a intervenção so s. s. na area jurídica

11
1 A intervenção do serviço social na área sociojurídica Grezielly Lourenço Ramalho dos Santos 1 Profa. Dra. Rosa Lúcia Prédes Trindade (Orientadora). RESUMO Este texto tem como objetivo realizar uma breve discussão acerca do caráter interventivo que o Serviço Social possui nas relações sociais do atual sistema capitalista, e em especial, na área sociojurídica. A categoria trabalho consiste na primeira e mais importante forma de intervenção humana tanto na natureza quanto nas relações humanas. A partir do desenvolvimento das forças produtivas estas formas de intervenção humana tornam-se mais complexas. As políticas sociais surgem como necessidade de respostas do Estados às refrações da questão social, no período capitalista monopolista. A necessidade de execução e implementação das políticas sociais criará diversas profissões, dentre as quais, o Serviço Social. A princípio esta profissão executa o seu trabalho vinculada aos interesses da sociedade capitalista, fazendo uso de teorias sociais conservadoras, atribuindo à classe trabalhadora a responsabilidade pela situação precária em que vivem. Mas a partir da inserção das teorias marxistas, tem-se uma nova forma de conhecer o mundo e uma nova forma de perceber o indivíduo. E mais: tem-se uma possibilidade concreta de realização de uma nova sociedade, onde não existirá exploração e onde todos os homens são livres, plenamente emancipados. Cabe aqui destacar que em qualquer etapa teórico-metodologica da profissão, esta conservou sua característica mais importante: o caráter interventivo nas relações sociais. A intervenção que o Serviço Social possui no campo sociojurídico, diferentemente das demais áreas, não se realiza na execução de política sociais, no entanto continua a intervir nas refrações da questão social, principalmente pelo fato de que a maior parte da demanda que surge nesse campo provém, das classes subalternas. Esta procura a instituição a fim de atender às suas necessidades de solução a um litígio que individualmente não conseguiu resolver. Trabalho e sua primeira forma de intervenção O homem atua na natureza em função de suas necessidades enquanto espécie ultrapassando limites e criando novas necessidades que passam a ser tão fundamentais quantas às chamadas necessidades básicas de sobrevivência. A ação humana no processo de criação de artefatos, instrumentos, desenvolvimento de idéias e mecanismos para sua elaboração é intencional e planejada, essa ação se dá através da incorporação das experiências produzidas e transmitidas por gerações. A interação homem-natureza vai diferenciando-o cada vez mais das outras espécies de animais - processo tal onde ocorre à própria produção da existência humana. 1 Assistente Social, Especialista em Gestão e Controle Social das Políticas Públicas/UFAL, Mestranda em Serviço Social/UFAL, Pesquisadora do GEPSOJUR Grupo de Estudos Pesquisas e Projetos Sociojurídicos/UFAL

Upload: thais-helena-zago

Post on 29-Dec-2015

6 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: a intervenção so s. s. na area jurídica

1

A intervenção do serviço social na área sociojurídica

Grezielly Lourenço Ramalho dos Santos1

Profa. Dra. Rosa Lúcia Prédes Trindade (Orientadora).

RESUMO

Este texto tem como objetivo realizar uma breve discussão acerca do caráter interventivo que o Serviço Social possui nas relações sociais do atual sistema capitalista, e em especial, na área sociojurídica. A categoria trabalho consiste na primeira e mais importante forma de intervenção humana tanto na natureza quanto nas relações humanas. A partir do desenvolvimento das forças produtivas estas formas de intervenção humana tornam-se mais complexas. As políticas sociais surgem como necessidade de respostas do Estados às refrações da questão social, no período capitalista monopolista. A necessidade de execução e implementação das políticas sociais criará diversas profissões, dentre as quais, o Serviço Social. A princípio esta profissão executa o seu trabalho vinculada aos interesses da sociedade capitalista, fazendo uso de teorias sociais conservadoras, atribuindo à classe trabalhadora a responsabilidade pela situação precária em que vivem. Mas a partir da inserção das teorias marxistas, tem-se uma nova forma de conhecer o mundo e uma nova forma de perceber o indivíduo. E mais: tem-se uma possibilidade concreta de realização de uma nova sociedade, onde não existirá exploração e onde todos os homens são livres, plenamente emancipados. Cabe aqui destacar que em qualquer etapa teórico-metodologica da profissão, esta conservou sua característica mais importante: o caráter interventivo nas relações sociais. A intervenção que o Serviço Social possui no campo sociojurídico, diferentemente das demais áreas, não se realiza na execução de política sociais, no entanto continua a intervir nas refrações da questão social, principalmente pelo fato de que a maior parte da demanda que surge nesse campo provém, das classes subalternas. Esta procura a instituição a fim de atender às suas necessidades de solução a um litígio que individualmente não conseguiu resolver.

