a interpretação jurídica no estado democrático de direito

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  • 7/26/2019 A Interpretao Jurdica No Estado Democrtico de Direito

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    Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereo http://jus.com.br/artigos/3588Para ver outras publicaes como esta, acesse http://jus.com.br

    Interpretao jurdica no marco do Estado Democrtico de Direito

    um estudo a partir do sistema de controle difuso de constitucionalidade no Brasil

    Interpretao jurdica no marco do Estado Democrtico de Direito: um estudo a partir do sistema de controle difuso deconstitucionalidade no Brasil

    Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia

    Publicado em 01/2003. Elaborado em 09/2002.

    Sumrio: Captulo 1. Colocao do Problema a crise de teorias clssicas de interpretao frente s necessidades do controle difuso, 1.1. A Crise daInterpretao, 1.2.A Relao entre Interpretao e o Controle Difuso de Constitucionalidade Captulo 2.Da Interpretao Jurdica no Estado Democrtico deDireito, 2.1. Interpretao, uma Questo de Paradigmas, 2.1.1. Estado Liberal de Direito, 2.1.2. Estado de Bem-estar Social, 2.1.3. Estado Democrtico deDireito Captulo 3. Da Interpretao no Estado Democrtico de Direito e sua importncia para o controle difuso de constitucionalidade no Brasil, 3.1. AInterpretao segundo a Teoria Discursiva de Jrgen Habermas, 3.2.Interpretao Plural da Constituio: a contribuio de Hberle Captulo 4.O Sistema deControle Difuso de Constitucionalidade no Brasil n um Novo Marco de Interpretao Jurdica Bibliografia

    CAPTULO 1. COLOCAO DO PROBLEMA A CRISEDE TEORIAS CLSSICAS DE INTERPRETAO FRENTE S NECESSIDADESDO CONTROLE DIFUSO

    1.1. A crise d a Interpretao

    Aps tantas "Escolas" que buscaram fundamentar a Hermenutica Jurdica aps a crise na crena em uma racionalidade que podiaconhecer tudo e, com o crescente aumento de complexidade e descentramento da sociedade, muitos vem a possibilidade dainterpretao (ou mais especificamente, de uma interpretao correta, segura) como algo impossvel, ou, ao menos, improvvel.

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    Como o desconstrutivismo de Derrida, que p ossibilitou para Michel Rosenfeld ap ontar uma criseda Interpretao. Com efeito, Rosenfeldinicia sua obra afirmando que a interpretao nos EUA, enquanto prxis, at mesmo no nvel da Suprema Corte, encontra-se em umagrave crise(ROSENFELD, 2000, p. 19).

    Esta crise reflexo do aumento de complexidade na atual sociedade uma sociedade que, num marco ps-tradicional, j no pode maiscontar com fundamentos ltimos baseados no sagrado ou em uma "razo absoluta" que a prioriforneam respostas universais soluode problemas que vo desde os comportamentos desviantes ocorridos em seu interior, at questo mais bsica concernente quilo que

    mantm unidos os indivduos, isto , daquilo que os torna uma comunidade e no um mero aglomerado de pessoas.

    Numa tal realidade a questo sobre a interpretao torna-se imensamente problemtica. Afinal, quais seriam os critrios objetivos devalidade que "permettant datribuer des significations claires et distinctes aux textes juridiques"? (ROSENFELD, 2000, p. 19).

    Por isso Rosenfeld comea recorrendo ao desconstrutivismo, para mostrar justamente a dimenso desta crise e a perda de critrios quepromovam consenso e determinao em torno do Direito.

    Assim, se numa sociedade "moderna", apesar de haver uma "pluralidade de concepes concorrentes do bem", h tambm o sentimentode promover a unidade desta sociedade dentro da pluralidade o papel da interpretao limitar-se-ia ao domnio constitucional, ondeaquele equilbrio entre unidade e pluralidade deveria zelar para que a interpretao atuasse de tal forma que nem sub-protegesse nem

    super-protegesse os Direitos Fundamentais (ROSENFELD, 2000, pp.8-9).

    Ao contrrio, uma "sociedade ps-moderna" tambm possui diferentes concepes do bem, mas "nest pas structure par une conceptionlargement partage sur la manire de promouvoir lunit et la cohesin tandis quau mme moment elle prserve sa pluralit et traitequitablement les questions issues de sa diversit"(ROSENFELD, 2000, p. 12) .

