a (in)visibilidade dos estudantes alto- habilidosos e a...
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1
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
LEANDRO DA NÓBREGA PINHEIRO
A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO-
HABILIDOSOS E A PRODUÇÃO DO FRACASSO
ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E
SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2018
2
LEANDRO DA NÓBREGA PINHEIRO
A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO-
HABILIDOSOS E A PRODUÇÃO DO FRACASSO
ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E
SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Metodista de São Paulo
como requisito parcial para obtenção do Título de
Doutor emEducação.
Orientador: Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri
Demartini
Co-Orientador:Profa. Dra. Adriana Barroso de
Azevedo
Área de Concentração: Formação de Professores.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2018
3
FICHA CATALOGRÁFICA
P655i Pinheiro, Leandro da Nóbrega
A (in)visibilidade dos estudantes alto-habilidosos e a
produção do fracasso escolar: faces da escola capitalista e
seus impactos na educação brasileira / Leandro da Nóbrega
Pinheiro. 2018.
512 p.
Tese (Doutorado em Educação) --Escola de
Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2018.
Orientação de: Zeila de Brito Fabri Demartini.
Coorientação de: Adriana Barroso de Azevedo.
1. Superdotados (Educação) 2. Sucesso escolar 3.
Fracasso escolar 4. Professores - Formação profissional 5.
Educação - Brasil I. Título.
CDD 374.012
4
A tese de doutorado intitulada A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO-HABILIDOSOS
E A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E SEUS
IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, elaborada por Leandro da Nóbrega Pinheiro, foi
defendida e aprovada em 14 de junho de 2018, perante banca examinadora composta por Profa. Dra.
Adriana Barroso de Azevedo(Presidente/UMESP), Profa. Dra. Maria Helena Rocha Antuniassi
(UNESP/USP), Prof. Dr. Marcelo Furlin (UMESP), Prof.Dra. France Fainha Martins (UFPA),
Prof.Dra. Elisabete Ferreira Esteves Campos (UMESP).
Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
________________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Furlin
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação
Programa: Pós-Graduação em Educação
Área de Concentração: Formação de Professores
5
Dedico este trabalho a minha mãe, Maria Solange, aos meus irmãos, Janaina e Kauê,
ao Meu amor Cintia, a minha querida Clara e a todos os alunos que inspiraram
esta pesquisa.
6
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pelo financiamento e apoio a esta pesquisa, a minha esposa Cintia Bellini, pelas
contribuições metodológicas, acompanhamento de cada passo da pesquisa e paciência com as
muitas horas de estudo e trabalho na produção desta tese; a minha amiga e corretora/revisora,
Luciana Avelino Ramos, pela ajuda e incentivo para iniciar o doutorado, leitura atenta às múltiplas
versões da pesquisa, apoio ao desenvolvimento do trabalho e, especialmente, ensinamentos na
prática diária como professora; aos professores do PPGE-UMESP, especialmente, aos professores:
Décio, Roger, Adriana, Roseli e Zeila pelos ensinamentos ao longo da pesquisa; a minha
orientadora pela dedicação, apoio e paciência; aos colegas de classe do PPGE-UMESP; a todos os
professores que participaram da pesquisa e nos ensinam com sua prática educativa, em especial,
para a Fabíola, Cássia e todos os profissionais das UMEs “Estado doAmapá” e “Mário de Oliveira
Moreira”; aos funcionários da Hemeroteca de Santos; ao Instituto Rogerio Steinberg; ao CEDET-
Lavras; à APAHSD, aos professores Decio, Marcelo, France e Maria Helena pela contribuição e
participação na banca de defesa da pesquisa e ensinamentos e, com carinho, aos alunos que fizeram
parte desta pesquisa: Elienai, Julia, Julio Cesar, Matheus e Daniel, pela inspiração e ensinamentos
diários.
7
Contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. Antônio Gramsci
RESUMO
8
Este trabalho tem por objetivo analisar a situação de invisibilidade dos alunos com altas
habilidades/superdotação, visando compreender como funciona a imperceptibilidade destes
estudantes, e quais são as razões que justificariam tal situação, pois, ainda que tenham o direito
ao atendimento educacional especializado reconhecido em lei, estes educandos acabam sendo
esquecidos por escolas, redes de ensino e docentes. Investigamos como o tema tem sido tratado,
na grande imprensa na ultima década e nos documentos oficiais dos governos e como estes têm
contribuído para o incremento/superação da invisibilidade. A pesquisa de campo foi realizada
com profissionais da educação, de redes de ensino da Baixada Santista e Grande ABC. Tendo
como referencial teórico o materialismo histórico dialético e tratando-se de uma pesquisa
qualitativa, a metodologia da pesquisa de campo contou com a realização de entrevistas com
professores e alunos; atividades de formação dos docentes sobre o tema; questionários aplicados
aos educadores, de redes públicas de ensino, tratando da superdotação/altas habilidades,
observando de que forma os trabalhadores da educação compreendem a invisibilidade destes
estudantes. Ao longo dos estudos, tentamos verificar a pertinência de três teses da bibliografia
especializada, sobre a invisibilidade dos indivíduos com altas habilidades/superdotação, sendo
estas: noção de que a falta de consenso sobre a terminologia adequada, para nos referirmos aos
superdotados, seja o motivo da invisibilidade; a ideia de que a invisibilidade seja o resultado da
ausência de formação docente específica; a concepção de que a disseminação de um conjunto
de mitos sobre superdotados e alto-habilidosos explique o fenômeno da invisibilidade.
Procuramos, ao longo da pesquisa, verificar como a dinâmica do sistema escolar, na sociedade
capitalista, fortemente baseada na perspectiva de produção do fracasso escolar, sobretudo, das
classes trabalhadoras, envolve os profissionais da educação e sistemas escolares, contribuindo
com a invisibilidade dos estudantes, com Altas Habilidades/Superdotação.
Palavras-Chave: Superdotação/Altas Habilidades. Talento. Sucesso Escolar. Fracasso Escolar.
Invisibilidade.
ABSTRACT
9
This work aims to analyze the invisibility situation of students with high abilities / giftedness, aiming
to understand how the imperceptibility of these students works, and what are the reasons that would
justify such a situation, since, even though they have the right to specialized educational service
recognized In law, these students end up being forgotten by schools, teaching networks and teachers.
We investigate how the issue has been addressed in the mainstream press and in official government
documents and how they have contributed to the increase / overcoming of invisibility. The field
research was carried out with education professionals, teaching networks of Baixada Santista and
Grande ABC. Having as theoretical reference the dialectical historical materialism and being a
qualitative research, the methodology of the field research counted on the accomplishment of
interviews with teachers and students; Teacher training activities on the subject; And questionnaires
applied to educators, public education networks, dealing with giftedness / high skills, observing how
education workers understand the invisibility of these students. Throughout the studies, we tried to
verify the pertinence of three theses, from the specialized bibliography, on the invisibility of the
individuals, with high abilities / giftedness, being these: the notion that the lack of consensus on the
proper terminology, to refer to the gifted , Is the reason for invisibility; The idea that invisibility is
the result of the absence of specific teacher training; The conception that the spread of a set of myths
about gifted and high-skilled explain the phenomenon of invisibility. Throughout the research, we
seek to verify how the dynamics of the school system, in capitalist society, strongly based on the
perspective of production of school failure, especially of the working classes, involves education
professionals and school systems, contributing to the invisibility of Students to succeed.
Keywords: Gifted / High Abilities. Talent. School Success. School Failure. Invisibility.
RESUMEN
10
Este trabajo tiene por objetivo analizar la situación de invisibilidad de los alumnos con altas
habilidades/superdotación, buscando comprender cómo funciona la imperceptibilidad de estos
estudiantes, y cuáles son las razones, que justificaría tal situación, pues, aunque tengan el derecho a
la atención educativa especializada reconocida En la ley, estos educandos acaban siendo olvidados
por escuelas, redes de enseñanza y docentes. Hemos investigado cómo el tema ha sido tratado, en la
gran prensa y en los documentos oficiales de los gobiernos y cómo éstos han contribuido al
incremento / superación de la invisibilidad. La investigación de campo fue realizada con profesionales
de la educación, de redes de enseñanza de la Baixada Santista y Gran ABC. Con el referencial teórico
el materialismo histórico dialéctico y tratándose de una investigación cualitativa, la metodología de
la investigación de campo contó con la realización de entrevistas con profesores y alumnos;
Actividades de formación de los docentes sobre el tema; Y cuestionarios aplicados a los educadores,
de redes públicas de enseñanza, tratando de la superdotación/altas habilidades, observando de qué
forma los trabajadores de la educación comprenden la invisibilidad de estos estudiantes. A lo largo
de los estudios, intentamos verificar la pertinencia de tres tesis, de la bibliografía especializada, sobre
la invisibilidad de los individuos, con altas habilidades/superdotación, siendo estas: la noción de que
la falta de consenso sobre la terminología adecuada, para referirnos a los superdotados Sea el motivo
de la invisibilidad; La idea de que la invisibilidad sea el resultado de la ausencia de formación docente
específica; La concepción de que la diseminación de un conjunto de mitos sobre superdotados y alto-
habilidosos explique el fenómeno de la invisibilidad. En la investigación, comprobamos que la
dinámica del sistema escolar, en la sociedad capitalista, fuertemente, basada en la perspectiva de
producción del fracaso escolar, sobre todo de las clases trabajadoras, involucra a los profesionales de
la educación y sistemas escolares, contribuyendo con la invisibilidad Estudiantes que obtengan éxito.
Palabras clave: Superdotación/Altas Habilidades. Talento. Éxito Escolar. Fracaso Escolar.
Invisibilidad.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
11
ABPEE- Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial.
ABSD – Associação Brasileira para Superdotados
AH/SD – Altas Habilidades/Superdotação.
APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais.
APAHSD – Associação Paulista para Altas Habilidades e Superdotação
ASPAT – Associação de Pais e Amigos para Apoio ao Talento.
AEE – Atendimento educacional especializado
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
CAPFC – Centro de apoio pedagógica e formação continuada da SEDUC Cubatão.
CEDET – Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento de Lavras.
CNE/CEB – Conselho Nacional De Educação/Câmara de Educação Básica.
ConBraSD – Conselho Brasileiro de Superdotação.
DMGT – Differentiated Model of Giftedness and Talent.
EJA – Educação de Jovens e Adultos.
EUA – Estados Unidos da América.
IRS – Instituto Rogerio Steinberg.
HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo.
GPESP/UFSM- Grupo de Pesquisa em Educação Especial: Interação e Inclusão Social,
da Universidade Federal de Santa Maria.
IES- Instituições de Ensino Superior.
IFSP- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.
LDB- Lei de Diretrizes e Bases.
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
MEC – Ministério da Educação e Cultura.
NAAH/S – Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação.
NEAG -Center For Gifted Education And Talent Development.
OMS – Organização Mundial da Saúde.
PAAT- Projeto de atendimento ao aluno talentoso.
PAH/SD – Pessoa com Altas Habilidades/Superdotação.
PIDET- Projeto de identificação e desenvolvimento de estudantes talentosos.
PIT- Programa de Incentivo ao Talento.
PSI- Inventário de Sucesso Parental.
PUC-RS- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
12
PUC-SP- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
QI – Quociente de Inteligência.
RBEE- Revista Brasileira de Educação Especial.
REE -Revista de Educação Especial.
SEDF- Secretaria da Educação do Distrito Federal.
SEDUC – Secretaria de Educação de Cubatão.
SEESP – Secretaria de Educação do Estado de São Paulol.
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo.
UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos.
UFPR - Universidade Federal do Paraná.
UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro.
UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
UFES - Universidade Federal do Espírito Santo.
UME – Unidade Municipal de Ensino.
UMESP - Universidade Metodista de São Paulo.
UNB - Universidade de Brasília.
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
UNESP – Universidade Estadual Paulista.
UNICAMP – Universidade de Campinas.
UCB - Universidade Católica de Brasília.
UFSM - Universidade Federal de Santa Maria.
UFAM - Universidade Federal do Amazonas.
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais.
USP - Universidade de São Paulo.
WISC – Escala Wechsler de Inteligência.
LISTA DE FIGURAS
Pag.
Figura 01- Diagrama da Teoria dos Três Anéis de Renzulli, (Virgolim, 2007, p.36). 53
13
Figura 02- Reportagem publicada em “A Tribuna de Santos” 03/03/2015 204
Figura 03- Reportagem publicada em “A Tribuna de Santos” 06/04/2015 205
Figura 04- Reportagem publicada em “A Tribuna de Santos” 28/01/2013 206
Figura 05- Matéria publicada na “Folha de São Paulo”, 23/01/2012. Repercutida
pela UDEMO
207
Figura06- Matéria publicada na “Folha de São Paulo”, 25/12/2014. 208
Figura 07- Número de superdotados no Brasil, “Folha de São Paulo” 18/10/2015 209
Figura 08- Matriculas de alunos talentosos em São Paulo - 1996-2005, SEE-SP,
“Folha de São Paulo” 18/10/2015
209
Figura 09- Matéria publicada naFolha de São Paulo, 12/07/2015. 218
Figura 10- Matéria publicada naFolha de São Paulo, 12/07/2015 218
Figura 11- Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo 1996-2005 222
Figura 12- Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo 2006-2011 222
Figura 13- Revista Época, 19/02/2016. 225
Figura 14- Site Revista Época, 07/10/2016. 225
Figura 15- Documento da Câmara dos Deputados sobre pessoas com AH/SD-2004. 234
Figura 16- Atuação com alto-habilidosos na carreira 273
Figura 17- Atuação com alto-habilidosos na carreira. 274
Figura 18- Formação e invisibilidade 275
Figura 19- Professores conforme formação/Experiência com AH/SD 275
Figura 20- Professores conforme formação e atuação com alto-habilidosos 277
Figura 21- A influência do Dom 278
Figura 22- AH/SD e ideologia das aptidões naturais. 279
Figura 23- Mito dos pais condutores 280
Figura 24- O papel do ambiente social 281
Figura 25- Mito da identificação. 282
Figura 26- O mito da crença no futuro de sucesso 283
Figura 27- O mito da não necessidade de atendimento em AEE. 283
Figura 28- Os participantes segregados por perfil 284
Figura 29- Disciplina/área de formação dos participantes 286
Figura 30- Distribuição dos gestores participantes por cargo/função 288
Figura 31- Formação acadêmica dos participantes 288
Figura 32- Experiência dos participantes 289
Figura 33- Rede de ensino 289
Figura 34- Modalidade de ensino 290
Figura 35- Local de atuação dos participantes conforme região da cidade 290
Figura 36- Jornada de Trabalho dos participantes 290
Figura 37- Média de alunos atendidos pelos participantes 291
Figura 38- Você já teve algum aluno com AH/SD na carreira no magistério? 291
Figura 39- Já teve algum aluno com AH/SD ao longo da carreira? 292
Figura 40- Tem neste ano de 2015 algum alunos identificado como AH/S? 294
14
Figura 41- Você poderia descrever algum caso de aluno de AH/SD que se lembre? 294
Figura 42- Características dos estudantes alto-habilidosos segundo os docentes 295
Figura 43- Participantes com alunos alto-habilidosos em 2015 297
Figura 44- Alguma vez já encaminhou um aluno para avaliação por suspeita de
AH/SD?
298
Figura 45- Indicação para avaliação entre profissionais da rede 299
Figura 46- Você já lecionou para algum aluno que não sendo identificado
oficialmente como AH/SDvocê tenha desconfiado se tratar de caso de
criança/jovem superdotado?
300
Figura 47- Durante a graduação, teve alguma disciplina, aula ou curso sobre alunos
superdotados/altas habilidades?
300
Figura 48- Na rede de ensino em que trabalha, já teve alguma formação sobre
superdotação/altas habilidades?
302
Figura 49- Altas habilidades/superdotaçãosão sinônimos? 302
Figura 50- GRUPO DE CONTROLE: Altas habilidades/superdotação são
sinônimos?
304
Figura 51- Entre aqueles que tem alunos AH/SD em 2015, consideram altas
habilidades e superdotação como sinônimos.
304
Figura 52- Características dos alunos com AH/SD segundo trabalhadores da
educação:
305
Figura 53- Características das AH/SD agrupadas por categorias 308
Figura 54- Em sua opinião o que explicaria a existência de alunos com AH/SD? 311
Figura 55- Explicação das AH/SD por categorias 314
Figura 56- Entre quem defende a origem INATA das AH/SD, quantos já
encaminharam alunos para avaliação para identificação
315
Figura 57- Entre quem considera a origem GENÉTICA das AH/SD, quantos já
encaminharam alunos para avaliação para identificação
316
Figura 58- Entre quem defende a origem das AH/SD, baseadas nas CONDIÇÕES
AMBIENTAIS, quantos já encaminharam alunos para avaliação para
identificação:
317
Figura 59- Entre quem defende a origem das AH/SD, como resultado da interação
BIOLÓGICA/SOCIAL/HISTÓRICA, quantos já encaminharam alunos
para avaliação para identificação
317
Figura 60- TALENTO com origem GENÉTICA. Atualmente existe algum aluno que
você tenha contato que possa ser AH/SD?
318
Figura 61- TALENTO com origem BIOLÓGICO/SOCIAL/HISTÓRICO:
Atualmente existe algum aluno que tenha contato que possa ser AHSD?
318
Figura 62- Já teve algum aluno com AH/SD ao longo da carreira? 318
Figura 63- Você tem filho, ou algum parente que seja superdotado/altas habilidades,
ou que você suspeite ser?
319
Figura 64- Você tem algum amigo, ou conhecido superdotado/altas habilidades, ou
que tenha filhos e/ou parentes superdotados/altas habilidades
319
Figura 65- Seus pais e colegas de classe achavam-no superdotado/altas habilidades,
ou acima da média?
320
Figura 66- Você considera que seja superdotado/altas habilidades? 320
ra 67- Nos seus tempos de aluno, você estudou com alguém superdotado/altas
habilidades?
321
Figura 68- Você acha que alunos superdotados/altas habilidades precisam de atenção
especial?
321
15
Figura 69- Você acha que os alunos identificados como superdotados/altas
habilidades, bem como seus pais, deveriam ser informados da
superdotação?
323
Figura 70- Qual a relação entre NOTAS e superdotação/altas habilidades? 324
Figura 71- Qual a relação entre disciplina e superdotação/altas habilidades? 326
Figura 72- Qual a relação entre inteligência e superdotação/altas habilidades? 327
Figura 73- Qual a relação entre facilidade de aprendizado e superdotação/altas
habilidades?
328
Figura 74- Qual o papel de um dom, na superdotação/altas habilidades? 329
Figura 75- Qual o papel da genética na superdotação/altas habilidades? 329
Figura 76- Qual a relação entre Q.I e superdotação/altas habilidades? 330
Figura 77- Qual é o papel da família na superdotação/altas habilidades de uma
criança, adolescente?
330
Figura 78- Qual a importância da formação dos pais na superdotação/altas
habilidades de um aluno?
331
Figura 79- A classe social é determinante, ou influencia a superdotação/altas
habilidades?
332
Figura 80- Qual a importância da escola no surgimento e desenvolvimento da
superdotação/altas habilidades?
333
Figura 81- Qual a importância dos professores, ou de um professor em especial, na
superdotação/altas habilidades dos alunos?
334
Figura 82- Você considera que consegue dar a devida atenção aos seus melhores
alunos?
335
Figura 83- Os motivos da pouca atenção às AH/SD 336
Figura 84- Caso as turmas fossem menores, teríamos mais alunos superdotados/altas
habilidades e melhores condições de atendê-los?
337
Figura 85- No Brasil, poucos alunos são identificados como superdotados/altas
habilidades, na rede pública de ensino. Marque as 5(cinco) principais
razões para que isto ocorra, segundo sua avaliação
338
Figura 86- Para você, quais seriam os motivos de termos tão poucos alunos
superdotados/altas habilidades em nossas escolas?
341
Figura 87- Os motivos da sub-identificação das mulheres 344
Figura 88- Você considera que as escolas particulares tem melhores condições de
atender aos alunos superdotados/ altas habilidades? Por quê?
348
Figura 89- Como avalia a oferta de bolsas de estudo, aos alunos que se saem bem em
provas de seleção e obtêm descontos na mensalidade?
349
Figura 90- Como os docentes avaliam as formação sobre AH/SD 354
Figura 91- Número de prêmios Nobel distribuídos por área/país. 462
Figura 92- Quadro de medalhas distribuídos por modalidade/país 463
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................18
16
I- O ESTUDO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO ..................................28
1.1 AS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E HERANÇA GENÉTICA................33
1.2 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL....................36
1.3 ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO E O PAPEL DE PAIS DEDICADO.......37
1.4 A NEGAÇÃO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO.................................42
1.5 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO, DEFINIÇÃO E CONCEITOS................44
1.5.1 As teorias das altas habilidades/superdotação...............................................................48
1.5.2 A teoria dos Três Anéis de Joseph Renzulli e outras teorias das AH/SD.....................52
II-INVISIBILIDADE: QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS...........................59
2.1 A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL.....................................................64
2.2 A PESQUISA DE CAMPO, O RETORNO À SINGULARIDADE..................................68
2.3 A UNIDADE DE ANÁLISE .............................................................................................73
2.4 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA COMPREENSÃO DA INVISIBILIDADE ......................75
2.4.1 As hipóteses para a invisibilidade das AH/SD..............................................................77
2.4.2 As AH/SDentre determinismo, genética e hereditariedade..........................................80
2.4.3 O embate mérito x dom nas concepções docentes sobre as AH/SD.............................81
2.4.4 As concepções de escolarização das elites e a invisibilidade das AH/SD....................83
2.4.5 Quem seriam, então, os interessados nas AH/SD?.......................................................87
2.4.6 As AH/SD como fenômeno social multifacetado.........................................................88
2.4.7 O fenômeno a partir do conceito de Capital Cultural...................................................89
2.4.8 O Habitus Docente e a identificação de indivíduos com AH/SD.................................93
2.4.9 A invisibilidade das AH/SD e a escola reprodutora.....................................................96
2.4.10 O fracasso escolar e as altas habilidades/superdotação................................................98
2.4.11 Ideologia das aptidões naturais e AH/SD...................................................................100
2.4.12 O quadro das AH/SD, na Sociedade Brasileira..........................................................101
2.4.13 Uma situação contraditória: “a invisibilidade de algo muito visível”........................103
III- A HISTÓRIA NA INVISIBILIDADE DOS ALTO-HABILIDOSOS .....................105
3.1 O TALENTO HUMANO, AO LONGO DA HISTÓRIA................................................105
3.2 AS IDEIAS DE MONTAIGNE E LOCKE E AS AH/SD...............................................108
3.3 UMA CONCEPÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DAS AH/SD.....................................113
3.4 A HISTÓRIA DO BRASIL E A INVISIBILIDADE DAS AH/SD.................................114
3.5 A INVISIBILIDADE E A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA......................117
3.5.1 O Brasil Republicano..................................................................................................120
3.5.2.1 As ideias de Francis Galton e a invisibilidade das AH/SD, no Brasil........................122
3.5.2 A rede de ensino brasileira, no século XX e a invisibilidade das AH/SD...................126
IV- A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AH/SD.........................................................141
4.1 ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE AH/SD, NO BRASIL.......................141
4.1.1 As AH/SD e seus estudos na educação brasileira.......................................................147
4.1.2 Como “nomear” e atender o indivíduo que se destaca?..............................................148
4.1.3 As AH/SD como problema de pesquisa e a produção da invisibilidade.....................154
4.1.4 A produção paulista sobre AH/SD..............................................................................159
4.1.5 A produção acadêmica sobre AH/SD no restante do Brasil......................................163
4.1.5.1 Gênero e a produção brasileira sobre AH/SD.............................................................164
4.2 OS FOCOS DE INTERESSE DOS ESTUDOS EM AH/SD...........................................166
4.3 OS MITOS SOBRE AS AH/SD E O FENÔMENO DA INVISIBILIDADE..................167
4.4 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E AS AH/SD..........................................................174
4.5 METODOLOGIAS DE IDENTIFICAÇÃO DOS ALUNOS COM AH/SD...................179
17
4.6 O PESO DAS EXPLICAÇÕES BASEADAS NA GENÉTICA .....................................182
4.7 A RESISTÊNCIA DOCENTE EM IDENTIFICAR ESTUDANTES COM AH/SD.......186
4.8 OS ALTO-HABILIDOSOS EM SANTA MARIA E NO D.F.........................................190
4.8.1 Os trabalhos do PIT em Santa Maria.............................................................................190
4.8.2 O Distrito Federal e a pesquisa e atendimento aos alto-habilidosos..............................192
4.9 A PRODUÇÃO ACADÊMICA E A INVISIBILIDADE DAS AH/SD..........................199
V- A IMPRENSA E O ESTADO NA ABORDAGEM DAS AH/SD...............................201
5.1 A CONSTRUÇÃO DO MITO DA GENIALIDADE E DE “DOM ................................215
5.2 AS AH/SD NO PORTAL OFICIAL DA SEE-SP............................................................221
5.3 AS AH/SD GANHAM AS PRIMEIRAS PÁGINAS.......................................................225
5.4 MATÉRIA DE CAPA......................................................................................................227
5.5 O TRATAMENTO DA IMPRENSA E A INVISIBILIDADE DAS AH/SD..................231
5.6 O ESTADO BRASILEIRO E OS INDIVÍDUOS COM AH/SD.....................................234
5.6.1 As AH/SD por meio dos documentos oficiais brasileiros...........................................249
5.7 AS AH/SD NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.............................................................258
5.8 A UNIÃO EUROPEIA.....................................................................................................264
VI A INVISIBILIDADE SEGUNDO OS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO.......268
6.1 O QUESTIONÁRIO APLICADO DURANTE AS FORMAÇÕES................................271
6.2 O QUESTIONÁRIO VIRTUAL DA PESQUISA............................................................284
6.2.1 As análises das respostas ao questionário virtual........................................................285
6.3 CURSOS E FORMAÇÕES..............................................................................................357
6.3.1 Os resultados das formações.......................................................................................361
6.3.2 A “UME Antônio de Almeida Macedo”: um ponto fora da curva.............................367
6.4 AS ENTREVISTAS..........................................................................................................373
6.4.1 Análise das entrevistas................................................................................................380
6.4.1.1 Os hábitos de estudo dos indivíduos com suspeitas de AH/SD..................................386
6.4.1.2 A experiência escolar dos alunos com AH/SD...........................................................388
6.4.1.3 A relação com os docentes e os alunos com AH/SD..................................................393
6.4.2 As entrevistas com os profissionais da educação........................................................395
6.5 AS INSTITUIÇÕES QUE ATENDEM ALTO-HABILIDOSOS..............................424
6.5.1 O Instituto Rogério Steinberg – IRS...........................................................................425
6.5.2 O CEDET- Lavras.......................................................................................................428
6.5.3 A visita ao NAAH/S de Vitória, no Espírito Santo.....................................................435
6.5.4 As instituições paulistas de atendimento às AH/SD...................................................437
ALGUMAS CONCLUSÕES E POSSIBILIDADES.............................................................444
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................465
GLOSSÁRIO..........................................................................................................................477
INTRODUÇÃO
18
[...] Quando Parmênides indaga a Sócrates, para embaraçá-lo, se ele admite a
existência de “formas” de coisas “que poderiam parecer até mesmo insignificantes,
como um fio de cabelo, a lama, a sujeira, ou qualquer outro objeto sem importância
nem valor”, Sócrates confessa que não pode decidir-se a fazer isso, pois tem medo de
resvalar para um “abismo de besteiras”. Isso, diz Parmênides, é porque ele é jovem e
novo em filosofia e preocupa-se ainda com a opinião dos homens. A filosofia vai
apoderar-se dele um dia e lhe fará ver a inutilidade destas arrogâncias das quais a
lógica não participa. (Parmênides, 130) . (BOURDIEU, 2013, p. 37)
A presente pesquisa tem por objetivo esclarecer uma realidade, ainda pouco conhecida
e estudada, na educação brasileira: os motivos da situação de invisibilidade vivenciado pelos
alunos com características de altas habilidades/superdotação, nas redes de ensino, no país.
A qualidade de pesquisas, na área da educação no Brasil, é reconhecida de longa data e
conta com pesquisadores brasileiros renomados, inclusive no exterior. São bastante conhecidas
as pesquisas brasileiras, no campo da violência escolar, fracasso escolar,
Psicologia, História e Sociologia da Educação que recebem elogios, internacionalmente,
e a cada ano, contam com mais pesquisadores brasileiros em congressos internacionais.
Porém, a área que pesquisa aqueles, que tenham históricos e características de pessoas
com altas habilidades/superdotação, ainda é pouco estudada e conhecida no Brasil.
A produção acadêmica brasileira sobre as altas habilidades/superdotação, apesar de ter
uma longa história e contar com pesquisadores, mundialmente, reconhecidos, é ainda incipiente
e engatinha, para se consolidar como área de pesquisa. Podemos contar nos dedos, os programas
de pós-graduação que desenvolvem trabalhos, na área e a produção acadêmica não chegou,
ainda, a duas centenas de teses e dissertações.
Na formação inicial dos professores brasileiros, o assunto, quando não é totalmente
ignorado, é apresentado de forma superficial.
No estado de São Paulo, o mais rico e com a maior rede de ensino público, do Brasil,
tínhamos no ano de 2015, cerca de 1.0411 alunos identificados como alto-habilidosos, em uma
rede com quase 4 milhões de estudantes e mais de 5000 escolas.
1http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/professores-de-sao-paulo-terao-curso-para-
identificar-alunos-superdotados/?cHash=d7ff7d62ff54093648bf60416270d543, Consultado em 12/08/2016 às
13h. Umas das grandes dificuldades relativas ao tema é obter informações oficiais atualizadas sobre o atendimento
a alunos com AH/SD, fazendo com que sejamos exageradamente dependentes das informações da impressa sobre
o assunto como forma de obter dados sobre o assunto.
19
No país, segundo dados do Ministério da Educação, são aproximadamente 13.3082
alunos identificados com altas habilidades/superdotação. Segundo o Censo Escolar de 2014,
número 17 (dezessete) vezes maior que o registrado em 2000. Ainda assim, infinitamente
inferior aos, aproximadamente, 2,5 milhões de potenciais superdotados que existiriam no país,
segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). A maior parte das redes de ensino
brasileiras, mesmo após anos de ações na área, ainda não tem tradição de, sequer, informar estes
estudantes, no Censo Escolar3.
A maioria das cidades brasileiras não possui um único aluno identificado e registrado,
no censo escolar, como estudante com altas habilidades/superdotação, indicando o tamanho da
invisibilidade deste público e desta temática para a realidade educacional brasileira.
Na rede de ensino da cidade, onde desenvolvemos nossa pesquisa, localizada no litoral
do Estado de São Paulo, a situação não é diferente. Com cerca de 130.000 (cento e trinta mil)
habitantes e mais de 15.000 (vinte mil) alunos, em sua rede de ensino, não existia, até o ano de
2016, um único estudante oficialmente identificado, com altas habilidades/superdotação.
É neste contexto de fracasso escolar, em uma cidade marcada pela pobreza da
população, mas com uma das maiores arrecadações municipais do país, que não conta com
nenhum caso de estudante, com indicação de AH/SD, que pretendemos pesquisar os motivos
que levam os indivíduos com AH/SD a tornarem-se invisíveis na realidade educacional.
Pesquisar as altas habilidades/superdotação, no Brasil, significa enfrentar três desafios
iniciais: primeiro, lidar com a aparência “prosaica” de desenvolver um doutorado, com
indivíduos “bem sucedidos”, diante da realidade de fracasso, em massa, dos estudantes
brasileiros; segundo, pesquisar um tema pouco estudado e tratado como “menor”, nas pesquisas
acadêmicas sobre educação e, finalmente, estudar indivíduos que são, praticamente, ausentes
2http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/10/1695504-numero-de-superdotados-cresce-17-vezes-em-14-
anos-nas-escolas-do-pais.shtml, Consultado em 26/02/2017 às 13h. Cabe destacar a grande dificuldade em
conseguirmos informações dos órgãos oficiais brasileiros sobre os números de alunos alto-habilidosos de forma
atualizada. 3Analisando o Censo de 2008 da Educação Especial, no “Quadro do número de matriculas de alunos, com altas
habilidades/superdotacão, na Educação Especial por regiões, estados e municípios em 2008”, verificamos que
cidades que já possuem atendimento educacional especializado, em salas de recursos, ou centros especializados e
que atendem centenas de crianças, como, por exemplo, Brasília (DF); Vitória (ES); Lavras (MG); Palmas (TO);
São José dos Campos (SP); Curitiba e outras cidades (PR); Porto Alegre, Santa Maria e outras cidades (RS) e Rio
de Janeiro (RJ), não apresentam nenhum aluno declarado, no referido Censo. Também, no ensino médio, na
Educação de Jovens e Adultos (EJA) e na Educação Profissional, não existem, igualmente, alunos com altas
habilidades/superdotação matriculados. Assim, como não existem dados de alunos, com estas características, no
Ensino Superior. Vale salientar que, desde 2005, foram implantados com o apoio do MEC, na maioria das capitais
brasileiras e no Distrito Federal, os Núcleos de Atividades das Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), com
os objetivos de identificar e apoiar alunos com AH/SD, suas famílias, assim como seus professores. Destes
Núcleos, em atividade já há cinco anos, apenas 9 declararam um total de 35 alunos. (FONSECA, 2011, P.3).
20
das realidades educacionais dos professores brasileiros. Deste modo, é preciso, antes de tudo,
coragem para se arriscar por um daqueles caminhos indicados por Bourdieu, que figuram para
o mundo acadêmico entre aqueles considerados indignos ou insignificantes.
A realidade educacional brasileira é conhecida pela constante exposição de suas mazelas
e fracassos. A realidade educacional da cidade que pesquisamos segue a mesma tônica, gestores
e docentes afogados em debates relativos à indisciplina, dificuldades de aprendizado, ausência
de infraestrutura e fracasso escolar.
Neste contexto, sobra pouco, quase nenhum tempo e energia, para pensar naqueles
alunos que se destacam e obtêm bons resultados nos estudos.
Nas salas de professores, reuniões de HTPC e mesmo, em conversas informais entre
profissionais da educação, é raro que surjam assuntos relativos aos alunos que se destacam e
possam levantar suspeitas de altas habilidades/superdotação. A percepção é a de que estes são
estudantes esquecidos na difícil realidade, repleta de problemas e desafios, que enfrentam os
profissionais da educação brasileira.
Entretanto, as crianças e jovens com altas habilidades possuem direitos reconhecidos
pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, que lhes garante o atendimento educacional
especializado; aceleração de estudos; direito à atividades diversificadas em sala de aula regular,
para enriquecimento do seu currículo, evitando assim, que estes alunos desmotivem-se de seus
estudos. Estas são crianças que precisam ser reconhecidas e acompanhadas por seus docentes,
tendo suas necessidades acolhidas e orientadas.
Contradizendo a lei, são raros os casos de atendimento a estes alunos, no Brasil, gerando
um quadro de invisibilidade, no qual tais educandos têm seus direitos negados, onde muitos,
sequer, conseguem saber o motivo de serem diferentes, situação que, além de dificultar o
desenvolvimento dos talentos destes indivíduos, pode causar sofrimento, ansiedade, medo e
necessidade de camuflar seus potenciais, para parecerem “normais”.
Em relação aos docentes e gestores, a situação é tão, ou mais difícil e complexa, pois é
sabido, por quase todos, as dificuldades que professores, no Brasil, encaram, sejam de escolas
públicas ou privadas. Baixos salários, indisciplina, salas superlotadas, deficiências no processo
formativo, ataque de todos os lados, culpando os professores pela situação da educação
brasileira.
Mas, diante de todos os dilemas, frente a uma estrutura que existe para não deixar a
educação fluir, um dos problemas que mais desanima e entristece professores e gestores é a
sensação de que as crianças não aprendem, é a impressão de que todo o esforço é insuficiente
e que as crianças nada conseguem assimilar.
21
Neste quadro, professores e gestores saem todos os dias do trabalho, com a sensação de
que nada do que fazem surte efeito, de que ninguém aprende com seu trabalho ou se interessa
por suas aulas, que por mais que tentem, não conseguem vencer tantas dificuldades de
aprendizado e a falta de interesse pelos estudos. Assim, os docentes e os gestores adoecem e
desanimam, com a impressão de que estão “enxugando gelo”. Será que estão?
Diante desta situação, não notar, não identificar e nem trabalhar com os alunos que se
destaquem e, por ventura, venham ser crianças com altas habilidades/superdotação é, no
mínimo, uma atitude preocupante, afinal, estes estudantes poderiam ajudar a combater este
olhar de que ninguém aprende, nem se interessa pelas aulas.
Ainda, como parte da introdução da pesquisa, analisamos a forma de encaminhamento
ao interesse do tema em questão e apresentamos à banca as motivações pessoais que nos
levaram a decidir por um assunto pouco usual, nas pesquisas em educação, no Brasil. Deste
modo, faremos uso do método biográfico, para analisar e compor nosso texto. Basear-nos-emos
nos trabalhos de (DEMARTINI, 1988) para fundamentar o trabalho.
Consideramos que o método biográfico, por nos obrigar a questionar a ilusão da
neutralidade objetiva dos métodos quantitativos e nos fazer lidar com a subjetividade, no
desenvolver de nossas pesquisas conforme (QUEIROZ, 2008), ajude-nos a compreender como
nossos temas de pesquisa chegam em nossas vidas profissionais e intelectuais e, aos poucos,
encaminha-nos ao trabalho científico.
Esta não é uma pesquisa neutra, salientamos desde o início, assumimos o compromisso
com a necessidade de pensar sobre o impacto da invisibilidade dos alunos talentosos, na
dinâmica de funcionamento da instituição escolar, sobretudo, da invisibilidade do talento entre
os filhos das classes trabalhadoras.
Pensar no que me leva a ter interesse em um tema, como as altas habilidades na educação
pública brasileira, um tema, normalmente, abordado como menos urgente, em nossa realidade
educacional tão permeada por problemas ligados ao fracasso, falta de estrutura, precarização
do trabalho docente, é algo que entendemos como necessário.
Realizar uma pesquisa sobre, supostamente, “sucesso escolar” tem sido um importante
exercício de reflexão, quanto a pertinência e real importância sobre a temática. Por vezes, até
nós ficamos em dúvida sobre o assunto da pesquisa.
Iniciamos, informando que a mesma não se debruça sobre o sucesso escolar e não está
à margem oposta a toda a tradição de pesquisas, brasileiras, sobre o fracasso escolar. Esta é uma
pesquisa que se liga aos estudos sobre o fracasso escolar, sobretudo, ao fracasso escolar da
escola capitalista e sua função reprodutivista da sociedade. O ângulo escolhido é diferente
22
daqueles, tradicionalmente, discutidos, como por exemplo, no clássico estudo de (PATTO,
2000), ao escolhermos estudar os indivíduos ditos superdotados, mas o referencial teórico e a
perspectiva são os mesmos: como e porque a escola capitalista produz o fracasso.
Olhando, retrospectivamente, para nossa história de vida, considero que as inquietações
que me levaram ao meu atual problema de investigação: a condição de invisibilidade das
crianças, com características de altas habilidades/superdotação, nas escolas públicas brasileiras,
estão presentes em minhas observações, desde a mais tenra idade.
Quando olho para trás, noto que o caminho das pesquisas científicas corresponde à
tentativa de responder a dúvida, que sempre se apresentou nos meus tempos de estudante: o
porquê tantas crianças, tão inteligentes, não conseguem desenvolver todo o seu potencial e nem
serem notadas pelos seus professores.
Saí da universidade curioso por entender que processo era este, onde escolas, sistemas,
professores desperdiçam seus alunos mais talentosos e, pior, sequer têm conhecimento da
existência destes e continuam desconhecendo-os, mesmo quando obtêm sucesso profissional.
Tornei-me professor de História, da rede pública estadual de São Paulo e, em pouco
tempo, tais dúvidas voltaram a se apresentar, pois com todas as dificuldades e problemas que
encontramos em escolas públicas, havia um grupo de estudantes muito inteligente, dedicado, e
que conseguia ótimos resultados, nos estudos e, que ainda assim, seguiam invisíveis aos olhos
dos docentes e da escola. As reuniões de HTPC e conversas informais da escola, sempre
tratavam dos mesmos temas: violência, evasão, reprovações, indisciplina, falta de estímulo aos
estudos, infraestrutura deficiente e, especialmente, notas baixas e dificuldades de aprendizado;
e a existência deste grupo de alunos, que se dedicava muito ou que tinha grande potencial,
sequer, surgia como preocupação de professores e gestores, o que os tornava crianças e
adolescentes invisíveis.
Assim, segui por uma década, observando ano, após ano, muitos estudantes, com
potencial, desestimulados, nas escolas e, sequer, notados, cercados de docentes angustiados,
queixando-se do fato de não terem mais “bons alunos", ignorando a presença de crianças e
jovens, imensamente inteligentes, em suas salas de aula.
A angústia levou-me atuar em cursinhos pré-vestibulares, comunitários, para jovens
carentes, interessados em seguir com os estudos, em cursos técnicos e faculdades, constatando
que nos chegam alunos excelentes, incrivelmente, inteligentes e que, na maioria das vezes,
desconhecem seus potenciais.
Outra maneira para tentar resolver tais angústias e dúvidas foi a realização de uma
pesquisa de mestrado, que buscava entender qual era a representação social dos docentes, da
23
escola em que atuava, sobre o que seria um bom aluno, uma vez que, era frequente a reclamação
dos professores de que estes não existiam mais, na escola pública. Dois anos de pesquisa e a
conclusão: o que menos pesa na definição do conceito é a capacidade intelectual dos alunos;
importam a disciplina, o capricho nos cadernos, a família com melhor ou pior condição
socioeconômica e capital cultural, a configuração familiar adequada aos modelos tidos como
ideais pelos professores. Compreendemos assim, que o fracasso escolar é produzido, nas duas
pontas, quando não conseguimos ensinar a imensa maioria dos alunos, acusando-os de terem
dificuldades, bem como, ignorando e, também, não ensinando às crianças, que, teoricamente,
seriam mais talentosas.
A sequência de nossas atividades profissionais ocorreu, por meio da atuação como
gestor, em uma escola pública de educação infantil e ensino fundamental I e, novamente, o
dilema partilhado, em outros níveis de ensino, surge dividido com poucos professores; o fato
de todos os anos, inúmeras crianças com potencial, notadamente, acima da média, deixarem de
ser identificadas e/ou notadas, denotando que não importa a idade do estudante ou formação e
nível de atuação dos professores, o mesmo problema segue: a não identificação dos estudantes,
com potencial de destaque escolar.
Tentando respostas para tal situação, iniciamos os trabalhos em nível de doutorado, com
o objetivo de analisar as razões que levam à invisibilidade das crianças, com características de
altas habilidades/superdotação.
Diante do exposto, o problema de pesquisa que o trabalho buscará responder é a
compreensão das causas da invisibilidade dos estudantes com altas habilidades/superdotação, e
suas relações com a produção do fracasso escolar.
Os objetivos do trabalho são: levantar as principais teorias que explicam as altas
habilidades/superdotação; analisar o estado da arte das pesquisas na área e suas relações com o
quadro de invisibilidade; desenvolver levantamento quanto às ações do Estado, no sentido de
atender o público alto-habilidoso; avaliar como o desenvolvimento histórico do sistema
educacional brasileiro relaciona-se com a situação de invisibilidade das altas
habilidades/superdotação; realizar levantamento e análise do modo como os veículos de
comunicação: “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo” e “A Tribuna de Santos”
tratavam do tema das altas habilidades/superdotação, ao longo dos últimos 10 anos e seu
impacto na produção da invisibilidade; desenvolver pesquisa de campo junto aos docentes e
gestores educacionais de uma rede de ensino da Baixada Santista, relacionada à temática das
altas habilidades/superdotação e os motivos da invisibilidade; finalmente, levantar junto às
24
instituições especializadas no atendimento ao público alto-habilidoso da região Sudeste, quanto
aos motivos da invisibilidade.
Como metodologia de pesquisa, realizamos levantamento bibliográfico e documental
sobre o tema e suas relações com o problema por nós pesquisado, na parte do trabalho que
denominamos pesquisa teórico-documental. Na sequência, desenvolvemos pesquisa de campo
junto aos educadores da rede pública de ensino sobre a temática, por intermédio dos
questionários, entrevistas, formações com os docentes e posterior registro das observações in-
loco; finalmente, realizamos visitas às instituições de atendimento especializado em AH/SD,
em cada um dos estados da região Sudeste, de modo que as análises teóricas e de campo
pudessem ser integradas, na confirmação das hipóteses, quanto aos motivos da invisibilidade.
Utilizamos, na pesquisa, os estudos de Renzulli sobre a concepção de altas
habilidades/superdotação, bem como, a produção acadêmica de Freitas, Pérez, Alencar, Fleith
e Guenther, como base para nossas análises sobre o atendimento aos indivíduos com altas
habilidades/superdotação, quanto as principais hipóteses para compreensão das AH/SD.
Em relação as concepções teóricas da pesquisa, buscamos uma abordagem que utilizasse
o materialismo histórico dialético como referencial e, para tanto, as obras de Marx e Oliveira
serviram de referência ao encaminhamento teórico da pesquisa. Ainda, em relação as
concepções teóricas sobre o sistema educacional, as obras de Bourdieu, Nogueira, Bisseret e
Patto contribuíram para as reflexões, que envolvem a unidade de análise “INVISIBILIDADE”,
e suas relações com o sistema escolar, na sociedade capitalista.
Quanto a pesquisa de campo, utilizamos como referenciais teóricos os trabalhos de
Queiroz, Lang, Bueno e Demartini, para a organização das etapas da pesquisa, estruturação e
condução dos questionários e entrevistas, fichamentos dos registros de formação com os
docentes, transcrição das entrevistas realizadas, durante os trabalhos, visitas às instituições que
desenvolvem atendimento com público alto-habilidoso e, finalmente, análises dos dados
obtidos pelas ferramentas de pesquisa e elaboração do texto da tese.
No que diz respeito à estruturação do texto da tese, seguimos uma percurso que buscou
analisar nosso problema de pesquisa, por intermédio de variados ângulos, com o objetivo de
confirmar ou refutar nossas hipóteses, de modo que a unidade de análise fosse observada,
inicialmente, naquilo que se referia às suas relações com a universalidade da questão. Em
seguida, desenvolvemos ampla análise do problema da pesquisa, a partir de suas relações com
a particularidade de se constituir em um dado contexto histórico e sociedade. Por fim, chegamos
ao trabalho de campo, quando tivemos oportunidade de nos debruçar em nossa unidade de
análise, em suas relações com as singularidades dos indivíduos para, assim, podermos ter um
25
panorama amplo do problema de pesquisa e retornarmos à universalidade, buscando a síntese
de pesquisa em nossas conclusões.
Deste modo, o trabalho foi organizado da seguinte forma, no que se refere a distribuição
dos capítulos da tese.
No capítulo 01, apresentamos o problema de pesquisa ao leitor, bem como, suas
implicações na realidade educacional brasileira; descrevemos como a condição de
invisibilidade dos alto-habilidosos é confirmada pela bibliografia especializada, em contextos
educacionais diversos e desenvolvemos análise das principais concepções teóricas sobre a
definição de altas habilidades/superdotação e seu surgimento. Desenvolvemos, também, a
apresentação das hipóteses predominantes, no cenário acadêmico, quanto aos motivos da
invisibilidade, bem como, refletimos sobre as relações entre concepções teóricas e a produção
da invisibilidade das AH/SD.
No capítulo 02, desenvolvemos a fundamentação teórica da pesquisa, apresentando
como procedemos a análise de nosso problema de estudo: A invisibilidade dos sujeitos com
altas habilidades/superdotação, na realidade educacional brasileira e, mais especificamente, na
rede de ensino, que serviu de base para nossas constatações. Indicamos qual perspectiva teórica
entendemos que seja adequada para uma efetiva compreensão de nossa unidade de análise e,
desta forma, indicamos a importância dos trabalho de Beth Oliveira, com a dialética do singular-
particular-universal, para o desenvolvimento da pesquisa. Pensamos sobre impacto da ausência
de reflexões fundamentadas nas contribuições da sociologia da educação, para a compreensão
das altas habilidades/superdotação, na produção da invisibilidade dos estudantes alto-
habilidosos, na realidade educacional.
No capítulo 03, foi realizada análise da questão das altas habilidades/superdotação, ao
longo da História, em especial, ao longo da História educacional brasileira, objetivando
primeiro refletir sobre o problema, em uma perspectiva histórica, onde verificamos que o debate
sobre a explicação e aproveitamento dos indivíduos mais talentosos é questão bastante antiga,
que percorre boa parte da História da humanidade preocupando as mais variadas sociedades.
Desta forma, o problema de pesquisa é apresentado como questão histórica e, por isso, com
amplo fundamento teórico conceitual, de modo que fosse identificado como problema de
pesquisa relevante pela tradição acadêmica-científica, rompendo com a fragilidade que,
tradicionalmente, a temática costuma encontrar para se fundamentar no debate acadêmico.
Além disso, foi desenvolvido estudo historiográfico, possibilitando a constatação das profundas
relações entre sociedade capitalista e forma como são compreendidos os talentos humanos,
mais especificamente, as relações profundas existentes entre o trajeto do sistema educacional
26
brasileiro, sobretudo, no que tange ao acesso dos pobres aos bancos escolares e a condição de
invisibilidade dos sujeitos com altas habilidades/superdotação.
No capítulo 04, desenvolvemos a análise da produção científica brasileira sobre as altas
habilidades/superdotação, acompanhando o caminho histórico da produção científica brasileira,
na área, aventando os principais problemas de pesquisa abordados na produção nacional.
Refletimos sobre a invisibilidade vivenciada pelas próprias pesquisas e pesquisadores da área
das AH/SD, bem como, as hipóteses mais importantes para a compreensão do que sejam as
altas habilidades e explicações para o quadro de invisibilidade. Finalmente, refletimos quanto
às relações entre a forma como se organiza e fundamenta-se o campo das pesquisas sobre altas
habilidades/superdotação, no Brasil e o quadro de invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos,
na realidade educacional brasileira, indicando que, segundo nossas observações, a própria
forma como a produção científica se organiza e elege a abordagem teórica, para analisar o
problema, guarda relação com a invisibilidade.
No capítulo 05, realizamos um levantamento quanto a forma que os dois mais
importantes jornais do Estado de São Paulo, a “Folha de São Paulo” e o “Estado de São Paulo”,
bem como, o maior jornal da Baixada Santista: “A Tribuna de Santos” acompanharam a
temática das altas habilidades, no período compreendido entre 2006 a 2016, buscando analisar
o papel dos meios de comunicação, na formação do imaginário popular e docente sobre os
indivíduos alto-habilidosos e sua consequente invisibilidade. Ainda, no capítulo 05, como
forma de complementar a análise sobre o modo como o aparelho ideológico do estado,
Imprensa, trata do tema da pesquisa, desenvolvemos estudo quanto às medidas estatais para
atendimento das altas habilidades, nos últimos 50 anos, buscando explicações para a aparente
contradição entre termos, diversas medidas e discursos governamentais em defesa do público
alto-habilidoso e a carência de ações que busquem combater a invisibilidade, de modo efetivo.
No capítulo 6, apresentamos os resultados da pesquisa de campo realizada junto aos
educadores, de uma rede de ensino do litoral paulista, sobre o tema das altas
habilidades/superdotação e suas explicações para o problema de pesquisa: os motivos da
invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, na escola. Neste sentido, apresentamos os dados
obtidos, durante mais de 3 anos de pesquisa de campo, com os profissionais da referida rede,
a partir de variadas ferramentas de coleta de informações, como: questionários, entrevistas,
registros de visitas as escolas, registros de cursos e formações sobre o tema que desenvolvemos
com os educadores, de modo que pudéssemos reunir a maior quantidade possível de
informações e perspectivas sobre o tema, em quantidade e profundidade, que nos possibilitasse
análise e reflexão sobre o problema da pesquisa, de modo articulado com nosso trajeto teórico.
27
Finalmente, neste capítulo, apresentamos os resultados das visitas a 04 instituições de
atendimento especializado em altas habilidades/superdotação e suas explicações para a
invisibilidade.
Encerramos o texto da pesquisa com a apresentação das conclusões, de modo que
pudéssemos buscar a síntese de nossos estudos, apontando os diversos ângulos sob a qual nossa
unidade de análise foi avaliada e, assim, desenvolvermos um retorno ao problema inicial da
pesquisa: o quadro de invisibilidade dos alto-habilidosos, relacionando-o com a sociedade
capitalista e com o contexto educacional, de modo mais amplo, a fim de que as concepções
baseadas nas ideologias das aptidões naturais fossem superadas, a partir da constatação de suas
relações com a produção da invisibilidade e os próprios indivíduos alto-habilidosos passassem
a ser compreendidos, inseridos no debate educacional mais amplo, na realidade escolar, como
um todo, para que as relações entre suas condições de invisíveis fossem consideradas como
uma face da moeda do fracasso escolar.
CAPÍTULO I
O ESTUDO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO4
A hierarquia dos domínios e dos objetos orienta os investimentos intelectuais pela
mediação da estrutura das oportunidades de lucro material e simbólico, que ela
contribui para definir. O pesquisador participa sempre da importância e do valor, que
são comumente atribuídos ao seu objeto e é pouco provável que não leve em conta,
4Segundo o World Council for Gifted and Talented Children, considera-se sobredotada a pessoa com elevado
desempenho, ou elevada potencialidade, emqualquer dos seguintes aspectos isolados, ou combinados: capacidade
intelectual geral,aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo, talento especial paraas artes
visuais, dramáticas e musicais, capacidade motora e capacidade de liderança. (POCINHO, 2009)
28
consciente, ou inconscientemente, na alocação de seus interesses intelectuais, o fato
de que os trabalhos (cientificamente) mais importantes sobre os objetos mais
“insignificantes” têm poucas oportunidades de ter, aos olhos daqueles que
interiorizaram o sistema de classificação em vigor, tanto valor quanto os trabalhos
mais insignificantes (cientificamente) sobre os objetos mais “importantes” [...]
(BOURDIEU, 2013, p.38)
Nossa pesquisa busca compreender quais as razões que levam os estudantes, com
características de AH/SD, a não receberem a devida atenção e atendimento, nas escolas públicas
brasileiras. Buscamos os motivos, que levam alunos talentosos a viverem uma espécie de
invisibilidade, bem como, as implicações e consequências desta postura para os indivíduos
invisíveis, seus professores e escolas. Finalmente, analisamos como o fracasso escolar
relaciona-se com a invisibilidade dos alto-habilidosos.
O trabalho com a bibliografia, na área das altas habilidades/superdotação, indicou que
a invisibilidade dos alto-habilidosos não é algo restrito à cidade, onde concentramos nossas
pesquisas. Trabalhos nacionais e internacionais confirmam a condição de invisibilidade deste
grupo de estudantes. É grande o número de trabalhos brasileiros, que denunciam a invisibilidade
dos indivíduos com altas habilidades/superdotação, destacamos, por exemplo, o trabalho de
Pérez (2011, p.109), que diz: “A invisibilidade dos alunos com AH/SD está estreitamente
vinculada à desinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu atendimento, à falta
de formação acadêmica e docente e à representação cultural das pessoas com Altas
Habilidades/Superdotação (PAH/SD)”
A bibliografia especializada utiliza-se do termo invisibilidade para se referir ao reduzido
número de estudantes, com altas habilidades/superdotação, identificados e atendidos, nas
escolas brasileiras, Pérez e Freitas, (2011, p.112), afirmam: “Talvez mais estigmatizados que
os alunos com deficiência, os alunos com AH/SD não conseguem sair de sua invisibilidade
sistêmica, que se reflete nos censos escolares, que não recebem informações adequadas [...] e,
apresentam números insignificantes dentro das matrículas”.
Perez e Freitas não são as únicas a utilizar o termo invisibilidade, para descrever a
situação dos alto-habilidosos, esta, também, é denunciada por Negrini (2008, pp.275- 282),
como podemos verificar:
Direciona-se a discussão à educação de alunos com altas habilidades/superdotação, os
quais frequentemente estão presentes no contexto escolar, porém, como bem expõe
Pérez (2004), são alunos “fantasminhas”, uma vez que muitas vezes não são
identificados, nem mesmo reconhecidos pelos professores. [...] Com estas pesquisas,
percebe-se que os alunos com altas habilidades/superdotação estão presentes em
grande número nas escolas e que muitas vezes passam despercebidos pelo olhar do
professor e dos familiares.
29
A denúncia da invisibilidade já é realizada pela produção acadêmica, na área e, desta
forma, seguimos a tradição das pesquisas, ao denunciar a grave situação destes estudantes, que
não têm seus direitos atendidos, em suas experiências escolares. Assim, filiamo-nos ao uso da
ideia de invisibilidade para descrever a condição de não identificação e atendimento e
utilizamos o conceito de invisibilidade como unidade de análise, que norteará nossa pesquisa.
Entretanto, a maioria das pesquisas brasileiras, quando se questiona sobre os motivos
da invisibilidade, relaciona esta situação com a falta de informação da população, em geral e
de formação, específica, dos docentes brasileiros. Pérez e Freitas (2011,p.122), defendem que
a razão da invisibilidade seria: “Certamente, a informação da sociedade como um todo e a
formação dos docentes é um dos principais elementos que poderão apagar o nefasto prefixo
dessa palavra.(Superdotado)”.
É evidente que, informações adequadas para o grande público e formação docente,
específica, ajudariam na questão. Da mesma forma, a existência de um imaginário5, repleto de
mitos sobre o tema colabora para que seja constituída a situação, que vivenciamos com os
estudantes alto-habilidosos. No entanto, trabalhamos com a hipótese de que estas explicações
são insuficientes para a compreensão da invisibilidade e terminam por não colaborar com sua
superação, por não considerar fenômenos complexos da realidade educacional.
Ter as altas habilidades/superdotação como objeto de pesquisa, está longe de ser uma
tarefa fácil ao pesquisador, em educação. Ponto central de uma antiga polêmica das disciplinas,
que buscam entender a relação entre cognição-aprendizado-inteligência humana, as altas
habilidades colocam-nos diante de antigas perguntas e das consequências de suas respostas: Os
humanos nascem todos iguais? Teríamos, enquanto espécie, os mesmos potenciais intelectivos?
Para respostas negativas, temos uma nova questão: De onde surgem, então, tais diferenças?
Para respostas positivas, a favor da igualdade no nascimento, também temos outra pergunta:
Como explicar o talento e os diferentes níveis de desempenho verificados, empiricamente, entre
os indivíduos? De um lado, temos o empirismo, que reconhece as diferenças humanas, mas não
lhes explica as origens. Do outro, o idealismo que defende a igualdade, justificando-a
teoricamente, mas que, não consegue explicar os casos empíricos de talento que se apresentam,
na realidade.
Beethoven já nasceu “BEETHOVEN” e assim, destinado pelos “astros, deuses, ou
genes” às artes musicais, ou se tornou Beethoven, ao longo de sua vida e experiência humana?
5Utilizamos o conceito de imaginário apresentado por Baczko (1991).
30
Podemos produzir mais Beethovens, Bachs e Mozarts? Havia um grupo de genes
“musicais” circulando na mesma sociedade, fruto do acaso, ou havia algo no contexto social e
histórico de Viena, dos séculos XVIII e XIX, que tornou possível o surgimento de tantos gênios
da música?
Existem pessoas mais ou menos inteligentes que outras, quando comparadas entre si?
Como definir isto? Seria a inteligência algo como altura e peso, com gradações diferentes nas
qualificações: alto/baixo; gordo/magro? Ou as diferenças intelectuais (e talvez mesmo altura e
peso em certa medida) são fruto de processos sociais e históricos?
A noção de que todos nós, humanos, nascemos iguais e que vamos nos diferenciando,
conforme o tempo e as interações sociais, foi uma ideia que ganhou força no século XVIII e
tendo como base as ideias iluministas, serviu de questionamento ao papel da nobreza e ao
próprio antigo regime. Deste modo, pensadores como Rousseau tornaram-se grandes
influências entre os pensadores e idealizadores, da sociedade contemporânea e do projeto de
escolarização de massas.
Entretanto, logo após as revoluções burguesas e com a chegada definitiva desta classe
social ao poder, surge a necessidade de explicar uma situação contraditória: ainda que nasçam
iguais, os humanos nunca vivem a mesma vida e acabam tendo condições de vida, que nada
têm de igualitárias. Se somos inicialmente iguais, por que estamos divididos em classes
distintas? Por que alguns são dominados e explorados e outros, dominadores e exploradores?
Para tais perguntas as ideias de “mérito” e “dom” terão profunda relação com a escola e os
debates sobre os indivíduos e suas potencialidades acadêmicas, artísticas, atléticas, etc.
Neste sentido, ganha força, a explicação para os postos de comando serem ocupados por
uma elite dirigente composta tanto por membros da burguesia, como por membros das nobrezas
destituídas pelas revoluções, temos a sociedade sendo distribuída entre alguns, que lideram as
atividades econômicas, comerciais, bem como, os cargos da burocracia, que administram o
Estado, seguidos da imensa maioria da massa de trabalhadores, a qual vivia em condições de
profunda exploração e extrema miséria. Tomemos como base a noção iluminista de que todos
nascendo iguais, tais diferenças seriam o resultado do acesso ou não à escola, também, da
combinação de esforço e mérito individual de cada sujeito e suas famílias, no desenvolvimento
dos indivíduos e respectivas trajetórias, que explicariam os caminhos de “sucesso” ou
“fracasso” dos sujeitos.
Segundo tais concepções, seria a escola a instituição capaz de equalizar as diferenças
sociais e garantir que cada um ocupasse postos, conforme suas capacidades e esforços. Neste
31
percurso, a escola nasce, profundamente marcada pela ideologia da meritocracia e quase todas
as suas crenças e justificativas são pautadas nesta ideia.
Porém, a noção de igualitarismo é prontamente questionada, a partir da observação
empírica de que determinados sujeitos obtêm resultados, nos seus campos de atuação, muito
superiores à média das pessoas e, nos estabelecimentos escolares, os professores são obrigados
a buscar explicações que justifiquem o fato de um determinado grupo de estudantes existentes,
praticamente, em todas as turmas e escolas, terem resultados muito elevados, em relação aos
demais.
A busca por conciliar a ideia de mérito e igualitarismo, acabou fortalecendo explicações
para os talentos humanos, que terminaram por solidificar as noções de “dom” e “carisma”,
segundo as quais alguns sujeitos, pelo toque do “acaso”, ou “divino”, nasceriam dotados de
capacidades intelectuais, criativas, artísticas, atléticas, muito além da média humanidade e,
assim, seriam explicados os grandes feitos das Ciências, Artes, indústria,etc.
Ligadas às noções elitistas de sociedade e positivistas da Ciência, tais ideias refletiam
concepções iluministas, afirmando que os postos ocupados, por cada um, deveriam representar
exatamente o seu mérito e capacidade pessoal. Teríamos, assim, uma sociedade justa e
vocacionada ao progresso, com a escola desempenhando vultoso papel, nesta tarefa.
Parte fundamental, na construção desta sociedade “científica, justa e ideal”, seria o
acesso à escola única, capaz de oportunizar a todos os mesmos conhecimentos, de modo que
cada indivíduo desenvolvesse os seus “dons”, para que, posteriormente, que a escola garantisse,
por sistemas progressivos de barreiras e nivelamento, o acesso aos níveis mais elevados de
ensino, este ocorrendo conforme o talento e mérito individual.
Assim, chegamos ao tema das altas habilidades/superdotação, parte de um importante e
antigo debate acerca das influências genética/hereditária versus a influência dos aspectos
culturais/ambientais, na constituição das capacidades/habilidades humanas.
Durante longo período, a hegemonia das correntes inatistas e de cunho
genético/hereditário para a explicação das AH/SD foi, praticamente, única. Por muito tempo,
a tradição oriunda de explicações biológicas para o talento teve domínio neste campo.
Entretanto, ao longo do século XX, as críticas a tal concepção foram avolumando-se e,
pouco a pouco, comprovando-se que a inteligência humana, as capacidades, o rendimento e o
sucesso escolar eram influenciados por fatores que transpunham o potencial “genético”.
Trabalhos como o de Bisseret (1978), Lahire (1997), Bourdieu e Passeron (1992), foram
desnudando os aspectos ideológicos, que camuflavam tais teorias, as quais, pretensamente,
explicavam o sucesso escolar; apresentando o quanto de ideologia as ideias de dom e aptidão
32
natural continham ao buscar uma justificativa biológica, para as desigualdades sociais.
Bourdieu e Passeron, ao apresentarem o perfil da escola reprodutivista, trouxeram à tona o
caráter social e cultural do funcionamento da escola e apontaram como as condições estruturais
da sociedade giravam em torno da posse do capital econômico e cultural, que eram travestidos
em dons, talentos inatos ou, no extremo, herança genética, quando se buscava
“entender/justificar” o sucesso escolar.
Mas a predominância da explicação biológica para os talentos gerou problemas que, por
si próprios, denotam parte da invisibilidade para o tema.
Ao longo da história, as “explicações” biológicas para o talento surgiram substituindo a
noção de dom, associada ao toque divino; a ideia seria conferir um tom de ciência à questão e,
ainda que, atualmente, poucos sejam os pesquisadores que recorram a ideia de “dons”, para
fundamentar suas explicações, verificamos (ao longo da pesquisa), no imaginário do senso
comum docente ou da imprensa, o uso das ideias de dom, como explicação para as AH/SD. Não
é raro, ver atletas em entrevistas citarem ter recebido um “dom de Deus” para executarem seus
ofícios; mesmo as palavras dotado ou gifted fazem referência à noção de dote, dom ou presente
recebido e, durante muito tempo, a questão foi explicar quem havia dado o referido presente.
A noção de AH/SD associada a dote divino talvez seja uma das responsáveis pela
tradição escolar de conferir pouca atenção a estes alunos, pois, diante de tantas crianças com
dificuldades, em situação de fracasso escolar, não faria muito sentido conferir mais atenção a
um grupo seleto, que recebeu a inteligência, como presente da providência. Menos sentido
ainda, segundo o entendimento do senso comum, faria a noção que associa os “dotados” aos
alunos com necessidades especiais.
Verificamos durante os levantamentos iniciais da pesquisa, basicamente quatro posições
sobre altas habilidades/superdotação, presentes no senso comum estas são: 1- o primeiro grupo,
que defende que as mesmas existem e que são explicadas como capacidades inatas, herdadas
geneticamente; 2 - o segundo grupo concebe a existência de AH/SD, porém, afirma que estas
seriam produtos unicamente de interações com o ambiente; 3- a terceira corrente propõe que
haja interação entre heranças inatas e fatores ambientais, sendo que, atualmente, tal posição é a
mais aceita; por fim, 4- temos teóricos que argumentam que os diferentes potenciais são o
resultado de posse de capital cultural e econômico, portanto, as AH/SD não existiriam.
1.1- As Altas Habilidades/Superdotação como Herança Genética/Hereditária
33
As teorias biológicas para o talento tiveram história variada, ao longo de sua trajetória
e seria um equívoco tratá-las de maneira uniforme. Temos desde as mais abertamente ligadas à
noção de hereditariedade, até as que tentam explicar o talento, a partir de complexas
combinações genéticas.
Diversos estudiosos do campo da Biologia entendem que mais de 50% (cinquenta por
cento) da inteligência tenha origem hereditária6. Ainda assim, pensamos que não valha a pena
um longo debate sobre o quanto as habilidades de um sujeito e seu sucesso, em uma dada área
da produção humana, sejam frutos de determinações históricas e sociais, como: acesso aos
mediadores culturais, livros, viagens etc, uma vez que, temos trabalhos suficientes, para nos
mostrar o impacto destes fatores, no desenvolvimento humano7.
A questão é, avaliar o peso que teorias, que atribuem a capacidade intelectual à herança
genética, têm na realidade educacional.
Durante nossas pesquisas, foram inúmeros os relatos de professores, relacionando as
altas habilidades/superdotação com a genética e tal opção teórica tem (segundo nossas
hipóteses) grande impacto, na invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação.
Em um contexto, como o que temos, com escolas marcadas pelo fracasso escolar, com
professores, constantemente, queixando-se da qualidade dos estudantes e de seu fraco nível
intelectual, onde ainda tem força discursos saudosistas sobre uma escola do passado, de “boa
qualidade”, como supor que os docentes que acreditem em herança genética, busquem,
identifiquem e aprimorem os saberes de crianças oriundas das parcelas mais pobres da
população? A sua maioria composta por negros e afrodescendentes, em muitos casos,
descendentes de migrantes que fugindo da pobreza, encontram a miséria nas periferias dos
centros urbanos?
Atendendo alunos, com pais que tiveram pouca experiência escolar, muitos deles com
largo histórico de fracasso escolar, tendo famílias que, ainda, contam com pais e avós
analfabetos, surge a questão: como docentes e gestores, que acreditam na inteligência como
produto único da hereditariedade e da genética, avaliam o potencial intelectual os educandos
filhos da classe trabalhadora, que não lhes fornecem o esperado “capital cultural”?
Poderiam estes professores acreditar que tenham alunos com AH/SD, em suas turmas
de escolas públicas, repletas de jovens pobres? Assim, iniciamos nossa pesquisa sobre os
6http://veja.abril.com.br/ciencia/estudo-atribui-ate-50-da-inteligencia-a-heranca-genetica/Consultado em
10/03/2017 às 9h. 7http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/2015/12/1721356-genes-e-inteligencia-merito-e-
talento.shtml?cmpid=topicos Consultado em 10/03/2017 às 9h.
34
motivos que levam alunos inteligentes, estudiosos, dedicados, brilhantes a não figurarem nas
falas e preocupações de professores e gestores escolares, no cotidiano das escolas.
Durante a nossa pesquisa, verificamos que a invisibilidade, no contexto educacional,
está associada ao impacto que as teorias, que explicam as altas habilidades/superdotação
causam, ao criarem maior ou menor disposição das escolas em notar e atender estes alunos.
Podemos resumir este problema, em uma questão: se acreditamos, enquanto educadores e
instituições escolares, que herdamos a inteligência e habilidades de nossos pais, o que os
professores devem esperar de alunos, que habitam bairros pobres e com famílias com pouca ou
nenhuma experiência escolar e, onde a maioria dos estudantes fracassa?
Se as nossas capacidades e talentos são biologicamente herdados, basta aos educadores
um olhar mecânico para a realidade social onde atua, para que, no limite, infira o potencial de
seus educandos e as aptidões naturais do seu público. Tais concepções, ainda que sem esta
intenção imediata, terminam por naturalizar a miséria, justificar as desigualdades e invisibilizar
as altas habilidades/superdotação, nos meios populares.
Entre aqueles que defendem a hereditariedade, para a explicação das altas
habilidades/superdotação, temos diversas linhas teóricas e uma tradição antiga, que remonta
aos trabalhos de Francis Galton, no século XIX.
Estudos que indicavam a forte relação entre renda e acesso à titulação acadêmica, bem
como, sucesso profissional e origem familiar, como os de Bourdieu e Passeron (1992), Bisseret
(1978), colocavam as teorias, puramente hereditárias, em posição de difícil sustentação. Em
paralelo, tais pesquisadores passaram a admitir o que já era inegável, ou seja, a relação entre
origem familiar, classe social, etnia, gênero e sucesso, no campo intelectual.
Estas foram posições que trataram de “amenizar” o peso da hereditariedade, na
constituição das capacidades intelectuais; movimento estratégico, que visava garantir a
sobrevivência da teoria. Assim, ainda que de um modo mais brando e cuidadoso, muitos
pesquisadores seguiram defendendo a noção de que inteligência é algo que herdamos de nossas
famílias.
Dentre os que defendem que a inteligência ou as capacidades tenham explicações nos
genes, mas que não apologizam as teorias de hereditariedade da inteligência, existe uma
concepção de que a condição seja fruto do acaso ou, em última estância, golpe de sorte do
destino. Para estes, o dom de Deus seria substituído pelo dom dos genes e as desigualdades
humanas das aptidões, que antes era explicada pela eleição divina, passa a ser justificada fruto
da eleição biológica.
35
Mas, mesmo os mais ingênuos, defensores de tais ideias, logo se dão conta de que nossa
sociedade não se organiza a partir dos princípios genéticos e não são os mais “inteligentes e
capazes” que governam a sociedade. Para tais estudiosos, daí decorrem a injustiça e as mazelas
sociais; por isto defendem o ensino que possibilite o pleno desenvolvimento dos “mais
capazes”, de modo que tenhamos, em um momento ideal, uma sociedade organizada por sua
elite intelectual.
Esta corrente teórica foi, historicamente, defensora do atendimento especial para as
crianças com altas habilidades; foram os grandes defensores da destinação de recursos aos
projetos que atendem ao público com altas habilidades/superdotação. Porém, a fragilidade em
da teoria, colocou a questão em posição defensiva, tanto dos professoresque envoltos em
desafios nas situações de fracasso enxergam o tema como elitista, como da elite dirigente, que
sabedora da inconsistência da questão, mostrou-se reticente em defender propostas, que
pareciam gerar um gasto desnecessário de recursos, sem grandes resultados objetivos.
1.2 Altas Habilidades/Superdotação e Noção de Reprodução Social
Se no senso comum de professores, existe um domínio das teorias biologizantes das
altas habilidades8, não podemos dizer que o mesmo ocorra na academia, em especial, nas áreas
ligadas à educação.
As razões para esta “distorção” são variadas, desde a tradição meritocrática da educação
de massas, como um dos pilares da sociedade capitalista, que possui dificuldades em aceitar
e/ou defender que os sujeitos nasçam com seu potencial para o sucesso já pronto e acabado, até
concepções pautadas em visões críticas das ideias, que baseiam suas explicações para as
diferenças individuais na Biologia e, ao criticar a genética e a hereditariedade, como
explicações para a inteligência dos indivíduos, praticamente, negaram a existência de AH/SD,
deixando os docentes divididos entre negar, totalmente, que os indivíduos superdotados existam
ou buscar uma explicação para o fato empírico, de que alguns de seus estudantes apresentam
rendimento e potencial acima da média. Neste caso, quase sempre a única explicação que
achavam eram as teorias defensoras da genética e, em ambas situações, o resultado quase
8Durante as pesquisas de campo, com professores e gestores, verificou-se amplo domínio de explicações ligadas à
noção de genética e condições congênitas, para explicar as altas habilidades/superdotação; nos próximos capítulos
tais dados serão apresentados.
36
sempre era a invisibilidade, seja pela sua não existência teórica, ou sua inexistência, com base
na herança genética de seus alunos, que a empiria fazia supor.
Enquanto os defensores da meritocracia, fazem a crítica à associação de altas
habilidades/superdotação e genética, a partir de uma concepção conservadora; a segunda
corrente, partindo de uma posição progressista, iniciou a crítica a conceitos como: quociente
intelectual, hereditariedade das habilidades humanas e aptidão natural e tais críticas seguiram
o caminho de comprovação empírica, da relação entre a classe social e sucesso escolar.
O resultado da combinação destas duas posições descritas foi o tema das altas
habilidades/superdotação ser relegado para uma posição secundária, quase inexistente, tanto
nas pesquisas em educação, como nos cursos de formação docente. Deste modo, falar em
AH/SD tornou-se um tabu, na realidade das pesquisas educacionais brasileiras e estas se
concentraram, basicamente, nas áreas ligadas à psicologia e ciências biológicas.
Tal situação influenciou como os professores, na maioria dos casos, entendem o
fenômeno superdotação, altas habilidades, altas capacidades, dotação ou talento. Devido ao
forte traço elitista das pesquisas sobre esta temática, bem como, a sua aproximação com teorias
que flertavam com autores como Galton (1865), que fundamentou a base de teorias como a
eugenia, a ideia das AH/SD foi fortemente rechaçada, no contexto da educação, em especial,
quando falávamos de contextos progressistas.
Somado este fato à luta de parcelas alijadas da oportunidade de estudar e a posterior
ligação com os estudos sobre o fracasso escolar e a escola reprodutivista, criou-se a ideia de
que observar, analisar alunos, que por ventura, obtivessem sucesso, em suas trajetórias
escolares, seria optar por um tema elitista.
A opção teórica adotada, na maioria dos casos, foi o silêncio, surgindo um dos primeiros
desafios aos pesquisadores das AH/SD, no Brasil: como estudar as AH/SD, a partir de uma
perspectiva crítica e progressista de sociedade? Seria possível tal empreitada?
Deste modo, não se fala do tema, nas universidades e congressos de educação, como
pudemos verificar nos vários encontros, simpósios que participamos. Como nos explica
Bourdieu: este é um daqueles temas definidos como “menos importantes”9.
O silêncio acadêmico espraiou-se pelos docentes, nas escolas e, hoje, raramente, um
professor se arriscaria, de forma espontânea, a falar de alunos com AH/SD, sem correr o risco
de ser tachado conservador ou contrário à meritocracia.
9(BOURDIEU, 2013)
37
Mas, este silêncio não fez com que os professores deixassem de verificar a existência
de alunos, com rendimentos de destaque e buscassem explicações. Como nossa pesquisa
demonstrou, o conceito de superdotação sempre esteve presente, no imaginário docente, apenas
silenciado ao debate público.
Entre os pesquisadores da área de AH/SD, o resultado foi o distanciamento das ciências
humanas e o domínio, quase completo, da Psicologia, no estudo do tema, chegando ao ponto,
de pesquisas na área, serem produzidas sem uma única referência, ou citação bibliográfica
relacionadas aos cânones da pesquisa educacional nacional e internacional, como se não
tratássemos de um tema ligado à educação.
1.3 Altas Habilidades/ Superdotação e o Papel de Pais Dedicados
Entre aqueles que se opõem ao peso atribuído à genética, na explicação dos talentos
individuais, temos os que defendem que as crianças, que apresentam rendimentos superiores,
são fruto do trabalho dedicado de suas famílias e grupos sociais, sobretudo, de seus pais.
Estes indicam que o produto que os defensores das visões biologizantes entendem por
herança genética e, por vezes, fruto da hereditariedade, são, na verdade, o resultado de muito
investimento dos pais, em ações e atividades, que estimulam seus filhos a desenvolver suas
capacidades, tais como: o uso de jogos, a apreciação de músicas, o trabalho para o
desenvolvimento da linguagem oral, manter livros ao alcance das crianças, a escolha de escolas
de qualidade, o estímulo à autoconfiança e a correr riscos, o acompanhamento dedicado à vida
escolar, os elogios ao potencial da criança e, sobretudo, o apoio, com pronto investimento de
tempo e dinheiro, ao surgir alguma potencialidade, que seja valorizada socialmente e/ou pelos
pais, produzindo assim, alunos com capacidades superiores10.
Os estudos sobre o papel das famílias, no desenvolvimento das AH/SD, têm contribuído
para desmistificar o peso excessivo atribuído à genética e à biologia, para a compreensão do
potencial humano, Silva (2008), indica-nos a importância, fundamental, da família no processo
de desenvolvimento das habilidades humanas:
Diversos estudos apontam a importância da família para a manifestação,
desenvolvimento e reconhecimento da superdotação de um indivíduo. Por exemplo,
10
“As pesquisas que investigam aspectos familiares relacionados à superdotação têm indicado que os fatores que
mais contribuem para o desenvolvimento de habilidades superiores são o ambiente familiar enriquecido e
organizado, de modo a atender as demandas e interesses do superdotado, a posição especial na família e os valores
e as expectativas parentais relacionados à educação e ao desempenho acadêmico.” (CHAGAS, 2009)
38
Alencar (1997), Bloom (1985) e Moraes, Rabelo e Salmela (2004) relatam pesquisas
que mostram a influência da família e de professores, no desenvolvimento de
habilidades na ciência, música e esporte. Hellstedt (1987) enfatiza esta influência ao
afirmar que a família constitui o ambiente social primário, em que o jovem pode
desenvolver a sua identidade, autoestima e motivação para o sucesso. A literatura
também destaca a existência de uma relação de influência mútua entre a criança
superdotada e sua família (Aspesi, 2003; Silverman, 1993; Winner, 1998). A família
pode influenciar de diversas formas o desenvolvimento do talento.
Temos inúmeras pesquisas, que apontam no sentido de reconhecer o papel dos núcleos
familiares como fundamentais, no desenvolvimento/surgimento das AH/SD. De certo modo,
tais concepções corroboram com estudos clássicos da área da educação, em que se destacam o
papel dos grupos sociais, no resultados escolares das crianças, com inúmeros estudos
desenvolvidos nesta área, nos Estados Unidos, a partir do Relatório Coleman publicado em
196611, que entre outras afirmações, confirma o peso das interferências sociais e econômicas,
no rendimento dos estudantes (SOARES, 2008, p. 15):
O que Coleman mostrou, com muito mais clareza, confirmando alguns estudos
anteriores, é que as diferenças socioeconômicas entre os alunos são as responsáveis
pelas diferenças no seu desempenho e que, portanto, a esperança de combater a
desigualdade racial, mediante melhor distribuição dos investimentos em educação,
seria uma quimera.
A confirmação do papel fundamental dos investimentos familiares, nos resultados
escolares dos estudantes e em seu eventual desenvolvimento de habilidades superiores,
dialogam com as pesquisas, já clássicas, sobre o papel reprodutivista da instituição escolar e o
peso que o capital cultural e econômico transmitidos pelas famílias, tem no sucesso, ou fracasso
dos estudantes. Os estudos com famílias de crianças superdotadas e suas características
desenvolvidas por Silva (2008), confirmam as proposições das obras clássicas sobre o papel
das condições socioeconômicas, no desenvolvimento dos estudantes:
Na área musical, Davidson e Cols. (1996) realizaram um estudo com crianças que
estavam aprendendo a tocar instrumentos musicais e seus respectivos pais. O
estudoindicou que os pais exercem um papel central em relação ao início e ao
prosseguimento dos filhos, no treinamento musical, durante o extenso período
necessário ao desenvolvimento de um desempenho notável. Além disso, foi sugerido
que as crenças dos pais em relação aos talentos de seus filhos, influenciam o
comportamento deles, sendo determinantes para um maior incentivo ao empenho dos
jovens. Na área acadêmica, Robinson, Weinberg, Redden,Ramey e Ramey (citado em
Aspesi, 2003) realizaram um estudo comparando famílias de crianças superdotadas e
famílias de crianças não superdotadas. Os resultados mostraram que as famílias de
11 Relatório apresentado em resposta à Seção 402, da Lei de Direitos Civis de 1964, ao congresso dos Estados
Unidos da América, elaborado por COLEMAN, James : “Seção 402: O comissário deve produzir um Survey, e
produzir um relatório para o Presidente e para o Congresso, dentro do período de dois anos da promulgação desta
lei, sobre a falta de disponibilidade de oportunidades educacionais iguais para indivíduos, por razão de raça, cor,
religião ou naturalidade, em instituições educacionais públicas, em todos os níveis, nos Estados Unidos, seus
territórios e possessões e o Distrito de Columbia.”
39
crianças superdotadas possuem: (a) mais recursos financeiros e maior educação
formal; (b) mais flexibilidade entre os integrantes da família; (c) maior participação
dos pais na vida acadêmica de seus filhos, segundo a percepção dos professores;
(d)menor vivência de situações de estresse na rotina familiar;(e) maior comunicação
dos pais acerca das altas expectativas em relação ao desempenho dos filhos.(SILVA
P. V., 2008, p. 340)
Entretanto, apesar das pesquisas indicarem, de modo cabal, o papel dos núcleos
familiares e condicionantes sociais, no desenvolvimento dos sujeitos, na realidade escolar, o
que ocorreu foi, aparentemente, o oposto. De um lado, as teorias que atribuem à genética os
talentos humanos não perderam força e, junto a estas desenvolveram-se ideias de que a
constatação de que fatores sociais implicam nos resultados dos estudantes, de modo decisivo,
trouxe para o ambiente escolar explicações para o fracasso dos estudantes baseadas nas
perspectivas preconceituosas, que já existiam sobre as populações pobres e seus filhos.
Estudos como o de Patto (2000), indicam a percepção, profundamente, arraigada nos
meios educacionais, em atribuir o fracasso escolar dos estudantes às características e condições
sociais, das famílias trabalhadoras, das áreas pobres, das cidades brasileiras. Esta concepção,
que se apropriou da produção científica de modo mecânico e apressado, por si só já teria um
papel decisivo na constituição da invisibilidade das AH/SD, nas escolas públicas. Ideias como
a teoria da carência cultural tem papel de destaque no ato de não supor e, consequentemente,
não reconhecer os talentos dos estudantes da classe trabalhadora, mas o problema destas ideias
não termina por aqui.
Da deturpação das ideias, que estabelecem correlação entre condições sociais e
interferência das famílias, no desenvolvimento dos estudantes, surge uma concepção, segundo
a qual os indivíduos alto-habilidosos seriam o simples resultado do empenho e dedicação de
pais interessados na criação, treinamento e formação de superdotados. Tal ideia, associada às
concepções biologizantes da capacidade humana, apontava duas hipóteses: haveria aqueles que
“verdadeiramente nasciam superdotados” e “aqueles, que não tendo qualquer talento especial,
eram apenas crianças moldadas/estimuladas por suas famílias a apresentarem resultados
superiores”. Na prática, os primeiros eram pouco notados e os segundos rechaçados, quando
um familiar incauto sugeria um possível AH/SD.
Em geral, a concepção acima relatada insere-se no contexto de educadores que tentam
proteger as crianças da “pressão e violência”, que pais, normalmente, da classe média, exercem
sobre as crianças, roubando-lhes a infância.
Não raro, encontramos famílias de classe média, que têm planos e projetos para crianças
pequenas, que vislumbrem sucesso, reconhecimento financeiro e profissional. Como resultado,
40
temos crianças escravas de agendas, que em meio a tantas atividades e tarefas, como: estudar,
realizar as atividades escolares, cursos de piano, inglês, aulas de natação etc, são alijadas de seu
direito de brincar, de ter o ócio garantido, de serem crianças, com a justificativa de que são
superdotados e precisam desta rotina para se aprimorar. Não são poucos pais, que realmente
chegam à escola, desejando tratamento especial às suas crianças, sob alegação de que seus filhos
são gênios12.
Muitas vezes, tal expectativa das famílias concretiza-se na exigência de que a criança
avance nos estudos e tenha direito à famigerada aceleração de série/ano, um tema polêmico e
fruto de embates vigorosos entre pais e educadores, que no fundo, explicitam duas concepções
complementares, da escola capitalista: o apego à seriação, por parte dos docentes e a ideia de
competitividade pelos pais, vislumbrando este “saltar” séries como vantagem para ingressar
mais cedo, nas universidades, consequentemente, no mercado de trabalho.
Mas o grande problema desta interpretação está no fato de que, na busca por
“explicações sociais” e não biológicas dos talentos humanos, reforçamos a noção de
meritocracia, neste caso, não dos sujeitos, mas de suas famílias.
Ao defender comportamentos típicos da elite e classe média e não acessível às camadas
empobrecidas da população, reforçamos que a ideia de que os culpados pelo fracasso escolar
dos pobres são os familiares. E como estes comportamentos não são típicos dos pais de escolas
públicas, de periferia, não faz sentido buscar crianças superdotadas, nestes grupos sociais. Cabe
destacar, que pesquisas, na área das AH/SD, indicam que se é verdade que comportamentos
típicos da classe média são parte fundamental para a constituição das altas habilidades,
verificamos que famílias pobres, imbuídas por fatores diversos, são capazes, em determinadas
circunstâncias, de emular os comportamentos da classe média, na criação e desenvolvimento
dos talentos de seus filhos, como destaca Fleith (2009, p.156-166):
Podemos concluir, com base em nossos resultados, que as famíliascom e sem
superdotados diferem entre si, principalmente, com relação às práticasparentais em
termos de (a) atenção centrada nos interesses e na vida acadêmicados filhos, (b) maior
interatividade entre os membros da família, em termos dacomunicação de
expectativas e tempo despendido em bate-papos e (c)envolvimento em atividades
conjuntas. Apesar das famílias investigadas viveremem ambiente socioeconômico
desfavorecido e terem genitores, com baixo nível deescolaridade, as famílias com
superdotados apresentaram característicassemelhantes às famílias de classe média, no
que diz respeito à prioridade atribuídaà educação dos filhos. [...] Os resultados desses
estudos demonstraram que as famílias, com superdotados, costumam ser mais
flexíveis [...] Estastambém possuem mais livros, pinturas e trabalhos de arte, em casa
e investemmais recursos financeiros, na estimulação e promoção da inteligência dos
12 Durante a pesquisa de campo, são inúmeros os relatos de professores e gestores que abordam tensão e desgaste
com familiares, pelo fato de famílias e escolas terem opiniões contrárias, quanto a confirmação ou não, de
superdotação, em determinado estudante.
41
filhos.Sobre as práticas parentais, os mesmos autores indicaram que os pais
desuperdotados: (a) geralmente são mais envolvidos no programa escolar de
seusfilhos, comunicando-lhes o alto valor que atribuem ao desempenho acadêmico;(b)
educam os filhos com base em sua própria experiência acadêmica; (c)apresentam
interação cognitiva significativamente diferente, em termos de tópicosdiscutidos e da
qualidade da linguagem empregada em casa; (d) expõem os filhosa novas
experiências, incentivando a autonomia e independência; e (e) são maisassertivos,
independentes e liberais.
Os defensores da genética, obviamente, opõem-se a esta teoria, pelo fato de tal
concepção expor o impacto social, nos resultados dos indivíduos e, assim, desmascarar as
ideologias que travestem o capital cultural e econômico em herança genética.
Porém, ao negar a herança genética substituindo-a por trabalho e dedicação de pais e
mães, no fundo, o que ocorre, novamente, é a camuflagem do capital cultural e econômico em
esforço, atenção e dedicação paternos.
Os apologistas da genética recusam tal teoria, apegando-se às exceções, seja de filhos
brilhantes, com pais poucos dedicados ou pelo fracasso de algumas crianças, com pais muito
dedicados. Na perspectiva dos que criticam os pais, “produtores de talento”, tal prática constitui
uma violência contra a infância.
O resultado é que privados da herança genética, que indicasse uma chance de um talento
estar entre os seus e, barrados em suas tentativas de estimular seus filhos, acusados de roubar a
infância das crianças, a classe trabalhadora não tem oportunidade de desenvolver os talentos de
seus filhos e, mesmo quando consegue tal feito, vê-los negados pelas instituições escolares.
As escolas públicas, pela “aridez genética de talentos” ou em nome da “defesa infância”,
também, não aborda o assunto, contribuindo para a manutenção da invisibilidade, que impede
que se desenvolvam os futuros e potenciais intelectuais orgânicos da classe trabalhadora;
enquanto isto, elite e classe média seguem legando capital cultural e econômico aos seus filhos
superdotados ou não.
1.4- A Negação das Altas Habilidades/Superdotação
Esta perspectiva gerou a compreensão, de forma majoritária, de que pessoas
superdotadas inexistem e os talentos apresentados seriam simples resultados de experiência
sociais. Assim, tanto esta teoria, como as anteriores, têm a virtude de responder, em
considerável parcela, as questões sobre os alto-habilidosos e, especialmente, em relativizar as
teorias biologizantes do talento humano. Mas tais ideias, novamente, esbarram em não dar conta
42
de explicar todos os casos, em especial, aqueles que “aparentemente” fogem à regra, ainda que
sejam, “estatisticamente”, insignificantes.
É inegável que em um sociedade de classes, como a capitalista, as oportunidades de
desenvolvimento das capacidades estejam distribuídas, conforme as características sociais e
econômicas de cada grupo. E que tais capacidades desenvolver-se-iam ao longo dos processos
históricos e seriam determinadas, a partir do modo como ocorre a luta de classes, no interior de
uma dada sociedade e de um dado contexto.
Obviamente, partindo deste princípio, com o qual concordamos, se estivéssemos em
uma sociedade, onde todos pudessem desenvolver, plenamente, suas potencialidades e tivessem
igual acesso ao capital cultural e econômico, igualitariamente, bem como, o conhecimento fosse
garantido a todos, talvez, não ocorressem as altas habilidades, pois todos poderiam desenvolver
seus talentos ao máximo.
Porém, não vivemos nesta sociedade, ao contrário, a sociedade capitalista é
extremamente desigual, impondo aos indivíduos experiências de socialização e acesso aos
mediadores culturais e ao conhecimento totalmente diversos, que variam conforme a posição
dos sujeitos, na divisão internacional do trabalho. O resultado é que, com trajetórias distintas e
acesso a recursos distintos, terminamos por ter (alguns) indivíduos que desenvolvem mais
facilmente suas habilidades e potencialidades, dominando conhecimentos de modo mais rápido
e profundo, se comparados a outras pessoas.
Logo, a simples negação das AH/SD não dá conta de responder os problemas que,
diariamente, colocam-se aos professores e alunos, pois os docentes seguem tendo, em suas
turmas, educandos que se destacam muito em relação aos seus colegas, tendo níveis e ritmos
de aprendizado muito distintos dos demais alunos. Assim, a teoria pode afirmar a inexistência
dos alto-habilidosos, pode justificar as AH/SD, a partir da posse de capital cultural e econômico,
mas os professores continuam sem saber como explicar e o que fazer com estes alunos, que por
razões desconhecidas, aprendem rápido e, constantemente, cobram-lhes outras intervenções,
em sala de aula.
Se a falta de um olhar sociológico, por parte dos teóricos das AH/SD, acaba por lhes
conduzir, apressadamente, para as teorias de influências genéticas, biologizando o que é social;
o olhar sociológico mecanicista e afoito cria teorias pautadas em determinismos sociais, que
excluem a possibilidade de ocorrerem casos de AH/SD, em grupos socialmente pobres,
principalmente, ao relacionar a formação acadêmica e classe social dos pais, aos resultados
escolares dos filhos.
43
Atribuir o sucesso acadêmico e o desenvolvimento de talentos escolares, apenas, à faixa
de renda e capital cultural dos pais, implica, primeiro, que o capital cultural fosse,
automaticamente, passado entre as gerações e, segundo, cria nos docentes uma perspectiva de
não haver pessoas AH/SD, nas classes populares.
Imersos em um determinismo social, onde se imagina ser improvável encontrar alunos
superdotados, em escolas públicas, devido a origem social dos educandos, os docentes,
simplesmente, não procuram estes alunos e como não buscam, acabam não os encontrando,
fechando o círculo da invisibilidade.
A partir destas posições, casos como os de Carl Friedrich Gauss, Michael Faraday e o
próprio Pierre Bourdieu, todos gênios em suas áreas de atuação, mas oriundos de famílias
pobres, sem recursos econômicos e culturais, que pudessem justificar seus talentos, passam a
ser entendidos pela expressão, que o próprio Bourdieu adotava para si mesmo, são miraculados.
Aos docentes a explicação para os miraculados remete a uma teoria consolidada na explicação
das desigualdades sociais, as teorias do dom e das aptidões naturais.
Deste modo, entendemos que a ausência de uma teoria, que explique as altas
habilidades/superdotação, superando as visões biologizantes e, também, visões deterministas
e/ou meritocráticas, colabora para invisibilidade destes alunos. Longe de pretendermos
solucionar a questão, pensamos que os trabalhos de Setton (2016), Lahire (1997), Elias (1995),
podem nos proporcionar importantes chaves de compreensão da questão, bem como, a
experiência de russos, chineses, norte-americanos, cubanos, jamaicanos e quenianos, países
com tradição no desenvolvimento e incentivo aos talentos, podem indicar caminhos práticos,
no tratamento da temática.
Neste sentido, iniciamos a pesquisa, com algumas constatações importantes: em
primeiro lugar, a própria dificuldade em situar as altas habilidades/superdotação, como
problema de pesquisa científica, gera obstáculos, no enfrentamento e produção de
conhecimento sobre o tema, que terminam por contribuir com a invisibilidade.
As teorias predominantes, ao longo da História e, mesmo na atualidade, para explicar o
fenômeno, também colaboram para que os estudantes que, eventualmente, pudessem vir a
manifestar altas habilidades, terminem por se tornar invisíveis, na realidade educacional.
Por fim, destacamos a constatação de que a invisibilidade das altas habilidades não se
trata de algo restrito à cidade, onde trabalhamos, como professor e gestor, mas se expande,
muito além, da realidade local, com inúmeras produções científicas afirmando e denunciando a
invisibilidade, em realidades outras e, assim, a metodologia da pesquisa precisou ser
organizada, de modo a considerar esta constatação. Portanto, sem abrir mão do trabalho de
44
campo, na cidade escolhida para a pesquisa, vimo-nos obrigados a abarcar contextos e variáveis,
que estavam além de nossa realidade local. Em suma, não estávamos diante de um fenômeno
circunscrito em nossa cidade e realidade, tratava-se de problema mais amplo e que, para tanto,
necessariamente, levar-nos-ia a caminhos metodológicos e teóricos, que ultrapassavam os
limites municipais.
1.5 - Altas habilidades/Superdotação, Definição e Conceitos
O jovem Einstein custou tanto a aprender a falar que seus pais temeram que pudesse
ter algum retardo mental. [...]Ao contrario da lenda, Einstein foi bom aluno na escola,
mas somente nas áreas que lhe interessavam, como matemática e ciências. [...]Estava
longe de ser o aluno perfeito, aborrecendo-se sob um sistema sufocante e autoritário
que esmagava a criatividade e a imaginação, substituindo-as por rotinas embotadoras
da mente. Quando seu pai indagou ao diretor qual profissão o jovem Albert deveria
seguir, ele respondeu: “Não faz diferença; ele nunca terá sucesso em nada”. [...]Seus
colegas de turma costumavam zombar dele apelidando-o de Biedermeier, que
corresponde mais ou menos ao atual Nerd. (KAKU, 2004,p.25)
Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), algo entre 3.5% e 5%13 da
população mundial possui alguma forma de talento, capacidade ou habilidade acima da média.
Outros autores como Renzulli (1992), e Pérez (2004), indicam que este número pode variar
entre 7,78% e até 15%1415, das pessoas. Deste modo, no Brasil, existiria uma grande quantidade
de pessoas, com talentos acima da média, podendo variar de 7 milhões até 30 milhões, o que
estaria longe de ser um número desprezível, comparando-se, assim, a uma população igual a da
grande São Paulo, de pessoas, incrivelmente, talentosas.
13Segundo informação publicada na Associação Paulista para Superdotação/Altas Habilidades publicada em seu
site oficial: “Quantitativamente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) coloca a porcentagem dos Alto
Habilidosos em 5% por cento de qualquer população. In: http://apahsd.org.br/fatos-relevantes-para-pessoas-com-
altas-habilidades/ , Visualizado em 21/07/2018 as 21h.
14 Segundo a definição de Benito (1999), e de Gardner (1995), que consideram que a superdotação pode se dar em
áreas diferentes, sem associá-las ao teste de inteligência, os índices de frequência podem chegar a 10-15%.
15
Segundo Renzulli (1986), (apud Gagné, 2009), deveríamos ter, aproximadamente, 20% de nossa amostra
composta por crianças com Altas Habilidades/Superdotação. Para Gagné (2009) esse número poderia ser até maior.
Ao analisar os dados obtidos, observa-se que o número de crianças com indicadores ultrapassa essa porcentagem
(38%), confirma-se a informação oferecida por Virgolim (2007), ao se ampliar os critérios para identificação de
indicadores a porcentagem de pessoas com indicadores de Altas Habilidades/Superdotação fica muito maior que
os 3,5% a 5% previstos pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Marques (2010).
45
Na população em idade escolar, apenas na rede pública de educação básica, segundo
dados do censo escolar 201516, o Brasil conta quase 38 milhões de alunos, sendo que destes,
pouco mais de 700.000 são estudantes da Educação Especial.
Se utilizarmos estes dados como referência, para calcular nosso público com altas
habilidades/superdotação, teríamos um número entre 1,3 milhões e 5,7 milhões de estudantes,
uma quantidade, por exemplo, quase dez vezes maior que a atendida pela Educação Especial
brasileira, ou maior, que a rede pública estadual do Estado de São Paulo, a mais expressiva,
numericamente, rede de ensino do país.
No entanto, em 2016, o Brasil identificou segundo dados do INEP, apenas, 13.00017
alto-habilidosos matriculados nas escolas brasileiras, ou seja, menos de 1% da demanda
sugerida pela bibliografia especializada.
Os estudos científicos, sobre os indivíduos “mais capazes” que a média dos humanos,
tiveram origem no século XIX, com os trabalhos de Francis Galton18. Entretanto, foi com as
pesquisas de Lewis M. Terman, nas primeiras décadas do século XX, que a área despontou
como foco do interesse acadêmico. Seu trabalho que acompanhou, por mais de três décadas,
um grupo de superdotados, serviu como referência para, praticamente, todos os estudos
posteriores na área. Sua escala produzida, a partir de reformulações das escalas de Binet,
indicando que eram considerados indivíduos superdotados aqueles que obtivessem resultados
superiores a 135, no teste de inteligência Stanford-Binet19, foi paradigma durante longo tempo
e, ainda, exerce influência entre pesquisadores da área, psicólogos e professores.
16Segundo os dados preliminares, incluindo escolas estaduais e municipais de áreas urbanas e rurais estão
matriculadas na creche 1.933.445 de crianças; na pré-escola, 3.636.703; no ensino fundamental, 22.720.900;
no médio, 6.770.271 e 2.765.246, na educação presencial de jovens e adultos. Um total de 37.826.565 alunos
matriculados, no Brasil. Já na educação especial são 718.164 matrículas. A assessoria do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informa que os números são parciais e tendem a
crescer. In:http://www.ebc.com.br/educacao/2015/10/mec-divulga-resultados-preliminares-do-censo-
escolar-2015, consultado em 07/10/2016. 17 Cabe destacar que as ações com estudantes alto-habilidosos no Brasil são tão precários que precisamos em
nossas pesquisas recorrer e aceitar números e informações sobre o referido publico, obtidos em na imprensa e
creditados ao INEP e MEC, pois nos sites ou documentos oficiais dos referidos órgãos tais dados não estão
sequer disponíveis para consulta e verificação. 18O primeiro estudo científico registrado sobre superdotados remontam aos relatórios de (Galton, 1869), versando
sobre pesquisas genéticas. Ele tentou demonstrar que as aptidões naturais das pessoas derivavam da
hereditariedade, exatamente da mesma forma que as características como estatura e outros atributos físicos,
conforme (Telford e Sawrey,1988). In: (CAPELLINI, 2005)
19 O teste Stanford-Binet foi durante muito tempo a mais popular e importante ferramenta de medição da
capacidade intelectual dos indivíduos, a famosa curva de Q.I (quociente intelectual) foi base para a formulação de
políticas publicas e base para a ação de gestores e docentes na organização escolar. Tendo sido fundamental para
a definição de quem seriam os sujeitos considerados superdotados.
46
Em relação a forma, como os talentos estão distribuídos na sociedade, Capellini (2005,
p. 2), afirma:
As pesquisas mais respeitadas e mais recentes da área têm chegado à conclusão de
que existem pessoas superdotadas em todas as sociedades, independente de classe
social, condição socioeconômica, credo, cor, etnia e nível de escolaridade
(FREEMAN e GUENTHER, 2000; HALLAHAN e KAUFFMAN, 2003; ROBERTS,
2003).
Assim, os talentos humanos estariam, igualmente, distribuídos entre os indivíduos da
sociedade, independente de diferenças econômicas, culturais, de gênero, étnicas etc. Entretanto,
o que verificamos, na realidade, é que estes indivíduos, não aparecem nas estatísticas
educacionais e debates sobre as escolas públicas e privadas no Brasil.
Não existe, ainda hoje, consenso sobre como explicar os indivíduos com altas
habilidades/superdotação20 e nem sobre a terminologia adequada a utilizar, para nos referir a
estas pessoas21. Renzulli, o mais importante pesquisador na área, atualmente, utiliza o termo
Gifted, traduzido ainda que de modo controverso para o português como Superdotado.
São variadas as possibilidades de ações, para o atendimento aos alunos com AH/SD. No
Brasil, segundo a LDB, estes devem ser atendidos em escolas comuns, conforme Capellini
(2005), dentre as possibilidades de atendimento, as mais aceitas são:
Enriquecimento curricular: consiste no desenvolvimento de atividades, utilizando
técnicas diversificadas de trabalho, com o objetivo de aumentar e aprofundar os
conhecimentos do aluno, na área de seu interesse. Pode ser realizado na própria sala
de aula, com programas curriculares enriquecidos; em grupos, com conteúdo paralelo
ao currículo comum e em grupos especiais, com atividades diferenciadas, em alguns
aspectos da programação normal. É, atualmente, o modelo mais popular e aceito entre
os educadores e pesquisadores da área, porém recebe críticas, devido a nem sempre,
segundo especialistas, ter resultados adequados ao potencial dos alunos.
Aceleração: envolve a transferência de um estudante à frente de seus pares, de mesma
idade, em uma, ou mais áreas, do currículo. Tem sido usado, principalmente, com
estudantes que são extremamente precoces, intelectualmente, permitindo o melhor
aproveitamento do seu tempo livre, em atividades enriquecedoras. É também, um dos
mais polêmicos modelos, envolvendo grande debate entre os pesquisadores e, por
vezes, gerando verdadeiras batalhas judiciais entre famílias e redes de ensino.
20 “Não se sabe ainda a origem da superdotação, mas o pensamento dominante é que seja uma combinação de
causas endógenas (genéticas, congênitas e hereditárias) e fatores ambientais” (HALLAHAN e KAUFFMAN,
2003; ROBERTS, 2003).(CAPELLINI, 2005, p. 3)
21O conceito superdotado tem sofrido modificações, de acordo com a época e o contexto sócio cultural. Por muitos
anos, cientistas definiram crianças superdotadas baseando-se na relação entre habilidades superior e capacidade
intelectual. Em 1958, Abraham (apud TELFORD e SAWREY, 1988) relataram que um de seus estudantes
descobriu 113 definições diferentes dos superdotados, ao preparar uma monografia de final de curso.(CAPELLINI,
2005, p. 3)
47
Segregação: Consiste na separação dos alunos, com altas habilidades/superdotação,
dos demais colegas da turma ou da escola, para que recebam formação especial e
diferenciada, de modo a atender e aproveitar seus potenciais, é o modelo menos aceito
no Brasil, devido seu caráter, amplamente, excludente e elitista. Segundo Renzulli, tal
concepção foi responsável pela dificuldade da área, de altas habilidades/superdotação,
ser aceita durante muitos anos, exatamente por propor um modelo diferenciado e
elitista e que discriminasse os demais estudantes; ainda assim, foi amplamente
utilizado em países como: EUA, URSS e CHINA e se pensarmos nos colégios
públicos brasileiros, que se utilizam de provas de seleção para ingresso, como: os
colégios militares e a rede federal de ensino, por exemplo, talvez devêssemos pensar
na real resistência ao modelo.
Quando pensamos nas condições de trabalho dos professores brasileiros como: número
de alunos por turma, jornada de trabalho, situações de indisciplina, disponibilidade de recursos,
fica evidente que estes são modelos que mesmo o professor, com a melhor das formações e
intenções, teria dificuldade em desenvolver, na rede pública de ensino, colocando-nos diante
de um dilema importante: com as atuais condições de trabalho e organização, dificilmente, um
aluno com AH/SD será identificado e atendido em suas potencialidades; assim como,
dificilmente, os alunos, que encontrem dificuldades de aprendizado, receberão atenção efetiva,
ou seja, ou a escola muda e melhora para todos ou os alto-habilidosos terão poucas chances.
1.5.1 - As Teorias das Altas Habilidades/Superdotação
São muitas as definições para altas habilidades/superdotação, todas estas estão e
estiveram ligadas aos vários conceitos de inteligência existentes ao longo da História. De um
modo geral, o senso comum entende o termo “superdotado” como “mais inteligente” do que
seria normal, ou esperado.
Mesmo que a inteligência venha sendo discutida há muito tempo, temos pouco consenso
sobre o que seria, e um dos grandes desafios, na área, ainda é conceituá-la, Gottefredson (1997),
(apud SILVA, 2005, p.12) apresenta uma descrição aceita, por parte dos estudiosos, da
inteligência:
Inteligência é uma capacidade mental muito geral que, entre outras coisas, envolve a
habilidade para raciocinar, planejar, solucionar problemas, pensar abstratamente,
compreender ideias complexas, aprender rapidamente e aprender da experiência. Ela
não é meramente erudição, ou uma estrita habilidade acadêmica, ou uma habilidade
para fazer testes. Mais do que isso, ela reflete uma mais ampla e mais profunda
capacidade para compreender o ambiente, que nos rodeia - atualizar-se, dar sentido às
coisas ou planejar o que fazer.
48
Gregory (1994), explica que no trabalho de definir a inteligência humana, deparamo-
nos com alguns paradoxos. Um exemplo, interessante, é a relação entre memória e a capacidade
de resolver problemas, como o caso de um aluno inteligente, em uma situação de resolução de
um problema, que pode agir de duas formas: recuperar informação, por meio de sua memória,
para solucionar um problema ou criar uma nova solução, que não existia. Neste caso, temos
formas de ação diferentes, mas, igualmente, consideradas inteligentes. Aquele aluno que
consegue armazenar e utilizar informação e o outro, que mesmo sem informação, soluciona
problemas. Assim, o autor oferece a ideia de dois tipos diferentes de inteligência: a inteligência
“potencial” (com base no armazenamento de informação) e a inteligência “cinética” (com base
em boa capacidade de resolução de problemas).
Os conceitos do que seriam as AH/SDvariam, conforme a compreensão vigente do que
viria a ser a inteligência. Smith (2001), indica vários autores que utilizam modelos teóricos
sobre superdotação, os quais levam em conta diferentes capacidades cognitivas, habilidades ou
inteligências, como: Gardner (1983), Sternberg (1985), Feldhusen (1992), e Gagné (1995).
Temos, também, os pesquisadores que defendem a existência do chamado fator “G”,
para estes, a inteligência é uma capacidade, geneticamente, programada e que está além das
diferentes descrições de habilidades possíveis, na cultura humana. Deste ponto de vista, a
inteligência é um conceito único, unidimensional e que pode ser medida pelos “Testes de
Inteligência” Freitas e Negrini (2008). “O fator “G” é uma habilidade comum, que permeia
todos os tipos de entendimento humano e solução de problemas, é como uma energia mental
essencialmente biológica” Almeida (2002), e Silva (2005).Estas concepções de inteligência
foram hegemônicas, por boa parte do século XX e responsáveis pela maior parte das ideias
sobre AH/SD, que tivemos na educação brasileira e ocidental.
Na segunda metade do século XX, temos o surgimento da noção, hoje, dominante, de
que os humanos possuiriam diferentes inteligências, ainda que estes autores não neguem,
exatamente, o fator “G”. Entre estes pesquisadores, o mais conhecido é Howard Gardner, que
tem grande influência na forma como compreendemos a inteligência, atualmente e peso
significativo, na definição dos conceitos de AH/SD, Gardner (1994, p.7), defende que:
Parece-me, porém, estar cada vez mais difícil negar a convicção de que há pelo menos
algumas inteligências, que estas são relativamente independentes umas das outras e
que podem ser modeladas e combinadas numa multiplicidade de maneiras adaptativas
por indivíduos e culturas.
Este debate não se esgotou e confunde-se com as explicações para a origem do
fenômeno AH/SD e suas relações com fatores genéticos ou ambientais.
49
Inúmeros pesquisadores buscaram a confirmação da inteligência, como algo herdado
geneticamente e, atualmente, há uma certa compreensão quanto ao fato de evidências indicarem
uma relação entre genética e a ocorrência de AH/SDWinner (1998).
Consideramos esta polêmica importante, pois a depender da compreensão sobre a
inteligência humana, teremos posições diversas em relação aos estudantes, por parte de escolas
e professores e acreditamos que a explicação da inteligência humana, a partir da dicotomia
genética/cultura, seja uma das grandes responsáveis pelo quadro de invisibilidade dos talentos
humanos, que vivenciamos em nossas escolas.
Acreditando que a inteligência e capacidade cognitiva humana sejam fruto de herança
genética, os docentes deparam-se, diariamente, com levas de crianças com dificuldades, em
aprender os conteúdos escolares; alunos que fracassam nas avaliações e percursos escolares, e
que, muitas vezes, terminam por se evadir, da escola. Diante do dilema de notar que muitos
destes alunos, com “dificuldade” em aprender, são crianças espertas, falantes, bem relacionadas
em seus meios sociais e que, frequentemente, trabalham e ajudam a manter suas casas, somadas
as frustradas tentativas de obtenção de laudos médicos, sobre suas dificuldades, os educadores
criam a ideia de que estes alunos “não nasceram para estudar”, ou seja, não possuem
capacidades intelectuais e personalidades adequadas ao ambiente escolar.
Esta ideia fundamenta-se na perspectiva de que os pais destes alunos, grande parte
pessoas que, também, viveram situação de fracasso escolar, não lhes teriam legado capacidades
intelectuais adequadas para os estudos. Quando um aluno, com dificuldades, possui um irmão
na mesma escola, também, com dificuldade escolar, a explicação da genética confirma-se. A
incapacidade de aprender seria herdada, geneticamente, segundo tais ideias. Estas concepções
não costumam ser ventiladas, abertamente, mas diante da dificuldade, em explicar os porquês
que um aluno não aprende, a mesma sempre surge.
Por uma questão de lógica, estas concepções docentes, profundamente, enraizadas no
senso comum e como vimos, com amparo da ciência, funcionam, também, para explicar as
AH/SD. Se herdamos incapacidades, herdamos, também, potencial superior. Deste modo, não
é raro um aluno prodígio ser apresentado por professores ou jornalistas, como fruto de uma
carga genética ótima.
A partir destas concepções, as escolas passam a se eximir da tarefa de refletir sobre
como ensinar a quem encontra dificuldade ou facilidade, traçando seu objetivo entre a massa
considerada mediana.
E assim, atuando em escolas, com grande número de alunos fracassando nos estudos,
em meio a populações pobres, com familiares mais velhos analfabetos e os mais jovens
50
experimentando o chamado analfabetismo funcional; os educadores centrados na concepção
genético/inatista de inteligência,passam a acreditar que a herança genética daquele grupo social
não é adequada à procura de alunos com altas habilidades.
A outra ponta da dicotomia é a de que a inteligência, seria o resultado das influências
ambientais sobre os indivíduos, pura e simplesmente. Nesta concepção, sujeitos expostos a
ambientes culturalmente estimulantes e escolares, desenvolveriam capacidades intelectuais
superiores aos dos que vivem uma vida privada destes estímulos culturais e cognitivos.
Os defensores da ideia que a inteligência não seja herdada geneticamente, encontram
nesta teoria uma boa defesa, que se confirma em estatísticas dos institutos de pesquisa, as quais
mostram, a correlação entre pobreza e fracasso escolar, bem como, entre capital cultural,
econômico e sucesso acadêmico. Os pobres fracassam, inevitavelmente e estatisticamente, mais
que os ricos, tal concepção explicaria o fracasso escolar, e se constituiu em ideia importante,
no campo educacional, a teoria da carência cultural. Segundo esta teoria, os pobres vivenciam
experiências culturais pobres e até degenerantes, desde o nascer e, assim, quando vão às escolas,
seu potencial acadêmico já está prejudicado, cabendo à instituição escolar compensar tal
carência, o quanto possível.
A partir desta ideia, os alunos, filhos da classe trabalhadora, teriam um destino que os
encaminharia ao fracasso e, que apenas com muito esforço e luta, por parte dos educadores, tal
destino poderia ser evitado. Temos aqui uma perspectiva determinista, que torna insensata a
ideia de buscar pessoas com AH/SD, em escolas repletas de pobres.
Portanto, a dicotomia nature x nurture, na compreensão da inteligência, é parte
importante, na produção da invisibilidade das AH/SD e, consequentemente, da produção do
fracasso escolar.
Mas, a partir da década de 1970, alguns pesquisadores da inteligência e das AH/SD
iniciam um movimento de busca por explicações, para as capacidades humanas, que tentasse
romper a dicotomia genética x ambiente. Gagné (2009), por exemplo, coloca, de forma clara,
uma visão de interação entrefatores genéticos e ambientais. Segundo o autor: “as habilidades
de uma pessoa não são inatas, nem irão surgir “de repente”, durante o desenvolvimento da
pessoa, mas o desenvolvimento de talentos requer atividades de treinamento e aprendizagem
estruturados”.
Assim, as explicações baseadas em fatoresinatos ou fatores ambientais isolados, pouco
a pouco, vão sendo consideradas insuficientes para a compreensão do fenômeno pela maior
parte dos teóricos da área. A partir desta nova demanda, as linhas teóricas de autores como:
Sternberg (1985), Renzulli (2004), e Gagné (2009), apontam a conclusão de que não é
51
possívelseparar fatores envolvidos, na manifestação de altas habilidades/superdotação, em dois
polos: BIOLÓGICO X AMBIENTE.
A diversidade de concepções de altas habilidades segue vasta, segundo Anjos (2011),
são muitos os modelos explicativos para as AH/SD, dentre estes destacam-se:
Temos diferentes modelos explicativos de superdotação, destacando as teorias e seus
respectivos autores: Teoria Triárquica da Inteligência, de Sternberg; o Modelo
Diferenciado de Sobredotação e Talento de Gagné; a Teoria das Inteligências
Múltiplas de Gardner, a Concepção de Sobredotação dos Três Anéis de Renzulli e o
Modelo Multifatorial da Sobredotação de Mönks.
O perfil da pessoa com AH/SD é, também, bastante diverso e contempla uma variedade
grande de características, habilidades, competências e comportamentos; suas áreas de interesse
e excelência variam por todo o espectro da produção humana, neste sentido Marques (2011, p.
55), corrobora este quadro:
Os alunos com Altas Habilidades/Superdotação não compõem um grupo homogêneo,
vários autores defendem essa ideia (WINNER, 1998; ALMEIDA & CAPELLINI,
2005; SABATELLA, 2005; GUENTHER, 2006; ALENCAR & FLEITH, 2007;
VIRGOLIM, 2007; CUPERTINO, 2008), alguns, diretamente, ao afirmá-la e outros
apresentando diferentes tipos de pessoas, que podem ser caracterizadas como pessoas
com altas habilidades/superdotação, apesar de suas diferenças.
A primeira característica deste público é o fato de se destacar, de alguma forma, em
relação a seus pares da mesma idade, por apresentar capacidade superior. Hallahan e Kauffman
(2005) (apud GUENTHER, 2006).
Segundo Marques (2011, p. 56), a maioria dos alunos com AH/SD apresenta habilidades
superiores em, apenas, uma ou em algumas áreas específicas: matemática ou música, por
exemplo. Entretanto, é comum que gestores edocentes imaginem os indivíduos com AH/SD, a
partir do que Winner (1998), denomina de alunos globalmente superdotados, ou seja, aqueles
que se destacam em todas as áreas do conhecimento.
O problema gerado por essa concepção, baseada em senso comum, é que os alunos
globalmente superdotados são minoria, dentro do universo de pessoas com altas
habilidades/superdotação e tal concepção contribui, de forma significativa, para a não indicação
de um estudante à avaliação sobre AH/SD.
Muitos docentes, em nossa pesquisa, relataram não considerar que o caso de algum
estudante talentoso se tratasse de AH/SD, exatamente, pelo fato da criança ou adolescente não
apresentar rendimento, igualmente superior, em todas as áreas do conhecimento.
52
Mas quando levados a refletir sobre as probabilidades de que alguém se torne,
igualmente, competente em música, esportes, poesias e matemática, os docentes, rapidamente,
percebem o equívoco e passam a indicar nomes de potenciais alto-habilidosos, alegando que a
dinâmica escolar, em que um aluno precisa estudar e mostrar resultado, simultaneamente, em
muitas áreas, acaba contribuindo para este quadro.
1.5.2 A Teoria dos Três Anéis de Joseph Renzulli e Outras Teorias das AH/SD
Desta forma, Renzulli acredita que o termo “superdotado” é inapropriado e
contraprodutivo para fins de identificação e propõe que a ênfase deva ser retirada
doser/não ser portador de altas habilidades, para “desenvolver comportamentos” de
superdotação, naqueles jovens que têm o maior potencial para se beneficiar de
serviços de educação especial.(VIRGOLIM, 1993, p. 13)
A mais importante e aceita teoria para explicar as altas habilidades/superdotação,
inclusive, seguida pela maioria dos pesquisadores e órgãos oficiais brasileiros, é a Teoria dos
Três Anéis, de Joseph Renzulli.
Renzulli (2004), defende que existam, basicamente, dois tipos de superdotação: a
escolar-acadêmica e a criativa-produtiva. O superdotado acadêmico é aquele que consegue
grande destaque, em sua trajetória escolar, em geral, chama a atenção dos professores pelo seu
rendimento, envolvimento e rapidez com que executa as tarefas; ele apresenta as capacidades
acima da média, exatamente, nos quesitos avaliados pelos testes tradicionais e, normalmente,
tem facilidade em obter notas altas, vencendo o material curricular, com desenvoltura.
O superdotado produtivo criativo nem sempre é o aluno que se destaca nos estudos, por
obter os melhores resultados, não são reconhecidos nas técnicas tradicionais de avaliação de
Q.I., caracterizam-se pelo seu envolvimento e interesse voltados para um problema real.
Segundo Renzulli, a pessoa superdotada é aquela que se encontra na confluência de três
anéis, os quais representam características humanas: habilidade acima da média, criatividade e
envolvimento com a tarefa, Almeida e Capellini (2005), Como podemos ver figura:
Figura 01: Representação gráfica da Teoria dos Três Aneis, presente em (Virgolim, 2007).
53
Segundo Anjos (2011), a definição para cada uma destas características seria:
1-Habilidade Superior à Média (geral): “consiste em elevados níveis de abstração,
adaptações para novas situações e rápida recuperação da informação; Habilidade
Superior à Média (específica): refere-se à aplicação de habilidades gerais, em
especificas áreas do conhecimento, capacidade de [...]adquirir e usar conhecimento
avançado, enquanto resolve um problema.”
2-Compromisso na Tarefa: “envolve a capacidade para elevados níveis de interesse e
entusiasmo, trabalho persistente e determinação, em uma área em particular,
confiança e direção para obter resultados[...]”
3-Criatividade: “consiste na fluência, flexibilidade, originalidade de pensamento,
abertura para novas experiências e ideias, curiosidade[...]”
A definição de Renzulli (2004), foi aceita, por boa parte dos pesquisadores e
profissionais da educação especial, por romper com a rigidez das seleções, via testes de Q.I. e
permitir que novas formas de identificação e perfis de estudantes fossem avaliados como
pessoas com AH/SD.
Seus trabalhos tiveram considerável impacto, na área da Educação Especial, pois além
da identificação, ocorreu garantia de novas formas de atendimento aos alto-habilidosos,
enfocando uma amplitude das diferentes áreas gerais de desempenho, permitindo acolher como
crianças com altas habilidades/superdotação, aquelas que apresentam habilidades acima de
média, envolvimento com a tarefa e criatividade, em qualquer das diferentes áreas, Matemática
, Filosofia, Religião, Ciências da Vida, Artes Visuais, Ciências Sociais, Linguagem, Ciências
Físicas, Direito, Música, Artes Performáticas etc. como nos mostra Virgolim (2007, p.36).
Entretanto, acreditamos que exista, ainda, o problema de considerar que as
característicasque indicariam a possibilidade de uma pessoa ter altas habilidades/superdotação,
sejam tratadas, ingenuamente, como inatas e desconsiderem que habilidade acima da média,
envolvimento com a tarefa ou mesmo criatividade têm grande relação com determinantes
culturais. Por exemplo, não considerar o papel do capital cultural, na habilidade acima da média
54
de um indivíduo, pode nos conduzir a equívocos importantes; bem como, não avaliar o peso de
fatores biográficos e mesmo de um certo ethos familiar ou de grupo, para entender o maior
envolvimento com a tarefa de alguns indivíduos, pode nos impedir de conhecer, melhor, este
universo dos estudantes, altamente envolvidos com seus afazeres escolaresou com alguma área,
que decida se envolver. Afinal, muitas coisas podem fazer alguém decidir ou precisar se
envolver com uma dada tarefa, em intensidade acima da média, como: pressão familiar,
exemplo de irmãos bem-sucedidos; ética religiosa, estas são apenas algumas das variáveis a
serem consideradas.
Sobre a habilidade acima da média e a importância de um olhar mais atento e
abrangente, Freitas e Pérez (2010, p.16), indicam-nos:
A habilidade acima da média pode ser detectada tendo como referência um grupo
homogêneo de pessoas (por exemplo, os alunos de uma mesma turma escolar), da
mesma faixa etária e, aproximadamente, da mesma origem socioeconômica (já que as
oportunidades de expressão das AH/SD estão estreitamente vinculadas ao contexto).
Mesmo a criatividade, aparentemente, o fator mais associado a caracteres individuais,
deve ser analisada com um pouco mais de cuidado, pois existe pouca probabilidade de
conhecermos sujeitos criativos, sem que, antes, dominem, consistentemente, uma determinada
área do conhecimento humano
Sobre o impacto de fatores culturais, no desenvolvimento da criatividade e, assim,
trabalhando no sentido de superar a noção de criatividade, como fruto da inspiração ou dom,
temos autores que chamam a atenção para fenômenos importantes, como:
Muitos são os fatores que afetam a expressão da criatividade. Alguns destes fatores
dizem respeito ao indivíduo, outros ao ambiente de trabalho e ainda outros à dimensão
histórica e cultural da sociedade. Observa-se que as primeiras pesquisas na área se
restringiram sobremaneira à dimensão psicodinâmica da criatividade. Estas
apontavam para características do indivíduo, estilos de pensamento, abordagens para
resolução de problemas, traços de personalidade e motivação, deixando de lado as
implicações do contexto sócio-histórico mais amplo. Uma exceção foi a contribuição
de Vygotsky, no início da década dos 30, na União Soviética, que levou em conta o
papel do social na criatividade, a partir de sua concepção sobre o desenvolvimento
histórico-cultural das funções psíquicas superiores (Vygotsky, 1931/1980, 1932/1990,
1931/1991). Suas concepções gerais em relação à criatividade tiveram interessantes
desdobramentos, em diversos autores soviéticos, entre os quais se destacam Pushkin
(1980) e Ponomariov (1973, 1976, 1987). Em anos recentes, o papel vital das forças
sociais para a criatividade passaram a receber maior atenção, a partir da contribuição
de alguns teóricos, como Amabile (1983, 1990) e Csikszentmihalyi (1988a, 1988b),
nos Estados Unidos. (MARTINEZ, 1998, P.1)
55
Destacamos que alguns autores nacionais arriscam-se por teóricos menos conhecidos,
no Brasil, mas, igualmente importantes, nos debates internacionais sobre as altas
habilidades/superdotação, especialmente, ao proporem novas abordagens para as concepção de
criatividade, dentre estes citamos: Martinez (1998), que nos apresenta as obras de
Csikszentmihalyi (1988), Arieti (1976), e Schwartz (1992). Segundo estes, as ideias sobre
criatividade devem mudar, no sentido de considerarem o universo cultural, onde os indivíduos
estão inseridos, como podemos verificar em Martinez (1998, p.1):
Csikszentmihalyi (1988), contribuiu de forma decisiva para a mudança de enfoque,
na concepção da criatividade e na ampliação dos fatores considerados relevantes, para
a sua compreensão. Lembra ele (Csikszentmihalyi, 1988a, p. 18), por exemplo, que
"estudar a criatividade, focalizando apenas o indivíduo, é como tentar compreender
como uma macieira produz frutos, olhando apenas a árvore e ignorando o sol e o solo,
que possibilitam a vida". Csikszentmihalyi (1988b) sugere a necessidade de uma
mudança de foco no seu estudo, destacando que "nós necessitamos abandonar a visão
ptolomaica da criatividade, na qual a pessoa é o centro de tudo, para um modelo mais
copernicano, no qual a pessoa é parte de um sistema de influências e informações
mútuas" (p. 336), tendo proposto uma teoria sistêmica, que inclui forças sociais,
culturais e da pessoa para explicar o fenômeno da criatividade.
Arieti (1976) e Schwartz (1992), destacam que a criatividade não ocorre ao acaso,
sendo antes, profundamente, influenciada por fatores ambientais, considerando os
momentos de criação como resultantesde complexas circunstâncias sociais. Schwartz
lembra, por exemplo, que a criação da maneira comoé idealizada por muitos,
atualmente, é uma ilusão, por concebê-la apenas como um fenômenointrapsíquico,
focalizando apenas a dimensão do indivíduo e deixando de lado forças políticas
esociais. Por outro lado, Arieti ressalta o papel vital da sociedade, chamando a atenção
para osfatores sociais e ambientais, que influenciam e inspiram a criatividade. De
forma especial, apontaArieti para algumas culturas e alguns momentos da História,
que têm promovido a criatividade maisdo que outras, detendo-se na identificação de
características específicas dessas sociedades, quepromovem condições propícias à
produção criativa.(Martinez, 1998, p. 1)
Estes teóricos indicam que devemos seguir caminhos distintos da tendência, de atribuir
preponderância à genética, na constituição das altas habilidades/superdotação, quando, na
verdade, temos uma rede complexa de relações e interações, que atuam na formação das
subjetividades humanas e, consequentemente, em suas capacidades/habilidades, citando os
referidos teóricos Martinez (1998), e Fleith (2003), respectivamente, alertam-nos:
Arieti (1976), ilustra o primeiro fator – disponibilidade de meios culturais e mesmo
físicos, lembrando, por exemplo, que Beethovenjamais poderia ter surgido na África,
do século XVIII, dada a inexistência de condições propícias ao estudo da música
erudita, naquele continente. Arieti vai além, apontando para o fato de que, mesmo na
Inglaterra, país próximo à Alemanha onde Beethoven nasceu, este compositor teria
apenas uma chance mínima de se transformar no grande gênio da música clássica que
foi, uma vez que a Inglaterra não dispunha do patrimônio cultural suficiente para o
desenvolvimento musical, embora se destacasse em outras áreas, como Filosofia,
Ciências e Literatura. Além do patrimônio cultural, também indispensáveis são os
meios físicos, que variam de área para área, como acesso a equipamentos científicos,
56
revistas especializadas, mármore, madeira, tinta, partituras, instrumentos musicais
etc.(MARTINEZ, 1998, p. 1).
Csikszentmihalyi (1988b) defende a idéia de que o foco dos estudos em criatividade
deve ser nos sistemas sociais e não apenas no indivíduo. Para ele, o fenômeno
criatividade é construído por meio da interação entre o criador e a sua audiência.
Conforme explica Csikszentmihalyi (1996), “criatividade não ocorre dentro dos
indivíduos, mas é resultado da interação entre os pensamentos do indivíduo e o
contexto sociocultural. Criatividade deve ser compreendida não como um fenômeno
individual, mas como um processo sistêmico”(p. 23). Neste sentido, mais importante
do que definir criatividade é investigar onde ela se encontra, ou seja, em que medida
o ambiente social, cultural e histórico reconhece, ou não, uma produção criativa.
Portanto, criatividade não é resultante do produto individual, mas de sistemas sociais
que julgam esse produto (Csikszentmihalyi, 1999).(FLEITH, 2003, p. 6)
Renzulli (2004), não foi o único a questionar o modelo de inteligência baseado nos
escores de Q.I. , por não acreditar que os testes de Q.I. fossem suficientes para medir os tipos
de inteligência. Sternberg (1996a, 1996b, 1996c) apud Virgolim (2007), desenvolveu a Teoria
Triádica da Inteligência, sendo que para o autor há três formas de inteligência e,
consequentemente, uma pessoa demonstra altas habilidades/superdotação ao se destacar em
uma ou mais delas: Inteligência Analítica, Inteligência Criativa, Inteligência Prática.
Outro modelo teórico importante e influente, nas AH/SD, é o desenvolvido por
Feldhusen (1982). Para este autor, há fatores que são fundamentais, no desenvolvimento do
talento: capacidade intelectual geral acima da média; autoconceito positivo (percepção da
própria capacidade e eficiência); motivação quanto ao aprendizado; talento pessoal, na área
acadêmico-intelectual e artístico-criativa.
Finalmente, temos a teoria para as altas habilidades/superdotação desenvolvida por
Gagné (2009), o Modelo Diferenciado da superdotação e Talento, o qual parte da distinção
entre os conceitos de dotação e talento, como sugere o próprio nome.
Conhecido pela siga DMGT – Differentiated Model of Giftedness and TalentGagné
(2009), trabalha com as seguintes definições para dotação e talento:
Dotação designa destacar-se na posse e no uso de habilidades naturais, chamadas
aptidões, em pelo menos um dos domínios descritos no modelo. O grau de destaque
deve posicionar o indivíduo entre os 10% superiores, em relação aos seus pares, de
mesma idade.
Talento designa o domínio destacado de habilidades desenvolvidas,
sistematicamente, chamadas competências (conhecimento e habilidades), em pelo
menos um dos campos de atividade humana descritos no modelo. Este domínio deve
atingir um grau tal, que posicione o indivíduo entre os10% superiores, em relação aos
seus pares, de mesma idade, que estão, ou estiveram ativos, naquele campo específico.
Ou seja, para Gagné (2009), o conceito de AH/SD parte da ideia de que seria possível
separar, no desenvolvimento humano, as habilidades e capacidades que teriam origem cultural,
daquelas de origem biológica. A teoria deste autor é importante, pois é a base dos trabalhos de
57
Guenther (2010), sendo aplicada naquele que, talvez, seja o maisestruturado e destacado centro
de atendimento às pessoas com AH/SD, no Brasil: o CEDET-Lavras. O fato de seguir as teorias
de Gagné, enquanto, a maioria dos pesquisadores trabalha com o referencial teórico de Renzulli
(2004), é responsável por parte das polêmicas e disputas na área, entre Guenther e os
pesquisadores brasileiros.
Assim, apesar de ainda termos teóricos que defendem a biologia como explicação para os
talentos humanos, a partir dos anos de 1990, começam a ganhar força pesquisas, que se
concentram na análise da interação de fatores biológicos e culturais para entender as AH/SD,
em especial, aqueles relacionados ao contexto social e emocional dos sujeitos alto-habilidosos,
como nos destacaAnjos (2011, p. 20):
[...] há investigações que destacam o desenvolvimento sócio emocional destes alunos
e os padrões de interação sociais, que têm caracterizado a cultura e o clima relacional
favorável ao desenvolvimento da criatividade, da motivação e das habilidades gerais
e específicas dos alunos, seja em casa, na escola ou nas organizações (BLOOM, 1985;
STERNBERG, 1988, 1999; AMABILE, 1989; CSIKSZENTMIHALYI,
RATHUNDE & WHALEN, 1993; SIMONTON, 1994, 2002; MARTINEZ, 1995;
GUENTHER, 2000; ALENCAR, 2001; ALENCAR&FLEITH, 2001; MENCHÉN,
2001; ROMO, 2001; TORRES, 2001; NEIHART, REIS, ROBINSON & MOON,
2002). Este [...] grupo de investigações...que enfatiza o papel das forças relacionais e
sócioculturais, parece ter ganhado mais campo a partir da década de 90. Nota-se,
portanto, um crescente interesse em se compreender mais o que ocorre entre o
indivíduo e seu contexto, ao invés de investigar o indivíduo isolado de suas relações.
Sobre o desenvolvimento de estudos e teorias que levam em questão os fatores sociais,
no desenvolvimento do talento, a autora nos alerta:
Atualmente, as questões contextuais que mais têm recebido a atenção dos autores, na
área da criatividade e da superdotação são: as experiências de socialização da criança,
no contexto familiar e escolar; estilos parentais; os climas familiares, educacionais e
organizacionais; forças do contexto sociocultural e as oportunidades sinalizadas em
um tempo histórico, que atuam como cenário, em que os participantes ativos da trama
investigada se constroem como indivíduos talentosos (BLOOM, 1985;STERNBERG,
1988, 1999; AMABILE, 1989; CSIKSZENTMIHALYI, RATHUNDE & WHALEN,
1993; SIMONTON, 1994, 2002; MARTINEZ, 1995; GUENTHER, 2000; ROMO,
2001; TORRES, 2001; MENCHÉN, 2001; ALENCAR, 2001; ALENCAR &
FLEITH, 2001; NEIHART, REIS, ROBINSON & MOON, 2002). Esses
determinantes sócio-histórico-culturais têm sido considerados como fundamentais na
busca de uma compreensão mais holística e sistêmica dos fenômenos ligados à
superdotação.(ANJOS,2011, p. 20)
Portanto, existe, atualmente, certo consenso teórico em entender as AH/SD como o
resultado das interações entre fatores biológicos e ambientais. A maior parte das definições
propostas, nas últimas décadas, de acordo com Alencar e Fleith (2001), têm enfatizado que a
superdotação não seria um atributo do indivíduo e, sim, resultado da interação do indivíduo
58
com o seu ambiente (GARDNER, 2000; RENZULLI, 1986; RENZULLI e REIS, 1997;
STERNBERG, 1991; VAN TASSEL-BASKA, 1998 apud ALENCAR e FLEITH, 2001).
Desta forma, a partir destas concepções teóricas sobre as altas habilidades/superdotação,
e conscientes de que o fenômeno da invisibilidade não é restrito apenas à rede de ensino
estudada durante o trabalho, é que propomos uma metodologia de pesquisa que integre
abordagens metodológicas e teóricas que seja capaz de tratar dialeticamente os condicionantes
da invisibilidade ligados aos sujeitos docentes, as suas redes de ensino e finalmente a própria
estrutura da sociedade capitalista.
CAPÍTULO II
INVISIBILIDADE: QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Por sua vez, a abordagem crítico-dialética reconhece a ciência como produto da
historia, da ação do próprio homem, que esta inserido no movimento das formações
sociais. Neste sentido, encara a ciência como uma construção decorrente da relação
dialética entre o pesquisador e o objeto envolvidos em determinada realidade
59
histórica. O processo de construção do conhecimento vai do todo para as partes e
depois das partes para o todo realizando círculos de síntese conforme o contexto, com
necessidade de aproximação e, às vezes, de afastamento do pesquisador em relação
ao objeto. (CUNHA, SOUSA; SILVA, 2014, p.2)
Durante o levantamento inicial sobre o problema de nossa pesquisa, verificamos que o
quadro de invisibilidade dos alunos, com AH/SD, não era uma questão circunscrita, apenas, à
cidade pesquisada. Inúmeros trabalhos científicos denunciam o quadro de descaso e
invisibilidade da população de alunos alto-habilidosos, no Brasil.
São muitos os casos descritos de cidades, que possuem um número reduzido e, por
vezes, inexistente de crianças identificadas e/ou atendidas como pessoas com AH/SD. A
denúncia da subnotificação deste público, na rede educacional brasileira, é objetivo de denúncia
de, praticamente, todas as pesquisas na área realizadas no país. Não se começa um único
trabalho, com esta temática no Brasil e quiçá, no exterior, sem a apresentação do quadro
desolador de identificações e atendimentos de alunos com tal perfil.
Nosso problema de pesquisa: “A situação de invisibilidade das crianças superdotadas
na cidade onde atuamos”, precisaria ser respondida de modo integrado, com um problema mais
amplo: “Explicar o fato de alunos com altas habilidades/superdotados serem ignorados em,
praticamente, todas as realidades educacionais brasileiras”.
Conforme, avançávamos na pesquisa, verificávamos que a situação de invisibilidade,
apresentavam-se, também, em outros países, destacamos aqui os casos de países: latino-
americanos, europeus e os Estados Unidos da América, onde as denúncias de invisibilidade
ocorrem, praticamente, da mesma forma que no Brasil.
O professor da Universidade do Minho, em Portugal, Leandro Almeida é um dos muitos
pesquisadores que notifica o não atendimento aos superdotados, em seu país e afirma-nos:
“Uma clientela escolar específica, que não tem sido, sistematicamente, atendida pela escola, é
formada pelos alunos superdotados”. (ALMEIDA, 1994, p. 5).
Na Espanha, a situação, também, não é diferente; Alonso (2006), descreve um quadro,
onde mais da metade dos estudantes, alto-habilidosos, não são identificados.
No caso dos Estados Unidos, são muitos os exemplos de autores que denunciam o fato
dos estudantes com AH/SD, não serem identificados e atendidos no país e, dentre estes,
destacamos a publicação do periódico, organizado por Colangelo (2004): “Uma Nação
Enganada: de que formas as escolas reprimem os estudantes mais brilhantes dos Estados
Unidos da América”, em que, com apoio do Conselho Nacional para Superdotação, daquele
60
país, as autoras discorrem sobre a tradição das escolas estadunidenses em não reconhecer e
identificar seus alunos com AH/SD. Nas primeiras páginas, Colangelo (2004, p.3) afirma:
Quem olha os estudantes mais brilhantes nos Estados Unidos? Anualmente, em toda
a nação, reprimem-se estudantes, que deveriam avançar em seu ritmo natural. A
milhares de estudantes se diz que reduzam as suas expectativas e que coloquem seus
sonhos em espera. Qualquer coisa que desejem fazer, segundo seus mestres, pode
esperar.
Estes são apenas alguns, dos muitos estudos internacionais, que apontam a grande
quantidade de estudantes, com AH/SD, que não são identificados e atendidos, confirmando,
portanto, o quadro de invisibilidade já descrito pelos pesquisadores brasileiros.
Constatada a invisibilidade dos estudantes com AH/SD, tanto na cidade pesquisada,
como nos cenários nacional e internacional. Entendemos que precisaríamos construir nosso
percurso de pesquisa, buscando integrar a questão localizada, na cidade pesquisada, ao cenário
nacional de atendimento aos alto-habilidosos. Se o problema era generalizado pelas escolas,
das mais diversas realidades educacionais, mantendo-se em estados e municípios diferentes e
até, em países diversos, seria necessária uma abordagem teórico-metodológica que superasse a
visão local. O resultado foi uma abordagem de pesquisa, que sem negar ou negligenciar o papel
das informações locais, colhidas nas escolas com os profissionais da educação, buscou articulá-
las com contextos e cenários mais abrangentes.
Buscando informações, que possibilitassem confirmar ou negar as principais hipóteses
sobre as causas da invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação, precisamos
apurar o olhar sobre as informações, que os envolvidos com educação de alunos alto-
habilidosos traziam-nos, de modo que, pudéssemos compreender este curioso e poderoso
processo, que torna os alunos, supostamente, mais visíveis, em invisíveis.
Como entender que alunos com boas notas, intervenções inteligentes, potencial e
desempenho superiores à média, não fossem notados, ou chamassem a atenção em sala de aula?
Partimos dos ensinamentos de Queiroz (1988, p.14), que nos alertam para a necessidade
de superar a dicotomia qualitativa/quantitativa, nas pesquisas em humanidades e da crença de
que exista pesquisa que seja, puramente, quantitativa. Assim, necessitamos de uma
metodologia que combinasse métodos ditos empíricos e quantitativos, com análises teóricas da
questão e qualitativas, desta forma, seguimos a trajetória, que descrita a seguir.
Buscamos, durante a pesquisa, articular a realidade educacional da rede de ensino
pesquisada e seus motivos para a invisibilidade, com as questões relativas às AH/SD, que
estivessem atreladas aos cenários mais vastos. Acreditamos, que nem todos os motivos da
61
invisibilidade, que verificaríamos, seriam os mesmos que os encontrados em contextos
diferentes, uma vez que, não negamos que as questões locais interferem no problema, mas,
partimos da prerrogativa de que seria fundamental a analogia local-geral, se pretendíamos
buscar respostas, que tivessem suporte teórico.
Neste sentido, o texto de Oliveira (2001): “A dialética do Singular-Particular-
Universal”, serviu de suporte para a constituição teórico/metodológica de nosso trabalho e
orientação de nossas análises. Deste modo, o desafio da pesquisa foi articular análises e
metodologias, que tornem possível entender de modo dialético as relações entre indivíduos e
sociedades na forma como interferem nos olhares e posicionamentos dos sujeitos, em suas
singularidades, sejam estes gestores, professores ou alunos sobre o problema de pesquisa.
Teremos assim, o fenômeno das AH/SD analisado, nas expressões da singularidade dos
indivíduos, seja a própria habilidade/capacidade/talento, seja a disposição do professor ou
gestor em entender as desigualdades das capacidades humanas e seu atendimento.
Analisamos o problema, a partir da perspectiva de que as capacidades humanas
formam-se em determinadas particularidades e contextos, ou seja, a partir de uma base material
e histórica, que tanto permite a manifestação e desenvolvimento de habilidades superiores e/ou
inferiores, como influência a disposição menor ou maior das escolas e seus profissionais em
notá-las e atendê-las, bem como, na forma como explicações para a situação são formuladas,
disseminadas e defendidas sobre as AH/SD.
Finalmente, consideramos que há um traço de universalidade, no talento e capacidade
humana e, pensar nas crianças e jovens alto-habilidosos, encaminha-nos para a reflexão acerca
do quanto a particularidade vivida pelos sujeitos, têm impedido os indivíduos, de desenvolver,
e expressar seu potencial. Podemos verificar, de modo mais elaborado, a relação dialética que
buscamos, na abordagem do problema de pesquisa e constituição de nossa metodologia, nas
palavras de Oliveira (2001, p. 1):
Considerando-se a concepção histórico-social de homem, cuja matriz principal é a
obramarxiana, [...] fundamenta-se, necessariamente, na compreensão de como a
singularidade se constrói na universalidade e, ao mesmo tempo e do mesmo modo,
como a universalidade se concretiza na singularidade, tendo a particularidade como
mediação. E por quê? Para essa concepção de homem, o homem singular (que aqui
será chamado de indivíduo) não é um ser que traria já, dentro de si mesmo, ao nascer,
essa essência delimitada e que, por isso, esse homem poderia existir isoladamente,
sendo a sociedade somente o ambiente, através do qual essa sua essência se
desenvolveria. De modo algum! Segundo a mencionada concepção histórico-social, o
homem singular é um ser social, uma "síntese de múltiplas determinações" (Marx,
1983a). Em outras palavras: é uma síntese complexa em que a universalidade se
concretiza histórica e socialmente, através da atividade humana, que é uma atividade
social - o trabalho -, nas diversas singularidades, formando aquela essência. Sendo
assim, tal essência humana é um produto histórico-social e, portanto, não biológico e
62
que, por isso, precisa ser apropriada e objetivada por cada homem singular, ao longo
de sua vida em sociedade. E, portanto, nesse vir-a-ser social e histórico que é criado
o humano no homem singular. Como se pode depreender daí, a relação dialética
singular-particular-universal e fundamental e, enquanto tal, indispensável para que se
possa compreender essa complexidade da universalidade, que se concretiza na
singularidade, numa dinâmica multifacetada, através das mediações sociais - a
particularidade.
A partir da abordagem da autora, verificamos como é fundamental a articulação entre
as diferentes esferas de um dado problema, para que possamos evitar leituras equivocadas. A
partir das ideias de Engels em “A Dialética da Natureza”(1979, p. 182-183), a autora mostra-
nos como a construção de conceitos pode partir do singular para chegar ao universal e, como
a partir de informações do universal, podemos passar a conhecer o singular, sempre
determinados pelo particular (a sociedade em que dado conceito ou fenômeno é estudado). A
autora demonstra, como partir de perspectivas que fiquem, apenas, na observação das
singularidades, sem relacioná-las com o que haja de universal e sem levar em conta os efeitos
da particularidade, em sua constituição/formação, pode levar ao erro, que nos mantém escravos
da simples observação, do que seja aparente e superficial.
Durante nossa pesquisa, ao falar sobre as altas habilidades, muitas vezes, vimo-nos
questionados sobre os sujeitos com baixas habilidades, pois inúmeros debates ocorrem a partir
da ideia de se combater os preconceitos que o termo superdotação gera, ao indicar que alguns
sujeitos tenham capacidades ou habilidades superiores aos demais.
