés sobre o monte Iloreb, falava com NossoSenhor e recebia communicações celestes. Ninguém imaginava que esta joven tão simples, rezando perante o S.S.

Sacramento, fosse transportada em espirito ãs regiõescelestiaes e ouvisse palavras mysteriosas que a, linguahumana é incapaz de reproduzir. Sua própria companheira

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ignorava as revelações e as visões que tinha n'estemomento.

Para abafar os ardores do amor divino que lhe abra-zava o coração, Gemma fazia esforços sobrehumanos a

ponto de, como ella mesma confessou, ter ás vezes febre.Um dia, depois da santa communhão, o fervor chegou

a seu auge, e, não podendo mais se conter, Gemma teve





uma longa syncope. Muito penalizada, a serva de Deusfalou docemente ao divino Esposo de sua alma, que não

permittisse jamais renovar-se tal accidente, que moderasseas chammas de caridade durante a acção de graças, afimde nunca mais repetir-se um deliquio que pudesse patentear o excesso de sua devoção, e trahir o ardor das chammasque lhe incendiava o coração.

A serva de Deus era cheia de candura para comDeus, para com os anjos e os santos que lhe appareciama miúdo; falava com o anjo da guarda, com uma simplicidade que encantava.

A' noite, quando ia se recolher, tomava-lhe a bençamcomo uma filha bem comportada toma ao pae querido. A'svezes pedia ao anjo que a persignasse na fronte e velasseá cabeceira de sua cama.

Quando acordava e o enxergava no logar de vigia,sorria-lhe amavelmente, sem comtudo lhe prestar muitaattenção, porque tinha pressa em ir á igreja fazer a meditação e ouvir a santa missa.

Nas sextas-feiras, passados os êxtases, durante osquaes soffria os tormentos da Paixão, banhava o rostocheio de sangue, lavava as mãos afim de fazer desappa-recer os vestígios dos estygmas, e voltava aos seus, risonhae alegre, a conversar, a brincar com as crianças de D. Cecília Giannini, como si nada tivesse acontecido. Oh santasimplicidade! Aos seus olhos, estas manifestações sobrena-turaes não passavam de cousas muito simples.

Era tão cândida e tão ingênua, que nunca se lembrousequer de perguntar a si própria o que tudo aquillo significava.

Que admirável candura a d'esta menina, nunca seimpressionando em presença de graças extraordinárias!

Qual a pessoa que, em seu logar não teria duvidas enão diria comsigo: Será isto um favor de Deus, um acontecimento milagrosoV ou uma astúcia do demônio? umeffeito da illusão?

Em abono da verdade convém confessar que, emcertas occasiões excepeionaes, sua grande humildade per

turbava-se, principalmente quando notava a perplexidadee a duvida visivelmente estampadas no semblante dos

parentes e conhecidos. Todavia, o vivo desejo de se con-

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formar, humilde e simplesmente, com o modo de ver e de pensar do pae espiritual a quem tudo confessava, traziam-lhe, immediatamente, o socego de espirito.

A serva de Deus era de igual candura nas relaçõessociaes. N'ella não havia a sombra de hypocrisia ou defalsidade; n'ella não havia fingimento algum. Como a Es

posa dos Cantares podia dizer: Sou a flor dos campos.Sabe-se, com effeito, que, n'estes nossos tempos moder

nos, chegou-se a falsificar tudo, até as flores.

O horticultor parisiense Vilmorin, graças a certos processos scientificos de selecção e de enxertadura, que por signal foram inventados por um frade, grande amigo dasflores, o abbade Mendel, transforma as obras de Deus,mudando a côr das flores, augmentando-lhes o numero das pétalas, dando-lhes um cheiro différente, alcançando emfim plantas de odores compostos e de matizes desconhecidos.

Gemma não era uma d'essas flores de estufa, falsificadas e artificiosas, com corollas dobradas; não, era averdadeira flor dos campos, simples como a rosa brava,de pétalas singelas, que adorna a gruta de Masabielle, naquala Virgem de Lourdes appareceu a Bernadette.

Sem ser grosseira nas relações sociaes, e sem trans-gredir jamais as regras da civilidade e da bôa educação,Gemma não poude acostumar-se nunca á civilidade requintada, que não é outra cousa sinão a duplicidade imposta

pelas chamadas «conveniências sociaes».A serva de Deus era singela no falar, franca e sin

cera; nunca disse uma d'estas inverdades, embora innocentes,que são o património da diplomacia e da pragmática. Tãonatural era-lhe a -sinceridade, que parecia uma criançaingénua, lastimando do fundo do coração a hypocrisia dosmundanos.

Conhecendo perfeitamente a lingua franceza, não deviaignorar os versos do hymno que se canta no retiro:

Tout ri est que vanité,

Mensonge, fragilité,.... , Dans, tous ces objects divers,Qri offre à nos regards V Univers.Tous ces brillants dehors, cette pompe,

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Ces biens, ces trésors, tout nous trompe,Tout nous éblouit,

Mais tout nous échappe et nous fuit!

Não ha siiião vaidade,Engano, fragilidade,Embora seja diversoO quanto apresenta o universo.Todo esse brilho vão, esse encantoQue nos prende assim tanto e tanto , .E que nos seduz

Breve, breve em pó se reduz.Disse o naturalista Buffon que, pelo estylo, se pode

formar conceito sobre alguém: Le style c'est l'homme, — ohomem se retrata no estylo. Pode se julgar pelo estylo deGemma, estylo simples, correcto e fluente, o natural simplese bom da serva de Deus.

O Padre Germano enfeixou n'uni bello volume umgrande numero de cartas que Gemma escreveu a diversas pessoas, sobre assumptos exclusivamente espirituaes.

As cartas que escreveu ao seu director têm o cunhoinconfundível da sinceridade; o estylo não é pomposo,mas de grande naturalidade e de uma candura que enleva.

Gemma não usa nas correspondências introducções

emphaticas e ocas, nem tão pouco protestos patheticos deestima, que a moda introduziu no estylo epistolar moderno ;suas cartas tem a concisão e os bons moldes de Cicero.

Attesta o director de sua consciência que lhe era umverdadeiro prazer guiar uma alma tão simples, tão ingénuae despretenciosa, expressando-se com uma sinceridade decriança sem rodeios nem subterfúgios.

Ninguém julgue, entretanto, que esta virtude fosse, da parte de Gemma, o effeito da rusticidade ou da tolice, com-mum ás pessoas pouco illustradas; não, a nossa santa eradotada de uma intelligencia viva e perspicaz.

Tinha um génio alegre e expansivo, sendo, ii'uma palavra, uma menina dotada das mais bellas qualidades,a par de uma primorosa educação.

Muitas pessoas piedosas recorriam-lhe ás luzes e pediam-lhe os conselhos. Gemma escutava-as com attençãoe respondia-lhes com a maior simplicidade e franqueza,

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conquistando, d'esté modo, a sympathia e grat idão dequantos a procuravam em suas duvidas o necessidades

espirituaes. ÍA sinceridade infantil era, portanto, o fructo de uma

virtude acrisolada, e a consequência das convicções religiosas. Sabia que a simplicidade agrada a Deus que «gostade falar ás almas simples», aos olhos do qual a astúciaé uma abominação. Jesus podia dizer de Gemma o quedisse de Nathanael: «Eis aqui um verdadeiro Israelitaem quem não ha dolo.» ;

Mirem-se n'este espelho de puro crystal as Filhas deMaria, e vejam si, por ventura, encontram em suas almasa negra mancha da astúcia, que tanto desagrada a NossoSenhor. Quantas vezes o meigo Salvador não vituperou ahypocrisia dos phariseus! «Ai de vós, dizia elle, que sois semelhantes ás catacumbas caiadas por fora e pelo exterior parecem lindas aos olhos, e encerram, todavia, nointerior ossos corroídos e podridão. Si não fordes sim

ples e innocentes como as crianças, não entrareis no reinodo céo.» Não temaes, Filhas de Maria, os motejos dómundo, que ridiculariza a simplicidade do justo.

O mundo cheio de enganos e preconceitos, tristesfructos da cegueira, quando chega ao paroxysmo da paixãoou ao cume da ignorância, não trepida em querer permutar os peores vicios em bellas virtudes, diz o Papa S.Gregorio.

Este doutor da Igreja, um dos melhores moralistas,que bem conhecia as chagas asquerosas corroedoras da

sociedade, explanou perfeitamente as palavras de Job :« Diridetur justi siniplicitas, — zomba-se da simplicidadedo justo.»

« As verdadeiras noções são intervertidas, os nomes devirtudes e de vicios são trocados, voluntariamente. Os viciossão considerados como predicados. A' duplicidade dá-se o

bello nome de sabedoria, á astúcia o nome honroso de civilidade e á mentira o de urbanidade.

. . . . . . . * <

Aos olhos do mundo a simplicidade é uma loucura, aingenuidade uma tolice, emquanto a duplicidade e hypocrisia são virtudes sociaes.



Os meninos aprendem esta philosophia errônea.nasescolas, e pagam aos mestres e sophistas que ensinam taes

monstruosidades. Os falsos sábios dotados de tal sciencia,deturpadora do sentido das palavras e adulteradora daverdade, são cheios de orgulho e desprezam os mais.»

Não vos deixeis enganar pelos preconceitos humanos,, e tantos outros sophismas de que Job se queixava ha tresmil annos atraz.

Não vos deixeis illudir pelo espirito perverso domundo, que Nosso Senhor tantas vezes reprovou comenergia.

Escutae o sábio conselho de S. Francisco de Salles:«Seja a, vossa linguagem sincera, lhana, ingênua e fiel;

guardae-vos da duplicidade, porque o Espirito Santo nãohabita rium coração fingido e dobrado.» (Sap. 5.)

A prudência mundana e carnal pertence aos filhos doséculo, mas os filhos da luz caminham sem rodeios nemdissimulação. O ministro Talleyrand repetia aos diplomatas,seus collegas, esta phrase machiavelica: «A palavra foidada ao homem para dissimular o pensamento.» Quehorror!

São Thiago nos ensina a sabedoria verdadeira, quando

nos diz que devemos falar sem disfarce e com franqueza:sim, sim, e não, não. Dizei com o propheta-rei: «Senhor, ponde guarda em minha bocca e uma porta que cerremeus lábios, afim de que meu coração não lenha palavrasmaliciosas para desculpar o peccado.»

Dizei cada dia esta curta oração da Tmitação deChristo: «Na singeleza do meu coração, offereço-me hoje aVós para vos servir, Senhor; perpetuamente^ vos obedecer e me immolar a vossa gloria.»

Não seja a Filha de Maria, semelhante a esphyngelendária, o monstro mythologico, que tinha cabeça de mulher e devorava os viajantes que não adivinhassem os enigmasque lhes propunha.

No rosto da Filha de Maria, deve resplandecer a sim plicidade e innocencia que agrada a Deus e aos homens.

Attendei á Verdade eterna que vos diz: «Sede sim ples, como a pomba. > — « Si os teus :olhos forem simples,todo o teu ser estará na luz.»

m 4 2



Sede cândidas a exemplo de Gemma que tinha sem pre um sorriso franco nos lábios. Sejam vossas palavrasa pura expressão dos vossos pensamentos.

«Andae perante o Senhor na simplicidade de vossocoração e na singeleza de vosso espirito.»

Praza ao céo que possaes dizer como Santa Agueda:«Ingênua, sum e de spectabili genere, —sou in gên ua

e de clara estirpe.»Sirvam estas palavras da gloriosa martyr de ramilhete

espiritual a esta conferencia. Oh quão bella é a singelezano serviço de Deus!

A industria moderna imita com tanta perfeição as jóias, e produz brilhantes falsos com tanta pericia, que, ásvezes, os própr ios ourives se enganam. Filhas de Maria,desprezae as virtudes falsificadas e baratas, ornae as vossasalmas de jóias verdadeiras e caras. Adquiri a simplicidade,o crystal de rocha genuíno, de limpidez perfeita; rejeitaea hypocrisia que não passa de um simples vidro talhadode facetas enganadoras e de falso brilho. Esforçae-vos por adquirir, em continua diligencia, a simplicidade evangélica,copiando, em vossas almas, a candura e simplicidade deGemma, vosso perfeito modelo.

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S E X T A C O N F E R E N C I A ,

IDeroçaodeG-emmaG-alganiaoSan

tíssimoSacramento.

I n n o c t i b u s e x t o ll i t e m a n u s v e s t r a s

a d s a n c t a e t b e n e d i c i t e D o m i n u m .

( P s - 1 3 3 )

De noite levantae as vossas

mãos para o santuário e bem-dizei ao Senhor.

E M E L H A N T E ao girasol que volvea corolla estrellada segundo a direcção do astro-rei, Gemma quemereceu ser chamada a flor deLucca como Santa Rosa, a gloriosa

padroeira do Peru, foi a flor deLima, voltava de dia para o tabernáculo a mente e o coração, e denoite quando acordava, o que lhe

acontecia muitas vezes, segundo o pedido do rei David,levantava as mãos innocentes na direcção do sacrário e

Á §2*

45





bemdizia ao Senhor de Sião. Parece que Deus tenhasuscitado a sua fiel serva para exemplo de veneração aoSantíssimo Sacramento, n'este tempo moderno em que acaridade esfriou e tanta falta se está sentindo da verdadeira piedade. A piedosa menina, illuminada pelas luzes doEspirito Santo, chamava a Eucharistia a escola celeste. « O

professor, dizia ella, é Jesus. A sala de estudos é o cenáculo, e a lição ê o Corpo e o Sangue do Salvador.» Chamava a communhão o paraíso de Jesus.

Sahindo de casa, apressada, dizia a quem lhe pergun

tava para onde ia: Vou a Jesus. O pobre Jesus está só eninguém pensa ri elle. Estas e outras expressões são verdadeiras palhetas de ouro, lapilli limpidissimi, como diriamos escriptores romanos.

Todas as tardes, dirigia-se, a passos rápidos, á igreja para fazer a visita ao Santíssimo Sacramento. Uma vezchegada aos pés do altar, adorava com profundo respeitoo Coração Eucharistico, que palpita no sacrário; os olhosfitavam o tabernáculo, onde reside Jesus Sacramentado; osemblante se lhe transfigurava; doces lagrimas lhe deslizavam pelas faces, de maneira que, n'esta immobilidade e posição extática, Gemma parecia um anjo em adoração.

Como o psalmista, podia exclamar:Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos

exércitos ! A minha alma suspira e desfallece pelos átrios do

Senhor; o meu coração e a minha carne se regosijaramno Deus vivo.

Ainda o passarinho acha casa para si, e a rola ninho para collocar os filhinhos, (a minha morada são) osteus altares, Senhor dos exércitos, liei meu e Deus meu.

Bemaventurados, Senhor, os que moram na tua casa; pelos séculos dos séculos te louvarão.

Bemaventurado o varão que de ti espera soccorro,que.dispôz elevações no seu coração, ri este valle de lagrimas, no logar que Deus destinou para si.

Porque o legislador lhe dará a sua bençam, irá devirtude em virtude; será visto o D eus dos deuses em Sião.

Senhor Deus dos exércitos, attende a minha oração:volta-me os teus ouvidos, ó Deus de Jacob.

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O* Deus, nosso p?*otector, olha para nós e põe osolhos no rosto do teu Christo.

!; Porque melhor é um dia nos teus átrios do que milhares (em palácios reaes). Escolhi estar abatida na casado meu Deus a morar nas tendas dos peccadores.

Porque Deus ama a- Misericórdia e a verdade: oSenhor dar d a graça e a gloria.

4?





Não privará de bens aquelles que andem em inno-eencia. Senhor dos exércitos, bemaventurado o homem queem ti espera.

A adoração se prolongava principalmente na quintafeira, por occasião da Hora Santa, que era a devoção predilecta da serva de Deus.

Era a hora mysteriosa em que as trevas crepusculares enchem o templo silencioso, hora do lusco-fusco. A luzda lâmpada dourada, em frente do Santíssimo, scintillavae, de instante em instante, illuminava a abobada, as cornijase os frizos pintados. A alma de Gemma, como a luz bru-xoleante da lâmpada, consumia-se nos ardores do amor divino. Do seu coração abrazado em celestes chammassahiam centelhas como estas:

Ó Jesus, alma de minha alma, hóstia santa, eis-meem vossa presença! Aqui estou. Abri-me o vosso Coração,

Jesus, para, nelle depositar todos os meus affeclos! Abri-me, ó Jesus, o vosso Coração!

Ah, encontrei, Jesus, a vossa habitação, habitues naalma que haveis creado á vossa imagem, na alma quevos ama e vos deseja.

Quisera que o meu coração não palpitasse, não vivesse, não suspirasse sinão por Jesus . . .

Muitas veses estive a considerar si haveria na terra

um objecto, a que pudesse dirigir os affectos; porém, nãoacho nenhum, nem na terra nem no céo, a não ser somenteo meu amado Jesus. Todavia, tantas vezes entreguei-me ásinsulsas dissipações da terra! Oh quantos os que se perdem

pelas vaidades do mundo! São loucos deveras. Si pensas sem em Jesus, Jesus lhes mudaria os corações, affectos, sentimentos, snsjriros; e si experimentassem, um só instante,a. consolação que se prova em estar com Jesus, aposto quenão se aventurariam mais a perdel-o ....

Meu Deus, meu Jesus, meu Salvador!...Quisera sempre arder, quizera por Vós sempre palpi

tar, quisera viver, quisera morrer de puro amor... sus piro pelo momento de atirar-me aos braços do meu Jesus...

Ó santo amor, me inflamma! ó santo amor, meinflamma! Tudo me enfada, tudo me penalisa; não ha

4 8

•



objecto que deseje neste mundo; somente suspiro pelo amor celeste. . . somente a eile amo.

O santo amor, inflamma-me, outra, cousa, não querode ti.

Quisera emfi/m que, após a minha morte, todos dis sessem : «Gemina foi uma victima de amor e morreuvictima de amor», afim de que todos amassem a Jesus . ..

Não quero que ninguém me exceda no amor de Jesus-.

Dilate-se sempre o santo reino do amor de Jesus, afimde que todos o amem perfeitamente.Disso o psalmista: « Cahiu do meu coração, com grande

Ímpeto, uma palavra bòa, — eruetavit cor meum verbumbonum.» (Ps. 44.) «A graça se derramou nos teus lábios >.(Idem.)

Com effeito, fala a bocca de que o coração está cheio.• Os bellissimos affectos que acabo de transcrever, brotaram

do coração amante de Gemma como jorram da fonte crystallina os arroios, com doce murmúrio, a correr entre alvosseixos.

Ó Coração de Gemma, puríssima fonte de admiráveisaffectos! coração tão semelhante ao Coração de -Jesus!

Assim como do th uri bulo sae o fumo do incenso em cheiroagradável— si cu t virgueta fumi, ex aromatibus, — assim docoração de Gemma brota a oração de fragrância suavíssima.

Ó coração de Gemma, thuribulo de ouro!Como em certos paizes, dimanam do interior da terra

jactos intermittentes de agua quente, assim também docoração de Gemma fluem, com impetuosidade, aspiraçõesardentes.

0 coração de Gemma, todo abrazado de amor! coraçãotão semelhante ao Coração de Jesus!

Ó coração de Gemma, a teu exemplo possa nosso pobre coração inflammar-se na oração perante o Santíssimo

Sacramento, e tornar-se semelhante ao Coração de Jesus!Dizia Gemma a miúdo:«Não comprehendo como quantos se acham em pre

sença de Jesus Sacramentado e não ardem. Parece-me que

49

Gemma Galsani.



alguém que fique, pelo menos um quarto de hora, em adoração diante do tabernáculo, deve ser reduzido a cinzas.»

Ao escrever a uma amiga, accrescentava: «Vamos aJesus, perante o seu tabernáculo, alli quero encontral-a ;amanhã, perto do Coração Eucharistico, cheio de ternura,alli conversaremos, alli Jesus nos abençoará, não falte aoconvite ! »

Tão viva era a fé desta piedosíssima menina que, paraella, os mais profundos mysteriös eram, para bem dizer,

realidades visíveis e palpáveis, sem estarem envolvidas desombra e véos como se nos apresentam.A vista penetrante da simplicidade e da pureza, avi

vada ainda por luzes e irradiações sobrehumanas, chegavaaté o fundo do mystcrio ineffavel da Santíssima Eucharistia;seu olhar agudo penetrava as profundezas d'esté oceanode amor sem limites, descobrindo n'elle thesouros invisíveisaos nossos olhos.

Não é verdade que, quando queremos adorar o Deusencoberto dos altares, devemos fazer appello a todas as

potencias de nossa alma e ás virtudes theologaes paracrermos, adorarmos e recolhermos nosso espirito frio edistrahido? Quem de nós não experimentou esta laboriosaapplicação? A Gemma, porém, bastava prostrar-se perante

Jesus sacramentado para que, immediata e espontaneamente,o percebesse, com todo seu ser, descoberto e sem véo,sobre o altar. Seu coração percebia Jesus Hóstia, sua almao contemplava. Os sentidos de seu corpo distinguiam perfeitamente todo seu ser, o corpo e a alma, e ficavam em

jubiloso extase de amor, em presença d'esta dulcíssimamajestade. Cabiam as barreiras do tempo e do espaço, eGemma sentia-se transportada aos confins da existência, atéo seio do Infindo.

Todos os seus affectos eram concentrados n'este santuário amabilissimo, onde a divina humanidade palpita emunião harmoniosa com a pobre creatura.

A devoção do Santíssimo Sacramento é muito com plexa e pode ser encarada sob diversos pontos de vista.

A luz solar que apresenta somente uma cor, sedecompõe em sete cores bem distinctes, quando é refractada

pelo prisma de crystal, ou por uma nuvem; assim também



o Santíssimo Sacramento, examinado pelo prisma da fó,offerece á alma devota sete aspectos e sete pontos de meditação.

Ou sinão vejamos:1. ° o sacrifício incruento e memorial da Paixão do

Senhor ;2. ° a communhão sacramental;3. ° o viatico;4. ° a pre senç a real no tab ern ácu lo;5. ° a exposição privada ou solemne na procissão e na

be nç am ;6. ° a communhão espiritual ;7. ° a santa mesa, traço de união entre os fieis.Pode-se examinar a sagrada hóstia por outras faoes;

quiz apenas apontar as principaes.

Temos analysado a devoção de Gemma Galgani, aoCoração Eucharistico de Jesus, verdadeira e realmente

presente no Sacramento dos nossos altares, temol-a contemplado, semelhante a um d'esses chérubins de ouro, queestendiam as azas largamente abertas por sobre a arca dotestemunho, em attitude de profunda adoração ; resta-nosconsiderar a sua piedade e seu fervor na recepção sacra

mental do Pão angélico.E' na communhão que o amor divino chegou a seuapogeu, e na união sacramental é que a devoção da servade Deus chegava também ao seu auge.

Suspirava pela communhão , a ponto de sentir asanciãs de uma verdadeira fome do Pão consagrado. Seucoração amantíssimo vibrava de anhelos de comer o manáceleste; como os Israelitas do deserto, madrugava para ir colher este alimento saboroso que cae do céo como um

precioso orvalho. Depois da communhão sagrada, o profundo paroxysmo do sentimento devoto, o antegosto dagloria futura, cedia logo a um transbordamento de affectos,mal represados pela majestade divina, como os filhos em

presença de um pae amado que chega em casa depois delonga ausência, rompem todos os diques de respeito e dãolivre curso ás emoções tumultuarias que sua chegadafez nascer.



Semelhante ao apostolo predilecto, S. João, Gemmadescançava a cabeça ardente sobre o peito de Jesus. Esteapostolo revelou a S. Gertrudes que, na ultima ceia, reclinado sobre o peito do Salvador, ouviu as palpitaçõesharmoniosas do Coração divino, cuja doce melodia lhe penetrava até a medulla da alma.

Também a serva de Jesus escutava os batimentos doCoração amantíssimo humanado e sacramentado.

Por sua vez, Jesus o doce Esposo da alma pura,

estava verdadeira e realmente presente no peito de Gemmacomo n'um throno de gloria, cercado cie cem anjos, e derramava, em torrentes de luz, a força, a vida sobrenatural eos dons mais preciosos sobre a alma bemaventurada d'estafilha da terra que aspirava ao céo!

Desde muito criança, Gemma commungava tres vezes por semana, e o teria feito mais a miúdo, si o confessor otivesse permittido. Pouco tempo depois de deixar a escola primaria, começou a fazer a communhão quotidiana quenunca mais havia de interromper até o dia de sua morte.O divino Kedemptor achava as suas complacências nascommunhões fervorosas de sua serva. En? paga d'esta devoção, cumulava-a de benefícios espirituaes e de muitos

favores sobrenaturaes. Gemma soboreava esse Pão divinoque encerra todos os sabores mais finos: Omne detecta-•mentum in se habentem. Com a ingenuidade que lhe era peculiar, confessou que a doçura saboreada não era somenteespiritual, mas também material. A's vezes a sagrada hóstiase lhe derretia na bocca como um favo de mel; outras vezes sentia o gosto de sangue cheiroso como o néctar. « Rev.

Padre, dizia ella, si Deus continuar assim a me favorecer com estas graças sobrenaturaes, não tardarei em morrer de amor.-»

Lemos na vida de S. Estanisláo Kostka que, sendoimpossibilitado pela doença de ir pessoalmente á igreja

para commungar, Deus mandou um anjo administrar-lhe

este admirável sacramento. Parece que Nosso Senhor feza mesma mercê ã sua fiel serva. Uma testemunha ocular conta o seguinte: « Na manhã da sexta-feira, o corpo deGemma apresentava um aspecto horrível. Parecia todo uma



chaga. A mystica donzella tinha experimentado, milagrosamente, e pela primeira vez, a flagellação de Nosso Senhor.

Por isso não consenti que se levantasse. A menina obedeceu de bôa vontade e preparou-se para fazer a commu-nhão espiritual. E logo ficou absorta em Deus, tendo umêxtase. Vi como levantou as mãos, segundo tinha o costumede fazer quando ia commungar. Seu rosto transfigurou-se.De repente abriu a bocca, pôz a língua sobre o lábioinferior e a retirou incontinente, fazendo em seguida aacção de graças, sem todavia recuperar os sentidos».

Possa a serva de Deus servir de exemplo e de esti

mulo, a todas as Filhas de Maria na devoção ao SantíssimoSacramento, que deve occupar a primazia nas devoções.Possa o exemplo de Gemma animal-as á recepção frequenteo quotidiana da Santa Eucharistia, satisfazendo assim oardente desejo de Nosso Senhor. Santa Thereza, na suaexplicação da quarta petição do Padre Nosso, diz que jamais se convencerá de que Jesus Christo quando ensinoua rezar esta bella oração, pudesse falar apenas do pãomaterial, necessário ao alimento do corpo. N'isso a illustreVirgem de Avila que mereceu o titulo de Doutora daIgreja por sua rara sciencia, está de accordo com muitostheologos e mestres da vida espiritual. No Evangelho deSão Matheus lê-se: Panem nostrum supersubstantialem,— o pão nosso, que ê sobre toda a substancia, nos dae hoje.

Segundo este evangelista parece bem que Nosso Senhor refere-se ao Pão consagrado, na divina Eucharistia, queserve de alimento ás almas. 'Nosso Senhor», acerescenta aseraphica reformadora do Carmo, «sem duvida alguma, ensinando a dizer o pão nosso de cada dia nos dae hoje,falava da communhão quotidiana».

Mil vezes ditosa a Filha de Maria, a congreganistafiel e devota que comprehende e adora a bondade de umDeus escondido e anniquilado entre as brancas pétalas dasaçucenas eucharisticas, para alli ser encontrado e colhidocomo verdadeiro néctar divino, pela alma devota que por ella suspira, como suspira o cervo sequioso pelo frescor dafonte. «Vinde a mim, exclama Jesus, vinde a mim todosvós que tendes fome e sede inextinguível da felicidade, eeu vos tornarei satisfeitos ».

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Feliz a Filha de Maria que ouviu a voz do Papa PioX, de santa memoria, incitando, com tanta instancia, oschristãos a commungarem quotidianamente. Este santoPontífice, para facilitar a recepção frequente deu novasnormas, e exigiu apenas duas condições para se poder commungar todos os dias:

1. a estar livre de peccado mortal;2. " ter uma intenção recta.Por este decreto, portanto, ficaram abrogados e annul-

lados os ensinos dados anteriormente, que exigiam, paraa communhão frequente, a isenção de peccados veniaes edo apego aos mesmos. Quem está n'estas condições podefazer todos os dias a communhão, não tendo peccado gravee possuindo a recta intenção, isto é, recebendo o Santíssimo Sacramento por piedade e não por motivos humanos,como sejam a vaidade, o habito, o desejo de alcançar louvores ou favores. Si a Filha de Maria conhecesse o domde Deus, diariamente iria soffrega, a exemplo de Gemma,commungar com devoção. Para alcançar esta preciosa graça,a Filha de Maria tem que recorrer a Maria Santíssima,como fazia Gemma. Esta Mãe celeste achava também ascomplacências nas communhões da sua querida filha e aacompanhava visivelmente á mesa eucharistica.

«Ah que delicia/ exclama Gemma, quanto ê bello commungar em companhia da Virgem Tm maculada,'» Segui, pois, o exemplo de Gemma, e embora não sejaes dignas dever com os olhos vossa Mãe do Céo, ella vos acompanharáao banquete divino, si lhe pedirdes este favor.

Assim por Maria ireis a Jesus, segundo a divisa deum grande devoto da Virgem Maria, o BemaventuradoLuiz Grignion de Montfort, — ad Jesum per Mariam.

Além da preparação immediata que deve preceder acommunhão, cuidae, ó Filhas de Maria, em praticar asvirtudes proprias do vosso estado, sobretudo a pureza,afim de tornar-vos menos indignas da communhão diária.Diz a Escriptura Sagrada que os pães do tabernáculo,

postos sobre a meza dourada da proposição, só podiam ser dados em comida áquelles que tinham guardado continência.Que pureza não será necessária a quem pretenda comei' o

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Fão dos anjos, do qual os pães da proposição eram apenasa sombra e a figura!

As Filhas de Maria, para desaggravar a Jesus datibieza de tantos homens ingratos, devem também fazer acommunhão reparadora. Conta-se no livro chamado Legendedorée da Alsacia que um judeu roubou a rica custodia daCapella de Nossa Senhora das très Espigas e, chegado ámatta, lançou no chão a sagrada hóstia. Um enxame deabelhas veiu logo voando e em pouco tempo fez, de alvacera, ao redor da hóstia consagrada, uma linda custodia.

Semelhante áquellas abelhas diligentes, as devotas Filhasde Maria consolem o Coração eucharistico dos attentados esacrilégios dos mãos christãos e dos herejes, offerecendo-se,a exemplo de Gemma, como victimas expiatórias peloscrimes dos homens.

A's congreganistas compete praticar e propagar acommunhão diária que é, como diz o piedoso Monsenhor de Ségur, o preservativo suave e poderoso do espirito defé, de oração e de recolhimento interior, de desapego christão,da santa pureza, da humildade, da mansidão e da paciência.A communhão frequente é o foco do zelo, do fervor, doamor á Santissima Virgem, da dedicação ao Papa e ãIgreja, da caridade para com os pobres, a alegria da peni

tencia e do sacrifício; finalmente a co mm unhã o diá ria é osegredo da paz da consciência, é a vida e o sustentáculodo christianismo inteiro. Adoremos, pois, veneremos estesacramento, que é, consoante á bella expressão de S. Bernardo, o amor dos amores da parte de Deus. «Isto já nãofoi amar», diz um orador portuguez, «foi derramar sobrenós todas as opulências, todas as riquezas, todo o thesourode brilhantes de seu incomparável escrinio. »

Escutae a voz que sae do tabernáculo; todos os dias, Nosso Senhor vos repete as palavras da Escriptura : Minha filha, dá-me leu coração. Quœsivi qui simul eon-tristaretur. .. Consolante/m quœsivi. — Procurei quem partilhasse meu soffrimento, procurei quem me consolasse.

Dizem que o pintor Battoni, executor do artístico quadro do Coração de Jesus da igreja do Gesú em Eoraa,tomou por modelo um d'estes numerosos mendigos que pedem esmolas á porta das basilicas romanas.

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O artista, que era um christão fervoroso, quiz fazer entender, por este symbolo tocante, que Jesus é o mendigode amor! Jesus é representado n'esse quadro bem conhecido com uma attitude expressiva de supplicante: a mãoesquerda apresenta o Coração, a palma da dextra estáaberta e estende-se para nós como para mendigar.

Qual a Filha de Maria que negue satisfazer o pedidode tão amável mendigo ?

Attendam as Filhas de Maria em propagar a devoçãoao Divinissimo Sacramento que tão cara foi a Gemma, eem formar a guarda de honra do amoroso prisioneiro dosnossos tabernáculos.

Louvado, adorado, amado seja, a todo momento, oDivinissimo e Santíssimo Sacramento. Amen.

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S É TI M A C O N F E R E N C I A .

Umaametliysta. —Oespiritodeoração

eauiiião

comZDeixs d.e0-em.m.aG-algani.

In tertio versu erat amethystus.(Êxodo.)

A terceira ordem das finas pedrarias que brilhavam no racional pontifical do grão-sacer dote, destacava-se a amethysta, bel la pedra

roxa, que ainda hoje brilha engastada no annel do Bispo.