    No campo da interpretao, a passagem da sociedade moderna para a ps-moderna seria marcada pela perda na crena deuniversalidade do Direito Natural (toda interpretao local) e na crise do Direito Positivo (tido como arbitrrio e tendente a favorecercertas preferncias particulares que outras.

    Desde a perspectiva desconstrutivista, um texto nunca possui apenas umsentido dado, "original", mas cada leitura que se faz dele

    sempre uma releitura, isto , um texto sempre se remete a outros escritos. "Le sens dun crit nest jamais immdiatement donn ni auto-prsent car il dpend dune lecture ultrieure"(ROSENFELD, 2000, p. 24).

    Sendo assim cada leitura uma constante reinterpretao do passado e contnua abertura para o futuro, geram-se dois problemas: osignificado do texto pode corresponder a qualquer coisa, exceto quilo que parece hojee, por outro lado, se um processo que conduz aoinfinito, "ceux qui disposent du pouvoir ou de la ruse, imposeront leur signification (arbitraire) et le droit se dissoudra dans le politique"(ROSENFELD, 2000, p. 25) .

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    Para resolver este problema ele vai trabalhar com um conceito prprio de desconstruo que liga esta realidade da ontologia (daseparao do "eu" e o "outro") e da tica da incluso o que pe fim questo da objetividade ou subjetividade de um texto: nem umanem outra coisa, o significado de um texto intersubjeitvo. Assim, o significado de um texto, a despeito de no ser permanente, tambmno arbitrrio, pois aquelas exigncias (da ontologia e da tica) esto circunscritas a um dado momento histrico, limitando a gama designificados legtimos (ROSENFELD, 2000, p. 26-28).

    Aps traar este quadro (e aps analisar algumas teorias acerca da interpretao), Rosenfeld encontra uma sada atravs da via que ele

    chama de "interpretaes justas" de fato, a partir de vrias teorias, ele elabora uma teoria "alternativa" que toma o pluralismo (acimareferido) no como um problema, mas como princpio diretivo, pluralismo este "amplssimo", ou, como ele denomina, compreensivo, queabarca no apenas as vrias pretenses dos vrios grupos em conflito que participam do jogodemocrtico (isto , uma concepo depluralismo que implica tolernciapara com diferentes formas de vida), mas tambm aceita at aqueles grupos "no-tolerantes" ou seja,"tolerncia at para os no tolerantes".

    Com o recurso do pluralismo compreensivo, Rosenfeld traa sua soluo para a perda de critrios objetivos de interpretao:

    "La reconstruction contrefactuelle permet au pluralisme comprhensif de relier les sujets partiels, lajustice imparfaite et un droit ouvert afin de concevoir des interpretations justes qui peuvent tre

    partielles et contextuelles, mais qui ne sont pour autant arbitraires ni ne se rduisent une thique ouune politique particulires"(ROSENFELD, 2000, pp. 14-15) .

    1.2. A relao entre interpretao e controle difuso de constitucionalidade

    O sistema de controle difuso de constitucionalidade reclama para si desde um paradigma que prope democracia e participao uma teoria da interpretao que leve a srio a unicidade do caso concreto (que todo caso um hard case), ao mesmo tempo que veja oordenamento jurdico no como um conjunto de regras em que a aplicao das normas se d apenas como um processo de subsuno,mas formado tambm por princpios (que podem se tornar contrrios num determinado caso) e, enfim, que conceba a deciso como umprocesso i ntersubjetiva e racionalmente formado.

    o que vamos procurar tratar neste breve trabalho: mostrar a atual crise na teoria clssica da interpretao, perpassando, dentro docontexto em que surgiram, algumas teorias que tm de alguma forma ligao com o controle de constitucionalidade (que tmtradicionalmente informado a doutrina e jurisprudncia dessa rea) mas que, conforme mostraremos, tornaram-se incapazes defornecer uma resposta adequada para o momento atual.

    Ao mesmo tempo esta reconstruo ir se direcionar ao sistema de controle difuso de constitucionalidade, mostrando sua centralidadeno que toca ao sistema de controle de constitucionalidade no Brasil e sua relao com a interpretao, isto , a importncia desta para ofuncionamento daquele e deste para a ampliao d o espectro de i ntrpretes.