Sem uma abordagem, que não perca de vista a universalidade do gênero humano,
realmente, não é possível a superação do problema acima citado, o máximo que conseguiríamos
seria a construção de eufemismos linguísticos e malabarismos conceituais, os quais pudessem
reduzir a carga negativa presente na ideia de que, por alguma razão, certos sujeitos
desenvolvem-se mais que a maioria.
A abordagem apressada, que não supera a superfície da singularidade e olha cada
indivíduo, como uma realidade em si mesmo, não tem como escapar das ideias de inatismo e,
assim, genética, dom, hereditariedade surgem como formas de explicar a situação, contribuindo
para a invisibilidade.
Ao retirar da questão o que ela tenha de universal, perdemos de vista o mais interessante,
que é a possibilidade de avaliar, por meio dos indivíduos alto-habilidosos, o tamanho da
potencialidade do gênero humano.
Olhar os indivíduos com AH/SD, nas salas de aulas, não deve ser entendido como forma
de segregar, mas, como horizonte onde todos podemos chegar, enquanto gênero universal e,
verificar sua invisibilidade, fracasso escolar e situação de pobreza, deve nos indicar o poderoso
63
circuito limitador que é a sociedade, em que vivemos. Oliveira (2001, p.4), indica-nos alguns
caminhos a seguir, na abordagem teórico-metodológica da questão:
Na concepção histórico-social de homem, essa relação só pode ser compreendida
enquanto uma relação inerente a uma outra mais ampla, a qual tem essa primeira
relação citada como sua mediação com o polo denominado "singular". Trata-se da
relação indivíduo-genericidade, isto é, a relação do homem com o gênero humano, o
que inclui, necessariamente, a relação de cada indivíduo singular com as objetivações
humanas, quais sejam, as objetivações concretizadas, historicamente, pelos homens
através das gerações,ao longo de toda a história da humanidade. [...]é preciso
considerar que todo esse processo entre o indivíduo (o singular) e o gênero humano
(o universal) se concretiza na relação, que o indivíduo tem com a sociedade (o
particular).
A referida obra indica-nos caminhos para a compreensão das AH/SD, de modo a superar
as dicotomias natureza/cultura, indivíduos/sociedade, que norteiam parte das pesquisas. Sobre
os modos como podem se constituir as capacidades humanas, citamos Oliveira (2001, p. 5):
A história tem mostrado que essa "objetivação plena" do indivíduo só se dá para
aquele indivíduo que, por determinados motivos e circunstâncias, consegue superar
os limites determinados pela estrutura social em que vive, quer dizer, quando esse
indivíduo consegue concretizar em sua vida, as possibilidades já existentes
apresentadas pelo desenvolvimento do gênero humano, as quais lhe estão sendo
cerceadas, ou mesmo negadas pela estrutura social na qual está inserido. [...] O que
ocorre é que o desenvolvimento do gênero humano tem se efetivado de forma cada
vez maior e mais rápido. Mas, como esclarece Marx (1983c, p. 549), com o
capitalismo, isso tem se dado, contraditoriamente, isto é, as custas da maioria dos
indivíduos. Em outras palavras: o gênero humano tem se tornado cada vez mais livre
e universal, mas essa liberdade e universalidade não se têm verificado na vida da
grande maioria dos homens singulares. Quer dizer, hoje já existem objetivações
genéricas (objetivações do gênero humano), que resolveriam grandes problemas da
humanidade, mas, a estrutura da sociedade em que vivemos não permite que a grande
maioria dos indivíduos tenha acesso a elas. Nesse sentido, esses indivíduos estão
alienados frente a esses produtos da atividade humana.
É neste sentido que podemos iniciar o trajeto rumo à compreensão das AH/SD e sua
formação, começando nossa investigação quanto às causas da invisibilidade. Apenas a dialética,
que relacione indivíduo-sociedade-gênero humano e, assim, singular-particular-universal, pode
levar a teoria, que possibilite a superação das dicotomias sobre o tema.
É nesta concepção, que entenderemos, ao longo de nossa pesquisa, a instituição escolar
e seu papel na educação, o fenômeno da invisibilidade das altas habilidades/superdotação, as
ideias de altas habilidades/capacidades, Oliveira (2001), ensina-nos sobre o pensamento de
Marx:
Para Marx, no entanto, do ponto de vista ontológico, não há antagonismo entre homem
e sociedade, pois, na realidade, são polos complementares de um mesmo processo.
Marx expressa-se, veementemente, contra a concepção de que a sociedade é uma
64
entidade autônoma, que existe acima dos indivíduos. Ele adverte que não há sociedade
independente dos indivíduos. Por outro lado, esclarece que o indivíduo se torna
indivíduo, na sua vida em sociedade e somente nela pode isolar-se.
Deste modo, procuramos, em nosso caminho metodológico, articular análises e
metodologias que possibilitassem, partindo do problema concreto da invisibilidade, transitar
percursos que analisassem o indivíduo com AH/SD e suas relações com a realidade mais
imediata (seu professor, colegas, sua sala de aula, os gestores de sua escola) e fenômenos mais
gerais e característicos da sociedade, em que desenvolvemos nossas pesquisas.
2.1. - A pesquisa bibliográfica e documental
A vida social demanda um suporte material necessário – os homens têm que: comer,
vestir, reproduzir a si mesmos e a sua prole -, mas muito mais que isso, pois os homens
ampliam as suas necessidades. Entretanto, o ponto de partida para essa compreensão
é o entendimento da produção da base material sobre a qual os homens se reproduzem.
(CUNHA, SOUSA; SILVA, 2014, p.55)
Durante nosso trabalho de pesquisa, realizamos um levantamento das obras produzidas,
no Brasil e no exterior, sobre AH/SD, bem como, fizemos o levantamento dos principais
conceitos, problemas, hipóteses e teorias para explicar as AH/SD, de modo a traçarmos um
adequado estado da arte sobre a situação, na realidade brasileira e suas principais características
e desafios, de modo a inserimo-nos no contexto das pesquisas.
Seguimos as ideias de Marx sobre a produção científica e explicitadas por Oliveira
(2001, p. 9), objetivando incorporar as pesquisas sobre o tema, dando-lhes o devido valor, mas,
sem nos restringir às suas conclusões e apontando seus limites e problemas; neste sentido a
autora nos diz:
[...] A questão da relação dialética entre a singularidade, particularidade e
universalidade, na perspectiva marxiana, está, necessariamente, ligada à uma questão
ética-política - a de como se pode conhecer a realidade humana, para transformá-la.
Em um lance de imediatismo de pensamento esse "como se pode conhecer a
realidade" poderia ser considerado dentro de uma perspectiva, meramente, lógica-
epistemológica. No entanto, se ultrapassar esse primeiro momento de imediatismo do
pensamento, é possível notar-se que, para conhecer essa realidade, não basta estar
nela, como uma garantia de já a conhecer, pois se estaria permanecendo no mero nível
da obviedade, já que a realidade não se limita ao imediatamente dado, pensado ou
sentido. Como foi dito anteriormente, essa obviedade impede qualquer pensamento,
mais elaborado, necessário para uma reflexão crítica sobre essa realidade, a fim de
conhecê-la desde suas raízes até suas manifestações, o que, por sua vez, impede uma
efetiva atuação sobre essa realidade, no sentido de transformá-la. É preciso se
considerar, sim, as manifestações fenomênicas, mais imediatas, dos fatos da realidade
em que se pretende atuar, mas, considerá-las como ponto de partida e de chegada da
investigação. É preciso, portanto, ultrapassar os limites dessas manifestações, mais
65
imediatas, para conhecer quais são suas raízes processuais, não imediatamente
perceptíveis, que formam a totalidade, onde tais manifestações são produzidas.
Dizendo de outra forma: é preciso compreender o processo ontológico da realidade
humana e de como esse processo tem se efetivado, historicamente, dentro das relações
sociais de produção.
Apenas o olhar dialético poderá nos levar a compreender como, no exercício de estudar,
pesquisar, atender alunos com altas habilidades e fazermos a denúncia de suas situações de
invisibilidade, acabamos contribuindo para que estes sigam invisíveis e pouco notados, na
realidade educacional brasileira. Neste trabalho, entendemos pesquisadores, professores e
gestores, a partir de um ponto de vista, que os possibilitasse ser agentes da ruptura com a
invisibilidade e, também, seus produtores.
A mesma perspectiva permeia nossas ideias sobre a instituição escolar e seus
trabalhadores. Não nos restringiremos as noções de redentora versus reprodutora da sociedade,
mas, analisaremos a escola como instituição fundamental da sociedade capitalista, essencial na
disseminação da ideologia burguesa e ponto decisivo na reprodução da sociedade de classes,
mas, também, instituição repleta de contradições e passível de ser campo de disputa, que a partir
da crítica, abre-se às possibilidades da manifestação da luta de classes.
A análise da bibliografia do tema é realizada, como forma de obter conhecimentos sobre
as AH/SD, mas, também, tratamos os trabalhos acadêmicos, como fontes documentais da
pesquisa. Este momento que é, tradicionalmente, entendido como parte teórica da pesquisa,
precisará ser ressignificado, pois, ao tratarmos as pesquisas na área, como fontes documentais,
tínhamos, textos, que fariam parte, também, da parte prática da pesquisa.
Estudamos a forma como a produção nacional sobre o tema organiza-se, com destaque
para: o CEDET-Lavras; a produção carioca, por intermédio da UERJ e PUC-RJ; a produção
teórica paulista através dos grupos da UFSCAR e UNESP e, finalmente, as escolas teóricas de
Brasília e Rio Grande do Sul, com a forte influência dos grupos de pesquisas da UFSM , UNB
e UCB.
Neste trajeto de compreender como se organiza o campo de pesquisa ligado a nossa
temática, analisamos um universo que compreende cerca de 300 trabalhos científicos sobre altas
habilidades/superdotação produzidos ao longo do século XX e até o ano de 2016, envolvendo:
teses, dissertações, livros e trabalhos apresentados em congressos, produzidos no Brasil, bem
como, as principais produções desenvolvidas nos EUA, América Latina e Península Ibérica.
Entendemos que tanto o fenômeno das altas habilidades, como a sua invisibilidade
devam ser compreendidos, a partir de uma reflexão sobre a trajetória histórica da temática e
suas relações com o contexto histórico e social, em que se desenrola, no caso, a sociedade
66
capitalista brasileira. Neste ponto, filiamo-nos as ideias de Oliveira (2001), que cita Marx para
refletir sobre a relação história-sociedade e a compreensão da realidade:
É preciso identificar e caracterizar, na própria realidade, as condições histórico-
sociais, que determinam seu modo de ser e suas transformações histórico-sociais para
formular determinada lei e respectiva categoria que represente a singularidade, a
particularidade e a universalidade de determinado processo. Marx utiliza-se dessa
relação dialética, continuamente, em toda sua obra para explicar as múltiplas relações,
que determinam o capitalismo em sua concentricidade.
Como metodologia de análise, partimos da perspectiva de que não podemos
compreender o fato dos “melhores” alunos das escolas serem, sistematicamente, ignorados por
professores, gestores e redes de ensino, sem que analisemos o fenômeno, a partir de uma
abordagem que contemple a História da Educação no Brasil; o papel ocupado pela escola, no
contexto da sociedade capitalista.
Constatamos que as contribuições da sociologia e da educação para o debate sobre o
desenvolvimento das capacidades humanas, estejam distantes da maior parte da produção
acadêmica brasileira sobre o tema e tal concepção contribui, sobremaneira, para alimentar o
quadro de invisibilidade.
Assim, realizamos a análise da invisibilidade das altas habilidades, a partir de categorias
clássicas da sociologia, como: gênero e classe, incluindo conceitos importantes, do campo
sociológico, como: aptidões naturais, reprodução e fracasso escolar.
Faz-se necessário pensar a relação entre três importantes instituições da sociedade
capitalista, para a compreensão de nosso objeto de pesquisa. Por isto, propomos capítulos, onde
analisamos a forma como as AH/SD são apresentadas na: imprensa, na academia e, finalmente,
nos documentos oficiais do Estado, apontando as suas relações com a invisibilidade e como tais
discursos influenciam o cotidiano de gestores e docentes.
Consideramos que seja possível conhecer a realidade particular, onde estão situados os
indivíduos singulares e, onde se realiza ou não a universalidade do gênero humano, como nos
diz Oliveira (2001):
A importância da particularidade (na relação singular-particular-universal), na análise
de um determinado fenômeno, está no fato de que ela se constitui em mediações, que
explicam os mecanismos que interferem, decisivamente, no modo de ser da
singularidade, à medida em que é através delas que a universalidade se concretiza na
singularidade.
Desta maneira, realizamos levantamento da forma como a produção jornalística
brasileira, nos últimos dez anos, abordou o tema das AH/SD e como sua postura contribuiu,
67
contraditoriamente, para a denúncia e, também, para reforçar o quadro de invisibilidade dos
alunos superdotados, em especial nas escolas públicas brasileiras. A análise foi feita, a partir
do levantamento das publicações de dois jornais, de circulação nacional: a “Folha de São Paulo”
e o “Estado de São Paulo”, por meio de pesquisas, no site de buscas Google, dos termos
(Talento, Superdotado, Altas Habilidades).
Como atuamos no litoral paulista e temos um jornal regional tradicional, poderoso
formador de opinião na região, vinculado a um dos grandes grupos de comunicação do Estado
de São Paulo, realizamos pesquisa no Site do Google dos mesmos termos, relacionados ao
jornal “A Tribuna de Santos”, bem como, efetuamos pesquisa de campo, na Hemeroteca
Municipal de Santos, de publicações do referido jornal sobre o tema, tanto nos últimos cinco
anos, como também, foi feita a busca de artigos jornalísticos publicados em “A Tribuna de
Santos”, no período de 1960 a 1965, a fim de verificar como era tratada a questão, no início dos
anos 1960, época em que ocorriam as discussões sobre a lei de diretrizes e bases da educação
e, primeiro momento, em que o governo brasileiro mostrou-se, oficialmente, interessado, na
questão das altas habilidades/superdotação.
Desta forma, se pretendíamos verificar porque a escola, que segundo Althusser, é o mais
poderoso aparelho ideológico do Estado, “optou”, sistematicamente, por não reconhecer, os
elementos da sociedade, supostamente, mais capazes, seria importante, entender como se daria
a formação do imaginário social sobre a temática. E compreendemos que a imprensa teve neste,
como em tantos outros assuntos, papel de destaque, por isso, consideramos fundamental uma
análise cuidadosa deste segmento.
Por que a escola teria “escolhido” fazer invisíveis os seus “melhores” alunos? Por que
aceitar a existência dos superdotados e, em seguida, os fazer invisíveis? Quais os problemas na
convivência da escola reprodutivista e meritocrática com a noção de AH/SD, sobretudo, na
classe trabalhadora?
Neste ponto, chegamos ao outro item, fundamental, para compreensão do fenômeno
analisado na pesquisa: Qual o papel do Estado, ao longo da História, quanto aos alunos
superdotados?
Para responder a estas questões, analisamos a produção governamental brasileira sobre
as altas habilidades e seguimos a linha histórica da legislação do nosso país relacionada à
temática e as diferenças entre o que foi publicado, como letra da lei e o que acabou ocorrendo,
na realidade das escolas brasileiras.
68
Deste modo, pensamos que não seja possível compreender a situação de invisibilidade,
dos alunos com altas habilidades, a partir de uma perspectiva que não contemple os pilares
representados por: Estado-Imprensa-Academia, na constituição da questão.
Trilhado o caminho Estado-Imprensa-Academia, para a compreensão do fenômeno da
invisibilidade, dos estudantes, seguimos para o trabalho de campo.
2.2 - A Pesquisa de Campo, o Retorno à Singularidade
É preciso identificar e caracterizar, na própria realidade, as condições histórico-
sociais, que determinam seu modo de ser e suas transformações histórico-sociais, para
formular determinada lei e respectiva categoria, que represente a singularidade, a
particularidade e a universalidade de determinado processo. Marx utiliza-se dessa
relação dialética, continuamente, em toda sua obra, para explicar as múltiplas relações
que determinam o capitalismo [...]”.(OLIVEIRA B. , 2001, p. 12)
Partindo do fenômeno concreto e objetivo, que é a invisibilidade dos estudantes com
AH/SD, verificada em nossa realidade profissional diária, seja no fato de, jamais, um aluno ter
sido identificado com tais características, na escola onde atuamos, por 10 anos seguidos, seja
no fato de, atualmente, no município onde a pesquisa foi realizada, não existir nenhum aluno
cadastrado no senso escolar, como criança com AH/SD e inexistir programa de
atendimento/identificação na cidade, realizamos a pesquisa de campo.
As análises da produção científica, da História da Educação, dos materiais da imprensa
e Estado sobre o tema, foram realizadas, a todo tempo, como parte constitutiva da prática e
foram submetidas à análise, como fonte documental, de onde obtínhamos dados e informações,
que nos orientaram no trabalho de campo e na análise dos dados obtidos.
Assim, chegamos à Escola, local onde se efetivava o fenômeno analisado, mas, que não
poderia ser compreendida, sem uma análise mais detalhada e minuciosa da sociedade, em que
está inserida.
Ao chegar neste poderoso aparelho ideológico do Estado, nas sociedades capitalistas,
buscamos verificar, na “prática”, as relações sociais, que fundamentavam a existência do
problema da pesquisa, bem como, os percursos que tornavam possíveis que as hipóteses
verificadas, a partir da “análise teórica”, se concretizassem na “prática de sala de aula”.
Nossa pesquisa de campo articulou-se de modo a buscar informações, a partir de
variadas estratégias de coletas de dados, com o intento de que pudéssemos observar o objeto de
pesquisa de variados ângulos e de modo a articular buscas quantitativas e qualitativas,
integradamente.
69
Desta forma, trabalhamos com a aplicação de dois questionários sobre o tema, com os
professores da rede pública de ensino pesquisada. O primeiro, junto a um grupo de 73 (Setenta
e Três) professores, desta rede municipal, que atuam, especificamente, com os alunos da
educação especial, sendo professores especialistas na área e que responderam ao questionário,
após realização de curso de formação sobre: Altas Habilidades/Superdotação, que ministramos,
por intermédio do convite da Secretaria de Educação do município. Os questionários contendo
10 (dez) questões, foram respondidos e entregues no mesmo dia, em que aconteceu o curso, 25
de fevereiro de 2015.
O segundo questionário foi desenvolvido na plataforma Google.docs e aplicado aos
professores e gestores, por meio da rede mundial de computadores. Neste caso, trata-se de um
questionário, com aproximadamente 50 (cinquenta) questões, que tinham por objetivo verificar
a percepção do tema, pelos docentes, em uma perspectiva, mais aprofundada.
Os questionários foram encaminhados, virtualmente, para os professores e gestores, da
rede municipal de ensino, mas, também, encaminhamos questionários para professores de
outras redes de ensino, como forma de termos condições de comparar as respostas dos
profissionais da rede pesquisada, com as respostas de professores de outras redes e modalidades
de ensino. Encaminhamos questionários, para cerca de 300 (trezentas) pessoas, entre
professores e gestores escolares, contemplando profissionais da educação infantil, ensino
fundamental I, ensino fundamental II, ensino médio e ensino superior e obtivemos a resposta
de um total de 118 (cento e dezoito) questionários. As respostas dos questionários ocorreram
de forma virtual, sendo que, o período de encaminhamento e fechamento das respostas ocorreu
entre os dias: 20 de novembro de 2015 e 30 de janeiro de 2016.
Por entendermos, que muitas vezes, os questionários de pesquisa deixam escapar
percepções e avaliações importantes dos envolvidos com as respostas e, como uma parte das
hipóteses, da produção bibliográfica para a invisibilidade residia na falta de formação docente,
decidimos realizar cursos de formação, junto aos professores da rede municipal de ensino, sobre
as AH/SD. Durante essas oportunidades, fizemos a observação in-loco das concepções,
posições dos docentes e gestores, de modo a verificar os motivos da invisibilidade, a partir do
contato direto com os atores envolvidos.
Neste sentido, apresentamos, nas palestras, a questão da invisibilidade, as principais
questões teóricas sobre as AH/SD, a legislação que garante o direito ao atendimento
educacional especializado a este público e os modelos de atendimento e identificação.
Os cursos foram desenvolvidos junto aos professores de Educação Especial, da rede
municipal de ensino, por iniciativa da Secretaria Municipal de Educação e, também, com
70
professores, de três escolas da rede, sendo que, estes últimos ocorreram a partir do convite dos
gestores, das unidades escolares, variando entre 1h30 de duração até 4h. Vale ressaltar, que os
registros de nossas observações foram realizados, logo após, o término das formações.
Como forma de entender o universo das AH/SD, realizamos visitas às instituições
especializadas, na identificação e atendimento aos alunos superdotados, de modo que,
pudéssemos compreender as AH/SDe suas principais dificuldades.
Deste modo, no período entre outubro de 2014 e abril de 2016, realizamos visitas as
instituições públicas e privadas, especializadas em AH/SD, nos estados da região Sudeste, como
forma de conhecer o modo de atendimento aos alunos, a organização das instituições e seus
desafios e, finalmente, suas hipóteses para explicar a situação de invisibilidade.
Entendendo que seria importante ouvir, em profundidade, os educadores da rede
municipal de ensino, em relação ao tema, desenvolvemos entrevistas semiestruturadas com
gestores e professores, como forma de buscar dados qualitativos, que nos possibilitassem
melhor compreensão da situação das AH/SD e sua invisibilidade, na cidade.
Finalmente, concluímos que era o momento de protagonizar a voz dos maiores
interessados na pesquisa: os estudantes alto-habilidosos e, com o objetivo de conhecer a forma
como estes compreendiam a questão, desenvolvemos entrevistas com 05 (cinco) estudantes,
com traços de altas habilidades, que acompanhamos ao longo de todo o ano, de 2016.
Deste modo, organizamos a pesquisa de forma que entre cursos de formação, entrevistas
com trabalhadores da educação e alunos e questionários, pudéssemos abarcar um total de 200
(duzentos) envolvidos, distribuídos entre: gestores, professores e estudantes, contemplando
todas as modalidades de ensino, bem como, participantes das redes municipal, estadual, federal
e rede de ensino do Centro Paula Souza.
Realizamos a elaboração e aplicação dos questionários, visitas e entrevistas de pesquisa,
a partir das reflexões de Brandão (2007), e Queiroz (1988), relativas às pesquisas em ciências
humanas e seu caráter sempre qualitativo e nunca isento. Buscamos, nas escolas citadas, os
caminhos para a melhor aproximação do grupo social que vínhamos pesquisando, bem como,
a construção da ferramenta de pesquisa, a partir de determinadas categorias, que nos
permitissem refletir sobre o problema de pesquisa.
Assim, categorias como classe social, gênero, etnia, que são clássicos das ciências
sociais fizeram-se presentes, durante toda a pesquisa e foram utilizadas tanto nos momentos de
“práticos” como “teóricos” da pesquisa. Estas categorias foram acompanhadas de outras, que
se faziam necessárias para a pesquisa, especificamente, como: concepção de superdotação,
percepções sobre o fracasso escolar e causas da invisibilidade.
71
As opções teóricas, em que nos baseamos, para a realização da pesquisa, análise dos
trabalhos científicos e dos dados da pesquisa de campo, foram articuladas de modo a possibilitar
um olhar que atentasse às três esferas: as altas habilidades/superdotação; as concepções de
escola; a análise da sociedade.
Adotamos a opção teórica que compreende a escola como importante instrumento de
reprodução da sociedade capitalista e, portanto, analisaremos o problema de pesquisa, tomando
a escola não como neutra ou despreparada, na construção da invisibilidade das altas habilidades,
mas, como influente instituição, que decide e determina aqueles que seriam reconhecidos como
“dotados”, e especialmente, controla o fluxo de “presenteados” que seriam aceitos, de modo a
não perturbar a hierarquia social.
A escola, então, será compreendida, a partir das teorias da reprodução e como
importante aparelho ideológico do Estado capitalista, portanto, as ideias de: Bourdieu (1992),
Saes (2005), Nogueira (2004), Setton (2016), e Lahire (1997), serão de grande importância, em
nosso percurso de pesquisa.
O fracasso escolar e sua produção é uma das estruturas fundamentais, para que a escola
cumpra seu papel reprodutor, com a garantia de que aqueles que não chegam à escola possuindo
capital cultural e econômico irão fracassar em suas trajetórias educacionais, assegurando que
os indivíduos trilhem os caminhos sociais, que sua condição de classe determine,
antecipadamente, e que as pessoas possam ver, no fracasso de suas experiências estudantis, a
explicação para sua pobreza e exploração. Neste sentido, os trabalhos de Patto terão destaques
importantes, em nossas concepções e análises.
Adiantamos o fato de que é uma pesquisa que entende a sociedade capitalista não como
um dado da natureza, fruto inevitável do destino ou “fim da História”, mas a sociedade
capitalista é analisada como resultado do desenvolvimento histórico, como fruto do
desenvolvimento das estruturas econômicas, sociais e resultado da luta de classes. É esta
sociedade dividida entre exploradores e explorados, que permite a ideia de que a sociedade se
organiza, conforme os talentos humanos e não conforme a posse do capital. É esta sociedade
baseada na supremacia de uma classe social, a burguesia, que tem na posse de dotes intelectuais
convertidos em sucesso escolar e reconhecidos em diplomas e certificados, a principal
explicação para as hierarquias sociais. No capitalismo, a inteligência passou a ser mercadoria e
objeto de fetiche, comercializado no enorme balcão de mercadorias.
Portanto, não compreendemos a inteligência e seu maior ou menor desenvolvimento,
nos indivíduos, como algo natural ou fruto de acasos genéticos. Sem deixar de reconhecer o
papel da Biologia e das teorias genéticas, entendemos que os humanos se fazem no seu processo
72
de vida, no contato com os mediadores culturais a que têm acesso e, especialmente, ocupam os
postos na hierarquia social, não de acordo com seu quociente intelectual, mas, de acordo
determinantes históricos complexos, sendo que, alguns destes colocados, mesmo antes, do
nascimento dos sujeitos.
Nossa perspectiva é o materialismo histórico dialético, que entende que a concepção de
talento, dotação, altas habilidades e superdotação variaram ao longo da História e conforme as
correlações de força na luta de classes de cada sociedade, adotando características específicas
na sociedade capitalista.
Segundo nossa perspectiva, não conseguiremos compreender nem as AH/SD, nem a sua
invisibilidade, sem um olhar detido sobre a sociedade de classes, sem analisar o papel do
imaginário sobre a inteligência, no contexto de acirramento da exploração da classe
trabalhadora e, sobretudo, sem um método, que não se contentasse, simplesmente, em descrever
a realidade.
Em Marx e Engels, baseamos a metodologia na busca de compreender os fenômenos,
não a partir da descrição das aparências, mas, aprofundando-se nas causas dos problemas,
desconfiando de ideias apresentadas como naturais e apropriando-nos dos conceitos de luta de
classes e ideologia, para a análise das explicações sobre as diferentes capacidades dos
indivíduos, o papel ideológico que a inteligência tem na organização e explicação da sociedade
capitalista e os motivos e interesses envolvidos, em sua invisibilidade.
Em Saviani (1998), e Patto (2000), buscamos a compreensão do papel que as teorias
pedagógicas tiveram e, ainda têm, na forma como escolas e professores entendem o fenômeno
da superdotação, sobretudo, entre alunos das classes trabalhadoras. Neste sentido, procuramos
verificar como as ideias da pedagogia tradicional, da escola construtivista e das teorias da
reprodução contribuem para o fortalecimento da invisibilidade. Não é possível entender o
atendimento/identificação de alunos talentosos, sem levar em conta, que uma das principais
características da escola pública brasileira, ao longo de todo o século XX, foi seu caráter
excludente e, fortemente, marcado pelo fracasso escolar.
Com Althusser (1987), Baudelot e Establet (1971), utilizamos um olhar para a escola,
como estrutura fundamental para a manutenção da sociedade capitalista, ponto central na
difusão das ideologias do Estado e decisiva na manutenção do “status quo”. Disfarçando a luta
de classes, a noção de alunos com altas habilidades choca-se com algumas das ideologias mais
poderosas da escola capitalista, como por exemplo, a noção de que a sociedade contemporânea
é regida por critérios meritocráticos, que garantiam que os sujeitos tivessem as suas funções,
conforme seus próprios esforços.
73
Finalmente, as contribuições de Noëlle Bisseret (1978), são importantes para a
constituição da pesquisa. Bisseret, por refletir a respeito de como a ideia de “aptidões naturais”
construiu-se na sociedade capitalista, sendo um importante fator de distinção entre os sujeitos,
explicando a hierarquia de classes, para pensarmos nas ideias construídas ao longo da história
e, às vezes, presentes nos dias atuais, que tentam explicar as altas habilidades, como resultado
de potencialidades, puramente, inatas nos sujeitos.
2.3 - A Unidade de Análise
Durante a pesquisa, intentamos compreender o fenômeno da invisibilidade das AH/SD,
na realidade escolar, a partir de um olhar que buscou relacionar os alunos talentosos e a
realidade educacional, o tempo todo. Assim, foi por meio do movimento indivíduo com AH/SD,
sua relação com o professor, em sala de aula, sua vivência com a comunidade escolar e a
realidade educacional e social brasileira, que pretendemos entender as AH/SD e sua
invisibilidade.
Neste caminho, avançamos por perspectivas e possibilidades de compreensão do
problema, a partir da unidade de análise “INVISIBILIDADE”, procurando verificar como esta
se constrói e justifica-se na História Brasileira e da Educação. Propomos a análise dos talentos
humanos como antigo tema de reflexão humana e, por isso, defendemos que a
visibilidade/invisibilidade constrói-se, conforme determinantes históricos e sociais.
A cada volta que dávamos, no novelo da invisibilidade, o problema apresentava-se com
sua essência alterada e, desta maneira, buscamos a reflexão a respeito das formas como a
inteligência e talentos humanos foram explicados, ao longo do tempo, e como determinadas
concepções contribuíram para aumentar/reduzir a invisibilidade.
Seguimos nos questionando a respeito de como as pesquisas científicas entendem os
talentos humanos e explicam sua invisibilidade, assim, avaliamos como a ciência fundamenta
concepções que podem nos ajudar a compreender nossa unidade de análise, de modo que
desaguamos na relação biologia X sociedade, percebendo que características específicas da
produção científica da área podem contribuir e sustentar a invisibilidade das AH/SD.
Neste trajeto, a ausência de referências e leituras sociológicas e históricas, na forma
como os pesquisadores e educadores entendem a questão, é de grande importância. Este
percurso trouxe-nos a perspectiva de que nossa unidade de análise deveria ser avaliada, a partir
de obras que tenham se debruçado sobre o papel da escola, na sociedade capitalista, sobretudo,
seu papel na reprodução social.
74
As AH/SD precisam ser analisadas, na relação com as ideias de dom, meritocracia e
conceitos como: capital cultural, capital econômico, fracasso e sucesso escolar, nos meios
populares; alertando-nos para a importância de categorias, como: classe, etnia e gênero, para a
compreensão do tema.
Por fim, chegamos à realidade daqueles que trabalham, diretamente, com os estudantes
alto-habilidosos e, assim, desenvolvemos pesquisas junto às instituições e profissionais
especializados em AH/SD, objetivando verificar como entendiam a invisibilidade.
Com o objetivo de compreender o fenômeno, sem que este ficasse isolado ao grupo
considerado alto-habilidoso, seus familiares e professores, realizamos levantamentos,
entrevistas e formações com professores e gestores, de uma rede municipal de ensino, visando
conhecer como as categorias levantadas, durante a pesquisa, consubstanciavam-se na formação
da invisibilidade das AH/SD, na realidade educacional.
Assim, chegamos aos trabalhadores da educação que foram convidados a participar da
pesquisa, a partir de uma percepção da unidade de análise, que já não era mais aquela da pura
constatação empírica da invisibilidade, mas da reflexão e estudo dos múltiplos condicionantes
que criam/alimentam o fenômeno.
A pergunta não era mais, apenas, sobre os motivos dos estudantes mais talentosos serem
invisíveis, mas qual o peso desta invisibilidade, na realidade escolar como um todo, na produção
do fracasso escolar, na constituição da escola reprodutivista e, no limite, na prevalência das
ideologias do dom e do mérito, na sociedade capitalista.
2.4– As Ciências Sociais na Compreensão da Invisibilidade
Durante o levantamento do estado da arte das pesquisas brasileiras e internacionais
sobre AH/SD, pudemos verificar o predomínio das análises baseadas em conceitos ligados à
Biologia e Psicologia.
A hegemonia da Psicologia, nas análises sobre o tema, pode ser constatada no fato de
que parte dos pesquisadores brasileiros, mais renomados na área, terem formação em
Psicologia, como: Eunice Soriano Alencar e Zenita Guenther.
Somados a estes importantes nomes, vale lembrar, que um dos mais importantes centros
de pesquisa e militância junto às autoridades do Estado, ocorre no Instituto de Psicologia da
UNB, que além de possuir inúmeras pesquisas relevantes na área, conta com pesquisadores
renomados, mundialmente, como a professora Denise Fleith.
Se por um lado, é enorme a importância e contribuição da Psicologia, para a
compreensão das AH/SD e luta pela garantia dos direitos dos alunos, por outro ângulo, devemos
75
buscar compreender o fenômeno da invisibilidade, no sistema educacional, e a explicação da
constituição das AH/SD, a partir de perspectivas científicas de outras áreas, para entender
melhor e colaborar para a mudança no cenário de negação de atendimento aos indivíduos alto
habilidosos.
A Psicologia nos garante chaves importantes, no entendimento das AH/SD, por
exemplo, com os estudos sobre a explicação/constituição da inteligência, ao longo do século
XX. Entretanto, os mistérios da inteligência humana ainda são muitos, principalmente, quando
falamos da capacidade de alguns indivíduos em aprender mais/menos e de forma mais
rápida/lenta, em relação à maioria das pessoas. Temos neste campo, duas escolas que buscam
entender as AH/SD e que explicitam a grande batalha, na explicação da cognição humana. Tal
batalha gira em torno da avaliação do peso da natureza ou da sociedade, na constituição da
inteligência e das habilidades humanas.
Pensamos que as análises das AH/SD devam ser aprofundadas, a partir de concepções
da Psicologia, que olhem a formação do psiquismo humano para além do fenômeno puramente
individual; abordando a questão em suas facetas sociais e históricas, dentre as quais, destacamos
a Psicologia Histórico-Cultural. Além da Psicologia Histórico-Cultural, defendemos que a
História, a Sociologia e a Pedagogia têm muito a contribuir sobre o fenômeno das AH/SD.
Portanto, em nosso caminho teórico metodológico concentraremo-nos em avaliar as
contribuições que as ciências sociais podem trazer ao tema das AH/SD e, em especial, para a
compreensão da invisibilidade.
Geralmente, as pesquisas na área trabalham como se os sujeitos, com tais características,
existissem em um plano neutro, como se a manifestação das AH/SD ocorressem de modo
universal e sem ligação com a realidade social.
Para que possamos compreender as razões que explicam a invisibilidade das AH/SD,
no sistema educacional brasileiro, é fundamental considerar a estrutura da nossa sociedade.
Desta forma, as contribuições de Marx e Bourdieu são fundamentais, para que possamos situar
os sujeitos com AH/SD, em seus contextos, dando concretude a sujeitos e fenômeno.
Assim, em nossa pesquisa, os conceitos de contradição, lutas de classes, escola
reprodutivista, capital cultural, habitus docente, fracasso escolar, bem como, as categorias
gênero e etnia são aportes teóricos, em que baseamos nossas reflexões.
Muitos são os trabalhos da Sociologia, que podem contribuir para o entendimento da
invisibilidade das AH/SD, na realidade educacional brasileira. Dentre estes destacamos as
produções de Baudelot e Establet (1971), sobre escola capitalista e, em especial, a noção sobre
o mito de escola única. Outro autor importante é Lahire (1997), e seus estudos com a Sociologia
76
do Sucesso Escolar, englobando reflexões sobre o modo como o capital cultural é transmitido
aos indivíduos e mobilizado por estes, também, as estratégias de famílias de trabalhadores,
para que seus filhos obtenham sucesso escolar.
Os trabalhos de Nogueira (2004), e Setton (2016), nos fornecem importantes
informações sobre as estratégias de escolarização das elites para os seus filhos, bem como, os
processos de socialização e individualização dos sujeitos, na construção de suas biografias,
incluindo suas trajetórias de sucesso escolar. Tais trabalhos permitem entender o tema das
AH/SD, a partir da perspectiva da elite e sua constituição, por meio de perspectivas que vão
além das explicações baseadas na genética.
Pensamos não ser possível entender as AH/SD, na sociedade capitalista, sem algumas
reflexões e conceitos de Marx e Vygotsky, como a análise das habilidades humanas e formação
de seu psiquismo, baseando-se no materialismo histórico dialético. Da mesma forma, não é
possível compreender a invisibilidade das AH/SD e mesmo sua constituição, na escola
capitalista, sem as ideias de Bourdieu e a vasta lista de seguidores e críticos de suas reflexões.
2.4.1 – As Hipóteses para a Invisibilidade das AH/SD.
Geralmente, o debate sobre AH/SD ocorre de uma perspectiva individual, esta é,
também, uma tendência, quando analisamos os debates, no interior das escolas, sobre os
estudantes com dificuldades de aprendizado. Tal perspectiva reflete uma posição teórica, que
concentra as explicações sobre o desempenho humano, a partir dos próprios sujeitos e relega,
para segundo plano, o impacto de fatores sociais e culturais no processo de desenvolvimento.
Curiosamente ou nem tanto, as explicações para o talento seguem o mesmo caminho em que,
normalmente, baseiam-se as explicações para o fracasso escolar, como nos indicam Asbahr e
Lopes (2006, p.55):
A Psicologia tradicional, desde então, vem corroborando com a pedagogia da
exclusão, ao classificar e rotular as pessoas, selando seus destinos e servindo para
justificar as desigualdades sociais. Comum à essas diversas tendências da Psicologia
e da Pedagogia, é a ideia de que a responsabilidade pelo fracasso escolar e social
encontra-se no indivíduo, em sua família ou em sua raça. [...] Críticas contundentes
têm sido realizadas, há algumas décadas, a essa concepção de fracasso que parte de
uma visão preconceituosa dos pobres e negros e fala a favor das classes dominantes.
No entanto, essa ideia continua fortemente presente no dia-a-dia das escolas, na mente
de professores, pais e dos próprios alunos.
77
Neste contexto, parte dos pesquisadores que se dedicam a estudar as AH/SD, quando
constata a invisibilidade das crianças com AH/SD, limita-se a denunciar a situação22, mais em
forma de ação militante e não menos justa, do que em de constatação científica. A invisibilidade
dos estudantes com AH/SD é quase parte obrigatória de todos os trabalhos na área, destacamos,
por exemplo, a referência de Virgolim (2012, p.95): “Fala-se muito das necessidades dos alunos
com deficiência, mas constantemente o aluno com altas habilidades é esquecido nos discursos
político-pedagógicos, seja dentro da escola, seja fora dela[...]”.
São poucos os pesquisadores que se arriscam a refletir sobre quais seriam as explicações
para tal situação. Alguns costumam compreender a invisibilidade, a partir da tese de que exista
um conjunto de mitos sobre AH/SD disseminado entres os docentes, que geraria o quadro de
invisibilidade.
Há também estudiosos que entendem que a falta de consenso em relação ao melhor
termo para definir as AH/SD, bem como, uma nomenclatura que seja, cientificamente, precisa,
somado a não existência de um método e protocolo unificado para a identificação destes
indivíduos, seja a razão da invisibilidade.
Finalmente, temos a hipótese de que a invisibilidade dos alto-habilidosos seja devido à
falta de formação docente sobre o tema das AH/SD, graças a tradição dos cursos de formação
inicial de docentes, nas licenciaturas, em ignorar o tema.
Vale destacar, que os diferentes grupos apegam-se em explicações diversas e não,
necessariamente, excludentes, podendo alguns pesquisadores aderir a uma ou a soma das
hipóteses, conforme suas filiações teóricas.
Defendemos que tais hipóteses são insuficientes para a compreensão do problema e da
forma como são expostas, de modo naturalizado, pouco colaboram para entendermos e
superarmos a situação de invisibilidade.
Neste sentido, propomos a inversão da forma como o problema está colocado,
geralmente, parte-se da pergunta: porque “determinados” professores não conseguem
identificar “determinados” estudantes com AH/SD? Se invertermos a lógica e pensarmos: Qual
o motivo, de 5 milhões de pessoas, uma população, maior que a cidade de Belo Horizonte, não
ser notada, identificada e atendida, no interior das escolas brasileiras? Outra questão importante
para a reflexão é refletir sobre as razões para que os mais de dois milhões de docentes
brasileiros, com as mais diversas formações e concepções teóricas e metodológicas, teriam para
manter uma postura, quase homogênea, de não identificar seus alunos com AH/SD? Pensamos
22 Muitos dos trabalhos citados no capítulo 4, quando analisamos o estado da arte das pesquisas sobre AH/SD,
denunciam o quadro de invisibilidade, mas, geralmente, as reflexões não vão além da denúncia.
78
ser este, um caminho promissor, na busca para a compreensão da questão, deixar as perspectivas
individuais/individualizantes e pensar na questão como produto coletivo elaborado pela
realidade educacional brasileira.
Podemos ir além e nos questionar se existe alguma relação entre os alto-habilidosos e
os outros 95% dos alunos da educação brasileira e pensarmos se teríamos algo a aprender com
as AH/SD, que pudesse atingir a escola como um todo. Seguindo tal linha de pensamento,
haveria algo que os estudiosos das AH/SD pudessem aprender com as reflexões sobre a escola
dos outros 95%? Nos levando a questionar se a divisão fracasso/sucesso, não passaria de
perspectiva ideológica, que nos atrapalha na compreensão de ambos os fenômenos.
Não é recente que se recorra a frágil formação docente, para explicar as mazelas da
educação brasileira, sendo que, em boa parte, há justiça na afirmação, pois é conhecida e
amplamente denunciada as lacunas formativas dos professores brasileiros.
É realmente raro que o tema das AH/SD seja tratado nos cursos de Pedagogia e
licenciaturas, responsáveis pela formação de professores. Observando a grade curricular dos
cursos de licenciatura, percebemos, de forma evidente, a ausência do tema das AH/SD.
Porém, um olhar mais atento, mostra-nos que é vasta a lista de ausências, nas grades dos
cursos de formação docente: como alfabetizar; ensinar matemática; fundamentos da sociologia
da educação; questões étnico-raciais e de gênero; educação inclusiva e tantas outras áreas que
são pouco tratadas, na formação dos professores.
Tal colocação refere-se ao enfoque, nos cursos de Pedagogia, pois, aos alunos das
demais licenciaturas, falta, praticamente, tudo, no que tange a formação pedagógica. Portanto,
sem uma profunda mudança, na formação docente, pouco será alterado nos destinos de crianças
com ou sem AH/SD, e tal constatação é tão urgente, quanto antiga no Brasil.
Mas, quando falamos na invisibilidade das AH/SD, resta uma dúvida, quanto a como
explicar uma postura docente tão coesa. Docentes sem formação universitária ou formados em
IES marcadas pela precariedade, tendo posturas semelhantes aos professores formados em
grandes e renomados cursos do país, como PUC, UFMG, UFRGS, USP, UNICAMP, UNESP,
UERJ. Esta posição coesa talvez só seja verificada, na realidade educacional brasileira,
curiosamente, quando falamos da produção do fracasso escolar, polo “inverso” das altas
habilidades/superdotação.
Não basta concluir que os cursos negligenciam o tema das AH/SD, cabe questionarmos
quais os motivos desta ausência nos cursos dedicados à formação docente.
79
Alguns especialistas defendem que há preconceito com o tema, pelo mesmo ser tratado
como elitista. A quem interessa a invisibilidade das pessoas com AH/SD, nas escolas
brasileiras, em especial, as da rede pública?
A hipótese que apresenta os mitos sobre AH/SD deve, também, ser questionada.
Cabendo o questionamento sobre o que os mitos nos dizem sobre a forma como a sociedade,
que os criou, entende as AH/SD.
A perspectiva de que a falta de um método e protocolo, para a identificação das altas
habilidades/superdotação, seja a responsável pela invisibilidade, a despeito de existir muitas
dúvidas sobre como reconhecer estes alunos, também, contém lacunas em sua busca por
explicar a invisibilidade, pois não é correta a afirmação de que não contamos com métodos de
avaliação e identificação. Atualmente, existem diversos modelos de identificação de alto-
habilidosos reconhecidos nacional e internacionalmente, como exemplo de metodologias para
a identificação de AH/SD, destacamos as listas de indicadores das professoras: Zenita Guenther,
Cristina Delou e Soraia Napoleão, materiais bem estruturados, de simples utilização e,
facilmente, acessíveis.
Há ainda, a perspectiva que explica a invisibilidade, por meio de uma hipótese que se
relaciona ao uso de terminologias equivocadas para os sujeitos com AH/SD, de modo que
atrapalham na identificação.
De nossa parte, acreditamos que a questão está colocada de modo equivocado e
propomos a inversão da situação, afinal, não é o uso do termo que gera o fato social e sim, a
existência do fato concreto e objetivo na realidade, que torna possível o uso da expressão. O
conflito em relação ao melhor termo para nos referir aos alunos que, de alguma maneira, se
destaquem é real e pode ser verificado no título do livro de Moreira (2012): “Altas
Habilidades/SUPERDOTAÇÃO, Talento, Dotação e EDUCAÇÃO”. Nesta obra, que reúne
artigos dos mais importantes pesquisadores sobre o tema, no Brasil, a opção por usar tantos
termos para se referir aos alunos alto-habilidosos, na escolha do título da publicação, apresenta
o debate em torno da melhor forma de se referir aos estudantes com AH/SD.
Deste modo, temos a seguinte situação, empiricamente, todos os dias, alguns milhões
de alunos, pelo Brasil, destacam-se de seus colegas, por apresentarem rendimentos ou
potenciais superiores aos seus pares etários e de classe.
É preciso saber bem pouco de educação, para acreditar que os professores não percebam
tais crianças e jovens. Os professores notam estes educandos, seja por suas falas perspicazes,
durante as aulas, por notas destacadas em avaliações e qualidades dos seus trabalhos, pelo
80
interesse demonstrado nas explicações ou porque são os únicos que aprendem, de forma
adequada, o que se ensina.
Tais fatos tornam impossível que estes alunos não sejam notados, independentemente,
do termo que será utilizado: talento, dotado, superdotado, altas capacidades ou habilidades, ou
finalmente apenas “bons alunos”. A indagação que fica, é como compreender que docentes,
diante de ótimos resultados, tratem tais alunos como “NORMAIS”, levando-os à invisibilidade?
2.4.2 – As AH/SD entre Determinismo, Genética e Hereditariedade
Um equívoco, quando se analisam as causas que explicariam as AH/SD e sua
invisibilidade, é não considerar os contextos sociais e históricos, em que as mesmas ocorrem.
Se tratarmos a questão das AH/SD, como se fossem ilhas isoladas, aproximar-nos-íamos
do grande debate sobre a constituição dos talentos humanos: a velha questão Nature X
Nurture23, e consideramos que boa parte desta oposição seja artificial.
Podemos imaginar o que nos diria Marx, se fosse convidado a refletir sobre AH/SD.
Dentre as muitas lições que nos daria, justamente, ele, com sua capacidade muito acima da
média, em relação aos homens de sua época, dir-nos-ia que antes de fazermos análises
precipitadas, seria preciso deixar claro, que não falamos de AH/SD, em qualquer tempo
histórico ou qualquer sociedade; não falamos de quaisquer sujeitos, abstratamente, universais e
muito menos de professores, como entidades ideais e transcendentais; falamos de sujeitos reais
e concretos, de professores de carne, osso e sangue, moldados e moldantes da realidade social.
Falamos de AH/SD, na época contemporânea da História Ocidental, sociedade com uma
determinada divisão de trabalho, marcada por crenças religiosas específicas e por ideias
científicas particulares.
Em suma, analisamos as AH/SD, na sociedade capitalista e precisamos levar em conta
os modos de funcionamento desta sociedade, caso pretendamos compreender sua constituição
e razões da maior ou menor visibilidade destes sujeitos.
As diferenças intelectuais foram, desde sempre, o verniz ideológico que objetivava
justificar a exploração e dissimular as contradições inerentes às sociedades de classes. O verniz
dos talentos diferentes escondeu o fato de que as condições objetivas, ao contrário das
23(SHENK, D. 2010), Deabate longamente o poder que a questao Natureza versus ambiente social, teve durante
boa parte do desenvolvimento cientifico acerca dos talentos humanos, concluindo que visões que abordam a
questao a partir desta dicotomia e especialmente como frutos exclusivos apenas da genética, são atualmente
amplamente refutadas e consideradas posições ultrapassadas.
81
intelectuais, são legadas hereditariamente. Com a noção de diferenças naturais ocultou-se que
a estrutura social era dada pelas relações sociais e se, contra a natureza, desígnios divinos e
determinações genéticas, não havia nada a ser feito, as relações sociais estariam sujeitas às
mudanças produzidas, conforme a vontade e ação humana.
Ponto importante na reflexão é a avaliação quando ao papel que a inteligência e das
AH/SD, assumem, nas explicações sobre a constituição e funcionamento da sociedade
capitalista. Quando situamos o fenômeno das AH/SD, na sociedade capitalista, em especial, em
países da periferia do capitalismo e em escolas que atendem, em sua maioria, filhos da classe
trabalhadora, conseguimos caminhar alguns passos, na compreensão do fenômeno das AH/SD
e sua invisibilidade.
2.4.3 – O Embate Mérito x Dom, nas Concepções Docentes sobre as AH/SD
Com a queda do Antigo Regime, na Europa e a chegada da burguesia ao poder, ocorreu
uma forte alteração nas concepções políticas, filosóficas e culturais das sociedades europeias e,
consequentemente, das americanas. A partir do lema da Revolução Francesa: “Igualdade,
Liberdade e Fraternidade”, a noção de que todos deveriam ocupar postos na sociedade,
conforme seu merecimento individual, ganhou força.
Se as diferenças, no antigo regime, originavam-se na linhagem familiar, na sociedade
capitalista, estas passavam a ser estabelecidas pela posse dos meios de produção. Mas esta não
seria uma explicação possível de ser dada (Ao menos a todos). Logo, ganhava força à noção de
que os postos da sociedade seriam ocupados, conforme o talento intelectual de cada um, somado
aos esforços pessoais pautados na meritocracia, tínhamos a ideologia do trabalho descrita por
Weber (1989), em “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”.
Na teoria da meritocracia, os sujeitos vencem ou fracassam, conforme seus próprios
potenciais e esforços, o mérito funciona, eficazmente, quando todos são iguais e tem as mesmas
oportunidades. O problema, obviamente, é que nem sempre a teoria funciona, pois é fácil
encontrar indivíduos, altamente, merecedores e esforçados, que pereciam e figuras que,
aparentemente, sem grandes esforços ou merecimento, obtinham notoriedade.
A solução foi seguir com uma antiga explicação, que se baseava na ideologia do Dom,
onde determinados (raros) indivíduos seriam dotados por habilidades, que lhes faziam
diferentes e, portanto, capazes de feitos notáveis. Deste modo, o sucesso era explicado tanto
para burgueses como para proletários, a partir das noções da meritocracia ou dom.
82
Neste contexto, a inteligência ganha importância, pois ser possuidor de maior intelecto
seria fator fundamental e base para a divisão social. Surge, na sociedade capitalista, um
verdadeiro “fetiche” da inteligência, em especial, a capacidade de obter sucesso em atividades
acadêmicas e intelectuais, que não envolvessem trabalhos braçais e, não por acaso, estas
atividades eram exercidas pela burguesia, no gerenciamento de seus negócios.
O “problema” ocorria, quando alguém dotado de grande intelecto, por falta de
oportunidade, precisava viver em serviços braçais.
A solução para este “problema” seria a escola única, gratuita, obrigatória, mantida pelo
Estado e acessível a todos, onde cada indivíduo, conforme os seus méritos, pudesse ocupar
postos que lhes seriam de “direito”.
Neste percurso, a escola vai se constituindo, profundamente, meritocrática, onde a
crença no esforço e merecimento seriam chaves para o sucesso escolar e social.
Entretanto, os professores se vêem em uma situação paradoxal, se por um lado têm uma
sensação, que o saber empírico lhes oferece, de que alguns indivíduos teriam dons naturais;
como afirmar isto, sem enfraquecer a ideologia do mérito, que incentiva o esforço dos
estudantes, sendo fundamental para a própria existência da escola e da docência24?
A partir desta contradição, encontramos uma pista para a compreensão da invisibilidade
das AH/SD, pois o professor, talvez, não indique o aluno com AH/SD, não porque este passe
despercebido, mas, porque segundo seus valores, tenha dificuldade em fazê-lo, sem que
enfraqueça a ideologia do mérito.
Ainda que a Ciência afirme que as AH/SD são distribuídas, igualmente, no conjunto da
população, em uma sociedade de classes, os talentos não são, identificados de forma equitativa.
Assim, justificar uma sociedade baseada nas diferenças de potenciais individuais, como régua
que nivelaria os indivíduos, quando os professores constatam que sucessivas levas de
superdotados, das classes trabalhadoras, não vão além de trabalhos braçais degradantes se torna
difícil. Explicar que pessoas com AH/SD, estejam de balcões, servindo aos menos dotados de
intelecto, mas bem dotados de recursos econômicos, é constrangedor. Constatar que jovens,
com AH/SD, não consigam acesso ao ensino superior, expõe contradições duras de observar.
Talvez, seja melhor evitar questionamentos, sob risco de vermos a ideologia da escola
equalizadora e redentora da sociedade ruir, uma vez que, nem os alunos alto-habilidosos
conseguem a ascensão social que se costuma defender e propagandear.
24 A luta dos docentes entre as ideologias do mérito e do dom, no exercício de suas atividades, são, profundamente,
descritas por Bourdieu e Passeron em: (BOURDIEU,P; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992b).
83
2.4.4 – As Concepções de Escolarização das Elites e a Invisibilidade das AH/SD
A quem interessa as ideias de AH/SD ou sua invisibilidade? Seguindo os preceitos de
Saes (2005), à elite burguesa pouco se importa com as teorias da meritocracia, e sua relação
com a escolarização de seus filhos, ocorre de modo menos desesperado que o verificado na
classe média, pois, no fundo, sabem que o destino destes não depende (apenas) de sucesso
escolar ou intelecto, mas de habilidades gerenciais e de comando para lidar com a herança que
irão receber. Logo, o debate sobre as AH/SD tem pouca influência na elite e lhe gera pouco
interesse. Tal situação é verificada, também, nas escolas frequentadas por este grupo, por
exemplo, por intermédio do número elevado de alunos oriundos deste estrato social que
fracassa, em suas experiências escolares, como demonstram os trabalhos de Nogueira (2004),
sobre a escolarização de filhos de empresários industriais:
O desempenho escolar dos jovens oriundos das frações economicamente dominantes
da amostra (os filhos de empresários), quando comparado ao das frações mais
intelectualizadas (elites científicas e artísticas), se mostrou bem inferior. [...] o índice
de insucesso escolar, entre essas categorias sociais, é bem mais elevado do que se
poderia supor, atingindo, por exemplo, quase a metade dos filhos de empresários da
indústria. (NOGUEIRA, 2004, p.134)
Nogueira apresenta-nos, por exemplo, o fato de que ao escolherem as escolas dos filhos,
a elite industrial não tem grandes preocupações com a garantia de resultados, extremamente,
elevados, que garantam o acesso de seus filhos as melhores, mais disputadas e renomadas
universidades do país, preocupações, muitas vezes, a serem descritas por aqueles que estudam
e atuam com famílias de alunos, com características de AH/SD.
Além disso, há também o fato de que a escolha da instituição de ensino superior recai
sobre instituições privadas que se caracterizam por praticarem exames vestibulares
menos seletivos e, na maior parte, pouco exigentes. [...] Na verdade, dentre os 25
sujeitos focalizados pela pesquisa, apenas um cursava a UFMG, à qual teve acesso,
no entanto, não pela via do vestibular, mas sim por meio de transferência a partir de
uma faculdade privada [...]. (NOGUEIRA, 2004, p.138)
Deste modo, não temos entre os membros da elite um interesse tão intenso na temática
das AH/SD, o interesse decai, especialmente, quando pensamos na questão das AH/SD, no
universo escolar. Questões como a garantia de identificação, atendimento especializado,
aceleração de estudos e enriquecimento curricular, premissas candentes entre aqueles que lidam
com a temática, não estão entre as principais preocupações deste seguimento. A elite entende a
escola e as habilidades acadêmicas, a partir de uma posição utilitária. Suas preocupações com
84
o talento dos filhos é sanada em atividades garantidas pela própria família e pela experiência
cotidiana, em atividades gerenciais e de liderança nas empresas da família. O que pode indicar
um dos primeiros motivos para que as AH/SD sejam invisíveis, afinal, o setor economicamente
decisivo, na sociedade capitalista, a burguesia, não entende o tema como parte de suas
preocupações. Podemos constatar esta posição em relação à escola, nos dizeres de Nogueira
(2004):
As entrevistas com os jovens revelaram uma relação com a escola e com o saber
predominantemente instrumental, no sentido de Charlot (2000), em que as finalidades
perseguidas são, em sua maior parte, exteriores ao conhecimento em si mesmo e
marcadas pelo utilitarismo, como, por exemplo, a obtenção da nota ou do diploma.
Um relativo desapreço pelo universo escolar, ao qual corresponde um interesse quase
apaixonado pelo mundo empresarial [...], caracteriza esses estudantes. (NOGUEIRA,
2004, p.141)
A escola é secundária e insuficiente para os anseios e projetos, desta parcela da
população, seja qual for o potencial intelectual dos sujeitos filhos da elite. Desta forma, faz
pouco sentido a luta pelo atendimento e reconhecimento escolar do potencial dos seus filhos,
em relação a terem AH/SD. Temos a evidência com Nogueira (2004), de que assim como não
apostam todas as fichas na escola, as famílias da elite possuem suas próprias estratégias de
desenvolvimento de habilidades e enriquecimento cultural/curricular para seus membros, sendo
a escola uma parte apenas deste processo. Desta forma, a identificação e atendimento aos jovens
alto-habilidosos deixa de ser tão urgente, uma vez que, a transmissão do capital cultural familiar
ocorrerá por estratégias variadas, independentemente, deste ter ou não AH/SD.
Quanto às estratégias familiares, a melhor forma que encontro para caracterizar a
relação que as famílias de empresários mantêm com o universo escolar é emprestada
da linguagem ordinária: esses pais “não apostam todas as suas fichas na escola”,
investindo – à semelhança dos filhos – moderadamente (sempre em termos relativos)
no setor. Na verdade, os pais do meio empresarial se servem também (ou até mais) de
outros tipos de estratégia para salvaguardar ou elevar a posição do grupo familiar no
espaço social. (NOGUEIRA, 2004, p.142)
Outro trabalho importante, para entendermos a posição das elites em relação as AH/SD,
é o trabalho de Brandão (2003), sobre as estratégias de escolarização das famílias pertencentes
às elites acadêmica e intelectual, para a escolha das escolas e processos de escolarização de seus
filhos e netos.
A autora pesquisou as opções quanto a escolarização de crianças entre famílias com alto
capital cultural, crianças cujos pais, mães e avós possuíam carreiras universitárias, haviam
concluído doutorados, no exterior, quando precisavam buscar a escola dos filhos.
85
A primeira surpresa foi descobrir que estes não procuram, necessariamente, as
“melhores”, “mais renomadas” e “tradicionais” escolas, quando precisam matricular seus
filhos. E escolas tidas como as melhores sendo preteridas em nome de outras instituições menos
famosas. Vejamos o que Brandão (2003) nos diz:
Um outro resultado, também, surpreendente se encontra em alguns indicadores a
respeito das relações desses pais com as escolas de seus filhos. Eles parecem não
guardar grandes expectativas a respeito do trabalho das escolas – o que de certa forma
estaria indicado no fato de não procurarem as chamadas “melhores escolas”[...]). Seu
capital pedagógico parece dotá-los de bastante confiança em seus “trunfos” para a
escolarização dos filhos, o que se expressa de certa forma pelos dados obtidos pelo
survey: os professores investigados evidenciaram pouco interesse em conhecer as
equipes técnico-pedagógicas das escolas, e só vão à escola quando convocados.
Avaliam negativamente as reuniões de pais promovidas pela escola e acompanham o
desempenho dos filhos, principalmente, por meio dos boletins escolares e das
informações dos estudantes. (BRANDÃO. 2003, p.519)
Brandão (2003), demonstra que este seguimento, altamente, escolarizado, com vastos
recursos culturais e conhecimentos sobre o sistema escolar, recorre a inúmeras estratégias de
enriquecimento curricular de seus filhos, como: cursos, viagens, visitas a museus, horários para
leituras, esportes, aulas de idiomas, ou seja, todos estes recursos mobilizados garantem aos
seus membros tanto a transmissão do capital cultural, como o desenvolvimento e atendimento
de suas habilidades intelectivas.
Temos novamente, outro setor da “elite”, que não dependendo da escola para
desenvolver as habilidades de seus membros, obviamente, tendem a ter interesse restrito no
tema das AH/SD, ou ao menos na capacidade da escola atender seus filhos nesta área.
Os filhos desenvolvem uma série de atividades extraescolares – esportes, línguas
estrangeiras, artes... Todos os entrevistados sem exceção afirmaram que pagam cursos
fora do horário escolar, mesmo para os filhos que estudam em escolas de tempo
integral ou de jornada mais extensa como são as escolas bilíngues, caso de quatro
entrevistados. Se, à primeira vista, essas atividades podem estar representando uma
estratégia educativa de valorização da cultura livre de que fala Bourdieu, e certamente
estão, expressam também um poderoso instrumento de conhecimento –
reconhecimento – distinção. (BRANDÃO. 2003, p.520)
Portanto, se as elites entendem que as escolas, em tese, não teriam condições de garantir
a formação necessária a suas crianças, sejam estes alto-habilidosos ou não e, se precisam
mobilizar uma série de recursos culturais e econômicos, a fim de “bem formar” seus filhos,
não faria sentido que se interessassem pelas AH/SD. O discurso que lhes interessa é o oposto:
a defesa da meritocracia, de modo que o capital cultural e econômico mobilizado, na formação
destes alunos, seja dissimulado em mérito.
86
As camadas populares, na luta pela sobrevivência e acesso às escolas para seus filhos,
sabem que não são as capacidades intelectuais que lhes garantirão melhores condições de vida.
Assim, movidos pelo utilitarismo, buscam para seus filhos trajetórias escolares que lhes
garantam colocação profissional, como os cursos técnicos do sistema “S” de ensino.
A posição das camadas populares, em relação a trajetória de estudos dos filhos, pautada
no paradoxo de precisar buscar uma escola aos filhos, sem a qual não teriam qualquer chance
no mundo do trabalho, sabendo que seus filhos terão poucas chances de galgar os níveis mais
elevados no sistema educacional, compele os trabalhadores a fazer escolhas pragmáticas e
pautadas em seu pouco conhecimento do sistema educacional:
Os “disconnected choosers”: [...] Quase sem exceção, esse grupo é composto por pais
da classe operária (“working class”), geralmente com baixo nível de instrução. Sua
denominação advém do fato de que eles se revelaram muito fracamente ligados ao
mercado escolar, pouco inclinados a escolher e a participar da escolha como
consumidores de educação. Sua característica principal é que eles operam na
“estrutura superficial da escolha” e com base em um “programa de percepção” que
repousa numa limitada experiência do mundo escolar. (NOGUEIRA, 1998, p.41)
Neste sentido, a classe trabalhadora, ávida por garantir aos filhos, ao menos o direito a
estudar, sem muitos conhecimentos sobre o sistema educacional, às vezes, com histórias de
fracasso escolar, desejosa de oportunizar a suas crianças um formação profissional, que lhe
possa colocar em melhores condições no mundo do trabalho, não chega a se interessar pelo
tema das AH/SD, pois não supõem que suas crianças possam ser, profundamente, talentosas,
mesmo quando verificam o potencial elevado da criança, não dispõem de recursos para garantir
o enriquecimento curricular fora da escola ou evitam atritos e problemas com os trabalhadores
das escolas dos filhos, em virtude de algum questionamento.
2.4.5 – Quem Seriam, então, os Interessados nas AH/SD?
Dubet refere-se aqui ao fato de que, num contexto de massificação escolar, as famílias
reivindicarão “legitimamente” para seus filhos o tipo formação, o estabelecimento de
ensino e, às vezes, até mesmo a sala de aula julgados os mais eficazes. [...] Se Dubet
chama a atenção para o fato de que em todos os grupos sociais o investimento em
educação aumenta, outros autores irão se ocupar, em particular, de seu impacto sobre
as classes médias, evidenciando que elas vêm intensificando e refinando ainda mais
suas estratégias educativas para tirar proveito dos recursos (culturais e econômicos)
que possuem em prol da escolaridade dos filhos. [...] A resposta das classes médias
ao aumento da insegurança e do risco envolvidos em suas estratégias de reprodução
foi uma intensificação da competição pela posição (Ball, 2003, p. 18-20). O que ecoa
a constatação mais antiga de Dubet & Martuccelli (1996, p.119) de que “é nas classes
médias, mais ainda do que nas classes superiores, que a escola está fortemente
integrada numa estratégia de reprodução social”.(NOGUEIRA, 2010, P.219)
87
O segmento social, que surge como interessado no tema, será o mesmo setor que mais,
intensamente, apostou suas fichas na escola como forma de ascensão social. O talento e o
sucesso escolar foi tema fundamental para as classes médias25 e urbanas, em sua trajetória de
luta pela escolarização da sociedade.
Mas mesmo a classe média, que poderia atuar em defesa da causa das AH/SD, sofre
com o dilema de ser defensora da meritocracia e se ver diante de crianças, “naturalmente”,
talentosas. Suspeitamos que a solução para este dilema tenha sido o silêncio e a invisibilidade.
Os docentes, conforme Masson (2007), enxergam-se como pertencentes à classe média
e são fortemente marcados pela mesma ideologia da meritocracia, desta forma, resistiriam em
indicar crianças com AH/SD, devido à percepção de que estas se relacionem com as ideias de
dom e inatismo.
Não podemos deixar de notar que ocorre um grande interesse, das redes de escolas
particulares, em relação à invisibilidade das AH/SD. Pois, enquanto as escolas públicas não
notam estes educandos, a rede privada os conhece bem e seleciona-os em exames acadêmicos,
concursos de bolsas e torneios esportivos, de modo que sejam atraídos por estas escolas e lá
chegando, usufruam de bolsas de estudos26.Deste modo, não sendo tratados com alunos com
AH/SD, tem seus resultados como: aprovação em exames vestibulares, medalhas em
olimpíadas de Matemática ou vitórias em torneios esportivos, apresentados como fruto do
trabalho (exclusivo) das escolas. Tornando resultados positivos, em conquistas das instituições
e mérito da “alta qualidade” das escolas, de modo que justifique as exorbitantes mensalidades
e construindo os nomes dos colégios preferidos pela classe média.
2.4.6 - As AH/SD como Fenômeno Social Multifacetado
É importante saber, se como ocorre com o fracasso escolar, as taxas de analfabetismo,
e o acesso ao ensino superior, a renda é um fator com impacto, nas trajetórias escolares dos
alunos com AH/SD, bem como, conhecer se no que se refere à identificação, atendimento e
aceleração, haja correlação entre renda e reconhecimento da situação de alto-habilidoso.
25 Trabalhamos com a definição de classe média apresentada por Nogueira (2010). 26 Durante nosso trabalho com a formação dos professores sobre o tema das AH/SD, inúmeros professores que se
dividem entre as redes pública e privada, relataram casos de alunos talentosos da rede pública, que estavam sendo
atraídos através de bolsas de estudo para as escolas particulares. Outro exemplo é a conhecida tradição das escolas
privadas, da Baixada Santista, em oferecer bolsas de estudo para alunos que se destaquem, nas copas TV Tribuna
de Esportes, que são, anualmente, realizadas e que atraem grande atenção da mídia e do público.
88
Pesquisas estadunidenses, brasileiras e espanholas afirmam que, do ponto de vista das
questões de gênero e etnia, existem entre os invisíveis grupos que são ainda mais invisíveis.
Estudos brasileiros já demonstraram que o número de crianças identificadas com AH/SD é
muito maior no gênero masculino27, mostrando que as relações de gênero limitam os
investimentos dos docentes, nas alunas, como um todo e, também, nas com AH/SD.
Trabalhos norte-americanos indicam que semelhante ao ocorrido com as meninas
brasileiras, os alunos negros, também, representam uma minoria indicada para os programas de
AH/SD, somados aos latinos, constituindo um número muito inferior em relação às indicações
de alunos caucasianos e asiáticos.
Diante da falta de dados sobre renda e etnia, dos alunos identificados com AH/SD e
conhecedores dos dados do IBGE, de que o fator étnico é decisivo em prejuízo aos negros, com
relação a anos de escolaridade, índices de reprovação, e acesso à universidade; pensamos ser
razoável supor que o número de negros indicados com AH/SD seja inferior ao de alunos
brancos, o que nos ajuda a entender parte da invisibilidade.
Deste modo, cabe indagar o que ocorre no pensamento do professor, quando este foi
formado por uma escola marcada pela seletividade, ele próprio, ideologicamente, filiado à
classe média e seus discursos de meritocracia, calejado por uma estrutura que impede um
trabalho de qualidade, ao encontrar uma criança com talentos acima da média. Seu olhar
“viciado” em encontrar fracasso, ainda, é capaz de enxergar sucesso?
2.4.7 - O Fenômeno a Partir do Conceito de Capital Cultural
Consideramos que na busca pela compreensão dos motivos que levam escolas, redes de
ensino e professores a, sistematicamente, ignorar os alunos com AH/SD, os conceitos
desenvolvidos por Bourdieu e Passeron (1992), sejam fundamentais. Entre estes, destacamos:
capital cultural, habitus docente e escola reprodutivista.
Acreditamos que seja necessário um trabalho de análise da produção teórica sobre a
Sociologia da Educação, de um modo mais amplo, para que possamos compreender como
ocorre e funciona o fenômeno da invisibilidade dos alunos com AH/SD.
Bourdieu e Passeron (1992), na obra: “A Reprodução”, apresentam-nos como o mito da
escola redentora da sociedade não se sustenta, quando analisada, empiricamente. Segundo
Bourdieu, a ideia de que através do acesso a “escola única” e igual a todos, seria possível
89
garantir ascensão social. conforme o mérito de cada indivíduo, não passa de discurso
ideológico.
Outra ideia de Bourdieu é a critica à noção de que a escola contribuiria para a redução
e quiçá a superação das desigualdades sociais. Para o autor, a escola, no final das contas, acaba
reproduzindo as desigualdades sociais e legitimando-as, ao disfarçá-las em diferenças
resultantes dos variados níveis de talento e dedicação dos sujeitos.
A partir da leitura de Bourdieu, verifica-se que o sucesso, na escola, tem relação direta
coma posse de capital cultural, bem como, na habilidade e disposição das famílias em mobilizar
o capital cultural e econômico, na construção de trajetórias escolares bem-sucedidas.
Segundo o autor, o fracasso, também, tem endereço certo, quando analisamos dados
empíricos sobre a trajetória escolar dos estudantes. Em geral, aqueles que fracassam são os
alunos privados do capital cultural exigido pela escola.
Desta forma, segundo Bourdieu, no final das contas, são bem-sucedidos aqueles que, no
início de sua jornada escolar, já estavam destinados ao sucesso pela sua origem social e o
mesmo raciocínio serve para o fracasso.
Conforme o autor, o sucesso das crianças, na escola, dar-se-ia, em grande parte, não
apenas pelas suas capacidades, esforço e estudo e, sim, por um conjunto de conhecimentos
cobrados pelos docentes de forma sutil e quase sempre não intencional, como: a frequência a
museus, o gosto pelas artes, o prazer pela leitura, o comportamento escolarizado ou o uso da
linguagem escrita ou oral.
O conceito de capital cultural, é de suma importância para a compreensão da
invisibilidade das crianças com AH/SD, pois, quando os professores tem em seu imaginário o
ideal de aluno baseado no capital cultural típico de seu grupo social (classe média), acaba
usando critérios, ainda mais seletivos, para pensar nas crianças com AH/SD.
Neste sentido, crianças, profundamente, talentosas, mas desprovidas do capital cultural
típico da classe média, dificilmente, serão notadas.
Quando não percebem o papel do capital cultural para a manifestação de talentos, o
professor acaba por impedir que as crianças mais pobres, exatamente, que mais precisariam da
escola para desenvolver suas habilidades e talentos, tenham seu pleno desenvolvimento.
O desconhecimento dos professores e escolas sobre a importância que o capital cultural
exerce, no sucesso de um estudante, bem como, a crença, nas ideologias que contribuem para
travestir capital cultural e econômico em potencial intelectual natural, majora a tendência à
invisibilidade das AH/SD, entre alunos oriundos da classe trabalhadora.
90
Com a noção de que os alunos da rede pública, com formação pouco erudita, com
famílias pouco escolarizadas, com poucos recursos para acessar bens culturais, teriam pouca
condição de apresentar AH/SD de forma natural/inata, os filhos da classe trabalhadora,
dificilmente, chamam a atenção dos professores pelo seu potencial e, assim, reforça-se e
justifica-se a invisibilidade das AH/SD nos meios populares.
O conceito de capital cultural constitui ideia fundamental para a compreensão das
AH/SD, bem como, da invisibilidade. A teoria mais aceita, atualmente, para explicar as AH/SD
propostas por Renzulli, “Teoria dos Três Anéis”, tem pelo menos dois dos fatores considerados
características de AH/SD, fortemente, marcados pelo capital cultural: a habilidade acima da
média e o envolvimento com a tarefa, ainda que sejam, normalmente, considerados apenas sob
a perspectiva biológica.
Comumente, olhamos para estas características de forma naturalizadas, como se
surgissem espontaneamente, relegando a importância que a história social dos sujeitos pode ter
na expressão, formação e desenvolvimento de tais “talentos”.
O que pretendemos, sem cair nos equívocos do determinismo social, é demonstrar que
ter pais atletas, músicos ou extremamente interessados em música, permite um trânsito de
informações privilegiado, nestes campos, às crianças, que pode ter um papel decisivo no
desenvolvimento, do que definimos como “habilidades acima da média”.
Outro componente fundamental para o entendimento de AH/SD, que é a noção de
envolvimento com a tarefa, também, compreendida com um olhar histórico e social e, desta
forma, tratado como parte do capital cultural que grupos sociais e familiares acabam legando
às suas crianças.
Acreditar que a capacidade humana de se envolver em uma tarefa seja algo natural,
individual e determinado por fatores biológicos apenas, constitui um dos fatores colaboradores
da invisibilidade dos alunos AH/SD.
Entendemos que o grau de envolvimento com uma tarefa seja algo com fortes contornos
individuais, mas que não pode ser, totalmente, concebido sem uma análise histórica e social,
isto porque, a quantidade de esforço, tempo e dedicação de um indivíduo a certo tipo de
atividade representa uma somatória de fatores, como: valorização social da atividade, o sucesso
obtido que estimula maior investimento, a percepção de que sucessos agradam os familiares
etc.
91
Defendemos que o envolvimento com a tarefa é algo ensinado e desenvolvido, em
especial, com as tarefas escolares, pois são, em grande parte, produtos dos ethos28familiares e
sociais. A capacidade de ler por horas, ouvir longas exposições docentes, envolver-se com
pesquisas, ser questionador, são posturas ensinadas e transmitidas socialmente.
Por vezes, desconhecendo o papel que o capital cultural exerce, na constituição desta
capacidade ou da importância da atuação dos docentes, na formação destes comportamentos,
professores terminam por não identificar o potencial intelectual de alunos alto-habilidosos, das
camadas populares e residentes nas periferias de grandes cidades ou em áreas rurais, por estes
não apresentarem o envolvimento com as tarefas escolares, que é considerado natural e
adequando pelo docente, contribuindo desta forma para o fortalecimento da invisibilidade.
Por outro lado, quando colocados diante do “improvável” fato de encontrar grande
envolvimento com as tarefas acadêmicas, em crianças com familiares pouco escolarizados, há
a tendência a valorizar as explicações centradas nos indivíduos, como: a genética ou o dom,
para explicar estes casos considerados raros. Neste sentido, a invisibilidade é reforçada em dois
polos, seja considerando que o envolvimento com as tarefas acadêmicas é natural,
desprezando-se a oportunidade de ensiná-lo às crianças da classe trabalhadora, seja ao buscar
explicações nos próprios indivíduos, que por serem exceção à regra, contribuem para o
fortalecimento da ideia de que as altas habilidades são, necessariamente, fenômeno raro e
restrito a um grupo pequeno e seleto.
Tais posturas decorrem de olhares superficiais das histórias destes sujeitos e de noções
estereotipadas das classes populares.Não atentam que o discurso da ascensão social, por meio
da escola, pode ser a marca de um determinado grupo social; para o peso de uma mãe exigente,
diante dos comportamentos escolares (ainda que ela própria não tenha frequentado a escola e,
às vezes, exatamente por isso) seja decisiva; a ética religiosa do estímulo ao estudo; a vivência
de relatos de sofrimento dos pais pela pouca frequência à escola; uma “madrinha” que estimule
os estudos; o encontro com um professor que estimule e acolha; a família que, mesmo carente
economicamente, investe o pouco que tem em livros, computadores e acabam criando o
sentimento de dívida com os pais e, por fim. Todos estes são modos de desenvolver o chamado
“envolvimento com a tarefa”.
28 Em “A Ética Protestante e o espírito do Capitalismo,” Weber apresenta como determinados Ethos familiares são
transmitidos por grupos e gerações, desenvolvendo comportamentos característicos de uma determinada
orientação religiosa, política, nacionalidade. Neste sentido, determinados grupos familiares podem se
tornarcapazes de, a partir de éticas particulares de uma dada família ou grupo, transmitir valores profundamente
escolares a suas crianças, como: a capacidade de envolvimento com a tarefa e, para citar um exemplo, podemos
destacar os rendimentos de crianças filhas de imigrantes, normalmente, muito dedicadas às tarefas escolares, por
virem nesta uma das poucas oportunidades de ascensão e reconhecimento social. (WEBER,1989)
92
Neste sentido, a análise de obras de Lahire (1997), e Setton (2016), que avaliam a
constituição dos sujeitos e suas potencialidades, em seus processos de individualização,
produzindo sucesso, em contextos improváveis e por vias que o determinismo, sequer, poderia
supor, tornam-se fundamentais para a compreensão da formação das AH/SD.
O desconhecimento destes caminhos “sinuosos”, nos processos de socialização e
individuação dos sujeitos, pode ser responsável pela não percepção de seres, profundamente,
talentosos.
Autor fundamental para a compreensão das AH/SD, que escape da armadilha da
dicotomia nature X nurture, é Sartre (1979), e a análise das histórias individuais de constituição
e manifestação dos talentos, a partir do método progressivo regressivo descrito em, Sartre
(1979), ou através de sua biografia de Gustave Flaubert (O Idiota da Família), onde utiliza o
método progressivo regressivo, como forma de analisar a constituição da biografia e dos
talentos de uma pessoa, trabalhando com a ideia de que ninguém é, em nenhuma circunstância,
completamente individual, nem, totalmente, a reprodução das determinações sociais de uma
determinada sociedade e contexto, sendo, exatamente, esta dialética entre individual e universal
que deva ser analisada, Sartre (2014).
2.4.8 - O Habitus Docente e a Identificação de Indivíduos com AH/SD
Bourdieu formula o conceito de habitus e o apresenta como uma importante
ferramenta interpretativa da realidade, no contexto de uma sociologia interessada em
dissolver as fronteiras entre indivíduo e sociedade (Wacquant, 2006 apud ARAÚJO,
2014, p. 218)
Outro importante conceito construído por Bourdieu, para analisar o fenômeno da
reprodução social operada pela escola, é o de habitus docente. O conceito de habitus surge na
obra de Bourdieu, no contexto de sua reflexão crítica sobre o papel da escola, na reprodução
social.
Buscando compreender as relações entre base material e individualidade, Bourdieu
formula o conceito de habitus, como nos indica Araújo e Oliveira (2014):
Do interesse em compreender a relação entre as condições materiais de existência
(capital econômico), a estrutura sócio institucional e a individualidade, Bourdieu
(2001) é levado ao conceito de habitus. O habitus configura-se como um sistema
ímpar de disposições para a ação, desenvolvido por cada um, em virtude da posição
que ocupa na estrutura social. Nas palavras de Bourdieu (2007), o habitus é um
“sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas
estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto
das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (p. 191).
(ARAÚJO e OLIVEIRA, 2014, p. 217)
93
Nas palavras de Araújo e Oliveira (2014)29, ohabitus inclui tanto as representações sobre
si e sobre a realidade, como, também, o sistema de práticas em que a pessoa se inclui, os valores
e crenças que veicula, suas aspirações, identificações etc. O habitus opera na incorporação de
disposições, que levam o indivíduo a agir de forma harmoniosa com o histórico de sua classe
ou grupo social e, essas disposições incorporadas refletem-se nas práticas objetivadas do
sujeito. O habitus pode ser visto como uma síntese dos estilos de vida e dos gostos pelos quais
apreciamos o mundo e nos comportamos nele Bourdieu (2013).
O habitus seria, então, o elo entre três elementos: a estrutura das posições objetivas, a
subjetividade dos indivíduos e as situações concretas de ação Nogueira (2004) , e Setton (2016).
Com a função de estabelecer coerência tácita entre a ação individual e as expectativas
de classe, o habitus, segundo Araújo e Oliveira (2014, p.219), faz o indivíduo dar mais crédito
às oportunidades e práticas sociais habituais comuns ao seu grupo, do que àquelas incomuns,
diferentes ou inusitadas. Por essa razão, certas trajetórias de desenvolvimento pessoal podem
ser desprezadas, simplesmente, porque o indivíduo acredita que aquilo não é para ele, porque,
em suas próprias experiências anteriores e nas de seu grupo, ele não consegue encontrar
elementos empíricos, que justifiquem o investimento em oportunidades.
Em muitos casos, as pessoas projetam sua vida à luz da estrutura e das experiências que
constituem o histórico do seu grupo social. Nesse sentido, resume:
A ideia básica da noção de habitus estabelece que a incorporação progressiva das
práticas faz com que as ações percam a condição de práticas estruturadas e comecem
a parecer práticas naturais, constituindo-se ‘estruturas estruturadas estruturantes’ que
viabilizam a própria vida social. (ANDRADE, 2007, p.105-106):
A partir destas concepções de Habitus, que Bourdieu e alguns dos especialistas em sua
obra nos apresentam, consideramos que a noção de AH/SD não pode ser compreendida, sem
levar em conta que o termo em si, já traz uma carga de sentidos que o sujeito que o utiliza
mobiliza, quando precisa pensar no tema das AH/SD.
O conceito de Habitus pode colaborar para a compreensão da invisibilidade e nos ajudar
a entender como a experiência, da maioria dos docentes, em um ambiente escolar
profundamente baseado no discurso da meritocracia e da seletividade, relaciona-se com as
29
Araújo, C. M. & Oliveira, M. C. S. L. Contribuições de Bourdieu ao tema do desenvolvimento adolescente em
contexto institucional socioeducativo, Pesquisas e Práticas Psicossociais – PPP - 8(2), São João Del-Rei,
julho/dezembro/2014
94
ideias que fazem das AH/SD; levando-nos, talvez, a entender porque os alto-habilidosos são
invisíveis aos professores.
Segundo Masson (2007,p.6): “O professor da rede pública faz parte de uma classe
média, que no Brasil, se desenvolveu sobre tudo a partir de 1930, com a industrialização.”,
precisamos, então, entender como a concepção de AH/SD se desenvolveu e se fortaleceu, no
interior da classe média brasileira, ao longo de sua história, caso desejemos compreender como
o imaginário sobre AH/SD, se desenvolveu e difundiu. Sobre a definição da classe média,
citamos, também, (MASSON, 2007, p.6):
Essa classe social precisou convencer a classe dominante do seu valor, fazendo-a
avaliar de forma diferenciada o trabalhador intelectual e o trabalhador manual. A
classe média passou a invocar o prestígio social do “trabalho intelectual” para firmar
uma situação econômica social superior à das classes trabalhadoras manuais. Assim,
à medida que a classe média se desenvolveu, ela passou a se preocupar com a
educação e a reivindicar a intervenção do Estado no ensino, perseguindo um ideal de
escola – uma Escola Única.
Como sabemos, uma das características da classe média é a defesa de suas posições
distintas do restante dos trabalhadores manuais, a partir da noção de que possuiriam maior
mérito, devido à natureza intelectual de suas atividades profissionais e, seus méritos pessoais,
comprovar-se-iam, sobretudo, por intermédio do sucesso escolar.
Como conciliar o que Bourdieu definiu como ideologia do mérito com a noção de
AH/SD? Como a classe média poderia convencer as elites a lhe valorizar (exclusivamente) os
méritos intelectuais, diante do grande número de pessoas AH/SD, que estariam distribuídas
pela sociedade e invisíveis? Haveria dificuldade em justiçar e garantir o monopólio de seus
“lugares sociais”, caso tivéssemos um imenso número de alunos de escolas públicas
identificados como superdotados e que, com poucos estímulos intelectuais, pudessem galgar
os postos de trabalho que, tradicionalmente, a classe média costuma compreender como sua
reserva social de direito. A defesa da ideologia da mobilidade social, por meio do mérito, seria
atingida, quando ficasse evidenciado, que pessoas superdotadas, oriundas dos extratos sociais
mais pobres, seguem uma vida de miséria e pobreza, apesar de sua inteligência.
Ainda sobre a disputa entre mérito e dom, Saes (2005), nos diz:
[...] a ideologia do mérito individual circula, devidamente comandada e vigiada pela
ideologia orgânica da classe média [....] e a ideologia do dom, embora se configure
como arma preferencial da burguesia, na desvalorização econômica e social do
trabalho em geral, pode funcionar como arma de reserva da classe média, a ser
acionada na explicação de situações excepcionais, onde se evidencia, mais que nas
situações normais, a importância da posse de recursos culturais prévios para uma
trajetória pessoal bem sucedida. Quando na prática ideológica da classe média, a
95
ideologia do mérito individual é colocada em perigo, a ideologia do dom deve
provisoriamente tomar o seu lugar. (SAES, 2005, p. 108 e 110).
Caberia nos perguntar como a classe social que, normalmente, se considera fruto
de dom ou mérito, possa trabalhar com a noção de que as AH/SD. Aqui, encontramos a ideia
de Habitus docente e sua relação com a invisibilidade dos alunos com AH/SD, afinal, propomos
uma reflexão que considere as experiências docentes como grupo e classe social e sua relação
com a disposição em identificar ou não alunos de classes populares como pessoas com
talentosas.
Nossa questão é pensar até que ponto o fato destes professores, que na sua maior parte,
foram estudantes em escolas, profundamente, seletivas e excludentes, marcadas por elevados
índices de evasão e reprovação, tem seus Habitus formados, de modo tão seletivo, que lhes seja
impossível conceber e identificar alunos, com elevado potencial intelectual, em suas turmas
atuais, repletas de crianças pobres, afrodescendentes e com pais pouco escolarizados.
Poderíamos supor que a estrutura social brasileira, fortemente racista, acabaria por
“cegar” os professores, quanto aos seus alunos mais talentosos, caso sejam estes
afrodescendentes.
Outra reflexão importante é pensar sobre o papel das questões de gênero, na opção por
identificar ou não alunos com AH/SD, conforme Pérez e Freitas (2012, p.7): “65% das
adolescentes superdotadas escondem suas habilidades e (…), três de cada quatro mulheres
superdotadas não acreditam na sua inteligência superior. Essa ocultação das habilidades,
continua ao longo da vida, já que as mulheres são socialmente desencorajadas a demonstrar
habilidades excepcionais”.
Estas considerações são importantes, para que atentemos ao fato de que explicações
genéricas e generalizantes sobre os motivos da invisibilidade devem ser consideradas, com
cuidado, uma vez que, a identificação dos sujeitos alto-habilidosos pelos docentes, suas escolas
e mesmo sua própria autoidentificação ocorre permeada por fatores, marcadamente, arraigados
na sociedade brasileira, como: racismo e machismo. Como tentaremos mostrar, os fatores que
dificultam a identificação e atendimento dos alunos talentosos, ligam-se à própria estrutura
social brasileira, e a características profundas de nosso sistema escolar.
2.4.9 - A Invisibilidade das AH/SD e a Escola Reprodutora
96
Um ponto que não podemos deixar de considerar, caso desejemos compreender os
motivos que fazem com que tão poucas crianças brasileiras sejam identificadas como pessoas
com AH/SD, é a questão da produção do fracasso escolar.
Durante, praticamente, todo o século XX, a História da Educação Brasileira foi marcada
por uma concepção de escola pública, que teria a missão redentora da sociedade. Nos debates
sobre a implantação da educação pública brasileira, na Velha República, no governo Vargas,
em todo o Regime Militar, na redemocratização e, mesmo atualmente, em projetos como
“Todos pela Educação”, sempre esteve presente, no Brasil, a percepção da escola como a
instituição que seria capaz de redimir o Brasil de suas mazelas, em especial, sua desigualdade
e miséria.
Mas, trabalhos como os de Bourdieu e Passeron (1992), Patto (2000), Baudelot e
Establet (1971), há muito demonstraram que a educação está longe de ter tais poderes e
proporcionar justiça social e solução para as desigualdades. Isso, quando não acaba por fazer,
exatamente, o oposto, reforçando as desigualdades, sob a chancela de legitimidade conferida
pelos títulos escolares.
A partir das constatações de Bourdieu e Passeron, de que o sistema escolar, ao contrário
de proporcionar igualdade e justiça social, termina por garantir e legitimar a reprodução das
desigualdades já existentes na sociedade, nos propomos a pensar na questão das AH/SD.
Em linhas gerais, teríamos dois problemas objetivos para analisar as AH/SD, a partir de
uma teoria reprodutivista. Em primeiro lugar, em uma análise da escola que a considera
reprodutivista, restariam poucas oportunidades dos talentos dos alunos oriundos das classes
trabalhadoras manifestarem-se, já que privados de capital cultural e econômico, não teriam (ou
teriam muito pouco) condições de obter sucesso, nas suas experiências escolares. Em segundo
lugar, em uma teoria que se apresentasse, totalmente, reprodutivista, talvez, nem fosse possível
falar em AH/SD acadêmicas para filhos da classe trabalhadora, excluindo, apenas, “os
miraculados”, como o próprio Bourdieu se autodefinia.
Sendo assim, a teoria da escola reprodutivista indica-nos que a própria função da escola
de reproduzir a sociedade, seria responsável pela invisibilidade dos alunos com AH/SD, pela
mesma razão que os alunos mais pobres e com menor capital cultural fracassariam na escola,
também, eles não seriam notados como crianças com AH/SD.
Porém Lahire (1997), analisando casos de crianças com sucesso escolar oriundas de
meios populares, apontou-nos que os caminhos da transmissão do capital cultural e
compreensão dos rendimentos escolares são mais complexos, que a simples reprodução
mecânica dos títulos dos pais. Motivações pessoais e/ou familiares poderiam indicar caminhos
97
para a transmissão de capital cultural tão complexos, quanto capazes de produzir histórias de
sucesso escolar. Mostrando que apesar de improvável, haveria mais “miraculados” que a teoria
poderia fazer supor e, assim, contra todos os prognósticos, temos um grupo razoável de crianças
que obtêm sucesso, em suas experiências escolares.
Pensamos que a sistemática posição em silenciar e tornar invisíveis tais alunos, indica-
nos que as ferramentas de reprodução são mais poderosas e efetivas do que supomos, atuando
não apenas na produção de fracasso, mas, também, tornando invisíveis potenciais casos de
sucesso, mesmo improváveis, até serem convertidos no fracasso previsto e provável.
Deste modo, a noção de escola reprodutivista se cruza com o tema das AH/SD de duas
formas: a partir da própria prática escolar de reproduzir a sociedade, bem como, a partir da
visão de um grupo de professores que entende a escola como elemento de reprodução da
sociedade, que não deixa espaços para contradições, na trajetória escolar dos filhos da classe
trabalhadora.
No primeiro caso, a invisibilidade dos alunos com AH/SD, no interior das escolas
públicas, ocorreria não porque, conscientemente, decida excluir as crianças de classes
trabalhadoras, nem deliberadamente resolva prejudicar algum aluno, mas, porque, crendo nos
poderes redentores da escola e desconhecendo a faceta reprodutora desta instituição, os
professores acabariam apostando no futuro para a confirmação/negação de talentos. Assim, os
alunos que apresentem rendimento e potenciais elevados não precisariam ser identificados, pois
o próprio sucesso escolar seria capaz de conduzi-los a postos de destaque, conforme seus dons
e méritos.
A segunda hipótese ocorreria com os professores que entendem a escola, a partir de uma
perspectiva crítica e deste modo, compreendem a escola em suas funções reprodutoras. A
depender do modo como estes professores entendem o papel do capital cultural familiar, na
reprodução, o professor pode partir de ideias que flertam com uma espécie de determinismo, o
que acabaria impedindo o educador de supor a possibilidade da presença de crianças
superdotadas, em escolas públicas, pois estas seriam desprovidas do capital cultural necessário
para o sucesso na escola.
2.4.10 - O Fracasso Escolar e as Altas Habilidades/Superdotação
Neste tópico, propomos a reflexão sobre o papel que o fracasso escolar tem, na produção
da invisibilidade das crianças com AH/SD. A partir do clássico de Maria Helena Souza Patto,
“A produção do fracasso escolar” (Patto, 2000), temos a oportunidade de observar a realidade
98
educacional brasileira, por intermédio de uma análise, que se utiliza das teorias sobre o
cotidiano de Agnes Heller, para compreender como ocorre o processo de produção, em massa,
do fracasso escolar nas escolas públicas brasileiras.
De modo preciso, a autora demonstra as muitas teorias que tentaram, ao longo do século
XX, explicar os motivos de um grande contingente de estudantes, sobretudo, crianças da classe
trabalhadora, sistematicamente, fracassarem em suas experiências escolares.
Este trabalho nos ajuda transpor as explicações baseadas, na formação deficiente dos
docentes sobre as AH/SD e mitos sobre o tema, como causas da invisibilidade. Leva-nos por
caminhos mais profundos da dinâmica escolar. Pensamos que não seja possível compreender o
quadro de invisibilidade das AH/SD, sem uma análise que integre o tema à realidade
educacional, considerando problemas, como: o fracasso escolar e indisciplina.
Quando nos questionam sobre o tema de nossas pesquisas, as reações, geralmente,
dividem-se. Informados que procuro pesquisar as AH/SD, os trabalhadores respondem com
amplo interesse ou com certo desdém.
Em nossa trajetória de pesquisa, pensamos que ambas as posturas apresentadas,
interesse imediato ou desprezo, refletem-se nas posturas sobre dois conceitos, que surgem na
realidade escolar, em geral, tratados como pólos opostos: o fracasso escolar e as AH/SD.
Propomos uma abordagem a respeito da escola capitalista, onde o fracasso escolar e a
situação dos alunos com AH/SD, não sejam entendidos como partes isoladas de mundos
distantes, mas, como faces da mesma moeda, ligadas pelo fenômeno da invisibilidade de
crianças com AH/SD ou dificuldade de aprendizado.
Os pesquisadores das AH/SD, em geral, tratam seus objetos de pesquisa de modo
isolado, como se as crianças talentosas não estudassem em escolas, onde a maioria dos
estudantes fracassa. Por vezes, as escolas destes alunos são acusadas de educar para a
mediocridade e para os medianos30. No fundo, educam para o fracasso e para a reprodução da
sociedade de classes, logo, faz pouco ou nenhum sentido, falar em AH/SD para educadores,
que atuam em escolas marcadas pelo fracasso.
Uma das razões apontadas pelos docentes, durante as formações nas escolas, para não
indicarem alunos como suspeitos de altas habilidades/superdotação, sustenta-se na normalidade
30 Durante palestra realizada no CBEE2014 na UFSCAR, proferida pela professora Zenita Guenther, a profissional,
diversas vezes, destacou a pouca atenção recebida pelos alunos alto-habilidosos ou dotados, para utilizarmos a
terminologia preferida pela pesquisadora. Em sua avaliação, a pouca atenção dedicada às AH/SD dar-se-ia pela
prioridade das escolas e redes de ensino em educar as massas de alunos medianos, em detrimento do talento.
99
destes alunos que se destacam, apenas, devido à maioria dos estudantes terem resultados
insatisfatórios.
Tal atitude, além de negar as altas habilidades, empurra jovens para invisibilidade e
fracasso, pois ao definir um aluno com AH/SD como média a ser atingida, tornamos
praticamente impossível que a maioria dos alunos fuja do fracasso escolar, marcando-os com
rótulos de anormalidades patológicas ou juízos morais negativos.
Neste ponto, nosso trabalho com crianças com AH/SD interliga-se aos trabalhos sobre
produção do fracasso escolar, não sendo possível a compreensão da invisibilidade, sem analisar
o fracasso escolar, afinal, ambos constituem faces da escola reprodutivista.
2.4.11 - Ideologia das Aptidões Naturais e AH/SD
Para que possamos compreender os fenômenos que levam o Estado a,
contraditoriamente, ter tão pouco interesse nas crianças com AH/SD, precisamos levar em conta
que na sociedade capitalista, em especial no século XX, será a escola a instituição encarregada
de justificar as desigualdades sociais.
A chave da compreensão seria entender os motivos que levam tantos a fracassar e
mesmo os poucos, que obtêm sucesso, não serem percebidos por professores e escolas.
Como nos mostra Bisseret (1978), a teoria que explica os diferentes rendimentos
escolares dos indivíduos, a partir da noção de aptidão e vocação natural, teve muita força nas
teorias educacionais, e a escola teve papel fundamental, na disseminação entre as diferentes
classes sociais de concepções, que naturalizam o fracasso e o sucesso, a partir da ideologia das
aptidões naturais. Tal ideologia explicaria e seria, inclusive, capaz de prever o destino escolar
de cada seguimento social, a partir da ideia de vocação ou aptidão natural.
Nesta perspectiva, a primeira destas ideologias que deve ser analisada, é o que ficou
conhecido por “ideologia do Dom”. Acreditamos que a noção de dom deva ser profundamente
analisada, primeiro, porque uma parte dos professores, sinalizaram durante a pesquisa de campo
que entendem as AH/SD, a partir da noção de dom, dote, dotação e tais posições, ao
desconsiderarem os aspectos sociais, na manifestação e desenvolvimento das habilidades, pode
explicar porque professores e escolas acabam optando por não identificar estudantes alto-
habilidosos e preferem esperar que a “profecia” do dom desenvolva-se e realize seus feitos por
si mesma, gerando invisibilidade.
100
Ainda hoje, parte das teorias, que buscam explicar as AH/SD, mesmo que por caminhos
distintos das ideias apresentadas por Bisseret (1978), como “ideologia das aptidões naturais”,
partem da ideia de que as habilidades individuais acompanham os sujeitos, desde o nascimento,
sendo fruto da natureza (genética, hereditariedade), confirmando as observações de Bisseret
(1978), (ainda que dissimuladas em discurso científico), de que a ideologia das aptidões
naturais era poderosa arma na manutenção e justificação das desigualdades sociais.
A ideologia das aptidões naturais relaciona-se com a invisibilidade das AH/SD, em
especial, nas classes trabalhadoras, pois não acostumados a verificar aptidões naturais entre
proletários; os docentes, simplesmente, não as reconhecem, deixando de desenvolvê-los,
justamente, entre aqueles que mais dependem da escola para a aquisição do necessário capital
cultural, a fim de que obtenham sucesso, em suas experiências acadêmicas.
Na sociedade capitalista, a ideia de que os indivíduos trariam, de modo inato, as suas
aptidões naturais, tem grande força. Segundo este pensamento, as pessoas, ao nascer, já trariam
os dons que lhes dariam facilidades, na realização de determinadas atividades.
Há décadas, pesquisadores como Bisseret (1978), e Bourdieu (2002), denunciam tais
ideias como equívocos. Os autores demonstraram, em estudos clássicos, como estas ideologias
são, na verdade, justificativas para as desigualdades sociais e estratificação da sociedade, sendo
baseadas em concepções, que não se sustentam cientificamente.
Quando observamos, detidamente, as biografias dos sujeitos talentosos, dificilmente,
não surgem explicações, nas próprias histórias dos indivíduos, para suas altas habilidades e
talento, mas, leituras apressadas preferem considerar tais feitos, fruto dos dons inatos.
Os trabalhos de Bourdieu (1992), e Bisseret (1978), não deixam espaço para a ideia da
escola redentora e muito menos, aos partidários do talento inato, comprovam, empiricamente,
que o dom não passa da legitimação de privilégios econômicos e sociais, por meio da conversão
de capital cultural e econômico em títulos acadêmicos.
Mas a ideologia das aptidões naturais ainda tem força entre educadores brasileiros e
recebe endosso de alguns teóricos das AH/SD, colaborando para reforçar a ideia de que o talento
individual manifesta-se de modo espontâneo e quase mágico. E assim, o docente não vê sentido
em identificar uma criança com altas AH/SD.
2.4.12 - O Quadro das AH/SD, na Sociedade Brasileira
Nos últimos doze anos, deu-se o que podemos chamar de uma explosão de ações sobre
o tema. Neste período, o número de pesquisas e pesquisadores, na área, cresceu de maneira
101
acelerada e a produção acadêmica passou de menos de uma dezena de teses até 2002, para algo
próximo a uma centena de trabalhos, em 2015, conforme pesquisas realizadas, por intermédio
de ferramentas de busca na internet.
Como resultado do crescimento do número de pesquisas na área, o que se observou foi
um aumento no número de seminários, congressos e simpósios, no período, tornando a temática
mais presente nos debates acadêmicos e nacionais.
Paralelamente, o período conheceu um aumento da pressão de mães e familiares, de
crianças com AH/SD, por atendimento especializado, gerando disputas judiciais, envolvendo a
aceleração nos estudos (saltando séries) e admissão de adolescentes em cursos universitários.
Como fruto deste movimento, por atenção das autoridades escolares e aumento de
pesquisas engajadas com a identificação e atendimento às crianças com AH/SD, tivemos a
criação de inúmeras associações de pais de alunos com AH/SD, como as de Brasília, Londrina,
Rio Grande do Sul e de São Paulo. Tivemos, em 2006, a criação do CONBRASD (Congresso
Brasileiro de Altas Habilidades/ Superdotação) entidade nacional, que atua na defesa dos
direitos das pessoas com AH/SD, também, na divulgação de pesquisas e informações na área.
O resultado da pressão dos pais e divulgação de pesquisas na área resultou na criação
dos Núcleos de Altas Habilidades/Superdotação os (NAAH/S), destinados ao atendimento de
alto-habilidosos, criados pelo MEC, em cada unidade da federação, com o objetivo de colaborar
na identificação, atendimento de alunos e formação de professores.
Fruto deste incremento de pesquisas, pressão das famílias e ações do poder público e
iniciativa privada, foi o crescimento no número de alunos atendidos e identificados com altas
habilidades/superdotação, no sistema educacional brasileiro.
Diante deste quadro, podemos falar em invisibilidade das AH/SD, na educação
brasileira? Não teríamos uma situação contraditória, ao pesquisar a invisibilidade das AH/SD,
no contexto que acabamos de descrever?
A trajetória de crescimento da atenção, para os alunos e a consequente expansão, no
número de identificações, têm relações com os fatos descritos na realidade nacional, mas,
pensamos que, também, relacione-se com o contexto mais amplo da sociedade contemporânea
e guarde fortes vínculos com o crescimento da competitividade econômica entre países e
empresas, bem como, mudanças na divisão social do trabalho, que passou a buscar, com maior
agressividade, indivíduos talentosos, para um quadro de diminuição das economias industriais
e forte apelo à tecnologia, informática, telecomunicações e obtenções de patentes.
Esta afirmação decorre do fato de muitas das ações, nas áreas das AH/SD, em países
periféricos, terem ocorrido na última década do século XX e na primeira década, do século
102
atual. E uma análise sobre o tema, mostra-nos que a organização de trabalhos e ações em países,
como: França, Áustria, Portugal, Espanha, Argentina, Colômbia, México e Brasil indicam uma
semelhança na trajetória de atendimento aos estudantes “mais talentosos”, no que diz respeito
ao período, em que as primeiras ações, um pouco mais estruturadas, do ponto de vista de
políticas de Estado, ocorreram.
Os raros casos que fogem a este modelo são: os Estados Unidos, Rússia e China, nações,
que de longa data, selecionam talentos científicos e esportivos, para que garantam sua
hegemonia, como superpotências. Cuba e Israel surgem neste cenário como exceções.
Quando pesquisamos a bibliografia da área, encontramos muitas polêmicas e posições
divergentes, mas existe consenso, quando o assunto é a invisibilidade das pessoas com AH/SD,
em nossa sociedade, em especial, a invisibilidade experimentada por estes alunos, altamente,
habilidosos, no interior do sistema educacional.
Tal consenso baseia-se no hiato existente entre o número de pessoas, que segundo os
dados científicos teriam AH/SD e o número de pessoas, efetivamente identificadas, com talento
acima da média. Se as escolas brasileiras conseguissem identificar e atender ao menos 10% dos
alto-habilidosos, em potencial, teríamos em torno de 275 mil e 550 mil alunos com AH/SD, no
Brasil. Mas a realidade demonstra-nos, que apesar do grande crescimento, os atuais 13.000
estudantes, com altas habilidades/superdotação, representam 0,5% dos alunos, se usarmos o
menor dos índices, que corresponde a 5% da população.
Esta situação nos aponta que saímos de um quadro de inexistência da área, em 2000,
para um quadro atual de existência invisível, em 2015. Hoje, estas pessoas existem aos olhos
da Ciência e do Estado, mas são invisíveis, do ponto de vista concreto, para os governos, redes
escolares, escolas, docentes, população e mesmo para a academia.
Cabe destacar, que mesmo com esforços sobre-humanos de instituições e pesquisadores
para avanço na área e atendimento aos alto-habilidosos, temos uma concentração de alunos, em
um número de cidades e instituições, que não chegam a uma dezena. Sendo assim, as cidades
de: Brasília, Rio de Janeiro, Lavras, Vitória, Londrina, Marília e Santa Maria concentram mais
de 50% de todos os casos de AH/SD, no Brasil, levando-nos a constatar que, inevitavelmente,
em muitos municípios (Como o que nos serviu de base para a pesquisa), o quadro de AH/SD é
ainda de completa inexistência.
2.4.13 - Uma Situação Contraditória: “A Invisibilidade de Algo Muito Visível”
103
Diante do quadro de invisibilidade das AH/SD, com percentuais mínimos de
atendimentos e identificações, pode surgir a ideia de que isto ocorra por se tratar de um tema,
com pouca ressonância, na sociedade e restrito aos círculos acadêmicos.
Porém, ocorre um fenômeno diferente. Ainda que em número reduzido, não se pode
dizer que falte bibliografia na área. Com a ajuda da internet, podemos acessar, com facilidade,
um número razoável de trabalhos com a temática de nossa pesquisa.
As AH/SD contam, também, com uma rede de militantes bastante atuantes e
organizados, que envolvem pais, pessoas com AH/SD, psicólogos, advogados, professores
especializados, pesquisadores, mundialmente, renomados e mesmo parlamentares sensíveis à
causa. Tal organização garante a existência de associações estaduais e nacionais, apoio junto a
empresários e a publicação de valiosos materiais sobre AH/SD, que culmina com a realização
de grandes eventos, como os congressos do CONBRASD.
Outra característica do campo das AH/SD é que este tema está distante de ser
desconhecido ou não chamar a atenção da população, em geral. Pelo seu caráter exótico e
misterioso, é grande a curiosidade das pessoas, o que contribui, por exemplo, para que exista
uma vasta produção cinematográfica sobre AH/SD, destacamos, filmes como: “Uma Mente
Brilhante”; “O Talentoso Ripley”; “O Gênio Indomável”; “A Teoria de Tudo”; todos
hollywoodianos e com grandes bilheterias, que abordaram de algum modo a temática.
Mesmo com vários equívocos e estereótipos, que outra área da educação contaria com
uma série mundialmente famosa como, “The Big Bang Theory”, ou mesmo movimentos
culturais como Geeks e Nerds, e até mesmo, ídolos e ícones da cultura Pop associados a área.
Vale ressaltar que, atualmente, as AH/SD encontram um terreno, ainda mais fértil, para
a sua disseminação. Por meio dos programas de televisão, que apresentam crianças com talentos
acima da média, nas áreas de música e culinária em programas como “The Voice Kids” e
“MasterChef Júnior”.
Assim, surge a questão: apesar de ser um tema, que desperta curiosidade e tem apelo
junto à população, por que temos números tão reduzidos de estudantes identificados e
encaminhados, no Brasil, quando se trata de AH/SD?
Em nosso percurso teórico metodológico, verificamos que em nossa sociedade, não são
as AH/SD que são invisíveis. Invisíveis são os sujeitos concretos com AH/SD, em especial, as
crianças de escolas públicas, sobretudo as pobres, negras, mulheres, habitantes de cidades
interioranas e com pais, que tenham pouca escolarização.
104
Com estas reflexões, encerramos o capítulo com a constatação de que a invisibilidade é
fruto de inúmeras determinações sociais relativas à sociedade capitalista, ao funcionamento das
instituições escolares e, a educação brasileira.
A ausência de análises sobre as AH/SD, que não consideram tanto sua constituição,
como sua invisibilidade, levando em conta as contribuições das ciências sociais, termina por
colaborar com o agravamento da situação de invisibilidade.
Desta forma cabe avaliar o problema das AH/SD ao longo da história, de modo a
verificar como o desenvolvimento da sociedade brasileira e do sistema educacional nacional,
tem relações com a produção do fracasso escolar e invisibilidade das altas
habilidades/superdotação.
CAPÍTULO III
A HISTÓRIA NA INVISIBILIDADE DOS ALTO-HABILIDOSOS
3.1 O Talento Humano ao longo da História
[...] uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “para si” sem
organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem
organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática
se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração
conceitual e filosófica. Mas esse processo de criação dos intelectuais é longo, difícil,
cheio de contradições, de avanços e de recuos [...]. (Gramsci, 2002, C 11, p. 1386/v.
1, p. 104)
105
O tema dos talentos humanos e a forma como estes se apresentam, de modos e
intensidades diferentes, nos indivíduos, chama a atenção das mais distintas sociedades, desde
os tempos mais remotos.
Quase tão antiga como a História Humana, é a indagação sobre quais fatores explicariam
rendimentos, tão diferentes, entre os seres humanos; porque um determinado individuo é mais
veloz, que todos os demais membros de seu grupo social/etário? Como surgem os talentos
humanos e, especialmente, como alguns indivíduos desenvolvem-se, aparentemente, mais que
os outros, de sua sociedade e contexto histórico? Assim, o talento humano foi motivo de atenção
e curiosidade entre as sociedades, desde a Antiguidade.
Gregos, romanos, astecas, guaranis, chineses, hindus, árabes, persas, aborígenes,
egípcios, quenianos, não há povo que não tenha o seu panteão de grandes nomes e que são
imortalizados, nas mais diferentes culturas, por meio de livros, crônicas e histórias.
Desta tradição, de imortalizar os feitos dos grandes homens e mulheres, como parte do
panteão de nomes de cada povo e período histórico, devido a contribuição destes, nos mais
diversos campos da produção humana, é que temos nomes como: Confúcio, Tlacaelel, Olympe
de Gouges, Cunhambebe, Rosa Luxemburgo, TupácAmaru, Marie Curie, Arquimedes, Cícero,
Haile Gebrselassie, Al-Mahani, sendo imortalizados na História da Humanidade e, em especial,
na dos seus respectivos povos.
A eternização dos gênios e seus feitos mostra à humanidade, desde há muito, interessada
por humanos capazes de resultados, que estão além daqueles que eram produzidos pela maioria
dos homens e mulheres de cada país, povo ou período histórico.
Desta tradição, em reconhecer e valorizar os gênios de cada época, destacamos que a
bibliografia especializada em AH/SD, comprova que, assim como os gênios, as crianças
talentosas mereceram atenção, desde os tempos mais longínquos.
Segundo Alencar e Fleith(2001), e Davis e Rimm (1994), existem relatos de ações para
a educação de crianças consideradas prodígios, já na China antiga. Tais relatos dão conta de
nos mostrar os cuidados e atenção, que as crianças consideradas “superdotadas” recebiam em
passado distante, garantindo que as mesmas pudessem desenvolver, totalmente, suas
potencialidades. Tais preocupações, também, podem ser verificadas, segundo os autores, nas
sociedades turcas do século XV e japonesa, no período 1608-1868.
Crianças sendo separadas das demais, para receberem educação especial, caso fossem
constatadas altas habilidades/capacidades, não chega a ser novidade. Quando analisamos as
sociedades do passado, seja na educação dos meninos espartanos, que eram separados das suas
famílias e educados para se tornarem soldados do exército, ou na educação dos mandarins
106
chineses e todos os seus rituais de etiqueta, recitação de poesias, percebemos práticas que
indicam a atenção e interesse pelos indivíduos talentosos.
Alencar (2001), afirma que, na Grécia antiga, Platão já defendia a seleção dos indivíduos
que demonstrassem inteligência superior, de modo que recebessem formação específica,para
lhes cultivar o talento e as habilidades, treinando-os para a liderança, e proporcionando
benefícios ao Estado.
Partindo da ideia, de que povos no passado já demonstravam interesse pelos indivíduos,
com habilidades, talentos, capacidades acima da média, podemos concluir que nossa pesquisa
trabalha com uma questão que tem referenciais históricos distantes.
Se mesmo civilizações antigas apresentaram profundo interesse pelos indivíduos, mais
capazes, como explicar o fato, de que em pleno século XXI, as escolas públicas brasileiras não
demonstrem interesse por seus alunos habilidosos e nem mesmo os conheçam? Qual seria o
motivo desta contradição que se verifica, no desconhecimento e invisibilidade, que marca os
alunos com altas habilidades?
Na Idade Média, para ficarmos na civilização europeia, a que mais conhecemos, devido
a nossa tradição cultural eurocêntrica, os relatos referentes às pessoas, consideravelmente, mais
talentosas que outras, também surgem. Nesse caso, temos nomes, como: Tomás de Aquino,
Nicolau de Cusa, Robert de Grosseteste ou Roger Bacon, todos grandes nomes das Ciências,
Filosofia, ou Teologia Medieval. Tomás de Aquino e Robert de Grosseteste são dois exemplos
de nomes medievais, que têm seus legados presentes até os dias atuais, seja nos campos dos
estudos teológicos e filosóficos, como Tomás de Aquino ou na influência da Universidade de
Oxford, fortemente ligada à história de Robert Grosseteste.
Realizando uma breve pesquisa na internet, sobre as pessoas consideradas gênios da
Idade Média, a relação de nomes que nos é fornecida, indica-nos que a genialidade e,
consequentemente, as altas habilidades não podem ser compreendidas, sem uma visão
historicizada do fenômeno. No caso dos gênios medievais, que obtivemos com a consulta dos
sites fornecidos pelo buscador Google31, o resultado não nos surpreendeu, pois apontam como
grandes nomes da Ciência Medieval, homens ligados à Igreja Católica Apostólica Romana, com
a maioria ocupando postos na alta hierarquia do clero.
Ou seja, quando questionamos as sociedades medievais, conhecidas por serem marcadas
pela hegemonia da igreja católica e predominância do pensamento religioso e misógino, com
31http://gloriadaidademedia.blogspot.com.br/2010/07/alguns-grandes-nomes-da-ciencia_11.html, Consultado em
12/01/2016.
107
os estudos basicamente restritos aos membros do clero, torna-se evidente considerar, apenas,
homens e membros do clero como gênios e detentores de AH/SD.
Cada sociedade define e reconhece a genialidade e as AH/SD, de acordo com seus
valores, crenças, idiossincrasias e estrutura social. Portanto, podemos considerar que ao
determinar aqueles que serão reconhecidos, identificados e valorizados como gênios, cada
sociedade e época histórica estabelece, também, aqueles indivíduos e talentos que não serão
reconhecidos e que, talvez, sejam até desestimulados e destinados à invisibilidade.
Sobre as AH/SD, na Idade Média, não nos surpreende que dentre os talentos, não
tenhamos nomes pertencentes a classe dos servos, pois a estes o estudo, a leitura, as reflexões
filosóficas eram negados e, assim, sua condição de pessoas, com talentos valorizados e
reconhecidos, era negada pela própria estrutura medieval.
O mesmo ocorre com as mulheres, obrigadas a viver em uma sociedade marcada por
um pensamento religioso, fortemente, misógino. Neste sentido, não chega a causar estranheza,
que poucas mulheres medievais sejam reconhecidas pelos seus feitos e contribuições à
humanidade, nos campos das Ciências, Artes ou Teologia. Mesmo àquelas raras mulheres, que
conseguiam romper com as barreiras sociais, estava reservado, além, das dificuldades impostas
a livre expressão de seus talentos, o esquecimento pela História.
Como no caso do exemplo de HildegardvonBingen32 (1098 -1179),
uma monja beneditina, teóloga, compositora, naturalista, poetisa, dramaturga, alemã e mestra
do Mosteiro de Rupertsberg, na Alemanha. Santa e doutora da Igreja Católica,
Hildegard,mesmo sendo mulher e enfrentando todas as dificuldades, que possamos imaginar,
por seus talentos pessoais, conseguiu vencer a resistência da estrutura do clero alemão e galgar
postos na igreja. Porém, após sua morte, foi esquecida por muito tempo e mesmo com muitos
membros do clero defendendo seu processo de canonização, este foi parado em 1584, sendo
concluído, apenas, no ano 2007, ou seja,mais de 400(quatrocentos) anos, até que fosse
reconhecida pelo Vaticano. Este é o preço que uma mulher talentosa medieval pagaria. E, apesar
de brilhante, Hildegard, conseguiu seu reconhecimento e aceitação na sociedade medieval, pois
era membro da nobreza local e atuou, firmemente, nas fileiras da igreja, sendo canonizada em
2007, por Bento XVI, não por coincidência, alemão, como Hildegard.
Confirmamos assim, como as condições sociais e históricas são determinantesno
reconhecimento ou esquecimento daquelesque apresentem algum talento. E que não se pode
32https://pt.wikipedia.org/wiki/Hildegarda_de_Bingen , consultado em 12/01/2016.
108
analisar o fenômeno das altas habilidades, como algo congelado no tempo, que independe da
sociedade, que esteja sendo estudada.
Portanto, não é possível que o fenômeno AH/SD, seja compreendido isolado dos
condicionantes sociais e históricos, pois que tal postura colabora com o fortalecimento da
invisibilidade.
Tomando como base a reflexão histórica, defendemos que a própria história do
desenvolvimento das sociedades ocidentais, é responsável pela produção da invisibilidade de
pessoas com AH/SD, e para que mais e mais pessoas acabem esquecidas e sem atendimento.
3.2- As ideias de Montaigne e Locke e as AH/SD
Entre as muitas mudanças, que despontaram com o Período Renascentista, temos uma
marcante: a substituição de concepções teocêntricas para o antropocentrismo. É deste período
algumas das concepções, que hoje vigoram, em nossa sociedade, sobre as de altas habilidades
e figuras como, Leonardo da Vince representam e o seu modelo ideal.
Se durante a Idade Média, mesmo a mais sublime criação artística encontraria
explicação, na inspiração divina, com os Renascentistas, Deus começa a ceder espaço para o
gênio e talento humano e, como não poderia deixar de ser, tais homens passam a se questionar
a respeito das explicações de alguns humanos apresentarem talentos ou capacidades superiores
a outros. Os motivos para tamanha diferença passam a ser temática de questionamento de
muitos pensadores da época, dentre os quais, destacamos Michel de Montaigne, por sua
importância para os estudos, na educação. Vejamos o que o próprio Montaigne diz sobre a
inteligência humana:
Disse algures Plutarco que a diferença entre um animal e outro é menor do que a que
vai de um a outro homem. Referia-se à alma e às qualidades intelectuais. Por mim,
acho que há uma tal desproporção entre Epaminondas, tal como o imagino e certa
pessoa, muito conhecida minha, que não hesitaria em ser mais peremptório, dizendo
que tal diferença entre tal e tal homem é maior do que entre tal homem e tal bicho.
“Ah, como pode um homem ser superior a outro!” O espírito humano comporta tantos
graus quantas braças vão daqui ao céu.(Terencio, in:MONTAIGNE, 2000, p.155)
Podemos pela análise deste trecho, verificar que Montaigne para pensar nas suas
indicações sobre a educação, começa pela reflexão de que entre os homens existem muitos
graus de diferenças, a respeito do potencial intelectual, mostrando que esta era uma
preocupação da sua época e Montaigne vai além, em suas reflexões, quando diz:
109
É necessário julgar o homem em si e não pelos adornos. É sábio e sabe dominar-se?
É capaz de resistir às paixões e desprezar as honrarias? Fechado por inteiro dentro de
si mesmo, semelhante a uma bola perfeita, que nenhuma aspereza impede de rodar, é
influenciado pela fortuna? Um tal homem está a quinhentas braças acima dos reinos
e ducados; é ele próprio o seu império. “O sábio é o artesão de sua própria felicidade!”
[...] Quando consideramos um camponês e um rei, um nobre e um plebeu, um
magistrado e um simples particular, um rico e um pobre, uma enorme diferença nos
salta aos olhos, mas essa diferença não consiste, por assim dizer, senão na diversidade
de calçado que usam uns e outros. (Horacio, In:MONTAIGNE, 2000, p.155.)
Como podemos verificar, Montaigne estando de acordo com as ideias que surgem no
Renascimento, começa um tipo de reflexão que seria impensável, em um tempo antecedente. O
pensador afirma que os homens deveriam deixar de ser avaliados por suas condições de
nascimento e origem, sendo qualificados por sua capacidade intelectual e virtudes.
Pensar que um nobre pudesse ser comparado a um camponês e que, apenas, a
inteligência destes indivíduos fosse utilizada para comparar suas capacidades, era algo bastante
inovador, na sociedade em que Montaigne viveu. Tais ideias começaram a abrir caminho para
os estudos sobre a inteligência, sendo que Montaigne está, entre os primeiros, a destacar que a
capacidade humana não dependia da origem e classe social dos indivíduos.
Sobre a inteligência humana, Montaigne (2000), afirma que a mesma é possível ser
cultivada e para tanto sugere:
Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça, por simples
autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles ou epicuristas, seja seu
princípio. Apresentem-se todos em sua diversidade e que ela escolha, se puder. E se
não puder, fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta, em sua opinião[...]
Isto é, para forjar a sua inteligência. Educação, trabalho e estudo não visam senão a
formá-la[...] É a inteligência dizia Epicarmo, que vê e ouve, é a inteligência que tudo
aproveitam tudo dispõe, age, domina e reina. Tudo o mais é cego, surdo e sem
alma.(MONTAIGNE, 2000, p.155)
Montaigne defende que deveríamos educar e desenvolver a inteligência humana e que
esta seria, fundamentalmente, a capacidade mais importante para o desenvolvimento humano.
Com tal ideia, oferece a noção de que poderíamos desenvolver as capacidades humanas, por
meio das interações sociais e formação educacional.
Segundo Montaigne, a educação teria como finalidade última desenvolver a
inteligência; o que, nos dias atuais, parece algo interessante, pois, aparentemente, a escola
comporta-se como se nada tivesse a ver com a inteligência humana e seu desenvolvimento.
Mas, a história de Montaigne é muito esclarecedora pela sua vida pessoal e não apenas
pelos seus escritos, observemos como os pais de Montaigne, burgueses enriquecidos da época,
pensaram e conduziram a educação do filho:
110
A preocupação com os símbolos exteriores da aristocracia, explica o empenho dado à
educação do filho Michel, nascido no castelo de Montaigne, em 28 de fevereiro de
1553. O menino era acordado, todas as manhãs, ao som da espineta, para que seus
ouvidos se tornassem refinados e até os seis anos de idade, os familiares e serviçais
da casa estavam proibidos de falar outra língua, que não o latim, a fim de facilitar seu
aprendizado da língua culta da época. Além disso, um preceptor alemão, incapaz de
falar, vulgarmente, em Francês, encarregou-se de lhe ensinar as primeiras letras, no
idioma de Cícero. Enfim, cercado de todos os cuidados, o menino Michel teve uma
infância “isenta de sujeição rigorosa, sem pancadas, nem lágrimas”, como ele mesmo
descreverá mais tarde.(MONTAIGNE, 2000, p.6)
A partir do relato da vida de Montaigne¸ podemos constatar que a própria família
dedicou-se a planejar, intencionalmente, como seria a formação do menino Michel e de como
os esforços, dos pais burgueses, estavam orientados a fornecer formação clássica e desenvolver
os sentidos e inteligência, de modo a torná-los refinados.
O simples olhar para a forma, como uma família de burgueses preparou e executou um
plano de formação de seu filho, de modo que, a falta do título de nobreza pudesse ser
compensadapelo desenvolvimento de suas virtudes intelectivas e formação clássica, aponta, de
maneira efetiva, como as condições sócio-históricas teriam papel fundamental, no
desenvolvimento da inteligência e das altas habilidades.
Observemos agora outro pensador, que viveu, aproximadamente, no mesmo período que
Montaigne, para verificar como os debates, a respeito da inteligência humana, eram presentes
nas preocupações intelectuais do Renascimento.
Locke, como Montaigne, também filho de burgueses, nascido na conturbada Inglaterra
do Século XVII, está entre os grandes, quando pensamos em homens que ajudaram a construir
os fundamentos da filosofia, política e ciência de nossa sociedade. Locke, por meio de suas
reflexões sobre governo e epistemologia, é considerado um dos pilares do pensamento moderno
e daquilo que compreendemos como Estado e Ciência.
Considerado um dos gênios da modernidade, é razoável ponderar que o filósofo,
também, fosse uma pessoa com altas habilidades. Um olhar para a sua história e produção é
essencial para a nossa proposta de admitir as altas habilidades como fenômeno, que deve ser
compreendido, a partir de reflexão situada no tempo e no espaço.
Filho de burgueses e com uma família que esteve, fortemente, ligada às lutas contra a
nobreza, na Inglaterra do século XVII, com seu pai tendo lutado como soldado ao lado do
exército do parlamento, Locke teve uma vida repleta de idas e vindas, viveu momentos de glória
e poder, como por exemplo, na elaboração da constituição da Carolina, então, colônia britânica,
na América do Norte. Mas, também, conheceu crises e quedas, como durante o exílio, na
Holanda, devido a perda do poder pelo grupo político a que estava ligado.
111
Sua história esteve entrelaçada aos destinos da classe burguesa, na Inglaterra, e a
trajetória deste pensador e sua ligação com o debate sobre as altas habilidades, inicia-se com a
opção de seus pais, por uma educação, que poderíamos denominar clássica e, meticulosamente,
planejada. Locke conhecido pela amplitude de temas, que lhe despertaram o interesse, tendo
estudos em: medicina, filosofia e política, vivenciou uma educação em instituições
consideradas clássicas, no ensino inglês. Começou a vida escolar na Westminster School e
concluiu os estudos no ChristChurch College de Oxford, instituição, a qual esteve ligado por
toda a sua vida, como aluno e professor.
Locke, além de ter estudado em Oxford e ter sua família, diretamente, ligada às lutas
burguesas contra a nobreza inglesa, viu-se, pessoalmente envolvido, seja nas disputas
acadêmicas da Inglaterra do século XVII, como também esteve ligado a, praticamente, todas as
lutas políticas de seu país, logo, seria difícil supor que suas obras intelectuais não tenham sido
influenciadas pelo contexto histórico e social, em que estava envolvido.
O contexto histórico e social estiveram ligados aos seus temas de interesse e estudos e,
parte de suas preocupações estavam relacionadas à crítica à noção de ideias inatas, uma forma,
segundo o próprio Locke, de lutar contra os privilégios da nobreza em seu tempo, sobre a
questão, Monteiro e Martins (1999,p.8.), afirmam:
Durante toda a sua vida, Locke participou das lutas da burguesia, classe a que
pertencia, na época. Isso significava lutar contra a teocracia anglicana e suas
legitimadoras: a de que o poder do rei seria absoluto e a de que esse poder diria
respeito tanto ao plano espiritual, quanto ao temporal, o soberano tendo direito de
impor à nação determinada crença e determinada forma de culto. [...] Locke insurgia-
se contra essas teses políticas. [...]O autor atribui papel fundamental, no seu Ensaio
sobre o entendimento humano, a análise crítica da doutrina das ideias inatas. O livro
I do Ensaio de Locke é dedicado à crítica do inatismo, defendido por Cudworth. Locke
procura demonstrar que o inatismo é uma doutrina do preconceito, levando
diretamente ao dogmatismo individual.
Como podemos ver na descrição dos autores, que fazem a apresentação da obra de
Locke à edição brasileira, da editora Nova Cultural, sua vida e obra estiveram sempre ligadas à
sua luta burguesa pelo poder político, na Inglaterra. Deste posicionamento, decorriam sua
crítica e combate as ideias inatas, como forma de abalar as noções em voga, de que os membros
da nobreza e clero teriam revelações divinas e ideias advindas de sua origem social.
O que Locke pretende, utilizando o método empírico e sólida reflexão filosófica, é
demonstrar como o inatismo não se sustenta, a não ser com base em misticismo religioso e,
desta forma, podemos verificar, mais uma vez, a noção de inteligência, genialidade e,
consequentemente, de altas habilidades sendo alteradas, conforme a evolução histórica das
112
sociedades e revelando-nos, que ao contrário do que muitas pesquisas sobre as altas habilidades
apontam, a inteligência humana , as capacidades pessoais e as habilidades altas ou baixas não
são algo congelado no tempo e, foram alteradas, conforme a história.
Com isso, afirma-se o óbvio, de que ter altas habilidades, no tempo em que pensou
Locke, não ocorre da mesma forma que na Grécia, de Aristóteles ou no Brasil, onde esta
pesquisa é desenvolvida.Mas, vejamos o que o próprio Locke (1999, p.37.) diz sobre as ideias
inatas:
A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de
que não é inato. Consiste numa opinião estabelecida entre alguns homens, que o
entendimento humano comporta certos princípios inatos, certas noções primárias,
caracteres, os quais estariam estampados na mente do homem, cuja alma os recebera
em seu ser primordial e os transportara consigo no mundo. Seria suficiente para
convencer os leitores, sem preconceito, da falsidade desta hipótese, se pudesse apenas
mostrar como os homens, simplesmente, pelo uso de suas faculdades naturais, podem
adquirir todo conhecimento, que possuem, sem a ajuda de impressões inatas e podem
alcançar a certeza, sem nenhuma destas noções, ou princípios originais.
Como podemos ver, a base das ideias de Locke é a noção de que a compreensão humana
não pode ocorrer, a partir de ideias inatas.
Locke para se contrapor aos privilégios de classe que a nobreza e o clero gozavam,
formula uma teoria sobre o conhecimento humano, que confere a todos a capacidade de
aprender e desenvolver sua inteligência.
Este longo caminho foi traçado com o objetivo de refletirmos a respeito de como a
invisibilidade dos alunos, com altas habilidades, deve ser entendida de uma perspectiva
histórica, antes de qualquer coisa.
3.3- Uma Concepção Histórico-Cultural das AH/SD
Uma questão que devemos ter em mente, quando trabalhamos com as altas habilidades,
em outros períodos, como: na Antiguidade Clássica, ou mesmo na Idade Média, é que,é
completamente, diferente analisar o fenômeno, em sociedades capitalistas, pois até o advento
do modo de produção capitalista, as sociedades, por serem estamentais, não estavam baseadas
notalento individual como explicação para a estrutura social.
Desta perspectiva, Joana d’Arc não foi menos camponesa, por ter liderado os exércitos
franceses; Tomás de Aquino não teve sua condição social determinada pela profundidade de
seu método escolástico e, sim, pelo posto que ocupava no clero medieval. Desta forma, nenhum
feito destes notáveis alterava as condições sociais, o talento poderia até ser reconhecido e a
113
História mostra-nos que, muitas vezes, eram reconhecidos e valorizados, sem grandes
problemas, quando surgiam, mas,em muito pouco, modificava os destinos sociais.
Além disso, até o surgimento do capitalismo, era comum que a classe social
determinasse a natureza das atividades que cada indivíduo executaria na sociedade. Sujeitos já
nasciam “condenados” a determinadas atividades, devido à sua origem e classe, deste modo, o
valor conferido ao talento ou a inteligência não era o mesmo que na nossa sociedade.
Com o advento do capitalismo, as coisas alteram-se e temos a supremacia da ideia de
individualismo, onde ganha força a noção de que os méritos e dons da cada um, seriam os
determinantes de seu destino social. Nesse contexto, as teorias meritocráticas passam a explicar
a sociedade e, especialmente, as desigualdades sociais.
A partir de então, parte das diferenças sociais passam a ser compreendidas por meio da
ideologia, de que os responsáveis pela sua riqueza ou pobreza, seriam os próprios indivíduos,
isoladamente, prevalecendo os méritos de cada ume seus dons.
Conjuntamente a esta noção, a escola surge, pela primeira vez, para “supostamente”
garantir a igualdade de oportunidades a todos, os indivíduos passam a “crer” na libertação da
condenação à uma tarefa/classe social, no ato do nascimento, para acreditarem que pelos seus
esforços, talentos e, especialmente, dons e inteligência poderiam decidir seus destinos.
Com a escola garantindo a igualdade de oportunidades a todos, cada um dependeria
apenas de seus próprios esforços e sempre que a ideologia do mérito individual não desse conta
de explicar a destinação social, de determinados indivíduos, teríamos a justificativa da falta de
acesso à escola, explicando os fracassos sociais, em massa, expressos na vasta população de
miseráveis, típica dos países em fase de industrialização. Teríamos, também, as ideologias dos
dons e das aptidões naturais, para elucidar os casos de sucesso que a escolarização e a
meritocracia não dessem conta de esclarecer.
Assim, nas sociedades capitalistas industrializadas e urbanas, é que surge a noção das
altas habilidades, não, coincidentemente, será no século XIX, durante a expansão da
industrialização, consolidação da classe burguesa, no comando político e econômicodas
sociedades europeias, que surgem os primeiros estudos e pesquisas sobre as altas habilidades.
Deste modo, a concepção de talento que foi se construindo, ao longo dos séculos, sofrerá
uma profunda alteração, com o advento da sociedade capitalista e só poderá ser compreendida,
se relacionada com o conceito de “a escola”. Somente desta maneira, podemos entender os
motivos da invisibilidade que motivam nossa pesquisa, a partir da relação dialética:
superdotação-escola.
114
Chegamos assim, ao debate sobre como a História Brasileira, sobretudo de seu sistema
educacional, é parte da explicação para a invisibilidade dos alunos superdotados.
3.4- A História do Brasil e a Invisibilidade das AH/SD
Como temos destacado o conceito de inteligência humana não pode ser entendido, sem
uma perspectiva histórica, que considere a maneira como cada sociedade, em cada período
histórico, entendeu a inteligência e, consequentemente, encarou os indivíduos com AH/SD.
Assim, toda sociedade em sua história e organização, trazia em potencial os elementos
determinantes, que destinariam alguns indivíduos ao esquecimento e a invisibilidade de seus
talentos, independentemente, de quais fossem e em que intensidade se manifestassem. Mais que
isso, cada sociedade definiria qual classe social teria inviabilizado a possibilidade de
desenvolvimento das suas habilidades, em especial, aquelas habilidades intelectivas, que não
fossem consideradas adequadas aosdestinados a opressão.
Podemos concluir, que a estrutura social e a forma como a luta de classes constituiu-se,
nas diferentes sociedades, colaboraram para definir quem seriam os considerados inteligentes,
talentosos, possuidores de dons e aqueles que seriam considerados incapazes, subdotados,
deficientes. Normalmente, a definição de talento partia dos ditames da classe dominante e visou
manter os oprimidos, na mesma situação. Deste modo, a concepção de AH/SD e a
invisibilidade, deve ser compreendida como algo mais complexo, que simples resultados em
testes de inteligência, sendo, em realidade, parte fundamental da luta de classes.
Propomos então, uma reflexão a respeito de como a História do Brasil cumpriu um
importante papel, na definição de quem teria oportunidades de desenvolver suas capacidades e
ter reconhecidas suas habilidades e, aqueles, que teriam poucas condições de desenvolver suas
capacidades, ou ainda, que as tivessem muito desenvolvidas, não seriam reconhecidos e
estariam, portanto, “destinados” à invisibilidade.
Pensar na História do Brasil é, necessariamente, pensar na imposição da dominação
brutal, a grandes contingentes humanos. Esta é uma História conhecida entre nós e que nos
remete à desmedida colonização, que a metrópole portuguesa desenvolveu, com um complexo
sistema de relações, conhecido através do conceito cunhado por Novaes (1989), como Antigo
Sistema Colonial, que objetivava a exploração colonial, garantindo a acumulação primitiva de
capital pelos europeus.
115
Na sociedade colonial brasileira, duas características foram fundamentais, para a
consolidação da empresa colonial: a conquista do território dos nativos e a escravização de
povos nativos ou africanos, usados como mão de obra.
A metrópole portuguesa desenvolveu uma sociedade, que emulava as características
sociais de Portugal, mas que tinha características próprias e, que, em boa parte, baseavam-se na
distinção entre brancos portugueses e negros africanos e os indígenas, nativos do Brasil.
Consideradas as devidas nuances de cada região e momento histórico, a escravidão
indígena e africana sustentavam-se na ideia que estes seriam povos bárbaros, incultos,
selvagens, discutindo-se, até mesmo, suas condições de humanos.
Tal estrutura social trazia, em germe, a quem estariam destinados os investimentos
metropolitanos, no sentido de garantir e, principalmente, reconhecer, os talentos pessoais;
evidentemente, à elite dirigente, que tinha alguma possibilidade de acessar à educação escolar,
por meio do trabalho dos jesuítas, destinados aos filhos dos senhores de escravos e altos
funcionários da metrópole. A estes, ainda que incomum e difícil, havia oportunidades de
realizar estudos na Europa e, principalmente, ter acesso aos cargos de comando, na estrutura
econômica colonial, na condição de senhores de escravos, administradores de latifúndios, minas
de ouro e pedras preciosas, empresas comerciais, ou mesmo junto às empresas ligadas ao tráfico
de escravos, ou ocupando, postos na burocracia de Estado, como funcionários da metrópole,
cargos políticos e militares, ou Igreja, na administração colonial.
A tais indivíduos, existia a oportunidade de desenvolverem suas capacidades
intelectuais, bem como, terem seus talentos estimulados, reconhecidos, remunerados,
valorizados. A mesma sociedade que definia aqueles que teriam seus talentos reconhecidos,
também estipulava, de antemão, aqueles que seriam relegados à invisibilidade e ao
esquecimento. Nos referimos, ao contingente de nativos indígenas, africanos e mestiços, da
sociedade colonial brasileira.
Portanto, a análise do desenvolvimento histórico do Brasil, indica que ao longo de todo
o período colonial, havia pouca ou nenhuma possibilidade, de que indígenas e negros tivessem
seus talentos estimulados ou reconhecidos. Desta forma, nomes como: Zumbi dos Palmares,
Ganga Zumba, Cunhambebe ou Felipe Camarão, líderes políticos do período colonial, jamais
têm suas biografias associadas ao talento intelectual de destaque, ou são considerados
possuidores de capacidades intelectivas elevadas.
Ao analisarmos as razões que determinariam a situação de invisibilidade, a princípio
contraditória, legada aos alunos com altas habilidades, no interior das escolas públicas
116
brasileiras, torna-se evidente as ligações com a nossa História, iniciando com indígenas e negros
condenados a ter suas capacidades intelectuais menosprezadas e até sabotadas.
Junto a negros e indígenas, nas sociedades determinadas pelo patriarcado, como a do
Brasil Colonial, o reconhecimento, valorização, desenvolvimento dos talentos foram negados
sistematicamente às mulheres brasileiras, fossem brancas, mestiças e, especialmente, se fossem
negras ou indígenas33.
Assim, nomes como: Madalena Caramuru, Inês de Souza, Ingaí, Isabel de Moura,
Catarina Rosa Pereira de Jesus – Catarina da Mina, Dandara, Luísa Mahin, Tereza de Benguela,
Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, todas mulheres ilustres, durante o período colonial
brasileiro, foram praticamente esquecidas, pela História Oficial do Brasil e quase nunca
lembradas pelos seus feitos e façanhas, a partir da perspectiva, de que seriam mulheres com
capacidades intelectuais diferenciadas e, assim, com altas habilidades. A invisibilidade a que
as mulheres estavam destinadas, com relação às suas capacidades e talentos, variava de acordo
com sua classe social e etnia/raça, com raras possibilidades às mulheres brancas das Casas
Grandes e, praticamente, nenhuma, se fossem negras, índias ou mestiças.
Assim, as mulheres foram, desde sempre, o maior contingente de pessoas destinadas à
invisibilidade, quando tratamos do reconhecimento das altas habilidades, seguidas por homens
negros, indígenas, mestiços e brancos pertencentes à classe trabalhadora. Reiteramos assim, a
nossa hipótese de que a situação de invisibilidade das altas habilidades, hoje,verificadas na
realidade educacional brasileira, não pode ser compreendida sem levarmos em conta o
desenvolvimento histórico da sociedade brasileira.
3.5 – A Invisibilidade e a História da Educação brasileira
Inicialmente, os padres jesuítas dedicaram-se à catequização e à conversão do gentio
à fé católica, mas com o passar dos anos, começaram a se dedicar, também, ao ensino
dos filhos dos colonos e demais membros da Colônia, atingindo num último estágio
até a formação da burguesia urbana, constituída, principalmente, pelos filhos dos
donos de engenho. Esses jovens, que após o término de seus estudos no Brasil, partem
para estudar na Universidade de Coimbra[...](SHIGUNOV NETO & MACIEL,
2008).
33A história da Educação das mulheres no Brasil é bastante singular. Rara, excepcional e inusitada. Seu percurso
entrelaça-se ao caminho bizarro da própria história da colonização brasileira. Inicia-se na convivência
econvergência de [...] portuguesas, indígenas libertas e ainda a mulhernegra e na condição de escrava.IN:
https://maniadehistoria.wordpress.com/mulheres-e-educacao-no-brasil-colonia/ACESSO EM 16/01/2016.
117
Pensar na História da Educação, no Brasil é, necessariamente, se reportar ao fato de que
a maioria da população brasileira esteve, completamente, impedida de acessar os bancos
escolares na maior parte da historia brasileira. Por quase todo o período colonial, negros,
indígenas, mulheres, mestiços e mesmo brancos pobres, tiveram raras oportunidades de estudar
ou ser alfabetizados.
Boa parte do esforço educativo jesuíta, ainda que não se possa deixar de reconhecer a
importância destes, na História da Educação brasileira, era, simplesmente, favorecer a conquista
e dominação destas populações e suas terras.
Com um sistema colonial, que além de manter as mulheres como parte da vida privada,
destinava grandes contingentes populacionais à escravidão, o acesso à escolarização formal,
não fazia sentido às autoridades metropolitanas.
A estrutura educacional brasileira, no período colonial, se é que podemos falar em
estrutura educacional, era precária e marcada pelo reduzido número de professores habilitados
a lecionar. Poucas escolas e salas de aulas, turmas que reuniam alunos das mais variadas idades,
com alguns casos, em que jovens do sexo masculino, com idades entre 7 e 20 anos, estudavam
juntos. Marcílio (2005), nos apresenta um quadro de carência e fragilidade de uma estratégia
educacional para a colônia, e onde, mesmo os senhores de engenho encontravam dificuldades,
na escolarização dos seus filhos.
Ponto importante, é o fato de que a Coroa Portuguesa, inviabilizou a fundação e
funcionamento de instituições de ensino superior, na América Portuguesa; ao contrário do que
foi feito nas colônias inglesas, holandesas e espanholas, onde as instituições universitárias
chegaram, praticamente, juntas com as ações colonizadoras.
No Brasil Colonial, os estudos em nível superior deviam ser realizados, na Europa e
assim, inviável, para qualquer setor social, que não aqueles de funcionários da Coroa
Portuguesa, senhores de engenho, donos de minas de ouro, traficantes de escravos e grandes
comerciantes. Portanto, ainda que existissem talentos individuais, não haviam oportunidades
de aprofundar os conhecimentos, que levariam às AH/SD a níveis mais elevados.
Segundo Marcílio (2005), a educação brasileira que já era praticamente inexistente, ao
longo de todo o período colonial e, totalmente, dependente dos esforços da Companhia de Jesus
ou de professores régios, piorou, quando ocorreu a expulsão dos jesuítas, na segunda metade
do século XVIII, pelo Marquês de Pombal.
Esta situação, praticamente, ficou inalterada até a chegada da família real portuguesa,
em terras brasileiras, em 1808, quando começamos a ter algumas mudanças, na situação de total
abandono e início de um longo percurso da implantação da escola pública, no Brasil.
118
Durante todo o século XIX, o quadro educacional brasileiro conheceu algumas
alterações de cunho estratégico, como: a implantação das primeiras escolas de ensino superior,
institutos de educação de crianças cegas, como o instituto Benjamin Constant e criação de
algumas experiências educacionais, em especial, escolas destinadas ao ensino primário e
algumas medidas de cunho estatal, no sentido de buscar o aumento do número de escolas e
criação de um sistema educacional nacional. Entretanto, ainda que desde 1808 e seguindo por
todo o período do Império, tivéssemos a disseminação da noção de que era preciso a instalação
de novas escolas, formação de professores e garantia de educação à população, de um modo
geral, ao longo de todo o século XIX, o que tivemos de modo concreto, foi uma implantação
muito lenta e tímida, de escolas no Brasil.
Desta monta, podemos dizer que eram reduzidas as oportunidades educacionais aos
brasileiros e estas raras oportunidades estavam, na maioria das vezes, restritas a setores da elite,
destinadas aos filhos de grandes fazendeiros, comerciantes e, como novidade, começamos a ver
filhos da classe média urbana que surgia, lentamente, nas cidades brasileiras, realizando os seus
estudos nas escolas primárias. Ainda assim, podemos dizer que a escola era negada,
praticamente, a totalidade das mulheres, negros e indígenas.
Esta é uma permanência importante, que devemos nos ater para entender a história das
altas habilidades, no Brasil, pois quando a ideia de que a escola passaria a ter um papel de
destaque, na constituição das nações e progresso dos países, ganhava força, a exemplo do que
ocorria na Europa e EUA, o Brasil ainda seguia como uma sociedade escravista.
Mais um fator que merece destaque para pensar na trajetória educacional brasileira e
suas relações com as altas habilidades, é o fato de que, durante boa parte do século XIX, a maior
parte das oportunidades educacionais concentravam-se nos centros urbanos, sendo que a
maioria das escolas, alunos e professores encontravam-se em cidades como: Recife, Salvador,
São Paulo e, em especial, na cidade do Rio de Janeiro. Nestas localidades, as chances de um
jovem conseguir iniciar e prosseguir os estudos eram maiores.
Portanto, a História da Educação Brasileira, além de estar fortemente concentrada na
escolarização dos homens das elites, e excluir a maioria da população.Havia um fator que não
se pode desconsiderar, que era a grande desproporção de oportunidades de escolarização,
quando analisadas a distribuição regional de escolas.
Precisamos, ao refletir sobre as razões que levam a pouca atenção aos alunos, com
AH/SD, nas escolas públicas brasileiras, ter em mente que as oportunidades de escolarização
não ocorreram, de modo igual, para populações da zona rural e nas grandes cidades no país.