Trabalho e sua primeira forma de intervenção

O homem atua na natureza em função de suas necessidades enquanto espécie ultrapassando limites e criando novas necessidades que passam a ser tão fundamentais quantas às chamadas necessidades básicas de sobrevivência. A ação humana no processo de criação de artefatos, instrumentos, desenvolvimento de idéias e mecanismos para sua elaboração é intencional e planejada, essa ação se dá através da incorporação das experiências produzidas e transmitidas por gerações. A interação homem-natureza vai diferenciando-o cada vez mais das outras espécies de animais - processo tal onde ocorre à própria produção da existência humana.

1 Assistente Social, Especialista em Gestão e Controle Social das Políticas Públicas/UFAL, Mestranda em

Serviço Social/UFAL, Pesquisadora do GEPSOJUR – Grupo de Estudos Pesquisas e Projetos

Sociojurídicos/UFAL

Page 2: a intervenção so s. s. na area jurídica

2

As necessidades, atividades, a organização social e o estabelecimento das relações entre os homens estão intimamente ligados ao processo de produção de sua própria existência. O trabalho se encontra na base dessas relações, determinando e condicionando a vida e a economia de uma dada sociedade. Segundo a teoria marxista, é através da produção que se desvenda o caráter social e histórico do homem as leis que o regem são construídas ao longo da história.

O homem é um ser social e a atividade humana sempre será social até a sua relação consigo mesmo só é possível no relacionamento com outros homens. As próprias coisas constituem-se dessa forma e não têm valor em si, já que não podem ser apreendidas independentemente dessa relação onde ele é transformado alterando inclusive as suas necessidades. Mesmo quando a atividade humana é individual, ela se caracteriza como social, porque as condições para a sua realização são produtos sociais. Portanto o mundo, as instituições, a sociedade, a natureza e a essência humana são construídos historicamente.

As ações e relações humanas com o mundo que constroem o próprio homem - no sentido biológico, práticos e espirituais - ativo na construção de si mesmo, da natureza ou de sua história estão envolvidas num processo contínuo e infinito de construção. A gênese e desenvolvimento da história apresentam um significado muito próprio.

A compreensão da gênese e do desenvolvimento dos fenômenos deve partir da concepção de que nada, nenhuma relação, fenômeno ou idéia tem o caráter de imutável.

Assim, podemos caracterizar o trabalho como a primeira forma de intervenção humana, onde o homem, ao modificar a natureza com o fim de atender às suas necessidades básicas e modificar a si mesmo, passou a intervir nas suas relações com os outros indivíduos, criando inclusive instrumentos tanto para o trabalho na natureza, como para com os demais homens. A complexificação das relações de produção teve sua correspondência na complexificação das relações sociais, surgindo a partir daí outras instâncias sociais, tais como o Estado, o Direito, a Política, etc.

Ao longo do desenvolvimento histórico, as forças produtivas vão se modificando, se complexificando e assim, inaugurando novas formas de sociabilidade. É dessa forma que tivemos o período escravista, o feudalismo e o capitalismo, cuja semelhança entre todas é o fato de se basearem sobre a exploração de classes e a apropriação privada dos meios de produção. Em todas essas etapas, devido à exploração, uma minoria dominava sobre uma maioria da população e esta, sofria as conseqüências dessa relação desigual. A classe dominante, tendo em vista manter-se no poder, criou instituições que lhe garantiam a legitimidade, tais como o uso da ideologia, a criação do Estado, a religião, a política, a moral, etc. Dessa forma a intervenção junto à classe dominante era tratada de forma repressiva e coercitiva, com o exército, o Estado e outros aparelhos repressores atuando junto a esta classe.