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    Assim, no que neguemos a importncia do sistema de controle concentrado ou que este no carea de uma teoria adequada deinterpretao, mas somente que, conforme defendemos, se queremos reconhecer uma "sociedade aberta de intrpretes da Constituio"no Brasil, cremos que a possibilidade de que qualquer sujeito questione incidentalmente a constitucionalidade de uma lei, levantandopretenses de validade acerca da interpretao que se d Constituio aqui e agora possui um plusem relao interpretao "desdecima" do controle concentrado .

    O sistema de controle difuso de constitucionalidade consolida-se no Brasil no princpio do sculo passado e, medida que novas formas

    prprias ao sistema de controle concentrado vo sendo adotadas, incorporam a tradio do primeiro, que permanece como a principalforma de controle de constitucionalidade e certamente a mais ampla oportunidade de d iscusso constitucional (e, logo, de interpretaoda mesma) .

    CAPTULO 2.: DA INTERPRETAO JURDICA NO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO

    2.1. Interpretao, uma questo de paradigmas

    Para discutirmos a situao da interpretao jurdica no Estado Democrtico de Direito, precisamos mostrar como os Estados Nacionaisse desenvolveram desde o Estado Liberal, apontando diferentes concepes acerca da interpretao presentes em cada um deles.

    Valemo-nos da noo d e paradigma, no sentido dado por Thomas Khun (In: "A Estrutura das Revolues Cientficas"), o qual salienta ahistoricidade e descontinuidade do conhecimento cientfico, que se d por alterao de paradigmas, que so, pois, aquelas pr-compreenses que integram o pano-de-fundo da linguagem (CARVALHO NETTO, 2001, p. 15) e que, por isso, so requisitoscontrafactuais que a possibilitam. A comunicao trabalha com pressupostos contrafactuais para que possa se d ar: o pressuposto de queh entendimento funda-se justamente no compartilhamento de um mesmo pano-de-fundo entre o que fala e o que ouve.

    Um paradigma , numa determinada comunidade, um universo que se d por suposto na (que d sentido ) normatividade socialquotidiana .

    No que toca ao constitucionalismo, podemos falar em trs paradigmas: o do Estado Liberal, Estado Social, e Estado Democrtico de

    Direito.

    2.1.1. Estado Liberal de Direito

    O primeiro paradigma constitucional da modernidade corresponde ao que se convencionou chamar de Estado Liberal, que, dentro doesprito da poca (sculo XVIII), evocava trs princpios fundamentais: igualdade, liberdade e propriedade.

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    Nesse sentido, Alexis de Tocqueville que, identificando igualdade com democracia, dizia que o processo igualizador isto , odesenvolvimento das instituies democrticas era inevitvel, logo, dever-se-ia lutar para preservao da liberdade. Assim, se todosforem iguais, logo nenhum poder exercer um poder desptico sobre o outro e ento os homens (ou a "humanidade", para usar um termoda poca) sero livres, porque todos iguais (TOCQUEVILLE, 1978, p. 174).

    Estamos diante de uma sociedade que se viu, pela primeira vez, deslumbrada com a declarao da igualdade de todos (fim dos p rivilgiosde nascimento) e liberdade de cada um definir os rumos de sua vida de acordo somente com os rumos dados pelos princpios que a sua

    razo podia alcanar. Claro que estamos falando da burguesia e dos proprietrios ao menos do prprio corpo, como diria Marx, o queimplica reconhecer que, em uma sociedade que se orgulhava tanto da liberdade e igualdade de oportunidades (e que tanto deslumbrouTocqueville), como a americana, conviveram homens livres e escravos durante longo tempo.

    Sem embargo, uma sociedade que reconhece um "todos" atravs de uma "razo" que os torna iguais e autnomos, medida que estarazo a-histrica e universal compartilha com as demais a capacidade de destilar princpios to inatos e bvios (mais uma vez apresena da noo de paradigma) como a igualdade e a liberdade.

    Como bem resumiu Tocqueville ao descrever a sociedade americana:

    "concebo ento uma sociedade onde todos, encarando a lei como sua obra, a amariam e a ela se

    submeteriam sem constrangimento, onde, ao respeitar a autoridade do governo como necessria, eno divina, o amor dedicado ao chefe de Estado no fosse absolutamente uma paixo, mas umsentimento racional e tranqilo" (TOCQUEVILLE, 1978, p. 164).

    , pois, uma sociedade que rejeita qualquer fundamento religioso que venha querer ditar normas morais ou jurdicas e que possui umaprofunda desconfiana para com o Estado e suas instituies (principalmente na Europa recm exorcizada do absolutismo).