119
Tal situação acaba por inverter a lógica de compreensão, da implantação do sistema
educacional brasileiro. As ações voltadas a garantir escola à população, ocorriam onde as
condições econômicas e sociais já estivessem, suficientemente, desenvolvidas, para que se
justificassem gastos públicos ou investimentos privados, bem como, apenas onde existisse uma
classe média numerosa e influente economicamente e politicamente, cobrando que fosse
ofertado aos seus filhos trajetórias escolares longas, como definem Baudelot e Establet(1971).
Assim, apenas onde existissem determinadas condições objetivas, como estrutura de
estado e desenvolvimento econômico, teríamos a implantação de escolas e, consequentemente,
onde tais condições tivessem criado um contingente populacional escolarizado capaz de exercer
pressão e condições econômicas capazes de incorporar novas ocupações, é que surgiram as
Universidades e oportunidades de cursar o ensino superior.
Porém, a compreensão do senso comum sobre este processo ocorreu por meio de um
discurso ideológico da questão, que se dava de modo invertido. Defendia-se que a vontade e
valores intelectuais e morais, de um dado grupo social, lhe compelia na busca pela escola e
acesso aos níveis mais elevados da educação. Deste modo, observamos como a ideologia tratou
de encobrir as desigualdades regionais, no tocante as oportunidades de escolarização.
Nos raros casos, em que indivíduos negros, indígenas, mestiços, oriundos de classes
populares, mulheres, pela força de seu intelecto e trabalho árduo de suas famílias e grupos
sociais, conseguissem se alfabetizar e frequentar os anos iniciais da escola, demonstrando
talento e potencial acima da média, ainda havia a grande e, talvez, maior barreira, para o
prosseguimento dos estudos e desenvolvimento de suas capacidades elevadas, que era a
concentração regional das oportunidades educacionais brasileiras em poucas cidades.
O resultado deste quadro é que passamos a acreditar numa falsa ideia, de que as
populações urbanas fossem, naturalmente, propensas à escolarização e tivessem capacidades
intelectuais maiores que a população rural. Para tal confirmação, basta analisar a forma como
o sertanejo ou o sitiante é representado nas obras de Monteiro Lobato, por exemplo.
Destacamos tal ponto, por considerar importante analisar um fator atual, no cenário dos
estudos e atendimento de crianças com AH/SD: O fato de que após quase um século em que,
praticamente, nada de concreto foi feito pelo sistema educacional público brasileiro, para a
compreensão e atendimento aos alunos com AH/SD, quando as primeiras medidas foram
adotadas, para a garantia dos direitos destes alunos, com a implantação pelo governo federal,
no ano de 2005, dos Núcleos de Altas Habilidades e Superdotação, que visavam atender aos
alunos talentosos e garantir formação aos pais e docentes, tais ações restringiram-se a
implantação dos NAAH/S, apenas, nas capitais dos estados brasileiros.
120
Assim, no momento de criar estruturas, ainda que frágeis, para o atendimento das
AH/SD e combater a invisibilidade, as decisões foram marcadas pela concentração regional das
medidas e investimentos, com a implantação de, apenas, um núcleo em cada estado brasileiro
e quase todos concentrados, nas capitais, seguindo a tradição de concentração regional das
oportunidades de desenvolvimento.
3.5.1- O Brasil Republicano
Com a inauguração do período republicano, a proposta de levar educação ao povo ganha alguma
força. Sobre a questão, Almeida (2005, p.93)afirma que:
Com a República, urgia dar continuidade ao projeto civilizador da Nação, com a meta
de estender a educação para todos, nos moldes de uma ação democrática, que visava
fortalecer o país, o que poderia ser alcançado através da escola.
Apenas com o início do período republicano, podemos dizer que começou a se desenhar
no Brasil, o surgimento de um projeto de escolarização de massa, que no princípio teve forte
presença dos setores militares ligados às ideias positivistas de Auguste Comte34.Ganhou força
no país, a ideia de que por meio do processo de escolarização das massas teríamos o
fortalecimento dos ideais republicanos e o progresso da nação.
Neste contexto, três grandes ideias são muito importantes, para pensarmos na expansão
da rede de ensino e, consequentemente, nas reflexões acerca do rendimento diferente dos
alunos: a ideia de meritocracia; a noção de que a escola seria capaz de equalizar as
desigualdades sociais, e, por fim,a noção de que a frequência à escola e o sucesso escolar seria
o grande definidor das oportunidades de mobilidade, na sociedade capitalista e sua máxima
tradução dar-se-ia pela oferta de oportunidades aos sujeitos, na proporção dos títulos e diplomas
escolares que este possuísse, cabendo ao Estado definir o ritmo como se dariam as chances de
ascensão.Esta perspectiva da educação, verifica-se em Almeida:
O ideal plantado pelo liberalismo de ver a escola como via de ascensão social se
solidificou. [...] incorporando a concepção de educação como instrumento de
transformação social e nivelador das desigualdades sociais.(ALMEIDA, 2005,
p.95,97)
34
O positivismo também se oporia à influência da igreja católica e ao ensino religioso, propondo uma escola laica,
pública e obrigatória, proposta essa aceita com entusiasmo pela intelectualidade e pela classe média que passaria a
ver a escola como um meio de ascensão social, o que possibilitaria a esse segmento social concorrer com a classe
dominante.(ALMEIDA, 2005, p.94)
121
Tais ideias não são criações nacionais e em muito se relacionam com as que eram
veiculadas na Europa, no século XIX. As noções de meritocracia, a ideia de progresso contínuo
das sociedades e dos indivíduos, a percepção de uma nova sociedade justa, porque
meritocrática, em oposição às sociedades aristocráticas, do antigo regime, eram noções muito
fortes na Europa e Estados Unidos, do século XIX.
Entretanto, haviam contradições postas à este ideário de progresso, tão difundidos no
período das grandes revoluções europeias. Não se podia negar que as condições de vida, da
maioria da população, pareciam manter-se inalteradas e, por vezes, até piores; não era possível
fugir à percepção das condições de miséria, doenças e exploração, as quais estavam submetidas
as massas de trabalhadores, das grandes cidades industriais do século XIX.
Não era razoável negar que, enquanto isso, a antiga nobreza seguia ocupando postos de
destaque, na burocracia estatal. Estas contradições eram verificadas nas constantes rebeliões e
revoluções populares, que ocorriam ao longo de toda a Europa do XIX, em que os movimentos
de 1830, 1848 e 1871, em Paris, talvez sejam os exemplos mais esplêndidos.
A escola surge, então, como principal explicação das desigualdades sociais e o acesso a
ela torna-se decisivo de garantia da redenção social, que seria obtida por meio da ascensão
proporcionada pelos títulos e diplomas.
A escola torna-se o grande bastião redentor da sociedade capitalista, e a construção de
uma sociedade justa passaria, pela expansão das redes de ensino nacionais, de modo que fossem
públicas, laicas, gratuitas, únicas e obrigatórias. Com este ideal, boa parte dos partidos
republicanos travariam lutas ferrenhas pela implantação de escolas de primeiras letras, centros
de formação de professores e instituições de ensino secundário e superior, que garantissem
oportunidades de estudos aos indivíduos, os quais apresentassem sucesso escolar e mérito.
No Brasil, tais ideias são bem acolhidas por setores da classe média urbana, mas cabe a
lembrança de que somos uma República, que se inicia pelas mãos de militares ligados às ideias
positivistas e, assim, a noção de meritocracia ganha ainda mais força. Ao mesmo tempo em que
temos uma incipiente classe média e grupos militares lutando pela implantação da escola,
temos, também, uma elite que se mantém encastelada no poder, por intermédio da completa
posse dos meios de produção e que conseguia converter todo seu poder econômico em domínio
político e, para este grupo, a expansão da rede escolar pública e a defesa da meritocracia não se
mostrava como uma urgência.
A população trabalhadora segue em condições de pobreza, sofrendo com as ações de
extermínio, como ocorriam com sertanejos obrigados a lutar contra as tropas federais em
122
Canudos. Os grupos de imigrantes, recém-chegados, eram vistos como mão de obra barata,
apenas, e encontravam grandes dificuldades para frequentar à escola. E o maior contingente
populacional brasileiro, que era composto por negros e mestiços, vivia tanto nas áreas rurais
como nos centros urbanos, com imensas dificuldades para serem integrados na nova divisão
internacional do trabalho, que o capitalismo industrial trazia.
3.5.1.1 - As Ideias de Francis Galton e a Invisibilidade das AH/SD, no Brasil
Nascido em 1822 perto de Birmingham, Inglaterra, era o mais novo de nove filhos.
Seu pai era um próspero banqueiro cuja família rica e socialmente proeminente incluía
pessoas importantes, nas principais esferas de influência: o governo, a Igreja e a
corporação militar. Desde cedo, Galton tinha familiaridade com pessoas influentes
devido às ligações de sua família. Aos dezesseis anos, por insistência do pai, Galton
começou a estudar medicina como aluno tutelado do Hospital Geral de Birmingham.
Foi aprendiz dos médicos, receitou pílulas, estudou compêndios de medicina, gessou
fraturas, amputou dedos, extraiu dentes, vacinou crianças e ainda conseguiu se divertir
lendo os clássicos, principalmente [...](LOPES, 2008)
Como destacamos anteriormente, o interesse pelas diferenças individuais é antigo e
acompanha a história humana, desde seus primórdios. Ao longo do século XIX, as perguntas
sobre as diferenças individuais seguiram intrigando parte dos educadores e cientistas.
Com a ampliação da escolarização a contingentes cada vez maiores da população, não
tardou para que alguns problemas das ideias redentoras das escolas, se apresentassem aos
observadores atentos. Como explicar a existência dos gênios?
Vai ficando evidente que a explicação da meritocracia e da escola redentora não
funcionaria, pelo menos, para todos os casos e as teorias ligadas à ideia de dom continuaram
influentes. A noção de que cada sujeito nasceria já com um determinado potencial, e que,
especialmente, os gênios fossem tocados pelo dom, nas suas capacidades artísticas, políticas,
científicas, seguiu forte no ambiente escolar.
Porém, tais ideias soavam pouco científicas, para uma sociedade que avançava a largos
passos, no campo das ciências. Por outro lado, a ideologia do Dom não poderia ser aceita pela
burguesia, sem alguns incômodos relacionados com a proximidade das ideias, que justificavam
e legitimavam a sociedade do antigo regime, a qual definia as posições sociais, conforme
caracteres de nascimento.
Neste sentido, as ideias que buscavam medir a quantidade de inteligência de cada
indivíduo,questionamentos relativos ao papel da inteligência no sucesso ou fracasso dos
indivíduos, bem como, sobre o que seria exatamente a inteligência, como se desenvolveria nos
indivíduos e qual seu papel na divisão internacional do trabalho, ganham força.
123
Seria possível tornar alguém mais, ou menos inteligente? À escola caberia desenvolver
a inteligência ou apenas, lapidar o potencial intelectual dos indivíduos, conforme suas
capacidades inatas? De onde vem a inteligência? Provém de dom divino, é fruto do inatismo
ou do resultado do desenvolvimento, conforme as experiências dos indivíduos?
Na tentativa de responder tais perguntas, surgem as ideias de um dos primeiros e mais
importantes teóricos das capacidades intelectuais individuais, Francis Galton, influente
pesquisador inglês, de família aristocrática e primo de Charles Darwin, considerado um dos
fundadores da psicometria, pesquisador ligado à muitas áreas das ciências e conhecido pelas
suas pesquisas em antropologia, que fundamentaram os primórdios dos conceitos de eugenia35,
Galton ligado à medicina e fervoroso defensor das ideias de Darwin e de sua validade para
pensarmos nos seres humanos e nas sociedades, foi um dos percussores do desenvolvimento da
linha teórica/ideológica, que ficou conhecida como darwinismo social.
Galton acreditava que seria possível, pela ação intencional dos homens, especialmente,
pela atuação de governantes embasados em teorias científicas, melhorar a espécie humana. Tal
melhora seria obtida evitando que os considerados inaptos se reproduzissem e, em
contrapartida, selecionando e reproduzindo aqueles indivíduos considerados virtuosos e
notáveis, de modo a reduzir indivíduos tidos por incapazes e indesejáveis. Para tal objetivo,
seria fundamental construir instrumentos e teorias científicas capazes de “explicar” as razões,
para a superioridade intelectual de determinados indivíduos, determinados grupos sociais e, por
fim, determinadas etnias e nações.
Galton trabalhou no desenvolvimento da psicometria e da testagem para as capacidades
intelectuais. Medir a inteligência seria algo fundamental nos seus projetos e em sua obra “O
gênio hereditário”, Galton faz um trabalho minucioso de pesquisa com histórias familiares de
sujeitos considerados notáveis, em sua época, incluindo a sua própria família. O autor analisa a
linhagem genealógica destes indivíduos e conclui que, praticamente, todos estes grandes
homens possuem ancestrais de destaque, no campo intelectual.
35 O termo EUGENIA foi cunhado por Francis Galton, em 1883, para designar uma “ciência do melhoramento
biológico do tipo humano” (CASTAÑEDA, 2003). No entanto, a eugenia em seu formato científico, mas ainda
sem esse nome, já está no livro Hereditary Genius publicado por Galton, em 1869, no qual faz uma análise de
cerca de quatrocentas famílias aristocráticas e conclui que as vocações e talentos são hereditários (BIZZO, 1995,
p.40). A teoria galtoniana buscava se apoiar em estudos estatísticos, dos fenômenos hereditários e sustentava que
o tamanho do corpo, cor dos olhos, força dos músculos, inteligência e até moralidade eram herdados. Galton
procurava encontrar relações mensuráveis entre características físicas e o caráter e agrupava as pessoas segundo
características gerais, o que permitiria a intervenção na hora do controle da reprodução ao suprimir os considerados
tipos “ruins” e aumentar a natalidade daqueles “bem-dotados” (MARQUES, 1994). SCHNEIDER, EUGENIA NO
BRASIL: QUANDO UM MOVIMENTO IDEOLÓGICO SE JUSTIFICA POR UM DISCURSO
BIOLÓGICO,Visualizado em 12/02/2016 http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1448-2.pdf
124
Galton é, talvez, o primeiro a contestar a ideia de dom, como algo divino, sua crítica, de
certa forma, também se dirige a noção da escola, como redentora das desigualdades sociais.
Segundo o autor, a inteligência seria transmitida de uma geração para outra e, assim, seria
herdada, conforme a história familiar e linhagem.
Suas ideias estavam alinhadas com as teorias e preocupações européias da época:
O primeiro livro de Galton, que teve importância para a psicologia foi “Hereditary
Genius” (Gênio Hereditário), publicado em 1869. Nele, Galton procurou demonstrar
que a grandeza individual, ou gênio ocorria com uma frequência grande, no interior
de famílias para ser explicada por influências ambientais. Sua tese é, em resumo, que
homens eminentes têm filhos eminentes. Em sua maior parte, os estudos biográficos
relatados no livro eram pesquisas sobre a ancestralidade de pessoas importantes, como
cientistas e médicos. Seus dados revelaram que toda pessoa famosa herdava não
apenas o gênio, como uma forma específica de genialidade. Por exemplo, um grande
cientista nascia numa família que alcançara proeminência na ciência.O objetivo
último de Galton era encorajar o nascimento de indivíduos mais eminentes, ou capazes
e desencorajar o nascimento dos incapazes.(LOPES, 2008)
Em sintonia com as teorias biológicas e o cenário social, que emergia na Europa, no
último quartel do século XIX, o cientista britânico Francis Galton empregou a palavra
eugenia, em 1883, para definir a ciência da hereditariedade humana. Suas ideias sobre
o aperfeiçoamento das características raciais associaram-se, intimamente, às
discussões sobre evolução e degeneração, progresso e civilização, conceitos
fundamentais, na formulação de concepções científicas e sociais, na passagem do
século XIX para o XX.(SOUZA, 2012)
As ideias de Galton tiveram grande importância no quadro científico, de sua época e nos
debates sobre inteligência e, consequentemente, nas ideias sobre AH/SD, como podemos
verificar em Pèrez (2008):
A ideia de que as altas habilidades/superdotação devem-se, exclusivamente, a fatores
biológicos é defendida pelas chamadas teorias geneticistas, ou inatistas, lideradas,
principalmente, pelos seguidores de Galton que, em 1869, analisou personalidades
destacadas da época, nas mais diversas camadas sociais e, verificando que seus filhos
também tinham sido eminentes, chegou à conclusão de que a inteligência era herdada.
As ideias de Galton e sua influênciasão fundamentais para a reflexão sobre a
invisibilidade das AH/SD, nas camadas populares, afinal, as ideias eugênicas foram influentes
na intelectualidade e ideias sobre educação, no Brasil:
No Brasil o movimento eugênico foi muito difundido, no início do século XX. Um
dos meios de divulgação da eugenia entre a comunidade científica e a sociedade foi o
Boletim de Eugenia, o qual se trata de um periódico elaborado por iniciativa individual
do médico eugenista Renato Kehl, impresso no Rio de Janeiro, com uma tiragem
mensal de 1000 exemplares (MAI e BOARINI, 2002). O movimento eugênico
influenciou diversas práticas sociais, interferindo, inclusive, nas propostas
educacionais da época.Com influência do movimento eugênico, na constituição do
sistema organizado de educação pública do Brasil, na década de 1930, tendo vista,
que muitos autores que lideraram os movimentos em prol da educação, eram autores
do Boletim de Eugenia e, portanto, defensores do movimento, como por exemplo:
Anísio Teixeira, Roquette Pinto e Fernando de Azevedo.(SCHNEIDER, 2012)
125
Como destaca a autora, entre as preocupações dos intelectuais ligados à eugenia, a
educação ocupou papel de destaque e podemos refletir sobre o peso de tais ideias, no
pensamento educacional brasileiro, na formação de professores, a autora relata que:
Analisando a influência do movimento eugênico, na constituição do sistema
organizado de educação pública do Brasil, na década de 1930, percebe-se que tanto
na constituição de 1934, quanto na de 1937, foram incluídas propostas em relação aos
ideais eugênicos para a educação. Por exemplo, constava na constituição de 1934,
estimular a educação eugênica e [...] promover a higiene social;[..]. (SCHNEIDER,
2012)
No início do século XX, em virtude do grande número de negros,recém libertos da
escravidão, da grande parcela de mestiços e indígenas, do clima tropical, e situação de pobreza,
o povo brasileiro era visto como um imenso contingente de incapazes e degenerados. Para
muitos intelectuais estrangeiros e brasileiros, e parte considerável da elite nacional, o Brasil
apresentava-se como uma nação marcada pela inferioridade racial, pelo atraso econômico e
político e pela falta de civilidade do seu povo,Skidmore(1989).
Deste modo, consideramos razoável entender que em uma realidade, onde a educação
era, fortemente marcada pela ideia de que parte da população brasileira tinha uma origem
marcada pela degeneração, as discussões sobre superdotação que começavam a ocorrer no
mundo, fossem vistas como desnecessárias.
3.5.2 -A Rede de Ensino Brasileira, no Século XX e a Invisibilidade das AH/SD
Ao longo do século XX, a experiência escolar passou a fazer parte da vida de parcelas,
cada vez maiores, da população brasileira, porém, o ritmo de expansão da rede de ensino foi
marcado pela lentidão e exclusão de parcelas significativas da população. Neste longo trajeto,
a escola foi encarada, na maioria das vezes, como privilégio e mesmo quando ocorria o acesso
aos grupos, tradicionalmente, excluídos, esta era quase sempre marcada por garantir acesso
apenasao ensino primário e primeiras letras.
Tal modelo educacional objetivava civilizar a população, com noções de nacionalismo,
higiene, rudimentos da língua escrita e da matemática, de modo a garantir integração aos novos
ditames da divisão internacional do trabalho.
A escolarização, com vistas ao prosseguimento dos estudos aos níveis mais elevados,
como o ensino superior, era e continua sendo, um sonho distante para a maioria da população.
Desta forma, a escola de massas, no Brasil, poucas vezes teve sua imagem descolada da
ideia de que era preciso civilizar o povo, garantindo o mínimo de civilidade, pois os saberes
126
teóricos e eruditos não estavam ao alcance das possibilidades intelectuais da população. O
professor era, sobretudo, um agente civilizador, que traria com sua atuação a chance de leitura
de textos elementares, a chance de realizar cálculos básicos, o abnegado profissional que,
religiosamente, levaria civilidade, cultura, rudimentos da higiene e medicina, o “herói”, que
faria o trabalho de ensinar ao povo os benefícios de se optar pelos valores da ciência, em
detrimento da “ignorância da cultura popular”, por fim, o professor era o “soldado” do Estado,
capaz de construir na inculta população o amor à pátria e à nação.
Portanto, em uma escola assentada na perspectiva de que teria como missão salvar o
povo de sua ignorância, seria pouco provável que fizesse, parte das preocupações de docentes
e gestores escolares, a reflexão sobre a identificação e atendimento de alunos com AH/SD.
Consideramos fundamental, que a História da Educação Brasileira seja levada em conta,
para entendermos o porquê de alunos considerados alto-habilidosos viverem em situação de
esquecimento e invisibilidade.Neste sentido, Bourdieu(1996, p.15),alerta-nos:
[...] Em cada um de nós, em proporções variáveis, há o homem de ontem; é o mesmo
homem de ontem que, pela força das coisas, está predominantemente em nós, posto
que o presente não é senão pouca coisa comparada a esse longo passado no curso
do qual nos formamos e de onde resultamos.
Em sua trajetória civilizadora, os alunos considerados ideais pelas escolas, eram aqueles
que, além de disciplinados, segundo os valores religiosos e eurocêntricos da sociedade
brasileira, conseguissem se despir de seu passado africano-ameríndio.
Aqueles que trouxessem as insígnias associadas à “barbárie”, como: etnia, sotaque rural,
pobreza, etc e, sobretudo, recusassem as rígidas normas impostas, no cotidiano escolar, ficariam
condenados ao fracasso escolar e, portanto, distantes de qualquer ideia, que lhes conferisse
capacidades intelectivas de destaque.
Os considerados “alunos prontos” para ter contato com a erudição, com o conhecimento
científico, conferidos pela oportunidade de acesso ao ensino secundário, deveriam ser, de
preferência, filhos da elite dirigente ou, no máximo, membros da classe média urbana nascente,
defensora da escola como forma de ascensão pela via da meritocracia. Raramente, os filhos da
classe trabalhadora, ainda que bem-sucedidos na escola primária, teriam acesso ao ensino
secundário. O caráter elitista, da educação secundária no Brasil, pode ser verificado em:
Nosso intuito, no entanto, ao citar a existência desses colégios, é apenas sinalizar que
todas essas iniciativas são representativas de uma forma escolar, com um objetivo bem
definido: a educação da elite. Essa concepção permaneceu no país, mesmo com a
127
república, até a promulgação da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, em 1961. (NUNES, 2000, p.40)
O histórico da implantação do sistema educacional brasileiro,é importante, pois
entendemos que a devida compreensão dos processos sociais, que envolveram o surgimento da
escola pública, no Brasil, seja fundamental para que possamos ter melhor compreensão dos
fatores, os quais colaboraram com a formação do imaginário brasileiro, a respeito dos alunos
com AH/SD e contribuem para a compreensão da invisibilidade.
O ensino secundário brasileiro se estabeleceu com uma estrutura humanista e com
algumas grades de estudos científicos, que seriam marcadas por um caráter enciclopédico.
Assim, podemos imaginar quem eram os alunos que se pretendia formar, em colégios
secundários tradicionais, como o D.Pedro II, no Rio de Janeiro. Jovens de famílias abastadas,
futuros dirigentes nacionais, filhos da classe média, composta por profissionais liberais,
marcados por uma erudição enciclopédica. Os melhores, dentre estes, seriam chamados “bons
alunos” e alguns, por vezes, poderiam ter suas capacidades consideradas acima da média36.
Os problemas das AH/SD, no Brasil, iniciam-se com a definição dos estudantes
considerados normais. No sistema educacional brasileiro, a média era definida a partir dos
resultados dos estudantes oriundos das elites, frequentadoras dos grandes colégios nacionais. Tal
situação, praticamente, tornava impossível que algum estudante, oriundo da classe trabalhadora,
fosse identificado com AH/SD.
Pensar na História da educação brasileira, ao longo do século XX, é um exercício que,
sem dúvida, leva-nos a passar por duas grandes questões: a universalização da escola para todos
e o fracasso escolar.
Marcílio (2005, p.95), demonstra que o crescimento acelerado da população, em cidades
como São Paulo, colocou, desde sempre, a questão de que por praticamente todo o século XX,
a Escola não seria lugar garantido a todos. E neste contexto, a garantia de acesso à escola para
todos foi um desafio de grandes proporções, mas, lentamente, encarado pelas autoridades
brasileiras.
Durante o século XX, em que se iniciam os debates sobre AH/SD, a maior parte da
população, sequer, frequentava a escola ou o fazia, na maior parte das vezes, em escolas
precárias, com poucas chances de seguir adiante, nos estágios mais avançados da escolarização,
ficando restrita ao primário. Neste quadro, como esperar que existisse debate sobre AH/SD, em
36NUNES, Clarice. O “Velho” e “Bom” ensino secundário: Momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação,
2000, nº 14, mai/jun/jul/ago, Dossiê – 500 anos de educação escolar. Editora Autores Associados.
128
um modelo educacional, com tais características? Sendo assim, este será um tema considerado,
com até certa justiça, luxo, em um país, onde nem o básico estava garantido, ficando esquecido
até o fim dos anos 1990, quando, pela primeira vez, teríamos a maior parte das crianças e jovens,
ainda que de modo precário, matriculados na escola.
Deste modo, cabe colocarmo-nos no lugar dos professores brasileiros, durante o século
XX e perguntarmo-nos qual seria o sentido de pensar em AH/SD, em um cenário, onde em
2010, ainda tínhamos metade, 49,25% das pessoas, com mais de 25 anos, sem ter concluído o
ensino médio? Ou seja, metade das pessoas, que iniciaram os estudos, antes de 1988, ano da
promulgação de nossa última constituição, sequer, conseguiram terminar os estudos em nível
médio, com o quadro agravando-se para 79% de não concluintes, do ensino médio, nas áreas
rurais37. Como enxergar cientistas, literatos, médicos, em uma população que, apenas com
muita sorte, concluiria o ensino médio?
Mesmo uma obra, abertamente, defensora dos governos neoliberais, dos anos 1990,
como o livro de Marcílio (2005), indica-nos que no início do século XXI, mais da metade da
maior cidade do Brasil, cerca de 5,5 milhões de pessoas viviam em condições precárias, como
favelas e cortiços e, que no ano de 1992, às portas do novo milênio, 64% dos adolescentes
estavam fora da escola. Diante de um cenário como este, conseguimos ao menos imaginar que
professores tenham dificuldade em considerar possibilidade de existência de AH/SD entre seus
alunos.
Em 1907, no começo do período republicano, quando se iniciam os esforços pela
expansão da rede escolar, em São Paulo, temos um quadro em que as populações negras,ainda,
encontram sérias resistências a sua integração à classe operária, por exemplo, apenas 10% da
classe operária paulistana era composta por negros, Marcílio (2005, p. 108). Deste modo, se aos
pobres era difícil o acesso à escola, aos negros este era um caminho, praticamente, impossível.
Diante deste quadro e a partir de concepções teóricas, que olhavam a população brasileira
mestiça, como degenerada e que precisava ser civilizada, somada às concepções de inteligência,
como herança hereditária, tornou-se lugar comum a perspectivade que nas classes
trabalhadoras, especialmente nas populações negras e pobres, a inteligência não seria algo que
se deveria supor, quando muito, lutar-se-ia contra o fracasso, e AH/SD não passariam de
devaneios, nestes casos.
37
Quase metade da população brasileira (49,25%) com 25 anos, ou mais, não tem o ensino fundamental completo,
segundo dados do Censo 2010, divulgados nesta quarta-feira (19), pelo IBGE.
In:https://educacao.uol.com.br/noticias/2012/12/19/ibge-quase-metade-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-nao-
tem-o-fundamental-completo.htm?cmpid=copiaecola: Consultado em 20/03/2017 as 23h.
129
O questionamento sobre os alunos com AH/SD, sequer, fazia sentido em um país, onde
em pleno início do século XX, mais de 80% da população era analfabeta.
Em uma realidade, em que segundo Marcílio (2005, p. 117): “muitos passaram a sentir
que a promoção da educação popular seria uma campanha tão santa quanto a da abolição da
escravidão, porque é a abolição da ignorância e da incapacidade nacional para o
desenvolvimento e a grandeza da pátria”, não havia sentido pensar no tema dos superdotados,
como se principiava a fazer nos EUA e Europa.
As condições de vida da população negra excluídas da mínima cidadania, associadas a
um passado escravista, produziram efeitos deletérios e duradouros, em nossa sociedade e não
seria difícil supor que os estigmas racistas e preconceituosos, se efetivassem nos meios
educacionais e tivessem papel importante, na definição de quem seriam os “mais inteligentes”,
em uma sociedade que conforme relata Fernandes (1965, p.12):
Diante do negro e do mulato abre-se duas escolhas irremediáveis e sem alternativas.
Vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-
lhe aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano em crescimento, ou
abater-se, penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem
sistemática, ou na criminalidade fortuita, meios para salvar as aparências e a dignidade
de homem livre
O precário ensino secundário, apesar, de todas as suas limitações, era, ainda,
monopolizado pelos alunos, que tinham condições de pagá-lo. E, assim, sem qualquer chance
de frequentar os bancos escolares, para além de um rudimentar ensino primário,aos pobres foi
sendo negada qualquer perspectiva de desenvolvimento de suas capacidades intelectuais.
Deste modo, quando os especialistas, em superdotação, tratam da percepção de que o
ensino aos estudantes alto-habilidosos seria uma modalidade elitista e supérflua, deixam de
levar em conta a história educacional brasileira, que durante muito tempo,não conseguia
garantir sequer a frequência ao ensino primário, como afirma Marcílio (2005, p. 141):
Tendo em conta condições limitadas de recursos públicos e das condições gerais da
época, que não permitiam dar educação primaria a todos, o Estado, segundo Sampaio
Dória, deveria atacar primeiro o pior, ou seja, o analfabetismo, mesmo que para tanto
fosse preciso criar um tipo de escola aligeirada e simples. Resultou daí um ensino
primário obrigatório de dois anos, apenas.
Este modelo de ensino primário que previa aos pobres, apenas, a alfabetização, era um
modelo escolar da contingência, da superação do que fosse grave e urgente, no caso a
alfabetização. Não caberia neste modelo, pensar em temas considerados supérfluos, como a
capacidade intelectual dos pobres, negros, mulheres e da população rural.
130
A proposta educacional de Sampaio Dória de 1920, evidencia o corte geográfico do
acesso à escola, conforme o desenvolvimento econômico das localidades, amparando as
perspectivas sobre as populações rurais baseadas em estereótipos pejorativos e impactando na
atenção dedicada às altas habilidades, mesmo em dias atuais, em que a maioria dos poucos
núcleos existentes para atender este público, concentram-se todos nas capitais dos estados.
O governo do povo, pelo povo e para o povo, tem sua legitimidade na educação
mesma do povo. Primeiro, a educação elementar a todos; depois, a educação primária
integral, aos dos centros populosos e, por fim, a educação secundária e superior aos
das cidades de vida mais intensa.(ANTUNHA, 1995,148)
A análise dos indicadores educacionais paulistas, no período 1900-2000, conforme
Marcílio (2005), indica-nos que fatores históricos e sociais, muito mais que mitos e/ou
preconceitos, foram os verdadeiros responsáveis pela dificuldade em se falar sobre AH/SD, nas
escolas públicas brasileiras.
Para termos uma ideia, apenas no ano de 2000, a maior cidade brasileira conseguiu que
98% das crianças, de 7 a 14 anos, estivessem na escola. Se compararmos tal situação com os
EUA, pioneiros nos estudos e ações voltadas paras as AH/SD, em 1920, temos 93% das crianças
estadunidenses já na escola38.
Desta maneira, com a população na escola e alfabetizada, faria todo o sentido que
debates sobre como lidar com aqueles que se destacassem surgissem, ainda que baseados em
preconceitos de classe, gênero e raça, como no caso de Terman. Já no Brasil, quando as
primeiras preocupações de Antipoff (1929), Pernanbucano (1924) e Kassef (1931), em relação
aos superdotados,surgiram, foram, paulatinamente, ignoradas pelo estado e pelos educadores,
em nome da solução de problemas mais urgentes, sendo tratadas como exotismo intelectual.
Assim, como fruto do próprio desenvolvimento social e histórico do país, as concepções
sobre as AH/SD, nos meios populares, vão desenvolvendo-se rumo à invisibilidade e a
constatação de que seria difícil encontrá-la entre pobres e iletrados. As concepções
deterministas da influência genética e ambiental, apenas, viriam corroborar aquilo que já estava
disseminado entre os educadores. Teríamos sempre o caso de um ou outro miraculado a
confirmar as possibilidades de ascensão permitidas pelo capitalismo, mas, estatisticamente,
eram tão raros estes casos, que não mereceriam atenção.
Os padres Salesianos ao criarem o “Liceu Sagrado Coração”, apresentaram tal visão ao
definirem o motivo da criação do colégio: “Arrancar o vício e a vagabundagem de meninos
38(MARCILIO, 2005, p. 161)
131
pobres e desamparados, ministrando-lhe a par da instrução literária, moral e religiosa, ensino
adequado a sua condição social”39.
No ano de 1929, quase 40 anos após o estabelecimento da República, a capital paulista
continuava possuindo, apenas, um único Ginásio Público e neste, de um total de 555
(quinhentos e cinquenta e cinco) alunos, 486 (quatrocentos e oitenta e seis) eram do sexo
masculino, somente 69 (sessenta e nove) do sexo feminino, tendo se graduado em bacharel,
neste ano, apenas35 (trinta e cinco) alunos.
Deste modo, sem ginásios a receber mesmo aqueles poucos, que tivessem concluído o
primário e sem professores, no ensino secundário, a tradição brasileira em educação foi se
dedicar a dar conta dos problemas, mais urgentes e as AH/SD foram, pouco a pouco, relegadas
à condição de exotismo improvável, situação que contribui para a invisibilidade.
Quando chegamos a chamada “Era Vargas”, a escola, ainda, era um sonho distante para
a maioria das mulheres e a quase totalidade da classe trabalhadora, sendo mais grave, no caso
das populações negras.
Os vencedores de 1930 preocuparam-se, desde cedo, com o problema da educação.
Seu objetivo principal era o de formar uma elite mais ampla, intelectualmente mais
bem preparada. As tentativas de reforma do ensino vinham desde a década de 1920.
[...]Um marco inicial deste propósito foi a criação do ministério da educação e
saúde, em novembro de 1930. [...] na esfera do ensino secundário, tratava-se de
começar a implantá-lo. [...] A complexidade do currículo, a duração dos estudos,
abrangendo o ciclo fundamental, de cinco anos e outro complementar, de dois anos,
vincularam o ensino secundário ao objetivo de preparar novas elites.(FAUSTO,
1998, p. 338)
O ministério de Gustavo Capanema implementou profundas reformas na educação
brasileira, em especial, no ensino secundário, sem abandonar o caráter disciplinador. Assim, o
ensino secundário passou por transformações, a partir dos anos de 1930. O modelo elitista, que
garantia acesso às parcelas reduzidas da população ao ensino secundário, apesar da expansão
da rede, foi mantido, por meio da obrigatoriedade de exames de admissão, para ingresso em
todos os níveis,como nos apresenta Schwartzman (1984, p.187):
A educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades, de
acordo com os diversos papéis atribuídos às diversas classes sociais, ou categorias
sociais. Teríamos assim, a educação superior, a educação secundária, a educação
primária, a educação profissional e a educação feminina: uma educação destinada à
elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra para os jovens, que
comporiam o grande “exército de trabalhadores necessários à utilização da riqueza
potencial da nação” e outra ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes
de tudo, a serviço da nação[...] (SCHWARTZMAN, 1984, p.189)
39(MARCILIO, 2005, p. 202)
132
Entre os legados do período Capanema teremos a expansão, que ocorreu na área
educacional no país, por exemplo, saltamos de 417 (quatrocentos e dezessete) cursos, que
atendiam a 66.420 (sessenta e seis mil e quatrocentos e vinte) alunos, no ano de 1933, para
1.282 (mil duzentos e oitenta e dois) cursos, que atendiam a 256.664 (duzentos e cinquenta e
seis mil e seiscentos e sessenta e quatro) alunos, no ano de 1945, ou seja, em 12 (doze) anos
vimos o número de cursos secundários, praticamente, triplicarem e o número de estudantes
atendidos crescer, quatro vezes, no período40.
Tivemos mudanças em quase todos os setores educacionais, em especial, no ensino
secundário com a criação dos ginásios, como podemos verificar:
A reforma de 1942 consagra a divisão entre o ginásio, agora de quatro anos e um
segundo ciclo, de três anos, com a opção entre o clássico e o científico. Ao fim de
cada ciclo haveria um “exame de licença”, [...]A principal marca da reforma do ensino
secundário foi a ênfase posta no ensino humanístico de tipo clássico, em detrimento
da formação mais técnica. [...]A reforma do ensino secundário, de 1942, ficava em
síntese caracterizada pela intenção de consolidar a escola secundária como principal
instituição e, Através dela, também, esperava-se produzir uma nova elite para o país.
Uma elite católica, masculina, de formação clássica e disciplina militar. A ela caberia
a condução das massas e a ela estaria reservado o acesso ao ápice da pirâmide
educacional. (SCHWARTZMAN, 1984, p.192, 193, 194,202)
As propostas de educação nacional ecoavam os interesses de alguns grupos distintos da
sociedade: como liberais e católicos, por isso, adotar medidas, às vezes, contraditórias no campo
educacional, mas que convergiam para o ponto central, que era a ideia de divisão do acesso ao
currículos longos ou curtos da educação, conforme a classe social, gênero, etnia, bem como, a
partir da primazia da urbanização em detrimento do campo.
Desta forma, é nítida a visão de que aos estudantes pobres, o máximo que se projetava
era uma atuação como profissional do mercado de trabalho. Sendo assim, era irrelevante o
acesso à educação, que lhes aproximasse da ciência e dos saberes humanistas ligados às artes e
a cultura erudita, pois na concepção dos governantes tais saberes não lhes seriam úteis.
No período compreendido entre os anos de 1946 e 1964, muitas ações na área da
educação, especialmente, ligadas à expansão do ensino público, foram implementadas.
Neste momento histórico, no qual o Brasil começava a consolidar sua nova condição de
país, majoritariamente urbano, já podemos notar a tendência popular de ver na educação a
possibilidade de ascensão social, elevação cultural e, por isso, teremos, diversas vezes,
movimentos populares exigindo atendimento escolar às suas crianças.
40 Tabela de dados do IBGE, Anuário estatístico de 1949, p.480. in (SCHWARTZMAN, 1984, p.189).
133
O crescimento da rede de escolas preparatórias de professores é apresentado por
Almeida (2005, p.100): “Em 1954 existiam 258 estabelecimentos de ensino normal, em 122
diferentes cidades do Estado de São Paulo, sendo que na capital funcionavam 60 escolas
normais, 9 delas estaduais e 51 particulares, não havendo participação do município na
formação de professores”.
Mesmo com o aumento no número de vagas, no ensino primário e incremento na
quantidade de instituições voltadas à formação de docentes, o ensino secundário que servia
como via de acesso ao ensino médio, possibilitando ingressar em um curso de graduação, era,
praticamente, monopolizado pela elite e classe média, sendo que, ao povo não restavam muitas
opções e vagas, que permitissem ir, além, do ensino primário.
Podemos concluir desta forma, que a educação brasileira, ao longo de boa parte de sua
história, foi tão seletiva e excludente, que não fazia sentido pensar em AH/SD. De certa forma,
as escolas selecionavam aqueles alunos, com melhores condições socioeconômicas e, por
vezes, algumas crianças com altas habilidades, por meio de seus concorridos e temidos
concursos de ingresso, no ensino secundário, médio e superior. Não é que as escolas tenham
ignorado os alunos com altas habilidades, das classes populares. Na verdade, talvez, apenas
estes tenham tido chance e condições de frequentar escolas de nível secundário, na maior parte
da história educacional brasileira.
No início da década de 1960, o contexto político continuava repleto de debates e
propostas. Muitos conflitos foram gerados pela criação da LDBEN, no ano de 1961. É neste
momento histórico que temos os primeiros debates sobre a educação dos superdotados.
No período conhecido como “anos de chumbo”, o clima político, cultural e, também,
educacional modifica-se. Os generais dominam os rumos do país, em todas as áreas, incluindo
a educação. A perseguição a diversos pensadores, que se atreviam a divergir do governo, no
âmbito educacional, tornou-se regra.
A teoria pedagógica oficial era o tecnicismo, como afirma Saviani (1998, p. 39), mas
esta foi obrigada a conviver com críticas e, com o passar do tempo, sofreu duros ataques de
diferentes formas de pensar a educação. Entre as principais teorias que conviveram, ainda, que
de forma tensa, muitas vezes ilegal, com o tecnicismo dos militares, vale destacar: a Escola
Nova, as teorias não diretivas com Skiner e Rogers; a Escola Nova popular, de Paulo Freire e
Frenet; as teorias da Reprodução de Bourdieu e Passeron, e Baudelot e Establet.
Um dos fatores fundamentais a serem levados em conta, quando pensamos nas
condições históricas, que colaboraram para a formação do imaginário escolar sobre o ideal de
aluno, foi o exame de admissão, verdadeira maratona de provas, que os estudantes viam-se
134
obrigados a enfrentar, caso desejassem ingressar no ensino secundário, como nos mostra
Sposito(1984, pp. 64,65):
O exame de Admissão foi, por algumas décadas, a linha divisória decisiva entre a
escola primária e a escola secundária. Funcionou como um rito de passagem cercado
de significados e simbolismos, carregado de conflitos para os adolescentes ainda
incapazes de lidar com fracassos. Não menos importante que o exame de admissão,
era o curso preparatório ao exame [...] Obter a aprovação nestas provas tinha uma
importância equivalente a aprovação nos exames vestibulares,ao ensino superior. Era uma espécie de senha para a ascensão social.[...]
Entendido como algo justo e natural, o exame de admissão fazia com que apenas um grupo
seleto de alunos, normalmente, oriundos de famílias com melhores condições financeiras,
sonhassem o sonho do ensino secundário.
Além da seleção econômica, os exames indicavam os “ditos mais inteligentes”, por
haverem passado nas provas. A dura peneira realizada pelo exame admissional, pode ter
contribuído para que os docentes do ensino secundário, passassem a considerar “normais”
alunos, duramente, selecionados e, assim, as exigências, para que alguém fosse considerado
com AH/SD, eram tão elevadas, que a raridade não valeria a busca. Tal situação criou um
imaginário sobre o secundário e os estudantes deste nível, tão elevado e elitista, que quando a
massa de crianças proletárias começou a chegar nesta modalidade de ensino, com o fim dos
exames de admissão, fez com que os professores tivessem dificuldades em considerar a
possibilidade de existirem alto-habilidosos, nas escolas públicas.
Outro ponto deste movimento de resistência à ampliação do ensino é que, se imprensa e
governos reagiram, vorazmente, à ideia de filhos das classes trabalhadoras botarem seus pés, nas
escolas secundárias, que antes deveriam formar, apenas, as elites dirigentes; as escolas, também,
tiveram seu papel nesta resistência, por meio da produção de um desastre social causado pelo
número de reprovações e alunos evadidos, da escola primária, chegando-se ao ponto, de termos
a maioria dos estudantes brasileiros matriculados, na primeira série do ensino primário, como
podemos verificar em Patto (2000), o que servia para manter a classe trabalhadora, longe do
ensino secundário.
Um dos argumentos usados, para garantir a exclusão nas escolas, era o de que esta se
destinava a “selecionar” os melhores e, assim, podemos pensar nas altas
habilidades/superdotação, como destacavam os jornais da época:
As escolas elementares servem a todos, indistintamente, até mesmo aos anormais,[...]
Ao contrário, a escola média é destinada aos que possuem capacidade para estudos
mais elevados e os diversos tipos de estabelecimentos, que a constituem, devem
atender à diretriz fundamental, que separa as unidades escolares entre as que
135
preparam para a universidade e aquelas que qualificam indivíduos para as
profissões,[...] Finalmente, as universidades existem para os que são superiormente
dotados. O ensino é, eminentemente, um trabalho de seleção dos melhores. (O Estado
de São Paulo, 30-6-1950)
Tais concepções marcadas, profundamente, por uma forma de ver o mundo que, antes de
tudo, pretendia excluir, formou o imaginário de escolas sobre o aluno ideal. Com este
imaginário, não é de estranhar que, atualmente, pouco se fale de jovens alto-habilidosos, no
interior de uma escola pública, o que corrobora com a ideia de que repletas de “alunos fracos”,
não resta às escolas outro destino, senão o fracasso.
A dureza dos exames de admissão, as elevadas taxas deevasão e reprovação, o
autoritarismo e produção do fracasso escolar foram algumas das formas de resistência do
sistema escolar ao movimento de “democratização” que estava ocorrendo. Neste processo de
conflito, a resistência das escolas em receber os estudantes proletários, em seu interior, era
verificada, na perspectiva dos profissionais de ensino sobre o potencial intelectual dos “novos”
alunos. Assim, a invisibilidade das AH/SD seria uma ocorrência, muito provável:
A Lei 5.892, de 1971, reformularia o ensino de primeiro e segundo graus no país.
[...]O primeiro ciclo do ensino secundário seria, definitivamente, incorporado ao
ensino de primeiro grau que, dessa forma, ampliava a obrigatoriedade escolar para 8
anos, na faixa etária dos 7 aos 14 anos. Estavam abolidos os exames de admissão.
(NUNES, 2000. p.58)
Portanto, apenas a partir de 1960, as barreiras seletivas foram sendo empurradas paraos
degraus mais elevados: do primário para o ginasial e deste para os cursos do médio e, após, o
ensino superior. Desta maneira, quando chegamos a década de 1970, uma das metas
educacionais do governo brasileiro, ainda, era universalizar a educação primária.
Não por acaso, será exatamente neste período, apenas, que se iniciam as primeiras
medidas estatais, no campo das AH/SD, afinal, não havia qualquer sentido debater, de maneira
ampla, o tema, antes que a população pudesse, ainda que apenas, formalmente, ter acesso ao
ensino secundário, indicando, conforme a nossa argumentação e hipótese, que a invisibilidade
dos alunos com AH/SD, na educação brasileira, não é fruto de mitos, mas, de realidades
bastante concretas e construídas, historicamente, que foram, ao longo do tempo, cristalizando-
se no imaginário docente, nas prioridades dos cursos de formação de educadores, nas
preocupações das redes e gestores escolares e, contribuindo para a formação de representações
sociais sobre os pobres, que faziam da superdotação ser um tema, distante.
Para termos uma ideia do quadro da educação brasileira, durante a elaboração do II
Plano Nacional de Educação de 1962, as metas para o ensino secundário e colegial eram a de
136
matricular 30%, apenas, da população em idade adequada a estes níveis de ensino; contar com
apenas 20% de professores diplomados, em curso superior. Entretanto, segundo Marcílio
(2005), os resultados gerais deste plano foram pífios. Mostrando que diante deste quadro, os
alunos superdotados tinham pouca, ou nenhuma chance de serem notados, seja pelo próprio
funcionamento das escolas e suas demandas, seja pela falta de professores, qualificados para
lecionar, ou, por fim, pela constatação de que alunos com destaque, se pobres, teriam chances
mínimas de uma trajetória escolar longa, como diriam Baudelot e Establet.
Quando o termo superdotação, pela primeira vez, aparece na LDB/1971, garantindo o
atendimento especial a este público e o princípio de um trabalho,com AH/SD; temos a criação
da Escola Média Profissionalizante, que segundo Marcílio (2005), foi desastrosa. E o seu caráter
simplificador veio encerrar qualquer chance de uma educação, com currículo enriquecido e
erudito aos filhos da classe trabalhadora, fossem estes superdotados, ou não.
No início da década de 1980, os índices de evasão, repetência e fracasso eram ainda
assustadores e mais de 50% dos estudantes não concluíam o ensino primário. Com uma escola
tão excludente e com tamanha seletividade, apenas, os estudantes com algum capital econômico
e cultural conseguiam superar o vigoroso funil educacional brasileiro rumo ao ensino médio e
mesmo assim, precisavam ser estudiosos.
Com professores do ensino secundário e, especialmente, do ensino médio, habituados
a receber alunos triados, por uma imensa máquina produtora de evasão e fracasso, capaz de
selecionar, brutalmente, uma pequena parcela de estudantes; apenas, para termos ideia do poder
do gargalo do exame de admissão, em 1966, segundo estudo de Joly Gouveia, foi constatado
que em um ginásio, da periferia da capital, haviam 60 (sessenta) vagas para o ensino secundário,
as quais submeteram-se 280 (duzentos e oitenta) candidatos, tendo sido aprovados, apenas,
18(dezoito) alunos. Com este padrão de seletividade, o conceito de alunos normais era tão
elevado, que não era necessário um trabalho, específico, para AH/SD.
Diante de tamanha seletividade, os professores, deste nível de ensino, passam a
acreditar, em primeiro lugar, na incapacidade congênita dos pobres em obter sucesso, nos
estudos. Concepção, em parte fortalecida pelas teorias baseadas na carência cultural, ou no
potencial genético da inteligência. Em segundo lugar, acreditam que estes alunos, severamente,
selecionados e classificados seriam o exemplo de normalidade dentre os estudantes. Ou
seja,normal seria aquele, que obteve sucesso neste imenso círculo de exclusão. A partir desta
concepção de normalidade, pensar em alunos com AH/SD, significava trabalhar com as ideias
de genialidade tão presentes nas respostas dos docentes durante o trabalho de campo.
137
Para termos uma ideia do quadro em 1960, as matrículas no ensino médio
representavam, apenas, 1,7% da população estudantil brasileira. Em 1980, este número era de
2,2%, chegando a 4,2% da população de estudantes, no ano de 1996. Às portas do século XXI,
no ano da promulgação da LDB 9394/96, menos de 5% das matrículas de estudantes eram de
alunos do ensino médio. Tal situação diz muito sobre mitos, terminologias e considerações
docentes sobre a capacidade intelectual dos estudantes e, consequentemente, dos alunos com
AH/SD.
No ensino primário, ao longo das décadas de 1960, 1970, 1980,apesar da instituição da
obrigatoriedade e expansão da rede de ensino, as tônicas do atendimento, nas periferias, eram:
a falta de vagas, escolas precárias, turmas com professores sem formação e funcionando em
horário reduzido, que poderia chegar a jornadas de 2horas por dia, apenas e, sobretudo, classes
marcadas pela evasão, reprovação e superlotação, como por exemplo, na década de 1980, com
mais de 38 alunos, por sala, em uma turma do primário, ou nos extremos, como em São Miguel
Paulista, com 58 alunos, na década de 195041. Com estas condições, a educação dos estudantes
talentosos não seria sequer considerada.
No final da década de 1990, quando podemos dizer que se inicia um trabalho, mais
sistemático, voltado ao público superdotado, apenas, 1,6% dos jovens brasileiros chegavam à
universidade42, número inferior, mesmo a países pobres e vizinhos, como: Chile e Argentina.
Diante deste quadro, seria adequado pensar que, ao encontrar um aluno talentoso e pobre, um
professor se questionasse sobre o que fazer, efetivamente, já que as chances de desenvolver
suas habilidades,eram, praticamente, nulas.
Marcílio (2005) apresenta-nos, em seu livro, um cenário desolador da situação da
educação brasileira. Cabe destacar que a autora, longe da crítica aos governos brasileiros, é
próxima ao grupo, que administrou o Brasil, na década de 1990 e, por mais de 2 (duas) décadas,
determina os rumos da educação paulista:
É preciso ver o fracasso escolar e a exclusão social, na escola fundamental, como
produtos históricos de sucessivas omissões, negligências, incompetências e
descontinuidades de políticas do poder público em relação à educação, que ainda
esperam por solução razoável. [...] Os resultados do SAEB, de 1997 e 1999,
mostraram que o concluinte, da 8ª série, domina os conteúdos esperados de um aluno
da 4ª série e este mal sabe decodificar as palavras que lê, ambos são incapazes de
compreender uma notícia de jornal. Consequentemente, a maioria dos concluintes do
ensino fundamental não possui condições acadêmicas para cursar escolas de ensino
médio, com proveito(MARCILIO, 2005, p. 359)
A população pré-letrada, ou de baixa escolaridade, lê pouco, ou não lê. Pesquisa feita,
em escolas de todo o país (2001), aponta que a maioria dos alunos de escolas públicas
41(MARCILIO, 2005, p. 260) 42(MARCILIO, 2005, p. 341)
138
provêm de lares pré-letrados, que possuem poucos, ou nenhum livro e precários
hábitos de leitura. Mais de 60% dos pais de alunos, de escolas públicas, concluíram,
apenas, algumas séries do ensino fundamental. Na casa dos alunos, o hábito de ler
revistas e jornais, por rede de ensino, mostra que 57,2%, no ensino municipal e 49%,
no ensino estadual nunca, ou raramente lêem, enquanto os pais de alunos da rede
particular, ao contrário, 72,5% têm habito de ler semanalmente, ou diariamente.
(MARCILIO, 2005, p. 362)
Em relação a formação dos professores e os mitos sobre as altas
habilidades/superdotação, Marcílio (2005, p. 419) afirma que:
Na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 2001, 18,4% dos professores
de Física e 19,9% dos de Química tinham formação mínima obrigatória, para lecionar
estas disciplinas. Em 1998, o Estado de São Paulo fez concurso para 1.376 vagas de
Física e, 1.887 professores prestaram os exames, destes, apenas, 394 foram aprovados
e, somente, 366 assumiram seus postos. Fato similar ocorreu no concurso para
professor de Química.
Quando nem os professores têm formação adequada, para ministrar as aulas das
disciplinas, que lhes são atribuídas, ou condições de serem aprovados, em exames de concursos
sobre suas áreas de formação específica, como nos apresenta Marcílio (2005), como supor que
estes docentes possam atentar para um aluno talentoso, em uma determinada disciplina, e tenha
condições de lhe ofertar um currículo enriquecido? Isto mostra que, a sem uma reflexão ampla
sobre a escola, seu funcionamento e a formação docente ocorra, são poucas as chances de alunos
talentosos terem oportunidades condizente com seu perfil.
Neste capítulo, procuramos demonstrar como não é possível o tratamento das questões
das AH/SD, sem uma perspectiva histórica, no sentido de situar ao longo do processo de
constituição da sociedade brasileira, suas características e particularidades.
Na mesma medida, pensar na forma como a inteligência é reconhecida pelos professores
brasileiros, sem levar em conta a história da oferta de oportunidades escolares, para a massa da
população, parece-nos um claro equívoco.
Desta forma, buscamos evidenciar como o tratamento das AH/SD, excessivamente
biológico, e que por isto, deixe de levar em conta os processos históricos e sociais, que ao longo
do tempo contribuem para formar uma dada sociedade, acabam obtendo uma perspectiva
incompleta, de como se configura a invisibilidade, de pessoas talentosas.
Pudemos perceber que, ao longo da História e conforme a configuração social de uma
determinada sociedade, vão sendo determinados aqueles que serão definidos, como destinados
ao sucesso e aqueles, que serão marcados com o selo do fracasso e, assim, criando-se uma
situação, que torna crianças, extremamente, talentosas em pessoas invisíveis.
139
A busca da compreensão das AH/SD embasada, apenas, em teorias, que buscam explicar
a questão, a partir da herança genética e/ou hereditária, ou esteja fundamentada, em baterias de
testes, como os exames de quociente intelectual, significa abrir mão de refletir sobre como a
inteligência distribui-se e se apresenta em uma sociedade assolada, por quatro séculos de
escravidão, que tem negado, sistematicamente, o acesso às experiências escolares para maior
parte de sua população.
Aceitar que a invisibilidade dos alunos com AH/SD, somente, devido à falta de
disciplinas, nas universidades sobre o tema ou a um conjunto de mitos, que povoam o
imaginário docente sobre a questão, é recusar-se a refletir sobre como se formam estes mitos e
imaginários, quais as razões que justificam a ausência deste tema, nos cursos de licenciatura e
qual o impacto, de apenas, a menos de 25 anos, a educação ter sido universalizada, aos alunos
do ensino fundamental. Ainda assim, em escolas com péssima qualidade e com imensa falta de
vagas, na educação infantil e menos de 70% dos estudantes concluindo o ensino médio.
Negar um olhar histórico e social para o fenômeno das altas habilidades, significa não
perceber, que antes de um aluno ser submetido a esta, ou aquela bateria de testes para a
identificação das AH/SD, outros filtros, muito mais poderosos e sutis, entram em jogo, na forma
como um aluno é avaliado, definindo quem será e quem não será indicado, para um exame de
identificação das altas habilidades. Tais filtros determinam aqueles passíveis, de despertar
alguma suspeita e aqueles, que jamais serão vistos, a menos que se problematize a questão, de
modo mais consistente.
Optar por abordagens, para compreender as altas habilidades, a partir de questões
inatistas, é escamotear o fato de que vivemos em uma sociedade, em que os direitos humanos
como acesso à educação, saúde, habitação, cultura, transporte e alimentação foram e, continuam
sendo, sistematicamente, negados a maior parte da população.
Falar em habilidades inatas para a música clássica, em uma sociedade que nega,
sistematicamente, o acesso da sua população às salas de concerto e aos instrumentos musicais,
parece algo apressado, do mesmo modo que defender habilidades inatas para as ciências, em
um país onde existe um déficit de milhares de professores, de Física e Química, para lecionar
nas escolas públicas e onde as crianças precisam aprender, sem laboratórios e bibliotecas
adequados, não parece algo acertado. Vivemos em um país, onde vale a máxima que preconiza
que em “terra de cego, quem tenha apenas um olho será rei” e, ainda, buscamos explicar a
existência deste único olho, com base em preceitos biológicos/inatistas.
Portanto, talvez o estudo dos imensos contingentes de alunos brasileiros que conhecem
o fracasso escolar, não seja algo tão distante daquele pesquisador, que deseja conhecer os
140
motivos para que um considerável número de alunos, com AH/SD, oriundos de classes
populares sejam esquecidos e tornados invisíveis.
Acreditamos que fracasso escolar e invisibilidade do sucesso sejam faces distintas de
uma mesma moeda, na realidade educacional brasileira, àquela que produz fracasso, nega
acesso aos conhecimentos, sucateia escolas e professores e impede que o sucesso seja, sequer,
notado. Negando e tornando invisível o sucesso, a escola reforça o fracasso, mesmo onde este
não exista.
Neste sentido, devemos seguir nossa busca das causas da invisibilidade avaliando o
estado da arte da produção científica brasileira sobre as altas habilidades/superdotação, suas
filiações teóricas e contribuições para a compreensão do problema de pesquisa.
CAPÍTULO IV
A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AH/SD
A produção científica relativa à área de Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD)
ainda é bastante incipiente no contexto brasileiro, embora os precursores da área
tenham pesquisado e divulgado seus trabalhos, a partir da década de 1920-1930. [...]
Desta forma, embora no exterior o tema já seja pesquisado, desde finais do século
XIX e, no Brasil, já tenham se passado mais de 75 anos, desde sua primeira abordagem
pelos pesquisadores, as investigações neste campo ainda são bastante escassas.
(PÉREZ S. G., 2003, pp. p. 45-59)
Neste capítulo abordaremos a produção acadêmica brasileira e internacional sobre o
tema das AH/SD e seu estado da arte. Pretendemos, além de percorrer o necessário retorno às
contribuições teóricas, daqueles que se debruçaram sobre o tema, entender como ocorre a
produção científica, em uma área que se destaca no contexto educacional pela invisibilidade.
Analisaremos eventuais relações entre o modo como se organizam as pesquisas, no
campo das AH/SD, tendo, na produção bibliográfica, sua materialização e a situação de
invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos.
141
A principal tese do capítulo é a de que a produção acadêmica sobre AH/SD, no Brasil,
ao mesmo tempo, que desvenda e ensina sobre o tema, em alguma medida, reforça (ainda que
sem este objetivo), por vezes o quadro de invisibilidade, na realidade social e escolar.
4.1-Estado da Arte das Pesquisas sobre AH/SD, no Brasil
No Brasil, na área acadêmica, há tudo por se fazer. As universidades que, com
raríssimas exceções, nem mesmo contam com disciplinas nessa área, precisam abrir
espaço para o estudo da inteligência e das habilidades superiores. Precisa-se de
pesquisadores, que iniciem o trabalho que há décadas se desenvolve nos Estados
Unidos e Europa.(VIRGOLIM A. M., 1993, p. 15)
Em relação ao estado da arte das pesquisas sobre AH/SD, PEDRO(2016) desenvolveu
levantamento junto ao banco de teses da CAPES, localizando 100 (cem) dissertações e 16
(dezesseis) teses, no período de 1987-2014, indicando que em um intervalo, de mais de 25
(vinte e cinco) anos, temos menos de uma tese, por ano, sobre a temática e pouco menos de 4
(quatro) dissertações, anuais, realizadas em todo o Brasil. Confirmando a situação de
invisibilidade, das AH/SD, como objeto de pesquisas acadêmicas.
Em seu estudo PEDRO (2016) categorizou os temas das pesquisas desenvolvidas, no
Brasil, a maior parte dos trabalhos analisa os modelos de atendimento e identificação das
pessoas com AH/SD, apontando uma representatividade, bem menor, às investigações que se
dedicam sobre os fatores sociais e educacionais, que envolvem a temática e sua invisibilidade,
confirmando a tendência de que a própria produção acadêmica dedique-se pouco à questão do
reduzido número de identificações e atendimentos, na realidade brasileira.
A produção brasileira sobre AH/SD, ainda, é pequena. Aquele que esteja interessado no
tema, terá dificuldade em encontrar livros e trabalhos científicos, em grande quantidade43. Os
livros sobre as AH/SD têm pequena circulação e, sua aquisição depende de uma rede, que
funciona em círculos específicos, como congressos e instituições especializadas.
A pesquisa e a produção científica, nas universidades brasileiras, corroboram o
crescimento da área, mas, também, revelam escassez de oferta de linhas de pesquisa
e de cursos na área, com uma concentração marcada, em poucos estados brasileiros.
Conclui-se que após a leitura de um dos artigos, que aborda o tema, os alunos com
AH/SD tornam-se transparentes aos olhos dos professores de sala de aula e dos demais
educadores, que com eles trabalham, porque a educação continuada, que deveria
43
Sobre a pequena produção acadêmica na áreaAnjos (2011) nos confirma: “Nesse contexto e na busca de dar
continuidade às pesquisas na área de educação inclusiva, a área de altas habilidades/superdotação chamou-me
especial atenção pelo fato de ser um tema pouco pesquisado, fato que pode ser exemplificado por meio do
Programa de Pós-graduação em Educação Especial (PPGEES) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
cujo programa já possui trinta e um anos de existência e que possui somente uma dissertação (2010) na área e
nenhuma tese”
142
garantir o conhecimento e proporcionar-lhes ferramentas de trabalho, ainda, é um
desafio.(FERNANDES E. M., 2012, p. 19)
Porém, apesar de reduzida, a produção científica, de um modo geral, confirma a situação
de invisibilidade, dos alunos com características de AH/SD, Fernandes, Redig e Alcântara
(2009), por exemplo, publicaram estudo desenvolvido entre os anos de 2003-2004, sobre o
estado da arte, da Educação Especial, noRio de Janeiro, foram pesquisados 41 (quarenta e um)
municípios, do referido estado, em relação aos alunos, com AH/SD. O estudo constatou que
nenhuma cidade investigada identificou a existência de alunos alto-habilidosos, em suas redes
de ensino, o que confirma a condição de “invisíveis”, deste público.
A invisibilidade dos alunos, de modo geral, também se verifica/estende à produção
científica brasileira sobre a temática44. Os autores acima citados realizaram, ainda, um
levantamento de 17 (dezessete) volumes, da Revista Brasileira de Educação Especial
(RBEE),no período de 1992-2011 e, dentre os 118 (cento e dezoito) artigos publicados, pela
revista científica brasileira, de maior importância, na área de Educação Especial, apenas 4
(quatro) artigos tinham como seu tema as altas habilidades/superdotação45.
A produção acadêmica sobre as AH/SD tem crescido, no Brasil, a partir dos anos 2.000,
de forma consistente, mas, ainda, está longe de constituir uma produção volumosa. Com uma
produção intelectual que conta com pesquisadores importantes como: Eunice S. Alencar,
Denise de S. Fleith, ZenitaGuenther, Maria Helena Novaes, Suzana Graciela Pérez e Soraia
Napoleão de Freitas, pesquisadoras reconhecidas, internacionalmente, e algumas destas
ocupando, ou tendo ocupado postos de destaque, nas mais importantes instituições dedicadas
ao tema, em caráter internacional. Contraditoriamente, a quantidade de artigos e trabalhos,
praticamente, some, no volume da produção intelectual brasileira, nas áreas da educação e
psicologia, onde se concentram a maior parte dos estudos sobre AH/SD.
Podemos dizer, que durante o século XX, a invisibilidade dos alunos com altas
habilidades, que chegou ao ano 2.000, com menos de 1.000 (mil) estudantes identificados,
ocorreu também, na produção acadêmica sobre o tema.
44
A invisibilidade dos sujeitos com altas habilidades/superdotação, nas pesquisas brasileiras, pode ser verificada
em trabalhos como o de Machado (2007).quando confirma a situação das AH/SD em Manaus: “[...]pela
curiosidade de esclarecer o porquê de, em dez anos de atuação, na Educação Especial, no município de Manaus,
não constar nas estatísticas de atendimento, nenhum aluno identificado com características de altas habilidades,
como também, de não haver nenhum atendimento educacional organizado e em funcionamento para atender esse
alunado até o ano de 2007.” 45Segundo trabalho de Fernandes, Orrico, Redig e Alcântara (2009)
143
O crescimento do número de alunos, nos primeiros quinze anos, do século XXI, que
saltou de cerca de 1.000 identificações, no ano 2.000, para pouco mais de 13.000, em 2016, foi
verificado, também, na produção acadêmica sobre o tema, que apresentou um crescimento
considerável e, hoje, temos grupos de pesquisa e programas de pós-graduação46 dedicados às
AH/SD, em universidades como: UNB, UFSCAR, UEL, UFPR e UFSM, além de
pesquisadores espalhados, praticamente, por todas as regiões brasileiras, com destaque para a
evolução dos números, a partir de 2.010.
Cabe destaque, para o fato deste crescimento ter ocorrido em um período, com algumas
movimentações do governo federal na área, como a criação de legislação sobre a temática e
criação de centros de atendimento às AH/SD, nos estados: NAAHS. Outro fato, que merece
destaque e que parece ter dado impulso, na produção acadêmica, foi a criação, em 2.003, do
Conbrasd (Conselho Brasileiro para Superdotação), entidade brasileira especializada na área e
responsável por organizar a sociedade civil e promover publicações e congressos sobre a
temática.
Após a análise, dos quatro artigos sobre AH/SD, publicados na RBEE, verificamos que
os trabalhos se distribuem entre os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito
Federal e Paraná, analisando as seguintes questões, respectivamente: A necessidade de
programas, que visem ao desenvolvimento das pessoas com altas habilidades e, também, com
sintomas obsessivo-compulsivo; Investigação sobre se os mitos que envolvem os alunos, com
altas habilidades, prevalecem na concepção dos docentes, do ensino fundamental, de uma
escola da rede pública estadual do Rio Grande do Sul em Santa Maria/RS; Comparação das
características de famílias, em situação socioeconômica desfavorecida relacionada ao
desenvolvimento de comportamento de superdotação; O atendimento realizado em salas de
recursos, para alunos com altas habilidades/superdotação, no Paraná.
Durante as pesquisas, constatamos que a existência de estrutura de atendimento aos
alunos alto-habilidosos, no Brasil, é, ainda, fortemente ligada à existência de pesquisadores de
AH/SD, nas regiões onde estes estão localizados. Assim, onde temos grupos de pesquisa e
pesquisadores sobre o tema, geralmente, temos instituições e centros de atendimento aos alunos
com altas habilidades e, por consequência, temos maior número de identificações.
46Se considerarmos que o Brasil possui 183 Programas de Pós-Graduação, em Educação, devidamente
reconhecidos (CAPES, 2012) e, que destes, somente 19 desenvolveram pesquisas sobre ah/sd, constatamos o
quanto ainda é pequeno o interesse por essa temática.(CHACON, 2014, p. 6)
144
Portanto, a invisibilidade dos alunos está, diretamente, ligada à invisibilidade
acadêmica, que o tema venha a ter. Onde, praticamente, inexiste, como no caso de São Paulo,
consequentemente, não temos identificações de casos de AH/SD.
Sobre a produção acadêmica na área Anjos (2011) nos traz importante trabalho, em que
analisa a produção acadêmica brasileira, sobre AH/SD, em suas abordagens metodológicas,
epistemológicas, gnosiológicas e teóricas, indicando-nos que a maioria das pesquisas segue
uma abordagem teórico/metodológica, de caráter fenomenológico-hermenêutico e afirma:
De um modo geral, as pesquisas apresentaram, em comum, propostas baseadas na
avaliação de programas, ou projetos, que prestavam atendimento às pessoas com altas
habilidades/superdotação [...] Por meio da análise, das pesquisas classificadas como
fenomenológicas/hermenêuticaspodemos verificar que as mesmas caracterizam-se
por descrever eclassificar o fenômeno, no intuito de apreender as essências absolutas
das coisas, interpretando o sentido das palavras, das leis e dos textos. Portanto,
percebemos,naspesquisas analisadas, que não há uma análise, aprofundada, para
compreender osfenômenos e os documentos legais são bastante presentes nos estudos,
muitas vezesservindo de aporte teórico.(ANJOS, 2011)
Segundo Anjos (2011), parte considerável das pesquisas, na área, trabalham com a
análise de projetos e programas voltados, ao atendimento de pessoas com AH/SD; ou, com o
desenvolvimento de modelos de identificação e descrição/análise de casos, particulares, de
sujeitos alto-habilidosos.
Em relação as concepções teóricas, das pesquisas analisadas por Anjos (2011), o único
consenso é a presença de Renzulli, em todos os trabalhos, devido a sua proposta de atendimento,
via enriquecimento curricular.
Sua “Teoria dos Três Anéis”é a mais aceita, quando falamos em AH/SD. JosephRenzulli
é pesquisador das AH/SD, desde a década de 1970, e professor da Universidade de Connecticut,
junto a, também, pesquisadora da área, a professora Sally Reis.Ambos dirigem o NEAG, núcleo
especializado na formação de professores e pesquisadores, e que, também, desenvolve materiais
didáticos e modelos de atendimento, para enriquecimento curricular47 aos alunos alto-
habilidosos.
Segundo Renzulli (2004), a “ Teoria dos Três Anéis” explica e compreende as altas
habilidades, como o conjunto das seguintes características: habilidade acima da média, em
alguma área do conhecimento; comprometimento com a tarefa e criatividade. Tais
características não precisam, necessariamente, ocorrer nos indivíduos com simultaneidade e na
47Em relação aos enriquecimentos, método utilizado pelo PAPAHS, diversos autores indicam características e
maneiras de organização. No Brasil, o referencial teórico utilizado pela maioria dos pesquisadores é o de Renzulli
(2004), o autor aponta a necessidade de modificações de processos e de produtos para alunos com AH/SD.
145
mesma proporção, mostrando que o autor tem atenção para fenômenos sociais, que, muitas
vezes, são negligenciados em outras pesquisas.
Tais características, quando apresentadas por um indivíduo, deveriam chamar a atenção
dos educadores, para possíveis casos de AH/SD, Fernandes (2012, p. 5), mostra-nos que para
Renzulli, AH/SDéum comportamento desenvolvido, em algumas pessoas, conforme
determinadas circunstâncias, e em determinadas situações. Ou seja, as AH/SD são muito mais
complexas que a simples condição natural de nascimento, com um talento inato, como podemos
ver:
Renzulli analisa a superdotação como um comportamento, que pode ser desenvolvido
em algumas pessoas (naquelas que apresentam alguma habilidade superior à média da
população), em certas ocasiões e sob certas circunstâncias (e não em todas as
circunstâncias da vida de uma pessoa). Segundo a teoria deste autor, ao considerar a
superdotação como um comportamento a ser desenvolvido, é possível que crianças
desenvolvam e apresentem comportamentos de superdotação, ao receberem estímulos
pedagógicos diversos, que potencializem suas habilidades.(FERNANDES E. M.,
2012, p. 5)
Cabe destacar, que o principal teórico da área, atualmente, indica que as influências do
meio e os estímulos são decisivos, no desenvolvimento dos talentos, mesmo daqueles
indivíduos mais capazes, para Renzulli (2014, p. 75): “a maré alta é boa para todos”, isto é, toda
vez que o ensino pauta-se no desenvolvimento e aprimoramento das capacidades e
potencialidades do ser humano, todos se beneficiam”.Indicando que, quando temos programas
de enriquecimento curricular, para alunos com AH/SD, todos os demais estudantes acabam
beneficiando-se.
Segundo Pérez (2009, p. 4), entre os anos de 1971 e 2008, foram realizados 55
(cinquenta e cinco) eventos técnico-científicos, da área de altas habilidades/superdotação, no
Brasil; a grande maioria tendo sido resultado, quase que exclusivamente, do esforço das
associações representativas, que buscam parcerias com órgãos educacionais do país e
instituições de ensino superior e da iniciativa privada, para sua realização.
Desta forma, a sociedade civil organizada, por meio de pesquisadores e familiares, teve
papel decisivo, no desenvolvimento da área, devido a pouca iniciativa/interesse dos órgãos
governamentais, no tema. Assim, em um período de 37 (trinta e sete) anos, verificamos que
tivemos menos de 2 (dois) eventos, por ano, para todo o Brasil, indicando as dificuldades da
área, em romper com a invisibilidade, mesmo do ponto de vista acadêmico.
Fato indicativo de que o campo das AH/SD encontrou grande dificuldade em se
consolidar, enquanto área de pesquisas e foco de interesse da educação brasileira. Trazendo de,
146
antemão, um dos fatores, que pode nos ajudar a entender o motivo da invisibilidade dos alunos
AH/SD, por muito tempo e mesmo na atualidade, o tema foi invisível na academia.
A característica notável, que indica este isolamento da área em relação às pesquisas, em
educação, pode ser verificada, após a leitura de centenas de trabalhos, de diversos estados, e
constatar o pequeno número de trabalhos, que trazem citações, referências, ou estabelecem
debates com obras de pesquisadores, da área da educação, que não as específicas sobre AH/SD.
Quando muito, algumas referências protocolares a estudos da Educação Especial e, assim,
textos sem qualquer vínculo com as outras realidades sobre a escola, como: aprendizado,
indisciplina, currículo, vão sendo produzidos como se não se relacionassem com a instituição
escolar e, em nossa opinião, talvez, este seja um dos grandes motivos para a invisibilidade
constituir-se como algo tão poderoso. Ainda, que alguns dos maiores teóricos da área alertem
sobre a situação, como o faz Guenther(2006, p. 40):
A primeira frente de batalha para os educadores está na barreira cultural erguida pela
“homogeneização e massificação”. Receio que a escola inclusiva não possa
sobreviver, se as raízes profundas, que asseguram o modo de viver na cultura
ocidental, não forem desocupadas, como diria Paulo Freire; e abaladas pela prática
efetiva da educação inclusiva. A revisão de paradigmas tem que ir além do alcance
da sala de aula e da instituição escola, abrangendo gradual, mas, irreversivelmente, a
comunidade e toda a sociedade. (GUENTHER, 2006,p.40).
4.1.1- As AH/SDe seus Estudos, na Educação Brasileira
Os estudos sobre as AH/SD, no Brasil, têm uma história relativamente longa, já que no ano
de 2014, completou 90 anos, do primeiro trabalho, brasileiro, sobre o assunto.
Em 1924, o psiquiatra e pedagogo, Ulisses Pernambucano, publicou relatório indicando
a seleção e separação dos alunos “bem-dotados” e, ao longo da década de 1920, alunos do
Instituto de Psicologia de Recife, desenvolveram estudos, com a aplicação de testes, para a
identificação de alto-habilidosos entre os estudantes do Ginásio de Pernambuco, da Escola
Normal de Pernambuco e da Escola Normal Pinto Júnior.
Os estudos de Ulisses Pernambucano somados aos de Helena Antipoff, pesquisadora
russa, que chegou ao Brasil, em 1929, após convite do governo mineiro, como nos mostra
Martins (2013, p.19)são considerados os pioneiros na área, em terras nacionais; demonstrando
uma história considerável de trabalho e pesquisa sobre o tema.
Mas tal história não chegou a ser acompanhada pela curiosidade acadêmica, nem pelo
interesse governamental, este último adotaria as primeiras medidas sobre as AH/SD, quase, 40
147
(quarenta) anos depois, mostrando que o primeiro grande dilema da temática foi a superação da
invisibilidade, enquanto problema teórico-científico, e como foco de interesse, do Estado.
Em Novaes (1979), temos a informação de que do ponto de vista das publicações,Kaseff
e Pinto são os responsáveis pelas primeiras obras, na área. Em 1931,
Kaseffpublicou:“Educação dos Supernormais”48, conjuntamente, com uma conferência sobre
o tema: “Seleção e Educação dos Supernormais”, proferida no II Congresso Nacional de
Educação, realizado em São Paulo. Enquanto Pinto editou: “O dever do Estado na assistência
aos mais capazes”, em 1932e “O Problema da Educação dos Bem-Dotados, em 1933”.
Antipoff, desde sua chegada ao Brasil, iniciou seus trabalhos com crianças
superdotadas, tendo introduzido o termo excepcionais para se referir a aqueles, que tinham
alguma necessidade diferente de aprendizagem, fossem: deficiências físicas, sensoriais,
transtornos de desenvolvimento ou superdotação, como nos demonstra Rangni (2012).
Ainda, segundo Rangni (2012), Helena Antipoff desconfiou da pertinência dos estudos
de Lewis Treman, que indicava que as pessoas superdotadas teriam origem, nas classes média
e alta. Deste modo, Antipoff procurou viabilizar atendimento aos alunos, com AH/SD, nas
camadas populares, sobretudo, oriundos do meio rural e, em 1945, reúne alunos na Sociedade
Pestalozzi, para estudos aprofundados em música, artes e literatura e, em 1962, começou o
trabalho com estudantes superdotados do meio rural, na Fazenda do Rosário, no município do
Ibirité, em Minas Gerais49.
4.1.2- Como “Nomear” e Atender o Indivíduo que se Destaca?
Um olhar sobre estas primeiras publicações, já nos indica alguns dos desafios, que
acompanhariam a área de pesquisa, ao longo de sua História, a dificuldade com a variedade de
conceitos utilizados, como: “bem-dotados”; “supernormais”; “mais capazes” e “excepcionais”,
48
Sobre os supernormais Kassef indica como a escola de massas tem dificuldades em atender a este público: “Os
supernormais quase nada aproveitam nas escolas ordinárias, pois,atravessam as várias classes, sem penetrar no
âmago da escola. Mal deslizam sobre os bancos, tão fáceis lhes são os movimentos de reação para o mais completo
êxito de notas e de prêmios. A escola comum, para essas crianças, é um rolo compressor. Impossível se torna a
expansão de suas aptidões, sufocam ansiando por horizontes claros, estiolam por fim” Novaes (1979, p. 78).
Posição que verificamos nas falas de alguns teóricos e mesmo em centros de atendimento a alunos com altas
habilidades/superdotação, que deixam claro como estes estudantes “perderiam tempo”, em suas experiências
escolares. 49Alencar e Fleith (2001), apresentam os primórdios da educação de superdotados na fazenda do Rosário realizados
por Helena Antipoff
148
aponta uma dificuldade com os termos e seus significados, que seguiriam os pesquisadores
desde o passado, até os dias atuais50.
No debate sobre os motivos de termos um número tão reduzido de alunos alto-
habilidosos, identificados no Brasil, a professora ZenitaGuenther, pesquisadora da área e
presidente do CEDET-Lavras, é uma voz destoante, em relação às concepções baseadas nos
mitos sobre AH/SD e na falta de formação docente. Sua análise baseia-se na hipótese de que a
invisibilidade ocorre no Brasil, mas também, em outros países, devido à tradição de utilizarmos
uma miríade de termos e expressões para nos referirmos ao público com AH/SD, que em geral,
baseiam-se em concepções equivocadas e terminam por gerar confusão e insegurança entre os
docentes.
A posição de Guenther, destoa da explicação aceita, pela maioria dos especialistas na
área, gerando polêmica e disputa entre os grupos de pesquisa sobre o tema, onde congressos,
livros, artigos, palestras e toda uma sorte de atividades científicas sãomarcadas pelo debate
sobre qual seria a terminologia adequada, para os alunos com AH/SD.
Para Guenther, o uso de termos, demasiadamente amplos, como: superdotação, altas
habilidades e talento não partem de concepções científicas, mas, sim, de arranjos para se
adequar às concepções do senso comum. Estes são seguidos por terminologias criadas,
especificamente, no Brasil, como a expressão altas habilidades/superdotação. Estas definições
e conceitos utilizados, em trabalhos científicos e, em textos governamentais, como publicações
do MEC e na própria legislação, são incorporados pela mídia e difundidos para o senso comum,
contribuindo para a criação de ainda mais dúvidas e incertezas, fazendo com que, o docente não
identifique os estudantes, com perfil de AH/SD.
A pesquisadora do CEDET trabalha, a partir de uma concepção teórica de altas
habilidades distinta da aceita pelo MEC e, pela maioria dos pesquisadores. Na verdade, o debate
sobre qual a melhor terminologia a ser usada, oculta um debate teórico feroz a respeito da
explicação do fenômeno.
Enquanto a maioria dos pesquisadores, atualmente, prefira uma explicação que combine
genética e causas ambientais, para entender o fenômeno e evitar a disputa entre geneticistas x
50A dificuldade em se utilizar uma terminologia única para o fenômeno, também se verifica, internacionalmente,
como destacam Fleith e Alencar (2001): ‘habilidades especiais’ e ‘alunos mais capazes’ (Austrália), ‘supernormal’
(China), ‘crianças excepcionais’(Indonésia), ‘mais capazes ou altamente capazes’ (Inglaterra),‘sobredotados’
(Portugal), ‘dotado’ traduzido do gifted(EUA). As referidas autoras chamam a atenção para a confusão, de muitos
especialistas, entre os termos superdotado e talentoso.
149
ambientalistas, Guenther, ainda que reconheça o papel das influencias ambientais, é categórica
na apologia da genética, no processo de constituição das capacidades humanas.
Discípula das teorias de FrancoysGagné, para o tema da superdotação, ZenitaGuenther
é crítica da concepção teórica de Joseph Renzulli e, assim, contesta a teoria mais utilizada e
aceita por pesquisadores brasileiros, fazendo com que esta seja, praticamente, um outsider, no
campo das pesquisas em superdotação.
Segundo Guenther, a preferência de pesquisadores e governos pelas teorias de Renzulli
e, especialmente, por determinadas terminologias, que evitam reconhecer a preponderância da
genética, são baseadas em posicionamentos ideológicos Guenther e Rondini (2012, p. 3) e não
científicos, sobre a questão do talento humano.
Baseada em estudos de Plomin (1983),Howe, Davidson e Sloboda (1998) e Gagné(
1999), Guenther, em suas pesquisas, trabalha com a ideia de distinção entre aptidão e talento,
defendendo que: “Pelos estudos revistos e analisados por esses pesquisadores, estabeleceu-se
que aptidão indica capacidade natural, própria do indivíduo, enquanto desempenho refere-se
às competências adquiridas por aprendizagem intencional, ensino e treino.”.
A distinção entre dotação e talento, busca a diferenciação entre o que seria de origem
inata e o que poderíamos moldar, a partir de treino e ensino, levaria a constituição de uma
perspectiva oposta a utilizada, por grande parte dos pesquisadores, na área e, consequentemente,
ao uso de termos distintos, ainda sobre a questãoGuenther e Rondini(2012, p. 5) nos esclarece:
Howe, Davidson e Sloboda (1998), que põem em dúvida a existência de dotes ou dons
naturais, propondo o que chamam talento inato, com cinco características: (1)
Originado em estruturas geneticamente constituídas; (2) Efeitos completos podem não
se evidenciar ao início da vida; (3) Indicações de talento na infância podem dar base
para previsão de excelência futura; (4) Existe somente em uma minoria da população;
(5) É relativamente específico a determinado domínio.
Nesta concepção, dotação estaria ligada ao termo dom, ou dote, das expressões em
inglês Gift51 e Gifted, com direta relação à noção de algo inato, natural, com que os indivíduos
nasceriam e que, aprimorariam, ao longo da vida. Talento, nesta perspectiva, seria algo ligado
à aprendizagem, treinamento e, por isto, com ligação à cultura e as interações sociais dos
indivíduos, demonstrando-se no desempenho.
Guenther, rejeita os termos superdotação e altas habilidades, apresentando argumentos,
que vão desde a crítica a erros de tradução, das expressões, Gifted e High Ability,traduzidos,
51Em português, giftsignifica “presente”, “dádiva”; no sentido usado em inglês, uma tradução literal seria “dom”.
150
no Brasil, por superdotados e altas habilidades52, que segundo ela, é um equívoco.Enfatizando
também, questões teóricas como a noção de habilidade contestada pelo argumento de que
habilidades são produzidas historicamente e socialmente e, assim, deixando de lado a
participação da genética, utilizando, desta forma, a expressão altas capacidades. Segundo
Guenther (2012), esta dificuldade em definir o termo adequado, levaria ao quadro de
invisibilidade, que temos e destaca:
De fato, pode-se observar o cenário geral, relativamente, obscuro, na conceituação de
dotação e talento, dois construtos básicos à educação especial para alunos mais
capazes, de sorte que pode trazer perplexidade, a quem está estudando um assunto,
verificar que a utilização de duas palavras diferentes não significa presença de dois
conceitos diferenciados. Mas, ao que parece, o caos é agravado, no cenário brasileiro,
com instruções oficiais e publicações acadêmicas, que também dificultam clarear os
conceitos, por usar uma terminologia própria, com termos vagos unidos por barras,
sem significação específica, como superdotação/altas habilidades, substituindo ou, no
mínimo, confundindo os construtos estabelecidos pela pesquisa. Guenther e
Rondini(2012, p. 12)
Consideramos ingênua a posição que entende que a invisibilidade, dos alunos
superdotados, deva-se, a uma disputa de termos. O fato de palavras distintas serem usadas, não
faz com que os professores não percebam um aluno, que se destaque, em meio a tantos casos
de dificuldades, de aprendizado. As razões, para que estes alunos não sejam encaminhados e
identificados, são mais profundas, que a utilização de termos adequados.
A disputa terminológica sobre a questão camufla um ponto fundamental, da área das
AH/SD e, da educação, como um todo. Os seres humanos nascem, com seu potencial intelectual
herdado, geneticamente, ou somos fruto, como diria Vygotsky, de interações dialéticas entre
nossa subjetividade e as condições objetivas, conforme a sociedade e posição, em que nascemos
e vivemos?
Em nossa pesquisa, consideramos que seja importante superar questões léxicas e
semânticas, em nome de, efetivamente, refletirmos sobre a situação de tantos alunos, que têm
seu direito ao atendimento educacional especializado, negado, bem como, sobre os
ensinamentos que o trabalho, com os estudantes com AH/SD e a reflexão sobre sua
invisibilidade, poderiam trazer para os ambientes escolares.
52 “Pelo que se pode inferir, a confusão na terminologia brasileira parece ter iniciado pela inserção do prefixo
super, na tradução dos termos americanos giftednesse gifted, que significam, literalmente, dotação (gift:prenda,
presente; ness: essência, natureza) e dotado (tem dotação). O termo superdotação foi mal aceito, nos meios
educacionais. Para amenizar o efeito, buscou-se a expressão inglesa high ability, em português, capacidade
elevada, a qual, mal traduzida para altas habilidades, perdeu a essência do conceito..”Guenther e Rondini(2012, p.
13)
151
Deste modo, adotaremos os termos superdotado, altas habilidades, mais capazes,
talento, como sinônimos, para conseguir que um número maior, de professores, sinta-se
incluído, nos debates sobre o tema, baseando-nos, na definição de Sternberg (1981), que
considera o termo altas habilidades, equivalente ao vocábulo superdotação.
Durante muito tempo, os termos superdotação e talento foram utilizados para designar
tipos de habilidades distintas e conviveram de modo conflitante. O talento era usado para
descrever aqueles que possuíssem habilidades, superiores, consideradas artísticas e
superdotado, apenas, para aqueles que apresentassem habilidades notáveis, nas áreas,
tipicamente, escolares, como: matemática ou ciências. Essa situação colaborou para que
existisse maior confusão a respeito da terminologia a ser empregada e, atualmente, é
considerada equivocada, tanto pela legislação, como por especialistas como Guenther(2000).
Conforme Rangni (2011, p.5), o termo superdotado foi o adotado pela legislação
brasileira, por mais de 2 (duas) décadas, no período de 1971-1996, quando surgiu, pela primeira
vez, na LDB, até a publicação da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996. Neste período, superdotado
consolidou-se como termo hegemônico, no campo da educação e no senso comum, para nos
referirmos aos alunos com AH/SD.
Apenas em 1996, a legislação incorporou o termo altas habilidades, que vem da
terminologia utilizada na Europa, pelo Conselho Europeu de Superdotação ‘High Abilitity’ que,
em português, traduziu-se por ‘altas habilidades’, como sinônimo de superdotação. Novamente,
gerando polêmicas em torno do uso do termo e de sua tradução, que segundo alguns
pesquisadores, como Guenther(2000)contribui para equívocos.
Este foi um dos primeiros pontos, que questionamos como explicação para a
invisibilidade das AH/SD, no interior das escolas. Parecia-nos estranho, que os professores, na
realidade concreta, deixassem de identificar seus melhores estudantes, porque simplesmente
haveria uma disputa acadêmica, pela melhor terminologia. Tal concepção não fazia sentido e
fomos à pesquisa de campo, para confirmar/refutar tal hipótese.
Em estudo elaborado por Rangni (2011, p.5) são levantados os termos utilizados pelos
pesquisadores da área, no período de 2000 a 2013, para se referirem ao público com AH/SD e,
por meio deste, temos a possibilidade de verificar a variedade de terminologias utilizadas e seus
impactos, na constituição da área como campo de pesquisas.
De um modo geral, os termos variaram, ao longo do período, de “portador de altas
habilidades” utilizado por Freitas e Mettrau (1997), para as expressões, “pessoas com
altas habilidades” e “alunos com altas habilidades”, sem que, nunca, os termos talento,
ou superdotado tenham deixado, completamente, de ser usados. A partir de 2005,
teremos autores como Fleith (2005) usando a expressão “alunos com altas
152
habilidades/superdotação”, enquanto Guenther passou a utilizar os termos “dotação e
talento”.
A maioria dos pesquisadores entende os problemas desta variedade de termos e, tem
poucas esperanças, na constituição de uma linguagem única para o assunto, diante da
quantidade variada de perspectivas e posições teóricas sobre a questão. Compreendem que
existem problemas, em termos como superdotação, que leva a equívocos e cria resistências
entre os educadores, mas preferiram manter o termo, por exemplo, quando da fundação do
ConBraSD, pois entendem que o termo superdotação53, com todos os problemas, tem a
vantagem de já fazer parte do linguajar dos educadores brasileiros e da população como um
todo, contribuindo, ao menos, para que se tenha uma aproximação inicial com as pessoas.
Outra contenda, que segue atual da área e que pode ser observada, desde os primórdios
das pesquisas com o tema, é sobre o tipo de atendimento adequado, ao público em questão, com
Pernambucano (1930), Kassef (1931) e Pinto (1932) defendendo, abertamente, a seleção e
separação dos alunos com AH/SD, daqueles considerados normais, propondo assim, a quebra
de um dos princípios organizativos, da educação republicana, o mito da escola única.
Objetivamente, as propostas de segregação nunca ganharam apoio concreto dos
governos, seja pelo reduzido apoio dos educadores, seja por ser medida dispendiosa. Um país,
que apenas, a menos de duas décadas, conseguiu garantir escola, ainda que de péssima
qualidade, a todas as crianças do ensino fundamental, que está longe de universalizar o ensino
médio e infantil, não despenderia recursos para criar escolas diferentes aos alto-habilidosos, ou
pelo menos, não, aos que fossem pobres.
Os intensos debates sobre as teorias da inteligência, somados aos traumas causados pelo
efeito prático das teorias eugenistas, durante as décadas de 1930 e 1940, talvez, sejam parte do
caminho para a compreensão do porquê este não foi um tema, que interessou pesquisadores e
educadores brasileiros. Como muitas teorias, para a explicação das AH/SD, eram, fortemente,
baseadas em concepções, que tinham influência em teóricos da eugenia, poucos pesquisadores
e governos quiseram se associar ao tema; especialmente, quando os próprios pesquisadores da
área defendiam a segregação dos mais capazes.
O próprio caráter seletivo e excludente da escola pública, brasileira, fazia com que
outros problemas considerados, mais urgentes, tomassem as atenções do Estado e da Academia.
53
Sobre os problemas que o termo superdotado traz, Alencar e Fleith (2005) apontam para a inadequação do termo
“superdotado”em função do prefixo “super”, que expressa a idéia de rendimento acadêmico excepcional alto, nas
diversas áreas do conhecimento.
153
Assim, a estrutura da sociedade, a capacidade do Estado e a própria forma como se organizavam
as pesquisas científicas, tornaram o tema invisível.
A produção acadêmica sobre AH/SD, conheceu um declínio, ao longo das décadas de
1940, 1950 e 1960, voltando a contar com publicações, apenas, na década de 70, após diversas
ações estatais, da sociedade civil e da comunidade acadêmicas. Ainda assim, na década de 1970,
apenas 3 (três) livros foram publicados: “O aluno bem- dotado”Scheifele (1967); “Psicologia
dos superdotados” Rosenberg (1973) e “Desenvolvimento Psicológico do Superdotado”
Novaes (1979).
Na década de 1980, tivemos apenas quatro livros publicados: “Os superdotados”Salles
(1982); “Psicologia do Superdotado”Alencar (1986); “Uma bibliografia anotada - Artigos dos
Anais dos Seminários da ABSD54”ABSD(1987) e “Superdotados: Quem são? Onde estão?”
Santos (1988), indicando a tradição, de termos poucas obras publicadas sobre a área e a
consolidação da expressão superdotado, como a mais utilizada.
Outro ponto importante, é a consolidação neste período, do termo superdotado (para se
referir aos alto-habilidosos), uma “tradução” do termo em inglês “gifted”, que além de conter
problemas, como os indicados por Guenther(2006), trazem em si a noção de dote, presente,
inatismo, ideias baseadas na ideologia do dom e que foram, contestadas e criticadas pelos
estudiosos da escola reprodutivista e do fracasso escolar, como: Bourdieu, por exemplo, o que
fez com a área encontrasse, ainda, mais dificuldades em se afirmar como campo legítimo, da
produção intelectual e das preocupações educacionais.
Nos anos 1990, tivemos, novamente, quatro livros publicados sobre o tema: “A
educação do bem-dotado”Antipoff(1992); “Superdotados e psicomotricidade: um resgate à
unidade do ser”Prista (1993); “Nos bastidores da inteligência”Mettrau(1997) e “Talento e
Superdotação”Novaes (1995).
A partir do ano 2000, a área conheceu um grande crescimento, na produção científica,
que acompanha o aumento do número de medidas governamentais, sobre temática e a expansão,
no número de alunos identificados, na realidade brasileira55, inaugurando, praticamente, o
54ABSD - Associação Brasileira para superdotados. 55
“São onze livros lançados até 2009: Educando os mais capazes: Ideias e Ações Comprovadas (FREEMAN e
GUENTHER, 2000); Desenvolver capacidades e talentos (GUENTHER, 2000); Inteligência: patrimônio social
(METTRAU, 2000); Criatividade e Educação de Superdotados (ALENCAR, 2001); Superdotados: Determinantes,
educação e ajustamento (ALENCAR e FLEITH, 2001); Talento e Superdotação: Problema ou solução?
(SABATELLA, 2005); Educação e Altas Habilidades/Superdotação: a ousadia de rever conceitos e práticas
(FREITAS- Org.- 2006); Capacidade e Talento: um programa para a escola (GUENTHER, 2006)
Desenvolvimento de Talentos e Altas Habilidades: Orientação aos pais e professores (ALENCAR e FLEITH –
Org.- 2007); AltasHabilidades/Superdotação: encorajando potenciais (VIRGOLIM –Org.- 2007); A construção de
154
campo das AH/SD, como a área de pesquisa científica, mais disseminada. Ou seja, até o início
do século XXI, se por um lado, estudantes com AH/SD eram invisíveis, por outro, a produção
científica sobre o tema, praticamente, não existia, com a exceção de uns poucos trabalhos de
desbravadores.
4.1.3 –As AH/SD como Problema de Pesquisa e a Produção da Invisibilidade
As teses dos mitos sobre AH/SD, e da falta de formação docente, como explicação para
a invisibilidade, perde força, quando olhamos a disponibilidade de acervo sobre o tema, nas
bibliotecas brasileiras.
Em levantamento realizado por Pérez (2009, p. 8)56, fica a conclusão da autora, quanto
ao reduzido número, de instituições brasileiras, que possuem obras sobre AH/SD. Grandes
instituições brasileiras, como: UFRJ, UERJ, UNB e PUC-SP não possuem, sequer, 30 (trinta)
exemplares, diferentes, em seus acervos. Ou seja, como falar em falta de formação docente,
quando, sequer,possuíamos produção acadêmica sobre o assunto?
Segundo Pérez (2009, p. 9), a produção científica brasileira, entre (1987 -2007)
registrada no Banco de Teses da Capes, confirma nossa hipótese de invisibilidade, no mundo
acadêmico, que se reflete na realidade das escolas, segundo a autora:
O fato mais notório é que existem apenas 7 teses de Doutorado e 50dissertações de
Mestrado, com foco explícito na área, defendidas no período, em todo o País, o
querepresenta menos de 4%, das 166 teses e menos de 7%, das 786 dissertações já
defendidas sobre Educação Especial. Das sete teses [...] , A primeira foi defendida na
década de 80 e as demais, na primeira década, de 2000. Das dissertações [...], A
primeira foi produzida na década de 80; 10 na década de 90 e as 39 restantes, na 1ª
década de 2000, [...]. (PEREZ S. G., 2009, p. 9)
práticas educacionais para alunos com Altas Habilidades/Superdotados (FLEITH -Org.-, 2007)” (PEREZ S. G.,
2009, p. 7) 56“A escassez de publicações fica evidente, quando se procura material bibliográfico sobre AH/SD, nas bibliotecas
brasileiras”
155
A reduzida quantidade de estudos reflete-se, como um todo, no campo de conhecimento
envolvido, indicando reduzidos grupos de pesquisa57, poucos orientadores especialistas no
assunto e, também, recursos escassos para estudos da área58.
A concentração de trabalhos, apenas, a partir do ano 2000 e sua convergência, em
estados, onde temos a presença de pesquisadores renomados, como Napoleão e Perez, no Rio
Grande do Sul; Fleith, Virgolin e Alencar, no Distrito Federal; Delou e Mettrau, no Rio de
Janeiro, mostram-nos uma dependência, da existência de pesquisadores, que concentrem os
esforços de toda uma região. Como nos indica Pérez (2009, p. 11): “A pesquisa e a produção
científica, nas universidades brasileiras, corroboram com crescimento da área, mas também,
revelam escassez de oferta de linhas de pesquisa e de cursos na área, com uma concentração
marcada, em poucos estados brasileiros”
A invisibilidade do tema, na produção acadêmica brasileira, evidencia-se de maneira,
ainda, mais contundente, quando analisamos o número de trabalhos apresentados na ANPED
no GT15, que trata, especificamente, da produção acadêmica sobre Educação Especial, Pérez
(2009), analisou os trabalhos apresentados entre os anos de 1991 e 2008, constatando que de
um total de 264 (duzentos e sessenta e quatro) trabalhos apresentados, em 18 (dezoito) anos,
apenas,4 (quatro), contemplam o tema das AH/SD. Durante nossa participação, na ANPED-
Sudeste de 2014, verificamos que dentre os mais de 900 (novecentos) trabalhos apresentados,
apenas,2 (dois) eram ligados as AH/SD, demonstrando que a invisibilidade, antes de tudo, tem
um aspecto científico.
Em estudo, que realiza um profundo levantamento, na área das AH/SD, no período de
1987-2011, Martins e Chacon (2014), realizaram análise dos trabalhos, a partir de categorias,
que possibilitassem agrupá-los, conforme seus problemas de pesquisa e temas de interesse; este
estudo permite-nos verificar, como a produção teórica, na área, entende o tema e indica-nos
caminhos para reflexão, a respeito da relevância que a produção intelectual tem, na produção
57 “Os grupos de pesquisa que incluem a linha de AH/SD são 7, concentrados em 4 estados (DF, RS, RJ e SP):
Inteligência e criação: práticas educativas para portadores de altas habilidades, formado em 1995 e liderado pela
dra. Christina Cupertino (UNIP); Processos Criativos e Superdotação, formado em 2000 e liderado pelas dras.
Eunice Alencar e Denise Fleith (UCB); Educação Especial: Interação e Inclusão Social, liderado pela dra. Soraia
Freitas (UFSM) e Talento e Capacidade Humana na Sociedade e na Educação, liderado pela dra. Cristina Delou
(UFF), ambos formados em 2002; Educação para a Saúde e Educação Inclusiva, liderado pelo dr.ClausSöbäus
(PUCRRS) e Criatividade e Inovação nas Organizações, liderado pela dra. Maria de Fátima de Faria (UnB),
formados em 2006 e Moral, Inteligência e Altas Habilidades, formado em 2007, e liderado pela dra.MarsylMettrau
(Universo)” . (PEREZ S. G., 2009, p. 10) 58 “Dentre os poucos programas existentes nas Universidades, destacamos o trabalho coordenado por Eunice Maria
Lima Soriano de Alencar sobre criatividade, na UnB e o da professora MarsylMettrau, realizado na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.” (CAPELLINI, 2005, p. 8)
156
da invisibilidade dos estudantes, com AH/SD. Em relação às categorias, em que podemos
organizar os trabalhos na área, Martins e Chacon(2014, p. 6) nos dizem:
A fim de identificar os assuntos abordados nas investigações, criamos 14 categorias,
a partir da análise dos títulos e dos resumos. Essas categorias são: identificação ou
caracterização de alunos, com altas habilidades/superdotação;características
desejáveis, formação e concepção de professores; salas de recursos, modelos e
programas de atendimento especializado; práticas pedagógicas, ou metodologias de
ensino; análise documental e pesquisa bibliográfica; inclusão do aluno com altas
habilidades/superdotação, na classe regular; adultos com altas
habilidades/superdotação; percepções e opiniões de pessoas com altas
habilidades/superdotação;altas habilidades/superdotação associadas a outras
necessidades educacionais especiais; o fenômeno bullying; pais e famílias de pessoas
com altas habilidades/superdotação; processos de aprendizagem do aluno, com altas
habilidades/superdotação;precocidade; o brincar [...].
Curiosamente, apesar de atendermos, apenas, 0,1% da demanda das pessoas, que em
potencial, enquadrar-se-iam no público AH/SD, não temos trabalhos, que se proponham a
refletir sobre os motivos, de tamanha invisibilidade.
Capellini é uma das raras pesquisadoras, que se propõe a analisar a situação de
invisibilidade e se questionar, profundamente, sobre os motivos desta situação. Em
Capellini(2005), a autora propõe um levantamento sobre o número de estudantes, do ensino
fundamental, com AH/SD, ou identificados pelos professores, como talentosos, na região de
Bauru. A pesquisadora realizou seu estudo, em 1.408 salas de aula, do 1° ao 8° anos; utilizando
os questionários desenvolvidos por Guenther, no CEDET-Lavras, para a identificação de alunos
talentosos, questionando, também, se estes alunos recebiam qualquer tipo de atendimento
ofertado pela rede pública de ensino, chegando as seguintes conclusões:
Assim, 958 questionários, o equivalente a 68% do total, dos enviados, foram
tabulados. Os dados mostraram que dos questionários respondidos, 59% dos
professores afirmaram não terem alunos considerados talentosos e ao responderem as
questões, indicando os dois alunos (o primeiro e o segundo), que mais se destacavam
entre os demais, 79% fizeram as indicações de cinco e/ou seis alunos, alternando-os.
(CAPELLINI, 2005)
Confirmando a invisibilidade, dos alunos alto-habilidosos, na região de Bauru, de modo
análogo, ao que verificamos na Baixada Santista e, comprovando que os professores possuem
muitas dúvidas, quanto às altas habilidades, ainda, que consigam identificar alunos talentosos
e indicá-los.
Para termos uma ideia do quadro de invisibilidade, apenas 41% dos professores, que
participaram da pesquisa de Capellini(2005), disseram ter alunos talentosos. Não se tratava de
157
crianças identificadas, como superdotadas, comprovadamente, bastava dizer se havia em suas
turmas, alunos talentosos e indicar os mais destacados, em cada área e, mesmo assim, 59%
respondeu, negativamente.
A situação fica ainda mais grave, quando consideramos que de um universo, que
abarcava mais de 39.000 (trinta e nove mil) alunos, ter, somente, 370 (trezentos e setenta)
indicados, com, apenas, 6 (seis) recebendo algum tipo de atendimento especializado; sendo que,
destes 370 indicados, 61% eram do sexo masculino, confirmando, que dentre os invisíveis, as
mulheres são, ainda, mais vítimas, deste processo de negação, dos seus talentos.
Outro ponto importante e que nos diz muito, sobre a percepção dos docentes, em relação
aos estudantes, das camadas populares e as AH/SD, é a área em que indicaram haver talentos.
Mais de 20% dos casos, na área de psicomotricidade, como, por exemplo, dança e até mesmo
peão boiadeiro e apenas 7% das indicações, referindo-se aos talentos considerados escolares,
ou intelectuais.
Sobre a situação de invisibilidade, dos alunos com AH/SD, Marques (2011), em estudo
sobre o tema, na região de Jaboticabal, interior de São Paulo, confirma a situação de quase
inexistência de programas de atendimento no Estado de São Paulo:
Para o objetivo de atender aquele público, naquele momento, era importante saber
mais, mas não encontrei nada, qualquer conhecimento produzido, sobre crianças com
Altas Habilidades/Superdotação, no interior do Estado de São Paulo. Com relação ao
Estado de São Paulo, como um todo, não havia informação sobre prevalência, ou
atendimento. (MARQUES C. d., 2011, p. 32)
Em seu estudo, na região de Jaboticabal, Marques (2011, p. 32)comoCapellini,
novamente, encontra situação semelhante a vivenciada, na região da Baixada Santista. Nestas
áreas (Bauru, Jaboticabal, Litoral de São Paulo), do mais rico e populoso estado do Brasil, não
havia relatos de alunos identificados, com AH/SD, nas redes de ensino:
A Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, SECEL, da Prefeitura de
Jaboticabal e a Diretoria Regional de Ensino, com Sede em Jaboticabal, informaram
ao pesquisador, que nos anos de 2007, 2008 e 2009, os coordenadores e diretores, das
escolas da Rede Pública de Ensino, não relataram a presença de nenhum aluno, com
indicadores de altas habilidades/superdotação, em suas escolas [...] A Secretaria de
Educação e a Diretoria de Ensino ofereceram aos professores material sobre o tema.
Mas, nenhuma criança foi indicada pelos professores, para a SECEL, ou para a
Diretoria Regional de Ensino. (MARQUES C. d., 2011, p. 32)
Durante seu estudo, Marques (2011), solicitou aos professores da região de Jaboticabal,
que não tinham nenhum aluno identificado, com AH/SD, que respondessem ao questionário de
indicadores desenvolvido por Virgolim, e, neste caso, de um total de 2.100 (dois mil e cem)
158
alunos avaliados, mais de 800 (oitocentos) foram indicados, pelos educadores, como tendo um,
ou mais, indicadores de AH/SD, mostrando que, quando solicitados, os docentes, prontamente,
apresentam os alunos, que consideram mais talentosos.
Gagné(1994), apud Guenther(2006), demonstra que professores são perfeitamente
capazes de detectar os sinais de talento, nas crianças. Porém, a identificação não deve ser
deixada ao acaso ou à intuição do professor, ela deve ser orientada, guiada, organizada e,
relativamente, estruturada. Demonstrando que, sem iniciativas organizadas por redes de ensino
e gestores educacionais, é pequena a chance de um aluno superdotado deixar a invisibilidade.
Ponto interessante que Marques (2011) e Capellini(2005) demonstram em suas
pesquisas, é a tendência dos docentes a indicar um número superior de alunos, do sexo
masculino, com AH/SD, comparado às estudantes do sexo feminino, ainda que, os mesmos
tenham quantidades equivalentes de alunos, mostrando como fenômenos poderosos, envolvem
as concepções sobre a inteligência5960.
Deste modo, que a forma como o campo das pesquisas sobre a temática organizou-se
no Brasil, produziu um isolamento dos estudiosos e defensores das AH/SD, restringindo-se a
pequenos círculos específicos de intelectuais da superdotação61, até o ponto de quase não mais
dialogarem com outras áreas da educação e psicologia, como se o problema não tivesse relação
alguma com a formação do psiquismo humano, com as demandas da escola pública, com o
problema do fracasso escolar, com os estudos de gênero e raça.
Tal isolamento, somado a própria dinâmica de funcionamento da escola, contribuiu para
que uma espécie de lei da inércia, terminasse por fazer com que o colosso chamado escola,
seguisse seu rumo, em direção ao fracasso e a reprodução, condicionando a ação de gestores e
59
Guenther (2006, p.13), propõe a pergunta: “Onde está o talento feminino que deveria constituir pelo menos a
metade das pessoas produtivas [...]?” A autora chama a atenção para o fato de ser menos aparente as ocorrências
de Altas Habilidades/Superdotação em mulheres, do que em homens. Os números relacionados a gênero
mostraram-se muito parecidos com os obtidos em outros trabalhos de pesquisa. 60
Almeida e Capellini (2005), apresentaram a proporção encontrada, em sua pesquisa, de 36% de alunas indicadas
como possíveis talentosas contra 64% de alunos indicados como possíveis talentosos. Números muito próximos
dos nossos 38% de indicadores observados, em meninas, contra 62% de indicadores observados em meninos. E,
também, são números não tão diferentes dos 44% de meninas observadas com um ou mais indicadores e 56% de
meninos observados com um ou mais indicadores. 61
Como forma verificar este quadro de isolamento, destacamos o relato de Rosimeire Rangni sobre sua trajetória
nas pesquisas sobre altas habilidades/superdotação: “Sem finalizar o mestrado, matriculei-me no Curso de
especialização para Dotados e Talentosos, na Universidade Federal de Lavras (UFLA), em 2005, de caráter
semipresencial, o único em andamento no Brasil. Finalizei-o em 2006, com a certeza de que me dedicaria a essa
categoria de necessidades educacionais especiais. Terminei o mestrado, nosegundo semestre de 2005 e, passei a
apresentar os resultados da escassez de reconhecimento e serviços educacionais aos alunos talentosos, no estado
de São Paulo, em congressos e eventos de Educação e Educação Especial e Inclusiva. Averiguei que, em muitos
eventos, minha fala era solitária, quando muito, em eventos maiores, formávamos pequeninos grupos, que se
perdiam em meio à ênfase que se dava, e ainda se dá, à temática das deficiências.”Rangni(2012, p. 19)
159
professores de modo que os alunos talentosos se tornassem uma anomalia estatística,
completamente invisível.
Por outro lado, os pesquisadores do campo, cada vez mais distantes da realidade escolar
e educacional, passaram a funcionar como um grupo fechado, falando para si mesmo e para
famílias de jovens, com suspeitas de algum talento especial, ou no máximo, a professores, bem-
intencionados, mas, que ao voltar para as salas de aula, sem nenhum apoio, são reinseridos na
grande máquina de reprodução e terminam ignorando os altos habilidosos.
4.1.4 - A Produção Paulista sobre AH/SD
O estado mais rico e populoso do país possui pequena produção científica, na área das
AH/SD, nem sua pujante produção, que concentra quase que 50% da produção científica
nacional e conta com uma das mais sólidas agências de pesquisa e financiamento científico
(FAPESP), foi capaz de mudar o quadro que coloca São Paulo como um dos estados com menor
produção científica, menos ações para atendimento de alunos talentosos.
As maiores universidades paulistas têm raros exemplares de livros sobre o tema, em
suas bibliotecas e, praticamente, não possuem grupos de estudo e pesquisa sobre AH/SD, sendo
que a exceção a esta realidade são dois grupos de dedicados pesquisadores sediados no campus
da UNESP de Marília e na Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR.
Temos nas pesquisas de Marques e Rangni, a principal produção intelectual realizada
na UFSCAR, sobre AH/SD. A professora Rosemeire Rangni lidera um importante grupo de
pesquisa na área, sendo que as pesquisas do grupo concentram-se em altas
habilidades/superdotação, em pessoas com dupla deficiência, bem como, às concepções dos
professores sobre as altas habilidades na infância.
Os estudos são aprofundados sobre as diferenças entre precocidade e superdotação;
Marques, por exemplo, tem grande preocupação em que os professores realizem a devida
distinção entre dotação e estímulo externo, pois, segundo esta: “nem sempre crianças precoces
podem ser consideradas com altas habilidades”Marques (2013, p. 4).
Tais estudos nos coloca diante de um dos primeiros desafios perante a invisibilidade,
evitar que pais profundamente engajados no desenvolvimento de talento nos filhos “criem”
artificialmente minigênios o que acaba por roubar a infância das crianças. E romper com a
tendência dos educadores da educação infantil em silenciar diante do talento por não ter certeza
sobre este ser talento efetivo ou fruto de treino e estimulo dos pais, produzindo uma tendência
160
ao silêncio neste nível de ensino e faixa etária, que se mostra desastrosa sobretudo aos filhos da
classe trabalhadora.
Afinal, se não estimuladas, e apresentadas ao universo cultural, artístico e científico
produzido pela humanidade, e, especialmente, quando não encorajadas em sua capacidade e
criatividade, as crianças, simplesmente, não se desenvolvem62.
Assim, aguardar que o tempo confirme, ou não, as habilidades superiores de um
estudante, para que não confundamos crianças precoces63 com alto-habilidosos, é uma forma
eficaz de garantir que o tempo ofereça aos filhos da elite e classe média o devido capital cultural,
que lhes colocará como superiores intelectualmente, aos pobres, tudo com uma couraça de
herança biológica.
A defesa da genética como única responsável pelas AH/SD, não é defendida pelos
pesquisadores em questão e, de um modo geral, por, praticamente, nenhum estudioso brasileiro
do tema. Entretanto, muitas vezes de forma não intencional, ao defender posições como herança
cultural versus herança biológica, como ocorre em alguns debates sobre precocidade, acaba-se
contribuindo com a invisibilidade, que se pretendem combater.
Marques (2013, p. 5),entende que: “[...] os professores são capazes de pré-identificar os
alunos com altas habilidades/superdotação, mas a confirmação ou diagnóstico mais detalhado
deveria caber a profissionais especializados [...]”. Este ponto indica-nos um fator central, no
desenvolvimento de um histórico de invisibilidade destes estudantes.
A necessidade dos profissionais especializados em AH/SD, para confirmar a suspeita
que um aluno venha a gerar, recai no fato de que, praticamente, inexistem estes profissionais
especializados e, mesmo os serviços de psicologia que poderiam colaborar, em geral, são
insuficientes diante da demanda que precisam atender.
Os professores sabem da situação de penúria que enfrentam os serviços de psicologia,
na maioria das cidades e estados brasileiros e que, os alunos aguardam meses e até anos, para
62 São muitos autores defendem a identificação, o mais breve possível, das crianças com potencial elevado e altas
habilidades, de modo que suas necessidades, tempos de desenvolvimento e interesses sejam compreendidos e
estimulados, porém, se titubeamos entre a identificação e a dúvida da precocidade, perdemos tempo valioso, no
movimento de desenvolvimento destas crianças e de todas as demais. 63Existem muitos estudos, no sentido de garantir que crianças precoces não sejam confundidas com altos
habilidosos, como as obras de Marques (2013). Porém, aparentemente, existe uma preocupação curiosa sobre a
questão, já que para alguns estudiosos como Pérez (2004) a precocidade pode ser um indicador de AH/SD, mas
que devemos avaliar se não se trata apenas de uma criança superestimulada pelos pais, por outro lado, ressalta-se
que quanto mais cedo a criança for atendida e identificada, melhor será o seu desenvolvimento, colocando o
professor diante de um paradoxo: indicar e correr o risco de se tratar de precocidade, ou aguardar e correr o risco
de atrapalhar o desenvolvimento da criança?
161
consultas e diagnósticos de deficiências graves, com estudantes passando por traumas severos,
abuso, maus tratos, doenças psiquiátricas seguindo sem qualquer atendimento.
Neste contexto, os professores sentem-se até envergonhados em encaminhar um aluno
com suspeita de AH/SD, sabendo que, dificilmente, conseguiria se efetivar um processo de
identificação e, ainda que se concretizasse, provavelmente, a criança/jovem não teria garantia
de qualquer atendimento; logo, sem ter o que fazer de concreto, o professor contenta-se com o
bom rendimento escolar dos estudantes e espera que o tempo faça seu serviço.
A bibliografia indica-nos, claramente, a falta de especialistas para a identificação de
AH/SD, bem como, de programas de atendimento, o resultado desta combinação é que mais
que mitos e falta de formação docente, problemas concretos colocam-se diante da identificação
e atendimento, relegando, especialmente, os pobres à invisibilidade.
No campus da UNESP de Marília, com a liderança do professor Miguel Chacon, temos
outro grupo de pesquisa sobre AH/SD, no Estado de São Paulo. Trata-se de grupo bastante ativo
na produção acadêmica e divulgação do tema, onde os pesquisadores da UNESP, por
intermédio do professor Chacon, mantêm, ainda, um centro de atendimento às crianças e
adolescentes com AH/SD, no qual procuram atender professores, estudantes e famílias, com
suas dúvidas e necessidades.
O grupo fundado em 2011 desenvolveu inúmeras pesquisas na área, como: estudos sobre
o “Estado da Arte” sobre as AH/SD, no país; o papel da interação professor-pesquisador na
identificação de crianças talentosas; reflexões sobre a identificação e aceleração de alunos com
AH/SD; análises quanto a percepção de professores sobre a superdotação; o papel das famílias
nos casos de jovens alto-habilidosos; estudos sobre precocidade e AH/SD; apresentações dos
trabalhos desenvolvidos no PAPAHS – Programa de atenção a alunos precoces com indicativos
de altas habilidades/superdotação64.
64
O PAPAH surgiu em 2011, com o intuito inicial de mapear e diagnosticar alunos precoces no desenvolvimento,
bem como, capacitar professores, coordenadores e supervisores de ensino e trabalhar com as famílias dos alunos
identificados ... Por meio do preenchimento desses instrumentos, foram mapeados, na rede municipal de ensino,
82 alunos precoces, dos quais 42 passaram por avaliação no início de 2012. Desta maneira, os alunos participantes
do projeto são, em sua maioria, alunos regularmente matriculados no Ensino Fundamental I, da rede municipal e
no Ensino Fundamental II ,da rede estadual ... Atualmente, o PAPAH utiliza para avaliação psicológica o teste de
inteligência: “Matrizes Progressivas de Raven”, enquanto que, na avaliação pedagógica, utiliza o Instrumento de
Avaliação do Repertório básico para a alfabetização - IAR(LEITE, 1984), para alunos com até 7 anos de idade e
o Teste de Desempenho Escolar - TDE(STEIN, 1994), para alunos a partir de 8 anos de idade. ... O PAPAH conta
hoje com alunos dos 3 aos 12 anos de idade cronológica, esses alunos são agrupados por idade, as atividades são
oferecidas de acordo com o interesse de cada um e, também, com o objetivo de observar a criatividade, o
envolvimento com a tarefa e o desempenho dos mesmos em cada atividade proposta. (PALLUDO, PEDRO e
CHACON, 2013).
162
O grupo de pesquisa da UNESP-Marilia é pioneiro em tratar, as relações entre educação
e escola como um todo e a questão das AH/SD. Nos seus trabalhos, estudos de pesquisadores
como Tardiff, entre outros, são incorporados às reflexões sobre AH/SD; pensamos que este seja
um dos caminhos para a ruptura com a situação de invisibilidade.
Destacamos o trabalho de Martins (2013), onde reflete sobre a forma como os cursos de
licenciatura da UNESP abordam o tema das AH/SD, indicando que a temática, praticamente, é
inexistente nos currículos das licenciaturas e, mesmo nas disciplinas, especificamente, voltadas
para a educação inclusiva, há referências bibliográficas relativas ao tema, indicando a
profundidade da invisibilidade do assunto, o que, em nosso entender, faz deste um dos trabalhos
mais importantes para a compreensão da invisibilidade e superação da mesma, mas a questão
essencial e que fica sem resposta é: por que a inteligência, sistematicamente, está ausente dos
cursos de formação docente, no Brasil, mesmo em renomadas instituições como a UNESP?
Como exemplo significativo, das pesquisas do grupo, temos a pesquisa desenvolvida
por Oliveira (2015, p. 56), sobre o papel da família no desenvolvimento de pessoas com AH/SD,
onde a autora apresenta uma tabela, com características de renda e formação escolar, das nove
famílias que fazem parte de sua pesquisa e, segundo a tabela, de um total de 09 (nove) famílias,
com crianças com AH/SD, verificamos que apenas duas necessitavam viver com renda entre 1
e 3 salários mínimos, sendo que a maioria está na faixa que vai de 6 a 7 salários, ou mais. Outro
fator importante, é que entre os familiares, que colaboram com a pesquisa, somente uma mãe
possui, apenas, o ensino fundamental, como nível de formação, pois, todos os outros pais e
mães possuem, no mínimo, o ensino médio e mais de 40% dos analisados possuem ensino
superior. Estes dados indicam clara relação entre AH/SD com perfil sócio econômico e posse
de capital cultural.
Isto não significa dizer que as AH/SDsejam exclusividade dos setores mais
escolarizados e com melhor renda, mas, que sua manifestação, desenvolvimento e percepção,
mantêm relações importantes com estas categorias sociais, e que não podem ser
desconsideradas, quando pensamos no que faz com que professores ignorem alunos talentosos,
de maneira sistemática.
O trabalho de Martins (2013), é muito importante, por ser um dos poucos que propõe
reflexão sobre AH/SD, levando em consideração os contextos sociais e seus determinantes, na
formação das capacidades humanas. A autora trabalha com a perspectiva de Vygotsky sobre
formação das funções psíquicas superiores, para refletir sobre o desenvolvimento de
comportamentos de AH/SD, como: capacidades acima da média; envolvimento com a tarefa;
163
criatividade. Este é um caminho valioso, pois está entre os raros que rompem com perspectiva
da dicotomia entre biologia X cultura e propõe uma visão dialética dos alto-habilidosos.
Outro ponto a ressaltar da pesquisa de Martins (2013), é que a autora arrisca-se a refletir
sobre o peso da instituição escolar no acolhimento, desenvolvimento e identificação dos alunos,
com características de AH/SD, sendo a precocidade um elemento bastante relevante. Assim,
realiza reflexão quanto ao papel que determinados perfis escolares, podem ter em silenciar o
talento, a criatividade e a inteligência, indicando, por exemplo, teorias pedagógicas que teriam
maior condição de atender estes alunos. A autora cita as experiências de Waldorf e Vygotsky
como modelos interessantes e apresenta projetos de escola que julga mais interessantes para
alunos alto-habilidosos e para os demais alunos, como: a “Escola da Ponte”, em Portugal e a
“Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima”, em São Paulo. Este
é um item fundamental, pois ao integrar o tema das altas habilidades às teorias do aprendizado
e propostas pedagógicas (fato raro na área), temos um passo essencial rumo à superação da
invisibilidade.
4.1.5- A Produção Acadêmica sobre AH/SD, no Restante do Brasil
Se é verdade que, apenas, recentemente, a produção acadêmica brasileira sobre AH/SD
conheceu um crescimento consistente, não podemos, entretanto, dizer que seja difícil conseguir
bibliografia sobre a temática, atualmente.
Em nossa pesquisa, realizamos entre os anos de 2013 -2017, buscas nos sites virtuais
dos principais periódicos científicos brasileiros e estrangeiros, procurando material sobre a
temática, como forma de nos inserir na área e aprender sobre o assunto.
Nesta empreitada, tivemos acesso a 202 (duzentos e dois) textos brasileiros sobre o
tema, entre: dissertações, teses, artigos científicos e textos oficiais, também, a 109 (cento e
nove) artigos internacionais. Além dos materiais encontrados, são muitos os sites que
disponibilizam informação e indicações bibliográficas sobre o assunto, como por exemplo: os
da APAHSD e do ConBraSD.
Nesta tarefa, de mais de 300 (trezentos) trabalhos lidos e analisados, somamos cerca de
uma dezena de livros produzidos no Brasil, os quais foram adquiridos com mais dificuldade,
pois, não são encontrados nas maiores livrarias do país, sendo obtidos em congressos
específicos; durante visitas às instituições especializadas, ou sendo fotocopiados, em visitas às
bibliotecas da USP e UNESP-Bauru.
164
A produção científica nacional, é de boa qualidade, contando com estudos interessantes
e criativos. Entre os trabalhos, que buscam romper a invisibilidade temos o de Ramalho (2011),
que busca refletir sobre a importância das Olimpíadas de Matemática, na identificação e seleção
de alunos talentosos na área, para que possam receber melhor formação. O autor apresentou o
trabalho no III EREM (Encontro Regional de Educação Matemática), realizado em 2011, na
cidade de Pelotas e é dos poucos estudos que se arriscam a tratar das AH/SD, em um evento
mais amplo, que não, apenas, para especialistas na área, bem como, propõe, ainda, que indique
as limitações das seleções via provas, algum modelo que possa ser usado de forma mais massiva
para a população escolar.
4.1.5.1 - Gênero e a Produção Brasileira sobre AH/SD
Hayes (apud Alencar, 2007) evidenciou o importante papel das forças sociais na
expressão do talento, desde o início da vida, especialmente, para as mulheres. Os
resultados de seu estudo, realizado em 1981, apresentaram uma diferença marcante
na produção criativa de homense mulheres. Os homens casados produziam
aproximadamente 30% a mais que as mulheres casadas; além disso, o número de
filhos constituiu uma variável relevante para as mulheres. (PRADO, 2011, p. 2)
Na produção científica brasileira, muitos pesquisadores constataram, empiricamente, a
predominância de indicações de alunos, do sexo masculino, no que se refere às AH/SD. Autores
como Aspesi (2003), Farias (2003) e Maia-Pinto (2002) confirmam a predominância de
meninos atendidos nas salas de recursos multifuncionais.
O dobro do número de alunos do gênero masculino é atendido no programa, quando
comparado ao de alunos do gênero feminino. Dentre estes a maioria foiindicada para
área de talentos, ao passo que a maior parte dos alunos do gêneromasculino foi
indicada para a área de habilidades acadêmicas (MAIA-PINTO, 2002, p. 97).
Tais constatações indicam-nos que fatores muito mais poderosos da organização social,
como o machismo e a reserva das vagas, nas áreas com melhores remunerações, aos homens,
influem na disposição de pais, professores e escolas em estimular ou não os talentos, a depender
do sexo destes. Mostrando que a invisibilidade não é apenas reflexo de falta de formação
docente, a respeito da capacidade acadêmica das mulheres e/ou da pertinência, ou não, de
encaminhar uma menina para uma área, tipicamente, masculina, exercem peso, no momento de
identificar, uma aluna como superdotada, condenando, muitas vezes, jovens talentosas a virem
seus talentos e interesses desperdiçados.
165
Deste modo, ainda que de forma tímida, alguns pesquisadores brasileiros começam a se
arriscar pelos caminhos dos impactos sociais, no processo de identificação e invisibilização das
AH/SD. Neste sentido, temos estudos, por exemplo, sobre as AH/SD em famílias
desfavorecidas, e alguns poucos estudos que abordem o tema, a partir da categoria gênero.
Dentre estes estudos, destacamos o trabalho de Reis (2007), sobre a desigualdade de
gênero, em um programa de atendimento aos alunos com Altas Habilidades/Superdotação,
trabalho importante por apontar o peso das questões de gênero, no momento dos professores
indicarem, ou ao menos suspeitarem de que alguma aluna, que possa ter AH/SD. Sobre esta
situação de termos um número de meninas identificadas e atendidas muito menor que o número
de meninos, Reis (2007, p. 10), informa-nos que:
De acordo com Kerr (1990), enquanto essas novas teorias aperfeiçoam o
entendimento de inteligência, torna-se, cada vez mais crítica, a tarefa de identificação
da superdotação feminina, uma vez que essas teorias pouco ou nada dizem sobre os
gêneros. Além disto, as desigualdades de gênero, geradas por questões histórico-
culturais contribuem para construir barreiras internas e externas que, [...], coíbem
meninas talentosas a mostrarem o seu potencial acadêmico.
O que está em questão, quando verificamos que mesmo as meninas mais talentosas não
são identificadas, é o peso das relações machistas e a forma como determinam as relações das
mulheres com o conhecimento, em suas vidas escolares, bem como, o padrão de expectativa e
investimento docente dedicado aos alunos, conforme seu gênero, apontando uma trajetória
esperada/desejada para as mulheres que pode indicar às meninas, ainda muito jovens, que o
talento, a inteligência não são características valorizadas em mulheres.
Em pesquisa realizada com o setor de atendimento aos alto-habilidosos, na rede pública
do DistritoFederal, Reis (2007), observou que no ano de 2006, o sistema atendia cerca de 1.240
(mil duzentos e quarenta) alunos, da educação infantil ao ensino médio, com identificação de
altas habilidades/superdotação, em nove distritos, e que a diferença no número de alunos
identificados e atendidos do sexo masculino e do sexo feminino era imensa. Sua pesquisa
confirmou a bibliografia sobre o tema, ao constatar que os meninos eram a maioria dos
atendidos em salas de recursos, independentemente, de idade, região onde residia, ou tipo de
talento apresentado, com o seguinte quadro:
Figura 0165:Alunos atendidos na rede do D.F. distribuidos por Gênero.
65 Tabela retirada do trabalho de Reis (2007, p. 17), referente ao numero de alunos atendidos, com dados
segregados por sexo, na rede de ensino do Distrito Federal (Maior, mais bem estruturada e antiga rede de ensino
no que tange a atendimento de AH/SD.
166
GÊNERO 2003 2004 2005 2006 2007
FEMININO 61 - 14% 201 -22,5% 200 -23% 86 – 21% 82 – 15%
MASCULINO 208 – 86% 698 -77,5% 691 -77% 332 – 79% 471 -85%
TOTAL 269 899 891 418 553
Fonte: Reis (2007, p. 17).
O quadro indica a grave desproporção, no perfil dos alunos atendidos, mesmo em uma
rede de ensino que tem histórico de atenção às AH/SD, há mais de 30 anos e que conta com
duas universidades importantes atuando, na área, com seus especialistas e com o poder público
tentando, oferecer formação aos professores sobre o tema. Ainda assim, temos ao longo, de
quase meia década de pesquisa, um quadro que não se altera, onde mais de ¾ dos alunos
atendidos pertencem ao sexo masculino.
4.2 - Os Focos de Interesse dos Estudos em AH/SD
Osgrupos de estudos brasileiros interessados nas AH/SD variam bastante, conforme seu
foco de atenção e características, e guardam profundas diferenças entre si. Se nos casos de
Brasília e Santa Maria, temos grupos numerosos sob a liderança de intelectuais ligados às
universidades e, também, com profundas relações com a rede básica de ensino, nos demais
estados, temos grupos menores (por vezes com profissionais isolados) e mais direcionados à
produção de conhecimento ligadas as suas pesquisas individuais.
Cabe destaque, aos estudos que vêm sendo desenvolvidos pelos pesquisadores, nas
universidades paranaenses. Tais trabalhos destoam da maioria dos estudos, na área. Em
primeiro lugar, por muitos deles incorporarem as reflexões de Lev Vygotsky e da psicologia
histórico-cultural ao tema das AH/SD. Além disto, temos entre os pesquisadores paranaenses,
os primeiros intelectuais que arriscam olhar as AH/SDrelacionadas ao funcionamento da
sociedade capitalista, questionando a quem servem os talentos identificados ou silenciados.
Destacamos, como exemplo, o trabalho de Stoltz (2013), sobre a preparo dos educadores
para atender alunos alto-habilidosos, em que temos referências a diversos autores da educação,
como: Gadotti, Vygotsky, Luckesi, Hoffmann, Apple, Chartier dentre outros, indicando que
este grupo inicia um caminhar para a compreensão das AH/SD, de maneira mais integrada com
o restante da escola e da sociedade, o que consideramos ponto fundamental para a superação
do quadro de invisibilidade e afirmação das pesquisas sobre a temática, no cenário acadêmico
brasileiro.
167
Ponto importante das pesquisas de Stoltz (2013), é o fato de buscar compreender como
ocorre a relação professor-aluno com AH/SD, pois, entendemos que esta pode ser uma questão
importante, na explicação do silêncio sobre o tema entre os educadores.
Não podemos concluir este item, sem destacar o trabalho com o tema, nos Estados do
Rio de Janeiro e Minas Gerais, o primeiro, sob a liderança de Mettrau e Delou, que ligados à
universidades e instituições de atendimento a alto-habilidosos, produzem volumoso material
sobre a área e lideram importantes instituições que atendem a estes alunos. No caso mineiro,
sob a liderança de Guenther, temos tanto a produção científica através das publicações do
CEDET-Lavras, bem como, a experiência de atendimento aos alunos da rede pública de ensino,
também, por meio do CEDET-Lavras.
4.3 - Os Mitos sobre as AH/SD e o Fenômeno da Invisibilidade
Pérez e Freitas (2011), afirmam que a invisibilidade dos alunos com AH/SD porparte
da população (e aí se incluem também os professores) está estreitamente vinculada
àdesinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu atendimento, à falta
de formaçãoacadêmica e docente e à representação cultural das pessoas com altas
habilidades/superdotação (aqui entendida como as concepções que uma pessoa ou
grupo social tem sobre outra ou outrogrupo social). Em função de concepções
errôneas, muitos mitos que envolvem os alunos com altas habilidades/superdotação
tornam-se mais presentes, prejudicando a educação desses alunos. (BAHIENSE e
ROSSETTI, 2014)
Nesta parte da pesquisa, desenvolvemos análises sobre a ideia mais presente, entre os
pesquisadores, sobre AH/SDpara explicar os motivos da invisibilidade. A teoria de que um
grupo de mitos sobre o tema, difundidos entre os docentes, sejamos responsável pela
invisibilidade.
Dentre os trabalhos no campo das AH/SD, que se propõem a buscar explicações para o
fato dos alunos alto-habilidosos serem, sistematicamente, ignorados, pelos sistemas escolares,
um dos trabalhos mais importantes é a pesquisa de Freitas e Rech(2005):“Uma análise dos mitos
que envolvem alunos com altas habilidades”. Neste trabalho, as autoras laboram com um
conjunto de mitos que existem sobre o tema, propondo um estudo a respeito dos impactos que
tais mitos teriam na invisibilidade dos estudantes talentosos.
São muitos os autores que defendem a existência de um conjunto de mitos sobre o tema
difundidos entre os professores, alunos, pais e gestores, os quais dificultam a identificação dos
alunos com AH/SD, dentre estes: Alencar e Fleith (2001),o próprioMinisterio da Educação-
MEC (BRASIL, 1999a) e, também, pesquisadoresestrangeiros, como: a estadunidense Winner
(1998), e a espanhola Extremiana (2000).
168
As autoras fazem um levantamento histórico e semântico da palavra mito. Trabalham
com a perspectiva histórica de mito, remetendo à tradição grega e a qual mito era a forma como
os humanos tentavam compreender fatos ou situações, que eram considerados
incompreensíveis.SegundoRuss (1994, p.187 apudFreitas e Rech2005), os mitos também
podem ser entendidos como uma “representação coletiva muito simplista e muito estereotipada,
comum a um grupo de indivíduos”.Deste modo, os mitos surgem no imaginário popular,
comoformade tentar compreender determinados “mistérios”.
Esta mitologia sobre o tema já foi bastante explorada pelos pesquisadores e, está
organizada em categorias específicas para cada tipo de mito, segundo Pérez (2003):
As categorias dos mitos em questão [...], a saber: Mitos sobre constituição; Mitos
sobre distribuição; Mitos sobreidentificação; Mitos sobre níveis ou graus de
inteligência; Mitos sobre desempenho; Mitos sobre consequências; Mitos sobre
atendimento. (PEREZ, 2003, p. 48-57).
Porem, entendemos, que não basta simplesmente concluir que estes mitos existam e
atrapalhem na identificação, precisamos nos questionar sobre os motivos de sua existência,
como se difundiram e qual a razão de serem tão poderosos.
Segundo Freitas e Rech (2005), os mitos de constituição seriam aqueles que embasariam
as explicações docentes sobre as origens da pessoa com AH/SD. As autoras, em suas pesquisas,
trabalharam com três mitos distintos, neste nível, que são: “as altas habilidades/superdotação
são uma característica exclusivamente genética”; “as altas habilidades/superdotação são uma
característica que depende exclusivamente do estimulo ambiental”; “Mito dos pais
organizadores condutores”.
O primeiro “mito” que associa as AH/SD, exclusivamente, à genética é, ainda hoje, um
dos mais poderosos entre professores e famílias, no Brasil. Segundo esta teoria, as habilidades
dos indivíduos seriam, herdadas dos pais. Nas pesquisas das autoras, muitos professores
entrevistados indicaram pensar nos talentos como capacidades inatas.
Tais concepções, estas são teorias poderosas, por supostamente, se pautar em ideias
científicas, como biologia e genética. Tal ideia foi defendida pela a maioria dos professores e
gestores que participaram de nossa pesquisa de campo.
Segundo as autoras, ainda que os especialistas destaquem o equívoco de atribuir às
AH/SD, simplesmente, a posse deste ou daquele gene, indicando a importância de fatores
ambientais, no desenvolvimento dos sujeitos, não são poucos os que acreditam em uma
constituição, puramente, genética. Tais ideias dificultam a identificação, pois ao considerarem
inatas as AH/SD, os professores não identificam o papel da escola, no processo de atender e
169
ensinar tais alunos, fortalecendo a crença de que as AH/SD é algo raro, que se desenvolverá,
independentemente, da influência escolar.
Cabendo o questionamento quanto aos motivos desta ideia ser tão poderosa, no ambiente
escolar, e quais seriam seus impactos na produção dainvisibilidade das AH/SD.
Em nossa perspectiva, temos aqui, um dos pontos chaves para a compreensão do
fenômeno invisibilidade. Não sobre o mito em si, mas quanto ao conjunto de ideias que tal
concepção de talento indica, uma vez que, de ainda que maneira indireta, o que está posto, é a
crença de que herdamos a capacidade intelectual, hereditariamente.
Esta concepção, que já foi defendida por pesquisadores renomados, no início do século
XX e que traz, em seu bojo, uma naturalização da divisão de classes, acabou, “caindo como
uma luva” em uma realidade escolar, fortemente marcada pela ideia de que os alunos não
aprendem, graças a sua pouca capacidade intelectiva devido a sua origem familiar.
Deste modo, a ideia funcionaria nas duas pontas, se herdamos talento geneticamente,
herdaríamos, geneticamente, também, a dificuldade em aprender. Em escolas periféricas,
repletas de crianças pobres que não aprendem e fracassam, podemos imaginar que não faria
muito sentido a procura de jovens, com AH/SD, devido a sua improvável existência.
O segundo mito das origens, seria aquele que acredita que as AH/SD seriam fruto,
exclusivo, das influências ambientais sobre os sujeitos. Nestas perspectivas, poderíamos supor
que professores que utilizassem concepções mecanicistas ou deterministas, pudessem imaginar
que não existiriam pessoas com AH/SD, nas camadas populares, pois, seu contexto
sociocultural não seria propício ao desenvolvimento de habilidades escolares. Assim, teríamos
a concepção, da teoria da carência cultural como uma das hipóteses para a invisibilidade.
Mas um dado interessante da pesquisa de Freitas e Rech (2005) chama-nos a atenção,
em suas pesquisas de campo, sobre os mitos que envolvem as AH/SD, nenhum docente atribuiu
a superdotação, exclusivamente, as influências ambientais, indicando que para os professores
os fatores genéticos são sempre presentes, e que o determinismo social, que poderia contribuir
com o problema, tem menor peso neste caso.
Por fim, o terceiro mito de origem traz a ideia de que as AH/SD sejam fruto, apenas, da
dedicação e empenho de pais dispostos a formar filhos talentosos. Nesta perspectiva, a
superdotação não seria algo natural e sim, o resultado de pais que submeteriam seus filhos a
duros regimes de formação, treino, e práticas de estudos, no sentido de lhes garantir sucesso.
Este comportamento das famílias, encontra dura resistência entre os professores, por conter,
implicitamente, a noção de roubo da infância das crianças, o que poderia explicar a resistência
em identificar e confirmar as AH/SD, fortalecendo assim a invisibilidade.
170
Outro grupo de mitos, que as autoras consideram importante, são os chamados mitos de
distribuição, estes seriam ideias disseminadas entre os profissionais da educação, sobre como
estariam distribuídas entre a população as pessoas com AH/SD, a partir de características de
classe social e gênero, por exemplo.
O principal mito analisado pelas autoras, nesta categoria, é o de que apenas pessoas, de
classe econômica privilegiada, seriam agraciadas com as AH/SD. Segundo as autoras, ainda,
que a bibliografia especializada, indique que as pessoas com AH/SD estejam distribuídas,
independentemente, de classe social, gênero, etnia. É comum que professores acreditem que,
apenas, nas classes privilegiadas, encontremos pessoas superdotadas.
Tal concepção foi defendida por 40% dos professores pesquisados pela autora e
tentaremos verificar como ocorreu, em nosso grupo pesquisado.
Verificamos que desconhecendo o caráter reprodutivista da escola e a forma como se
opera o fracasso escolar, os docentes passam a acreditar/constatar na existência de alguma
relação entre condição social e capacidade intelectual.
As autoras identificam, ainda, alguns outros mitos sobre o tema, entre eles os de que a
identificação como pessoa com AH/SD poderia ser negativa aos alunos, o mito de que pessoas
alto-habilidosas são, necessariamente, talentosas em todas as áreas do currículo escolar,
obtendo notas elevadas, e, por fim, a ideia de que pessoas com AH/SD tornar-se-iam adultos
bem-sucedidos, em qualquer circunstância.
Apenas 10% das professoras pesquisadas pelas autoras responderam que consideram
negativo identificar alunos alto-habilidosos, indicando que esta não é uma ideia que tenha força
entre os educadores.
Entretanto, mais de 1/3 dos professores pesquisados pelas autoras acreditam em duas
ideias que analisadas em conjunto, com todos os outros mitos, podem nos indicar caminhos
interessantes. Respectivamente 30% e 40% dos professores creem que alunos alto-habilidosos
obtêm destaque e notas altas, em todas as disciplinas do currículo escolar e acabam por se tornar
pessoas de destaque, em suas áreas de talento.
Tais concepções traduzem muito mais a falta de formação crítica dos docentes sobre o
processo de aprendizagem como um todo, do que sobre as AH/SD. Um olhar atento, indicaria
que, dificilmente, temos “Leonardos da Vincis” que são prodígios, em uma ampla gama de
áreas do conhecimento, em geral, as pessoas acabam destacando-se em uma área específica, em
que sente maior prazer ou facilidade e isto pode, inclusive, ocorrer de modo que ela tenha
dificuldades em outros campos do conhecimento humano.
171
Não precisamos ser especialistas em superdotação para saber isto, bastando apenas
olhar, com atenção, aos exemplos que temos na sociedade: artistas, atletas, cientistas, são
poucos aqueles que destacam-se em mais de uma área. Tal concepção pode nos indicar
problemas ainda mais graves,afinal, se o talento para se confirmar deveria ocorrer em todas as
áreas do currículo, uma dificuldade em uma determinada área, como aprender a ler, por
exemplo, poderia levar o docente a supor que a criança tenha dificuldades em todas as áreas do
conhecimento.
Por fim, a crença de que pessoas com AH/SD tornam-se adultos bem-sucedidos
representa o poder que a ideia do sucesso escolar, como chave do sucesso social e comprovação
do talento intelectual, tem entre educadores.
Tal ideia revela uma concepção que, se por um lado, é ingênua em relação à sociedade
capitalista, por outro, indica uma relação dialética entre percepção empírica da sociedade e a
própria teoria educacional e seus efeitos.
Os docentes reconhecem como alto-habilidosos, apenas, as pessoas com destaque na
sociedade, sendo que, em geral, estes obtêm sucesso financeiro e profissional. Então, passam a
acreditar que pessoas com AH/SD são as que se destacam.
Convicto desta verdade, quando um miraculado rompe a barreira do fracasso,
professores e escolas, intuindo que o sucesso profissional, acadêmico e econômico,
dificilmente, concretizar-se-ia, evitam colocar o selo escolar/pedagógico/estatal de superdotado
em alguém que, “provavelmente”, irá fracassar.
Como ficariam os demais alunos ao notar que mesmo os superdotados, quando pobres,
terminam a vida, como simples empregados? Como ficariam os professores verificando que
mesmo os prodígios fracassam, na seleção dos postos mais elevados, na pirâmide da divisão
internacional do trabalho? Assim, indicar ou não, um aluno com AH/SD é uma ação complexa.
Ponto importante é verificar que a ideia dos mitos, como responsáveis pela
invisibilidade, não é consenso absoluto entre os pesquisadores da área, Bahiense(2014), em
pesquisa com professores de Vitória, no Espírito Santo, conclui que não se verificou, entre
estes, a presença dos mitos da oposição Genética X Ambiente, nem da ideia de que alunos com
AH/SD devam se destacar em todas as áreas do currículo escolar, com mais de 75% dos
docentes, em ambos os casos, negando os referidos mitos.
Quanto a necessidade de atendimento educacional especializado aos alto-habilidosos, a
maioria, 90% dos professores indicou a importância e necessidade, fato que se verificou em
pesquisa com professores da rede de Vitória-ES por Bahiense (2014), e que foi constatado,
também, em nossa pesquisa na Baixada Santista, quando apenas 1 (um) professor, de um
172
universo de 120 (cento e vinte) participantes, indicou não haver necessidade de AEE aos alunos
com AH/SD.
Sobre a falta de formação dos professores, tivemos entre os participantes de nossa
pesquisa, uma maioria que indicou nunca haver recebido qualquer formação sobre o tema,
seguindo o padrão de respostas que confirma o apresentado por Bahiense (2014), em que 95%
dos professores, da rede municipal de Vitória, no Espírito Santo, informaram que não haviam
tido qualquer informação sobre AH/SD, durante seus cursos de graduação.
Quanto a terem atuado com alunos com AH/SD, a maioria dos professores, que
participaram de nossa pesquisa, cerca de 60%, respondeu que nunca havia atuado com alunos
alto-habilidosos, número que se aproxima da pesquisa de Bahiense (2014), .
Quando avaliamos o mito de que as AH/SDseja exclusividade das camadas,
economicamente, privilegiadas, não verificamos entre os participantes de nossa pesquisa
qualquer difusão deste tipo de ideia, ao menos não foi apresentada tal perspectiva.