A amethysta é uma pedra mysticae espiritual, que pode symbolisar oespirito de oração, visto que é o

distinctivo do Antistite, o homem de oração por excellenciae cuja funcção, como a do summo sacerdote da antiga lei,é presidir á reunião dos fieis na casa de oração.

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Gemma tinha recebido, com abundância, a plenitudedo espirito de oração de que fala Isaias: Effundam super domum Israel spiritum preeum. Ella foi uma alma querenovou, nos tempos modernos, os prodígios da alta contemplação dos tempos medievaes de S. Gertrudes e deS. Mechtildes, elevando-se, por vezes, ás alturas vertiginosasde S. Thereza, a illustre Virgem de Avila.

O frade Giovanni de Fiesole, pintor toscano e conterrâneo de Gemma de Jesus, representava, na tela, comtanta perfeição os anjos, dando-lhes tão bello colorido, quemereceu o appellido de Fra Angelica, o pintor dos Anjos.

O artista, que era também um santo, frequentemente via-searrebatado, pela contemplação, ao throno de Deus, cercado

pelos nove coros dos anjos. Então, tomando o pincel, re presentava o que tinha visto no céo, mostrando uma multidão de anjos, uns tocando instrumentos, outros sustentando thuribulos, esses eram ceroferarios, aquelles, acolythosou diáconos.

Gemma pertencia aos anjos thuriferarios, anjo carnal,que, sem cessar, balouçava o thuribulo perfumado, d'ondese escapavam as nuvens do odorífero incenso de suas orações. Ineensum istud a te benedictum, ascendat ad te, Domine, et descendeu super nos misericórdia tua.

Diz o vidente de Pathmos, que o incenso queimadonos thuribulos dos anjos são as orações dos santos, asquaes sobem, em volutas odoríferas, até o throno do Altíssimo. A Igreja catholica conservou tão gracioso symbolismoem sua sublime liturgia e ceremonias tocantes.

Falando do espirito de oração que animava Gemma,escusado é dizer não querer alludir ã oração vocal com-mum ás pessoas pouco adiantadas na santidade, nem tão

pouco á oração machinal commum ás pessoas ignorantes,em que os lábios desempenham a principal funeção. D'essas pessoas Nosso Senhor diz que «têm o nome de Deus noslábios, emquanto o coração está, muito longe».

Pretendo tratar da oração verdadeira, isto é, da contemplação e da meditação; n'uma palavra, quero falar daoração ideal que deve ser uma elevação da mente a Deus

ou, como disse o meigo S. Francisco de Salles, a « effusãode uma alma illuminada pelo céo ».

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Este santo, explicando ura dia a doçura da oração esua natureza a alguns meninos do catecismo, contou-lhes,com a graça inimitável que lhe era peculiar, como nossos

primeiros paes no paraiso terreal conversavam familiarmente com Deus. Um dos meninos, ao ouvir a historia»exclamou enthusiasmado: «Ah! que pena não ser maisassim! Gostaria tanto de falar com Deus!.. . como deviaser bom e agradável entretermo-nos com Elie!»

Esta espontânea reflexão agradou ao santo pela ingenuidade, e respondeu incontinente: « Consola-te, pois, em

bora pelo peccado tenhamos perdido o paraiso terrestre,não perdemos por isso o bom Deus. Elie está junto de nóse a toda hora nos é licito conversar com Elie na oração.»

Desculpem-me os leitores esta .longa citação, pela appa-rencia, desviando-me do assumpto de que estou tratando.Voltando, pois, ao espirito de oração que animava Gemmade Jesus, pode-se affirmar que era tal qual o conceberaS. Francisco de Salles.

Desde muito criança, nascera n'ella o attractivo irresistível pela oração e pela meditação, o que a tornou umadas grandes contemplativas dos tempos modernos.

A serva de Deus entregava-se á meditação continuae ininterrupta, ao passo que as suas orações vocaes eram

muito resumidas, embora fervorosíssimas, limitando-se aosanto rosário e ao officio de Nossa Senhora, segundo olouvável costume das famílias catholicas em que se conservaram intactas as tradições religiosas.

Fora d'estas orações approvadas pela igreja, e enriquecidas de numerosas indulgências, não fazia outras nemdurante a santa missa nem durante a exposição do Santíssimo Sacramento. Com ingenuidade dizia ao confessor:«Nunca pude me acostumar a ler as orações dos formulários, não encontro n'ellas alimento para minha alma e arecitação d'estas preces me cança, portanto invento minhasorações e rezo como me é possível. »

Que sublime oração, que elevada meditação não fazia

esta alma enamorada das bellezas celestiaes! Milhares devezes por dia desabafava o coração em jaculatórias que,como settas inflammadas e amorosas, iam cravar-se, deliciosamente, no sagrado Coração de Jesus.



A serva de Deus, mil vezes por dia, suspirava e pedia a Deus o precioso dom das lagrimas, dizendo como psalmista :

Senhor, do pão de lagrimas nutri-me,Outro não quero ter,

E f em grande copia, lagrimas, ouvi-me,Senhor, dae-me a beber.

Sabe-se que Gemma recebeu este dom precioso das

lagrimas e da compuncção ; seus olhos estavam, quasisempre, orvalhados de lagrimas; com a voz embargada

pelo choro, dizia com o propheta real :« Que me resta para appelecer no céo, e que posso

amar na terra sinão a Vós, Deus meu, Minha carne e meticoração desfallecem ; ó Deus de minha alma, sede minhaherança por toda a eternidade. »

Cem vezes por dia, a serva de Deus repetia, amorosamente, suas jaculatórias favoritas acompanhadas de copioso

pranto :« Ó Jesus, Deus do meu coração !« Ó Jesus, meu doce amor !« Ó terra, quão vil e miserável és perante meus olhos !

« O Pae amoroso, a ti só pertenço.« Ó Pae amoroso, só quero viver comtigo, só comtigo !• (3 cruz amabilissima do meu Redemptor quanto te amo !« Ó Jesus, quando te verei face a face V »

Quando Gemma se achava sosinha, suspirava assimem altas vozes ; quando se achava em companhia de outras

pessoas, muitas vezes levantava os olhos extáticos parao céo e murmurava baixinho alguma jaculatória.

Diz o autor da vida de Gemma que, em arrebatamentos, repetia, mil vezes por dia, as aspirações espalhadasnos livros sagrados, principalmente nos psalmos inspiradosde David que constituem uma opulenta mina dos mais bellos affectos compostos pelo espirito humano, sendo orepertório das mais empolgantes preces que a lingua hu

mana tenha exhalado.O propheta-rei, illuminado pelo espirito divino, des

cortinando o futuro, cantou n'estes hymnos admiráveis os

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mysterios, as graças, os sacramentos cia nova lei; as gloriase os soffrimentos de Jesus, de que era uma das mais bellas figuras.

O piedoso rei, animado do Espirito Santo, ordenou quese cantassem estes psalmos com alegria, e, muitas vezes,






elle próprio os cantava ao som da sua harpa maviosa evibrante, alternando os versos, com milhares de cantorese com acompanhamento de eytharas melodiosas que vibravam as filhas de Sião.

Gemma escolhia os psalmos que mais se amoldavamás disposições de seu espirito, e ao estado de sua alma.

Seu coração, mais vibratil do que a harpa dos helénicos, resoava no santuário ao sopro da inspiração divinae enlevava o coração do Rei dos reis, por suas harmonias.

Nos arroubos da alegria, nos êxtases do amor, entoava osesplendidos versos que o rei David cantava quando, cheiode jubilo, dançava diante da arca do testamento de Sião:

« Cantae ao Senho?' um cântico novo! (07.)

Celebrae a Deus; cantae e saltae de prazer! Entrae em sua presença com alvoroço de alegria! (82.) Alegrei-me riisto que me foi dito: A' casa de Deus

iremos ! (121.) Bemdirei ao Senhor em todo o tempo. (33.) Minha alma, bemdize ao Senhor!Senhor, Deus meu, tens te engrandecido de gloria, e de

formosura teus vestidos. (103.) Bemdize, minha alma, ao Senhor, e todas as minhas

potencias bemdigam-lhc o santo nome! (102.) Louvae ao Senhor porque c bom! Bemdito seja o

Senhor de Israel; pelos séculos dos séculos, dirá todo o povo: Assim seja! (105.)

Na tribulação e na tristeza, a alma de Gemma choravae gemia, derramando as lagrimas na presença do Senhor,repetindo threnos enternecidos, essas expressões pezarosas

e saudosas, esses cantares cheios de melancolia que o reiDavid, perseguido e trahido pelo próprio filho, cantava naterra do exilio, ao som abafado e plangente da harpa:

«Senhor, ouve minha, oração, e chegue a ti meuclamor! (101.)

Não apartes teu rosto de mim no dia da tribulação,inclina para mim teus ouvidos!

Fui ceifado como o feno, o meu coração seccou de dCrr.Com minha voz clamei ao Senhor. (16.) •

• No dia da minha tristeza proverei a Deus! Recusou consolar-se a minha alma!

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Ouve, Senhor, minha oração! (38.)Vede minha afflicção !Vede minhas lagrimas!

Não te cales, porque vivo neste desterro, como um peregrino e como um estrangeiro.

Clamei ao Senhor, derramei na sua presença aminha oração.

Exponho diante d'elle a, minha tribulação ! »Os psalmos messiânicos inspiravam a Gemma as mais

bellas meditações sobre as glorias e os soffrimentos do doce

Redemptor. Com que enlevo dizia : Tu es sacerdos i/nœternum secundum ordineni Melehisedech. (109.)

Com que gosto recitava o verso prophetico que an-nuncia o poder do Juiz universal : Judicabit in nationibus.A serva de Deus que, tantas vezes, meditava os mysteriosdolorosos do divino Salvador, gostava de 1er o psalmovinte e um que narra, com dons mil annos de antecedência,os martyrios do futuro Redemptor:

Traspassaram-me as mãos e os pés, contaram-melodos os ossos !

Quando a alma de Gemma compungida e pezarosa,se mergulhava n'um mar de tristeza, pelas offensas feitasá divina Majestade, encontrava, nos psalmos de penitencia,

os mais bellos affectos, os mais enternecidos desaggravos,e a expressão apaixonada da mais viva dor:« Senhor, não me reprehendas em leu furor ! ( 6. )

Não me castigues em tua- ira. Passei o dia em gemidos, todas as noites regarei o

leito com minhas lagrimas. Estou afflieta e abatida. Meu coração geme de dor e suspira sem cessar. Miserere mei f Deus, secundum magnam misericordiam

tuant. » ( 60.)Quando o coração amante e sensivel de Gemma vi

brava de doce esperança na bondade divina, e firme confiança em sua misericórdia, encontrava, nos hymnos reaes,mil motivos de doce consolação e de filial abandono:

«Jubilei, porque o Senhor ouviu-me a voz e inclinou para mim seu ouvido. O Senhor vela, sobre os pequenos. (114.)

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Livrou minha alma, da morte. Enxugou as lagrimasdos meus olhos e preservou-me os pés de quedeis.

Emquanto puder, louvarei ao Senlior. (145.) Emquanto puder, cantarei com fervor!O Senhor protege os orphants, a viuva, e o estrangeiro.

Em todos os séculos reinará em Sião ! Em vós, Senlior, esperei, nunca serei confundida,!» Na hora angustiosa da tentação, a serva de Deus

achava mil orações jaculatórias, mil invocações que se lheadaptavam ao estado da alma perseguida pelos demónioscomo um cervo a que persegue a matilha dos cães eafflicta como o passarinho que o caçador quer enlaçar.

O meu soccorro vem do Senhor, que fez o céo e a, terra. Não permitte que vacille o teu pé nem dormite aquelle

que me guarda. ( 120.)O Senhor ê << tua protecção, elle está na tua mão

direita !O Senhor te guarda de todo o mal,

Elle guarda a tua porta de entrada e a da sahidadesde agora e para sempre.

Deus meu, não Vos aparteis de mim, e não abandoneis com. ira vossa serva ! (70.)

Eu disse, Senhor, compadece-te de mim, cura a minhaalma! (40.)

Os meus inimigos falaram contra mim; contra mimurdiam males. Nisto conheci que me querias bem, vendoque o inimigo não se alegrará sobre mim; porque tu metomaste sob tua protecção por causa de minha, innoceneiae me fortificaste para sempre.»

Que bellas orações! Que sublimes preces! Que aspirações inflammadas! Que suspiros enternecedores!

Todo o dia Gemma entoava os hymnos inspirados deDavid, o maior poeta lyrico de Israel que, em sublimesarroubos, convidava todas as obras do Altíssimo a unir suas vozes á sua para louval-O e cantar sua gloria perenne.

Louvae desde os céos ao Senhor,Louvae-0 nas sublimes alturas,Entoando cânticos de louvor!Louvem n'0 todas as creaturas!

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Louvae-O, sol, lua, estrellas,Tempestades, abvsmos e montes!Louvae-O, arvores fructiferas,Vós, dragões, rios, mares e fontes!Louvae-O, todos os habitantes do céo,Os reis da terra, todos os povos!Louvem-n'0 mancebos e donzellas !Louvem-n'0 velhos e moços!

Ainda que os idiomas modernos não possam traduzir a majestade, a força e a graça da lingua hebraica, em queforam escriptos os psalmos, todavia, a alma piedosa encontra

n'elles, como oneontrava Gemma Galgani, um alimento saboroso, substancial e variado.

Era d'esta maneira que o cherubim terrestre atiçavao immenso incêndio do divino amor que lhe abrazava ocoração em chammas de caridade.

Orações bem diffcrentes das nossas, que são feitasseguindo a rotina, e vasadas sempre nos mesmos moldes,com tédio e quiçá com deplorável frieza. Que pena, digode relance, que tantas pessoas desconheçam as preces litúrgicas, e não saibam apreciar-lhes a belleza sobrehumana !Que pena que não comprehendam o officio divino, porquesentiriam as mil doçuras que experimentava S. t0 Agostinho,ouvindo cantar os psalmos davidicos e se inundando em

suavidades, ficando-lhe os olhos arrazados de doces lagrimas, como o testifica no seu livro das confissões! A oraçãoexige o recolhimento. Uma alma distraiu da, entregue ádissipação, nunca será uma alma contemplativa como foia de Gemma.

Tão grande era-lhe o recolhimento, tão unida viviacom Deus, que sua oração nunca era interrompida, cum

prindo á risca o preceito do Senhor: Opor lei sem/ter orcirc. Nada podia distrahir esta alma da sua meditação , nem asoceupações domesticas, nem as conversas no seio da família,nem os passeios na rua movimentada. Mesmo sentada ámesa de jantar, Gemma não perdia o fio de sua oração

fervorosa; alimentando-se,elevava-se, suavemente, ás alturasdo paraiso.Jantando, um dia, o Padre Germano em casa de Dona

Cecília, mãe adoptiva de Gemma, notou que esta, ao mesmo

fíemma Galgani.

65

5

Oi



tempo que se alimentava, parecia toda transfigurada, im-mersa em profunda meditação, c não prestava attenção â

palestra animada dos hospedes illustres. Seu corpo estavaá mesa, seu espirito, porém, enlevado pela contemplação,conversava com os espíritos bemaventurados nas alturascelestiaes. Seu olhar inspirado e extático parecia fitar algumespectáculo maravilhoso.

Inesperadamente, o sacerdote chamou-lhe a attençãoe a reprehendeu com certa aspereza, fazendo-lhe ver ainconveniência de se entregar á meditação n'aquella horae n'aquelle logar. Voltando a si, a pobre moça estremeceu

e envergonhada escondeu o rosto nas mãos.Com muita razão, pode se applicar a esta donzella

sobrenatural as palavras de -S. Paulo: Conversatio nostrain cwlis est.

O espirito de oração nem tão pouco a abandonava denoite. Adormecia, tendo nas mãos um crucifixo; seu somno, porém, era muito leve e interrompido por frequentes vigílias. Logo que acordava, beijava, devotamente, a sagradaimagem do Senhor e reatava o fio da meditação, no pontoem que tinha deixado. Gemma podia dizer com a Esposados Cantares : Ego dormio,sed cor meum vigilai,—eu durmoe meu coração vela.

A piedosa menina tinha recebido o dom raríssimo de

não ser incommodada pelas distracções. Este dom não deixade ser um privilegio invejável e concedido a poucos santos.Em passos rápidos, Gemma subia os degraos da escada

mystica da oração meditada. Com facilidade passava dameditação á mais sublime contemplação dos mysterios. A'svezes uma claridade mysteriosa lhe deslumbrava a vistaa ponto de cegal-a.

D'esta via illuminativa a serva de Deus passava á viaunitiva, como a chamam os theologos da escola ascética,que consiste na união perfeita e estável do Summo Bem.Unida estreitamente á Divindade, a terra desapparecia-lhe

por completo dos affectos ou pensamentos.Semelhante ao iman que, irresistivelmente, attrae, pela

força magnética que lhe é particular, os objectos próximos,assim a Divindade attrahia a alma extática de Gemma,

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f

absorvendo-lhe todas as potencias e o uso dos sentidosexteriores. Tão fortemente lhe eram concentradas as potencias d'alma, que chegava a inutilizar e anniquilar as forçascorporaes.

N'uma outra conferencia, falar-se-á do estado extático,dos arrebatamentos, e dos mysticos desponsorios que constituem os últimos degráos da escada mystica na contemplação-

Bem que a serva de Deus gostasse de sondar todosos mysterios da fé e fosse arrebatada na contemplação da

belleza sem par e da grandeza infinita de Deus, de preferencia elevava-se em espirito ao cume do Golgotha e meditava sobre o mysterio de nossa redempção, media, tantoquanto uma mortal creatura o pode, a grandeza, a altura,e a profundidade de amor de um Deus crucificado, comoo anjo do Apocalypse media com uma vara de ouro aaltura, a largura e a profundidade do templo da NovaJerusalém.

Que lindos os vôos desta alma privilegiada! Que su blime ora çã o ! . . .

Gemma Galgani conheceu as delicias ineffaveis daor ação; as doçuras da meditação inundavam-lhe a alma piedosa. Em verdade, ella podia dizer: Quam magnamultitudo dulcedinis tuce, Domine, abscondisti timentibus te, —quão copiosa é a doçura que o Senhor reserva áquellesque o temem/ (Ps. HO.)

Quão infelizes são os christãos remissos e ti bios quenunca experimentaram as alegrias que proporciona a oração ! Quão infelizes são os christãos que nunca choraramaos pés do tabernáculo e desconhecem os gozos celestes dique se enchem as almas que sabem rezar com fervor e devoção!

Trabalhem as Filhas de Maria com todo o empenho por adquirir o espirito de oração; tenham em grande contaa meditação.

Prouvera a Deus que todas se compenetrassem danecessidade da meditação. Quantas ha, infeliz num te, quenão conhecem o A-B-G da oração verdadeira. Oxalá todasrecebessem a effusão do espirito de oração de que falaIsaias. Derramar ei sobre a casa de Israel o espirito deoração, que é a fina flor da religião e da fé. Evitem a oraçãomachinal e inconsciente, feita sem pensar e sem intenção.

Evitem rezar como rezava Anna, a mãe de Samuel,cuja oração fez acreditar ao summo sacerdote Heli que



cila estava ébria. Rezando o terço, nunca se esqueçam demeditar nos mysterios do rosário, tantas vezes recom-mendados pelo Papa L e ã o X I I I , de gloriosa memoria.Acostumem-se a recitar e a repetir, a cada Ave Maria, omysterio proposto e marcado a cada dezena.

Filhas de Maria, rezae como rezava vosso modelo.Gemma de Jesus era uma d'aquellas Ovantes do primeiroséculo, representadas nas paredes das Catacumbas romanas,ajoelhadas, cobertas de um amplo manto branco, de braçosestendidos para o céo em posição supplicante.

Evitae as distracções voluntárias. Imitae o exemplode S. Bernardo que, quando chegava no limiar da capella,voltando-se antes de entrar, falava com os próprios pensamentos, dizendo: «Vocês agora fiquem fora e esperem queeu volte».

A exemplo de Gemma, aprendei a dispensar os formulários. Uzar muitos livros de devoção não convém, sendoo melhor o Manual do ehristão do Padre Goffiné, porquecontem a traducção das orações litúrgicas e as precesda Igreja.

Pedi ao Senhor o dom da contemplação, de maneiraque, semelhante á pomba, vos eleveis, sobre as azas dameditação, ás paragens sobranceiras, onde habita Deus,afim de contemplal-o face a face.

Pedi ao Senhor vos conceda o dom das lagrimas e asanta compuncção,de maneira que possaes chorar, em presença de Jesus sacramentado, a vossa ingratidão e as vossasinfidelidades.

Derramae, perante o tabernáculo, lagrimas de puroamor, manifestando abrazado desejo de reparar as culpasdos homens, e desaggravar, por vosso pranto, o Coraçãoeucharistico de Jesus, tão attribulado por nossos crimes.

A venerável serva de Deus, Gemma, foi uma almaeminentemente contemplativa. Congreganistas, esforçae-vos

por ser também almas contemplativas. Na companhia deGemma; subi a escada mystica que viu Jacob em sonho,cujo topo se apoiava no céo e pela qual os anjos subiame desciam sem cessar.

Subi ãs alturas ethereas, e voltae a esta terra transfiguradas a derramar o bom odor de Jesus Christo, a brilhar pelo bom exemplo e pela pratica das virtudes própriasde vosso estado.

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O I T A V A C O N F E R E N C I A .

Umasaphira.-Ali-cLm.ild.aae profunda

d.e0-em.m.aQalg-ani.

F u n d a m e n t a m u r i c i v i ta t i s , o m n i

l a p i d e p r e t i o s o o r n a t a . S e c u n d u m

s a p h i r u s .

( A p o c . 2 2 .)

Os alicerces do muro da cidade ce

leste eram ornados de Ioda a qualidade de pedras. O segundo alicerceera de saphira.

UERENDO comparar Gemma de Jesusa uma pedra preciosa, logo nosacode ao pensamento a saphira,

pedra de lindo azul que nos podedar uma idéa adequada da sua profunda humildade.

O céo e o mar são duas immensassaphiras: este, por seu abysmo insondável, pode symbolisar a baixezada creatura, aquelle nos fala da

grandeza incomparável do Creador.

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http://li-clm.ild.aae/

http://li-clm.ild.aae/




A saphira formava o segundo fundamento do muroda Nova Jerusalém. A humildade é um dos alicerces davirtude.

O azul é uma das cores do arco-iris, a humildade éuma das principaes virtudes que resplandeciam na almade Gemma.

Analysemos e estudemos a humildade da serva deDeus na sua vida.

A uma Irmã de Caridade que lhe perguntava qual avirtude que lhe parecia mais agradável a Deus, Gemma

respondeu com vivacidade: «A humildade 6 o alicerce detodas as virtudes.»

Seu director de consciência, sacerdote muito illustradoe de uma experiência consummada na discreção dos espirites, cuja sciencia theologica era louvada pelos SummosPontífices, sciente de ser a humildade a pedra de toqueda verdadeira santidade, submetteu sua dirigida a duras

provações e penosas humilhações, das quaes, porém, ellasahiu victoriosa, demonstrando cabalmente que sua humildade era á toda prova.

A humildade, como bem sabeis, é uma virtude moralque se adquire por uma vigilância continua e um combateincessante. Por esta razão pertence á categoria das virtudes

moraes adquiridas, como as denominam os theoiogos, enão á das virtudes infusas, como sejam as theologaes, queDeus infunde em nossas almas no baptismo sem nenhumtrabalho de nossa parte.

Gemma adquiriu esta virtude por actos repetidos e por combates incessantes, desde a primeira infância.

Como já dissemos alhures, era uma menina prendada,dotada de uma bella intelligencia. Nas aulas primaria esecundaria, foi um prodigio, a ponto de causar admiraçãoás mestras e pasmar as condiscípulas mais velhas.

Assim graças a esta viva intelligencia, ajudada por um assíduo trabalho, que tudo vence, conquistava, nosexames do fim de anno, os melhores prêmios e a medalha

de ouro, na doutrina, concedida somente a quem tinhanota óptima durante todo o anno.• Bem disse o pbilosopho Séneca, professor do impe

rador Nero: «Labor improbus omnia vineit.»

7 0



Bordava também maravilhosamente e fazia, com perfeição, todos os trabalhos de crochet e de agulhas.

Tão modesta e tão humilde era, entretanto, que lhecustava muito receber os signaes de distincção tão merecidos, e expor em publico os trabalhos.

No collegio das Ir mãs de Santa Zita, aprendeu afalar francez perfeitamente, a desenhar e a pintar, porémnunca falava francez com receio de salientar-se, nem feznunca uma pintura, pelo mesmo motivo.

Dotada igualmente de uma voz maviosa e muito entoada, Gemma não cantava nunca, salvo na igreja. Nosantuário , não receava patentear o talento musical, quer

para glorificar o Creador e exaltar-lhe a grandeza, quer para cantar os louvores de Maria Santíssima e publicar-lhe a gloria e a formosura. Gemma, ao exemplo das moçasda Itália, cantava com muito sentimento; sua voz doce e,ao mesmo tempo, vibrante, commovia aos ouvintes, che-gando-lhes até o fundo do coração e tocando-lhes as fibrasmais intimas. Gemma entoava os hymnos n'essa harmoniosa língua italiana, cuja doçura sem par desperta naalma a mais viva emoção, o que, graças á suavidade semigual, torna-se digna de, consoante ao conceito de Carlos

V, ser falada pelos próprios anjos no paraíso.Gom que expressão communicativa, Gemma modulava

as estrophes que se seguem, o coração a transbordar de doceemoção, num êxtase de amor, com os olhos marejados delagrimas:

Maria, la bella. rosa, manto egiglio de puritâ; Portate emia anima, n'el cielo giviso Per godere una eternitá.

Alem d'estes dons naturaes, parece que Gemma possuíatambém a scieiicia infusa, como a chamam os theologos,

pois, para limitarmo-nos a um único exemplo, ella lia, comprehendia e traduzia os livros de S.*° Agostinho e, em

particular, seus «Solilóquios», sem nunca ter aprendido olatim.

Ninguém, portanto, acredite que Gemma era uma menina tola, como ella mesma costumava dizer; mas escondia



os talentos com muito cuidado, para não se expor á tentação da vangloria.

A serva de Deus era de um temperamento vivo. Filhada Itália, sentia estuar-lhe nas veias o quente sanguelatino, e mostrava, na vida sem refolhos, a physionomia desua raça sympathica, em que a belleza plástica e a actividade febril se irmanam.

A ternura e sensibilidade de Gemma eram extremas,soffrendo por qualquer falta de consideração e desabrochando, qual delicada flor, á menor prova de affecto. Havian'ella uma altivez natural que devia tornar-lhe insuppor-tavel a humiliação, por pequena que fosse.

Gom aquella sua natureza violenta, e o engenho perspicaz que a avantajava as demais, teria sido de umgênio insupportavel, si não tivesse combatido a inclinação

predominante e vencido o amor próprio.

Tal era a violência que fazia á indole própria, quechegou a modificar o natural vivo e o temperamento ardente, a ponto de parecer bem diversa do que era por natureza.

Assim como o horticultor corta a copa frondosa dozambujeiro e n'elle insere um ramo da boa oliveira, assim

também Gemma enxertou, na sua natureza inclinada aoorgulho e ao desejo de dominar, a humildade, a brandurae a submissão de seu bom Jesus, tornando-se assim, umaoliveira bôa e fértil: sicut oliva fructifera in domo Dei.

Por modéstia e humildade, occultava os favores celestes e as graças extraordinárias, com o mesmo cuidado comque encobria os dotes naturaes.

Custava-lhe muito falar de seu interior e, com a máxima repugnância respondia a pessoas indiscretas, que

pretendiam saber algo de suas visões e apparições. A hu-millima serva de Deus usava da mesma reserva para comseu director, manifestando-lhe o bello interior unicamente

por obediência.

Nas suas correspondências avultavam, continuamente,as seguintes expressões: «Escrevo por obediência; digoisto, porque V. Rvma. o ordenou. Si V. Rvma. não o mandasse expressamente, nunca falaria dJaquillo », etc. etc.

P i ! ' 7 2



O director desejando conhecer as graças concedidasa esta alma de escol, viu-se obrigado a lançar mão de uminnocente ardil.

Escreveu a Gemma: «Sciente de que és uma grande peccadora e de que na tua vida tens commettido muitos peccados, acho bom que faças uma confissão geral, porémmuito circumstanciada e minuciosa, sem omittir cousaalguma, e narrando todos os pormenores, porque assimficarei mais habilitado para conduzir tua alma peccadora,

pois saberei com quem estou tratando, e ser-me-á fácil

dirigir-te na vereda da virtude».Gemma sentiu

primeiro umacerta repugnância, em face doque lhe era pedido, mas finalmente consentiu. Pedindo aassistência deseu anjo daguarda, pôz

mãos á obra e

fez uma narração extensa e

minuciosa. Teveque luctar contra uma inexce-

o director tinha N'um tempo relativamente curto, Gemma encheu cem

paginas, consignando as apparições, as visões, bem comoas tentações diabólicas, finalmente todas as particularidadesque se referiam á sua vida espiritual e ao seu adiantamento, desde os primeiros fulgores da razão.

Graças a estas memorias, conhecemos diversos êxtases que não tiveram testemunhas, como seja o êxtase

maravilhoso que a Virgem de Liicca teve no mez de Setem bro de 1901, quando foi levada pelos ares até as alturasde um crucifixo, que se achava na parede de uma sala, elã ficou suspensa, como ajoelhada sobre uma nuvem.

£ 5 J 1

ii»

99

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*p porque

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divel aversão,se via

na obrigação de1 falar de si, por-m quanto, para

provar, por exemplo, sua grande ingratidão

j& para com Deus,naturalmente

era obrigada amanifestar os

grandes bene-

A serva Se Deus Anna Ca- | fÍCÍ<>S que d'elleW tharina Emmerich, celebre j| havia recebido.* estygmatizaDa Oa Allemanha. | j u s t a m e n t e

esse o fim que

em mira pelo estratagema de que usara.

73



Sabemos outrosim, por estas notas que a humildeserva de Deus escreveu por obediência e com tanta repugnância, de que maneira ella foi perseguida por Satanaz.Apparecendo-lhe sob forma visível, o demónio dizia: «Tués uma tola, porque adoras um criminoso, pregado nacruz. Não vês como elle te maltrata e te prega na suacruz também, para te fazer soffrer?»

- O demónio esforçava-se por subtrahir a serva de Deusá sabia direcção do padre espiritual e empregava, paraalcançar este fim, todos os meios. Vendo, entretanto, queGemma não perdia por isso a confiança no seu director econtinuava a lhe escrever e lhe pedir conselhos, Satanazinvestia contra ella, com furor inaudito, arrancava-lhe acaneta da mão, rasgava o papel, puxava pelos cabellos a

pobresinha, para tiral-a da mesinha onde estava sentada,com tanta violência, que, não raras vezes, punhados decabellos lhe ficavam nas mãos horrorosas. Ao sahir o demónio bramia: «Guerra, guerra a teu pae espiritual, até quemorras!»

Xão satisfeito com estas ameaças e estes combates, odemónio enfurecido roubou o relatório que a serva deDeus acabava de escrever, por ordem do director de

sua consciência, tirando-o escondido da gaveta, onde D.Cecília o guardara cautelosamente.

Deram parte d'esta nova maldade de Satanaz aodirector que se achava em Isola. Este lembrou-se de pronunciar o exorcismo sobre o demónio, perto do tumulo do bemaventurado Gabriel Possenti, portanto á distancia demais de ()00 kilometros de Lucca. O manuscripto, ámesma hora, foi collocado na gaveta, porém enegrecido defumaça, chamuscado e quasi inutilizado pelo fogo.

Embora a serva de Deus apreciasse seu lindo nomede Gemma de Jesus e uma das suas professoras lhe repetisse a miúdo: «Gemma, lembra-te de ser uma linda joia.de Jesus», ella poucas cartas firmara com esse nome que,

na sua humildade, achava um tanto pretencioso. A humil-liriia donzella variava muito a firma, subscrevendo-se: — La povera Gemma. — La /uivem Gemma de Jesus.- - Gemmade Jesus!

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Pela reproducção typographica de uma de suas cartas,vê-se que a calligraphia é perfeita e a lettra bonita esimples.

Aprendei, ó Filhas de Maria, pelo exemplo de Gemmade Jesus, portento de humildade, a apreciar e praticar esta sublime virtude, tão cara ao Coração de Jesus!

Nada deAr eis temer tanto, como o que atraza vossoadiantamento espiritual, o orgulho.

Diz a Imitação de Christo :« Que te aproveita da TrindadeSabia, e altamente disputar,Si, por ausência da. humildade,Certo lhe vaes desagradar?

«Por certo, melhor é o rústico humilde que serve aDeus na simplicidade de seu coração, que o soberbo phi-losopho, deixando de conhecer a si mesmo para estudar o curso dos astros.»

As Filhas de Maria que leiam a miúdo a Imitaçãode Christo, e encontrarão conceitos breves e sábios conselhos, pelo que diz respeito á humildade.

Admirae a saphira, a pedra fina que significa a humildade, engastada na coroa immortal d'aquella que deveser a vossa mestra nas virtudes. Semelhante á modestavioleta que teme os raios do sol e floresce á sombra dasoutras flores, derramando suave odor, Gemma floresceuescondida no bello jardim de Nossa Senhora, edificando atodos por sua cândida modéstia e rara humildade.