De acordo com Iamamoto & Carvalho,

É indispensável um mínimo de unidade na aceitação da ordem do capital pelos membros da sociedade, para que ela sobreviva e se renove (...) mecanismos normativos e adaptadores que facilitem a integração social dos cidadãos e a redução do nível de tensão que permeia as relações antagônicas (...) Estado (...) órgão de

Page 3: a intervenção so s. s. na area jurídica

3

dominação de classe (...) exercício do controle social (...) o controle social (...) É exercido, também, através de relações diretas, expressando o poder de influência de determinados agentes sociais sobre o cotidiano de vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e comportamentos legitimados socialmente. Entre estes agentes institucionais encontra-se o profissional do Serviço Social. (1998: 107)

O Serviço Social e o caráter interventivo

A institucionalização das atividades assistenciais em nível de Estado e a própria demanda de profissionais especializados para atuação nesse campo expressa, de um lado, a ampliação e intensificação das tensões sociais que acompanham o desenvolvimento social e a necessidade de mobilizar recursos no sentido de atenuá-las ou preveni-las. De outro lado, expressa, também, o reconhecimento oficial das diferenças sociais crescentes e da situação de pobreza de parcelas expressivas da população.

De acordo com Iamamoto & Carvalho:

As políticas sociais e os serviços sociais delas derivados são relegados a dimensões particulares e particularizadas da situação da vida dos trabalhadores (...) subordinadas às estratégias político-econômicas que sustentam o processo de reprodução ampliada do capital. Do ponto de vista do capital, essas medidas colaboram no sentido de socializar parcela dos custos de reprodução da força de trabalho, partilhando-os com toda a população, que os assume indiretamente via impostos e taxas recolhidos pelo poder público. Tais serviços (...) são vantajosos para o capital, porque seu custo é partilhado pelos próprios beneficiários. (...) Os serviços sociais tornam-se, portanto, um meio de reduzir os custos de reprodução da força de trabalho (...) a qualidade dos serviços prestados subordina-se ao imperativo da rentabilidade das empresas (...) a filantropia (...) passa a ser concebida como investimento, que é o princípio que preside a organização dos serviços sociais. (1998: 100).

As medidas paliativas mobilizadas pelo Estado denunciam a forma deficiente de resolução dos problemas sociais, onde se procura abafar as tensões estabelecendo e fortalecendo os vínculos de dependência da população carente para com o Estado aumentando assim a reprodução da desigualdade social e do poder segmentado de uma base legitimamente popular. Apesar de todas as medidas de controle, aumentam e reproduzem às expressões de antagonismo social e suas eclosões se retardam ou se manifestam com uma roupagem, aparentemente, menos violenta.

O discurso ideológico dessas medidas é estratégico para o reforço humanizado de sociedade, pois, fornecem ao poder o argumento de uma boa convivência com os mais diversos grupos e classes sociais em busca de um projeto humanizado de sociedade. Entretanto é no cotidiano do trabalhador onde se expressa na miséria do seu dia-a-dia e no trabalho alienado, que só o escraviza, mortifica aumentando sofrimento e desgaste pessoal.

Com podemos ver em Iamamoto & Carvalho,

Page 4: a intervenção so s. s. na area jurídica

4

O exercício profissional do Assistente Social (...) se institucionaliza dentro da divisão capitalista do trabalho, como partícipe da implementação de políticas sociais específicas levadas a efeito por organismos públicos e privados, inscritos no esforço de legitimação do poder de grupos e frações das classes dominantes que controlam ou têm acesso ao aparato estatal. Na operacionalização de medidas, instrumentais de controle social, o emprego de técnicas e tecnologias sociais é largamente utilizado, enquanto meios de influenciar a conduta humana, adequando-a aos padrões legitimados de vida social, manipulando racionalmente os problemas sociais, prevenindo e canalizando a eclosão de tensões. (Iamamoto & Carvalho, 1998: 111)

A profissão de assistente social foi regulamentada como profissão liberal e apesar de não se apresentar como autônoma apresenta certos traços que o efetivam como tal: a existência de uma relação singular no contato direto com os usuários possibilita a reorientação de sua forma de intervenção; a indefinição ou fluidez de sua atuação possibilita ao assistente social apresentar propostas de trabalho que ultrapassem meramente a demanda institucional e amplia seu campo de autonomia, de acordo com a concepção social do agente sobre sua prática; a definição jurídica do Serviço Social abre possibilidades de seu exercício independente. Esses acessos diretos com os trabalhadores têm despertado os interesses de frações das classes dominantes que controlam ou tem acesso ao aparato estatal com o objetivo de legitimação e manipulação das classes dominadas.