Os trabalhos desenvolvidos no Rio de Janeiro, por Mettrau (2010), estão entre os raros
que fazem uso de obras das Ciências Humanas, em especial, da Sociologia e da Educação para
refletir sobre o tema AH/SD. Citamos, por exemplo, seu trabalho de 2010, em que temos a
análise da presença de mitos sobre o tema, nas decisões docentes de indicar, ou não, alunos para
serviços de atendimento, na qual utiliza, dentre suas referências bibliográficas, as obras de
Moscovici sobre representações sociais.
A ideia de que um conjunto de mitos sobre a superdotação é o motivo que impede que
professores e redes de ensino identifiquem seus alunos superdotados, é antiga e acompanha a
história de pesquisa na área, mas o trabalho de Winner (1998), é um marco fundador, na maneira
em como os pesquisadores brasileiros vão compreender o tema. A autora propõe que existem
09 (nove) mitos sobre as AH/SD, que impedem os professores de identificar e atender seus
alunos talentosos, estes seriam:
A referida autora propõe nove mitos sobre superdotação: (1) superdotação global; (2)
talentosos, porém não superdotados; (3)QI excepcional; (4) e (5): biologia versus
ambiente; (6) pai dominador; (7) excessiva saúde psicológica; (8) todas as crianças
são superdotadas e (9) as crianças superdotadas tornam-se adultos eminentes.
(WINNER, 1998),
Diversas pesquisas, desde então, partiram destes 09 (nove) mitos sobre as AH/SD,
buscando confirmá-los ou refutá-los, em suas realidades específicas, como é o caso de Mettrau,
que analisa a influência dos tais mitos, em uma rede de ensino, na região metropolitana do Rio
de Janeiro.
173
Mettrau (2010), trabalha com a noção de que os chamados mitos, são, na verdade,
representações sociais e se representações sociais são criadas, divulgadas e legitimadas, em
contextos sociais e históricos determinados, estes devem ser compreendidos para que
entendamos o fenômeno. Neste ponto, como Mettrau, usamos a definição de Moscovici de
representação social, pois entendemos que pode nos levar à compreensão da questão:
Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos, proposições e
explicações originado na vida cotidiana no curso das comunicações interpessoais. Elas
são o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades
tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso
comum. (MOSCOVICI, 1981, p.181)
Mettrau (2010), analisa os motivos de após a implantação de um programa de
atendimento às crianças com AH/SD, apenas um pequeno universo de 37 (trinta e sete) escolas,
em um contexto de mais de 100 (cem) escolas, indicarem alunos para identificação e
atendimento, buscando compreender como as representações sociais dos professores impactam
a disposição para indicar ou não alunos para os programas de atendimento.
Mettrau (2010), faz levantamento entre as diferenças de formação dos professores que
indicaram alunos para o programa de AH/SDe os que não indicaram nenhum aluno, constatando
que não havia diferença significativa, sendo que a maioria dos docentes tinham curso de
graduação e pós-graduação e, além disso, todos os professores da rede haviam recebido
formação, na área, quando houve a implantação do atendimento em AH/SD, na rede de ensino,
o que não alterou o quadro de mais de 2/3 (dois terços) das escolas do município não indicarem
um único estudante para o programa.
Podemos verificar o peso de concepções mais amplas de educação, na disposição maior
ou menor dos professores, em dar atenção para as AH/SD,nas respostas de dois professores
Mettrau(2010, p. 10), quando afirmam: “o educador tem livre escolha se pode ou não obedecer
a legislação” ou “o encaminhamento deveria ser opção do aluno/responsável. Diferentemente
do aluno com déficit mental, o aluno com (ah/sd) pensa por si mesmo, tem instrumentos para
refletir sobre suas escolhas”.
Desta forma, constatamos que alguns docentes, de acordo com suas concepções de
educação e sociedade, entendem que sua autoridade, em sala de aula, pode chegar ao ponto
onde nem mesmo a legislação se sobreponha a sua avaliação, caso contrarie sua opinião.
Podemos imaginar o quão abertos à criatividade e à crítica estes perfis docentes estariam para
atender alunos com AH/SD, que entre outras características, costumam os desafiar.
174
As respostas citadas mostram, também, as ideias que se fazem dos alunos com
deficiência mental, ou seja, alguém que não pensa, individualmente, que não sabe o que seja
melhor para si. Tal concepção indica uma perspectiva sobre a educação especial que,
dificilmente, faria um professor encaminhar um aluno com AH/SDpara o AEE.
A postura de deixar o “problema” a critério do próprio aluno ou de suas famílias,
eximindo a escola da questão, indica uma posição que, entende que aos talentosos a escola tem
pouco a contribuir e não deve se envolver. Surge então uma das concepções mais poderosas
sobre a escola e as AH/SD, a de que cabem a estas instituições aqueles indivíduos, cuja
capacidade é reduzida ou mediana, sendo que aos “mais capazes” caberiam outras formas de
acompanhamento, se é que necessitam de qualquer acompanhamento; esta posição nos diz
muito sobre educação e invisibilidade.
4.4 - A Teoria das Representações Sociais e as AH/SD
As pesquisas sobre AH/SDcontam com muitos trabalhos de grande importância, dentre
estes destacamos o trabalho de Barreto (2008), quebusca as representações sociais dos
professores do Colégio Pedro II, sobre as AH/SD.
A pesquisa é das poucas que aborda o tema, a partir de referenciais teóricos ligados às
pesquisas, em ciências sociais e desta forma, apresenta as AH/SD, considerando os impactos
socioculturais na constituição dos talentos, bem como, o papel da escola na constituição destes.
Nos detemos neste ponto, por acreditar que seja uma chave importante de compreensão para a
invisibilidade.
Ao longo de nossa pesquisa, buscamos compreender quais eram as representações
sociais sobre as AH/SD, que compunham o imaginário dos profissionais da educação.
Realizamos tentativas de entender como estas representações contribuíam para a maior, ou
menor disposição docente, em identificar os estudantes com AH/SD. Assim, as visitas as
escolas para formações com docentes, os questionários utilizados na pesquisa, bem como, as
entrevistas, buscaram verificar quais as representações sobre tema. Desta forma, o trabalho de
Barreto (2008), é fundamental para nossa pesquisa, ao propor a análise das representações dos
professores de uma escola tradicional, como o Colégio Pedro II, sobre as AH/SD.
Segundo Moscovici (2003, 0.319), as representações sociais “São instituições(as
representações sociais) que partilhamos e que existem antes de termos nascido dentro delas,
nós formamos novas representações a partir das anteriores, ou contra estas. Portanto, pode -se
afirmar que as representações novas e antigas se sobrepõem”.
175
Moscovici acredita que possamos conhecer o senso comum, a partir de um sistema de
representações. As representações sociais são um modo de buscar compreender como se
organiza, se forma e se estrutura o senso comum e suas ideias sobre um determinado tema. Em
nossa pesquisa, buscamos compreender quais são as representações dos professores de uma
rede de ensino, na Baixada Santista, sobre as AH/SDe suas relações com o fato de, ao longo da
história da cidade, nenhuma criança ter sido identificada, como pessoa com AH/SD.
As representações sociais sobre um tema não se formam ou se sustentam isoladas das
demais áreas da vida, portanto, as representações sobre educação, sociedade, classes sociais,
gênero, não podem ser deixadas de lado, quando abordamos as concepções sobre as AH/SD.
Um dado interessante da pesquisa realizada por Barreto (2008), é que dentre os
professores, que participaram do estudo, 50% afirmou possuir alunos com AH/SD, entretanto,
quando questionados se faziam o encaminhamento, 63% dos docentes relatavam não fazer,
Durante nossas pesquisas de campo esta situação se repetiu, o numero de professores que indica
ter atuado com alunos alto-habilidosos é bastante superior ao numero daqueles que diz já ter
encaminhado estudantes para avaliação e dentre as explicações para a situação, uma das
hipóteses verificadas foi a inexistência de setor especializado na identificação de AH/SD bem
como precariedade dos serviços de psicologia municipais, somados ao numero de alunos com
dificuldades de aprendizado que monopolizariam suas atenções.
As respostas destes professores, que lecionam em uma escola tradicional, com boa
estrutura física e alunos selecionados em provas concorridas, indicam questões que devem ser
levadas em conta para a análise da invisibilidade. Os professores explicando as razões de não
formalizar encaminhamentos de AH/SD,relatam:
Foi comentado, porém na escola pública, o foco são os alunos que não têm um bom
aproveitamento”; “Comuniquei ao SESOP na época em que trabalhava na Unidade
Centro”; “Comento no SESOP, nos Conselhos de Classe, mas sei que nada
diferenciado pode ser feito dentro da estrutura que temos”; “A gente até fala, mas não
encaminha”; “Quando noto algo, encaminho.(BARRETO, 2008)
As respostas mostram que ainda que existam problemas de formação e um imaginário
sobre o tema permeado de representações sociais, que podem levar a equívocos, os professores,
como indicavam nossas hipóteses iniciais, notam e sabem identificar seus alunos talentosos,
entretanto, a própria dinâmica das escolas, a rotina de trabalho, a burocracia e a percepção da
falta de estrutura adequada para atendimento, acaba levando estes profissionais, muitas vezes,
a adotarem uma política de hospitais de guerra, destinando esforços e atenções, exclusivamente,
aos casos que julguem graves, assim, aqueles sujeitos que estejam fora da faixa mediana, seja
176
por aprenderem com facilidade ou terem severas dificuldades, ficam esquecidos; os primeiros,
por serem “casos não urgentes” e os últimos com “poucas chances de sucesso”.
Estes relatos ocorrem, na única escola de educação de ensino fundamental da rede
federal, com professores com remuneração e formação superior à realidade dos professores
brasileiros, em uma instituição renomada e tradicional, em que as famílias sonham ter seus
filhos estudando, podemos, então, imaginar o quão agravado a realidade deva ser, nas escolas
de periferia, como as que pesquisamos em nosso estudo.
Os resultados da pesquisa de Barreto (2008), indicamque, embora o tema AH/SD seja
conhecido pelos professores, este conhecimento é, ainda, bastante superficial. A invisibilidade
e sua gravidade ficam evidentes nos resultados da autora, os quais apontam que dentre os mais
de 3.400 (três mil e quatrocentos) alunos do Colégio Pedro II, todos tendo sido submetidos a
provas concorridas para o ingresso, não havia um único aluno, formalmente, identificado ou
em atendimento, como caso de AH/SD.
Este fenômeno é verificado em outras pesquisas sobre AH/SD, em escolas com provas
rigorosas de ingresso e história de alta qualidade, como nos casos da pesquisa deViana ( 2003),
sobre a identificação de alunos talentosos, no Colégio da Polícia Militar de Fortaleza, instituição
renomada e reconhecida pela concorrência nos exames de seleção. Nesta oportunidade, dentre
143 (cento e quarenta e três) professores, somente 12 (doze) indicaram algum aluno com
AH/SD, tendo sido encaminhados apenas 21(vinte e um) alunos, dentre os mais de 1.000 (mil)
estudantes do colégio.
Outro exemplo é o caso da pesquisa de Bandera(2014) que realizou pesquisa junto ao
Instituto Federal do Estado de São Paulo (Campus São Paulo Capital), outra instituição
educacional de excelência sobre a ocorrência de estudantes talentosos.
Neste estudo, o autor apresenta reflexão sobre a constituição do sucesso escolar, nas
camadas médias da sociedade, a partir das reflexões de Pierre Bourdieu e de Maria Alice
Nogueira, apontando questões relativas à classe social e à posse do capital cultural, que se
refletem nas trajetórias escolares de indivíduos que frequentam uma instituição renomada e
bastante rigorosa como o IFSP.
Durante a pesquisa, o autor, ainda que não utilize o conceito de superdotação, trabalha
com as trajetórias sociais de alunos com históricos de escolarização altamente bem-sucedidos
e apresenta-nos o papel de caracteres sociais, como: profissão dos pais, faixa de renda e
formação acadêmica, sendo que, dos alunos pesquisados, a maioria tem pais com nível superior,
cargos ditos de colarinho branco e renda média intermediária.
177
O autor aponta um quadro de constituição social do sucesso e do talento muito mais
complexo e profundo que a simples transposição da herança genética, que veremos em
pesquisas, sobre as AH/SD. Sobre esta questão Bandera(2014, p. 3) nos relata:
Parte-se, neste artigo, da hipótese de que esse alto investimento escolar, marcado por
autosacrifícios e superações, pode ser descrito e explicado, com as devidas mediações,
a partir do grau em que a estabilidade ou a possibilidade de ascensão social das
famílias dependem da escola ou do acúmulo de capital cultural, em função, de a
transmissão de outra espécie de capital ter-se tornado menos rentável e eficaz para
esses grupos.
Quanto ao peso dos títulos universitários e seu papel nos postos de trabalho ocupados
pelos pais, bem como, na expectativa de ascensão social dos filhos pela via escolar, o autor
indica-nos um caminho que pode explicar, por exemplo, a grande quantidade de jovens, com
altas habilidades/superdotação, que têm pais professores, como verificamos nas pesquisas de
Fernandes (2011), que no caso dos estudantes analisados, do IFSP, constatou-se que 27% destes
tinham mães que eram professoras. Neste sentido, o autor no diz: “Porém, é a esse capital
cultural, traduzido em títulos universitários, que seus membros devem a posição que ocupam,
atualmente, na estrutura social, e que constituem também fundamento das expectativas de
elevação social que nutrem em relação aos filhos”. Nogueira (1997).
Em relação a noção de envolvimento com a tarefa, característica atribuída por Renzulli
(1986), como um dos pontos que indicaria indivíduos superdotados e que, muitas vezes, é
entendido por professores de salas de AEE e mesmo pesquisadores como algo natural e até,
geneticamente, herdado, o autor relata-nos como isso ocorre entre estudantes com históricos de
sucesso, em uma escola de excelência:
Os estudantes da Federal sentem, portanto, a obrigação de dar continuidade à trajetória
familiar, tentando ultrapassar seus pais no acúmulo de capital cultural por intermédio
da escola e da herança familiar. Para almejar essa ascensão social provável, os jovens
manejam um repertório simbólico, no qual o ethose a história da família se tornam
alicerces afetivos utilizados para justificar as expectativas de conquista e ascensão
social. Os avós dos estudantes surgem nas entrevistas como “heróis” que conseguiram
vencer, com muito “sacrifício e suor”, as dificuldades para se estabelecer na cidade.
Sem estudo, eles acumularam um pecúlio suficiente para deixar para trás a posição de
operários.(BANDERA, 2014, p. 7)
Trata-se aqui da reprodução moral da família, uma forma de transmitir os valores e as
virtudes inscritas na trajetória individual e coletiva, ou ainda uma espécie de herança
sentimental (Lahire, 2005). A família não lega aos herdeiros apenas os bens, as
propriedades, mas também uma história — de ascensão ou declínio — com nomes,
fotos, experiências de conquistas e de derrotas, que solicita continuidade, mesmo que
seja uma continuidade na transformação (BOURDIEU, 2007 apud BANDERA, 2014,
p. 8)
178
A pesquisa de Bandera (2014), indica que fatores sociais como auto-representação,
necessidade de atender as expectativas familiares e pessoais atuam, fortemente, na disposição
dos indivíduos em se dedicar, objetivando terem rendimentos acima da média e níveis de
envolvimento com a tarefa superior a maioria dos estudantes.
Desta forma, não se trata da biologia que gera envolvimento acima da média, mas,
necessidades sociais que acabam mobilizando o corpo, de modoque este possa se submeter aos
duros regimes de estudos. O autor apoiado em Bourdieu apresenta-nos um caminho para melhor
compreensão do fenômeno das altas habilidades/superdotação:
Eles precisam corresponder àquilo que é esperado deles e, principalmente, àquilo que
eles esperam de si mesmos; em suma, eles precisam estar à altura de seu dever. É por
meio dessa conversão da necessidade em virtude, e da transformação das
determinações sociais e econômicas em recursos morais e afetivos, que alguns jovens
da Federal trabalham na produção das disposições para o estudo e o sucesso
escolar.(BANDERA, 2014, p. 10)
O perfil dos alunos aprovados, no rigoroso exame de seleção dos IFSP, indica que se o
talento, não escolhe cor, etnia, sexo ou classe social, o acesso as melhores oportunidades
escolares funcionam conforme categorias sociais que nada têm de aleatórias. No IFSP, 76% dos
alunos são homens, 72% estudaram em escolas particulares e 70% são brancos, mostrando uma
clara tendência ao sucesso, nos exames, dos seguimentos, historicamente, dominantes na
sociedade brasileira.
O autor aborda, a distinção que estabelece-se entre os alunos, entre NERDS e
PRODÍGIOS.Dicotomia que veremos ao longo de nossa pesquisa bibliográfica, em muitos
trabalhos sobre AH/SD, bem como, nas opiniões de professores. Os NERDS seriam os sujeitos
socialmente produzidos, por meio da dedicação, esforço e cobrança. Já os PRODÍGIOS seriam
os alunos que, “naturalmente”, se dão bem nos estudos. Aos primeiros e pouco valorizados cabe
a ideia de treino, aos últimos e muito valorizados cabe a noção de prodígio da natureza, dom.
Bandera (2014) defende que:
Os autodenominados nerdsda Federal possuem uma enorme gana de vencer as
competições escolares. Para eles, não importa apenas o vestibular; trata-se de estar
entre os primeiros sempre, tanto nas provas da escola quanto nas competições
escolares fora dela.(BANDERA, 2014, p. 11)
O prodígio, contudo, não é classificado como um nerd, pois ele não é apenas um aluno
dedicado. A precocidade faz com que seus bons resultados escolares não sejam vistos
como frutos de um trabalho árduo de aquisição de capital cultural que consome todo
o tempo de sua vida; eles são antes vistos como a manifestação da “inteligência” e do
“dom”. (BANDERA, 2014, p. 11)
179
A concepção de que os estudantes ditos escolares não seriam considerados alto-
habilidosos, coloca-nos diante de um problema sério que é a exclusão dos estudantes filhos da
classe trabalhadora da condição de prodígios, uma vez que, apenas, aqueles que já tragam o
capital cultural, antes da escola,possam os apresentar, aparentemente, sem esforços, sobre este
ponto Bourdieu (1989), esclarece:
A precocidade é um dos elementos mais valorizados no sistema de ensino, pois revela,
da maneira mais perfeita, a conversão do trabalho escolar e a herança cultural em uma
dádiva da natureza. É dessa forma que a escola desvaloriza o escolar, e o aluno mais
novo, adiantado em relação a seus colegas, pode se dar ao luxo de dispensar a escola,
de pular etapas que são obrigatórias para o restante dos mortais.
4.5 - Metodologias de Identificação dos alunos com AH/SD
Um ponto importante para compreender a invisibilidade, e destacado pelos docentes, ao
longo de nossas pesquisas, é a ausência de um protocolo de identificação das AH/SD, que seja,
majoritariamente, reconhecido e aceito pelos meios educacionais.
Esta falta de “um modo de identificação” é tema de estudos e debates acalorados entre
os especialistas na área e refletem, no fundo, a falta de consenso em relação às teorias
explicativas das AH/SD, criando um problema análogo ao verificado, na questão das
terminologias adequadas, para nos referir aos estudantes.
A depender das concepções sobre inteligência, teremos propostas de modelos de
identificação diversos, desde as perspectivas que validam e atribuem maior valor aos testes de
inteligência como Wisc e o próprio Teste de Q.I., até aqueles que defendem que estes testes
devem ser evitados.
Há linhas teóricas que defendem a indicação pelos colegas, familiares e pela própria
pessoa com altas habilidades/superdotação, pois,muitas vezes, determinados talentos não são
verificáveis no ambiente escolar ou na clínica psicológica. Sobre esta variedade de instrumentos
de identificação Ribeiro (2013, p.22) afirma que:
Quanto aos instrumentos de identificaçãode altas habilidades/superdotação utilizados,
a pesquisa realizada por Ribeiro e Nakano (2010) demonstrou que a Escala de
habilidades, interesses, preferências, características e estilos de aprendizagem e a
Escala para avaliação das características comportamentais de alunos com habilidades
superiores de Renzulli é a mais utilizada de um modo geral.
180
Mas de um modo geral, existe um consenso de que, em primeiro lugar, o professor deva
ter papel de destaque neste processo de identificação66, segundo a identificação deva ser algo
processual e que levaria algum tempo até ser concluída, o processo deve ser conduzido por uma
equipe de profissionais, incluindo professores e psicólogos, bem como, deve conter diversos
instrumentos de aferição das habilidades.
Durante as pesquisas junto aos docentes, verificamos grande ansiedade e curiosidade
quanto a serem apresentados a algum modelo de identificação, que os auxiliasse na detecção
dos alunos com AH/SD. A maioria dos professores demonstrou insegurança, em fazer
indicações de alunos, sem o apoio de algum material sistematizado.
Há entre os professores, ceticismo quanto ao modelo de identificação baseado,
primordialmente, na atuação dos serviços de psicologia, não por desmerecerem a importância
dos profissionais desta área, mas, por conhecerem a estrutura precária em que atuam os poucos
psicólogos da rede municipal, que não garante atendimento, sequer, aos casos graves, como:
vítimas de violência. É evidente aos professores, que com a atual estrutura dos serviços de
psicologia, os alunos com AH/SD têm poucas chances de receber qualquer tipo de atendimento,
fato que, contribui para a invisibilidade.
Dentre os modelos de identificação, que se baseiam na indicação inicial do professores,
destacamos os trabalhos de Napoleão, Guenther e Delou, no sentido de desenvolverem fichas
de observação, para auxiliar e direcionar o olhar docente às características a serem verificadas,
nos estudantes, com vistas à detecção e posterior trabalho com as habilidades superiores.
Destacamos o modelo desenvolvido por Delou(Lista Base de Indicadores de
Superdotação, parâmetros para observação de alunos em sala de aula), com o objetivo de
facilitar o trabalho de observação dos professores, em sala de aula.
O primeiro ponto a ser destacado é o fato da lista de indicadores ter sido construída pela
autora, como síntese de debates com especialistas na área de AH/SD, de diversos estados
brasileiros, durante a gestão de Delou como presidente do ConBraSD, sobre quais
características deveriam ser observadas pelos docentes, em sala de aula, garantindo, assim, uma
66 Sobre a polêmica relativa ao papel docente, no processo de identificação, Delou lembra-nos: “A identificação
de alunos de altas habilidades/superdotados, através da observação e julgamento de professores, é um método
bastante controvertido. Embora recomendado como possível, vários autores apontam suas limitações, procurando
demonstrar que não deve ser considerada isoladamente dos demais métodos ou procedimentos. ...Delou (2001)
constatou que nos últimos anos, a observação de professores constituiu-se no método de encaminhamento de
alunos considerados superdotados para sala de recursos voltadas para o atendimento educacional desses alunos.
Segundo Novaes (1979) “as situações de classe são oportunidades ímpares de avaliação escolar”. O professor está
em sala de aula: convive com os alunos, vê o que fazem, como fazem, como se expressam, como se relacionam e,
a partir desta convivência, dinamizam o processo avaliativo.(Delou, 1987).
181
maior possibilidade de aceitação por um conjunto mais amplo de pesquisadores, professores e
famílias, em relação a melhor forma de identificação.
A lista de indicadores baseia-se no preenchimento de dois documentos distintos pelos
docentes, em relação as suas turmas: o primeiro de caráter coletivo (Lista Grupal),onde o
professor indica quais alunos teriam maior destaque, em um dado conjunto de características, a
partir de um olhar geral para a turma, depois, uma lista individual (Lista Individual), em que o
professor responde questões sobre um determinado aluno, que tenha suscitado a dúvida, quanto
à possibilidade de se tratar de alguém com AH/SD.
O instrumento desenvolvido por Delou tem o mérito de se pautar em avaliações reais
das condições de trabalho do professor e, assim, procurar ser o mais simples e de fácil execução
possível, pois, instrumentos demasiadamente longos ou complicados, dificilmente, seriam
utilizados pelos professores, diante de sua imensa demanda de trabalho.
A ficha de avaliação em grupo visa garantir ao professor um olhar amplo de suas turmas,
de modo a evitar a posição de que não se tem alunos talentosos entre seus educandos. No
documento de descrição da ferramenta de identificação, Delou estabelece uma relação
interessante entre a invisibilidade das altas habilidades/superdotaçãoe o predomínio do fracasso
escolar, que poderia nos oferecer um norte importante para seguir, quando falamos de
invisibilidade, a autora explica:
A Forma Grupal pode ser utilizada em observações gerais da turma como um todo.
Serve para quebrar o preconceito inicial, expresso em falas como: “ na minha turma
ninguém ésuperdotado”. [...] É comum não conseguirmos ver talento aonde há
fracasso, além disso, não costumamos valorizar os talentos apresentados por alunos
que não sejam destaques acadêmicos em áreas como matemática ou ciências, no
âmbito da escola. (DELOU, 2001)
A lista individual propõe ao professor que analise, detida, sobre aqueles alunos que se
destacaram na indicação grupal, e concentrando a avaliação em características específicas.
A estratégia tem a vantagem de, evitar que o docente precise preencher um documento
individual a cada aluno, o que geraria demanda de trabalho extra e consequente resistência.
Neste modelo, o professor trabalha com as fichas individuais, apenas, para aqueles alunos que
tenham se destacado nas avaliações grupais; outra vantagem do instrumento está em indicar
clara e objetivamente ao professor que características deve observar, levando ao direcionamento
de seu olhar e a percepção de talentos, antes não verificados.
4.6- O Peso das Explicações Baseadas na Genética
182
Vejo muito pela experiência da Camila. Porque a Camila e a Joana começaram a se
envolver com altas habilidades. Porque o filho da Joana tinha altas habilidades. Elas
eram mães. Camila também tem um filho com altas habilidades. Aí elas se
encontravam e viam que os filhos eram discriminados na escola, discutiam muito as
preocupações que elas tinham. Começaram a ler os autores que estavam pesquisando
na área. Começaram a encontrar coisas nessa bibliografia e viram que se elas
juntassem uma coisa com a outra reivindicando esse atendimento elas iam conquistar
algum espaço. Hoje o filho da Joana está com 20 anos. Não chegou a receber um
atendimento especializado, mas a mãe dele ajudou a criar isso, então, tem um fruto
assim....é uma conquista [...] Foi em função dessa necessidade que isso passou a ser
uma política pública. Por pressão desses pais que começaram a ser organizar. A Zenita
tem 3 filhos com altas habilidades e ela foi atrás porque, justamente, porque a Joana
já escrevia muita coisa, assim, também, ocorreu com AngelaVirgolim. (Entrevista
professora Lica, Porto Alegre junho de 2010). (FERNANDES G. S., 2011, p. 84)
No Brasil, ainda que a maioria dos pesquisadores afirme seguir as teorias de Renzulli e
Gardner para compreender a inteligência e, particularmente, a superdotação, temos uma curiosa
situação, em que os trabalhos brasileiros, em geral, não incorporam as reflexões dos teóricos
sobre as interações entre fatores biológicos e sociais para a compreensão do fenômeno, salvo
exceções, temos posições que sempre enveredam pela defesa da preponderância biológica (aqui
genética) no fenômeno das AH/SD.
Serão inúmeros os trabalhos que “constatarão” a origem genética, a partir da verificação
de familiares, também, com AH/SD, relação estabelecida, de um modo geral, sempreocupação,
sobre como estas habilidades seriam transmitidas. Outro ponto, geralmente, associado com
sinal de talento genético, através da precocidade, é o domínio da leitura, bastante cedo, sem
reflexão sobre o papel que ambientes letrados, estimulantes, do ponto de vista da leitura, teriam
no desenvolvimento destas habilidades, mostrando que o capital cultural é ignorado pelos
estudos.
Como relatamos, é comum que os pesquisadores, ainda que declarem seguir um dado
referencial teórico, termine por enveredar por caminhos que reafirmam, demasiadamente, o
papel da genética, na constituição das altas habilidades; é comum, inclusive, que o pesquisador
não verifique, na sua própria pesquisa, os elementos que denotam o peso cultural na constituição
das habilidades e talentos humanos, preferindo atribuir à biologia a origem de caracteres sociais
constatada em sua própria pesquisa
Um exemplo importante é o trabalho de Pérez (2008), que realiza um estudo qualitativo
profundo, com 10 indivíduos com AH/SD e, quando descreve as características
socioeconômicas e formativas dos sujeitos, que participam da pesquisa, passa-nos as seguintes
informações:Dentre 10 pessoas, com AH/SD pesquisadas, temos, nada menos, que 50% das
mães destes indivíduos atuando como professoras e, ainda, 20% dos pais, também, atuando
como professores. Cabe destacar, que mesmo aqueles indivíduos, que não têm pais e mães
183
ligados à docência, têm familiares com atividades profissionais, fortemente, marcadas por uma
cultura acadêmica letrada profunda, como engenheiros, jornalistas, tradutores, pesquisadores
científicos.
O olhar atento para o conjunto de profissões destes sujeitos indica-nos, de antemão, a
posse de determinado capital cultural que foi transmitido de maneira diferente, diversa, do que
ocorre com a maioria dos estudantes brasileiros. Imaginar que professores não sejam capazes
de imprimir, em seus filhos, de forma consciente ou inconscientemente, uma cultura de
valorização dos estudos, da leitura, da escrita, do conhecimento, bem como, construam, nos
filhos, seja por vias afetivas, seja pela via metodológica, uma busca a excelência profissional e
acadêmica, é negar a realidade.
Para a autora, as profissões dos familiares representam a existência de uma série de
pessoas talentosas, na família, indicando a existência de traço genético das AH/SD.
Vejamos que não se trata de negar o talento dos indivíduos e seus parentes, o que
problematizamos é a forma apressada como a perspectiva genética sobrepõe-se à cultural, não
levando em conta como a transmissão de capital cultural contribui neste processo.
Esta transmissão de capital cultural, na formação dos sujeitos, é verificada, por exemplo,
na informação da pesquisadora quanto a formação acadêmica dos indivíduos pesquisados, entre
dez pesquisados, 90% concluiu ou estava cursando o ensino superior, indicando uma trajetória
escolar longa, ou que suas habilidades encontraram capital cultural e econômico,
suficientemente, organizado para que pudessem constituir seus talentos, em títulos acadêmicos,
mostrando que existe uma forte correlação entre os indivíduos que conseguem perceber seus
talentos e os desenvolver e a posse de suficientes condições socioeconômicas para obter sucesso
escolar.
Quando consideramos que menos de 10% da população brasileira tem formação em
nível superior, podemos perceber como critérios objetivos, como possibilidades reais de chegar
à universidade, influenciam a decisão de professores, alunos e famílias de crianças talentosas,
quanto à atenção e identificação de possíveis casos de AH/SD.
Outro ponto interessante é a faixa de renda dos indivíduos alto-habilidosos que
participam do estudo, 02 destes, por exemplo, ganhavam, na época da pesquisa, entre 10 e 15
salários mínimos, o que os colocava em um grupo social, bastante diverso, da realidade da
maioria dos brasileiros. Como não levar estes fatores em questão, ou o fato de terem mães
professoras e pais advogados?
O pai da única mulher do grupo pesquisado, uma professora de línguas de 58 anos de
idade, que morou ,ao longo da vida, no Brasil, na Argentina e cursou todo o ensino fundamental,
184
no interior do Uruguai, onde morou por mais de 10 anos e, atualmente, vivendo na Holanda,
em Amsterdã, era professor e, também, o prefeito da cidade, onde viviam, no interior do Rio
Grande do Sul; novamente, a genética foi escolhida para explicar o fenômeno das AH/SD,
quando a própria pesquisa dava conta de indicar as profundas raízes sociais e históricas da
origem dos talentos.
Quando analisamos sua pesquisa, a partir da categoria gênero, mais uma vez, os fatores
sociais surgem evidentes e contestam as teorias biológicas, ao menos na perspectiva de
reconhecimento e efetivação dos talentos, ou seja, as mulheres encontram imensas dificuldades
em ter reconhecidos seus talentos e até, desenvolvê-los, a autora explica:
Uma constatação que já foi verificada por alguns autores (LANDAU, 2002; ELLIS e
WILLINSKY, 1999; DOMINGUEZ RODRÍGUEZ et al., 2003) é que, geralmente, as
mulheres costumam aparecer em menor número nas populações investigadas. No caso
desta pesquisa, essa desproporção também se constata.(PÉREZ S. G., 2008)
O reconhecimento do peso das questões de gênero, na identificação e constatação das
altas habilidades, entre as mulheres, é um dos indicadores mais claros de que a invisibilidade
dos talentos é, em grande parte,resultado de complexas interações sociais e históricas. Segundo
uma pesquisa de Buescher (etal, 1987), 65% das adolescentes superdotadas escondem suas
habilidades e, segundo Walker, Reis e Leonard (1992 apud REIS 2002), 3 de cada 4 mulheres
superdotadas não acreditam na sua inteligência superior. E neste caminho, a autora confirma o
peso das questões sociais, quanto a identificação ou não dos indivíduos com AH/SD, e afirma:
Desde a primeira edição do Prêmio Nobel, até 2005, dos 776 outorgados, somente 10
mulheres (menos de 1,5%) receberam um prêmio nas áreas de Ciências (2 em
Química, 1 em Física, 1 em Física e Química (Marie-Curie), 6 em Medicina e nenhum
em Economia), sendo que seis delas dividiram o prêmio com homens. [...] Nas áreas
científicas, nenhuma mulher provinha de um país em desenvolvimento; na literatura
existe uma chilena (Gabriela Mistral) e uma sul-africana (Nadine Gordimer).
(PÉREZ, 2006b)
Fato interessante é que, aparentemente, os pesquisadores não conseguem identificar o
peso que as teorias baseadas em causas genéticas e hereditárias, têm, na disposição dos
professores em não identificar os alunos com AH/SD.
Alguns estudos na área seguem a linha antropológica como o de Vieira (2005) e
demonstram o papel da influência e reconhecimento social, no desenvolvimento das AH/SD, a
partir de acompanhamentos sistemáticos, com os indivíduos alto-habilidosos.
Destacamos o caso de Vitoria, uma criança de 4 anos de idade, vivendo na fronteira do
Rio Grande do Sul com o Uruguai. A menina é filha de um médico pediatra, com histórico de
aprovação de destaque, no vestibular em medicina da UFRGS, filha caçula de um pai mais
185
velho e filha única de seu segundo casamento, sua mãe é uma advogada que, desde cedo,
demonstra grande envolvimento com a identificação da menina, como pessoa com AH/SD. A
família viaja, mensalmente, mais de 500 km até Porto Alegre, para o processo de identificação:
A criança recebeu forte investimento dos pais, tendo ganhado um pincel aos 8 meses
e fazendo aulas individuais de inglês e piano, desde os 2 anos de idade. Vitoria
demonstrou interesse pelo Tênis, ganhando medalha num torneio; a criança pinta
quadros e os expõe em pequenas mostras artísticas na cidade, o mesmo ocorre com as
apresentações musicais que realiza,relata ter dificuldades com as palmas ,mas gosta
muito de tocar o piano.(VIEIRA, 2005, p. 99)
Conforme relato da pesquisadora:
A criança estuda em uma escola inglesa, no Uruguai, extremamente rígida. A escola
funciona em período integral, o funcionamento pela manhã é com aulas apenas em
inglês e com diretora inglesa, já, a tarde, a menina recebe aulas em espanhol de todo
o currículo escolar e o diretor é um uruguaio; a escola não reconhece os talentos da
menina, e Vitoria, além de muito fechada e tímida, tem grande medo de errar e se
preocupa e se ressente pelo fato de ser negra. (VIEIRA, 2005, p. 100)
Segundo sua professora, a menina: “Menina fechada e com medo imenso do erro, A educadora
entende que estes medos da menina estão associados à elevada expectativa da família em
relação ao sucesso da filha que, por esta razão, não admite o fracasso.” (VIEIRA, 2005)
A história de Vitoria é um caso emblemático da interação biológica e ambiente, de
maneira dialética; não sabemos e, talvez, jamais saibamos como, organicamente, ocorre a
interferência de sua herança genética, mas, verificamos, de maneira intensa, o desejo dos pais
pelo sucesso da menina; o trabalho familiar em expor a criança a um modelo educacional caro
e rígido; os múltiplos investimentos (de capital cultural e econômico), no desenvolvimento do
talento da menina, como: exposições, aulas particulares, apresentações musicais, escola
bilíngue e viagens mensais rumo à identificação.
4.7- A Resistência Docente em Identificar Estudantes com AH/SD
Ao longo de nossas pesquisas de campo, quando nos questionavam sobre o tema
estudado, no doutorado e informávamos que eram estudantes com AH/SD, após elogios, por
pesquisar um grupo de alunos, em geral, esquecido e negligenciado, seguiam a curiosidade e
perguntas sobre o perfil destas pessoas e invariavelmente, éramos questionados quanto aos
motivos dos docentes quase nunca terem alunos com AH/SD entre seus estudantes.
Foram diversas as oportunidades em que nos vimos diante desta questão e relatamos
aqui, a conversa com professora e gestora escolar que, após mais de 30 anos, trabalhando na
186
rede pública, sendo uma profissional dedicada, comprometida com a educação e reconhecida,
na rede de ensino, onde atuamos, pela a sua formação e competência, nos questionou sobre os
motivos de jamais ter tido um superdotado entre os milhares de estudantes que ensinou.
Em inúmeras pesquisas brasileiras, esta mesma situação foi verificada, como por
exemplo, no caso de uma escola, em Porto Alegre, em que durante uma pesquisa etnográfica,
com escolas da região da grande Porto Alegre, sobre o atendimento aos alunos com AH/SD,
uma professora responsável pela sala de AEE, que atendia altas habilidades, relata:
Esse aqui é algo! disse-me a professora Joana, ao olhar alguns papéis entre tantos que
folheava, em uma das nossas conversas matutinas, no final de 2010. Apesar da maioria
dos professores da escola de ensino médio, onde estava localizada a sala de recursos,
terem debochado e dito “Aqui não tem”, quando Joana apresentou a discussão sobre
altas habilidades e solicitou o preenchessem dos formulários de identificação, os
papéis tratavamda identificação de um menino, preenchidos por uma professora, a
única que teria se disposto a tal. Não tem?,falou-me Joana rindo. Agora era ela quem
debochava.(FERNANDES1, 2011, p. 14)
O trabalho de Fernandes (2011), é fundamental para conhecermos o cenário das AH/SD,
no Brasil, a partir de uma abordagem que esteja mais próxima da realidade escolar. Neste caso,
devido a sua metodologia etnográfica e por isso, muito próxima da realidade que pesquisava,
temos uma das raras oportunidades de verificar o atendimento aos alunos.
Atuando na rede de Porto Alegre, que em 2007, contava com 7 salas de recursos
multifuncionais, as quais atendiam alunos com AH/SD, incluindo a rede estadual e municipal,
a pesquisadora busca verificar como ocorrem os atendimentos e processo de escolarização dos
estudantes talentosos.
Verificamos um dado importante ao constatar que, mesmo contando com tradição de
pesquisas na área, produzidas na PUC, UFRGS e UFSM desenvolvidas por pesquisadores
renomadose tendo uma das associações de pais de alunos superdotados, mais importantes e
atuantes do país, a AGAAHSD67 (Associação Gaúcha de Apoio às Altas
Habilidades/Superdotação) uma cidade com milhões de habitantes, como a capital gaúcha,
contava com, apenas, sete salas de atendimento e algumas vinham fechando, por falta de alunos,
de acordo com Fernandes (2011, p. 16).
67
O Rio Grande do Sul, tem sido citado nos eventos (Congresso Internacional de Superdotação em 2010 e IV
Seminário para Inclusão das Pessoas com Altas Habilidades/Superdotadas, em 2009) como um pioneiro da
implementação de políticas voltadas ao atendimento das pessoas com altas habilidades/superdotação, por meio da
criação das salas de recursos a partir de 2004 e do Núcleo de Atendimento Às Pessoas Com Altas Habilidades
(NAPPAH/FADERS), como também um centro de pesquisas acadêmicas, desenvolvidas na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul(UFRGS), na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).(FERNANDES1, 2011, p. 47)
187
Com o trabalho de Fernandes (2011), podemos confirmar a situação verificada, quando
buscamos as salas dos NAAHS, de São Paulo e Vitória, e não encontramos informações, nem
conseguimos contato com as escolas onde os NAAHS funcionavam. No caso da autora, fica
evidente que a direção, os demais professores, os funcionários e, até mesmo, os alunos não
fazem ideia do que ocorre nas salas de AEE para AH/SD, sendo que, muitas vezes, sequer, o
nome da sala conhecem. Indicando que a invisibilidade segue, mesmo quando, a sala já existe
no interior da escola, fazendo-nos imaginar o que ocorre, em situações como o da rede que
pesquisamos, onde não temos alunos identificados, quem dirá salas de atendimento.
Trabalhos etnográficos como o de Fernandes (2011), são importantes por serem, das
raras chances, de termos dados concretos sobre a realidade das AH/SD, no interior das escolas
públicas brasileiras. Nesta pesquisa, descobrimos que muitas turmas, de AH/SD, foram
formadas pela iniciativa da professora responsável pela sala de AEE.
Pudemos verificar no trabalho citado, que na maioria das escolas que contava com a sala
de AEE, para altas habilidades/superdotação, os docentes dividiam-se entre decorar a escola,
organizar eventos e o trabalho com atendimento aos alunos. Em geral, a frequência à sala era
facultativa aos alunos, diferente, do que ocorre com alunos com outras formas de necessidades
especiais.
Pudemos verificar, a importância da formação de professores sobre o tema, na rede de
Porto Alegre. É, apenas, a partir desta formação inicial, que alguns professores começaram,
ainda que sem qualquer respaldo das secretarias, a formar turmas e identificar alunos, ponto
curioso, também, é conhecer os modelos de indicação realizados pelos docentes, as concepções
dos estudantes sobre o tema e o fato de, em muitos casos, as salas darem oportunidade de outros
alunos não identificados, com AH/SD, frequentarem as turmas. Sobre a importância deste
primeiro curso, que deu início aos trabalhos e salas de atendimento, demonstrando o papel do
poder público, na superação da invisibilidade, a autora coloca:
Tudo começou em 2002 com o curso, quando fui uma das selecionadas para fazer o
curso na UFRGS, parceria da UFRGS com a secretaria de educação”, recordou a
professora Sofia. O curso que mencionou a professora era a “Capacitação em
Educação especial: área de altas habilidades”, realizado entre 2002 e 2003, foi
coordenado pelo Professor Dr. Claudio Baptista do departamento de educação da
UFRGS.(FERNANDES1, 2011, p. 44).
A pesquisa de Fernandes (2011), mostra-nos a importância de um profissional, com
formação, se responsabilizar pelo tema, na escola, realizando momentos de formação e
sensibilização junto aos docentes, tornando os conselhos de classes momentos importantes para
188
a observação dos alunos com destaque, solicitando a indicação de colegas talentosos pelos
estudantes, ou seja, mobilizando e formando toda a comunidade escolar para o assunto.
No trabalho de Fernandes (2011), podemos conhecer o indivíduo com AH/SD, para
além das idealizações, assim, encontramos crianças dedicadas, disciplinadas e, muitas vezes
pobres, sendo atendidas na rede de ensino porto-alegrense, como o caso de Juliana, uma menina
negra e extremamente pobre, atendida na sala de recursos, sendo um destaque, como atleta,
recebendo um patrocínio de um comerciante do bairro, o qual custeia o pagamento de contas
de sua família. Conta com a ajuda de uma madrinha, filiada ao Rotary Club, que lhe paga o
transporte de ônibus, para que possa ir aos treinos e atividades no clube, fato corriqueiro e
antigo que é a necessidade de um patrocinador, padrinho, fada madrinha ou mecenas, que possa
contribuir com o aperfeiçoamento dos talentos, indicando a dureza de uma sociedade que priva
as potencialidades humanas de se desenvolver, devido à pobreza.
O trabalho de Fernandes (2011), nos mostra como as ideias ligadas à Biologia são fortes,
mesmo nos profissionais especializados em altas habilidades/superdotação,atuando nas turmas
de atendimento educacional especializada, como podemos ver nas falas da professoras
entrevistadas:
Se é uma criança altamente estimulada e faz um teste de QI, de repente com 6 anos,
pode aparecer um QI bastante elevado. 125, 129 Se ela vai repetir depois na
adolescência pode dar menos, pode dar normal. Inclusive, a gente trabalha com essa
possibilidade, também. A gente observa muito se é só estimulação precoce, porque
quando chega por volta dos 12 e 13 anos, a fase de equilibração, que o Piaget fala,
acontece e aí fica no padrão normal, médio. [...] Quem tem altas habilidades continua
além. (Entrevista Rosita, Porto Alegre, junho de 2010). (FERNANDES, 2011, p. 107)
A perspectiva que entende as relações sociais como mero cenário, onde os talentos,
geneticamente, herdados atuariam, foi verificada por Fernandes (2011, p.108): “Essa habilidade
que continua e que se diferencia do estímulo e da precocidade, de acordo com as professoras,
viria de um forte fator biológico”.
E pode ser vista em falas de professores, como as que se seguem:
Em alguns momentos, tu vai vê que esse talento, esse estimulo vem da família, de
reforço familiar. Mas outros a própria família não percebe. Vê que um tio, um pai, a
avó, tinha destaque na área e nunca percebeu. (Entrevista Ana, Porto Alegre, junho de
2010”).(FERNANDES1, 2011, p. 108)
É genético, disse-me Bia, certa vez, ao me apresentar um menino que desenhava e
cuja mãe era artista plástica. Porque eu estou comprovando isso, entendeu? Quando
aparece alguma indicação, tem mais algum na família? Não é estranho? Eu tenho
várias assim, argumentou-me ela, dias depois, quando, novamente, mencionou a
importância do fator genético da superdotação.(FERNANDES1, 2011, p. 108)
189
Esta concepção apresenta uma leitura, tão superficial, das influências ambientais e do
papel da educação, na formação dos indivíduos, que, certamente, contribui para a invisibilidade
destes sujeitos entre docentes que compartilham de tais opiniões, afinal, qual seria o sentido em
identificar alunos talentosos, uma vez que, a natureza faria tudo sozinha?
Talvez o ponto mais importante e interessante do trabalho, com alunos com AH/SD,
seja a descoberta destes, nas escolas públicas, e a reflexão que podem suscitar entre os docentes
e gestores sobre a educação como um todo, sobre os alunos como um todo, tanto sobre o
sucesso, como o fracasso, bem como, o papel de sua postura, crença pedagógica e práticas,
neste contexto. Estas posições podem ser verificadas, nas falas das professoras entrevistas por
Fernandes (2011), quando relatam:
Rosita faz críticas a si mesma, a sua postura como professora anterior ao contato com
as altas habilidades: Minha postura como professora mudou. Eu era muito acadêmica.
Eu achava que o aluno tinha que saber. Exigia muito dele, mas na parte do
pensamento. Vamos dizer assim, que eu era uma professora mais tradicional, né?
Minha formação foi assim. E eu também conduzia dessa forma. Depois que eu entrei
em contato com as altas habilidades, eu comecei a fazer outras atividades. Lá em 2003,
já mudei a minha postura em sala de aula. Eu não levava só exercícios para sala de
aula. Eu já levava enigma. Eu elaborava um problema, uma história matemática
mirabolante. Ia ver quem tinha saído melhor no desafio.Era uma maneira de identificar
quem tinha altas habilidades ou não nessa área. (Entrevista professora Rosita, Porto
Alegre junho de 2010). (FERNANDES1, 2011, p. 131)
Nestes excertos, podemos verificar o quanto a postura dos professores muda, a partir do
momento, em que passam a supor capacidade intelectual nos estudantes. A alteração ocorre,
inclusive, no que diz respeito as ideias sobre o fracasso, como afirma a professora Mercedes:
A crítica aos professores, também, é feita por Mercedes, que problematiza a questão
do fracasso escolar e da dificuldade de aprendizagem: Tinha um menino também com
fracasso escolar que os professores achavam que ele não evoluía e ele lia comigo. E
um dia ele disse “Não, não quero ler isto, porque eu não aprendi essa dificuldade
ainda.” Porque na escola diziam que as coisas eram aprendidas assim, vencendo as
dificuldades. [...]Os professores não querem fazer nada além, acham que o problema
não é deles, quando crianças não aprendem. (Entrevista professora Mercedes,Porto
Alegre julho de 2010). (FERNANDES1, 2011, p. 133)
4.8 - Os Alto-Habilidosos em Santa Maria e no D.F.
Consideramos que não seja possível nos referir especificamente à produção acadêmica
e ao atendimento aos alunos alto-habilidosos, no Brasil, sem nos referir às pesquisas e propostas
de atendimento às AH/SDdesenvolvidos na Cidade de Santa Maria-RS e Brasília.
Nestes grupos liderados pelos mais destacados intelectuais brasileiros, na área, como:
Soraia Napoleão Freitas, professora aposentada na UFSM e Denise de Souza Fleith e Eunice
Soriano Alencar, professoras, respectivamente: na UNB e UCB, temos os mais importantes
190
trabalhos sobre o tema, no Brasil, e os mais sólidos programas de atendimento aos alunos
talentosos, desenvolvidos por redes públicas de ensino.
Em nosso entendimento, a produção destes grupos de pesquisa é fundamental para a
devida compreensão da temática, bem como, tais produções, talvez, contenham chaves de
compreensão do tema, que devido a sua abordagem teórica possam oferecer alguns indícios da
superação da invisibilidade.
4.8.1- Os Trabalhos do PIT, em Santa Maria
O primeiro trabalho, que destacamos como fundamental para entendermos as AH/SD, é
produzido pelos pesquisadores da UFSM, reflete sobre a importância da gestão educacional, no
processo de identificação e atendimento aos alunos, descrevendo como a disposição dos
docentes em indicar estudantes para avaliação de AH/SD aumenta, em escolas com gestão
democrática. Por ser baseado na realidade escolar concreta, este é um trabalho que se constitui
como chave para a superação da invisibilidade, Negrini (2011, p.10), indica: “o papel da gestão
[...]é imprescindível para a condução de proposta de enriquecimento para os alunos com
AH/SD, seja na escola ou fora dela”.
Dentre as poucas pesquisas na área de AH/SD que refletem sobre a educação, de um
modo mais amplo, abarcando e pensando na escola, como um todo, destacamos os trabalhos de
Negrini e Freitas (2008, p.5), para as autoras:
Para que se possa refletir sobre a gestão educacional, é importante questionar como a
escola vem sendo percebida atualmente. A escola é vista, em sua historicidade, como
fenômeno humano, que na sua prática social, envolve indivíduos que se relacionam,
que ensinam e aprendem que possuem diferentes objetivos e métodos decorrentes dos
objetivos pretendidos. A escola surgiu com o nascimento da sociedade industrial,
assim como com a constituição do Estado Nacional. Com a consolidação do
capitalismo, reforça-se a convicção de que a educação podia ser mecanismo de
controle social.
Nas pesquisas de Negrini e Freitas verifica-se o pouco conhecimento dos gestores
educacionais sobre o tema da superdotação, bem como, o fato de não incluírem o público, com
AH/SD, entre os estudantes da educação especial, quando elaboram documentos oficiais, como:
projeto político pedagógico e planos de gestão escolar; tal situação acaba contribuindo para o
agravamento do quadro de invisibilidade destes estudantes.
191
Entre as ações do grupo da UFSM, destacamos o PIT (Programa de Incentivo ao
Talento68) desenvolvido pelo grupo de pesquisa da professora doutora Soraia Napoleão.
Baseadas nas definições e conceitos de Renzulli, que entendem a escola como um todo
e, assim, contribuindo para a superação da invisibilidade. Destacam que o próprio teórico da
Teoria dos Três Anéis chega a propor soluções para a situação:
Renzulli afirma que a superdotação pode se apresentar em determinadassituações e
em outras não. Para ele, deveria haver uma mudança na concepção de
“sersuperdotado”. Dever-se-ia levar em consideração aqueles indivíduos que
apresentam“comportamentos superdotados”, para então implementar programas de
enriquecimento, queiriam beneficiar um maior grupo de pessoas. Dessa forma, “[...]
a nossa expectativa é que,aplicando bons princípios de aprendizagem para todos os
alunos, diluiremos as críticastradicionais aos programas para superdotados e faremos
das escolas locais onde o ensino, acriatividade e o entusiasmo por aprender sejam
valorizados e respeitados. (DELPRETTO, 2006, p. 7)
Entre os raros trabalhos, que arriscamir além das referências aos especialistas da área de
AH/SD e aos debates específicos do campo, destacamos os trabalhos de Peripolli (2009), e
Costa (2010), desenvolvidos pelo programa de pós-graduação, da UFSM, sob orientação da
professora doutora Soraia Napoleão de Freitas, em que os autores debatem a formação de
professores para atender alunos com AH/SD, empregando uma bibliografia, que contém
trabalhos de autores importantes, do campo da educação. Tais concepções que entendem as
AH/SD de modo integrado a educação como um todo e utiliza os conhecimentos produzidos na
área para ampliar a reflexão é uma das melhores ações para superarmos a invisibilidade da
temática e consequentemente dos estudantes alto-habilidosos.
4.8.2 - O Distrito Federal e a Pesquisa e Atendimento aos Alto-habilidosos
Quando falamos de produção científica, na área das AH/SD, os pesquisadores do
Distrito Federal possuem um peso significativo, local onde ocorrem, boa parte, das mais
importantes pesquisas na área. O grupo de pesquisadores liderados por Denise Fleith e Eunice
Soriano Alencar, produziu teses e dissertações importantes, contando com alguns dos mais
renomados pesquisadores na área, entre ex-alunos dos programas de pós-graduação, da
Universidade de Brasília e da Universidade Católica de Brasília.
68
O PIT é um projeto desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa EducaçãoEspecial: Interação e Inclusão Social
(GPESP), da UniversidadeFederal de Santa Maria (UFSM), que encaminha ao Programa alunoscom características
de altas habilidades, identificados pelo Projeto dePesquisa ‘’Da identificação à orientação de alunos com
características de altas habilidades’’. Este projeto de caráter científico propõe-se aidentificar alunos que
apresentam indicativos de altas habilidades de escolas estaduais, municipais e particulares, das séries iniciais do
EnsinoFundamental, de Santa Maria/RS.(NEGRINI; FREITAS, 2008)
192
Alguns destes pesquisadores, como o caso de Fleith, membro da diretoria do conselho
mundial para Altas Habilidades/Superdotação, desenvolveram estudos junto ao NEAG-
Connecticut com o professor Joseph Renzulli e são, diretamente, responsáveis pela apropriação
de duas pesquisas e teorias, no Brasil. Muitos destes pesquisadores têm trânsito e influência
junto ao MEC, sendo assim, responsáveis pela formulação de materiais sobre as AH/SD
direcionadas aos docentes, bem como, a formulação de políticas públicas, na área.
O Distrito Federal tem a rede de ensino, com o programa de atendimento às AH/SD
mais antiga, no Brasil, que data dos anos 1970 e possui mais de dez núcleos de atendimento aos
alto-habilidosos, contando com modelos de identificação e formação docentebastante
estruturados, bem como, um grupo de profissionais da secretaria de educação formado por
professores, gestores e psicólogos (alguns destes desenvolvendo pesquisas em stricto-senso,
na área junto a UNB), o que contribui para o desenvolvimento de ações práticas e teóricas sobre
o tema.
O resultado desta estrutura é que o DF, sozinho, atende mais de 1.200 (mil e duzentos)
alunos identificados com AH/SD, o equivalente, aproximadamente, a 10% de todos os alunos
identificadosno Brasil, possuindo, ainda, mais de 10 (dez) núcleos de atendimento aos alunos
talentosos, por meio de suas salas de recursos multifuncionais. Para termos uma ideia, em todo
o Estado de São Paulo, existe apenas 01 (um) centro de atendimento às AH/SD e, ainda assim,
não conseguimos qualquer espécie de contato com o núcleo paulista.
Deste modo, teremos, no Distrito Federal, uma importante contribuição acadêmica, para
o enfrentamento à invisibilidade nas escolas brasileiras.
A primeira contribuição destes pesquisadores é a apropriação das teorias sobre
inteligência, de uma maneira que nos parece mais aproximada do que defendem os teóricos,
que servem de base para a compreensão da superdotação, no Brasil.Deste modo, a tendência de
se recorrer à genética, como foco de explicação, será menos presente nestes trabalhos, que
tendem a compreender a inteligência e as altas habilidades, como resultado de interações
biológicas e sociais complexas, permeadas pela dialética biologia/ambiente, de modo que, não
se pode desconsiderar o impacto da socialização dos indivíduos, na produção de seus talentos,
para Silva (2008, p. 3):
O fenômeno da superdotação apresenta uma grande complexidade, englobando
sistemas biológicos,psicológicos, intelectuais, emocionais, sociais, históricos e
culturais (Aspesi, 2003). Nesta direção, (Csikszentmihalyi, Rathunde;Whalen, 1993)
também ressaltam a diversidade de fatores que podem influenciar o desenvolvimento
de comportamentos de superdotação
193
Esta perspectiva teórica é, diretamente, contrária à concepção defendida por
pesquisadores que priorizam a genética, na formação das capacidades humanas, e que
encontram, em Guenther, sua defensora mais aberta,como no texto a seguir:
A temática envolvendo conceituação de dotação humana, que vinha se arrastando ao
redor do debate hereditariedade vs. ambiente, com argumentos embasados mais em
ideologia do que conhecimento, não resistiu à autoridade do saber construído nas áreas
da genética e neurociência. Por via desses estudos, aprofunda-se a área, abordando-se
diferenças de desempenho que somente podem ser compreendidas com base em
diferenças individuais genéticas, não hereditárias. (GUENTHER Z. C., 2012, p. 3)
As pesquisas desenvolvidas, em Brasília, refletem sobre os aspectos da socialização e
da cultura, na formação das características de altas habilidades/superdotação, portanto, escola,
família, classe social, acesso aos meios culturais, localização da residência e da escola dos
estudantes, serão temas presentes, no conjunto de pesquisas desenvolvidas sobre a
superdotação. Como no exemplo que destacamos:
Conforme mencionado, o ambiente familiar pode contribuir para o processo de
desenvolvimento do talento.Segundo Dessen (2007), a família constitui um contexto
primário de desenvolvimento, mediando o processo deinteração dos indivíduos com
o contexto ambiental. Ela é responsável pela maior parte do processo de socialização
(Côté &Hay, 2002). Os autores definem socialização como um processo contínuo, que
acontece ao longo do curso de vida de um indivíduo, no qual este desenvolve sua
identidade, autoconceito, comportamentos, atitudes e disposições. As interações
sociais são essenciais para que este processo ocorra. (SILVA P. V., 2008, p. 3)
Ao analisar a influência da família, na formação da superdotação, temos um percurso
que busca identificar as influências sociais, na formação dos indivíduos e, consequentemente,
a importância do estímulo e atenção para que jovens e crianças sintam-seencorajadas a buscar
o desenvolvimento de seus talentos, neste sentido:
Diversos estudos apontam a importância da famíliapara a manifestação,
desenvolvimento e reconhecimentoda superdotação de um indivíduo. Por exemplo,
Alencar(1997), Bloom (1985) e Moraes, Rabelo e Salmela (2004)relatam pesquisas
que mostram a influência da família ede professores, no desenvolvimento de
habilidades naciência, música e esporte.(SILVA P. V., 2008, p. 4)
A literatura também destaca a existência de umarelação de influência mútua entre a
criança superdotada esua família (ASPESI, 2003),(SILVERMAN, 1993),(WINNER,
1998).A família pode influenciar de diversas formas odesenvolvimento do talento.
Entretanto, a criançasuperdotada, também, afeta a organização familiar. Afamília
busca promover o desenvolvimento das habilidadesdos filhos e, paralelamente,
modifica-se em virtude dasdemandas deles. (SILVA P. V., 2008, p. 4)
Esta perspectiva, que compreende a influência familiar, como dialética na formação dos
superdotados e alteração das próprias famílias, indica uma direção à compreensão da
194
superdotação, interessante, tanto do ponto de vista teórico, como da própria ação prática, pois,
pode nos responder alguns questionamentos referentes à invisibilidade destes alunos.
Superada a noção de que os sujeitos, simplesmente, nasceriam com um dado talento,
temos a perspectiva de que se os talentos são, em boa parte, influenciados e até criados pelo
contexto social. Assim, a escola passaria a ter papel decisivo, não só identificando e acelerando
trajetórias escolares ou enriquecendo currículos, mas, atuando, decisivamente, na formação,
estímulo e acompanhamento dos estudantes talentosos e suas famílias. Apenas, a partir desta
perspectiva, faz sentido identificar os talentos, de outro modo, bastaria aguardar que a natureza
produzisse seus resultados. A respeito do papel fundamental dos professores neste processo:
Csikszentmihalyi e cols. (1993), por exemplo, realizaram um estudo longitudinal com
jovens talentosos de áreas diversas. Os autores identificaram que [...] É fundamental
a relação do jovem com seus professores e sua família, que proporcionarão as
condições adequadas para que este desenvolvimento ocorra.(SILVA P. V., 2008, p.
5)
Refletindo sobre a condição de invisibilidade, Alencar nos traz uma concepção inovadora,
ao indicar fatores ligados ao funcionamento das instituições escolares e concepções do corpo
docente, apontando que a invisibilidade é gerada, muitas vezes, pelas condições da educação
brasileira e resistência de escolas e professores, em relação ao tema:
No Brasil, os superdotados constituem um grupo que é pouco compreendido e
negligenciado. Há poucos programas direcionados para atender suas necessidades e
favorecer o seu desenvolvimento. Observa-se, inclusive, resistência à implementação
de um atendimento diferenciado ao superdotado, fruto de uma série de ideias falsas
sobre o mesmo... Uma dessas ideias é a supervalorização de fatores genéticos,
colocando-se em segundo plano, o papel do ambiente para o desenvolvimento de
habilidades e competências. Tal ideia seria responsável pela consideração do
superdotado como um privilegiado, que apresentaria recursos intelectuais inatos
superiores, considerando-se injusto e antidemocrático oferecer-lhe mais privilégios
sob a forma de participação em programas educacionais especiais, nos quais os demais
alunos seriam excluídos.(ALENCAR E. S., 2006, p. 2)
Esta perspectiva segue a linha teórica de produções internacionais, como em Davidson
e Cols (1996), que desenvolveram um estudo com crianças, que estavam aprendendo a tocar
instrumentos musicais e seus respectivos pais. O estudo indicou que os pais têm um papel
fundamental, em relação ao início e ao prosseguimento dos filhos, no treinamento musical,
durante o extenso período necessário ao desenvolvimento de um desempenho notável.
Estudos realizados pelos pesquisadores do D.F refletem sobre as características de
famílias com indivíduos superdotados (especialmente, em famílias, economicamente,
desfavorecidas) entre seus membros e suas diferenças em relação as demais famílias (sem
superdotados).
195
Estas características fornecem indícios, para que possamos compreender as AH/SD, a
observação de jovens talentosos, nas camadas populares, contribui, para que um novo olhar
sobre a relação da classe trabalhadora com a escolarização de seus filhos, seja produzido, os
autores dizem:
Observa-se uma grande dedicação das famílias aos filhos que apresentam
comportamentos superdotados (BLOOM, 1985; WINNER, 1998, 2000). Nestas
famílias, uma grande quantidade de energia é direcionada a tais crianças. Sacrifícios
– financeiros, sociais, educacionais e profissionais - em nome do filho são feitos, e os
próprios pais estimulam e participam do ensino da criança. Os pais ajudam a organizar
a rotina dos jovens, monitoram suas atividades e ajudam a superar eventuais
dificuldades.(SILVA P. V., 2008, p. 6)
Ainda, sobre as famílias das classes populares e seus impactos, na formação/constituição
de indivíduos talentosos, Fleith e Chagas (2009), indicam que alguns fatores são decisivos,
como o fato dos indivíduos superdotados, geralmente, serem primogênitos ou filhos únicos e,
assim, receberem maior atenção e investimentos dos pais, bem como, algumas características
em relação à educação dos filhos, que os aproxima da classe média, como afirmam as autoras:
Podemos concluir, com base em nossos resultados, que as famílias com e sem
superdotados diferem entre si, principalmente, com relação às práticas parentais em
termos de: (a) atenção centrada nos interesses e na vida acadêmica dos filhos; (b)
maior interatividade entre os membros da família, em termos da comunicação de
expectativas e tempo despendido em bate-papos; (c) envolvimento em atividades
conjuntas. Apesar das famílias investigadas viverem em ambiente socioeconômico
desfavorecido e terem genitores, com baixo nível de escolaridade, as famílias com
superdotados apresentaram características semelhantes às famílias de classe média,
no que diz respeito à prioridade atribuída à educação dos filhos.(FLEITH; CHAGAS,
2009., p. 10)
Como destacamos, um ponto marcante da produção científica dos pesquisadores
sediados, nas universidades do Distrito Federal, é o modo como as concepções teóricas das
AH/SDsão compreendidas e, incorporadas à produção acadêmica, em especial na forma como
a obra de Renzulli é entendida, com destaque para uma atenção, mais detida, sobre os aspectos
culturais ligados aos sujeitos, com AH/SD. Tal diferença na abordagem das teorias de Renzulli,
pode contribuir para a superação da invisibilidade, e se torna evidente no modo como Renzulli
é compreendido na pesquisa de Virgolim (2003, p. 5):
Uma vez superdotada, sempre superdotada. Aqueles que acreditam nesta falácia dão
pouca importância às condições do meio para o desenvolvimento da superdotação.
Muitos acreditam que a criança superdotada sempre terá sucesso na vida,
independentemente, das condições ambientais a que está sujeita”. (Renzulli, 1986,
apud Virgolim 2003, p.5)
Virgolimconfirma a situação, ainda, incipiente da produção acadêmica e de atendimento
aos sujeitos com AH/SD, indicando que tanto a superação da invisibilidade da produção
196
intelectual, como a produção de materiais voltados à formação dos professores, da rede básica
de ensino, caminham juntas no processo de superação da invisibilidade, a autora afirma:
No Brasil, publicações que enfocam a educação do superdotado ainda são escassas,
embora a necessidade de aumentar os serviços direcionados a esta população tenha
sido, repetidamente, assinalada. Diversos autores brasileiros (por exemplo, Alencar
&Fleith, 2001; Fleith&Virgolim, 1999; Maia-Pinto &Fleith, 2002) notam a
necessidade de se oferecer mais cursos direcionados para a educação do superdotado,
nas universidades brasileiras, de se aperfeiçoar a qualidade dos serviços oferecidos e
de se desenvolver mais programas, materiais e instrumentação para esta população.
(VIRGOLIM A. M., 2007, p. 1)
Tentando compreender os motivos da invisibilidade dos indivíduos, com AH/SD, em
um dos raros trabalhos nacionais, que se detém sobre o tema, Alencar e Fleith (2008),
questionam os docentes sobre os indicadores, que segundo estes dificultar-lhes-iam o
desenvolvimento de ações e atividades para o desenvolvimento da criatividade, com seus alunos
e, consequentemente, facilitariam a identificação de casos de AH/SD, em suas turmas.
Os principais fatores indicados foram: elevado número de alunos, em sala de aula, citado
por 51,4% dos participantes; seguido, respectivamente, por: alunos com dificuldades de
aprendizagem, em sala de aula, 47,3%; baixo reconhecimento do trabalho do professor, 43,8%;
desinteresse do aluno pelo conteúdo ministrado, 38,5%; escassez de material didático
disponível na escola,38,5%; extensão do programa a ser cumprido, no decorrer do ano letivo,
38,2%; presença de alunos indisciplinados que perturbam o trabalho docente, 35,7%.
As respostas dos professores trazem-nos dados que clarificam, os motivos indicados
pelos professores, para a invisibilidade. E por ultrapassarem as explicações de invisibilidade
baseadas nas hipóteses de: mitos, terminologia, falta de formação docente, contribuem para que
compreendamos que, dificilmente, os alunos com AH/SD serão atendidos, sem que os fatores
apontados pelos docentes sejam solucionados, e que as propostas para este educandos que
desconsiderem a escola como um todo, têm poucas chances de obter sucesso e tendem a ficar
restritas a uma pequena parcela, elitizada, da população.
Segundo Virgolim (1998), para que otalento criativo seja, corretamente,identificado,
estimulado e potencializado, emnossos jovens, é necessário atentarmos para o papel
fundamental da escola. E, finalmente, (CSIKSZENTMIHALYI, 1996, apud VIRGOLIM
1998), afirma que muitas pessoas são introduzidas, nas áreas deinteresse, por professores e que
são eles que, na maioria das vezes, estimulam a curiosidade,reconhecem as habilidades dos
alunos e começam a cultivá-las nas disciplinas.
Portanto, apenas, a partir de uma concepção de inteligência e, consequentemente, de
AH/SD, que reconheça e valorize aspectos sociais, no processo de desenvolvimento humano, é
197
que se pode pensar em modelos de identificação, que atribuam ao professor sua real importância
e contribuam para a superação da invisibilidade.
Finalmente, a produção acadêmica do Distrito Federal, ao apresentar reflexões sobre as
AH/SDque levam em conta a escola, e a educação, a partir de uma concepção mais ampla que,
apenas, os estudantes talentosos, traz-nos a abordagem que em nossa concepção contribuiria
(se, devidamente, explorada), decisivamente, para a superação da invisibilidade. Como
podemos verificar:
É necessário rever a estrutura da escola tradicional que tende a ser muito rígida,
exigindo do aluno o estudo de conteúdos idênticos em velocidades e estilos similares.
Observa-se uma enorme resistência em se promover esta mudança, uma vez que ela
exige uma nova postura, em sala de aula, e uma nova visão de ensino e aprendizagem.
E necessário, também, ampliar os objetivos propostos para o ensino. Uma ênfase
exagerada na reprodução e na repetição dos ensinamentos prevalece em muitos
países.(ALENCAR, 1993, p. 1)
Sobre o papel dos professores, na superação da invisibilidade das AH/SD e sua
capacidade de identificar os estudantes alto-habilidosos, ainda, que careçam de formação
inicial, nos cursos de licenciatura e, assim, contestando as teses simplificadoras, no
estabelecimento da relação invisibilidade-falta de formação,outra destacada pesquisadora, de
Brasília, alerta-nos:
Os professores do ensino regular, na percepção dos entrevistados, eram capazes
deidentificar as habilidades acima da média, contudo, não sabiam como atender ao
aluno. Além disso, o encaminhamento desses alunos para a sala de recursos ficou,
muitas vezes,prejudicado ou impedido pelo desconhecimento por parte dos
professores da existência doatendimento, pelos trâmites internos dos documentos, na
escola [...].(CHAGAS, 2008, p. 167)
Os trabalhos de Jane Farias Chagas, chegamos ao fator que é ignorado pela maioria das
pesquisas brasileiras sobre o tema: as desigualdades sociais e seu impacto na produção/detecção
de talentos. Enquanto, a maioria dos pesquisadores parece se contentar em dizer que as AH/SD
são verificadas, em todas as classes sociais, de modo e quantidade idênticos.Chagas
(2008),citando Ambrose (2006), indica-nos a importância de termos atenção para a forma como
se estrutura a sociedade, caso queiramos, efetivamente, combater o fracasso escolar e a
invisibilidade das AH/SD, nas escolas, explica a autora:
Ambrose (2006) chama a atenção para aspectos macrossistêmicos que influenciamna
criação e manutenção de oportunidades sócioculturais que promovem
odesenvolvimento do talento e das aspirações de jovens talentosos. Para o
pesquisador, ocontexto econômico, sócio-político e as ideologias das classes
dominantes exerceminfluência na mídia, na dimensão ética e nos sistemas
interpretativos e de valores de umasociedade. Esses fatores podem prover uma enorme
vantagem para o desenvolvimento dotalento de alguns indivíduos e se transformar em
uma barreira opressiva para outros.Ambrose (2006), também, ressalta que os
indivíduos talentosos oriundos deambientes com privação socioeconômica ou que
198
nasceram em comunidades segregadas ouestigmatizadas têm menor condições que
seus pares mais abastados de terem acesso aoportunidades sociais ou culturais. A
desigualdade social pode ser uma séria barreira aodesenvolvimento das aspirações,
talentos e sucesso, principalmente, em um mundoglobalizado altamente
competitivo.(CHAGAS, 2008, p. 169)
Por fim, Eunice Soriano Alencar destaca um fator que parece ignorado pela maior parte
das pesquisas brasileiras, sobre as AH/SD, constituindo-se em desafio complexo a ser superado,
que reside, na tendência dos estudantes em esconder suas habilidades:
Segundo Alencar (2007), a necessidade de ser aceito pelos pares faz com que muitos
alunos com altas habilidades optem por disfarçar o seu potencial intelectual superior
e passem a apresentar um rendimento acadêmico muito aquém de suas possibilidades.
(MARTINS C. S., 2010, p. 8)
Dentre os fatores para a invisibilidade, está o fato de que muitos alunos talentosos,
preferem esconder seu potencial para evitar chamar a atenção de professores e colegas sobre si
e, consequentemente, se expor a chacota ou exigências, uma vez que, sabidamente, no ambiente
escolar, os sujeitos que tendem a se destacar da maioria, seja por talentos ou dificuldades,
costumam ter problemas em sua integração, nos grupos de jovens.
4.9 - A Produção Acadêmica e a Invisibilidade das AH/SD
Como verificamos, ao longo da análise da produção intelectual brasileira, na área das
AH/SD, temos inúmeros trabalhos e pesquisadores que refletem sobre o tema, a partir de
concepções que, se aprofundadas, talvez, indicassem respostas para a invisibilidade.
Entretanto, ainda que ameacem um caminhar pelas perguntas, que responderiam à
questão da tendência em não identificar os talentos, a comunidade especializada, quase sempre
prefere respostas mais simples e segue martelando em teses, que seus próprios trabalhos refutam
e apresentam como insuficientes, como: a noção de mitos sobre as altas
habilidades/superdotação e falta de terminologia adequada, para explicar a invisibilidade.
No debate sobre os motivos da invisibilidade, existem alguns pontos clássicos da
compreensão dos especialistas, como: a falta de informação dos professores sobre o assunto; a
concepção de que há um conjunto de representações sociais sobre as pessoas com AH/SD, que
terminam contribuindo com a sua não identificação e atendimento.
A invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação está estreitamente
vinculada à desinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu
199
atendimento, à falta de formação acadêmica e docente e à representação cultural das
Pessoas com Altas Habilidades/Superdotação[...] . (FREITAS; PEREZ, 2011, p. 1)
Os estudantes com AH/SDsão invisíveis, inclusive, nos dados do Censo Escolar, que
tem por objetivo orientar as políticas públicas e distribuição de verbas, entre escolas e sistemas
de educação; neste, verifica-se que um número reduzido de estudantes estão cadastrados como
superdotados, no biênio 2008/2009, segundo Pérez e Freitas (2011), menos de 5.000 (cinco mil)
alunos constavam no Censo Escolar, como alunos com AH/SD.
É fato que os professores brasileiros, praticamente, não recebem formação sobre as
AH/SD, mas, um olhar atento sobre os cursos de pedagogia e licenciatura, irá nos indicar que
o rol de lacunas formativas dos professores é vasto.
Neste quadro, ter docentes que conhecem, ainda que, superficialmente, a Educação
Especial e sua legislação, é luxo raro. Não sendo as AH/SD especialmente prejudicadas no
cenário de tantas lacunas formativas de nossos docentes e gestores, mas ainda assim, parece
que os alunos com AH/SD e especialmente os pobres, sofrem de maior invisibilidade que os
demais temas da educação, os motivos desta situação podem dizer muito sobre nossa educação,
como um todo.
É fato que um conjunto de representações sociais sobre o indivíduo, com AH/SD,
repleto de equívocos está disseminado, na sociedade, e que, dentre estes enganos, a noção de
que estes sejam extremamente raros e pertencentes às classes, economicamente, favorecidas,
sejam alguns dos mais poderosos obstáculos ao atendimento dos estudantes talentosos.
Entretanto, não são os mitos isoladamente que produzem a invisibilidade, mas a própria
constituição e estrutura de nossa sociedade,que nega o pleno desenvolvimento intelectual e das
potencialidades humanas (sobretudo aos pobres), que produz as diferenças de resultados,
alimenta o imaginário social e finalmente constitui a invisibilidade.
As próprias teorias, que pretendem explicar os indivíduos superdotados como fruto do
acaso genético,terminam por contribuir para a ideia de que estes são pessoas (com AH/SD),
extremamente, raras e, agraciadas pelos dons divinos e genéticos. Afinal, não faria sentido a
existência da ideologia dos dons e aptidões naturais se estes não fossem raros.
Deste modo, a invisibilidade dos talentos (especialmente) entre os pobres passa,
obviamente, pela falta de informação e existência de representações equivocadas, mas, este
quadro fundamenta-se em estruturas sociais muito mais profundas.
O que verificamos, durante nossos trabalhos de pesquisa, com a bibliografia
especializada e com os professores da rede de ensino, que pesquisamos, é que os docentes
sabem, com muita clareza, quem são seus alunos mais talentosos,preocupando-se com o
200
desenvolvimento dos mesmos, em escolas com pouca estrutura. Também, se questionam sobre
o fato de darem pouca atenção a estes estudantes, mas, não associam estes rendimentos elevados
à casos de AH/SD.
A dúvida que os professores apresentam, com justiça, é: diante de uma escola tão ruim
e cada vez mais apressada e superficial, do ponto de vista do conhecimento, onde tantos alunos
fracassam e demonstram desinteresse pelos estudos, como saber se um aluno, que se destaque,
seja superdotado ou apenas alguém normal que estude? Além disto, confirmada a suspeita de
potencial elevado, o que fazer? Para onde encaminhar o estudante? O que lhe oferecer? Sozinho
e, e por vezes sequer contando como interesse de escolas e redes de ensino na questão. É neste
momento, que o professor, em geral, opta pelo silêncio, e termina por confirmar a invisibilidade
mesmo quando desconfie de algum caso.
Verificando que a própria forma como a produção cientifica sobre o tema convive com
sua própria invisibilidade. Precisamos analisar os locais onde preferencialmente os docentes se
formam e buscam informações sobre um tema.
CAPÍTULO V
A IMPRENSA E O ESTADO NA ABORDAGEM DAS AH/SD
Finalizada a análise dos impactos teóricos estruturais, na produção da invisibilidade, e
comorelacionavam-se com o problema da pesquisa, chegou o momento de analisar,
objetivamente, como a invisibilidade era produzida pelas estruturas objetivas da sociedade e,
neste sentido, dirigimo-nos ao trabalho de análise sobre o papel da imprensa nacional e das
ações do Estado brasileiro, na consolidação da invisibilidade das altas
habilidades/superdotação.
Como parte das hipóteses sobre a invisibilidade concentram-se nas perspectivas dos
indivíduos sobre o tema, seja pela falta de formação ou adesão aos mitos sobre a temática, que
produzem equívocos, entendemos que deveríamos nos ater à questões que deslocassem o foco
de análise dos indivíduos e jogassem luz sobre as estruturas que sustentam e explicam como
201
posicionamentos “individuais dos docentes” consolidam-se, ao ponto de tamanha hegemonia,
como no caso da invisibilidade, a qual se generaliza por todo o aparato educacional.
A trajetória, neste sentido, foi buscar as estruturas ideológicas do Estado e entender
como trabalhavam para a constituição da situação verificada.Portanto, entendemos que era
momento de analisar como, em primeiro lugar, a imprensa tratava a temática, contribuindo ou
não para o quadro de invisibilidade. Na sequência, seria a vez de avaliar como o Estado
brasileiro, por meio de sua ação, combatia ou fortalecia o quadro de invisibilidade, por
intermédio de suas políticas públicas, legislação, financiamento etc.
Diante da denúncia pela bibliografia especializada e constatação empírica, por meio da
pesquisa de campo, quanto à falta de formação específica dos docentes sobre o tema das altas
habilidades/superdotação, entendemos como fundamental analisar como o assunto era tratado
pela imprensa. Primeiro, porque se trata de um importante aparelho ideológico do Estado e
segundo, pois na falta de formação específica sobre o tema, seria razoável supor que parte das
concepções de docentes e do senso comum sobre o tema fossem produzidos ou, ao menos,
fortemente, influenciados pelas concepções veiculadas pela grande imprensa.
Neste ponto, destacamos a importância dos trabalhos de Althusser (1987), em que
analisa o papel da imprensa, como aparelho ideológico do Estado, no sentido de entendermos
como o discurso da mídia influencia, a formação do imaginário social, a respeito das pessoas
com altas habilidades. Acreditamos que a imprensa tenha papel decisivo, na forma como
gestores e professores compreendem a temática e, consequentemente, colabora para a
consolidação do quadro de invisibilidade.
Deste modo, no período de junho a dezembro de 2016, realizamos o levantamento de
artigos e reportagens veiculados, na imprensa, escritos sobre o tema das AH/SD, na década que
antecedia a pesquisa, nos dois jornais de maior circulação nacional e no jornal de maior
circulação na Baixada Santista, no período de janeiro de 2006 a fevereiro de 2016.
Cabe destacar que, neste período, tivemos a veiculação de matérias jornalísticas sobre o
tema, nas emissoras de televisão aberta do Brasil, sobretudo, nas redes: Record, Globo e
Bandeirantes e tais matérias dividiram-se em entrevistas, em programas como: “Encontro com
Fátima Bernardes”, da Rede Globo e matérias informativas veiculadas no jornal: “Fala Brasil”,
da Rede Record. Mas, por questões metodológicas, concentramos nossas análises, sobretudo,
na produção da imprensa escrita sobre o tema.
Como forma complementar nossa metodologia de análise, do tratamento da imprensa
sobre as AH/SD, procedemos, ao longo do ano de 2015, o levantamento das publicações do
Jornal “A Tribuna de Santos” sobre o assunto, no período que se estende entre os anos de 1960
202
e 1965. O objetivo de tal levantamento era verificar a ocorrência de permanências e alterações,
no tratamento jornalístico da temática, em momentos distintos da História brasileira. O período
escolhido deve-se ao fato de coincidir com o momento dos intensos debates sobre a primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, sendo também, anterior à publicação das
primeiras legislações e documentos oficiais sobre atendimento aos alto-habilidosos.
Objetivamos com esta fase da pesquisa a construção de um quadro geral relativo à forma
como o tema das altas habilidades/superdotação foi tratado pelos veículos analisados, bem
como, sua participação, na formação do imaginário sobre a temática, por meio da produção e
reprodução de ideologias sobre os talentos humanos, consequentemente, contribuindo com a
superação ou fortalecimento da invisibilidade.
Utilizamos como referenciais teóricos os trabalhos de: Capellato; Prado (1980) e Mota;
Capellato (1981) e, finalmente, Tucci; Kossoy (2003), que refletem sobre o uso dos jornais
como documentos históricos ea tradição da imprensa paulista oficial e clandestina, em sua
relação com as elites dominantes, sobretudo, a aristocracia paulista ligada aos barões do Café e
os setores da classe média e urbana paulista, servindo para a divulgação de seus ideais.
Desta forma, as matérias jornalísticas: reportagens, entrevistas e editoriais e os anexos
que ilustram as mesmas: fotos, tabelas, infográficos foram analisados como documentos que
merecem olhar crítico e profunda análise de seu conteúdo, evitando, assim, leituras que os
tratem como produção jornalística isenta e neutra em relação a ideologias, seguimentos sociais,
objetivos definidos e relacionados a contextos determinados.
Objetivamos com a análise da produção jornalística, verificar duas questões específicas:
a forma como o tema das AH/SD é tratado pela imprensa brasileira e como a questão da
invisibilidade é apresentada ao público. Verificamos, ao longo do levantamento, basicamente,
que a temática está ligada a três perspectivas: a denúncia da invisibilidade e “desperdício de
talentos”; materiais sobre o fracasso escolar, sobretudo, das redes públicas de ensino e,
finalmente, vasto material sobre indivíduos notabilizados pela produção de excelência, em tenra
idade, apresentados como prodígios, fortalecendo, a ideia de genialidade.
Tais constatações são verificadas, tanto na produção jornalística dos anos de 1960, no
jornal local analisado, por meio do acervo da Hemeroteca Municipal de Santos, como na
produção referente as primeiras décadas do Século XXI, acessadas por intermédio da rede
mundial de computadores, principalmente, pela ferramenta de buscas Google.
Não chega a ser difícil encontrar artigos e reportagens sobre as AH/SD, na grande
imprensa nacional. Com a hipótese, de que o discurso da mídia sobre o tema seria um poderoso
produtor do imaginário social, sobre as AH/SD, realizamos um levantamento, por meio do site
203
de buscas “Google”, do termo “superdotado + nome do veículo de comunicação”. No maior
jornal do litoral paulista, “A Tribuna de Santos”, bem como, nos dois maiores jornais de São
Paulo, ambos com circulação Nacional, os conhecidos: “Folha de São Paulo” e “O Estado de
São Paulo” e, também, nas páginas oficiais do MEC e da SEESP.
Rapidamente, a pesquisa começou a indicar inúmeras reportagens e artigos e chegamos
ao número de 35 (trinta e cinco) matérias, as quais tratavam das AH/SD.
No jornal “A Tribuna de Santos”, encontramos duas matérias de 2015, sobre o tema.
Na primeira, publicada em 03 de março de 2015, o jornal repercute uma matéria, dojornal“O
Estado de São Paulo”, sobre a oferta de um curso para professores, da rede municipal da Cidade
de São Paulo, realizado em parceria com a APAHSD. Na reportagem, consta a informação da
aprovação, em 2014, da lei municipal que visa garantir o atendimento aos alto-habilidosos.
Figura 0269: Fonte: A Tribuna de Santos, 03/03/2015.
Repercutindo matéria publicada no jornal, “O Estado de São Paulo”,“ATribuna de
Santos” não faz nenhum paralelo com a região, com a situação de atendimento destas crianças,
nas cidades da Baixada Santista.
69http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/professores-de-sao-paulo-terao-curso-para-
identificar-alunos-superdotados/?cHash=d7ff7d62ff54093648bf60416270d543, Consulta em 12/08/2016 às 13h.
204
A segunda matéria encontrada pelo site de buscas em“A Tribuna de Santos”, intitulada:
“Em São Paulo, há atividades extras para alunos que se destacam”, foi publicada em 06 de abril,
de 2015, praticamente, um mês após a primeira. Novamente, uma repercussão de matéria
publicada, pela “Agência de Notícias do Estadão”. A reportagem funciona como contraponto,
ao fato da matéria anterior ter apontado o atendimento ofertado, pela prefeitura de São Paulo.
Nesta oportunidade, são apresentadas as ações das escolas estaduais, neste sentido. Segundo a
reportagem, haveria uma gama de atividades oferecidas aos alunos, que se destacam e a
oportunidade de aceleração de estudos.Novamente, não há qualquer referência aos alunos da
região da Baixada Santista.
A Secretaria de Educação do Estado apresenta o número de alunos, com altas
habilidades/superdotação, cadastrados em seu sistema. Segundo a SEE-SP, são 1.041 (mil e
quarenta e um) alunos identificados, sendo que a própria matéria, do Estadão, indica que cerca
de 4 milhões de alunos pertencem à rede. Assim, teríamos apenas 0,025% da rede, identificada
com AH/SD, atestando, oficialmente, a invisibilidade.
Segundo a responsável pela área, da SEE-SP, o Estado já teria capacitado cerca de 5.000
(cinco mil) docentes, para a identificação e trabalho com estes alunos. Não bastasse o fato de,
em nossas conversas, com dezenas de professores da rede estadual, nunca termos encontrado
um único, que tenha participado de tal formação, chegamos a situação que, com 5.000 (cinco
mil) professores capacitados e cerca de 5.000 (cinco mil) escolas, na rede pública estadual,
temos 1 (um) aluno identificado, para cada 4 (quatro) professores qualificados e para cada 4
(quatro) escolas da rede, indicando que a invisibilidade é brutal.
Aindanesta reportagem, a SEE-SP, por meio de sua representante, afirma que os alunos
podem contar com aceleração de estudos, caso apresentem laudos comprobatórios de AH/SD,
contrariando a orientação do SECADI/MEC70 que diz, claramente, que não é necessário possuir
laudo, para atendimento e progressão de estudos, bastando avaliação, cuidadosa, dos
educadores, da escola envolvida. Na prática, diante das dificuldades que os pais encontram para
obter o tal “laudo”, a rede pública, sem negar a aceleração garantida em lei, termina por
inviabilizar, a sua existência.
Figura 0371:Fonte: A Tribuna de Santos, 06/04/2015.
70 Conforme orientação do ConBraSD, de 06/09/2013, no Oficio N°25/2013. 71http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/em-sao-paulo-ha-atividades-extras-para-
alunos-que-se-destacam/?cHash=8e5e981cd07c12c1f07a7a2671bc0e71, Consulta em 12/08/2016 às 13H.
205
É interessante verificar que a “Agência de Notícias Estadão” não possui uma forma
única de se referir aos alunos com altas habilidades/superdotação. Se na matéria de março, o
termo usado foi superdotados, na reportagem de abril, os termos escolhidos foram: altas
habilidades, talento, alunos acima da média, alunos que se destacam, apontando a dificuldade
em se definir o conceito partícipes da pesquisa.
Curiosamente, o jornal não fez referência à matéria que a “A Tribuna de Santos” havia
publicado, em 28/01/2013, com o título: “Eles são um prodígio. Quem nota?, na qual o veículo
de comunicação, em uma das raras vezes, que abordou o tema, entrevista Rosilma Roldan,
advogada, que havia realizado pós-graduação, lato-sensu, com foco no tema dos direitos, dos
alunos AH/SD. Nesta reportagem, o jornal entrevistou especialistas; questionou secretarias de
educação municipais, para constatar que não existem dados ou programas efetivos dedicados
ao atendimento destes alunos; relatou casos de pessoas que sofrem com a dificuldade de
integração social, devido aos interesses diferentes. Segue a matéria citada, que obtivemos,
durante nossos levantamentos, no arquivo da Hemeroteca Municipal de Santos:
Figura 0472:Fonte: A Tribuna de Santos, 28/01/2013.
72Material publicada no referido veiculo e acessada através de consulta a edição impressa, disponível no acervo da
Biblioteca Municipal de Santos, no volume Janeiro/Fevereiro de 2013.
206
Quando pesquisamos as matérias do jornal,“Folha de São Paulo”,para o termo
superdotação, encontramos quatro artigos publicados, sucessivamente, em: 23/01/2012,
25/12/2014, 18/10/2015 e 23/10/2015, não havendo devolutiva, para o ano de 2013.
A primeira matéria que encontramos na “Folha de São Paulo”, de 2012, é interessante,
pois a referência indicada pelo Google é da republicação de um artigo do jornal, pelo site oficial
da UDEMO, sindicato que representa os especialistas em educação, da rede estadual paulista e
que, basicamente, tem entre seus quadros, diretores de escolas e supervisores de ensino. A
reportagem publicada, no site, trata das disputas judiciais de pais de alunos identificados como
alto-habilidosos, com escolas/redes de ensino para que os mesmos tenham direito à aceleração
de estudos, o que a entidade chama de: “pular de série”.
Na matéria, são apresentados casos de crianças de escolas particulares, onde o impasse
quanto à aceleração terminou na justiça, com algumas sentenças favoráveis ao pleito dos pais.
O texto destaca, ainda, o fato das disputas em torno da aceleração causarem sofrimento às
crianças, que precisam trocar de escolas, vivenciando o conflito de pais e gestores de escolas.
É interessante que, neste caso, a reportagem esteja no site da UDEMO, pois trata de
assunto, claramente, ligado às atribuições dos gestores de escolas, que são parte importante das
decisões sobre o atendimento aos alunos com AH/SD. Tal publicação, em canal oficial, que
representa gestores na rede pública estadual, indica que a falta de conhecimento dos
profissionais da educação, como justificativa para a invisibilidade, nem sempre é verdadeira.
207
Figura 0573: Matéria publicada na Folha de São Paulo, 23 de janeiro de 2012. Repercutida pelaUDEMO.
A segunda matéria, da “Folha de São Paulo”, publicada em 2014, é um artigo da
colunista Mônica Bergamo, sobre um menino de nove anos de idade que tem arrancado elogios
de muitos maestros brasileiros. Jovem, estudando em escola pública e de origem humilde, este
é o traço mais comum do jornal ao tratar do tema, nestes casos, destacando a genialidade, na
matéria em questão.
73http://www.udemo.org.br/2012/Leituras/Leituras12_0002_Justica-adianta-super-dotados-na-escola.html ,
Consultado em 12/08/2016 às 22h.
208
Figura 0674: Folha de São Paulo, 25 de dezembro de 2014.
Uma breve descrição dos feitos e elogios recebidos pelo menino, um parágrafo sobre
seu virtuosismo, em meio a vida pobre e, finalmente, a dedicação dos pais. Em geral, nestas
situações, em que se destaca a genialidade, a escola não é apresentada como parte da construção
do talento e mesmo a família é colocada em segundo plano, ainda, que destaquem a dedicação
dos pais, a opção primeira é pela noção de dom. A jornalista em questão não utiliza o termo
superdotado, preferindo talento, típica posição, quando a virtuose ocorre em áreas ditas “não
escolares”.
Tais concepções são poderosas ferramentas ideológicas em defesa das aptidões naturais
e importante forma de construir um imaginário, entre docentes, de que o talento, quando existe,
revela-se, espontaneamente, não sendo necessários a identificação.
Finalmente, temos as duas matérias de 2015, estas, talvez, sejam as publicações mais
relevantes, da “Folha de São Paulo”, sobre o tema, destacando o crescimento no número de
identificações, de crianças com AH/SD, no Brasil, nos últimos anos. A jornalista afirma que o
número de superdotados, identificados, cresceu 17 (dezessete) vezes, nos últimos 14 (quatorze)
anos, indicando maior interesse e preparo de escolas e governos na temática.
A matéria originada, em sua sucursal carioca, segue um modelo clássico, para a
abordagem do tema, descrevendo casos de crianças consideradas precoces que encontram
dificuldades, em sua vida escolar. Na reportagem, ocorre a denúncia da pouca atenção recebida
74http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2014/12/1566879-aos-9-anos-violinista-ja-e-solista-
reconhecido-por-maestros-importantes.shtml? Consultado em 12/08/2016 às 22h.
209
por estes alunos, nos sistemas, com palavras dos especialistas e a necessidade de atendimento
especial e diferenciado para estes estudantes. Na sequência, a matéria apresenta quadros com o
número de superdotados identificados, no Brasil, segundo o MEC:
Figura 0775: Folha de São Paulo, 18/10/2015.
Figura 0876: Folha de São Paulo, 18/10/2015.
Na apresentação dos quadros, verificamos que os alunos com altas
habilidades/superdotação eram, praticamente, inexistentes, na rede escolar brasileira, até o ano
de 2000. Podemos constatar a tendência de crescimento, ao longo do século XXI, em parte,
como fruto da maior pressão de setores da sociedade civil, em especial, por meio de associações
de pais e do ConBRaSD, com destaque para crescimentos consideráveis, a partir dos anos de
2006/2007, momento em que são publicadas normativas, do Ministério da Educação sobre o
75http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/10/1695370-numero-de-superdotados-cresce-17-vezes-em-14-
anos-nas-escolas-do-pais.shtml , Consultado em 12/08/2016 às 23h. 76 Idem.
210
atendimento a este público e data da criação dos NAAH/S, para o atendimento aos alunos
identificados como alto-habilidosos/superdotados.
Outras duas reportagens, isoladas, a destacar são: as apresentações de programas sobre
superdotados, no programa “Encontro com Fátima Bernardes”77, exibido, em 30/05/2013, no
qual a presidente do ConBraSD, profa.dra.Suzana Graciela Pérez, tentou explicar as altas
habilidades/superdotação aos telespectadores, em meioaos muitos comentários do senso
comum, tanto da apresentadora, como de seus convidados. Pérez desdobrava-se para tentar
esclarecer o público.
Em matéria apresentada pela Rede Record, no “Jornal Fala Brasil”78, traz de ações da
prefeitura do Rio Janeiro para atendimento de crianças com AH/SD, em sua rede de ensino.
Mais uma vez, são apresentados os casos de superdotação e suas características, os programas
de atendimento e necessidades especiais destas crianças, bem como, algumas crianças, com
AH/SDsão entrevistadas ou desenvolvem suas atividades, diante das câmeras.
Na reportagem, crianças dão entrevistas sobre o atendimento que recebem e as oficinas
que participam, relatando gostar e demonstrando muito interesse. Todos os entrevistados são
alunos do sexo masculino e crianças brancas, indicando, mais uma vez, que a forma como a
identificação ocorre, assemelha-se a quase tudo, no Brasil, pois é permeada pela tradição de
exclusão das populações negras e das mulheres.
A reportagem mostra um interessante programa, que coloca o Rio de Janeiro bastante
à frente de São Paulo, que é a pratica de levar alunos considerados acima da média para realizar
trabalhos junto aos professores da UFRJ.
Na Universidade, desenvolvem habilidades relacionadas a programação em
computadores e na área de jogos digitais. Não cabem dúvidas, quanto as vantagens de um jovem
poder circular e conviver no ambiente acadêmico, de alta qualidade, como o da UFRJ.
Entretanto, cabe a reflexão quanto ao efeito que trabalhar junto a pesquisadores renomados e
em laboratórios, bem equipados, de grandes universidades, traria, a maior parte dos
alunos,benefícios de aprendizado, motivação e produção de sentido para os estudos, deixando
assim, dúvidas, se apenas alto-habilidosos se beneficiariam de uma estrutura de excelência,
como a da UFRJ, para o desenvolvimento do potencial. Consideramos que os benefícios seriam
prováveis em todos os estudantes que tivessem acesso a tal oportunidade com ou sem AH/SD.
77https://globoplay.globo.com/v/2604844/, Consultado em 13/08/2016 às 20h. 78http://noticias.r7.com/fala-brasil/videos/escolas-do-rio-de-janeiro-tem-12-mil-alunos-com-superinteligencia-
15102015,Consultado em 13/08/2016 às20h.
211
Ao longo de ambas as matérias, termos como: “superinteligência”, “inteligência acima
da média” e “gênios” são utilizados por repórteres e apresentadores, indicando,
reincidentemente, dificuldade em estabelecer uma terminologia, que consiga apresentar tais
educandos, situação que se repete nas entrevistas, questionários e conversas com professores.
Destacamos as reportagens, para desmistificar a noção de que o assunto seja trancado a
sete chaves e, portanto, distante do professorado e do grande público. O fato de ser apresentado,
em grandes veículos de comunicação, ainda que, raramente, indica que o tema gera interesse
na sociedade e não é, invisível.
A busca no site de buscas Google, do termo “superdotado” associado ao jornal “O
Estado de São Paulo”, trouxe como resposta a existência de 09 (nove) artigos sobre o tema,
datados entre os anos de 2006 a 2015, cobrindo, em termos gerais, a última década, de modo
que, podemos considerar a existência de publicações, anuais, sobre a temática, no jornal.
Com longa tradição de ligação com a elite paulista, desde os períodos da república velha
e fortes vínculos com o governo do Estado, as publicações do Estadão, sobre o tema,
reproduzem, geralmente, as informações da SEE-SP. E, como vimos, no caso de “A Tribuna
de Santos”,muitas das matérias produzidas pela sua agência de notícia serão republicadas pelos
jornais regionais, do Estado de São Paulo e do país.
As matérias publicadas pelo jornal, neste período, são as seguintes: “Projeto da UNESP
identifica estudantes superdotados”79, de 31/06/2015;“São Paulo descobre suas crianças
superdotadas80,de 20/10/2007; “Cresce número de alunos superdotados, mas acesso a ensino
continua restrito81, de 05/06/2010; “Superdotados na rede pública”82de 17/09/2007;“MEC
destina R$ 2 Milhões para atender alunos superdotados”83,de 16/01/2006;“Professores de SP
terão curso para identificar alunos superdotados”84, de 03/03/2015;“Infância de
79http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,projeto-da-unesp-identifica-estudantes-superdotados,1735507 ,
Consulta em 13/08/2016 às 20h 80http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/geral,sp-descobre-suas-criancas-superdotadas,68231, Consulta em
13/08/2016 às 20h 81http://www.estadao.com.br/noticias/geral,cresce-n-de-alunos-superdotados-mas-acesso-a-ensino-continua-
restrito-imp-,561821, Consulta em 13/08/2016 às 20h 82http://www.estadao.com.br/noticias/geral,superdotados-na-rede-publica,53107,Consulta em 13/08/2016 às 20h. 83http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-destina-r-2-mi-para-atender-alunos-
superdotados,20060116p65732, Consulta em 13/08/2016 às 20h. 84http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,professores-de-sp-terao-curso-para-identificar-alunos-
superdotados,1643550, Consulta em 13/08/2016 às 20h.
212
superdotado”85,de06/03/2009;“Superdotados: pequenos notáveis”86,de 30/10/2007, e
finalmente, “Dilma sanciona lei que cria cadastro de alunos superdotados”87,de 30/12/2015.
Olhandocom atenção, verificamos que os artigos concentram-se em determinados
períodos, como o biênio 2006/2007 e o ano de 2015, temporada marcada por ações estatais, no
sentido de atender ao público com AH/SD. Desta maneira, o jornal repercute e avalia ações dos
governos para a área e, mais uma vez, não se pode dizer que se trate de tema invisível, uma vez
que aparece, com alguma regularidade, ainda, que pequena, em um veículo de grande
circulação.
Comecemos com os artigos mais recentes: “Projeto da UNESP identifica estudantes
superdotados”88, de 31/07/2015;o jornal apresenta um projeto desenvolvido, na cidade de
Marília, para identificação e atendimento de alunos superdotados, por meio de uma parceria
estabelecida entre: UNESP, Diretoria de Ensino da região e Secretaria de Educação da referida
cidade. A reportagem relata que mais de 70 (setenta) alunos obtiveram resultados de Q.I., acima
da média, sendo que, 11 (onze) foram considerados superdotados. De acordo com a reportagem,
o teste utilizado é o teste WISC, teste psicológico bastante popular, na área das AH/SD e o
objetivo do projeto é identificar “futuras mentes brilhantes”. A reportagem utiliza os termos
superdotados e mentes brilhantes, mas, na matéria, a representante da SEE-SP tenta
desmistificar a ideia de necessidade de genialidade para participar do programa.
Ainda, em 2015, foi publicada a matéria: “Dilma sanciona lei que cria cadastro de
alunos superdotados”89,de 30/12/2015, que trata do projeto de lei, de autoria do deputado
Marcelo Crivella/RJ, que institui a obrigatoriedade da criação de um cadastro nacional de
alunos superdotados, sendo sancionado pela presidente Dilma, nos últimos dias de 2015.
Segundo a matéria, esta seria uma medida inicial, no sentido de garantir atendimento aos alunos
com AH/SD. A reportagem indica que o número atual, de alunos identificados com altas
habilidades/superdotação, gira em torno de 13.000 (treze mil), sendo bastante inferior ao real
potencial de alunos, que a rede de ensino brasileira teria, apontando a invisibilidade.
Cabe destacar, que não há no projeto de lei, definição, quanto ao modelo de
identificação, bem como, profissionais especializados, nem dotação orçamentária, para este
85http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,infancia-de-superdotado,334275, Consulta em 13/08/2016 às 20h. 86http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/comportamento,superdotados-pequenos-notaveis,72888, Consulta em
13/08/2016 às 20h. 87http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-sanciona-lei-que-cria-cadastro-de-alunos-
superdotados,10000005952, Consulta em 13/08/2016 às 20h 88http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,projeto-da-unesp-identifica-estudantes-superdotados,1735507 ,
Consulta em 13/08/2016 às 20h. 89http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-sanciona-lei-que-cria-cadastro-de-alunos-
superdotados,10000005952, Consulta em 13/08/2016 às 20h.
213
trabalho. Não temos previsão de gestão do cadastro e atendimento aos alunos que,
eventualmente, sejam identificados; significando pouca conquista, na prática, oferecendo
poucas informações aos gestores e professores, que estejam interessados no assunto, também,
a matéria ter sido encaminhada por Crivella indica como, às vezes, as ações originam-se nos
setores mais conservadores da sociedade, o que gera resistência ao tema.
A última matéria, de 2015, trata da oferta de um curso de capacitação para professores,
da Rede Municipal de São Paulo, sobre AH/SD, oferecido, em parceria, com a APAHSD. A
formação ofereceu 80 vagas aos docentes interessados, sendo uma medida, em resposta, à
criação da lei municipal n°15.919, de 2014, que garante atendimento educacional especializado,
aos alunos com AH/SD, da rede municipal de ensino.
No período de 2006/2007, tivemos algumas matérias sobre o tema, em boa parte, como
no caso da “Folha de São Paulo”, devido à criação pelo MEC dos NAAH/S, visando ao
atendimento de alunos com AH/SD. A reportagem que destacamos é:“SP descobre suas
crianças superdotadas”90,de 20/10/2007,em que se aponta uma iniciativa pioneira da
APAHSD, em buscar a identificação de alunos superdotados, nas escolas públicas, da periferia
de São Paulo. Segundo o aporte, muitos alunos de famílias pobres foram identificados como
potenciais talentos. A diretora da Associação destaca, ainda, a necessidade de romper com os
mitos de genialidade e a imprescindibilidade de suporte do poder público a estas crianças.
Ainda em 2006/2007, temos matérias sobre a destinação de 2 milhões de reais, pelo
Governo Federal, para a criação dos Núcleos de Atendimento às Altas Habilidades e
Superdotação (NAAH/S). A reportagem ressalta o número reduzido de crianças identificadas,
diante do potencial de cerca de 5% da população, possivelmente, com alguma habilidade acima
da média. O texto salienta a dificuldade de professores em fazer a identificação e atendimento
aos alunos, devido à falta de formação na área, alertando para o perigo destes talentos “se
perderem”, caso não sejam auxiliados.
Na reportagem: “Superdotados: pequenos notáveis”91,de 30/10/2007, notamos um
diferencial, em relação às matérias anteriores, que são voltadas a divulgar ações
governamentais, sobre o tema. Esta reportagem é dirigida aos pais, sendo didática e contando
casos de prodígios. A publicação utiliza-se de conhecimentos do senso comum e apesar de
didática, acaba divulgando mitos sobre o assunto, destacamos alguns pontos:
90http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/geral,sp-descobre-suas-criancas-superdotadas,68231, Consulta em
13/08/2016 às 20h. 91http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/comportamento,superdotados-pequenos-notaveis,72888, Consulta em
13/08/2016 às 20h
214
Para todo pai coruja, seu filho é sempre genial. Se o bebê resmunga, supõe que ele já
está apto a falar qualquer palavra e desenvolver teorias dignas de um cientista, como
Albert Einstein. Ao dedilhar as teclas do piano, desordenadamente, parece estar
gabaritado a tocar qualquer sonata de Beethoven. Caso faça um rabisco de um objeto
não-identificado, na parede, pode ser considerado o sucessor de Leonardo da
Vinci. [...]é preciso ser realista: soltar um ‘mamá’, quase quebrar o instrumento
musical, ou desenhar árvores não são sinais de genialidade. Há uma turminha, porém,
capaz de surpreender qualquer marmanjo. Chamados de superdotados, eles têm o dom
de aprender - quase tudo - precocemente. Música, Matemática, Física, Língua
Portuguesa, Artes plásticas. Não importa a matéria, eles sempre tiram a nota mais
alta.92
Neste trecho, a confusão entre genialidade, superdotação, pequenos notáveis, a noção
de dom, sabe-tudo, indica um amontoado de conceitos equivocados, que colaboram, ainda mais,
para complicar o entendimento de pais e professores sobre o tema.
A ideia de crianças com dons para aprender tudo, de Artes à Física, é bastante errônea,
bem como, a fala de que não importando a disciplina, as notas das crianças, com AH/SD, serão,
sempre, as mais altas. Tais concepções acabam reforçando o imaginário dos gênios, o que,
muitas vezes, impossibilita o professor de notar o aluno.
Finalmente, “O Estado de São Paulo”, traz uma matéria, de 2010, indicando que há um
crescimento, consistente, no número de alunos, com AH/SD, identificados no Brasil. Apesar
disso, afirma que, ainda, é pequena a proporção de identificações, quando comparada ao
potencial indicado por pesquisadores, confirmando a perspectiva de invisibilidade.
O histórico de publicações destes veículos de informação indica que, apesar do pequeno
número de matérias especializadas no tema, não podemos dizer que o mesmo seja invisível à
mídia. Por outro lado, a tendência das matérias em cobrir ações governamentais, na área, aponta
que sem uma orientação organizada, como política de Estado, avanços serão difíceis, ainda que
conte com boa vontade de pesquisadores, professores e familiares.
O que podemos confirmar, por meio da análise das publicações, é que há uma constante
denúncia do número reduzido de alunos identificados e, também, da falta de formação docente.
Diante do tratamento esporádico conferido ao tema, pelos grandes veículos de informações,
seus alertas e discursos soam vazios e pouco reverberam, nos meios educacionais brasileiros.
Pensamos que a parte mais importante da construção do imaginário sobre a temática, por meio
da grande imprensa, não ocorra, exatamente, via matérias, diretamente ligadas ao tema.
92idem.
215
5.1 - A Construção do Mito da Genialidade e de “Dom”
“GENIALIDADE, grau superior de talento ,que manifesta-se em elevada criatividade,
tendo extraordinário significado histórico para a vida da sociedade. A genialidade
pode surgir nas mais diversas áreas da criatividade humana - ciência, arte, tecnologia,
política. A genialidade distingue-se do Talento, principalmente, pelo nível e
características da sua obra: os gênios constituem-se em “pioneiros” de uma nova
época histórica em seu campo. [...]A questão da origem hereditária da genialidade não
pode, do mesmo modo, ser considerada definitivamente esclarecida. [...]A genialidade
representa, assim, toda uma teia de questões biológicas, psicológicas e sociais, ainda
distantes de estarem resolvidas pela ciência, com a devida clareza e plenitude. [...]
Condições econômicas e sociais favoráveis podem concorrer para um excelente
aproveitamento dos talentos inatos. Se a hereditariedade torna possível a genialidade,
somente o ambiente social concretiza esse potencial, e cria o gênio. Toda grande
descoberta, invento ou qualquer manifestação de criação genial, é preparada por todo
o curso prévio do desenvolvimento, condicionada pelo nível cultural da época, suas
necessidades e imposições. “Os talentos surgem em toda parte e a todo momento,
onde e quando existem condições sociais favoráveis ao seu desenvolvimento. Isto
significa que todo talento surgido na realidade, isto é, todo talento tornado força social,
é fruto das relações sociais”( VYGOTSKY apud DELOU & BUENO, 2001, p. 2)
Entendemos que o grande trabalho de construção do imaginário dos professores, sobre AH/SD,
por meio da imprensa, não ocorra, apenas, quando os grandes veículos de comunicação tratam,
diretamente, do tema superdotação. Como já havíamos destacado, a formação das concepções
dos professores e da população, de um modo geral, percorre outros caminhos, como por
exemplo, quando se associa a escola pública, apenas, às experiências de fracasso, disseminando,
todo o tempo, a noção de que a escola pública é, naturalmente, destinada ao malogro, assim,
temos poucas chances de que professores imersos, neste imaginário, considerem possível a
existência de alunos com AH/SD.
Um outro caminho que consideramos preocupante, na difusão de ideologias, que afetam
a identificação dos estudantes mais talentosos, ocorre por matérias e artigos jornalísticos, que
mesmo não tratando de superdotação, trabalham para ressaltar casos de supostos gênios
encontrados na sociedade.
Se as altas habilidades e a superdotação são temas pouco presentes, entre os interesses
da imprensa, o mesmo não ocorre com os casos de notícias que destacam histórias de “gênios”,
relatos de “crianças precoces”, jovens prodígios com talentos musicais, atléticos, artísticos,
alunos medalhistas, em olimpíadas de Matemática, Redação, Física, Artes, Ciências, História
etc. Não faltam folhas, tinta e caracteres, de grandes portais de internet, para jovens e crianças
com grandes façanhas: seja aos medalhistas, jovens cientistas, aos aprovados em universidades,
sem ter idade para cursar o ensino superior, ou aqueles que se desempenham, notavelmente, nas
avaliações como: Prova Brasil, ENEM, Olimpíadas de Matemática, Física, Astronomia etc.
216
Dentre os temas citados, os preferidos dos grandes jornais e sites de informação são
aqueles que apresentam alunos que obtêm resultados de excelência, nos exames vestibulares.
São centenas e até milhares de matérias, destacando algum aluno que tenha sido aprovado, em
uma universidade dos Estados Unidos (mais novo fetiche da classe média, de grandes cidades),
ou ter obtido um primeiro lugar na: USP, UNICAMP, UNESP; ser aprovado em Medicina, em
grande instituição, coloca qualquer um na condição de possível entrevistado, para explicar os
segredos do sucesso.
Defendemos a hipótese de que parte considerável do que professores, gestores, pais e
alunos pensam sobre as AH/SD deva-se às reportagens, que abordam tais resultados
conquistados por indivíduos. Todos os anos, no período de janeiro/fevereiro, quando saem os
resultados do ENEM/VESTIBULAR, existe um verdadeiro bombardeio relacionado a tais
indivíduos e seus resultados.
De um modo geral, estas reportagens apresentam as façanhas esportivas, artísticas,
científicas ou, simplesmente, a aprovação em exames vestibulares, como a comprovação cabal
de que os indivíduos possuem aptidões naturais, que os destina na vida, conforme suas
capacidades. Quase sempre, entrevistam jovens que relatam ter uma “vida normal”, apesar dos
resultados obtidos, ou seja, estes namoram, fazem esportes, viajam, vão ao cinema, usam redes
sociais, apesar, de terem sido aprovados nos cursos de medicina.
As muitas horas de estudo/treino/dedicação do estudante, o investimento de tempo,
dinheiro são desconsiderados. O fato de ter pais, com formação na área, onde a criança obtém
sucesso, também, não costuma ter importância.
Por vezes, temos reportagens de crianças pobres, campesinas, com pais pouco
escolarizados e, preferencialmente, analfabetos, sempre oriundos de escolas públicas, que
alcançam resultados de destaque, em competições nacionais e internacionais de Ciências,
Matemática, Robótica, Física, Redação, História, ou obtêm a aprovação, entre os primeiros
colocados, nos exames vestibulares. Sempre que isto ocorre, é destacada a noção de “dom”,
como forma de explicar um sucesso, em uma realidade social tão adversa.
Tais perspectivas reafirmam a noção de que os resultados obtidos pelos indivíduos
sejam fruto de dons pessoais e que se manifestam, independentemente, de classe social, gênero,
etnia, localização geográfica, formação dos pais ou, finalmente, da escola e dos professores.
A difusão desta ideologia, que se apoia na noção de que o sucesso ou fracasso de cada
um depende, basicamente, da posse ou não de “dons” (genéticos ou divinos), termina criando,
nos professores, a ideia de que não cabe à escola a busca por tais alunos, pois, uma vez que
sejam, verdadeiramente, talentosos, saberão a melhor forma e momento, de dar vazão as suas
217
altas capacidades. Tal concepção, além de equivocada, acaba tendo papel decisivo, na tendência
das escolas públicas e seus profissionais em não identificarem e atenderemseus alunos
talentosos.
Como forma de observarmos tal situação, destacamos duas matérias, do jornal “Folha
de São Paulo”, publicadas nos anos de 2015/2016, intituladas: “TRIgênias: filhas de
agricultores, irmãs do interior do Espírito Santo, ganharam medalha de ouro e são as melhores
do estado em olimpíada de matemática”, de 12/06/2015, num domingo, no caderno Cotidiano.
E, “Atleta de Cálculos, ouro em matemática sem desprezar humanas, jovem de 14 anos estuda
para competição mundial”, publicada em 21/02/2016, também, no caderno Cotidiano, em um
domingo.
Na primeira matéria93 é apresentado o caso de Fabia, Fabiele e Fabíola, irmãs trigêmeas
e filhas de pequenos agricultores, em uma cidade do interior do Espírito Santo, Santa
Leopoldina, que obtiveram três medalhas de ouro na OBMEP, de 2014. A matéria destaca a
raridade do fato, de três irmãs conseguirem tal feito e, ao mesmo tempo, salienta falas dos pais
das meninas, afirmando não saberem de onde vem tamanha capacidade. Destacamos uma fala
da mãe, das jovens: “Não sei de onde vem essa capacidade das meninas, mas a gente fica muito
feliz e orgulhosa”. Ao longo da reportagem, fica evidente a noção de genialidade.
93http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/07/1654708-trigenias-filhas-de-agricultores-do-es-se-tornam-
campeas-de-matematica.shtml, Consultado em 15/08/2016 às 22H.
218
Figura 09: Folha de São Paulo, 12/07/2015. Figura 10: Folha de São Paulo, 12/07/2015.
Um olhar mais atento indica que processos, bastante complexos, levaram as irmãs a tal
desempenho; seja a vida difícil da família, que fez com que um dos irmãos fosse obrigado a
deixar os estudos, para trabalhar no campo com os pais e garantir o sustento; e que as trigêmeas
fossem criadas pela irmã mais velha, Flávia, que foi a primeira pessoa de sua cidade a cursar o
ensino superior e, atualmente, faz doutorado. É importante verificar como o sentido de gratidão
ao esforço familiar, o peso de um irmão mais velho, experiente e capaz de transmitir motivação
e capital cultural influenciam na formação de altas habilidades.
Outro fator relevante, as meninas precisaram tentar a medalha, ao longo de quase todo
o ensino fundamental II, forcejando em 2011, 2012, 2013, para a obtenção do resultado, em
2014, apenas. Neste ínterim, uma das irmãs conseguiu uma vaga, em um programa de iniciação
científica júnior, onde, mensalmente, estudava matemática avançada, com outros alunos, na
capital do estado, Vitória. Fabíola, a irmã que fazia o PIC, passava o material as outras irmãs e
juntas estudavam.
Não podemos desconsiderar o fato de que os pais, apesar de pequenos agricultores, com
pouca escolarização, já tinham alguma experiência em investir na escola, como forma de
ascensão social. Também, vale destacar, o fato da filha mais velha estar na universidade, bem
como, o incentivo e experiência desta irmã, incluindo a disposição familiar, ao permitir que a
filha frequentasse as aulas, na capital.
219
Cabe ainda destacar, que o fato de ter duas irmãs cursando a mesma série/ano e, assim,
estudando os mesmos conteúdos, acaba gerando relações de competição, solidariedade e troca
de conhecimentos capazes de estimular o crescimento e melhorar os resultados. No ano de 2013,
pela primeira vez, todas as irmãs tiveram direito a cursar o programa de iniciação científica,
ofertado na Universidade Federal do Espírito Santo, recebendo a bolsa de R$100 (cem reais),
projeto com risco de ser encerrado pelo corte de investimentos do governo federal. Podemos
imaginar, que neste ponto, a trajetória das meninas já estivesse se tornando algo intencional;
seria razoável supor que os pais vissem, com orgulho, as filhas estudando duro, ganhando
dinheiro e indo para a capital. A esta altura, a escola e os professores viam, nas meninas, talentos
que poderiam render prêmios ao colégio. A professora das meninas, no ensino fundamental,
oferece mais uma pista do caminho para o sucesso; ela teria conseguido, com que mais 4
(quatro) de seus alunos, além das trigêmeas, conquistassem medalhas na OBMEP; verificamos
assim, o papel de um docente que, intencionalmente, passe a estimular o estudo e a participação
dos alunos, em tais eventos. Por fim, temos duas informações essenciais, a irmã mais velha, o
“modelo”, havia, também, obtido uma menção honrosa na OBMEP, em 2007, indicando a
existência de capital cultural a ser transmitido às meninas, acrescendo o fato de que estas
haviam sido aprovadas no exame de seleção, para cursar o ensino médio, no IFES. Assim, as
três irmãs passaram a cursar o curso técnico, em agronomia, vivendo distante da família.
Histórias como esta poderiam nos indicar e ensinar os caminhos, pelos quais se
constroem os sentidos para o estudo e dedicação, que podem produzir e gerar talentos e
resultados dignos, de serem considerados altas habilidades/superdotação, mas a forma como
são apresentadas, reforçam uma noção simplista de que herdamos nossas capacidades
intelectuais, geneticamente, ou as recebemos por dons divinos. Contribuindo para que
professores passem a acreditar que não têm responsabilidade pelo desenvolvimento e
aprimoramento dos talentos.
A segunda matéria, “Atleta de Cálculos”94, publicada na “Folha de São Paulo”,em
21/02/2016, que apresenta o caso da gaúcha, Mariana Groff, de 14 anos, que acumulou, em sua
carreira de estudante, 11 medalhas em olimpíadas nacionais, na área de exatas e se prepara para
compor a seleção brasileira, na Olimpíada Internacional de Matemática, que realizada em 2017,
pela primeira vez, no Brasil.
Novamente, a chamada da matéria e resumo apresentado, no infográfico, trata de
mostrar os resultados obtidos como algo espetacular e acaba reafirmando a ideia de genialidade.
94http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/02/1741518-medalhista-de-matematica-gaucha-de-14-anos-
estuda-para-mundial.shtml, Consultado em 15/08/2016 às 22H.
220
No decorrer da reportagem, os indícios que devem ser buscados, na biografia dos
sujeitos, como forma de compreender suas capacidades acima da média, vão surgindo. A jovem
Mariana descreve sua história dizendo que sempre gostou de estudar, ainda que, Matemática
não fosse uma paixão; destaca o fato de uma professora, do quinto ano, ter percebido seu
potencial e proposto que a mesma acelerasse uma série, “pulando” o sexto ano. A aluna
medalhista relata que sua escola recusou-se a realizar a aceleração, obrigando-a buscar outra
escola.
Aos 12 anos, outra professora lhe inscreveu para a sua primeira olimpíada de
Matemática, na qual obteve medalha de ouro, relatando que necessitou de muitos estudos, aos
finais de semana. Há o destaque da aluna para um ponto importante, que foi a entrada na
universidade, por meio de sua aceitação, como ouvinte, em um curso de lógica de programação,
na Universidade Federal de Santa Maria, onde se encontra um dos maiores centros de pesquisa,
em AH/SD, coordenado pela profa. Dra. Soraia Napoleão de Freitas, que realiza formações
junto aos professores e escolas, para a identificação e trabalho com crianças com este perfil.
Pensamos ser razoável supor que a existência do grupo de pesquisa tenha, de algum modo,
ajudado Mariana, uma aluna do ensino fundamental, a ser aceita como ouvinte, na disciplina.
Somam-se aqui, o papel de sistemas de ensino preparados e professores atentos ao
reconhecimento do talento, sejam as professoras do ensino fundamental ou os trabalhos dos
docentes da UFSM.
Ganhadora de 11 medalhas, em olimpíadas nas áreas de: Matemática, Química,
Astronomia e Física, a educanda apresenta-se motivada e encontra prazer pela competição,
tendo consciência de que sua situação é diferente, devido ao fato da maioria das medalhas
ficarem com os rapazes.
Ainda discutindo o papel do sentido (significação), na constituição das habilidades
humanas, devemos notar, que ao começar a acompanhar as aulas na UFSM, a menina precisava
se deslocar quase 300 km, de sua cidade Frederico Westphalen até a Universidade, viajando
mais de 6 horas, semanalmente, indicando o tipo de investimento de capital econômico e tempo,
que apenas famílias capazes de reconhecer nesta investidura, “sacrifício”, com possibilidade de
reversão em benefícios, poderiam fazer, ficando a percepção que, dificilmente, famílias pobres,
da classe trabalhadora, pudessem custear tais esforços, sem ajuda de um professor, “padrinho”.
A “atleta dos cálculos” destaca o apoio dos pais e afirma que as conquistas de medalhas
estimularam-na a deixar sua cidade natal, para viver em Porto Alegre, quase 500 km distante
de sua casa, onde cursa o ensino médio, em um colégio militar. Sua trajetória, também, inspirou
a irmã mais nova que, aos 11 anos, já ganhou medalha na OBMEP, indicando que muitos
221
fatores, para além da simples genialidade, envolvem um caminho de sucesso: professores
atentos, estudo sério e dedicado, escolas que notem e estimulem os alunos, a parceria com as
universidades, o apoio familiar, a posse de capital cultural e econômico suficiente, o ingresso
em escolas de qualidade etc.
Tais publicações são importantes, pois sendo parte de poderosos veículos
decomunicação, são capazes de difundir ideologias a respeito das AH/SD, entre formadores de
opinião, sobretudo, entre trabalhadores da educação, modelando o imaginário dos professores
sobre o tema, afinal, ao apresentar apenas o dado bruto (a conquista de ótimos resultados), sem
maiores explicações quanto ao papel de escolas e professores, a participação das universidades,
bem como, do capital cultural e econômico dos pais, as reportagens fortalecem as noções de
dom e aptidão natural, que de um modo geral, permeiam o imaginário educacional e o senso
comum e podem cumprir papel decisivo, na forma como o fracasso escolar é justificado,
corroborando, também, na invisibilidade dos talentos.
5.2 As AH/SD no Portal Oficial da SEE-SP
Como forma de avaliar a maneira como a questão das AH/SD são apresentadas, nos
canais oficiais de comunicação, do Estado de São Paulo, realizamos busca no site da Secretaria
de Educação do referido estado. O objetivo da busca foi verificar como a temática era
apresentada, pelo canal oficial de comunicação, da maior rede de ensino público do Brasil e de
onde a maior parte dos jornais, de circulação nacional, retiravam as informações para a
abordagem da questão. Verificamos, que muitas vezes, as reportagens encontradas nos jornais
e agências de notícias não passavam de repercussões de textos oficiais, publicados pela SEE-
SP. Sobre o atendimento às AH/SD, na rede estadual paulista até 2005, (CAPELLINI, 2005),
em pesquisa realizada na diretoria de ensino, da região de Bauru, com mais de 39.000 (trinta e
nove mil) alunos, indica-nos:
Os dados obtidos nesta pesquisa parecem indicar que o sistema estadual da educação
(de São Paulo) tem mostrado descaso com essa população e que os programas de
formação continuada não têm tratado essa temática, ocasionando, muitas vezes, por
falta de informação, a exclusão (mesmo que não física) e/ou discriminação de muitos
alunos, possivelmente, superdotados.
Em nossa busca na página da SSE-SP, encontramos nove artigos sobre altas
habilidades/superdotação publicados no período de 2006 a 2015, com nenhuma editoração para
os anos de: 2016, 2014, 2011 e duas publicações, no ano de 2012, aquele que teve maior número
de artigos sobre a questão.
222
A tendência a publicação de, apenas, um artigo anual sobre o tema, já indica o tamanho
da atenção conferida pela secretaria ao assunto e que, parte da invisibilidade é fruto, entre outras
questões, da ausência de interesse do poder público e das redes de ensino, em enfrentar a
situação. Comprovando este quadro de desinteresse da SEE-SP sobre o tema, até a primeira
década, do presente século (Rangni, 2012, p. 68) apresenta-nos tabela relativa ao número de
alunos identificados, no Estado de São Paulo, até o ano de 2005:
Figura 11: Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo, Rangni(2012, p.68)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
4 0 1 1 0 0 0 0 0 --
Figura 12: Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo, Rangni(2012, p.68) Atendimento 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Com apoio --- 2 10 09 05 15
Sem apoio --- 147 264 986 834 968
Total --- 149 274 995 839 983
A confirmação pela SEE-SP de que em 2011 nem duas dezenas de alunos no Estado
recebiam apoio é alarmante e prova cabal da invisibilidade.
O primeiro artigo publicado95, no ano de 2006, trata de curso de capacitação ofertado a
150 supervisores de ensino, com foco no atendimento aos alunos com AH/SD. O curso foi
ministrado por duas especialistas, as professoras: Christina Menna Cupertino, e Denise de
Souza Fleith. Tal formação indicou que aqueles profissionais (supervisores), responsáveis por
casos de solicitação de aceleração de estudos para alunos com AH/SD, estariam,
“supostamente”, informados sobre o tema, apontando que o desconhecimento sobre o assunto
que, em geral, serve para justificar a invisibilidades, deve ser relativizado.
Na sequência, a SEE-SP publicou, no ano de 2007, artigo referente a primeira turma
formada para o atendimento aos alunos, com AH/SD. Segundo a secretaria, foram 270
profissionais da rede, com formação que durou um ano, sendo ministrada aos supervisores de
ensino, coordenadores pedagógicos, professores e realizada no CAPE (Centro de Apoio
Pedagógico Especializado).
O artigo de 2008, publicado em dezembro, indicava o lançamento do livro “Um olhar
para as altas habilidades: construção de caminhos”, que seria distribuído à rede de ensino, no
95http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/supervisores-de-ensino-aprendem-como-lidar-com-alunos-
superdotados, Consulta em 05/09/2016 as16h.
223
ano de 2009. Segundo a própria secretaria, o livro teria uma tiragem de 5.500 (cinco mil e
quinhentos) exemplares, sendo encaminhados a todas as escolas estaduais de São Paulo. Tal
medida segue a tentativa de organizar o atendimento aos alunos alto-habilidosos, em uma
sequência, que primeiro formou alguns dos supervisores, em seguida, 270 (duzentos e setenta)
profissionais e, finalmente, ocorre a publicação de um manual de atendimento.
Da análise destas três primeiras matérias, podemos verificar como as medidas chegam
em conta gotas, lentamente e de forma tímida, apontando que antes de 2006, simplesmente, o
tema não existia para a rede paulista, mesmo estando previsto na LDB, há mais de 10 anos.
O artigo de 2009 fala do projeto “Caça-Talentos”, que segundo a pasta da educação, as
medidas de formação de supervisores e profissionais de 2006/2007 e a publicação do livro em
2009, seriam parte do projeto. Interessante é verificar que nas publicações anteriores, sequer, é
apresentada existência de algum projeto, neste sentido, mas esta apresenta o enorme sucesso do
programa, indicando que no período de 2007 a 2008, o número de alunos alto-habilidosos
identificados, na rede paulista, saltou de 79 (setenta e nove) para 397 (trezentos e noventa e
sete) alunos, apontando um crescimento de 500%.
Em 2010, a SEE-SP comemorou a identificação de 1.022 (mil e vinte e dois) alunos, no
ano de 2009 e, mais uma vez, com um crescimento de mais de 300%, indicando, primeiro, que
o número de alunos identificados seguiu reduzido, praticamente, até a primeira década do
século XXI e que, bastando algumas iniciativas frágeis do poder público, os alunos surgiram.
O ano de 2012 é o único que conta com duas publicações, da secretaria de educação
sobre o tema. A matéria de agosto destaca a publicação, no Diário Oficial, de resolução que
possibilita a aceleração de crianças superdotadas96, apontando a grande demora em se adequar
a uma questão, que a própria LDB já previa, há mais de dez anos. Além disso, a dita resolução
coloca tantos empecilhos à aceleração que, praticamente, torna impossível que alguém consiga
reclassificação. O segundo artigo, do ano de 2012, trata de um aluno da rede estadual que obteve
medalha em concurso nacional de redação97 e recebeu a visita, do então secretário de educação.
Artigo superficial e que nada acrescenta, além de publicidade ao secretário, mostrando outra
faceta das AH/SD. Em geral, o tema é lembrado por políticos, oportunistas, interessados em
flashes e autopropagandas.
96http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/alunos-superdotados-terao-novas-normas-para-atendimento-escolar 97http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/aluno-superdotado-vence-concurso-com-texto-sobre-inclusao
224
No ano de 2013, temos um artigo divulgando o encontro realizado pela instituição
privada ISMART, sobre altas habilidades/superdotação, aberto aos profissionais da educação98,
no qual o instituto estimula os docentes e gestores a indicarem alunos para seus programas de
oficinas e bolsas de estudo.
O último artigo da SEE-SP sobre o tema é indicativo das descontinuidades vividas, na
educação paulista. Nesta publicação, segundo a secretaria, cerca de 5.000 (cinco mil)
profissionais, em todas as 91 (noventa e uma) diretorias de ensino do estado, estão preparados
para a identificação, trabalho com alto-habilidosos e orientação aos pais de alunos com AH/SD,
em São Paulo. Segundo o artigo, todas as escolas, da rede estadual paulista, teriam formação
para o trabalho com este público.
A informação indica a fragilidade das ações estatais, pois segundo o próprio texto, em
2015, havia sido concluído o primeiro levantamento sobre alunos com AH/SD99, nesta rede e,
segundo a secretaria, havia 1.041(mil e quarenta e um) alunos alto-habilidosos na rede, em
2015. Se considerarmos que a própria SSE-SP afirma que, no ano de 2009, havia realizado
levantamento, detectando 1.022 (mil e vinte e dois) alunos, houve um acréscimo de 20 alunos,
em quase meia década, fazendo com que a uma rede que possui mais de 150.000 (cento e
cinquenta mil) potenciais alto-habilidosos, atenda menos de 1%, de seupotencial.
5.3 -As AH/SD Ganham as Primeiras Páginas
98http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/encontro-que-auxilia-educadores-a-identificar-alunos-com-altas-
habilidades-recebe-inscricoes-saiba-como-participar 99 http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/rede-estadual-possui-1-041-alunos-superdotados-matriculados-nas-
escolas-paulistas
225
Figura 13: Revista Época, 19/02/2016. Figura 14: Site Revista Época, 07/10/2016.
Nesta fase do trabalho, não podemos deixar de analisar a publicação da Revista Época,
de fevereiro de 2016, que traz as altas habilidades e sua invisibilidade, como matéria de capa,
por tamanha importância da publicação e grande circulação nacional.
Antes de iniciarmos, cabe destacar como a publicação da revista chegou ao nosso
conhecimento: por meio de duas professoras da rede municipal, onde desenvolvemos nossa
pesquisa, que haviam participado das respostas dos nossosquestionários e, portanto, sabiam de
nosso interesse na área, o que nos mostra que a presença de pesquisadores e a circulação de
informações sobre o tema faz com que os olhares dos professores alterem-se, apontando que a
pesquisa já produz efeitos práticos, na alteração da realidade local.
A publicação da Revista Época, de propriedade da editora Globo, de número 922, de
fevereiro de 2016, traz uma novidade para o campo das AH/SD, o tema como capa de um
periódico nacional. Vale destacar o fato de que a emissora, no mesmo período, estava obtendo
profundo sucesso, com um programa semanal, sobre o talento musical de crianças e
adolescentes, chamado “The VoiceKids”, que mantém, na atualidade. A emissora concorrente,
Rede Bandeirantes, também, obtém bons índices de audiência com o programa dedicado a
prodígios mirins, na gastronomia: “MasterChef Junior”, indicando o interesse que o tema dos
indivíduos talentosos desperta no público.
O primeiro e óbvio destaque é que ter uma publicação nacional sobre o tema indica
avanços na área, que devem ser atribuídos como fruto do trabalho de pesquisadores, familiares
e militantes da temática.
226
O periódico propõe-se a analisar o fenômeno da invisibilidade das AH/SD, a partir do
paralelo entre as histórias de duas crianças. Tais histórias são apresentadas na capa, como prova
de que o Brasil trata mal seus talentos.
Na capa, temos três palavras em destaque e marcadas com a cor amarela:
“superdotados”, “discriminados” e “cadeia”; o texto segue apontando que ambos os meninos
tiveram vidas difíceis e estas dificuldades demonstrariam, segundo a publicação: “Como o
Brasil desperdiça seus talentos.” Na capa, opta-se pelo termo superdotado, quando a maioria
dos pesquisadores utiliza altas habilidades, o que indica a preferência por chamar a atenção do
público.
As demais palavras, “discriminado e cadeia”, chamam atenção para a tendência do
Brasilde desperdiçar os seus talentos, e traz de um lado, a denúncia do pouco atendimento e
atenção e, do outro, a ideia de que uma criança possa ser desperdiçada, claramente, de acordo
com as teorias do capital humano, no qual devemos aproveitar os talentos.
A revista tem o mérito de propor uma análise, que a partir de histórias individuais,
sejamos capazes de refletir sobre o Brasil, de modo mais amplo.
No editorial, a publicação trata de trazer o mito da genialidade, ao centro da questão,
intitulado: “Onde está o Pelé da política?E o da Economia?”. Assim, afirma que os talentos
do futebol, no Brasil, são valorizados e, cada nova geração de jogadores tem os seus melhores,
na seleção nacional o que, segundo a revista, não ocorre em outras áreas. Os erros surgemna
utilização do Pelé, enquanto referência, para o debate das AH/SD, afinal, se apoiar em um
gênio, o maior atleta do século XX, como referência, vem ao encontro do que os pesquisadores
mostram como equívoco, o quecolabora para a invisibilidade.
Na sequência, o diretor da redação defende a noção de meritocracia, ao propor que os
“melhores”, de cada área, devam ser valorizados. A defesa da meritocracia surge pautada na
ideia de que a solução para a saída da crise, que vivemos, passe por convocar nossos talentos,
para pensar sua solução. Segundo o editor, os governos do Fernando Henrique Cardoso e
Mauricio Macri, na Argentina, eram e são bons por terem talentos. Tal postura, além de frágil,
realiza o pior uso possível das AH/SD, que é a defesa de um elitismo rudimentar e ingênuo.
5.4 -Matéria de Capa
227
A matéria, novamente, prefere o termo “superdotados” para definir a condição dos dois
colegas de turma, como forma de construir a ideia de oposição entre as vidas dos dois meninos,
que são tema da reportagem. Em destaque, estão grifadas as palavras USP e cadeia, como
limites do sucesso ou fracasso.
A primeira questão apresentada é que os meninos, em suas trajetórias escolares,
precisavam disfarçar suas habilidades, devido ao preconceito que sofriam. Durante a descrição
de suas situações, surgem dois termos, os quais utilizamos muito, em nossa pesquisa: “dom e
invisibilidade”. Na perspectiva da revista, o dom seria capacidade desenvolvida pelos meninos
e a invisibilidade estratégia criada pelos alunos.
O texto inicia-se com a descrição de uma suposta cena em sala de aula, da primeira série
e demonstra certos estereótipos sobre as AH/SD e à docência, com excertos como: “A
professora Heloísa [...] começava sua missão de guiar nova turma”; “Mas um menino destoava
da classe”; “Quieto, parecia imerso em seu mundo particular” e assim, notamos concepções
clássicas sobre a educação: o magistério como missão e a do aluno, com AH/SD, como alguém
quieto, isolado, imerso em seu mundo particular.
Na sequência, após uma bronca da professora, eis que o talento revela-se como um
milagre que assombrou a todos, desvendando o segredo escondido a “sete chaves”, pois, desde
os 3 anos, a criança lia, mas sua mãe havia lhe prevenido, quanto aos perigos de querer se
destacar. O enredo poderia ser tema de filme de Hollywood e conta com todas as características
de um Thriller, mas uma informação passa, quase,desapercebida e não merece atenção do
jornalista, o menino era filho de uma professora primária.
Outra informação importante é que seu pai era artesão de Arte Sacra, conhecido na
cidade. Assim, se seguimos a perspectiva do jornalista, temos a ideia de que se trata de um
trabalhador qualquer, sem formação superior, quando olhada pelo público de uma grande
cidade. Porém, quem conhece a tradição de Arte Sacra mineira, sabe que ocorre o oposto; ser
este tipo de artesão, em pequenas cidades de Minas Gerais, representa contar com o respeito e
reconhecimento da população, bem como, ter acesso aos padres, bispos e pessoas eruditas da
cidade;significa ser admirado e receber encomendas de figuras ilustres como: políticos,
médicos, profissionais liberais e, especialmente, significa ligar-se à uma tradição, de mais de
três séculos de artistas, que criaram o barroco mineiro, levando assim, a conhecer nomes como
os mestres Aleijadinho e Ataíde, suas histórias e técnicas e, por vezes, ouvir e falar com artistas
eruditos e professores que pesquisam a Arte Sacra mineira. Neste caso, ser artista sacro é viajar
para fazer as entregas, ter parte principal em festas e comemorações da cidade e, especialmente,
ter Antônio Francisco Lisboa como mestre, modelo de genialidade.
228
Com isto, pretendemos mostrar como a análise apurada das histórias pessoais podem
dar indícios de como a socialização dos sujeitoscontribui para a formação do psiquismo humano
e a atribuição de sentidos, que estimulam o talento; logo, apelar ao dom e supervalorizar a
genética decorre de opções apressadas e superficiais.
A sequência da matéria é triste, o menino tratado como incômodo pela professora e sem
entender o que ocorria, acabou na psicóloga. Sua mãe professora não entendia o que ocorria e
a criança seguia entediada e sofrendo, sendo que a psicóloga não compreendeu, também, o caso
e o menino acabou matriculado na APAE, onde sua saída foi silenciar seus talentos e perguntas,
fazendo-se invisível. Tal quadro mostra o despreparo profissional que pode levar as crianças a
preferirem se esconder, colaborando para o quadro de invisibilidade.
A história do menino segue entre a solidão e a luta por se fazer comportado e invisível;
passa muitas horas na biblioteca sozinho, até que o contato com um outro menino, muda-lhe a
vida. Propositalmente, a revista ressalta as características físicas de ambos, um claro e loiro e o
outro, descrito como pardo, de cabelos crespos, ambos superdotados, mostrando que a
inteligência nada tinha com etnia. Neste ponto, é impossível não nos perguntarmos quem
terminaria na USP e quem acabou na cadeia? O menino negro, segundo a matéria, era
igualmente inteligente e isolado, tinha a simpatia dos professores, mas como o primeiro
estudante havia sido considerado aluno-problema e enfrentou a fama de exibido e sabe-tudo,
sendo pressionado pelos colegas de classe, igualmente, tornou-se invisível.
A sequência da reportagem reforça a noção de gênios, que pouco contam com a escola,
meninos isolados da turma, dormindo em sala de aula, que não se envolvem com as atividades
escolares, seus talentos ocorrem, sem que haja qualquer ajuda dos professores e são isolados do
grupo, contando apenas com o apoio mútuo.
Ao se tornarem adolescentes, o menino pobre e negro passou a cursar o Ensino Técnico
em Contabilidade, dividindo seu tempo entre os estudos e subempregos para sobreviver, muito
parecido com as previsões de trabalho de Baudelot e Establet, ao constatar a existência de
trajetórias curtas, para pobres e longas, para aqueles que têm condições de custear os estudos e
postergar o ingresso no mundo de trabalho.
Aos 16 (dezesseis) anos, o menino já havia perdido pai e mãe e mesmo tendo 16 irmãos,
estava “por conta própria na vida” e aos 18 (dezoito) anos, o menino inteligente tinha se tornado
um operário, em uma indústria da região, fato contado pelos irmãos, como algo irrecusável,
diante das oportunidades para a população. A inteligência do menino levou-o um pouco além
da realidade dos irmãos e muito aquém de seu potencial, a reprodução já havia feito sua parte.
229
O outro menino, o filho da professora, também seguiu por um curso técnico e conseguiu
destaque e uma bolsa de estudos, graças ao seu talento.
A mudança na vida do menino, filho da professora, ocorreu com a identificação de seu
talento, por uma empresa internacional, a OAKInternational Academies, que é especializada
em captar jovens talentosos. Seus donos? A Igreja Católica Apostólica Romana,oferecendo-
nos assim, a ideia de como esta é uma área que interessa a algumas instituições e setores da
sociedade. A empresa, que busca talentos no mundo todo, reconheceu-o e contratou-o,
rapidamente. Atuando como programador, em vários países e devido a sua ligação com a igreja,
os superiores da religião convidaram-no para se tornar seminarista, no Vaticano. Cabe aqui uma
volta ao tempo: será que vir de uma família e cidade, profundamente católicas, pesaram em sua
decisão por seguir uma vocação? Novamente, indivíduo e sociedade se cruzam, não há talento,
sem história e oportunidade.
A revista destaca o talento para os idiomas falados pelo o menino, são 7, mostrando
como o sentido é algo fundamental; sua paixão por eletrônica fez com que aprendesse inglês.
A reportagem destaca os talentos do rapaz e, nós, ainda que reconheçamos seu talento,
destacamos que ter rodado o mundo, em contato com uma empresa, que é uma torre de babel,
como a igreja, reforça o peso do meio social na facilidade com idiomas.
O mito do gênio exótico ressurge, quando o menino, já adulto, decide deixar a Igreja e
faz vestibular para se tornar professor. A ideia de gênio exótico aparece somada aos
preconceitos que o magistério enfrenta, afinal, descreveram com assombro, como alguém tão
inteligente pode optar por Pedagogia? Para a lógica capitalista é impossível que alguém, muito
inteligente, simplesmente, escolha a docência.
Na universidade, o rapaz encontrou preconceito com o seu talento e surpreendeu-se com
o fato de não haver estudos sobre AH/SD, na USP, o que nos faz recorrer à ausência de
formação docente, mas a pergunta é: porque esta ausência, na graduação da USP?
A esta altura, já sabemos quem foi parar na cadeia e que a superdotação não foi capaz
de burlar as “regras” para sociedades injustas e desiguais, como a brasileira.
O menino negro, inteligente, tornou-se mais um presidiário. A vida deste segue descrita
pelo exotismo de seus cálculos; um negro pobre, que faz contas complicadas de cabeça, tendo
a sua fama chegado até Belo Horizonte.
Mas sua fama e inteligência, não o tirou do chão da fábrica, também, não lhe tirou da
miséria, quase que absoluta; até que um acidente queimou seu corpo, com ácidos e na longa
recuperação, entre sofrimento, solidão e miséria, descobrimos o que o menino já sabia há
tempos, sua condição intelectual, que não o fazia diferente das levas de moços pobres, do
230
interior do Brasil, entristecido; logo veio o alcoolismo, a perda do emprego, a vida dormindo
em praças, as confusões mentais.
Por que o rapaz seguiu no mesmo posto, mesmo tão capaz, dedicado e talentoso? Por
que sua inteligência não o livrou da pobreza? Simples, porque entre os invisíveis há sempre os
mais invisíveis.
Alcoólatra e morando na rua, o rapaz aos 35 anos foi preso e acusado de homicídio
qualificado, segue preso, mesmo tendo dito que ao confessar o crime estava alcoolizado.A falta
de equipamentos para verificar as digitais, na cidade, impediu que se prove a culpa ou inocência
e, novamente, o rapaz superdotado mostra-se apenas mais um pobre e negro, no nosso sistema
carcerário, provando que há muito mais influência social, nas questões das altas
habilidades/superdotação, queiramos ou não.
O mito do gênio louco volta à reportagem, com a história da casa caindo e as paredes
repletas de cálculos, típicas de filmes. O rapaz não quis dar entrevista, afirmando que
superdotação é coisa do passado; ele tem razão, agora é apenas um condenado dentre os mais
de 600 (seiscentos) mil, no Brasil.
O outro menino tornou-se militante da área de AH/SD e fundou um instituto para ajudar
os alunos, com altas habilidades/superdotação, chegando a colaborar na formulação de leis
sobre o tema.
Entre as fotos da matéria, a do pesquisador da USP, diante de um museu da universidade
e a foto da penitenciária, onde se encontra o rapaz, apresentando, visivelmente, o destino de
ambos, com o mérito de mostrar o tema ao grande público, a revista não escapa às noções de
genialidade e exageros entre a USP e a cadeia, como as opções dos superdotados.
Logo após a reportagem, dos dois meninos, na parte denominada “Observador da
Educação”, onde a revista costuma publicar artigos educacionais, temos a matéria sobre a
necessidade de ajuda aos jovens com altas habilidades/superdotação, seguida do
questionamento, em relação ao tratamento que o país oferece a estes jovens.