    Por isso a burguesia que agora controla (direta/indiretamente) o Estado v nas leis uma insuportvel restrio sua liberdade e suapropriedade. Por isso, mesmo que agora, num nvel ps-tradicional de justificao exija-se que as decises coativas do Estado tenham a

    forma do Direito e que este esteja legitimado por sua aceitabilidade racional (HABERMAS, 1998, p. 202), (mesmo assim), a atuao do

    Estado deve se restringir quele mnimo necessrio a garantir os direitos conquistados por aquela, isto , garantir sua maior liberdadepossvel.Laissez-fa ire, laiss ez-pass er.

    Quanto ao Judicirio especificamente, muito mais ainda pesa grande desconfiana (principalmente na Europa), reminiscncia de umapoca em que este agia como simples longa manusde reis absolutistas.

    Por isso, no que toca interpretao, os liberais desenvolveram um sistema que, mais do que antes, mantinha o juiz absolutamente preso lei. Por isso, a interpretao se restringia ao esclarecimento de algum ponto onde houvesse obscuridade (in claris cessat interpretatio).

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    J que os cdigos elaborados poca com o auxlio da razo absoluta positivaram todo o contedo do Direito Natural (Racional), sendo,portanto, a ordenao completa da sociedade, no havia possibilidade de o aplicador no encontrar ali a regra adequada soluo docaso (atravs do processo de subsuno) poderia haver, no mximo, alguma obscuridade que daria campo aos "comentadores"clarificarem.

    "Sob este primeiro paradigma constitucional (...), a questo da atividade hermenutica do juiz spoderia ser vista como uma atividade mecnica, resultado de uma leitura direta dos textos quedeveriam ser claros e distintos, e a interpretao algo a ser evitado at mesmo pela consulta aolegislador na hiptese de dvidas do juiz diante de textos obscuros e intrincados. Ao juiz reservado opapel de mera bouche de la loi" (CARVALHO NETTO, 2000, p. 479).

    Surge ento, logo aps a edio do Cdigo Civil francs (1803), a Escola Exegtica. Os exegetas se propunham a estudar o referido Cdigocrendo que seus comentrios poderiamfixaro sentido das regras ali constantes.

    A Escola Exegtica dominou todo o s culo XIX. Sem embargo, uma crtica a ela j pode ser vista em Savigny: admitir que apenas hajainterpretao quando houver uma "imperfeio acidental da lei" considerar aquela como um remdioa um mal, remdio este que deveperder sua utilidade medida que as leis se tornem mais perfeitas .

    Outro produto da poca (apesar de se opor ao Direito Natural) e que se desenvolveu no final do sculo XVIII, foi a Escola Histrica. Oshistoricistas eram contrrios aos exegetas, e valorizavam o costume, o Volksgeist, como o principal elemento do Direito, chamando,assim, a ateno para o aspecto evolutivo do mesmo.

    Contudo estavam por demais preocupados em tentar reconstruir o passado, em descobrir o "esprito da lei", sem contudo conseguirchegar ao presente. Eles se posicionaram contra a concepo de uma razo a-histrica, contudo terminaram caindo no mesmoobjetivismo iluminista sem qualquer preocupao com a empiria, com o caso concreto .

    Maior ateno, contudo, deve ser dada a uma outra corrente que veio a se tornar dominante no cenrio de todo o Direito: o PositivismoJurdico.

    Animados pelos desenvolvimentos das cincias naturais, acreditou-se que, trazendo para as cincias humanas "o mtodo" desenvolvidopara aquelas, poder-se-ia obter iguais resultados, isto , pela objetividade, pelo rigor metdicoe pela absoluta separao entre sujeito,objeto e mtodo.

    O Positivismo Jurdico surge no sculo XIX, mas pode-se ver antecedentes seus bem antes, por exemplo, nos glosadores (que sededicavam a comentar o Corpus Iuris Civilis), passando pelas crticas ao Jusnaturalismo feitas tanto pelos exegetas (que apenasreconheciam o Code Napoleon), quanto pelos historicistas (que rejeitavam a abstrao do Direito Natural e colocavam o Direito em

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    termos mais concretos, ainda que contrrio lei).

    Os positivistas negam qualquer fundamento metafsico ao Direito, tanto uma transcendncia religiosa quanto aquela prpria do DireitoNatural Racional. Direito apenas aquele posto (positivado) pelo Estado, logo, a Cincia do Direito tem por fim apenas a norma.