Combatei, Congreganistas, combatei o amor próprio,este verme asqueroso, que corroe os melhores fruetos davirtude; guerreae a vangloria, essa peste detestável, essemal terrível que vos aparta da gloria eterna e despojadas graças divinas. Desde que alguém se compraz em simesmo, desagrada a Deus; logo que aspira aos louvores

humanos, perde a verdadeira virtude.Meditae sem cessar as palavras da Imitação de

Christo :« Proeurae ser desconhecidos, alegrae-vos, quando nin

guém fizer caso de vós. »

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Lembrae-vos das palavras do Espirito Santo: « Deusresiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes.»

A nivea alvura do vestido da Virgem de Lourdessignifica a pureza, a faixa azul symbolisa a humildade; évosso traje a libré das congreganistas.

Praticae estas duas virtudes características de vossaMãe c de Gemma, vosso modelo! Não digam de vós oque um Bispo disse da Madre Angelica Arnauld, abbadessado mosteiro de Port Royai, que era um anjo de pureza eum demônio de soberba/

Fugi a ostentação, a singularidade e a presumpeão. Não ambicioneis as dignidades na «Pia União», antes

esforçae-vos por edificar vossas companheiras pela submissão e obediência.

Si fordes devotas, occultae os thesouros da piedade, enão vos desvaneçaes de serdes melhores que as outras,encobrindo as consolações sensíveis debaixo do manto dahumildade.

Sêcle humildes, afim de que Nosso Senhor possa recompensar-vos um dia, e exaltar-vos no paraíso , conformesua promessa de elevar a quem se tiver humilhado naterra; seja vossa humildade uma virtude sobrenatural,

praticada por motivos sobrenaturaes, com o auxilio da

graça divina que, certamente, não vos ha de faltar, e dizeia miúdo esta bella invocação: Jesus, manso e humilde decoração, fazei meu coração semelhante ao vosso/

A quem perguntai' onde Gemma Galgani encontrouesta bella saphira da humildade que lhe rebrilha na coroaimmortal, pode se responder, sem hesitação, que foi nosagrado üoração de Jesus, que encerra riquezas superioresaos famosos thesouros de Golgonda.

E' neste mesmo Coração, rico para, todos os que oinvocam, que as Filhas de Maria devem procurar a bellavirtude da humildade, para assim imitarem a humillimaVirgem de Lucca.

7 6



N O N A C O N F E R E N C I A .

V i s õ e s e ê x t a s e s d e O - e m m a , S i g n a e se e f f e i t o s m . a , r a í - v I l l i . o s o s d.o a m o r

d e IDe-ULíS. S p o n s a O l x r l s t i .Apparuitque ei Dominus in flamma ignis de

medio rubi et videbat quod rubus arderet,et non combureretur.

Bxod. 3. 3.

E o Senhor appareceu a Moysés 11umaekamrna de fogo que sahia do meio de umasarça, e Moysés via que a sarça ardia, sem seconsumir.

LÉM das frequentes apparições doAnjo tutelar de sua alma, a servade Deus recebia também a visitade outros anjos e santos do céo,em particular do bemaventuradoGabriel Possenti, religioso passi-onista, das almas do purgatório,e de Nossa Senhora.Já falei d'essas maravilhosas appa

rições no logar respectivo; queroapenas mencionar a visão de Jesus crucificado, que succe-deu na quinta-feira maior do anno de 1899.

77



Gemma estava atacada de um grave incommodo, nãoobstante, era tão fiel ao exercido da Hora santa, que nãoquiz perder a hora de adoração, e o Coração de Jesus,nunca se deixando vencer em generosidade, soube recom pensai-a por um favor singular.

Deixemol-a narrar o memorável acontecimento:«Fiz o exercício da /Tora santa, apezar de grande

fraqueza, porque havia feito a promessa de não omittil-a.Senti-me tomada de viva contrição das minhas infidelidades.Tal foi a compuneção, que soffri um verdadeiro martyrio.

No meio d*esta dòr indizível, me ficou um consolo: erade poder chorar. Passei assim a hora inteira a rezar o asoluçar.

Cessou o penar c sobreveiu-me intenso recolhimentode espirito, fiquei como fora de mim; as forças physicasme abandonaram por completo. Com muito trabalho, pudeme erguer e fechar a porta.

Onde estava? Em presença visível do meu queridoJesus crucificado, derramando sangue que brotava em borbulhões das cinco chagas e de todo o corpo sagrado!

Esta vista aterrorizou-me. Baixei incontinenti os olhos;tão perturbada estava e tão acanhada, que não me atrevia levantar a vista e contemplar meu Senhor crucificado.

Persignei-me, rezei, e o socego voltou-me ao espirito.Em seguida, prostrei-me, a face contra a terra, e fiqueiassim por muito tempo em adoração. As chagas do meuamado Kedemptor imprimiram-se-me tão profundamente nocoração e no espirito, que nunca mais se apagaram.»

A estes fervores vinham unir-se outras consolaçõesdivinas.

Lemos, na epistola de S. Paulo aos Corinthios, a relação minuciosa de suas revelações: «Si importa que alguém

se glorie, o que na verdade não convém, descerei agoraás visões c revelações. Conheço um homem em Christoque, quatorze annos lia, foi arrebatado (si foi no corpo•não sei, ou si fora do corpo também não sei), até ao ter

ceiro céo e ouviu lá, palavras secretas, que não ê possível a um homem referir.»A exemplo do Apostolo das gentes, Gemma de Jesus

foi arrebatada, muitíssimas vezes, ao céo; seus êxtases eram

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frequentes, quotidianos para bem dizer. Nas quintas esextas-feiras, porém, tornavam-se mais prolongadas, privando-a inteiramente do movimento e do uso dos sentidos.

N'estes dias, o espirito de Gemma era enlevado pelameditação da dolor osa Paixão e transportado n'uma intensa contemplação ao cume do Calvário.

N'este estado extático, completamente fora de si, não percebia mais nada do que se passava em redor. De mãos postas e com os olhos abertos e immoveis, fitava um objecto

invisível para os outros.Gemma sen- p" nem a dor maistia-se attrahi-da irresistivelmente á mansão de Deus ;nenhuma língua, quer humana, quer angélica, poderáexprimir j a-

mais o que alligozava, ouvia

e via. Nada havia que pudesse tiral-a d'estéenlevo maravilhoso, nem o

maior ruido L. _ _ _ _ ^ J brehumana, o

rosto de perfeito oval mudava-se em f oco de luz como aaurora nascente; as feições, já muito harmoniosas, tornavam-se bellissimas ; os olhos, pelo brilho intenso, pareciamdois carbúnculos que despediam chispas, de maneira quenão se parecia a uma creatura humana, mas a um seraphimdescido do céo.

A's vezes, dos lábios sabiam-lhe suspiros e palavrascomo centelhas abrazadas.

« O1 Jesus, dizia Gemma n'um extase, 6 Jesus, quandoouço lembrar leu nome, minha alma se eleva. Só teu nome,

Jesus, me acalma a dar.

aguda. Podiamferil-a na ca beça com uma

agulha, queimai-lhe as

mãos com as

chammas deuma vela : a tudo ficava insensível como umaestatua.

N'este estado,sua natural for-mozura transfigurava-se n'uma belleza so-

79



Tenho desprendido meu coração da. terra e collocadoeut ti. Õ Jesus, minha alma suspira e se eleva, ao ver-seenriquecida com tantos e tão contínuos favores, quizera

poder pagal-os convenientemente com obras heróicas.O Jesus, esta minha alma miserável, por estar unida

a este pobre corpo, não pode voar a ti, porém bate asazas, para. se avizinhar de ti até que alcance a , uniãocomtigo. »

Gemma exclamava:

« Sinto cadeias a , me prenderem com tanta força, quenão posso me soltar das mesmas. Deixa-me a liberdade, 6 Jesus, quero amar-te sobre

todas as cousas e procurar-te em, todo o tempo. »«Assim como os que estão possuídos de um amor na

tural, quasi sempre têm todos os pensamentos empregadosn'elle, o coração cheio de aftecto, a bocca cheia de louvores, para o ser amado, não encontrando arvores em cujacasca não escrevam os ardores que experimentam, assimtambém os que amam a Deus não podem deixar de meditar n'EUe, suspirar por Elie, querendo, si possível fosse,gravar, no peito de todos, o sagrado nome de Jesus.»(S. Francisco.)

N'estas conferencias propuz-me estudar as virtudesmais salientes da serva de Deus, não pretendo estender-me demasiadamente na analyse das très virtudes theologaesque rebrilham, como outras tantas pedras preciosas, navida milagrosa de Gemma de Jesus.

Nas conferencias passadas, tratando, por exemplo, dadevoção ao Santíssimo Sacramento, falei da fé viva queanimava a Gemma. Em outra conferencia sobre o espiritode oração e da devoção ás almas do Purgatório ha dever-se a esperança inabalável que experimentava.

O assumpto da presente conferencia será o effeitomaravilhoso da caridade, a terceira e, como diz S. Paulo,a mais sublime das virtudes theologaes.

Não é mister repetir que Gemma Galgani primava por uma caridade abrazadora, digna de um seraphim.

Assim como o astro do dia communica a luz e o calor aos planetas e aos satellites que, por sua vez, illuminam ofirmamento de branda luz, assim também o Sol da Justiça,



o sagrado Coração, o foco da luz eterna, transmittiu aocoração de Gemma umas faíscas luminosas de sua immensararidade, que se tornou em fragoa de amor.

Parece-nos que poucos santos levaram tão longe oamor apaixonado ao divino Esposo das almas.

Como na forja o metal se abraza e flammeja, assimtambém o coração de Gemma, abysmado na fornalha deeterna caridade, incendiava-se e dardejava raios luminosos.

Ó coração de Gemma, coração consumido das fiam-mas do divino amor, coração tão semelhante ao Coraçãode Jesus!

Em baixo da mitra de Àarão, summo sacerdote, haviauma lamina de ouro finíssimo, em que resplandecia o nomede Deus, gravado em alto relevo com pedras preciosas.

Gemma gravou o nome de seu Amado no coração.O coração de Gemma, coração de puro crystal em que

flammeja, em lettras de fogo, o dulcíssimo nome de Jesus. N'um outro êxtase, alcançou Gemma a conversão de

um grande peccador.Sentada na cama, com os olhos voltados a uma porta

do quarto onde lhe apparecera o Senhor, dizia:«Pois que, 6 Jesus, aqui vieste, supplico-te- pelo meu

peccador. Filho teu, é meu irmão. Salva-o, Jesus! e o nomeou. Jesus parecia não querer ouvir as petições de sua

serva, porém ella, resoluta como quem quer a todo custovencer, sem perder o animo, exclamou: Porque hoje nãome queres ouvir, Jesus? Fizeste tanto e tanto por uma sóalma, e não queres salvar aquella? Ah Jesus, salva-a!>

A tudo o Senhor oppunha a justiça divina. Então, avi-vando-se cada vez mais, acerescentou:

«Não exijo a tua justiça, mas a tua, misericórdia,. Sim, Jesus, procura aquelle peccador, toca-lhe o coração!»

Ahi o Senhor começou a manifestar, um por um, os peccados d'aquelle infeliz. Deixando cahir os braços, a po bre filha soltou um profundo suspiro, como quem perde aesperança de vencer. Mas, logo recobrando animo, disse:«Já sei, Jesus, que tantas e tantas elle te tem feito, mas

não fiz também eu? e comtudo com migo usas de misericórdia! Sei quanto elle te fez chorar, porém ríeste momento.

81

Gfinima Galgani.



não deves pensar nos seus peccados, mas no sangue que por elle derramaste. Trimnph.a, 6 Jesus, eu t'o peço por caridade.»

O Senhor permanecia inflexível e Gemma continuavana porfia, apresentando novo motivo na argumentação quelhe occorria á mente.

«Sim, começou a dizer, sei que sou peccador a, nãomereço ser ouvida. Mas, eis quem poderá, interceder pelomeu peccador: é a, tua própria, Mãe que por elle ora. Agora dize que não, á tua Mãe! Não o podes: Responde-me, Jesus, que salvaste o meu peccador.»

Gemma alcançara a conversão e, cheia de alegria,exclamou: « Venceste, ó Jesus, has de triumphar sempreassim ! »

Pouco tempo depois, um senhor veiu em busca do padre director, pedindo que o ouvisse em confissão. Era o peccador que Gemma nomeara no êxtase.

Quantos milagres não opera a oração!O amor divino accendia no coração de Gemma ver

dadeiras chammas materiaes como tem acontecido em diversos santos.

Seu coração, ás vezes, era uma fornalha de brazas

ardentes, uma fragoa de amor.O confessor, para se convencer da veracidade doeffeito maravilhoso do divino amor, mandou a T). Cecíliaobservar o phenomeuo extraordinário, e de facto- oh milagre!— o fogo, com seus ardores, chegou a queimar a

pelle de Gemma que ficou toscada em toda a superfície dolado esquerdo e enrugada, como se tivesse sido queimada

pelo fogo material.«Ha uns oito dias», escreveu ella, «sinto no peito

uma queimadura tal, que não aguento mais; só o gelo poderia acalmar este fogo que me toma o appetite e meameaça de morte.»

Entretanto, o tormento que lhe causava este fogo eratemperado por um gozo delicioso e interior. N'um êxtase,exclamou a Virgem de Lucca: «Ardes em chammas, comoeu também,, Senhor, ô dôr, ó amor, 6 felicidade, 6 doce fogo, ó suaves chammas!

8 2



E Gemma não queria trocar a dor lancinante quesentia, por preço algum, nem mesmo por todos os the-souros do mundo.

Si um homem der, diz a Escriptura, todas as rique zas de sua easa pelo amor, as desprezará como si nãotivesse dado nada.

Todas as aguas juntas não poderiam jamais extin guir as chammas do incêndio que devoravam o coraçãode ^lemma, nem todos os rios juntos poderiam afogar-lhea caridade, (Cant. dos Cant.)

As pessoas piedosas e instruídas não estranharãoestes phenomenos communs a muitos santos e santas.

Quem lhes leu a vida hem se lembra que muitos sentiam um verdadeiro incêndio no coração. 0 fogo que abra-zava o peito da amante de Jesus era tão real que, quandose lhe approximava o thermometro, o mercúrio, rápida eimmediatamente, subia, não podendo pois ser isto effeito deuma febre ordinária.

Além do fogo acceso pelo amor divino que queimavalitteralmente, o coração da serva de Deus, nos très últimosannos de sua vida, lhe começou a bater com uma violênciainaudita.

A quem perguntava pela causa d'estas palpitações

insólitas, nossa Gemma respondia: «Jesus é tão grande eo meu coração é tão estreito que não pode eabel-o, por isso move-se tanto. Elie mesmo tem que dilatal-o para ocomportar».

De facto, o coração de Gemma dilatou-se tanto quefez erguer très costellas, formando ellas um angulo agudo,como testemunhas oculares e insuspeitas o affirmaram.Este mesmo phenomeno appareceu em S. Felippe Nery,como se pode 1er na vida d'esté santo que pedia a Deussuspendesse as torrentes do seu amor ou ampliasse a capacidade de seu peito para contel-as.

Deus é admirável nos seus santos. Finalmente, quizrematar tão assignalados favores e coroar a obra por uma

graça singularissima.Durante annos o Senhor acrizolava esta alma privi

legiada, provando-a por mil maneiras; tinha chegado a

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hora de recompensar tantos actos heróicos de invicta paciência.

O cordeiro immaculado, Jesus, o divino Esposo dasalmas castas, quiz celebrar, antecipadamente, as bodasespirituaes com esta alma cie escol, concedendo-lhe o maissublime galardão a que uma creatura possa aspirar, bemcomo o ultimo degrau da escada mystica que consiste naunião perfeita com a Divindade, consoante os ensinamentosde S. João Clímaco e dos mestres da vida espiritual.

Um dia, Nosso Senhor appareceu a sua fiel discípula

sob a forma de um gracioso menino nos braços de suasantíssima Mãe. Nossa Senhora tirou um annel do dedo doseu divino Filho e o passou ao dedo de Gemma.

Assim como Nosso Senhor, apparecendo a Santa Rosade Lima, disse-lhe: «Rosa do meu coração, quero que sejasminha esposa espir itual», assim também escolheu Gemma para celebrar com ella as núpcias mysticas.

D'ora avante a humilde virgem de Lucca, ao exemplode S.ta Gertrudes, S.ta Magdalena de Pazzi, S.ta Mechtildes,S.ta Thereza de Jesus, S.ta Rosa de Lima, B. Maria Annade Paredes, B. Margarida Maria Alacoque, S.ta Catharinade Sonna e diversas outras santas, teve o direito de chamar-se esposa de Christo, a quem era unida estreitamente,

pelos laços indissolúveis da união mystica.Como S.ta Ignez, Gemma de Jesus podia exclamar emverdade: «Aquelle a quem consagrei os meus affectos medeu um annel e me adornou de bellas gemmas; ornou-meo peito e os braços de preciosíssimos adornos e pôz nasminhas orelhas brincos de pérolas sem rivaes. Sim, amo aJesus que tem uma mãe virgem a cuja casa hei de ir ;a Elie somente consagro meus votos, a Elie somente jureidedicação eterna. Seu amor é casto, suas caricias são puras, suas esposas sabem morrer sem quebrar a fé que lhe ju ra ra m. » Desde esse dia, feliz entre todos,Gemma começouuma nova vida; todo o ser lhe respirava um não sei quede celestial que impressionava as pessoas de casa.

« Meu Padre, escrevia ella, meu coração ê uma victima

da caridade, dentro em pouco morrerei de amor.» Não vos parece, Filhas de Maria, que, n'esta santa dostempos modernos, o Senhor fez reviver as virtudes e os prodigios dos primeiros christãos?

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Estes recebiam visivelmente o Espirito Santo pelaimposição das mãos; muitos falavam diversas línguas, pro- phetizavam, obrigavam o demônio a sahir dos corpos dos possessos e faziam mais outros milagres.

Foi dito pelo propheta Joel:«Derramarei meu espirito sobre toda a came, e pro-

phelizarão vossos filhos e vossas filhas.Os vossos mancebos hão de ter visões e vossos anciãos,

sonhos maravilhosos.

Certamente n.aqnelles dias mostrarei prodígios no cêoe signae s na terra, sangue e fogo, vapor de fumo! Nas primeiras eras da religião catholica, diz um dou

tor da Igreja, taes milagres eram necessários como é necessár io ás plantas novas o orvalho. Uma vez, porém, que aIgreja se arraigara bem no solo e, semelhante a umaarvore gigantesca, cobrira com a frondosa copa o mundointeiro, cessaram também os milagres, as apparições e asvisões.

Estas manifestações sobrenaturaes, porém, nunca des-apparecem inteiramente. No correr dos séculos, o Senhor,mais de uma voz, quiz manifestai* o seu poder; digam-noos numerosos thaumaturgos como S.t0 Antonio, digam-no osS.tos Paulo da Cruz, João Baptista Vianney, cura d'Ars, eoutros muitos que tiveram apparições sobrenaturaes. Digam-no os milhares de pessoas que foram curadas milagrosamente em Lourdes, n'esta nova piscina de Siloé,onde sc renovam as scenas bíblicas da Galiléa, do tempode Nosso Senhor.

Leiam a vida de S.ta Juliana de Falconieri que nahora da morte commungou milagrosamente; de S.ta Clara;cie S.ta Angela, a grande extática; de S.ta Verônica capu-chinha, a estigmatizada; de S.ta Juliana de Liège, favorecida da visão de Jesus na santa Eucharistia; de S.ta Brigidaque recebeu tantas revelações maravilhosas; de S.,a Catha-rina de Ricci a que N. Senhora deu o annel de esposa ; deS.ta Clara da Cruz, celebre por suas prophecias e extases.

Leiam a vida dos santos, a cada pagina encontrarãomilagres semelhantes.

Gemma Galgani foi uma d'estas almas rar íssimas efelicíssimas que Deus, segundo a elevada doutrina de S.

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Paulo, conheceu na sua presciência e predestinou para serem conformes á imagem do seu Filho, para que Elie seja o primogênito entre muitos irmãos; as que chamou, aestas também, justificou- , e as que justificou, lambem glorificou. (Rom. 8.)

Louvemos, pois, e glorifiquemos o Omnipotente, quese dignou glorificar, n'esta terra, a sua fiel serva, conce-dendo-lhe, entre muitas graças estupendas, o gozo antici-

pado da visão beatifica, que enche de alegria e de jubiloos bemaventurados no céo!

Gemma Galgam, durante estes momentos felizes de

gozo celeste, podia dizer com o psalmista: Meu espirito e minha carne se regozijaram, todo o meu ser vibrou de enthusiasmo, — spiritus meus et caro mea jubilaverunt.

O dr. X., medico escriptor de Chermont Ferrand, noseu bello livro Les estigmatisés, descreve a vida prodigiosa de muitas pessoas de ambos os sexos que foramfavorecidas pelos signaes visíveis da Paixão de Nosso Senhor e pelas revelações; sendo um bom numero d'ellassantos canonizados.

Este livro sahiu á luz em 1885, anuo em que GemmaGalgani foi chrisniada, com a idade de sete annos.

O autor que conheci pessoalmente, pae de um piedoso

sacerdote, é provável haver já morrido, pois, n'esse tempo,era um homem de seus sessenta annos, e talvez não alcançasse os últimos annos de Gemma Galgani, cuja vidamystica formaria um appendice ao formoso livro, deverasinteressante, quer pela vasta erudição, quer pelo espiritode fé e pelos surtos de piedade que lhe animam as paginas.

Permitti accrescentar o seguinte critério que podeservir de conclusão e de ramilhete espiritual:

Si as revelações e as apparições celestes são, relativamente, raras em nosso século material, é isto devido,

primeiro, ao peccado original que nos priva da presençafamiliar de Deus; segundo, ás imperfeições que nos afastam da Divindade.

Os que se approximarem do ideal da santidade, appro-ximam-se também do céo e do mundo sobrenatural. O

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homem possue em si o sentimento innato da divindade, etem nostalgia do infinito.

Vhomme est un dieu tombe qui se souvieiit des eieux!disse um autor francez,— o homem é um Deus cahido quetem saudade do céo.

Quem nos dera soubéssemos elevar-nos, em surtosarrojados, acima da terra, pelas azas da. fé, a estas regiões

puras e sobranceiras do mundo espiritual, semelhantes aocondor dos Andes que se eleva acima das nuvens e, n'umvôo possante, fixa o sol, como si tivesse a aspiração a

banhar-se n'esse oceano de chammas, qual a mariposa dalâmpada immensa do dia.

Deixemos a vida terrestre, os sentimentos terra aterra sem nobreza e sem ideal, levantemos os olhos aocéo! Contemplemos Nosso Senhor na sua ascensão de quea águia é a figura allegorica, como disse S. Máximo.

Sigamol-o! Ha de guiar-nos para os astros, ha de ser a vereda, o alvo dos nossos corações!

Tu dux ad ostra et semita, Metei nostris cordibus.

Jesus ha de ser nossa consolação, ha de enxugar nossas lagrimas, e ha de constituir nossa doce recompensa

no santo paraiso.Sis laerimarum gaudium,Sis dulee vitat prajniumf Amen.

•

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V » t . , I » /

V » l « . l V




DE CIMA CONFE RE NCIA.

-A. impressäomilagrosadas cincoclia»-

g'as deNossoSenlior nacarne

vlrg:iaa.al deGemmaGalgani.

E g o e n i m S t i g m a t a J e s u i n c o r p o r e

m e o p o r t o .( G a l . 6. )

En trago em meu eorpo os estigmasilo meu Senhor Jesus.

üANDO Jesus, a quem a Igreja chama a Coroa das Virgens, une-se por núpcias mysticas a uma alma deescol, e sella esta união mysteriosa,

pela entrega do symbolico annel,nunca deixa de gravar, sobre o coração e sobre o braço da esposaespiritual, seu signal sangrento; naalliança mystica, o divino Esposoengasta um rubi ruti lante, uma gotta

de seu sangue precioso.

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Gemma, a Virgem escolhida para ser a esposa deJesus, não havia de fazer excepção a esta regra.

Dissera a Esposa dos Cantares: Gomo um sello põe-me sobre teu coração, corno um sello põe-me sobre teubraço. 0 amor é forte quanto a morte, suas lâmpadas sãode fogo e de amor. Quatro annos antes de morrer, aserva de Deus recebeu, na sua carne, a impressão visiveldas cinco chagas do Senhor. Com toda a verdade a nossasanta poude exclamar como S. Paulo: "Ninguém mais

me moleste, porque trago, em meu corpo, os estigmas de Jesus. *

Devemos ponderar, porém, que S. Paulo falava talvezno sentido figurado e empregava apenas uma metaphora;ao passo que a impressão das chagas do Senhor no corpode Gemma foi visivel e real, como foi visivel e real a im

pressão das cinco chagas na carne de S. Francisco de Assise de S.,a Catharina de Senna, bem como em diversos outrossantos e mais pessoas de escol; não somente na idademedia sinão nos tempos modernos, e no meiado do século

passado em Luiza Lataud, na Bélgica, e em Anna Catharina Emmerich, na Allemanha.

S. Boaventura, com a uncção que lhe era peculiar e

n'uma linguagem elevada, narrou a historia do prodigioestupendo e inaudito no corpo do seraphico patriarcha.Deixemos Gemma contar este extraordinário acontecimento,

porque a penna trepida em escrever taes maravilhas e tãoassignalados favores, como devia trepidar a penna de S.Boaventura escrevendo a vida milagrosa do seu pae espiritual.

«Na véspera da festa do Coração de Jesus, logo de pois da communhão, o Senhor me fez conhecer que, natarde do mesmo dia, havia de receber uma graça singular.

D'isto dei logo aviso ao director e, tendo d'elle rece bido nova absolvição dos meus peccados, cheia de paz,voltei para casa. Chegara a tarde e logo senti uma grandedor dos meus peccados, mas tão forte que nunca maistive igual; quasi morri. Em seguida, observei que sereconcentravam as potencias de minha alma. O entendimento só via os peccados ; a memoria m'os lembrava todos,ao passo que me fazia ver os tormentos que, para me



salvar, padecera Jesus; a vontade m'os fazia detestar, coma firme promessa de querer tudo soffrer para expial-os.

Ao recolhimento sobrevem logo a suspensão dos sentidos e achei-me então na presença de minha Mãe celestial,que tinha á direita o anjo da guarda. Este mandou-mefazer o acto de contr ição. Apenas o terminara, minhaMãe me dirigiu a palavra, assim: «Filha, em nome deJesus, te sejam remittidos os peccados.» E proseguiu di

zendo: «Jesus, meu Filho, muito tequer e desejaconceder-te

uma graça;s abe r á s t o r nar-te dignad ' e l la?» Naminha miséria não soube

que responder. «Eu,»continuou a

S a n t í s s i m aVirgem, «sereitua Mãe, mos-trar- te-ás ver

dadeirafilha?» E

n'isto, estendendo o man-

r

Coração òe Jesus,triturado de dôr por causa dos nossos

crimes. Tende piedade de nós !

to, com elleme cobriu.

N'esse instante, appareceuJesus, tendo

todas as chagas abertas,

sem d'ellascorrer sangue; eramcomo chani

mas de fogo. N'um só momento, aquel-

las chammaschegaram atocar-me nasmãos, nos pés,no co r ação .Parecia-me

morrer, e teria cahido no

chão, si minha Mãe, que ainda continuava a cobrir-me comseu manto, não me sustentasse. Passei assim n'aquella posição varias horas, mas, depois que minha Mãe me beijouna fronte, tudo desappareceu e me achei prostrada em

terra, de joelhos, sentindo, nas mãos, nos pés e no coração,, dores ainda mais fortes. Levantei-me com o auxilio domeu anjo da guarda e pude deitar-me.»

Eram chagas verdadeiras, diz a sua mãe adoptiva!Ditosa Gemma! Ella poude exclamar como S. Paulo:



«•Nunca, Deus permitia que eu me glorie sinão na Cruz de Nosso Senhor Jesus, porque o mundo está crucificado

para mim, e eu crucificado para o mundo. »Dizia S. Boaventura que, quando o seraphico S. Fran

cisco desceu do monte Alverne trazendo impressas, em suacarne, as marcas visiveis de Ohristo, e ornado das cincochagas, grande foi sua perplexidade e, lembrando-se das

palavras da Escriptura : E' bom , esconder o segredo dorei, o humilde patriarcha empregou os maiores esforços para occultar este phenomeno inaudito e nunca visto.Gemma, por sua vez, ficou também muito perturbada e,cheia de angustias, cobriu as mãos com luvas para ir á

egreja; perplexa por não saber o que significassem aquel-les signaes, pensou primeiro, com simplicidade infantil,fosse aquillo cousa commum ás pessoas consagradas pelovoto de virgindade, e por isso ia perguntando a uma eoutra pessoa si haviam notado feridas ou rasgões nas suasmãos e pés.

Coitada, ninguém a comprehendia. Entretanto o sangue continuava a correr das chagas pelo que se via obrigada a manifestar a sua tia o que lhe havia acontecido,dizendo: «Vede, tia, o que me fez Jesus!»

Era no mez de Junho de 1899.A serva de Deus manifestou também o phenomeno ao

seu confessor, Mons. Volpi, e ao director de sua consciência,

o P.

e

Germano da Ordem dos Passionistas. Desde este dia,repetia-se o prodígio cada semana, da tarde da quinta-feiraaté a tarde da sexta-feira. N'este dia, começavam a appa-recer umas manchas avermelhadas que se transformavam,em curto espaço, em vivas chagas. Outras vezes, os estigmasappareciam subitamente, como si os membros da extáticativessem sido perfurados por golpes violentos, e então a

pobre martyr contorcia-se toda e tremia pela violência dador. O sangue que brotava com abundância cessava nasexta-feira, a carne se restringia e, ao domingo, apenasviam-se os vestígios que ficavam das feridas cicatrizadas.

Assim, nossa Gemma não era tão somente um lyriode innocencia ; era também uma das passifloras, de côr arroxeada, que conheceis pelo vocábulo vulgar da flor domaracujá, cujos estâmes formam os très cravos e outros

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emblemas da Paixão, e chama-se por isso martyrio ou pas-siflora.

Dois annos durou este prodígio, até que fosse feita a prohibição pelo director. Afora estes signaes visíveis daschagas, a exemplo de Anna Catharina Emmerich e outrasestigmatizadas, a serva de Deus tornou-se participante dosoutros padecimentos do martyr do Golgotha.

Semelhante a Jesus, na sua cruel agonia, Gemma suousangue diversas vezes, sobretudo quando ouvia blasphemar o santo nome de Deus. Tão grande era a dôr que lhe cau

savam as offensas á divina Majestade, que ficava comofora de si, e o sangue lhe brotava dos poros.Depois de ter suado sangue, nosso Salvador foi cru

elmente flagellado em casa de Pilatos.A serva de Deus, principalmente nas sextas-feiras do

mez de Março de 1901, sentia todos os effeitos da dolorosaflagellação. Ella propria escreve, n'esta data, ao padreespiritual :

«Sexta-feira, pelas duas horas, Jesus me fez sentir um pequeno toque. Meu Padre, estou coberta de chagasque me fazem padecer um pouco. Viva Jesus!»

D. Cecília, a mãe adoptiva, foi testemunha ocular doextase em que Gemma foi flagellada por mãos invisíveis.

A pobresinha parecia soffrer horrivelmente e, de vez emquando, exclamava: «São estes teus golpes, ó Jesus?»

Cada sexta-feira, as feridas tornavam-se mais visíveise, no fim da quaresma, algumas chagas tinham um centímetro de profundidade.

«Depois da cruel flagellação, os soldados, tecendo deespinhos agudos uma coroa, puzeram-n'os sobre a cabeçade Jesus.» (S. Matheus).

Para ser completamente participante dos martyrios doBom Jesus dos Passos, faltava-lhe a coroa de espinhos eesta lhe foi concedida n'um extase, como á S.ta Catharinade Senna, pelo divino Redemptor.

Oh santa coroa de Jesus! Qual é o chr istão que nãose honraria em ver a sua fronte cingida pela coroa deespinhos? Gemma Galgani, que tinha uma terna devoção

para com a santa coroa de Jesus, anhelava esta ventura.

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«Esta tarde (lí) de Julho de 1900)», escreve a serva deDeus, «pude recolher-me: entreguei-me á meditação, comoo faço sempre na quinta-feira; de repente pareceu-me queestava em presença do Senhor dos Passos. Como podia eucontemplar meu bom Jesus soffrendo tanto sem consolal-o?

Por isto despertou-se em mim um ardentíssimo desejode soffrer também com Jesus e, com muita instancia, sup-

pliquei me concedesse este favor.Fui logo ouvida. O Senhor approximou-se de mim e,

tirando de sua cabeça o doloroso diadema, collocou-o naminha e o calcou com suas divinas mãos.

Instantes dolorosos foram esses, comtudo tão deliciososque não sei dizer! Passei assim uma hora com Jesus.»