O assistente social sujeito partícipe desse processo pode configurar-se como mediador dos interesses do capital ou do trabalho tornando-se intelectual orgânico a serviço da burguesia ou das forças populares emergentes reforçando a legitimação da situação vigente, ou reforçando um projeto político alternativo, apoiando e assessorando a organização dos trabalhadores. Isso supõe por parte do profissional, uma clara compreensão teórica das implicações e da necessidade de uma reflexão sobre o caráter político da sua prática.

O Serviço Social tem o papel de contribuir na luta pela direção social e cultural das classes fundamentais na sociedade, de forma que coloca sua capacidade a serviço da criação de condições favoráveis à organização da própria classe a que se encontra vinculado. Em sua forma de atuação, envolve-se diretamente na vida cotidiana, como “organizador, construtor, persuasor permanente” do trabalho organizativo e articulador das “massas” aos grupos sociais a que se encontram ligados, no desempenho voltado para contribuir na luta pela hegemonia da classe a que serve.

O Assistente Social na sua qualidade de intelectual tem como instrumento básico de trabalho a linguagem e se constitui enquanto categoria voltada para a intervir na realidade, através dos conhecimentos socialmente acumulados e produzidos pelas demais ciências, aplicando-os à realidade social para subsidiar sua prática. (Iamamoto & Carvalho: 87-8).

A profissão não é uma ciência, mas isso não lhe exclui a possibilidade e necessidade de produzir conhecimentos científicos, contribuindo para o acervo das ciências humanas e sociais.

De acordo com Lessa

Page 5: a intervenção so s. s. na area jurídica

5

Nos dias de hoje, as questões teóricas mais urgentes para o Serviço Social, fundamentais para uma atuação dirigida no sentido apontado pelo seu código de ética, não apenas deixaram de ser pensadas pelo conjunto predominante das Ciências Humanas, como ainda são consideradas por este mesmo conjunto como objetos meramente “ideológicos”, no sentido pejorativo do termo. Assim, devido à distância socialmente interposta entre seus horizontes e as perspectivas dominantes nas Ciências Humanas a profissão passou a desenvolver as investigações teóricas de fundo de que necessita. Nesta nova situação político-ideológica, abre-se ao Serviço Social um espaço próprio a ser ocupado no interior do conjunto das ciências sociais, espaço esse marcado, por um lado, pela reflexão mais diretamente ética que envolve a prática cotidiana dos assistentes sociais; e por outro, pela discussão diretamente política da relação entre os projetos de emancipação, a ação do Estado e a atuação dos assistentes sociais enquanto valores de implementação das políticas sociais (...) nova situação histórica. (2000: 36-7).

Enquanto vinculado aos interesses da classe capitalista

O Serviço Social é criado e desenvolvido como profissão no período monopolista do capitalismo industrial, tendo como função atuar nas expressões da questão social, através da implementação das políticas sociais. Estas se constituem, de acordo com Montaño (2002), a base de sustentação funcional-ocupacional da profissão, caracterizando sua funcionalidade, sua legalidade, criando o espaço de inserção ocupacional. O Estado cria as políticas sociais como um instrumento de intervenção junto às classes subalternas e como uma instância privilegiada que cria o espaço de intervenção profissional do assistente social, e este é o agente de implementação da política social, é instrumentalizado por ela para a sua execução e depende da mesma para se desempenhar profissionalmente. (Idem: 244).

A passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista representou novos ganhos para a classe burguesa: a hegemonia do capital financeiro, a produção ampliou-se, novos mercados foram conquistados, novos modos de produção foram criados. Nesta etapa tornou-se de fundamental importância a intervenção do Estado na economia, de modo a assegurar os lucros e ganhos da economia nacional.

Outra função que o Estado assume é com relação à questão social, pois a contradição entre o proletariado e a burguesia passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. A intensificação da extração da mais-valia, o aumento da opressão e a situação de penúria e miséria tornam mais grave a situação da classe trabalhadora forçando-a a tentar reagir contra a sua situação, seja através de revoltas, greves etc., ou através de seu ingresso no cenário político. O Estado passa a intervir criando as políticas sociais.