    "La teora positivista abogara por que la ciencia jurdica no se aparte ni de principios generales, ni de derechos vlidos por encima de lasleys promulgadas, ni de supuestos ontolgico-jurdicos (la sociabilidad, el estado de naturaleza, las leys divinas), sino del derechoemprico y fctico, a saber, las normas escritas y vigentes en una sociedad" (OSUNA FERNNDEZ-LARGO, 1992, p. 26).

    A dogmtica jurdi ca que discorria a partir do Direito positivado, consolidava leispara a interpretao, aplicao e complementaodaquele, como: "lei superior derroga inferior", "lei p osterior derroga anterior" e "lei geral derroga lei especial".

    O Ordenamento Jurdico apenas poderia ser interpretado para a resoluo de antinomias e lacunas acaso existentes (lacunas estassempre aparentes) atravs de um sistema de auto-integrao, isto , a completude e harmonia do sistema de regras garantir-se-ia desdedentro, sem recorrer a elementos estranhos ao Direito.

    O positivismo prega que se o aplicador tem "dvidas" quanto justiada aplicao da regra ao caso concreto, isto um falso problema,ou, no mximo, um problema de "poltica do direito". Contudo, como bem mostra Dworkin, "esta uma resposta ruim. precisamos deuma teoria do Direito, uma resposta s nossas questes que no nos leve surpreendente concluso de que o desacordo que parece to

    genuno e to absorvente seria, na verdade, ilusrio" (DWORKIN, 1997, p. 50).

    Dworkin entende, a partir de seu fundamento na "coerncia", que no basta o Direito garantir "segurana jurdica" a partir de umsistema de regras jurdicas, como querem os positivistas. O Direito deve almejar tambm a "integridade na regncia do governo", demodo a se formar uma comunidade que no seja regida apenas por regras, mas tambm por princpios. Caso contrrio, em um caso comoo citado por ele (Riggsvs.Palmer), a deciso com base apenas em regrasforariao juiz a permitir que o neto herdasse os bens do av queele havia matado, pois no existia qualquer disposio legal em contrrio (DWORKIN, 1997, p. 61) .

    Com efeito, Dworkin mostra muito bem que a concepo positivista de um Ordenamento Jurdico formado apenas por regras, noconsegue responder s questes que ultrapassam as regras e se voltam para os pri ncpios.

    As leistradicionais de interpretao mencionadas acima so insuficientes para suprir as deficincias que um sistema de regras tem paradar resposta s p retenses a di reito cada vez mais d iversificadas que so constantemente levantadas em uma sociedade complexa como anossa.

    2.1.2. Estado de Bem-estar Social

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    J no final do sculo XIX a profunda desigualdade econmica e social entre as pessoas gerada por uma explorao sem precedentes nahistria, provocou reaes. Pululavam revoltas de operrios, os sindicatos lutavam por reconhecimento de condies mnimas detrabalho (no se esquea que os sindicatos, durante longo tempo, foram at proibidos e tiveram de existir na ilegalidade). No meio rural,camponeses eram expulsos de suas fazendas e eram obrigados a procurar trabalho nas cidades, que cresciam sem infra-estrutura, o queagravava os problemas.

    Ao mesmo tempo, as idias de Karl Marx e Engels se difundiam e logo comeariam a se reunir as "Internacionais Socialistas". Mais tarde,

    o sucesso da Revoluo Russa (1917) gerou o temor em outros pases de que em seu territrio ocorressem revolues como aquela.Diante de tais p resses, os Estados Liberais foram obrigados a ceder, editando leis que, e.g., diminuam a jornada de trabalho (ao menospara mulheres e crianas), que permitiam o funcionamento de sindicatos e tambm aes positivas, no melhoramento estrutural dascidades e at a ampliao do d ireito de voto (acabando aos poucos com o voto censitrio).

    Comeava-se a difundir a idia de que o mero elenco de direitos no era suficiente para garantir igualdade e liberdade reais e o efetivoacesso propriedade.

    Reclamava-se a materializao daqueles direitos consagrados em "Declaraes" ou mesmo constitucionalmente percebe-se que, alm dese afirmar a igualdade, seria necessrio reconhecer as diferenas e proteger o mais fraco .