A coroação mystica não foi o effeito da imaginaçãode Gemma, mas foi real, porque, no mesmo instante, appa-receram não somente na fronte, sinão na cabeça toda, de

baixo dos cabellos, pontos triangulares, das quaes corria osangue. Isto confirma o parecer de diversos autores ascéticos e contemplativos, que gozaram da segunda vista,como a chamam os theologos mysticos, os quaes affirmamque a coroa de espinhos cobria a cabeça inteira, e nãocingia tão somente a fronte como se pensa no geral e

como os artistas representam, erradamente, a cabeça de Nosso Senhor na cruz.Embora os evangelistas não falem da ferida no hom-

bro esquerdo de Jesus, causado pelo peso da cruz, S.ta

Thereza e muitas outras contemplativas a veneravam. No hombro de Gemma, appareceu também este signal

e tanta doia que a serva de Deus, quando estava andando,instinctivamente inclinava-se para o lado esquerdo.

Finalmente, para completar este quadro triste e tocante,Gemma de Jesus, nas sextas-feiras, era a imagem acabadado Christo, e a copia fiel do Homem das Dores. O sangue

lhe brotava da fronte e descia pelo rosto abaixo; cadacabello apresentava uma gotta vermelha, como affirmou

uma testemunha ocular.Seu aspecto fazia realmente pena e, ao vel-a, todoschoravam; um coração de pedra se teria commovido.

Ella dizia: «Não choreis. Jesus é o Homem das Dares, — vir doloriim, e eu também quero ser a Filha das Dores.

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Todos estes signaes maravilhosos, para obedecer aoseu director, teve Gemma que pedir ao Senhor lh'os retirasse, permittindo que cessassem aquellas manifestaçõesexternas. Gemma, entretanto, não deixou de soffrer asmesmas dores, pois que o sangue que correra servia-lhede allivio, emquanto agora, o coração, pela força com que

batia, forçando os vasos sanguíneos, a fazia derramar vivosangue pela bocca.

Gemma, porém, se alegrava com isso, e dizia: «Jesus,dar-te-ei as minhas mãos e pés, mais não posso, porque

me foi prohibido. Em compensação toma meu pobre coração, este sim, to posso dar. Eu to cedo, 6 Jesus. Soffromuito por isto, mas a obediência vale mais do que aviclima.»

E' excusado dizer que muitas pessoas, dignas de fé, presenciaram estas manifestações extra-communs; além deMons. Volpi, seu confessor ordinário, actual bispo de Arezzo,conta-se o P.e Germano, confessor extr aordinário e director espiritual que mereceu elogios rasgados do summo Pontífice, Mons. Pedro Paulo Moreschini, então missionário apostólico e visitador de diversas dioceses da Itália e, agora,arcebispo de Camerino.

Este prelado, vendo o sangue correr das chagas de

Gemma, disse: «Digitus Dei est hic, — aqui está bem visível o dedo de Deus.»

Para não errar num assumpto de tal importância ede immensa responsabilidade, o P.c Germano lançou mão detodos os recursos da sciencia e da experiência na direcçãodas almas, para provar o espirito de Gemma, consoante ás

palavras de S. Paulo: Probate spiritum si ei Deo est.Durante cinco annos, submetteu sua dirigida a um

minucioso e rigoroso exame sob o tríplice aspecto physi-ologico, moral e ascético, até se convencer de que o espirito de Gemma realmente era o espirito de Deus; e quenão somente o seu estado era normal como de perfeitoaccordo com os princípios da r azão, da fé, e da theolo-

gia mystica.Quem pode pôr em duvida as affirmações de pessoas

de critério e de grandes responsabilidades? de personagensaltamente collocadas na Igreja?

«*4 95



A sciencia orgulhosa, cuja fallencia Brunetiere, daacademia franceza, proclamou n'uma retumbante conferenciaque echoou pelo mundo além, jamais ha de explicar taesfactos sobrenaturaes, nem tão pouco as curas milagrosas deLourdes. Não se pode negar factos. Nem as negativas sys-tematicas dos atheus, nem a risota e os motejos dos impios

podem abalar nossa fé no sobrenatural e nossa crença nasmanifestações celestes, embora incomprehensiveis.

A Igreja venera a impressão das chagas no corpo deS. Francisco e instituiu, em commemoração d'esté facto mi

lagroso, uma solemnidade especial que se celebra a 17 deSetembro.

A mesma Igreja festeja também a transfixão do coração de S. Thereza, pelas settas inflammadas de um Sera-

phim. Não queremos, entretanto, obrigar ninguém a acreditar nos prodigios que acabamos de narrar, como se fossemum dogma da fé, logo que a Igreja ainda não se pronunciou sobre taes manifestações sobrenatur aes.

Esperamos, serena e confiadamente, a decisão infal-livel, no dia em que a mesma Igreja glorificará a humildeGemma, insere vendo-lhe o nome no catalogo dos santos.

Por emquanto peçamos esta graça a Nosso Senhor,semelhantes ao propliota Dailiol que, por ser um homem

de desejos ardentes, abreviou os dias da vinda do Senhor,Salvador do inundo. Assim, por nossos suspiros, pelas as pirações continuas, pelas preces fervorosas, podemos encurtar os dias que nos separam da glorificação de GemmaGalgani, a odorante flor do paraiso.

Prostrados aos pés do altar da Rainha das Virgens,levantemos as nossas mãos supplices ao céo e rezemos paraque, em breve, a auréola dos bemaventurados refulja nafronte tão pura de Gemma de Jesus.

Todavia, sem querer prevenir o juizo da Igreja, nossaMãe e Guia, fundando-nos na relação de pessoas insus

peitas, no testemunho irrecusável de ecclesiasticos, de prelados e de pessoas tementes a Deus, podemos acreditar,humanamente falando, n'estas manifestações sobrenaturaes

que são do domínio do mysticismo.O Senhor dignou-se conduzir a sua fiel serva peloscaminhos extraordinários, e, prodigalizando suas graças,concedeu-lhe favores excepcionaes.

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:

Não convém sondar estes abysmos é perscrutar estesmysterios ineffaveis.

Filhas de Maria, sede devotas da Virgem das DÔres;com ella subi ao Golgotha, a meditar na sagrada Paixãodo Senhor.

A exemplo de Gemma, transportae-vos em espirito aoCalvário e contemplae Jesus crucificado. Fazei a miúdo aVia Sacra, exercício tão piedoso e tão enriquecido de indulgências. Ajoelhadas ao pé da cruz, dizei a Maria:

«Santa Maria, isto vos peço,Fiquem em meu peito bem impressasAs chagas do crucifixo.»

Em união com Gemma, vosso modelo, fazei toda quinta-feira o exercício da Hora-santa, pratica tão recommendada

por Nosso Senhor.Falando á B. Margarida Maria Alacoque, Nosso Se

nhor lhe disse: «Todas as noites de quinta para sexta-feira, ficarás prostrada commigo durante uma hora com aface contra a terra, e recitarás cinco Padre-Nossos e cincoAve-Marias, com cinco actos de adoração, tanto para aplacar a ira divina, pedindo misericórdia pelos peccadores,

como para suavizar e honrar, d'algum modo, a amarguraque senti quando os meus apóstolos me abandonaram eme constrangeram a reprehendel-os por não terem podidovelar uma hora commigo.»

Terminando esta conferencia, deixae-me accrescentar uma palavra ainda sobre os favores espirituaes da servade Deus.

Estes favores sendo, como disse alhures, graças grátis datce, isto é, concedidas a uma alma sem cooperaçãode sua parte e sem consideração aos seus méritos, não sãonecessárias e nem unicamente a prova de sua santidade.

S. João Baptista de quem Nosso Senhor proclamou aeminente santidade não operou um milagre sequer; pelo

menos não consta nenhum.S. Vicente de Paulo fez pouquíssimos milagres, ao

passo que, na vida de Anna Catharina Emmerich, escripta pelo poeta allemão Brentano, bem como na vida de LuizaLataud da Bélgica, lêm-se prodígios estupendos.

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Gemma Galgani.



As duas estigmatizadas tornaram-se justamente cele bres, esta por seus extases e aquella por suas visões.

Os extases não são virtudes, disse o mellifluo S.Francisco de Salles na «Introducção á vida devota», masrecompensas que Deus dá pelas virtudes, ou, para melhor dizer, são amostras das felicidades da vida futura que,ás vezes, se concedem aos mortaes para fazel-os desejar as

peças inteiras que estão lá- no alto do céo.O mesmo santo recommenda a sua cara Philothéa que

não deseje visões e extases, porque ha grande perigo de

vaidade e de illusão em semelhantes graças.Finalmente refiro um bello conceito de S. Bernardo: A santidade não consiste em fazer cousas portentosas,

mas em fazer todas as cousas, por mais communs que. sejam, de um modo não commum, isto ê, perfeito.

Quero allegar ainda alguns conceitos do piedoso Padre Fáber que synthetizam a doutrina dos doutores daEgreja acerca da predestinação, este insondável mysterio :

Os santos différent muito uns dos outros e todavialodos se assemelham. Mas hajam ou não obrado milagres,tenham ou não feito mortificações corporaes excessivas,como S. Bernardo que, no fim da sua vida, pediu perdãoao seu corpo de tel-o tão maltratado pelas penitencias, ccerto que todos se assignalam por um caracter que os dis

tingue dos que não são santos. O que nos deveria encher de alegria, é que os principaes caracteres da sua santidadeestão ao nosso alcance, podendo aproveitarmo-nos d'ellesquando quizermos, sem fazer milagres espantosos, e semter apparições como as teve Gemma Galgani.

Nosso Senhor predestina algumas almas a uma santidade maior, concedendo-lhes graças extraordinárias, mani-festando-se-lhes de uma maneira visível e palpável; porém,a graça sensivel e o milagre nem sempre são os únicoscritérios de santidade. Portanto, ninguém deve pretender ir além dos limites da graça que Deus lhe concede.

«N'uma palavra», assim conclue o jjiedoso e doutooratoriano inglez, «embora os santos diffiram entre si emmuitas cousas, assemelham-se em très pontos principaes, asaber: 1) o zelo pela gloria de Deus, 2) a susceptibilidade

pelos interesses de Jesus, 3) uma viva solicitude pela salvação das almas». Na próxima conferencia, trataremos este assumpto tão

interessante e estudaremos, minuciosamente, a virtude dezelo da serva de Deus, Gemma Galgani.

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D E C I MA PR I ME I R A C O N FE R E N C I A .

U m a l i z i c L a a g^ a ta .— O z e l o p e l a

s a l v a ç ã o d a s a l m a s .Zeliis domus tuae comedit me.

( P s a l m o . )

0zelo de tuaeat>ameconsome.

o riquíssimo ornamento pontifício,todo recamado de pedrarias e jóiasraras, que cobria o peito do summosacerdote, quando entrava no santuário para desempenhar as sagradas fmicções, brilhava a ágata,

pedra custosa de peregrina bellezae encantadora polyehromia.Depois de estudar e examinar as

virtudes de Gemma de Jesus e de comparal-a a outrastantas pedras preciosas, resta-nos estudar os reflexos diversos da ágata, que pode significar o zelo, porque estavirtude tem diversos aspectos.

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«Em toda a obra grande e bella», diz um autor por-tuguez, «quer seja da natureza, quer da arte, quer da graça,ha sempre o duplo reverbero do Creador: unidade do reflexo de um Deus simplicíssimo e variedade do reflexo deum Deus infinito. Esta dupla feição pertence ás grandesobras da virtude e do apostolado no mundo.

S. Paulo explica esta verdade, clara e exactamente,na sua epistola aos Gorinthios: «Ha diversidade de operações sobrenaturaes, mas não ha sinão um espirito queopera em todos.»

O Senhor que favoreceu a sua fiel serva Gemma comtantas e tão prodigiosas graças espirituaes, como os donsde prophecias, do discernimento dos espíritos, o conhecimento das línguas, pediu-lhe a collaboração na grande obrada Redempção, como a pede a todos os christãos e principalmente ás Filhas de Maria, embora não precise damesma de forma alguma.

O Senhor pediu a Gemma o concurso na conversãodos peccadores e os suffragíos pelo descanço eterno dasalmas do Purgatór io . Deixemos que ella conte de quemaneira recebeu do céo esta sublime missão de trabalhar pela conversão dos peccadores, íuima apparição maravilhosa, que se revestiu de uma certa solemnidade e que se

parece muito com a apparição de Paray-le-Monial, quandoJesus manifestou a B. Margarida Maria de Alacoque asriquezas de seu Coração sagrado:

«Um dia, depois da communhão, Jesus me interrogou:«Minha filha, tu me amas?» Que devia dizer? Meu

coração então respondeu affirmativamente, pulsando comviolência. «Si me amas», continuou o Senhor, «farás oque peço e desejo de ti», e, proseguindo n'um tom que tra-hia profunda emoção, accreseentou:

« Quanta ingratidão e quanta maldade se encontram sobre a terra! Os peccadores não se emendam, empedernidos continuam a me offender; as almas fracas e covardes não se contem; incapazes de fazer o mínimo esforço

para vencer as tentações, miseravelmente caem nos laçosdo demônio e não resistem aos attractivos da concupiscência; as almas vencidas entregam-se ao desespero, em-quanto a indiffcrença, vae augmentando cada, vez mais;

lúO



finalmente não ha quem pense. Comtudo não deixo de prodigalizar minhas graças a todos.

Doa ã Igreja, com abundância, a vida e a luz, e ao seu chefe, a sabedoria e o animo; dou aos ministros dosaltares e a todos os que trabalham para a salvação dasalmas, fortaleza e coragem; aos que fiéis seguem minhas

pegadas, doua perseve

rança e a

constância;aos justos, graças di

versas emúltiplas.

Não meesqueço dos

peeeadores :minha luz vae procurai-os nos

esconderijos sombrios,

onde se oc-cu/tam; em prego os

maiores es forços para Verdadeiro retrato do Crucifixo, di

ante do qual orava a serva de Deus,COmmOVel-OSj '^Gemma Galgani.

convertel -os e "

cha/mal-os aoaprisco d<>

bom Pastor.

Ora, quelucro tiro detantos esforços ¥ Que ganho com tantos trabalhos? quecorrespondência, encontro por

tantas tentativas amoro sas ? Que

collaboraçãoda parte

das creatu-ras huma

nas que tanto amei e

tanto amo? Ninguém leva em conta o amor air azado de meu

coração, cheio de piedade!Os homens ingratos se esquecem de mim e me traíam

como se fosse um estranho que nada tivesse feito em seu favor, ou que nunca os tivesse amado!

Meu coração está afflietissimo. Estou abandonado

nas igrejas, ficando sosinho no tabernáculo, dia, e noite. Muitos dos que vêm me visitar, em lugar de me consolar como devem, cmgmentam-me ainda mais a tristeza, porque são levados a minha presença por motivos humanos!

Alguns até me deshonram pela falta de respeito, e profa-

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nam a igreja, que ê a easa onde resido saeramentalmente,conversando e distraliindo-se. Conheço lambem muitos que,

semelhantes a Judas, fazem communhões sacrílegas, rece-bendo-me indignamente, com hypocrisia detestável.»

Jesus ia prosoguir nas amorosas queixas, porém não pude me conter e exclamei a chorar:

Basta, meu bom Jesus; não posso mais.'»Gemma poz, immediatamente, mãos ã obra, e, com um

incendido zelo, tratou de desempenhar a honrosa missão demedianeira que o Senhor lhe confiou n'essa memorável

circumstancia. Offereceu primeiro os soffrimentos, physicose moraes, as mortificações que não foram poucas, afim de,como diz S. Paulo, completar em sua carne, o que faltouna Paixão de Nosso Senhor. Em seguida offereceu o pró prio sangue na mesma intenção.

Para consolar o divino (.'oração, consagrou-se comohóstia de pureza em holocausto e, para desaggravar a ingratidão dos peccadores, deu a Jesus as ultimas gottas doseu sangue virginal. O sangue brotava com abundância doscinco estigmas maravilhosos e, ás vezes, do corpo todo,até dos olhos innocentes.

Em confirmação d'esté sentimento, narra o biographoque, um dia, Gemma, ao voltar da igreja, ouviu um de

seus empregados, furibundo e cheio de raiva por uma desgraça que lhe succédera, vomitar horrorosa blasphemia.Ao ouvil-o, a pobre menina estremeceu, quiz reprehendel-o,

porém faltaram-lhe as forças e cahiu desmaiada; o coração,entretanto, batia-lhe com violência extrema no peito e, incapaz de resistir á força que o opprimia, começou a expellir sangue com tal vehemencia, que este, atravessando a pelle,chegou a sahir pelos poros em forma de suor, banhando-lhe os vestidos e mesmo o chão.

Passado o delíquio, levantou-se e, sem perceber o quelhe succédera, commovida ainda pela profunda afflicçãoque sentira, voltou aos seus.

Sahiu-lhe ao encontro primeiramente a tia que, admi-rando-lhe a pallidez extrema da face e o sangue que corria, sem poder imaginai" o que se passara, perguntou-lhe omotivo d'esse phenomeno. Em seguida, pensando que se

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tivesse açoitado com flagellos e instrumentos de penitencia,começou a censural-a com aspereza.

A humilde virgem, vendo-se descoberta, enrubeceu etentou occultar tudo, mas não o poude e teve cie confessar,ingenuamente, que aquillo era effeito das blasphemias que pouco antes ouvira.

Commovida a tia e procurando dissimular, interrogou-a: «Não tens por ventura ouvido, outras vezes, blasphe-mar n'esta infeliz cidade?»

Ao que a pobre Gemma continuando a gemer, respon

deu: «Não é a primeira vez; sempre, porém, que não meé dado fugir ou pelo menos distrahir-me, experimento este phenomeno ».

Eis como Jesus se mirava em sua serva: «Jesus soffrecom as blasphemias e eu soffro com elle no meu, coração;o sangue me jorra das veias».

Poderia acrescentar que, outra vez, o seu sentimento,ainda foi mais profundo, e a violência da dor fel-a chorar verdadeiras lagrimas de sangue.

Este phenomeno, único na historia e na vida dossantos, repetia-se frequentemente, desde que Gemma attin-giu os cumes da perfeita caridade e do puro amor. Muitas

pessoas observaram o facto extraordinário, vendo o sangue

brotar-lhe dos olhos innocentissimos e coagular-se norosto, de maneira a ser preciso raspal-o.

Gemma deu, portanto, o sangue das mãos, o sanguedos pés e do peito, o sangue dos olhos a ponto de esgo-tal-o, para desaggravar o divino Esposo das irreverênciase dos crimes dos homens !

Que fará ainda a delicada joven para satisfazer aosdesejos do Senhor e para desempenhar a nobilíssima missão de que fora incumbida?

Desobrigar-se-ã de seu compromisso, com um zeloabrazado, orando sem cessar pelos peccadores e levantandoao céo as mãos supplices.

Gemma descobrira o segredo de abrandar a justiça

divina por supplicas incessantes, por jaculatórias inflam-madas, por lagrimas e suspiros de amor. Aplacava aira de Deus, advogando a causa dos pobres peccadores,com rara eloquência, e alcançando-lhes a graça da conversão.

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Saber-se-á, no dia dé juizo, o numero de peccadores quearrancou das garras do demônio.

Quando a ira e o enfado se apoderavam do rei Saul,nos diz a Eseriptura sagrada, David, seu pagem, que eraum harpista excellente, pegava de seu instrumento predilecto, e os sons harmoniosos serenavam o rei e acalmavam-lhe a cólera. Embalado por estas ondas musicaes daharpa encantadoras, Saul esquecia-se das ameaças e da ira.Assim também o coração de Gemma, semelhante á harpavibrante de David, cantava os hymnos de amor e de re

paração ; aplacava a justa ira de Deus Padre, Rei dos reis,e detinha o braço vingador prestes a castigar o mundo

peccaminoso. Nosso Senhor, que achou no coração de S.t:i Ger

trudes, conforme o que se lê na oração d'esta santa, umamansão alegre, desfructou também suas complacências nocoração da reparadora perfeita, Gemma Galgani.

A propósito seja-me licito referir umas palavras doPadre Fáber:

« Praza ao céo que volte a esta terra S.ta Gertrudes para tornar a ser o que foi, na idade média, a prophetizae a doutora da vida interior!» (Tudo por Jesus.)

O voto do piedoso oratoriano de Londres, o digno

filho de S. Felippe Nery. parece ter sido ouvido em parte.Embora não se possa estabelecer parallelo entre a

nossa heroina e S.tu Gertrudes que foi o assombro de seouloX I I I , a lídima gloria da illustre Ordem de S. Bento, e umdos mais bellos florões da Allemanha, comtudo pode-sedizer que, a exemplo de Eliseu, herdando de seu bema-venturado pae Elias o duplo espirito, Gemma Galganiherdou da grande illuminada de Eisleben e abbadessa benedictina, o espirito de oração e reparação, juntamentecom todos os dons da vida interior.

Por mil actos de desaggravo, a serva de Deus, dedia e de noite, suppria a negra ingratidão dos homens, econsolava o diviníssimo Coração de Jesus. Piedosa Verônica, enxugava a face de Jesus, coberta da lama dos

peccados.Como o bondoso Simão Oyrineu, com padecia-se de

Jesus e ajudava-o a levar a cruz, sobre a qual pezam oscrimes de toda a humanidade.

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Amorosa Magdalena, prostrava-se aos pés rasgados

do divino Salvador, banhando-os com seu pranto, conso

lando a divina victima ultrajada pelas blasphemias.

Filha de Sião compadecida, seguia as pisadas san

grentas do Redemptor, abafando, com palavras de ternura,

cada uma das injurias, cobrindo, com um osculo, cada uma

das bofetadas.

Como a Virgem Maria, depois de receber nos braçoso corpo de Jesus despregado da cruz, Gemma arrancava

os espinhos cruéis da cabeça de Jesus, derramando rios

de lagrimas.Piedosa Maria Salomé, entre soluços e ternos gemidos,

ungia, com os mais preciosos bálsamos, o corpo chagado e

ensanguentado do seu divino Salvador, victima dos pecca-

dores e, por suas orações continuas e fervorosíssimas, a

serva de Deus interpunha a sua intercessão valiosa aos

peccados dos ingratos.

Nas preces de Gemma, havia como uma escala de

supplicas que o evangelista aponta: Petite—pedi! quœrite- proeuraef pulsate — batei d porta!

Interessada vivia constantemente por uma ou outra

alma desvairada.

'Lembra-te», dizia ella a Jesus, '(resta ou d'aqtiella,

quero vel-a salva eoinmigo ! »Supplica prudente e ao mesmo tempo efficaz!

Muitas vezes, interpunha a doce supplicante a inter

cessão de Maria Santíssima, o refugio dos peccadores, cujo poder experimentava a miúdo.

Um dia, Nossa Senhora lhe appareceu, acabrunhada

de tristeza, e lhe communicou que estava resolvida a aban

donar um peccador, pelo qual se tinha interessado. Gemma

exclamou commovida:

Que estás dizendo, minha Mãe? queres abandonar essa alma? Por ventura não pertence a Jesus? Teu Filho

não derramou sangue por ella? Não, mil vezes não; vae,

minha Mãe, e abranda o Coração de Jesus !»«Abandonar uma, alma!» esta expressão traspassava,

como uma setta, a alma de Gemma. Ouvindo-a, ficava como

exasperada. O director empregou-a também, unicamente para

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provar a sua zelosa dirigida e conheceu a que ponto estas palavras a torturavam.

Um dia, declarou-lhe que ia deixar uma alma que julgava renitente. «Não diga isso! Ai, ai, padre máo,» exclamou ella commovida, «para que desanimar assim? Nem seicomo- V. Rvma. pode pensar n'isso. Mande chamar esta pessoa, diga-lhe toda a verdade, francamente, use de condescendência, como usa commigo, que fui peor do que ella.Tome cuidado, caso não seja possivel falar-lhe, escreva,

ameaçando-a com os castigos divinos, si não se emenda. Não accr escento mais nada: faça tudo, tudo».

Recommendaram ás orações de Gemma um peccador empedernido, irmão de uma piedosa e distincta senhora.Immediatamente, a serva de Deus rezou pela conversãodo culpado, arrebatada n'um êxtase. O Senhor declarou,sem duvida para proval-a, que não conhecia aquelle peccador.

«Gomo, Jesus? não o conheces? Por ventura não serátambém um filho teu?» Em seguida, Gemma, desanimada,dirigiu-se á Santíssima Virgem. Esta chorava o não respondia. Invocou então o B. Gabriel, que também não ligouimportância a sua oraçã o.

Sem perder coragem, redobrou de fervor e de orações.Entretanto confessou com singeleza: «Este homem

deve ser um peccador renitente e obstinado em vista deque o Senhor declara que nem o conhece; a VirgemMaria limita-se a chorar e o B. Gabriel fica mudo!»

Gemma rezou assim durante um anno com admirável perseverança, quando, um dia, voltando da igreja,exclamou:«Está salvo!» Perguntaram-lhe de quem falava, e ellarespondeu: «Do irmão d'aquella senhora».

De facto, n'essa mesma hora que pronunciava estas palavras, o referido homem morria reconciliado com Deus, beijando a mão do sacerdote e recommendando-se-lhe ásorações.

O ultimo peccador, por quem Gemma se interessou,foi um senhor de Lucca, celebre na cidade por sua obstinação e que Gemma, entretanto, não conhecera pessoalmente.



Rezou durante muito tempo, e fez esforços sobre-humanos para alcançar a conversão e a salvação d'estaalma tão digna de compaixão.

Já estava prostrada pela doença que a levou ao tumulo, mas continuava o apostolado da oração. No dia dequinta-feira maior, converteu-se o referido peccador e, doisdias depois, Gemma voou para o céo, empunhando estanova palma de victoria; foi a ultima conversão que alcançou.

O demónio, naturalmente enfurecido pelo inexcedivel

zelo da piedosa joven, que lhe arrancava assim as victimas,rangia os dentes de cólera.

A miúdo apparecia-lhe sob a figura da besta-fera; osolhos lançaram chispas; fazia-lhe ameaças assustadoras.

«Não me importa que trabalhes para ti», dizia elle,«faze o que quizeres, toma cuidado, porém, de não fazeresnada em prol dos peccadores, porque n'este caso me pagarásmuito caro!»

Outra vez, Satanaz,tornando-se manhoso sob a mascarada hypocrisia e, apparecendo-lhe sob a figura do anjo daluz, dizia:

«Tu mesma és uma grande peccadora, carregada deinnumeros crimes. Para que te importas com a vida alheia?

Ora, toda a tua vida seria insufficiente para chorar teuscrimes e reparal-os pela penitencia. Para que então chorasos peccados dos outros? Vê que tua propria alma está em perigo. Bonito lucro! Ganhar a alma dos outros e perder a propria !»

Este ardil diabólico, entretanto, não conseguiu ef feito-Ouviram-n'a a falar com Jesus n'um extase: «Queressaber, doce Jesus, quem foi que me prohibiu rezar pelos peccadores? Foi o demónio. Toma conta das pobres almasdesvairadas, eu t'as recommendo. Ensina-me a amar edesenvolver ainda mais zelo, e assim lucrar muitas d'ellas. »

Gemma rezava, em particular, pelas almas inimigas.Esta pomba sem fel vingava-se d'esta maneira d'aquellesque lhe queriam mal.

«Retribue-lhes,» dizia, «o bem pelo mal que me querem fazer, ó Jesus! Amanhã offereeerei a santa com-munhão n'esta intenção. Elles talvez pensem em me offender, entretanto eu os amo sinceramente».

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Assim é que a piedosa joven praticava a caridade para com o próximo. Visto que, n'este humilde esboço, nãose apresentou a oceasião, máu grado nosso, de estudar a bella virtude da caridade que, como pedra preciosa, brilhará eternamente na coroa immortal de Gemma, estimamosimmenso, não obstante, citar este exemplo bellissimo deamor do próximo. Sirva de incentivo ás Filhas de Maria para pagarem o mal com o bem, perdoando de coraçãoaos inimigos e rezando por elles.

Gemma de Jesus, além das supplicas incessantes pelaconversão dos peccadores, exercia o fecundíssimo apostolado, dando bons conselhos, ensinando aos ignorantes, re-

prehendendo, com humildade, prudência e doçura, aos queerravam e, encarregando-se, da parte de Jesus, de censurar e, ás vezes, de ameaçar com castigos a quem merecia.

A exemplo de Tobias do Antigo Testamento, levavaas consolações e admoestações, cheias de caridade, a todos,animando-os a praticarem a religião n'este desterro.

Ponderem as Filhas de Maria que o zelo não é exclusivamente uma virtude apostólica e sacerdotal. O padre,na verdade, está collocado sobre o candelabro como umaluz que ha de irradiar para todos os cantos da casa do

pae de famíl ia, tal é a ra zã o da sua exi stência, tal a suamissão.

Os simples fiéis, entretanto, podem e devem tambémexercer o zelo na esphera embora estreita, em que a Providencia os collocou Existe um erro inveterado em certaclasse da sociedade que affirma a obrigação do zelo ser apenas um conselho de perfeição, e a nada obriga emconsciência.

Não se lembram os illudidos que a obrigação do zelo pela salvação das almas é um preceito divino que obrigaa todos na medida de suas forças: Diliges proximum, tuum

sieut te ipsum, — amarás teu próximo como a ti mesmo. Osantigos romanos davam uma coroa de louros feita de ouroa quem salvasse um homem da morte imminente; Nosso

Senhor, mais generoso, concede uma coroa immortal a quemsalva as almas.Disse muito bem S.to Agostinho: Qui non zelai non

amai. Aquelle que não tem zelo não se pode ufanar deamar a Deus e ao próximo como a si mesmo.

1 0 8

, , - M



Leiam a vida dos santos, e verão de que maneirahumildes virgens, animadas pelo zelo das almas, fizeram

prodígios. S.ta Christina, uma pobre escrava, pelas suasorações fervorosas, alcançou a saúde da rainha da Ibér ia,no quarto século da éra enrista, converteu em seguida orei d'esse paiz e, finalmente, toda a nação hespanhola.

Dizem de S.ta Thereza de Jesus que, sem sahir doconvento, converteu um numero maior de almas de queseu contemporâneo e patricio, S. Francisco Xavier, ogrande apostolo do Japão. E' o prodígio da oração.

Filhas de Maria, rezae pela conversão dos peccadores,lembradas de que podeis converter mais almas do que um padre, porque, afinal de contas, quem converte os peccadores é a graça e não o sacerdote.

Prouvera a Deus que cada uma de vós possa dizer:« O zelo da casa de Deus me devora e me abraza. »

Prouvera a Deus que, na vossa coroa immortal, brilhe,durante toda a eternidade, a pedra preciosa da linda aga-tha, symbolo do zelo.

Nosso Senhor serviu-se, mais de uma vez, da suazelosa serva para transmittir mensagens e recados.

Uma vez escreveu ao director: «O Senhor manda-me,em seu nome, á superiora de um convento para dizer-lhe

que não resista e caso se obstine e não queira obedecer aos superiores, será severamente castigada. Ai d'ella si nãose emenda e não tira proveito d'esta ultima admoestação!

A um prelado que lhe perguntou si desempenhava bem o múnus pastoral, disse: «V. Excia. deve usar demaior prudência nos negócios, e de mais doçura para comos inferiores, a não ser assim, não satisfará a ninguém.»

A singela joven, allumiada pelo Espirito Santo, seexpressava com toda a modéstia, embora com muita franqueza, e não melindrava a ninguém.

Afim de desempenhar melhor o sublime cargo do medianeira e mensageira de Deus, Gemma recebeu, além dosoutros dons sobrenaturaes, o dom do discernimento dos

espíritos bem como o da prophecia, como provou em diversas oceasiões.Para citar um exemplo e afim de abreviar esta con

ferencia que já vae longa, quero apenas mencionar a pro-

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phecia do estabelecimento de um mosteiro de religiosos passionistas na cidade de Lucca, facto que se realizou doisannos depois de sua morte, em cireumstancias imprevistase maravilhosas. Por este espirito prophetieo, vem appare-cer-se com S.ta Rosa de Viterbo que também annunciou seriarecebida, depois de sua morte, no mosteiro das Pilhas deS. Francisco de Assis, como de facto aconteceu.

Não ta rdará o dia em que as Filhas de S. Paulo daOriiz, guardarão e honrarão, na sua capella, os restos mor-taes de Gemma, considerando-a não só como uma irmã,

sinão como fundadora e madre.Gontemplae, Congreganistas, a serva de Deus, a Filha

de Maria modelar; esforçae-vos por imital-a na vida apostólica ! Alliaram-se n'ella a vida contemplativa de MariaMagdalena e a activa de Martha.

Estudae-lhe o santo e curto peregrinar pela terra,todo empregado em obras de fecundo apostolado !

Esta alma, embora toda embebida de sobrenatural ede mysticismo, nem por isso deixou de servir a Deus, comodiligente abelha, com trabalhos incessantes, em prol dasalmas que se perdem e com obras de caridade para como próximo: Famula tua, Domine, quasi apis tibi argumen-tosa cleservit. (Officio de S.ta Cecilia.)

Uma congreganista não deve desperdiçar o tempo eas forças, nem entregar-se a ociosidade que turva e empanao brilho da agatha que symbolisa o zelo. Oada uma modele as acções pelo exemplo dos santos.

Filhas de Maria, para serdes dignas d'esté nome,assiste-vos a obrigação de desdobrar a actividade.