Neste artigo, o tom muda e a reportagem consegue ser instrutiva, colaborando com
informações importantes, sendo que a primeira delas relaciona-se à explicação do termos
superdotado ou altas habilidades; a segunda é a busca de opiniões de especialistas, como as
professoras ZenitaGuenther e Liliane Bernardes Carneiro. Além disto, existe uma análise que
indica as raras ações do Ministério da Educação e Cultura e as Secretarias de Educação, na área,
oferecendo informações sobre os NAAH/S e ONGs, que atendem os alunos com altas
habilidades/superdotação. Apresentam também, um quadro do ConBraSD sobre os tipos de
231
AH/SD, que conota um caráter instrutivo e importante à matéria, abandonando o tom
emergencial e sensacionalista, ganhando assim, em qualidade.
A reportagem termina dizendo que, em 77% dos municípios brasileiros não há dados
sobre AH/SDe que, em 10% das cidades, há informação de apenas uma criança, com AH/SD.
Ou seja, em 87% das cidades brasileiras temos um, ou nenhum aluno com AH/SD, o que nos
oferece a ideia do tamanho do problema. Acrescentamos que de acordo com o senso escolar,
dos 13.308 (treze mil trezentos e oito)alunos identificados, no Brasil, apenas 4.300 (quatro mil
e trezentos) são, de alguma forma, atendidos.
5.5 - O Tratamento da Imprensa e a Invisibilidade das AH/SD
Para analisar os efeitos da construção do imaginário sobre os filhos de trabalhadores e
as AH/SD, propomos que atentemos para algumas questões. Em um primeiro olhar, a
constatação de que professores remetem-se à noção de genialidade, quando pensam em alunos
com AH/SD, indica-nos, claramente, os efeitos de tais concepções, na situação de invisibilidade
destes alunos.
O caminho é simples, o professor pensa em AH/SD, a partir da noção de gênio e, assim,
passa a elevar a “régua de medição”, para que seu “sensor” de desconfiança de AH/SD seja
acionado. Logo, oprofessor passa a esperar casos quase sobrenaturais, para que julgue se tratar
de alguém com AH/SD. Como estes eventos “sobrenaturais” são raríssimos, o professor acaba
confirmando sua teoria de que não existem altas habilidades, entre seus alunos, criando umas
das mais eficazes formas de garantir a invisibilidade destes meninos.
Mas o caso é mais sério do que parece, pois se o conceito de AH/SD está relacionado
ao gênio, que nunca surge, podemos supor que a noção de “normalidade” seja também,
equivocada. Normal, neste contexto, passam a seros estudantes que, rapidamente,
compreendem os ensinamentos do professor; realizam suas atividades com grande dedicação;
obtêm sucesso nas avaliações; trazem questões interessantes, fruto de pesquisas extraclasse. O
cerne da questão é que estes alunos, que acabamos de descrever, têm características típicas de
altas habilidades ou possuem capital grande cultural, algo não muito frequente, em especial,
nas escolas públicas. Deste modo, alunos verdadeiramente “normais” passam a ser vistos como
preguiçosos e menos inteligentes; e as crianças que, realmente, tenham alguma dificuldade de
aprendizagem, são rotuladas como limítrofes, portadoras de patologias cognitivas, o que
encurta o caminho ao fracasso e à indústria de laudos e medicalização.
232
Em nossas pesquisas, fomos levados a estudar a biografia de alguns gênios e notamos
que suas histórias são repletas de mitos que, em geral, reforçam a ideia de dom divino, seja por
meio da maçã de Newton; das progressões aritméticas descobertas por Gauss; o passeio de trem
que faz Einstein, ainda criança, teorizar a luz; as anedotas sobre a sinfonia de Mozart, aos 5
anos ou as bravatas juvenis de Pelé e Cassius Clay sobre ganharem títulos mundiais. As histórias
destes grandes gênios são típicos “causos” que nada mais fazem que fortalecer a ideia de dom
e, infelizmente, muitos docentes acreditam e chegam a propagar tais historietas.
O grande problema é que, durante o século XX, a histórica curiosidade humana, quanto
aos indivíduos capazes de feitos notáveis, ganhou um canal de propagação de mitos e
alimentação desta curiosidade pelo exótico, até então, desconhecido; tratamos aqui da indústria
cultural de massas e, mais detidamente, a imprensa de massas. Nossa sociedade é marcada por
uma espécie de fetiche da inteligência e genialidade, uma vez que, a posse destes “poderes”
pode ser capaz de fazer sujeitos, de origem simplória, romper a divisão social do trabalho e
galgar postos elevados na sociedade, inclusive, ganhando muito dinheiro.
A inteligência, enquanto dom, tornou-se o sapatinho de cristal da sociedade capitalista
e, em nenhuma época anterior, conhecemos gênios que se tornaram populares como Albert
Einstein; nunca na história humana, figuras consideradas geniais tornaram-se estampas de
camisetas, pôsteres e histórias de filmes.
A grande questão é que influenciadas pela curiosidade humana e ávida pelos lucros
possíveis pela exploração de tais temas, a grande imprensa passou a nutrir interesse pelos
superdotados e, normalmente, os associou a grandes feitos, superpoderes, reforçando as noções
de dom e genialidade, o que contribui para a invisibilidade.
Como dissemos, anteriormente, não chega a ser tão raro termos reportagens sobre as
altas habilidades, em veículos de imprensa; porém, em geral, restringem-se a dois temas:
destacar o absurdo do Brasil perder talentos e salientar os feitos sobre-humanos de
determinados indivíduos.
Ainda, tratando da grande imprensa, temos, recentemente, um programa na rede fechada
de TV, onde pessoas com habilidades incomuns, como memorizar e calcular são apresentadas
como super-humanos e analisados por cientistas como possuidores de supersentidos e
habilidades. O programa é conduzido por Stan Lee, famoso cartunista criador da série X-Man
e oferece-nos a exata noção de como tais pessoas são tratadas.
Neste esforço, em busca de compreender o papel da imprensa, na disseminação de
muitos equívocos, que reforçam o quadro de invisibilidade das AH/SD, ao reforçar ideias,
especialmente, entre os trabalhadores da educação, pautadas na genialidade e nos dons inatos.
233
Destacamos,que segundo nossas análises, ocorre um contrassenso entre o interesse que se
perpetua na imprensa, em relação aos temas ligados às AH/SDe, por outro lado, a publicação
de notícias baseadas em equívocos, que reforçam a invisibilidade.
Durante o desenvolvimento de nossa pesquisa, trabalhamos com a noção de
invisibilidade, como nossa unidade de análise e, neste sentido, buscamos compreender os
motivos que poderiam explicar o fato de que tão poucos alunos sejam identificados.
Pensamos que a imprensa tenha papel de destaque, na construção do imaginário social
sobre as AH/SD, determinando como uma sociedade entende e percebe o talento e,
consequentemente, influencia decisões governamentais sobre o tema, disposição de
professores, alunos e pais, diante à questão.
Trabalhamos com o levantamento junto aos veículos de comunicação nacionais e da
Baixada Santista, de modo a verificar como o tema é tratado e como pode colaborar para a
construção do imaginário, que incentiva a invisibilidade dos alunos talentosos.
No decorrer da pesquisa, pudemos verificar que a construção do imaginário sobre
AH/SD, nas escolas, por meio da imprensa, ocorre de três maneiras: a primeira, por meio do
tratamento do tema, propriamente, dito; em segundo lugar, estão as notícias que não tratando,
diretamente, das AH/SD apresentam casos de crianças e adolescentes, com resultados
considerados incríveis e, assim, difundem a associação entre genialidade, raridadee AH/SD;
por fim, a forma como a imprensa aborda e apresenta a imagem das escolas públicas e dos
alunos oriundos da classe trabalhadora, a partir do fracasso escolar.
Como já citamos, reportagens e materiais, especificamente, sobre AH/SD, são raros. Em
geral, os artigos tentam fazer a denúncia de como o Brasil desperdiça seus talentos, ao não os
descobrir e aproveitá-los, indicando que tal postura contribui para a situação de
subdesenvolvimento econômico, artístico e científico, que o nosso país se encontra.
Normalmente, estes artigos surgem, quando um aluno, bastante jovem, obtém resultados
considerados surpreendentes, ou, quando algum lançamento, de Hollywood, traz o tema de
volta ao interesse público, como nos filmes: “O Gênio Indomável”;“Uma Mente Brilhante”,
ou a “Teoria de Tudo”. E, seguindo os filmes, dificilmente, tais artigos vão além dos mitos da
genialidade.
Em relação a forma, como a imprensa retrata as escolas públicas brasileiras, qualquer
passagem pela imprensa diária, ofertar-nos-á mostras do intenso discurso sobre o fracasso
destas, apontando sua estrutura deficiente, seus resultados pífios, casos de violência e
criminalidade, os constantes ataques aos professores.
234
Não é preciso buscar muito, para encontrarmos exemplos deste discurso, que apresenta
a escola pública como ineficaz e de péssima qualidade.
Tal fenômeno repercute, especialmente, entre professores e ocorre de duas formas: em
primeiro lugar, os docentes são leitores de jornais e noticiários televisivos e tendem a se
identificar com a classe média, em virtude da natureza não manual, de suas atividades
profissionais, como indica Masson (2007). Os professores acreditam e precisam acreditar que
a educação escolar seja uma forma de ascensão social, sustentando que, apenas, uma escola de
qualidade garante uma educação, que proporcione avanço, na pirâmide social.
Por outro lado, os docentes verificam, na prática, o processo de falência da educação
pública, que a imprensa divulga e, historicamente, tal fracasso é explicado, preferencialmente,
a partir de visões preconceituosas das classes populares, como nos diria Patto (2000).
Neste sentido, faz pouco sentido falar em AH/SD, e a cada nova reportagem, que
desnuda a situação caótica das escolas públicas, seus professores e alunos, o imaginário que se
consolida é o de que não faz sentido falar, buscar, cogitar ou atender tais estudantes.
5.6-O Estado Brasileiro e os Indivíduos com AH/SD
Figura 15: Documento da Câmara dos Deputados sobre pessoas com AH/SD ( 2004).
Durante nossas pesquisas, constatamos que a invisibilidade das AH/SD, no interior das
escolas, não se restringia, apenas, ao município pesquisado. Todas as informações na imprensa,
235
dados do MEC e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação indicavam a existência de
uma profunda lacuna entre os números potenciais de alunoscom AH/SD e a quantidade,
efetivamente, identificada e atendida.
Nas pesquisas com a bibliografia, fizemos o levantamento de boa parte da produção
acadêmica nacional, na área, novamente, constatamos que o problema da invisibilidade estava
presente em, praticamente, todas as cidades e escolas do Brasil.
Neste sentido, entendemos não ser possível a compreensão do tema, a partir de um olhar,
apenas, localizado na cidade que estudamos.
Deste modo, realizamos a análise do histórico de tratamento do assunto pelo Estado
Brasileiro, bem como da legislação sobre o tema, promulgada no Brasil, ao longo do século XX
e início do século XXI, de modo a compreender como as AH/SD foram entendidas e atendidas
no país, ao longo do tempo e suas implicações no quadro de invisibilidade.
Não podemos dizer que não exista legislação, no Brasil, sobre o tema, nem que o poder
público desconheça a invisibilidade vivida pelos indivíduos alto-habilidosos, pois, a imagem
selecionada para iniciar esta seção, demonstra-nos tal assertiva. Existe farta legislação nacional
sobre AH/SD, bem como, publicações específicas sobre as altas habilidades/superlotação
produzidas pelo MEC, contemplando o que há de mais atual das pesquisas científicas, na área.
Temos, ainda, legislações municipais e estudos do Senado e da Câmara Federal sobre o
atendimento a este público.
No Brasil, a luta pela garantia de educação especial aos alunos com deficiências, fossem
estas físicas, motoras, intelectivas, ou mesmo em virtude da superdotação, ocorreu no contexto
dos amplos e longos debates que transcorrem todo o século XX e que teve seu auge, na
discussão em torno da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases, da educação
brasileira. Foi no ano de 1961, quando, pela primeira vez, o termo atendimento aos excepcionais
surge, na legislação brasileira e abre brecha para as AH/SD.
A política educacional brasileira, no que se refere as altas habilidades/superdotação,
só começa a engatinhar na década de 70. O texto da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), aprovado em dezembro de 1961, lei (4024), incluía, só de
maneira implícita, os alunos com AH/SD, ao garantir educação aos ‘excepcionais’
(Art.88 e 89). (PEREZ S. G., 2009, p. 2)
No Brasil, as preocupações estatais relacionadas ao atendimento ao público, de
alunos tidos por mais talentosos, surgem, em momento similar, ao debate sobre a questão, no
plano internacional.
236
Diante do acirramento das tensões políticas e militares, entre soviéticos e
estadunidenses, e da corrida pela hegemonia militar e científica, principalmente, com os
avanços, nos programas espaciais de ambas as potências e das evoluções, nas áreas da medicina,
agricultura e telecomunicações, fica evidente, que programas de identificação, preparação e
formação de quadros competentes, para ocupar postos de destaque, nas áreas: científicas,
esportivas, militares, seria um campo novo na batalha pela dianteira, durante a Guerra Fria.
Neste contexto, o que antes estava restrito às ações de pesquisadores da área da inteligência e
educadores curiosos com as diferenças entre o rendimento dos alunos, torna-se política de
Estado, contando com incentivo e financiamento dos governos.
A situação brasileira não chega a ser tão distinta, no seu início, em relação ao tema, pois,
até a década de 1960, contávamos com um punhado de pesquisadores interessados na questão
e possuíamos, também, algumas experiências isoladas para atender este público.
Com o advento da ditadura militar e as parcerias com os Departamentos de Estado e
Educação dos EUA, a separação do alunado, conforme seus potenciais, de modo que cada grupo
pudesse receber a formação adequada ao “seu nível” intelectual, visando à economia de
recursos, tornou-se fundamental, conforme as ideias tecnicistas em voga na época.
O aumento da preocupação com o atendimento aos alunos superdotados, no Brasil,
coincide com a expansão do acesso ao ensino secundário, para as camadas mais pobres da
população brasileira, nos anos 1960 e 1970. Até esse período, a classe trabalhadora via-se quase
que, completamente, aprisionada no esquema descrito por (BAUDELOT; ESTABLET, 1971),
com trajetória escolar curta, cabendo a estes setores, quando muito, fazer o curso primário, que
lhe conferia os rudimentos da escrita e matemática e, algumas vezes, o acesso aos cursos de
formação profissional das redes: SENAI, SENAC.
Havia um fosso entre as escolas do centro das grandes cidades, com professores
formados em nível superior e as escolas das periferias e áreas rurais, que conviviam com a
pobreza da população e docentes em condições precárias de trabalho e formação.
Chegar ao ensino secundário era conquista de poucos, sendo raros os casos entre os
pobres e, quando ocorriam, estes já passavam a ser vistos como miraculados, sendo que, o
atendimento a estes talentos improváveis, era frequentar a escola destinada à classe média.
A chegada de pobres ao ensino superior, de tão improvável, estatisticamente, não fazia
o menor sentido como preocupação estratégica do Estado e a seleção e estrutura dessa
modalidade de ensino, até os anos 1950, com provas orais de ingresso, em latim e francês, eram
formas de garantir que, apenas, uma pequena parcela da população, com suficiente capital
cultural adentrasse tais fileiras educacionais.
237
O quadro inicia a mudar de figura, quando, no final dos anos de 1950, após, grande
pressão dos setores médios, ocorre uma considerável expansão, no acesso ao ensino superior e,
paralelamente, o acesso ao ensino ginasial e secundário começa a se espraiar pela base da
pirâmide. Os pobres, ainda que, raramente, principiam a fazer cursos, para além da simples
alfabetização. Até este momento, qual seria o sentido de pensar em jovens, com AH/SD?
Acompanhando a tendência internacional, o Brasil, nos anos de 1960, encontra-se
envolvido nos debates sobre como identificar e aproveitar o capital humano de seus habitantes,
como forma de lhes converter o talento em resultados econômicos, bem como, nas tentativas
de compreender as razões, que levavam camadas específicas da população a terem resultados
diferentes, em relação à escolarização, sobremaneira, na tendência verificada ao fracasso de
crianças, residentes na zona rural e moradores de bairros periféricos das cidades.
Nos EUA temos, nesta época, a publicação do relatório de James Coleman100 sobre os
diferentes resultados escolares dos grupos sociais, nos Estados Unidos e as perspectivas de
equalização social, por meio da educação. O estudo indicou que a diferença de resultados de
escolas e alunos, a depender das faixas de renda, localização geográfica, escolarização dos pais
e origem étnica dos alunos, é considerável.
Temos, neste período, o auge do sucesso das teorias da carência cultural, segundo as
quais os pobres fracassariam por motivos não biológicos, ou seja, não por uma inaptidão natural
herdada, geneticamente, mas, por condicionantes culturais e relacionados com a própria forma
de organização das famílias de trabalhadores, suas experiências socializadoras. E assim, a
escola passa, em grande parte, a ter um caráter compensatório para os pobres.
Portanto, o tema das AH/SD ganha importância, no Brasil, no momento em que se
debate o fracasso, em massa, da população pobre, colocando um claro paradoxo aos educadores:
como falar em alunos de escolas públicas, de famílias pobres, superdotados. Afinal, acreditava-
se que era a própria condição de filho de trabalhador que lhes conferia a carência cultural
propulsora ao fracasso. Desta forma, as AH/SD surgem, na preocupação estatal, como um tema
ligado aos interesses dos setores da classe média e em uma perspectiva de insignificância
estatística, o resultado foi que, durante a maior parte dos últimos cinquenta anos, este foi um
tema tratado como inexistente pelos governos, quando pensam na educação.
Neste cenário de contradição, e acompanhando as ações governamentais dos EUA, para
a área das AH/SD, em 1967, é criado no MEC o que podemos considerar a primeira ação oficial,
do Estado brasileiro, no sentido de atender a questão das altas habilidades, por meio da criação
100O Relatorio Marland é profundamente analisado por (SOARES, 2008).
238
da comissão para estabelecer critérios, identificar e atender as AH/SD, no Brasil (Novaes, M.H.
1979).
Conforme Rangni (2011, p.5), a legislação brasileira passou a contemplar os alto-
habilidosos, a partir da promulgação da LDBN 5.692/71, que no artigo 9º apontava:
Os alunos que apresentarem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrarem
em atraso considerável, quanto à idade regular de matrícula e os superdotados
deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos
competentes Conselhos de Educação. (NOVAES M. H., 1979, p. 80)
Desse modo, a lei que encerrou a realização de provas admissionais, para ingresso nos
cursos ginasiais; que desfigurou o ensino médio ao atrelá-lo ao ensino profissionalizante; que,
em termos práticos, tratou de garantir o acesso ao ensino ginasial às camadas populares foi,
também, a legislação que, pela primeira vez, previu a necessidade de atendimento educacional
especializado aos alunos com necessidades especiais e superdotados.
Temos assim, no Brasil, a adoção de uma legislação que acompanha a publicação do
relatório Marland, nos EUA, que analisou a situação do atendimento aos superdotados,
estadunidenses e que, basicamente, é uma tradução para o português das definições de
superdotação e propostas de atendimento aos estudantes, da América do Norte.
Assim, a legislação que prevê atendimento aos alunos, que tivessem maior potencial
intelectual e que se caracterizariam por ser, entre outras coisas, mais críticos, diante das regras
e perspectivas de conhecimento oferecidas pela escola, ocorre no contexto de publicação de
Atos Institucionais, da Lei de Segurança Nacional, da caça as bruxas, dos anos de chumbo,
tempos de currículos engessados e prontos para que os docentes cumprissem, tempos de
vigilância política sobre a atividade docente. Assim, o paradoxo de oferecer currículos
enriquecidos, em época de empobrecimento cultural e curricular, é colocado, na promulgação
da primeira determinação legal, no sentido de atender o público com AH/SD e indicando a
tônica, que marcaria a relação dos governos brasileiros, em suas várias instâncias, com a
questão: “atendimento para inglês ver”, apenas, pois a previsão, na legislação, objetivava
atender às demandas pontuais, de famílias e pesquisadores militantes e, quase nada mais de
modo prático, no sentido de formar docentes, levar condições às escolas e garantir dotação
orçamentária, para o atendimento a este público.
Assim, lá se vão 45 (quarenta e cinco) anos de atendimento garantido, em legislação e
quase 08 (oito) décadas de pesquisas e publicações sobre o tema, no Brasil, com este público,
ainda invisível, na maioria das escolas brasileiras.
239
Nos últimos anos, da década de 1970, no período em que a ditadura militar já se
encontrava debilitada, duas importantes medidas são adotadas, na área das AH/SD: a criação
do Serviço de Educação Especial, no Ministério da Educação e a criação da Associação
Brasileira para Superdotação101. A primeira trata-se de um setor que seria fundamental, na
sequência da história brasileira para a área, ao concentrar reflexões e ações, visando atender ao
público da Educação Especial e os alunos com AH/SD. A segunda medida, parte da ação de
pesquisadores e familiares e denota um divisor de águas, na trajetória das AH/SD.
Também, nos anos 1970, tivemos a publicação dos trabalhos de Maria Helena Novaes
(1979) e Eunice Soriano de Alencar (1974)102 sobre as AH/SD e pensamos que estes trabalhos
inauguram a segunda geração de teóricos e pesquisadores sobre o tema, marcando um divisor,
nos estudos da área, uma vez que, desde a década de 1930, pouco havia sido produzido sobre a
temática.
Em paralelo, temos a criação, na rede pública de ensino do Distrito Federal, do primeiro
programa público de atendimento aos alunos superdotados, no Brasil. Esta foi a primeira vez,
que uma rede de ensino dedicou-se a trabalhar e atender, de modo sistematizado, os alunos alto-
habilidosos oriundos da rede pública, criando programas de formação de profissionais,
identificação de alunos com AH/SD e trabalhando com o enriquecimento curricular e
aceleração destes educandos. O trabalho da rede pública de Brasília é pioneiro e segue, até os
dias atuais, como um dos mais consistentes do Brasil.
Outra característica do programa do Distrito Federal é a sua proximidade com a
universidade; talvez, seja o primeiro programa a ter vínculos firmes com as universidades e,
ainda hoje, mantém fortes laços de parceria com o mundo acadêmico. Neste sentido, os esforços
da professora doutora Eunice Soriano de Alencar, na Universidade Católica de Brasília e das
professoras do Departamento de Psicologia da UNB, são fundamentais.
Entretanto, os primeiros esforços para garantir atendimento aos superdotados, no Brasil,
realizado por pesquisadores, professores e familiares, só encontrou o apoio governamental, com
a previsão em lei, nada mais de concreto ocorreu.
No fim da década de 1970 e durante toda a década seguinte, quando a euforia do milagre
econômico havia passado, os recursos do Estado brasileiro, para os serviços públicos,
101O movimento pela defesa dos direitos das pessoas com altas habilidades/superdotação, também, começa a se
consolidar na década de 1970, partindo da iniciativa de profissionais e pesquisadores da área. A fundação da,
então, Associação Brasileira para Superdotados (ABSD), em 1978, com seis seccionais estaduais (DF, ES, GO,
MG, PR e RS), além da sede nacional, no Rio de Janeiro (ABSD-RS, 2000), é o primeiro passo neste
sentido.(PEREZ S. G., 2009, p. 3) 102ALENCAR, E. M. L. S. . Um estudo comparativo de educação do superdotado em diferentes países. Arquivos
Brasileiros de Psicologia , Rio de Janeiro, v. 26, n.4, 1974.
240
começaram a minguar. Se para a educação de massa, ainda, havia problemas estruturais
gigantescos, como: falta de docentes; insuficiência na oferta de vagas; escolas trabalhando, com
até 04 (quatro) turnos diários, o que dizer da falta de recursos para setores considerados
elitizados? Desta forma, podemos dizer que com exceção da Rede Pública do Distrito Federal,
durante o primeiro quarto de século, em que se previu atendimento para alunos com AH/SD,
do ponto de vista governamental, nada de substancial foi feito.
Assim, quando analisamos a invisibilidade do público alto-habilidoso, temos uma
situação contraditória, pois apesar de seguir a legislação e concepções teóricas para as altas
habilidades que os EUA utilizavam, considerada moderna e adequada, no Brasil, a questão
avançou muito lentamente e mesmo em dias atuais é quase inexistente.
O tema das AH/SD encontrou, no Brasil, como em outros países, as resistências
decorrentes da crença na teoria da carência cultural e, assim, professores, gestores e o próprio
governo entendiam que não fazia sentido gastar recursos escassos, na busca de alunos
improváveis, na realidade brasileira. Desta maneira, cria-se um círculo, onde não se busca estes
alunos, pois, acredita-se que não existam e, como não há busca, acabam não sendo encontrados,
confirmando a hipótese de que inexistam.
Ficando evidente que aos países periféricos, como o Brasil, o tema das altas
habilidades/superdotação não teria a mesma importância que para as superpotências e
economias centrais do capitalismo, pois se para as potencias era fundamental identificar seus
melhores recursos humanos e os desenvolver, de modo a garantir a dianteira na luta econômica,
política, militar, não poderíamos dizer o mesmo dos países do terceiro mundo.
Com a expansão militar e espacial, nas superpotências, grandes centros universitários e
militares passavam a requisitar técnicos, pesquisadores, teóricos, altamente, qualificados, no
sentido de garantir que não ficassem atrás, nas descobertas científicas, que poderiam
desequilibrar as disputas geopolíticas. As forças armadas necessitavam, cada vez mais, de
indivíduos, extremamente, capazes e qualificados, para administrar e operar as máquinas de
guerra, cada vez mais complexas e valiosas. Na luta pela liderança econômica, os laboratórios
de materiais, engenharia, microeletrônica e computação exigiam a descoberta de talentos, que
pudessem garantir os novos ciclos econômicos, capazes de manter a reprodução do capital nos
trilhos. As grandes corporações capitalistas solicitavam profissionais qualificados e criativos, a
fim de administrar e criar produtos, que gerassem lucros. Finalmente, a competição e
concorrência espalhou-se, mesmo para as áreas esportivas, culturais, artísticas, sendo todas foco
de campanha intensa, na luta ideológica e publicitária, das potências em disputa.
241
Diante desse quadro, verificamos a existência de programas de identificação,
desenvolvimento e aproveitamento de talentos, nos países do bloco comunista, como os
exemplos das delegações esportivas e científicas da URSS, Alemanha Oriental e Cuba. Os EUA
seguiram com a política de atração de talentos, repatriando pesquisadores, artistas e intelectuais
de outros países, como continuação aos programas desenvolvidos, durante a Segunda Guerra.
A tradição, que já existia nos EUA, de atrair pesquisadores renomados com oferta de benefícios
e condições de trabalho, permanecia.
No Brasil dos anos 1970 e 1980, tínhamos uma economia, que ainda que se
industrializasse com rapidez, era marcada por ter empresas filiais das grandes companhias
multinacionais e, assim, aqui pouco ou nada desenvolver-se-ia, no campo da produção de
projetos e inovação. O sistema universitário brasileiro, ainda, engatinhava, a pós-graduação, no
Brasil, em 1970, estava dando seus primeiros passos. No campo científico, tínhamos poucos
laboratórios de ponta. E com uma economia, baseada na agroindústria e exportação de
commodities, havia pouco espaço e necessidade de indivíduos, altamente, qualificados.
A classe média brasileira ocupava os poucos postos, que exigiam alguns quadros mais
bem formados e habilidosos, como as carreiras, na burocracia de Estado, os postos, na
hierarquia militar e algumas oportunidades em Estatais e centros de pesquisa, como:
EMBRAPA e FIOCRUZ. Um punhado de instituições, como: os Colégios Militares (EPCAR,
Colégio Naval, Academia das Agulhas Negras); as universidades USP, UNICAMP, UNESP,
UFRJ, UERJ, ITA, IME, Escola Superior de Guerra e Instituto Rio Branco ficavam
responsáveis pela seleção e aproveitamento dos melhores quadros.
Uma sociedade, profundamente, elitizada e dominada por grupos familiares que
controlavam o capital nacional, a partir da posse de indústrias, imóveis e terras para o plantio,
tendo uma economia baseada em indústrias, que requeriam pouco avanço tecnológico, ou na
exportação de gêneros primários, como minérios e produtos agrícolas, com sua a expansão
econômica ligada à construção de grandes obras, como: pontes e estradas, em que a maior parte
da população executava atividades braçais, que exigiam pouca ou nenhuma escolarização.
Neste contexto, fazia pouco sentido o investimento real, na identificação e atendimento dos
alunos, com AH/SD.
Com a chegada da década de 1990, a situação começa a mudar, se por um lado a
produção acadêmica, na área das AH/SD, desenvolvida no Brasil cresce, consideravelmente, e
a pressão da sociedade civil começa a aumentar, a estrutura universitária havia se consolidado,
por intermédio da expansão e solidez da pós-graduação, no país, através de instituições, como:
CAPES, CNPQ, FAPESP, FAPERJ, passando a exigir, cada vez mais, quadros qualificados.
242
Com o avanço das reformas neoliberais e a alteração dos modelos de gestão empresarial,
e das novas formas de relação entre capital-trabalho implementadas, ao longo da década de
1980 e 1990, tem-se outro quadro econômico, onde a otimização de recursos e aumento da
produtividade do trabalhador são palavras de ordem. A redução nos postos de trabalho, a
automatização da indústria e, mesmo, de setores da agricultura, a redução do tamanho do
Estado, a competitividade cada vez maior, somados a uma profunda crise econômica, que
assolou o mundo, durante os anos 1980, trazem para a ordem do dia, a noção de “Capital
Humano”. Agora, mesmo países periféricos passariam a requerer mão de obra
superespecializada. A partir deste momento, as buscas por talento e inovação começam a
interessar aos capitalistas, de países em desenvolvimento.
Neste contexto, o Brasil discutia a reforma do Estado, as privatizações e as discussões
da LDB 9.394/96, sob a forte influência das ideias neoliberais e dos resultados das conferências
internacionais de educação, como: Jomtien (1990) e Salamanca (1994), que de certo modo,
instituem uma cartilha das grandes instituições financeiras e internacionais para as economias
em desenvolvimento, na área da educação. No quadro de debates sobre educação, em especial,
sobre educação inclusiva e de necessidade de mão-de-obra cada vez mais qualificada, temos o
retorno das discussões sobre AH/SD, pelo Estado Brasileiro.
Quando foi promulgada a LDB 9.394/96, a legislação brasileira deu um passo
importante, no reconhecimento ao direito à educação especializada, pelo público com AH/SD,
bem como, ao direito à educação inclusiva, como prevê a lei:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação.103
A legislação passa a contemplar o modelo de atendimento aos alunos, com
AH/SD, por via de serviços educacionais especializados, bem como, garante o seu atendimento,
a partir do ingresso na educação infantil, na faixa etária de zero aos seis anos de idade, raridade,
ainda hoje, na realidade brasileira:
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,
para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.104
103 LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96 com as modificações que se seguem: Art. 58 e
seguintes: 104 Ibidem
243
§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa
etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. 105
Como definição de superdotação, o Estado Brasileiro adota o referencial teórico mais
utilizado no mundo, baseado na obra de Joseph Renzulli e o seu modelo dos três anéis, neste
sentido, a definição destes indivíduos segue abaixo:
Alunos com Altas Habilidades/ Superdotação, são aqueles que apresentam notável
desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados
ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica,
pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes
e capacidade psicomotora.106
Os alunos da educação inclusiva e, dentre estes, os alunos com AH/SD, passam a ter
direito a um currículo adaptado às suas necessidades, bem como, oferta de serviços de
atendimento especializado, com profissional formado para tal, direito à terminalidade,
conforme suas necessidades e acesso igualitário, em programas de benefícios sociais. O Brasil,
neste sentido, segue o caminho dos EUA, ao abordar o público alto-habilidoso, como clientela
da educação inclusiva, caminho diferente do que alguns outros países, como Portugal, por
exemplo, que distingue o público com AH/SD, dos deficientes.
Se constatamos avanço ao se reconhecer o direito dos alto-habilidosos em receber
atendimento, com profissional especializado e ter acolhimento às suas necessidades especiais,
por outro lado, diante das imensas fragilidades das escolas e sistemas de ensino, quando surge
a necessidade de incluir os alunos, com necessidades especiais, as crianças e adolescentes com
deficiências tornam-se o foco dos esforços e preocupações, já os alto-habilidosos, até por já
estarem “incluídos na escola”, terminam relegados a uma lembrança, meramente, burocrática.
Como podemos ver:
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para
atender às suas necessidades;
II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido
para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração
para concluir, em menor tempo, o programa escolar para os superdotados;
III – professores com especialização adequada, em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como, professores do ensino regular capacitados para
a integração desses educandos, nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em
sociedade, inclusive, condições adequadas para os que não revelarem capacidade de
inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,
105Ibidem 106 Ibidem
244
bem como, para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística,
intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis
para o respectivo nível do ensino regular.107
Quanto ao modelo de atendimento, a legislação brasileira previa, já nos anos 1990, ainda
que reconhecesse a possibilidade de atendimento realizado por instituições privadas e
filantrópicas, onde a forma preferencial de atendimento ocorrerianas instituições da rede
pública:
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de
caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com
atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo
Poder Público.
Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação
do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, na própria rede pública regular
de ensino, independentemente, do apoio às instituições previstas neste artigo.108
E assim, ainda que a legislação preveja o atendimento, cadastro e identificação, quando
chegamos ao século XXI, a situação das AH/SD nas escolas é ainda, pouco diferente daquela
encontrada durante todo o século XX, como nos indica (PEREZ S. G., 2009, p. 2):
Entretanto, o avanço maior acontece na primeira década do novo milênio, quando o
Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei Federal Nº 10.172, em janeiro de
2001, determina a implantação do atendimento aos alunos com AH/SD, e nas
Diretrizes Nacionais da Educação Especial, na Educação Básica, de setembro de
2001. A verdadeira concretização de uma política educacional para os alunos com
AH/SD começa a se delinear, em 2005, quando a SEESP, em parceria com a
UNESCO e o FNDE, implanta os Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação – NAAH/S, nos 26 estados e no Distrito Federal, que são,
hoje, fortes referências para o atendimento a essa população.
No ano de 2000, no Brasil, ainda, não tínhamos, sequer, 1.000 (mil) estudantes
brasileiros alto-habilidosos, o que nos colocava em uma situação paradoxal de possuir grandes
pesquisadores e uma legislação avançada, mas, não termos alunos identificados.
Ao longo dos últimos 16 anos, em parte graças aos avanços na área acadêmica e, em
parte, devido à pressão da sociedade civil organizada para as questões das AH/SD, conhecemos
uma melhora significativa no país. Neste período, o número de pesquisas de mestrado,
doutorado cresceram como fruto de trabalho de alguns programas de Pós-Graduação, como o
107 Ibidem. Art.69. 108 Ibidem. Art.60. redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
245
departamento de psicologia da UNB, Faculdade de educação da UFSCAR, Faculdade de
Ciências da UNESP/Marília e Departamento de Educação da UFSM.
O crescimento da produção científica colaborou para que um clima de pressão e
efervescência, sobre o campo, começasse a surgir e, como resposta para a produção científica
e pressão dos conselhos e associações, que lutam pela garantia do direito de educação especial
aos alto-habilidosos, tivemos nestes últimos 16 anos, a promulgação de legislação específica e
a implementação de algumas medidas, no sentido de melhorar o atendimento a tais alunos, nas
escolas brasileiras, como a publicação de manuais e cartilhas e a criação dos NAAH/S.
As resoluções relativas ao Atendimento Educacional Especializado, a necessidade de
financiamento para a Educação Especial, a exigência de cadastro junto aos sistemas das redes
de ensino e Censo Escolar, contribuíram, de maneira indireta, para que as condições na
educação de alto-habilidosos melhorassem, podemos ver na promulgação de legislação
específica aquilo que afirmamos:
Define, no Art. 3º, a Educação Especial como a modalidade de educação escolar [...]
assegura recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente
para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços
educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o
desenvolvimento das potencialidades dos educandos; no Art. 5º, que considera
educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo
educacional, apresentarem: [...] inciso III – altas habilidades/superdotação, grande
facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,
procedimentos e atitudes109
Além desse grupo, determinados segmentos da comunidade permanecem igualmente
discriminados e à margem do sistema educacional. É o caso dos superdotados,
portadores de altas habilidades, “brilhantes” e talentosos que, devido às necessidades
e motivações específicas – incluindo a não aceitação da rigidez curricular e de
aspectos do cotidiano escolar – são tidos por muitos como trabalhosos e
indisciplinados, deixando de receber os serviços especiais de que necessitam, como
por exemplo, o enriquecimento e aprofundamento curricular. Assim, esses alunos
muitas vezes abandonam o sistema educacional, inclusive por dificuldades de
relacionamento (Brasil, 2001, p. 7).110
Estes avanços na área resultaram no aumento significativo no número de crianças
identificadas, que saltou de menos de 1.000 (mil) alunos, no ano de 2000, para,
aproximadamente, 13.000 (treze mil) alunos, em 2016, representando um grande crescimento;
mas, ainda nos deixa longe dos mais de dois milhões de alunos, em potencial, que teríamos.
Apesar destas medidas e orientações, apenas, em 2012, na cidade de São Paulo, foi aprovada a
primeira legislação municipal, no Brasil, sobre alunos com altas habilidades/superdotação e,
109 Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, instituída pela Resolução nº 02 de 11 de
setembro de 2001. 110 O Parecer 17/2001 que subsidia a Resolução nº 02/2001, p.7.
246
somente, em dezembro de 2015, o governo brasileiro aprovou uma lei que obriga o cadastro
dos alunos identificados, com AH/SD, como podemos verificar:
Dispõe sobre o atendimento educacional especializado aos alunos identificados com
altas habilidades ou superdotados no âmbito do município de São Paulo e dá outras
providências:
Art. 1º O município de São Paulo, em atendimento ao disposto no inciso II do art. 59
da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, fornecerá educação especializada aos
alunos com altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede municipal de
ensino.
Parágrafo único. Podem ser consideradas como de altas habilidades/superdotadas as
pessoas que apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer
dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão
acadêmica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança,
talento especial para artes e capacidade psicomotora (Ministério da Educação/2001).
Art. 2º O atendimento às altas habilidades é modalidade de educação especial e
inclusiva e tem início na educação infantil e estende-se, sempre que necessário, a toda
a vida escolar e acadêmica
Art. 5º O município assegurará aos educandos com altas habilidades:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para
atender às suas necessidades;
Art. 11. O atendimento às altas habilidades deve ser realizado, preferencialmente, em
sala comum ou em sala de recursos, sala de apoio ou em outros espaços definidos pelo
município.
Art. 12. O município, a seu critério, realizará parcerias com instituições públicas e
privadas especializadas, associações, instituições de ensino, pesquisa e extensão
universitária visando à identificação e atendimento a pessoas com altas habilidades.
Art. 13. O município promoverá a implantação gradativa do atendimento às altas
habilidades/superdotação no prazo de cinco anos.
Art. 14. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 16 de dezembro de 2013,
460º da fundação de São Paulo. FERNANDO HADDAD, PREFEITO
ROBERTO NAMI GARIBE FILHO, respondendo pelo cargo de Secretário do
Governo Municipal
Publicada na Secretaria do Governo Municipal, em 16 de dezembro de 2013. 111
Publicada em 2013, contando com o prazo de cinco anos para ser, completamente,
atendida, a referida lei é um valioso indicador da situação das AH/SD, no Brasil. Para a
promulgação da referida legislação, foi necessário trabalho intenso de pais e da APAHSD junto
aos vereadores paulistanos, no sentido de sensibilizá-los para a importância do tema. A lei trazia
a novidade de prever que a prefeitura firmaria convênios com instituições especializadas, para
a garantia da identificação e atendimento dos alunos com AH/SD. Ainda assim, em abril de
2016, o coordenador da APAHSD declarou-nos que este acordo engatinha a passos lentos na
prefeitura112.
111 PROJETO DE LEI Nº 352/12, SÃO PAULO. 112 Informação obtida durante entrevista com o coordenador da Associação Paulista de Altas Habilidades e
Superdotação, realizada na sede da instituição, em abril de 2016.
247
No governo federal, a situação não é diferente, nos últimos dias do ano de 2015, a
presidente Dilma sancionou uma lei, que busca atender ao público de alto-habilidosos. Projeto
do senador Marcelo Crivella-RJ, o Governo aprovou uma lei, que de tão óbvia e simplória,
oferece-nos conta do descaso e falta de interesse do Estado Brasileiro com as altas
habilidades/superdotação, Como podemos verificar:
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a identificação, o cadastramento e o atendimento, na
educação básica e na educação superior, de alunos com altas habilidades ou
superdotação.
Art. 2o A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 9o ......................................................................
IV-A - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, diretrizes e procedimentos para identificação, cadastramento e
atendimento, na educação básica e na educação superior, de alunos com altas
habilidades ou superdotação;
“Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro nacional de alunos com altas
habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior,
a fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento
pleno das potencialidades desse alunado.
Parágrafo único. A identificação precoce de alunos com altas habilidades ou
superdotação, os critérios e procedimentos para inclusão no cadastro referido no
caput deste artigo, as entidades responsáveis pelo cadastramento, os mecanismos de
acesso aos dados do cadastro e as políticas de desenvolvimento das potencialidades
do alunado de que trata o caput serão definidos em regulamento.”
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29 de dezembro de 2015; 194o da Independência e 127o da
República.DILMAROUSSEFF
Luiz Cláudio Costa113
A referida lei determina a criação de um cadastro nacional, para os alunos superdotados
presentes na educação básica e ensino superior, indicando que em pleno ano 2015, os setores
responsáveis pela educação, sequer, conhecem o número e onde estudam as crianças
identificadas com altas habilidades. A lei prevê, também, o direito ao atendimento educacional
especializado, sendo que, o governo federal decreta um verdadeiro atestado de falta de interesse,
ao editar lei que, na prática, confirma que nenhum tipo de esforço concreto, no sentido de fazer
valer o direito dos estudantes, foi realizado em duas décadas de LDBN e, ainda assim, a lei de
que tratamos não estipula dotação orçamentária, não define critérios para identificação, não
indica como se alimentará e nem define os responsáveis pelo cadastro.
113LEI Nº 13.234, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2015.
248
Portanto, em 2016, os governos federal, estaduais e municipais, excluídas algumas raras
exceções, como: Brasília, Londrina e Santa Maria, não possuem, sequer, um cadastro para saber
quem são, onde estudam e quantos são os alunos com algum tipo de alta habilidade no país, que
dirá a oferta organizada em serviços de atendimento especializado.
Foi, especialmente, durante a Guerra Fria, que programas de detecção e formação de
talentos foram desenvolvidos, em larga escala e de maneira mais intencional, (RAMALHO J.
V., 2011, p. 2) afirma-nos que a URSS, por exemplo, foi pioneira na seleção de talentos da
matemática, por intermédio da realização de olimpíadas nacionais e regionais da área, como
por exemplo: A Olimpíada de Matemática de Leningrado, de 1934, que tinha por objetivo
detectar jovens destaques na área e que pudessem contribuir com a produção científica ou em
outras áreas estratégicas, do Estado Russo, no campo das ciências exatas. Estes alunos
destacados recebiam convites para estudar nas melhores universidades do país.
O interesse dos EUA, na área, como forma de manter sua hegemonia, seguiu mesmo
após o fim da URSS e o término da guerra fria, como podemos verificar:
Também Gallagher (2000), ao justificar o interesse continuado pela educação do
superdotado nos Estados Unidos, faz referência a um documento do Departamento de
Educação desse país – América 2000 – no qual é apontada a necessidade de um largo
contingente de indivíduos, altamente, talentosos, para que os Estados Unidos possam
manter a sua liderança na indústria, educação superior, ciências, entre outras áreas, no
presente século.(ALENCAR E. S., 2006)
A necessidade de se buscar atingir altos padrões de desenvolvimento, inclusive para
capacitar um país para competir adequadamente com outros, leva à busca da
excelência, a qual se referem Maker e Schiever (1984) ao analisarem os relatórios
americanos “A Nation of Risk” e “Action for Excellence”, ambos de
1983.(VIRGOLIM, 1993)
Muitos países têm programas voltados à atenção dos indivíduos talentosos, várias
nações, que lideram econômica e militarmente o mundo capitalista, têm ações no sentido da
detecção e incentivo ao desenvolvimento destes indivíduos, podemos verificar nos
ensinamentos de (ALENCAR, 1992, p. 5) alguns destes exemplos de programas dos EUA:
Muitos dos programas montados têm sido em áreas consideradas prioritárias pelo
Estado, como Matemática e Ciências. A título de ilustração, poder-se-ia lembrar o
programa de Ciências que é oferecido na Universidade de Columbia, nos Estados
Unidos, para 500 alunos do ensino de segundo grau, que se destacam por seu
desempenho acadêmico e que são convidados a participar de cursos e seminários aos
sábados. Também muito conhecido é o programa para alunos com habilidades
matemáticas superiores na Universidade John Hopkins, o qual tem recebido crianças
e jovens que aí participam de um programa de alto nível.
A autora nos apresenta outros exemplos, como o caso israelense:
249
O Instituto para a Promoção de Artes e Ciências, ligado ao Museu Haaretz e à
Universidade de Tel-Aviv, em Israel, onde anualmente várias centenas de crianças e
jovens têm tido oportunidade de desenvolver as suas habilidades e talentos, através de
cursos que enfatizam sobretudo a criação de ideias. Este Instituto vem oferecendo uma
grande diversidade de cursos, desde a sua fundação, utilizando como um dos critérios
para participação nos mesmos resultados superiores em testes de inteligência.
(ALENCAR, 1992, p. 6)
Como exemplo da tradição Russa de trabalho com AH/SD, cita:
As escolas especiais para talentos acadêmicos, como a Escola de Matemática e
Ciências de Moscou, subvencionada pela Universidade de Estado de Moscou,
juntamente com os Jogos Olímpicos ligados às matérias escolares - Matemática,
Física, Química, Biologia, Literatura – e várias das atividades desenvolvidas nas
Casas e Círculos dos Pioneiros, ilustram as provisões levadas a efeito na Rússia.
(ALENCAR, 1992, p.6)
5.6.1 - As AH/SD por Meio dos Documentos Oficiais Brasileiros
Diante do quadro de invisibilidade dos estudantes com AH/SD, poderíamos imaginar
que exista um vazio completo, do ponto de vista dos documentos oficiais sobre a temática.
Porém, assim como a legislação é antiga e há mais de quatro décadas contempla o público e
reconheça os direitos ao atendimento especializado aos alunos superdotados, no caso das
publicações oficiais referentes à normatização, atendimento, e estabelecimento de
procedimentos didáticos metodológicos para alunos talentosos, estas existem, e foram
publicadas, ao longo dos últimos 20 anos, apresentando boa qualidade pedagógica e científica.
Levantamos ao menos 20 (vinte) publicações sobre o assunto produzidas, nas últimas
duas décadas, pelos governos federal e estadual e buscamos, nesta parte do trabalho, refletir
sobre seu conteúdo e importância no quadro de invisibilidade.
O primeiro documento que elencamos, é um texto produzido pelo MEC e utilizado pelas
secretarias de educação dos estados brasileiros, em que o Ministério da Educação define a sua
concepção de AH/SD, onde confirma a utilização do conceito produzido pelo Relatório
Marland, nos EUA, bem como, as teorias de Renzulli, conforme o documento:
A Política Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação / Secretaria de
Educação Especial (1994) adota o conceito de Marland, que define como pessoas –
crianças e adultos com altas habilidades / superdotação as que apresentam
desempenho acima da média ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes
250
aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica
específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento
especial para artes e capacidade psicomotora.Uma conceituação atualmente aceita por
vários autores sobre o que seja a pessoa superdotada é a de Renzulli, no seu Modelo
dos Três Anéis. (MEC, SEESP, 2002).
O documento aborda temas polêmicos relativos às AH/SD, como sua origem e indica a
refutação dos debates sobre a primazia da genética ou do ambiente, deixando evidente que a
posição do MEC é a seguida por boa parte dos pesquisadores, que consideram a influência de
ambos os fatores, na formação dos talentos.
O documento indica a legislação sobre o assunto, de forma detalhada, bem como, orienta
professores quanto à identificação, afirmando a necessidade de evitar rotulação dos estudantes,
apontando, também, que as atividades desenvolvidas, com o público superdotado, devem ser
levadas a todos os estudantes, segundo o documento:
Toda ação pedagógica utilizada com o superdotado pode ser utilizada com qualquer
aluno. Considerações como estas, (NOVAES, 1981) em seu artigo “Benefícios da
Educação do Superdotado Extensivo a Todos”, chama atenção para o fato de que
propostas de enriquecimento curricular e estratégias têm sido também aproveitados
em situações de aprendizagem com alunos não necessariamente superdotados.
(MEC,SEESP, 2002).
Escrito de maneira simples, em forma de tópicos, o texto é um importante documento
de orientação aos professores e gestores, que se vejam em dificuldades com o tema e aborda os
principais tópicos relativos às altas habilidades/superdotação, chegando mesmo a denunciar o
quadro de invisibilidade destes estudantes, ao dizer:
É necessário divulgar entre educadores o enorme desperdício de talento e potencial
humano em nosso país, decorrente das possibilidades limitadas oferecidas ao
desenvolvimento e expressão da inteligência, criatividade e talento, de expressivo
contingente de estudantes, especialmente daqueles de famílias de baixo poder
aquisitivo. (MEC,SEESP, 2002).
Outro material importante é um caderno disponível, em formato digital114, que traz uma
coletânea de fichas, documentos e formulários necessários, para que um gestor escolar entre
com o pedido de abertura de uma sala de recursos multifuncionais, visando atender aos alunos
com altas habilidades/superdotação. Nesta série documental, temos: a relação de documentos
para a solicitação de autorização para funcionamento; renovação de autorização para
funcionamento; cessação de autorização para funcionamento; planilhas de controle de
114 Cartilha elaborada pelo Ministério da Educação Brasileiro, com fichas e documentos necessários para a
formalização do pedido de abertura de um NAAH/S, bem como documentos para renovação e continuidade do
programa, disponibilizado no ano de 2006.
251
frequência e resultados dos estudantes; modelos de avaliação pedagógica para os alunos da
turma de recursos multifuncionais, servindo de norteador e facilitador dos trabalhos dos
gestores interessados no atendimento aos alunos com AH/SD.
Produzido em 2006, o próximo documento115 é uma cartilha orientadora sobre o
funcionamento e atuação dos NAAH/S, Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação, destinada aos secretários estaduais de educação e às secretarias de
educação, de todo o país. Neste documento, temos a definição de altas
habilidades/superdotação, os objetivos dos NAAH/S, a justificativa de sua necessidade, bem
como, toda a descrição do funcionamento do programa, as competências de cada ente
federativo e orientações sobre questões práticas do programa, como: controle de frequência de
alunos; procedimentos para contratação de educadores; materiais a serem solicitados pelas
SEDUCs e parcerias a serem constituídas.
A cartilha é detalhada, contendo modelos de atas de contratação dos consultores,
endereços dos jornais de grande circulação, na região, para que as informações sobre o
programa cheguem ao grande público. Engloba, também, fichas de aluno, professores e planos
de atendimento. A carta de apresentação aos secretários esclarece os objetivos do projeto e
bases em que se fundamenta:
A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, com o objetivo de
apoiar os sistemas de ensino, está implantando em parceria com as Secretarias de
Educação em todas as Unidades da Federação, os Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação – NAAH/S, disponibilizando recursos didáticos e
pedagógicos, bem como formando profissionais com competência técnica para
atender os desafios acadêmicos, sócio-emocionais dos alunos com altas
habilidades/superdotação. [...]Estes Núcleos estão organizados com salas de recursos
para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, oportunizando o
aprendizado específico e estimulando suas potencialidades criativas e seu senso
crítico, com espaço para apoio pedagógico aos professores e orientação às famílias de
alunos com altas habilidades/superdotação. [...]A proposta de atendimento
educacional especializado para os alunos com altas habilidades/superdotação tem
fundamento nos princípios filosóficos que embasam a educação inclusiva. Tem como
objetivo formar professores e profissionais da educação para a identificação dos
alunos com altas habilidades/superdotação, oportunizando a construção do processo
de aprendizagem e ampliando o atendimento, com vistas ao pleno desenvolvimento
das potencialidades desses alunos, proporcionar informações sobre as necessidades
educacionais especiais dos alunos com altas habilidades/superdotação para todos os
membros da comunidade escolar da rede regular de ensino. [...]As orientações aqui
apresentadas visam subsidiar as ações dos Núcleos e, consequentemente, contribuir
115
PINTO, M. R. R; Documento Orientador, Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação, MEC -
Brasília – DF – 2006.
252
para sua implantação. São ideias e procedimentos que serão construídos, de acordo
com a realidade de cada Estado, contribuindo efetivamente para a organização do
sistema educacional, no sentido de atender às necessidades e interesses de todos os
alunos, garantindo que tenham acesso a espaços destinados ao atendimento e
desenvolvimento de sua aprendizagem. (MEC -Ministério da Educação, 2006)
Supomos que tal documento tenha sido encaminhado a todos os estados brasileiros e
que poderia ter desencadeado um movimento, no sentido de garantir o atendimento ao público
com altas habilidades/superdotação. O próprio MEC, na justificativa que faz aos secretários de
educação da importância do programa, reconhece o quadro de invisibilidade dos alunos
superdotados e indica a urgência de medidas do poder público:
Dados do último Censo Escolar referentes ao ano de 2005, divulgado pelo Ministério
da Educação, revelam a existência de 56.733.865 milhões de alunos matriculados nas
modalidades do ensino básico. Desses, 640.317 mil são alunos com necessidades
educacionais especiais Desse total da educação especial (100%), apenas 1.928 (menos
de 0,3%) alunos são identificados como superdotados. Os dados constantes da tabela
1 indicam que já existe um movimento crescente em relação à identificação e ao
atendimento às necessidades educacionais dos alunos com altas
habilidades/superdotação. Mas, se forem levados em conta o potencial de
superdotação de uma população de estudantes (de 15 a 20%) e o número de alunos
matriculados na educação básica (56.478.988 de alunos matriculados na educação
básica), verifica-se que apenas 0,003% desta população foi identificada na categoria
altas habilidades/superdotação. Os dados sugerem que o atendimento da demanda
potencial desses alunos está muito aquém do desejável e apontam a necessidade de
melhor identificação e de atendimento às necessidades dos alunos com altas
habilidades/superdotação, além da qualificação profissional dos professores para este
fim. Esta situação justificou em 2005 a implantação no País de Núcleos de Atividades
de Altas Habilidades / Superdotação.Os dados indicam a urgente necessidade de
formação profissional na área, no sentido de melhorar os índices de alunos
identificados e o oferecimento de serviços especiais para estes alunos.” (MEC -
Ministério da Educação, 2006)
Na definição dos competes, de cada parte nos programas, é possível constatar como os
programas, para atendimento às altas habilidades/superdotação, são organizados e o que cabe a
cada ente federativo, o MEC, por exemplo, responsabiliza-se por:
1- Viabilizar a aquisição e distribuição dos equipamentos necessários à implantação e
implementação do NAAH/S. 2- Promover um Seminário Nacional para a formação
de profissionais multiplicadores que atuarão nos NAAH/S. 3- Orientar as atividades
dos NAAH/S, durante a fase de implantação. 4- Promover a supervisão,
acompanhamento, orientação e avaliação do funcionamento dos programas e serviços
do NAAH/S. 5- Disponibilizar recursos financeiros para contratação de consultores
para dar suporte às atividades desenvolvidas nos Núcleos durante oito meses.
Já às secretarias estaduais de educação caberia:
1- Oferecer o espaço físico para a instalação dos Núcleos. 2- Disponibilizar os
profissionais para atuação nos Núcleos. 3- Realizar a manutenção dos equipamentos
253
e materiais didáticos e pedagógicos necessários às atividades. 4- Planejar e realizar
cursos de formação de professores e profissionais. Promover a supervisão,
acompanhamento, orientação e avaliação do funcionamento dos serviços do NAAH/S.
5- Produzir materiais para trabalhar com os alunos com altas
habilidades/superdotação. [...] Realizar a identificação, atendimento aos alunos, à
família e orientação aos professores, bem como apoiar as redes de ensino. 6-
Disseminar a política pública de atendimento as altas habilidades/superdotação.
Assim, o MEC desenvolveria as ações iniciais de implementação do programa e as
secretarias estaduais arcariam com os investimentos em espaço físico e profissionais,
entretanto, um olhar atento mostra-nos que além de funções de implementação e supervisão, o
Ministério da Educação não se comprometeria com custos de manutenção, implantação do
programa, que ficaria a cargo das secretarias de educação dos estados.
Fato importante é que o próprio MEC, quando ocorreu a implementação do programa,
parece reconhecer a dificuldade em romper o ciclo de invisibilidade dos estudantes e propõe
uma meta, extremamente, conservadora para o programa, como podemos verificar:
O Programa de Implantação de Núcleo de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação – NAAH/S é uma estratégia de inclusão tem por objetivo
a expansão do atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos com
altas habilidades e superdotação, atendendo por volta de 60 alunos por núcleo, com
um total de cerca de 1.620 alunos por ano. Esse número diz respeito aos Núcleos, no
entanto, devem ser contabilizados os atendimentos nas instituições e salas de recursos
parceiras e que recebem orientação e suporte técnico do NAAH/S. (MEC -Ministério
da Educação, 2006)
A precariedade da implementação do programa é verificada no material didático
disponibilizado para a sua implantação; composto por 04 (quatro) revistas produzidas pelo
ministério, que analisaremos na sequência, e os seguintes recursos estruturais:
A Secretaria de Educação Especial disponibilizou equipamentos como: 06
microcomputadores com gravador de CD e multimídia, 01 impressora multifuncional,
01 scanner, 01 webcan, 01 TV 29’, 01 DVD; e o mobiliário: 01 mesa redonda, 01
armário de aço, 06 mesas para computador, 06 cadeiras para computador, 01 mesa
para impressora, 01 quadro branco; para a organização das unidades de atendimento
dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação – NAAH/S (MEC -
Ministério da Educação, 2006)
A cartilha demonstra, por um lado, que tivemos organização na implementação do
programa e que as secretarias de educação, além, de terem acesso à informação possuem
material sistematizado, para o atendimento. Por outro lado, ficam evidentes as condições
precárias e não prioritárias dedicadas ao público com AH/SD, desde sua implantação.
254
Um dado interessante sobre as AH/SD é que, a partir de 1999, o MEC passou a produzir
materiais sobre o assunto, com objetivo de formar docentes, gestores e psicólogos envolvidos
na área. Os materiais, em geral, são de boa qualidade, contêm informações de modo simples e
didático, sendo baseados em pesquisas recentes e bibliografia atualizada; em muitos, temos
renomados pesquisadores, como os responsáveis pela produção e coordenação dos mesmos,
indicando um bom trânsito entre mundo acadêmico e MEC.
Dentre estes materiais, destacamos a coleção “Altas Habilidades/Superdotação:
Encorajando Potenciais, da autoria de (VIRGOLIM, 2006). Trata-se do primeiro volume, de
uma coleção de 04 (quatro) brochuras, sobre os mais diversos assuntos relativos às altas
habilidades/superdotação; contando, enquanto autoras, com duas das mais importantes
pesquisadoras brasileiras sobre o tema: Ângela Virgolim e Renata Maia-Pinto, ambas oriundas
do programa de pós-graduação da UNB. O material tem ótimo conteúdo, bibliografia e
conceitos atualizados e está dividido entre os seguintes itens:
Capítulo 1: Por que investir na educação de alunos com Altas
habilidades/superdotação? O papel da família, da escola e da sociedade no
desenvolvimento dos talentos; Capítulo 2: O que as palavras querem dizer? -As
diferentes terminologias e definições na área; Capítulo 3: Como reconhecer uma
criança superdotada? - As características cognitivas, afetivas e sociais do
superdotado; Capítulo 4: Encorajando potencialidades - Desenvolvendo a
superdotação na teoria e na prática
A publicação aborda, praticamente, todos os chamados mitos sobre as AH/SD e faz um
percurso que engloba, desde os motivos para atender alunos superdotados pela educação
especial, passando pela definição de conceitos e culminando com a orientação aos profissionais
da educação, quanto à forma de identificar e trabalhar com estes estudantes.
O segundo volume é, especificamente, voltado à orientação dos professores sobre o
assunto e para sua elaboração foi escolhida a professora Denise Fleith, professora do
departamento de psicologia da UNB e membro da diretoria do Conselho Mundial para Altas
Habilidades/Superdotação. O volume traz renomados pesquisadores da área e a leitura deste
materialjá seria capaz de aproximar o professor do que há de mais importante, no Brasil, sobre
AH/SD. Dividido da seguinte forma (FLEITH, 2007):
Introdução - Denise de S. Fleith; Capítulo 1: Indivíduos com Altas
Habilidades/Superdotação: Clarificando Conceitos, Desfazendo Ideias Errôneas,
Capítulo 2: Educação do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação: Legislação
e Políticas Educacionais para a Inclusão; Capítulo 3: Características Intelectuais,
Emocionais e Sociais do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação; Capítulo 4:
Estratégias de Identificação do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação;
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Altas
Habilidades/Superdotação.
255
A publicação faz um panorama sobre as altas habilidades/superdotação aos professores,
percorrendo desde as concepções e conceitos, com destaque para o quadro de invisibilidade
destes estudantes, até questões como: a legislação, características dos estudantes alto-
habilidosos, e estratégias de identificação e atendimento.
O terceiro e quarto volumes da publicação, também, sob a coordenação de Denise de
Souza Fleith, são destinados à orientação de pais e familiares e à construção de práticas que
estimulem o talento dos estudantes (FLEITH, 2007). Estão organizados, com o objetivo de
oferecer um caminho para que se construa um modelo de identificação e atendimento adequado,
vejamos:
Volume 3:
Introdução; Capítulo 1: Estratégias de Promoção da Criatividade; Capítulo 2:
Desenvolvimento do Autoconceito; Capítulo 3: Modelo de Enriquecimento Escolar;
Capítulo 4: Desenvolvimento de Projetos de Pesquisa; Capítulo 5: Grupos de
Enriquecimento.
Volume 4:
Introdução; Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento; Capítulo 2:A
Família do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação; Capítulo 3: O Papel da
Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades/Superdotação; Capítulo 4: Parceria
entre Família e Escola.
Contando com forte presença do grupo de pesquisadores da UNB, as publicações
prezam por material de boa qualidade e em cores, contendo diversos infográficos, com objetivo
de tornar a leitura mais leve e interessante, trazendo, também, modelos de atividades a serem
desenvolvidas com os estudantes.
O material foi desenvolvido, no momento da implantação dos NAAH/S, fazendo parte
das ações do governo federal em atender as demandas por políticas públicas na área.
Entretanto, um fator indica o descompasso entre o que se diz e o que se realiza em
relação ao tema, no caso do governo, uma vez que, apesar da qualidade e da importância do
material, o MEC decidiu imprimir o material, com uma tiragem de apenas 5.000 (cinco mil)
exemplares e deixando os documentos em PDF, no site do MEC, para serem acessados.
Se pensarmos que o Brasil conta com mais de 2 milhões de professores distribuídos, em
quase, 200 mil escolas públicas e privadas e, sabendo das dificuldades dos trabalhadores em
educação para acessar os conteúdos online e realizar sua leitura e impressão, podemos verificar
que, ainda que tenha custeado a produção de um excelente material, o governo decidiu publicar
a coleção, a partir de uma tiragem mínima, que atenderia a um pequeno público interessado e,
assim, cumprir sua obrigação, apenas, na perspectiva burocrática, relegando, novamente, estes
alunos à invisibilidade.
256
Novamente, verificamos que para além dos mitos, que os educadores possam vir a
alimentar sobre as AH/SD, a invisibilidade é produzida por medidas concretas do Estado
Brasileiro. A questão que precisamos esclarecer é por qual motivo o MEC dedica tão pouco
interesse a uma área teoricamente estratégica aos interesses nacionais?
O material desenvolvido, em 2007, não foi a primeira experiência brasileira, na área. No
ano de 2004, outra medida já havia sido adotada, em termos parecidos. Nesta data, a coleção
“Saberes e Práticas da Inclusão: Altas Habilidades”, organizada por Francisca Rosineide
Furtado do Monte, contanto com a participação de Fleith, na elaboração e com o parecer de
renomados pesquisadores, como: Alencar, Guenther e Delou, foi elaborada, em 2003, pelo
MEC, com o intuito de informar os professores da educação infantil sobre o tema.
Neste caso, a tiragem do material foi de apenas 10.000 (dez mil) exemplares, para todo
o universo da educação brasileira.
Para verificarmos que não são poucas as informações produzidas pelo MEC sobre o
tema, em 2005, temos uma nova publicação na área: “Desenvolvendo competências para o
atendimento às necessidades educacionais de alunos com altas habilidades/superdotação” 116.
Esta coleção, novamente, contou com a participação de Virgolim e Fleith, neste caso, não
tivemos acesso a tiragem do material, mas, temos uma brochura de 144 páginas sobre o tema,
que é a compilação de um curso de formação para docentes sobre as AH/SD, onde abordam
desde as teorias e conceitos até a implementação de processos de identificação e atendimento.
Temos ainda, alguns documentos, do período do governo de Fernando Henrique
Cardoso, publicados entre 1999 e 2002. O primeiro, uma cartilha de 38 (trinta e oito) páginas
intitulada: “Identificando e atendendo as necessidades educacionais especiais dos alunos com
altas habilidades/superdotação”, tendo Maria Salete Fábio Aranha como organizadora do
material. A publicação contou com tiragem de 10.000 (dez mil) exemplares, sendo um material
superficial e com bibliografia enxuta, quase toda em inglês.
A última publicação sobre o tema, parte da “Série Diretrizes”, é a mais recuada no
tempo. Data de 1999, também, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sem dúvida, é a
mais volumosa publicação na área, contendo 02 (dois) volumes, que totalizam mais de 300
(trezentas) páginas. A publicação aborda o tema da “superdotação e talento” e foi organizada
por Leila Magalhães Santos, não há constatação de sua tiragem.
116 Saberes e práticas da inclusão : desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais
especiais de alunos com altas habilidades/superdotação. [2. ed.] / coordenação geral SEESP/MEC. - Brasília :
MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. 143 p. (Série : Saberes e práticas da inclusão).
257
A publicação conta com uma bibliografia enxuta, repleta de obras estrangeiras. Cabe
destacar, que esta publicação dos anos de 1990, traz algumas características e posições que
divergem da maioria dos pesquisadores brasileiros e que podem nos indicar que, muitas vezes,
ideias difundidas, inclusive, pelos órgãos oficiais do governo brasileiro, são responsáveis pela
invisibilidade e confusão conceitual, como exemplo, destacamos os excertos: A natureza
encarrega-se de produzir os gênios, os superdotados e os talentosos. Ao sistema educacional
cabe se preparar para o aproveitamento e a estimulação destas crianças e jovens.(SANTOS,
1999, p. 222)
Combater os mitos sobre as AH/SD, quando documentos oficiais, com objetivo de
formar os docentes e gestores, indicam que talento, superdotação e genialidade seriam fruto da
natureza, torna-se algo complicado. Buscar mínima compreensão, na área, quando o ministério
da educação difunde equívocos, como a distinção entre talento e superdotação, constitui tarefa
árdua e de sucesso improvável. E assim, podemos verificar a participação efetiva dos órgãos
oficiais na produção da invisibilidade.
Desta maneira, constatamos que, apesar da invisibilidade dos alunos com AH/SD, e do
reduzido número de identificações, os órgãos oficiais brasileiros têm uma tradição de publicar
materiais sobre o assunto, indicando que possuem conhecimento do tema. Porém, o caminho
seguido é o de enfrentar o problema, apenas, de modo protocolar, assim, alimentando a
invisibilidade, em boa parte, por falta de interesse dos órgãos responsáveis pela educação.
O Governo do Estado de São Paulo, também, tem publicação voltada para as AH/SD.
Com tiragem de 10.000 (dez mil) exemplares, o caderno “Um olhar para as altas habilidades”
117, de 2008, é um documento destinado aos trabalhadores da educação, nos moldes dos
materiais produzidos pelo MEC, sendo a primeira ação do governo paulista voltada a este
público.
Organizado por Christina M.B. Cupertino, pesquisadora renomada na área, o material
tem bibliografia atualizada e repleta de boas opções aos professores, com um acabamento
cuidadoso, contendo gravuras de alunos que ilustram a obra, trazendo inúmeros estudos de caso,
como forma de auxiliar os professores, no processo de identificação e atendimento dos alunos
superdotados.
Material bem estruturado e de boa qualidade, o documento, em suas mais de 90
(noventa) páginas, traz muitas informações ao professor interessado.
117 Um olhar para as altas habilidades: construindo caminhos / Secretaria da Educação, Núcleo de Apoio
Pedagógico Especializado - CAPE; organização, Christina Menna Barreto Cupertino; Denise Rocha Belfort
Arantes. - 2. ed. rev. atual. ampl. - São Paulo : SE, 2012. 87 p.
258
Entretanto, novamente esbarramos na diferença entre as intenções declaradas pela
Secretaria de Educação e a sua implementação, na realidade. Com uma tiragem que abarca,
apenas, 5% dos docentes da rede estadual, se fôssemos distribuir os exemplares por escolas,
teríamos, somente, 2 (dois) destes exemplares, em cada uma das mais de 5.000 (cinco mil)
escolas estaduais, do Estado de São Paulo, sem contar, que não foi feita nenhuma ação, no
sentido de difundir o material entre as redes de ensino municipais. O resultado, novamente, é a
existência de um material de grande qualidade, mas que não chega ao professor e, em nossas
pesquisas, apenas, um único gestor educacional, dentre centenas de professores e gestores, que
participaram da pesquisa, havia tido contato com o material.
5.7 - As AH/SD na Câmara dos Deputados
No Brasil, quando vêm de famílias mais ricas, os talentosos são identificados e
recebem a educação apropriada. Mas e quando são de famílias pobres? São ignorados
pela escola. [...] como já foi demonstrado pela boa pesquisa, os talentosos são
impedidos de desabrochar no tipo de escola que o Brasil oferece. Desajustam-se ou
fingem ser medíocres, a fim de evitar conflitos e embaraços. São diamantes
descartados.118
Dentre os documentos oficiais brasileiros sobre altas habilidades/superdotação,
consideramos que dois documentos da Câmara dos Deputados, dos anos 2004 e 2010, sejam
fundamentais para analisarmos o papel do Estado Brasileiro na situação de in-visibilidade.
São importantes, em primeiro lugar, por indicar que, contra prognósticos desavisados,
existem boas reflexões e suficiente informação das instâncias de poder, no Brasil, sobre tais
estudantes. Sua relevância ocorre, para termos uma ideia adequada, da forma como a pressão
de militantes, na área, chega às instâncias superiores do poder e consegue “sensibilizar” os
deputados. É decisiva, na compreensão do trabalho de pesquisa, ao nos fornecer informações
sobre o tratamento do tema pelo governo brasileiro, nos últimos 15 (quinze) anos.
O primeiro documento data de 2004, chamado “Educação Especial para
Superdotados”, tem como seu relator, Maurício Holanda Maia, especialista em educação, ex-
secretário de educação do Ceará.
O texto traz, desde considerações básicas sobre o tema, como terminologia e
conceituação da superdotação, até questões legislativas e modelos de atendimento.
118
Claudio de Moura Castro. Diamantes descartados. Revista Veja, Seção Ponto de Vista. 7/5/2008.
259
O documento apresenta os termos: superdotados, altas habilidades e talento como
sinônimos, uma inovação diante de alguns documentos, anteriormente, publicados pelo MEC,
ainda que, no título, tenha nomeado, apenas, superdotado. Como mostra (MAIA, 2004, p.3)
As crianças superdotadas, também definidas como portadoras de altas habilidades
(PAH) ou talentos, constituem um segmento do grupo maior de crianças que, por
serem detentores de traços individuais específicos, são definidos como “portadores de
necessidades (educacionais) especiais.[...]A Constituição Federal, Artigo 208, III,
ainda se refere a esses alunos (excepcionais) como “portadores de deficiência”,
reconhecendo-lhes o direito a “atendimento educacional especializado.
O documento apresenta os debates sobre o conceito de altas habilidades/superdotação,
a partir das teorias de Renzulli (1978), citando bibliografia específica e os avanços advindos da
inclusão do termo altas habilidades, como modo de diminuir o peso negativo de superdotação:
No tocante aos superdotados, o campo técnico-científico vem operandouma
atualização em que a noção de superdotação passa a conviver com a expressão
“portador de altas habilidades”, semanticamente menos carregada e conceitualmente
mais precisa. (MAIA, 2004, p.6)
Em termos de definição do que seja “superdotado”, uma formulação amplamente
aceita pelos especialistas brasileiros é a de Joseph Renzulli (1986), citado por Susana
Pérez, que define a superdotação em termos de “[...] comportamentos que refletem
uma interação entre os três grupamentos básicos dos traços humanos - sendo esses
grupamentos habilidades gerais e/ou específicas acima da média, elevados níveis de
comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. (MAIA, 2004, p.7)
O documento denuncia a situação de falta de atendimento aos alunos com altas
habilidades/superdotação e alerta:
Se de uma maneira geral as crianças portadoras de altas habilidades não estão
excluídas do acesso à escola, com muita frequência, contudo, veem-se excluídas na
escola. Isto é, experimentam com sofrimento e impotência a constatação cotidiana de
que os modelos organizacionais-pedagógicos que formatam a escola não são capazes
de comportar a convivência positiva com suas diferenças individuais e suas
necessidades educativas especiais. (MAIA, 2004, p.7)
O texto indica a existência de legislação, já antiga, no sentido de garantir atendimento
ao público com AH/SD e ressalta que o PNE, de 2001, já trazia metas para a área, diz o texto:
Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 10.172/01, por sua vez, no capítulo da
Educação Especial estabelece a meta de ”implantar, gradativamente, a partir do
primeiro ano deste plano, programas de atendimento aos alunos com altas habilidades
nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. (Meta 26). (MAIA, 2004, p.7)
260
O texto denuncia os parcos investimentos do poder público, no setor e a dificuldade em
se cumprir as metas estabelecidas, no PNE, terminando por sugerir novas pesquisas,
objetivando conhecer o assunto e formas de atendimento implementadas, no Brasil.
O segundo documento é do ano de 2010, com o título “Educação de alunos
superdotados/Altas Habilidades119”, sob a coordenação de Aparecida Andrés. Trata-se de um
extenso documento, de 98 (noventa e oito) páginas, que contém um levantamento da legislação
brasileira sobre o tema, bem como, um minucioso estudo da legislação sobre o assunto de
diversos países, como: Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile, Peru, Alemanha, Espanha,
Finlândia e França.
Novamente, o texto apresentado aos deputados traz uma discussão sobre os conceitos
utilizados na área; as diferentes perspectivas sobre altas habilidades/superdotação, talento,
prodígio, precoces e gênios; bem como, a teoria de Renzulli utilizada pelos especialistas na
área, tanto no ConBraSD, como pela legislação brasileira.
Neste documento, o próprio Estado brasileiro reconhece a pouca atenção dada ao tema
e a situação de invisibilidade destes estudantes, fato importante, ao tornar oficial uma
constatação de especialistas e denúncia de famílias e sociedade civil organizada, vejamos:
Tanto a legislação nacional quanto a base normativa referentes aos direitos das
pessoas com altas habilidades/superdotadas são escassas. Este segmento social,
quando considerado na legislação, via de regra o é como se subconjunto fosse do
segmento maior das ‘pessoas com deficiência’, não obstante a evidente
impropriedade. Entre as várias consequências deste fato, está o tratamento legal muito
mais detalhado e específico das deficiências e a ligeireza, falta de atenção ou, na maior
parte dos casos, a desconsideração pura e simples dos aspectos especificamente
concernentes aos alunos talentosos ou portadores de altas habilidades. (ANDRÉS,
2010, p. 9)
A autora faz um histórico do atendimento aos superdotados, no Brasil e sua tardia
inclusão nos documentos oficiais, terminando por apresentar a constatação de que, apenas, no
século XXI, foram efetivadas, em nosso país, as primeiras ações concretas, com vistas a garantir
a atenção devida aos alunos, com AH/SD:
Entretanto, os maiores avanços na área da educação para superdotados na legislação
e no atendimento - ocorrerão já no novo milênio, sobre a base da implementação da
nova LDB (Lei nº 9394/1996), das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na
Educação Básica, editadas pelo CNE em setembro de 2001 e com a aprovação do
Plano Nacional de Educação (PNE - Lei Nº 10.172/2001), em janeiro de
2001.(ANDRÉS, 2010, p. 17)
119ANDRÉS, A. “Educação de alunos superdotados/Altas Habilidades , Câmara dos Deputados, 2010
261
Documento de boa qualidade, com referências bibliográficas atualizadas, transita pela
maioria dos grandes problemas educacionais relativos as AH/SD e possibilita concluir que às
autoridades brasileiras não falta informação sobre o assunto, tendo os deputados a seu dispor,
o que há de melhor e mais atual, na temática, para basear suas decisões e ações.
O documento denuncia a existência de perspectivas equivocadas sobre as AH/SD,
questionando a noção de que altas habilidades seria sinônimo de genialidade e denuncia o
quadro que tende a ignorar os alunos talentosos, apresenta-nos:
Diferentemente do que se imagina, a criança superdotada não é necessariamente um
“gênio”. Por causa dessa confusão, a palavra “superdotado” está sendo substituída
pela expressão “com altas habilidades”. O aluno com essa característica está acima da
média na escola, nos esportes, nas artes, na criatividade ou na liderança. No caso da
habilidade intelectual, o estudante pode ter um desempenho excepcional em
determinada disciplina escolar, mas não ser bom nas demais. Calcula-se hoje que de
15% a 20% da população tenha altas habilidades.[...]Os especialistas trabalham com
a hipótese de que há no Brasil pelo menos 8 milhões de pessoas com capacidade
cognitiva acima da média da população. (ANDRÉS, 2010, p. 22)
O texto aponta, também, clareza na avaliação sobre a situação destes estudantes, no
Brasil, e apresenta uma leitura do assunto, muitas vezes, mais realista que a verificada por parte
dos especialistas, no tema, indicando, inclusive, que identifica os motivos da invisibilidade
destes alunos e as possíveis soluções para a questão e diz-nos:
Assim, em linhas gerais, constata-se que aindafaltam no país instrumentos de
diagnóstico precoce da superdotação e medidas de encaminhamento dos identificados;
faltam professores especializados na área – praticamente não há formação inicial, em
serviço e continuada, direcionada ao segmento; as pesquisas são escassas (em 2004,
estimava se que o país dispunha de apenas sete doutores com investigações no
assunto) e não obstante os progressos reais, observados principalmente na última
década, ainda há poucas políticas públicas consistentes, articuladas e principalmente
duradouras para este contingente populacional.(ANDRÉS, 2010, p. 22)
Em sua conclusão, apresenta o grave quadro em que tais estudantes encontram-se, na
realidade educacional brasileira, apesar dos avanços na área:
Não obstante os indícios de uma mudança de perspectiva e de estratégias em curso,
pode-se afirmar em conclusão que na prática da vida cotidiana, o que predomina num
país das dimensões do Brasil ainda é, infelizmente, o desconhecimento e a falta de
mecanismos organizacionais, institucionais e pedagógicos das escolas, professores, e
também dos pais e familiares para lidar adequadamente com as crianças e jovens
portadoras de altas habilidades, no mais das vezes por pura ignorância. (ANDRÉS,
2010, p. 25)
262
A segunda parte do documento, é um extenso levantamento de legislações e modelos de
atendimento aos alto-habilidosos, em diversos países, como forma de nortear a implementação
de políticas públicas brasileiras na área.
O trabalho indica diferenças de atendimento e normatização, a depender dos países, por
exemplo: problemas mais severos em alguns países, no que diz respeito ao atendimento e o
fenômeno da invisibilidade, mesmo em localidades ricas, como o Canadá, em que citando um
relatório do governo canadense, na área, diz: Leroux (2000) aponta que, em linhas gerais, havia
no país pouca, insuficiente ou nenhuma preocupação com as crianças desfavorecidas de
elevado potencial. A maioria dos ministérios informou que não existiam medidas especiais para
tal público[...] (ANDRÉS, 2010, p. 27)
Em relação aos Estados Unidos, destaca a existência de atendimento especializado aos
alunos talentosos, desde 1870, com a implantação de uma escola em St Louis-Missouri e outras,
em seguida; também, a criação de uma instituição, há mais de 50 anos, que representa
nacionalmente e recebe verbas federais, de modo a fomentar o atendimento aos superdotados
chamada NAGC - National Association for Gifted Children.O texto aponta um crescimento do
interesse pelo tema, nos Estados Unidos, a partir dos anos 1970, com aumento expressivo na
quantidade de verbas destinadas à área e indicando o volume do tema, naquele país:
A bibliografia especializada aponta que a atenção americana para o talento e os
talentosos cresceu no último quartel do século 20. No Texas, por exemplo, em 1979,
o Legislativo decidiu canalizar fundos para programas de experiências exemplares em
escolas públicas. [...]. De 1978 a 1980, dois milhões de dólares foram alocados no
Texas para os alunos talentosos e, em 1982-1983, o financiamento foi aumentado para
oito milhões de dólares (Texas Education Agency, 1981). Nacionalmente, em 1995,
o Jacob K. Javits Gifted and Talented Education Act29,generosamente, financiou um
Centro Nacional de Pesquisa sobre o Talentosos e Superdotados. Em 1998 o Gifted
and Talented Students Education Act, que prevê canalização de recursos para os
estados, fortaleceu programas e serviços para alunos superdotados, reforçando com
mais fundos as iniciativas realizadas. (ANDRÉS, 2010, p. 34)
Sobre o modelo de financiamento dos EUA, na área, o documento destaca:
Do ponto de vista do financiamento, o governo federal não financia diretamente as
escolas que oferecem programas e serviços para superdotados. O Congresso
americano, entretanto, alocou $7.5 milhões de dólares em 2008 no Jacob K. Javits
Gifted and Talented Studens Education Act, que ampara o National Research Center
on the Gifted and Talented, e em outros fundos de bolsas que focalizam a identificação
e a assistência a estudantes de backgrounds diversos cultural, linguística e
etnicamente, tradicionalmente sub-representados nos programas para estudantes com
talento, ajudando a reduzir as discrepâncias nos resultados e a encorajar a efetiva
igualdade de oportunidades para todos os estudantes. (ANDRÉS, 2010, p. 34)
263
Quanto aos muitos formatos de atendimento aos alunos talentosos e levantamentos
estatais sobre o tema, podemos verificar que este é um assunto tratado como prioritário ao país
e motivo de atenção e planejamento estratégico das políticas de estado:
Pelo menos 15 estados americanos contam com escolas secundárias para alunos
avançados em matemática e ciências ou em artes e humanidades, com diferentes
requisitos para ingresso, horário integral ou oferecendo residência para seus alunos,
sendo que muitas delas se localizam em campus universitários. Os departamentos
estaduais de educação disponibilizam informação sobre o assunto e na maioria dos
casos, são o repositório de dados, leis e políticas educacionais. [...]Por fim, informa-
se que o país dispõe de dois Relatórios federais – A Nationat Risk (1983) e National
Excellence: A Case For Developing America's Talent (1993), que ressaltam que as
oportunidades perdidas de identificação e assistência aos estudantes talentosos nos
EUA resultaram em uma chamada nacional por pesquisas e programações adicionais
sobre este tema. (ANDRÉS, 2010, p. 36)
O documento traz informações sobre o atendimento às AH/SD, na América Latina,
indicando as dificuldades argentinas em fazer a legislação para superdotados se consolidar em
ações objetivas, bem como, o fato de no Chile, a educação dos superdotados não fazer parte da
educação especial, logo estes estudantes não são considerados público com necessidades
educacionais especiais120. O Chile, entretanto, desenvolve projetos de identificação de talentos,
como: as olimpíadas de matemática e a oferta de atendimento curricular enriquecido a alguns
estudantes. Porém, o debate chileno, também, indica a existência da invisibilidade dos alunos
com AH/SD, como aponta o relatório citado pelo documento brasileiro:
Violeta Arancibia, diretora do Centro de Estudios y Desarrollo de Talentos UC
(PentaUC) ao expor seu trabalho Educación de alumnos de Talentos: una deuda y uma
oportunidad para Chile, revelou que em três milhões e meio de alunos chilenos, 350
mil têm potencial para o talento acadêmico. [...] No entanto, denunciou que cerca de
300 mil crianças chilenas não estão recebendo a educação de que necessitam:“- A
maior perda de talento ocorre entreaqueles com menos oportunidades, porque eles
vêm de famílias pobres e frequentam escolas que lhes fornecemeducação de má
qualidade”, disse ela.(ANDRÉS, 2010, p. 45)
O documento chileno é pioneiro ao apontar os ganhos para todo o sistema de ensino e
professores, por intermédio do trabalho com os alunos talentosos, assim como, a necessidade
de desenvolvimento de bolsas de estudo aos alunos com AH/SD, oriundos da classe
trabalhadora, como forma de manter e sustentar seus estudos, evitando-se, assim, que sejam
interrompidos para se dedicarem ao trabalho.
120
“Pelo que se mostrou, observa-se que o marco legal chileno não considera explicitamente políticas educativas
relacionadas com a criança com talento”. ANDRÉS, A. “Educação de alunos superdotados/Altas Habilidades ,
Câmara dos Deputados, 2010.
264
No seuentendimento, as políticas públicas poderiam colaborar em promover maior
equidade e evitar aperda de crianças com talento acadêmico, pois está comprovado
que há um impacto positivo nosistema educacional, como um todo, ao proporcionar
as ferramentas de formação e incentivo aum aluno com tais potencialidades. Ela
menciona inclusive o depoimento de professores quedeclaram ir mais além das
trivialidades da profissão quando têm alunos talentosos em classe;obrigam-se a
estruturar melhor as aulas e a melhorar os conteúdos, impulsionando, positivamente,
o nível de aprendizagem de toda a classe. Violeta Arancibia [...] Também anunciou a
necessidade de se desenvolver um sistema bolsas de estudos para alunos carentes.
”(ANDRÉS, 2010, p. 45)
No caso do Peru, temos semelhança com Brasil, pelo fato dos alunos superdotados
serem considerados público da educação especial, como também, por meio do quadro de
invisibilidade destes estudantes, ao longo de todo o século XX, com as primeiras medidas
efetivas, sendo implementadas, a partir do início do presente século, como podemos verificar:
No Peru, a criança superdotada foi definida como "a criança excepcional devido a
capacidades proeminentes que ultrapassam significativamente a média de inteligência
normal" [...], o que nas leis do país lhe conferia titularidade ante a exigência de atenção
educativa especial. No entanto, porque há muitos anos a educação pública peruana
seguiu uma política de massa, não tem conseguido, [...] fornecer ainda uma assistência
adequada aos estudantes identificados como superdotados (Alencar e Blumen, 1993).
(ANDRÉS, 2010, p. 53)
5.7.2-A União Europeia:
Na sequência, o documento analisa as medidas dos países, membros da União Européia,
na área das altas habilidades/superdotação, como forma de traçar um panorama mais amplo, de
modo a fundamentar as ações brasileiras, neste sentido.
A primeira constatação do documento, é que seguindo o que já havia sido verificado no
Canadá, Argentina, Peru, Chile e, mesmo que com atenuantes, nos Estados Unidos, de um modo
geral, o tema das AH/SD só obteve maior interesse das comunidades e autoridades europeias,
nos últimos 20 anos. Até então, a situação era de igual invisibilidade, como ocorre nos países
citados e, também, no Brasil, deste modo, diz o documento:
A assistência e o apoio educacional aos superdotados vêm crescendo em muitos países
europeus. A opinião geral dominante no século precedente era que os estudantes
altamente capazes não precisavam de atenção especial ou de facilidades adicionais.
Consequentemente, a tarefa de estabelecer medidas de assistência educacional para o
superdotado, nas escolas, foi completamente negligenciada. Somente nos últimos 20
anos, tornou-se cada vez mais aceita e reconhecida a tese de que todas as crianças
precisam de apoio ajustado a seu próprio nível de habilidade - baixo ou alto -, para
desenvolver ao máximo o seu potencial. (ANDRÉS, 2010, p. 54)
265
O documento da Câmara dos Deputados apresenta um panorama interessante, indicando
que a invisibilidade do público com AH/SD foi verificada, ao longo de todo o século XX, em
países de continentes e estágios de desenvolvimento econômicos distintos. Com exceção dos
EUA, que iniciaram cedo sua preocupação na área, a tendência foi negligenciar tais estudantes.
O interesse dos europeus na área é, também, recente e apresenta-se através de
documento de 2001, solicitando levantamento sobre o atendimento aos alunos superdotados,
nos 21 (vinte e um) países, até então, membros da UE:
Em 2001 o Ministério da Ciência e Educação da Alemanha atribuiu aos autores do
Relatório Gifted Education in 21 European Countries: Inventory and Perspective a
tarefa de inventariar a educação para superdotados nas escolas europeias. De início, a
investigação, que começou antes da extensão da União Europeia a 25 países, incluiu
apenas os 15 Estadosmembros de então, mais a Suíça, Polônia, Hungria, Letônia,
Romênia e a Eslovênia. Os resultados constam do relatório de setembro, de
2003.(ANDRÉS, 2010, p. 55)
O relatório indica melhoria, nos modelos de atendimento às AH/SD, no continente
europeu, também, aponta a necessidade de aprimoramento nas legislações, modelos de
atendimento e identificação e melhor formação de professores nesta área, vejamos:
O inventário atualizado revela um desenvolvimento dinâmico da educação para
superdotados nas escolas européias e verificou-se que o estatuto legislativo das
crianças superdotadas e de suas necessidades transformou-se realidade em alguns
países. A formação de professores e seu aprimoramento melhoraram na maioria dos
casos estudados. Entretanto, o maior progresso foi constatado na Suíça, Alemanha e
Reino Unido, países que em 2002, já se posicionavam muito bem no ranking da
educação para superdotados e que vêm registrando um progresso substancial contínuo
desde essa data. Romênia e Suécia aparentemente também têm se direcionado no
sentido correto. [...] Importante e significativa lista de expectativas e de distintas
prioridades permanece existindo nos países pesquisados: quase todos querem ver uma
expansão da assistência para os superdotados e um reconhecimento e inserção maiores
da educação para superdotados na legislação escolar. E, sobretudo, é considerado
essencial que, para uma melhoria real do professorado, a educação para superdotados
venha a integrar o currículo básico da formação docente. (ANDRÉS, 2010, p. 56)
O documento europeu, utilizado pelos deputados brasileiros, indica os caminhos e
estágios de atendimento de alguns países europeus, no sentido de apontar semelhanças e
diferenças em relação ao Brasil.
Em relação à Alemanha, o país europeu com o sistema de ensino a superdotados mais
desenvolvido e estruturado, talvez, por ser a maior economia do continente, enxergando,
rapidamente, a necessidade de se estruturar para o novo ciclo de competição econômica que se
anunciava, o texto indica-nos algumas informações interessantes:
266
Somente alguns estados federados (Alemães) tratam do tema da educação de
superdotados, durante a formação compulsória dos professores. Oportunidades para
atualização e educação continuada de professores são, ocasionalmente, oferecidos na
Alemanha. O Centro Internacional para o Estudo da Superdotação (ICBF) da
Universidade de Munster coordena programas de atualização para professores-
especialistas em superdotação (ECHA) e programas de atualização para professores
especialistas em pré-escola de superdotados (ECHAcertificados). [...]A experiência
adquirida com esses programas tem sido aproveitada e posta em prática em alguns
estados federais, principalmente, na Renânia do Norte - Westphalia. Algumas cidades
assumem a responsabilidade da atualização dos seus professores, na educação de
superdotados: por exemplo, o Centro de Competência para Educação de Superdotados
de Dusseldorf (CCB) iniciou um curso, em colaboração com o ICBF-Programa
ECHA, para um grupo de professores das escolas da cidade. Além disto, o Centro
fornece avaliação psicológica individual para os alunos com alto potencial. A rede de
educação de superdotados é organizada eestes serviços são, em parte ou totalmente,
financiados pelo poder público municipal. (ANDRÉS, 2010, p. 59)
Tal relato indica que, mesmo na Alemanha, os programas de formação de docentes estão
se iniciando, outro ponto importante, é a perspectiva de financiamento público na área,
indicando um vigoroso interesse estatal na questão.
Na França, não temos legislação específica sobre AH/SD e estes são considerados
público da educação especial. Segundo o documento brasileiro, as escolas francesas vêm se
esforçando para garantir atendimento a estes alunos, em seu sistema nacional de ensino. Sobre
o assunto, o relatório, nesta longa citação, aponta-nos:
Na França, não existe legislação específica que defina superdotação ou preveja
disposições educacionais para crianças superdotadas. [...] A filosofia geral das
diretrizes nacionais de educação é a identificação individual das necessidades
educativas específicas (Décret nº 90-788; 6/9/1990), tendo em vista proporcionar
igualdade de oportunidades educacionais para todos (Lei de 10/7/1989). [...] Até,
recentemente, as crianças com necessidades especiais foram consideradas somente
aquelas com dificuldades de aprendizagem, deficiências ou história de fracasso
escolar. No entanto, em 2001, o Ministério da Educação organizou uma comissão para
examinar a situação das crianças, intelectualmente, precoces e propor medidas para
essa população. [...] Na sequência do Relatório Delaubier (de janeiro de 2002), as
crianças, intelectualmente, precoces - ou, mais amplamente, superdotadas - são
consideradas parte do grupo de necessidades especiais (Circular nº2002-074 de
10/04/2002, Circular n° 2003-050 de 28/03/03; e Circular n° 2004-015 de 27/01/04).
1998). [...]Conforme a legislação em vigor, o sistema escolar francês parece estar se
esforçando para fornecer medidas de apoio para que os alunos talentosos desenvolvam
o seu potencial. (ANDRÉS, 2010, p. 72)
Ainda sobre a experiência francesa, não há um modelo oficial de identificação
reconhecido, nacionalmente, do mesmo modo que não existe um programa de formação docente
sobre os superdotados; temos, sim, medidas no sentido de sensibilizar os professores sobre as
necessidades dos estudantes, situação que não deixa de ser semelhante ao caso brasileiro.
O documento brasileiro conclui refletindo sobre a realidade brasileira, de forma
bastante precisa e indicando o tamanho da invisibilidade destes estudantes:
267
À guisa de conclusão, reitera-se, em primeiro lugar, que segundo prognósticos
especializados, há no Brasil pelo menos 8 milhões de pessoas com capacidade
cognitiva acima da média da população (entre 3,5 e 5% da população), boa parte deles
crianças, adolescentes e adultos jovens em idade escolar. [...] Apenas para ilustrar
mais um dos sérios aspectos envolvidos na problemática da educação para as altas
habilidades, o Portal da UOL, na Internet, publicou, em 16/03/2007, informação sobre
os alunos superdotados da escola básica nacional, detectados a partir do Censo Escolar
de 2006, realizado pelo INEP. Eles totalizavam 2.553 alunos (número obviamente
subcalculado), a maior parte dos quais matriculados em escolas públicas (1.358 na
rede municipal de ensino e 1.172 na rede estadual; na rede privada foram identificados
apenas 23). (ANDRÉS, 2010, p. 88)
O relatório encerra indicando ações necessárias aos governantes brasileiros, como
investimento em centros de atendimento, formação de professores e incentivo às altas
habilidades/superdotação, por meio de bolsas de estudo e cita algumas iniciativas públicas e
privadas, na área, como as seguintes: Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade,
desenvolvido pela Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC); Os núcleos de atenção as
altas habilidades/superdotação, NAAH/S; os programas ‘Caça Talentos’, da SEE-SP.
Entendemos que o Estado brasileiro tem razoável informação sobre o tema, mas até o
momento, não temos, praticamente, nada de concreto, em relação ao atendimento aos alunos
com altas habilidades/superdotação e tal fato ocorre por ausência de interesse do nosso Estado,
no real desenvolvimento da área, fato que pode ser comprovado na forma como sucessivos
governos ignoram a problemática.
A constatação de que a situação é semelhante, em diversos países, indica-nos que um
olhar mais amplo sobre a temática é necessário e que temos um quadro onde, se por um lado
existe a defesa das AH/SD, por outro, há um silêncio estatal sobre o tema, o qual decorre,
segundo nossas hipóteses, do fato de tal perspectiva se contrapor ao mito da meritocracia e da
escola única, base da reprodução das desigualdades de classes da sociedade capitalista,
compondo estruturas que, apenas com muito cuidado, devem ser reformadas (para garantir
competitividade das nações) e, sutilmente, tocadas, de modo a não desestabilizar o sistema.
Deste modo, ainda que simpático à sociedade e aos políticos, isoladamente, não há o interesse
efetivo do Estado, no tema, afinal, este não produz ações concretas, no sentido de estimular e
atender os indivíduos com tais características, salvo em condições específicas, como no caso
das potências econômicas, científicas e militares, em determinados países.
CAPÍTULO VI
A INVISIBILIDADE SEGUNDO OS TRABALHADORES DA
EDUCAÇÃO
268
É consenso entre diversos estudiosos aimportância do contexto para a manifestação
do talento (Alencar e Fleith, 2001;Csikszentmihalyi, 1996; Gagné, 2005; Kerr,1994;
Reis, 2005; Renzulli, 2005; Sternberg,2005). As características do indivíduo
sãocompreendidas na interação com o ambienteem que está inserido. Esse processo
émediado pela cultura, que imprime suascrenças e valores nos papéis, práticas
eexpectativas sociais. Dessa maneira, apresença de estereótipos pode dificultarou
retardar a identificação, a promoção ea expressão de talentos. Esses
estereótiposmuitas vezes são internalizados e passam aconstituir barreiras internas à
expressão dopotencial latente no indivíduo.(PRADO, 2011, p. 10)
Como parte de nossas pesquisas, para compreender os motivos da invisibilidade dos
estudantes com altas habilidades/superdotação, nas escolas brasileiras, entendemos que
deveríamos desenvolver pesquisas de campo junto aos professores e gestores educacionais, de
modo a obtermos informações mais precisas sobre a situação pesquisada.
A pesquisa de campo foi composta por ações distribuídas em 04 (quatro) modalidades:
1- as visitas e acompanhamento das instituições especializadas em atendimento de pessoas com
altas habilidades/superdotação; 2- as formações desenvolvidas com professores e gestores no
litoral paulista; 3- os questionários de pesquisa respondidos por trabalhadores da educação
sobre a temática; 4- as entrevistas com profissionais da educação e alunos com AH/SD sobre o
tema.
Nossa metodologia buscou formas informações, de modo que possamos, a partir dos
dados fornecidos por profissionais da educação, confirmar ou não as hipóteses levantadas pelo
trabalho de pesquisa teórico-bibliográfica, bem como, fundamentar conclusões e eventuais
generalizações sobre o tema.
Durante nosso trabalho de campo, buscamos a articulação entre teoria e prática, como
forma de mantermos a coerência da pesquisa, que entende que uma não pode existir sem a outra.
E assim, buscamos respostas para 03 questões, que nortearam a construção da pesquisa e as
discussões dos capítulos anteriores, que são: 1- Os motivos da invisibilidade das altas
habilidades/superdotação; 2- A existência de mitos e preconceitos entre os educadores sobre o
tema, bem como, a formação dos professores sobre o assunto; 3 – O papel da realidade
educacional e do fracasso escolar, na situação analisada.
Deste modo, em outubro e novembro de 2014, abril de 2015 e abril de 2016, realizamos
visitas às instituições de atendimento a AH/SD, em todos os estados da região Sudeste, nos
quais foi possível obter informações sobre como entendem as altas habilidades/superdotação e
explicam os motivos da invisibilidade. Também acompanhamos a bibliografia existente sobre
redes de ensino, que têm tradição no atendimento aos alto-habilidosos, como em: Brasília e
Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
269
Para conhecer a opinião dos professores e gestores sobre o tema, foram aplicados dois
questionários com os educadores, da rede municipal da cidade, onde atuamos. O primeiro
aplicado, no dia 25 de fevereiro de 2015, pessoalmente, durante curso de formação com os
professores da Educação Especial.
O segundo questionário, aplicado no período de novembro de 2015 a janeiro de 2016,
que foi desenvolvido para ser aplicado, virtualmente, aos professores e gestores interessados e
utilizamos a plataforma Google.Forms, de modo a respondermos as questões de nossa pesquisa.
Em seguida, os questionários e convites para a pesquisa foram enviados por e-mail e redes
sociais, como: Facebook e Whatsapp, as respostas foram encaminhadas, automaticamente, pelo
Google ao pesquisador, conforme os professores finalizavam. Tivemos relatos de professores
que responderam os questionários, nos seus locais de trabalho, em casa e, também, por meio do
seu smartphone. Desta forma, atingimos nosso objetivo que era deixar o educador o mais livre
possível, para a resposta do instrumento.
As entrevistas com os educadores foram realizadas, em abril de 2016, após convite
prévio e agendamento com os profissionais. Em primeiro momento, foram desenvolvidas 02
(duas) entrevistas: a primeira, com a professora de Educação Especial, responsável pela
formação de todos os professores da rede municipal sobre o tema da educação inclusiva; a
segunda, com uma das diretoras mais respeitadas na cidade, com mais de 25 anos de atuação,
tendo atuado como: professora, coordenadora pedagógica, assistente de direção e diretora de
escolas de educação infantil, ensino fundamental I e II, com papel de destaque na luta política
e educacional da cidade.
As entrevistas buscaram obter as opiniões daqueles que, em tese, seriam os mais bem
preparados profissionais da cidade sobre o tema da educação especial, a respeito das crianças
com altas habilidades/superdotação. As interlocuções foram realizadas no local de trabalho das
profissionais, em horário e lugar escolhido por elas, contando com questões previamente,
definidas, mas que, em alguns momentos, seguiram o desejo e interesse das profissionais; por
cerca de 50 (cinquenta) minutos, em cada entrevista.
Por entendermos que não poderíamos deixar de ouvir os maiores interessados, na
questão da invisibilidade, os alunos. Realizamos, em dezembro de 2016, 05 (cinco) entrevistas
com educandos que frequentaram, durante o ano de 2016, o curso preparatório para ingresso no
ensino médio técnico, no IFSP e ETEC, no qual atuamos como professor voluntário. O curso é
desenvolvido em uma ONG, funciona aos sábados, é gratuito aos estudantes e, após lecionar
durante todo o ano de 2016 para estes alunos, realizamos as entrevistas, pois, nitidamente,
haviam se destacado e tinham características de altas habilidades/superdotação. As entrevistas
270
tiveram duração de 05 (cinco) minutos, em média, a maioria dos entrevistados obteve
aprovação, nos vestibulinhos prestados, entre os primeiros colocados, em meio a grande
concorrência, comprovando o potencial destes alunos. Entre os entrevistados, tivemos dois
alunos da rede municipal de Cubatão; um aluno da rede pública estadual paulista, morador da
cidade de São Vicente; uma estudante, que residindo em São Vicente, estudava em uma
pequena escola particular de periferia; finalmente, a última e mais longa entrevista ocorreu com
um ex-aluno do cursinho que estudou o ensino fundamental, na rede municipal de São Vicente,
sendo aprovado entre os primeiros colocados na ETEC, atualmente, o aluno cursa o primeiro
ano da graduação em Letras e leciona como voluntário no cursinho.
As formações foram atividades importantes ao pesquisador, constituindo-se momentos
bastante ricos de troca com professores sobre o tema.
Desenvolvemos neste sentido, no período de 2015 a 2016, 5 (cinco) formações com
professores sobre AH/SD. O formato destes encontros variou conforme as condições de tempo
e espaço das escolas. Duas destas formações estiveram voltadas a um público específico, da
área de AEE, sendo a primeira realizada após convite do CAPFC (Centro de Apoio Pedagógico
e Formação Continuada) e SEDUC e a segunda, em palestra desenvolvida, durante o Congresso
de Educação Inclusiva e Acessibilidade, que ocorreu no IFSP, campus Cubatão. Nestes dois
encontros trabalhamos com professores, em sua maioria, de educação especial, mas também,
com gestores escolares e psicólogos de várias escolas e cidades.
Nas outras 03 (três) formações, o contexto foi diferente, realizadas diretamente nas
escolas, a convite dos gestores, trabalhamos com os professores e gestores da unidade visitada
e, assim, professores da educação especial, ensino fundamental I e II e gestores educacionais
puderam conversar sobre o tema, a partir de suas realidades.
Estes encontros, normalmente, giraram em torno dos próprios alunos da escola que
estávamos visitando. Realizamos a formação sobre altas habilidades/superdotação, em três
escolas de ensino fundamental I e II, com o objetivo de conhecer a opinião dos docentes; trocar
informações, verificar o que aconteceu nestas escolas, após a formação e, assim, colocar à prova
a hipótese da falta de formação ou os mitos como motivos da invisibilidade.
Finalmente, desenvolvemos um registro elaborado pelos professores, de uma das
escolas pesquisadas, com suas impressões sobre a formação e o tema das altas
habilidades/superdotação.
6.1- O Questionário Aplicado Durante as Formações
271
O primeiro questionário utilizado em nossa pesquisa foi desenvolvido para ser aplicado
aos professores e gestores, que participaram da formação em educação especial, sobre o tema:
“ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
INCLUSIVA”, promovido pelo CAPFC (Centro de Apoio Pedagógico e Formação Continuada
aos professores da rede municipal). Desta forma, trata-se de curso oficial oferecido pela
SEDUC, para o qual fomos convidados e os professores convocados, a participar da formação.
A formação teve duração de 05 (cinco) horas, ocorrendo no período matutino, das 7h às
12h e no vespertino, das 13h às 18h, contando com a participação dos professores especialistas,
da educação especial da rede, seja em: deficiências auditivas, visuais e intelectuais, também,
havia professores que atuavam, no ano de 2015, como cuidadores de alunos com necessidades
especiais, bem como, gestores municipais de ensino.
O questionário foi desenvolvido, de modo a verificar junto aos profissionais ligados à
educação especial (portanto, os que, teoricamente, teriam mais afinidade e conhecimentos sobre
as altas habilidades/superdotação) quais suas experiências com o assunto, concepções e
hipóteses para o fenômeno das altas habilidades/superdotação, bem como, as explicações para
o quadro de invisibilidade destes alunos. O questionário foi composto por 15 (quinze)
perguntas, divididas entre questões dissertativas e de múltipla escolha.
O questionário foi respondido voluntariamente por 73 participantes, dentre os 105
docentes presentes na formação nos períodos matutino e vespertino, assim, ¾ dos presentes na
formação aceitaram participar da pesquisa, por meio do questionário, sendo que 40 eram
professores que assistiram o curso durante a manhã e 33, durante a tarde.
Quanto à distribuição por sexo dos participantes, todos os 73 questionários foram
respondidos por docentes do sexo feminino. E 100% dos profissionais envolvidos, na educação
especial do município, são mulheres. Consideramos esta unanimidade importante, para que
pudéssemos verificar como os alunos(as) lembrados(as) por terem perfil de AH/SDdistribuíam-
se por gênero, em um universo, onde todos os participantes da pesquisa são mulheres.
Com relação à formação específica, na área de altas habilidades/superdotação, temos os
primeiros dados interessantes. Entre os mais de 70 participantes, 09 destes disseram ter recebido
formação específica na área, durante sua formação acadêmica, sendo que 4 tiveram aulas sobre
o tema, na graduação e outros 04 receberam formação, durante cursos de pós-graduação, em
Educação Especial. Finalmente,01 dos professores respondeu ter realizado curso de formação,
na Associação Paulista de Apoio as Altas Habilidades e Superdotação.
Tal quadro indica que a tese da falta de formação específica na área confirma-se, mesmo
entre os profissionais que lidam, diretamente, com a Educação Especial, entretanto, os
272
profissionais que relatam ter recebido formação, inclusive em centros especializados no tema,
mostram-nos que, ao contrário do que podemos supor, temos sim, alguns profissionais
formados para identificar e atender tais alunos, na rede pesquisada.
Outro ponto importante, relativo à formação docente, é que ainda que mais de 80% dos
participantes relatem não ter recebido formação, nos cursos de graduação e pós-graduação,
cerca de 50% dos participantes ou 36 professores relataram já ter realizado alguma formação
sobre o tema, ainda que sejam em atividades superficiais e rápidas, como: palestras, cursos e
seminários. Demonstrando que, ainda que sem formação oficial, temos um número razoável de
professores que conhecem o tema e possuem informações mínimas sobre o assunto, ao menos
quando nos referimos aos profissionais da Educação Especial e orientadores educacionais.
Dado importante é que 28 dos 73 professores relataram que sua formação na área
ocorreu devido a este buscar informações, individualmente, por intermédio de livros, sites
especializados e palestras sobre o tema, mostrando a existência de interesse e curiosidade
docente, na área das AH/SD, fato que poderia, em tese, contribuir para a superação da
invisibilidade.
O quadro de invisibilidade confirma-se, de modo brutal, quando analisamos o número
de professores que relataram, jamais, ter tido qualquer aluno com AH/SD e nem mesmo
suspeitas sobre o assunto. Foram 56 professores, dentre um universo de 73 participantes, ou
75% dos participantes que relataram jamais ter tido qualquer contato com alunos alto-
habilidosos.
Figura 16. Atuação com alto-habilidosos na carreira
Entre os 25% que disseram ter tido algum tipo de contato com crianças e jovens com
AH/SD, ainda, cabem algumas observações, uma vez que, dos 17 docentes que relataram
alguma possibilidade de ter atuado com este público, 05 expressaram que, talvez, tenham
trabalhado com alunos alto-habilidosos; 03 relataram que tiveram alunos que, apenas,
levantaram suspeitas, sem que tenham, efetivamente, sido identificados e 02 disseram que só,
Teve alunos com AH/SD em sua História profissional? N°: N°%
Sim S/ laudo 3 4,10
Sim C/ laudo 4 5,47
Sim, apenas, suspeita 3 4,10
Sim, mas só noto hoje 2 2,73
Talvez 5 6,84
Não 56 76,7
273
atualmente, notam o potencial destes alunos, ou seja, mesmo dentre os que consideram a
possibilidade de contato com superdotados, mais da metade (10) relatam que estes não tiveram
qualquer tipo de atendimento diferente e não há, sequer, certeza sobre serem ou não alto-
habilidosos/superdotados.
Entre os docentes que disseram, com certeza, terem trabalhado com alunos alto-
habilidosos, tivemos 07 professores, menos de 10% do total de participantes e número inferior
mesmo a aqueles docentes que afirmaram terem recebido formação específica, na área. Assim,
a invisibilidade constata-se, no fato de mesmo aqueles que tenham realizado cursos na área, por
vezes, relatam jamais ter encontrado um superdotado, ao longo de toda a sua carreira, no
magistério. Se considerarmos os alunos indicados, formalmente, com AH/SD, por meio de
laudos, o quadro agrava-se, ainda mais, pois, apenas 04 professores disseram já ter atendido
alunos nesta situação, menos de 5% do total de participantes e quadro de, praticamente, total
invisibilidade confirmada. Cabe o destaque que, ainda entre estes raros alunos descritos, 03
deles foram atendidos por docentes, em outras redes de ensino, que não a que desenvolvemos
a pesquisa, tornando o quadro da invisibilidade, no município em questão, praticamente total,
com apenas 01 professor descrevendo 01 aluno atendido, em um grupo com média superior a
10 anos de atuação no magistério.
Ponto relevante ao perfil dos alunos lembrados, como possíveis casos de AH/SD pelos
docentes, é relativo ao sexo dos educandos. Tivemos 34 alunos citados como casos de talentos
que poderiam ser alunos alto-habilidosos, estes foram citados por 17 docentes, ou seja, uma
média de 02 alunos, por cada docente, que disse já ter atuado com estes educandos. Entretanto,
27 dos 34 alunos lembrados eram do sexo masculino, ou seja, 80% de todos os alunos lembrados
pelos docentes, com possíveis casos de altas habilidades, eram do sexo masculino, indicando
que, mesmo entre os invisíveis, existem os mais invisíveis, sendo neste caso, as mulheres,
reafirmando números apresentados pela bibliografia especializada sobre o tema. Tal
constatação apresenta, claramente, as expectativas relativas ao potencial acadêmico e
perspectiva de futuro para as mulheres, que povoa o imaginário docente e, pode indicar
caminhos, para a compreensão da invisibilidade, que supere as hipóteses de terminologia, mitos
e formação, pois, mesmo entre aqueles que se dispõem a indicar alunos, a invisibilidade das
alunas não consegue ser superada. Este fato torna-se, ainda mais dramático, quando verificamos
que 100% das participantes, que responderam ao questionário, eram mulheres, reforçando
assim, a ideia de superdotação ligada aos homens, mesmo entre as mulheres.
Com relação à faixa etária e nível de ensino dos alunos lembrados, ocorreu um equilíbrio
interessante, em primeiro lugar, o número de professores que não indicou nenhum aluno foi,
274
praticamente, o mesmo entre os diversos seguimentos educacionais e, quando olhamos a idade
e nível de ensino dos estudantes indicados como possíveis alto-habilidosos, temos certa
equivalência de cerca de 1/3 dos casos para cada modalidade, distribuídos entre Educação
Infantil, Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II, contrariando a ideia de que pela idade
precoce, os professores da educação infantil tendessem a notar/indicar menos alunos; não foi o
caso nesta pesquisa e tivemos, respectivamente, 10 alunos(as) lembrados(as), na educação
infantil; 11 no fundamental I e 13 casos, no Fundamental II.
Como forma de verificar até que ponto a invisibilidade constituía-se, propusemos aos
docentes que dissessem se havia algum aluno, que ainda que não tenha sido identificado,
formalmente, como alto-habilidoso, no momento da formação e, agora, refletindo sobre o tema,
poderiam levantar suspeitas sobre AH/SD. Ainda assim, as respostas são consistentemente
negativas, tendo, novamente, mais de 70% dos participantes relatado que, em toda a sua
trajetória docente, não tiveram um único aluno que lhe gerasse suspeitas de AH/SD, como
podemos verificar, na tabela que se segue, compilando os dados descritos:
Figura 17. Atuação com alto-habilidosos na carreira
Lembra-se de alunos ou ex-alunos que poderiam ter AH/SD? N° N°. %
SIM 20 28%
NÃO 53 72%
Ainda que a tese da falta de formação docente indicada pela bibliografia especializada
tenha se confirmado com o grupo pesquisado, verificamos algumas informações que merecem
atenção e que podem ser observadas na tabela a seguir:
Figura 18. A formação docente e a identificação de AH/SD.
Formação e Relação com a identificação de alunos com AH/SD N° N°.%
Prof.,com formação na área, que diz nunca ter atuado com alunos AH/SD 24 60%
Prof. ,sem formação na área, que relata história de alunos AH/SD 6 18%
Dado importante e aparentemente contraditório é que 24 professores, dos 36 que
disseram ter alguma formação na área, ainda, que superficial, afirmaram jamais ter tido um
aluno alto-habilidoso e, mais que isso, mesmo pensando, informalmente, em casos que lhes
geraria suspeitas, a resposta foi negativa. Ao passo que 06 docentes, dentre aqueles que
disseram jamais ter recebido qualquer formação, na área, relataram casos de alunos atendidos
por eles como alto-habilidosos, bem como, alunos que lhes geraram suspeitas de AH/SD.
Esta informação é apenas, aparentemente, contraditória, pois na verdade, indica que
275
ainda que a formação específica e informação sobre o tema sejam relevantes, as concepções
docentes sobre educação, sobre as famílias proletárias e, finalmente, sobre o potencial
intelectual dos estudantes, são determinantes na opção por suspeitar ou não de AH/SD. Esta
relação entre formação na área e disposição em indicar alunos para avaliação pode ser verificada
no gráfico a seguir, que apresenta os dados tabulados:
Figura 19.
Confirmada a tese da falta de formação dos docentes, a respeito das AH/SD, bem como,
a invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, na rede de ensino pesquisada, mesmo entre os
profissionais que possuem alguma formação na área, buscamos verificar quais as concepções
docentes sobre as AH/SD, de modo a refletir qual o impacto das concepções presentes no
imaginário docente, na constituição e perpetuação da invisibilidade.
Desta feita, questionamos os participantes a respeito das causas das AH/SD, segundo
suas concepções, propondo que os professores refletissem sobre como explicariam o fato de
alguns indivíduos apresentarem habilidades/capacidades acima da média. Os professores foram
solicitados a escolher entre um grupo de opções para a explicação das AH/SD, sendo que, as
que lhes foram oferecidas baseavam-se nas explicações mais comumente verificadas, no debate
acadêmico sobre o tema. Assim, os docentes tinham como opções para as causas das AH/SD:
Genética, Pais Dedicados, Dom, Escolaridade dos Pais, Meio Social, sendo possibilitada ao
7%
42%
10%
41%
Professores conforme formação/Experiência com AH/SD
Professores sem formação na área de AH/SD
mas que indicaram já ter trabalhado com alunos
com AH/SD
Professores sem formação na área de AH/SD
que nunca trabalharam com alunos com AH/SD
Professores com ao menos alguma formação na
área de AH/SD e que indicaram já ter
trabalhado com alunos com AH/SD
Professores com ao menos alguma formação na
área de AH/SD e que disseram nunca ter
trabalhado com alunos com AH/SD
276
docente a escolha de mais de uma alternativa ou ainda citar, livremente, sua explicação caso
julgasse que as possibilidades apresentadas não os satisfizessem.
Aprimeira informação, que nos chamou a atenção, foi o fato de 12 participantes terem
respondido não fazer qualquer ideia de como tais habilidades se constituíam, número que
representa quase 20% dos participantes, indicando a falta de informações e reflexão sobre o
tema por parte dos docentes.
Avaliados por número de citações, “Genética e Meio Social” receberam a maior parte
das lembranças, com genética tendo sido lembrada por mais de 50% dos participantes e Meio
Social, por cerca de 30% dos docentes. Tal proporção de respostas indica que os docentes, ainda
que sem formação específica na área, avaliam as causas das AH/SD, conforme o mais
importante debate acadêmico científico, em relação à temática, ou seja, influências biológicas
versus a influência social, para explicar os talentos, altas habilidades/superdotação.
A grande diferença entre a forma como as duas categorias são citadas pelos professores
para a explicação do fenômeno é verificada, quando analisamos a maneira como são citadas. A
categoria meio social é, normalmente, citada combinada com outra categoria, como por
exemplo, a dedicação dos pais e/ou a própria genética e, assim, 12 docentes responderam que
a combinação genética/meio social explicariam as AH/SD. Esta perspectiva, que associa a
explicação dos talentos a uma gama variada de categorias, foi verificada, em praticamente todas
as categorias, assim, a dedicação dos pais foi lembrada por 10 participantes, bem como, o dom
foi citado por 12 professores,como a combinação de todos os fatores foi lembrada por 12
docentes, indicando que a tendência era sempre entender o fenômeno associado à ao menos
duas categorias.
A diferença ocorre, quando avaliamos as citações isoladas para, apenas, uma categoria
como causa das AH/SD; neste ponto temos 17 docentes que citaram a genética,
isoladamente,como causa dos talentos superiores, sendo, de longe, a categoria que mais recebe
citações isoladas. Para termos uma ideia, meio social só foi lembrado, isoladamente, por02
professores. Assim, além de ser presente na representação social do professorado, como causa
primordial e isolada para as AH/SD, com 17 citações, a genética é, ainda lembrada, associada
a outros fatores, por mais 20 participantes. Assim, quase todas as referências, por exemplo, ao
meio social como fator determinante do desenvolvimento das AH/SD, foram associadas à
genética.
Pensamos que verificar o peso que a genética tem, no imaginário docente sobre a
inteligência humana, ajude a explicar, em parte, a invisibilidade das altas-habilidades, se
associadas, às concepções docentes sobre a capacidade intelectual das famílias proletárias, onde
277
ideias como a da carência cultural indicam como os pobres foram e ainda são compreendidos
pelas escolas, bem como, a própria experiência empírica, em lidar com alunos cujos pais ou não
tiveram, sequer, a oportunidade de frequentar a escola, ou quando o fizeram, foi de modo
turbulento e, na maior parte das vezes, repleto de experiências de fracasso escolar. Deste modo,
tendo a genética como explicação e a realidade empírica repleta de fracasso como constatação,
não faria muito sentido procurar algo, onde já “se sabe antecipadamente”, que será improvável
encontrar.
Objetivando aprofundar nossa análise, dividimos os participantes, em quatro grupos,
conforme suas respostas relativas à formação e ter atuado com aluno com AH/SD, observe
tabela a seguir:
Figura 20. Formação/Aluno
AH/SD
NÃO-SIM NÃO-NÃO SIM-SIM SIM-NÃO
Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
DESCRIÇÃO Professores,
sem formação
na área de
AH/SD, mas
que indicaram
já ter
trabalhado com
alunos com
AH/SD
Professores, sem
formação na área de
AH/SD, que nunca
trabalharam com
alunos com AH/SD
Professores, com ao
menos alguma
formação na área de
AH/SD, que
indicaram já ter
trabalhado com
alunos com AH/SD
Professores, com ao
menos alguma
formação na área de
AH/SD, que
disseram nunca ter
trabalhado com
alunos com AH/SD
5 31 7 30
A primeira informação importante é que o número de docentes, sem qualquer formação,
é praticamente idêntico ao daqueles com algum contato e formação sobre o tema, ainda que
superficial, com 50% dos docentes dizendo que jamais haviam tido contato com AH/SD.
A segunda informação relevante foi verificar que o número daqueles, que sem formação,
afirmava já ter trabalhado com alto-habilidosos (05) era, praticamente, o mesmo que aqueles
que, com formação superficial, diziam ter atuado com alunos com AH/SD (07). Indicando que
a depender do formato e qualidade da formação, ela é incapaz de produzir ruptura com a
invisibilidade.
Entretanto, quando analisamos os grupos de participantes, conforme suas ideias sobre
as AH/SD, temos informações importantes a verificar. A primeira delas é constatar que entre
aqueles que dizem nunca ter recebido qualquer formação, o peso atribuído à genética é maior,
com 70% de citações entre este grupo, ao passo que, entre aqueles que tiveram alguma
formação, este número cai para 50%, apontando que a formação não gera, automaticamente, a
indicação de alto-habilidosos, mas, contribui para a alteração do imaginário sobre o tema.
278
Um dado espantoso é o número de docentes que recorreu ao conceito de Dom, para
explicar/justificar as AH/SD; com 25% das citações, entre aqueles que dizem não ter recebido
formação, e assustadores 37,5% entre os professores que tiveram formação, levando-nos a
questionar o tipo e qualidade dos materiais disponíveis aos docentes, nas formações que
receberam, bem como, o impacto que tal concepção, amplamente, difundida entre aqueles,
teoricamente, mais preparados para atuar com a área (professores da educação especial) têm,
na difusão de um imaginário que retira qualquer responsabilidade da escola e dos docentes
sobre estes indivíduos e termina por justificar a invisibilidade. As citações ao dom, conforme a
formação docente pode ser verificada no gráfico a seguir:
Figura 21.
Como forma de compreender a invisibilidade, questionamos os participantes sobre quais
motivos atribuíam ao fato de nunca terem trabalhado com alto-habilidosos e as respostas dos
docentes, dos grupos 2 e 4, aqueles que disseram não ter atuado com AH/SD, mostra-nos como
a formação altera algumas concepções dos docentes.
Entre aqueles que, apesar de nunca ter atuado com AH/SD, mas haviam feito alguma
formação sobre o tema, os principais motivos elencados foram: “por não ter olhar para essa
possibilidade”, com 06 docentes utilizando esta justificativa, indicando que os docentes tendem
a olhar, criticamente, sua posição diante da não identificação das AH/SD.
Já entre os docentes, sem formação, que nunca haviam atuado com alto habilidosos, as
explicações com maior número de citações foram: falta de conhecimento para detectar,
Natural/Acaso, com cada uma das justificativas sendo lembradas por 05 docentes. Além da
própria falta de conhecimento, os docentes tendem a ter uma posição menos crítica, em relação
ao seu papel, no processo de identificação e invisibilidade.
0 2 4 6 8 10
1
1
8
4
9
Dom como explicação para as AH/SD
GRUPO 4
GRUPO 3
GRUPO 2
GRUPO 1
279
Cabe destaque para o número considerável, em ambos os grupos de docentes, que
deixaram a pergunta em branco, preferindo não responder com o grupo 2; tendo 06 respostas
em branco e o grupo 4, tendo 05 professores que deixaram a pergunta em branco, indicando
não desejarem se comprometer em responder o motivo da invisibilidade e, talvez, denotando
algum incômodo, diante da constatação de que a invisibilidade apresentava-se, de modo
evidente, em suas carreiras.
Durante a pesquisa, buscamos construir a ferramenta de coleta de dados, de modo a
observar o peso das aptidões naturais, nas concepções docentes sobre as AH/SD, e a tabela a
seguir demonstra-nos o peso de tais ideias, no imaginário docente, sobre os alto-habilidosos:
Figura 22. Pessoas com AH/SD já nascem com esta habilidade ou
vai depender do meio?
Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
Já Nasce. 0 9 0 6
Nasce, mas o meio social expande. 5 19 7 18
O Meio Social é quem desenvolve. 0 4 0 5
Não sei. 0 1 0 1
.
A primeira constatação importante, desta questão, é que nenhum professor que já tenha atuado
com alunos alto-habilidosos, tanto no grupo 1, como no grupo 3, atribui as AH/SD ao
nascimento, sem considerar o peso das interações sociais, no seu desenvolvimento. Indicando
que entre aqueles que entendem as AH/SD, como simples resultado da genética, as chances de
identificação de alunos alto-habilidosos são bastante restritas.
Outro ponto importante é verificar o peso que a genética, entendida isoladamente ou
relacionada ao meio social, em que os indivíduos vivem, tem nas referências dos docentes, com
um total de 64 citações, o que equivale a quase 85% dos docentes atribuindo algum tipo de
influência da genética à existência do talento e demonstrando como as aptidões naturais são
poderosos argumentos, na forma como docentes entendem o tema. Tal posição indica que, em
alguma medida, o mito/representação de que as AH/SD sejam fruto da genética força entre os
docentes.
Apesar disso, os docentes, de um modo geral, demonstram concepção sobre a
justificativa para as AH/SD, na sua maioria, em acordo com a maior parte da bibliografia sobre
o tema, com a noção de que os talentos sejam o resultado da interação entre, predisposição
genética com oportunidades sociais. Assim, 49 docentes seguiram tal caminho para responder
a questão e, com um número parecido, entre aqueles que não tiveram formação e aqueles com
formação na área. Com destaque para o fato de que entre os docentes dos grupos 01 e 03,
280
aqueles com alunos alto-habilidosos, em sua carreira, 100% dos participantes utilizaram esta
perspectiva como concepção, para explicar o surgimento e desenvolvimento dos talentos,
indicando que tanto os mitos/representações das AH/SD, como fruto exclusivo da genética ou
do ambiente, devem ser relativizados, pois os docentes, aparentemente, rejeitam na sua maioria
a oposição Nature x Nurture.
Outro mito/representação rejeitado pelos docentes que participaram da formação, foi o
que diz que os docentes atribuiriam as AH/SDa pais condutores, buscando verificar tal mito,
questionamos os docentes sobre a questão e a tabela que se segue traz as respostas:
Figura 23.
Os pais, ao oferecerem estímulos aos seus
filhos, estariam "fabricando" uma criança
com AH/SD?
Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
SIM 0 0 0 3
NÃO 5 25 6 26
TALVEZ 0 3 0 2
Desta forma, pelas respostas dos docentes, verificamos que 62 docentes ou
aproximadamente 85% dos participantes não relacionam AH/SD com a atuação de pais
dedicados, na oferta de oportunidades de desenvolvimento. Tão ou mais importante é o fato de
que entre os docentes, que dizem já ter atuado com alunos AH/SD, nenhum educador acredita
no mito/representação do pai condutor. E deste modo, podemos concluir que este seja mais um
dos mitos sobre a área que não se apresentou e/ou confirmou entre os participantes da pesquisa.
Utilizamos a resposta de uma participante, com 24 anos de carreira no magistério, para indicar
a forma, muitas vezes bem fundamentada, que os docentes entendem a questão: “Não, a criança
nasce com AH/SD, entretanto estímulos adequados, possibilidade de estudos aprofundados na
área de interesse são fundamentais para orientá-los de maneira adequada a usarem de forma
positiva" Professora 01.
Durante o questionário, voltamos, algumas vezes, na mesma categoria como forma de
confirmar uma determinada constatação, de modo mais preciso e verificar, se após refletir sobre
o tema, os docentes mudariam de opinião sobre um dado assunto. Assim, questionamos,
novamente, os docentes sobre a relação entre genética e carência cultural, para explicarem as
AH/SD, vejamos os resultados:
Figura 24. O meio social em que a criança nasce e se desenvolve
favorece para que ela seja uma pessoa com AH/SD?
Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
281
Sim 2 14 4 17
Não 3 16 2 12
Talvez 0 1 1 1
Branco 0 1 0 1
As respostas são interessantes, pois indicam que, ainda que valorizem a genética, pouco
mais de 50% dos participantes entendem que o meio social, onde os indivíduos vivem, seja
decisivo para o desenvolvimento das AH/SD.
Por outro lado, a divisão de opiniões fica evidente com 45% dos participantes,
entendendo que não existe nenhuma relação entre ambiente e talentos, número elevado e que,
em parte, ajuda-nos a entender a invisibilidade, mas que não pode ser compreendido de modo
isolado, porque a depender de como o meio social seja entendido por aqueles que julgam que
este tenha relação com as AH/SD, estes, também, podem contribuir para a invisibilidade.
O que nos chama a atenção é a divisão nas opiniões docentes sobre o tema e que pode
ser melhor verificada, em suas respostas para a questão que se seguem:
Não necessariamente, há crianças que aprendem a ler e escrever com 4 anos e os
pais são analfabetos" prof.02.
Porque quanto mais estimulo uma criança recebe, mais potencial ela vai ter. prof.03.
Como mencionei anteriormente, acho genético, um dom. prof.04.
O meio ajuda a direcionar, potencializar as habilidades, mas não é determinante.
prof.06.
O meio social pode favorecer para que as habilidades raras se demonstrem. prof.07.
[...] Se fosse assim na favela não teria crianças assim. prof.08.
Porque acredito que as crianças assim, aprendem sozinhas e com poucos recursos.
prof.10.
As respostas dos professores indicam o tamanho da polêmica e da divisão, apontando
que concepções sobre aprendizado, papel do ambiente e, finalmente, noções relativas à aptidões
naturais, são mais importantes, nas concepções docentes, que os mitos sobre as AH/SD, ainda
que os docentes não possuam formação específica na área.
Outro mito/representação que buscamos verificar, nas concepções docentes, foi aquele
que entende que parte dos docentes seria contra a identificação dos alto-habilidosos, por
considerar prejudicial ou desnecessário. As respostas dos docentes seguem, na tabela abaixo:
Figura 25.
Você considera importante identificar um
aluno com AH/SD?
Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
282
SIM 4 31 7 30
NÃO 0 0 0 0
A análise das respostas, indica uma posição que contesta de modo unânime, a ideia de
que seja disseminada entre os docentes tal concepção, no caso dos participantes da pesquisa,
100% refutaram a ideia de não identificação, fossem estes professores com ou sem formação
na área e com ou sem experiência de trabalho com alto-habilidosos. Indicando que o
mito/representação não tem qualquer força entre os docentes participantes da pesquisa.
Podemos confirmar tal posição docente, nas respostas que se seguem:
Certamente investir nos talentos é de fundamental importância para o crescimento de
um país. Sabemos que o Brasil sofre uma "fuga de cérebros" para o exterior por conta
de falta de políticas públicas de atendimento adequado a este público, investimento e
valorização.prof.01.
Sim, para oferecer um atendimento educacional adequado, pois isso também, de certa
forma, incomoda o aluno. prof.11.
Tentando confirmar ou refutar os mitos/representações sobre as AH/SD, entre os
docentes, realizamos a questão sobre a ideia de que os docentes consideram que os alto-
habilidosos tenham, necessariamente, um futuro eminente e as respostas dos docentes indicam
que a forma como os trabalhadores da educação imaginam o futuro dos alunos com AH/SD,
ocorre de modo diverso do mito.
Realmente, a ideia de futuro de sucesso existe entre parte dos docentes, mas tal ideia
não está entre as principais expectativas dos educadores e, em nenhum dos grupos, mesmo entre
aqueles que jamais tiveram alunos alto-habilidosos (grupos 02 e 04) e, assim, tenderiam a
idealizar mais tais alunos, esta foi uma perspectiva majoritária.
Na verdade, apenas entre os docentes do grupo 01, o sucesso é a perspectiva mais citada,
ainda assim, fica evidente que três categorias apresentam-se como idealização dos docentes
sobre os alunos com AH/SD: que sejam felizes; que sua habilidade fique a serviço de uma
finalidade maior; integração social. Tais categorias indicam que os docentes preocupam-se
muito com a socialização dos indivíduos alto-habilidosos e, finalmente, que consigam com seu
talento contribuir com a melhoria da sociedade, estas concepções ficarão mais evidentes nos
outros grupos.
Os grupos 02 e 04 foram os que mais citaram a perspectiva de esperança de que tais
sujeitos consigam se integrar, socialmente, utilizando seus talentos para um “bem maior”. As
ideias vindas de docentes, que nunca tiveram experiências com alunos alto-habilidosos, indica
a preocupação com uma possível dificuldade destes sujeitos em se integrar, socialmente,
283
imagem amplamente divulgada dos talentos isolados e alheios à sociedade, como podemos ver
em muitos filmes e produções midiáticas. A outra concepção é a de que estes alunos teriam
condições de contribuir para a melhora da sociedade, pensamento recorrente entre os trabalhos
e publicações na área.
Finalmente, o grupo 03, aquele de docentes com formação e experiência com trabalho
com alto-habilidosos, indicou, majoritariamente, uma categoria quiçá surpreendente e até
oposta à ideia de que os docentes imaginam que os alto-habilidosos, necessariamente, terão
sucesso no futuro, os professores participantes da pesquisa caminham em direção oposta e
indicam esperar que os estudantes fossem felizes, mostrando evidente preocupação com a
capacidade destes alunos, em serem aceitos, socialmente, e se ajustarem às dinâmicas sociais.
Podemos verificar tal quadro, na tabela que se segue:
Figura 26. O que você espera de um aluno com AH/SD, quando ele for adulto?
Grupo 1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
Seja Feliz 1 1 3 3
Que sua habilidade fique a serviço de finalidade maior. 1 13 2 6
Sucesso e realização profissional 2 6 1 4
Integração social 1 7 1 6
Depende 0 1 0 0
Que seja bem aproveitado 0 1 0 0
Que tenha oportunidades de estudo e trabalho. 0 1 0 0
Outro mito, é o de que os docentes não consideram necessário que os alto-habilidosos
sejam atendidos pelos serviços de AEE, na Educação Especial e, neste sentido, questionamos
os participantes sobre tal ideia. E as respostas dos docentes estão na tabela a seguir:
Figura 27. Para você, seria importante que um aluno com AH/SD tivesse
atendimento especializado?
Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4
SIM 5 31 7 30
NÃO 0 0 0 0
As respostas como podemos verificar, são unânimes em considerar que os alunos alto-
habilidosos devam ser atendidos pela Educação Especial, demonstrando que, pelo menos entre
os docentes do município pesquisado, este não é um mito que tenha influência na disposição
docente em manter as AH/SD invisíveis. As respostas dos educadores para a questão, também,
trazem-nos informações sobre o mito:
Porque muitos enfrentam problema de comportamento. Prof.15.
Ate para trazer uma oportunidade nova, já que no meu caso nunca trabalhei, e,
proporcionar novos caminhos para a aprendizagem. Prof. 20.
284
6.2-O Questionário Virtual da Pesquisa
A segunda ferramenta de pesquisa utilizada, na averiguação com os professores e
gestores, foi um questionário produzido para ser aplicado, por intermédio da plataforma de
pesquisas Google.Forms121. Deste modo, o questionário foi elaborado, levando em
consideração a experiência dos usuários em plataformas computacionais e buscamos com esta
ferramenta abarcar o maior número de participantes, tendo a possibilidade de trabalhar com um
questionário mais completo e aprofundado, do que o utilizado na formação com os docentes da
educação especial e aplicado presencialmente.
O questionário foi encaminhado, virtualmente, por meio de convites, nas redes sociais:
Facebook e Whatsaap e, também, através de e-mail. Foram chamados para fazer parte da
pesquisa cerca de 300 profissionais de educação, entre professores e gestores dos mais diversos
seguimentos da educação. O foco da pesquisa foram os trabalhadores da educação da cidade
onde atuamos, mas, em virtude da ferramenta ser virtual, professores de outros municípios
acabaram sendo convidados pelos professores participantes e respondendo ao questionário, fato
que a princípio pareceu-nos um problema na delimitação da pesquisa, mas, ao final,
consideramos que tenha enriquecido a pesquisa, ao possibilitar outros olhares sobre o tema, a
partir de realidades distintas da nossa, servindo como grupo de controle da pesquisa.
Após contato inicial com os profissionais, aos quais encaminhávamos uma carta de
apresentação122 da pesquisa, os convidados recebiam o link do questionário online e bastava
que clicassem no mesmo, para que tivessem acesso ao formulário eletrônico do questionário,
que poderiam responder utilizando o aparelho computacional de sua preferência. Assim, ainda
que tenha prevalecido o uso dos computadores pessoais, tivemos respostas por smartphones.
Como o professor que aderisse à pesquisa, poderia fazê-lo, livremente, em relação ao
horário e local, com o equipamento de sua preferência, propusemos o trabalho com um
questionário mais completo, de modo a levantar informações detalhadas sobre o tema.
O questionário utilizado contou com 73 questões, entre as específicas sobre o tema e a
parte inicial que buscou traçar um perfil detalhado do professor colaborador da pesquisa. O
questionário de pesquisa foi dividido entre: 14 questões iniciais sobre o perfil do professor; 23
121 O questionário completo encaminhado aos participantes segue como anexo, Item.II – Questionário virtual. 122Carta de apresentação da pesquisa encaminhada aos professores e aprovada por Comissão de Ética da
UMESP. Documento disponível em anexo.
285
questões dissertativas, onde o profissional de educação devia escrever, livremente, o que
pensava sobre determinado assunto, sem limite de espaços; 15 questões organizadas em sim e
não, em que os participantes precisavam responder, de modo fechado, a um questionamento
direto; 17 questões organizadas em réguas de relevância, em que deveriam atribuir um valor a
uma dada afirmação, que iria de 0 a 5, correspondendo o 0 (zero) a: discordo totalmente e 5
(cinco): concordo completamente, ou 0 nenhuma relevância e 5 relevância total; por fim,
tivemos 6 questões de múltipla escolha, em que perguntados sobre uma determinada questão,
o professor tinha uma lista de alternativas que poderia escolher, cabe lembrar, que poderia
escolher mais de uma alternativa, sempre. Com esta variação de modelos de resposta, apesar de
extenso, o questionário tinha preenchimento rápido e fácil, o que não tornava a atividade
exaustiva. Como resultado, obtivemos a contribuição de 118 (cento e dezoito) professores.
6.2.1- As Análises das Respostas ao Questionário Virtual
Nesta fase da pesquisa, encaminhamos o questionário a, aproximadamente, 300
profissionais da educação, entre docentes e gestores, obtendo a resposta de 118 interessados em
contribuir com a pesquisa. Como a rede de ensino que pesquisamos conta, atualmente, com
cerca de 1.200 professores, na ativa e cerca de 200 gestores educacionais, podemos considerar
que o universo amostral da pesquisa ateve-se a quase 10% dos trabalhadores, da rede de ensino
analisada (apenas com o questionário virtual). Levando em conta que havíamos obtido
respostas de mais de 70 docentes/gestores, por intermédio do questionário presencial
desenvolvido, durante curso de formação na área e, ainda, formações realizadas, nas escolas,
abarcando cerca de 100 docentes. Assim, chegamos ao número de, aproximadamente, 230
professores e/ou gestores envolvidos, na pesquisa, de alguma forma ou quase 20% de nossa
rede de ensino, um número que entendemos como expressivo, em relação à categoria de
educadores da cidade, servindo de base para conclusões sobre o entendimento dos profissionais
da referida rede de ensino.
Na pesquisa virtual, obtivemos a resposta de 118 educadores, entre professores e
gestores, que atuam em todos os níveis da educação. Nossos participantes estiveram divididos
por sexo, com 21 questionários respondidos por homens e 97 respostas de mulheres. Como no
questionário presencial, a preponderância das mulheres, na participação, foi massiva, mas, desta
vez, obtivemos sucesso em conseguir ao menos pouco mais de 10% das respostas realizadas
por homens, de modo que nos dessem condições de comparar o padrão de respostas feminino
286
ao masculino, buscando diferenças nos imaginários docentes sobre as AH/SD, conforme o
gênero dos educadores e suas experiências de socialização e trabalho.
Como metodologia de análise das respostas que obtivemos, dividimos os participantes,
conforme seus perfis, a fim de estabelecer comparações e análises, buscando padrões de
funcionamento da constituição do imaginário docente sobre a invisibilidade das AH/SD,
objetivando nortear nossa pesquisa e conclusões. Assim, os participantes estão distribuídos de
acordo com seu número, na planilha Excel, a qual concentra as respostas.
Figura 28. Perfil do participante Quantidade Número de identificação, nas planilhas de respostas
HOMENS 21 2,4,10,13,23,24, 30, 37, 38, 43,50, 57,
63,73,77,82,97,100,104,
110,111,
GRUPO CONTROLE 7 4,6,15,31,36,37,38,
Professor de Ed.infantil +
Fundamental I.
43 14, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 40, 41, 48, 51, 53, 54, 55, 56,61, 62,
66, 69, 70, 72,74, 75, 78, 79, 80, 81, 84, 85, 87, 88, 91, 93, 95,
96, 99, 101, 103, 109, 112, 113, 116, 117,
Prof. Ed. Especial - Cubatão 7 115, 105, 102, 52, 60, 83, 44,
Prof. da Rede Estadual 9 2,3,5,7,8,26,31,33,104,
Prof. de Outras Prefeituras 11 4, 17, 22,27,28, 67, 78, 82, 86, 115,
MESTRADO/DOUTORADO 12 4,10, 12, 15, 24, 37, 38, 50, 63, 73, 100, 34,
Prof. ETEC/IFSP 4 37, 73, 97, 42,
GESTORES 26 10,12,13,16,25,29,30,35,39,43,46,57,59,63,71,
73,76,89,90,96,
106,107,110,114,118,119,
Prof. da Rede Particular 3 6,7,9,
Prof. SALA AEE/NAAHS 2 11,32
Participantes Aposentados 4 39, 45, 46, 68
Militantes de Esquerda 11 13.15,25, 57, 59, 82, 88,96, 104, 107, 111
Desta forma, segregamos as respostas dos participantes, conforme as suas características
de atuação e, muitas vezes, as respostas a uma dada pergunta foi analisada em sua totalidade,
mas também, atentando para a resposta de determinados seguimentos, a fim de verificar se o
perfil de atuação indicava padrão distinto, na forma como entendiam o tema da pesquisa e a
questão da invisibilidade.
Além da divisão de respostas, por sexo, estas foram avaliadas, conforme o nível de
atuação na educação, sendo que, 43 educadores atuando na educação infantil e ensino
fundamental 1, ou seja, as menores crianças da educação básica; 07 docentes atuando na
Educação Especial da cidade, onde desenvolvemos a pesquisa; 11 profissionais pertencentes a
outras redes municipais de ensino, possibilitando comparar a situação, em outras cidades da
região; 09 professores da rede estadual de ensino e 04 docentes atuantes, nas redes ETEC/IFSP;
03 docentes da rede particular e, assim, verificar se redes com propostas e perfis distintos
traziam-nos informações diferentes sobre a questão da pesquisa.
287
Com vistas a verificar as respostas dos participantes por segmento, também, analisamos
as respostas de 26 gestores educacionais, 04 profissionais já aposentados, 12 educadores com
titulação em mestrado e doutorado e 02 participantes que atuam em salas de AEE específicas
para alunos com AH/SD, em outros estados da federação, trabalhando nos NAAH/S.
Buscamos, nesta parte da pesquisa, verificar se características específicas do tipo de
atuação, nível de formação e momento da carreira, produziam representações distintas sobre o
tema.
Finalmente, visando ter informações de um grupo, com alta formação acadêmica e
intelectual, pretendendo analisar o tema, a partir da filiação ideológica dos participantes,
conforme sua posição política, tivemos os participantes divididos em outros dois grupos: o
primeiro, com 07 participantes que nomeamos grupo de controle, era composto por educadores
que cursavam o programa de Pós-Graduação da UMESP, em 2016, de modo a verificar as
respostas de doutores e mestres, quando comparadas aos demais trabalhadores da educação e
constatar como formação influía, nas opiniões sobre as AH/SD; finalmente, um segundo grupo,
contendo 11 participantes nomeados militantes de esquerda, que continha trabalhadores da
educação, sabidamente, envolvidos com a militância e ideias de esquerda. Desta forma,
analisamos como a filiação ideológica a uma determinada posição política interferia, nas
opiniões dos envolvidos sobre a temática da pesquisa, uma vez que, uma das hipóteses era a de
que existisse alguma resistência dos setores progressistas da educação à temática, devido ao
passado de ligação com ideias e propostas conservadoras que envolviam as ações e pesquisas
em AH/SD.
Durante nossa pesquisa, buscamos “ouvir” o máximo de vozes possíveis sobre a
temática, de modo a que tivéssemos um olhar sobre as AH/SD que contemplasse o universo da
educação, em sua variedade e complexidade. Assim, ainda que tenhamos uma preponderância
dos pedagogos entre os participantes, com: os gestores, professores da educação infantil e
ensino fundamental I e docentes da Educação Especial, tivemos respostas de educadores das
diversas áreas das ciências específicas, com ciências humanas, exatas e biológicas
representadas.
Figura 29.
288
Ainda que os papéis de gestores e docentes sejam, igualmente, fundamentais, na questão
da identificação e atendimento aos alto-habilidosos, pensamos que suas formas de atuação e,
consequentemente, opiniões sobre o tema, possam ser distintos e, assim, apresentamos a
proporção em que estão divididos entre os participantes da pesquisa, de modo que ¼ dos
participantes sejam gestores educacionais e possamos comparar suas opiniões com as dos
professores, os quais atuam, diretamente, com os estudantes. Desta forma, tivemos a
participação de 32 gestores e 86 docentes, em nossa pesquisa. A distribuição dos gestores
participantes, conforme o cargo que ocupam, pode ser verificada no gráfico a seguir:
Figura 30.
Buscando conhecer o público que participava de nossa pesquisa e para obter uma
caracterização daqueles que contribuíram com o trabalho, fizemos o levantamento dos
educadores, conforme sua formação e tempo de atuação no magistério. A grande característica
de nossos colaboradores é que estamos diante de um grupo, majoritariamente, formado por
profissionais pós-graduados e com mais de 10 anos de experiência, na atuação, deixando-nos
diante de um grupo caracterizado pela experiência e formação acadêmica superior à média
nacional, que apresentamos nos gráficos a seguir:
17; 14%3; 2%
8; 7%6; 5%83; 70%
2; 2%
Disciplina/Área de Formação dos Participantes
HUMANIDADES EXATAS BIOLOGICAS ARTES+ED.FISICA PEDAGOGIA OUTROS
4; 12%
11; 34%
1; 3%
2; 6%
8; 24%
7; 21%
Distribuição dos Gestores Participantes por Cargo/Função
ORIENTADOR EDCACIONAL COORDENADOR PEDAGOGICO SUPERVISOR
ASSISTENTE DE DIREÇÃO DIRETOR NÃO IDENTIFICADO
289
Figura 31. Figura 32.