    As conseqncias polticas e econmicas da 1 Guerra Mundial cui dam de sepultar definitivamente o Estado Liberal e faz surgir umanova fase no constitucionalismo, a do Estado Social, que implicou numa releitura do que at ento se entendia por "liberdade, igualdade epropriedade" (como dissemos, uma releitura que reclama a materializao destes), e faz nascer o que tradicionalmente se denominam"direitos sociais".

    Como salienta o Professor Menelick, no que simplesmente se tenham juntadodireitos de "Segunda Gerao" aos de "Primeira", mas oque h uma "mudana de paradigma que redefine o conceito de liberdade e igualdade" (CARVALHO NETTO, 2001, p. 16).

    uma grande mudana, pois o Estado amplia a esfera do "p blico", vindo este resumir-se naquele. Isso quer dizer que, a partir de agora,

    "o Estado assume, alm as atividades administrativas habituais, inclusive prestao de servio que at ento eram deixadas iniciativa

    privada: seja confiando tarefas pblicas a pessoas privadas, seja coordenando atividades econmicas privadas atravs de planos demetas ou se tornando, ele mesmo, ativo enquanto produtor e distribuidor" (HABERMAS, 1984, p. 176).

    A preocupao com a materializao dos direitos reflete-se no surgimento de novas teorias acerca da interpretao que no maisprendam o juiz a uma aplicao mecnica da norma ao fato ganham terreno tcnicas de interpretao teleolgicas, histricas,sistmicas e histricas, que rejeitam o sentido subjetivo da "vontade do legislador" para buscar o sentido objetivo da lei (CARVALHONETTO, 2000, p. 481).

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    Hans Kelsen, um dos maiores publicistas do sculo XX, aponta sua desconfiana na busca pela vontade do legislador, tal qual, em geral,propunham as teorias anteriores. "Do ponto de vista do Direito positivo, indiferente negligenciar o texto para se fixar na presumida

    vontade do legislador, ou observar estritamente o texto, sem se preocupar com a vontade normalmente problemtica do legislador"(KELSEN, 1997, p. 36) .

    No fcil classificar a Kelsen dentro de uma corrente do Direito. falta de consenso entre os estudiosos (e tambm porque este no oobjetivo deste trabalho), basta-nos afirmar seus grandes contatos com neopositivistas como Laband e Jellinek.

    Kelsen queria construir uma Cincia do Direito que fosse "pur a" e completa, na medida em que no necessitasse recorrer seno normacomo seu objeto de estudo (deixando de lado, por exemplo, questes como legitimidade, para a Poltica do Direito e a justia para aFilosofia do Direito). Em uma poca em que Constituies e leis passaram a tratar dos mais diferentes temas, desde a organizao doEstado at o nmero de horas que uma criana poderia trabalhar, passando por normas sobre condies de higiene de restaurantes estamos sob um paradigma que reclama a atuao estatal nos mais diversos campos , Kelsen sente a necessidade depurificaro Direitode quaisquer elementos morais, econmicos e valorativos que no fossem "direito" em sentido estrito.

    Ele encontra na estrutura do "dever-ser" da norma a resposta para a construo de sua Teoria Pura do Direito. Sem embargo, importante salientar haj a vista algumas leituras no mnimo equivocadas acerca do autor que para Kelsen norma no lei. Apesar detrabalhar com o Direito Positivo, ele no cai em tal simplificao. Norma "esquema de interpretao" que transforma um ato humano ou

    fato da natureza em algo significante para o Direito. "O j uzo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurdico(ou antijurdico) o resultado de uma interpretao especfica, a saber, de uma interpretao normativa" (KELSEN, Hans. 1997a, p. 4).

    Kelsen pertence ao horizonte de conhecimento que ainda diferencia interpretaes "autnticas" (feitas pelo legislador ou pelo juiz) e"no-autnticas" (feitas pela dogmtica).

    Como mostra, porm, o Prof. Marcelo A. Cattoni de Oliveira, "a expresso interpretao autntica no est presente na primeira edioda Teoria Pura do Direito, de 1934, nem num texto sobre interpretao Sobre a Teoria da Interpretao" (CATTONI DE OLIVEIRA,2001, p. 31). A expresso apenas surge a partir da edio francesa (1953).

    No mencionado texto (que incorporado primeira edio da "Teoria Pura do Direito") Kelsen comea por relacionar a Teoria da

    Interpretao com sua estrutura escalonada de normas.