A formulação das políticas sociais desempenha um papel fundamental na contenção e controle da população trabalhadora submetida a esse processo intenso de exploração. Representa a busca do Estado em enfrentar o processo de pauperização absoluta ou relativa do crescente contingente da classe trabalhadora urbana. E assim, tanto os trabalhadores inseridos no mercado de trabalho, como o exército industrial de reserva têm suas vidas e a de suas famílias dependentes das ações estatais.

Page 6: a intervenção so s. s. na area jurídica

6

De acordo com Iamamoto & Carvalho:

à medida que avança o desenvolvimento das força produtivas, da divisão do trabalho (...) modificam-se as formas e o grau de exploração da força de trabalho. Modifica-se (...) o posicionamento das diversas frações da classe dominante e suas formas de agir perante a questão social (...) As respostas à questão social (...) passa-se da caridade tradicional (...) para a centralização e racionalização da atividade assistencial e de prestação de serviços sociais pelo Estado, à medida que se amplia o contingente da classe trabalhadora e sua presença política na sociedade (...) (Idem: 78)

O Estado nacional, seguindo a lógica de atuação estatal no capitalismo mundial consolida-se como parte integrante do aparato estatal na prestação de serviços sociais à população e de empresas privadas e organizações patronais dedicadas às atividades produtivas, e o profissional, como um assalariado a serviço das mesmas. O Estado passa a ser um dos maiores empregadores de assistentes sociais no país na condição de legislador e de controlador das forças repressivas e visando assegurar o poder e a ordem estabelecida e conforme os interesses dominantes, vê-se obrigado, pelo poder de pressão das classes subalternas a incorporar alguns de seus interesses, desde que não afetem aqueles da classe capitalista como um todo. (Ibid: 81).

A origem do Serviço Social no Brasil encontra-se vinculada às iniciativas da Igreja Católica para dinamizar sua missão política de apostolado social junto às classes subalternas, particularmente junto à família operária e divulgação da doutrina social e apostolado. A partir da institucionalização da profissão pelo Estado, ocorre a profissionalização do apostolado social e seu aproveitamento e cooptação pelo aparato estatal e empresarial, atribuindo novas determinações à legitimação e institucionalização do Serviço Social. O assistente social passa a receber um mandato diretamente das classes dominantes com a função de atuar, segundo as metas estabelecidas por estes, junto aos trabalhadores, pois embora trabalhe a partir e com a situação de vida destes, não é por eles diretamente solicitado.

A demanda dos serviços profissionais possui um suporte jurídico-institucional para se impor ante o “cliente”, cujo caminho que este percorre até os serviços sociais é intermediado pelo assistente social e para poder obter estes serviços ele terá que obedecer aos “critérios” estabelecidos pela instituição e apresentados pelo profissional. Assim, a intervenção profissional segundo a lógica do capitalismo apresenta um caráter de cunho impositivo, com o reforço à ideologia do desinteresse, do altruísmo, do dom de si, do respeito à livre iniciativa do cliente, do princípio da não ingerência, da neutralidade etc.

E assim, assumindo alguns valores cristãos, os profissionais passam a atuar tendo como pressuposto a valorização do primado do ser sobre o primado do saber, a ciência. A chamada “vocação de servir” obedece às motivações de ordens éticas, religiosas ou políticas, atribuindo-se à profissão um caráter missionário, e profissional da profissão é apresentado como um agente voltado para a ajuda aos demais, a serviço do povo, do oprimido. Dentro da indústria, a atuação profissional baseia-se na vigilância dos operários, articulada à mecanismos de persuasão que contribuam para a garantia da organização e regulamentação das relações de

Page 7: a intervenção so s. s. na area jurídica

7

trabalho, no sentido de adaptar o trabalhador aos novos métodos de produção que potenciem a extração do trabalho excedente.

Assim, segundo Iamamoto & Carvalho,

O alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e sua família (...) contexto referente às condições e situação de vida da classe trabalhadora (...) encontra-se integrado ao processo de criação de condições indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho, à extração da mais-valia (...) participa (...) da tarefa de implementação de condições necessárias aos processos de reprodução no seu conjunto (...) funções cujo significado econômico está subordinado a seu caráter político determinante (...) vinculada a estruturas do poder, à criação de condições político-ideológicas favoráveis à manutenção das relações sociais, configurando-as como harmônicas, naturais, destituídas das tensões que lhe são inerentes (...) manter a continuidade da organização social dentro da ordem do capital, contribuem, inevitavelmente, para reproduzir as contradições fundamentais que conformam as relações sob as quais se baseia essa sociedade (...) (1998:85).