Traçamos o perfil de nossos participantes, objetivando verificar se as características do
público pesquisado relacionavam-se com as opiniões docentes, a respeito das AH/SD e a
invisibilidade. Neste sentido, verificamos que 86, dentre os 118 participantes atuam em uma
única rede de ensino, sem que precisem se dividir entre realidades distintas de trabalho, como
ocorre com tantos professores brasileiros. Apesar disto, outros 30 participantes relataram
trabalhar em mais de uma rede de ensino, de modo que pudemos comparar as respostas destes
dois diferentes grupos de trabalhadores.
A distribuição dos participantes pelas redes de ensino e modalidade de ensino, em que
atuam, indicou a variedade de redes e modalidades, em que trabalham os participantes da
pesquisa, onde pudemos comparar opiniões em redes e modalidades de ensino diversas e sua
distribuição, observemos os gráficos que se seguem:
Figura 33. Figura 34.
3
25
68
22
0
20
40
60
80
Formação dos participantes:MAGISTÉRIO
GRADUAÇÃO
PÓS LATTOSENSO
6 11
111
0
200
Tempo de Docência dos
participantes:
MENOS DE 5 ANOSENTRE 5 E 10 ANOS
290
Tivemos a participação de trabalhadores de 40 escolas distintas do município
pesquisado, das mais diferentes modalidades de ensino, tamanho das unidades e localização
geográfica, assim, pudemos abarcar a variedade da rede e da cidade pesquisada, sem que
tivéssemos uma pesquisa restrita a uma dada realidade ou perfil de educadores e escolas,
objetivo que buscamos para que nossas informações não se restringissem à realidades pontuais
e pudessem ser amplas, descrevendo a realidade da educação municipal. Desta forma, a
distribuição dos participantes ocorreu, conforme a tabela 12.
Figura 35.
Local de atuação dos participantes, conforme região da cidade. Quantidade
Centro 35
Periferia 46
Tamanho das escolas em que os participantes da pesquisa atuam Porcentagem
Pequeno 45%
Médio 38%
Grande 17%
Nas análises das respostas, comparamos as representações docentes sobre as AH/SD e
a invisibilidade, conforme o porte das escolas, em que os docentes participantes atuam e a
região geográfica que pertencem as unidades, em que os docentes trabalham. A primeira
constatação foi a de que no tocante ao tamanho das escolas e a sua localização geográfica, no
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90 84
5 52
10
2 1 1
94
Rede de ensino onde atua:
CUBATÃO
SANTOS
GUARUJA
SÃO VICENTE
ESTADO
ETEC
IFSP
PRAIA GRANDE
OUTROS
0
5
10
15
20
25
30
4
2726
29
10
6
9
Modalidade de ensino em que atua:
CRECHE
ED.INFANTIL
FUND. I
FUND.II
ENSINO MÉDIO
SUPERIOR
NÃO
IDENTIFICADO.
291
centro ou na periferia da cidade, tais diferenças não produziram, aparentemente, divergências,
na percepção dos docentes sobre o tema da pesquisa, contrariando nossas hipóteses iniciais de
que o perfil da escola, com relação a tamanho e distribuição geográfica, onde se localizava a
mesma, produziria opiniões diferentes entre os educadores.
A finalização da caracterização dos participantes versava, especificamente, sobre as
condições de trabalho dos gestores e professores que responderam ao questionário. Desta
maneira, perguntas sobre atuação em mais de uma rede de ensino, jornada média de trabalho e
número médio de alunos, por turma, tinham o objetivo de verificar se as condições de trabalho
impactavam, nas concepções docentes sobre o tema da pesquisa e em sua disposição maior ou
menor para identificar e atender alunos alto-habilidosos. Os resultados referentes a rede de
ensino foram descritos, anteriormente, com ampla maioria dos participantes de nossa pesquisa
atuando em uma única rede de ensino, principalmente, na cidade pesquisada. Sobre a jornada
de trabalho e número de alunos, os gráficos abaixo nos mostra os resultados tabulados:
Figura 36. Figura 37.
Com relação a jornada de trabalho dos participantes, tivemos realidades bastante
distintas, mas de um modo geral, refletem a realidade dos trabalhadores da educação, no Brasil,
com longas e exaustivas jornadas diárias de trabalho, com quase metade dos profissionais
cumprindo a jornada de 40h semanais, relativas as 8h diárias a que se submetem a maioria dos
trabalhadores brasileiros, mas que, no caso dos profissionais da educação, devem ser acrescidas
das atividades extra escolares, como: provas, trabalhos, planejamento de aulas etc. Outro grupo
que merece atenção são os 46% de participantes que relataram trabalhar 10h diárias ou mais,
dando mostras de que em tais realidades, dificilmente, os docentes e gestores conseguem ir
além de apagar os incêndios relativos ao fracasso escolar e dificuldades de aprendizado. Apenas
11% dos participantes disseram trabalhar até 5h diárias, ou seja, uma jornada com uma única
turma e período de trabalho.
12; 11%
46; 43%26; 24%
23; 22%
Jornada de trabalho
ATE 5H
ATE 8H
ATE 10H
MAIS QUE10H
0
20
40
60
10 A 20 20 A 30 30 A 40 MAISQUE 40
19
53
19
2
Média de alunos atendida por participantes.
292
Em relação ao número de estudantes médio atendidos pelos docentes, novamente, temos
realidades distintas. Enquanto a maioria dos docentes atende um número médio entre 20 e 30
alunos, o que indica turmas numerosas, especialmente, quando sabemos que a maioria dos
participantes atua na educação infantil e ensino fundamental I, ou seja, com crianças pequenas.
Temos dois grupos distintos e do mesmo tamanho, ambos com 19 participantes, que vivem
realidades bem diferentes; enquanto um trabalha com média inferior a vinte alunos e em
condições razoáveis, na proporção professor/aluno, o outro grupo atende a uma média de alunos
superior a 30 estudantes, o que torna o trabalha bastante difícil e complicado.
O resultado destas condições de trabalho, em sua maioria precárias, na consolidação da
invisibilidade das AH/SD, podem ser imaginados. Professores submetidos a 8, 9, até 10 ou 12
horas de trabalho diário, precisando gastar cerca de duas horas, por dia, no trajeto entre suas
casas e o trabalho no trânsito, expostos a falta de estrutura e precarização dos prédios escolares,
submetidos ao medo da violência que impera nas grandes cidades, atuando com grande
quantidade de alunos com severas dificuldades em aprender e, ainda, precisando levar pilhas
de trabalho para casa. Assim, teriam qual disposição em avaliar, identificar jovens e crianças
que conseguem aprender com facilidade e, aparentemente, não são um problema? Como
imaginar docentes envolvidos em preencher relatórios, fichas de avaliação, cobrar gestores e
propor enriquecimento curricular a alto-habilidosos neste contexto?
O resultado desta realidade pode ser verificado na tabela a seguir, onde dividimos os
participantes, quanto as suas condições de trabalho (atuar em uma única rede, ter jornada
inferior à 8h diárias, atender menos de 20 alunos em média) e sua disposição em indicar alunos
com AH/SD, ao responderem a questão: Você já teve algum aluno com AH/SD?
Figura 38.
Você já teve algum aluno com AH/SD, na carreira no magistério?
Respostas:
Número de identificação dos
participantes
Já tive, mas em 2015 não tenho. 9,14,20,21,27,30,31,34,35,36,37,40,4
4,45,46,50,54,57,59,62,72,74,84,87,9
2,100,106,115,119
Já tive e tenho em 2015. 10,11,19,25,38,66,68,69,85,93,95,96,
104
Professores com condições ideais de trabalho. 100,51,59,66,79,87,95,96
Os resultados presentes na tabela indicam questões interessantes, tivemos 08
participantes que relataram trabalhar com a combinação turmas com menos de 20 alunos e
jornada inferior a 5h, destes, 06 participantes indicaram já ter atuado com alunos alto-
habilidosos ou 75% dos professores, com boas condições de trabalho, afirmaram atuação com
293
AH/SD, ao longo da carreira. Ao passo que, o número total de participantes que disse já ter
trabalhado com alunos AH/SD, em algum momento da carreira, foi de 43 participantes, ou seja,
menos de 40% dos participantes, número que, praticamente, dobra entre os trabalhadores, com
boas condições de atuação. Outro dado relevante é que, somente, os 06 casos de docentes que
relatou ter trabalhado com AH/SD e ter boas condições de trabalho representam quase 15% dos
casos totais de docentes, com alguma experiência com alto-habilidosos, ainda que sejam,
numericamente, pouco mais de 5% dos participantes totais.
Assim, temos uma tendência maior a que professores que possuem condições de
trabalho melhor, a serem mais propensos a reconhecer os talentos dos estudantes e,
eventualmente, entender que algum estudante seja caso de pessoa com AH/SD, mesmo que,
muitas vezes, tal situação não gere, especificamente, um processo de identificação formalizado.
Estamos desta forma, diante de um antigo e importante dilema, que traz o tema das AH/SD para
o universo da educação mais geral, a menos que melhorem as condições de trabalho dos
educadores, as chances de que efetivos processos de identificação, atendimento e
enriquecimento curricular de alto-habilidosos ocorram, são mínimas e tendem a permanecer,
apenas, um direito, burocraticamente, garantido na letra morta da lei.
Deste modo, a invisibilidade ganha mais uma de suas características, ao estar,
visivelmente, associada ao quadro de precarização das condições de trabalho dos profissionais
da educação e seu enfrentamento precisará, além da formação específica e apoio aos docentes,
neste campo, de ações mais amplas como a melhoria das condições de trabalho, com ações no
campo da estrutura física e técnica dos prédios escolares, a redução do número de alunos
atendidos por professor, em sala de aula e, finalmente, a constituição de jornadas de trabalho
que sejam condizentes com a profissão docente e suas exigências, de modo que o número de
horas trabalhadas pelos docentes possa ser reduzido, garantindo melhores condições para a
identificação e atendimento as AH/SD.
Concluída a primeira parte do questionário de pesquisa referente à caracterização dos
participantes, avançamos para as perguntas específicas sobre o tema e o primeiro grupo de
perguntas buscava verificar a invisibilidade, entre os trabalhadores da educação da cidade, onde
desenvolvemos nossas pesquisas, os dados podem ser verificados, nos gráficos a seguir:
294
Figura 39. Figura 40.
Diante das questões sobre ter atuado, em algum momento da carreira, com alunos alto-
habilidosos, as respostas dos docentes comprovaram o quadro de invisibilidade, na cidade
pesquisada, confirmando a hipótese que supúnhamos de que havia uma quase que total
invisibilidade dos estudantes com AH/SD.
Com mais de 60% dos participantes, relatando jamais ter atuado com estudantes alto-
habilidosos, em toda a carreira e, com 87% dos participantes dizendo que não tem um único
aluno identificado ou que gere suspeitas de AH/SD, entre os alunos com quem atuavam no ano
de 2015, os dados da pesquisa estão em conformidade com as informações apresentadas pela
bibliografia especializada relativa à invisibilidade das AH/SD, na realidade educacional.
Vale o destaque de que este quadro de invisibilidade apresentou-se entre os
participantes, independentemente, do nível de ensino com que atua; da escola estar situada no
centro ou periferia da cidade; do participante atuar na cidade pesquisada ou em outra rede de
ensino; do trabalhador ser professor ou gestor educacional; e, finalmente, confirmou-se, mesmo
entre os participantes de nosso grupo de controle, indicando o quão consistente são os números
relativos à invisibilidade das AH/SD.
Aprofundando o olhar sobre as AH/SD, pedimos que os docentes respondessem se
poderiam descrever algum caso de aluno, a fim de verificar como tais estudantes eram
lembrados pelos educadores, os números seguem na tabela a seguir:
72; 61%
46; 39%
Já teve algum aluno com AH/SD, ao longo da carreira?
NUNCATEVEALUNOAH/SD
15; 13%
103; 87%
Tem, neste ano letivo de 2015, algum aluno identificado com
AH/SD?
SIM
NÃO
295
Figura41. Você poderia descrever algum caso de aluno de AH/SD que se lembre?
Relação com
alunos com AH/SD
N° Número de identificação dos
participantes
Observações:
Responderam já ter
tido alunos com
AH/SD e
realizaram
descrição de algum
caso
43 04,09,10,11,14,19,20,21,25,30,31,3
4,35,36,37,38,39,40,44,45,46,50,54,
57,59,62,66,72,74,79,84,85,87,92,9
3,95,96,100,104,106,110,115,119
Maioria dos professores que indicam ter tido
casos de AH/SD são capazes de lembrar e
descrever seus alunos com riqueza de
detalhes.
Apesar de terem
dito já ter atendido
alunos com
AH/SD, não
descreveram
nenhum caso.
3
-------------------------------------------
------
--------------------------------------------------------
-----------
Responderam
nunca ter tido casos
de AH/SD, entre
seus alunos, mas,
descreveram algum
caso de AH/SD.
5 04,18,35,79,110 Mesmo alguns professores que dizem não ter
trabalhado com alunos com AH/SD, quando
provocados a descrever, acharam interessante
abordar casos em que tiveram dúvidas quanto
as suas avaliações.
Como podemos verificar na tabela, mais de 90% daqueles docentes que dizem já ter
atuado com alto-habilidosos, são capazes de fazer relatos bastante precisos e detalhados destes
alunos, indicando que o trabalho com este grupo de estudantes mostra-se marcante, na carreira
profissional dos educadores. Destacamos algumas destas descrições a seguir:
Como diretor, recebi em 2008 um aluno com características de superdotado/altas
habilidades, porém o sistema não permitiu avanço escolar. Mas, uma professora
atendeu o aluno que estava com cinco anos no primeiro ano do ensino fundamental e
já lia com bastante fluência e tinha competências matemáticas para resolver problemas
já adequados a um aluno de quarto/quinto ano. A professora complementava então
esse aluno desta necessidade. No ano seguinte, não houve mais atendimento em
virtude da professora de educação especial, exigir o laudo médico para atendimento
desta criança. Sinto que esse aluno teve prejuízos em sua aprendizagem, durante um
período. Porém no quarto e quinto ano, teve uma professora com uma visão para a
questão e levava o mesmo a desenvolver a potencialidade. Tanto que ao ir para o sexto
ano, o aluno conseguiu uma bolsa de 100% em uma ótima escola privada em Santos.
Mas, em virtude de seus problemas de relacionamento com os colegas, mesmo com
excelente rendimento, foi expulso da instituição. Prof.10
Tive alunos que identifiquei como superdotado e altas habilidades/, mas não foram,
oficialmente, considerados.Lembro muito bem, de uma aluna que com cinco anos, lia
as manchetes de jornal e sabia interpretá-las, explicava aos adultos o que a notícia
transmitia. Logo, ultrapassava o simples ato de decifrar o código.Um outro aluno, com
12 anos, que em suas provas, redações, fazia analogias com diversas áreas. Dialogava
com seus conhecimentos. Prof.20
Como Coordenador, acompanhamos um aluno que foi encaminhado para avaliação
especializada, com suspeita de portador de "autismo leve".Após uma avaliação
processual e individualizada, observamos que se tratava de um aluno muito além do
padrão, mas não um autista. Ele possuía altas habilidades. Sua "área dominante", se é
assim que se chama, era a "informática e as novas tecnologias". [...] aprendeu outra
língua sozinho, tinha um talento artístico forte e próprio. Quando completou 11 anos,
conseguiu uma bolsa em uma escola particular e perdemos o acompanhamento do seu
296
processo. Vale lembrar que, em sala de aula, tinha pouca interação aluno/aluno e, por
vezes, impaciência com a dinâmica das aulas. Prof.30
Outra informação curiosa é que alguns participantes que responderam nunca ter atuado
com alto-habilidosos, quando diante da perspectiva de descrever alunos talentosos, terminaram
por relatar casos de estudantes para quem lecionaram e que consideram sejam casos de AH/SD,
indicando que, por vezes, ao precisar refletir sobre o tema, mesmo aqueles docentes que dizem
nunca ter tido alunos com AH/SD, acabam puxando por suas memórias e vão encontrando casos
que lhes gere dúvidas e questionamentos. Durante nossa pesquisa, isso ocorreu com 05
educadores, constituindo um passo importante, na superação da invisibilidade. Elencamos a
seguir alguns destes casos:
Na verdade, intuí alguns casos de superdotação/altas habilidades. Entretanto, dado o
elevado número de alunos por turma, o elevado número de aulas e imposições
burocráticas ao professor do Estado (onde concentrei a maior parte da carreira
docente) e, especialmente, a quase completa falta de uma equipe de profissionais de
apoio (de suporte pedagógico a profissionais da saúde), confesso que não tive
condições de empreender uma observação mais exaustiva desses alunos, de modo a
poder chegar a uma conclusão mais segura sobre o assunto. Já como Supervisor,
presenciei dois casos bastante lamentáveis, em que os pais insistiam para avançar
crianças dos primeiros anos do Fundamental, pelo simples fato de achar que eles já
estavam muito adiantados em relação aos conteúdos escolares, incapazes de avaliar
que, ao contrário, isso deveria lhes ser motivo de preocupação, uma vez que essas
crianças haviam chegado a esse "nível" com flagrante prejuízo de outros aspectos do
seu desenvolvimento global, especialmente os de ordem emocional - em poucas
palavras, muito estudaram e quase nada brincaram, privando-se portanto do
fundamental aprendizado propiciado pela brincadeira em ambiente escolar. Prof.110
Tive dois alunos com grande interesse na área biológica, porém, não foram
identificados, ou seja, diagnosticados oficialmente, por falta de especialista para
avaliá-los. Prof.18
Suspeitei de um aluno, mas a burocracia foi tanta que não permitiu sair laudo e o aluno
foi transferido no ano seguinte[...]. Prof.79
Quanto aos casos descritos pelos docentes, como casos possíveis de estudantes alto-
habilidosos, realizamos a tabulação relativa às características descritas pelos participantes, bem
como, as principais observações verificadas, a partir das descrições dos docentes, que seguem
na tabela abaixo:
Figura 42.
297
Categorias apresentadas Quantidade Número de
identificação
dos
participantes
Observações
Aprende rápido 4 44,74,92,104
Hoje noto, na época não notava 1 25
AH/SD apresenta-se, na área em que
o docente é especialista
2 38, 100 A importância do especialista, na área,
para que o talento do aluno seja
notado.
Trajetória de sucesso 3 44,54,100 São repetidos os casos, em que os
estudantes são descritos como pessoas
que obtiveram grande sucesso
profissional, indicando certa crença na
ideia de que o sucesso confirma a
suspeita e que professores mantiveram
contato com estes estudantes.
Diagnóstico/suspeita de ser aluno da
Educação Especial
4 04,19,30,84, Chamou a atenção o número de casos
de alunos descritos como AH/SD pelos
docentes que, em algum momento,
foram alunos da Ed.Especial,
identificados como doentes
psiquiátricos e autistas e, muitas vezes,
sendo, inclusive,
medicados,corroborando a fala do
representante da associação paulista
sobre medicalização de crianças
superdotadas.
Disputa com a família sobre ser ou
não AH/SD
2 46,110, Tivemos descrição de outro tema
recorrente na questão AH/SD, a
disputa família/escola que ocorre,
quando pais tem certeza de que seus
filhos são AH/SD e professores e
gestores consideram que não se trate
de tal caso. Nesta situação,
verificamos que a lógica capitalista da
competição impele os pais ao desejo
de ter um prodígio, em casa, bem
como, a lógica autoritária da escola
tende a levar a uma desconsideração
das opiniões das famílias, reforçando a
não existência de procedimentos de
avaliação, colocando odebate wm um
limbo que, em geral, termina nas
instâncias judiciais, quando a família
tem condições econômicas, e/ou na
imposição da vontade da escola-
sistema escolar, quando se trata de
famílias pobres.
Negro/ família pobre e sem estudo 2 14, 40 Casos repetidos de negros e oriundos
de famílias pobres sendo descritos,
com certo assombro do docente,
quando tudo joga contra o talento que
aparece... Indicando um olhar
interessante de ser avaliado. E
explicando, muitas vezes, porque a
tese da genética, dom, surge na
questão.
Encaminhado para avaliação 1 74 Apenas um caso descrito com aluno
sendo encaminhado para aser avaliado
298
Problemas relacionados a Bullying 9 04,09,10,30,59
,66,72,87,104
Muitos relatos de crianças sofrendo
com bulliyng e tendo perfil de AH/SD
Necessidade de olhar
atento/formação
2 50,62. Professores que indicam a necessidade
de um olhar atento e com formação
para identificar.
Casos de meninas descritos 3 20,93,96 Raros casos de meninas descritos,
indicando forte caráter de gênero na
questão.
Aceleração série/ano 3 09,45,72 Caso de aceleração surgem nos relatos,
em geral, em escolas particulares.
Curioso,focado, criativo 3 74,115,119 Alunos descritos com características
que corroboram as indicações da teoria
como habilidade acima da média,
envolvimento com a tarefa e
criatividade.
Impedido pela burocracia de ser
acelerado e passar por processo de
identificação
3 10,46,79, Diversos casos em que o atendimento
foi impedido pela burocracia dos
sistemas de ensino.
Habilidade acima da média 11 04,17,46,59,66
,84,87,92,96,1
00,106
A categoria mais citada indica que,
ainda que sem formação oficial na
área, os professores sabem muito bem
avaliar os alunos e indicam categorias
coerentes.
Ainda que informal, teve
enriquecimento curricular.
7 10,21,36,37,85
,106,119,
Fato bastante curioso, muitos
professores, ainda que não conheçam
as AH/SD, nem como agir, identificar,
relataram situações em que os
estudantes receberam ajuda com
enriquecimento curricular, mesmo que
de modo informal e baseado no
empirismo e percepções do docente.
Exigência de laudo para ser atendido 1 10
Atendimento em sala de AEE 1 95
Ganhou bolsa, em escolas
particulares
6 10,19,30,44,45
,54
Vários casos indicam uma das
urgências sobre o tema, que é o
arrebanhamento de talentos pelas
escolas particulares, como forma de
garantir suas peças publicitárias.
Desinteresse / Apatia 1 31
Expulso da escola / Problemas
disciplinares
1 10
Várias suspeitas descritas, ao longo
da carreira
7 34,50,57,85,93
,96,110
Vários professores relataram inúmeros
casos em que tiveram suspeitas, ao
longo de suas trajetórias docentes.
Precoce / Gênio 5 11,19,20,54,66 Muitas vezes, a palavra gênio/precoce
foi apresentada para a definição e
descrição de casos, durante as
formações, nas escolas; o fato repetiu-
se e este é uma das barreiras
importantes a serem rompidas, caso
desejemos tratar do tema,
adequadamente.
Sem identificação formal 4 10,18,20,96, Muitos alunos são descritos como
AH/SD pelos docentes/gestores, ainda
que fique claro, que jamais
conseguiram identificação formal para
o caso.
299
A bibliografia da área, por vezes, atribui parte da invisibilidade à dificuldade dos
docentes em se considerarem parte do processo de identificação e transferirem a
responsabilidade para outros profissionais, como os da área da saúde, por exemplo. Neste
sentido, questionamos os participantes sobre quem deveria realizar a identificação das AH/SD
e os docentes, contrariando perspectivas que lhes atribuam falta de formação na área,
responderam, em sua grande maioria, com 99 participantes, dentre os 118 questionados ou 80%
dos participantes, indicando que a identificação deveria ficar a cargo de uma equipe
multidisciplinar, com profissionais de diversas áreas, dentre estes, os docentes.
Um grupo de participantes, que mereceu atenção especial da pesquisa, nesta fase do
questionário, onde verificávamos o tamanho da invisibilidade dos alto-habilidosos, foram os 15
participantes, que indicaram ter alunos com AH/SD, no ano letivo de 2015, quando foi aplicado
o questionário. Este grupo mereceu atenção especial, por destoar dos outros 103 participantes,
que responderam, negativamente, para a pergunta. Assim, entendemos que conhecer estes
“outsiders”, que em meio à invisibilidade, indicavam conhecer seus alunos alto-habilidosos, era
forma de obter caminhos para a superação da invisibilidade.
As respostas da análise deste grupo e que apresentamos, na tabela a seguir, é sintomática
do quadro das AH/SD, na realidade brasileira e na rede de ensino analisada:
Figura 43. Tem neste ano letivo de 2015, algum
aluno identificado com AH/SD?
Quantidade
Número de
identificação
Observações:
SIM 15 10,11,16,19, 25,32,38,
66,69, 85,89, 93,95,96, 104,
Menos de 10% dos participantes
disseram ter, ao menos 1 aluno,
AH/SD, no ano letivo de 2015,
indicando, de forma cabal, a
invisibilidade deste público.
Prof. do NAAH/S 2 11,32 Especialistas na área.
Gestores que assistiram à formação sobre
o tema 5 10, 16, 25, 89,
96, Gestores que assistiram às
formações sobre o tema.
Grupo controle UMESP 1 38 Assistiu apresentação do Tema.
Prof. da escola onde pesquisador atua 2 66,69 Trabalham com o pesquisador.
Prof. Ed.infantil, em outra rede 1 19 Prima do pesquisador
Prof. Ed. Infantil rede pesquisada 2 85,93 SEM CONTATO
PESQUISADOR
Prof. Estado 1 104 Amigo do pesquisador e teve
contato com o tema.
Prof. Fund I 1 95 A escola onde atua teve formação
sobre o tema.
Não teve contato com pesquisador e com a
pesquisa. 3 19,85,93 Apenas 3 participantes indicaram
ter alunos AH/SD, em suas
turmas em 2015, sem que
tivessem qualquer contato com o
pesquisador/pesquisa, indicando a
invisibilidade e a importância da
formação e acesso a informação.
300
Desta forma, verificamos um dado importante, pois 12 dos 15 participantes que
afirmaram ter alunos com AH/SD, no letivo de 2015, quando era desenvolvida a pesquisa,
tiveram algum contato com o pesquisador e/ou sua pesquisa, seja por intermédio das formações
realizadas, na rede de ensino, seja pela proximidade profissional ou, finalmente, por ser amigo
do pesquisador, apontando, novamente, o que havíamos verificado, durante as visitas de campo
e pesquisa bibliográfica, a presença de um pesquisador sobre o tema, na região, é capaz de
produzir alterações no quadro de invisibilidade das AH/SD, ainda que isolados, os
pesquisadores sejam insuficientes e capazes, no máximo, de criar um debate inicial sobre o
tema, que sem apoio estatal, logo cai em esquecimento.
A prova de que isolados os pesquisadores pouco conseguem, além de oxigenar um tanto
as suas regiões de atuação, comprova-se no fato de que em um total de 34 participantes, dentre
os 118 pesquisados, tiveram algum contato com o pesquisador e sua pesquisa, entretanto,
destes, apenas 1/3 disseram ter atuado com alunos com AH/SD em 2015 e que, mesmo dentre
os 12 que afirmam, possuírem alto-habilidosos, em suas turmas, apenas metade, ou seja, 06
dizem ter alguma vez indicado um aluno para avaliação, por desconfiar de que o mesmo seja
alguém com AH/SD.
No caminho de verificar o peso da invisibilidade entre os profissionais da educação,
questionamos os participantes sobre terem, alguma vez, indicado algum aluno para avaliação,
por suspeitas de que tivessem AH/SD. As respostas dão conta do poder da invisibilidade,
conforme os gráficos a seguir:
Figura 44. Figura 45.
Conforme os gráficos apontam, o número de profissionais que afirmam, jamais terem
indicado um único aluno para avaliação, chega a 80%, entre o total dos participantes e a pouco
mais de 80%, entre os trabalhadores da educação da cidade pesquisada, demonstrando que se
reconhecer um aluno alto-habilidoso, já é algo raro entre os trabalhadores da escola e realizado
21
97
0
50
100
150
Alguma vez já encaminhou um aluno para avaliação, por
suspeita de AH/SD?
Sim
Não
15; 18%
69; 82%
Indicação para avaliação entre profissionais da rede
pesquisada
Sim
Não
301
por menos de 40% dos participantes, quando se trata de assumir uma postura proativa de propor
a identificação, este número cai, ainda mais, e menos de 20% dos participantes indicam já ter
realizado tal procedimento, ao menos uma vez na carreira.
As respostas dos participantes sobre como suas indicações para avaliação foram
recebidas pelos demais trabalhadores da escola e famílias dos alunos, podem nos apontar alguns
motivos para a pequena ocorrência de indicações entre os educadores.
Não foi bem recebida já que o aluno em questão era considerado indisciplinado e
desinteressado pela maior parte do corpo docente. Prof.09
A resposta foi que o aluno não possui qualquer diagnóstico, sendo considerado
"normal". Prof.10
Por falta de profissional na área, não se chegou a um diagnóstico. Prof.18
A professora anterior havia dito que a aluna era hiperativa e tinha déficit de atenção,
a menina recebia muitas críticas dessa professora, inclusive desenvolveu um problema
sério de autoestima. Eu discordei e a professora que tinha mais tempo que eu nesta
escola, quis me convencer, o caso foi parar na direção. Eu não consegui a avaliação
de outros profissionais, mas nas minhas aulas, fazia tudo para desenvolver as
habilidades da aluna. Prof.62
Minha solicitação por parte da Unidade de Ensino passou por certa resistência,pois
consideravam o aluno como autista. Porém, diante da minha insistência, foi realizado
o encaminhamento do aluno e constatou-se que seu nível de inteligência é realmente
acima da média..Hoje, esse aluno está em acompanhamento com profissionais
especializados. Prof.74
O Serviço de Orientação solicitou à mãe, alguns exames com profissionais
específicos, mas a burocracia foi tanta, que o ano letivo terminou e não obtivemos
uma resposta. No ano seguinte, o aluno foi transferido para outra cidade. Prof.79
Pouca atenção, resistência, falta de respostas, burocracia e falta de estrutura e
profissionais, em condições de realizar as devidas avaliações, estas foram as referências mais
lembradas pelos participantes, quando questionados sobre a forma como suas indicações
haviam sido recebidas, demonstrando as dificuldades dos professores, no momento de indicar
um aluno, que lhe gere suspeitas de AH/SD e fortalecendo o quadro de invisibilidade.
Um dado positivo, apesar da constatação inegável da invisibilidade, nas respostas
relativas ao número de participantes que já atuaram ou indicaram aluno, devido às AH/SD,
deve-se ao fato de que, quando liberados da formalidade de confirmar as AH/SD e questionados
sobre suspeitas de algum aluno alto-habilidoso, em suas turmas, ao longo da carreira, as
respostas dos docentes são muito mais positivas e indicam-nos espaços e possibilidades para a
ruptura da invisibilidade. Vejamos os resultados referentes a tal questionamento:
Figura 46.
302
O gráfico indica o dado positivo, mais da metade dos participantes disse, em algum
momento, ter suspeitado de AH/SD, entre alguns de seus alunos, o que indica primeiro, a
percepção docente para o talento, segundo, que o conceito de AH/SD permeia seus imaginários,
ainda que não tenham formação na área e nem apoio neste sentido.
Buscando nos aprofundar sobre a relação dos participantes com o tema da pesquisa,
fizemos uma série de perguntas relativas a terem recebido algum tipo de formação sobre altas
habilidades/superdotação, durante seus cursos de graduação ou em suas experiências
profissionais, na rede de ensino pesquisada. Objetivávamos confirmar/refutar a tese, segunda a
qual os docentes não receberiam formação mínima, na área, sobre o tema. E as respostas foram
massivas, no sentido de confirmar a falta de formação, como descrito pela bibliografia,
conforme o gráfico a seguir:
Figura 47. Figura 48.
As respostas dos participantes confirmam a quase total ausência de formação, na área,
tanto na formação inicial, como na formação continuada dos docentes, relacionada ao tema das
AH/SD. Em ambos os casos, 20 participantes tiveram alguma formação inicial na área, nos
0
200
sim não branco total
64 540
118
Voce já lecionou para algum aluno, que não sendo identificado
oficialmente, como AH/SD, você tenha desconfiado se tratar de um caso
de criança/jovem superdotado?
20
98
Durante a graduação, teve alguma disciplina, aula ou curso sobre
alunos superdotados/altas habilidades?
SIM
NÃO
20
98
Na rede de ensino em que trabalha, já teve alguma
formação sobre superdotação/altas
habilidades?
SIM
NÃO
303
cursos de graduação ou durante a vida profissional, cabendo indicar que os indivíduos que
afirmam terem recebido formação, na graduação ou na rede de ensino onde atua, são
participantes diferentes, ainda que haja a coincidência do número.
Portanto, mais de 80% dos participantes formaram-se na graduação, realizaram cursos
de pós-graduação, atuaram como docente por mais de uma década, sem jamais ter recebido
qualquer formação a respeito dos estudantes alto-habilidosos, suas características, necessidades
e direitos, o que resulta, mais uma vez, na invisibilidade destes educandos.
Entretanto, o fato positivo é que quando questionados sobre buscarem informações
sobre o tema, de modo individual e informal, metade dos participantes respondeu que já havia
procurado informações sobre o tema, o que indica interesse dos docentes na área e, talvez,
justifique a próxima resposta dos participantes.
Existe na bibliografia especializada, a perspectiva de que por falta de conhecimentos e
formação na área e, até por certo preconceito com o tema, os docentes entendem que os alunos
alto-habilidosos não sejam um público que deva receber atendimento da Educação Especial.
Porém, ainda que, majoritariamente, sem qualquer formação, os docentes participantes
responderam, em quase unanimidade, que era necessário o atendimento especializado, na
Educação Especial, aos alto-habilidosos, com nada mais que 115, dentre os 118 participantes,
respondendo, positivamente, pelo atendimento na educação especial e, apenas 03 participantes
indicando não considerar adequado tal atendimento, cabendo o destaque de que o único
supervisor de ensino que respondeu ao questionário, profissional, fundamental, na garantia do
atendimento à legislação, entende que o AEE não seja direcionado a tais estudantes, o que pode
indicar problemas, na garantia de atendimento e aceleração de estudos, por exemplo.
Seguindo o caminho de buscar entender como os docentes compreendiam o fenômeno
das AH/SD, procuramos verificar como uma das grandes polêmicas da área apresentava-se aos
participantes, questionamos-lhes sobre a terminologia relativa às AH/SD e a percepção dos
professores sobre o assunto, indagando se entendiam altas habilidades e superdotação como
sinônimos, como preconiza a bibliografia e a legislação ou como fenômenos distintos, como
entende parte dos pesquisadores da área. Os professores deram respostas que merecem nossa
atenção e que apresentamos nos gráficos a seguir:
Figura 49. Figura 50.
304
Como podemos verificar, por meio dos gráficos, algumas informações importantes
sobre os trabalhadores da educação e suas concepções sobre as AH/SD são possíveis de serem
verificadas. Segundo alguns pesquisadores, como Guenther (2011), existe uma confusão na
área sobre a terminologia, sobre a melhor palavra para nos referirmos aos alunos talentosos e
que esta confusão geraria muitas dúvidas, nos docentes, sobre o tema, o que lhes impediria de
indicar e reconhecer os alunos alto-habilidosos.
As respostas dos docentes indicam o oposto, e mesmo a maioria dizendo não ter
nenhuma formação na área, 2/3 dos participantes aponta acordo com a maior parte dos
especialistas, na área e legislação, quanto ao uso dos termos superdotação e altas habilidades
como sinônimos. Demonstrando que os docentes têm reflexão apurada sobre o tema.
Cabe destaque, quando comparamos a opinião do total de participantes com as respostas
do grupo de controle, no segundo grupo, ocorre o oposto, pois 2/3 dos participantes relatam não
considerar os termos sinônimos, ou seja, docentes de cursos de pós-graduação, stricto senso,
neste caso, apresentaram maior confusão conceitual, do que os educadores da educação básica
e, na maior parte das vezes, com formação acadêmica inferior aos participantes do grupo de
controle. Indicando que, não necessariamente, é a formação acadêmica que produz
compreensão sobre o tema, sugerindo que, talvez, menos que a titulação, pese na avaliação da
terminologia, as concepções pedagógicas e políticas sobre a educação, os alunos e o papel do
professor. Mas vejamos o gráfico a seguir:
Figura 51.
74; 63%
42; 35%
2; 2%
Altas Habilidades/Superdotação são sinônimos?
Sim
Não
Nãorespondeu
0
5
10
sim não branco total
24
1
7
GRUPO DE CONTROLE:
Altas Habilidades/Superdotação são
sinônimos?
305
Um dado interessante é, quando analisamos as respostas daqueles docentes que indicam
ter alunos AH/SD em 2015, quanto às altas habilidades/superdotação serem sinônimos ou não,
verificamos que o grupo de 15 docentes dividiu-se de forma, praticamente, igual, entre quem
acredita que os termos sejam sinônimos ou não, contrariando as hipóteses iniciais, de que
aqueles que têm concepções contrárias à legislação ou a maioria dos especialistas, não consigam
identificar seus alunos talentosos. É evidente, que aqueles docentes que entendem as AH/SD
como sinônimos têm maiores chances de reconhecer alunos alto-habilidosos/superdotados e
isso foi verificado, na pesquisa, com 2/3 daqueles que disseram já ter atuado, em algum
momento da carreira, com alunos AH/SD. Entretanto, como já dissemos, temos número
razoável dos participantes, que apesar de ter concepção “acertada” sobre o conceito de AH/SD,
concordando com a legislação e bibliografia, ainda assim, indicam nunca ter atuado com alto-
habilidosos, mostrando-se incapazes de identificar alunos com tal perfil.
Com as respostas segregadas por grupos, pudemos verificar que dos 42 professores
atuantes, na educação infantil e ensino fundamental I (pedagogos de formação), tivemos 29
participantes que responderam que os termos altas habilidades e superdotação devam ser
compreendidos como sinônimos, enquanto, 13 docentes disseram se tratar de fenômenos
distintos. Assim, 70% dos professores, desta modalidade, responderam de modo adequado; este
número segue próximo de 70%, entre os professores da educação especial, caindo para 65%,
entre os gestores, atingindo 50% entre professores das redes ETEC e IFSP e, finalmente,
caindo para 45% entre os docentes da rede pública estadual.
Tais números indicam o papel das formações, na constituição das concepções docentes
e, principalmente, a curiosa tendência a que docentes de redes, com provas de seleção
concorridas, como: ETEC e IFSP e, que por isso, tendam a ter mais alto-habilidosos entre seus
estudantes, conheçam menos o tema. Fenômeno interessante que, também, ocorre com os
profissionais da rede estadual; primeiro, contrariando as matérias da imprensa, segunda as
8; 53%7; 47%
Entre aqueles que têm alunos, com AH/SD em 2015, consideram altas habilidades e
superdotação como sinônimos:
SIM
NÃO
306
quais, a SEE-SP teria fornecido materiais e desenvolvido cursos com os professores de sua rede;
em segundo, indicando que submetidos a regimes de precarização, ainda mais severos que os
profissionais de outras redes e expostos ao fracasso escolar, de forma mais cruel, estes docentes
mostraram-se, ao longo da pesquisa, menos sensíveis ao tema e a reconhecer tais educandos,
por exemplo, alguns destes sendo dos poucos que consideram inadequado o atendimento das
AH/SD, na Educação Especial.
Por fim, selecionamos algumas respostas de participantes que disseram não considerar
que os termos altas habilidades e superdotação sejam sinônimos, pois as colocações dos
docentes podem nos indicar caminhos, para a compreensão da invisibilidade, as respostas
seguem:
Eu acredito, são distintos. Compreendo que altas habilidades, pode ser
desenvolvidas com auxílio do meio, família, escola ou outro grupo e/ou pessoa de
contato. Já a superdotação se manifesta precocemente, independente do meio,
também pode ser em áreas específicas. Prof. 105
Acredito que haja diferença sim. Para mim, alunos superdotados possuem um
potencial nato que acaba por evidenciar seu lado precoce e prodígio desde o início
de sua vida. Já os alunos com altas habilidades possuem talentos que se desenvolvem
através de mediações sociais ou escolares. Prof.108
Não, os superdotados aprendem com facilidade quase tudo, porém se dedicam a
coisas que tenham mais afinidade e pouco precisam de ajuda, quanto aos que
apresentam apenas altas habilidades são bons apenas em algumas áreas. Alta
habilidade também é uma característica do superdotado. Prof.109
Não. No meu entendimento, superdotados são aqueles que apresentam desempenho
excepcional em TODAS as competências relacionadas a uma ou
algumasáreasdoconhecimento,oua algumas "inteligências" (Gardner, 1998). Já os
com altas habilidades são aqueles que apresentam desempenho excepcional em
UMA ou ALGUMAS das capacidades relacionadas a uma ou algumas
áreas/inteligências. Prof.110
Entendo que são termos distintos. Os superdotados seriam aqueles que já apresentam
desde os primeiros anos de vida uma capacidade muito além e acima damédia.Os
alunos com altas habilidades seriam aqueles que se destacam em relação à maioria,
mas que diferentemente dos superdotados dependem mais do convívio e do
desenvolvimento em sociedade. Prof.111
Quando avaliamos as respostas dos docentes, as primeiras observações são sobre a
qualidade da reflexão e envolvimento dos educadores com o tema, pois, ainda que tenham uma
perspectiva dos conceitos distinta do que preconiza a legislação e a maior parte dos
especialistas, os participantes mostram-se, profundamente, capazes de refletir sobre as questões
relativas à área e apresentam-se envolvidos, de modo a desmistificar a perspectiva de
preconceito com o tema.
307
A divergência dos docentes com o uso dos termos como sinônimos também, apresenta-
se bem fundamenta, não se trata, simplesmente, de desconhecer que a legislação utiliza a
expressão altas habilidades/superdotação como termos correlatos. Na verdade, os docentes
apresentam, na proposta de distinção dos termos, sua concepção de altas habilidades e
superdotação e, basicamente, temos três categorias que justificam as defesas neste sentido: 1-
intensidade do talento; 2- o espectro de áreas em que o talento se manifesta; 3- a origem do
talento ser biológica ou, socialmente, aprendida.
Em termos práticos, os participantes que indicam divergência com o uso de altas
habilidades e superdotação, enquanto sinônimos, justificam sua opção, afirmando que
superdotados são, quantitativamente, mais talentosos/inteligentes/habilidosos/capazes, que
alto-habilidosos. Tal concepção, verificada entre os participantes, é uma ideia difundida entre
os educadores. Vale destacar que, por vezes, tais concepções foram verificadas, mesmo em
publicações oficiais do MEC.
O segundo ponto que embasa as defesas, neste sentido, é a noção de que superdotados
seriam, amplamente, capazes e habilidosos, realizando, assim, prodígios, caso se dediquem em
muitas e, talvez até, em todas as áreas da produção humana; enquanto alto-habilidosos teriam
capacidades restritas a uma única área do conhecimento.
Finalmente, a última categoria apresentada para a justificativa da perspectiva, está ligada
à origem das capacidades superiores e, neste caso, diversas vezes, verificamos a defesa de que
a superdotação é o talento inato, de origem biológica e natural, sendo que os sujeitos,
simplesmente, nascem com tal capacidade e conseguem se desenvolver, praticamente, sem a
ajuda de ninguém. Já as altas habilidades são capacidades apreendidas, seja pela dedicação,
treino, esforço, mediações sociais e, assim, teriam origem, no ambiente ou na sociedade, e
seriam desenvolvidas com o apoio dos mestres. Esta concepção da forma como foi apresentada
pelos participantes, demonstra como educadores, sem formação específica na área, são capazes
de reflexão próximas a de especialistas, como Guenther, por exemplo.
Tais ideias indicam sofisticação entre os docentes, quando pensam no tema, e que a
opção pela terminologia a ser utilizada, tem menos de opção, fruto de informação sobre o
assunto e mais de concepções sobre inteligência e talentos, que terão grande impacto, na escolha
pelo atendimento ou não das AH/SD e mesmo sua identificação.
Na sequência do trabalho de pesquisa de campo, analisamos quais as características os
alunos com AH/SD teriam, conforme os participantes; e quais características fariam os docentes
desconfiar, eventualmente, que algum de seus alunos fosse alto-habilidoso.
308
Com relação às características que os docentes atribuem aos alto-habilidosos, a primeira
coisa que chama a atenção, é a variedade de características apresentadas, mostrando como o
tema é compreendido, de modo heterogêneo e pouco baseado em alguns mitos. Tivemos citação
a mais de 80 características relativas a estes alunos e, ainda que muitas vezes, apresentadas de
modo diferente, os termos usados referiam-se a uma mesma característica, pensamos ser
adequado apresentar os termos, para termos a real noção da diversidade do quadro de respostas
dos educadores.
Entretanto, o fato que merece grande destaque, é que, apesar do grande número de
características citadas, quando analisadas, quanto à quantidade que foram utilizadas por
diferentes participantes, algumas características possuem ampla maioria sobre as demais e,
muitas características apresentam-se restritas ao espectro de um ou dois educadores. Assim,
facilidade para aprender os conteúdos, criatividade, curiosidade, inteligência, habilidades
especiais/competentes, destaque em relação aos demais alunos, socialização difícil, e rápidos,
foram as características que obtiveram mais de uma dezena de citações. As respostas podem ser
verificadas, na tabela a seguir:
Figura 52. Características dos alunos com AH/SD, segundo
trabalhadores da educação:
Quantidade Número de identificação dos
participantes
Exigentes 1 2
Exibicionistas 2 50,93
Frustrados 7 02,42,45,71,86,88,98
Aprendem conteúdos com maior facilidade 40 03,05,17,18,20,21,24,29,34,3
6,38,39,41,42,46,51,53,62,63,
69,71,72,78,83,85,86,88,90,9
1,94,95,101,103,104,108,109,
110,111,113,117
Habilidades especiais/competentes 17 04,06,22,56,59,63,70,72,73,8
4,90,93,99,107,108,110,112
Destaque em várias disciplinas 5 05,60,72,104,112
Curiosos 20 05,18,28,31,40,50,54,63,67,6
9,71,74,83,88,92,102,106,109
,119,113,
Criativos 13 05,23,32,38,50,54,63,69,82,9
7,99,109,113
Interesse em Aprender 5 05,22,28,54,78,
Podem ser Agitados 5 05,09,62,82,119,
Podem ser Líderes 7 04,05,20,47,105,109,119
Exatas/Artes Destaque 1 6
Raciocínio lógico maior 6 06,18,36,37,63,78,
Inteligentes 11 07,08,09,19,25,29,41,44,52,8
5,115,
Observador 3 08,50,63
Tímidos 6 05,09,10,93,105,115,
Suas AH não são notadas 1 9
Notas Excelentes 3 05,85,91,
Conhecimentos acima da média 2 10,96,
Grande Memória 7 10,18,31,74,94,95,119
309
Renzulli e Três Anéis 2 11,25
Não sei 1 13
Acho algo discutível 1 13
Destaque em Relação aos demais (Capacidade superior) 18 12,14,20,22,32,40,43,48,55,5
7,60,69,72,97,98,102,107,116
Resposta em Branco 4 15,27,31,68,
Gênio 4 16,25,64,85,
Esquisito 1 16
Socialização difícil 11 18,30,34,46,48,50,56,66,71,8
2,86,
Alfabetização Precoce 1 19
Concentração /Atenção 5 22,24,33,102,119,
Originalidade 3 22,74,83,
Estabelecer relações entre conhecimentos diversos 2 23,24,
Q.I. alto 3 25,77,80
Dificuldade com erro 1 119
Competitividade 1 119
Precisam de ajuda especial 1 118
Rendimento superior ao considerado para a condição
socioeconômica
1 107
Comprometido 2 28,38,
Esperto 1 28
Focado em Determinadas Àreas 9 30,32,59,66,74,83,95,97,102
Desenvolvimento muito acima da média 3 49,59,107
Autonomia 2 105,113
Criticidade 1 119
Interessado 2 33,99
Participativo 1 33
Eficiente 3 33,46,76
Responsável 3 33,66,95,
Pouca Disciplina 2 34,62,
Rápidos 10 34,46,62,67,76,101,106,108,1
13,117,
Comportamentos e interesses diferentes 2 35,66,
Aptidão/Naturalidade 1 38
Desenvoltura 1 38
Aprende sem demonstrar esforço 2 42,98,
Capacidade de abstração 3 45,47,119,
Interesse em uma disciplina 1 45
Capacidade Intelectual acima da média 5 47,55,58,64,108
Desinteresse 2 46,71,
Capacidade 1 46
Difícil Identificar 1 50
Desempenho Acima da Média 4 61,71,100,114,
Sempre querem mais 1 62
Habilidade Cognitiva Acima da Média 5 65,80,96,97,111
Tendência à depressão 1 66
Autocobrança 2 66,119
Amadurecimento precoce 1 66
Pesquisador 2 67,93
Aparente desatenção pelo imediato/pessoas 2 71,102,
Autodidatas 3 72,81,113,
Motivados 2 74,119,
Imaginação 1 74
Pensamento diferente 1 74
Energia 1 74
Já sabem o conteúdo, sem terem aprendido antes 1 76
Rendimento Acima da Média 1 78
310
Linguagem mais desenvolvida 6 78,89,88,106,113,119,
Ansiedade para aprender 4 79,82,102,119
Mais afoitos, querem sempre mais. 2 79,89,
Talentos 1 80
Envolvimento com a Tarefa 6 83,95,96,97,102,119
Habilidade Acima da Média 1 84
Pouca dificuldade de aprendizado 1 87
Sucesso na vida acadêmica 3 90,98,102,
Concentração 1 95
Ótima compreensão de textos 1 95
Desmotivados 1 98
Em primeiro lugar, cabe a constatação de que tivemos características citadas que se
baseiam em ideias descritas nos mitos sobre as altas habilidades/superdotação. Quando
tabuladas e agrupadas tais ideias foram citadas, 33 vezes, por participantes da pesquisa, ainda
que, algumas vezes, um único participante tenha citado mais de uma ideia considerada
associada a um grupo de características, indicando que existe, no imaginário dos participantes,
um grupo de ideias equivocadas circulando.
Outro grupo de ideias que pensamos, contribuam para equívocos e eventual
fortalecimento da invisibilidade, são as que chamamos de “características negativas-
estereotipadas”. Este grupo envolve ideias sobre os alto-habilidosos, como: apatia, indisciplina,
desinteresse, tendência à depressão, foram ideias lembradas 43 vezes e que, ainda que possamos
ter alunos alto-habilidosos com tais características, estas podem ser apresentadas em alunos
com os mais diversos perfis, tendo ou não AH/SD. O problema é que tais ideias contribuem
para que os docentes tenham dificuldade em reconhecer seus alunos talentosos e,
eventualmente, venham a identificá-los. Cabe destacar, que nem todas as ideias, que podem
atrapalhar a identificação e atendimento, são negativas sobre os alto-habilidosos.
Existe um grupo de características positivas, mas idealizadas, sobre as AH/SD, que
surgiu em 25 citações, como: exigentes; destaque em várias disciplinas/áreas; gênio; notas
excelentes, sendo utilizadas para descrever os estudantes com tal perfil, fato que se repete, com
as observações, durante as formações desenvolvidas com os docentes sobre o tema. Tanto
nestas, como no questionário, as duas ideias positivas, mais presentes, sobre os alunos com
AH/SD, foram as de que tais sujeitos são excelentes, em todas as áreas do conhecimento,
obtendo, inclusive, notas elevadas em todas as disciplinas, somada a ideia, sempre presente, de
genialidade, um mito que aparece, de forma majoritária, entre os docentes e, quando foi
contestado (Momento das formações), rapidamente, abria espaço para indicações e suspeitas.
Podemos verificar a ocorrência dos mitos e das estereotipias, no gráfico a seguir:
311
Figura 53.
Todavia, a observação que merece maior destaque, quando analisamos as respostas dos
participantes sobre as características que imaginam para sujeitos alto-habilidosos, deve-se ao
fato de que, das 297 citações a características apresentadas, para descrever os alto-habilidosos,
uma vez que, os participantes utilizaram mais de uma característica para se referir a tais sujeitos,
nada menos que 196 citações ou 66% das referências estarem concentradas, em duas categorias
de características, que utilizamos para agrupar as referências dos docentes; a primeira, com 30
citações, referia-se à ideias que fazem alusão à noção de que os sujeitos alto-habilidosos tenham
maior desenvolvimento de suas funções psíquicas superiores, citando exemplos, como maior
desenvolvimento da linguagem; capacidade de concentração e atenção; ou mesmo
desenvolvimento da memória, entre as características descritas. Indicando que o fato dos
professores filiarem-se a uma escola teórica, a que se dedicam e estudam para pensar, em sua
prática, com todos os alunos, leva-os a refletir sobre as AH/SD, a partir destes conceitos e
produzindo reflexões adequadas, muito bem fundamentadas, sobre tais estudantes.
A segunda categoria concentrou muitas citações, e foi disparada a com maior número
de citações, 166. Esta categoria reuniu mais de 4 vezes, o número médio das citações recebidas,
por cada uma, das demais categorias e relaciona-se com características descritas que, de alguma
forma, podem ser associadas à definição de AH/SD proposta por Renzulli, na “Teoria dos Três
anéis”. Assim, características como: aprendem conteúdos com maior facilidade; habilidades
especiais/competentes; curioso; criativos; interesse em aprender; habilidade acima da média;
destaque em relação aos demais colegas; focado em determinadas áreas; interessado; que foram
descritas, inúmeras vezes, constituem-se como o grupo de características, mais presentes, nas
descrições dos educadores sobre altas-habilidades, apontando que os docentes sabem observar
25; 8%
43; 15%
30; 10%
166; 56%
33; 11%
Características das AH/SD agrupadas por categorias.
Caracteristicas positivas-idealizadas
Caractreristicas negativas-estereotipos
Funções psiquicas superiores
Conforme teoria dos tres aneis
Mitos
312
os talentos de seus alunos e os descrevem, com propriedade, (ainda que nem sempre usem os
termos exatos) as capacidades/habilidades/características de educandos superdotados.
Desta forma, temos o fato positivo de que os docentes, em boa medida, têm conceitos
adequados sobre as AH/SD e o perfil dos alunos a observar, para que se realizem identificações.
Por outro lado, há ainda muito trabalho a ser feito, caso desejemos superar mitos, estereótipos
e idealizações.
Ainda no sentido de verificar quais atributos os docentes e gestores buscam, nos
estudantes, quando falamos em AH/SD, questionamos-lhes, sobre quais características de um
estudante os faria suspeitar que um aluno pudesse, eventualmente, ser alto-habilidoso.
As respostas dos docentes, novamente, indicam-nos que os professores têm reflexões
sobre o tema e tais alunos, bastante adequadas, e, ainda que não disponham de formação, ao
menos em tese, os docentes sabem que perfil observar entre seus alunos, os motivos de que isso
não gere indicações e avaliações, constituindo a invisibilidade, é que deve ser avaliado.
Entre as referências dos docentes sobre o perfil dos alunos que lhes geraram/gerariam
desconfiança de altas habilidades, agrupamos as características, em 04 grupos distintos. O
primeiro, daquelas características que não receberam mais que 10 citações e, portanto, restritas
a um grupo pequeno de educadores. É neste grupo, que se encontram, por exemplo, ideias
relacionadas a mitos e equívocos, como: necessita se destacar; aprende os conteúdos de outras
séries sozinhos; concepções que trazem a ideia de que os alto-habilidosos desenvolvam-se
sozinhos e não necessitem de ajuda, contribuindo para a invisibilidade.
O segundo grupo é o composto pelas características que receberam entre 20 e 40 citações
de participantes diferentes. Neste grupo, temos indicações de características que nos apontam
que os docentes consideram caracteres de AH/SD alguns atributos que chegam a ser
surpreendentes, como: elogios de outros docentes; não se adequar às propostas pedagógicas;
viver no mundo da lua; apatia/desinteresse. Verificar os docentes, mostrando-se preocupados
com este grupo de características, quando pensam em AH/SD, mostram-nos perspectivas
positivas sobre a área, pois o senso comum, dificilmente, indicaria que docentes pudessem
considerar tais perfis, como sinais de habilidades superiores e podem mostrar caminhos para a
superação da invisibilidade. Outros dois atributos presentes, neste grupo, são as ideias de que
alunos com AH/SD sejam lideranças e/ou tenham dificuldades, no processo de socialização.
Tais ideias, ainda que descrevam parte dos alto-habilidosos, merecem atenção, pois podem
gerar estereótipos, que criem dificuldades entre os docentes, no que tange a identificação, sendo
a preocupação com a socialização a mais destacada pelos educadores, quando pensam nestes
alunos.
313
O terceiro grupo é composto pelos atributos que receberam entre 40 e 60 citações
diferentes, ou seja, aproximadamente, 50% dos participantes fizeram referência a tais ideias.
Por se tratar de um grupo de atributos citados, por muitos educadores e, assim, expressar, em
boa medida, o pensamento dos participantes sobre o tema, este merece atenção detida. Assim,
notas altas; agitação e indisciplina; leitura fluente e dedicação foram citadas pelos educadores
como sinal evidente de altas habilidades/superdotação, indicando que questões objetivas como
envolvimento com a tarefa, domínio da leitura e os resultados em notas são, fundamentais, no
momento dos docentes basearem suas desconfianças sobre o perfil de algum estudante.
Finalmente, o último grupo de características é composto pelos atributos citados, por
mais de 70 participantes. Estes atributos chegaram, por vezes, a receber mais de 90 citações,
sendo, desta forma, lembrados por quase 90% dos educadores participantes. Não apenas pelo
número de lembranças estas características merecem atenção, pois dão mostras incontestes da
capacidade apurada de um professor, quando estimulado/provocado, a refletir sobre AH/SD e
descrever perfis adequados de alunos a serem observados. Assim, ser inquieto intelectualmente;
curiosidade; criatividade e quantidade de informações, todas características possíveis de serem
associadas à “Teoria dos Três Anéis”, de Renzulli, são as características que mais os levariam
a desconfiar de alunos sobre serem alto-habilidosos.
Como parte de nossas hipóteses iniciais, trabalhamos com a ideia de que as concepções
teóricas dos educadores sobre educação e aprendizado e, consequentemente, sobre inteligência,
fracasso e sucesso escolar tinham parte fundamental, na disposição docente em indicar ou não
alunos como potenciais suspeitos de AH/SD, contribuindo, sobremaneira, com a invisibilidade.
Neste sentido, uma das questões mais importantes do questionário virtual, foi à pergunta: Em
sua opinião, o que explicaria a existência de alunos superdotados/altas habilidades? As
respostas dos professores para a pergunta seguem dispostas nos gráficos a seguir e as análises,
logo após:
Figura 54.
314
Novamente, a primeira observação sobre as respostas dos educadores é a variedade de
justificativas, para as Altas Habilidades/Superdotação, onde, mais uma vez, um grupo de
citações, que não receberam mais que 05 indicações, são responsáveis por perspectivas
baseadas em mitos, senso comum, que podem contribuir, ajudando-nos a entender a
invisibilidade, e se relacionam com a falta de formação. Dentre estas opções, temos ideias
como: coisas da natureza; Q.I maior; questões psicológicas; vidas passadas; situações
congênitas; genético, mas não hereditário; superdotação = biológico e altas habilidades = social;
não tem explicação; patologias congênitas; o mesmo que deficientes. Tal grupo de
características indica que uma parte considerável dos educadores entende as AH/SD, a partir de
questões místico/médicas, deixando a cargo da biologia, metafísica ou natureza o surgimento
dos talentos humanos e, assim, a escola e os docentes teriam pouca ou nenhuma relação com
os potenciais elevados humanos, contribuindo assim para a invisibilidade.
Entretanto, apesar de muito associadas às ideias do senso comum, os participantes que
optaram por tais caminhos, para compreender as AH/SD, constituem um número reduzido, em
relação ao total de participantes.
0
5
10
15
20
25
30
35
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9
2
34
15
1
27
Em sua opinião, o que explicaria a existência de alunos com AH/SD?
315
No grupo de explicações que receberam até 10 citações de participantes e, por isso, o
segundo grupo mais presente, nas justificativas para as AH/SD, temos explicações, que como
o grupo anterior, organizam-se, conforme o senso comum, mas, a partir de perspectivas um
pouco mais elaboradas. Desta forma, as ideias de que as capacidades humanas se devessem a:
diversidade humana; acredito ser inato; dom divino; hereditário; questões orgânicas; estiveram
presentes, entre as perspectivas dos participantes para as AH/SD. Como podemos verificar, a
maioria destas ideias, novamente, associam-se às aptidões naturais e/ou biológicas dos talentos,
indicando que os professores e a escola teriam papel reduzido, no surgimento/desenvolvimento
das altas habilidades.
Desta forma, nada menos que 57 vezes, as justificativas, para explicar os talentos,
presentes nos grupos 1 e 2, foram apresentadas pelos participantes para indicar AH/SD.
No último grupo, temos ideias lembradas por mais de 10 citações e com número de
lembranças, muito superior, às ideias dos grupos 1 e 2. Algumas vezes, citadas por mais de 30
participantes. Assim, origem genética; situações ambientais; combinações biológicas e
históricas/sociais receberam juntas 80 lembranças e parecem ser as ideias em que,
majoritariamente, fundamentam-se os educadores, para compreender a questão.
Já refletimos, profundamente, sobre como as teorias genéticas para a explicação dos
talentos, ou as noções de aptidões naturais podem contribuir para que educadores resistam em
identificar alto-habilidosos, nas escolas públicas e com filhos de trabalhadores pobres.
Também, já expusemos como uma leitura mecânica e determinista sobre as teorias da
reprodução, contribui igualmente com a invisibilidade.
Considerando que a definição apresentada, para explicar as AH/SD, diga muito sobre a
concepção do professor/gestor, de educação,aprendizado e fracasso/sucesso escolar,
explicando, em parte, a invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, agrupamos as
justificativas para o talento humano, conforme suas filiações teóricas:
Figura 55.
Explicação das AH/SD por categorias N.°
Fatores Biológicos 74
Fatores Sociais 51
Fatores Metafísicos 10
Não há explicação 10
Como podemos verificar, a partir da tabela, somadas as explicações de ordem
biológicas, metafísicas ou as ideias, que entendem que não exista explicação para os talentos,
temos 94 citações, recorrendo a este tipo de perspectiva para entender as AH/SD e, assim, com
316
justificativas que conferem pouca ou nenhuma importância à escola ou aos docentes,
verificamos que o imaginário que naturaliza o talento, a partir da ideologia das aptidões
naturais, é decisivo no quadro de invisibilidade. Assim, se considerarmos que as 51 referências
a fatores sociais não querem dizer, exatamente, a perspectiva histórico-social do
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, mas perspectivas, em geral deterministas,
sobre classe e talento, veremos o quadro ser, ainda, mais agravado.
Ao passo e ao fim, cabe o destaque de que, apenas 15 educadores, ou seja, pouco mais
10% dos participantes justificaram as AH/SD, enquanto fruto de complexas interações
biológicas/sociais como, atualmente, a maior parte da bibliografia especializada preconiza,
indicando que, se de alguns pontos de vista, temos fatores positivos sobre o potencial dos
docentes, em refletir sobre os alto-habilidosos, quando questões teóricas e concepções veem à
baila, temos posições que terminam por justificar a invisibilidade.
O impacto das concepções sobre origens, na disposição dos docentes em identificar e
atender os alunos com AHSD, pode ser constatado de forma evidente, quando cruzamos
algumas questões do questionário de pesquisa, por meio das respostas dos participantes, por
exemplo, entre aqueles que defendem a origem inata dos talentos, a ocorrência de casos de
encaminhamento para avaliação, por suspeita de AH/SD, é ainda mais reduzida que a da
totalidade dos professores, como o gráfico a seguir indica-nos:
Figura 56.
A comparação entre encaminhamento para identificação e crenças a respeito das origens
das altas habilidades/superdotação é reveladora, quando diversas explicações são avaliadas,
tendo como base a disposição para desconfiar de casos de alunos com AH/SD, vejamos:
Figura 57.
1; 14%
6; 86%
Entre quem defende a origem INATA das AH/SD, quantos já encaminharam alunos à avaliação para identificação?
Sim
Não
317
A justificativa genética para as capacidades humanas que, em alguma medida, pode ser
relacionada com a tradição das explicações, que compreendem os talentos como inatos,
apresenta números, igualmente, desanimadores de casos de indicação, como verificamos,
apontando como a perspectiva, que afasta da mediação social e com isso da escola, o
desenvolvimento dos talentos, tem, no final das contas, resultado na produção da invisibilidade
das AH/SD.
Quando as condições sociais passam a fazer parte das concepções relativas ao
desenvolvimento e origem dos talentos, as mudanças na disposição para encaminhar mostram-
se:
Figura 58.
O impacto da alteração, nas concepções, é visível. Com um número de citações
próximas aos que indicavam a genética como “causa” das AH/SD (34 casos contra 31 casos),
temos um número de participantes, que já indicaram alunos para avaliação que é quase o dobro:
07 casos, contra 04 casos indicados por aqueles que defendem a genética como explicação.
Mas, quando analisados, percentualmente, verificamos, ainda mais, a alteração, com a
proporção de participantes que já indicou algum aluno para avaliação, subindo quase 10 pontos
4; 13%
27; 87%
Entre quem considera a origem GENÉTICA das AH/SD, quantos já encaminharam alunos à avaliação para identificação?
Sim
Não
7; 21%
27; 79%
Entre quem defende a origem das AH/SD baseadas nas CONDIÇÕES AMBIENTAIS, quantos já encaminharam alunos à avaliação para
identificação?
Sim
Não
318
percentuais para chegar em 21% daqueles que acreditam em causas ambientais, para as AH/SD.
Mas, atentemos ao caso a seguir:
Figura 59.
Finalmente, chegamos ao grupo de participantes que entende as origens das AH/SD, de
modo mais próximo aos de teóricos, como: Renzulli, Sternberg ou Csikszentmihalyi,
compreendendo que as causas dos talentos tenham profundas relações com interações
biológicas, sociais e históricas, relativas aos sujeitos, seus grupos sociais e período histórico em
que vivem. Assim, trazendo professores e escolas para o centro do desenvolvimento dos
talentos. O número de casos de participantes, que dizem já ter feito algum tipo de
encaminhamento dobra, atingindo 40% dos que indicam tal concepção par as AH/SD.
Mas as relações entre concepções de origens e disposição para a indicação não terminam
aqui. Cruzamos as respostas dos indivíduos, conforme suas concepções de AH/SD e seu
surgimento, com os dados relativos a pergunta sobre terem algum aluno alto-habilidoso, em
2015, ano da pesquisa, novamente, os resultados são reveladores:
Figura 60. Figura 61.
6; 40%
9; 60%
Entre quem defende a origem das AH/SD, como resultado da interação BIOLÓGICA/SOCIAL/HISTÓRICA, quantos já encaminharam alunos à avaliação para identificação?
Sim
Não
5; 16%
26; 84%
TALENTO com origem GENÉTICA Atualmente, existe algum aluno
que você tenha contato que possa ter AH/SD?
SIM
NÃO5; 33%
10; 67%
TALENTO com origem BIOLÓGICO/SOCIAL/HISTÓRICO Atualmente, existe algum aluno
que voce tenha contato que possa ter AH/SD?
SIM
NÃO
319
Os efeitos das concepções sobre a invisibilidade são visíveis, não apenas na disposição
para a indicação para avaliação formal de AH/SD, mas, também, no refinamento do olhar capaz
de desconfiar, observar e avaliar o talento. Tais efeitos podem ser verificados, nos gráficos
acima, quando a depender da concepção sobre as AH/SD, o percentual de indicações de alto-
habilidosos reconhecidos, entre os alunos dos participantes, simplesmente, dobra.
Convictos da capacidade docente, em observar e descrever seus alunos alto-habilidosos,
mesmo quando dizem nunca ter atuado com estes, verificando a relação entre concepções
teóricas de educação e, assim, explicação para aprendizado, sucesso e fracasso e a maior ou
menor disposição para a invisibilidade, tendo confirmado a invisibilidade das AH/SD, na
realidade docente, buscamos entender como a invisibilidade apresentava-se aos participantes,
de um modo um pouco mais preciso. Desta forma, tentamos verificar como o tema apresentava-
se aos participantes, para além de suas relações como docentes.
Figura 62. Figura 63.
Decidimos perguntar, se os participantes identificavam alto-habilidosos entre seus filhos
e/ou parentes, como forma de comparar a invisibilidade das AH/SD, em grupos mais próximos
dos docentes que seus alunos.
Ainda que o número de indicações para alto-habilidosos, entre os alunos, seja o dobro
da apontada, quando devem responder sobre terem filhos talentosos, devemos considerar que,
com média de atuação, de mais de 10 anos, os docentes tiveram, em média, centenas de alunos,
para que, apenas 40% diga já ter, em algum momento, atuado com alto-habilidosos. Em
contrapartida, em um universo bem menos numeroso, suas famílias, temos 1, em casa 5
professores dizendo ter parentes superdotados, fato que deve nos chamar a atenção:
72; 61%
46; 39%
Já teve algum aluno com AH/SD, ao longo da carreira?
NUNCATEVE ALUNOAH/SD
TEVE EMALGUMMOMENTOALUNOAH/SD
24; 20%
94; 80%
Você tem filho ou algum parente que seja superdotado/altas
habilidades, ou que você suspeite ser?
SIM
NÃO
320
Figura 64. Figura 65.
Quando precisa olhar para seu próprio grupo social, os docentes demonstram o mesmo
quadro verificado, durante as formações presenciais, de que as AH/SD, entre seu núcleo mais
próximo, não chega a ser uma novidade, com 36% dos participantes indicando que possuem
amigos ou filhos de amigos que são superdotados, podemos constatar que parte do grupo de
professores têm filhos, parentes próximos e amigos com AH/SD, conseguindo reconhecê-los,
com certa facilidade, bem como, os indicar, fato que demonstra que a invisibilidade, ainda que
poderosa, não é total e os profissionais são obrigados a refletir sobre o tema, ao deparar com o
mesmo, em suas próprias vidas privadas, levando-nos a pensar no papel que o capital cultural
teria, na maior facilidade dos trabalhadores da educação, em indicar alto-habilidosos entre os
membros de seus grupos sociais, que entre seus alunos.
Há dados preocupantes e sintomáticos sobre o tema; quando questionados sobre eles
próprios (docentes), terem algum tipo de alta-habilidade, os participantes, entre estes sujeitos,
alguns claramente, com habilidades acima da média e capacidades reconhecidas, por seus pares
profissionais, em geral, preferiram a recomendada “humildade” e responderam, em peso, que
ainda que pais e amigos digam que lhes consideram alto-habilidosos, eles próprios refutavam
tal ideia, considerando-se sujeitos normais, por mais destacados que sejam seus feitos
acadêmicos e reconhecimento social, afirmam, exatamente, o oposto. Deste modo, podemos
pensar nas reais oportunidades que um jovem talentoso, tem de ser reconhecido e estimulado
como AH/SD e ter seu direito a atendimento especializado garantido, quando o próprio sujeito
alto-habilidoso, responsável pela docência, prefere “esconder” seus potenciais ou, então, teve
seu talento negado, passando a acreditar nesta suposta normalidade, que torna improvável
enxergar, entre seus alunos, sobretudo, alunos de bairros periféricos e famílias pobres, sem
estudo, as altas habilidades. O gráfico a seguir apresenta-nos a situação descrita:
36
82
Você tem algum amigo ou conhecido superdotado/altas
habilidades, ou que tenha filhos e/ou parentes
superdotados/altas habilidades?
SIM
NÃO
30; 25%
86; 73%
2; 2%
Seus pais e colegas de classe achavam-no superdotado/altas habilidades ou acima da média?
SIM
NÃO
BRANCO
321
Figura 66. Figura 67.
Outro contexto em que, novamente, a invisibilidade apresenta-se para pelo menos 3/4
dos participantes, ocorre, quando precisam lembrar de colegas de sala superdotados/alto-
habilidosos, nos seus tempos de estudantes, independentemente, da modalidade de ensino.
Neste caso, 25% dos participantes relataram casos de AH/SD, em sala de aula, nos tempos de
estudantes, E, 75% dos participantes, apesar de, permanecerem, quase duas décadas em bancos
escolares, em meio a centenas e milhares de estudantes, podendo citar, desde colegas dos
tempos da educação infantil até colegas da universidade e cursos de pós-graduação, disseram
não ter conhecido tais indivíduos, mostrando que a invisibilidade é mais complexa e poderosa,
do que simplesmente estar preparado, formalmente, para lidar com o tema.
Um fator que vale consideração é a constatação de que mesmo com a minoria dos
educadores conseguindo identificar alto-habilidosos entre seus alunos, amigos, filhos, colegas
de turma, parentes. Quando isso ocorre, as experiências são marcantes e podem ser verificadas,
nos relatos repletos de detalhes e, por vezes, situações de sofrimento, que selecionamos e
apresentamos a seguir:
O filho de um secretário de escola. Possui uma grande capacidade de reter
informações e desenvolver competências ligadas às múltiplas áreas do
conhecimento.Quando criança eu poderia ter potencial para ser, tendo em vista que
aprendi a ler e escrever de três para quatro anos, já fazia qualquer tipo de operações
matemáticas e memorizava facilmente informações. Mas, não tive qualquer
acompanhamento, então tive um percurso como qualquer aluno regular. Na primeira
série, por exemplo, foi praticamente um ano perdido. Pois a professora utilizava a
cartilha e eu já lia há muitos anos textos complexos. Prof.10
No primeiro caso, o indivíduo que era excelente em matemática, aprendeu a tocar o
violão sozinho, apenas assistindo aulas pela internet , tornou-se compositor e passou
a tocar outros instrumentos de corda, td sem aulas com professores. Depois começou
a escrever poemas e poesias, e por fim começou a pintar em tela, sendo elogiado pelos
professores, pois nunca havia exercitado tal prática, misturas como tons exatos de
cores e sombras faz sem instrução dos mestres. No segundo caso, volto ao exemplo
do estudante que foi para o Japão, voltou de lá casado, teve dois filhos que são
9; 8%
106; 90%
3; 2%
Você considera que seja superdotado/altas habilidades?
SIM
NÃO
BRANCO
0; 0%
27; 23%
91; 77%
Nos seus tempos de aluno, você estudou com alguém
superdotado/altas habilidades?
SIM
NÃO
322
Campeões em xadrez, no Brasil. No caso, os filhos só tem, se não me engano, 9 e 7
anos. Prof. 44
Não só eu mas outras pessoas desconfiam que minha filha possa ser superdotada. Fico
bastante confusa com relação a esta desconfiança, uma vez que, não consigo ter a
segurança de que se trata de superdotação ou apenas de uma criança muito estimulada.
Prof.118
O primeiro caso que suspeito é do meu irmão mais velho. Apresenta conhecimentos
acima da média em diferentes áreas. Muita facilidade no armazenamento e
recuperação de informações. Destaca-se especialmente nos conhecimentos sobre
eletrônica Em contrapartida, apresenta muita dificuldade nas relações pessoais. O
outro caso do qual tenho suspeita é um amigo, professor de História e Coordenador
Pedagógico. Este amigo apresenta conhecimentos muito acima da média das pessoas
com a mesma formação/ profissão. Consegue com grande habilidade apreender os
conhecimentos que ainda não possui. Prof.96
Eu era uma dessas alunas com altas habilidades e nunca recebi nenhum estimulo por
perguntar muito, recebia muitas críticas e desprezo dos professores, que achavam que
eu estava atrapalhando as aulas. Prof.62
Os relatos indicam amigos, colegas de trabalho, ex-alunos e, por vezes, os próprios
participantes como potenciais casos de AH/SD, tendo, em comum, as histórias de talentos
profundos que chamavam a atenção; a associação à funções psíquicas superiores bastante
desenvolvidas, como: memória e capacidade em manter a atenção ou estabelecer relações entre
informações, ou entre características objetivas de precocidade, como: leitura em idade tenra;
capacidade de cálculos matemáticos, ainda jovens; habilidades artísticas, como tocar
instrumentos ou produzir obras de arte, como pinturas e poemas, demonstrando, ainda, quede
modo simples e geral, os docentes conseguem avaliar casos que merecem suspeitas, quanto às
AH/SD e que tais casos chamam-lhes a atenção, pela riqueza de detalhes.
Durante o trabalho com os questionários, levantamos juntos aos participantes, a
ocorrência ou não de alguns dos chamados mitos da superdotação. O trabalho com estas
perguntas indica a ocorrência de algumas das representações sociais descritas nos mitos, entre
os educadores, mas, seus caminhos e influência precisam de atenção na análise, para que não
acabemos incorrendo em simplificações apressadas, sobre as concepções docentes e sua relação
com a invisibilidade. Os gráficos, a seguir, são a tabulação das respostas dos docentes às
perguntas referentes a tais concepções, respondidas por meio de questões fechadas, em que
indicavam o grau de importância que atribuíam a uma determinada afirmação, que se relaciona
com alguma das principais ideias sobre o tema:
Entre as ideias que fazem parte dos “mitos sobre AH/SD” que teriam parte na
invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos, está, a de que os professores, por crenças
equivocadas ou mesmo preconceito, não considerariam necessário atendimento especial aos
AH/SD, tal concepção não encontrou apoio entre os educadores e, em oposição, estes são quase
323
unânimes na defesa da necessidade de atenção especial e cuidados com aqueles que apresentem
maior potencial ou capacidades.
Figura 68.
Outro mito, supostamente, presente entre os educadores, seria aquele que diz que os
profissionais da educação deixariam de atender os estudantes, com AH/SD, por considerarem
que estes não devam fazer parte do público da Educação Especial, entre outros motivos, por se
tratarem de pessoas privilegiadas com maior potencial.
Pelo menos entre os educadores que participaram de nossa pesquisa, durante entrevistas,
formações presenciais, questionários presenciais e questionário virtual, entre mais de 300
docentes e gestores, das mais variadas modalidades de educação e perfis, esta não foi uma
perspectiva verificada, de modo consistente, em nenhum momento. O gráfico anterior mostra
tal perspectiva, claramente, quando 60% dos participantes concordam com a ideia de que as
AH/SD devam ser atendidas pelo serviço de Educação Especial. Destacamos para o fato de que
outros 23% concordam, moderadamente, com a afirmação. Neste momento, destacamos que,
por vezes, alguns professores nos questionaram sobre a capacidade dos serviços de Educação
Especial em atender, efetivamente, os alto-habilidosos, pois, sem estrutura e formação
especifica, envolvidos na grande quantidade de casos de jovens com deficiências que precisam
ser atendidos, torna-se improvável que tais sujeitos, realmente, sejam atendidos em suas
necessidades, fora o fato de que a depender das habilidades do estudante, por exemplo, interesse
por matemática e nível de conhecimento do aluno, o professor da sala de recursos teria pouca
condição de atendê-lo, por desconhecer a área. Tais ideias indicam uma perspectiva, realmente,
pertinente de preocupação e aponta que mais que resistir ao atendimento em AEE, os docentes
reconhecem sua importância e preocupam-se com o modo de melhor realizar tal atendimento.
1928
72
0
20
40
60
80
Discordo-1,2 Intermediario: 3 concordo- 4,5
O que você acha dos alunos superdotados serem atendidos pela Educação Especial?
324
A preocupação com o atendimento, na Educação Especial, aos alunos alto-habilidosos,
pode ser verificada, na forma como alguns professores responderam a questão e que
apresentamos a seguir, para termos ideia das perspectivas docentes:
Toda criança precisa e tem direito de ser atendida em sua especificidade e ter
oportunidades de desenvolvimento pleno de suas capacidades intelectivas,
emocionais, psíquicas, motoras e físicas. Prof.25
Acredito que todos os alunos têm necessidade de atendimento de acordo com seu
perfil e necessidades. No caso de alunos com altas habilidades há necessidade de um
atendimentoque seja adequado e compatível com suas necessidades de aprendizagem
e desenvolvimento pessoal/social.Assim como, todos os alunos precisam ter na escola
oportunidade de aprender e desenvolver suas habilidades, mesmo que não sejam altas,
sejam esportivas, musicais, artísticas, sociais, intelectuais, práticas.... Prof.46
Outra ideia recorrente entre os mitos seria a de que, entre os profissionais da educação,
exista um imaginário disseminado de que os pais dos estudantes alto-habilidosos, não deveriam
ser informados sobre a condição e talento dos filhos. Tal posição buscava evitar que as crianças
fossem pressionadas e sobrecarregadas com cobranças, que lhes poderiam fazer desistir de seus
talentos. O outro motivo para que se evitasse a informação aos pais, seria evitar que se
constituísse, entre alunos e famílias, posições arrogantes que fizessem crianças pequenas e
imaturas se considerarem melhores que os demais estudantes, ou que pais ciosos dos talentos
dos filhos criassem problemas com os professores e/ou destratassem crianças ditas normais.
Entretanto, verifiquemos como nos respondem os educadores:
Figura 69.
O gráfico com as respostas dos educadores não deixa dúvidas, nada menos que 104
participantes, entre os 118 totais ou 87% dos participantes, relataram que consideram que alto-
habilidosos e suas famílias devem ser informados sobre suas condições e, que tal posição tenta
garantir o direito destes indivíduos, possibilitando-lhes chances de pleno desenvolvimento,
indicando que, ainda que sem formação especifica, os professores, obviamente, sabem da
SIM NÃO BRANCO
Série1 104 9 5
0
20
40
60
80
100
120
Você acha que os alunos identificados como superdotados/altas habilidades,
bem como seus pais, deveriam ser informados da superdotação?
325
importância de que os talentos sejam informados sobre seus potenciais, até como forma de lhes
estimular o esforço e desenvolvimento de suas capacidades, mas sobretudo, como forma de
fazer pessoas que, muitas vezes encontram-se em condição de sofrimento, entender sua
condição. Tais perspectivas ficam evidentes, nas respostas dos docentes sobre a informação ou
não das altas habilidades/superdotação.
Sim. A não identificação, a meu ver, gera o desinteresse e até a aversão à escola. Um
aluno superdotado pode, inclusive, ser ridicularizado e marginalizado por colegas.
Prof.100
Sim. Gostaria inclusive de ter mais conhecimentos que me possibilitassem não
somente reconhecer esses alunos, como também fazer um bom trabalho com eles.
Prof.86
Sim. Para que eles possam ser atendidos em suas necessidades, de acordo com os
talentos que possuem.Logo, a escola deve ter um olhar direcionado para identificar
alunos com altas habilidades,pois alguns alunos com altas habilidades podem ter sua
identificação prejudicada. Prof.51
Claro! Se você identifica um superdotado, poderá ajudá-lo a lidar com as dificuldades
e encaminhar o desenvolvimento de suas habilidades, comunicar à família. Prof.35
A constatação de que o mito de que os alto-habilidosos não devessem ser informados
sobre sua condição, nem devessem receber atendimento da Educação Especial, não tinha
qualquer influência entre os participantes do questionário virtual, sendo verificado também, nos
questionários presenciais e nas formações desenvolvidas com os educadores sobre AH/SD.
Cabe destacar, que alguns professores apresentaram a preocupação descrita, nos mitos, sobre o
tema relativo ao desenvolvimento de rótulos e comportamentos que gerassem problemas aos
estudantes, como os casos que apresentamos a seguir:
Creio que os pais devam ser informados para saberem como lidar melhor com
situações cotidianas, mas penso que dependendo do aluno ter consciência desta
informação pode ser extremamente nocivo se questões egocêntricas não estiverem
bem resolvidas. Prof.119
Tenho reservas quanto ao uso de tais termos junto a pais e alunos. Devem ser usados,
especialmente, no sentido de que este aluno seja melhor compreendido em suas
especificidades, nos casos em que esteja sendo visto como "doido", excêntrico etc.
Para não confundir as coisas, colocando o aluno em segundo lugar, talvez eu colocaria
que tal aluno demonstra "grande satisfação e prazer na realização de determinada(s)
atividade(s)"... Prof.110
Acho, que é preciso avaliar com muito cuidado, porque o excesso de elogios por parte
dos professores ou pais, podem agir de forma negativa a criança pode começar a achar
que é melhor que as outras, penso que devemos ter o mesmo cuidado que temos ao
informar uma mãe que seu filho é autista.As pessoas não sabem lidar bem com as
novidades, é preciso ajudar estes pais a lidarem com os filhos. Prof.62
326
Na sequência, buscando confirmar ocorrência dos mitos, entre os educadores da rede
pesquisada e suas relações com a invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, de modo a
justificar que, ao longo de sua história, a rede de ensino nunca tenha atendido, formalmente,
um único aluno com AH/SD, questionamos os docentes sobre algumas ideias que o senso
comum teria sobre o tema da pesquisa e apresentamos os resultados das tabulações das respostas
aos questionários virtuais123, nos gráficos a seguir, juntamente com suas análises.
Durante o trabalho com a bibliografia, por vezes, a ideia de que os docentes não
atentariam para casos de alunos talentosos, que não obtinham bons resultados nas avaliações
escolares, veio à tona. Deste modo, questionamos os professores sobre o papel que as notas nas
avaliações teriam, em relação aos indícios de AH/SD. Já apresentamos dados, indicando que
notas elevadas, em provas e trabalhos, estariam entre os indicadores que levariam docentes a
suspeitar de possíveis casos de talentos, sendo as notas somadas a elogios de outros docentes,
indicadores objetivos que, em alguma medida, poderiam nortear os educadores, mas será que
apenas quem obtivesse boas notas poderia ser AH/SD?
Figura 70.
Muitas vezes, quando questionados sobre temas que compõem os chamados mitos sobre
superdotação, os participantes apresentaram-se divididos, em suas opiniões. Mas se é verdade
que 26% dos educadores, ainda atribuem elevada importância às notas altas, como forma de
confirmar casos de AH/SD; 37% dos participantes indicaram que, ainda que não devam ser
desprezadas como apontadores de potenciais talentos, as notas merecem atenção cuidadosa,
tendo importância intermediária, na confirmação das habilidades. Finalmente, outros 37% dos
participantes responderam que as notas têm pouca importância, na relação com as AH/SD,
mostrando que mais de 70% dos participantes são capazes de considerar, criticamente, o papel
das notas na constituição, confirmação dos talentos. Deste modo, alunos com resultados ruins,
123 Destacamos que as planilhas em Excel, contendo todas as respostas dos participantes, organizadas por partícipes
e possibilitando a conferência, seguem em arquivo anexo, com os documentos da pesquisa.
43; 37%
44; 37%
31; 26%
Qual a relação entre NOTAS e superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
Muito importante
327
nas provas e avaliações, não, necessariamente, são ignorados em seu potencial. O lado positivo
desta questão é verificar que, ainda que sem formação específica na área, os educadores são
capazes de refletir sobre o tema e atentar às nuances, nos resultados importantes na detecção e
atenção aos talentos. Já o lado negativo é verificado, no fato de que se as notas, de modo isolado,
não são ao menos, majoritariamente, entendidas como indicio de AH/SD, isto explica porque
nem mesmo alunos com elevado rendimento e resultados de sucesso, chegam a chamar a
atenção dos educadores e conseguem receber algum tipo de atendimento especial. Passemos ao
próximo item:
Figura 71.
Quando pesquisamos a concepção de “bons alunos”, entre professores da rede estadual
paulista, em nossa pesquisa de mestrado124, verificamos que a combinação de notas elevadas e
disciplina era critério hegemônico, na forma como os professores pensavam em um aluno
considerado ideal. Neste sentido, buscamos verificar como esta combinação relacionava-se com
as representações docentes sobre AH/SD.
Porém, se ao tempo do mestrado a inteligência não figurou em quesito para a concepção
de bom-aluno, agora, no doutorado, ser “bom aluno” não figura entre os critérios para ser
considerado suspeito de altas habilidades/superdotação.
Assim, 20% dos educadores defenderam, abertamente, que superdotação tem forte
relação com disciplina, contribuindo para ideias como a de que superdotados seriam sempre
alunos disciplinados. Mas, 52% consideram a disciplina, apenas moderadamente relevante, na
constituição das AH/SDe, finalmente, 36% responderam que a disciplina não tem qualquer
importância na constituição de AH/SD, indicando que os docentes idealizam um perfil de aluno
alto-habilidoso mais aberto e crítico, que visões estereotipadas sobre os educadores podem nos
fazer supor.
124 PINHEIRO, L. “A turma da primeira carteira, o imaginário docente sobre os “bons alunos” (2007)
42; 36%
52; 44%
24; 20%
Qual a relação entre disciplina e superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
Muito importante
328
Mas, se notas e disciplina não teriam grande relação com as AH/SD, o que,
efetivamente, teria relação com os talentos nas concepções docentes? Vejamos:
Figura 72.
Perguntamos aos docentes e gestores, quanta importância atribuíam a relação entre
AH/SD e inteligência, e demonstrando completa integração com os debates sobre o tema, mais
de 90% das respostas foi no sentido de identificar importância, ao menos moderada, entre os
conceitos, sendo que, quase 60% foram categóricos em afirmar que a relação era de muita
importância.
A confirmação de que os docentes, muitas vezes, têm concepções adequadas sobre o
tema da pesquisa, ainda que não identifiquem os alto-habilidosos, nem lhes garantam
atendimento, pode ser verificada, quando combinamos o gráfico anterior com este que vem a
seguir e pensamos nas altas habilidades/superdotação:
Figura 73.
Assim, podemos verificar que critérios objetivos, muito acertados, embasam as opiniões
docentes sobre os talentos. Se inteligência é considerada muito importante, por quase 60% dos
participantes, a capacidade de aprender rápido e com facilidade foi indicada por quase 70% dos
participantes, como elemento fundamental. Sendo que, apenas 6% dos participantes indicam
que a facilidade, no aprendizado, não tenha importância na relação com as AH/SD. Tais
10; 8%
40; 34%68; 58%
Qual a relação entre inteligência e superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
Muito importante
7; 6%
31; 26%
80; 68%
Qual a relação entre facilidade de aprendizado e superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
Muito importante
329
respostas mostram que mais que mitos, critérios objetivos e muito pertinentes fundamentam o
olhar docente sobre os sujeitos talentosos, como: facilidade de aprendizado e inteligência. A
questão que se apresenta é relativa a explicação dos educadores para estas duas características
descritas como fundamentais, para a constituição das AH/SD. Deste modo, vamos a diante:
Figura 74.
A explicação dos talentos humanos e os diferentes potenciais, a partir da perspectiva de
dom, já foi, amplamente, debatida no corpo do trabalho, em outros momentos e, durante a
pesquisa de campo, algumas vezes pudemos verificar os docentes apoiando-se nesta ideia, para
fundamentar a existência das AH/SD. Neste momento da pesquisa, questionamos o papel do
dom, na constituição das AH/SD e as respostas dos participantes, independentemente, de perfil
formação, modalidade de ensino, foram categóricas em confirmar a concepção que atribui
grande importância aos dons, nas explicações para as capacidades humanas. Com apenas 20%
dos participantes negando a ideia de dom, os demais, 80% dos gestores e professores, atribuindo
importância grande ou moderada à noção, com destaque para o fato de que a maior parte das
respostas, 43% afirmou o dom como muito importante, nas AH/SD.
Consideramos a noção de dom fundamental para a compreensão das AH/SD, mas ela se
apresenta, ainda mais decisiva , quando analisada, combinadamente, com os dois próximos
gráficos.
Figura 75.
24; 20%
43; 37%
51; 43%
Qual o papel de um dom, na superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
330
Quando questionados, quanto à importância da genética, na constituição das AH/SD,
novamente, a ideia de talentos inatos, apresenta-se com força, entre os educadores, sendo que,
apenas, 20% dos participantes refutam tais ideias. Os demais 80% apontam que a genética tem
importância no fenômeno, com destaque para o fato de que 47% das respostas, quase metade
de nosso universo amostral, afirma que a genética é muito importante, na constituição das
AH/SD, oferecendo-nos mostras de como tais ideias apresentam-se aos educadores, como
explicação para os talentos humanos e terminam propulsionando a invisibilidade. Vale ressaltar,
o fato de que se algum mito sobre o tema foi, em alguma medida, confirmado pela nossa
pesquisa, este mito relaciona-se à genética, enquanto explicação para as capacidades humanas
e suas diferenças, em intensidade.
Figura 76.
Finalmente, questionamos o papel que uma ideia batida e há muito contestada, nos
meios educacionais e suas relações com as AH/SD, assim, perguntamos qual a relação entre
Quociente Intelectual (Q.I.) e AH/SD, confirmando nossas perspectivas, tal ideia que,
novamente, fundamenta-se na noção de inatismo, apresentou-se forte, entre as representações
dos educadores sobre o potencial intelectual humano. Com 25%, apenas, dos participantes
refutando a concepção, os demais 75% das respostas associaram o Q.I., de algum modo, às altas
habilidades/ superdotação, onde 40% afirmaram muita importância ao coeficiente intelectual,
no fenômeno.
24; 20%
39; 33%
55; 47%
Qual o papel da genética na superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
30; 25%
41; 35%
47; 40%
Qual a relação entre Q.I e superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
331
Como já destacado, anteriormente, o peso das ideias baseadas, nas ideologias das
aptidões naturais, nas concepções docentes sobre os talentos humanos, termina por naturalizar
o surgimento e desenvolvimento dos talentos e, desta forma, primeiro desconsidera o papel
fundamental das interações humanas, do acesso aos mediadores culturais, neste processo e
termina por atribuir pouca importância ao papel de escolas e docentes, no estímulo e
desenvolvimento de tais capacidades, tal fato somado a pouca formação específica, ao
monopólio exercido pelo fracasso escolar, entre as preocupações docentes, ao quase nenhum
interesse Estatal no tema, a disseminação de ideias como as de genialidade, consolidam a
invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos e reforçam, ainda mais, o fracasso escolar,
especialmente, nas escolas públicas e entre as crianças da classe trabalhadora.
Seguindo este caminho, perguntamos aos participantes, como entendiam a relação entre
questões sociais e as altas habilidades/superdotação, as respostas, seguem nos gráficos:
Figura 77.
Diante da afirmação, de parte considerável dos participantes, de que a genética e os dons
mantinham profundas relações com a constituição das AH/SD, poderíamos supor que os
fenômenos sociais apresentar-se-iam enfraquecidos, na representação dos docentes sobre a
explicação para as habilidades e talentos.
Quando questionados sobre o papel da família, nas altas habilidades/superdotação de
indivíduos, tivemos 75% dos participantes dizendo que o papel da família é muito importante,
se somarmos aqueles que, ainda atribuem papel intermediário da família, no desenvolvimento
das capacidades, chegamos a 97% dos participantes. Assim, temos o dilema entre defender as
teorias inatistas para o talento e/ou fracasso e, ainda, precisar responsabilizar os familiares pelo
sucesso ou fracasso dos estudantes. Na verdade, o dilema consiste em não poder afirmar que a
família não tenha peso no sucesso, sob risco de ficar sem discurso, no momento de culpá-la
pelo fracasso.
4; 3%
26; 22%
88; 75%
Qual é o papel da família na superdotação/altas habilidades de uma criança, adolescente?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
332
Figura 78.
Esta posição oscilante e contraditória, evidencia-se, quando 75% dos educadores
respondem que a família é muito importante, no desenvolvimento das AH/SD, mas, “apenas”,
30% dos participantes entendem que a formação dos pais seja decisiva, no despertar de talentos.
Aqui fica evidente o papel moral atribuído à família, no desenvolvimento dos filhos e, também,
a posição que, classicamente, faz educadores dissimularem o papel do capital cultural, no
desenvolvimento de habilidades escolares e obtenção de sucesso, com a conversão de capital
econômico e cultural, em potencial inato, genético etc. Deste modo, temos uma divisão
completa, entre os educadores, sobre o impacto da formação dos pais, no desenvolvimento dos
filhos e seus potenciais, com 35% defendendo que não há importância entre formação de pais
e potencial acadêmico dos filhos, outros 35% defendendo uma importância relativa e,
finalmente, os 30% que defendem que tal fator é decisivo. Considerando as respostas, podemos
supor o quão disseminado é a concepção das aptidões naturais, para explicar as AH/SD, na
sociedade como um todo, contribuindo para a naturalização da divisão social e inevitável
invisibilidade.
Figura 79.
42; 35%
41; 35%
35; 30%
Qual a importância da formação dos pais na superdotação/altas habilidades de um aluno?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
72; 61%
39; 33%
7; 6% A classe social é determinante ou influencia a superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
333
A divisão que existe sobre a importância dos pais, no desenvolvimento e surgimento
dos talentos dos filhos, desaparece, quando os docentes precisam pensar sobre a relação entre
classe social e altas habilidades/superdotação. Neste caso, 61% dos participantes responderam
que a classe social não tem importância, nas AH/SD e, apenas, 6% das respostas indicaram ser
muito preponderante a classe social, neste processo de desenvolvimento dos talentos.
Se em uma primeira vista, a resposta dos professores pode até ser considerada positiva,
ao entender a distribuição dos talentos humanos, igualmente, divididos, na sociedade,
independentemente da classe social, adotando uma postura, politicamente, correta que deixa ao
menos a possibilidade (ainda que invisível e improvável) da superdotação para os pobres,
negando o “mito de que as AH/SD seriam restritas as classes sociais abastadas”. Esta
perspectiva, no fundo, traveste o peso da classe social, assim como faz com o capital cultural,
nas ideias de genética e dom. Não negam que pobres possam ter altas habilidades, não iriam
tão longe, mas, simplesmente, não constatam estes sujeitos, como verificamos na invisibilidade,
atribuindo o talento à genética ou aos dons, indicando que nos grupos sociais a quem lecionam
tal potencial gênico não se apresenta, ou se apresenta, apenas, raramente.
Assim, temos 60% de docentes e gestores, das mais variadas formações e perfis, que
acreditam que a chance de viver com pais, altamente escolarizados ou frequentando locais, que
apenas determinada classe social tem acesso, não faz diferença sucesso intelectual, cabendo aos
pobres, além da sorte genética, do toque divino com algum dom, realizar o acompanhamento
moral de seus filhos na escola, cobrando-lhes e perscrutando a vida escolar.
Outro mito que não encontrou apelo, junto aos participantes de nossa pesquisa, foi a
ideia de que os docentes entenderiam as AH/SD, como resultado de pais dedicados e
condutores. Neste caso, 53% dos educadores disseram que a dedicação dos pais não tem
qualquer importância, no desenvolvimento dos talentos dos filhos, sendo que, apenas, 16%
afirmou que a dedicação destes é muito importante.
A contradição e o dilema dos trabalhadores da educação, diante do sucesso e,
consequentemente, do fracasso, apresenta-se, quando precisam pensar no papel da dedicação e
dos estudos, na constituição dos talentos.
Seguindo um caminho previsível, a maioria dos educadores, 55% indicam que estudar
com afinco e dedicação, tem papel decisivo, no desenvolvimento das AH/SD e 17%, dos
professores e gestores, afirmam que estudo e dedicação não tem qualquer importância, na
questão dos talentos.
Tal concepção poderia ser positiva, ao indicar que os docentes entendem o papel de
fenômenos sociais e históricos, no processo de produção dos talentos e reconhecem que a
334
dedicação e estudo intenso podem produzir capacidades muito desenvolvidas. Mas, tal
concepção só faria sentido, se antes, não tivéssemos provas tão firmes da crença, nas aptidões
naturais, na defesa da pouca importância da formação dos pais, que conduziriam tais estudos,
no desenvolvimento dos talentos etc.
Estamos diante do que parece uma contradição, mas que no fundo, é postura inerente ao
trabalho docente, tendo sido descrita por Bourdieu (1992). O professor, como relatou, tende a
acreditar, em alguma medida, nos dons e nos talentos inatos, especialmente, no tocante aos
talentos, porém, não pode fazer uma defesa da ineficácia e inutilidade dos estudos e dedicação,
precisando até para sobreviver como trabalhador, defender a ideologia da meritocracia. Assim,
teremos como nos gráficos a seguir, defesas fervorosas do papel dos estudos, da dedicação, da
escola e dos professores, no desenvolvimento das altas habilidades/superdotação, ainda que a
maioria acredite, em alguma proporção, na genética e nos dons, como explicação para as
AH/SD. O resultado, como já o dissemos, é, em boa parte, a invisibilidade:
Figura 80.
Neste sentido, o gráfico acima descreve, com bastante propriedade, o que havíamos
indicado, apontando professores que acreditam que a formação e dedicação dos pais tenha
pouca interferência, no desenvolvimento dos talentos, que defendem que a genética e os dons
seriam os verdadeiros responsáveis pelas AH/SD, acreditando, no potencial da escola, em
desenvolver os talentos humanos e produzir, no limite, pessoas alto-habilidosas.
Tal perspectiva seria muito positiva, ao estar em acordo com o que preconiza a
bibliografia específica que defende o papel da escola, na identificação e atendimento aos alto-
habilidosos, como apoio, enriquecimento curricular, aceleração, etc. A posição de valorizar a
escola, como fundamental, no desenvolvimento dos talentos, também, é positiva, ao estar em
acordo com aqueles que defendem os potenciais humanos, como fruto da interação histórica-
social e de uma soma de oportunidades e condicionantes, denotando a escola como mediadora
16; 13%
28; 24%74; 63%
Qual a importância da escola, no surgimento e desenvolvimento da superdotação/altas habilidades?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
335
cultural, fundamental, para a formação, sobretudo, da classe que não dispõe de capital cultural
e econômico, para legar aos seus filhos “naturalmente” no seio do lar. Tal perspectiva que
valoriza a escola, poderia ser um bálsamo, no combate à invisibilidade.
Mas, tal perspectiva não se confirma, na realidade, primeiro, no desinteresse do Estado
no tema; segundo, na forma como os docentes são monopolizados pelo fracasso e, finalmente,
pelo fato de que os mesmos educadores que defendem o papel fundamental da escola, no
desenvolvimento das AH/SD, são os que relatam os casos de invisibilidade e indicam, em boa
quantidade, jamais ter observado um único aluno superdotado, entre os seus estudantes, mas
sigamos:
Figura 81.
Finalmente, chegamos na importância dos professores, no desenvolvimento dos
talentos e das AH/SD. Novamente, temos a contradição entre a posição óbvia de considerar
muito importante a figura dos professores, no desenvolvimento dos talentos. Especialmente, a
figura de um professor, que estimule o interesse por uma determinada área, que indique leituras
e livros, que apoie e oriente o caminho rumo ao desenvolvimento do potencial. E a crença
descrita anteriormente na primazia dos dons e da genética no surgimento das AH/SD.
Assim, quase 80% dos participantes relatam que os docentes são fundamentais, no
desenvolvimento do talento, indicando que sabem de seu papel, enxergando-se como parte do
processo. Por outro lado, não conseguem romper com a invisibilidade, não conseguem
identificar e atender seus alunos e, terminam defendendo que os alunos para quem lecionam,
quando apresentam talentos, sejam fruto da genética e mesmo de dons. Mas, como verificamos,
nas formações presenciais com docentes, dificilmente, um professor, por mais evidente que
certas vezes isso seja, defende seu papel, na constituição das habilidades de um determinado
jovem. Tal posição tem no fim das contas papel decisivo, na constituição da invisibilidade.
8; 7%
17; 14%
93; 79%
Qual a importância dos professores ou de um professor, em especial, na superdotação/altas habilidades dos alunos?
SEM IMPORTANCIA
INTERMEDIARIA
MUITO IMPORTANTE
336
Verificadas as concepções docentes sobre o grupo ideias sobre as AH/SD, questionamos
os docentes sobre a avaliação que tinham sobre o tempo e atenção dedicados aos estudantes,
com melhores resultados, nas suas turmas e que pudessem, eventualmente, ser crianças e jovens
superdotados.
Figura 82.
Como o gráfico demonstra, os docentes tem clareza da pouca atenção dedicada aos
alunos, que obtém algum tipo de destaque, indicando um comportamento que verificamos,
muitas vezes, ao longo da pesquisa, que é o fato dos professores ressentirem-se da pouca
atenção que conseguem dedicar aos seus “melhores” alunos, pois são monopolizados pelos
problemas com a indisciplina e dificuldades de aprendizado, fatos que contribuem para o
agravamento da invisibilidade, e podem ser verificados, nos relatos dos docentes:
Não... no máximo lanço propostas mais desafiadoras, em projetos coloco a frente das
pesquisas, engajo nas brincadeiras e nunca o faço de modelo pra nada, procurando
incluir. Mas, acredito que é pouco! Deve ter mais! Prof.14
Infelizmente não, é muito difícil diante do número de alunos para darmos atenção.
Prof.28
Não, e me ressinto por causa disso. Este ano tive um garoto na turma com tais
habilidades, interessadíssimo e antenado no mundo marinho e animal. Mas como
precisava dividir a minha atenção com os demais, medianos ou não, percebi que não
o ajudava a desenvolver todas as suas potencialidades. Espero que chegue o dia, em
que ele ou outro com suas habilidades, estudem numa sala que estimule todas as suas
potencialidades! Prof.45
Não. Como disse alguma pergunta anterior, a rotina da sala de aula não colabora com
o aluno com altas habilidades. São tantos alunos com defasagem conhecimento/série
que perde-se mais tempo acertando um tempo de estudo do que avançando em direção
às series posteriores. E neste movimento, quem perde são os alunos com altas
habilidades. Quantas vezes pensei em elaborar exercícios extra para esses alunos e no
final, acabava elaborando lições para acertar a defasagem dos demais. Prof.92
Não, pois trabalho na educação infantil com a classe cheia (25 crianças de 4 anos), é
claro que alguns despontam e eu os reconheço, mas infelizmente muitas vezes
acabamos deixando passar. Prof.91
As respostas dos professores explicitam esta sensação de cobrança, por não oferecerem
a devida atenção aos estudantes, que se destacam e, questões como falta de estrutura, salas
20; 17%
80; 68%
18; 15%
Você considera que consegue dar a devida atenção aos seus melhores alunos?
SIM
NÃO
Em parte
337
superlotadas, problemas de aprendizado, surgem nas respostas dos docentes e podem ser melhor
verificadas, quando tabulamos as respostas sobre os motivos da pouca atenção.
Figura 83.
Como o gráfico não deixa dúvidas, a maioria dos professores entende que não dedica a
atenção adequada aos talentos e os motivos para tal situação são, majoritariamente, o foco do
trabalho educativo, nas dificuldades de aprendizado e a falta de estrutura de trabalho, bem como
quantidade de alunos em sala de aula.
Os professores indicam, em suas respostas, que não só reconhecem que a atenção
dedicada aos estudantes, com AH/SD, é insuficiente, como indicam avaliar que a experiência
escolar destes estudantes, tende a ser de sofrimento, desestímulo e cercada de imensas
dificuldades, mostrando como a invisibilidade, além de impedir o pleno desenvolvimento dos
indivíduos, reforça o fracasso escolar, produz efeitos deletérios, na sociedade ao “desperdiçar”
talentos, e ainda é responsável pelo sofrimento de milhares de estudantes, todos os dias, na
educação brasileira: Vejamos o que dizem os docentes, quando questionados sobre como
imaginam que seja a vida escolar dos alto-habilidosos:
Hoje em dia deve ser difícil, cruel...pode até ser traumatizante. Fico me questionando
agora se não deixei de perceber alguns destes alunos ao longo dos anos, pelos motivos
acima mencionados. Creio que muitos devem se sentir invisíveis e é essa minha
percepção, por exemplo, em relação à escola onde trabalho, de modo geral. O foco
maior é sempre dos alunos de inclusão e dos indisciplinados, além de casos
judiciais.Prof.05
Invisível.Um olhar mais atento ao tema me faz pensar que, se os alunos não forem
acolhidos em suas especificidades, neste caso, nas necessidades, motivações e
validações que todo ser precisa para se afirmar em suas capacidades, ele acaba por
não reconhecê-las e o contexto somado as demandas sociais impostas pelo cotidiano
aprisiona esta potencialidade, até que se esvaia no contexto. Prof.25
Nas escolas públicas bastante difícil tendo em vista o estereótipo do aluno da rede
pública. Suspeito que exista uma relação muito intrínseca entre classe social, esse
tema das altas habilidades e nível cultural, excluindo ou minimizando o acesso de
crianças com altas habilidades que são de periferia a espaços e a programas de
estímulo e desenvolvimento dessas habilidades. Mais importante do que enxergar
essas altas habilidades numa perspectiva de lucro e exploração capitalista, é, a meu
29 30
1 1 2 3 5 10
10
20
30
40
Não, foco da
atenção nas
dificuldades
Não, sala
lotadas e falta
de condições de
trabalho
Não, falha de
observação
Não, tenho
ações
superficiais
nesta
area/alunos
Não, falta
preparo e
formação
Em parte,
aprendem
sozinhos
SIM, Procuro
subsidiar os
alunos com
maior potencial
SIM, Estudo os
casos e solicito
AEE adequado
Os motivos da pouca atenção às AH/SD
338
ver, perceber que as ações voltadas para essa temática têm a ver com ajudar quem
possui altas habilidades a lidar com elas e, com isso, consigo mesmo. Prof.15
Como possibilidades para a superação da invisibilidade, foram citadas soluções
clássicas, entre os educadores, quando se fala em melhoria na qualidade da educação, com o
trio: estrutura das escolas, turmas menores e formação, sendo indicada como caminho para que
a invisibilidade fosse superada. Apresentamos as respostas dos docentes, nos gráficos a seguir,
onde 77% dos professores indicam que uma medida simples, como reduzir o número de alunos,
em sala de aula, já faria grande efeito, no processo de observação dos estudantes talentosos. Na
sequência, 88% dos professores descrevem a importância de terem formação, na área, que lhes
instrumentalize para a identificação e trabalho com os alto-habilidosos, indicando que a falta
de formação docente apontada pela bibliografia especializada, é confirmada pelos participantes,
sendo que estes têm consciência de seus parcos conhecimentos, na área, indicando não existir
qualquer tipo de resistência e/ou preconceito dos professores, quando as AH/SD.
Figura 84.
Finalmente, a estrutura física da escola é apontada como ineficiente e incapaz de
possibilitar efetivo atendimento aos alunos, como um todo, e aos alto-habilidosos, em especial,
os estudantes que demandariam da estrutura da escola, como: bibliotecas, laboratórios, estrutura
de tecnologia, quadras poliesportivas, possibilidade de saídas de campo, são aqueles que mais
serão penalizados pela estrutura decadente, das escolas brasileiras, na rede pública. A
invisibilidade fica confirmada, nas exposições dos professores, quanto há capacidade estrutural
das escolas públicas, em atender os alunos talentosos.
Não! pelo contrário. Em geral, os profissionais do Suporte Pedagógico - com algumas
felizes exceções -, também devido à precariedade de suas condições de trabalho, têm
feito todos os esforços para não se envolverem em nada além do trivial - que, diga-se
de passagem, já consome todas as suas energias.prof.110
91; 77%
24; 20%
3; 3%
Caso as turmas fossem menores, teríamos mais alunos superdotados/altas habilidades e melhores condições de atendê-
los?
SIM
NÃO
BRANCO
339
Não, nenhuma. Salas de aula precárias, sistema de grade de horário que determina os
tempos de cada disciplina e espaços dentro da escola, e um currículo discutível.
Pouquíssimo acesso a atividades extraclasse e extra curriculares; falta de uma
biblioteca atualizada, com livros clássicos, modernos, jornais e revistas,. Falta de
internet na escola e um data-show por sala de aula. Essa deveria ser a estrutura mínima
de uma escola para desenvolver habilidades em qualquer aluno e destacar mais os com
altas habilidades. Prof.92
Acredito que não, pois já não atende como deveria os alunos com dificuldades de
aprendizagem, mesmo que a atenção dispensada sobre esses alunos seja maior.
Prof.63
Como finalização das pesquisas, após serem levantadas várias questões sobre as altas
habilidades/superdotação com os participantes, questionamos, diretamente, sobre a
invisibilidade e suas razões.
Cabe antes de tudo destacar, que os docentes e gestores foram perguntados sobre os
motivos da invisibilidade das AH/SD, em três questões distintas; na primeira questão a pergunta
foi feita de modo fechado e, assim, os participantes deviam escolher suas justificativas para a
invisibilidade, a partir de uma lista fechada de opções indicadas pelo pesquisador. Na segunda
questão, os participantes refletiram sobre a invisibilidade, de modo aberto, puderam escrever,
livremente, suas ideias e perspectivas para explicá-la e, finalmente, os gestores e professores
responderam a uma questão aberta específica sobre a invisibilidade maior das mulheres, quando
comparadas com o número de estudantes, do sexo masculino, indicados e atendidos.
As respostas dos participantes sobre os motivos da invisibilidade, são divididas, em três
grandes grupos; o primeiro grupo é composto pelas alternativas, que receberam menos de 20
indicações; o segundo grupo contém as alternativas que foram lembradas, entre 20 e 50 vezes,
pelos participantes e, finalmente, o terceiro grupo é composto por aquelas opções de resposta
que foram citadas mais de 50 vezes.
No primeiro grupo, aquele com alternativas menos lembradas, estão as alternativas que
continham mitos e estereótipos sobre as AH/SD e os estudantes da rede pública. Tal grupo de
respostas eram compostas pelas seguintes opções: 1- Como os alunos superdotados aprendem
facilmente, não penso que devam ser identificados; 2- Superdotados são casos raríssimos e,
assim, pouco frequentes nas escolas; 3- A falta de interesse e dedicação dos alunos faz com
que tenhamos raros casos de superdotação/altas habilidades; 4- Como pais têm pouco estudo
na nossa cidade, a herança genética acaba sendo preponderante; 5- Não temos alunos
superdotados/altas habilidades, na rede pública de ensino, apenas na rede privada.
340
Figura 85.
341
O segundo grupo de alternativas indicadas pelos participantes, como causas da
invisibilidade das AH/SD, é composto por quatro explicações, que foram indicadas entre 20
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
quantidade
30
70
8485
26
29
31
4
8
14
30
76
4
77
No Brasil, poucos alunos são identificados como superdotados/altas
habilidades, na rede pública de ensino. Marque as 5(cinco) principais razões
para que isto ocorra, segundo sua avaliação:
Com tantos casos de fracasso escolar e
alunos com dificuldade, não nos sobra
tempo para olhar quem se destaca.
Não possibilitamos momentos, em que
os alunos possam demonstrar seus
talentos.
Todos os papéis da escola e cobranças
são voltados aos alunos que não
aprendem e não aos superdotados/ altas
habilidades. A escola massificada impede um olhar,
que reconheça os talentos dos alunos
Como nossas escolas não são
qualificadas positivamente, os alunos
superdotados não se destacam.
Falta de apoio e incentivo das famílias
prejudicam os superdotados
Como trabalhamos com alunos oriundos
de classes economicamente
desfavorecidas, poucos são
superdotados/ altas habilidades. Não temos alunos superdotados/altas
habilidades, na rede pública de ensino,
apenas na rede privada.
Como pais têm pouco estudo na nossa
cidade, a herança genética acaba sendo
preponderante.
A falta de interesse e dedicação dos
alunos faz com que tenhamos raros casos
de superdotação/altas habilidades.
Superdotados são casos raríssimos e
assim, pouco frequentes nas escolas.
Não tenho formação para reconhecer e
indicar os superdotados
Turmas numerosas e jornadas longas
dificultam a observação do docente
Como os alunos superdotados aprendem
facilmente, não penso que devam ser
identificados.
Falta serviço especializado para realizar
tal identificação
342
e 50 vezes pelos participantes. Este grupo contém as seguintes alternativas:1- Com tantos
casos de fracasso escolar e alunos com dificuldade, não nos sobra tempo para olhar quem
se destaca; 2-Como nossas escolas não são qualificadas, positivamente, os alunos
superdotados não se destacam; 3-Falta de apoio e incentivo das famílias prejudicam os
superdotados; 4- Não tenho formação para reconhecer e indicar os superdotados.
Neste grupo de explicações, a primeira a ser destacada é a em que os participantes
relacionam sua falta de formação sobre AH/SD, como razão para a invisibilidade e, desta
forma, em consonância com a bibliografia especializada sobre a temática da pesquisa.
Na sequência, uma explicação para a ausência de indicações é interessante, pois segue
o mesmo raciocínio utilizado para a explicação do fracasso escolar, indicando, de forma
bastante direta, como parte considerável dos profissionais da educação avaliam as famílias
proletárias, demonstrando, objetivamente, como as teorias que relacionam AH/SD e noções
como genética e hereditariedade, indicam a forma como as famílias pobres sofrem, com
visões preconceituosas. Neste sentido, tivemos a opção para a explicação da invisibilidade, a
partir da ideia de que, a falta de apoio das famílias prejudica os alto-habilidosos e impede o
seu reconhecimento, sendo, enfim, responsável pelo reduzido número de estudantes
superdotados identificados. Este caminho, que imputa a responsabilidade da invisibilidade,
como culpa das famílias dos alunos, é similar a explicação que culpa os familiares pelo
fracasso dos filhos.
As duas últimas opções citadas, nas respostas, por cerca de 30 participantes, cada uma,
estão relacionadas à noção de fracasso escolar; primeiro, a qualidade da escola pública é
indicada como impeditivo, para que os alunos se destaquem e, na sequência, o número
elevado de alunos com dificuldades, o que impede o docente de atender aos alto-habilidosos.
Desta perspectiva, verificamos como o fracasso escolar mobiliza as atenções dos
docentes, condiciona seu olhar e, finalmente, faz com que os alunos, com dificuldade de
aprendizado, não bastando seu percalço de sofrimento e fracasso, terminem sendo culpados
mesmo, pelo não atendimento aos talentos.
De um modo geral, estes dois primeiros grupos de alternativas, têm em comum, a
clássica opção dos educadores brasileiros, em culpar os indivíduos pelo seu sucesso e/ou
fracasso, bem como, quanto ao desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e talentos.
O último grupo de alternativas merece atenção diferenciada, pois cada uma destas
recebeu mais de 70 indicações de participantes, que as associaram às causas da invisibilidade.
As características que concentram a maioria das referências dos educadores,para explicar o
343
fenômeno , são as seguintes: 1- Falta serviço especializado para realizar tal identificação;
2-Turmas numerosas e jornadas longas dificultam a observação do docente; 3-A escola
massificada impede um olhar, que reconheça os talentos dos alunos; 4-Todos os papéis da
escola e cobranças são voltados aos alunos que não aprendem e não aos superdotados/ altas
habilidades; 5- Não possibilitamos momentos, em que os alunos possam demonstrar seus
talentos.
As alternativas preferidas, pela maioria dos docentes, indicam a capacidade de análise
complexa dos educadores e relacionam-se com alguns dos grandes problemas da educação
brasileira. Seguindo a hipótese da bibliografia e contrariando o pesquisador, os participantes
confirmam a falta de formação, enquanto causa direta da invisibilidade.
Na sequência, o reconhecimento de que as atividades e a forma como as aulas e
processo pedagógico são conduzidos não possibilitam chances para o surgimento e
manifestação dos talentos e destaques, mostrando a profunda reflexão docente, que consegue
verificar sua própria prática, como resposta para a invisibilidade.
Temos ainda uma hipótese, que de tão óbvia, muitas vezes, é esquecida, na avaliação
da invisibilidade. Os docentes citaram, em peso, que a ausência de serviços de identificação
e atendimento as AH/SD estruturado e organizado, nas redes de ensino, termina para que não
tenhamos casos de alunos talentosos identificados como alto-habilidosos.
Finalmente, as duas alternativas que consideramos mais importantes, a ideia de que a
escola massificada impeça a identificação e trabalho com os talentos, e a de que todos os
papéis sociais cobrados da escola são voltados para os alunos que não aprendem, e não para
as AH/SD. Tais opções mostram como as ideias de que a escola seja voltada para os alunos
com dificuldade e fracasso escolar, seja o impeditivo do trabalho com os alunos talentosos,
indicando-nos que engrenagens internas e profundas, da estrutura escolar, como a noção de
massificação, reprodução social e fracasso escolar são elementos, fundamentais, na produção
da invisibilidade e consolidação do fracasso escolar.
Nos anexos da pesquisa, é possível verificar as respostas segregadas, conforme o perfil
dos participantes, bem como, as tabelas com a identificação dos mesmos, conforme suas
respostas.
Entendendo que deveríamos dar espaço para que os participantes pudessem discorrer,
livremente, sobre suas avaliações relacionadas à invisibilidade e buscando informações
qualitativas, em um momento da ferramenta de pesquisa, onde os docentes e gestores já
tivessem refletido um pouco mais sobre o tema, questionamos os participantes sobre os
344
motivos da invisibilidade e do reduzido número de estudantes alto-habilidosos identificados,
no Brasil, e as respostas foram agrupadas, segundo as categorias em que se apresentaram.
Finalmente, apresentamos algumas das respostas, para a causa da invisibilidade das AH/SD:
Figura 86.
Livres para refletir sobre os motivos da invisibilidade, os docentes responderam, de
modo que pudemos agrupar suas respostas, em 11 categorias distintas. Começamos
destacando os 17 participantes, que responderam que “não sabiam” o motivo das altas
habilidades terem pouca identificação, nas nossas escolas. Destaco esta categoria, pois a
mesma apresentou-se, diversas vezes, ao longo do questionário, com respostas, como: não
sei, não lembro, não tem explicação, indicando uma possibilidade do participante desejar
resolver o questionário, de modo rápido, ou que, realmente, o desconhecimento do tema seja
tamanho, que gere insegurança e uma sensação de total desconhecimento do assunto.
Na sequência, categorias que receberam poucas indicações, menos de cinco citações e
que variam, conforme as respostas, entre aquelas que indicam total desconhecimento do
assunto, bem como, profissionais que têm formação, na área e por isso, suas respostas
divergem da maioria.
Neste grupo, estão aqueles participantes que tiveram suas respostas categorizadas em:
“São raros”; “Cultura Brasileira”; “Mito da genialidade”. Desta maneira, tivemos, apenas 01
participante que indicou que a invisibilidade devia-se ao fato dos alto-habilidosos serem
raros, demostrando que o mito, segundo o qual a ideia de raridade dos alunos, com AH/SD,
2
17
31
2017
52
13 13
9
1
0
5
10
15
20
25
30
35
Culturabrasileira
Falta deestrutura,
condições detrabalho einteressepolitico
falta deformação
falta detrabalho paraidentificação
branco/não sei falta derecursos e
profissionais
Mito dagenialidade
Formação +Estrutura
Fracassoescolar
Modelo deavaliação,curriculo e
estrutura daescola
São raros
Para você, quais seriam os motivos de termos tão poucos alunos
superdotados/altas habilidades, em nossas escolas?
345
estivesse disseminado entre os educadores, não se verificou entre os participantes.
Apresentamos respostas de participantes, para que possamos verificar a maneira como tais
perspectivas ou do mito da genialidade, relacionadas à ideia de raridade, apresentaram-se, nas
respostas dos docentes:
Realmente acho que são poucos esses alunos e quando surgem a escola /família não
os reconhece. No mais tendem a ser taxados como "chatos" ou que aprendem
sozinho exigindo pouco esforço dos profissionais. Na maioria das vezes passam
desapercebidos. Prof.26
O número de alunos é reduzido pela não identificação e não pela não existência.
Alguns motivos de termos poucos alunos identificados com altas habilidades:- O
fato de associarmos altas habilidades à genialidade e termos como referências
"gênios" que se destacaram na história das Ciências, das Artes, da Filosofia;- A
pseudo-informação de que só tem altas habilidades quem se desempenha acima da
média em todas as áreas do conhecimento;- A não formação docente sobre esta
temática, entre outros. Prof.96
Outra ideia que recebeu duas indicações e aponta pouco conhecimento do tema, foi a
noção de que a cultura brasileira seria resistente aos alunos talentosos, concepção que
desconsidera e desconhece o fato de que a invisibilidade ocorre, também, em outros países.
Mas, se tivemos casos isolados de provas de desconhecimento, também, tivemos casos
de participantes que demonstraram conhecer a temática e indicaram, o “mito da genialidade”,
como responsável pela invisibilidade, perspectiva em acordo com a bibliografia
especializada.
Lembradas por 05 e 09 participantes, respectivamente, as categorias: “falta de recursos
e profissionais”; “modelo de avaliação; “currículo” e “estrutura da escola”, sinalizam
educadores que percebem a interdependência das condições estruturais da escola, com o
fenômeno da invisibilidade. Cabendo o destaque para a percepção docente de que questões
como o modelo de avaliação e organização curricular e a própria dinâmica da escola,
contribuem para a dificuldade em atender e mesmo identificar os estudantes alto-habilidosos,
demonstrando que a perspectiva pedagógica que a unidade escolar segue, tem papel na
invisibilidade. Exemplo de como as perspectivas pedagógicas, interferem na constituição da
invisibilidade, podem ser verificados, nos trechos, em destaque:
O conceito da invisibilidade está relacionado com a inabilidade de lidar com as
escolas brasileiras estão preparadas para a massificação de conteúdos e
curiosamente a única maneira desses alunos serem identificados - especialmente em
escolas provadas - é a atribuição de bolsas mediante prestação de provas de aferição
de conteúdos. Mas isso é extremamente redutor, porque os talentos relacionados
com a arte não poderão ser valorados quantitativamente. Critico a visão utilitarista
da escola. Entendo que a instituição de ensino é um equipamento cultural - em
alguns casos o único disponível e deverá ser percebido como tal. Talvez, alunos
como essas características poderiam ser melhor identificados, acolhidos e
estimulados em instituições de educação não-formal. Prof.64
346
Outras duas categorias lembradas, por um número considerável de participantes,
foram: “Falta de trabalho para a identificação”; “Fracasso escolar”, sendo que, cada uma das
categorias recebeu 20 e 13 indicações e possibilitam relacionarmos a percepção dos
professores, quanto ao papel do fracasso escolar, na capacidade e disposição dos
trabalhadores da educação, em identificar alunos com altas habilidades/superdotação.
Entretanto, as categorias que receberam o maior número de citações foram: “falta de
estrutura de trabalho”, “falta de formação na área das AH/SD” somadas à de “falta de
estrutura e falta de formação na área", com respectivamente 17, 31 e 13 participantes
destacando cada uma das categorias descritas.
Podemos verificar as opiniões dos participantes sobre as causas da invisibilidade, nas
respostas a seguir:
A falta de competência da escola para identificar esses alunos. Não acredito que isso
ocorra por negligência, mas sim por deficiências na formação dos professores, pouca
disponibilidade de equipes de especialistas para quem esses alunos possam ser
encaminhados, além de várias outras dificuldades que emergem do dia a dia da
escola pública e que se mostram muito mais urgentes, colocando em segundo plano
o caso de alunos que se destacam por inteligência elevada. Prof.98
Salas abarrotadas, professores que lecionam em duas, três escolas, por dois ou três
períodos diários, sobrecarregados ainda com um mundo de papéis a preencher; o
caos da educação atual, no sistema "escola para todos", que promove a inclusão sem
preparar o professor e tira-lhe a autoridade, em uma indisciplina galopante que suga
o docente, sempre às voltas com alunos-problema e situações de guerrilha.
Enfim...tudo dificulta uma percepção mais apurada em relação aos destaques das
turmas, aos alunos que "não causam problemas". Prof.05
A escola e seus profissionais não estão preparados para lidar com esses alunos,
portanto não reconhecem a existência deles. Desta forma, o foco das escolas não é
reconhecê-los, mas muito mais buscar formas de lidar com os casos de fracasso
escolar. Prof.57
Ter como as categorias mais lembradas, perspectivas que tratam da falta de formação
docente, condições estruturais da escola brasileira ou a soma dos dois fatores, demonstram
que a invisibilidade tem fortes relações com fatores, profundos, da realidade educacional
brasileira, como: falta de recursos para o trabalho didático; longas jornadas de trabalho, em
turmas superlotadas; pouco apoio para o trabalho com a indisciplina e crianças com
dificuldades de aprendizado, sendo percebidos pelos professores como fatores que impactam
em suas capacidades de observar, identificar e atender aos alunos com altas
habilidades/superdotação, indicando que, a menos que se relacione com a educação como um
todo, as chances de mudanças, no quadro de invisibilidade, serão reduzidas.
347
A categoria mais indicada como motivo para a invisibilidade, a falta de formação,
aponta que, mesmo sem formação específica, os educadores entendem as lacunas formativas
que lhes dificulta o atendimento às AH/SD, confirmando a hipótese proposta pela bibliografia
especializada. No entanto, sem uma análise mais aprofundada da instituição escolar, como
um todo, teremos reduzidas chances de mudança, no referido quadro.
A situação pode ser verificada, por intermédio de nossa própria pesquisa, durante sua
realização, no período entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2018; mais de 300 professores
e gestores foram formados sobre o tema, mais de três centenas de docentes conversaram
sobre invisibilidade, altas habilidades/superdotação, características dos alto-habilidosos,
modelos de identificação e atendimento a estes alunos etc. E o resultado destas formações é
que, sem apoio das equipes gestoras e da secretaria de educação, após 3 anos, atualmente, não
temos um único aluno atendido, com altas habilidades/superdotação, na rede municipal, onde
desenvolvemos a pesquisa.
Mais grave ainda, é a situação de uma das escolas, onde desenvolvemos a formação
com os professores. Instigados pelo tema, os docentes passaram a observar seus alunos, a
trabalhar com fichas de observação propostas por pesquisadores renomados e, o resultado de
três anos de trabalho, estudando o tema, observando os alunos, construindo um projeto de
atendimento aos educandos, a escola identificou 17 alunos, com potencial de ser estudante
com altas habilidades/superdotação. Tendo proposto a identificação e atendimento aos
estudantes e, mesmo após protocolar a solicitação de um professor de Educação Especial,
para o trabalho com tais estudantes, tendo aguardado mais de 1 ano a resposta da SEDUC,
não ocorreu nenhuma devolutiva, oficial, dos órgãos competentes. O professor solicitado não
foi encaminhado, os alunos não receberam qualquer tipo de atendimento, e os responsáveis
pelo serviço de Educação Especial da cidade, ainda questionaram a escola, quanto ao número
de alunos, em processo de identificação, alegando ser “impossível” que uma escola tenha 17
estudantes alto-habilidosos, utilizando tom jocoso, afirmando que a equipe gestora da escola
estaria querendo “aparecer”.
Ou seja, aqueles que deveriam trabalhar pela superação da invisibilidade e garantia ao
direito de atendimento, atuam de modo a reforçar mitos, disseminar equívocos conceituais,
ridicularizar docentes e gestores, que tentem lidar com o tema, reforçando o quadro de
invisibilidade, e provável sofrimento de muitos destes estudantes.
Finalizando a pesquisa, perguntamos aos docentes suas opiniões sobre as causas da
maior invisibilidade, entre as mulheres que, conforme a bibliografia especializada, tem
348
número menor de indivíduos identificados e atendidos. Mesmo nos questionários e entrevistas
realizados, na pesquisa, tivemos números de mulheres bastante inferior e sobre as opiniões
dos professores, quanto a tradição das escolas da rede privada, em selecionar e oferecer bolsas
de estudos aos alunos que se destaquem, em provas, sendo que, muitos destes estudantes são,
nitidamente, alunos com AH/SD.
Com relação à participação de destaque dos alunos do sexo masculino, tanto entre
aqueles com maiores chances de fracasso, como entre os que são citados como os melhores
estudantes, podemos citar o trabalho de Barreto(1981, p. 85), onde a autora descreve como
dentre os muitos, fatores que levam os professores a considerar um aluno ideal, o sexo acaba
por ter forte papel.
Neste trabalho Barreto (1981), demonstra como diversos fatores influenciam a forma
como os professores definem seus alunos ideais, fatores, como: gênero, composição e
estrutura familiar, comportamento ativo do aluno diante do conhecimento, disciplina durante
as aulas, aparência e capacidade das famílias, em garantir atenção ao processo de
escolarização dos filhos e lhes legar “alguma cultura”, são características que compõem o rol
de critérios seguidos pelos docentes, para a definição dos educadores, no momento de
entender os alunos considerados ideais.
As respostas dos participantes sobre a subidentificação das mulheres, basicamente,
apontam questões sobre a invisibilidade complexas e que merecem atenção. Podemos
verificar tais opiniões, na tabela a seguir:
Figura 87.
Os motivos da subidentificação das mulheres Quantidade
Cultura Brasileira/Sociedade/Atenuando Machismo 15
Genética/Natureza/Biologia 14
Meninas dissimulam talento 3
Não sei 30
BRANCO 12
Machismo 25
Questões de gênero tratadas na escola 3
Preconceito das próprias meninas 1
Questionamento a afirmação 5
A primeira questão, que chama a atenção, deve-se ao fato de a categoria, mais indicada
pelos participantes, foi “não sei”, com 30 indivíduos relatando, simplesmente, não terem ideia
dos motivos da invisibilidade feminina, apontando que, talvez, os participantes,
simplesmente, não desejem responder tal questão. Fato que se torna, ainda mais evidente e
349
preocupante, quando somamos a estes números, os 12 participantes que deixaram a resposta
em branco.
Ainda que sejam categorias, com menor número de referências, temos algumas
hipóteses para a questão, que pensamos merecer destaque, pois indicam como alguns
educadores, ainda têm posições, assumidamente, machistas, quando avaliam as alunas.
Primeiro, destacamos as 14 referências à ideia de que a invisibilidade das mulheres ocorram
devido às diferenças biológicas/genéticas, que diferenciam homens e mulheres, confirmando a
crença de que, talvez, homens tenham maior potencial intelectual do que as mulheres.
Outros participantes, simplesmente, questionaram a ideia que de as mulheres sejam
menos atendidas e identificadas que os homens, contestando mesmo a informação de maior
invisibilidade das mulheres. Tais concepções mostram, como as chances de uma menina
talentosa ser identificada é reduzida, a depender das concepções dos docentes e gestores.
O machismo foi, obviamente, indicado por grande número de pessoas e, entre
referências diretas ao machismo, ou a questões culturais, que envolvam o machismo, temos
cerca de 40 referências. A cultura do patriarcado como explicação para a invisibilidade feminina
ser maior que a masculina, teve número reduzido de citações. Mostrando que mesmo em um
grupo, majoritariamente, feminino, as mulheres encontram dificuldades, não apenas, na
identificação e valorização de seus talentos, mas, mesmo a referência direta ao machismo, gera
insegurança e acaba sendo tangenciada.
Tentando entender como o imaginário dos profissionais da educação sobre a escola
pública, e como questões estruturais impactam na capacidade das escolas, em atender ou
considerar possível o trabalho, com estudantes alto-habilidosos, questionamos os participantes
quanto à capacidade de escolas da rede privada, em atender jovens e crianças com AH/SD. As
respostas encontram-se, no gráfico a seguir:
Figura 88.
54; 46%
34; 29%
17; 14%
13; 11%
Você considera que as escolas particulares têm melhores condições de atender aos alunos superdotados/ altas habilidades? Por quê?
POSITIVA
NEGATIVA
NEUTRA
BRANCO
350
O primeiro dado importante é que 11% dos participantes deixaram esta pergunta, em
branco, alegando não saber como responder ou não emitindo opinião sobre o tema. Junto às
respostas, em branco, tivemos 14% de respostas que consideram neutra a capacidade das redes
privadas de ensino, em ofertar atendimento adequado aos alto-habilidosos.
Consideramos que as respostas, em branco e neutras, poderiam ser compreendidas como
parte de um mesmo bloco de respostas, que considera indiferente o tipo da rede de ensino, nos
resultados de atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação e, assim, chegamos
ao número de 25% dos participantes, que entendem ser irrelevante o sujeito alto-habilidoso
estudar, em escolas públicas e/ou privadas.
Entre as justificativas para tal posição, elencamos alguns argumentos destacados. Para
alguns professores, a diferença entre o atendimento melhor oferecido pela rede privada
dependerá não tanto da escola ser, simplesmente, pública ou privada e sim, do tipo de escola
privada, partindo da percepção de que seja fundamental, para pensar neste tema, a distinção
entre as escolas da rede privada de elite e tradicionais, com colégios de renome, por contarem
com professores bem formados e com bons rendimentos, além de possuírem estrutura de
recursos pedagógicos de ponta, como: laboratórios, bibliotecas, acesso à saídas de campo e
visitas monitoradas, recursos de tecnologias e complexos artísticos e poliesportivos de
qualidade e, finalmente, famílias com capital econômico e cultural superior a maior parte da
população, das escolas particulares que, geralmente, atendem a classe média, de forma
massificada. Se as primeiras, incontestavelmente, teriam melhor condição de atender aos alto-
habilidosos e, talvez, a qualquer outro aluno, as últimas não teriam grandes vantagens, em
relação às condições encontradas pela rede pública, para tratar do assunto.
Acredito que talvez possam ter melhor condição de investir (de prontidão) em
espaços, profissionais e materiais necessários para o trabalho com esses alunos, porém
não necessariamente o fazem. A escola pública tem condições, mas, esta verba é
desviada, além da burocracia imposta para este trabalho ser realizado. (Participante
19)
A maior parte dos participantes da pesquisa entendem que as escolas da rede privada
encontram melhores condições de atender os estudantes, com altas habilidades, indicando,
principalmente, aspectos ligados à estrutura física destas instituições, em relação à rede pública
de ensino. 46% daqueles que participaram da pesquisa, disseram entender que as escolas
particulares encontram melhores condições de atender as AH/SD.
Entretanto, pudemos verificar, que certas concepções que se poderiam imaginar
presentes, entre as representações sociais dos docentes, para a justificativa deste
posicionamento, não se apresentaram, nas respostas dos professores e gestores. Assim, dentre
351
os motivos elencados, não foi destacado, por exemplo, a ideia de que as escolas privadas teriam
melhor qualidade frente à rede pública de ensino, o que justificaria a melhor capacidade de
atendimento a aqueles, com potencial para o sucesso escolar. Outro ponto que não verificamos,
entre as respostas, foi a ideia de que devido a origem social, os alunos e as famílias
frequentadoras, da rede privada, teriam maior potencial acadêmico/intelectual, ou que os
docentes e profissionais, da rede privada, fossem melhor formados e preparados, para atuar com
o sucesso escolar, do que aqueles da rede pública.
Outra ausência, nas justificativas dos gestores e professores, que consideram a escola
particular mais preparada, para atender as AH/SD, é o fato das famílias destes estudantes
possuírem maior capital cultural e econômico, para acompanhar e auxiliar o desenvolvimento
de seus filhos. Este argumento apareceu, em geral, de modo tímido, quando alguns docentes
relataram a maior capacidade das famílias, em buscar auxílio extraescolar.
Como justificativa para defender a maior capacidade da rede privada, em lidar e atender
os alto-habilidosos, os participantes apontam questões estruturais das escolas, quando
comparadas às públicas e indicam caminhos, que vão além da noção de superação de mitos,
formação específica, definição de terminologia e protocolos de identificação e atendimento as
AH/SD. Nas respostas dos docentes, fica evidente que, em sua avaliação, o que pesa, no
momento de atender ou não um aluno com potencial elevado, são as condições estruturais para
a realização do trabalho, o que atinge a escola como um todo, indicando que a superação da
invisibilidade, passa pela melhoria das condições de trabalho, na escola, de um modo geral.
Acredito que sim, por inúmeros fatores: menor quantidade de alunos por classe;
melhor estrutura; maior possibilidade de contar com apoio dos pais para garantir
atividades extras ou encaminhamentos necessários, etc. (Participante 63).
Algumas sim, pois tem menos alunos em classe e contam com boa estrutura e recursos
pedagógicos. (Participante 22)
Os motivos elencados pelos participantes não deixam dúvidas, quanto a esta situação.
Foram elencados como justificativas para suas respostas: a menor relação aluno por professore,
assim, com menos estudantes sobre a sua responsabilidade, o docente poderia observar e
atender melhor a todos, inclusive, aos alto habilidosos; melhor infraestrutura física dos prédios
escolares, indicando que possuir materiais pedagógicos adequados, quadras poliesportivas,
ateliês de artes, laboratórios de ciências, acesso à rede mundial de computadores, banda larga,
centros de informática, projetores de imagens e computadores, bibliotecas equipadas, faz toda
a diferença no momento de atender os alunos, em especial, aqueles que apresentem maiores
habilidades e/ou dificuldades.
352
Ainda que não sejam citados elementos relativos ao capital cultural e econômico, dos alunos de
escolas particulares, como razão para que considerem seu atendimento mais adequado, do que
o ofertado pela escola pública, o capital surge, em respostas indiretas, quando são citados os
maiores recursos familiares, para buscar profissionais especializados, como: psicólogos e
psicopedagogos, bem como, oficinas e cursos na área da habilidade do estudante, também,
maior cobrança e acompanhamento das famílias, quanto ao rendimento dos alunos nos estudos.
Sim. Porque além de se ter um número reduzido de alunos nas classes, eles dispõem
de materiais pedagógicos que atraem os alunos de uma maneira geral integrando esse
aluno com o grupo de uma forma muito natural. (Participante 60)
Em geral sim, tão somente pela diferença de recursos que tanto a escola como a família
possui, porém, se for uma escola de extremos, ou muito tradicional ou muito liberal
pode até atrapalhar. (Participante 72)
Acredito que sim, talvez por terem o suporte financeiro dos pais. Uma das dificuldades
que a escola pública enfrenta é a falta de profissionais de outras áreas para trabalhar
em conjunto com a escola para os diagnósticos e encaminhamentos. Tenho um aluno
que está na fila para ser atendido pela psicóloga a mais de um ano. (Participante 78)
Finalmente, a maior parte dos docentes que concordou com a afirmação de que a rede privada
teria melhor condição de oferecer um atendimento adequado aos alto-habilidosos, destacou que
o fato de as escolas terem interesse direto, nos resultados obtidos por estes estudantes, como
forma de valorizar o nome da instituição e contribuindo para atrair mais “alunos/clientes”, seja
fator fundamental para que tais instituições preocupem-se e ofertem condições de
desenvolvimento melhor, aos seus alunos que apresentem maior potencial e/ou rendimento,
contribuindo assim, para que parte dos alto-habilidosos, que estudam nestas unidades, sejam
auxiliados, em seu desenvolvimento.
Não, pois independente de ser pública ou particular, os profissionais não estão
preparados para identificar ou contribuir com esses alunos. (Participante 09)
Não. Aliás, é relativo. Existem boas escolas privadas, porém os professores das redes
públicas vêm recebendo mais formação na área da Ed. Especial. (Participante 11)
Finalmente, tivemos um número expressivo de professores e gestores, que entendem
que seja equivocado supor que a rede privada, simplesmente, por não ser pública, teria melhor
atendimento a estes educandos.
Um terço dos participantes respondeu negativamente, a afirmativa proposta e indicam
que, segundo suas avaliações, a escola privada não teria (apesar de sua melhor estrutura),
melhor condição de atender aos alunos talentosos. Estes docentes entendem que o
desconhecimento, praticamente, iguala as redes diferentes de ensino sobre o tema, uma vez que,
seus conhecimentos sejam quase inexistentes, muitas respostas como a que abre esta parte do
texto, foram apresentadas e algumas seguem como exemplo:
353
Acho q tanto a particular Qto a pública tem condições semelhantes, ambas poucas
condições devido ao desconhecimento do assunto. (Participante 16)
Não. Penso que haja dificuldades em lidar com estes alunos em qualquer esfera de
oferta de ensino, uma vez que os profissionais de educação, sejam de escolas
particulares, ou públicas, não recebem formação necessária para a temática
discutida.(Participante 20)
Também foi destacado o fato de que, atualmente, a rede pública de ensino, apesar de
todas as suas deficiências, tem, ainda, maior tradição e experiência de atendimento, melhor
formação, mais materiais específicos e, finalmente, maior número de profissionais, quando se
trata de Educação Especial. Segundo estes trabalhadores da educação, a exigência do poder
público de que as escolas públicas sejam inclusivas e atendam a todos os alunos,
independentemente, de suas necessidades especiais, legou, ao setor público, uma dianteira que
a escola privada até por evitar atender estes estudantes, o quanto pode, para fugir dos custos
adicionais de promover inclusão em suas instituições, coloca a rede pública, segundo estes
docentes, em melhores condições de atender os alunos alto-habilidosos, chegando ao ponto de
que seria raro, que escolas privadas tivessem professores específicos da Educação Especial,
para atender os alunos talentosos. Citamos abaixo, algumas destas opiniões, que caminham
neste sentido.
Não creio. A rigor, a escola particular possui um número inferior de profissionais para
atendimento especializado. (Participante 23)
Não, porque no momento, a escola pública é a instituição que apresenta meios e
recursos para atender alunos especiais, qualquer que seja sua necessidade, visto que
foram traçadas políticas públicas e foram feitos investimentos em programas,
equipamentos e profissionais para atuar nesse segmento.(Participante 46)
Finalmente, destacamos algumas respostas que indicam, que a maior capacidade da rede
privada de atender alunos talentosos, deve-se, antes de qualquer coisa, rejeitar a generalização
e observar a discrepância que existe entre escolas de elite e tradicionais da rede privada, estas,
com ótima estrutura e profissionais e a maior parte das escolas da rede privada, carentes de
profissionais com boa formação, de recursos pedagógicos e mesmo infraestrutura de seus
prédios, para atender, de maneira satisfatória, aos alunos com ou sem AH/SD. Desta forma, os
docentes consideram que a estrutura das escolas privadas tenham efeito na capacidade de
melhor atender aos alunos, apenas, quando se trata de grandes complexos educacionais e com
354
história e tradição de trabalho de excelência, como podemos verificar, nas respostas da
participante que se segue:
Não necessariamente. A não ser que seja uma escola de grande porte (estilo São Luís,
Dante Alighieri) que apresente uma mega estrutura com diferentes tipos de
laboratórios, espaços para experimentação artística, museu de arte natural dentro da
escola, frota de ônibus para estudos do meio, etc. A estrutura destas escolas
contribuem muito para o trabalho com todos os alunos. (participante 96)
Com o objetivo de verificar como a política de oferta de bolsas de estudo, para alunos
com destacado rendimento, dentre estes, alguns prováveis sujeitos com altas
habilidades/superdotação, desenvolvida por algumas escolas particulares, questionamos os
participantes sobre a questão, para verificar como os educadores compreendiam a ação que,
talvez seja, a mais organizada e duradoura política voltada a estes indivíduos, no país, bem
como, avaliavam o interesse privado pelo tema das AH/SD.
Como resultado, verificamos que os trabalhadores da educação, ainda que divididos em
relação a este tipo de ação, são, em sua maioria, críticos, primeiro, por questionar os reais
interesses das instituições em “atender” tais alunos, ficando evidente, nas respostas dos
participantes que o marketing e a publicidade são os maiores motivadores destas ações, em
segundo lugar, a crítica a tais medidas concentra-se, na avaliação de que denotam um estado
de falência, ainda mais grave, das escolas públicas brasileiras.
Tal posição dos educadores pode ser verificada, no gráfico abaixo, desenvolvido, a partir
das respostas dos educadores, para a questão.
Figura 89.
Quando questionados sobre a política de oferta de bolsas, para supostos alunos com altas
habilidades/superdotação, verificamos que as menções apontadas, concentravam-se, em três
categorias, que consideramos para a avaliação e denominadas, conforme a sua posição, em
relação à política de oferta de bolsas de estudo, sendo divididas, conforme o gráfico acima,
entre as que consideram a medida positiva, negativa ou neutra.
53; 45%
42; 36%
7; 6%
15; 13%
Como avalia a oferta de bolsas de estudo, aos alunos que se saem bem em provas de seleção e obtêm descontos na mensalidade?
NEGATIVO
POSITIVO
NEUTRO
BRANCO
355
Entre os que consideram a medida positiva, a maior parte das menções descritas pelos
educadores foram: Meritocracia, Incentivo, Justiça e Forma Paliativa de contornar a falta de
estrutura das escolas públicas e garantir alguma chance de equidade de condições, para os
alunos talentosos, com situações socioeconômicas piores.
Parte considerável das respostas que entendem a política como positiva, demonstram,
claramente, entender a situação como forma de garantir melhores condições de estudo, aos que
“se esforçam e dedicam mais”. Podemos verificar, nestas respostas, o papel e peso que as
ideologias da meritocracia possuem, entre os educadores. Estas posições podem ser verificadas,
nos relatos de alguns participantes, que selecionamos:
Acho bom, é uma maneira de meritocracia (Participante 06).