Movidas pelo zelo ardente, trabalhae pela conversãodos peccadores, trabalhae com afinco pela maior gloria deDeus e de Maria Santíssima, tanto mais que a necessidadedo zelo se faz sentir mais fortemente do que nunca. Oxaláse propaguem e se desenvolvam as obras do zelo apostólico, de maneira que breve se estabeleça o reino de Deusna sociedade moderna: Advenial regnum tuttm.

I I O




DE CIMA SE GUNDA CONFE RE NCIA.

Uma esmeralda. - - Q desapego. —obe

diênciadeGemmaGrSLlgrsmi-

E t p o s u i t i n e o g e m m a r u m o r d i -

n e s q u a t u o r : i n p r i m o v e r s u s m a -

r a g d u s .( E x o d . 39 . )

Pôz no racional quatro ordens de pedras preciosas: na primeira, haviaama esmeralda.

M a primeira fileira do racional do pontífice da antiga lei, e nos alicerces do templo de Jerusalém, brilhava, modestamente, a esmeraldacom seus reflexos verdes.Esta joia é pouco procurada e

ainda menos estimada, embora sejarara4 porque não se impõe por um

brilho fascinante; assim pode sym-lisar o desapego, virtude pouco prezada pelos homens.





O desapego não deixa de ser, entretanto, uma virtude básica da santidade, como a esmeralda era uma das pedrasfundamentaes do templo da Nova Jerusalém, descripta por S. João Evangelista.

Desde muito criança, Gemma nutria o desejo de seguir a Jesus, pelo desprendimento total das creaturas e imital-o,na pobreza, na abnegação, no admirável desapego dos bensterrestres, n'uma palavra, queria ser santa; era este seu t único anhelo, sua continua aspiração.

Por intuição, Gemma comprehendeu que o caminhoda santidade não é outro sinão o caminho da cruz.

Por inspiração divina sabia, apezar da tenra idade,que deve seguir a Jesus quem se dispõe a ser santo, levando a cruz ás costas e renunciando completamente nãosó a todas as cousas creadas, mas ainda ao próprio sentir e querer.

D'esta maneira, ia Gemma galgando os degráos dasantidade, attingindo, em breve, o cume da perfeição.

O desejo de ser santa pelo desapego, era a nota dominante de seus sentimentos, de seus affectos, de todos osseus pensamentos e desejos.

Nas operas de Verdi, e em todas as obras musicaes,

nota-se bem uma aria principal que volta sempre e guiaas outras, sendo por isso que os allemães a chamam Leitmotif. Assim também na vida de nossa heroina quefoi um hymno de celestes harmonias, volta sempre o mesmomotivo: o desejo de ser santa pela pobreza voluntária,

pelo desprezo das commodidades e dos bens da , terra.O desprendimento total, o espirito de sacrificio, o

desapego do mundo para chegar á perfeição, tornou-seuma espécie de santa mania, que aliás S. Paulo chama aloucura da, cruz. Para alcançar este nobre fim, tão ardentemente desejado, desde os verdes annos, esforçava-se por desviar o coração das creaturas, renunciar á própriavontade e seguir a Jesus na vereda Íngreme do despren

dimento e do desapego total.Desde pequena, Gemma trilhou a estrada real da santa

cruz que conduz ao paraíso, e nunca a estrada larga,alcatifada de rosas que vae dar no inferno.



Compenetrada das palavras de S. Paulo: Não temosaqui morada permanente, considerava-se como uma desterrada, uma estranha, uma peregrina n'este valle de lagrimas. Tendo a morada no céo, olhava as cousas terrenas de

passagem, como o viajante, no alto mar, olha para as ilhasque se approximam e se afastam; nada via no inundoque pudesse merecer -lhe a affeição. Nunca se apegou áscousas fugazes d'esta vida transitória, nem lhes creou amor,nem se deixou captivar por seu falso brilho.

A alma de Gemma, enamorada somente das cousascelestes, não podia achar paz e socego no meio do mundo,

onde tudo lhe causava aborrecimento.Dizia ella: «No mundo tudo me aborrece, tudo me

pesa, nada desejo a não ser amar a Deus.

Desabafo-me o mais que posso com aspirações jaculatórias; assim passo os tristes dias.»

Nosso Senhor podia dizer de Gemma o que disse dosseus discipulos, na ultima ceia: Ó Pae, estes vivem nomundo, mas não pertencem ao mundo. (S. João.)

Creatura alguma embaraçava esta santa alma e a prendia nos vôos para o céo. Como o real propheta suspirava:Quem me dera as azas da pomba para voar ao logar

do meu descanço!»

Orphã de mãe com idade de oito annos; orphã de pae poucos annos depois, privada, portanto, do doee aconchego do lar domestico, passou a curta e dolorosa vidaem casa de parentes e conhecidos; primeiro, em casa desuas tias, depois em casa de uma bemfeitora, senhora muitodistincta, e, finalmente, falleceu n'uma casinha que esta

piedosa senhora alugou para ella na visinhança.Embora as tias fossem muito boas para tão piedosa

sobrinha, a pobrezinha nunca teve os commodos da casa paterna por muito pobre que fosse, e soffreu como soffreo passarinho implume, lançado pela fúria do vendaval asacudir -lhe o ramo, fora do tépido ninho.

Achou, entretanto, um socego relativo em casa de

D. Giannini que a adoptou e amou como filha e a quemdava Gemma o nome de tia; porque em sua casa gozavad'uma certa liberdade e podia se entregar, á vontade, ás

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Gemina Galgani. 8



suas meditações, tendo seu quartinho separado, emquanto,na casa paterna e em casa das tias, os irmãos e até pessoas estranhas a espreitavam pelo buraco da fechadura,afim de vêl-a e surprehendel-a em êxtase.

Esta curiosidade inconveniente causava-lhe não pequenos desgostos.

Em casa de D. Cecília Giannini, a modesta meninadispensava creados, não querem (o que pessoa alguma lhearranjasse o singelo quartinho, mostrando-se antes atten-ciosa, obsequiosa e serviçal para com todos. Ao chegar

uma visita,-retirava-se discretamente da sala, deixando suatia tratar do objecto da visita, sem nunca se intrometter em negócios que não lhe diziam respeito.

Tão grande era o desprendimento de Gemma, que nemá própria vida era apegada e estava sempre prompta adal-a, afim de prolongar a alheia.

Xote-se de passagem o seguinte rasgo de renunciade si mesma e de generosidade para com o próximo.

Quando uma pessoa de suas relações estava a morrer,a caritativa e heróica menina pedia logo ao padre espiritual a licença de ceder alguns annos da própria existência.Sua morte na flor da mocidade foi o resultado d'estas

trocas tão generosas quão admiráveis.

Pode-se dizer como Thomaz de Kempis: Quem descobrirá, pois, o Ar erdadeiro pobre de espirito desapegadodo amor das creaturas?!... Pérola preciosa que é necessário

buscar até as extremidades da terra. Ainda que o homemdê por ella tudo quanto possue, cousa alguma dá.»

Esta santa menina praticava também a bella e raravirtude do desapego em relação ao director da sua alma,a quem seu confessor ordinário, Mons. Volpi, a havia confiado, para melhor dirigil-a nos caminhos extraordinários eno alto mysticismo em que tinha entrado.

Este distincto sacerdote, religioso passionista, não residia em Lucca, e a direcção fazia-se por correspondência.

Gemma não se queixava da raridade das visitas do director,nem murmurava da demora em lhe responder as cartas.

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Progredia assim, eada vez mais, nas virtudes, vivendosem vontade propria, sem amor próprio, despojando-se detudo para ser toda de Jesus.

Por isto foi sempre obediente aos seus superiores,visto que tinha morrido n'ella o amor desordenado e excessivo de si mesmo.

Sua obediência ao director espiritual era a toda a prova,sacrificando até as consolações celestes, para obedecer ásordens dos superiores ecclesiasticos.

Com o intuito de conhecer até onde chegava a suaobediência, prohibiu-lhe, uma vez, o director, prestar atten-ção ao divino Esposo de sua alma. Ora, um dia, appareceu-lhe o Senhor dos Passos, todo ferido, convidando-a para

beijar -lhe as chagas. Gemma, lembrada da prohibição dodirector, desatou a chorar. Firme, porém, no propósito deobedecer, custasse o que custasse, ficou immovel.

N'esse instante, notou que os sagrados estigmas appa-reeiam-lhe nas proprias mãos, d'onde o sangue começou a

brotar.«Logo que observei isto», disse ella,

«levantei-me, retirei-me, abandonei meudivino Salvador, obedeciao meu director

e fiquei alegre. Caro sacrifício ! »Oh bella e admirável obediência.!O confessor, receando que os soffri-

mentos mysticos que padecia, nas quintas e nas sextas-feiras, chegassem aoffender -lhe a saúde, prohibiu-Ih'os, terminantemente, em nome da santa obediência.

Oh milagre! o divino causador d'es-tes martyrios respeitou as ordens doseu ministro e as dores cessaram por completo. A serva de Deus, embora osacrificio lhe custasse muito, ficou sa

tisfeita.«Cara obedien-

*^MÉÈÊfo c * a ' * ouviram-na%>XlÈmÊÊgÊÊ exclamar n'um ex-

115 &9*!



tase, «cara obediência que me roubas as doçuras do amor divino! anciosa espero a hora em que possa te abraçar .

Soffrendo muito do estômago nos últimos períodosda doença que a levou para o tumulo, era incapaz desupportar a mais leve comida. O director ordenou-lhe quese alimentasse a despeito do incommodo; ella obedeceu e,cousa maravilhosa! o alimento não lhe fez mal. Bem dissea Sabedoria: O homem obediente cantara victorias.

Gemma, também muito obediente e submissa a suastias, cheia de deferência para com as outras pessoas da

casa, era, para bem dizer, a serva humilde de todos, prompta sempre a obedecer ao menor aceno.

Quando estava a rezar na igreja, ou fazendo a acçãode gr aças depois da communhão, bastava que a companheira desse o signal da partida, para levantar-se e sahir ás pressas.

Muitos outros exemplos poderia citar em abono dacega obediência e da simplicidade infantil de Gemma.

Seja-me licito referir o ultimo.Quando não podia conciliar o somno, devido ás con

versas da sala visinha, bastava Cecilia dizer: «Dorme,Gemma, precisas de descanço!» e immediatamente a servade Deus fechava os olhos e adormecia placidamente.

Aprendei, ó Filhas de Maria, a exemplo de Gemma,a considerar-vos como hospedes sobre a terra, a quemnada interessam os negócios do mundo! aprendei a morrer

para o inundo, porque tudo ri cite é vaidade e afflicção deespirito, excepto amar e servir a Deus!

Aprendei a desapegar-vos da vossa vontade e a renunciar a todas as creaturas, afim de gozar da verdadeiraliberdade dos filhos de Deus! Pedi ao Senhor quebre osgr ilhões que vfts prendem a esta terra miserável, comodizia o psalmista: Diripuisti vincula mea, afim de puderdes, livremente e sem peias, offerecer o sacrifício de louvor e invocar o santo nome!

Pedi ao Senhor vos tire da casa da servidão do

Egypto, para vos conduzir á Terra da Promissão, ondemana o leite e o mel!Combatei, sem cessar e com denodo, o amor próprio

excessivo, para viver na sujeição e na perfeita obediência!

ti6



Dae esmolas de vossos bens, si tiverdes muito; si tiverdes pouco, procurae repartir de bôa vontade esse pouco! Sifordes pobres, santificae a pobreza pela resignação e paciência, lembrando-vos de que o indigente é mais semelhantea Jesus, o divino Mestre, que disse: «As raposas têm umatoca onde descançar, e o Filho do homem não tem uma

pedra onde repousar a cabeea, » Lembrae-vos da pobrezade Gemma, que poude dizer, com toda a verdade, com o

propheta-rei : Eu sott pobre e só no mundo.

S. Francisco tinha um tão ardente amor á pobrezavoluntária por elle abraçada, que chegou ao ponto de cha-mal-a sua esposa muito amada. Por isso mereceu receber a alcunha de poverello de Assisit — o pobrezinho de Assis.

Gemma, graças ao desapego e ao desprendimentocompleto, merece também o glorioso epitheto de poverellade Lucca. Como dissemos alhures, ella costumava firmar suas cartas assim: La povera Gemma,

Si, a exemplo de Gemma, não tiverdes paes nemcasa, e si fordes obrigadas a comer, na casa de outrem, o

pão amargo da caridade, lembrae-vos da primeira das bem-aventuranças : Bemaventurados os pobres de espirito, porque d'elles é o reino do côo.

Si fordes favorecidas dos bens d'esta terra, não lhestenhaes apego, porque, além de se r e m transitórios e vãos». de nada servem para a eternidade.

O santo bispo Edmundo disse ao vaidoso Imperador Anastácio, por occasião de uma festa magnifica, na qual acorte compareceu, ostentando grandes galas: «Este mesmomanto de purpura bordado a ouro, já o vi nos hombrosde dois antecessores, e este annel incrustado de brilhantes por quantas mãos não tem passado! . . . Estas jóias queVossa Majestade recebeu dos outros não o seguirão depoisda morte, mas passarão aos descendentes e successorew dothrono imperial. O que ficará é a vir tude e a piedade.—

Ilœc purpura post mortem non sequitur, sed pistas et

habitus virtulum. »Convém, entretanto, não esquecer que é mais fácildesapegar-se dos bens terrestres do que da propria vontade, pela perfeita obediência, pela humildade e submissãoaos superiores.

117



Si queres ser perfeito, vende tudo o que tens, dá aos pobres, e terás no eéo um thesouro, depois vem e segue-me. — Si queres ser meu discípulo, renuncia a ti mesmo. São palavras de Nosso Senhor.

«Depois de haver tudo abandonado,A si mesmo é mister abandonar;Sahir de si, de todo conformado,Sem do amor próprio nada conservar!» (Imit.)

Com effeito, diversos philosophos da Grécia, desprezaram as riquezas e abraçaram a pobreza voluntária, andando maltrapilhos e descalços. Faltavam-lhes, porém, a

rectidão da intenção, os motivos sobrenaturaes; e afinal,como confessa Platão, estes philosophos eram humildes por um requinte de soberba, e pobres voluntários por vangloria.

Prova bem esta justa asserção o exemplo de Diógenes que, vivendo como um cão n'uma barrica remendada,lançou para fora o caneco, objecto único que possuía, por ter visto um menino beber na fonte com o concavo damão; entretanto, era muito altivo e vaidoso, respondendocom atrevimento ao rei Alexandre que tinha vindo, de pro pósito, visital-o, attrahido pela fama de seu desprendimento.

Filhas de Maria, procurae, nas paginas do Evangelhoe na vida dos santos, a verdadeira sabedoria! Santificae a

po breza, santificae a riqueza, não vos apegando aos bensque esta pode proporcionar, e supportando, com paciênciae resignação, os incommodos d'aquella! Qualquer que sejao vosso estado, ou ricas ou pobres, como os pássaros dearribação que, ás vezes, vêm voando das regiões sertane

jas para as nossas mattas, e voltam depressa, com saudades dos ninhos longinquos, tende sempre as azas abertas, promptas a voar para os eternos tabernáculos!

1 1 8




D E C IM A T E R C E I R A C O N F E R E N C I A .

Umdiamante .A. fortaleza, ea

.lieroica paciênciade0-em.m.aG-algani.

Bem que de amor desfalleça,Quero a ferida que padeço,

E beijo a setta do amor. Bemditas de Deus as frechas,Que introduzem pelas brechas

A paixão de amor com dor !( B e a t a M a r g a r i d a M a r i a . )

diamante é, incontestavelmente, orei das pedras preciosas, já pelo

brilho coruscante, já por sua consistência admirável. Tão duro é este

puro carvão erystalizado, que riscatodos os corpos e por nenhum outro é riscado; só pode ser polido

por seu próprio pó, o que constituco trabalho da lapidação . Pelo seu

fulgor e raridade, o diamante torna-se um objecto de adorno,digno de uma rainha, mas serve t ambém aos joalheiros

11 9





para lapidar as outras pedras finas. Por isso attinge um preço fabuloso, conforme os quilates e a perfeição das facetas. O regente, por exemplo, é um brilhante que faz

parte da coroa real em França, cujo valor é de quatro milhões de francos.

Por ser o corpo mais resistente que se conheça nanatureza, o diamante pode significar a fortaleza, a terceiradas virtudes cardeaes, e sobre as quaes deve assentar-setodo o edifício da santidade; é uma virtude bem rara ede valor inestimável.

Gemma de Jesus patenteou, no correr da curta existência, uma fortaleza d'alma inabalável e uma firmeza deespirito tal, que foi realmente um diamante de primeiraagua. Foi uma menina forte e corajosa nas doenças, nastribulações, na pobreza, nas tentações, supportando, com oheroísmo de uma virtude estóica, as numerosas provaçõesque atravessou.

Desde criança, a alma da serva de Deus retemperava-se pelos combates, e adquiria esta firmeza de caracter, esta1'ijeza de princípios, esta intransigência que não se prestaa nenhuma concessão. Gemma de Jesus nunca se adaptoua nenhuma concordata imposta pelos inimigos de sua alma,nunca transigiu com o dever.

Por estes predicados tão raros entre as pessoas dosexo frágil, a nossa heroina torna-se merecedora dos nossoslouvores.

Admiram-se estas virtudes nos apóstolos, nos martyres,que não tremeram perante os algozes, nem trepidaram perante a morte horrorosa, sellando com o sangue, que jorrava em borbulhões de suas feridas, a profissão de sua fé.

Admiramos a virtude de fortaleza no martyrio de S.ta

ígnez que, no desabrochar da vida, foi ceifada como umatenra flor pela espada do algoz: S.ta Ignez pela innocenciaassemelhava-se a um cordeiro sem mancha e, por sua fortaleza, é o modelo da Pia União. E' na sua basilica, uma dasmais bellas da cidade eterna, via Nomentana, que funcciona

a Pia União chamada a Primaria e á qual devem aggre-gar-se as Pias Uniões do universo, para lucrar as indulgências.

1 2 0



Comtudo pode-se admirar também a fortaleza d'almanos confessores e nas virgens que, resistindo com denodoaos inimigos d'alma, venceram o mundo, o demônio e acarne e, si não alcançaram a palma do martyrio sangrento»conseguiram a Victoria sobre as paixões da natureza corrompida, sobre as tentações dos anjos decahidos, sobre asseducções múltiplas do século depravado.

Gemma praticou esta virtude, infelizmente tão raran'estes nossos tempos em que imperam a molleza e a baixeza de caracter. Sua

vida foicheia decontradic-ções, de

amarguras,de dores

agudas, que

supportoucom uma

força admirável sem

que nuncadesfalle-

cesse, desanimasse,

desespe

rasse.A serva

de Deus era

r

ir oB. Gabriel òa Virgem Dolorosa, olorlgestudante passionista,que apparecia muitas ve-

^ ^ g e s a < ' < ' , n n i ! l '• a curou de uma doença mortal. ^

de uma Índole bôa,amável,

pertencia áclasse dos

sanguíneos

e affeclivose era dotada de grande sensibilidade; estanatureza,

porém, affe-

ctuosa eaffavel, ávida de carinhos e sedenta deamar, ad

quiriu pelas lutas

uma forte tempera e firmeza raríssima.Gemma não era sentimental. Nada lhe abalou a con

stância no soffrimento physico ou moral. Quem lê a vidada santa donzella fica impressionado pela multidão dosáoffrimentos que formam, para bem dizer, a trama de suavida.

Assim como na manufactura das tapeçarias gobelinas,admiradas nas cathedraes de França, os artistas carregamde sombras os contornos e entrelaçam fios pretos paramatizar o desenho e tornar mais salientes o colorido das



flores e a alvura dos rostos, também o divino tecelão som breou a existência de Gemma, para tornar mais saliente aalvura de sua alma.

Dizia o imperador Tito que perdia o dia em que nãotivera ensejo de fazer o bem. Com certa analogia, diziaGemma que perdia o dia em que não soffria. «Passeialguns dias sem soffrer», escreve ella ao seu director, «efiquei contrariada, porque, quando chega a noite, não tenhoque offerecer a Jesus».

Nosso Senhor aliás, por continuas provas, habilitou-aa soffrer muito, e dilatou-lhe o coração, afim de que n'ellecoubesse um oceano de amarguras.

Muito moça ainda e sem experiência, a pobre meninafoi obrigada a substituir a lembrada mãe e tomar a seucargo os cuidados da casa. Os tempos eram ruins, os homens máos e os negócios péssimos. As grandes despezas,occasionadas pelas doenças e pelas mortes na família, e maisoutras desgraças, pouco a pouco, foram consumindo o patrimônio domestico.

Muitos abusaram da bôa fé do pae de Gemma, queera um homem de bem e tinha adquirido uma fortunaregular n'uma pharmacia. Finalmente veiu a ruína maisdepressa do que se esperava. Os credores mandaram pôr em leilão a casa, a pharmacia, a mobília e todos os outros

bens do desditoso sr. Galgani. Tudo arrematou-se em hasta publica, vendo-se a família na obrigação de dispersar-se, para não se consumir na miséria.

O pobre pae não sobreviveu muito tempo á tamanhadesgraça; adoeceu e morreu. Com a mesma serenidade ecom a mesma força moral, supportou nossa heroina estesegundo golpe. Jesus lhe tinha prohibido perder tempo emchoros inúteis, e ella passou o dia rezando, resignada coma vontade de Deus que, n'esse instante, tomou como paeexclusivo. Como Job, inabalável com a perda dos bens eda família, não perdeu a confiança em Deus na enfermidade que o accommetteu, assim Gemma, semelhante ao

prototypo da paciência, foi de uma fortaleza modelar n'tima

cruel doença que a prostrou durante um anno, e a levouás portas da morte.

Nosso Senhor quiz lapidar esta alma bemdita, e gravar-lhe sua divina imagem. Em Amsterdam, nas officinas



de lapidação, vêm-se os operários talhando, cortando e polindo os brilhantes, riscando linhas symetricas, alisando asfacetas, gravando figuras geométricas, dando-lhes emfim olustre admirável de um espelho. O diamante assim lapidadodurante annos, alcança um preço quádr uplo e, engastadon'uma alliança, brilha, como a estrella d'alva, no mostruárioda capital da Ilo llanda, empório dos diamantes do Trans-vaal. Quem será capaz de avaliar os thesouros de gr açasque a santa martyr amontoou por sua fortaleza? Quem serácapaz de medir os progressos gigantescos no caminho da

perfeição, durante este anuo de lapidaçãoV Só Deus o sabe!Por diversas vezes, Gemma viu-se entregue ao escalpello docirurgião, tolerando com coragem os martyrios de operaçãodolorosa sem querer ser chloroformizada. A serva de Deusedificava a quantos a visitavam, por sua resignação e paciência, agradecendo com um doce sorriso ás pessoas quelhe expressavam compaixão pelas suas dores. Quando lheacontecia soltar um gemido arrancado pelo soffrimento, logofitava os olhos arrazados de lagrimas na imagem do crucifixo, pedindo a Jesus perdão por este signal de fraqueza.Tão grande era-lhe a serenidade e confiança em Deus, queas Irmãs enfermeiras traziam as noviças, para se edificarem

pelo exemplo maravilhoso d'esta serenidade e pelo tocante

espectáculo da fortaleza de animo.A pobre Gemma, embora sofírendo horrivelmente,

dizia ã religiosa com um sorriso: «Caríssima Irmã, soffromuito, mas não quero me queixar, tenho thesouros de

paciência.» A doença, porém, fazia progressos assustadores,até que emfim os médicos perderam toda a esperança desalvar a pobre enferma.

«A 2 de Fevereiro», escreve Gemma, «recebi a santacommunhão em viatico e esperei pelo momento de unir -me a.lesus para sempre. Os médicos, pensando que não ouviamais nada, disseram alto que não amanheceria. Viva Jesus!»

Entretanto Gemma não devia morrer d'esta doençacruel; soara a hora da recompensa da cura milagrosa.

Deixemol-a contar este episodio tocante e maravilhoso desua vida.

Na família, rezava-se muito por meu restabelecimento,faziam-se novenas e triduos aos santos. Por minha parte,

1 23



ficava bastante indifferente; ás doces palavras que brotavam da divina bocca de Nosso Senhor me consolavam eme alentavam. Um dia veiu visitar-me uma das minhasantigas professoras, para me ver pela ultima vez. « Adeus,até outra vista no céo!» disse ella. Deveras, eu estavamuito mal. Ella me aconselhou, entretanto, a fazer umanovena á B. Margarida Maria, discípula dilecta do SagradoCoração.

Começou-se a novena no dia 23 de Fevereiro. Na noiteseguinte, ouvi o roçar de contas de um rosár io, senti queuma mão pousava sobre minha testa, e percebi, distincta eclaramente, uma voz rezar nove Padre-Nossos e outrastantas Ave-Marias e Gloria Patri. Estava tão enfraquecida,que nem pude responder ás orações. Ouvi a mesma voz

perguntar-me: «Gemma, queres ser curada? Cada noitereza em honra do Coração de Jesus; não desanimes, temconfiança! Antes de acabar-se a novena, voltarei e rezaremos juntos.» Era o P>. Gabriel Possenti, clérigo estudanteda Congregação dos passionistas, beatificado em 1908, aoqual o Santo Padre Pio X chamava o S. Luiz Gonzaga dostempos modernos, e cuja vida milagrosa eu tinha lido comgrande interesse. De facto, o beato voltava cada noite e

juntos rezávamos as orações cia novena em honra do Sagrado Coração de Jesus e da B. Margarida Maria Alaco-que. No ultimo dia, que cahia na primeira sexta-feira domez de Março, mandei chamar o confessor e recebi a santacommunhão, porque comprehendi que estava nas ultimas.O Senhor me fez a mesma pergunta: «Minha filha, desejasficar bôaV »

Tão grande era minha perturbação que não puderesponder sinão mentalmente: «Como quizeres, meu bomJesus.» Fez-se o milagre; de repente senti-me perfeitamentecurada. Duas horas depois levantei-me da cama, onde estava y>rostrada havia um anno, completamente restabelecida e satisfeitíssima. Minhas irmãs e todas as pessoas

choraram de alegria ao ver-me curada. Meu contentamentotambém não foi menor, não somente pela graça assignalada,sinão pela grande mercê que Jesus me fez de considerar-mecomo sua filha. N'essa mesma manhã, com effeito, NossoSenhor me dissera: 'Minha filha, muitos outros favores

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hão de seguir ao que te acabo de fazer; nunca te abandonarei e hei de ser para ti um pae amoroso em substituição do que perdeste, e tua mãe será aquella», e apontoua imagem de Nossa Senhora das Dores».

Filhas de Maria, não é admirável a fortaleza deGemma? Quem será capaz de aquilatar os mér itos d'estatenra menina, durante sua mocidade que foi uma continuae dolorosa via sacra? Não é maravilhosa a sua virtudediamantina? Eis ahi o vosso modelo, mirae-vos n'estediamante mais limpido do que um espelho e vede si, nas

vossas provações, sois fortes, corajosas, constantes e perseverantes.

Etymologicamente falando, diamante em grego quer dizer indomável. Gemma foi verdadeiramente um diamantede primeira agua. Procurae, a seu exemplo, tornar-vos indomáveis nas provas! Não sigaes o péssimo exemplo dasalmas pusillanimes, que pretendem sentar-se á mesa do

banquete com Jesus, mas não querem seguil-o pela rua daamargura. Viriliter agite et confortetiir cor vestrum! vosdiz o psalmista. Não obstante a fragilidade de vosso sexo,máo grado a inexperiência de vossa idade, tende umanimo varonil; sede fortes na fé, e indomáveis na virtude!Lembrae-vos de tantas donzellas que se assignalaram por

um valor assombroso, como a padroeira de Paris, da qualfala o poeta:

Quando o rei dos hunos, do Senhor o flagello,Reduzir a cinzas toda a Europa quiz,Foi uma pastora, com seu ar singelo,Santa Genoveva, que salvou Paris. (Afforno Celso.)

Uma outra, tenra pastorinha, a doce filha de Lorena,Joanna d'Arc, que Pio X beatificou, chefiou os exércitosde França, levou o pusillanime rei Carlos V I I a Reims,

para ser sagrado e, em mil batalhas encarniçadas, venceuos inimigos. Feita prisioneira e condemnada injustamente

por um tribunal iniquo a ser queimada viva, a heroina

subiu o cadafalso sem desfallecimento. Emquanto os rolosde fumaça a envolviam toda, emquanto as labaredas queimavam-lhe os membros innocentes, a gloriosa martyr, comos olhos extáticos levantados ao céo, proclamava, em altas

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vozes, a sua innocencia e, entre os estalos sinistros da fogueira, ouviram-n'a pronunciar os dulcíssimos nomes deJesus e de Maria.

Deus não vos ha de chamar á palma do martyrio,como a «Virgem d'Orléans», mas pode ser que vos chameao martyrio da pureza de que fala S. Jeronymo. Heróicofoi o martyr, ao qual se refere o santo doutor que, amarrado n/uma fofa cama, com fitas de seda, n'um ambientetépido e perfumado, cercado de blandícias e requintados

prazeres, com força sobrehumana resistiu ao aguilhão da

carne, a todos os estímulos sensuaes, a todas as caricias,e permaneceu firme no propósito de vencer. Este martyr por ventura não precisou de uma fortaleza heróica pararesistir a tantos attractivos?

Si o Senhor não vos exigir semelhante prova talvezacima de vossas forças, si não estiverdes promptas a morrer antes de perder a innocencia, a exemplo de S. Casimiro,rei da Polônia, pelo menos imitae o exemplo da serva deDeus, Gemma Galgani: sede fortes e corajosas na adversidade como diz a Imitação: «Pelo amor de Deus deves, de bom grado, lucta aturar : trabalhos, dores, tentações, vexames, necessidades, moléstias e enfados, exprobrações, malévolos rumores, injurias, anciedades, humiliações, castigos,

desprezos e perigos. Estas cousas ajudam a virtude; provamde modo rude, porém aperfeiçoam o soldado de Jesus, fa- bricando-lhe a coroa do céo, cheia de luz.»

Deixae Jesus desaggregar da gonga o diamante brutoque é vossa alma, e lapidal-o em mil facetas radiosas!A gonga representa as inclinações viciosas, as imperfeições,os defeitos provenientes do gênio e do caracter, dos quaesas pessoas piedosas não são isentas.

Deixae Jesus brunir" vossa alma, para lhe dar um br ilho inco mp ar áv el !

Supportae as dores acerbas, si Deus for servido mandai-as para provar-vos a constância!

Pedi ao Espirito Santo o dom de fortaleza que voshabilite a soffrer, resignadas e pacientes, os soffrimentos physicos bem como as penas moraes. Este dom tão raro, comoo diamante natural, merece ser procurado com os mesmos

1 26



esforços empregados pelos bandeirantes a devassarem ossertões bravios no interior do Brasil, vossa estremecida

pátri a.Conta-se na historia dos tempos coloniaes que estes

heróicos aventureiros encontravam, ás vezes, pedras preciosas e diamantes nas mãos das crianças indígenasque lhes serviam de brinquedo, trocando-as por miudezasinsignificantes, porque os gentios lhes desconheciam o im-menso valor. D'esta maneira têm as Filhas de Maria nasmãos thesouros inestimáveis nos méritos que podem adquirir pela firmeza nas tribulações, pela paciência nas cruzes.Lembrem-se do bello exemplo de S.,a Tzabel de Hungriaque, depois de ter sido expulsa do seu reino, mandou cantar um Te-Deum, na primeira igreja que encontrou nocaminho do desterro. Esta santa princeza sabia que um

Te-Deum na tribulação mais valor tem do que mil Deo gratias na prosperidade. Emfini, não se esqueçam das palavras de Nosso Senhor: O reino do eêo padece violênciae só os que fizerem força hão de arrebatal-o. Sirva estamáxima evangélica de ramilhete d'esta meditação. Prazaao céo que o diamante que symbolisa a força da alma,seja um bello florão da vossa coroa no paraíso, visto queesta pedra preciosíssima de innumeros quilates rebrilharadiosa no diadema da Virgem do Lucca.




I

Tr ês jóias do paraíso,

G-emxna G-algani, Soror Isabel da Trindade e Soror Thereza do Menino Jesus.i. « i — —

Esta tríade bemdita incar na e personi fica a bel leza moral da perfeição evangél ica. A cada uma p odem

se a p p l i c á r as p a l a v r a s do a u t o r dosP r o v é r b i o s : 'Muitas donzellas accumularam riquezas, tuas tu as excedeste

todas. A graça é enganadora e vã a formosura. A mulher que teme a Deus é que será louvada!






DE CIMA QUARTA CONFE RE NCIA.

devoçãocLeO-emma, G-algani ao

_A_nj od. aG-uarda.

A n g e li s s u is m a n d a v it de te , u t

c u s t o d i a n t t e i n o m n i b u s v i i s t u i s .

( P s a l m o . )

Deus mandou aos anjos que tenhamcuidado de ti, que te guardem em.todos os teus caminhos.

UAL outra S.ta Francisca Romana,

S.ta Coleta de Corbia e algumasalmas privilegiadas, Gemma de Jesus via, com os olhos mortaes, ;iseu Anjo da Guarda e, além de

suas visitas quasi quotidianas, recebia, frequentemente, visitas deoutros anjos.