A trajetória do Serviço Social no Brasil possui como tendência predominante o reforço dos mecanismos do poder econômico, político e ideológico, no sentido de subordinar a população trabalhadora às diretrizes das classes dominantes. Contudo, essas características não eram claramente afirmado pelos autores da época, havia uma defasagem entre a intencionalidade da prática profissional e os efeitos sociais objetivos da prática profissional e a representações que legitimam esse fazer. Utilizava-se um discurso humanitário e modernizador, com conteúdo de classe, embora o discurso da instituição tenda a encobri-lo. À proporção que avança a acumulação e com ela a modernização do Estado e a conseqüente burocratização das atividades, aquele discurso vai se tornando cada vez mais técnico e racional com aparência “neutra” e “apolítica”. (Idem: 96).

Seguindo a ótica do capital, os serviços sociais tornam-se um reforço para a garantia de elevados níveis de produtividade do trabalho, de forma a manter o equilíbrio psicofísico do trabalhador, canalizando e antecipando a emergência de focos de tensão. Outra vantagem que o capital consegue através das medidas assistenciais é em relação a manutenção do exército industrial de reserva, o que acaba provocando uma abundância de força de trabalho e assim, forçando uma competição contra os trabalhadores que estão inseridos no mercado, não lhes deixando outra alternativa senão aceitar as políticas de redução salarial impostas pelos donos do capital. Dessa forma, as medidas assistenciais são utilizadas para auxiliar a reprodução dessa parcela da classe trabalhadora e também com forma de controlar e prevenir os inconformismos, pois a pauperização dessa classe se torna um ambiente fértil à emergência de inconformismos ameaçadores à ordem vigente.

No entanto, apesar das políticas sociais representarem os interesses da classe burguesa, assumindo forma de um caráter complementar à reprodução da força de trabalho a menor custo, para os trabalhadores inseridos e os não inseridos no mercado de trabalho e suas famílias tais políticas se tornam de fundamental importância na sua reprodução física, intelectual e espiritual. Para o exército industrial de reserva, tais serviços se tornam vitais, embora insuficientes, na medida em que garante a sua sobrevivência. Assim, do ponto de vista dos representantes

Page 8: a intervenção so s. s. na area jurídica

8

do trabalho pode-se afirmar (...) que os serviços sociais respondem a necessidades legítimas (...) são (...) temas de lutas político-reivindicatórias da classe trabalhadora. (Iamamoto & Carvalho, 1998: 102).

O Serviço Social utiliza mecanismos que o legitimam e demandam sua ação profissional para reforço do controle social e difusão da ideologia dominante, sendo considerado, como um instrumento auxiliar e subsidiário na concretização da continuidade da organização social vigente. Ambos constituem recursos necessários para obtenção do consenso social dos dominados e oprimidos socialmente, adaptando-os à ordem vigente. pp.104 pp.108 pp.109

O Assistente Social ao se vincular aos organismos institucionais estatais, para-estatais ou privados, dedicando-se ao planejamento, operacionalização e viabilização de serviços sociais programados para a população, cujo acesso é disponibilizado pelo profissional, que seleciona, segundo critérios determinados institucionalmente os mais “necessitados”. A demanda se orienta de forma a contribuir para potenciar e agilizar os atendimentos, garantindo a produtividade do trabalho, e assim favorecer a rotatividade da população nos programas estabelecidos. Devido à sua proximidade com o usuário, as informações acerca de sua vida são controladas e circuladas pelo profissional para os demais técnicos e para a entidade, e as informações sobre o funcionamento desta para a população. Desenvolve uma ação “educativa” e persuasiva de divulgação das normas e valores institucionais de forma a conseguir a internalização e aceitação destas pelos usuários, transformando em algo internalizado e aceito voluntariamente por eles.