Eu acho muito boa a iniciativa. É um incentivo e tanto, ainda mais quando o aluno
não tem condições de estudar em uma escola paga. (Participante 91)
O segundo grupo de respostas que considera a medida de oferta de bolsas positiva,
concentra-se, entre as muitas referências à concepção de que, ao conseguir estudar, em escolas
particulares, os estudantes alto-habilidosos teriam, ainda, que com evidentes problemas nesta
política, uma oportunidade em contornar suas dificuldades econômicas e a falta de estrutura da
escola pública, em garantir educação de qualidade aos alunos, em especial, aos com maior
potencial. Neste sentido, fica nítido que, ainda que considerem positiva a política de bolsas, os
docentes têm ciência de que questões mais profundas envolvem a situação, podemos verificar
nas respostas a seguir:
Vejo como uma oportunidade para os pais e seus filhos, de estudar numa escola
melhor, embora restrita a uma parcela de alunos. (Participante 51)
Penso que seja, ao menos no momento, a melhor forma desses alunos conseguirem
uma escola onde conseguirão ter mais condições e recursos para aprendizagem.
(Participante 44)
Considero o mais justo para que esses alunos tenham menos perda em seus percursos
formativos, já que na rede pública não há estrutura para fazer com que esses alunos
avancem e explorem seus potenciais. (Participante 10)
Um grupo, com cerca de 6% dos participantes, considerou tais políticas como neutras,
sendo que as descrições superficiais e/ou ineficazes foram usadas para descrever a política de
bolsas, por estes participantes. Cabe o destaque de que 15 participantes não responderam a
questão, deixando o campo referente à mesma em branco e, entendemos que tal posição devia-
se a considerar a política de bolsas neutra, também, deste modo, cerca de 20% dos participantes
avalia a noção de oferta de bolsas de estudo, aos alto-habilidosos, como neutra. Salientamos
que, entre os motivos para considerar a medida neutra e incapaz de gerar resultados, encontre-
356
se tanto na concepção de que o alto-habilidoso desenvolva-se, sem qualquer ajuda, ou de que
as provas de seleção seriam incapazes de avaliar e identificar habilidades, que não aquelas,
puramente, acadêmicas e mensuráveis, por provas e testes tipo vestibular, utilizados, nestes
contextos, que podem ser verificados, nas respostas que selecionamos:
Um portador de altas habilidades pode ser um excelente físico se gostar de física,
assim como pode ser um excelente pedreiro, se preferir gostar de ser pedreiro que nem
o pai. Ele é livre para ser o que quiser, e pelo que tenho visto, são tenazes ao que se
propõem alcançar - aí é que está a força de personalidade e de espírito; de qualquer
forma vão tateando até encontrar o que procuram, doa o que doer. (Participante 50)
A maioria dos participantes avaliou, criticamente, a política de oferta de bolsas de
estudos aos alunos com AH/SD, sendo indicadas referências negativas, em relação a esta
medida. Quase a metade dos participantes, ou seja, 45% avaliaram, negativamente, a noção de
oferecer bolsas aos alunos talentosos e as concepções, mais presentes, estiveram ligadas aos
aspectos comerciais e publicitários da ação, com alguns casos de referências. Também, a ideia
de competição e pressão sobre os alunos, diante deste tipo de prática, que gera imensa
ansiedade, em pais e estudantes.
Entretanto, a maior parte das referências, concentrou-se em avaliar, negativamente, a
política, a partir da percepção de que, no fundo, o interesse e desenvolvimento dos estudantes
era secundário nas preocupações das instituições privadas, não passando de artifícios para
melhorar os resultados das referidas escolas, em exames vestibulares e provas externas, como
ENEM, de modo que, por meio do sucesso e resultado destes alunos, previamente, selecionados,
as instituições possam valorizar seu produto, no mercado e atrair outros alunos interessados, na
capacidade das escolas, em “produzir bons resultados” justificando, assim, suas altas
mensalidades. Tais concepções indicam que os professores, contra prognósticos que investem
na falta de formação e capacidade docente de refletir sobre o tema, têm uma sensível percepção
do tema, de seus usos e impactos, na relação com os estudantes e suas famílias, especialmente,
na forma como os alto-habilidosos são utilizados, para camuflar resultados e trabalhos
contestáveis, da rede privada e potencializar a percepção de fracasso escolar da rede pública.
Finalmente, muitos educadores demonstram profunda reflexão, ao relacionar, o interesse das
escolas privadas, nos alunos com “maior potencial”, no jogo de competição e disputa por
mercado, presentes na lógica capitalista. Tais concepções ficam evidentes em algumas
exposições dos docentes, que se seguem:
À instituição visa a sua publicidade a cerca do educando!!!! Ó Colégio Objetivo é o
rei de bolsas para alunos superdotados, preciso dizer mais alguma coisa??
(Participante 118)
357
Enquanto professora da Educação Pública, uma tristeza, pois nos levam excelentes
alunos e fazem os educandos e a sociedade acreditar, que são os bons frutos da escola
privada.Ou seja, a escola tornou-os assim e jamais admitem, que já carregavam
consigo estas habilidades. (Participante 20)
Oportunismo das instituições corporativas de ensino, que geralmente "roubam" os
alunos com altas habilidades da escola pública e os utilizam como vitrine para ganhar
novos alunos e expandir seus convênios. (Participante 96)
É o reflexo de uma sociedade competitiva e meritocrática, além de uma estratégia que
as escolas particulares adotam para ter os "melhores alunos" e usar seus bons
resultados como propaganda. (Participante 95)
6.3 - Cursos e formações
Outra ferramenta de pesquisa utilizada para o levantamento de dados foi registrar as
observações dos professores participantes, das formações sobre AH/SD, quando eram
questionados pelo palestrante sobre o que lhes vinha à ideia, quando pensavam em AH/SD.
Os objetivos das formações desenvolvidas com os docentes, como estratégia
metodológica, dividiam-se em:
1- Obter informações junto aos professores, em condições menos formais, em relação ao
que acontece com questionários e entrevistas.
2- Avaliar o efeito das formações com os professores, em relação identificação de
estudantes com altas habilidades/superdotação e, assim, testar as hipóteses que atribuem
à invisibilidade a falta de formação docente.
Deste modo, realizamos quatro (4) formações com o professorado, sendo que uma delas,
teve cerca de 150 docentes de Educação Especial, da rede municipal,ocorrida em fevereiro de
2015. Os demais encontros foram realizados em escolas de Ensino Fundamental I e II, com
cerca de 30 docentes em cada encontro, tendo a presença dos coordenadores pedagógicos das
Unidades. As três formações ocorreram em bairros periféricos, com professores especialistas e
pedagogos, no período de março e abril, de 2016.
Os encontros foram realizados após convites feitos pelas equipes gestoras das escolas,
bem como, pelo CAPFC (centro de aperfeiçoamento do professor e formação continuada),órgão
responsável pelos cursos de formação, dos docentes. Os convites ocorreram após o contato com
a temática de nossa pesquisa.
Cada formação ocorreu nos períodos matutino e vespertino, em cada escola. Assim, ao
longo de nossos encontros, conversamos sobre as altas habilidades/superdotação, com
aproximadamente 180 professores.
358
Destas formações, algumas constatações surgiram quase de modo unânime, nas
observações docentes. Em primeiro lugar, destacamos a atenção e o interesse em relação ao
tema, onde tivemos muitos questionamentos, bem como, a confirmação dos professores em
relação ao mal estar, por concentrarem suas ações no “fracasso escolar” e dedicarem pouca
atenção aos educandos, com melhores resultados.
Durante as formações organizávamos as respostas dos professores participantes em
poucas palavras, de modo que pudéssemos, futuramente, ter categorias referentes à
compreensão docente da questão, estas foram as seguintes: Q.I., foco da atenção nos alunos
com dificuldade; avaliação; nunca trabalhei ou tive contato; desconfio; provável; classe de
estimulação; tive um aluno com laudo; fechar diagnóstico; chatos; tive casos na família;
esconder; mãe solicitou reclassificação; genialidade; autistas e altas habilidades/superdotação;
boa memória; facilidade de aprender; dom; nomes de alunos que seriam suspeitos (Júlio,
Gabriel, Arthur); o que fazer?; Para onde encaminhar?; Garoto bom em tudo; culpa por não dar
atenção aos melhores alunos; luz própria; brilhantismo sem estímulo; alunos com alta percepção
e compreensão rápida; famílias muito presentes; costumam ser agitados; sem reflexão sobre o
tema; só ouvi falar na lei; sem nenhuma formação sobre o tema.
Esta compilação das falas mais recorrentes, apresentadas pelos docentes sobre o assunto,
quando questionados, inicialmente, levou-nos a verificar a existência de alguns grupos de falas,
que poderiam ser organizados em categorias de análise, como propomos aqui: O conceito de
inteligência baseado no Q.I.; a Falta de formação e reflexão sobre o assunto; A culpa por não
dar atenção aos alunos com bom rendimento e ter foco nas dificuldades de aprendizado ou
fracasso escolar; As questões de ordem prática (O que fazer? Como diagnosticar? Como
Atender?); As características e os nomes dos alunos (Júlio, Matheus, Arthur, Gabriel, Luís,
Vinicius, Anthony; com: boa memória, aprende rápido, maior percepção e compreensão); A
ausência de experiências profissionais com alunos superdotados; Os casos de superdotados, na
família (irmão, marido, sobrinha, filhos, sobrinhos, etc) .
Estas falas dos professores indicaram-nos alguns caminhos a refletir sobre o tema e
possíveis respostas para nossas hipóteses de pesquisa. A primeira delas foi que, se por um lado,
temos a confirmação da invisibilidade, dos alunos com altas habilidades/superdotação, por meio
das repetidas falas de nunca ter tido educandos com tais características, por outro, temos muitos
relatos que indicam que os professores têm uma boa percepção de quais características observar
a partir de sua reflexão sobre aprendizado.
359
Verificamos que o discurso psicologizante tem peso grande, nas concepções docentes
do tema, com muitas referências à falta de profissionais da psicologia para a efetiva
identificação, sendo apontada como um problema.
As questões estruturais, também foram apontadas pelos docentes como motivo da pouca
atenção dedicada a estes estudantes, e, consequentemente, ao pequeno número de
identificações. Verificamos muitos professores interessados no tema e, quando provocados,
prontamente, passavam a listar alunos que lhes despertavam a desconfiança sobre as altas
habilidades/superdotação, mas, que não sabiam como proceder, enfrentando, muitas vezes, as
exigências burocráticas e a atenção da escola tão voltada ao fracasso, levando-os a abortar a
ideia de observar, mais detidamente, um aluno com suspeita de superdotação.
Nas formações, muitos professores questionavam-nos, por avaliar que determinados
comportamentos de altas habilidades/superdotação eram verificados em seus filhos.
Nenhum docente considerou o tema elitista ou deixou de apontar alunos com altas
habilidades/superdotação, em suas turmas. Pelo contrário, informados sobre a questão e
desmistificando a noção de altas habilidades/superdotação e genialidade, os professores
passaram a citar nomes de alunos, prontamente, assim, foram surgindo entre professores e
gestores, nomes como: Júlio, Gabriel, Sabrina, Arthur, indicando, primeiramente, a existência
destas crianças e depois, confirmando que os professores sabiam quais eram os alunos que
mereciam esta atenção.
De um modo geral, os professores têm dúvidas quanto a forma e o profissional que deve
fazer a identificação de altas habilidades/superdotação, ainda, que tenham deixado claro, que
sem o olhar do professor, determinados talentos não seriam notados.
Os docentes em suas falas, conferiram à genética grande importância, na determinação
das altas habilidades/superdotação, mas, curiosamente, não consideram relevante a noção de
hereditariedade. A prova disto é como se referem aos próprios filhos, alguns citados, com claros
indícios de habilidades acima da média e todos negados, com veemência, quanto a serem alto-
habilidosos.
Parece, que para os professores, as altas habilidades/superdotação teriam origem em
dois caminhos: o primeiro, o genético e natural, que seria a legítima alta
habilidade/superdotação; no outro, estariam os talentos produzidos, intencionalmente, pela
interação social, entre os quais estariam os filhos dos professores.
Nenhum docente referiu-se à herança genética e a origem popular dos alunos como
impeditivo para alguém ter altas habilidades/superdotação. Ao longo das formações, quatro
itens saltaram-nos aos olhos:
360
- A indicação de autistas com potenciais, altas habilidades/superdotação;
- A queixa quanto a inexistência de um único e padronizado protocolo de identificação;
- A percepção de que os docentes não consideram seus filhos como superdotados, mesmo
quando, estes estão muito acima da média, o que nos coloca a dificuldade de alunos de
periferia serem identificados.
- A afirmação, de que em escolas, tão sucateadas, impera o seguinte ditado: “Em terra de
cego, quem tem um olho é rei”, tomando assim, segundo esta visão, por altas habilidades
crianças comuns, normais, apenas, alguns passos acima da “terra arrasada”, em que se
encontra a maioria.
Lembramos desta maneira, a colocação de (SETTON, 2016. , p. 46), quando descreve
o caso de Antônio:
Embora em outros núcleos brasileiros o conhecimento escolar já não seja o diferencial
para se alçar a uma mobilidade social, em Santarém, estado do Pará, quem conta com
um diploma e apresenta um conhecimento diferenciado dos demais torna-se muito
valorizado, ou seja, passa a ser notado, notável; passa a ser reconhecido e a se
reconhecer como especial, como diz o ditado: Em terra de cego quem tem olho é rei.
A partir destas colocações, permaneceram algumas dúvidas:
-Será que estaríamos tratando como superdotados, crianças normais?
- Será que diante do improvável sucesso, com uma noção mecanicista de transmissão
de capital cultural, preferimos o rótulo de miraculados a alguns à ideia de que podemos estar
negando o desenvolvimento do intelecto a maioria que fracassa?
- O nível atual da escola seria tão fraco, que tornaria impossível identificar capacidade
intelectual superior?
Neste ponto, cabe o questionamento dos professores: ao compararmos os estudantes em
suas habilidades, envolvimento e criatividade, deveríamos utilizar um modelo universal de
criança e aluno?
Em escolas marcadas pelo fracasso escolar, com notas baixas em provas externas, com
tantos alunos com severos problemas de aprendizado, onde raros educandos demonstrem o
envolvimento com a tarefa e estudos e os alunos tenham pouco acesso a livros, museus, somado
ao não domínio dos conteúdos escolares, como dizer que aqueles que se destacam acima da
média, sejam pessoas com altas habilidades/superdotação ou simplesmente pessoas normais,
em meio a uma indústria produtora de fracasso escolar?
6.3.1- Os resultados das formações
361
Cabe destacar, que durante as formações, tivemos a indicação, por parte de professores,
de alguns alunos que geraram desconfiança, em relação a ter AH/SD.
Porém, o fato mais curioso e que indica a importância do debate sobre o tema, é que
semanas e mesmo, meses depois das formações, fomos diversas vezes abordados por
professores e gestores, que nos relataram ter iniciado processos de observação e identificação
de alunos que tinham suspeitas de altas habilidades/superdotação.
Tal posição dos docentes expandiu-se, mesmo para escolas, que não havíamos visitado,
sendo possível verificar a preocupação com o tema, mesmo na SEDUC. Assim, a professora
responsável pela formação de docentes de Educação Especial e Práticas Inclusivas, começou a
tratar o tema, nas formações da rede e relatou-nos o caso, de um aluno cadeirante,
extremamente, talentoso em música, especialmente, ao piano.
Durante a nossa pesquisa, destacamos três casos de docentes, que após algum tempo
decorrido da formação, procuraram-nos para relatar casos de alunos que suspeitavam se tratar
de altas habilidades/superdotação.
O primeiro caso é do aluno Fernando125, 09 anos, estudando no terceiro ano, do Ensino
Fundamental, na Unidade Municipal de Educação: “Costa de Lisboa126”.Tivemos contato com
o educando, após a professora da sala de AEE (Atendimento Educacional Especializado) ter
solicitado nossa presença, na escola, porque, depois de participar de nossa formação, passou a
desconfiar das altas habilidades deste aluno e queria nossa opinião sobre o que fazer e quais
encaminhamentos deveria realizar.
Diante da criança, vimos um menino franzino e muito esperto, relatando interesse por
livros, História, Mitologia Grega e Egípcia, dinossauros e Astronomia. Além disto, o aluno
desenhava e criava personagens de RPG (Role-playing game). Durante as atividades, em sua
sala de aula, fazendo prova ou atividade com demais colegas, o aluno demonstrou tédio e
segundo relatos, desde Educação Infantil, tal fato ocorria. Apesar, de profundamente
inteligente, não era reconhecido pela professora da turma, nem pelo coordenador da escola
como criança com altas habilidades/superdotação.
A criança nitidamente tinha habilidades acima da média e merecia um acompanhamento
mais detido para um processo efetivo de identificação, após esta visita inicial, encaminhamos
material sobre o tema para a professora de AEE e, mas apesar de inúmeras tentativas de contato,
125Todos os nomes utilizados são fictícios para que possamos garantir o anonimato dos estudantes. 126Todos os nomes das escolas citadas, no trabalho, são fictícios, como forma de preservar o anonimato das
mesmas.
362
não houve retorno da docente e nem informações do educando que ao que tudo indica seguiu
sem qualquer tipo de atendimento especializado.
Outro caso interessante foi de uma professora, da Unidade Municipal de Educação:
“Padre Francisco127”,que nos procurou durante uma atividade de greve, dos professores
municipais, para informar que o encontro sobre altas habilidades/superdotação realizado na
escola onde atua, foi muito importante, pois a alertou sobre uma questão que não havia dado
atenção até o momento da formação. Como resultado, segundo relato da docente, atualmente,
existe um aluno de sua turma sendo avaliado, com suspeita de altas habilidades/superdotação
nas áreas de Humanidades.
Esta indicação do educando é muito importante, pois foi realizada por uma docente
muito respeitada em sua escola, tendo uma trajetória exemplar, enquanto estudante, naquela
instituição. Além disso, graduou-se no curso de História, na UNESP de Assis, realizando
mestrado na UNICAMP, lecionando também, em escolas particulares. A indicação de um aluno
por uma docente bastante exigente, bem formada e com história de sucesso como professora e
aluna, pode estimular outros docentes da escola, a indicarem mais educandos.
Por fim, pensamos que valha destacar o caso de Jonas128, um rapaz de Ensino Médio,
que estuda na rede pública estadual e tem origem humilde. Seu caso nos foi relatado por uma
ação espontânea, do coordenador pedagógico de uma escola técnica musical da cidade, que nos
procurou, após saber de nossa pesquisa e ter interesse na temática.
Em primeiro lugar, constatamos como o simples fato de alguém estar pensando na
questão, faz com que profissionais das escolas olhem um pouco mais para seus alunos e,
consequentemente, passem a identificar talentos. Além disto, consideramos interessante receber
o relato de um aluno com talento, em uma área que não faz parte do currículo escolar. O
educando é habilidoso ao piano e não fosse o caso da cidade ter um longo trabalho de formação
musical e contar com o mais respeitado Conservatório musical, do litoral paulista, contratando
professores especialistas, formados em Música (único município da baixada), e a oferta de um
curso de piano gratuito e bem estruturado, jamais, conheceríamos Jonas e, talvez, ele próprio,
dificilmente, pudesse aprender a tocar piano, um instrumento caro, normalmente, restrito a
setores com condições econômicas de mantê-lo.
Mas o caso de Jonas, também, indica-nos a insegurança e falta de conhecimento dos
docentes sobre as capacidades dos alunos com altas habilidades/superdotação. Segundo o
coordenador pedagógico da escola, os docentes e mesmo ele, reconhecem, no menino, um
127 Idem. 128 ibidem.
363
talento, um excelente aluno; nas palavras do coordenador, o menino tem rendimento brilhante,
obtém notas máximas, requisita muito os professores, sendo, visivelmente, superior aos seus
pares.
O educando realiza apresentações solo, com maestria e por ser filho de trabalhadores
pobres, não possui um piano em casa. Como forma de estudar, o aluno matriculou-se em uma
escola estadual do município próxima ao Conservatório, sendo aluno na escola regular, no
período matutino. Ao sair, vai direto para a escola de música estudar e se há aulas vagas, pela
manhã, aproveita o tempo e pratica sua habilidade. Mesmo nos dias, em que não tem aula no
Conservatório, é assíduo e, diariamente, entra às 13h e sai às 22h, às vezes quer ficar mais,
precisa ser mandado embora. Leciona para seus colegas, parando um pouco para comer, apenas,
ou quando não há instrumento livre.
Mesmo após o que expusemos, o coordenador pedagógico relata que ainda há dúvidas
em se tratar de alguém com altas habilidades/superdotação, mesmo que o talento do jovem seja
reconhecido por músicos experientes.
A dúvida quanto às altas habilidades/superdotação paira por dois motivos: o primeiro,
exatamente, pelo “excesso de dedicação”, que se opõe a “talento natural” e o segundo, pelo fato
do menino ainda não compor, seguindo a sombra constante de Mozart. Nos perguntamos, se
alguém como Jonas não tiver altas habilidades/superdotação, quem teria?
Sobre as ações de formação realizadas, diretamente, com professores, destacamos
alguns elementos que pensamos ser importantes para a pesquisa.
Como já afirmamos, o clima de interesse e disposição docente, para pensar na questão
das altas habilidades/superdotação, foi sempre positivo e, em todas as oportunidades,
encontramos docentes curiosos, envolvidos no debate e questionando o pesquisador.
Verificamos que o modelo de formação e os motivos que geraram o convite para esta,
fizeram diferença. A primeira formação, de iniciativa da SEDUC e destinada aos professores
de Educação Especial, que atuam nas salas de AEE, durou um período inteiro, das 7h às 12h.
Assim, tivemos duração adequada para debater as questões que os docentes colocavam como
dúvidas.
Durante as formações promovidas pela Secretaria de Educação estiveram presentes,
cerca de 100 profissionais, entre docentes de Educação Especial, professores de Educação
Infantil I (0 a 3 anos- creche) e II (4 e 5 anos), docentes do Ensino Fundamental e gestores
(orientadores educacionais, supervisores de ensino) e chefes da SEDUC, notamos, três
questões que nos acompanhariam, ao longo das demais formações:
364
1- Curiosidade e desconhecimento sobre o tema, mesmo com um público composto,
basicamente, por especialistas e gestores.
2- Uma história profissional que não havia se deparado com altas
habilidades/superdotação, o que direcionava as experiências com altas
habilidades/superdotação para familiares: esposos, filhos, sobrinhos, primos e amigos.
3- Por fim, uma sensação de impotência diante de como proceder, com estes educandos.
Em duas outras oportunidades de formação, conversamos com docentes e gestores,
diretamente, nas escolas. Os convites foram feitos pelos próprios coordenadores, das Unidades
Escolares, sendo que o interesse surgiu, após a participação dos mesmos, ao responderem nosso
questionário digital, para a pesquisa.
Nas formações realizadas em escolas, utilizamos os horários de trabalhos pedagógicos
(HTPs), que duram cerca de 1h30 e ocorrem às quartas-feiras. Os encontros realizaram-se entre
março e abril, de 2016, tendo, prontamente, a adesão e interesse dos professores. As formações
ocorreram nos períodos: matutino, vespertino e noturno, abarcando professores do ensino
fundamental I, fundamental II e EJA.
A primeira surpresa foi notar que não há resistência de professores em relação ao tema
e que, apesar de preferirem as explicações genéticas, não há concepção teórica dominante.
A segunda surpresa foi constatar que os docentes, mesmo relatando não ter formação
sobre o tema, descrevem que o motivo de oferecerem pouca atenção às altas
habilidades/superdotação deve-se à grande quantidade de educandos, com dificuldades de
aprendizagem, somado ao fato da escola e rede de ensino não mostrarem interesse nas AH/SD,
concentrando suas atenções naqueles que fracassam na escola.
Temos pontos importantes a serem destacados, durante as formações:
-Mais do que a falta de conhecimento dos docentes em relação à temática, pois,
demonstraram conhecer, minimamente, o assunto, estão as concepções que associam altas
habilidades/superdotação a gênios. Há predominância, também, de não saber o que fazer com
seus alunos mais talentosos, por este motivo, para que identificá-los? Quando superaram a
noção de busca de genialidade, os docentes passaram a citar, prontamente, nomes, que entre
eles, geravam desconfianças de altas habilidades/superdotação.
As noções de dom e aptidão natural são muito presentes em suas falas, o que pode nos
dizer muito sobre os motivos da escola dar pouca atenção a tais casos, uma vez que, a natureza
encarregar-se-ia de conduzir estes alunos ao sucesso.
365
Curiosamente, não tivemos posturas divergentes entre professores polivalentes e
especialistas. Pela formação e dinâmica do trabalho, imaginávamos que os pedagogos seriam
mais dispostos ao tema, que professores de disciplinas específicas. Não ocorreu desta maneira;
tivemos comportamento oposto, onde pedagogos buscavam alunos “bons” em tudo e os
especialistas estavam abertos à ideia de que é improvável que a habilidade superior em tudo
ocorra. Os docentes das áreas de: Artes, Educação Física e Matemática, foram os mais dispostos
a indicar nomes.
Outro caso interessante foi do um professor Marcos, que leciona há anos na rede
particular, atuando em ensino médio e cursinhos pré-vestibulares. O professor citado participou,
ativamente, da formação, relatando que a rede particular, onde atua, promove verdadeiras
buscas ativas dos alunos mais talentosos, atraindo-os com bolsas de estudo, como forma de
aproveitar estes educandos, que segundo as palavras dele “requerem pouca atenção e
investimento” e podem atuar como professores auxiliares, em plantões de dúvidas, mas,
especialmente, garantir o marketing da escola, por meio do sucesso, em exames vestibulares e
provas científicas nacionais e internacionais.
Vale também, a reflexão sobre o relato da professora Ana, durante a formação, docente
da turma de AEE, com formação em Educação Especial. A educadora partilhou a vivência com
sua filha, que sendo boa aluna, participava das feiras escolares sempre e, aos 7 anos, solicitou
ser inscrita em um curso de pintura de toalhas e panos de prato. Após, as primeiras aulas, os
pais foram chamados e a professora de pintura falou sobre o talento da menina, que se destacava
dos demais alunos, por sua rapidez na aprendizagem e destreza durante as atividades, utilizando,
novas técnicas, criatividade e imaginação.
A professora, mãe da criança, contou-nos que ela e o marido não levaram muito a sério
a indicação, mas a menina seguiu com o curso. Passaram a comprar canetas, tintas e outros
materiais e para a surpresa de seus pais, a criança desenvolveu um curioso prazer de folhear
revistas de designers, que seu tio, desenhista projetista de uma grande montadora de veículos
trazia-lhe. Com o tempo, a criança começou a criar seus próprios protótipos de carros, a partir
das referências e conceitos dos projetos das revistas. Aos 12 anos, passou a cursar desenho, em
uma Escola de Belas Artes. Por sua habilidade, frequentou uma turma de adultos, onde a
maioria dos alunos era composta de profissionais da área das Artes Gráficas e Visuais, causando
conflitos com os colegas de classe, que apresentavam muita resistência a ter a menina como
colega de classe, pois, só conseguiam realizar as tarefas que a criança fazia com total
desenvoltura, após muitos esforços. Os professores, também, cobravam, exageradamente, a
menina. Infelizmente, a criança não quis mais estudar com os adultos que, em “tese”, estariam
366
em seu nível, devido às pressões sofridas, o que a fez esconder seus talentos, amoldando-se ao
grupo e defendendo que todos sabiam tanto, quanto ela.
Anos de resistência ao desenho se passaram e, várias tentativas frustradas, em outras
áreas, ocorreram. Hoje, adulta, cursa arquitetura e apesar de ter facilidade e gostar de estudar,
segue, segundo a mãe, cumprindo, burocraticamente, suas tarefas, oferecendo menos do que
sua capacidade, para não voltar a si as atenções dos professores e colegas, pois, não deseja ser
vista como “diferente”, “anormal”. O relato foi permeado por sofrimento da mãe, ao ver as
dificuldades de sua filha e a forma como foi finalizado, deixou todos os docentes perplexos,
com a seguinte fala: “-Sei que não se trata de um caso de superdotação, mas como ajudar?”
Se uma professora de AEE, que conhece a legislação sobre altas
habilidades/superdotação, não considera alguém, com tal história e perfil, como alto-habilidoso
e, não foi capaz de avaliar o desenho da criança e em nenhum momento, foi capaz de avaliar
que os materiais oferecidos à criança, os cursos dos quais ela dispunha e o capital cultural, eram
agentes transformadores, no desenvolvimento cognitivo da estudante. Mesmo a história de
sofrimento e sucesso somados às constantes indicações dos professores, em relação ao talento
da educanda, não produziu na mãe, docente, a ideia de altas habilidades/superdotação. Como
imaginar a identificação nas escolas? A sua negativa das AH/SD seria um subterfúgio para
apresentar o caso sob a áurea de humildade? Se sim qual o motivo e impactos desta postura?
Ao término do relato, o silêncio dos docentes e gestores indicava o dilema: como tratar
das altas habilidades/superdotação, com crianças de periferia e pobres, se a própria professora
de Educação Especial e responsável pelo atendimento das turmas de AEE, peça chave, no início
de qualquer processo investigativo, apresentou tal concepção sobre o tema? Mesmo diante de
sua própria filha, com talento tão presente e reconhecido, à visão da professora era alguém
“normal”. Assim, os fatos ficaram evidentes aos professores: ou o olhar da docente citada
mudava ou não faria sentido encaminhar alguém, “supostamente talentoso”, para avaliação,
pois constituiria uma perda de tempo e motivo de frustração ao educando.
6.3.2- A “UME Antonio de Almeida Macedo”: um ponto fora da curva
A temática das altas habilidades/superdotação abordada pelo professor Leandro foi de
fundamental importância para a minha formação enquanto professora e coordenadora
pedagógica. Têm sido bem provocadores os diálogos sobre este tema. Em primeiro
lugar, precisamos reconhecer que temos uma grande lacuna formativa neste aspecto.
Em segundo, perceber que os alunos com altas habilidades ainda se encontram
367
invisíveis em nossas escolas.No entanto conseguimos (a partir da problematização do
formador) reconhecer que estes alunos estão aí.Outro ponto alto da formação foi
superar a ideia de que os alunos com AH/SD destacam-se sempre em todas as áreas.
As altas habilidades podem ser isoladas ou combinadas. Ficou claro que o conceito
de AH/SD é aplicado àqueles alunos que se destacam em relação aos seus pares
etários, dentro do mesmo grupo social. É preciso romper com os mitos, “causos” e
construção ideológicas que giram em torno da genialidade para que os(as)
meninos(as) com AH/SD e saiam da invisibilidade. (Professora 22)
A escola Antônio de Almeida Macedo tem características particulares que devem ser
consideradas em nossa análise.
Em primeiro lugar, por ser a escola mais afastada do núcleo urbano da cidade, a quase
10km do centro, às margens da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega e localizada em uma espécie
de condomínio habitacional fechado, de classe popular.
O bairro possui casas grandes e com carros e condições de vida melhores que da massa
da população da cidade. A escola é a única no bairro e estrutura-se em um grande complexo,
que abarca educação infantil I (creche), educação infantil II e ensino fundamental. Assim, a
maioria dos alunos permanece no mesmo complexo escolar, desde os primeiros meses de vida
até os 15 anos de idade, o que confere às equipes gestoras, funcionários e docentes, conhecerem
todos alunos e suas famílias.
Muitos professores são moradores do bairro e seus filhos alunos da escola. Até poucos
anos atrás, a diretora da escola, morava no bairro e seus filhos eram alunos da escola.
Sendo assim, a escola tem características muito peculiares, inclusive, em relação a noção
de pertencimento de classe existente entre alunos e professores.
Nos últimos anos, a escola tem recebido alunos de um núcleo populacional novo, na
região, A população deste bairro é muito pobre, sendo a maioria dos moradores migrantes
nordestinos, recém-chegados. Estes alunos sofrem preconceito e estigma pelos demais, tendo
uma aceitação complicada, por parte dos moradores do bairro, onde se situa a Unidade Escolar.
Assim, despertam-nos a ideia de “estabelecidos” e “outsiders”, proposta por (ELIAS,
SCOTSON, & Ribeiro., 2000).
A escola é conhecida por sua qualidade, com diversos alunos aprovados em
universidades públicas, tendo notas elevadas na Prova Brasil, SARESP, IDEB e pelo
compromisso de seus profissionais.
Com muitos membros da equipe e docentes sendo militantes declarados de esquerda, a
escola costuma expor as contradições da sociedade capitalista, em suas práticas e currículos,
liderando movimentos grevistas, lutas de trabalhadores, debates pedagógicos na cidade e, por
tais motivos, tem sido perseguida, sofrendo represálias políticas.
368
É uma instituição movida pela luta política/pedagógica, com uma história de qualidade,
que a protege um pouco mais do estigma de fracasso, que paira sobre a maioria das escolas
públicas.
A escola possui projetos bem delineados, com formação de professores baseado em
estudos de: Saviane, Duarte, Leontiev e Vigotsky. Há muitos anos, os docentes estudam o
aprendizado humano, a partir da ótica da Pedagogia Histórico Crítica e da Psicologia Histórico
Cultural. Deste modo, foi a única escola que visitamos, onde gestores e docentes tinham uma
concepção já construída sobre inteligência e altas habilidades, apresentando-se extremamente
críticos às ideias de meritocracia, dom e genética.
Não bastasse as diferenças discrepantes da escola, nos aspectos positivos, a
coordenadora pedagógica da Unidade é companheira do pesquisador e, assim, acompanha
estudos, leituras e participa dos congressos sobre o tema, acompanhando-nos em visitas
realizadas às instituições especializadas. Esta é a única escola que tem um trabalho sistemático
de atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação, com professores das salas de
AEE, fazendo atendimento semanal a estes educandos, com os docentes das turmas regulares
sendo provocados a pensar nos mesmos. A equipe técnica planeja ações e atividades
direcionadas a estes alunos, como: visitas monitoradas e saídas de campo e oferece orientações
junto aos profissionais da escola. O tema é parte das preocupações da equipe, inspirando grande
curiosidade nos docentes que, constantemente, abordam a temática e atualmente, 17 alunos são
atendidos, tendo suspeitas de altas habilidades/superdotação.
Portanto, quando fomos convidados a ministrar a formação de 5 horas, na escola,
tivemos impressões muito positivas, que vamos descrever a seguir:
Como tivemos mais tempo com a formação destes professores, organizamos nossa
exposição da seguinte forma: o que pensam os professores sobre o tema?; a situação da
invisibilidade; o conceito de altas habilidades, na produção científica da área; as noções da
meritocracia; dom e aptidão natural; noções sobre altas habilidades/superdotação; a escola em
uma visão total, suas dificuldades e como concepções teóricas impedem-nos notar/desenvolver
alunos com altas habilidades; protocolos de identificação; dúvidas dos docentes sobre o tema;
e, finalmente, solicitamos aos professores que respondessem uma avaliação sobre a formação.
Durante a apresentação, notamos, que quando a escola tem posições claras e definidas,
quanto ao seu percurso político e teórico, é bem mais simples aos educadores pensar sobre os
alunos talentosos.
De acordo com as teorias que embasam a Unidade, foi mais simples romper com as
noções redentoras da escola e superar as concepções geneticistas ou baseadas em determinismos
369
sociais simplistas. Os próprios docentes demonstraram-se preocupados com os usos, que as
grandes redes de ensino fazem, a partir da seleção destes educandos por bolsas de estudo e,
especialmente, como os discursos inatistas são preocupantes, ao tornar “biológicos” traços que
são, em essência, sociais, e como as noções de “dotação” leva a escola perder o sentido e sua
função social.
Os professores de Matemática: Lacerda, Mauro e Magno foram valorosos, pois,
explicaram como determinadas habilidades matemáticas não são aprendidas, espontaneamente,
mas, a partir do trabalho com determinados conteúdos. Quando se abre mão dos conteúdos,
permanecendo meramente no cotidiano, pensamos que os alunos dominam a Matemática,
quando conhecem, apenas, rudimentos de cálculo e lógica, não podendo adentrar em questões
matemáticas enfrentadas pelos matemáticos. Assim, criamos um círculo que impede que filhos
de trabalhadores sejam considerados superdotados, em Matemática, não sendo este um saber
que as pessoas utilizam e aprendem, na vida cotidiana.
As crianças das classes populares, em geral, chegam à escola sem os saberes
matemáticos, e a escola não ensinando os conteúdos, faz com que estes alunos sigam, sem
dominar a área. Tais saberes seguem negados, sendo que, quando chegam no ensino
fundamental II e têm contato com os matemáticos, o máximo que temos são alguns alunos
espertos e rápidos em cálculos mentais, mas, isto não seria suficiente para os docentes
considerá-los AH/SD.
Durante a formação, pudemos verificar que, ainda que os professores relatem ter pouca
formação específica no tema, não há um impeditivo para que as reflexões destes profissionais
sejam bem apuradas sobre altas habilidades/superdotação, bem como, a percepção de seus
alunos talentosos segue acompanhada do incômodo de não conseguir dar maior atenção a estes.
Temos deste modo, a confirmação de que a pouca formação, enquanto fator preponderante para
invisibilidade é constatada, parcialmente, uma vez que, ainda que estes docentes declarem não
ter formação específica, mostraram-se muito atentos e preparados, para debater a temática e
identificar seus “melhores alunos”.
Em relação aos mitos sobre altas habilidades/superdotação indicados sobre o tema como
razão da invisibilidade, não se confirmaram como questões importantes, para compreender o
fenômeno. O único mito que surgiu foi associar AH/SD à ideia de genialidade, fenômeno que
se apresentou inúmeras vezes nas falas dos docentes sobre o tema. Gostaríamos de
destacar algumas observações dos docentes, durante a formação, pois podem nos ajudar na
compreensão do problema de pesquisa. O professor Magno, em momento de conversa informal,
questionou sobre o papel da memória, nas altas habilidades/superdotação e como a ideia de uma
370
“certa” pedagogia, que ignora a memória, atrapalha os alunos em seu desenvolvimento;
exemplificou com os jogadores de xadrez, possuem coletâneas de jogos na memória, como
modelos.
Questionado sobre como se desenvolve a memória, se é fruto da biologia ou se trata de
algo que é ensinado, ligado às práticas sociais, o professor indicou que daí surge o papel do
mestre e da escola, afinal, apontam o que e quando memorizar, auxiliando, desta maneira, na
criatividade do educando e na habilidade acima da média.
O professor Cássio, docente de Educação Física nos questionou a respeito do seu filho,
que conquistou inúmeras medalhas em campeonatos e possui um grupo de amigos, onde todos
são muito talentosos. Assim, desejava saber o peso da ação do grupo, no desenvolvimento do
indivíduo, sendo que, ao observar tantos colegas talentosos, convivendo com seu menino e
sendo professor de fisiologia humana, indicava que a genética, apenas, não seria suficiente para
compreender o fenômeno. Parecia que docente intuía sobre o peso de sua influência, no
desenvolvimento de seu filho e no grupo de colegas.
Em conversa informal, questionamos quanto ao funcionamento do treino do atleta e
fatores determinantes para resultados positivos. Como resposta, obtivemos que a habilidade se
desenvolve com um misto de itens: habilidade motora, biótipo, treinador, treino, competição e
aprendizado com os colegas mais experientes somados, ainda, a própria experiência e prática.
Com todos os fatores citados, segundo o professor, faz-se um campeão, afirmando que o papel
da genética é mínimo, nas altas habilidades/superdotação, evidenciando o papel da escola e da
cultura neste processo.
Durante a formação, na escola, desenvolvemos uma avaliação com o grupo de
professores, com o objetivo de observar como receberam a formação e o debate sobre o tema
das altas habilidades/superdotação. O resultado das avaliações indica-nos alguns
comportamentos dos docentes em relação à temática, que nos aponta caminhos para que
possamos melhor compreender a invisibilidade das altas habilidades/superdotação.
O interesse e as dúvidas dos professores ficaram evidentes, em suas respostas, bem
como, demonstram que não há qualquer tipo de resistência, por parte dos educadores, em
abordar o tema, com citações, inclusive, sobre a importância de tratar de um assunto,
geralmente, negligenciado, como as respostas abaixo nos mostram:
Considerei esclarecedora a atividade de formação porque poucas vezes o assunto é
tratado nas escolas e até mesmo nos cursos universitários e de formação. Ainda tenho
muitas dúvidas em relação ao assunto e ao melhor encaminhamento de atividades com
esses alunos, mas sinto que avançamos, consideravelmente, apenas pelo fato de
tocarmos no assunto. (Professor 08)
371
Muito interessante e profundo. Não sabia praticamente nada sobre o assunto. Tinha
apenas ideias. Com a palestra ficou um pouco mais claro como diagnosticar e trabalhar
com esses alunos. Ficam muitas perguntas e como praticamente ajudar, em escola
pública, esses alunos.(Professor 09)
Realizamos um quadro com a tabulação das avaliações129, com a descrição da tipologia
de referências mais presentes, nas colocações dos docentes, que seguem na tabela:
Figura 90.
Categorias descritas pelos docentes: Quantidade de citações:
Derrubou mitos sobre o tema 11
Ampliou o olhar 11
Papel do meio social na constituição das AH/SD 08
Conceitos da área de AH/SD 06
Desmistificar a genialidade 06
Não sabia quase nada, tinha ideias e dúvidas 05
Superação do dom 05
Importante 04
Tema interessante 03
Percepção da falta de políticas públicas, na área: 03
Busca por protocolo de identificação 02
Seguem muitas dúvidas: 02
Os resultados das avaliações indicam caminhos interessantes a serem avaliados, em
primeiro lugar, chamou a atenção o fato dos itens mais repetidos pelos docentes, terem relação
com a “derrubada de mitos sobre o tema” e “ampliação do olhar sobre as altas
habilidades/superdotação”, cada uma sendo lembrada por 11 professores. Em nenhum
momento, falamos em mitos na formação, mas, é interessante notar que o próprio professor
sabe que tem opiniões sobre a temática, muitas vezes, baseadas em imaginários pautados no
senso comum. A descrição sobre a ampliação do olhar em relação ao assunto tem nítida ligação
com a superação, com a ideia de que os sujeitos alto-habilidosos seriam aqueles considerados
gênios. Durante a formação, esta foi a maior dificuldade a ser superada, nas ideias dos docentes
sobre o tema. Tal concepção teve tamanho poder, que surgiu nas avaliações como outra
categoria: “Desmistificar a ideia de gênios” que foi lembrada por 08 professores, assim,
verificamos que a superação desta ideia é condição fundamental para que processos de
identificação e atendimento sejam efetivados. A importância do debate sobre o conceito de
genialidade associada às altas habilidades/superdotação é verificada na resposta do professor
que se segue:
372
Achei interessante o momento de reflexão proporcionado ao desconstruir a ideia de
que os gênios nascem prontos e que há necessidade de aprender para poder evoluir,
valorizando o trabalho do professor. Outro aspecto que também destaco foi quando
citou e comparou as teorias da inteligência citando o dom, a hereditariedade e a
interação do individuo com a sociedade em que vive (O que faz toda diferença). O
pior foi perceber que não há interesse nas políticas públicas brasileiras em descobrir
esses alunos, a não ser em instituições particulares para autopromoção. Enfim
parabéns, adorei. (Professor 12)
Outras duas categorias descritas pelos professores, durante a formação, têm ligação
direta com a concepção teórica da escola e perspectivas dos professores sobre o assunto, que
foram as seguintes referências: “A influência do meio na constituição das altas
habilidades/superdotação” e “Conceitos sobre as altas habilidades/superdotação”, os quais
foram lembrados, respectivamente, por 08 e 06 professores, demonstrando o interesse dos
trabalhadores da educação sobre o tema, especialmente, no que tange a influência do meio
social dos estudantes, no desenvolvimento das habilidades, e qual seria o papel da escola neste
processo. Podemos verificar o interesse pela temática na exposição dos professores:
A formação trouxe conceitos que ampliam a formação pedagógica dos docentes em
relação as altas habilidades. Perceber assim, a problemática do tema possibilita atuar
de modo eficiente e competente na aprendizagem dos alunos. Reconhecer
coletivamente a dificuldade para o atendimento desses alunos é trazer novos objetivos
para o fazer (trabalho) educativo. Esse trabalho pertence, ou melhor, diz respeito a
qualidade das ações que se pretende alcançar no cotidiano escolar. Por isso, os
conhecimentos sobre altas habilidades nas escolas públicas, discutidos são
importantes para elucidar os caminhos escolares e suas perspectivas. (Professor 11)
Um fato marcante da palestra foi aprender que altas habilidades e superdotação não
tem nada haver com o indivíduo que domina tudo, de forma espontânea, como se fosse
o dom, entende que altas habilidades significa que o indivíduo é bom em determinado
assunto, rompe com o conceito do “The Best” em tudo, e me faz mudar meu olhar
para cada aluno no cotidiano escolar. (Professor 16)
O terceiro grupo de categorias lembrado pelos professores, na avaliação da formação,
cada um com 05 citações de docentes, indica alguns pontos relevantes de nossa pesquisa: cinco
professores disseram que, antes da formação, “não sabiam nada sobre o assunto. Em seguida,
lembrado pelo mesmo número de docentes, cinco, temos as referências à “superação da ideia
de dom”. Quanto a superação da ideia de dom, destacamos a resposta abaixo, como exemplo
do interesse dos professores sobre a questão das aptidões naturais:
Achei a conversa interessante e esclarecedora, quanto ao que realmente é
superdotação/altas habilidades. Ficou claro que são sinônimos e que não se trata de
uma criança que sabe tudo, sobre tudo e que já vem pronto. A criança com AH precisa
de atendimento especializado e assim como os outros precisa ser estimulada,
encaminhada, de acordo com as suas necessidades. Se isso não for notado pode até se
perder, por isso é necessário trabalhar essas habilidades, desenvolvê-las. Desse modo
é possível olhar atentamente nossos alunos e indicar crianças com possíveis altas
habilidades, afinal, algumas características são marcantes e se repetem. Foi
interessante também saber que existe material do MEC a respeito do tema, mas
373
infelizmente não é veiculado nas escolas e poucos tem conhecimento deste. (Professor
18)
Finalmente, o último grupo de categorias levantadas, a partir da leitura das avaliações,
com número de citações que vão de 04 a 02 docentes, é composto pelos itens que indicam que
os docentes consideram o assunto das altas habilidades/superdotação importante e interessante
de ser abordado pela escola, bem como, relatam desejoso de obter protocolos de identificação
que lhes pudessem auxiliar neste trabalho. Destacamos os 03 professores, que relataram
incômodo ao verificar, durante a formação, que existiam poucas ações do poder público visando
o atendimento a estes alunos. Como desconfiávamos, os professores são, profundamente,
interessados no tema das altas habilidades e em como ajudar alunos com rendimento superior
à média.
Importante que os professores do FUND.II sejam capacitados para identificar e
trabalhar com alunos de altas habilidades e superdotação. A falta de formação faz-nos
enxergar o aluno com AH/SD como um aluno apenas “mais esperto” ou “mais
interessado” que os demais, ou que se destacam da média porque tem uma família que
“investe” mais nele. Não há nos sistemas públicos estadual ou municipal um olhar
diferenciado para os alunos que estão acima da média. O investimento na investigação
das deficiências e síndromes é maior porque ela está diretamente ligada ao fracasso
escolar e os altos índices de repetência. E nessa dinâmica aqueles com AH/SD são
notados, mas não “merecem” investimento. (Professor 13)
6.4- As entrevistas
Entre as ferramentas utilizadas para coleta de dados da pesquisa, desenvolvemos
entrevistas com profissionais da educação da rede municipal, como forma de obtermos
informações com um caráter aprofundado e qualitativo.
Desenvolvemos duas entrevistas, com aproximadamente 45 minutos cada, com uma
diretora de escola da cidade e a professora responsável pela formação em educação especial dos
professores e gestores do município.
As entrevistas ocorreram nos dias 14 e 15 de abril de 2016, foram realizadas nas
dependências das escolas onde as profissionais atuavam, e ocorreram após contato via e-mail e
a escolha da melhor data, hora e local, pelas entrevistas.
Os objetivos das entrevistas eram verificar com profissionais renomados da rede de
ensino e com ótima formação entendiam a questão do atendimento as altas
habilidades/superdotação, bem como os motivos da invisibilidade segundo suas concepções, e
observar a partir de uma perspectiva qualitativa as questões até então analisadas a partir de
374
questionários, e dessa forma nos aprofundar no problema da pesquisa a partir do olhar de
profissionais qualificados.
A diretora escolhida é profissional reconhecida, na rede municipal e na cidade e, talvez,
seja a mais renomada profissional de direção do município, tendo dirigido inúmeras escolas da
rede. Assim, consideramos que a sua opinião estaria acima da média dos conhecimentos, dos
demais profissionais de gestão da rede. Professora de Língua Portuguesa, graduada na UMESP
e atuando na direção de escolas municipais, por mais de 2 (duas) décadas, a diretora que nos
concedeu a entrevista é profissional de destaque na região.
Realizamos a entrevista, em uma sala reservada para a atividade, na escola que é dirigida
pela entrevistada, em uma tarde escolhida pela profissional.
Conhecemo-nos como gestores educacionais, há quase 1 (uma) década, assim, a
conversa transcorreu de forma fácil e tranquila, por mais de 45 minutos. Em alguns momentos,
a profissional questionou-nos sobre o tema, uma vez que, não conhecia a temática de minha
pesquisa e a entrevista perpassou por alguns tons de bate papo informal.
A segunda entrevista ocorreu com a professora responsável pela formação dos docentes
da rede municipal, no tocante a educação especial. Professora da rede há mais de 2 (duas)
décadas, trata-se de um profissional de extrema competência e experiência, tendo atuado, em
inúmeras unidades de ensino da cidade, com os mais diversos tipos de deficiências e público da
educação especial.
Profissional muito séria e respeitada, conhecida pelo tom formal, causou-nos certo
receio de que a entrevista tivesse dificuldade para transcorrer, mas, assim que começamos a
conversa, percebemos a facilidade e naturalidade e, novamente, tivemos cerca de 45 minutos,
de um diálogo tranquilo e animado sobre as altas habilidades/superdotação.
As entrevistas ocorreram, como dissemos, após convite130 encaminhado por e-mail, no
qual apresentávamos a pesquisa e deixávamos o participante livre, para que aceitasse o convite,
escolhendo melhor local, data e hora, de modo que se sentisse à vontade.
Realizados os devidos esclarecimentos, as entrevistas foram gravadas, com a anuência
dos participantes. Optamos por seguir um roteiro orientador das questões apresentadas e
evitamos cadernos de notas e registros, no momento da entrevista, para não deixar o diálogo,
demasiadamente, formal e, também, a fim de que não perdêssemos momentos de interação com
o entrevistado, devido às paradas para tomarmos nota.
130 O convite realizado aos participantes, por intermédio do e-mail, está disponível em anexo, item -2.
375
Finalizamos a introdução da entrevista, explicando a necessidade do gravador e
garantido o anonimato do participante e da escola que o mesmo representava, conforme
processo desenvolvido no comitê de ética131 e autorização obtida junto à SEDUC132, bem como,
solicitando que os profissionais ficassem à vontade, para falar livremente sobre os assuntos da
pesquisa e que os interromperia, caso surgisse a necessidade de algum esclarecimento.
As entrevistas foram organizadas em 14 questões sobre o tema das altas
habilidades/superdotação, visando obter informações qualitativas sobre os principais assuntos
abordados, em nossa pesquisa. E ocorreram distribuídas em três momentos, com as questões
apresentadas aos profissionais, divididas da seguinte forma: introdução ao tema; a experiência
profissional e o cotidiano da escola; a invisibilidade: motivos e perspectivas.
A primeira questão: “Quando falamos em superdotação o que vem à sua mente?”,
pretendia verificar, as impressões iniciais do participante sobre o tema, aferindo se os chamados
mitos sobre a temática confirmar-se-iam.
Na sequência, questionamos os participantes sobre o possível contato com as altas
habilidades/superdotação, nos seus tempos como estudantes, objetivando levá-los a refletir, a
partir de algo concreto, como a sua experiência estudantil sobre o tema, uma vez que, muitos
relatam nunca ter trabalhado com alunos alto-habilidosos. Assim a pergunta: “Nos seus tempos
de estudante, você teve algum colega que na sua opinião, pudesse ser chamado de pessoa com
altas habilidades/superdotação? Como foi esta experiência na escola?
Ainda, na primeira parte da pesquisa, questionamos os profissionais sobre terem tido
algum tipo de formação, na área, em seu processo formativo. Na sequência, caminhando para
a reflexão mais direta sobre o tema da pesquisa, questionamos os participantes sobre em suas
opiniões, em como explicar a superdotação/altas habilidades, do ponto de vista de sua origem.
Assim, tivemos as questões: “Você teve alguma formação sobre o tema, em sua trajetória
acadêmica, formativa? Para você, o que explicaria a condição de superdotado?”.
Na segunda parte da pesquisa, temos um conjunto de 5 (cinco) questões, que buscam
obter informações do participante sobre as altas habilidades/superdotação, em sua experiência
profissional. Portanto, seguem as questões: “Em sua experiência como gestor e como professor,
já teve ou recebeu indicação de algum aluno superdotado? Pode descrever o caso? Você tem,
atualmente, na escola/rede algum aluno com altas habilidades/superdotação? Como está
131 O processo do comitê de ética da pesquisa apresentado aos participantes, por intermédio de e-mail, está
disponível em anexo. 132 A autorização da Secretaria Municipal de Educação para as visitas às escolas e entrevistas com os
profissionais, esta disponível em anexo.
376
sendo?”. Solicitamos, também, a descrição de algum caso de altas habilidades/superdotação,
como forma de aprofundar as informações sobre a realidade de trabalho com estes estudantes.
Ainda, nesta parte da pesquisa, perguntamos aos profissionais sobre temas objetivos do
trabalho com os estudantes alto-habilidosos, desta forma, as questões: “Você teria dificuldade
em trabalhar com crianças com altas habilidades/superdotação? Você saberia identificar um
aluno com altas habilidades/superdotação? Como você acha que é a experiência de um aluno
com altas habilidades/superdotação, na escola?”. Visávamos ouvir os participantes em relação
às dificuldades que estes pudessem enumerar sobre o trabalho com superdotados, sua avaliação,
quanto a própria condição de identificar estes estudantes e a forma como imaginam a vida destes
educandos, na realidade escolar.
A questão sobre problemas no trabalho e identificação buscava informações sobre o
tema, a partir do olhar de professores qualificados. Logo, seria razoável concluir que se estes
apresentassem problemas e dificuldades, na identificação, a rede, como um todo, teria
dificuldades, ainda maiores e mais profundas.
Após este percurso de introdução, reflexões iniciais, questionamentos sobre a
experiência cotidiana, com as altas habilidades/superdotação, finalmente, chegamos ao tema da
pesquisa: a invisibilidade dos estudantes com altas habilidades/superdotação.
Deste modo, o grupo de 05 (cinco) perguntas que se seguem e finalizam a entrevista,
estiveram ligadas à busca de informações sobre como os profissionais entendiam a
invisibilidade das altas habilidades/superdotação, em nossas escolas.
A primeira pergunta: “Em sua opinião, por que é tão raro um docente identificar ou
encaminhar um aluno com altas habilidades/superdotação?”. Vai direto ao ponto e deseja ouvir
os profissionais responsáveis pela gestão e pela formação dos professores, quais seriam os
motivos da subidentificação de alunos alto-habilidosos.
Buscando avançar para além da percepção que atribui, apenas, ao docente as
responsabilidades e motivos da não identificação, a pergunta: “Por que alunos com altas
habilidades/superdotação recebem tão pouca atenção?”, visa compreender, por meio do olhar
das entrevistadas, como avaliavam a atenção recebida pelos alunos talentosos e como a
explicavam, de modo que pudéssemos verificar o peso atribuído ao fracasso escolar, na questão
da invisibilidade.
Ainda, na senda de verificar como o fracasso escolar e a invisibilidade relacionavam-se,
na percepção dos profissionais entrevistados, segue a questão: “Em sua opinião, existe alguma
relação entre altas habilidades/superdotação e classe social?”.
377
Nas duas últimas perguntas, novamente, retornamos à questão da invisibilidade com
uma reflexão sobre os motivos, segundo o entrevistado, para explicar o reduzido número de
crianças e adolescentes alto-habilidosos, em nossa realidade educacional, a questão: “Em sua
opinião, por que temos tão poucos alunos com altas habilidades/superdotação em nossa
realidade educacional, classes, escolas, redes de ensino?”, esta questão foi seguida pela
pergunta: “Que perspectivas você imagina para um aluno com altas habilidades/superdotação,
na rede pública?”, que tinha o objetivo de levar os entrevistados a refletir sobre as condições
de ensino dos alunos com altas habilidades/superdotação e finalizar a entrevista.
Ao longo do processo de pesquisa, tornou-se evidente que não poderíamos finalizar
nosso trabalho de campo, sem ouvir, exatamente, os maiores interessados no tema da pesquisa:
os estudantes com altas habilidades e desta forma, tínhamos, inicialmente, a pretensão de
entrevistar jovens com altas habilidades, de nossa rede de ensino, porém, como realizar tais
entrevistas, se não temos alunos identificados pelas escolas como alto- habilidosos?
Neste sentido, decidimos utilizar uma metodologia que consideramos mais objetiva e
efetiva¸ que descreveremos. Ao longo dos últimos 6 anos, ou seja, desde 2011, participamos de
um projeto comunitário que, com a ajuda de mais 5 colegas professores, desenvolve um
cursinho preparatório para pessoas interessadas em tentar uma vaga, no ensino médio ou nos
cursos profissionalizantes, do Centro Paula Souza/ETEC e do Instituto Federal de Ensino de
São Paulo/IFSP, ambos modelos de educação pública de qualidade e conhecidos devido as
duras e concorridas provas para ingresso.
Neste período, formamos 12 turmas que, a cada semestre, prestam as provas de ingresso
nas escolas, totalizando mais de 250 estudantes, dentre estes muitos alunos despertaram-nos a
desconfiança de que seriam candidatos à identificação para altas habilidades/superdotação.
Ao longo de 2016, tivemos uma turma, especialmente, talentosa e com muitos jovens
que apresentavam rendimento acima da média, desde as primeiras aulas, em março.
Dentre os estudantes que nos chamaram a atenção, alguns obtiveram a aprovação, na
ETEC, já na prova do meio do ano, que realizaram como treineiros, ainda que não tivessem
concluído o ensino fundamental. Ao término do ano letivo, de um total de, aproximadamente,
30 (trinta) alunos, tivemos 12 (doze) aprovados nos cursos da ETEC ou IFSP, que hoje estudam
nestas instituições. Assim, decidimos que entrevistaríamos aqueles alunos que,
consensualmente, os professores do cursinho suspeitassem de possíveis casos de altas
habilidades/superdotação, devido ao desempenho e resultados, ao longo do ano de 2016.
Entre os alunos tínhamos, inicialmente, 4 rapazes e 2 meninas que seriam entrevistados,
mas uma das moças acabou faltando, nas ultimas aulas do cursinho, assim, apenas uma menina
378
foi entrevistada. Amenina entrevistada é dedicada, esperta e chama atenção pela forma rápida
e atenta como acompanha as aulas no cursinho, com observações perspicazes e conhecimentos
que a maioria dos alunos da turma não dominam, chamando atenção por seu potencial.
Entre os rapazes, entrevistamos 2 alunos da rede municipal de Cubatão, sendo que
ambos já haviam sido aprovados, no exame da ETEC, no meio do ano e, agora, haviam obtido
aprovação, nas provas da ETEC e IFSP, garantindo ingresso, em2017.
O primeiro destes estudantes, jovem, negro e morador de um bairro da periferia
cubatense, foi aluno na escola, em que atuamos como gestor, quando tinha 6 anos de idade e
pudemos acompanhar toda a sua trajetória, ao longo do ensino fundamental. Dedicado e
inteligente é, sem sombra de dúvida, um aluno que se destaca, desde a educação infantil e
confirmou as suspeitas de seu potencial, sendo um dos melhores alunos da escola de ensino
fundamental. Aprovado na ETEC, no exame do meio do ano, obteve rendimento acadêmico
excelente, em toda sua trajetória escolar e encerrou 2016 com a medalha de bronze, na OBMEP
2016 e conseguindo mais de 70% de acertos, nas provas da ETEC e IFSP, no fim de 2016,
garantindo sua vaga no ensino médio, em ambas escolas.
O outro menino cubatense é aluno de outra escola pública de periferia da cidade, na
qual, inclusive, realizamos formação sobre o tema, com diversos professores, tendo-o citado
como exemplode aluno com altas habilidades. Seu nome foi indicado ao cursinho, devido a este
potencial verificado pelos docentes e por ser morador de um bairro muito pobre da cidade,
sendo que o aluno teve sua condução para o curso preparatório, custeada pela APM (Associação
de Pais e Mestres) da escola onde estuda.
O jovem tímido e de família simples possui uma trajetória escolar, também, de destaque,
desde os primeiros anos do ensino fundamental, sendo aprovado na ETEC, no meio do ano, e
encerrando 2016 como classificado, em primeiro lugar, no “Câmera Educação”: um concurso
de redações promovido pela principal emissora de televisão da região, onde milhares de
estudantes, de todas as escolas da Baixada Santista, concorrem. O jovem obteve, ainda, a
medalha de ouro, na OBMEP 2016 e foi aprovado, nas provas da ETEC e IFSP, com 80% de
acertos, garantido sua vaga em ambas escolas.
O último aluno, da turma de 2016, entrevistado é aluno da rede pública estadual, na
cidade de São Vicente. Profundamente interessado, muitas vezes, monopolizando os debates na
aula, com os professores, nada parece que o distrai, o que desperta comentários entre os colegas
e estranheza entre os professores.
Um jovem tímido e franzino que pouco interage com os demais alunos, de uma família
simples e pobre, muitas vezes, chegou às aulas de bicicleta, após cruzar um percurso de mais
379
de 10km, de sua casa até o curso. Aparentemente, recebe menos incentivo de sua escola que os
rapazes cubatenses e, por este motivo, não relatou ter participado de nenhum curso ou concurso
acadêmico, em 2016. Extremamente dedicado e contando com uma virtuosa memória,
destacou-se como um dos melhores alunos da turma e terminou sendo aprovado, nos exames
tanto da ETEC como no IFSP. Atualmente desenvolve estagio em realidade aumentada, como
estagiário, após ter sido aprovado em seleção que contou com dezenas de candidatos e tendo
recentemente se submetido a um transplante de córnea e assim tendo participado da seleção
durante sua recuperação.
Cabe destacar aqui uma exceção, o aluno D. era o único mais velho do grupo, tendo 17
anos, não sendo membro da turma de estudantes de 2016, pois, estudou no cursinho, em 2013,
tendo sido aprovado, entre os primeiros colocados, para cursar o ensino médio na ETEC
“Aristóteles Ferreira”, tradicional escola de Santos. Em 2016, D. retornou ao cursinho por dois
motivos: juntou-se aos demais professores e passou a lecionar Língua Portuguesa.
As entrevistas foram realizadas, Na instituição onde o curso pré-vestibular funciona, no
dia 03 de dezembro de 2016, no decorrer das aulas, enquanto outros professores seguiam com
o conteúdo. Convidamos os estudantes selecionados para que, individualmente, contribuíssem
com a pesquisa, sendo informados sobre o estudo e anonimato de suas identidades.
As entrevistas foram gravadas, e como são tímidos e jovens, realizamos um diálogo
curto e objetivo, pois, os meninos, rapidamente, ficavam inibidos com a situação, mas, ainda
assim, forneceram-nos relevantes informações sobre a percepção dos estudantes, que são
possíveis alto-habilidosos, sobre suas experiências escolares.
A primeira pergunta: “Você já ouviu falar em superdotação e em altas habilidades?”,
buscava verificar as informações junto aos alunos, com rendimento superior à média dos
estudantes, sobre os termos utilizados para se referir ao público, o qual, talvez, eles próprios
fizessem parte.
A segunda pergunta buscava informações sobre a forma que os estudantes percebiam
seu rendimento, em relação aos demais colegas e a que atribuíam esta diferença. Assim,
indagamos :“Você acha que aprende mais rápido que os outros alunos?”
Perguntamos a estes alunos, como avaliam sua condição intelectual relacionada aos
demais estudantes e que explicação tinham para seu potencial destacado, desta forma, seguem
as questões: “Você acha que é mais inteligente?” e “De onde vem sua inteligência?”foram
feitas para avaliarmos como explicavam sua condição.
380
Na sequência, o segundo grupo de questões ateve-se à experiência escolar dos
educandos, as perguntas foram: “Como é estudar com alunos que aprendem mais devagar?
Como é a escola para você? Porque você gosta de estudar?”.
Buscando verificar como as áreas de interesse ligavam-se ao desempenho que
observamos, em sala de aula, ao longo de 2016, perguntamos aos entrevistados: “O que você
pretende no futuro? e Quais são suas preferências nos estudos?”.
Finalmente, realizamos as perguntas que mais, diretamente, relacionavam-se com o
tema da invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação: “Os professores sabem
de sua inteligência? O que fazem com isso? e “Você se considera alguém com
superdotação/altas habilidades?”. Um ponto importante é que nenhum estudante apresentou-
se surpreso, com a abordagem do tema em relação a si e nem contrariou a noção de que teria
potencial superior, bem como, souberam indicar outros estudantes que consideravam suspeitos
de altas habilidades/superdotação, entretanto, nenhum se definiu como superdotado.
6.4.1 – Análise das Entrevistas
[...] O Renan era um...Eu falava: -Renan, você vai ser músico. Ele falava isso
textualmente: - Eu vou ser músico! Eu não preciso disso aqui. -Então, mas assim: -
Agora você precisa! Né! Você precisa passar de ano, você precisa se livrar disso aqui!
Nem que seja pra você se livrar disso aqui, você precisa!(diretora entrevistada durante
a pesquisa)
A análise das entrevistas foi baseada nos trabalhos de LANG (2000) e desta forma
entendemos que a pesquisa com fontes orais e o trabalho com entrevistas não se esgota na
entrevista e transcrição da mesma, consideramos que o documento deve ser analisado e precisa
ser levado a falar sobre o problema da pesquisa, e seguimos a autora na forma como se filia ao
pensamento de Bertaux (1980):
“A análise se realiza ao longo da pesquisa, consistindo em construir progressivamente
uma ‘representação’ do objeto sociológico. Nela se investe um máximo de reflexão
sociológico e um mínimo de procedimentos técnicos. É na escolha dos informantes,
na transformação do questionamento de um informante a outro, no hábito de descobrir
indícios de processos até então não percebidos e de organizar os elementos de
informação em uma representação coerente, que se mostra a qualidade da análise [...]”
(Bertaux, 1980, p.212-213).
Também nos filiamos aos trabalhos de Demartini para o trabalho com fontes orais e, a
partir destes, pensamos no planejamento, execução e análise das entrevistas, destacamos os
trabalho de DEMARTINI (2013), onde a autora reafirma os trabalhos de Bertaux como
381
referência para pensarmos no trabalho com fontes orais e metodologia para a sua realização e
análise. Quanto as análises do material obtido, seguimos a autora que observa:
Assim, o estudo de memórias implica, a nosso ver, num envolvimento e
questionamento contínuo do pesquisador, colocando em questão, a todo instante, o
referencial teórico do qual se parte, e a própria forma como se faz ciência.
(DEMARTINI, 2013, P. 240)
Trabalhando com um número reduzido de entrevistas, por limitações estruturais e
operacionais, decidimos tratar os documentos como Demartini (2013), que se propõe filiar ao
conceito de depoimento de Maria Isaura Pereira de Queiroz. Desta forma, tentamos seguir um
roteiro estabelecido e buscando restringir a entrevista aos temas e categorias, previamente,
estabelecidos, de modo a obter respostas dos participantes sobre a temática, ainda que, por
alguns momentos, a entrevista tenha se encaminhado para questões mais amplas sobre
educação. As entrevistas não tiveram uma abordagem psicológica, pois pretendemos resgatar
informações objetivas da experiência dos participantes com o tema da pesquisa e, assim, as
questões mais subjetivas da experiência dos entrevistados não constaram entre as nossas
prioridades.
A análise das entrevistas com os alunos, com indicadores de altas habilidades,
possibilitou-nos verificar a ocorrência de algumas categorias de análise que buscamos, quando
construímos o roteiro da entrevista, tais como: “A consciência de seu rendimento superior à
média e as explicações para este fato”; “A forma como se relacionam com os conteúdos
escolares e organizam seus modelos de estudos”; “As experiências escolares de alunos com
potencial elevado, na escola”; e, finalmente, “A percepção dos docentes sobre potencial dos
estudantes talentosos e suas estratégias de atendimento a estes”.
Durante as entrevistas, com os estudantes, pudemos constatar alguns traços
interessantes, em primeiro lugar, todos apontam que consideram que aprendem com maior
facilidade e rapidez, em relação aos demais estudantes, apresentando, talvez, um dos
indicadores mais importantes para orientar a identificação de estudantes alto-habilidosos, que é
a facilidade de aprendizado. As afirmações de M. e J. não deixam dúvidas quanto a esta
situação, pois, quando perguntados, se consideravam que aprendiam mais rápido que os demais
estudantes, as respostas foram:
“Eu acho que sim, porque assim, na escola quando passa uma coisa uma vez, eu já
consigo pegar. E nem preciso estudar mais não!” (J.)
“Acho que eu tenho mais facilidade.” (M.)
382
Entretanto, alguns alunos destacaram fatores que devem ser levados em consideração e
poderiam contribuir para a superação dos ditos mitos sobre as altas habilidades/superdotação,
os alunos J.A e J. relatam:
“Depende da Matéria! Se for exatas, sim.” (J.A)
“De vez em quando, sim!”(E.)
As respostas dos estudantes deixa evidente que estes têm consciência de sua condição
diferente, em relação ao aprendizado da turma, tal condição verifica-se, na facilidade de
aprender mais rápido e, aparentemente, com menos estudos que os demais estudantes.
Entretanto informam que suas facilidades dependem da área do conhecimento.
Com o objetivo de verificar se os alunos tinham algum conhecimento prévio sobre o
tema da pesquisa, questionamos se tiveram, alguma vez, ouvido falar de altas
habilidades/superdotação e obtivemos respostas positivas de três, dos quatro estudantes
entrevistados.
Questionamos os alunos sobre o que sabiam em relação ao tema e suas respostas
indicaram-nos um nível de conhecimento, capaz de colocar em dificuldades a tese de que os
docentes desconheceriam o tema, ao ponto de lhes impedir de identificar alunos com
características de altas habilidades/superdortação. Meninos de 14 anos, ainda, no ensino
fundamental, são capazes de descrever, com certa proximidade, o conceito geral de altas
habilidades/superdotação, citando pessoas que, segundo sua avaliação, seriam exemplos destes
casos: como E. e J.A., referindo-se à ideia de Q.I.:
Que tem gente que tem Q.I. mais avançado! (J.A.)
São pessoas que tem capacidades além do que a gente desenvolve. Assim, o Einstein
tinha uma capacidade pra matemática, muito além do tempo dele. Então,
superdotados são pessoas que têm capacidades além! (E.)
As respostas de E. e J.A. demonstram que os estudantes trazem informações sobre o
tema e, também, devem nos alertar para a presença de mitos, nas concepções que trazem à
temática, como: a associação de altas habilidades/superdotação e Q.I com a ideia de genialidade
verificada, a partir da referência a Albert Einstein, como exemplo de pessoa alto-habilidosa.
As reflexões de E. sobre o conceito de altas habilidades merecem especial atenção, na
forma como elabora seu pensamento, no tipo de conceituação que faz do tema, afinal, quando
questionado se conhecia o termo “altas habilidades”, o aluno respondeu que não, mas:
“Não, assim, altas habilidades dá pra você, assim, tirar um conceito, né?”
Surpreendidos com a resposta do aluno, pedimos que seguisse seu raciocínio e
trabalhando com a ideia de conceitos e sentido das palavras, realizou uma descrição de altas
383
habilidades muito próxima das definições das pesquisas científicas, indicando que os
professores, certamente, são capazes de elaborar tal tipo de raciocínio, vejamos:
Você ter uma alta habilidade que você, tem, é... Como se pode dizer, você domina
algo, você tem uma dominação maior naquele tipo de ah... (pensando) Matemática,
por exemplo, você tem habilidade na matemática, você tem uma alta habilidade quer
dizer: você domina muito matemática. (E.)
Podemos verificar a diferença profunda entre escolas que desenvolvem trabalho com o
tema das altas habilidades/superdotação e as demais. Nas falas do aluno J., estudante da única
escola, da rede municipal, que desenvolve programa sistemático de atendimento aos educandos
com suspeitas de altas habilidades/superdotação, entre os entrevistados foi o único que tinha
professores que haviam recebido formação, na área e questionado sobre o que ouviu falar sobre
o tema, o menino diz:
“Na minha escola, assim, os professores, eles falam que eu tenho isso! Porque eu me
destaco mais que os outros nas atividades, estas coisas!” (J.)
Ainda, no início da entrevista, buscando verificar a concepção dos estudantes sobre seus
potenciais intelectuais em relação aos demais, perguntamos se achavam que eram mais
inteligentes que os outros alunos, situação em que todos os entrevistados responderam que não,
indicando, talvez, um dos primeiros dilemas, na identificação de alunos alto-habilidosos: que é
o fato de viverem em uma sociedade, onde aprendem que se dizer superior a alguém seja traço
de falta de modéstia.
Diante da negativa dos estudantes relacionada a serem mais inteligentes que os demais,
perguntamos como explicavam, então, a maior facilidade de aprendizado e resultados
superiores, que haviam assumido ter, em relação aos colegas. As respostas dos alunos
demonstram como, os educandos são capazes, desde jovens, a recorrerem à ideologia da
meritocracia, para justificar situações, em que se vejam diante de contradições. Os alunos
sustentaram a posição contraditória de afirmar que tinham maior facilidade em aprender que os
demais, relacionando a situação à ideia de maior esforço, ao dizerem:
Eu presto mais atenção! (J.A.)
Mais inteligente não, eu acho que eu me esforço mais que os outros e, também, é
natural. (J.)
Não, eu sou mais esforçado! (M.)
Não, eu acho que todo mundo tem capacidade de ser, entendeu? Tipo, vai da pessoa;
se a pessoa se esforça, ela consegue ser inteligente, não digo mais inteligente, mas
acho que eu tenho mais facilidade com a matéria. (E.)
É assim que entendem a relação entre desempenho e potencial acadêmico. A aluna J.A.
relacionou seus resultados positivos ao fato de prestar mais atenção às aulas. Entretanto, os
alunos E. e J. ao dizerem que “é natural” e “mas acho que eu tenho mais facilidade com a
matéria”, indicam que a explicação do esforço não lhes satisfaz, completamente.
384
Perguntamos ao aluno J. se conhecia alguém com altas habilidades/superdotação e, sem
titubear, ele disse que seu irmão mais velho, um jovem com história de grande sucesso escolar
que, atualmente, estuda na UFABC. J. relata que este irmão sempre teve sucesso, na escola e
que se espelha muito, na trajetória escolar do irmão, para pautar sua dedicação e esforço aos
estudos. Indica, também, o orgulho que os familiares têm do mesmo e seu desejo de lhe seguir
os passos, em uma universidade pública, diz:
Meu irmão tem isso! [...]Porque ele sempre se destacou, desde a escola pública onde
ele estudava e, agora, ele está numa escola, ... numa boa faculdade pública (UFABC).
E sempre se destacou![...] Desde pequeno, eu acho que sou assim, me destaco, porque
eu me espelhei nele, desde pequeno. (J.)
A fala de J. demonstra o peso que um modelo de sucesso tem, na trajetória escolar de
um aluno. E como a posse de certo capital cultural a respeito do funcionamento do sistema de
ensino, por meio do pioneirismo do irmão, em ingressar em uma universidade pública, muda
horizontes e atribui sentidos aos estudos.
Trabalhando com a concepção de altas habilidades e como os estudantes explicam seu
rendimento, fizemos a seguinte pergunta: De onde que acha que vem a tua inteligência?
As respostas dos entrevistados indicam-nos o quão profundo e complexo são as
avaliações dos alunos sobre seu processo de desenvolvimento, bem como, que têm a exata
noção de sua capacidade e, inclusive, trabalham para a desenvolver. Dizem-nos os alunos:
[...] (Sorrindo), Não sei! (J.)
Eu tenho boa memória! (M.)
Ah ! do Cérebro! (E.)
Não sei, sinceramente não sei, porque a minha mãe, assim, ela parou na quinta série,
meu pai só terminou os estudos, depois que já era adulto e eu e meu irmão nascemos
assim! (Já menos tímido e demonstrando orgulho de estar sendo entrevistado e muito
à vontade na atividade.) (J.)
Diante da questão que lhes propunha explicar suas inteligências, os alunos demonstram
já ter refletido sobre o tema. Em primeiro lugar, nenhum aluno contesta o entrevistador, diante
da afirmação de que são, profundamente, inteligentes; todos concordam com a afirmação e,
assim, passam a buscar explicações. Enquanto o falante E. sai com uma resposta óbvia, dizendo
que o seu cérebro seria o responsável pela sua inteligência, M. mostrando clareza sobre o seu
processo de aprendizado, recorre a uma característica sua, a qual demonstra conhecer e busca
desenvolver: sua memória prodigiosa. M. associa seu potencial intelectual a sua capacidade de
guardar e recuperar conhecimentos, neste ponto, lembramos que uma das descrições dos
professores, no questionário da pesquisa, sobre característica de sujeitos com altas
habilidades/superdotação foi, exatamente, esta condição de guardar e recuperar informações,
rapidamente. Cabe destacar, que durante as formações realizadas com docentes, o professor
385
Magno, também, descreveu o potencial intelectual, fortemente, ligado à ideia de posse de boa
memória. Estas concepções de docentes e alunos sobre uma função psíquica superior e a
tradição do senso comum, de associar memória à capacidade inata, demonstra-nos o quão
importante é estudarmos a produção de neurocientistas e de Lev Vigotsky sobre o conceito de
memória.
J.A e J. não apontam a explicação para suas inteligências, mas, suas respostas
demonstram que sabem como é complexa explicação para tal pergunta. J.A, diante do
questionamento, sai com um sorriso maroto que indica reconhecer seu potencial, mas, não
possui clareza de como explicar esta condição. O jovem J. o aluno com o talento mais
reconhecido entre os entrevistados (tendo recebido, naquele ano de 2016, diversos prêmios de
mérito acadêmico), tendo a família mais pobre de todos os alunos, o que nos indica a
profundidade de sua reflexão, que vai muito além das explicações que professores e
pesquisadores, por vezes, apresentam, de modo apressado. J., em sua resposta, demonstra saber
que o sucesso acadêmico e potencial intelectual dele e do irmão são improváveis, devido ao
pouco estudo de seus pais e, mesmo improvável, diz que ele e o irmão “nasceram assim”, tal
tipo de concepção demonstra o peso das ideias baseadas em inatismo, quando falamos de altas
habilidades, especialmente, em alunos de famílias pobres.
O aluno E. ao ser questionado sobre sua resposta de que a inteligência viria do cérebro,
ri da obviedade do fato, porém, quando indagado sobre seu cérebro ter alguma diferença,
verificamos a profundidade da reflexão, de um jovem de 14 anos, sobre tema tão complexo, ele
diz:
ENTREVISTADOR: Tu acha que teu cérebro então é diferente, o quê?
E.: Eu acho que, conforme você estuda, você força ele em algumas coisas, você
desenvolve um pouco mais, então, acho que o cérebro depende do exercício que tu
faz com ele! Entãode um certo modo sim. O meu é mais desenvolvido por causa da
forma como eu trabalho com ele.
ENTREVISTADOR: Entendi... E porque você trabalha com ele desta forma?
E.: É porque, tipo assim, eu tenho mais gosto, como eu falei, pra matemática, então,
eu tento desenvolver, eu desenvolvo ele pra matemática, porque eu quero tentar criar
os meus meios na matemática, um livro, eu acho que eu desenvolvo ele assim, no
estudo estas coisas!
A resposta de E. apresenta a clareza da concepção do aluno sobre a forma histórica e
social, com que as capacidades/habilidades se desenvolvem, e demonstra a sofisticação de suas
reflexões e concepções de inteligência. O aluno não tem dúvida de que seu cérebro é diferente
da maioria dos alunos devido ao tipo de uso/exercício a que, intencionalmente, submete seu
cérebro e, quando questionado sobre os motivos de trabalhar desta forma com o cérebro,
podemos verificar o sentido que os estudantes têm ao buscar os estudos e que nada de natural
verificamos, no desenvolvimento de suas habilidades.
386
6.4.1.1 - Os hábitos de estudo dos indivíduos com suspeitas de AH/SD
Buscando entender como era o comportamento dos alunos entrevistados, durante as
aulas e sua relação com seu desempenho acima da média, fizemos perguntas sobre suas formas
de estudar e comportamento durante as aulas, e as respostas indicam fatores importantes para a
reflexão e compreensão das altas habilidades.
J.A. e E., por exemplo, indicam que têm maior facilidade para os conteúdos da área de
exatas e destacam o fato de aprenderem o que lhes foi ensinado, rapidamente, sendo, segundo
a moça, esta a explicação para seus desempenhos. Os alunos indicam que, em outras áreas,
como humanidades, encontram maior dificuldade, mas, devido a seu esforço, conseguem
dominar os conteúdos. Sobre a facilidade, em exatas afirmam:
Entrevistador: Exatas você aprende mais rápido? Como é que funciona, assim, na sala
de aula? Por exemplo.
J.: Na sala de aula? Na minha sala de aula? Eu tenho... quando a professora explica
assim, uma vez, de matemática, eu pego rapidinho! Aí eu explico pro pessoal. Agora,
português eu tenho que parar e pensar mais.[..] Mas aí eu pego!
E.: Quando eu pesquiso, tipo assim, eu procuro, eu aprendo mais, eu absorvo mais,
então, eu acabo absorvendo mais a lição do que eles (demais alunos). Então, eu
aprendo um pouco mais rápido.[...]Eh...assim, eu sou mais rápido nas de exatas, então,
eu pego com mais facilidade. Têm algumas de humanas que eu também pego com
mais facilidade, em outras eu já tenho mais...igual a todo mundo.
M. revelou a mesma facilidade, na área de exatas dizendo:
Entrevistador: É, tu tem alguma preferência de estudo? Alguma coisa que te interessa,
te chama a atenção?
M.: Que tenha números: matemática, física, porque fica mais fácil quantificar as
coisas.
Uma das chaves para a compreensão do talento e rendimento da menina pode ser
verificada, na forma como ela mobiliza uma função psíquica superior, descrita por Lev
Vygotsky: a atenção. Um dos maiores especialistas em altas habilidades/superdotação, Joseph
Renzulli, alerta para uma característica que pode ser, de certo modo, aproximada à atenção, que
é o envolvimento com a tarefa. J.A. e M. indicam que prestam muita atenção, durante as aulas,
especialmente, em matemática. Nas demais disciplinas, dizem conseguir atingir os objetivos,
mas, encontram maior dificuldade em se concentrar nas aulas, se dedicar aos estudos e,
consequentemente, possuem maiores dificuldades.
A descrição dos alunos aponta o papel que o prazer, ou sentido atribuído pelos
indivíduos a uma determinada área, tem relação direta com a capacidade de se manter atento e
envolvido com a tarefa, obtendo rendimento superior do que nas demais áreas. Outro ponto
387
importante, que pudemos verificar, no comportamento dos alunos, indicando que devemos
suspeitar de concepções inatistas das altas habilidades, é verificar que os alunos têm hábitos de
estudo definidos e consistentes, demonstrando que, além de prestar atenção, nas aulas que
gostam mais, costumam fazer resumos de todos os conteúdos estudados e obviamente, estas
atitudes têm relação direta com os resultados positivos e potenciais superiores. Vejamos o que
as palavras de J. e M. dizem-nos:
Entrevistador: Então, quando a professora está falando, você sempre está prestando
muita atenção?
J.: Em matemática, sim!
Entrevistador: Tu é mais esforçado, como é que funciona, assim, na escola?
M.: Como funciona? Basicamente, o professor quando ele passa a matéria, eu sempre
procuro fixar mais, na mente, o que ele passa. [...]Então, eu acabo entendendo mais
rápido do que os outros.
Sobre os Hábitos de estudos os alunos esclarecem:
Entrevistador: [...]Como é que funciona pra você estudar História, por exemplo, que
é uma coisa que você tem mais dificuldade?
J.A.: Eu leio, aí eu faço um resumo disso.
Entrevistador: Entendi... Tu estuda sozinha?
J.A.: Em casa? [...] às vezes, dependendo de minha necessidade. [...] Às vezes, as
minhas amigas, que fazem curso aqui, elas pedem pra mim ajudar elas em casa!
Entrevistador: Entendi. Tu costuma estudar sozinho?
M: Ah.... depende do quanto eu preciso. Geralmente, eu costumo estudar de forma
diferente. Eu costumo fazer uma atividade física, enquanto eu falo as coisas que eu
memorizei, porque me ajuda a lembrar!
E. diz que não costuma estudar sozinho, ele diz que prefere contar com um professor,
para que possa obter informações e esclarecer dúvidas, estratégia eficaz e incomum entre os
alunos das escolas brasileiras, sobre seu modo de estudar clarifica:
ENTREVISTADOR: Tu estuda sozinho?
EL: De vez em quando, eu não gosto muito, porque as vezes eu quero, sei lá perguntar
e me vejo limitado. Sei lá, não consigo criar meios de estudo, então, por isso que eu
procuro mais os professores, para criar meios de estudo pra mim. [...]até para
esclarecer as minhas dúvidas. Eu acho que eu tenho necessidade de ter um professor
comigo, mais que a internet, entendeu?
6.4.1.2 - A experiência escolar dos alunos com AH/SD.
Com o objetivo de investigar como eram as experiências escolares dos indivíduos alto-
habilidosos e, diante de uma rede de ensino que não possui alunos com tal perfil identificados.
questionamos-lhes sobre suas experiências escolares e suas respostas confirmaram as hipóteses
da pesquisa e os dados descritos pela bibliografia especializada, no assunto. Em geral, os alunos
descreveram dificuldades e insatisfação, em suas vivências escolares, bem como, têm
388
consciência de que se prejudicam, nestas situações, buscando formas de minorar as perdas que
julgam ter e o tédio que, por vezes, acomete-lhes. Perguntamos aos entrevistados como é
estudar junto aos alunos que aprendem em ritmo mais lento e as respostas oferecem indícios da
importância de pesquisas sobre a invisibilidade dos alto-habilidosos:
ENTREVISTADOR: Como é pra ti, por exemplo, ficar na sala de aula com os alunos
que aprendem mais devagar?
E.: É chato! Pra caramba! Porque, às vezes, tu tem perguntas, tu tá mais além, e o
professor tem que ficar parando, voltando por causa do pessoal, então, é mais chato.
Se tivesse alguém no teu nível, que se desenvolvesse da mesma forma, as pessoas até
falam, se tivesse cinco E.s (fazendo referência a si mesmo), na sala, era mais rápido,
então, eu acho que seria melhor, até porque a gente ia aprender mais coisas.
J.: Eu não gosto muito, porque... eu acho que eu podia estar aprendendo mais, eu já
pensei nisso, na escola, porque os outros estão aprendendo coisas que eu já entendi há
muito tempo, já dava para ter entendido mais rápido!
J.A: Acho que eu tenho que ter paciência! (fala tímida e baixinho), [...]Chato! [...]Ah,
porque eu já sei!
M.:Eh... Geralmente, fica um pouquinho, como eu posso explicar, eu meio que... não
me atraso,eu fico limitado!, Eu não posso aprender mais coisas, porque eu tenho que
esperá-los.
As respostas dos estudantes deixam evidente o desconforto que ocorre, em sala de aula,
quando precisam aguardar os demais colegas, mesmo que já tenham dominado o conteúdo que
está sendo ensinado.
Tentando avaliar como são as experiências escolares destes indivíduos, questionamos
E. e J.A. sobre gostarem da escola e dos estudos. As respostas de ambos estudantes não deixam
dúvidas sobre o interesse e prazer relacionados aos estudos. Enquanto, um diz ser a escola sua
segunda casa, a outra relata sempre ter gostado de ir à escola, pois lá tem atividades que gosta
muito, como ler, por exemplo.
Entrevistador: Como que é a escola pra ti?
EL: Eu gosto pra caramba da escola! [...] Gosto! Gosto de ir pra lá. Eu acho que é
como se fosse a minha segunda casa. Eu fico mais tempo, na escola, do que em casa,
praticamente!
Entrevistador: Tu gosta de estudar? [...]Por que?
J:Gosto! [...] Não sei, porque eu gosto de ler, gosto destas coisas. [...]Sempre gostei
de ler, sempre gostei de ir pra escola.
Diante das respostas dos estudantes, tínhamos um aparente dilema, alunos que
aprendiam com maior facilidade, que alegavam incômodo em precisar seguir o ritmo mais lento
dos demais colegas e que, ainda assim, afirmam gostar muito da escola. Portanto, buscamos
verificar quais estratégias os alunos utilizavam, para contornar estes momentos (que podem ser
muito frequentes), em que tinham que aguardar o ritmo da turma, ainda que, já soubessem o
que seria ensinado. As respostas apontam informações essenciais para o conhecimento das
estratégias dos indivíduos, com altas habilidades/superdotação, em suas experiências escolares:
Entrevistador: E aí? O que você faz, geralmente, nestas horas?
J.A.: Levo uns livros, fico lendo, mexendo no caderno...
389
Entrevistador: Você fica matando o tempo?
J.A.: É!
M.:O que que eu faço? Eu tenho que ficar no meu lugar e esperar eles fazerem, então.
Entrevistador: Você se distrai com outras coisas?
M: Eh! Geralmente, eu converso com alguém que já terminou, é isso!
Entrevistador: Normalmente, tu termina antes?
M.:Normalmente! Um exemplo, a professora de português, ela passa a atividade, eu
já termino naquela aula, eu já entrego pra ela, já, esperando, na próxima aula, fazer
outra coisa, só que tem que esperar os outros terminarem na próxima aula!
As respostas de J.A. e M. indicam caminhos distintos, ainda que, ambos tenham dito
que acham estes momentos chatos; enquanto a menina indica que já prevendo que precisará
aguardar os colegas terminarem as tarefas, leva livros e adianta tarefas do caderno, o rapaz
denota irritação e diz que precisa se esforçar para ficar no lugar e não atrapalhar a aula. Ambos
mostram dois problemas que a não atenção aos alunos talentosos pode trazer: o tédio, por
esperar, longos períodos, ou a indisciplina frutos do tempo ocioso.
O aluno J. relata um comportamento que é um misto de insatisfação com
competitividade; ele indica que sabe que aprende menos, por precisar esperar os demais, e
demonstra que aproveita os momentos que tem livre, por já saber os conteúdos, para estudar
temas que não aprenderia na escola, e manter-se à frente dos demais, assim esclarece:
Entrevistador: Tu sente que podia estar mais pra frente?
J.: É, por causa dos outros estou aprendendo menos!
Entrevistador: E o que você faz, por exemplo, quando tá dando um conteúdo que tu já
sabe?
J.: Eh, eu tento melhorar mais, ainda, do que os outros! Tento aprender mais, ainda,
sobre eles; outras coisas que a escola não vai ensinar.
As entrevistas puderam nos mostrar que os estudantes têm, antes de tudo, consciência
de sua situação diferente junto ao grupo de colegas de classe, bem como, boas reflexões sobre
o que são pessoas com altas habilidades/superdotação. Entretanto, vale ressaltar, que não
associam seu potencial à mínima suspeita de que sejam alto-habilidosos, pudemos verificar,
que os alunos desenvolveram, ao longo de suas trajetórias escolares, estratégias e respostas para
lidar com o tédio gerado pelos momentos, nos quais ficam aguardando os demais alunos. Ainda
assim, é importante destacar que para todos os estudantes fica a sensação de que gostam
bastante da escola.
Tentando aprofundar a análise sobre como os estudantes, com características de altas
habilidades/superdotação entendem a escola, perguntamos a M. se gostava da instituição e os
motivos desta apreciação, sendo que, suas respostas demonstram como pode ser profunda a
reflexão de um jovem de 14 anos, sobre a escola, bem como, seus problemas e sua relação com
o conhecimento, apontando-nos que sua ligação com a escola é positiva, sobretudo, porque
390
reconhece a possibilidade de aprender e ter contato com o conhecimento que, em suas palavras,
fascina-o e ajuda-o a entender o mundo, vejamos:
Entrevistador: Porque que tu gosta de estudar?
M: Porque ... (pensando) ... eu acho que (pensando)... quanto mais eu aprendo as
coisas, mais eu consigo ter uma visão geral do mundo, de tudo, no contexto.[...] E
quanto mais eu aprendo, mais eu percebo que eu não sei nada. (risos)
Apesar deste prazer pelos estudos, M. indica conhecer e sentir, na própria pele, todos os
problemas que envolvem estudar, em uma escola pública e, quando questionado se gosta da
escola (antes havia sido questionado sobre porque estudava tanto!), suas respostas mostram
alguns dos desafios e dificuldades que uma criança ou jovem enfrenta, em seu processo de
ensino, mesmo que seja alguém com potencial de identificação com altas habilidades.
Observemos o que nos diz:
Entrevistador: E como é que é ir pra escola pra você? Tu acha ela legal, tu gosta, tu
não gosta?
M: Eu gosto! Mas tem muitos problemas! [...]Por exemplo, a falta de interesse de
certos professores, pouca estrutura, eh... geralmente, os alunos que, também, não
querem muito estudar. [...] Atrapalha!
Pensamos que uma das chaves para compreender os indivíduos com altas habilidades e
suas relações com a escola e o conhecimento, seja verificar como o sentido de estudar constitui-
se e fundamenta-se para estes educandos, sobretudo, quando falamos de jovens oriundos da
classe trabalhadora, com as evidentes e conhecidas privações de capital cultural e econômico.
Entender como a escola passa a significar uma forma de ascender na vida, oferecendo uma vida
melhor aos familiares, pode ser um caminho importante para entender habilidades e
comportamentos que, a princípio, não seriam esperados, em indivíduos com famílias com pouca
escolarização, mas que, quando analisados, com mais cautela, podemos verificar uma certa ética
familiar relacionada à escola, que envolve desejo de ascensão; sonho com melhorar a vida dos
pais e, mesmo, a ideia de gratidão aos familiares, pelo investimento dos parcos recursos da
família, nestes indivíduos, criando-lhes uma responsabilidade e dedicação aos estudos vigorosa.
Três alunos, diretamente, referiram-se à ideia de que usam e tentam desenvolver seus
potenciais, para que obtenham sucesso e reconhecimento no mundo do trabalho. Dois chegam
a citar, claramente, as áreas que desejam seguir que, não por acaso, são exatamente as que dizem
ter maiores facilidades de aprendizado. As respostas dos alunos são importantes, para
entendermos como estes se relacionam com a escola e os estudos:
Entrevistador: O que tu pretende fazer no futuro?
J.A.: Engenharia
391
Enquanto J.A. é direta, ao dizer que sabe muito bem o que deseja, sendo ótima aluna em
exatas, deseja seguir carreira com engenheira. J. já indica algumas dúvidas sobre a profissão a
escolher, mas, nenhuma sobre o papel da escola e estudos neste trajeto, ele relata:
ENTREVISTADOR: E por que que tu estuda tanto? Você gosta de estudar, né?
J.: Sim (afirmativamente com a cabeça!), [...] Porque eu acho que vai ser importante
pra mim, no futuro, na minha profissão!
ENTREVISTADOR: Tu pensa nisso? Quando tu tá, na sala de aula, tu pensa na tua
profissão?
J.: Penso, eu ainda não sei qual vai ser, mas eu sei que vai ser importante!
Para J., aluno de uma escola pública, na periferia de Cubatão, filho de pais com pouca
escolarização e morador de um bairro bastante pobre, a relação da escola com suas chances de
alguma ascensão social, está já clara e fortemente estabelecida. É interessante perceber como a
ideologia da escola, redentora da sociedade, promotora da ascensão social, tão presente, no
imaginário da classe média, também, é poderosa entre os trabalhadores mais simples e como o
sucesso, na escola, alimenta a opção pelos estudos, como um caminho com alguma
probabilidade de ter sucesso.
Mas o conjunto de respostas do jovem E. sobre o tema dos motivos em estudar com
afinco, deixa-nos informações importantes sobre como o alto-habilidoso oriundo do
proletariado entende sua relação com a escola e o conhecimento. O jovem que é o único negro
entre os entrevistados, tem história de sucesso escolar, desde a educação infantil e quando
questionado sobre o funcionamento do cérebro, havia dito que procurava desenvolver seu
cérebro mais na área de exatas e fazia força para desenvolver um meio de trabalhar com a
matemática, disciplina em que havia, naquele ano de 2016, obtido medalha na OBMEP. Neste
momento, o aluno oferta um grupo de respostas que nos possibilita entender como se constitui
o sentido da escola para ele:
ENTREVISTADOR: O que é que são estes meios que você tá falando que quer criar,
tentar na matemática?
E.: Sei lá, é descoberta, descobrir coisas novas, coisas que ninguém descobriu, e criar
novas teorias, pra que o meu nome ficasse lembrado, também. [...] tipo o Einstein que
foi lembrado num monte de coisa, eu queria ser tipo o Einstein.
ENTREVISTADOR: Entendi... O que tu pretende fazer no futuro?
E.: Eu queria, eu tenho um sonho de fazer pelo menos duas faculdades e estudar fora,
ou na Alemanha, porque é um berço de matemáticos, ou ir pra algum canto assim, que
seja influente neste lado. [...] Eu faria de engenharia e de matemática. Ou eu faria algo
relacionado a isso, porque eu vejo bastante gente que tem umas três faculdades e é
bem desenvolvido, então eu quero fazer mais ou menos duas ou três, nesta área.
Com a inocência de um menino de 14 anos, E. propõe-se a aquilo que, provavelmente,
nenhum pesquisador ou professor universitário propor-se-ia. É interessante verificar como o
desejo de reconhecimento, orgulhar a si e aos seus fica evidente em sua fala e indica-nos
caminhos para que possamos entender a produção de suas habilidades acima da média.
392
Outro ponto interessante a destacar é que um olhar desinteressado poderia sugerir uma
aptidão natural do menino, na forma envolvida e apaixonada como fala da disciplina que gosta:
a matemática.
Porém, esta é uma perspectiva que se sustenta, apenas, em uma avaliação precipitada,
E. tem entre seus modelos seu professor de matemática, do ano de 2016: prof. Márcio que
teimou que levaria ele e um grupo de estudantes para a olimpíada de matemática, daquele ano;
tal intento envolveu aulas fora do horário normal, preparação, treino, muito estudo e aos poucos,
o menino falava do amor do professor pela matemática, aos poucos, o jovem que recebia os
materiais para estudar para a OBMEP foi conhecendo mais a disciplina, que lhe chamava a
atenção, assim surge a ideia de estudar fora do Brasil a um menino residente em uma cidade
sem universidades, onde poucos chegam, sequer, a sair da Baixada Santista para seguir nos
estudos. Cabe destacar como sua dedicação e estudo relaciona-se com um projeto muito bem
articulado, na cabeça de alguém, com 14 anos e que, por isso, sujeito a muitas alterações, mas,
a existência deste projeto não deve ser negligenciado, caso desejemos conhecer os caminhos
que mobilizam os indivíduos ao estudo e a busca de sucesso, na escola.
6.4.1.3 - A relação com os docentes e os alunos com AH/SD
Diretamente, ligada ao nosso problema de pesquisa, a última parte das entrevistas,
pretendia verificar como os docentes dos alunos entrevistados, lidavam com os estudantes com
características de altas habilidades/superdotação, se estes eram, efetivamente, invisíveis aos
seus professores e se havia algum tipo de atendimento diferenciado a tais alunos.
J.A. relatou que como termina suas tarefas, sempre antes de todos, e aprende mais
rápido, explica as matérias aos colegas. Diante desta afirmação, seguimos com a entrevista. e
verificamos a relação indivíduo alto-habilidoso e professor, nas respostas que seguem:
Entrevistador: Então, geralmente, você pega e explica pro pessoal? E o professor,
quando você está explicando pro pessoal, de boa ou...?
J.A.:A professora gosta! E na minha sala, o pessoal tem mais dificuldade.
Entrevistador: Ela percebe que você aprende mais rápido, então?
J.A.: Sim.
Entrevistador: Entendi...Você acha que os professores sabem da tua inteligência?
J.A.: A minha professora de matemática sabe, a minha professora de ciências,
também!
Entrevistador: Eles falam alguma coisa sobre?
J.A.: Falam! [...] A minha professora fala que é pra mim investir na área! Pra mim
continuar assim, do jeito que eu tô!
393
Entrevistador: Que legal! E por exemplo, quando eles estão dando uma matéria que
os outros alunos estão aprendendo e que você já aprendeu, às vezes eles te chamam
e fazem alguma coisa diferente? Te dão outros tipos de exercícios?
J.A.: Ah, às vezes a professora empresta o caderno, ela fala pra mim ir passando os
exercícios, ou pra mim explicar alguma coisa pra alguém!
As respostas de J.A. trazem informações importantes para a pesquisa, primeiro, a de que
como supúnhamos os alunos com rendimento acima da média não passam despercebidos aos
olhos dos professores, ainda, que estes não tenham formação específica na área, não haja
concordância sobre terminologia ou protocolo de identificação e mesmo que algumas
representações sociais baseadas em equívocos povoem o imaginário docente sobre o tema.
Pudemos verificar que os docentes da área, em que a aluna destaca-se, têm clara noção
do potencial da educanda, prova disso é a postura diante da mesma ajudar os amigos, aceita
pelos professores, podemos constatar que, de alguma forma, ainda, que nem sempre acertada,
existe uma tentativa em atender este estudante, seja chamando à mesa para elogiar, seja dando
conselhos para que siga se dedicando e estudando, ou indicando que a menina tem potencial
para seguir, na área ou, finalmente, solicitando que a mesma ajude os demais estudantes, com
tarefas e exercícios, auxiliando a professora, nas atividades em sala de aula. Tais informações
são valiosas ao mostrar que, ainda que processos formais de identificação e atendimento,
raramente, efetivem-se, existe um trabalho silencioso, na formação e atendimento dos ditos
“bons alunos”, no sentido de ajudá-los.
M. e E. confirmam as falas de J.A. sobre a forma como os professores tentam atender
aos alunos, com o perfil de altas habilidades/superdotação, trazendo informações sobre a
situação dos estudantes talentosos, em sala de aula, demonstrando que, ainda que a
invisibilidade seja um problema sério, o qual deve ser combatido, na prática, os docentes
realizam trabalhos de atendimento a estes estudantes, mesmo que de modo quase artesanal e
sem conhecimento de que lidam com possíveis indivíduos alto-habilidosos, procuram algum
conteúdo e fornecer um currículo, minimamente, enriquecido ao educando. As palavras de M.
sobre o trabalho da professora de língua portuguesa, de sua turma, bem como, o relato de E.
quanto as atuações dos professores de ciências e matemática, da escola onde estuda, não
deixam dúvidas quanto a esta situação:
Entrevistador: Tu percebe que os professores sabem da tua inteligência?
M.: Geralmente, eles puxam mais pro meu lado. [...] Quando eu termino a lição, antes,
eles me passam mais. No caso da professora de português, ela já até me ajuda a
estudar, ela sempre me chama para a mesa dela e fica me ensinando outros temas. [...]
Ela fica falando, fica me explicando e eu vou aprendendo.
E.:Sim, alguns... eu acho que a maioria. [...] Alguns sim, tipo o professor Marcio, ele
fala que eu sou mais, que eu me destaco, fala que eu tenho facilidade com cálculos,
resolver problemas, O Pedro, também, o professor de ciências fala que eu tenho uma
facilidade de pegar a matéria, absorver. [...] Ah, tipo o Pedro (professor de Ciências)
394
e o Marcio (professor de matemática) me incentivam a pegar livros e ler e fazer estas
coisas. São os dois que pegam mais no meu pé para fazer estas coisas, O Marcio me
deu até um livro de matemática, para ficar resolvendo questões. E só!
As respostas do aluno J., a esta parte da entrevista, corroboram as informações trazidas
por J.A., E. e M., os professores identificam seu potencial, buscam formas de o atender, ainda
que nem sempre consigam o melhor acolhimento. Mas as respostas de J. merecem destaque,
por se tratar do único entrevistado que estuda em um escola, com programa de atendimento aos
alunos alto-habilidosos, onde ocorrem debates e formações sobre o tema, neste sentido, as
respostas de J. destoam dos demais, em alguns pontos, indicam uma conclusão diferente.
ENTREVISTADOR: Deixa eu te perguntar uma coisa, os professores sabem da tua
inteligência?
J.: Uhum (afirmativamente!), desde pequeno, eles falam, assim, falam pra ficar de
olho em mim e, assim, que eu tinha altas habilidades, os professores falavam desde a
primeira série, assim.
J. indica que seus professores identificaram seu potencial, desde o início de sua trajetória
escolar. Há muito tempo é acompanhado pela escola e professores, seja por suas habilidades,
seja pelo fato de ser irmão de outro aluno da escola, com elevada potencialidade, J. indica que
estão “de olho nele”, no seu desenvolvimento há tempos.
Questionado sobre se existe algum trabalho diferente, as respostas de J. são:
ENTREVISTADOR: E eles fazem algum trabalho diferente contigo, na sala de aula?
J.: Na sala de aula não, mas fora dela, eles procuram me dar um auxilio pra mim,
melhorar a minha capacidade. [...] Ah até esse curso aqui (se referindo ao cursinho
comunitário, de que fazemos parte) Este curso e outras coisas, também, que agora eu
não me lembro, mas eles já me deram muito auxílio. [...] Eles pagam a minha
passagem pra mim vir, eles que me indicaram o curso.
!
J. deixa evidente que, ainda que seja reconhecido como um aluno talentoso, na sala de
aula é difícil, que medidas mais diretas para lhe atender sejam efetivadas, novamente, surge a
dificuldade em se efetuar o enriquecimento curricular, de modo eficaz, na atual situação de
trabalho dos docentes. Mas, o menino indica que os educadores da escola solicitaram que a
APMF- Associação de Pais, Mestres e Funcionários, da escola, custeasse o valor do transporte,
para que o menino pudesse participar do curso preparatório, para os exames de seleção da ETEC
e IFSP, que ocorre aos sábados, na cidade de Santos. Soubemos junto aos professores que J.
chegou a ser atendido, na sala de AEE, com professor especializado, para tentar orientar seus
estudos, bem como, foi a própria escola que procurou o curso citado, matriculando-o. O
resultado deste reconhecimento formal da escola, quanto ao seu potencial, é verificado na
pergunta que finaliza a entrevista. Ao contrário dos demais alunos, quando perguntado sobre se
395
considerava que poderia ser alguém alto-habilidoso, o menino não titubeia, sorri e fala-nos,
tímido:
ENTREVISTADOR: [...] E tu acha que tu é superdotado?
J.: Ah, eu acho que sim! (sorrindo)
6.4.2 - As entrevistas com os profissionais da educação
DIRETORA: [...]Eu acho que a escola faz pouco uso destes meninos, uso mesmo,
porque eu acho que eles precisam ser vistos e utilizados, eles são um potencial de...
aprendizagem pra outras crianças, em outras linguagens. E eu acho queo “Antonio”
(antiga escola onde atuou) aproveitou muito, a proposta da escola, é, às vezes, as
crianças aprendiam mais com eles mesmos do que conosco. Então, isso fez com que
esses meninos se sentissem muito à vontade, dentro da escola e se sentissem úteis [...],
eles tinham como avançar e tinham como dividir isso. E eu acho que estes meninos,
que estão aí, precisavam ser vistos pra isso, pra nos ajudar, né? Também, ajudar os
outros, não no sentido de utilitarismo, mas [...] No sentido deles poderem partilhar
isso conosco, né?
Formadora: É por isso que eles são invisíveis. “Ele vai se virar bem, né?”. [...] agora,
ele está assim, mas ele vai conseguir um emprego, vai fazer uma faculdade ou não,
mas ele vai se virar bem, enquanto o outro?
As entrevistas com os dois profissionais da rede municipal de ensino que pesquisamos,
seguiu, de maneira tranquila, e forneceram informações importantes, para o desenvolvimento
da pesquisa e compreensão dos motivos que levam a invisibilidade das altas
habilidades/superdotação, pois confirmam e aprofundam perspectivas já apresentadas nas
ferramentas de pesquisa anteriores. Tais entrevistas devem ser analisadas, correlacionadas com
os depoimentos dos estudantes, os questionários de pesquisa e as formações realizados, a fim
de que possamos ter uma leitura apurada da situação do estudante alto-habilidoso.
Buscando conhecer as ideias dos profissionais sobre o tema, pedimos que discorressem
sobre o que lhe vinha à mente, quando pensavam em altas habilidades/superdotação. As
respostas das profissionais, ainda que tenham seguido caminhos distintos, relacionavam-se, em
alguns pontos, cabem destaques:
Entrevistador: Quando a gente fala em altas habilidades/superdotação, qual é a
primeira coisa que vem, na sua cabeça?
FORMADORA do CAPFC: Altas habilidades/superdotação, o que me vem à cabeça
são características próprias do indivíduo, pouco percebidas entre as pessoas que
destoam, no comportamento [...] O agravante é a falta de informação. Percebe-se
pouco a possibilidade daquele comportamento, daquela situação, do indivíduo de ser
alto habilidoso ou superdotado, pouco se sabe sobre isso. É isso que eu vejo. Então, é
aquela pessoa que, muitas vezes, é apresentada como o problema, ou o talento que,
muitas vezes, não é considerado talento e passa despercebido. Eu não vejo. Tanto é
que, em geral, não se apontam estas pessoas. Quando você lida com a diversidade,
aponta-se o autista, o D.I. (deficiente intelectual), o deficiente auditivo e fala-se muito
pouco daquele que tem altas habilidades. Esta percepção da possibilidade de ter algum
talento desenvolvido, eu não vejo isso.
DIRETORA: Crianças com habilidades ... que a gente não reconhece como ... uma
habilidade verdadeira pra escola.[...] eu não considero mais inteligente, eu considero
396
com uma habilidade diferente daquela com a qual a gente lida, costumeiramente. Não
sei se deu pra entender! [...]Eu reconheço que... que tenha uma dotação ali, que
compreende, mas que ... que pode não responder, da maneira como eu estou
acostumada a pedir, e aí, em geral, eu acho que estas crianças respondem com
indisciplina ou com desinteresse. ((ruído))
Por caminhos distintos, devido à formação e atuação diferente das profissionais, temos
relatos que tocam, antes de qualquer coisa, em habilidades que não são, costumeiramente,
valorizadas pelas escolas. Enquanto a formadora, em inclusão, pensa em termos de pouca
atenção a estes alunos, a diretora refere-se mais a sua experiência, em sala de aula, citando
alunos que não costumem responder as propostas de atividades, de modo convencional.
A responsável pela educação especial, no CAPFC, dá os primeiros indícios de que a
invisibilidade é um problema. Em sua avaliação sobre o tema: a falta de informações, pessoas
apresentadas como problemas e com talentos que não são reconhecidos, ou a atenção destinada,
principalmente, às deficiências pela educação especial, são pontos destacados pela formadora
e que, de um modo geral, permeiam parte dos trabalhos acadêmicos sobre o assunto, denotando
que temos um profissional bem formado e atualizado na temática.
A gestora inicia sua exposição, indicando que em sua concepção, os indivíduos com
altas habilidades/superdotação seriam estudantes que não seguem o roteiro, normalmente,
cobrado em atividades, na sala de aula e por isso, às vezes são rejeitados e entendidos como
problema. Temos aqui, uma tônica importante das entrevistas: a noção de que, por motivos
variados, o aluno alto-habilidoso não seja reconhecido ou valorizado, devido à falta de
informação/formação docente. Outro ponto citado pelas duas entrevistadas é a noção de que
estes alunos possam representar problema ou estarem associados à indisciplina, devido ao não
reconhecimento de suas capacidades.
O primeiro ponto em comum, nas duas entrevistas, é o fato de não reconhecerem ou
lembrarem-se de nenhum colega de classe identificado como alto-habilidoso, mesmo que,
informalmente. Desta forma, a invisibilidade do tema tem vínculos que se iniciam, já nos
tempos de estudantes, das entrevistadas.
ENTREVISTADOR: Na tua experiência de aluna, tu teve algum colega?
DIRETORA: Eu nunca reconheci.
FORMADORA do CAPFC: Não.
Em relação à formação sobre o tema, novamente, temos posição parecida das
educadoras, pois ambas relatam não ter recebido qualquer tipo de formação, durante os estudos
na graduação e pós-graduação. Porém, enquanto a diretora indica que o tema chegou-lhe como
problema, já na atuação profissional e no contexto dos problemas de gestão de escolas e salas
de aula, a formadora do CAPFC, até pela natureza de sua formação, especializada em educação
397
especial, indica que procurou formação, por conta própria, como forma de preencher esta lacuna
formativa. De qualquer modo, o que deve ser destacado é a falta de formação inicial, que
corrobora com a bibliografia especializada na área e com as respostas dos professores nos
questionários de pesquisa, seguida pela busca por informações sobre o tema, de modo informal
e visando responder as demandas profissionais específicas. Suas respostas indicam tal cenário:
ENTREVISTADOR: E, na tua formação docente, teve algum curso, alguma matéria
sobre isso?
DIRETORA: Não, nunca ouvi falar. [...] Comecei a ouvir falar disso [...] eu já tava na
rede!Nossa, já tava na lida (no trabalho) , há bastante tempo. [...]É, porque parece que
é fácil, né? Eu acho que quando a gente fala de superdotação, eu acho que o
preconceito ta aí, parece que é fácil, ah é superdotado! É Fácil! Vai aprender fácil, a
gente não precisa do auxílio da escola, não precisa de um olhar específico, porque já
tem as suas altas habilidades.
FORMADORA do CAPFC: Também, não. [...] Estudei fora, né? A formação ela
tratava... A formação que eu fiz ainda era a antiga pedagogia, que você escolhia a
habilitação que ia desenvolver e, entre elas, não tinha superdotação e altas
Habilidades. [...] Fui buscar fora. [...] na formação não apresentava. Era: D.I
(deficiente Intelectual), D.V (Deficiente Visual) e D.A (Deficiente Auditivo).
Cabe destacar a fala da diretora de que, em seu entender, um dos problemas que levam
a pouca atenção e mesmo formação sobre o tema, deve-se ao fato de que existe, no senso
comum, uma ideia de que o sujeito com altas habilidades/superdotação, por aprender,
supostamente, com facilidade, seja fácil ensinar e lidar e, assim, não mereceria maiores
atenções. Sua fala indica reflexão sobre um dos chamados mitos sobre a superdotação indicados
pela bibliografia, o de que os alunos alto-habilidosos não necessitem de auxilio e desenvolvam-
se sozinhos.
Na sequência, questionamos as entrevistadas sobre suas experiências como professoras
com alunos AH/SD, ambas disseram que, jamais, haviam trabalhado com um único aluno
identificado como alto-habilidoso, apesar de terem mais de 25 anos de carreira, dando-nos
indícios da profundidade da invisibilidade destes alunos:
ENTREVISTADOR: Como professora tu já teve algum?
DIRETORA: Não!
Formadora do CAPFC: Não! [...] Por isso que eu falei pra você, né? Eu percebo,
assim, encaminhamento para Sala de Recurso, falando enquanto professora, também
ninguém. Vêm as queixas, aí você vai começar a analisar.
A formadora destaca o fato de que para os professores da educação especial, geralmente,
os alunos que chegam são por queixas de aprendizado e suspeitas quanto às deficiências. Afirma
que é neste contexto que, às vezes, temos alguns casos suspeitos de altas
habilidades/superdotação, mas, professores indicarem alunos para a educação especial, por
suspeitas de se tratar de alguém com altas habilidades, nunca ocorreu, em sua carreira. Segundo
398
seu relato, mesmo quando surgem suspeitas, estes casos, por inúmeras razões, (especialmente,
pela falta de profissionais habilitados para encaminhar o processo de identificação) acabam
dissipando-se e não tendo continuidade.
A diretora indica já ter recebido uma aluna, com indicativo de altas
habilidades/superdotação, no entanto, a criança foi encaminhada para avaliação da equipe
gestora, pelos pais da estudante e com vistas a um pedido de aceleração de estudos, esta é uma
forma corriqueira dos profissionais da educação terem contato com o tema: encaminhamentos
pelos pais que desejam que os filhos tenham os estudos acelerados e, quase sempre, gerando
disputas e tensões entre famílias e trabalhadores da educação.
Muitas vezes, como neste caso descrito pela entrevistada, desaguando em disputas
judiciais. Na situação descrita, a diretora indica que a criança em questão, ainda que tivesse um
processo de alfabetização consolidada e com indícios de precocidade, não seria caso de
aceleração, segundo avaliação da equipe gestora, o que contrariou a família, levando a questão
ao ministério público. Tal tipo de situação, além de ter se tornado, cada vez mais comum,
podendo ser verificada com certa frequência, na imprensa, atrapalha a superação da
invisibilidade, por criar forte resistência dos educadores sobre o tema que, normalmente,
associam o estudante com altas habilidades e seu atendimento, apenas à aceleração de estudos,
situação que tem séria desconfiança dos educadores, quanto à eficácia e pertinência
ENTREVISTADOR: E como gestora, alguém já te encaminhou uma criança destas?
(me interrompendo!)
DIRETORA: Já! Na tentativa de achar que era. Mas não, a gente lá, no grupo,
entendeu que não. Uma criança que os pais achavam... Realmente, era uma criança
que tinha um processo de alfabetização bastante resolvido pra idade dela, mas era só
isso. [...] Era, uma demanda dos pais. Deu muito trabalho.
ENTREVISTADOR: Geralmente, os pais querem aceleração?
DIRETORA: Isso! [...] Isso, queriam que a criança fosse acelerada e entrou com...
entrou, inclusive, na promotoria pública.
ENTREVISTADOR: Entendi. Teve uma... foi pra via judicial?!
DIRETORA: Teve, foi. E a gente entendia que ... era uma criança que, realmente,
tinha uma habilidade, mas que não era um caso de superdotação.
Já o encaminhamento de alguma suspeita de estudante, com altas
habilidades/superdotação, que tenha chegado à gestora, por intermédio de docente das escolas,
em que atuou, jamais ocorreu, reforçando a constatação da situação de invisibilidade, e relata-
nos:
ENTREVISTADOR: E professor te indicar? Como mais ou menos acontece com as
crianças com dificuldade? Nunca bateu na tua porta, alguém que saiu da sala?
DIRETORA: Não! Nunca! [...] (fazendo som de negativa) Não! (Sorrindo), o
professor dizer assim, olha esse aqui eu acho que tá gritando, (no sentindo de pedindo
atenção) não, nunca!
399
Diante do relato das entrevistadas de que não haviam trabalhado com estudantes, em
sala de aula, com altas habilidades/superdotação, iniciamos a parte da entrevista, diretamente,
relacionada à invisibilidade dos indivíduos alto-habilidosos e seus motivos. Questionando como
as profissionais entendiam tal situação, apesar de suas largas histórias de trabalho, em educação,
suas respostas podem nos indicar caminhos para a compreensão do problema e reafirmam a
questão inicial da pesquisa relacionada à invisibilidade deste público:
ENTREVISTADOR: E porque que tu acha que isso acontece?
DIRETORA: Porque eu acho que a criança superdotada ela esconde esses
comportamentos, mesmo. Que a gente não reconhece, ela ... ela responde por uma
outra linguagem, e eu acho que a escola não tem essa linguagem que ela precisa e aí
a gente desconsidera, a gente considera como tudo, menos como superdotação.
ENTREVISTADOR: Entendi. Curioso né? Porque é parte do nosso trabalho, o tempo
inteiro, mandam crianças pra gente e, geralmente, a gente não recebe esses caras...
DIRETORA: Não, não, Mas eu acho que a gente recebe estes caras ou com problemas
de indisciplina. [...] Como queixa e aí, como você não está, na sala, você não vai
saber. Mas [...]Eu tenho um pequenininho aqui. O João, ele é muito perspicaz para 4
anos. Mas que a gente, a família, já trata ele como delinquente, a escola, se não cuidar,
vai tratar como delinquente. Porque ele tem outros... outros interesses, outras formas
de resposta.
As respostas da diretora sobre os motivos para que não receba indicações de alunos, por
suspeitas de altas habilidades/superdotação, indicam alguns caminhos interessantes. O
primeiro, o de que os próprios alunos podem camuflar suas habilidades, como forma de não
serem percebidos e o segundo, mostrando a ideia de que a escola, em sua busca massificadora,
não consiga avaliar aqueles que, por diferentes motivos, tenham modos de expressão e
linguagem diferentes do usual. Um ponto interessante da reflexão da gestora é a percepção de
que, talvez, recebamos estes estudantes em nossas salas, não como suspeitas de altas
habilidades/superdotação, mas, como queixas por indisciplina. Neste momento, chega a citar o
caso de uma criança de 4 anos, que a todo o tempo é encaminhado para a sua intervenção,
devido à indisciplina e que, em sua avaliação, é profundamente perspicaz e inteligente, mas,
rotulado e tratado como problema. Este relato mostra-nos que, ainda que os conhecimentos
específicos dos educadores sejam insuficiências, na área de superdotação, temos profissionais,
capazes de reflexões pertinentes e inteirados da situação.
A formadora da rede municipal, em sua resposta para a mesma questão, destaca de forma
direta, o quão preocupante é o quadro de invisibilidade dos alunos talentosos e afirma:
FORMADORA do CAPFC: É por isso que eu falei: O que eu vejo sobre esse assunto?
Não vejo! Não vejo, é invisível. Estes alunos estão aí, a gente sabe, há proporção né?
Mas eles não se sobressaem. Não é valorizado, não apontam. Em escola, eu não vejo.
Entretanto, a formadora aponta que, recentemente, inicia-se um processo de alguns
professores e gestores,buscarem por informações sobre o tema, devido a casos de crianças, que
400
geram suspeitas,o que nos indica o quão importante são as formações sobre o tema. Parte destes
casos, recentes ocorreu após os profissionais participarem das formações que desenvolvemos,
com docentes e gestores, da rede municipal de ensino.
ENTREVISTADOR: Nem na Oficina (Centro de Apoio Pedagógico e Formação
Continuada da rede, onde a entrevistada atua como formadora de professores de AEE)
ocorreu de algum professor da educação especial perguntar, pedir ajuda?
FORMADORA do CAPFC: Sim, isso acontece! [...] Já aconteceu. O caso de uma
professora, que ela identificou uma criança com esta suspeita de altas habilidades e aí
ela começou a estudar, a buscar e atender a criança, na sala de recurso, aqui da rede.
Uma criança!
ENTREVISTADOR: Então a gente já atende uma criança?
FORMADORA do CAPFC: Sim. Isso acontece aqui. Aí ela começou a procurar... É
o que eu falei, você suspeita de, né? E aí você vai trabalhando em cima. Mas uma rede
né.?... [...] Você vê um caso é recente. Isso tem o quê? 2 anos pra cá. [...] Ela procurou,
pediu material. Também, teve uma coordenadora que desconfiou de, porque fez a
formação com a gente, aqui no CAPFC e este módulo de altas
habilidades/superdotação. Então é tudo assim, meio no curioso sabe, é isso que eu
estou querendo dizer.[...]
Em sua resposta, verificamos o caso de uma professora e uma gestora que identificaram
crianças que geram suspeitas, então, o processo mobiliza-as na busca de materiais, com uma
das crianças sendo, inclusive, atendida na sala de recursos multifuncionais. A crítica da
formadora é que, diante de nossa falta de formação, as coisas, ainda ocorram de modo muito
inicial, “tateando”, para usarmos as palavras dela. Esta dificuldade em identificar os alunos,
com altas habilidades/superdotação, é uma questão recorrente, na fala de muitos professores
que participaram da pesquisa e das formações, bem como, na resposta da diretora sobre o tema:
ENTREVISTADOR: [...] Na tua escola, atualmente, não tem nenhuma criança
identificada?
DIRETORA: Não, não! [...] Eu não sei como identificar, Leandro.
Muitas vezes, durante a pesquisa, recebemos educadores com muitos anos de
experiência, muito bem formados, que traziam a mesma angústia, por não saber identificar.
Alguns gestores e professores, ainda que sempre perguntem da pesquisa e demonstrem interesse
pelo tema, acabaram não respondendo aos questionários, alegando não conhecer a temática.
ENTREVISTADOR: Na verdade, a gente também não sabe! E essa é a próxima
pergunta. Tu acha que tu saberia identificar?
DIRETORA: Não (com veemência)! Não, porque, primeiro, porque a gente tá na
educação infantil e criança, em desenvolvimento, é uma caixinha de surpresas, hoje e
amanhã? Não sei, né? Em segundo, porque eu acho que é um aspecto muito relativo,
que a gente, também, devia relativizar pra criança com déficit. Mas a gente não
relativiza, né? Mas eu acho muito relativo e aí o que é mais, a gente tem mais cuidado
do que com o que é menos... Pra rotular, é engraçado isso, né?
Solicitada a refletir sobre sua capacidade em avaliar/identificar alunos, com altas
habilidades/superdotação, a diretora mostra-nos uma tendência, que apareceu na fala dos
docentes: a percepção de que lhes falta conhecimento para a identificação, especialmente,
401
quando falamos de crianças da educação infantil. Sua fala caminha no sentido da necessidade
de relativizar rótulos e diagnósticos taxativos sobre o tema. Tal postura vai ao encontro da
posição de pesquisadores sobre altas habilidades/superdotação e crianças pequenas,
especialmente, no âmbito da precocidade infantil. Novamente, há uma indicação de que, sem
formação específica, um trabalhador da educação, com formação geral sólida, é capaz de
refletir, adequadamente, sobre o tema.
Vale destacar a reflexão, que segue a sua resposta sobre não saber identificar alunos,
com altas habilidades/superdotação e a necessidade de relativizar rótulos, ao notar que: “nós,
educadores, tomamos cuidado extremo” em não rotular quem sabe mais, mas, o mesmo não
ocorre, quando se trata de rotular aqueles que “sabem menos”. Chegamos, talvez, ao cerne da
pesquisa e ao ponto em que o trabalho, com estudantes alto-habilidosos, possa contribuir para
a escola como um todo, quando a diretora pergunta: “É engraçado isso, né?”, esta foi uma
pergunta feita, diversas vezes, durante as formações docentes que realizamos.
As respostas da formadora aproximam-se da preocupação indicada pela diretora, em
relação aos cuidados em encaminhar talentos, que não se efetivam, quando se trata de “rotular
casos de fracasso”.
Debatemos a dificuldade em identificar os alunos com altas habilidades/superdotação,
a formadora faz questão de informar, diversas vezes, que não se trata de uma questão formal de
exigência de laudo, mas ainda que não cobrem laudo dos estudantes, a situação não se altera
por não receberem alunos como casos de suspeitas, para serem identificados, deixando evidente
o quão poderoso é o círculo de invisibilidade.
FORMADORA do CAPFC: Exatamente. É isso que eu quero dizer. [...] Aí você vai
direto ao atendimento. Mesmo que a criança não tenha laudo, a gente já superou isso.
[...] Isso que eu estou querendo dizer: a gente não espera laudo. Não é laudo. Como
que a criança é, assim... Vamos lá, lá no atendimento, e para a alta habilidade eu não
vejo isso. Entendeu?
Quando reflete sobre a situação do atendimento aos alto-habilidosos e a sensação de que
o atendimento não engata, não caminha, a formadora seguindo a perspectiva da diretora
entrevistada, inicia um caminho de reflexão, que consideramos fundamental para a
compreensão da invisibilidade: a noção de que, por se fazerem mais urgentes e diante da
dinâmica da escola e sua estrutura, as dificuldades de aprendizado monopolizam todas as
energias e esforços dos educadores.
ENTREVISTADOR:[...]Interessante C., que naquela formação que a gente fez, o ano
passado, algumas professoras mostraram ter experiência e, inclusive, formação na
área, uma falou, outra delas citou que tinha feito curso...
FORMADORA do CAPFC: Sim, sim. [...] Os professores de AEE (Atendimento
Educacional Especializado) têm o conhecimento.[...] Eles têm esse conhecimento, eu
402
já falei pra você, na pós (pós-graduação) né? Que você recebe toda essa orientação.
Na escola é pouco percebida, então, fica muito a critério: eu sou AEE, então, eu tenho
aquele olhar, na unidade toda e o que acontece é que você começa o trabalho, mas ele
não é efetivo, porque o autista grita, O D. I não acompanha o cognitivo, o D.V precisa
do braile, precisa do recurso, o D.A precisa do intérprete, entendeu? [...] São muito
visíveis, né? Assim é gritante e o outro (AH/SD) é como se ele passasse e ele é tanto
quanto necessário (necessitado), como qualquer um. Mas ele vai... Ele fica de lado,
né? É isso... É preocupante.
Na sequência da entrevista com a diretora, surge, novamente, uma questão que já
tínhamos verificado, na fala de alguns professores: a noção de que como identificar sujeitos
com altas habilidades/superdotação, em escolas tão niveladas por baixo? Como olhar crianças
talentosas, onde a maioria fracassa? Como saber se não seriam, apenas, crianças normais, em
meio a tamanha quantidade e alunos com dificuldades de aprender? A diretora diz:
DIRETORA: Eu acho que não! (sobre saber identificar AH/SD) Eu acho que o
professor, também... não... ou ele identifica, também, supervalorizando, porque eu
não sei, a escola está tão nivelada por... baixo, que eu acho, também, que qualquer
criança que estabeleça um processo um pouco melhor de desempenho, vai acabar se
destacando. E aí eu acho que a gente, na gestão, tem que tomar um pouco de cuidado
pra não confundir.
Aproveitamos esta reflexão da diretora sobre as dificuldades com a identificação dos
estudantes, diante do quadro de fracasso, e questionamos sobre como observar altas
habilidades/superdotação, no ensino fundamental, devido a sua larga experiência, nesta
modalidade de ensino, suas respostas são interessantes, pois ainda que tenha dito, no início da
entrevista, não ter trabalhado com alunos alto-habilidosos, ao refletir sobre os estudantes,
nomes vão surgindo em suas falas, o primeiro deles o de P., jovem que estudou todo o ensino
fundamental, na escola, que a entrevistada dirigiu e irmão de um dos entrevistados, o aluno J.
ENTREVISTADOR: [...]Mas no Fundamental II, como é que tu imagina que isso
seria, altas habilidades/superdotação?
DIRETORA: Ahan, então, eu acho que são crianças que se destacam. No M. de O.
(antiga escola em que foi diretora) a gente tinha algumas lá, tínhamos o P. (aluno
irmão do J., que foi entrevistado pela pesquisa e citado) lá que era... [...] O P. era um
aluno maravilhoso e o irmão o J. vai pelo mesmo caminho![...] o P. e o J. são irmãos,
eram meninos que a gente via uma habilidade, porque não saía de casa, você sabe que
crianças leitoras, remetem famílias leitoras, letradas e não era o caso daqueles
meninos, os dois. Os pais muito simples, nunca leram um livro inteiro, o F. (citando
o esposo que era professor, na escola e lecionou aos meninos, a matéria de língua
portuguesa) trocava livros com o P. (aluno de um bairro bastante pobre, que cursou o
ensino fundamental II , na escola, estando, atualmente, fazendo graduação, na
UFABC). Então, assim , esse menino, esse menino tinha, um processo bastante
importante de desempenho. (afirmou mesmo, antes tendo dito que nunca havia
trabalhado com nenhum. Logo, bastou pensar um pouco no tema que achou,
rapidamente, um caso) .
Quando pensa no estudante com altas habilidades/superdotação, novamente, temos dois
comportamentos interessantes e verificados, ao longo de toda a pesquisa, junto aos professores:
403
o primeiro é que, superada a impressão inicial sobre o tema e sua formalidade, os docentes
definem, muito bem, aqueles estudantes que merecem atenção.
Em segundo lugar que, definido este referencial objetivo de olhar o aluno que se
destaque, prontamente, começam a surgir os nomes dos estudantes que mereceriam atenção e a
descrição de histórias, de tentativas, ainda que iniciais, de atender estes alunos, na fala da
diretora surgem os nomes: de P. e J., dois estudantes que já foram objeto de nossa reflexão,
nesta pesquisa, que chamam a atenção, dentre outras coisas, pelo rendimento acima da média.
Um outro ponto que merece destaque, na fala da diretora, é que o projeto educacional
da escola, onde P. e J. estudaram, auxiliava o desenvolvimento dos educandos, evidenciando
que o modelo de escola, suas crenças pedagógicas e teóricas, bem como, sua organização são
fatores decisivos, no trabalho e desenvolvimento dos estudantes, como um todo, e nos alto-
habilidosos, em especial, como podemos verificar, na fala da diretora:
DIRETORA: E acho que a escola tinha um outro modelo, também, que cada criança
podia responder, na época. “A M”.(escola) tinha um modelo onde cada grupo, cada
criança podia responder o seu movimento. [...] O “P”. era formidável! O grupo dele
inventava umas coisas... (admirada)
Diante de sua reflexão sobre o aluno P., questionamos como explicaria o desempenho
do estudante e sua resposta:
ENTREVISTADOR: Agora, como é que tu explicaria o caso do P.?
DIRETORA: Então, superdotação mesmo! Porque não vem de berço, não vem da
sociedade, não é uma criança em que alguém investiu não! Eu acho que por o irmão
dele também ser (já aceitando a possibilidade de ter tido dois alunos superdotados,
entre os alunos da escola, que dirigiu e que, antes, dizia nunca ter trabalhado com
altas habilidades/superdotação) Né! Eu acho que é uma família que valoriza o
conhecimento, da forma como eles conseguem. Mas que os meninos têm aí um... uma
genética que a gente precisava conversar com o pai, de repente o pai ou mãe são
também e não foi [...] Será que os pais não são também? [...] E não foram vistos, né?
E não foram escolarizados, também!
A resposta da diretora indica pontos importantes, primeiro, a percepção do papel que o
capital cultural cumpre, no desenvolvimento dos alunos; segundo, a opinião verificada, em
outros participantes, pelos questionários de que a superdotação seria, exatamente, estes casos,
onde o capital cultural da família não justificasse o desempenho elevado do aluno e ao citar o
irmão, também, com altas habilidades/superdotação, temos a noção de genética se apresentando
e a dificuldade da gestora entre suas concepções e o fenômeno, refletindo que, talvez, estejamos
diante de um grupo familiar, que de seu modo e em suas possibilidades, valorize muito a
educação.
Questionamos a formadora, se a mesma teria dificuldades em trabalhar com alunos, com
altas habilidades/superdotação e suas respostas indicam outro ponto importante, na
404
compreensão da invisibilidade: a constatação de que, sem estrutura adequada, o professor tem
pouco a contribuir com estes estudantes. Suas respostas direcionam-se, no sentido de denunciar
a falta de condições da escola, em atender alunos talentosos:
Entrevistador: [...] Você acha que teria dificuldades de trabalhar com um aluno com
altas habilidades/superdotação?
FORMADORA do CAPFC: Olha depende, eu acho que não. Acho que depende,
porque[...] Cada caso é um caso né? E você vai precisar de parceiros para poder fazer
um trabalho paralelo com a escola. Eu acho que aí é que está a dificuldade, da parceria,
porque ele vai além. [...] O AEE, neste sentido, ele é o mediador, vai estar orientando
e levando este aluno para encaminhar e ele vai precisar desta parceria, ou com uma
universidade ou, dependendo do que for a habilidade do aluno e isso é muito escasso.
Vai, onde é que você tem um centro de artes, de música, né? Um laboratório bem
equipado ou o que você vai procurar para? [...] O que fazer? Então, você percebe.
Você vai encaminhar, ele tem interesse para o desenho e aí? O que você vai dar a
mais, pra ele pra que ele tenha, em paralelo, um contraponto? É muito isolado. Eu
vejo dificuldade nisso, em lidar com o aluno não. Onde é que você vai encaminhar?
Que é a pergunta de todo mundo. Este outro lado é que eu vejo que é precário, não só
para o aluno com altas habilidades, mas para todos. Para todos né? Eles precisam
destes trabalhos paralelos e aí, a gente não tem.
Nesta colocação, temos uma posição contraditória da formadora e que cabe reflexão,
verificando a sua denúncia sobre a dificuldade em atender alunos talentosos, perguntamos se
tal situação poderia inibir o professor, em encaminhar alunos para identificação, por altas
habilidades/superdotação, sabendo que pouco poderia ser feito pelos estudantes, suas respostas
vão no sentido oposto:
ENTREVISTADOR: Você acha que, por exemplo, eu percebo um menino, como
você acabou de falar que tem habilidades de Artes e eu sei que não têm muitos
recursos para oferecer pra ele, você acha que essa constatação inibe, também, o
professor da sala regular, em encaminhar ele pra turma de AEE?
FORMADORA do CAPFC: Não, não. Se ele perceber ele vai encaminhar, isso eu não
vejo problema. Pode ser que ele não perceba.
Para aformadora, trata-se, de uma dificuldade dos docentes em perceber os alunos com
altas habilidades/superdotação, diante desta resposta, questionamos sobre sua avaliação quanto
à capacidade dos docentes em identificar alunos com este perfil:
ENTREVISTADOR: Você acha que o professor, da sala regular e, também, da AEE
saberiam identificar um aluno, com altas habilidades/superdotação?
FORMADORA do CAPFC: Tenho dúvidas. É o que eu falei pra você, está muito na
nuvem, ainda. Pensa-se em tudo, eu vou repetir a minha resposta: o autista grita, o
D.V é visível, porque nós somos muito visuais, então, aquilo que eu vejo é aquilo que
eu acredito e o outro, como se fosse superficial, então, fala-se muito: “o aluno é
indisciplinado”, para-se para pensar porque ele é indisciplinado? O que está
desencadeando isso? Esta pergunta, poucas pessoas fazem. “Ah mas ele é muito
quietinho, ele não me dá problema”, e você não para pra olhar o caderno dele que tem
desenhos maravilhosos, que ele não se interessa em copiar da lousa, porque só de
ouvir, ele já sabe, ele já entendeu e você quer que ele registre. Esta flexibilidade, ainda,
é muito difícil, não é uma cultura entre nós, na educação.
ENTREVISTADOR: Isso acaba impedindo, inclusive, deles identificarem o menino,
né?
405
FORMADORA do CAPFC: Exatamente. Foi isso que você perguntou: é fácil
identificar o professor do regular ou do AEE? Não é, porque ele não se pergunta, não
se faz perguntas: por que ele está daquele jeito? Por que ele é quieto, lá no fundo da
sala? Por que ele não faz esta pergunta? Eu não vejo, Leandro, isso em qualquer lugar,
proximidade sabe, não é crítica ao professor não, eu não vejo proximidade não só
aluno/professor. Sabe, assim, a questão humana. E o aluno está ali, gritando, sofrendo,
angustiado e ninguém enxerga. Então, o aluno com altas habilidades ou superdotação
não é diferente dos demais, a menos porque os outros são visíveis, só isso a diferença.
A resposta da formadora merece atenção, ela como especialista em educação especial,
indica as dificuldades, na identificação, por parte dos docentes, mas aponta motivos que vão,
muito além, da simples falta de formação, como poderíamos supor. Em primeiro lugar, surge,
mais uma vez, a questão de que as dificuldades, por serem mais evidentes, tornam-se o centro
das preocupações dos docentes, relegando alunos com altas habilidades/superdotação à
invisibilidade; em segundo lugar, a cultura de distanciamento de docentes em relação aos alunos
e a ideia de que currículos devam ser rigidamente, cumpridos dificultando a observação que,
apenas uma experiência educativa mais próxima possibilitaria.
Na sequência das entrevistas, buscamos verificar junto aos educadores como avaliavam
que seriam as experiências escolares dos alunos alto-habilidosos. Suas respostas indicam
reflexões que trazem contribuições, a fim de que possamos compreender o fenômeno da
invisibilidade:
ENTREVISTADOR: Como é que tu imagina que é a vida escolar de um menino
destes? A experiência dele na escola?
DIRETORA: ....(silêncio, pensando!) Ah, com o P. foi muito, foi muito, muito
tranquilo, porque algumas crianças e eu vou falar do P., fazendo uma relação dele com
a escola né? Algumas crianças lá, tiveram uma... tiveram um desenvolvimento
diferente, porque estava na escola, né? Era uma escola que acolhia. Qual que é a
historia do P.? Eu acho que ele ajudou o V.V (Citando Bairro de famílias de classe
média baixa, onde a escola está localizada e que tem grande resistência a receber
alunos de bairros de outras periferias) a reconhecer pessoas inteligentes, no V.N,
(bairro periférico vizinho do bairro, em que a escola se situa, com grande quantidade
de famílias de nordestinos, que chegam à cidade de Cubatão, em busca de trabalho.
Vale ressaltar que o bairro pertence ao município de São Vicente, mas por questão de
localização, é mais próximo os moradores de lá, estudarem em Cubatão, o que gera
muita discriminação e preconceito, com forte resistência dos alunos do V.V, bem
como de suas famílias), porque o Pedro não era do V.V e foi importante para romper
este preconceito. Isso pra ele foi muito importante, foi um empoderamento dele e do
grupo dele, que vinham lá do outro lado da pista, (referindo-se a rodovia Padre Manoel
da Nóbrega, que divide os dois bairros) que os pais do V.V queriam fechar a escola,
pra quem vinha do V.N e ele, de repente, vem pra se empoderar, então ele se
empoderou, mas numa... como é que eu vou usar uma palavra pro P.? Não é
simplicidade, é... eu sempre falo pro F. (o marido) esta palavra e esqueço... e...
também não é companheirismo, é GENEROSIDADE! É ele era muito generoso com
o que ele sabia e isso era bonito porque não era, a gente tinha outros lá (Já citando
outro possível caso de altas habilidades/superdotação). Eu não sei a Luciana
comentava do N., foi até bem colocado na USP, era também um menino muito, muito
bom, não sei se chega a ser é... altas habilidades, mas era um menino que se destacava.
Mas não era generoso! [...] Então, o que fazia do P, um menino inteiro, era a
generosidade, tudo o que ele sabia servia pra ele e pra todo o resto. E isso era lindo,
406
né? Então ele, eu acho que ele levou a escola numa boa, com aquilo que ele podia
aproveitar, aproveitando aquilo que era do outro, o outro aproveitando dele. E não
houve nenhum tipo de estranhamento, ao contrario do N. Eu acho que o que atrapalhou
o N. foi exatamente a falta da generosidade, porque aí ele exigia da escola um trabalho
mais pautado no coletivo (aparentemente quis dizer competitivo), era um menino
muito mais individualista, ele não tinha essa inteligência emocional, que o P. tinha. E
aí eu acho que ajuda a criança, não que a escola faça esse trabalho, mas se a criança
já tem essa inteligência emocional, relacional, tendo super-habilidade, melhora muito.
Se você não tem, você cria um processo de isolamento, foi o que o N. fez... né!
(reconhecendo que, em determinados casos, a experiência pode ser difícil a algumas
crianças!)
Destacamos duas questões importantes, nas colocações da diretora, sobre a experiência
escolar do sujeito, com altas habilidades/superdotação. Em primeiro lugar, a riqueza de detalhes
com que se lembra do educando P., mesmo sendo um aluno que há tempos se formou, já estando
no ensino superior. Demonstrando que a invisibilidade, como haviam destacado os educandos,
em suas entrevistas, é relativa. Talvez, não ocorra o atendimento devido, a identificação ou
orientação dos alunos, mas estes não passam sem que os educadores notem seus potenciais. E
a descrição detalhada, da diretora, não nos deixa dúvidas quanto a isso. Por outro lado, seu
destaque entre alunos com história de vida escolar tranquila e isolados, pautado no que chama
de generosidade e inteligência emocional, indica-nos que as trajetórias dos estudantes alto-
habilidosos, também, podem ser diversas e merecem atenção. Cabe destacar que neste
momento, mais um estudante com perfil de altas habilidades/superdotação surge, nas
lembranças da gestora, o jovem N., hoje estudante da USP e questionamos sobre este aluno:
ENTREVISTADOR: Ele (N) era mais isolado?
DIRETORA: Sim, mais isolado. Mais, mais discriminado, é o NERD, o P. nunca
ninguém chamou de NERD. Nunca ninguém falou: -Ah esse aí sabe tudo. Não era
visto assim, né? Eu acho que os meninos nem reconheciam tanto. Ele era híbrido
mesmo, muito bacana. E o N. não, já era o Deus da sala, o que era o cara, mas que era
só pra ele.
Verificamos nesta fala, nitidamente, como o comportamento do estudante em relação
aos demais vai pautar sua experiência escolar. Enquanto P. é marcado pela forma generosa,
como lida com o conhecimento, N. apresenta comportamento diverso e mais competitivo. O
resultado será uma resistência maior dos demais alunos e dificuldades, no relacionamento, com
o grupo de alunos e mesmo docentes.
Questionamos, também, a diretora sobre como via o relacionamento dos docentes com
os alunos alto-habilidosos, sua resposta, novamente, confirma as falas dos estudantes
entrevistados. Este relacionamento, segundo ela, é positivo pelo fato dos docentes gostarem de
alunos que conseguem acompanhar o ritmo das aulas e se interessam por suas disciplinas, ainda
que, normalmente, aos docentes não surja a ideia de que estejam diante de alunos com altas
habilidades/superdotação. As intervenções com estes jovens, também, ocorrem de modo
407
informal, seja na troca e sugestões de livros, como descrita pela diretora, ou na utilização destes
alunos para “puxar” o restante da turma, como verificamos em sua resposta:
ENTREVISTADOR: E na relação com os professores? Você falou por exemplo do
Pedro, com o F., professor né? Acha que o F. reconheceu ele?
DIRETORA: Sempre muito boa! Dos dois, porque aí o professor... gosta! Um menino
que responde a todas as demandas, sempre muito boa dos dois. Acho que o F. tinha
mais, falando do F. que foi professor dos dois, mais dificuldade com o N. do que com
o P., pela ausência da generosidade. O N. era mais egoísta, o conhecimento é só pra
mim, a escola é só minha, né? Mas, mas eu acho que, em geral, os professores sempre
usaram bastante e exploraram bastante estes dois meninos.
Entretanto, as respostas da formadora, caminham em um sentido diferente, que também
merece atenção. Segundo esta, muitas vezes a experiência escolar dos estudantes talentosos
pode ser difícil, neste sentido ela nos diz:
ENTREVISTADOR: E como você imagina que seja a experiência, na escola, de uma
criança com altas habilidades? A experiência dela?
FORMADORA do CAPFC: Sofrimento. Eu acho que eles sofrem muito. Porque todo
mundo, que não é compreendido, entra em sofrimento. Não entende, como se ele não
se comunicasse, tanto como qualquer outro né? Não se faz entender. Ele não se faz
ouvir, porque não ecoa a necessidade dele, né? Eu vejo como um sofrimento.
Como conhecíamos muitos dos alunos da escola, que era dirigida pela entrevistada,
devido a trabalharmos com professores que haviam atuando com estes alunos, propusemos que
a diretora refletisse sobre o nome de um outro aluno que, geralmente, era citado como talento:
jovem, músico profissional, atuando em orquestras, desejamos saber como era entendido este
caso de talento apresentado, nas artes e a longa reflexão da gestora, novamente, indica-nos,
primeiramente, como estes alunos são notados e acompanhados, mesmo quando não sejam
formalmente, identificados com altas habilidades/superdotação, por outro lado, algumas
representações sobre os sujeitos superdotados, que povoam os imaginários docentes, são
verificadas, na reflexão sobre este aluno, cabendo observação atenta:
ENTREVISTADOR: E o L.? Você acha que ele tinha altas habilidades/superdotação?