A serva de Deus conversava com o Anjo, como sifosse um amigo, tocando-o como si fosse uma pessoa vi vente n'este mundo.

m129

Gemma Galgani.





Gemma de Jesus, em companhia do Anjo Custodiorezava, louvava a Deus, psalmodiava, ambos porfiando,ás vezes, em quem mais alto gritava: «Viva Jesus!»

«Jesus», dizia ella, «não me deixou sosinha, fez comque meu Anjo cia Guarda estivesse sempre commigo. Sialguma vez fôr má, não te zangues, Anjo querido, pois tequero bem, e desejo ser grata e obediente.»

Na meditação, o Anjo lhe servia de mestre e guia,descobrindo os mysterios profundos da religião. QuandoGemma meditava sobre a paixão de Christo, por exemplo,

dizia-lhe: «Vê, minha filha, quanto Jesus soffreu e padeceu pelos homens ingratos ! Vê as chagas sangrentas, consideracada uma em particular! Foi o immenso amor que as abriu.Pondera agora e tira a conclusão : Quão feio e grave é o peccaclo que exigiu tamanha expiação! »

O Anjo e Gemma cantavam juntos os psalmos deDavid, o Officio de Nossa Senhora, alternando os versos,como duas ou mais pessoas, quando rezam o Officio.

Gemma via tão claramente seu Anjo como TobiasFilho viu seu companheiro de viagem, que não era sinãoo Archanjo Raphaël.

O Anjo da Guarda reprehendia sua protegida, quandoo julgava conveniente, dava-lhe bons conselhos, ensinava-

lhe a ser bôa e humilde.«Caro Anjo da Gu ard a! » dizia ella, «como eu o

amo! A's vezes me reprehende com severidade, quando omereço; esta severidade, porém, não me desagrada. N'estesúltimos tempos, ralhou commigo por diversas vezes nodia; comtudo, quero-lhe muito.»

Um dia, o Anjo disse a sua tutelada com voz repassada de amor e ternura : « Pobre criança, és tão débil, quenão podes dispensar-me o auxilio e a protecção. Quanta

paciência devo ter comtigo! Sim, serei o teu guia e com panheiro. Não sabes, que o piedoso Jesus foi quem meconfiou a tua guarda V»

O mensageiro celeste se encarregava de transmittir ao

céo os recados de Gemma, e levava, ás vezes, as cartas aodirector de sua consciência e a outras pessoas.Gemma falava com o Anjo Custodio com uma simpli

cidade encantadora e uma confiança infantil.

13 0



«Quer ido Anjo, dize-me,» supplicava ella, «por que o

padre espiritual não quiz me ouvir hoje, pela manhã?»Outra vez perguntava pelo director espiritual que

demorava em responder-lhe as cartas.Interrogava Gemma: «Dize-me, Anjo de Deus, Jesus

estará satisfeito commigo? Que devo fazer para lhe agradar ?»

Quando uma pessoa pedia um conselho á serva deDeus, ella se dirigia primeiro ao seu Anjo da Guarda e

este lhe ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ car o cora-

suggeria oi

àque haviade respon- ||der.

Empenha- mda na con- <§jver são de fj

um pecca- fjdor empe- <§dernido, a §serva de

Deus perguntava ao §

Airjo si sa- % bia o tempo t\e o dia em f\que o div ino %

1Salvador havia de to-

j | ção do infe- j | liz, para lheê conceder a

graça de

•?) uma conver-I são sincera

I feito.

O Anjo,

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1

ffl por sua vez»

II amoldava-

W se a estail simplicida- j| de, respon- ]è dendo a tola j$ das as per-

guntas ingênuas de sua protegida, e lhe prestava mil serviços, nãosó nas necessidades espirituaes como também nas precisõesmateriaes.

Para comprehender o alcance d'esse dom e ter umaidéa exacta d'esse favor celeste, faz-se mister 1er o bellolivro de Tobias, do antigo Testamento.

O archanjo Raphaël fez-se companheiro fiel do joven

timido e inexperiente, lívrou-o do perigo imminente de ser engulido por um peixe monstruoso, na margem do rioTigre; arranjou-lhe um óptimo casamento; tirou de Sara odemônio que a atormentava; foi cobrar pessoalmente uma

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antiga divida que Gabelo devia a seu pae; curou este dacegueira, finalmente cumulou a todos de benefícios inapreciáveis.

Um dia, o director, para provar a obediência e a humildade de sua dirigida, prohibiu-lhe permanecer em conversação com o Anjo Custodio e usar para com elle de tantafamiliaridade. Logo que o Anjo appareceu, dizendo: «Deuste salve! Deus te abençoe, ó alma querida que Deus confiou a minha guarda!» Gemma protestou com toda a sim

plicidade: «Anjo querido, é preciso teres paciência; o padrequer que eu proceda para comtigo com maior reserva emnossas relações. Anjo santo, ouve-me, vae-te embora, nãomanches as mãos commigo; vae ter com outra alma quesaiba prezar melhor os dons de Deus!»

Bemaventurada Gemma que teve a dita de ver comos olhos carnaes o que vemos apenas com os olhos da fé!A serva de Deus via, muitas vezes, como seu Anjo daGuarda, ao chegar, estendia as azas irisadas sobre ella,em signal de protecção, e a confortava, visivelmente, nasterríveis luctas com as potencias infernaes.

Uma vez, o Anjo da Guarda apresentou a Gemma duascoroas, uma de espinhos agudos, e outra de lirios, dizendo-lhe que escolhesse. «Quero a coroa do meu bom Jesus»,

respondeu ella sem demora, «só esta é que me agrada.» OAnjo entregou a coroa de espinhos a Gemma que, rece-

bendo-a com viva alegria, a apertou contra o peito e acobriu de ósculos, exclamando: «Ó Deus, mil vezes obrigada! Viva Jesus e seu presente! Viva a cruz do meu doceSalvador '»

Finalmente pode-se dizer que o Anjo era para Gemmaum segundo Jesus. Era o conselheiro assíduo, o consolador incançavel, o confidente de todas as horas. A elle Gemmaabria o coração virginal, descobrindo-lhe os segredos maisíntimos da alma.

Não dava um passo sem primeiro combinar com oceleste companheiro, não resolvia nenhum negocio sem tel-o

primeiro consultado. O Anjo era o consolador de sua alma

angustiada, o conselheiro habitual nas suas duvidas e inquietações de consciência.Sem ser escrupulosa, Gemma não deixava de ter

alguns receios, e era muito minuciosa e cuidadosa em seguir os dictames da consciência. Uma só palavra do Anjo

1 3 2



Custodio dissipava-lhe as angustias, resolvia-lhe os casos deconsciência e trazia-lhe paz e socego.

Mil vezes feliz a alma que goza de semelhante privilegio! Bemaventurada Gemma, a quem Deus concedeu umfavor tão assignalado e tão admirável graça!

Pode-se-lhe applicar o que Moysés cantou no bellohymno Audite cceli. Realmente, o Anjo da Guarda foi

para sua protegida o que foi Deus para o povo deIsrael:

Foi mestre, foi guia, Na ári da via, Na vasta solidão,Foi seguro bastão,Livrava-o dos abrolhosComo a menina dos olhos.

A águia esvoaçaAo redor cio ninho,A voar também provocaE anima o filhinho:O Anjo abre as azas irisadasE leva ás alturas azuladas.

Ao exemplo de Gemma, as Filhas de Maria devemhomenagem constante de respeito, de confiança, de grati

dão e de amor ao Anjo da Guarda.Veneremos-lhe a presença embora invisível, e agrade-çamos-lhe a vigilância e mais serviços preciosos que nos

presta.«Amemos» , disse S. Bernardo, «amemos os Anjos tute

lares que, depois de nos proteger e amparar na presentevicia, virão a ser nossos companheiros e coherdeiros nagloria. D'esta maneira nos será dado, um dia, cantar comelles os louvores de Deus, conforme disse o psalmista:

In eonspeelu angeloruni psallam libi.Por sua vez, os Anjos Custódios nos guardarão de

todos os males: O Anjo do Senhor andará a roda dos quetemem, o Senhor os livrará. (Ps. 33.)

O grande missionário, Padre Lefèvre, da Companhia

de Jesus, tinha o costume de saudar os anjos, protectoresdas parochias e das dioceses, onde ia pr egar, attribuindo-Jhes o bom êxito do seu apostolado, bem como uma protecção visivel nas terríveis luctas contra os herejes.

13 3



S. Francisco de Salles ordenou um santo seminaristaque tinha o privilegio de ver a seu Anjo de Guarda.Antes de lhe ser conferida a ordem de presbytero, oAnjo Custodio andava sempre na frente do piedoso moço,depois da ordenação, porém, passou a seguil-o, explicandoao tutelado que assim fazia por causa da dignidade sacerdotal que, sob certos pontos de vista, é superior á dos anjos.

Quanto vale a protecção do anjo experimentaramAgar e Ismael no deserto, Lo th em Sodoma, Isaac no monte

Moria, os tres moços de Babylonia na fornalha ardente,Daniel no fosso dos leões, S. Pedro na prisão.Si não houvesse tantos exemplos, no antigo e no novo

Testamento, si não houvesse tantos casos análogos aoassumpto de que se trata, na vida dos santos, e si finalmente não tivéssemos uma testemunha irrefragavel na pró

pria serva de Deus, podíamos duvidar da veracidade d'estasapparições. Os escriptos, porém, de Gemma Galgani, os relatórios que escreveu por ordem do padre espiritual, respiram tão grande humildade, tão verdadeira sinceridade,e tanto esquecimento de si, que não se pode conceber amais leve duvida.

A Igreja, nossa Mãe e Mestra, ha de declaral-osdignas de credito, no dia em que exaltar a humilde serva

de Deus, dando-lhe o titulo de Bemaventurada.Por nossas preces fervorosas, podemos apressar estedia feliz. Por emquanto veneremos os santos Anjos Custódios que contemplam, no céo, a face do Padre Eterno.

Escutemos a voz do Senhor, dizendo aos Israelitas dodeserto: Enviarei o meu anjo que vã adiante de ti e te

guarde pelo caminho. Respeita-o e ouve-lhe a voz! Vêque não o desprezes, porque não te perdoará quando

peccares, e fala em meu nome. Si lhe ouvires a voz, e fi zeres tudo o que te digo, serei inimigo dos teus inimigose affligirei os que te affligirem.

A Filha de Maria faça o exame de consciência sobreeste ponto da vida espiritual; veja si tem respeitado a presença do Anjo da Guarda; si lhe tem ouvido a voz,

sendo-lhe grata, obediente, confiante; si não tem deixadode invocar o Anjo Custodio de manhã ao acordar, e ánoite ao recolher -se; si tem imitado Gemma Galgani natenra devoção para com o Anjo da Guarda.

134




DECIMA QUINTA CONFERENCIA.

Umtopázio.—constâncianas

tentações.

I n p r i m o v e r s u e r a t t o p a z i u s .

( E x o d . 3 9 . )

Na primeira linha das pedras pre

ciosas havia um topázio.

cor amarella do topázio, pedra finae transparente, brilhando sobre oornamento pontifical de Aarão, ésemelhante á côr do ouro, rei dosmetaes. A gloriosa bandeira brasileira ó, em parte, amarella, paralembrar as jazidas de ouro de Minas Geraes! Disse o poeta: Auri-verde pendão da minha terra, que

a brisa do Brasil beija e balança.Este precioso metal encontra-se, entretanto, raras vezes,

em perfeito estado. Em geral acha-se misturado com outros

iR 13 5





e mesmo com mineraes, como sejam pedras, rochas, areias;é mister, portanto, triturar este minério aurífero, laval-o emforte correnteza d'agua e, finalmente, fundil-o no cadinho,

para separal-o da liga e acrysolal-o. No Brasil, no Transwal,na Califórnia, ha altos fornos destinados á fabricação doouro, construidos pelos homens atormentados pela fome doouro, como diziam os antigos: sacra auri famés. Affirma aEscriptura, comparando a alma com o ouro, que aquelladeve passar pela agua e pelo fogo, afim de purificar -se detoda a impureza do peccado e, d'esta maneira, chegar ao

céo, purificada e immaculada. « O fogo prova o ouro, e atentação o justo», diz a Imitação de Christo.

Nosso Senhor quiz expor ao crysol abrazador da tentação a alma de Gemma, queimando-a, afim de tornal-auma joia de virtudes acrysoladas, como o hábil ourives

passa na chamma a joia para avivar-lhe o brilho!Sinão, estudemos a vida de Gemma, cheia de tenta

ções e provações; vejamos as chammas pelas quaes passou, para purificar-se e tornar-se agradável aos olhos de Deus.

Diz S. Pedro, na sua epistola: «Sede sóbrios e vigiae, porque o demónio, vosso adversário, anda ao redor de vóscomo um leão que ruge, buscando tragar -vos ; sede fortesna, fé e resisti-lhe.» E outro maior disse: «Vigiae e oraepara

não cahirdes em tentação ». N'este texto, o principe dos apóstolos compara Satanaz a uma fera cruel, perseguindo asalmas justas. Assim é que Gemma de Jesus foi perseguida

pelo inimigo da salvação e tentada sobremodo, mas Satanaz(e esta é a característica das tentações de Gemma) não secontentava de molestal-a com seus ardis, de tental-a por

pensamentos ou inspirações, mas apparecia-lhe sob a figuravisível de uma besta-fera.

A's vezes, o demónio transformava-se n'um cão hydro- phobo, rugindo e uivando, como si quizesse fazer -lhe violência, ameaçando tragal-a. E' incrível o que fazia Satanaz, para incommodar e molestar a sua innocente victima. Astentações de Gemma tem grande semelhança com as de

S.t0

Antão eremita, a quem os demónios appareciam sob afigura de animaes bravios, de macacos, ou de cortezans,dançando quadrilhas lascivas. Parecem-se também com astentações horríveis de S.ta Catharina de Senna a quem o

1 3 6



•

demônio assaltava sob a forma visível de animal feroz. Oquartinho de Gemma parecia um inferno; choviam as pancadas sobre a pobre donzella que, ás vezes, era tirada dacama pelos cabellos, com violência, arrastada pelo chão, ecruelmente batida com cordas nodosas. Acalmava-se o barulho por um instante, quando a agua benta era empregada, augmentando, porém, logo depois, com uma fúriaverdadeiramente diabólica. Uma Irmã de Caridade que

presenciou estas dolorosas scenas, disse: «Aquelle monstro

ainda mata nossa pobre Gemma.»Um dia

que a servade Deus levantava-seda mesa,

appareceu-lhe Lucifer

no corredor da casa, soba figura de

uma fera,rugindo

como umleão, querendo fa-

zer-lhe violência. A

casta virgem, cheia

cacimba, cheia d'agua gelada, depois de ter feito o signalda cruz. A pobre martyr teria morrido afogada, si mão invisível não a tivesse, milagrosamente, tirado d'esté perigomortal.

Durante os terríveis combates contra os espíritos malignos, a serva de Deus fechava os olhos para não ver ashorrorosas figuras que se lhe apresentavam, e tapava osouvidos para não ouvir os nomes abomináveis com queBelzebub a chamava; tomava entre as mãos a imagem de Nosso Senhor, invocando a Virgem Iminaculada, seu Anjoda Guarda e todos os santos da corte celestial. Com a

de terror,ompallide-ceu, levan

tou osolhos e asmãos ao

céo e, dando de re

pente umacarreira,

afim de es

capar ás

garras domonstro,fugiu na

direcção da

horta e foi precipitar-

se n'uma

137



graça de Deus, após um combate que durava, ás vezes,horas, via-se livre das tentações.

O socego e a paz voltavam como volta a bonançadepois da tempestade. «Demos graças a Deus», dizia ella,«as cousas andaram bem hoje, Nosso Senhor deve estar satisfeito.»

O divino Salvador, apparecendo a sua fiel serva, de pois da peleja, a consolava e a animava. «Logo que vimeu Jesus», escreve ao seu director, «perguntei-lhe onde

tinha ficado durante a hora da tentação. Jesus respondeu:«Minha filha, não estava longe, estava dentro do teu coração !»

Pelo pouco que transcrevemos, pode julgar-se que avida trabalhosa de Gemma era semelhante a de S. Paulo,tantas vezes gemendo nas terríveis tentações soffridas.

«Para que a grandeza das revelações», escreve oapostolo, «não me ensoberbecesse, permittiu Deus que sentisse o estimulo da carne, que Satanaz me esbofeteasse, peloque roguei, tres vezes, ao Senhor se apartasse de mim;então me disse: «Basta-te a minha graça, porque a virtudese aperfeiçoa na enfermidade.»

Que bello exemplo de constância e de resistência ás

tentações nos dá Gemma, e quantas lições! Pode-se appli-car a esta alma tão provada, exposta a tantos perigos, as

palavras do archanjo Raphael a Tobias. Porque era agradável a Deus, foi necessário que a tentação viesse provar-lhe a firmeza; porque era santa, favorecida de innumerase espantosas graças, era necessário que passasse pelaschammas ardentes do cadinho das afflicções, afim de que,

purificada de toda a ferrugem do peccado, fosse uma verdadeira joia.

Ninguém ignora que o exemplo dos santos é um dosmelhores estímulos da virtude e da santidade. Os Romanos acertadamente diziam: Exempla fraJnint. Quantosemulos e imitadores não teve S. Luiz Gonzaga nos colle-

gios dos jesuítas e no mundo inteiro! Só o Omnipotenteque contou as estrellas do arrebol, lhes sabe o numero.Oxalá o bello exemplo de Gemma possa estimular o

zelo das Filhas de Maria para a própria santificação, eexcitar-lhes o animo, porque ensinam os mestres da vida

1 3 »



ascética que o desanimo é a causa frequente e ordináriado atrazo espiritual. Si istw et Illa',, quare non et vos?dizia S.t0 Agostinho. Si estas e aquellas jovens delicadas,cercadas de todas as delicias, resistiram com tanto denodoaos tyrannos, porque também não podereis fazer o mesmocom o auxilio da graça?

Servhido-me da idêntica e sublime exhortação que osanto Bispo de Hippona dirigia ás suas contemporâneas,digo: Si Gemma, vosso modelo, poude resistir aos embustes do demônio, porque também o não podereis com agraça de Deus? Tnspice e fae secundum exemplar/ Estudaea vida edificante de Gemma, ponderae-lhe a virtude defortaleza e imitae o exemplo tão bello que deixou! Lem- brae-vos que o verdadeiro signal da virtude solida é com bater os desordenados movimentos da alma e desprezar assuggestões do demônio. Não vos deixeis perturbar pelos

phantasmas insólitos que vos agitam a imaginação, nemvos admireis si, depois de terdes sido arrebatadas pelacontemplação ao paraíso, tornardes a recahir nos miseráveis pensamentos que, de ordinário, occupam a vossa alma.imputae a Satanaz os pensamentos torpes e criminosos.Dizei: «Vae-te embora d'aqui, espirito immundo! muito

perverso deves ser para me trazeres ao espirito semelhantes

torpezas!» Lembrae-vos das palavras consoladoras de S.Paulo: Deus proporciona a graça conforme a força datentação. Deus é fiel e não permitte que sejaes tentadosmais do que pode a, vossa, força; antes fará que lenhaesvantagem da mesma tentação para a puderdes sustentar.

Lembrae-yos também d'estas outras palavras animadoras : Não será coroado sinão o que tiver legitimamentecombatido.

Ditoso, pois, o homem que supporta a tentação, porque, depois de ter combatido e de ter sido provado, receberáa coroa da vida que Deus prometteu aos que o amam.Peiejae como um valoroso soldado, abraçando,principalmentee sobretudo, o escudo da fé, e apagareis todos os dardosinflammados do espirito maligno. Tomae a armadura deDeus, para resistir no dia máo da tentação. Oonservae-vosfirmes, vestidas da couraça da justiça, tomae o capacete dasalvação e a espada do espirito, orando em todo o tempo.

1 3 9



Si, alguma vez, cahirdes por fraqueza, tornae a entrar no combate ainda com mais valor que d'antes.

Marco Aurelio, imperador romano, em sua autobio-graphia conta de que maneira, graças aos bons conselhosde sua avó, combatia, na adolescência, as tentações, princi

palmente as que eram contrarias aos bons costumes. Este príncipe, vivendo nas trevas do paganismo deificador dovicio, divinizador do crime, povoador do Olympo de personagens lendárias pouco recommendaveis, vislumbrou a

belleza da virtude e as vantagens da continência.

Quanto mais vós, Filhas de Maria, deveis apreciar asantidade, a integridade de vossa alma e combater os embustes diabólicos, cercadas como sois de tantas luzes e guiadas

por tantos exemplos. Pelo amor de Deus, deveis soffrer de bom grado todas as adversidades, trabalhos, dores, tentações, humilhações, reprehensões, censuras e affrontas. Estessão os degráos por onde se sobe ã perfeição; são os brilhantes que ornarão vossa coroa no céo.

Bem sabeis, o parreiral que não foi, cuidadosa e frequentemente, podado não dá uvas, produzindo apenas ramos inúteis e estéreis. Deixae, pois, o divino horticultor

podar-vos a alma pelo soffrimento, para produzirdes fructossazonados de santa paciência: «A prova da vossa fé», dizS. Thiago, «produza paciência, e a paciência deve ser perfeita nas obras, afim de que sejaes perfeitos».

Congreganistas, dizei de todo o coração com um piedoso autor: «Dae-nos, Senhor, a graça especial de amar vossos divinos conselhos; dae-nos fortaleza para os guardar como mandamentos vossos; fazei que não tenhamosmaior dita do que vos sermos sempre fieis e zelosas emimitar o exemplo dos santos.»

Ainda que não seja mister explicar em que mina aserva de Deus achou o bello topázio da constância, direitodavia que a encontrou na mina inesgotável do Calvário,ao pé da cruz do Salvador. Tantas virtudes superiores á

natureza humana nasciam-lhe do amor apaixonado de Jesuscrucificado, o martyr do Golgotha. Este amor principiouno berço, foi cultivado com esmero no collo materno, cresceucom a idade e chegou ao apogeu. s

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ó crucifixo de Gemma Galgam, diante do qual orava,foste o doce confidente de suas penas! Ó crucifixo, foste oúnico amor, a única esperança, única consolação e únicaforça d'esta bella alma!

Ó crucifixo de Gemma Galgani, regado por tantas lagrimas ardentes, foste a testemunha muda de luctas, dechoros, de gemidos enternecidos, mas testemunha de muitas victorias também !

O crucifixo de Gemma, foste a fonte de alegria nadesconsolação, o arrimo da fraqueza, a porta da salvação,o refugio d'esta alma tão perseguida pelo inimigo infernal!

O crucifixo, tantas vezes coberto pelos ósculos amorosos d'esta innocentissima donzella, perdoa nossa inconstância e nossa infidelidade, pois que sustentaste a fraquezade Gemma, e tanto heroismo lhe inspiraste!

O crucifixo querido, divino Consolado)'! por tuas chagas, por teu peito traspassado, suavisa minhas magoas, bal-samisa minhas dores, como tantas vezes mitigaste as penasde tua serva Gemma!

O crucifixo, chamado cie Carlos Quinto, esculpido nomarfim por um artista desconhecido, tem uma particularidade singular. O sagrado rosto do Redemptor, visto pelolado direito, exprime a dor immensa, infinita de um Deus-homem morrendo, e pelo lado esquerdo, mostra-se alegre,sorridente.

Bella imagem; symbolismo profundo da vida humana,mixto de alegrias e de dores! B^lla expressão da vida de-Jesus que soffre contente, porque, pelo soffrimento, agradaaoPae celeste, cumpre a sua missão o salva as almas.

O poeta francez chama ao pé do crucifixo as almasatormentadas :

Vous qui pleure z, venez à Jésus,car il pleure.

Vous qui souffrez, venez à Jésus,car il guérit.

Vous qui tremblez, venez à Jésus,

car il sourit.Vous qui passez, venez à Jésus,car il demeure.

14 Ïm-



Vós que chômes, vinde a Jesus, porque Elle chora.

Vós que soffreis, vinde a Jesus, porque Elle cura.

Vós que temeis, vinde a Jesus, porque Elie sorri.

Vós que passaes, vinde a Jesus, porque Elie permanece. »

Filhas de Maria, imitae o bel lo exemplo de GemmaGalgani!

Toda manhã, prostradas diante do vosso crucifixo,hauri constância, força e coragem nas contrariedades inevitáveis d'essa vossa vida. Pedi a Jesus vos mergulhe emseu precioso sangue. As aguas do Styx tornavam invulnerável o que n'elias se banhava; o sangue de Jesus farámais do que isso, será vossa defesa, vossa couraça e vossasalvação. In hoc salutis halneo, qui se lavai, miindabitur,canta a Igreja no hymno do precioso sangue. Quem semergulhar n'este banho de salvação, purifica-se.

Toda noite, tornae a prostrar-vos diante de vossocrucifixo, beijaeos pés sangrentos de Jesus ! Chorae vossasquedas, vossa pusillanimidade, vossa covardia ; pedi perdão;falae a Jesus, contae-lhe as vossas penas, confiae-lhe asmagoas de vosso coração, os tormentos de vossa alma, asvossas tristezas, temores, incertezas e suspeitas !

Si fordes feridas, na luta com o demônio, levantaevossos olhos para o crucifixo, tendo a fé dos Israelitas,quando encaravam a serpente de bronze que Moysés levantara no deserto, e sereis curadas das dentadas envenenadas da serpente infernal.

Oxalá possaes dizer com o piedoso Padre Didon:«O Christo é minha única paixão!»

Oxalá possaes encontrar também no cume do Golgothao thesouro da constância, o lindo topázio côr de ouro emfusão.

Oxalá, esta pedra preciosa e allegorica da virtude daconstância, rebrilhando no diadema immortal de GemmaGalgani, possa, um dia, adornar com o seu resplendor a

vossa coroa no céo. Amen.

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Oc3ar37-solito_ — Umpingodefogo.—-A-

devoçãodeO-emma,O-alganipelas

almas do"JP-u-rg-atorio.

I n q ua r t o v e r s u e r a t c h r y s o -

l y t u s .( B x o d . )

ESTA penúltima conferencia sobre asvirtudes e devoções da serva deDeus resta-nos contemplar a ultima

pedra refulgente que rebrilha nodiadema de Gemma, o crysolito queresplandecia no racional do summoPontífice Aarão, nas fmicções sagradas.

D'esta pedra preciosa desprendem-se lampejos de chamma; o chrysolito, nas trevas, lançafaíscas; por esta razão , pode representar as chammas doPurgatório, que acrysola as almas bemditas dos defuntos.

14 3





Esta pedra rara pode symbolisai' também a devoçãode Gemma para com estas almas, esposas de Ghristo desterradas, que padecem, cheias de saudades, no fogo vingador, cuja ardência não tem igual.

Gemma de Jesus, sobre ser uma martyr do amor deDeus e uma alma reparadora em altissimo gráo de perfeição, quiz ainda sacrificar-se pelas almas prisioneiras que,como sarças em combustão, soffrem cruelmente no logar expiatório.

A serva de Deus, illustrada como era e illuminada

pelas luzes sobrenaturaes, conhecia a doutr ina genuína daIgreja catholica acerca do Purgatório. Sabia bem que adevoção pelas almas bemditas d'esse logar de expiação é,sem exaggero, uma espécie de centro a que vão convergir todas as devoções, permittindo-nos, mais que todas as outras, o desempenho de nossos deveres para com Deus,visto que é uma devoção toda de amor. De facto, segundoo ensino cio Padre Fáber, piedoso e douto oratoriano deLondres que tão bellas paginas escreveu sobre este assumpto

. interessante, esta devoção glorifica a Deus, consola a SS.Virgem, alegra os anjos e os santos do paraíso.

Nenhuma d'essas almas pesarosas e padecentes recebe

o menor allivio de soffrimentos, sem que Deus encontre

logo augmente de gloria. Nenhuma é arrancada ás cham-mas expiatórias sem que Deus seja consideravelmenteglorificado. Elle coroa e remata seus dons na alma que lheé tão cara e deixa de soffrer.

A devoção á nossa santa Mãe é comprehendicla nadevoção ás almas dos defuntos, — porque honramos n'ella aMãe de Misericórdia, a Rainha do Purgatório, que tantointeresse tem de ver sahir do captiveiro para entrar nagloria eterna as almas que padecem.

A serva de Deus não ignorava também que os santosanjos se satisfazem com a devoção ás almas, pois contribue

para fazel-as occupai* os thronos vagos entre seus coros, preenchendo os vácuos deixados pela queda de Lucifer e

dos anjos rebeldes e decahidos. Demais, muitos têm interesse pessoal no Purgatório. Milhares ou talvez milhõesforam encarregados da guarda d'essas almas, e sua missãonão está concluída, emquanto ellas não estiverem no céo.

1 4 4



Milhares têm ahi clientes que, durante a vida, os honraram com um culto especial. Orar, portanto, pelas almas doPurgatório é a maior alegria que possamos proporcionar aosespíritos bemaventurados do paraíso.

Esta devoção, finalmente, alegra os santos do céo, porque cada alma que, pelos nossos suffragios, sae do capti-voiro do fogo, augmenta-lhes o numero e aformoseia-lhesas fileiras gloriosas.

A serva de Deus podia ainda considerar esta devoçãosob outro ponto de vista. De facto, envolve o pleno exercício das tres virtudes theologaes: fé, esperança e caridade,fontes sobrenaturaes que alimentam em nós a vida espi

r i tual.Exerce a fé, convidando os homens não só a fixarem-se

n'um mundo invisível, mas ainda a trabalharem para essemundo com tanta convicção, como si o tivessem á vista.Eleva nossa fé na communicação dos santos, e robustece-nos a cren ça no valor inesti máve l das indu lgê ncia s e dosoutros suffragios, principalmente no santo sacrifício damissa.

A esperança torna-se mais firme por esta devoção, acaridade se abraza, porque, si damos ás almas dos mortosas próprias satisfacções em vez de guardal-as para nós,

praticamos um heróico acto de esperança. VEntregamo-nos,sem reserva, á misericórdia divina e d'ella esperamos tudo.

Damos a nossa esmola e lançamo-nos aos braços deDeus.

A caridade, por esta devoção, alteia-se, imitando a do próprio Deus.

E' um acto de amor centuplicado quotidianamente;um acto de amor a Jesus, porque cada oração feita pelasalmas exalta a abundância de sua redempção, glorifica-lhea sangue precioso e povoa o céo.

Por estas razões, a devoção pelas almas afflictas doPurgatório foi notável na maior parte dos santos. S. t0 Tho-maz de Aquino, o doutor angélico, ensina que a caridadeé incompleta, si não enlaça os mortos com os vivos.

Não obstante, Deus parece haver suscitado algunssantos, para fazerem de sua vida um sacrifício perpetuo

MSGemma Galgani. 10



em favor das almas. Gemma está neste caso. Ninguém seadmirará de que uma alma como a sua, toda embebidado sobrenatural, favorecida de dons especiaes e de visões,enriquecida, agraciada de favores celestes, vivendo em com-municação intima e continua com os bemaventurados habitantes da Jerusalém celeste, não vivesse também em com-munhão intima e estreita com as almas desterradas que,como pombas dolentes, choram na terra do exilio.

Ninguém comprehendia e apreciava melhor o dogmaconsolador da communicação dos santos, nem dizia commais fervor: Credo in sanetorum commimionem. Ninguémgostava mais de abysmar-se, meditando, n'essa mysteriosaunião da igreja militante com a igreja triumphante e aigreja padecente que, segundo a bellissima expressão deJoseph de Maistre, se auxiliam mutuamente e clão-se asmãos como très irmãs caríssimas. Ninguém descia maisvezes pelo espirito ás profundezas das masmorras, paraconsolar as almas detidas no lago de fogo.

Ninguém comprehendia melhor as palavras do psal-mista: Misericórdia et veritas obviaverunt sibi. No Purgatório, encontram-se a misericórdia e a verdade que, á pr imeira vista, deviam excluir -se: Justifia et pax osculatce

sunt. No logar da expiação, a justiça e a paz beijaram-se

e vivem abraçadas, segundo a interpretação dos santosPadres, porque as almas dos defuntos soffrem, resignadase esperançosas, o castigo da divina justiça.

Ninguém penetrava mais no symbolismo tocante dacommemoração dos finados, no dia seguinte á Festa deTodos os Santos, cuja instituição agradecemos á piedadede S.t0 Odilon, no decimo século. Gemma G al gani, todaembebida do sobrenatural, comprehendia melhor do queninguém, a sublime lembrança do santo abbade de Cluny,tão devoto das almas do Purgatório, de mostrar, por estemodo, a união que existe entre todos os filhos da Igrejaverdadeira.

Depois de ter celebrado a Victoria dos que triumphamno céo, S.t0 Odilon quiz que seus religiosos se compadecessem também dos soffrimentos dos justos que gememna prisão de fogo, interessando em favor d'elles os santosque são os amigos de Deus e lhes rogando para interceder

por elles.

1 4 6



A Igreja, que todos os dias orava pelos defuntos,approvou esta santa pratica da celebre abbadia benedictinada França, no dia 2 de Novembro, e chamou em auxiliodas almas desventuradas todos os fieis que combatemn'este mundo; pedindo-lhes, outrosim, que applicassem ásalmas, em virtude da communicação dos santos, o fructodas suas boas obras unidas aos infinitos merecimentos deJesus Christo.