Assim, ao se vincular aos interesses da classe capitalista, o assistente social passa a detectar as tensões sociais a tempo de propor medidas preventivas para seu enquadramento, utilizando um discurso humanista e humanizador que desfigura o seu caráter de classe e pretende harmonizar as contradições presentes. Os conflitos e as desigualdades passam a ser vistos como “desvios” a serem contornados e controlados institucionalmente; as lutas de classes transformam-se em “problema social” e seus únicos responsáveis são os próprios indivíduos e grupos. Dessa forma, o que deve ser mudado são os hábitos, atitudes e comportamentos dos indivíduos, tendo em vista seu ajustamento social, contribuindo assim, para remover “obstáculos” ao “crescimento econômico”. A visão do cliente passa a ser incorporada segundo a imagem da burguesia para a classe trabalhadora e o Serviço Social torna-se a profissão que fará a extensão dessa imagem, reproduzindo em sua prática institucional, não só o paternalismo autoritário estatal ante a classe trabalhadora, mas também o discurso do Estado, enquanto expressão da ideologia dos governantes.

Enquanto vinculado aos interesses da classe trabalhadora

O Serviço Social se constitui numa profissão inscrita na divisão social do trabalho, situado no processo de reprodução das relações sociais, mobilizado pela burguesia e inserido no aparato burocrático estatal, das empresas e demais entidades privadas. Intervém, ainda, na criação de condições favorecedoras da reprodução da força de trabalho, através da mediação dos serviços sociais, previstos e regulados pela política social do Estado. Através da compreensão desse movimento contraditório abre-se a possibilidade para a profissão colocar-se a serviço de um projeto de classe alternativo àquele para o qual é chamada a intervir, pois embora constituída para servir aos interesses do capital, ela não reproduz

Page 9: a intervenção so s. s. na area jurídica

9

monoliticamente as necessidades que lhe são exclusivas, participando das respostas às necessidades legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora. (Iamamoto & Carvalho, 1998: 93).

Por ser uma profissão de caráter interventiva, o Serviço Social realiza sua atividade no cotidiano, na medida em que este se constitui em produto histórico e enquanto vivência pelos sujeitos, sendo também aprendido como manifestações da própria história, na qual os agentes a produzem e reproduzem, fazendo-se nesse processo social. Para se poder compreender o cotidiano torna-se necessário não apenas não se reduzir aos aspectos mais aparentes, triviais e rotineiros; como também compreender que se eles são parte da vida em sociedade, não a esgotam e sim se tornam a expressão de um modo de vida, historicamente circunscrito cuja reprodução de suas bases é onde são gestados os fundamentos de uma prática inovadora. A descoberta do cotidiano possibilita a transformação da realidade, pois ele é o “solo” da produção e reprodução das relações sociais.

Assim, segundo Iamamoto e Carvalho,

O Assistente Social, através da prática direta junto aos setores populares, dispõe de condições potencialmente privilegiadas de apreender a variedade das expressões da vida cotidiana, por meio de um contato estreito e permanente com a população (...) aliada a uma bagagem científica, que possibilite ao profissional superar o caráter pragmático e empirista (...) intervenção, poderá obter uma visão totalizadora da realidade desse cotidiano e da maneira como é vivenciada pelos agentes sociais. O profissional, em sua prática de campo, interfere, em graus diversos de intensidade, na vida das pessoas com quem trabalha (...) a importância do compromisso social do Assistente Social, orientado no sentido de solidarizar-se com o projeto de vida do trabalhador ou de usar esse acesso à sua vida particular para objetivos que lhe são estranhos (...) caráter pessoal da relação (...) característica do exercício profissional (...) (1998: 114-5).

As instituições necessitam da adesão e concordância de seus agentes a fim de conseguirem concretizar as metas e estratégias que propõem, mas o Assistente Social possui relativa autonomia no exercício de suas funções institucionais, sendo co-responsável pelo rumo imprimido às suas atividades, pelas formas de conduzi-las, pela concepção teórico-prática da profissão e do seu papel na sociedade, incorporada e expressa pela categoria profissional em suas atividades cotidianas. Estas características profissionais demonstram o tipo de respostas que oferece às demandas do empregador ou lançar-se no esforço de propor e efetivar uma direção alternativa àquela proposta pelos setores dominantes para a intervenção técnica. Iamamoto & Carvalho, 1998:120).