(referindo-me a um ex-aluno da escola, onde haviam estudado P., N. e J., que,
atualmente, é membro da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, sendo
reconhecido, desde jovem, como um prodígio da música clássica.)
DIRETORA: Qual L.?
ENTREVISTADOR: O L.M. (citando o aluno.)
DIRETORA:Eu acho que sim. [...] É! O L.! O L. é um fofo, né? (risos)! Mas o L. é
um menino que, ah Leandro, é muito difícil... Aquele menino entrou na escola com 4
anos, dentro daquela proposta, é... motivado e estimulado o tempo todo em casa e na
escola, o tempo todo, ele teve uma escola de qualidade, as professoras do L., da
educação infantil e do fundamental I eram impecáveis. E não era o L. que se destacava,
era aquela sala. Saiu desta sala essa menina que a mãe pediu reclassificação (suspeita
de altas habilidades/superdotação), saiu desta sala uma porção de outros, sai desta sala
o N.! Então, a sala tinha muito um comportamento parecido. Todos eles foram usar
uma veia artística, todos eles escreviam muito bem, é que o L. era o carismático, a avó
dele estava, sempre, na escola o tempo todo, ele aprendeu musica, desde pequeno,
então, ele tocava isso pra todo mundo, a gente usava, porque era uma prática da escola
pegar aquilo que a criança fazia de melhor e usar isso pros colegas. Então pro L, era
408
isso que ele sabia. E aí eu acho que ele foi pro lado da música porque nasceu pra isso!
Né! Não sei se eu reconheceria como uma alta habilidade.
ENTREVISTADOR: Mas é um cara que se destaca muito?
DIRETORA: É! É um menino que se destaca muito, naquilo que ele faz. [...] Eu não
conheço a alta habilidade, eu não sei, é numa área que a pessoa se fixa, né? (indicando
que começa a refletir sobre o conceito e sua aplicação nos casos sobre os quais vêm
falando/refletindo)
ENTREVISTADOR: Em uma ou várias, mas, geralmente, em uma.
DIRETORA: É o L. Ele, pela idade dele e o músico que ele é, tem...Tá com a carreira
feita! Também nunca pensou em ser outra coisa, desde os 4 anos de idade, esse menino
toca flauta doce, desde os 4 anos de idade!
ENTREVISTADOR: E nunca teve dificuldade na escola?
DIRETORA: Não, pelo contrário, pelo contrário. Até quando ele foi pro ensino
médio, eu tava conversando com a avó dele, porque ele andou viajando muito, né?
Pro exterior, faltando e aí eu falei como é que tá lá, né? (referindo-se a escola de
ensino médio para onde o aluno foi, após, concluir o ensino fundamental), E ela falou:
-Ah, tá fazendo uns trabalhos em casa e tal, não é como era antes, até porque no ensino
médio, menino nenhum é (risos), quando é normal, não é! Ele até tá deixando umas
coisas. [...] mas nunca teve dificuldade alguma, nunca largou a escola, nunca deixou...
A gente tinha outro lá, que era o R., que era da mesma turma do L., que é musico
também, num outro estilo musical, guitarra e tal, e esse sim, trocava a música pela
escola, mas era um musico nato, também. Mas esse trocava, o L. não. Por isso que eu
acho que não chega a ser do L. alta habilidade, mas era um menino que conseguia
transitar, naquilo que ele desejava, tinha muita disciplina, né? Mas alta habilidade não.
Na escola, conhecimento especifico da escola, era um menino no nível da sala.
O caso e L. é um bom exemplo de como as explicações e avaliações sobre altas
habilidades/superdotação são complexas e misturam-se. Se por um lado, é evidente, na fala da
diretora, o talento e sucesso do estudante, levando-a dizer que o mesmo seria um aluno com
altas habilidades/superdotação, o fato de, supostamente, ter um rendimento “normal”, ainda que
sem qualquer dificuldade, leva-a a reconsiderar a avaliação de que se trate de altas habilidades,
bem como, a noção de que não tenha, também, deixado a escola de lado, como o outro aluno,
com talentos musicais, reforça esta impressão, tornando evidente a ideia de que sujeitos,
profundamente, talentosos seriam de tal modo absorvidos por sua área de interesse, que não
conseguiriam se sair bem, nas demais, o que constitui um equívoco.
Outro ponto curioso é que, ao refletir sobre L., surgem os nomes de mais dois possíveis
alto-habilidosos. R., aluno que, atualmente, é musico e sempre se destacou tocando guitarra e
o caso de uma estudante que chegou a solicitar reclassificação, devido ao seu rendimento
superior.
Ao falar sobre o aluno L., a diretora se vê diante de um dilema que verificamos, muitas
vezes, entre os professores, no decorrer de nossa pesquisa, casos como o de: P. e J. identificados
com familiares simples, são mais, facilmente, associados à superdotação, por, supostamente,
“não haver” explicações sociais para tais talentos. Mas, nos casos como o de L., aluno com avós
muito envolvidos, em sua escolarização, tendo estudado em uma turma com ótimo rendimento,
em uma escola com proposta diferenciada, sendo aluno de excelentes docentes, como avaliar
409
um caso destes? A diretora parece inferir a influência do meio social e do trabalho da escola,
no desenvolvimento das capacidades do jovem e, diante disto, surge a dúvida que será, em
parte, motivo da invisibilidade. As escolas têm dificuldade em se reconhecer parte, no processo
de desenvolvimento do potencial humano e esta dificuldade evidencia-se, quando, mesmo
relatando todo o envolvimento da família e escolarização de qualidade, inclusive, estimulando
o menino para a música, a diretora diz que o menino “nasceu” para a música, recorrendo à ideia
de aptidões naturais, para explicar um caso, onde ela mesma deu todos os indícios de que era
fruto de trabalho da escola e da família.
A formadora do CAPFC, por sua posição e personalidade concentrou sua reflexão em
questões técnicas e relativas à estrutura da rede, como um todo, quando pensou na questão das
altas habilidades/superdotação, englobando: estrutura, formação, parcerias com outras
instituições, itens que figuravam entre suas preocupações. Já a diretora, decidiu seguir o
caminho de refletir sobre a realidade escolar, mais imediata, e assim, suas falas serão sobre
casos de estudantes, situações pedagógicas etc.
Diante dos nomes de alunos que surgiam, como exemplos de possíveis casos de altas
habilidades/superdotação, conforme, a diretora falava de suas experiências, decidimos
questionar a diretora sobre os estudantes com altas habilidades do sexo feminino, em sua
experiência e suas respostas podem nos dar indícios de como entender o problema:
ENTREVISTADOR: Geralmente, é normal, quando a gente conversa sobre esse
assunto, você tá vendo que, naturalmente, vão surgindo uns nomes [...]dos meninos,
e as meninas, tem alguém que você lembre?
DIRETORA: Tem! A gente tinha a V.San... (tentando lembrar o sobrenome) Não ,
uma V...
A sequência de respostas sobre o tema das meninas, com altas habilidades/superdotação,
merece atenção, em seus detalhes. A primeira situação que se verifica, quando surge a questão
é que a diretora lembra-se de casos femininos de talento, mas tem dificuldade em recordar os
nomes, diferentemente, do que ocorreu com os rapazes; logo, é preciso um esforço maior para
que os nomes lhe venham à cabeça, indicando que se já é difícil que alunos com perfil de altas
habilidades/superdotação sejam lembrados, se estes forem do sexo feminino, a invisibilidade é,
ainda mais poderosa, constatando que fenômenos, amplamente, estudados pelas pesquisas, em
educação e ciências humanas, estão presentes quando a categoria gênero se apresenta ao tema
altas habilidades/superdotação. Mostrando que, talvez, a compreensão da invisibilidade possa
ocorrer por caminhos muito mais relacionados à escola, como um todo, que pensando em
hipóteses específicas para a área da superdotação.
410
Diante da dificuldade em lembrar do nome de uma aluna, potencialmente, com altas
habilidades/superdotação, escolhemos ajudar com o exemplo citado pela própria diretora no
início da entrevista:
ENTREVISTADOR: Tem essa que você falou que tentou a aceleração...
DIRETORA: É mas não era. Era uma menina boa, mas não era! Mas a gente tinha a
V., que eu não lembro o sobrenome ela, era uma menina negra, gordinha, que era
excelente.
Ao citarmos, novamente, o caso de um aluno apontado, verificamos uma posição
interessante, muitas vezes encontrada ao longo da pesquisa, profissionais relatando dificuldades
em identificar alunos com altas habilidades/superdotação, alegando desde a falta de formação,
até dificuldades inerentes à própria ausência de protocolos de identificação. Entretanto,
constatamos que, é comum termos afirmações taxativas, em relação a não presença de altas
habilidades, em um determinado sujeito. Cabendo a pergunta, por que afirmar ou suspeitar de
altas habilidades envolve tanto cuidado, ao passo que a negativa de eventual alta
habilidade/superdotação possa ser feita, de modo tão seguro?
Além disto, a forma como “V.” é lembrada, indica que o caso das mulheres alto-
habilidosas é, ainda, mais urgente. A aluna é descrita como negra e ótima, se compararmos a
descrição, com a riqueza de detalhes, que os alunos: P., N., L. e J. receberam, fica evidente,
que estas são alunas que chamam menos atenção. Se considerarmos, ainda que, mesmo sendo
uma das melhores profissionais da rede municipal, educadora comprometida com a educação,
apresenta dificuldades em descrever uma aluna, com altas habilidades/superdotação, podemos
imaginar como a situação apresenta-se, em realidades, onde os profissionais não sejam do porte
de nossa entrevistada.
[...] E a P., que eu não sei se você conhece a mãe dela, a P. é superdotada, agora eu
lembrei (feliz em cravar um nome, de modo tachativo)! Ah mãe dela é a N. da
biblioteca! (sua mãe é a bibliotecária responsável pela biblioteca municipal da cidade,
que desenvolve projetos de iniciação à leitura, com crianças. Desenvolve projeto de
apresentação de obras literárias, contação de histórias, visita escolas para apresentar
histórias clássicas e livros, recebe as crianças no parque municipal, aos finais de
semana, em um espaço de leitura e lazer destinado às crianças, pessoa envolvida com
o universo da cultura e da leitura e muito erudita, no tocante à literatura)
Quando o nome da aluna P. surge, consideramos que a entrevista chega a um outro ponto
e precisa ser analisada de modo diferente. Segundo a diretora, trata-se de uma aluna que, com
toda a certeza, seria superdotada; cabe percebemos que o termo usado é superdotado e não mais
altas habilidades, em uma posição que dialoga com os resultados verificados, nos questionários
aplicados, na pesquisa.
411
Em primeiro lugar, o único nome que, segundo a entrevistada, não caberia qualquer
dúvida sobre ser alguém com altas habilidades/superdotação, surge, apenas, após muito papo e
provocações, quando estava pensando, exclusivamente, sobre as mulheres, após descrever
inúmeros casos de rapazes, surge o nome de P.
É interessante notar como é relevante tratarmos do tema, com os trabalhadores. Ao
cravar o nome de P. como superdotada, a diretora não tinha dúvidas e mostrou-se feliz em
verificar primeiro, que ao contrário do imaginava, já havia trabalhado com estes alunos com
altas habilidades/superdotação, segundo, que conseguia identificar tais alunos, o que não ocorre
devido a outros fatores, entre eles, não restar tempo para pensar no tema.
O perfeito exemplo de superdotação é, também, o exemplo de como capital cultural e
ideologia das aptidões naturais convivem, sem que sejam percebidos. Ao citar o nome da aluna,
imediatamente, é citado o nome da mãe da menina, profissional destacada, na cidade e
importante agente cultural do município, sendo capaz de legar à filha capital cultural
diferenciado e, inclusive, tendo já conversado com o pesquisador sobre suas preocupações com
sua filha, o futuro das crianças da cidade e suas formações. Seguimos a conversa sobre P. e sua
mãe, tentando ver como o capital cultural seria analisado pela entrevistada.
ENTREVISTADOR: Eu conheço a mãe dela! Então, já ouvi falar da P., inclusive ouvi
a N. falar da P..
DIRETORA: Então, a P. é superdotada! A P., essa menina, ela tem todas... as ... Na
minha opinião, todas as características de uma criança superdotada, sem ser olhada.
Ela passou por depressão e tudo!
ENTREVISTADOR: E quais eram as características?
DIRETORA: Então, excelente escritora, desde cedo, excelente memória de tudo, tudo
o que aquela menina aprendeu, no ensino fundamental, da primeira e segunda série,
ela relacionava com outras coisas, excelente, de ponta! Mas era uma menina que não
tinha sociabilidade nenhuma, com ninguém! A gente não ouvia a voz dela.
A descrição da aluna que “teria” todas as características de superdotação, leva-nos a
refletir como o imaginário dos trabalhadores, em educação, conjugam fatores objetivos e
corretos sobre como observar a superdotação e ideias pautados com estereótipos, que podem
criar concepções equivocadas. A aluna é descrita em suas habilidades cognitivas: grande
capacidade de leitura, excelente na produção de textos, capaz de relacionar informações,
detentora de memória poderosa, todos fatores que, se bem observados e estimulados, podem
indicar caminhos, na detecção e trabalho com os alto-habilidosos.
Mas associadas a estas características, temos as representações que povoam o
imaginário docente de senso comum, sobre estes indivíduos e que tem, peso igual ou superior
às características cognitivas descritas: extrema timidez; incapacidade de se relacionar com os
demais colegas; ninguém ouvia a voz dela; logo, parece concluir seu diagnóstico de altas
412
habilidades/superdotação. Assim, vamos verificando a força da ideia de que os sujeitos, com
tal perfil, teriam imensa dificuldade em fazer amigos, falar em público, se expor etc...Vamos
nos aproximando de caricaturas de gênios, amplamente, difundidos no senso comum e que
pode, em parte, explicar a invisibilidade. Curiosamente, no relato, surge a descrição de que a
aluna citada tinha uma colega com quem se relacionava, esta colega, também, descrita como
possível caso de altas habilidades/superdotação e, ainda assim, sua condição introspectiva
colocou-a no papel de “estranha”. O relato de que a aluna teve depressão, além de chamar a
atenção para a necessidade de cuidados com os estudantes, parece ser a informação que falta
para a conclusão, pela sua condição de superdotada.
ENTREVISTADOR: Diferente do P. né?
DIRETORA: Diferente do “P”., a “PA”, essa menina era... eu não sei como ela tá
agora, depois ela teve, acho que a “N”(Mãe). tentou tirar da escola, porque sofria
bullying, a “PA”, porque era orelhuda, porque não falava com ninguém. Mas ela era
muito diferente! Muito diferente! E acho que ela foi pelo caminho de escrever mesmo.
Pelo que a “N”., sua mãe, andou me falando, andou por essa área, não sei o que ela tá
fazendo agora, mas foi uma menina que exigiu muito da escola. (os alunos citados
todos estão nos primeiros anos, dos cursos de graduação, no ensino superior). [...] Mas
era uma menina, agora assim lembrando daqueles alunos, ela era da mesma turma do
“L”. (referindo-se à turma com muitos alunos com destaque!) Aquela turma tinha um
povo muito bom! A “V”. e a “PA”. eram simbióticas, tanto que a gente teve até que
separar. Quando a gente conseguiu... né? Porque assim, uma competia muito com a
outra e a “PA”, como não socializava com mais ninguém, tava sufocando a “V” a se
socializar com os outros. Então, pro benefício da “V”, a gente teve que separar. Porque
a “PA” não ia mesmo se relacionar com mais ninguém, mas a V. queria. E aquilo
tava... era uma dupla bastante dinâmica.
Aos poucos surge o sobrenome da aluna e a lembrança de que a escola teve problemas
coma educanda, que foi vitima de bullying, e sem conseguir se relacionar com os demais
colegas. Curioso que, em uma escola com proposta diferente, com atenção aos estudantes, onde
os demais educandos tenham tido experiências felizes, com seu processo educativo,
exatamente, a menina com altas habilidades/superdotação, tenha experimentado uma vivência
escolar, totalmente, diferente, tendo, inclusive, procurado outra escola. Não saber o que ocorreu
com a aluna, ainda que tenha contato com a mãe de P., é outro indicio de como, sem notarmos,
as atenções destinadas são distintas. Nossa entrevistada sabia descrever, com detalhes, a
trajetória de seus alunos e faria isso, ainda, durante a entrevista, mas com P. não se sabia ao
certo o que ocorreu.
ENTREVISTADOR: Interessante.
DIRETORA: É muito tímida, muito tímida e aí a gente via que era uma coisa assim,
no começo, a gente achou que era da família, porque os pais são muito cultos, né?
Mas a P. tinha uma irmã a L., que era, completamente, diferente. Que era normal, que
aprendia, mas nem tanto.
Neste ponto, mais uma vez, temos uma observação interessante. Constamos que a
escola, ainda que não note os alunos com altas habilidades/superdotação, que diga que não se
413
lembra deles, que não identifica ou atende tais estudantes, relata ter pensado sobre como
explicar o potencial da aluna. Em primeiro lugar, surge a ideia de que o capital cultural dos
pais, descritos como, profundamente, cultos possa ter influenciado a educanda. Entretanto,
temos aqui um fator que, muitas vezes, será utilizado para justificar o argumento dos talentos
inatos: irmãos que têm famílias com amplo capital cultural apresentam rendimento escolar
díspar, confirmando que não seria o capital cultural o responsável pelo talento, uma vez que,
deveria ter sido legado a todos os filhos. Já, quando irmãos, apresentam, igualmente, ótimo
rendimento como P. e J., mas os pais têm pouco estudo, novamente, o capital cultural sai de
cena e se fortalece a noção de genética ou aptidão natural. E mesmo quando irmãos oriundos
de famílias, com vasto capital cultural, apresentam altas habilidades/superdotação, como
verificado, em pesquisas da bibliografia, recorre-se a explicação baseada, nas aptidões naturais,
hereditariedade e genética133.
Buscando verificar como os entrevistados entendiam o impacto de algumas categorias
sobre o fenômeno da invisibilidade das altas habilidades/superdotação, questionamos sobre tais
temas e a depender do caminhar da entrevista, avaliamos a pertinência da realização de
determinadas perguntas aos profissionais. A fala da diretora entrevistada, frisando, a todo o
momento, características socioeconômicas das famílias dos estudantes e, mesmo sua condição
cultural, mostrou-nos que questionamentos sobre como a mesma entendia o papel da classe
social, no fenômeno das altas habilidades/superdotação, não faria sentido. Afinal, suas respostas
sobre os alunos P. e a P.A. deixam evidente que a entrevistada confere importância ao papel
das condições econômicas. Deste modo, dedicamos as questões relativas à classe social e altas
habilidades/superdotação, para a entrevista com a formadora do CAPFC. Assim, iniciamos esta
parte da entrevista:
ENTREVISTADOR: Outra coisa que ia te perguntar, pra tiexiste alguma relação entre
altas habilidades e classe social?
FORMADORA CAPFC: Fora os recursos, se for identificado. A possibilidade, né?
Só isso que eu vejo.
A resposta da formadora contraria a ideia de que existe um mito, segundo o qual, apenas
classe sociais privilegiadas contariam com indivíduos alto-habilidosos. Este mito é,
prontamente, recusado pela formadora, e imaginamos que ter a profissional responsável por
toda a formação, em educação especial, no município, refutando tais ideias, seja fator
importante e indique caminhos para compreendermos como a rede entende o tema.
133 (VIEIRA, 2005)
414
Temos na resposta da formadora um indício interessante sobre, como parte considerável
dos educadores compreendem a relação entre classe e altas habilidades/superdotação. Durante
os questionários e formações, diversas vezes, vimo-nos diante desta forma de entender o
fenômeno, que é a seguinte: em geral, os educadores reconhecem que as altas
habilidades/superdotação, podem se manifestar, em todas as classes sociais, não estabelecendo
qualquer relação entre condição econômica e potencial intelectual. Esta posição é acompanhada
pela percepção de que o acesso aos mediadores culturais e capital econômico e cultural afetam,
de modo significativo, o atendimento e desenvolvimento a tais capacidades, ou seja, pobres e
ricos podem ter altas habilidades, mas, as possibilidades de desenvolvimento do potencial são
desiguais, em especial, no que tange a sua identificação. Entretanto, em geral, como a
formadora, os educadores não relacionam o surgimento do potencial acadêmico e/ou intelectual
às condições sociais, como se estes pudessem ser fonte de estímulo, mas não terem papel
gerador, indicando que as concepções inatistas sobre as altas habilidades/superdotação teriam
peso significativo, para os educadores, ainda que não deixem de perceber o papel do ambiente.
Tal situação pode ser melhor percebida, pelo que a entrevistada entende por “possibilidade”:
ENTREVISTADOR: Possibilidade que você diz é?
FORMADORA DO CAPFC: De recurso. Se for de uma classe social favorável,
consequentemente, antes de saber se tem altas habilidades/superdotação ou não, ele
vai ter o acesso a outros recursos: de fazer, desde pequeno, uma aula de música, um
esporte né? De participar, de viajar, de conhecer os lugares, enfim. A vida social dele
é diferente, tem muito mais possibilidades que o outro não tem. E é confundido, só
nisso. Não nas proporções.
ENTREVISTADOR: Deixa ver se eu te entendi, então... Não no desenvolvimento das
altas habilidades, mas no atendimento das necessidades dele.
FORMADORA do CAPFC: Sim. Porque a vida dele é diferente por si só, pela própria
condição social.
ENTREVISTADOR: Porque ele teria acesso a todos aqueles recursos que você diz
que falta, especialmente, na rede pública.
FORMADORA do CAPFC: É, só neste sentido.
Suas respostas demonstram como, de um lado, é reconhecido o peso das condições
econômicas e culturais, especialmente, na capacidade de ofertar aos sujeitos, em seu
desenvolvimento, recursos que a rede pública tem dificuldade em garantir às crianças de
famílias proletárias.
Buscando verificar o peso do mito sobre o futuro eminente dos indivíduos alto-
habilidosos, questionamos à diretora sobre como avaliava as perspectivas a estes alunos. Suas
respostas saíram um pouco do centro, do questionamento, mas se mostraram interessantes, ao
propor reflexão sobre a própria escola e sua capacidade em atender os estudantes, com altas
habilidades/superdotação.
415
ENTREVISTADOR: [...] Como perspectiva, o que tu vê de perspectiva pra estes
meninos? Na escola e depois?
DIRETORA: Na escola... (longa pausa para pensar) você tá me falando, agora assim,
a escola tá doida pra ter esses meninos, não sei se reconhece, né? A gente quer todos
eles assim, não é? (gargalhada!!!), Mas eu não sei se a gente dá conta, né?
ENTREVISTADOR: Qual é a perspectiva que você vê para o menino com altas
habilidades, na escola pública?
FORMADORA DO CAPFC: Olha não vou falar nem só para este aluno, mas para
todos, em que estão faltando este atendimento: Ministério Público. Eu acho que a
gente chegou neste ponto.
Verificamos, neste trecho, posições que parecem opostas, mas, que dialogam. Enquanto
a formadora reconhece possibilidade de atendimento, apenas, por intermédio de ações, na
justiça e na garantia do atendimento ao direito dos estudantes alto-habilidosos, pela força da lei,
tamanho o quadro de falta de formação e estrutura. A reflexão da gestora é de que identifica
que os alunos, com potencial acima da média, não são reconhecidos pelas escolas, ainda que,
estas desejem, no fundo, alunos com o perfil destes estudantes. Gerando um paradoxo: “A
escola idealiza um tipo de aluno, o que a faz, inclusive, rejeitar a maioria dos alunos, mas não
consegue os reconhecer, quando se vê diante destes educandos”. Porém, a diretora por sua
experiência vasta, em escolas públicas, inicia uma reflexão importante, que considera que a
escola, talvez, ainda que reconheça e identifique tais alunos, não consiga “dar conta” de ensiná-
los, a contento.
ENTREVISTADOR: Mas será que a gente acha eles?
DIRETORA: (rindo ainda), Ah eu acho que se a gente achar, a gente vai botar a cabeça
assim, oh (indica a cabeça debruçada na mesa) e vai se descabelar todinho, a gente
não vai dar conta! [...] Eu fico imaginando a P., o N., o L., o P., todos na mesma sala...
Comigo, burrinha assim! (risos). [...]A gente não tem repertorio nem cultural, nem
científico pra lidar com esses meninos. [...] ele se vira sozinho, é isso que eu tô
falando. A gente não quer ver, como alta habilidade, senão, eu vou ter que me
preocupar com aquilo e eu vejo um menino que... não me dá problema, tá se dando
bem, vai se dar bem, na vida, eu acho que foi uma pergunta que você fez, como é a
perspectiva de trabalho pra esses meninos? Eu acho que é excelente, eu acho que
independe da escola, eu acho que tem menino que consegue ser autodidata, a escola
atrapalha, de certa maneira, como ela está posta hoje[...].
ENTREVISTADOR: Porque ela atrapalha?
DIRETORA: Porque ela impede o menino de ir, de andar com aquilo que, por
exemplo, vou dar o exemplo do R. (garoto que toca guitarra e diz, desde pequeno, que
vai ser músico.), que queria estudar música [...] E tá impedindo o menino, que tem
que aprender a raiz quadrada lá, senão não vai passar de ano e ele quer andar, ele quer
voar por outros voos, eu acho que a gente impede, [...] a escola engessa.
A primeira razão para justificar esta desconfiança da escola, em conseguir atender os
alunos alto-habilidosos, é a de que faltariam recursos aos professores e trabalhadores, para lidar
com estes jovens e crianças. Indicando um imaginário, amplamente, presente na concepção dos
educadores, a de que para lidar com superdotados seria necessário, também, o professor ser
alguém “diferente”.
416
Outro ponto a ser destacado, é a noção de que parte da invisibilidade deva-se a uma
ideia de que processos de identificação não sejam iniciados, por gerarem problemas e trabalho
desnecessário, já que estes alunos desenvolvem-se bem e com sucesso.
Neste momento, temos uma concepção, às vezes presente, em educadores progressistas,
quando refletem sobre o tema: críticos da escola e sua organização atual, sobretudo, na forma
como organiza os currículos, tendem a considerar a escola como empecilho, no
desenvolvimento dos alunos, principalmente, nos mais talentosos que perderiam tempo e
energia, em temas e assuntos que não lhes interessam, apenas, para cumprir cobranças
burocráticas. É certo que, há verdade nesta concepção, mas, precisamos relacioná-la com a
noção de que, segundo tais perspectivas, o talento seria inato. Superada a concepção inatista, a
escola, ainda, que repleta de problemas, passa a ter papel decisivo, nas chances de
desenvolvimento e aprimoramento dos talentos cognitivos, nas crianças da classe trabalhadora
e, apenas, assim, poderíamos superar esta concepção de educadores, onde o talento não caberia
a escola, devendo esta ficar concentrada “somente” no fracasso.
Sua fala indica que um fator da invisibilidade esteja relacionado à falta de formação
docente para o tema. Mais do que dominar, teoricamente, conceitos específicos sobre altas
habilidades/superdotação, a gestora indica a formação, geral, deficiente, como parte de muitos
problemas, entre estes, a dificuldade em olhar para os alunos, tema da pesquisa. Neste sentido,
corrobora à percepção da formadora do CAPFC, sobre o tema indicando que a formação, talvez,
seja um dos pontos fundamentais do enfrentamento da questão, ambas nos dizem:
ENTREVISTADOR: A próxima pergunta é: porque você acha que a escola não
consegue identificar os meninos com altas habilidades/superdotação?
DIRETORA: [...] Euacho que tem a ver com a nossa formação humana, com a nossa
formação profissional, com o nosso olhar. Eu nunca me preocupei com estas crianças,
de verdade, nunca me preocupei em encontrá-las, na escola, nunca achei que elas
fossem me dar problemas, na escola, pelo contrário, se estas são superdotadas elas se
viram, né? Eu acho que a escola não tem o olhar, né? E eu acho que é formativo! [...]
não é só de infraestrutura, eu acho que se a gente tiver o olhar formativo, talvez, a
gente comece a pensar numa estrutura melhor pra estes meninos, mas, sequer, a gente
quer achar!
Questionada sobre os motivos da invisibilidade, a formadora segue o mesmo caminho:
ENTREVISTADOR: [...] Na tua opinião, a gente tem tão poucos alunos né e são
invisíveis. Na tua opinião, como a gente poderia romper com esta invisibilidade?
FORMADORA do CAPFC: informação. [...] informação. Rastrear mesmo. Ter um
trabalho aí, efetivo de informação. Com gestores, né? Na aproximação com alunos,
grupos que você tem na sua escola. [...] Porque esta confusão também acontece com
quem tem dificuldade de aprendizagem. [...] Então, é a informação, [...] e que
atendimento vamos dar pra ele, que é pedagógico. Pensar nele, como ser humano,
mesmo, que tipo de desenvolvimento que ele precisa. Estudar esta criança e este
grupo. [...] Tem que vir esta força tarefa, que é pra vir ajudar esta equipe gestora e o
professor. Então é: professor, que aluno você tem e conhecer este aluno e informar.
417
Informar pais, informar professores, pra prestar atenção nos alunos, esta proximidade.
[...] Eu costumo falar na formação: enxerguem além do que veem.
Em ambos os casos, verificamos que a formação dos profissionais da educação é tema
da reflexão das entrevistadas, para a superação da invisibilidade, mas formação é entendida em
sentido, que vai além, da formação em altas habilidades/superdotação.
Devemos ressaltar o destaque da diretora ao papel que uma escola, com bom trabalho
pedagógico e maturidade teórica, quanto aos caminhos que deseja trilhar, tem no
desenvolvimento do potencial dos estudantes, sejam eles alto-habilidosos ou não, indicando a
necessidade de se repensar a escola e a educação, como um todo, caso desejemos atender aos
estudantes, em foco, deixando evidente, neste trecho da entrevista:
ENTREVISTADOR: Agora o que está parecendo que você está me dizendo, também,
é que quando eles têm uma experiência escolar muito bem estruturada [...] essas coisas
aparecem mais...
DIRETORA: É, isso, isso mesmo, eu ia completar isso, eu acho que a escola, aí,
precisa estar aberta com outras linguagens, com outros caminhos, pra descobrir que
esses meninos têm outras possibilidades, então, se a gente não abrisse pro L. tocar a
flauta doce, no grupo, desde os 4 anos, talvez, ele não tivesse gostado tanto deste
caminho da música e tivesse aí perdido essa habilidade que ele tem! (concluindo que
o aluno teria alguma habilidade superior, sem que eu tenha afirmado isso, ao longo da
entrevista, ao menos de forma literal) Então, eu acho que a escola, passa por uma ânsia
de ter esses meninos, mas não dá conta! A gente tava ontem falando, no HTPC, isso
né? A gente leu o Miguel Arroyo e ele vai falar do repertório cultural de cada um, que
repertorio cultural tem pra lidar com esses meninos, gente? É muito restrito, tudo que
a gente conhece.
Com as entrevistas, praticamente, concluídas, as conversas enveredaram por temas e
assuntos de interesse, dos entrevistados. Assim, os temas da medicalização, na educação, e
particularmente, nos alunos alto-habilidosos terá papel de destaque, nas falas da diretora. Já a
formadora irá concentrar suas reflexões, no debate sobre os estudantes com dupla
excepcionalidade, aqueles que vivendo com alguma deficiência, são, também, indivíduos com
altas habilidades/superdotação.
Paralelamente a estes temas, o questionamento sobre como superar a invisibilidade é
abordado e neste ponto, profundas reflexões sobre as deficiências da educação pública e do
sistema de políticas públicas surgem como fator importante, para compreendermos como se
fortalece a invisibilidade, bem como, o quanto difícil será encarar a condição de invisíveis dos
estudantes, com altas habilidades/superdotação, sem políticas públicas mais amplas.
O tema da medicalização surge, quando refletindo sobre um aluno (J.O.), com 4 (quatro)
anos que, segundo a diretora, frequenta a sala da gestora, constantemente, devido aos problemas
disciplinares e que esta, no convívio com a criança, verificou se tratar de alguém,
profundamente, inteligente que, segundo sua opinião, merecia uma avaliação, neste sentido.
418
Neste momento, informamos sobre o contingente de alunos que chegam a ser medicados e
“laudados”, como doentes, devido ao seu potencial e talento, questionamos sobre o assunto e
como via a situação.
Se na fala da diretora, fica evidente o quadro de medicalização preocupante, em alunos
com dificuldades em aprender e/ou altas habilidades, também, constatado em visita a
APAHSD, onde um dos diretores da instituição descreveu o quadro de muitos alunos alto-
habilidosos, ao chegarem à associação, medicados e com laudos de TDAH, depressão, etc. A
formadora entrevistada indica que, muitas vezes, os equívocos e rótulos surgem, mesmo de
profissionais da saúde, como médicos, que sem conhecerem o tema, contribuem para que alguns
indivíduos passem a vida na condição de “estranhos ou deficientes”:
ENTREVISTADOR: Aí, eu entro na tua área com uma dúvida, que eu sempre fico,
por exemplo, nas pesquisas, se fala muito das crianças que são encaminhadas para a
Sala de AEE como autistas, ou com hiperatividade e elas têm altas
habilidades/superdotação. Isso é bem comum.
FORMADORA CAPFC: Até na...Este equívoco é comum até, na classe médica. [...]
Com laudos equivocados. [...] Eu já peguei laudo de autismo que não é autista. Tem
esta distorção.
A formadora, quando reflete sobre os alunos com dupla excepcionalidade, é taxativa ao
destacar o quão fora da realidade é, pensar no atendimento a estes alunos, uma vez que,
atualmente, nem mesmo aqueles que sejam “apenas” superdotados, conseguem atenção e
atendimento. Sua fala exprime como a falta de formação e políticas públicas, de certa maneira,
explicaria os motivos da invisibilidade:
ENTREVISTADOR: O tema que alguns pesquisadores falam, hoje, é a dupla
excepcionalidade. Então, sabidamente, algumas pessoas têm alguma necessidade
especial e têm altas habilidades. Este tema então, o que você acha dele?
FORMADORA do CAPFC: Sim, sim. Está muito mais distante. Porque o básico não
é percebido, né? Tanto é, que nós temos aí várias pessoas que falam que o cara é bom,
mas não fala que ele tem altas habilidades. Não é? Não falam.
Sua reflexão indica um olhar apurado e bastante realista sobre as possibilidades em
conseguirmos atendimento aos alunos com altas habilidades e alguma deficiência e sobre como
o olhar dos profissionais, suas concepções de educação e ser humano são decisivas, no quadro
de não identificação de dificuldades e/ou talentos. A entrevistada cita o caso de uma estudante
talentosa, ao piano, que por ser deficiente visual, não consegue ser aceita, no conservatório
musical da cidade, mostrando-nos como gargalos poderosos terminam impedindo o trabalho
com os estudantes mais ou menos talentosos:
419
FORMADORA do CAPFC: [...] Igual como a C. falou, tem uma menina com
deficiência visual, excelente em música e o conservatório não aceita a criança. Não
tem sentido, não tem lógica. [...] Porque não é adaptada, eu já ofereci um professor de
AEE para fazer, porque não tem um professor para passar a partitura em BRAILE. Sei
lá, então é não. É mais fácil você falar um não. E a criança está frustrada, já é uma
adolescente, toca piano e não dá andamento. Não é por falta de insistência. Os lugares
são fechados. O pouco que se tem é muito fechado, por isso que eu falo, falta
informação. Falta chegar, nestes lugares, a força da lei mesmo.
As respostas e reflexões da formadora sobre o tema abordam, a todo o tempo, uma
questão que é importante, quando pensamos em identificação e atendimento aos alunos alto-
habilidosos: qual o sentido de identificar alunos, sem que tenham condições de lhes oferecer
qualquer serviço de atendimento especializado? Verificamos, em nossas conversas, e
formações com os professores, este tipo de angústia, onde aparece a questão: Identificamos e,
depois, fazemos o quê? E talvez, neste ponto, tenhamos uma das possibilidades para
compreender a invisibilidade, bem como, os caminhos para o atendimento das pessoas com
AH/SD:
FORMADORA do CAPFC: Pra onde que você manda? Que gás você tem? Porque a
escola tem sua limitação, ainda, ontem, falei para uma professora no HTPC (Horário
de Trabalho Pedagógico Coletivo): “nosso compete é pedagógico, a gente
encaminha”. Nós não podemos deixar o pedagógico, esse é o nosso compete. Mas é
claro que precisa das parcerias. Não é passar para o outro, é fazer junto.
Sua fala deixa evidente como a falta de espaços destinados a práticas culturais,
científicas e esportivas limitam as possibilidades de atuação, com toda a população e que, neste
caso, os alunos com altas habilidades/superdotação são, especialmente, prejudicados. Seu relato
afirma como a degradação da rede de atendimento público à população efetivou-se, não
deixando possibilidades, além, das escolas para qualquer espécie de atendimento, indicando-
nos que a ausência de políticas públicas amplas, e terminam por invisibilizar, ainda mais, o
talento, uma vez que, ciente das carências em equipamentos públicos, onde estes alunos possam
aprofundar suas habilidades, os docentes relutam em fazer a formalização de suas observações
de talentos, culminando com a não identificação.
Um ponto que se verificou, na fala das profissionais sobre o tema, foi a percepção de
que a formação é um gargalo importante, na questão da invisibilidade dos alunos superdotados,
mas não apenas a formação docente, específica em altas habilidades/superdotação, mas sim, a
formação geral, tema amplamente debatido e estudado por pesquisadores brasileiros.
As respostas da formadora, quando relaciona a situação de falta de estrutura à
invisibilidade, mas, também, cobra o papel dos profissionais da educação sobre tema, indicam-
nos uma perspectiva, que deseja superar as dificuldades da educação, como um todo, sem
atentar às amarras poderosas, que limitam o trabalho docente, em determinadas ocasiões. Por
420
outro lado, a entrevistada recusa o corporativismo que coloca todos os problemas fora da escola
e da sala de aula e atribui aos professores e escolas suas parcelas de responsabilidade, no quadro
de invisibilidade, a formadora relata-nos como entende a questão:
FORMADORA do CAPFC: Eu acho que a escola precisa ter esta informação (altas
habilidades/superdotação), precisa ter os seus projetos, o que compete ao pedagógico,
ao acadêmico, esta é a nossa obrigação: diversificar, ser flexível e ser dinâmica, a
prática pedagógica, eu acho que isso, também, está muito precário. Não dá pra você
ficar justificando: “o outro, o outro”, sendo que na minha sala de aula, sou eu. Então,
os projetos, a pesquisa, ninguém vai dizer não faça, sou eu e acabou.
A perspectiva da formadora é a de que caberia aos docentes e gestores,
instrumentalizarem as famílias a que cobrem do poder público a estrutura para o atendimento
as suas crianças, em suas necessidades, sejam elas deficiências ou altas habilidades. Na sua
perspectiva, os docentes também, teriam papel decisivo, na cobrança de serviços aos seus
alunos, provando o judiciário neste sentido. Podemos verificar tal concepção, em suas falas:
ENTREVISTADOR: Para além da estrutura, para além da formação e da informação,
o nó para ti é ação concreta da prática pedagógica da escola?
FORMADORA CAPFC: É. Eu acho que a gente não pode se deixar levar por toda
esta dificuldade que a gente está vivendo. Porque aí, acaba de vez. Eu tenho que estar
sempre à frente, é minha obrigação, é minha responsabilidade, é o meu profissional
que está em jogo, é o meu querer que meu aluno avance, então, isso eu tenho que
fazer, isso é meu.
Sua reflexão evidencia a noção de que apesar de tudo, os docentes precisam se
comprometer com o atendimento aos seus alunos, em suas necessidades, sejam elas deficiências
ou altas habilidades. A fala, por vezes, ingênua, acredita que seria possível ao docente fazer o
“seu papel”, ainda que o poder público e a sociedade não cumpram com os seus, como se estes
fossem elos distintos de uma corrente.
Ponto essencial e, raras vezes, abordado, nos debates sobre o tema das altas habilidades,
é o destaque da formadora, quando a necessidade de que seu atendimento, identificação e
enfretamento faça parte do projeto político pedagógico, de toda a unidade escolar e, não apenas,
de planos de atendimento das salas de AEE, na educação especial. Nas palavras da formadora,
apenas, com toda a comunidade escolar mobilizada para atender tais alunos, existiria alguma
possibilidade de superarmos a invisibilidade:
FORMADORA DO CAPFC: Tem que ter um plano de atendimento e não é de AEE
(Atendimento Educacional especializado), é plano de escola, é do PPP (Projeto
Político Pedagógico) da escola, é plano de sala de aula.
Esta noção de que a escola como um todo, deve ser pensada, quando almejamos atender
aos alunos com altas habilidades e que o trabalho, com estes estudantes, possa contribuir com
421
a reflexão da prática pedagógica docente e ajudar a todos, pessoas com altas habilidades ou não.
Vejamos, nas falas da formadora que se seguem:
ENTREVISTADOR: [...] o que está bem presente na sua fala e, que eu concordo, é
que as altas habilidades/superdotação teriam, na tua avaliação, a possibilidade de fazer
a escola pensar em todos, como um todo? Parecido, inclusive, com o que aconteceu
na própria inclusão. Nós aprendemos muitas coisas, recebendo os meninos de
inclusão. Vou dar um exemplo pra você: a gente aprendeu que muitos métodos de
ensino não serviam para ninguém, quando a gente precisou pensar na inclusão [...]
FORMADORA CAPFC: Sim. Exatamente. Nós estamos agora falando a mesma
coisa. Porque é assim: para você trabalhar, vamos dizer assim, como uma criança com
deficiência, primeiro você tem que se aproximar. Que foi o que eu falei, olhar como
ele é. Então, visivelmente, eu já sei as deficiências, vamos dizer assim, limitações, ou
melhor, características do aluno e aí, eu vou para as possibilidades, perceber a
habilidades destes alunos. Essa é a grande diferença do que tem na escola, quando ela
olha o currículo, sem olhar o aluno. Então, eu me prendo no currículo e não olho o
aluno. E o professor de AEE, por esta prática aproximada, ele vai direto no ser
humano: onde ele está, quem é ele, o que ele sabe, onde vou chegar.
Finalizando as entrevistas, questionamos ambas as profissionais, quanto ao que fariam
para superar a invisibilidade e possibilitarem atendimento aos alunos alto-habilidosos. Diante
de duas experientes profissionais, tivemos respostas que, ainda que tenham caminhado, em
sentidos paralelos, pensamos que possam ser boas referências para pensar em estruturas de
atendimento, combatendo o fracasso escolar e invisibilidade das altas habilidades/superdotação.
Enquanto a formadora pensa em estruturas mais voltadas ao público da educação especial, que
possibilitasse a identificação, a diretora direciona seu olhar para a perspectiva de repensar a
escola, como um todo, no sentido de que seja mais atraente e interessante a todos os educandos,
contemplando, aí, também os talentosos:
ENTREVISTADOR: Agora uma pergunta, hipotética, se agente tivesse começando a
construir um processo de atendimento destas crianças, [...] No teu mundo dos sonhos,
como seria o ideal para se trabalhar com estas crianças?
FORMADORA do CAPFC: Eu vejo que faz falta um Centro de AEE – Atendimento
Educacional Especializado, que também é orientação do MEC.
ENTREVISTADOR: Aí você tá falando de um centro pra todo AEE?
FORMADORA do CAPFC: Para todos. Eu vejo que isso faz muita falta. Precisa de
um Centro de AEE e isso eu venho falando, todos os anos, que eu estou aqui. Que
inclusive a orientação do MEC é que as Escolas Especiais virem Centros de AEE. E
nós temos uma escola especial aqui. [...]É. A minha briga, a minha fala é essa.
Transformem o Princesa Isabel (Escola Especial da cidade) num Centro de AEE.
Neste Centro de AEE, você pode colocar vários núcleos de atendimento. Então, ter
formação continuada, ter oficinas pedagógicas e um núcleo para atender estes alunos.
Porque aí é um polo e você vem com as parcerias. Então o aluno X precisa de tal coisa,
aí você corre atrás. Tem que centralizar. [...]senão fica muito aberto, muito solto.
Entendeu?
Enquanto a formadora do CAPFC entende que o trabalho e modelo de atendimento aos
alunos com altas habilidades/superdotação passaria pela solução, da urgente necessidade da
422
cidade, de ter um centro de atendimento aos estudantes com necessidades especiais, dentre
estes, os alto-habilidosos, de modo que o trabalho pudesse ser sistematizado, centralizado e
melhor planejado, evitando-se o atual quadro de fragmentação, que termina por causar a
invisibilidade.
A diretora entende que o atendimento passaria, necessariamente, pela revisão das
concepções, práticas e estruturas das escolas, como um todo, tornando-se mais aberta à
contribuição dos alunos e que possibilitasse aos educandos traçarem, em alguma medida, seus
projetos de pesquisa e estudos. Assim, uma escola, mais democrática, que objetivasse levar o
conhecimento a todos, a partir da crença de que todos podem aprender, este seria o caminho
para o atendimento ao público, com altas habilidades/superdotação.
Ainda que possam parecer, as propostas não são excludentes e poderiam,
tranquilamente, caminhar juntas. A existência de um centro de atendimento que ajudasse, por
exemplo, na identificação dos alunos com altas habilidades/superdotação, não é recusada pela
diretora, assim como, a necessidade de novas práticas pedagógicas e formação docente são
destacadas pela formadora:
ENTREVISTADOR: E aí, a pergunta é a seguinte: como é que você imagina que
poderia ser um modelo de atendimento e identificação destes meninos? Sonhando, o
que que você faria? Se eu fosse da SEDUC e dissesse assim: - Oh, o que que eu faço
pra te ajudar? Qual seria o modelo que você imaginaria?
DIRETORA: Ai, ai, Leandro eu acho que... porque é tão difícil ao contrario né? Mas
eu acho que a escola, também, tinha que ser super, né? [...] Tu tá falando depois que
a gente tivesse um diagnóstico, como é que a gente lidaria com estes meninos?
ENTREVISTADOR: Isso,[...] como é que você imagina que a gente poderia [...] como
lidar com estes meninos?
DIRETORA: É, eu acho que o diagnóstico é mais difícil do que como lidar com eles.
Depois que você tem um diagnóstico, eu acho que você pode pensar numa escola
diferente, de pesquisa, onde eles busquem seu espaço, o seu tema de pesquisa, né?
Porque são crianças que vão conseguir focar naquilo que eles gostam, no que eles têm
mais habilidade, já escolheram! Em geral, eu acho que quem tem alta habilidade, já,
de repente, tem uma escolha de um certo movimento profissional, artístico e tal. E aí
eu acho que por projetos, projetos de estudos deles mesmos, né? Eu acho que nada
pronto, pra esses meninos fazerem, eu acho que daria pra aproveitar e tirando deles
aquilo que eles podem dar e acontecer com eles, um laboratório mesmo. [...] Eu
investiria, como a gente investiu na escola M., na generosidade do conhecimento. Sem
podar o crescimento destes meninos, essa alta habilidade, porque eu acho que a escola,
às vezes faz isso. Você só aprende até aqui.
ENTREVISTADOR: Eu acho que o que fica, então, só pra tentar ver se eu te entendi,
é que a escola precisa ser super também?
DIRETORA: Super também! Porque [...] mesmo a criança de baixa habilidade, eu
acho que a gente podia investir, em outras formas de linguagem. Vou dar o exemplo
que uma professora me citou ontem, ele tava trabalhando de cuidadora, com uma
criança autista, na faixa do sétimo ano, aí chegou, na escola e a coordenadora,
orientadora, não sei, falou pra mãe que ela evitasse que ele desenhasse, que aí, ele só
ia querer desenhar. Então, ela levou isso como tarefa, não vai desenhar, faz a lição,
423
até que um dia teve tipo três brigas, dentro da sala, esse menino autista ficou super
agitado e aí ela relaxou, disse, hoje não vai dar pra ficar monitorando esta atenção dele
e aí, ela deixou ele fazer o que ele achasse melhor! E aí, a professora está lá explicando
o ciclo da água e sei lá o que, e ela desenhou... Aí, ele desenhou, uma onda, o surf, o
vento, o ciclo da água, ele foi o único que prestou atenção, na sala. Então, isso é baixa
habilidade ou é alta habilidade? Né? O que que é que a gente tá vendo nas pessoas?
Só porque ela tem um canal de atenção diferente do meu, eu já acho que ela é menor,
né? [...]Mas eu acho que a gente está lidando com pessoas diferentes, nem mais, nem
menos. E nós não estamos preparados pra isso, e pra escola lidar com isso, ela precisa
ser mais! Precisa ter um plus, [...] Pra todo mundo, pro grupo todo.
Terminamos esta parte do capítulo, com a reflexão da diretora entrevistada, que indica
a necessidade da escola ser diferente, em suas palavras, para lidar com os superdotados, mas
não com estes, apenas. A escola precisaria se reinventar, reavaliar a forma como olha os seres
humanos, em suas possibilidades e formas de expressão, construir práticas pedagógicas, onde
os alunos pudessem ser mais responsáveis pelos seus estudos e pesquisas, bem como, trocar
experiências e conhecimentos, dando aos alto-habilidosos possibilidade de maior
desenvolvimento. Em suma, nas palavras da diretora caberia à escola ser “super”, também,
indicando que, aos seus olhos, a solução passa pela mudança da escola como um todo e não,
apenas, da construção de salas isoladas, práticas descoladas do todo, em que se tenta atender
apenas aos estudantes com altas habilidades/superdotação.
6.5- As instituições que atendem alto-habilidosos, no Sudeste Brasileiro
Como parte da pesquisa, incluímos visitas às instituições, que atendem alto-habilidosos,
como forma de melhor compreender o quase inexistente atendimento a estes alunos, no Brasil.
Com as visitas, visávamos aos seguintes objetivos:
1- Conhecer o atendimento aos alto-habilidosos nas instituições especializadas;
2- Verificar como ocorre a identificação e as atividades oferecidas aos estudantes;
3- Avaliar quais teorias embasam os profissionais e instituições;
4- Conhecer qual a opinião dos especialistas sobre a invisibilidade;
Como opção metodológica, organizamos as visitas de campo, de modo que pudéssemos
conhecer, ao menos, uma instituição, em cada estado da região Sudeste e, assim, obter
informações, que nos permitissem avaliar variados modelos de atendimento e ter um quadro
geral sobre o trabalho, com altas habilidades/superdotação, na região, com a população e
desenvolvimento econômico e científico do país, onde poderíamos supor que existissem
maiores oportunidades as ações de atendimento aos “talentos”, no Brasil.
424
Deste modo, tentamos a visita a 05 instituições, 03 privadas e 02 públicas, no período
de novembro de 2014 a abril de 2016, objetivando uma análise comparativa.
As entidades visitadas localizavam-se em centros urbanos do Sudeste, sendo os
encontros, previamente agendados com a diretoria das instituições, onde apresentávamos a
pesquisa que desenvolvemos. Algumas instituições demonstraram mais disponibilidade em
colaborar que outras, de um modo geral, notamos certo receio em relação a nossa visita, em
todas as instituições percorridas, que exigiam explicações sobre a pesquisa, que instituição
representávamos, nosso conhecimento teórico sobre o tema e, por vezes, mesmo com as cartas
de apresentação da Universidade, percebíamos temor e insegurança sobre permitir ou não a
visita, aceitar ou não a conversa, o que nos fez optar por entrevista semiestruturada, sem
gravação, pois o gravador poderia dificultar a conversa e aumentar a resistência à pesquisa.
Durante nossas pesquisas, pudemos observar a existência de 03 tipos de Instituições
dedicadas a atender o público, com altas habilidades/superdotação, são elas: as instituições
públicas, as privadas e as organizações não governamentais (ONGs) que atendem alunos da
rede pública de ensino.
Entre as instituições públicas, temos os NAAHS, que são núcleos dedicados ao
atendimento a alunos, orientação a pais e professores, sendo que, desde 2006, temos um núcleo
implantado em cada estado, da federação. Buscamos contato para a visita e análise dos núcleos
de atendimento dos estados de: São Paulo e Espírito Santo e, em todas as ocasiões, as tentativas
de contato telefônico e por e-mail, não foram bem-sucedidas, indicando a dificuldade que uma
família, ou professores enfrentam ao buscar informações nestes núcleos, somado ao fato, de
que estão localizados nas capitais, inviabilizando o atendimento às crianças, residentes no
interior.
Para ter acesso ao trabalho dos Núcleos, passamos a “seguir” as páginas dos NAAHS,
de diversos estados e dos profissionais destas instituições, na rede social: “Facebook”. Desta
forma, pudemos conhecer os alunos e atividades desenvolvidas, constatando que as oficinas
concentram-se em atividades ligadas às artes plásticas, com raros trabalhos no campo das
Ciências, o que demonstra as limitações do programa.
6.5.1 - O Instituto Rogério Steinberg – IRS
A primeira visita ocorreu, no dia 18 de novembro de 2014, no período vespertino, no
IRS (Instituto Rogerio Steinberg), no bairro Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro.
425
Organizamos a visita, de modo que pudesse ser realizada, durante nossa estadia, na
cidade do Rio de Janeiro, por conta de nossa participação no V congresso da CIPA –Congresso
Internacional de Pesquisa Autobiográfica; realizado em novembro de 2014, na UERJ-
Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Localizado no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, a instituição está sediada em um
prédio de três andares que, apesar de pequeno, tem uma ótima distribuição espacial. A
administradora do Instituto informou que o lugar é alugado, sendo que a instituição se mantém
com recursos da família fundadora, que é do ramo das indústrias. Há também patrocínio de
muitas empresas privadas, como a Statoil, companhia petrolífera, norueguesa. Assim como,
captação de recursos, junto aos financiadores, como o programa: “Criança Esperança”, da Rede
Globo de televisão.
Dedicada ao atendimento a alunos, das escolas da rede pública carioca, tendo a maioria
de seus educandos morando em bairros da periferia da cidade do Rio de Janeiro, como a
comunidade do Vidigal, ou filhos de zeladores e funcionários dos condomínios, da Zona Sul,
do Rio de Janeiro.
Segundo a administradora, o fato de conviverem próximo aos setores elitizados, da
cidade do Rio, imprime nestes alunos (filhos de funcionários dos prédios da zona sul, como
porteiros, zeladores e empregadas domesticas) buscas por uma maior escolarização, desejando
o ingresso na universidade.
Contando com uma estrutura bastante profissional, a Instituição possui uma funcionária
responsável por administrar a instituição, recepcionista, trabalhadores de limpeza e grupo de
professores e psicólogos, que são responsáveis pela identificação e trabalho com os educandos.
Os custos com estes funcionários são de responsabilidade dos mantenedores.
Durante a visita, conhecemos a forma de ingresso ao IRS. O instituto tem parceria com
3 (três) escolas da região e, anualmente, os professores destas escolas da rede municipal, da
cidade do Rio de Janeiro, recebem uma ficha de indicadores134, de alunos com altas
habilidades/superdotação, organizados pela professora da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, Cristina Delou, uma das mais renomadas pesquisadoras da área.
O Instituto atende, apenas, alunos de escolas públicas e os professores destas escolas,
após, assistirem às palestras, com os profissionais do IRS, preenchem fichas de avaliação
coletiva e relatórios de avaliação individual, para os alunos que se destaquem. Os educandos,
que chamem a atenção, são encaminhados ao IRS, onde passam por uma bateria de testes de
134 A ficha de identificação de alunos com perfil de AH/SD de autoria de Delou, segue anexa.
426
inteligência e criatividade135. Aqueles que obtêm um percentual superior a 95% são convidados
a se juntar aos alunos do Instituto. Segundo os profissionais, o IRS tem interesse em buscar
aqueles alunos, com habilidades muito acentuadas e acima da média.
O poder público contribui com a permissão para a seleção de estudantes, nas escolas da
rede pública e, também, com o fornecimento de passe escolar aos alunos, para a frequência ao
Instituto, nada mais. Demonstrando assim, que não é prioridade da prefeitura, do Rio de Janeiro,
o atendimento a este público.
No IRS, vimos alunos envolvidos em oficinas de moda, artes, computação e uma turma
preparatória para as provas de seleção, do Colégio Pedro II.
Pelas paredes do Instituto, banners com fotos e relatos de ex-alunos, que ingressaram na
PUC, UERJ e UFRJ, as histórias de sucesso estão afixadas pelas paredes.
Observamos que muitos pais permanecem no IRS, na recepção, enquanto seus filhos
concluem as atividades, pois moram longe, o que indica que a permanência, nas atividades de
enriquecimento, exige esforços de famílias trabalhadoras, nem sempre fáceis de conciliar com
seus empregos e atividades.
Os alunos mostraram-se envolvidos e motivados, bem como as famílias. Vimos muitas
crianças com uniformes da rede pública do Rio e inúmeros alunos negros presentes. O clima de
esforço e dedicação era visível, sobretudo, na turma que se preparava para o ingresso no Pedro
II. Podemos imaginar a importância que a luta, para ingressar em uma escola tradicional, como
a citada, possa ter para uma família de trabalhadores.
A administradora e os profissionais demonstraram satisfação com o trabalho, aliás, esta
será uma constante, nos relatos de quem trabalha com crianças com AH/SD.
Em seu relato, a administradora mostrava-se, profundamente, orgulhosa dos ex-alunos
bem-sucedidos e ressentia-se em não poder receber mais educandos, por dificuldades
orçamentárias. Relatou-nos, também, que recebia visitas de pais de classe média, com filhos
com altas habilidades/superdotação, afirmando que as escolas da Zona Sul carioca não atendiam
seus filhos em suas necessidades especiais e, mais uma vez, demonstrou sua impotência, pois
135 Segundo as psicólogas da instituição são usados os testes: “WISCIV - Escala Wechsler de Inteligência para
Crianças”: A Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 4a Edição (WISC-IV) – é um instrumento clínico
de aplicação individual, que tem como objetivo avaliar a capacidade intelectual das crianças e o processo de
resolução de problemas. Faixa etária: 6 anos e 0 meses a 16 anos e 11 meses . É composto por 15 subtestes, sendo
10 principais e 5 suplementares e dispõe de quatro índices, a saber: Índice de Compreensão Verbal, Índice de
Organização Perceptual, Índice de Memória Operacional e Índice de Velocidade de Processamento, além do QI
Total. IN: http://www.casadopsicologo.com.br/wisc-iv-escala-wechsler-de-inteligencia-para-criancas-
kit.html#.WPuPAEXyuj4 Consultado em 23/04/2017 às 14h.
427
as normas do IRS não permitem o atendimento de alunos da rede particular. A falta de
envolvimento, interesse e apoio do poder público foi destaque para expor a situação de
invisibilidade dos educandos, falta de interesse esta citada nas negativas em contribuir com
recursos, profissionais, possibilidades de formação aos estudantes, transporte aos familiares
e/ou qualquer suporte a famílias, alunos e instituições com AH/SD. A ausência de atenção e
interesse do poder público será destacada pela administradora como o principal motivo e causa
da invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos.
A escolha da instituição ocorreu por sua localização, afinal, situa-se na segunda maior
cidade brasileira e o segundo maior centro de produção científica, do Brasil, contando com
entidades educacionais muito tradicionais, no estado, que atraem e selecionam talentos, como
os colégios: “Pedro II”, o “Santo Inácio”, “Colégio Naval”, bem como, as universidades:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade
Federal Fluminense, PUC- RJ, Fundação Oswaldo Cruz- Manguinhos, etc.
Outro fator, que nos levou ao IRS, foi o mesmo ter ligações teóricas com uma das
pesquisadoras em altas habilidades/superdotação, mais renomadas do Brasil, a professora
doutora Cristina Delou, o que nos permitiu avaliar o impacto da pesquisa, no trabalho prático
desta instituição.
Por fim, o IRS possui uma constituição particular, em relação as outras instituições
visitadas, pois é a mais ligada à inciativa privada, recebendo recursos e doações de grandes
empresas nacionais e estrangeira, tendo sua história de fundação ligada a uma rica família de
empresários, que perdeu seu talentoso filho, ainda, muito jovem e fundou a IRS.
6.5.2 - O “CEDET-Lavras”
O CEDET–Lavras é um dos mais antigos e conhecidos centros de atendimento às altas
habilidades/superdotação, no Brasil. Com mais de 25 (vinte e cinco) anos de existência e
milhares de ex-alunos, da região de Lavras em Minas Gerais, o CEDET notabiliza-se por ser o
único Centro de Atendimento, que possui filiais em outros estados e bibliografia própria do
Instituto, promovendo, a cada 2 (dois) anos, um Congresso para especialistas na área.
O CEDET é uma ONG integrada à Secretaria Municipal de Educação da Cidade Lavras,
em Minas Gerais. Embora tenha havido alguma ajuda do MEC e da FAPEMIG para aquisição
de equipamentos, as despesas maiores com a manutenção básica do Centro são de
responsabilidade da Prefeitura Municipal de Lavras. Gastos extras com atividades, excursões,
material de artes e esportes são cobertos pela ASPAT – Associação de Pais e Amigos para
428
Apoio ao Talento, ONG que recebe doações da comunidade e de particulares, organiza
movimentos de arrecadação de fundos.
Cabendo destacar que o CEDET possui filiais em cidades do interior de São Paulo e
Minas Gerais como: São José dos Campos, Assis, São José do Rio Preto e, também, em Poços
de Caldas-MG.
A visita que realizamos ao CEDET-Lavras ocorreu seis meses, aproximadamente, após
a visita ao Instituto Rogerio Steinberg, no Rio de Janeiro. No dia 10 de abril, de 2015, na cidade
de Lavras, em Minas Gerais.
A escolha do CEDET de Lavras deu-se, em primeiro lugar, por considerarmos que a
situação de invisibilidade ocorria de forma mais acentuada, em localidades no interior e
distantes de centros econômicos e acadêmicos e, assim, a oportunidade de conhecer um centro
de trabalho, com altas habilidades/superdotação, distante das capitais, apresentou-se muito
interessante. O segundo motivo pela escolha do CEDET, foi por se tratar de um dos projetos
mais antigos, do Brasil, que funciona desde 1992, com forte ligação com a pesquisadora Zenita
Guenther.
Mesmo sendo uma instituição privada tem particularidades, que a colocam em uma
situação bastante específica. Em primeiro lugar, não podemos falar em CEDET, sem mencionar
a professora doutora Zenita Guenther, discípula e ex-aluna de Helena W. Antipoff. A
professora Zenita atuou com alunos com altas habilidades/superdotação, na fazenda do Rosário,
nos anos 1950 e 1960, tendo realizado estudos, nos Estados Unidos – Flórida, concluindo
doutorado em Psicologia, com a equipe de Françoys Gagné.
A primeira grande diferença entre o CEDET e demais institutos é que, teoricamente,
filia-se as proposições de Gagné, para entender as altas habilidades, apresentando assim, uma
crítica a corrente teórica dominante, baseada na teoria dos Três anéis de Joseph Renzulli.
Zenita Guenther, é uma outsiderdo mundo acadêmico, no que tange as altas
habilidades/superdotação, em boa parte, pela defesa que faz da prevalência da genética sobre
os fenômenos sociais e históricos, na formação das altas habilidades/superdotação. Mas
também, pela forma pouco diplomática, com que avalia a produção intelectual nacional.
Apresentando uma postura, nitidamente, antiacadêmica e anti-intelectual, tradicional na
cultura estadunidense, onde se formou academicamente, a pesquisadora olha com certo desdém
a produção intelectual brasileira sobre altas habilidades/superdotação, não considerando
relevantes os interesses de pesquisadores em relação à temática. Tal posição foi evidenciada
inclusive conosco, durante nossa visita ao CEDET, quando lhes expomos nossa pesquisa de
doutorado.
429
A professora Zenita é uma workaholic do trabalho com alunos alto-habilidosos, seu
interesse concentra-se, basicamente, no atendimento aos estudantes, sobretudo, aos mais pobres
e seu pouco interesse nas pesquisas acadêmicas mudou completamente, quando soube que
éramos gestores de escolas públicas, em São Paulo, pois lhe possibilitou falar do que ela
conhece e mais gosta, nas suas palavras: “os meninos” e da oportunidade de levar atendimento
a mais crianças e jovens talentosos do Brasil.
Além de adotar uma concepção teórica diferente, da maioria dos pesquisadores e
instituições brasileiras, o CEDET, também, usa terminologia distinta dos demais envolvidos no
tema, substituindo e recusando os termos superdotação e altas habilidades, pela noção de
dotação e talento, pois a ideia de altas habilidades é refutada, em nome do conceito capacidades.
O CEDET utiliza bibliografia própria, sendo que quase todas as obras usadas pela instituição
são produções diretas da professora doutora Zenita, que, em seus mais de dez livros, não cita
uma única obra de autor brasileiro, sobre a temática das AH/SD.
Por meio destas divergências, o CEDET afasta-se tanto na teoria, como na prática, do
restante do Brasil e a professora Zenita rejeita mesmo as propostas de enriquecimento
curricular, modelo mais aceito pelos educadores/pesquisadores, uma vez que o considera
inócuo e ineficaz.
Segundo Guenther, o grande motivo para a invisibilidade das altas
habilidades/superdotação, no Brasil, deve-se à fraca qualidade de nossa produção acadêmica,
que se atêm às questões políticas, tornando-se pouco científica e inválida, levando o país a
basear suas ações e legislações em teorias e terminologias equivocadas. A doutora Zenita não
perde oportunidade para contestar as concepções teóricas dos pesquisadores brasileiros, rejeitar
suas explicações sobre a natureza das altas-habilidades e motivos da invisibilidade, bem como,
para dizer que os brasileiros produzem ideologia e não ciência sobre o tema.
Suas posições espraiam-se pelo funcionamento do CEDET e têm forte influência no
trabalho do Centro. O modelo de identificação baseado em fichas preenchidas por docentes, do
Ensino Regular; as atividades de confirmação de altas habilidades/superdotação realizadas por
profissionais do CEDET treinados na metodologia desenvolvida por Guenther e baseadas nos
escores de avaliação deste instituto; bem como, a participação nas oficinas oferecidas por
voluntários, também, imbuídas da concepção de inteligência de Guenther e Gagné, são traços
marcantes do Centro.
O CEDET é administrado pela Associação de Pais dos Alunos, “ASPAT”, que se
responsabiliza pela manutenção do Centro, tendo como presidente um empresário da cidade,
também, presidente do Rotary Club de Lavras.
430
A professora Zenita é presidente de honra do CEDET. O centro conta com uma
coordenadora, cedida pela rede municipal de ensino de Lavras, a qual foi ex-aluna do CEDET,
outra especificidade do instituto. Os docentes responsáveis pela conversa e palestras com os
professores, nas escolas regulares e, também, pelo processo de identificação e estrutura de
atividades, a serem desenvolvidas pelos educandos, são da rede municipal, cedidos pela
prefeitura, o que configura modelo diferente de funcionamento.
Assim, os trabalhos no CEDET são desenvolvidos por profissionais da rede municipal
e voluntários, sendo administrados por pais de alunos alto-habilidosos e presididos por um
empresário filantropo da cidade.
O CEDET atua em 10 (dez) escolas municipais de Lavras, onde professores do centro
formam os professores das escolas municipais e selecionam alunos, mantendo a escola
informada quanto aos trabalhos e avanços de estudantes, criando um vínculo, raríssimo, em
outras instituições, uma vez que, realiza a integração entre centro de altas
habilidades/superdotação e escola regular.
Em média, 500 (quinhentos) alunos são atendidos e passam por oficinas artísticas, de
Literatura, Ciências, Xadrez, Matemática, realizando visitas a universidades, tendo parceria
com o Instituto de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras, fator decisivo de diferenciação
do CEDET, pois, concentra atenções nas atividades de caráter educacional e científico,
enquanto, na maioria do Centros, prevalece as atividades artísticas.
O CEDET recebe alguns alunos da rede privada de ensino, mas, predominantemente, o
público que frequenta o Instituto e faz parte das preocupações da professora Zenita são os alto-
habilidosos, filhos da classe trabalhadora, moradores da área rural e alunos, da rede pública de
ensino, nas palavras dela: “Estes encontram dificuldades para desenvolver seus dotes e
talentos”.
Durante a visita ao Centro, pudemos verificar laboratórios e estrutura simples, mas
muito bem organizados e atenciosamente cuidados, fica evidente o cuidado com cada detalhe e
a disposição dos materiais de modo a melhor atender aos estudantes. Tivemos a oportunidade
de conversar com alguns alunos, que aguardavam o início da oficina de Matemática e esses
tinham noção de seu potencial; relataram-nos que alguns colegas de turma, na escola regular,
tinham vontade de frequentar o CEDET. Uma das alunas descreveu que não sabia de onde vinha
seu talento para a Matemática, mas ressaltou que o fato de sua mãe ser professora da área, pode
ter ajudado. De um modo geral encontramos crianças bem informadas sobre sua condição,
envolvidos com as atividades, e aparentemente muito satisfeitas com a oportunidade de poder
frequentar a instituição.
431
Saímos do CEDET com a seguinte sensação: Quem não se beneficiaria com tal
estrutura? Por que não ofertar a todos tais condições? E com o convite da professora Zenita,
para que retornássemos o contato e levássemos responsáveis pela Secretaria de Educação da
nossa cidade ao CEDET, para que discutissem a abertura de um CEDET, no litoral Paulista.
CEDET e IRS guardam muitas diferenças quanto a concepções, atendimento e
funcionamento, a primeira grande diferença verificada entre o IRS e o CEDET foi quanto a
resistência em aceitar visitas de pesquisadores, enquanto, a primeira instituição, fortemente,
ligada a grandes empresas, com financiamento, inclusive, do projeto: “Criança Esperança”,
demonstrou pronto interesse na visita e enxergava, na pesquisa, uma forma de divulgar o
trabalho da Instituição.
Em Lavras-MG, sabíamos a forte resistência que encontraríamos à visita ao CEDET,
bem como, que grande parte desta se devia ao fato de sua patrona e idealizadora, a professora
doutora Zenita ser uma espécie de outsider, no campo acadêmico brasileiro sobre o tema e
demonstrando certo incômodo e receio sobre o olhar do pesquisador, em relação ao centro de
trabalho, seu funcionamento e, sobretudo, a produção intelectual da professora.
No CEDET-Lavras, desde a administração, até os mínimos detalhes, passam pelas
concepções teóricas de Zenita Guenther, incluindo a idealização da instituição.
O CEDET funciona, basicamente, por meio de duas instituições o CEDET e a ASPAT,
o centro funcionando em uma casa antiga, mas muito bem cuidada, na região central da cidade
de Lavras, e a ASPAT localizada na mesma rua do centro e distante deste cerca de 15 metros,
em uma espécie de chácara, com pomar, jardins bem cuidados e uma casa ampla, simples e
austera, tendo no muro a indicação de que ali era a ASPAT.
Durante a visita, ficamos curiosos com a estrutura da ASPAT-CEDET e fomos
convidados a nos sentar, na varanda, da casa onde se localiza a ASPAT, em uma ampla mesa
para convidados. A coordenadora retirou-se e ao regressar, trazia consigo dezenas de livros do
CEDET para nos “apresentar”.
Após 1 (uma) hora, aproximadamente, de resistência e tentativa de nos mandar embora,
e insistência nossa em conversar com a Dra. Zenita, a coordenadora surpreendeu-nos com a
seguinte afirmação: “-Faça 5 (cinco) perguntas, nesta folha, que levarei à doutora e ela
avaliará se lhes responde, por escrito!”
Surpresos, pensamos bem no que perguntaríamos, selecionamos as palavras,
salientamos a expressão dotação, pois sabíamos que estávamos sendo avaliados, quanto à
filiação teórica e no papel seguiram três perguntas:
- Como a senhora explica as altas habilidades/superdotação?
432
- O que o CEDET pode nos ensinar sobre o tema?
- Por que os alunos, com altas habilidades/superdotação, são invisíveis em nossas escolas?
A coordenadora entrou na casa e, após alguns minutos, saiu com o papel nas mãos, em
branco, mas em contrapartida disse-nos: “Aprontem-se! Em 10 minutos a doutora irá lhes
receber, para uma conversa de não mais de 20 (vinte) minutos.”. Pensamos: “600 km apenas
de ida por 20 minutos? Mas já era melhor que nada!”
Depois, soubemos que a coordenadora é professora da rede municipal de Lavras, aluna
egressa do CEDET, sendo membro do Centro, durante toda a sua infância e adolescência, com
fortes vínculos com a Instituição e a doutora, o que é demonstrado em seu cuidado e zelo.
Adentrando a casa, demos conta que a sede a ASPAT era também, a residência da
professora doutora Zenita Guenther, que nos recebeu, em seu escritório-biblioteca, sentada à
mesa de trabalho, onde fomos informados de que não caberiam gravadores e, após breve
apresentação, fomos convidados a sentar e a professora doutora dispensou a coordenadora.
Todas as dificuldades impostas, até o momento da conversa, desapareceram quando a
professora iniciou sua reflexão sobre o tema, afinal, antes de qualquer coisa, trata-se de alguém
completamente apaixonado e envolvido com o tema. São marcas profundas da professora
Zenita: o cuidado com a Instituição CEDET, a preocupação com o atendimento aos estudantes,
a repulsa e crítica a produção intelectual e ações do poder público, na área e a relação de
deferência à produção, legado e trabalho de sua mentora Helena Antipoff.
Durante as mais de 2 horas, em que a conversa fluiu, com alegria e tranquilidade, a
professora discorreu sobre os mais variados temas: a fraca qualidade da produção científica
brasileira sobre AH/SD; a posição dos intelectuais brasileiros que são muito envolvidos em
debates teóricos e ideológicos, mas, quase nada, objetivamente prático fazem para mudar a
situação dos meninos; o total abandono do poder público em relação ao estudantes e temática;
os erros conceituais, terminológicos, que acabam por produzir legislação frágil e equivocada, a
qual mais atrapalha que ajuda; as explicações equivocadas para a invisibilidade e mesmo
atendimento aos alto-habilidosos, sobretudo, as conquistas, funcionamento, princípios,
concepções do CEDET e a imensa preocupação com garantir atendimento aos meninos e
meninas talentosas, acolhendo os mais pobres e oriundos de regiões do interior do país, bem
como, seu interesse em abrir novos CEDET’s em outras regiões.
Guenther conhece, participa e influencia cada uma das atividades do CEDET, seja a
captação de recursos, seleção de voluntários, mobilização dos pais, formação dos trabalhadores,
apresentação do Centro, em congressos e simpósios, estrutura de atendimento aos estudantes,
tudo passa pelas suas mãos e preocupações. E assim, esta senhora já octogenária, com aparência
433
frágil, demonstrou-se uma lutadora incansável na defesa dos direitos de atendimento aos
estudantes e ruptura com a invisibilidade.
No final das duas horas de conversa, cuja a proposta inicial seria 20 minutos, fomos
obrigados a encerrar o delicioso diálogo, por temer cansar, em demasia, a doutora que havia
passado a falar, livremente, sobre tudo que se relacionava ao tema. Ora conseguíamos que
discorresse sobre nossas perguntas, previamente, organizadas, mas, no geral, a doutora preferia
falar sobre o que lhe interessava e julgava que deveríamos saber, e tais preocupações giraram
em torno da necessidade de uma teoria adequada sobre AH/SD, a importância de utilizarmos
terminologias assertivas, de acordo com as concepções teóricas da doutora e o abandono do
poder público sobre o tema. Tivemos, diante de nós, uma intelectual, mas, sobretudo, uma
trabalhadora apaixonada na área, com uma urgência e quantidade de temas que desejava dar
encaminhamentos incríveis. Saímos da conversa, com sua autorização, para visitar, livremente,
o CEDET, e com o convite, insistente, de que voltássemos, levando o secretário de educação
de nossa cidade, porque ela explicaria a importância do tema, ajudando-nos a romper com a
invisibilidade e a pertinência da abertura de um CEDET, no litoral paulista, como forma de
atender aos nossos meninos.
Como não poderia deixar de acontecer, saímos da interlocução e, posteriormente, da
visita, encantados com a dedicação, seriedade, estrutura e organização do CEDET, mas tocados,
em especial, pela disposição da Dra. Zenita em ajudar quem deseja, efetivamente, trabalhar pelo
atendimento aos estudantes. A contradição apresentada era clara, de um lado, o centro e a
professora Zenita tinham opções teóricas que são, diametralmente, opostas a tudo o que
acreditamos e defendemos, sendo que a primazia da genética, na formação dos talentos e
explicações para a invisibilidade eram apenas algumas delas, ainda que fossem as mais
importantes. Por outro lado, era inegável a qualidade do trabalho com os alunos, a preocupação
com as escolas públicas, a parceria com as escolas regulares, a administração realizada pelos
pais dos estudantes, a atuação que tinha cuidados em exagerar na intervenção de empresas, na
instituição e a busca por soluções simples, mas, de alta qualidade, no atendimento aos
estudantes. O CEDET seria, ao longo de nosso trabalho, talvez, a instituição melhor estruturada
e próxima à realidade da escola pública, que verificamos e, ainda que, teoricamente, tivéssemos
todas as discordâncias, saímos da instituição com misto de dúvidas, ideias, com admiração à
professora Zenita e a instituição.
434
6.5.3 - A visita Ao NAAHS de Vitória, no Espírito Santo
A opção pela visita ao NAAHS de Vitória, no Espírito Santo, deve-se ao fato deste ser
um dos núcleos mais atuantes, no sudeste brasileiro, ao contrário dos demais estados do
Sudesteque têm as principais ações de atendimento, aos alunos superdotados/altas habilidades,
concentradas em ações ligadas a projetos vinculados a filantropia e iniciativa privada, como
nos casos de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Em Vitória, temos a principal forma de
atendimento a estes alunos concentrada na atuação nos núcleos de atendimentos de altas
habilidades, uma ação ligada à educação pública.
Outro diferencial do NAAHS-Vitória é que seus pesquisadores e idealizadores têm bom
trânsito, nos debates acadêmicos sobre o tema, com participações e publicações em congressos
e eventos científicos.
O NAAHS, de Vitória, funciona na Escola Estadual de ensino fundamental e médio,
Desembargador Carlos Xavier de Paes Barreto, situada no Bairro Praia do Suá, na cidade
Vitória. A escola está localizada, na região central, a uns 10 minutos da prefeitura da cidade e
da câmara dos vereadores, em uma grande avenida do município e próxima aos bairros ricos da
orla da Praia. O Núcleo conta com a vantagem de estar em uma região que, ainda que distante
da periferia da cidade, é marcada por algumas facilidades no acesso com transporte público,
bem como, por estar localizado próximo às pontes que ligam Vitória à cidade de Vila Velha, a
segunda maior cidade, do Estado do Espírito Santo e provável localidade com potencial de
grande contingente de alunos a serem atendidos. Outro ponto positivo da localização do núcleo
ésua proximidade com o Campus da UFES.
O Núcleo de Vitória funciona, em uma escola bem estruturada e grande, situada,
exatamente, ao lado da Secretaria Estadual de Educação e, desta forma, próxima ao centro de
decisões burocráticas do sistema de educação estadual, bem como, com acesso a boa
infraestrutura e recursos, já que a secretaria de educaçãonão tem interesse em ter uma escola
pública sucateada, nas suas redondezas.
O núcleo tem um consistente trabalho de divulgação, da situação dos alunos com altas
habilidades/superdotação, sendo que, sua principal via de comunicação e divulgação são as
redes sociais, em especial, seu perfil no Facebook136, página que conta com 150 seguidores,
entre estes, importantes pesquisadores brasileiros sobre altas habilidades/superdotação e a
grande maioria de estudantes e professores das regiões de Vitória e Vila Velha.
136 O NAAHS capixaba mantém perfil na rede social Facebook no endereço: https://www.facebook.com/naahses/
e desde a data de 20/11/2014 não temos atualizações na página.
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Na página, podemos encontrar, principalmente, as atividades desenvolvidas pelo núcleo
e seus alunos e professores, bem como, reportagens da grande mídia sobre as altas
habilidades/superdotação. Assim, a página tanto divulga suas realizações, como tenta informar
interessados na temática.
A exemplo do núcleo paulista, tentamos agendar a visita ao NAAHS-Vitória, inúmeras
vezes, sem sucesso; as tentativas de contato telefônico, eletrônico não tiveram resposta.
Assim, pudemos constatar o primeiro problema enfrentado por pais, professores,
gestores e alunos, quando se deparam com o fenômeno altas habilidades e precisam de algum
tipo de ajuda, pois não bastasse a pouca informação, o fato de todas as ações públicas de
atendimento a estes estudantes, localizarem-se, nas capitais dos Estados, a comunicação é
difícil, o que pode, em muito, contribuir com a situação de invisibilidade destes estudantes.
Sem confirmação das tentativas de contato, decidimos visitar, pessoalmente, o Núcleo,
em oportunidade que estivéssemos, no Espírito Santo, para a participação de um congresso
científico. Uma vez, no Espírito Santo, novamente, a comunicação foi difícil. Os e-mails não
são respondidos, os telefones não atendem, e não recebemos retorno de nenhum de nossos
contatos, durante cinco dias, que estivemos em Vitória.
Assim, nossa visita foi bastante frustrante e, uma vez no Estado, dedicamo-nos a
pesquisar e levantar informações sobre o trabalho do núcleo e o que constatamos foi que todas
as ações deste estão fundamentadas na dedicação e envolvimento dos professores do núcleo,em
especial, o professor Gustavo Gomes, responsável pela divulgação das ações do núcleo, no
Facebook.
O professor citado é o responsável pelas oficinas de artes do núcleo e grande divulgador
e incentivador dos alunos e seus talentos, sendo que as oficinas de artes e robótica são,
aparentemente, os carros chefes de todos os trabalhos desenvolvidos no NAAH/S.
A mais recente realização do grupo foi a exposição dos trabalhos dos alunos do núcleo,
na câmara dos vereadores de Vitória e pudemos verificarque o núcleo e os estudantes contam
com o apoio de dois vereadores de Vitória, que colaboram com a divulgação dos trabalhos,
disponibilizando espaço para exposições das produções.
A exposição contou com divulgação, no site oficial da câmara dos vereadores e foi
replicada, por intermédio do perfil do Facebook, do NAAHS-Vitória. Alunos e professor foram
recebidos pelos vereadores, na câmara de Vitória, sendo muito elogiados, em um evento em
que, além do professor e vereadores, participaram 9 alunos do núcleo, sendo distribuídos em: 7
(sete) meninas e 3(três) meninos.
436
Na sequência, seguem-se alguns registros fotográficos do núcleo e das produções dos
estudantes, obtidos, na página virtual, do NAAHS-ES.
Está sendo realizada no hall, da Câmara Municipal de Vitória (CMV), até o dia
16/10, a exposição "Potencializarte 2", dos alunos que fazem parte da Oficina de Artes
do Núcleo de Atividades Para Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS) da Escola
Estadual Paes Barreto. [...]A convite do vereador Marcelão Freitas (PT), os alunos
vieram, na última sexta (09/10), conhecer o Legislativo e ver, também, suas obras
expostas na Galeria Hermógenes Fonseca. Eles estavam acompanhados pelo professor
e curador Gustavo Gomes, que é o responsável pela Oficina de Artes.[...] “Nós
ficamos muito felizes com esse convite feito pelo vereador Marcelão. Para os alunos
é sempre muito importante ter esse contato com o público e receber o reconhecimento
de seus talentos”, afirmou o professor Gustavo Gomes.[...]O vereador Marcelão
Freitas ressaltou que os alunos são muito talentosos e que precisam de incentivo e
apoio. “Vale muito a pena visitar a exposição e o projeto. Vamos nos unir para que
mais obras sejam realizadas, mais exposições e mais talentos sejam descobertos.
Confesso-me feliz de ter ido à escola e agora ver a exposição aqui, em nossa Casa de
Leis”, disse o vereador Marcelão Freitas.[...]Na ocasião os alunos/expositores
puderam conhecer outros vereadores, que vieram parabenizá-los pela exposição. A
Câmara Municipal de Vitória, em nome de seus quinze vereadores, aproveita para
também parabenizar aos artistas: Bárbara Rodrigues, Edimila Nascimento, Brenda
Andrade, Gustavo Juric, Yasmim Kaianne, Vanessa Lima, Omã Buger, Matheus
Ramos e Maria Clara Machado.”137
6.5.4 - As instituições paulistas de atendimento às AH/SD
As últimas visitas da pesquisa ocorreram no estado de São Paulo, onde reside o
pesquisador e, também, local onde é desenvolvida a pesquisa. Decidimos deixar São Paulo para
o final, pela facilidade em se organizar a visita, devido à proximidade, e por priorizarmos
conhecer Instituições bem consolidadas e atuantes, para depois verificar São Paulo, caso de
abandono, quase total, na área.
No dia 10/04/2016, visitamos as duas Instituições Paulistas: APHASD-SP e o NAAHS-
SP. Optamos por visitar ambas, no mesmo dia, pois estão localizadas as duas na Zona Sul de
São Paulo, no bairro do Brooklin, a menos de 5 minutos de carro, uma da outra.
Começamos pelo Núcleo de Atendimento de Altas habilidades/Superdotação, do Estado
de São Paulo, pois é mais simples de ser descrito.
Ao contrário dos outros NAAHS, como: Brasília, Vitória, Londrina, Recife e Natal, que
possuem muitas atividades, na internet, por meio de blogs e perfis no Facebook realizando
137 Texto de alunaMaxieni Muniz, participante do NAAHS-ES publicado no Site:
http://www.cmv.es.gov.br/noticia.aspx?id=6678
437
divulgação, o núcleo de São Paulo não divulga suas atividades e não verificamos qualquer
referência ao seu trabalho, nas pesquisas desenvolvidas na área.
Obtivemos o endereço do NAAHS-SP, em consulta eletrônica ao site do MEC, pois,
nem mesmo na Secretaria Estadual de Educação constava informações do Núcleo.
Após diversas tentativas frustradas de contato, eletrônico e telefônico, passamos a
desconfiar que o núcleo estivesse desativado ou funcionasse, burocraticamente, apenas.
O núcleo funciona na Avenida Pensilvânia, na região sul da cidade e como ocorre com
o NAAHS de Vitória, situa-se no interior de uma escola da rede estadual de ensino.
Diante da dificuldade em obter contato, decidimos pela ida ao núcleo, pessoalmente, o
que comprovou nossas desconfianças. Formalmente, o núcleo existe e “funciona” na escola,
mas, não havia quem nos recebesse ou soubesse informar sobre este. Assim, no maior estado
da federação, a única medida do governo federal, no sentido de atender o público, com altas
habilidades/superdotação, não existe, na prática.
Sendo assim, além do fato de se localizar em uma região de difícil acesso à maioria dos
alunos, pais, gestores e professores, pois não há metrô próximo, telefones e e-mail não
funcionam e, sequer, é conhecido pela escola, onde está localizado. Não são apenas os alunos
com altas habilidades/superdotação, os invisíveis, o próprio núcleo do Estado de São Paulo,
estado com mais de 40 (quarenta) milhões de pessoas e uma população com altas habilidades,
potencialmente, em torno de 2 milhões, é invisível e não existe, na realidade.
Parte deste quadro ocorre devido ao fato da ação dos NAAHS, ainda que tímida e
ineficiente, ser uma iniciativa do governo federal, ligado ao Partido dos Trabalhadores,
recebendo assim, boicote do Governo do Estado de São Paulo, sob o comando do PSDB, como
ocorre com outros programas federais para educação.
Portanto, não bastasse todas as dificuldades, em São Paulo, a disputa partidária, entre
PT x PSDB, corrobora para a invisibilidade.
Diante do fracasso, em estabelecer contato com a Instituição Pública, responsável pelo
tema, no estado de São Paulo, partimos para a APAHSD (Associação Paulista de Altas
Habilidades e Superdotação), que possui site próprio em funcionamento e perfil, no Facebook,
bastante atuante, com a oferta de cursos de formação para docentes e programas de identificação
e atendimento às famílias e alunos com altas habilidades/superdotação.
A associação fica no bairro do Brooklin, na rua Guilherme Asbahr Neto, na região da
Chácara Santo Antônio, lugar bastante elitizado da cidade, com difícil acesso ao transporte
coletivo e localização complicada, para quem não conhece bem a cidade. Logo, ao que nos
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indica, pais e docentes de escolas públicas de regiões distantes, raramente, devem ter tido acesso
à Associação.
Em uma rua tranquila e arborizada, em meio a mansões e salões de festas com guaritas
e seguranças particulares, em uma região não destinada às classes populares, a menos que nas
condições de empregados, torna-se inusitado imaginar uma família de trabalhadores, orientada
pela escola de seu filho, caminhando por aquelas ruas, repletas de carros importados, em busca
de ajuda ao seu filho “superdotado”.
Cerca de 30 (trinta) minutos, antes do combinado, chegamos à Associação e para nossa
surpresa, não existe nenhuma placa de identificação, no endereço que nos foi passado, onde nos
deparamos com um imóvel residencial, um sobrado grande, mas modesto, se comparado à
redondeza. No muro, a indicação de que ali funcionava um colégio particular. O mobiliário da
instituição era bem cuidado, aparentava ser novo, mas nada sofisticado, sendo que, todo o
espaço configurava uma típica escola particular, de classe média baixa, o que despertava nossa
curiosidade, afinal, como um colégio tão pequeno e modesto, sobreviveria em uma região tão
abastada e com um público acostumado a frequentar escolas tradicionais, em prédios
suntuosos?
Verificamos mães aguardando seus filhos, que eram atendidos em salas de aulas
demonstrando serem alunos que frequentavam a instituição. Bem como, um número de crianças
que, diferente dos demais, não aparentavam estudar na instituição. As feições destes citados
eram de ansiedade e insegurança, sendo recebidos por um funcionário da escola e, enquanto a
criança era encaminhada a uma sala, a secretária informava aos pais sobre o funcionamento, o
atendimento, bem como os custos que deveriam arcar, indicando que se tratavam de crianças,
em avaliação, para AH/SD.
Novamente, conforme a metodologia de trabalho, focamos nosso olhar em analisar
como a instituição funciona e qual a explicação dos envolvidos para a invisibilidade dos alunos
com altas habilidades/superdotação.
Se no IRS e CEDET tínhamos instituições filantrópicas, que funcionavam graças às
doações de mantenedores, sejam pais ou poder público, no APAHSD, tivemos uma experiência,
mais evidente, de uma instituição privada atuando na área.
Fomos recebidos por um dos coordenadores e responsáveis pela Associação, advogado
de formação, que se declarou apaixonado pelo tema; explicou-nos o funcionamento da
Instituição, afirmando, com orgulho, que a APAHSD é o único lugar do Brasil, que atua nas
três frentes em relação as AH/SD: formação de Professores e Pais; atendimento aos alunos e
formação de políticas públicas, no campo das altas habilidades/superdotação.
439
A APAHSD oferece, constantemente, palestras e cursos aos pais e professores; estes são
particulares e taxas são cobradas, o que termina a limitar o acesso de professores da rede pública
e famílias pobres que, eventualmente, tenham interesse no tema, mas é uma das formas como
a instituição consegue se manter ativa.
A Instituição declara-se seguidora das ideias de Gardner e não apresentou outras
referências teóricas, na área das altas habilidades/superdotação.
O processo de identificação possui o custo, em torno, de R$ 300,00 (trezentos reais) e
visa ao atendimento de famílias, com filhos que tenham suspeitas de altas
habilidades/superdotação. A identificação ocorre em um processo de entrevistas e testes, sendo
custeado pelas famílias.
A Associação oferece, também, o atendimento, no contraturno, para os alunos alto-
habilidosos, com atividades de enriquecimento curricular e aprofundamento de conteúdos,
sendo que este serviço ocorre algumas vezes, por semana, em períodos fixos e oficinas,
planejadas, com o acompanhamento de psicólogos e pedagogos. Por fim, a Associação
oferece um programa de atendimento escolar especializado, em altas habilidades/superdotação,
na escola regular, aberto a alunos com AH/SD ou não.
Desta forma, as altas habilidades/superdotação são, também, um modo do colégio se
diferenciar, no concorrido mercado do ensino particular, de uma cidade como São Paulo. Não
podemos deixar de observar que se tornar uma escola especializada, em crianças superdotadas,
é um modo de garantir um público cativo, no universo dos bairros de elite, de São Paulo, mesmo
sendo um colégio pequeno e não possuindo uma marca renomada.
Além disto, mesmo os alunos não superdotados podem frequentar a escola e não
devemos subestimar o peso, que estudar em uma escola de “superdotados” e com metodologia,
especialmente, pensada para estes, tenha na decisão dos pais, ao escolher onde seus filhos irão
estudar, em um contexto tão competitivo.
Um último serviço oferecido às famílias, para as crianças com altas
habilidades/superdotação, é a assessoria em ações, que objetivam assegurar o direito garantido
por lei à aceleração de estudos.
Segundo relato do coordenador da Associação, todos os serviços são garantidos à
população, economicamente desfavorecida, que os procure, ainda que não tenham recursos para
custear os serviços, nas suas próprias palavras: “ninguém sai daqui sem ajuda” e quem paga,
sabe que sua contribuição ajuda a custear o ensino daqueles que não podem. Tal medida, ainda
que vise garantir ao atendimento de alunos de escolas públicas e pobres, não modifica o fato de
440
que, diferentemente, do IRS e CEDET, a maior parte dos alunos e serviços da APAHSD seja
oriunda da rede privada.
Questionado quanto ao motivo, que leva à invisibilidade destes educandos com altas
habilidades/superdotação, no Brasil, em especial, em São Paulo, o responsável foi categórico
em afirmar que o total desinteresse do poder público, na questão, é o principal problema.
Mostrou preocupação com o pouquíssimo investimento estatal, nos alto-habilidosos e relatou o
fato de medidas alardeadas para a área, pelo MEC, não passarem do papel. Exemplificou com
o NAAH/S-São Paulo, que mesmo situado há poucos quilômetros da Associação, na
realidade:“não passa de um telefone e endereço de e-mail que, efetivamente, não existe e não
atende nenhum aluno”.
Segundo o coordenador, o pouco investimento do poder público no tema, agrava-se em
São Paulo, devido ao boicote do governo tucano às ações petistas instituídas, em plano federal,
terminando por inviabilizar qualquer ação que se busque na área.
Dentre os exemplos de poucas ações do governo, no tema, citou a legislação sobre as
altas habilidades/superdotação, que conseguiram, com muita pressão de pais e contatos com
vereadores, aprovar na cidade de São Paulo, onde a atuação da APAHSD foi decisiva, na
formulação e aprovação desta. O convênio firmado com a prefeitura de São Paulo previa
atendimento de 80 (oitenta) alunos, da rede municipal, em contraturno e nos programas de AEE,
tendo, inclusive, verba garantida para isso. Porém, a prefeitura recusa-se a permitir que a
identificação dos alunos seja feita pela APAHSD e como não possui equipe especializada, na
área, a rede municipal não indicou nem 10 (dez) alunos, confirmando a invisibilidade.
Entre os atendimentos da APAHSD, segundo (Toscanini, 2008), existe um grupo de
dados que consideramos importante e indicador dos meandros que envolvem a identificação e
atendimento aos sujeitos com altas habilidades/superdotação. Dentre os atendimentos
realizados, na associação, cerca de 68% dos estudantes são do sexo masculino e 71% alunos
oriundos de escolas da rede particular de ensino. Com relação à formação dos pais e a
transmissão de capital cultural, a pesquisa verificou que 71% dos pais e 73% das mães possuíam
ensino superior completo. Outro dado importante sobre o papel das famílias e a transmissão do
capital cultural, na formação das altas habilidades/superdotação é o fato de 23% das famílias
paulistas, atendidas pela APAHSD, terem como prática cotidiana, falar um segundo idioma, em
casa, como forma de inserir a criança, o mais cedo possível, em uma segunda língua. Tais
informações indicam um forte caráter de gênero, classe e capital cultural, no fenômeno altas
Habilidades/superdotação, apresentando a fragilidade das perspectivas que associam o
441
desenvolvimento dos talentos, ao menos os que sejam “confirmados e atendidos” aos fatores,
exclusivamente, genéticos.
Como ponto em comum, fica a constatação visual seguida pela confirmação dos
responsáveis, das três instituições, quanto ao número reduzido de meninas, em relação aos
meninos. Segundo os entrevistados, parte da questão origina-se, nas famílias, que tendem a
valorizar e investir mais na inteligência e talentos masculinos que nos femininos, indicando o
forte caráter de gênero, que marca a temática.
De um modo geral, as Instituições não demonstram dificuldades em encontrar
superdotados, nas populações que atendem, bem como, não há resistência de professores e
escolas, desde que seja feita uma formação inicial. Normalmente, ocorre o oposto, terem a
afluência de um número superior as suas possibilidades de atendimento.
Tanto APAHSD, como CEDET e IRS, em algum momento, apontaram o desinteresse
do Estado e poder público, nas altas habilidades/superdotação, como o principal responsável
pela invisibilidade. Em nenhum caso, foram relatadas parcerias com os NAAH/S ou salas de
recursos, com atendimento de AEE. Os materiais produzidos pelo MEC e Secretarias de
Educação dos Estados, também, não foram citados como utilizados.
Quanto aos problemas enfrentados pelos alunos com altas habilidades/superdotação, em
suas realidades cotidianas, no IRS e CEDET, mais focados na população carente, destacaram-
se a dificuldade das famílias, em dar continuidade ao trabalho nas Instituições e a preocupação
de que estes talentos sejam usados para fins negativos, sobretudo, no crime.
Na APAHSD, pelo perfil típico de classe média dos estudantes, tanto o apoio familiar,
como a cautela, em relação aos educandos inclinarem-se aos caminhos perigosos, não foram
apontados, mas, sim, a constatação e preocupação com o grande número de crianças, que
chegam à Associação, com laudos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade), Dislexia, Déficit de Atenção e mesmo Autismo, que muitas vezes levam os
pais a uma busca urgente de ajuda, com estas crianças. Algumas destas crianças
“diagnosticadas” são dopadas com drogas como: Ritalina, calmantes, ansiolíticos,
antidepressivos etc.
Fato interessante, é que nenhuma instituição tenha tecido comentários quanto a
realidade, das escolas regulares, onde seus alunos estudam. Parecem ignorar o fato, de que estas
crianças frequentam escolas, profundamente, marcadas pela violência, com falta de estrutura,
professores mal pagos e desvalorizados, turmas superlotadas, sem quadras esportivas,
bibliotecas e laboratórios e, principalmente, em um ambiente de fracasso escolar e pobreza,
442
demonstrando, aparentemente, que nenhum destes problemas estaria relacionado aos alunos
com altas habilidades/superdotação.
Também, não houve falas em relação a formação deficiente do professorado, sobre altas
habilidades/superdotação e seus impactos, no trabalho com o alunado alto-habilidoso. A escola
regular não surgiu, em nenhum momento, como responsável ou partícipe, no surgimento e
desenvolvimento de habilidades e talentos, como se os alunos com altas
habilidades/superdotação frequentassem-na para cumprir uma formalidade burocrática e, em
nada, a instituição escolar pudesse contribuir na questão, quando muito, poderia encaminhar os
educandos aos serviços especializados.
Por vezes, notamos um tom de reclamação, devido à pouca atenção dada e interesse das
escolas, nas altas habilidades/superdotação. Afirmam que a escola de massas privilegia o
mediano, como rendimento e solidariza-se, quando muito, pelas dificuldades, fracasso e
deficiências, chegando mesmo a ter preconceito com os mais capazes e talentosos, indicando,
o quão pouco conhecem a realidade escolar.
Em nossa avaliação, este distanciamento entre escola e instituições voltadas ao talento,
somados a falta de interesse do Estado, no tema, seriam grandes motivos da invisibilidade,
nosso problema de pesquisa.
443
ALGUMAS CONCLUSÕES E POSSIBILIDADES.
1-Confirmação da invisibilidade: internacionalmente, nacionalmente, no Estado de São
Paulo, na Baixada Santista, na cidade pesquisada – Fenômeno como universalidade.
Ao longo de nossa pesquisa, objetivamos verificar, antes de tudo, a pertinência do termo
invisibilidade e se esta existia, efetivamente, na realidade educacional brasileira. Para tanto,
buscamos informações na bibliografia especializada, nas informações presentes nos portais da
internet das principais secretarias estaduais de educação e Ministério da Educação, bem como,
por meio da pesquisa de campo, na rede de ensino escolhida por nós para ser pesquisada.
A primeira constatação da pesquisa é de que a invisibilidade dos estudantes com altas
habilidades/superdotação, na realidade educacional brasileira, é um fato inconteste. Tal
invisibilidade ocorre das mais diversas formas, seja na ausência de informações sobre tais
estudantes, nas ferramentas de matrícula e cadastro de alunos, como: PRODESP, GDAE e
EDUCACENSO, seja na falta de casos de alunos classificados como alto-habilidosos, ou no
reduzido número de identificações realizadas no Brasil.
A invisibilidade apresenta-se ainda mais evidente, quando se trata de garantia de
atendimento especializado, neste item, a bibliografia especializada e mesmo as informações da
grande imprensa verificadas, durante a pesquisa, indicam o reduzido número de “sortudos” que
conseguem algum atendimento e, mesmo assim, em geral isso ocorre, após verdadeiras batalhas
judiciais movidas por familiares.
A confirmação da invisibilidade, foco de nosso problema de pesquisa, foi acompanhada
de informações relevantes, sendo evidenciada em nossa rede de ensino pesquisada, de forma
contundente, com uma história de mais de 30 anos de rede municipal, sem que um único aluno
tenha sido, oficialmente, identificado como alto-habilidoso. Tínhamos este quadro em 2014,
quando iniciamos a pesquisa e, apenas, muito pontualmente, começa a se alterar nos dias atuais.
Outro fato importante, quanto a invisibilidade, é que esta se apresentou, em nossos
levantamentos, nas mais diferentes realidades educacionais brasileiras. Desta forma, os
medidores de escassos atendimentos e identificações ocorreram e confirmaram-se tanto na
esfera federal, como nas esferas estaduais e municipais, com número exíguo de alto-habilidosos
identificados nos estados, com casos como o de São Paulo, onde, apesar da propaganda
governamental, a invisibilidade é quase que total, somando-se ao fato de que em mais de 80%
dos municípios brasileiros não existem casos de alunos com AH/SD cadastrados no Censo
Escolar.
444
Esta realidade confirmou-se não, somente, na rede de ensino que escolhemos pesquisar,
também, em toda a Baixada Santista, onde não temos um único município que desenvolva ações
concretas de identificação de alto-habilidosos, bem como seu atendimento.
A invisibilidade foi confirmada pela bibliografia, com a maioria dos pesquisadores
denunciando o quadro, nos mais variados cenários e, para nossa surpresa, sendo constatada
mesmo no cenário internacional, com a bibliografia especializada: chilena, argentina,
colombiana, mexicana, espanhola e portuguesa, relatando, longamente, o quadro desolador,
verificado (ainda que com atenuantes), também, nas potências centrais do capitalismo, como:
Alemanha, França e Estados Unidos.
Desta forma, uma constatação importante da pesquisa é que a invisibilidade, ainda que
condicionada por fatores locais, é, em grande parte, um fenômeno geral e parte da escola, na
sociedade capitalista, ficando a impressão de que onde existe escola de massas, há a
invisibilidade dos talentos, indicando que as explicações para o fenômeno deveriam ser mais
profundas e baseadas no funcionamento das instituições escolares e dos estados nacionais, nas
sociedades capitalistas, como um todo.
Óbvio existiram exceções na realidade brasileira, mas estas, em geral, eram pontuais e
marcadas por duas características: a existência de um centro ou rede de ensino organizada para
o devido atendimento; a presença de pesquisadores atuantes, na área, somados à atuação de
associações de pais destes alunos, como nos casos das cidades de: Santa Maria, Londrina,
Lavras e o Distrito Federal.
1.1 -A invisibilidade de algo muito visível, ao longo das sociedades.
Durante as pesquisas, pudemos observar a existência de uma posição contraditória, em
relação as altas habilidades/superdotação, que é o fato dos estudantes talentosos serem
invisíveis, na realidade escolar, ao passo que o tema da superdotação tem imenso apelo e
interesse da sociedade, em especial, por meio da grande imprensa e indústria cultural que têm
vastas e regulares produções sobre gênios, superdotados, histórias de sujeitos com altas
habilidades e seus feitos memoráveis, comportamentos exóticos.
O tema dos humanos talentosos gerou interesse, nas mais diversas sociedades, ao longo do
tempo, sendo que estes seres foram tratados como prioridade por diversos Estados,no decorrer
da História. Tal posicionamento é, apenas, aparentemente contraditório; na verdade,a
invisibilidade dos sujeitos com AH/SD, no interior das escolas, tem íntima relação com as
perspectivas e compreensão do surgimento dos talentos entre os seres humanos, a partir das
445
ideias de dom e aptidões naturais, concepções que são basilares da sociedade capitalista, sendo
sustentadas na imprensa e na indústria cultural, poderosas reprodutoras deste tipo de
pensamento e desta forma, contribuintes na produção da invisibilidade.
2- A fragilidade das explicações para a invisibilidade. Quando a singularidade é
insuficiente para explicar o fenômeno.
Confirmada a invisibilidade, na realidade local pesquisada e constatada a invisibilidade,
em diferentes cenários nacionais e internacionais, com o fenômeno da não identificação e
atendimento aos indivíduos alto-habilidosos, por escolas e redes de ensino das mais variadas
partes do Brasil, cidades das mais diferentes características e, mesmo em partes do mundo, com
características distintas, como: EUA, Europa e América do Sul, verificamos que um fenômeno
com tamanha uniformidade e prevalência, nos mais variados contextos escolares, era um
fenômeno complexo e chave da instituição escolar e, portanto, respostas apressadas, atentas
apenas às opiniões de um reduzido número de educadores, não teriam condições de se sustentar
como hipótese válida para a invisibilidade.
Neste sentido, a pesquisa confirmou a fragilidade da maioria das hipóteses nacionais
que buscam explicar os motivos da invisibilidade das altas habilidades/superdotação, em
variados contextos. Desta forma, as questões terminológicas distintas, a ideia de mitos sobre
altas habilidades/superdotação disseminadas entre os docentes, e, finalmente, a falta de
formação dos educadores, apresentaram-se como frágeis explicação para o problema. Cabendo
destacar, que se questões terminológicas e mitos foram, amplamente, refutados, a falta de
formação docente merece um espaço mais detido para a reflexão.
3- A invisibilidade como fenômeno construído historicamente – a universalidade
apresenta-se na particularidade. O fenômeno AH/SD e a escolarização das massas.
Entre as constatações da pesquisa, uma das primeiras é a de que as altas
habilidades/superdotação e sua invisibilidade guardam fortes relações com a História
Educacional Brasileira.
Deste modo, caso pretendamos, realmente, entender os motivos dos alto-habilidosos
serem invisíveis, na realidade educacional brasileira, será necessário se debruçar sobre o longo
caminho das massas até os bancos escolares e os impactos que as ideologias higienistas(parte
446
delas influente nos estudos sobre AH/SD) tiveram na forma como Estado, Escolas e educadores
entenderam a chegada dos pobres na escola.
Finalmente, a pesquisa verificou que, diante da falta de estrutura do sistema de ensino
brasileiro e a histórica incapacidade de garantir escolas a todos, em idade escolar, ainda que,
recentemente, tal intento tenha sido alcançado, seguimos com péssimos indicadores de
qualidade,com milhões de analfabetos e, este quadro estrutural da escola pública brasileira
tornou quase que natural a invisibilidade das altas habilidades/superdotação, pois, como falar
em talento, quando não haviam escolas?
4.- A invisibilidade como resultado das concepções teóricas para entender a escola e as
teorias da inteligência e aprendizado – o fenômeno como universalidade
Outra confirmação da pesquisa é que, antes de buscar explicação para a invisibilidade
das altas habilidades/superdotação, do talento, das altas capacidades e, no limite, da
inteligência, no interior das instituições que, ao menos no plano do discurso, dizem que estes
são exatamente seu principal foco de atenção e objetivo, era necessário conhecer como tais
instituições e seus profissionais entendiam os fenômenos inteligência, aprendizado e,
consequentemente, capacidades superiores.
A constatação a que chegamos é que os modelos escolares e as concepções teóricas de
educação e aprendizado guardam profundas relações com a situação de invisibilidade dos
sujeitos alto-habilidosos.
Deste modo, a invisibilidade, apenas, aparentemente é uma contradição da realidade
escolar. Em sua essência, o fato dos sujeitos alto-habilidosos não serem identificados, não
ocorrerem atendimentos e nem mesmo sua existência seja considerada, no interior das
instituições que, em tese, deveriam buscá-los, é fruto da atuação escolar e resultado da forma
como as redes de ensino organizam-se, sendo, inclusive, parte de seus objetivos.
Neste sentido, concepções teóricas da inteligência e do aprendizado, que naturalizam os
desempenhos acadêmicos, atribuem a fenômenos individuais e biológicos o potencial
intelectual e, finalmente, baseiam-se nas concepções de aptidões naturais para explicar os
diferentes resultados dos sujeitos e justificar as desigualdades, portanto, são produtores de
fracasso e invisibilidade, simultaneamente, como duas faces de uma mesma moeda chamada
reprodução.
447
4.1- A invisibilidade e a forma como se organiza o campo científico das AH/SD. O
fenômeno como universalidade conceitual.
O levantamento e análise da bibliografia especializada, indicou-nos questões
importantes. Primeiro, que o próprio campo de pesquisa das altas habilidades/superdotação
convive como invisível, no universo das pesquisas acadêmicas. O número de cursos de pós-
graduação, pesquisadores e produção acadêmica é tímido e a inserção de pesquisas sobre o
tema, em congressos e simpósios, que não sejam específicos da área, é ainda menor.
De um modo geral, o campo é invisível, em todo o Brasil, com exceções pontuais em
universidades, como: a UFSM e UNB. Tal situação é também verificada em outros países, onde
a questão, igualmente, conta com reduzido número de pesquisadores e pesquisas sobre o tema.
Em levantamentos que realizamos, internacionalmente, sobre o assunto, a produção sempre se
apresentou tímida e reduzida, seja na Península Ibérica, América Latina, Canadá e mesmo EUA,
com exceção de casos isolados como o NEAG, em Connecticut, ou algumas ações realizadas
na Alemanha.
Logo, concluímos que para além da constatação de que há invisibilidade dos alunos alto-
habilidosos, ocorre, da mesma forma, a invisibilidade das pesquisas sobre este público (não
ficando claro quem é consequência de quem). Precisamos explicar os motivos que levariam a
tal situação para as pesquisas científicas na área.
Nossas observações e análises da produção intelectual brasileira sobre o tema indicaram
que parte desta invisibilidade do campo deve-se, primeiramente, ao fato da área ter sido ligada
à concepções e perspectivas científicas, que encontraram profundas resistências nas ciências,
como as ideias de Galton e Terman ligadas à psicometria e eugenia.
A segunda questão que contribui para a invisibilidade e certa resistência, com relação
ao tema, ocorre pelo fato de que parte das pesquisas estejam apoiadas em concepções de
inteligência e aprendizado, que atribuem peso demasiado à influencia da genética, na formação
das capacidades humanas e, consequentemente, apresentam dificuldades em se firmar no campo
da educação, das pesquisas em ciências sociais e mesmo psicológicas.
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5- A invisibilidade como parte da produção do fracasso escolar e fruto da ausência das
contribuições das Ciências Sociais para a compreensão do fenômeno.
Outra constatação da pesquisa é a quase completa ausência de contribuições das ciências
sociais para a reflexão sobre a constituição das altas habilidades/superdotação e as explicações
para a invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos. Segundo nossas análises, tal situação deve
ser entendida, também, como parte da produção da invisibilidade.
Neste sentido, a maior parte dos trabalhos sobre o tema, sejam sobre altas
habilidades/superdotação, seja sobre os motivos da invisibilidade, não consideram ou utilizam
as contribuições sobre educação, a instituição escolar, ideologias docentes e fracasso escolar,
realizados por estudiosos da educação brasileiros ou internacionais, nem mesmo alguns dos
clássicos da pesquisa, em educação, fazem parte das referencias bibliográficas de boa parte das
pesquisas, onde trabalhos que, minimamente, aproveitem tal olhar são a exceção.
Desta forma, conceitos como fracasso escolar, imaginário e reprodução, bem como,
categorias de análise clássicas: gênero, classe e etnia não fazem parte das preocupações das
pesquisas, contribuindo para a já destacada fragilidade conceitual e consequente dificuldade em
explicar a realidade, de se sustentar no debate acadêmico, fortalecendo, desta maneira,
primeiramente, a compreensão equivocada do fenômeno e, em segundo lugar, a invisibilidade
dos alto-habilidosos.
6- O papel do Estado na formação e constituição da invisibilidade nas sociedades
capitalistas. A particularidade.
O levantamento quanto às ações estatais sobre o tema das altas habilidades/superdotação
e suas relações com o quadro de invisibilidade dos estudantes demonstrou-nos situações
contraditórias e, por vezes, paradoxais.
Se por um lado, temos uma legislação moderna, antiga e preocupada com os sujeitos
alto-habilidosos e que lhes garante direitos há quase 50 anos, por outro, deparamo-nos com uma
ausência quase que total de ações concretas dos governos, no sentido de, efetivamente, atender
ao público contemplado com a legislação.
Desta forma, verificou-se que a própria a estrutura produtiva brasileira faz com que as
ações estatais, no sentido de identificar talentos e estimulá-los, seja limitada pelos reais
interesses do poder público, que seguem mais voltados na defesa da ideologia da escola única
449
e da meritocracia, do que buscando uns poucos talentos de que o Estado pode prescindir,
semgrandes problemas.
7- A imprensa e a indústria cultural no fortalecimento do imaginário da genialidade e o
reforço da invisibilidade, a partir das ideias de aptidão natural. – A particularidade
Dentre as conclusões da pesquisa, destacamos o papel que a grande imprensa e a
indústria cultural possuem na constituição do fenômeno. Abordando o fenômeno, a partir de
uma posição contraditória, verificamos no levantamento de artigos e produções sobre o tema,
oscilações entre a denúncia da invisibilidade e necessidade de atendimento especializado.
Artigos que, em geral, apoiavam as batalhas de famílias pela garantia dos direitos aos seus
filhos alto-habilidosos e a denúncia de como o país desperdiça talentos que, uma vez
“utilizados”, poderiam contribuir com o desenvolvimento nacional, especialmente, o
econômico.
Por outro lado, os mesmos veículos que denunciam o subatendimento de alto-
habilidosos apresentam reportagens, artigos, folders, biografias, em grande quantidade, que
salientam feitos memoráveis, impensáveis para crianças tão jovens, incomuns para pobres, de
modo que, aprovações nos primeiros lugares de vestibular, medalhas em olimpíadas escolares,
aprovações em provas de seleção, produções artísticas de renome, ainda na infância e,
finalmente, filmes, livros e reportagens sobre biografias de gênios contribuem para reforçar a
ideia de altas-habilidades/superdotação ligada ao imaginário de genialidade, tornando, assim, a
invisibilidade ainda mais eficaz. Portanto, a forma como o tema é tratado de modo exótico e
com base na ideia de genialidade e aptidão natural, termina por reforçar a noção de que a escola
nada tem a ver com isso, causando um impacto direto na disposição docentes em identificar ou
não os seus estudantes com altas habilidades/superdotação.
8- A chegada à singularidade- A invisibilidade na pesquisa de campo.
- A confirmação por intermédio das ferramentas de pesquisa.
Finalmente, chegamos a pesquisa de campo, onde buscamos, por meio de variadas
ferramentas de coleta de dados, confirmar/refutar a prevalência da invisibilidade, nas realidades
pesquisadas e as explicações dos atores envolvidos para o fenômeno, bem como, suas
concepções sobre altas habilidades/superdotação.
450
A primeira constatação é que, seguindo a bibliografia especializada e os dados do Censo
Escolar sobre matrículas de alto-habilidosos, todas as ferramentas de pesquisa utilizadas,
durante o trabalho, confirmaram de forma inequívoca a invisibilidade.
-A concepção de problemas de terminologia refutada.
A pesquisa, em suas variadas ferramentas (formações, questionários virtuais,
questionários presenciais, entrevistas e visitas à instituições especializadas), confirmou a
hipótese de que a ideia de que a invisibilidade fosse fruto de disputas, equívocos ou usos
diversos de terminologia para se referir ao público com altas habilidades/superdotação era frágil
e não se sustentava.
Ao longo da pesquisa, verificamos a utilização de diferentes terminologias, para se
referir ao público de alunos em questão: bons alunos, acima da média, talentos, altas
habilidades, superdotados, toda uma gama de expressões foi verificada, quando se buscava
referências a tais estudantes, mas, em nenhum momento, um professor indicou confusão ou não
saber, exatamente, sobre o que falava e que tipo de aluno e características referia-se
independente do tema.
Pudemos constatar usos equivocados de termos e verificamos que, por vezes, havia
confusão e tendência a diferenciar os termos altas habilidades e superdotação, considerando
altas habilidades como características aprendidas, socialmente, e superdotação como resultado
da herança genética. Mas, de um modo geral, a maioria, dos mais de 300 participantes da
pesquisa, utiliza os termos como sinônimos, demonstrando entender muito bem de que perfil
de estudante falamos, quando nos referimos aos termos, não apresentando qualquer tipo de
resistência ao uso de nenhum dos dois termos, não indicando qualquer confusão conceitual
causada pelas expressões, nem relacionando a invisibilidade com questões terminológicas.
- As concepções de mitos refutadas de um modo geral – (genialidade relativamente
confirmada)
Durante a pesquisa de campo, buscamos verificar a ocorrência dos chamados mitos
sobre as altas habilidades/superdotação, como forma de explicação para a invisibilidade dos
alunos alto-habilidosos. Tal concepção formulada, inicialmente, por Winner (1998) é baseada
na defesa da referida autora de que existam nove mitos sobre superdotação, juntos ou
independentes que contribuem para a invisibilidade, tais mitos seriam:
451
As pesquisas de campo realizadas por meio de questionários, com os trabalhadores da
educação da rede de ensino que pesquisamos, indicam que a maioria dos mitos elencados pelas
pesquisas, na área, sobre o tema não se confirmaram presentes nas concepções dos envolvidos
no trabalho com os alunos,potencialmente, alto-habilidosos.
Seja durante as formações, entrevistas ou questionários, entre os mais de 300
participantes envolvidos: alunos, professores e gestores, a maior parte dos mitos foi refutada
como hipótese para a explicação da invisibilidade e tais representações sociais ou imaginário
(conceitos que preferimos à ideia de mito) não se apresentaram como ideias com significativa
influência entre os trabalhadores da educação participantes da pesquisa.
Ideias como os “mitos” de: (1)superdotação global; (2) talentosos, porém não
superdotados; (3)QI excepcional; (6) pai dominador; (7) excessiva saúde psicológica; (8) todas
as crianças são superdotadas; (9) as crianças superdotadas tornam-se adultos eminentes foram,
amplamente, refutadas pelos educadores, em todas as oportunidades em que, de alguma
maneira, surgiram aos participantes.
Os únicos mitos dentre os propostos por Winner que, efetivamente, demonstraram força,
no imaginário dos educadores sobre o tema e relação com a invisibilidade, foram aqueles que
relacionam as AH/SD, exclusivamente, com a origem genética ou ambiental. Tais ideias, em
especial, a preponderância da genética como explicação para o potencial humano,
apresentaram-se em todas as ferramentas de pesquisa, tendo força e influência relevantes, nas
concepções docentes sobre a questão. No entanto, já discorremos que tais concepções teóricas
estão relacionadas com concepções de aprendizagem e educação, de um modo muito mais
amplo que, simplesmente, às AH/SD. Deste modo, têm profundas relações com a forma como
a escola se organiza e imagina suas funções sociais, bem como, concebe e explica o fracasso
escolar, os sujeitos com dificuldades de aprendizado ou altas habilidades e, finalmente, a
própria organização social e suas desigualdades. Neste sentido, as ideologias das aptidões
naturais apresentaram-se fortes e com substancial influência na pesquisa.
Mas temos outros “mitos” defendidos por pesquisadores, como forma de explicar a
invisibilidade, um destes exemplos é o mito de que tais alunos não precisam de atendimento
especializado,como destacam (CAMPOS & ANTIPOFF, 2010, p. 303):
Porém, durante as pesquisas realizadas, foi praticamente unânime entre os docentes e
gestores a noção de que tais indivíduos necessitam de atendimento especializado e são público
da educação especial, refutando, abrangentemente, a existência de imaginário ligado a tal ideia
entre os educadores e, consequentemente, afastando qualquer relação entre tal ideia e a
invisibilidade.
452
Deste modo, consideramos que a hipótese dos mitos, como explicação para a
invisibilidade das altas habilidades,tenha sido ampla e refutada pela pesquisa, seja pela
fragilidade da concepção, que ao buscar entender a invisibilidade, a partir de mitos, arrisca-se
ficar na superfície do problema, em vez de buscar a compreensão efetiva da questão, ao tentar
entender como tal imaginário constituir-se-ia, seja por a maior parte de tais ideias não terem
encontrado qualquer respaldo empírico entre as concepções dos docentes que forneceram
informações para a pesquisa.
-A hipótese da invisibilidade como resultado da falta de formação específica, na área,
confirmada como dado, mas relativizada como causa da invisibilidade.
Dentre as hipóteses mais presentes entre as explicações da bibliografia especializada
para a invisibilidade, a que encontrou maior prevalência, entre os participantes da pesquisa, foi
a ideia de que a invisibilidade seja fruto da ausência de formação dos educadores sobre o tema
específico das altas habilidades/superdotação, seja nos cursos de formação inicial ou
continuada.
Os participantes apresentaram, em número considerável, tal ideia como motivo da
invisibilidade, mas pensamos que, ainda que esperada, a confirmação da falta de formação deve
ser avaliada como causa da invisibilidade, de modo cauteloso.
Em primeiro lugar, ainda que tenha sido hipótese aventada por muitos docentes, esteve
longe de rivalizar com outras explicações, como: o fracasso escolar e a falta de políticas
públicas na área. Além disto, as formações, questionários e entrevistas mostraram que, apesar
da falta de formação específica na área, os pesquisados apresentaram concepções bastante
elaboradas sobre tema, demonstrando suficiente capacidade para identificação e atendimento
aos alto-habilidosos, caso esta fosse uma preocupação ou prioridade.
Finalmente, ainda que importante, a hipótese da falta de formação deve ser relativizada,
pelos resultados empíricos produzidos com as formações realizadas com os educadores, da rede
pesquisada, durante os estudos. Como expusemos, ao longo da pesquisa de doutorado, mais de
200 educadores, entre: gestores, professores da educação especial e professores do ensino
fundamental I e II, receberam formação inicial sobre o tema, nos anos de 2015 e 2016, sendo
que, os resultados, agora, dois anos após a realização das formações e fornecimento de materiais
sobre as AH/SD, são os mesmos, afinal, oficialmente, a rede de ensino pesquisada segue, sem
que um único aluno seja, formalmente, identificado e atendido como pessoa com altas
453
habilidades superdotação, tendo como as únicas ações efetivas sobre o atendimento a tal
público, advindas de uma única escola da cidade e, mesmo assim, ainda que tenha apresentado
17 estudantes, com potencial para identificação e atendimento, as ações da Unidade Escolar
foram ignoradas e até contestadas pelo poder público como necessária ou realista.
Portanto, a formação especializada dos educadores é fundamental, mas, caso não seja
acompanhada de outras ações e reflexões, tende a surtir pouco ou nenhum efeito, fazendo com
que passada a empolgação inicial gerada pelo debate sobre o tema, as redes, escolas e
trabalhadores da educação sigam absorvidos pelas urgências da realidade escolar, como falta
de estrutura, condições de trabalho degradantes, indisciplina e violência escolar e, finalmente,
dificuldades de aprendizado e fracasso escolar, ficando os alto-habilidosos como um público
que todos gostariam de atender, mas, até que muita coisa seja alterada, não serão prioridade nas
preocupações.
- Como explicar as invisibilidade:
Realizado este longo trajeto, como, efetivamente, explicar a invisibilidade dos alto-
habilidosos no universo escolar?
A primeira consideração a ser feita refere-se à confirmação da força, quase monolítica,
da invisibilidade presente, praticamente, durante toda a história da escola de massas, bem como,
nas mais diversas realidades sociais e modelos educacionais, indicando que a invisibilidade dos
talentos, como a massificação do fracasso, sejam pilares constitutivos da instituição escolar, em
sua busca pela reprodução social e justificação da sociedade de classes.
Realizada tal constatação, destacamos alguns indícios da explicação da invisibilidade,
bem como, caminhos possíveis para seu enfrentamento, ainda que, dificílimo e improvável.
Dentre as principais explicações, destacamos uma bastante analisada, ao longo do trabalho, a
necessidade de conhecimento da relação entre invisibilidade, fracasso escolar e forma como as
instituições escolares organizam-se, na sociedade capitalista, enfocando o papel para o real
interesse Estado no tema e suas relações com as estruturas da produção capitalista.
Na sequência, é importante entender e combater a forma como as ideias sobre altas
habilidades/superdotação cristalizam-se, no senso comum e, em especial, como são
apresentadas pelos veículos de comunicação e indústria de entretenimento, a partir da ideia de
genialidade e fortalecimento das noções de aptidões naturais, principalmente, os conceitos de
dom e herança genética amplamente difundidos e presentes no imaginário sobre o tema.
Finalmente, a invisibilidade dos alto-habilidosos guarda, segundo os resultados da
pesquisa, profunda relação com as concepções teóricas de professores e gestores sobre
454
aprendizagem e desenvolvimento humano, também, com a própria concepção de escola e
finalidades últimas do processo educativo e razões do sucesso educacional dos indivíduos. Tais
concepções são as forças que, efetivamente, sedimentam as compreensões docentes sobre os
indivíduos, seus potenciais e rendimentos, abarcando a distribuição destes, nas trajetórias
escolares curtas ou longas, bem como na sociedade.
- As contradições verificadas durante a pesquisa.
Durante as pesquisas, verificamos posições contraditórias que devem ser elencadas
como parte das conclusões do trabalho, por dizerem muito sobre o problema da pesquisa e,
também, indicarem caminhos para a superação deste.
Assim, no momento em que se confirmava a invisibilidade, na realidade empírica,
verificava-se um conjunto de posições docentes que merecem destaque:
1- O tema suscitou profundo interesse dos educadores, em geral, sempre que exposto.
2- A maioria (o tempo todo) dos educadores apresentou posição de autocrítica, por não
atender aos talentos e, muitas vezes, mesmo ressentida de tal constatação.
3- Ao lado da invisibilidade, verificamos a percepção minuciosa dos docentes sobre o tema
e seus alunos acima da média, pois conheciam características, detalhes de suas histórias,
áreas com maior potencial, nomes e indicavam que os invisíveis são muito conhecidos
por suas escolas.
4- Entre educar os talentos e lidar com a falta de estrutura e fracasso escolar, a grande
questão, que o tempo todo se apresentou aos participantes e pesquisador e, neste sentido,
guarda profunda relação comas causas e explicações para a invisibilidade, está em:
como a instituição que produz reprodução social e existe, em certo sentido, para
produzir fracasso, pode atentar e atender sujeitos alto-habilidosos, especialmente, se
estes forem pobres?
5- A produção social do talento e como professores e escolas enxergam-se na questão,
neste sentido, os docentes encontram-se no dilema de acreditar nas aptidões naturais e
defender sua importância, no desenvolvimento dos talentos e potenciais humanos. Este
455
é outro dilema ligado à invisibilidade, porque tornar visível e atender se, no fundo,
acredita-se que natureza possa se encarregar de desenvolver e trazer ao mundo o talento?
6- O atendimento aos estudantes AH/SD ainda que, informalmente, confirmado pelos
alunos em especial, verificamos que se é verdade que a invisibilidade foi,
incontestavelmente, confirmada pela pesquisa, também, constatamos que,mesmo
informalmente, geralmente, não associados à ideia de altas-habilidades/superdotação,
os alunos com características de alto-habilidosos são bastante notados pelos docentes,
gerando inclusive atenção, orientação e atendimento (ainda que informal) dos
educadores.
7- Os motivos da invisibilidade encontram-se, finalmente, entre o dilema para explicar as
altas-habilidades/superdotação, por meio das aptidões naturais, inatas, onde o indivíduo
possui a capacidade de autorrealização e a denúnciada falta de apoio e estrutura do
Estado, para o atendimento aos alunos talentosos, especialmente, por meio de políticas
públicas.
- Por uma teoria Histórico/Social das altas habilidades/superdotação.
Durante nossa pesquisa, intentamos uma resposta para o problema: “A razão da
invisibilidade dos alunos com AH/SDnas escolas brasileiras”, sem adentrar nas polêmicas
referentes à concepção teórica, que explicaria o fenômeno que faz alguns indivíduos
apresentarem capacidades/habilidades superiores a média das demais pessoas.
Buscávamos com isso evitar polêmicas que nos detivessem, tempo demasiado, em torno
de um problema insolúvel e que nos desviasse do cerne da pesquisa, as causas da invisibilidade.
Entretanto, durante os trabalhos desenvolvidos com professores, alunos, instituições
especializadas e produção acadêmica sobre o tema, vimo-nos diante de um dilema: constatamos
que parte considerável da situação de invisibilidade, que estes estudantes experimentam, em
suas vidas escolares, tem íntima relação com as concepções teóricas sobre a função social da
escola, a forma como ocorre o aprendizado humano e, finalmente, com as explicações para as
altas habilidades/superdotação.
Com isto, pretendemos dizer que as concepções pedagógicas levam o professor a ter
dificuldades em considerar a possibilidade de um aluno ter características de AH/SD.
456
Pois enquanto para a escola tradicional e sua perspectiva civilizadora é impossível
conceber a existência de AH/SD, entre os pobres, para a escola vinculada às teorias
construtivistas, ainda que a constatação das AH/SD seja possível e muitas vezes provável, o
silêncio e a invisibilidade tornam-se a posição estratégica mais adequada, com vista a manter a
ideologia da escola redentora e equalizadora da sociedade, operando com força e legitimidade
para tal missão, afinal, melhor que todos julguem nascer iguais, recebendo oportunidades
equivalentes e, quando algo sair do “script”, recorrer-se à concepção de dom, seja ele dom
genético ou metafísico. Assim, segue a escola sem nada ter com a questão e, se não tem relação
com o assunto, não há porque identificar e denunciar a existência destes indivíduos, logo, refaz-
se o trajeto da invisibilidade.
Deste modo, há a ausência de uma teoria que rompa com a concepção redentora da
escola e esteja ciente de suas funções reprodutoras da sociedade capitalista, que entenda o
aprendizado humano, a partir de concepções que considerem o papel do desenvolvimento
histórico e social dos indivíduos e, para tanto, não abra mão dos conceitos de classe, gênero,
etnia e historicidade, que termine, por fim, buscar compreender os motivos que levam
indivíduos a desenvolver habilidades acima da média dos demais seres humanos, em uma
determinada área, a partir de concepções que, sem desconsiderar a óbvia influência biológico-
genética, passe a valorizar o papel das interações sociais e o caráter histórico do
desenvolvimento dos sujeitos, reconhecendo o papel do capital cultural e econômico, no
desenvolvimento das capacidades intelectuais, mas, valorizando e reconhecendo os variados e
tortuosos caminhos pelos quais ocorrem a formação dos indivíduos e suas funções psíquicas
superiores, entre elas a atribuição de sentido para o processo de escolarização, que pode variar
de acordo com as condições particulares dos sujeitos, bem como, a importância de
comportamentos comunitários, como: ética familiar, sentimento de pertencimento a um
determinado grupo, nacionalidade e etnia, a interferência de fatores religiosos, ou de um
indivíduo particular. Cabe a esta teoria,trazer a escola para a centralidade do processo de
desenvolvimento das capacidades dos indivíduos, e os professores em sua tarefa imprescindível
de ensinar as futuras gerações, contribuindo assim, com a formação dos indivíduos, inclusive
aqueles que tenham AH/SD, em especial, os filhos da classe trabalhadora.
Neste sentido, os trabalhos da sociologia da educação que refletem sobre a função
reprodutora da escola e as formas, por vezes curiosas, como ocorrem a transmissão de capital
cultural são fundamentais, destacando os trabalhos de: Bisseret, Bourdieu, Baudelot e Establet,
Lahire, Nogueira e Setton, como exemplos de pesquisas que podem nos ajudar a pensar sobre
os caminhos que levem os indivíduos a desenvolverem habilidades superiores.
457
Bem como, as contribuições de Lev Vygotsky e dos teóricos soviéticos da psicologia
cultural, como Luria e Leontiev, serão decisivas, ao nos possibilitar compreensão das formas
como a cultura e a história são essenciais, no desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
Neste ponto, trabalhos de psicólogos e pedagogos brasileiros, nesta área, também merecem
destaque, como: Martins, Asbhar, Facci entre outros.
Finalmente, temos os estudiosos das AH/SD, especificamente, que se propõema uma
leitura materialista e consideram a crítica à sociedade de classes e a concepção redentora da
escola como fundamentais, para a compreensão da constituição de indivíduos com habilidades
superiores, dentre estes destacam-se: Biffon, Loos,Bittelbrunn, Oliveira, Piske, para citar os
pesquisadores brasileiros com trabalhos na área de AH/SD. Entre os teóricos internacionais,
destacamos:Steinberg, Csikszentmihalyi e o próprio Renzzuli, fundamentais para a área das
AH/SD e que não deixam de levar em conta o papel das interações sociais e condições
históricas, no desenvolvimento dos indivíduos, sejam eles altos habilidosos ou não, ainda que,
nem sempre, sigam uma perspectiva histórico social para a compreensão da sociedade, do
aprendizado e da inteligência.
Acreditamos que a construção de uma teoria das AH/SD, que contemple e dialogue com
as referências indicadas, possa colaborar, sobremaneira, de modo a superarmos a condição de
invisibilidade dos sujeitos altos habilidosos, bem como, para sua identificação e atendimento.
Quando pensamos na superação da invisibilidade das pessoas alto-habilidosas,
precisamos de uma concepção teórica que embase o trabalho de identificação e atendimento
aos estudantes com AH/SD, de modo que o papel fundamental da escola e dos professores
sejam destacados e, assim, leve docentes e gestores a dedicarem a devida atenção a este público.
Neste sentido, a superação das concepções inatistas e/ou que naturalizem os talentos humanos
em dons ou aptidões naturais é decisiva.
O Papel da escola e do professor na formação e desenvolvimento do talento.
Uma teoria que considere o potencial humano e o seu desenvolvimento, a partir das
oportunidades de socialização, acesso a mediadores culturais e, finalmente, as relações entre o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores e as experiências de socialização, contribuirá
para que docentes passem a considerar a importância da ajuda aos indivíduos como um todo,
de modo a que desenvolvam seu potencial e, especialmente, que possam enriquecer as
458
oportunidades de avanço no aprendizado dos estudantes que tenham algum tipo de talento,
contribuindo para a superação da invisibilidade.
A construção junto aos docentes de uma perspectiva teórica sobre os indivíduos alto-
habilidosos, que explique aos educadores suas existências e, ainda, esteja em acordo com suas
observações empíricas, terminando por trazer o tema das altas habilidades para o centro da
atividade docente, estando integrada com a dinâmica escolar e educacional mais ampla, é algo
urgente para a superação da invisibilidade. Também, o atendimento efetivo de todos os sujeitos
em suas necessidades e dentre estes os que apresentam algum tipo de AH/SD. Apoiados em
Bifon (2009), defendemos que ninguém nasce superdotado, este é constituído na relação
dialética que movimenta o desenvolvimento humano.
Enquanto acreditar que as AH/SD estejam, principalmente, relacionadas à aptidão
natural ou dom, ou que sejam tema alheio ao restante da estrutura escolar, o docente tenderá a
seguir contribuindo com a invisibilidade, por vezes, envergonhado, de não dedicar atenção aos
seus alunos talentosos, mas, em geral, entregue à noção de que dedica seu tempo a quem mais
necessite.
O caminho na direção de concepções e teorias para as AH/SD, que relativizem as visões
inatistas e biologicistas (ainda muito presentes no pensamento e concepção sobre altas
habilidades), começa a ganhar espaço no Brasil. As concepções que entendem o fenômeno com
resultado de múltiplas interações, com importância para as questões sociais, surgem com
trabalhos, como os de Paludo, Stoltz e Loos. Tais autores defendem a concepção que entende
os seres humanos como constituídos, a partir de inter-relações biológicas e ambientais, com
destaque para os fatores históricos e culturais, ainda que não desconsiderem a importância dos
aspectos biológicos e, ao buscar uma teoria das AH/SD, que leve em conta as contribuições de
Vygotsky, para as teorias do desenvolvimento e aprendizagem, apresentam uma concepção que
entende os humanos como seres biológicos naturais, que vão, ao longo da vida, tornando-se
sociais e, consequentemente, humanizados, tais ideias são importantes na superação da
invisibilidade.
A superação das concepções inatistas e da ideologia do dom é das mais importantes e
difíceis tarefas, na busca pela mudança do quadro de invisibilidade dos alunos alto-habilidosos,
na realidade educacional. Importante, porque apenas estando ciente do papel da escola, como
mediadora cultural, podemos desenvolver a noção da importância da ação docente com todos
os estudantes e, também, com os alto-habilidosos. Desafiadora, pois a ideologia das aptidões
naturais é forte entre educadores, ficando evidente, em diversos momentos da pesquisa de
campo e mesmo entre especialistas na área, gerando os problemas descritos por Paludo, Stoltz
459
& Loos (2012, p. 5), que baseados nos trabalhos de Alencar e Fleith (2005) indicam como tais
teorias terminam por gerar a ideia de que os alto-habilidosos, por terem algo a mais que as
demais pessoas, desenvolvem-se sozinhos e, assim, sendo desnecessário qualquer ação de
identificação e atendimentos, produzindo a invisibilidade.
Neste sentido, a superação de um posicionamento verificado, ao longo da pesquisa, que
pode ser caracterizado pela disposição em entender a inteligência como algo puramente
biológico e que nasce com o indivíduo, tem forte papel na superação da invisibilidade dos
sujeitos alto-habilidosos. E as perspectivas de Vygotsky podem contribuir, sobremaneira, para
a construção de conceituação sobre a inteligência e a própria ideia de AH/SD que alterem o
atual quadro, marcado pela crença de que estes são sujeitos que “caminham sozinhos”.
A ideia das altas habilidades/superdotação como um conceito multifacetado e permeado
por inúmeros fatores sociais e históricos, que consideramos fundamental para a superação da
invisibilidade, é corroborada por alguns autores e, aos poucos, vai ganhando corpo na academia,
por exemplo, nos trabalhos de Cecília Antipoff e Regina Campo, apresentados por Alencar
(1986), em que os mitos sobre as AH/SD são avaliados e questionados à luz de novas
concepções teóricas. Nestes, fica evidente a fragilidade e inconsistência de determinados
argumentos, como: a falta de consenso sobre a melhor terminologia; a simples crença na
existência de mitos sobre o tema; ou a ausência de formação docente, sendo os únicos elementos
responsáveis pela invisibilidade.
- Algumas possíveis soluções para a invisibilidade:
Dentre as perspectivas para a ruptura da invisibilidade, possibilidades de acolhimento e
desenvolvimento dos estudantes como um todo e os alto-habilidosos, em especial, visando à
garantia de seus direitos de atendimento e pleno desenvolvimento de seus potenciais,
destacamos algumas questões importantes:
1- Ruptura com mito da genialidade: é urgente o combate a perspectiva que associa alto-
habilidosos e gênios, sem a superação desta ideia, alunos com altas habilidades não
terão, praticamente, nenhuma chance de receberem atenção em suas escolas.
2- Tratamento do tema, a partir de uma perspectiva que envolva a escola como um todo:
se o debate sobre altas habilidades/superdotação não se desenvolver, de modo a
contemplar a escola como um todo, refletindo sobre fatores amplos da realidade escolar,
460
como: indisciplina, currículo, formação docente, fracasso escolar, relacionando-se com
tais questões, as altas habilidades/superdotação tendem a seguir orbitando entre os
temas urgentes da realidade educacional e sendo compreendida como questão de mero
exotismo e perspectivas elitistas.
3- Mudanças estruturais e organizativas: Ainda que,óbvio, este é um fator que precisa ser
considerado, caso se deseje, realmente, atender os alto-habilidosos e a todos os
estudantes. A menos que hajam profundas mudanças nas condições estruturais de
trabalho dos profissionais da educação, como número de alunos por sala, apoio com
relação ao fracasso escolar, melhoria estrutural como (a implantação de bibliotecas,
laboratórios, acesso a transporte escolar, complexos poliesportivos), formação docente
e, finalmente, o pagamento de salários que sejam capazes de atrair profissionais
talentosos, que consigam se dedicar em tempo e qualidade suficiente para o atendimento
e preparação de atividades para os estudantes alto-habilidosos ou não. Sem tais
mudanças, novamente, existem poucas chances reais de superação da invisibilidade.
4- O desenvolvimento e incentivo às produções: acadêmica, esportiva, artística, nacional
são fundamentais na ocorrência de mudanças, nas condições de produção econômica,
bem como, na abertura de postos e possibilidades, para que jovens talentosos vejam
sentido no desenvolvimento de suas potencialidades e encontrem condições objetivas
de estudar, treinar, desenvolver seu potencial.
Finalizando:
O debate sobre a invisibilidade das altas habilidades/superdotação e mesmo as
concepções sobre o potencial humano devem ser encaminhados, de modo que ideologias que
conferem aos indivíduos a responsabilidade pelos próprios talentos, e ao acaso/natureza o
resultado das grandes produções, contribuições artísticas e esportivas devem ser superados, para
que possamos compreender o papel do Estado, das condições econômicas, da distribuição do
capital econômico e cultural, no seio da sociedade e da própria estrutura produtiva da sociedade,
no desenvolvimento das altas capacidades e de indivíduos, altamente, capazes e criativos.
A análise do número de prêmios Nobel e medalhas olímpicas, por nações,é uma forma
de verificar e refletir sobre a produção de talentose sua relação com a presença de institutos,
universidades, orientadores, laboratórios, reconhecimento social, verbas e financiamento, na
produção destes. Vejamos as imagens a seguir:
461
Figura 91: Número de prêmios Nobel distribuídos por área/país.
Figura 92: Quadro de medalhas distribuídos por modalidade/país.
As imagens não deixam dúvidas quanto ao papel da estrutura de desenvolvimento de
talentos e produção acadêmica, atlética ou artística e os resultados, em alto nível, da produção
humana. Observar a íntima relação entre grande tradição de investimentos, posse de grande
estrutura de pesquisa e treinamento, contar com mestres e treinadores experientes e o
desenvolvimento de produção em alto nível e sua relação com o estágio de desenvolvimento
462
econômico das nações, não pode nos deixar incertos em relação a invisibilidade das altas
habilidades/superdotação e a influência do Estado, bem como, o papel da estrutura social,
mesmo no desenvolvimento de talentos, indicando que o indivíduo é a menor das partes, neste
processo complexo, que envolve a produção de talentos, gênios e obras primas.
O dilema é que se já é raro e improvável que países com a estrutura social e econômica,
como a brasileira, efetivamente, desenvolvam seus indivíduos mais talentosos, em contextos,
como o atual (crise política e econômica), com a adoção de políticas de redução de
investimentos, em áreas como: a ciência, tecnologia, artes, esportes, educação tendem a retirar
os escassos recursos existentes de áreas consideradas isoladas e menos importantes, como as
AH/SD e, o que já era incipiente, torna-se quase nulo. Assim, a tendência aponta para a piora
das condições de trabalho e estrutura nas escolas, sendo inevitável o aumento da invisibilidade
das altas habilidades/superdotação, com o corte, por exemplo, de programas de
desenvolvimento e incentivo ao talento, com a redução no número de bolsas de estudos para
cursos de graduação e pós-graduação, ou mesmo intercâmbio no exterior.
Não bastasse isso, em momentos de redução de investimentos e da produção econômica
e aumento das desigualdades sociais, a estrutura do Estado tende a necessitar menos do
desenvolvimento de talentos, com redução da necessidade de cientistas, esportistas e artistas e
aumento das ideologias que justificam a reprodução, como meritocracia, dom e aptidão natural.
Em momentos como o atual, quando a estrutura capitalista pode prescindir da produção
de talentos em larga escala138 e atua com o corte de orçamentos e demissões nas universidades
privadas, fechamentos de museus e institutos de pesquisa, diminuição de investimentos em artes
e esportes, sucateamento de universidades públicas, não haveria a necessidade efetiva de
desenvolver e produzir talentos.
Fora isso, o atual estágio de desenvolvimento das relações de produção capitalista
garante que as grandes empresas disponham de modelos, técnicas e número de candidatos, em
quantidade suficiente, para suas buscas por talentos, por intermédio de seus departamentos
pessoais e headhunters. Para tanto, basta verificar a quantidade de fases, exigências e modelo
de seleção de trainees de grandes empresas, como: Microsoft, Apple, Google e de grandes
instituições industriais e financeiras, que notaremos que ao capital, ao menos na periferia do
138 Geralmente nos momentos de crises econômicas e retração da produção, ainda que o discurso seja exatamente
o oposto, com divulgação da necessidade de talentos e inovação, os quadros e históricos de cortes e redução dos
já exíguos orçamentos em ciência e tecnologia e cultura, por exemplo, dão informações incontestes de como
realmente se opera a racionalidade capitalista durante as crises. Como podemos verificar em publicações sobre o
tema na BBC Brasil de 11/06/2017: Cortes na ciência geram êxodo de cérebros, congelam pesquisas e vão punir
Brasil por décadas, diz presidente da academia. In: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40504128
463
sistema, não há a necessidade de estímulo, desenvolvimento e produção de talentos, para além
do atual.
A simples reprodução da sociedade por meio da escola, com seus gargalos de seleção e
recrutamento aos modelos de escolarização longo e curto, dão conta do preenchimento por
talentos em vagas que, porventura, venham a ser necessários. Tal fato agrava-seem relação à
distância dos grandes centros de produção e distribuição de capital, que sempre garante que um
ou outro miraculado fure as barreiras de classe, gênero e etnia, de modo que a teoria da
meritocracia e da mobilidade social siga em voga.
Assim, fica uma pergunta e uma constatação final: como a classe trabalhadora pode
produzir seus intelectuais orgânicos, sem que os talentos da classe sejam identificados e
estimulados, no interior da rede pública de ensino? Não há esperança para as AH/SD, sem uma
concepção que se integre aos debates da escola e da educação, como um todo; sem este passo
o tema não passará de exotismo a divertir as massas e a grande mídia.
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GLOSSÁRIO:
Criança Prodígio: Criança que “caracteriza-se por um desenvolvimento excepcional nos seus
primeiros anos de vida” (Alencar, 2001).
Gênio: Atualmente, mediante estudos sobre as múltiplas inteligências, a genialidade tornou-se
de difícil mensuração. Contudo, uma definição simples acerca dos gênios pode ser entendida
como sendo os “indivíduos que deram contribuições originais e de grande valor para a
sociedade” (Alencar, 2001).
Inteligência: “conceito em mudança [...] considerada como um conjunto integrado de várias
capacidades cognitivas, sócio - emocionais, perceptuais, físicas, fisiológicas e até intuitivas,
funcionando em uma configuração maior, em harmonia com o quadro de referências e
posicionamento geral da pessoa” (Guenther, 2000).
Superdotado: “indivíduo que apresenta uma ou mais habilidades acima da média, somada à
motivação pela tarefa e à criatividade” (Renzulli, apud Alencar 2001). Outros termos
utilizados para superdotados citados pela autora: “mais capazes” (na Austrália e na
Inglaterra); “supernormal” (na China); “excepcional” (na Indonésia).
Savant: “caracteriza-se por uma habilidade superior em uma área específica ao mesmo tempo
em que apresenta um retardo pronunciado em uma ou mais áreas” (Alencar, 2001).