A exemplo da Irmã Josephina de S.ta Tgnez, religiosa deS.t0 Agostinho, da Irmã Francisca de Pamplona, de MariaDionysia de Martignat da Ordem da Visitação, Gemma parece que não viveu sinão para auxiliar as almas soffredoras.Estava-lhes sempre em communicação intima e constante e,assim como rezava sempre por um peccador determinadoaté alcançar-lhe a conversão, também offerecia as supplicasincessantes por uma alma determinada até conseguir-lhe

o livramento.A serva de Deus offerecia os trabalhos, os soffrimen-

tos, as doenças e os suffragios pelas almas abandonadas.Quando se sentia impotente, interpunha a intercessão daBemaventurada Virgem Maria e dizia:

14 7



Mãe, acode aos padecentes,Abre-lhes o seio amoroso,De Christo o sangue preciosoResgate já esses crentes,

Ó Maria!

O céo acceitava-lhe a generosa offerta e as almas sentiam, de dia em dia, diminuirem-lhe os tormentos.

Uma Irmã passionista, fallecida, havia poucos dias, noconvento de Corneto, appareceu-lhe acabrunhada de tristeza, pedindo-lhe o auxilio, porque soffria horrorosamente

Gemma, enternecida pela triste apparição e profundamente, commovida, não poupou esforços para alcançar-lheo prompto allivio. Não descançou, multiplicando as preces,derramando rios de lagrimas, porfiando com o Divino Salvador, fazendo supplicas á Mãe de Misericórdia, lucrandonumerosas indulgências, n'uma palavra, parecia não ter outra preoccupação. Durou dezeseis dias a santa peleja, nofim dos quaes conseguiu o que tão ardentemente almejara:a justiça divina deu-se por satisfeita e a alma viu-se livre

* das penas.Gemma narrou eíla própr ia esse facto: « A's duas horas

e meia da manhã, a SS. Virgem me avisou que a hora da

salvação estava próxima. De facto, pouco tempo depois,appareceu a Irmã Maria Thereza, no traje de passionista,em companhia do Anjo da Guarda e de Jesus. Que diffe-rença entre as duas appar ições! Veiu a mim, cheia dealegria, com o sorriso nos lábios, e disse-me: «Agora estouverdadeiramente feliz, vou para o paraíso gozar para sem

pre das delicias celestes.» Em seguida, fez com a mãosignaes de despedida e accrescentou: «Adeus!» e voou logo para os eternos tabernáculos, ás tres horas da madrugada. »

Os artistas catholicos representaram nas telas, por um tocante symbolismo, a virtude dp precioso sangue quese derrama pelos vivos e pelos defuntos, todo o dia, sobrenossos altares. Perto da cruz do Redemptor, vêm-se os an

jos, esforçando-se por chegar, quanto possivel, um cálice áschagas sangrentas de Jesus, para não perder uma só gottae despejal-o sobre o abysmo de chammas onde penam as pobres almas.

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Gemma Galgani foi um d'estes anjos compassivos querecolhem o sangue de Jesus, durante a santa missa, lucrando numerosas indulgências e despejando o cálice cheiode suffragios refrigerantes sobre o fogo, como um frescoorvalho, para acalmar-lhe o grande ardor e consolar asalmas.

A exemplo de Gemma, as congreganistas, que devemabraçar as devoções approvadas pela Igreja, esforcem-se por adquirir também uma devoção solida para com as almasdo Purgatório. Não devem passar nenhum dia da vida semrezar pelas almas tão necessitadas, consagrando o mez de

Novembro, que lhes é votado, em obter-lhes o descançoeterno, fazendo os piedosos exercícios prescriptos, quer

publicamente na Igreja, quer particularmente no seio desuas famílias. Rezem em particular pelo descanço eternode suas irmãs da Pia União e pelas almas que foram devotas á SS. Virgem. Escutemos gemidos enternecidos d'-estasalmas que suspiram como o propheta: Ai de mim que, hatanto, vivo peregrinando em terras estrangeiras; como vaelonge meu exílio! Meu Deus, quando chegará a hora, emque possa contemplar a vossa, formosura infinita, e ver-vos

face a face?»

Ouvi, Congreganistas, as vossas irmãs gritando dofundo do abysmo. Vede como estendem para vós as mãossupplices do meio das chammas. Escutae-lhes a voz chorosaque, do fundo do abysmo, clama por vós: «Tende compaixão de mim, pelo menos vós que fostes minhas amigas, porque a mão do Senhor me castigou.» Dizei:

Com as tristes almas,Bom Jesus, usaeDas misericórdias

De Deus, vosso Pae!Suppra o vosso sangue,Precioso e santo,O dever das almasQue padecem tanto!

Transportae-as logo,Sem mais dilação,Para os tabernáculosDa Santa Sião!

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As Filhas de Maria sejam devotas de Nossa Senhorado Carmo e revistam-se do santo escapulário que a mesmagloriosa Senhora deu a S. Simão Stock.

O propheta Malachias compara Jesus Christo purificando as almas no Purgat ór io «a um homem que funde erefina a prata na fornalha e apura o ouro no crysol ». Comoo fogo que derrete os metaes, assim o Senhor ha de acry-solar os filhos de Levi— E t purgabit filio Levi e eolabit eos quasi aurum e quasi argentum. A Virgem do Carmo,compadecida dos tormentos das pobres almas, atormentadas

pela justiça rigorosa de Deus, entregou ao piedoso carmelitainglez este santo habito, dizendo-lhe: In quo quis moriensœternnm non patietur incendiuin.- Quem. -morrer revestidod'esté santo habito ver -se-á livre do incêndio eterno.

Além d'esté privilegio, a mesma Virgem bondosa pro-metteu livrar das chammas do Purgatório, quanto antes,as almas que, durante a vida, entraram na confraria do escapulário e cumpriram com as obrigações impostas.

As Filhas de Maria venerem esta gloriosa Virgem doMonte Carmelo, radiosa Rainha do Purgatório, como diz S.Bernardino, o devotíssimo servo de Maria Santíssima: ('tique in regia) purgotori'/ dominium tenet: Virgo Maria.Sim, também no reino lugubre das chammas purificadoras,

Maria empunha o sceptro da realeza, crivado de chryso-lií.os fulgurantes.

Não posso deixar de apontar uma outra vantagem dadevoção ás almas do Purgatório. Já vos falei da resignaçãocom que Gemma Galgani supportou os golpes repetidos damorte em sua familia. A serva de Deus, graças á fé esclarecida que tinha, dizia com S.t0 Agostinho, cujas obras lia,falando da morte de sua mãe querida, S.ta Mónica: *Nonego floribus tumulum ejus aspergam, sed spiritum ejusChristi odore perfundam. — Não me satisfaço espargindo

flores sobre seu tumulo; prefiro, com as preces e o sacrifício, impregnar -lhe a alma do suavíssimo odor de JesusChristo. Assim a bôa congreganista, devota das almas dos

padecentes, consola-se pelo espirito de fé que nos dá forças para o sacrifício, por maior que seja.

Disse Jesus a Gemma que não perdesse o tempo em

choros inuteis.Deus não vos pede, talvez, esta virtude heróica,

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apenas quer que santifiqueis as lagrimas; porque chorar éum allivio; pede que vos conserveis calmas na dôr e não

vos excedaes na tristeza; como acontece aos que não têmesperança, consoante ás palavras de S. Paulo: «qui speninon habent.» Em ministér io de quasi vinte e cinco annos,em diversos paizes, notei que a explosão da dor é tantomais ruidosa na occasião dos enterros, quanto mais fraca êa virtude de religião. O espirito de fé abafa os gemidos dasaudade. Verifiquei também que o pesar é mais sincero,mais profundo, e mais durável nos que menos ruidosamentechoram.

Medite a Filha de Maria nas palavras consoladoras do prefacio dos defuntos: Fidelibus vita mutatur, non tollitur. — Os fieis, pela morte, não perdem a vida, mas trocam-na por outra melhor. Et dissoluta , terrestri hujus habitat ionis

domo, ailerna, in cadis habifatio comparatur. — A alma dobom christão adquire um togar na mansão celeste emcompensação do corjw terrestre em que habitava. Encaremos, pois, a morte pelo prisma da fé e consolemo-nos mutuamente nas saudades. Praza ao céo que o ehrysolito,

pedra rara e formosa, cujos fulgores flammejantes symbo-lisam a devoção terna pelas almas, resplandeça, um dia,na coroa das Filhas de Maria como fulgura no diademaimmortal da serva de Deus, Gemma Galgani.




DECIMA SÉTIMA CONFERENCIA.

santamortedeGemmaO-alg-am.!.

A d j u r o v o s, f i l i a J e r u s a l e m , s i i n -

v e n e r it i s d il e c tu m m e u m , u t n u nt i et is

e i q u i a a m o r e l a n g u e o .

( C a n t . V . )

Eu vos conju ro, filhas de Jer usalém ,que, si encontrardes o meu amado,

lhe façaes saber que estou enferma deamor.

Ê-SE, no livr o I I I dos Heis, que Salomão edificou um templo em Jerusalém, empregando, n'essa grandi-diosa obra, militares de operáriose gastando sete annos. O bellissimo

\ HHBSBHHS? / cdiíicio foi lodo construído de pedras lavradas e esquadrinhadas. As

paredes e o tecto eram revestidos,interiormente, de madeiras de cedro

douradas, em que estavam esculpidos cherubins, palmas egrinaldas de flores; até o pavimento era forrado de lami-

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nas de ouro fino. O rei fez appello aos melhores artistas, para esculpirem, em alto relevo, açucenas e pomos de romãsnos capiteis e nos frisos. Os utensílios do culto, os casti-çaes, os thuribulos, as lâmpadas, tudo era de ouro finíssimo.

Assim é que o Rei dos reis, de quem Salomão foiapenas a figura prophetica, quiz construir, no coração deGemma, sua fiel serva, uma morada digna de sua majestade, gastando vinte e cinco annos n'essa obra prima. Oceleste artista, armado do martello da dôr e do formão datribulação, a golpes repetidos, lavrou e esquadrinhou as

pedras de cantaria e mármore d'esse edifício espiritual, cortando, sem misericórdia, os defeitos e imperfeições. Arman-do-se, em seguida, do buril da doença, esculpiu as paredes,fazendo profundos entalhos, revestindo finalmente as figuras de alto relevo de laminas de ouro. Gemma não contrariou, queixando-se, a obra santificadora, embora dolorosíssima, de Nosso Senhor.

( iomo o santo Bispo de 1 lippona, o eximio doutor daIgreja, prostrado no leito da dôr, exclamava: Hic ure, kie.teceu, h/c non parcas, ut in wternum parcas, nossa Gemmadizia: «Queimae, Senhor, n'esta terra, cortae n'este valle delagrimas, não me poupeis, mas poupae-me na eternidade!»

Scicnte de que Deus castiga a quem ama, esta almaIão sobrenatural, conhecedora do alto preço das adversidades, beijava a mão que, com tanta dureza, a tratava. Como Apostolo das gentes, Gemma só queria glorificar-se nacruz de Jesus Christo e nas proprias cruzes.

Durante os sete annos que o rei Salomão gastou naobra maravilhosa do templo, não se ouviu uma pancadasiquer, porque as pedras tinham sido lavradas de encaixe.Assim também o Senhor acabou a sua esplendida morada,no coração da Virgem de Lucca, com um trabalho silencioso,lento, invisível, mysterioso. O templo está prompto, estáornado de ricas alfaias, n'uma palavra, tornou-se uma joia.

Quando Salomão fez a dedicação do templo que aca

bara de construir, uma nuvem encheu o santuário: era osignal da presença gloriosa da divina Majestade. Por semelhante modo, Jesus, depois de aformosear a alma de Gemma,viveu n'ella pelo espirito cie sua santidade, pela plenitude

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de seu poder, pela perfeição de suas vias, pela verdadede suas virtudes, pela communhão de seus niystcrios, pelodominio sobre qualquer potencia inimiga no seu espirito,

para a maior gloria de seu Pae eterno.Ó Gemma admirável, agora entoas o hymno de des

pedida do sacerdote, ancião piedoso que recebeu nos braçosveneráveis Jesus, na apresentação do templo: Agora, Senhor,despede a tua serva em paz.

() Gemma, mais de uma vez, recebeste nos braços oMenino Jesus. Acabaste a carreira mortal, morrerás na

r.oni r* une» .'.

— - r — _ . —

flor dos annos, tão cheia, porém, de merecimentos como sitivesses percorrido uma longa carreira. Em poucos annos,ãccumulãste mais mér itos do que o homem encanecido noserviço de Deus. Gonsummatus in brevi explevit têmporamulta.

Vinde, anjos do céo, cortae o fio tênue que prende áterra a existência d'essa innocente donzella! Vinde colher

no pomar sagrado da Igreja, o fructo precoce, sazonado pelos ardores do sol da justiça! Ante fórum hujus virginis frequentatè -i to bis dulcia cantica drama lis. Anjos do céo,

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afinae as cytharas harmoniosas e, com as vozes mais suaves, cantae, ao pé cio leito (Festa virgem, o doce hymno doEsposo dos Cantares: «-Levanta-te, apressa-te, amiga minha, e vem! Já passou o inverno, já se foram as chuvas,

já cessaram as catadupas, appareceram as flores em nossa,terra! As vinhas em flor lançaram o perfume. Levanta-te,amiga minha, e vem! Vem, Esposa, de Christo, receber acoroa que o Senhor te preparou desde a eternidade!»

Antes de morrer, Gemma, que se havia offerecido aoSenhor como victima reparadora pelos profanadores do

SS. Sacramento, tinha ainda que soffrer bastante. Quiz cum prir até o fim, até o ultimo suspiro, a sua missão. Haviade beber o cálice do soffrimento até as fezes, como Jesusno jardim das Oliveiras.

Com uma voz repassada de tristeza e dôr, tinha-lhedito Jesus: «Preciso, em particular, de uma victima de ex

piação e reparação pelos peccados e sacrilégios dos ministros do santuário. 'Si não fossem os anjos que assistemno altar, quantos seriam fulminados na celebração do actosagrado!»

A estas palavras, a donzella empallideceu, os olhosarrazaram-so-lhe de lagrimas.

Mas, quando o Senhor lhe perguntou si estava promptaa tomar sobre si a expiação cfaquellas pro fanações, semhesitar, respondeu: «Sim, Senhor, sem demora! Descarregaa tua cólera sobre mim; glorifica-te n'essa tua miserávelcreatura!»

Uma Irmã enfermeira disse á serva de Deus, prostrada sobre o leito cie dôr: «Caso Nosso Senhor te dessea escolher entre a vida cheia de padecimentos e a entradaimmediata ao céo, que preferirias?» tRespondeu Gemma,com a vivacidade que lhe era peculiar: «Minha Irmã, prefiro mil vezes todos os tormentos cVesta vida, si assim puder glorificar a Deus e soffrer por meu amabilissimoJesus!»

Dizem que o cysne, quando está prestes a expirar,canta maravilhosamente como nunca o fizera; assim tam

bém Gemma jamais cantou hymnos tão harmoniosos doque estes que acabo de referir.

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Deus pede a sua serva o sacrifício da vida em flor como desaggravo dos crimes dos homens, e ella respondo

por um Hat admirável.

Resignada a morrer pelo amor de Jesus e pelas almasque se perdem, Gemma, comtudo, está prompta a soffrer ainda mil tormentos, sacrificar até a visão beatifica imme-diata, si Deus assim fosse mais glorificado.

Esse

0essas

palavras áTrmã, foramseu canto

de cysne.Ao lado

das torturas phy-sicas que

supportavacom tanta paciência,Gemma foi privadatambém

das doçuras da contemplaçãoe das mani

festaçõesextraordinárias. Nes

ta aridez, a pobre victi-ma, desolada e sosi-

nha, se consumia pela

dôr em pleno holo

causto aoSenhor.

Avisaram,immediata-mente, o di

rector eeste chegou

pressuroso,

perguntando aGemma:

O racional, que o summo sacerdote Aarão ^Elltaoquetrazia sobre o peito, suspenso ao pescoço ostaiUOS fa-por uma corrente òe ouro. N'elle estavam engastadas òoze peõras preciosas. ZOlldo?» —

« Vou a Je-

jmmÂ

sus», respondeu a doente, n'um tom de immenso jubilo, «sim,vou para o céo; Jesus m'o disse claramente.»

No dia seguinte, foi-lhe administrado o santo viatico.Esta cerimonia, sempre tão tocante, revestiu-se de uma

solemnidade particular. Vestiram-na com 0 traje das Filhas

de Maria, adornaram de flores o quarto, alcatifaram o chãocom pétalas de rosas. O sacerdote, ao chegar, depositou oSantíssimo sobre o lindo altar preparado adrede; ao contemplar o rosto da doente em êxtase que irradiava fulgores

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como um sol nascente, ficou pasmado e tão cheio de respeitoem presença d'esse anjo em adoração, que não se atreveua chegar mais perto. 0 director então mandou que lheadministrasse o santo viatico, não obstante o estado extáticoem que a moribunda se achava. De facto, a santa enfermaabriu os olhos e voltou-se para o sacerdote, recebendocom a máxima devoção a santa communhão.

Depois de levar o SS. Sacramento, o padre voltouincontinente e, ajoelhado no quarto, ficou ahi, por muitotempo, rezando. Gemma sabia, entretanto, que sua ultimahora ainda não tinha chegado e que havia de soffrer perseguições da parte do demônio, antes de entrar em agonia.

Para tornar saliente a bella cor do mármore é precisoque seja polido com esmeril e pedra pomes, e brunil-ocom demora, sendo finalmente untado com verniz paradar-lhe o ultimo lustro. Assim também o Senhor quiz, paraembellezar a alma de Gemma e lhe dar o derradeiro br ilho, proval-a pelas ultimas tentações de Satanaz.

Com sanha furiosa, o demônio esforçou-se em excitar a imaginação de Gemma já tão enfraquecida, pela doença,com horríveis pbantasmas e apparições, depois tentou le-val-a ao desespero. Em cores negras, traçou-lhe o tristequadro de sua vida dolorosa, cheia de angustias e privações de todo o gênero, fazendo-lhe ver, claramente, as des

graças, doenças e mortes na sua família. Fez passar-lhediante dos olhos, como numa fita cinematographica, osofficiaes de justiça juntamente com os credores chegadosem casa depois da morte de seu pae, para lançar mão detodos os bens, e jogar á rua os pobres orphams que sedesfaziam em lagrimas.

Em seguida, lembrou a pobre doente as necessidades por que passara na pobreza, o seu desamparo e finalmente,n'um tom de ironia cynica, exclamava: «Eis o que lucrasteno serviço de Deus!»

Servindo-se também da aridez de espirito em que seachava Gemma, da falta de consolação divina, da privaçãodos favores celestiaes, Satanaz, por seus ardis diabólicos,

tratou de convencel-a de que estava abandonada por Deuse que havia.de ser condemnada ao fogo eterno por suasinfidelidades.

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A pobre martyr soffria, heróica e resignadamente, tantos vexamos e, com donodo, rebatia as suggestões astuciosasdo anjo cahido. Para livrar-se das garras do abutre infernal, achou de bom alvitre fazer, mais uma vez, a confissão geral.

Por isso, mau grado a fraqueza extrema, escreveu,com o próprio punho, uma relação minuciosa de sua vidae mandou chamar um santo sacerdote; este lhe deu, juntamente com a absolvição, bons conselhos que lhe .dissipa

ram, por completo, os temores e lhe trouxeram a paz aocoração.

Antes de se lhe escurecer a vista, Gemma lia os piedosos exercícios da preparação á morte.

A sua tia, que lhe perguntava si a morte lhe faziamedo, respondeu que não, que morria muito satisfeita, porque não tinha apego ás cousas terrestres e só suspirava

pelos bens celestes do paraíso.

No ultimo período da doença, Gemma tinha, muitasvezes, syncopes prolongadas e collapsos. O dia do passamento approximava-se, com rapidez.

Estava-se na semana em que nosso Divino Redemptor

morreu, qual puríssima victima pelos peccados do mundo- Na quarta-feira de trevas, Gemma recebeu a santa com-munhão, respondendo, com voz sumida e repassada de dôr,ás preces dos agonizantes; na quinta-feira maior, tornouainda a commungar, com fervor ineffavel, pela ultima vez.

Na sexta-feira da Paixão, a irmã enfermeira pediulicença á doente para ir descançar um pouco, porque tinha

passado a noite toda a sua cabeceira e estava realmenteexhausta.

Gemma disse, porém: «Não me deixeis sosinha, por piedade, até ser crucificada como Jesus, que me disse deverem seus filhos morrer na cruz em sua companhia.»

Em seguida, a doente entrou em agonia e ficou, o dia

inteiro, com os braços estendidos como Jesus na cruz. Pelamanhã de sabbado, foi-lhe administrada a extrema-uncção.

Gemma respondeu, com voz clara, ás orações lithur-gicas e, pouco depois, disse: «Agora, é verdade, não possomais. Ó Jesus, eu te recommendo minha pobre alma!»



Só faltava o ultimo suspiro, o desenlace final e, n'estemesmo, a santa moribunda havia de ser semelhante á victimado Calvário, mysticamente cravada na cruz, enfraquecida

pela perda copiosa do sangue que brotara dos estigmas elhe sahira dos olhos, em expiação das offensas feitas ãdivina Majestade. A victima agonizava com Jesus n'uramar de angustias, atormentada em todas as faculdades daalma e do corpo pelo inimigo infernal, sem receber conforto,nem do céo nem da terra. A innocentissima creatura elevouainda a voz, não para se queixar, mas para suspirar amorosamente.

Dous mil annos atraz, na cidade cie Jerusalém, nasemana pascoal, ouviam-se os ternos balidos dos cordeirosque os judeus immolavam por milhares. Km cima do Gol-gotha, gemia também a victima sem mancha, o Cordeiroimmaculado que tira os peccados do mundo, prefigurado,annunciado, e exemplificado pelo cordeiro do Egypto, cujosangue salvou os primogênitos do povo de Israel.

De vez em quando, a pobre martyr dizia: «Não possomais!» O confessor fazia-lhe comprehender que, com a graçade Deus, tudo se pode, e ella conservava-se calada.

Como uma pessoa presente dissesse: « A falar verdade,a pobrezinha não pode mais», Gemma tornou: «Sim, possoainda um pouquinho.»

«No deserto de Engaddi», dir-vos-ei com S.t0 Ambrósio,«ha um pão que distilla um perfume delicioso quando pisado e machucado.» Posso empregar uma comparaçãosemelhante, mais adequada, e mais moderna: Ha, na vossafertilissima terra brasileira, páos e fruetos que tanto maissão odorantes quanto mais pisados e reduzidos a pó, comosejam a canella, a baunilha, o cacao e tutti quanti.

Quanto mais a alma de Gemma, alma penitente nosupremo gráo de perfeição, foi pisada e triturada, maisdistillou o aroma da virtude e, sobretudo, da santa paciência,cuja fragrância ha de perdurar pelos séculos vindouros.

S. João Evangelista, narrando a morte do Salvador,

diz: «Et inclinato capite reddidit spiritum — Jesus inclinoua cabeça e entregou o espirito». Assim Gemma inclinou para um lado a cabeça e, com um meigo sorriso nos lábios,falleceu de dôr e de amor, no dia 11 de Abr il de 1903. Era

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sabbado de 'Alléluia. Como o cordeiro pascoal, a docevictima, espontaneamente offerecida em expiação dos sacrilégios, foi immolada na véspera da Paschoa de Resurreicão.O padre no altar acabava de entoar, por très vezes, oaíleluia triumphal, repetido pelos cantores como um gritode alegria e de esperança.

Os sinos, mudos havia très dias, repicavam festivamente, annunciando ao povo christão a gloriosa resurreicão do Senhor, echoando alegremente no coração dos fiéisadoradores do Christo glorioso, quando da humilde casitade Lucca, voou para o céo a alma de Gemma Galgani, e lánas alturas do paraiso, unindo a voz ás melodias dos espirites celestes, continuou o cântico dos anjos, interrompidoum instante pela morte: Laudamus te, benedicimus te,adoramus te, glorificamus te/

Durante a vida mortal, a serva de Deus exprimira,muitas vezes, o desejo de morrer n'uma solemnidade. Deusouviu-lhe a aspiração, dando-lhe melhor do que pensara.Morreu na maior solemnidade do cyclo litúrgico, na mais

pomposa festividade do anno ecclesiastico.Depois de ter padecido, juntamente com Jesus, durante

a semana dolorosa, relembradora de sua sagrada Paixão,a doce amante do Christo não poude morrer antes que o

padre no altar entoasse a antiphona: Vespere autem sab-bati, alléluia.

Depois de ter sido crucificada mysticamente, a docevictima não poude expirar antes que o padre cantasse o Magnificat anima mea Dominum, incensando ao mesmotempo o altar e enchendo o santuário das nuvens odoríferas do thuribulo.

Nosso Senhor, que a Igreja chama nossa vida o nossaresurreicão, quiz buscar a purissima esposa no sabbadode Alléluia, para celebrar com ella, no céo, o glorioso anni-versario de sua resurreicão.

Ninguém notou o passamento, porque as feições nãose lhe mudaram, conservando-se bellas e regulares comod'antes. Gemma parecia adormecida. Morreu a sorrir, n'umabraço do divino Esposo.

A bellissima alma, como a chrysalida, creou azasdiaphanas, quebrou os laços que a prendiam á terra e, fu-

i6r-1»

Gemma Galgani.53oïl



gindo da prisão , como linda borboleta a sahir do casulo,onde vivia, n'um surto arrojado, voou para os eternos ta

bernáculos, em companhia do Anjo da Guarda e cercada por uma multidão de almas que lhe deviam a salvação: Benedieite, angeli, Domino, laudate Dominum, omnesangeli ejusf

Uma pessoa, iembrando-se do que Gemma desejara,durante a vida mortal, fazer profissão na Ordem das pas-sionistas, vestiu-a com o habito pardo da mesma, collocan-clo-lhe sobre o coração o emblema da Paixã o, seu distinctivo.Coroada de flores, com o terço do Maria ao pescoço, agraciosa serva de Deus, COK. as mãos postas segundo costumava tel-as, quando estava arrebatada em êxtase, pareciaviva e abstrahida em intima communicação com Deus.

Muita gente, ao saber do fallecimento da serva doSenhor, veiu com sofreguidão orar perante o santo corpo.

O enterro foi, pela concurrencia extraordinária do povo, uma consagra ção de suas virtudes e da fama de suasantidade.

Sobre o tumulo, collocaram-lhe uma lapide com dizeresem latim, cuja traducção é a seguinte: Gemma Galganide Lucca, a innoeentissima donzella que foi consumida,mais pelo amor divino do que pela doença, na, idade de25 annos, aos 11 de Abril de 1008, voou ao paraíso, paracelebrar as bodas com seu divino Esposo. Descança em

paz, doce alma, em companhia dos anjos!Treze dias depois do fallecimento da serva de Deus,

o medico extrahiu-lhe o coração, encontrando-o cheio desangue vermelho como um coração vivo.

No anno de 1908, com licença da autoridade episcopal,desenterraram o corpo virginal e collocaram-no n'umacatacumba encimada de um lindo monumento funerárioque se tornou, em breve, um ponto de attracção para muitos e um logar de romaria.

Em pouco tempo, as paredes do mausoléo cobriram-sede expressivas inscripções, testemunho da fé e confiançados fieis na intercessão da Virgem de Lucca.

Eis algumas:«Gemma, lembra-te do meu pae!—Gemma, reza por

meu marido!— Cara Gemma, converte meu ir mão!— Querida

16 2



Gemma, aeode-me para desterrar os máos pensamentos! —Minha querida Gemma, esposa de Christo, do alto do céovolve os olhos ás almas que me foram confiadas, protegeas boas emprezas, intercede pelo rebanho e pelo pastor,alcança para todos a santidade!»

Nossa heroina morreu; sua memoria, porém, é eterna,como disse o propheta-rei : In memoria wterna erit justa*. Nossa heroina morreu; todas as gerações, porém, se lem brar ão d'ella e lhe glorificarão o nome.

Seu corpo jaz no sepulcro, mas a joia das Filhas de

Maria viverá para sempre no coração dos homens: Cor pora ipsorum in paee sepulta suat et nomen eorum viveiin generationem et generationem. (Eeel. 54.)

O nome de Gemma Galgani será o synonimo da pureza.

Todas as Filhas de Maria esforçar-se-ão para seguir os gloriosos vestígios d'esta santa donzella e para tr i Ih atua senda de luz em que andou.

Todas procurarão imitar-lhe a santa vida, cuja synthèse é amor e reparação.

Transportemo-nos em espirito ao cemitério de Lucca,onde descança a terna virgem, a dormir o ultimo somno.

Embora o nome de cemitério, etymologicamente falando, queira dizer logar do somno, embora este nomeencerre um bello symbolismo nas línguas latinas, porqueo somno implica o despertar futuro na eterna gloria, prefiro ainda o nome anglo-saxonico, usado pelas populaçõesoriundas d'esta raça, no centro e no norte da Europa:Gottesaeker — vou&do de Deus,—a sementeira de Deus. Que

bella allegoria!

Como cada família de aldeia tem um pequeno roçado para trabalhar, também Nosso Senhor, ao redor da egreja parochial, tem seu roçado onde lança as sementes, que sãoos corpos dos christãos. A morte abre o sulco n'este roçado bemdito e alli viceja a seara humana:

Renascendo os justos para sempre,Hã o de florir n'este Eden segundo,Unindo seus perfumes aos de outras floresQuaes nunca vicejaram n'este mundo.

( A u r e l i a n o P i m e n t e l .)



Ao pé do tumulo aberto que, segundo o bello epigra- pho encontrado nos cemitérios de França, é o berço do céo,meditemos sobre os conceitos consoladores do Padre Bour-daloue.

Os trabalhos, as tentações, as doenças, o invencíveldesejo de uma felicidade que, n'este mundo, não se encontra, tudo nos chama a essa grande eternidade, onde a fénos promette, com a posse de Deus, o descanço, a paz, osummo bem a que aspiram todas as potencias de nossaalma.

Eis porque os santos gemem tão amargamente debaixodo peso dos laços que os prendem á terra! Eis porqueexclamava o Apostolo S. Paulo: Desejo que meu corpo sedissolva afim de estar com Jesus. Então não haverá maisnem temores, nem lagrimas, nem combates, mas um eternotriumpho e uma alegria sem fim.

Si apenas um fraco vislumbre da eterna belleza trans portava Gemma durante a vida, que será quando a contemplarmos em seu inteiro esplendor!

Diz a Imitação : «Desde agora nos é tão caro o amor,que será quando nos saciarmos na sua fonte perenne e pura! .. . Quando vos parecer pesada a vida mortal, quandoestiverdes a ponto de succumbir á tristeza, levantae os olhose contemplae a aurora de vossa liberdade.»

Ah, si a congreganista visse a coroa immortal que ossantos possuem no céo, e a gloria de que estão gozando,dir ia com certeza: Que importa alguma fadiga? Jesus foiantes de nós para preparar -nos a morada em casa de seuPae, e depois virá e nos levará comsigo para que, ondeesteja, estejamos também.

«Ouvi Jesus dizer -vos:Assim ao céo fulgenteLevanta a face tua,Eis-te commigo;Meus santos todos grandes luctasSustentaram no século inimigo;Agora gozam glorias impollutas,

Agora consolados são.Repousam agora e resplandecemE commigo sem termo permanecem, No reino de meu Pae!'

( Imitação. — A ffonso Celso.)

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Anhelae, pois, a ventura celeste. Suspirae pelo Senhor,como suspirava Gemma, a Filha de Maria modelar, cujaalma desfallecia e gemia por seu bem supremo, como sus

pira o cervo sequioso pela frescura da fonte.Dizei com o piedoso Padre Bourdaloue : « Apressae-vos,

Senhor, fazei brilhar sobre nós a luz de vossa face, afimde que nos guie á celeste Jerusalém, ao pé do throno doCordeiro. A l l i no transporte do amor, no immortal extase dealegria, os coros dos bemaventurados celebrarão o Deussantíssimo, e as virgens, em união com os anjos, cantarão

um hymno que só ellas saberão, seguindo o cordeiro por onde fôr.»

E nós, Senhor, na margem do rio de Babylonia, cantamos com saudades de Sião. «Consola-te,minha alma,» dizo psalmista, «não ouves o primeiro murmúrio que annun-cia a vinda do Esposo?» Espera mais um pouco e vel-o-ás,mais um pouco e nada poderá separar-te d'elle. Dize comoS. João no ultimo verso do Apocalypse : « O que dá testemunho d' estas coisas diz: Certamente que venho loa o.»

Amen.

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DE CIMA OITAVA CONFE RE NCIA.

OespiritocieGemmaO-alg-a-ni.—Consi

derações fmaes.

H o c e n i m s e n t i t e i n v o b i s q u o d

e t i n C h r i s t o J e s u .

( P h i l i p p , s.)

Os sentimentos de Jesus sejam,

vossos jyroprios sentimentos.

N T R E os magníficos paramentos pontifícios do summo sacerdote Aarão,destacava-se o racional do juizo,feito de um riquíssimo tecido escarlate, de linho e purpura, sus

penso ao pescoço por uma correntede ouro de lei. Trazia engastadasdoze pedras preciosas, dispostas emquatro ordens; sobre cada pedra

estava gravado o nome de uma das t ribus de Israel.