A possibilidade de tomar essa posição a favor da classe trabalhadora a despeito das requisições do setor empregador somente se tornou possível devido ao contexto sócio-histórico, na medida em que o contingente profissional se expande, passando a ser recrutado fundamentalmente nas “camadas médias” da sociedade, sofrendo com os embates de uma política econômica amplamente desfavorável aos setores populares. A prática do Assistente Social passa a ser analisada a partir das implicações políticas do papel desse intelectual vinculado a um projeto de classe; rompendo com o papel tradicionalmente assumido e aderindo a um novo projeto de

Page 10: a intervenção so s. s. na area jurídica

10

sociedade; buscando fundamentos científicos mais sólidos, ultrapassando a mera atividade técnica e questionando a orientação teórico-metodológica antes assumida. (Idem:121).

Conclusão

O homem, a partir do trabalho, intervém na natureza, modificando a sua própria vida e a dos demais indivíduos. Em cada momento histórico, cada determinada forma de força produtiva revelava a forma de intervenção que os homens exerciam uns sobre os outros, onde uns dos principais pontos em comum consiste no fato de que até o presente momento, todas as formas de sociedade foram baseadas na exploração de uma classe sobre outra.

Esta situação de exploração de uma classe sobre outra acaba por gerar insatisfações e insubordinações por parte da classe que se encontra oprimida e subordinada e por isso se torna de fundamental importância para a classe dominante criar e manter mecanismos de dominação, de forma a controlar e coagir a classe dominada. A partir daí surgem diversos organismos para cumprir com essa função: a religião, a ideologia, a moral, o Estado, etc.

Assim, até o período do capitalismo monopolista, todas as revoltas e insatisfações que a classe dominada demonstrava, bem como a situação de miséria que sofriam, eram tratados de forma repressiva, até violenta pela classe dominante, tendo o Estado típico de cada época como o principal executor dessas ações.

Com o amadurecimento do capitalismo, passando para sua fase monopolista, a sociedade passa a ter uma nova dinâmica, sendo necessário uma nova forma de intervenção do Estado sofre a questão social. E assim novas formas de controle da classe subalterna se torna fundamental, surgindo assim as políticas sociais e com elas, o Serviço Social.

O Serviço Social surge como uma profissão fundamentada nas Políticas Sociais, com a finalidade de atuar sobre a classe trabalhadora a fim de conseguir desta a conformação da classe subalterna sobre suas condições de vida.

A profissão utilizava as ciências sociais como base científica em sua prática profissional, recebendo influências de várias teorias conservadoras, dentre as quais o positivismo, a fenomenologia, etc. A partir dessas teorias, a profissão assume um caráter conservador, moralizador, humanizador e naturalizador das relações sociais, buscando em sua prática profissional, conformar as classes subalternas à situação de vida em que se encontram, e quando estas se revoltam, sofrem a culapabilizaçao como únicas responsáveis pela situação insatisfatória em que vivem.

Após as teorias marxistas passarem a fazer parte do arsenal teórico do Serviço Social, este passa por profundas transformações em suas concepções; tem-se agora uma nova visão de mundo e consequentemente, uma nova forma de perceber a classe subalterna, usuária dos serviços sociais e das políticas sociais estatais, campo de atuação do assistente social.

Dessa forma, tem-se uma nova possibilidade de ação profissional: o assistente social não mais é obrigado a se vincular aos interesses da classe exploradora, mesmo que esta continue sendo a demandatária e que assalarie o profissional. Além de trabalhar em defesa dos direitos dos usuários de seus

Page 11: a intervenção so s. s. na area jurídica

11

serviços, o Serviço Social também defende a construção de uma nova sociedade, mais justa e emancipada.

Referências

• ANDERY, Maria Amália et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 14ª Edição, Rio de Janeiro: Garamond; São Paulo: EDUC, 2004.

• IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 10ª ed, São Paulo: Cortez, 2006.

• __________________ & CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação metodológica. 12ª edição, São Paulo: Cortez, Lima-Peru: CELATS, 1998.

• LESSA, Sérgio. Serviço Social e trabalho: do que se trata? In: Revista Temporalis, vol 1, nº 2, jul/dez 2000, Brasília: ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.

• MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002.

• TRINDADE, Rosa Lúcia Prédes. Desvendando o significado do instrumental técnico operativo na prática profissional do Serviço Social. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Escola de Serviço Social, 1999, Tese de Doutorado.