Na primeira ordem, viam-se um sardónico, um topázioe uma esmeralda, na segunda, um carbúnculo, uma saphira

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e um jaspe; na terceira, um ligurio, uma ágata e um ame-thysta; na quarta, um beryllo, uma cornalina e um chry-solito, engastados em ouro nos logares próprios.

Lembrei-me de comparar algumas pedras finas doracional de Aarão ás virtudes que, como outras tantas pedras raras, rebrilham na coroa celeste de Gemma, desdeque entrou na Nova Jerusalém a cantar os louvores deDeus. Disse com acerto o venerável Thomaz de Kempis:1 As virtudes e as dores são os brilhantes que resplandecem na coroa do justo, no paraiso.»

Temos contemplado a coroa de Gemma, formada de

fino ouro, marchetada de finissimos diamantes, graciosasesmeraldas e abrazados rubis.

Depois de termos analysado as principaes virtudes deGemma, separadamente, e admirado os maravilhosos effei-tos da graça divina, manifestados n'esta admirável vida,resta-nos apenas falar do seu espirito. Assim faremos, em poucas palavras, a synthèse do nosso trabalho.

As excelsas virtudes da serva de Deus, os favores celestes de que foi favorecida com tanta abundância, as graças espirituaes de que sua alma foi inundada resumem-sen'uma só palavra - -o sobrenatural. A disposição d'alma, astendências espirituaes, as intenções concretizam-se-lhe naaffeição do sobrenatural.

O espirito peculiar a Gemma é o amor ao sobrenatural, a aspiração ao ideal celeste.

O paisagista Millet representou na tela o Semeador a espargir o trigo no sulco do arado, n'uma tarde resplandecente dos fulgores do sol poente.

(3 artista, para salientar o profundo symbolismo damão do Semeador que nutre toda a humanidade, n'elleconcentrou o jogo da luz com tanta pericia, que essa mãonervosa realça estriada cie veias azues salientes e attrae avista. Quanto mais o espectador contempla-lhe o bello gesto,mais sente-se fascinado.

A terra clesapparece aos olhos, evapora-se o própriovulto do Semeador, a vermelhidão do céo eclipsa-se dianted'essa mão benéfica e generosa.

16 8



Assim o leitor da vida de Gemma, sente-se attrahido pelo seu espirito, cuja belleza sobrepuja o brilho de suasvirtudes. O espirito de Gemma, a affeição ao sobrenatural,não é uma virtude, mas uma belleza que obscurece tudoo mais.

O espirito de Gemma tem o perfume da flor e possueo resplandor da joia.

O espirito de Gemma é o foco da luz, sendo-lhe ado o conselho do Apostolo : Seja

virtude osraios, é*"a alma que ani-

ma' todas asvirtudes, é aforça motrizdas opera

ções da graça.O espirito

de Gemmavaloriza todas as suas

praticas reli- 'glosas.

Ainda queos santos se

esforçassem por adquirir todos os sentimentos deJesus, segun--

espirito de seu santo amigo Francisco de Salles. — Lanciciusnos fala do espirito de S.ta Gertrudes.--O espirito de S.to

Ignacio se perpetua na Companhia de Jesus. — S. Franciscode Assis imprimiu nas suas obras, suas palavras e praticas, na sua Ordem religiosa, o cunho pessoal e inconfun-divel do seu espirito seraphico. —Os carmelitas estudam eimitam o espirito de S.ta Thereza; os passionistas admiram

e seguem o de S. Paulo da Cruz.O espirito de Soror Thereza do Menino Deus foi aconfiança inabalável no valor da oração que, já n'esta

0 s u m m o s a c e r d o t e Â a r ã o .

-vosso sentir o sentir de

Jesus, cadaqual tem umtraço caracte- 'ristico, uma

disposição

d'alma, umatendência,

n'uma palavra, um espirito.

Monsenhor

Carnus, bispode Belley,

nos transmit-tiu, n'nm

.bello livro, o

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terra, alcançava todas as graças que pedia; e, agora no altodo céo, seu poder de intercessão e de impetr ação é realmente assombroso. Nunca se ouviu dizer que alguém lheimplorasse o patrocínio sem ter sido attendido. Soror The-reza do Menino Jesus prophetizou este poder milagroso,dizendo pouco antes de morrer: «Depois da minha morte,hei de fazer caliir uma chuva de rosas.»

O espirito, de outra carmelita dos tempos modernos, propagadora da devoção ao Espirito Santo, Soror Isabel

da Trindade, que floresceu em Dijon na França, no mesmotempo que Gemma florescia na Itália, e morreu em odor de santidade no anno de 1906, foi a vida escondida emDeus. Dizia ella: «Achei meu paraiso sobre a terra, porqueDeus é o céo e está no meu peito.»

O espirito de Gemma Galgani é o amor do sobrenatural, realçando e palpitando em cada pagina da suavida.

Gemma Galgani foi, antes de tudo, uma creatura so brenatural; n'ella nada havia de material o terrestre; foium ente sobrenatural nos pensamentos, nas palavras, nascartas, nos affectos, nos sentimentos, nas obras, nos desejos,nas praticas religiosas, nas orações: foi sobrenatural em

tudo.Para se conformar aos conselhos de S. Paulo, despiu-sedos sentimentos do velho homem e revestiu-se das virtudesdo novo que é Jesus Ghristo. O velho homem, Adão, é terrestre, o novo homem, Jesus Christo, é todo celeste. Indue-mini Jesum Ghristum. (Rom. 14.) — Revesti-vos de NossoSenkor' e não faceies caso da carne.

Ó bella alma de Gemma, revestida do espirito de Jesus,como de um manto de gloria, vestida como rainha ornadade franjas de ouro! (Ps. 44.) Quão airosos são os teus passos!

Ella não se revestiu somente dos sentimentos de Jesus,sinão que este bom Senhor, enxertando-lhe seus divinossentimentos, deu-lhe uma vida nova, sobrenatural e divina. Nas veias estuou-lhe a seiva espiritual de Jesus.

Gemma poude exclamar com S. Paulo: Mihi enim viver 'e Christ us est.— O Christo c meu viver, e só terei alucrar, quando morrer. Vivo, porém não sou eu que vivo,é Christo que vive em mim. (Galat. 2.)

1 7 0



Ensina o doutor angélico, S.t0 Thomaz de Aquino, queo mérito das obras da alma justa augmenta em proporçãodo motivo sobrenatural que as inspira. Quão grandes sãoos merecimentos de Gemma Galgani inspiradas como foramas suas obras por tão elevados motivos sobrenaturaes !

Nunca admiraremos bastante o espirito de GemmaGalgani, espirito mystico e sobrenatural, cujo caracter, inconfundível e pessoal, se encontra impresso nos seusescriptos, nas suas obras, nas suas virtudes. Gemma, emtoda a sua vida, só aspirava, só tendia para o sobrenatural,

Terminada a humilde tarefa que me impuz, em p r o l

das almas piedosas em geral, e das Filhas de Maria em particular, — pois, talvez possam tirar algum proveito d'estasdespretenciosas prelecções,- -seja-me permittido ainda estender-me em duas considerações.

Parece, primeiro, que a biographia de Gemma exerceuma certa attracção e chama a nossa attenção, porque esta

bella alma foi nossa contemporânea e viveu em nossosdias.

Quanto mais perto de nós estão os signaes e osexemplos de santidade, mais nos attraem, tornando-se, para

bem dizer, visíveis e palpáveis.A coroa celestial dos santos brilha como as estrellas

do firmamento, nas trevas de tempos afastados e na penumbra de eras longínquas e desconhecidas, ao passo quea aureola de Gemma de Jesus, toda constellada de magníficos brilhantes, scintilla perto de nós e podemos contem plar -lhe o nimbo no nosso século, pois que a serva de Deusmorreu, em odor de santidade, no anno de 1903, na auroracio novo século, pelo que será a primeira santa doséculo XX.

Será um feliz prognostico para o triumpho da Igreja,e fará bem augurar da éra nova.

Semelhante á florzinha que, pelo fim do inverno euro peu, traspassa a camada de gelo e domina, com a hastegracil, os prados cobertos de branca neve, chamando aattenção de quantos a vêm; assim Gemma foi uma graciosacampânula, perce-neige, (tomo a chamam em França, sendo

a primeira flor de santidade que embellezou o mundo, na primavera do nosso século.

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Gemma ser á a alegria de Israel, a honra do nosso povo christão, a gloria de Jerusalém, e um raio luminosod'esta gloria recae também sobre nós, seus contemporâneos,redundando em nossa honra.

Eis ahi um dos motivos porque milhares de exemplaresda vida da serva de Deus, escripta pelo Padre Germano,foram espalhados pelo mundo afora, num curto espaço detempo.

Grande era a sofreguidão com que os leitores catho-

licos liam a biographia de Gemma, e continuam a ler comavidez uma vida tão edificante da santa dos tempos modernos.

A biographia escripta em italiano foi vertida em novelínguas; encontra-se na França, na Allemanha, na Hespa-nha, na Bélgica, na Rússia, na Inglaterra, na Hollanda, etc;

penetrou também na America, na China e nas índias.Esta vida pode competir com a dos santos dos tempos

medievaes e assemelha-se bastante ás chronicas da Ordemfranciscana, «Fioretti de san Francesco».

E' mais uma prova frisante da vitalidade e fecundidade da Igreja catholica, que nunca deixou e nem deixará de produzir alguns santos. Em todos os tempos, sob

todos os climas, a Igreja foi um formosíssimo vergel dealmas privilegiadas e sempre o ser á! Vicejam flores sobtodas as latitudes, por mais desfavoráveis que estejam ávegetação.

No cume dos Alpes cobertos de gelo eterno, floresceo <Edel\veiss», rosa scintillante de alvura. Nas plagasadustas do S ah ar a, vê-se florir a tamareira. Também asflores de santidade aformoseiam e balsamizam todas aséras, todas as terras, quando são bafejadas pela aragemdo Espirito Santo e orvalhadas pela graça divina.

Uma outra circumstancia torna muito sympathica avida assaz milagrosa da Virgem de Lucca, mandada por Deus a esta terra para a salvação de muitas donzellas: éque ella se santificou no rebulicio do século.

Embora desejasse immenso consagrar-se a Deus navida religiosa e ligar-se pelos tres votos evangélicos deobediência, pobreza e castidade, por um desígnio da divinaProvidencia não chegou a recolher-se a um convento, aca bando a carreira mortal no século.



As superioras dos conventos onde Gemma pediu entrada, não percebendo talvez o alcance das graças anor-maes e receando fossem manifestações mórbidas de hyste-rismo ou, pelo menos, de fanatismo, não quizeram admittil-a,apezar Ôos% favores excepcionaes de que estava enriquecida, ou quiçá por esta mesma causa.

Ninguém se admirará d'isto, sciente de que a vida decommunidade, além de exigir que tudo seja uniforme e regular, exclue ainda a singularidade.

Na vida dos santos encontram-se diversos casos seme- .

lhantes. Por exemplo, S. Camillo de Lellis foi obrigado, por diversas vezes, a deixar a communidade onde professara.O angélico Benedicto José Labre de França foi coagidoa deixar os conventos dos trappistas, dos cartuchos e doscistercienses, não obstante a sua grande santidade. Tinhaa vocação de percorrer o mundo, viver em perpetuas romarias aos principaes santuários da Europa, edificar oshomens por suas virtudes e alegrar os anjos pelas graçasrecebidas.

Assim aconteceu a Gemma. O arcebispo de Lucca, Monsenhor Ghilardi, não consentiu que ella se fizesse freira,

porque temia a fraqueza de sua saiíde.

Gemma desejava professar nos mosteiros da Visitação, por gr atidão para com a B. Margarida Maria que a curaramilagrosamente. Depois sentiu-se chamada á Congregaçãodas Irmãs chamadas Barbentini, que a trataram nas doenças.Finalmente, uma secreta inspiração e uma força irresistívela attrahiam á Ordem das passionistas.

O B. Gabriel Possenti a chamara sua irmã, mostrandolhe o habito de sua Ordem com as insígnias da Paixão doSenhor. A serva de Deus fez diversos retiros n'estas casasreligiosas, mas não chegou a entrar para o noviciado, porque tal não era a vontade de Deus.

Os votos da profissão já os havia feito aliás por devoção; freira e passionista era-o em espirito, visto que

trazia as insígnias e os estigmas de Jesus impressos na propria carne.A Providencia quiz que Gemma exercesse, no século,

um apostolado activo; que, semelhante a. S. Paulo, fosse 11m

m 173



vaso de eleição, levando o nome do Senhor aos filhos de Israel.

Deus quiz que fosse uma trombeta retumbante que publicasse ao mundo inteiro o amor ao sobrenatural; ou,conforme uma outra interpretação d'esta palavra bíblica,um vaso de eleição, como havia, no templo de Jerusalém,riquíssimos jarros de metal precioso, para servirem aossacrifícios, cuja riqueza proclamavam a gloria do Deus deSião, e que os levitas enchiam de aromas preciosos, para

serem queimados no altar dos perfumes; como nos palácios principescos, os vasos artísticos de alabastro, collocadossobre lindos pedestaes, guarnecidos, pelos áulicos, de rami-Ihetes e grinaldas perfumosas.

Ó precioso vaso de eleição, Gemma Galgani, agoraaformoseias o paraíso , como outr'ora embellezaste a terra!Levaste o nome de Deus a todas as Filhas de Maria,glorificaste o Senhor por tuas egrégias virtudes! Santificaste, por teu exemplo, muitas almas, salvando outras por teu zelo ardoroso!

(') Gemma Galgani, no céo continuas ainda a gloriosamissão de zeladora dos interesses de Jesus: és o vaso deeleição; não te esqueças da terra, pede por nós!

A serva de Deus foi destinada, na economia da Providencia, a ser o modelo das pessoas do sexo frágil quequerem e devem santificar-se no século. S. Francisco deSalles escreveu o bello livro A Introducçâo á vida devota,

para «inst ruir os que vivem nas cidades, nos negócios, e provar-lhes que a verdadeira devoção é possível em todasas emergências, em todos os estados, e os que vivem entrea multidão dos negócios temporãos nem por isso podemdeixar de pretender a palma da piedade enrista.»

Gemma Galgani pôz em pratica os couselhos do mel-lifluo doutor da Igreja, e sua santa vida, no meio domundo corrupto e seduetor, é um exemplo vivo e um modelo acabado da perfeição a que possam aspirar as pessoas

que não vivem em communidade.Gemma Galgani, por sua fidelidade e correspondência

aos effluvios do Espirito Santo, por sua obediência aossuperiores, suas virtudes no lar paterno, seu recolhimento,seu proceder modelar na sociedade e, finalmente, pelo con-



junto de todos os egrégios predicados, tornou-se um livroem acção, jam quadro vivo em que as personagens semovem e falam.

Às pessoas obrigadas por vocação a viverem nestemundo modelem a conducta pelas normas que Gemma deu,

por seus escriptos e seu exemplo.

Esta delicada e olente florzinha de santidade não desabrochou na estufa tépida e perfumada de um claustro,nem foi orvalhada pelas aguas límpidas da pura fonte deum mosteiro, sinão floresceu e derramou o subtil odor dasvirtudes entre os espinhos do século, sob os ardores de umsol abrazador que tantas virtudes faz murchar.

A serva de Deus não chegou a gozar das castas delicias das almas consagradas a Deus que o mavioso poetaallemão Weber cantou, num incomparável lyrismo, na epo

peia «Dreizehnlinden» (O convento das treze tilhas).

Gemma não levou a vida a cantar os louvores peren-nes n'um coro benedictino, assistindo ás augustas ceremoniasdo culto, que o poeta descreve em tão bellos versos, repassados de santo enthusiasmo:

«No rico santuário conventualRebrilhava o branco cirio paschoal,Mais bellos os corações resplandeciam,Em fulgentes ardores se consumiam.O altar enfeitavam cheirosas flores;Mais olentes eram os mysticos amores.De lirios, de rosas sentiam a aragem,Das sublimes preces bellissima imagem».

( Dreizehnlinden, 22.)

Gemma não foi embalada com os hymnos sagradosde freiras que, como as pombas dos Cantares, arrulham,na caverna do muro e na abertura da pedra.

Sua alma não foi inebriada pelas nuvens odoríferasdo incenso da oração coral, sinão que, durante vinte ecinco annos, respirou a atmosphera asphyxiante do mundocorrupto.

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Aos tympanos resoaram-lhe, ás vezes, as blasphemiasdos dementes, a risota dos atheus, as deprecações dos Ím

pios, os motejos dos falsos christãos .Gemma não passou uma vida de quietude na mansão

da paz, não deambulou no claustro, debaixo das arcadassilenciosas, onde as esposas de Ghristo prelibam, antecipadamente, as alegrias da visão beatifica, mas passeava,quotidianamente, por essas ruas agitadas da cidade mo

derna, onde campeia a tríplice concupiscência dos olhos,da carne e da soberba, presenciando as loucuras humanas,exposta aos attractivos da sensualidade, ás falsas blandícias do século e a todas as seducções que tem algo deinebriante.

Gemma não viveu entre os quatro muros de umacella monástica como Soror Thereza do Menino Jesus, aflor do convento do Carmo cie Lisieux; muros que abafamo tumulto e onde os rumores do século, as explosões das

paixões terrenas, a musica cios festins e as novas da ter ravão morrer como, na praia, as ondas encapelladas dooceano.

A pobre barquinha de Gemma foi batida e açoitada,horrivelmente, pelos ventos contrários da fortuna instável;

a puríssima virgem nunca se deixou seduzir pelo cantoenganador das sereias; por isso sua barquinha não foidespedaçada pelos arrecifes da tentação n'este mar tempestuoso, fertilissimo em naufrágios. A propósito convém citar o verso de Virgilio: Rari nantes in gurgite vasto,

Nossa heroina, muito superior aos grandes vultos daEneida, foi uma cias raras almas que não se afundam navoragem, onde perecem, misera e irreparavelmente, a virtude, o caracter, a dignidade ; luctou, valorosamente, contraa correnteza do vicio, das falsas máximas, dos preconceitos,dos maus costumes, semelhante ás bóias luminosas que, ánoite, guiam, os navios para a entrada do porto; seu belloexemplo brilha, mostrando a todos o recto caminho a seguir.

Incontestavelmente, em virtude das circumstancias queacabo de alluclir, nossa santa adquire jus ainda mais anossa admiração, sentimento nobre suscitado pelo que é bello, grande e sublime. Por isso, repito, a biographia deGemma de Jesus espalhou-se rapidamente, l ida com vivis-

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simo interesse, esgottando-se as edições feitas em diversaslínguas. Também o livro que contem a sua correspondênciaespiritual tevp grande acceitaoão em todas as classes dasociedade. Sábios e ignorantes, padres e leigos leram sôfregos as paginas que primam pela simplicidade encantadora,cujo tom de verdade impõe-se ao leitor. O Papa Pio X, desanta memoria, depois de ler o livro do Padre Germano,encarregou o cardeal Merry Del Val, secretario do Estadode Sua Santidade, de agradecer a offerta. »

Eis os termos da honrosa carta:

«Rvmo. Snr. O Santo Padre encarregou-me de expressar a V. Rvma. a grande alegria que teve em percorrer olivro em que V. Rvma. patenteou profundos conhecimentosda theologia mystica, bem como os thesouros de graçacom que o Senhor dignou-se de enriquecer a alma destainnocentissima donzella. Outrosim, o santo Padre desejaardentemente que este livro accenda em todos os coraçõesas chammas do amor para com as cousas sobrenaturaes,que os inimigos da fé pretendem diminuir cada vez mais.»

O mesmo santo Padre, tendo ouvido falai- de umaconversão milagrosa alcançada pela intercessão de GemmaGalgani, mostrou-se visivelmente commovido e declarouque ia invocar a santa donzella para obter graças seme

lhantes.Um Cardeal da cúria romana que tinha grande veneração a Gemma, e se interessava por tudo o que lhe diziarespeito, invocava-a para progredir no amor de Jesus ede Maria.

Muitos outros prelados altamente collocados na jerar-chia ecclesiastica, como o Exmo. e Rvmo. sr. Arcebispo deCamerino, que conheceu a serva de Deus e lhe ouviu aconfissão, expressaram-se, por vezes, do mesmo modo.

Foi élle testemunha ocular dos êxtases e da estigmatização e viu, com os próprios olhos, o sangue brotar -lhedas chagas.

Praza a Deus que as Filhas de Maria escutem a vozdo soberano Pontífice Pio X que, durante o glorioso reinado, tanto se esmerou, por suas immortaes encyclicas eobras, em promover a scieiicia da thologia mystica, esse

1 77

Gemma Galgani 12



culto do sobrenatural, levantando todos, os corações ásalturas sobranceiras do espirito.

A exemplo de Gemma, perfeito modelo da donzellaque quer santificar-se no século, esforcem-se as Filhas deMaria por se levantarem acima das preoccupações vulgaresdos interesses mesquinhos de uma vida rasteira.

S. Paulo nos recommenda que provemos o espiritoque nos anima, para sabermos si verdadeiramente vem deDeus: Probate spiritum si ex Dèo est. Emquanto pudermos, estudemos o espirito de Gemma Galgani e imitemol-o.Peçamos a graça de seguir este espirito maravilhoso, im

primindo também, em vida, o cunho do sobrenatural.Uma Filha de Maria deve ser uma pessoa espiritual,

como foi Gemma Galgani.Procurem alargar o horizonte apertado da formiga,

(conforme a expressão franceza), dilatem o circulo estreitode pensamentos oriundos do materialismo.

As Filhas de Maria não sigam a doutrina epicurista,ensinando falsamente que o prazer é o summo bem dohomem e todos os nossos esforços devem tender a obtel-o. Não, mil vezes não! Toda a nossa aspiração seja para oideal.

Pela nobreza de sua missão, a congreganista não poderastejar na lama do mundo; não, deve correr a passosagigantados no rasto perfumado das virtudes de GemmaGalgani, semelhantes as companheiras da Esposa dos Cantares que diziam: «Altrahi-nos a vós, corremos â frag anciãdos vossos unguentos».

A vida de Gemma Galgani que acabamos de analy-sar, foi uma ascensão continua para o ideal, para o céo,Diz o psalmista: Beatus homo cujus est auxilium abs te;ascensiones in cor de suo disposuit (88). — B ema/u enturadoo varão que de Deus espera soccorro, e dispôz elevaçõesno seu coração. Gemma Galgani é bemaventurada porqueesperou no Senhor, e este a elevou até a eterna gloria.

Eis ahi vosso modelo! Ide também de virtude em virtude, erguei-vos cada dia mais; seja vossa vida uma ascensão não interrompida e sem desanimo!

Tal a cotovia que, de madrugada, ergue o vôo em círculos graciosos e sobe ás nuvens, cantando sem cessar, a

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Filha de Maria ha de alar-se pelas azas da contemplaçãoás espheras ethereas, acima dos sentidos, onde pairam asantidade e a paz.

A Filíia de Maria não se deixe il ludir pelo falso brilho do mundo riem pelas miragens enganadoras de umaterra sensual, sinão procure subir e subir sem parar atéaos píncaros da perfeição!

A Filha de Maria ha de forçosamente elevar-se alémdos limites da matéria, afim de não se parecer aos galés,arrastando a pesada corrente de ferro que, segundo a bel-lissima comparação de Bossuet, significa e symboliza acadeia das misérias humanas e dos peccados: Trainant

après lui, la toureie chame cie ses pêcJiès».A Filha de Maria ha de quebrar os grilhões que a

prendem a este planeta miserável, afim de poder voar echegar, em graciosas espiraes, ás alturas serenas da per

feição.Filhas de Maria, não vos deixeis levar pela concupi

scência, porque, dir-vos-ia com um piedoso autor, o immo-derado desejo de gozar prejudica como veneno a saúdeda alma, inspirando aversão aos bens eternos a que todos,de preferencia, devemos aspirar. Os bens da fortuna, os

prazeres que o mundo possa proporcionar nunca nos hãode saciar, antes, como a agua do mar, nos augmentará a

sede. Só um bem consegue saciar-nos a sede: Deus!

«Está inquieto o coração até que repouse no Senhor»,escreveu S.t0 Agostinho que verificou, pela própr ia experiência, a verdade d'esta sentença áurea. Ad maiora natus sum, disse um pagão ambicioso. A Filha de Maria nasceu para cousas sublimes e não para as frivolidades de ummundo indigno d'ella, que não lhe pode encher o vácuo docoração.

Por isso ha de metter de permeio um muro forte eduplo, como disse o propheta: Murum et antemurale ponam,entre a sua alma e todo o género de desejos mundanos.

A opulência, a formosura, o engenho, a fortaleza,nenhum valor têm diante do Senhor; sem a sua graça evistas do alto, são futilidades despreziveis. A Filha de Ma

ria ha de, pois, desembaraçar-se d'estas vaidades, comodesembaraçou-se Gemma Galgani, pelo desapego total das

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creaturas. Assim pode voar com liberdade perfeita até océo, dizendo com o propheta: Quem me dera azas de

pomba para voar e deseançar!Dir-vos-ei com Thomaz de Kempis: «A causa de haver

hoje tão poucas pessoas contemplativas, é porque são rarasas que sabem desapegar-se inteiramente das creaturas edos bens transitórios» .

Para isto é necessário uma graça poderosa, levantandoa alma e a transportando acima de si.

Todos conhecem os lindos versos do poeta inglez Long-fellow, tendo por titulo: Exeelsior.

Como aquelle moço corajoso subindo os Alpes a cantar, empunhando a bandeira com a divisa Exeelsior, sempremais alto, a Filha de Maria ha de deixar as intimas regiõesde uma vida sensual e rasteira e subir, a cantar alegre, ásculminancias de uma toda espiritual e celeste.

O moço destemido sobe as altas montanhas sem sedeixar desanimar, nem por um ancião que o conjura aregressar, devido aos grandes perigos das geleiras traiçoeiras, e nem se deixa amollecer pelas lagrimas de pessoascaras, tremendo vel-o perder a vida em flor.

Os monges do Monte S. Bernardo ouvem a voz argen

tina do moço como um clarim, resôando nos campos scintillantes de neves eternas:

«•And, like a silver clarim rung The accents ot'lhat mikuotrn , long

Exeelsior».Sim; Exeelsior seja o lemma, bordado em lettras de

ouro, da bandeira gloriosa das Filhas de Maria.Sempre mais alto na virtude,Sempre mais alto na meditação,Sempre mais alto na perfeição,Sempre mais alto no amor de Deus.

« Levavi óculos meos in montes unde véniel auxiliummihi.» Alçae os olhos aos montes sagrados d'onde virá o

auxilio do Altíssimo! Alçae os olhos aos píncaros mysticosda vida unitiva com Deus, d'onde descerá a gloria e a felicidade sem fim.

Em companhia de Gemma Galgani, a Virgem de Lucca,e amparadas pelas suas orações, sem desanimardes, cheias



de coragem, o coração dilatado pela santa alegria, subi,sorrindo, o monte do Thabor.

Bom é, direis com S. Pedro a Jesus, que estejamos

aqui, a falar com Moysés e Elias, na lúcida nuvem, a contemplar, n'um êxtase de amor, Jesus na transfiguração, e ser alumiadas também pelo reflexo dos raios luminosos de seurosto divino , refulgente como o sol, ouvindo a dulcí ssimavoz de Deus Padre, falando com o querido Filho em quem

pôz toda a complacência.Filhas de Maria, dir-vos-ei, erguei as vistas ao anil do

firmamento; não vedes, um pouco mais além, no halo dosol da justiça, o coro das virgens vestidas de branco, aureoladas, ornadas de grinaldas e com palmas nas mãos? Nãovedes entre ellas Gemma Galgani , nimbada de luz? Nãolhe ouvis a voz suave que vos chama para o alto? Nãolobrigaes ao longe o aceno amável que vos convida aalar-vos e a subir, n'um surto arrojado, até as alturas? Nãovos sentis attrahidas pelo fulgor da coroa immortal, cuja

belleza tantas virtudes r ealçam? Não vos sentis inebriadasdos perfumes mysticos que este anjo, no curto adejar sobrea terra, deixou na atmosphera? Não vos sentis fascinadas

pela formosura deslumbrante d'esta joia? Não tendes vontade de seguir o rasto de luz que este astro, na rápidatrajectória, deixou na terra e no céo além?

Para cima! pois, a mente! não me cançarei de vol-orepetir. Para cima os cor ações! vos diz todos os dias, o

sacerdote na santa missa:Stirswu corda!

ç off •• «>

- F l M -

Jld Maior em Dei et Virgin is Ms rice

Sloriam.

181






X

Datas memoráveis na vida de Gemma Galgani:

1878 — 12 de Março, dia do nascimento; baptisou-se no dia seguinte.

1885 — 26 de Maio, Gemma foi chrismada.

188(5^17 de Setembro, morre a mãe.

1887— 17 de Junho, festa do Sagrado Coração de Jesus, fez a primeira

com m unhão.

1897 — 11 de Setembro, morre o pae.

1899- na primeira sexta-feira do raez de Março, Gemma foi curada

milagrosamente.

1899—8 de Junho, Gemma recebe as cinco chagas.

1900 — 1 de Setembro, Gemma vê pela primeira vez o Padre Germano

passionista, seu director e biographo*

1901 — na primeira sexta-feira do mez, Gemma recebe os outros esty-

gmas da Paixão do Senhor.

1902 — na oitava do Espir ito Santo, a serva de Deus adoece gravemente,

1903 — 8 de Abril , quarta-feira de trevas, Gemma recebe a communhão

em vi atiç o.

1903™ 11 de Abril, sabbado de Alleluia, dia do passamento.

1903 — 12 de Abril, Paschoa da Resurreição, enterro.

Ein vista da pro hib içã o feita pelo Summo Po nt í f ice Urbano V I I I

na sua constituição apostól ica relativa á canonisação dos santos, de

invocar publicamente os servos c servas de Deus que ainda não forem

inscriptos no catalogo dos santos, as pessoas que quizerem fazer uma

novena ã serva de Deus Gemma Galgani, sirvam-se da oração que se

segue:







O r a ç ã o á S S . T r i n d a d e

para a lcança r g raças pela inter cessão das santas Virgens.

Eterno e divino Padre, que com o vosso ineffavel poder vosdignaes operar coisas grandes, por meio do que no mundo se julgafraqueza, para vencer a força dos soberbos; pelos merecimentos dasvossas santas Virgens, nas quaes tanto vos glorificastes, concedei-nostambém a força de vencer todos os obstáculos, que nos impedem dechegar até a Vós, e não nos negueis a graça particular, que aqui prostrados aos vossos pés Vos pedimos. — Tres Gloria Patri.

Eterno e divino Filho, que com a luz da vossa infinita sabedoriaafugentáes as trevas da ignorância e do erro, nas quaes está envolvido

o mundo; pelos merecimentos das vossas santas Virgens, das quaesfostes tão glorificado, concedei-nos também um raio desta luz celestial,que nos esclareça e conforte para caminhar alegremente pelas sendas dasantidade e da jus tiça, e não nos negueis a graça particular, que prostrados aos vossos pés Vos pedimos. —Trê s Gloria Patri.

Eterno e divino Espirito, fonte inexgottavel daquelíe infinito amor,que com os vossos sete dons derramaes sobre as almas para santifi-eal-as; pelos merecimentos das vossas santas Virgens, nas quaes tantovos comprazestes, concedei-nos ta mbé m a graça de participar desteamor, para que, conservando puro o nosso coração de todo affecto terreno, possamos amar somente a Vós, summo Bem, e possuir-Vos aman-do-Vos. Não nos negueis a graça particular, que prostrados aos vossospés Vos pedimos. — Tres Gloria Patri,

BenedicUo et claritas, et wpientia, et gratiarum aciio t honor, vir¬tus et fortitudo Deo nostro in smcula sceeulorum. Ámen.

Quem tiver conhecimento de graças e milagres recebidos por intercessão desta serva de Deus, ou quizesse enviar esmolas para auxiliar a causa da beatificação, poderá dirigir-se ao postulador dos

passionistas — ( SS. Griovawtii e Paolo) Homa ,~- ou aos padres passionisias—Caixa Postal 1828, Capella do Calvário, Villa CerqueiraGezar — em, São Paulo (fírasil).

Quem quiser possuir tim folheto do resumo da vida da servade Deus e o retrato, dirija-se ao Padre Xavier Thuet, vigário de São

,Jo$é da J^age — Alagoas*

CORRIGENDA,Pagina VI linha penúltima—sorrir-lhes, em vez de sorria-lhes.

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leia-se: Ditosa criança a quem foi dado conhecer, — o filho de Júpiter, em vez de—o deus celeste.

— per- —virgulta, —C onfiss ões, —e gigl io,

-la, mia, —nel, —ffivioso, —Clermont, —n a, —tanto, —ahrazado,

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virgaeta*confissões.egiglio.emia.

givoso.Chermont.da,tanta,atracado.

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P A G I N AN o t a d o a u t o r y

P r i m e i r a C o n f e r e n c i a— Introducção 1

S e g u n d a C o n f e r e n c i a — Virtudes precoces áe Gemma Gal- gani na sua infância. 7

T e r c e i r a C o n f e r e n c i a - Devoção de Gemma Galgani a



a joia das filhas de maria_gemma galgani_1918 (2)

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