    "Interpretao uma atividade intelectual que acompanha o processo de criao do Direito, no seumovimento de um nvel mais alto da estrutura hierrquica para um nvel mais baixo, que por sua vez regulado por aquele nvel mais alto. No caso (...) da interpretao das leis, a questo que se coloca como se chegar, na aplicao da norma geral (lei) a um caso concreto, a uma norma individual (umadeciso judicial ou um ato administrativo)" (KELSEN, 1997b, pp. 31-32) .

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    Assim, seja em qual for o nvel hierrquico, a interpretao sempre se relaciona com a autorizao que um nvel superior doordenamento d ao legislador ou ao juiz (j que para Kelsen o juiz ao decidir um caso tambm est produzindo uma norma, apenas queneste caso, uma norma individual) de produzir atos normativos inferiores.

    Pode ocorrer que o juiz, ou ainda mais, o legislador, possuam um campo "maior" para, diante de normais mais gerias, poder determin-las. Essa "margem" pode ter sido intencional (e.g. por um ato de delegao) ou no intencional aqui que a questo da interpretaoganha corpo.

    A "indeterminao no-intencional" da norma a ser aplicada pode advir de alguma ambigidade nas palavras ou no texto como um todo,de uma diferena entre o que ela diz e o que teria sido a inteno do legislador ou porque h duas normas contrrias regulando a mesmasituao. "Em todos esse casos, a norma a ser implementada simplesmente uma moldura dentro da qual existem vrias possibilidadesde implementao, e todo ato que ficar dentro dessa moldura, preenchendo-a em algum sentido possvel, est conforme com a norma"(KELSEN, 1997b, p. 35, grifos nossos).

    A Teoria da Interpretao que ele desenvolve pressupe que haja alguma daquelas "excepcionalidades", quando, ento, p oder-se-iaescolher dentre vrias interpretaes possveis fechadas numa "moldura" ou quadro interpretativo, sendo que no haveria qualquercritrio (no Direito Positivo) que dissesse qual dentre elas deveria ser adotada.

    O jurista viens critica a "Jurisprudncia Tradicional" que procurava mtodos que lhes permitissem, com o uso da razo, "descobrir" anica i nterpretao que seria conforme lei. Importa salientar que j se observa aqui um avano frente aos exegetas, pois Kelsen percebeque, por mais que sua Teoria gire em torno da norma, esta, como "esquema de interpretao" no se resume ao texto (lei), isto , que otexto no pode por si regular comportamentos, necessita, no caso, da Cincia do Direito para que ela estabelea a moldura deinterpretaes possveis.

    A edio francesa (1953) foi, mais do que uma mera traduo, uma reformulao da Teoria Pura. Nesta edio ele esclarece que a fixaodaquela "moldura" das interpretaes possveis papel da Dogmtica Jurdica, que, como intrprete no-autntico, apenas descreveaspossibilidades, mas nunca fixa a correta, atividade esta que cabe apenas ao intrprete autntico, isto , quele que cria nova normaaplicando outra superior (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 39).

    Kelsen fixa explicitamente a idia j presente na edio anterior de que a interpretao "no-oficial" poderia apenas influenciar oaplicador as razes de que este se vale para escolher uma ou outra interpretao possvel no diz respeito Teoria do Direito.

    Quando vem a lume a edio de 1960, ocorre, a sim, uma mudana radical na teoria kelseniana o chamado "giro decisionista" deKelsen, onde ele passa a defender que a autoridade que aplica o Direito possui liberdade no apenas para escolher alguma dasinterpretaes possveis postas na moldura, mas tambm possui a faculdade de, por ser autoridade, criar direito novo fora do quadro(interpretao nova).

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    "A propsito importa notar que, pela via da interpretao autntica, quer dizer, da interpretao deuma norma pelo rgo jurdico que a tem de aplicar, no somente se realiza uma das possibilidadesreveladas pela interpretao cognoscitiva [i.., feita pela doutrina e colocada na moldura] da mesmanorma, como tambmse pode produzir uma norma que se situe completamente fora da molduraque anorma a aplicar representa" (KELSEN, 1997a, p. 394, grifos nossos).

    Aparentemente Kelsen percebe que a Dogmtica poderia no ser capaz de inferir todasas interpretaes possveis alis, ele nemhavia entrado na questo de como seria possvel Dogmtica faz-lo e ento caso aquilo ocorresse, o aplicador poderia completar otrabalho. Cede-se no apenas impossibilidade de se estabelecer todas as interpretaes possveis, como tambm faticidade de que aautoridade no apenas no est vinculada ao que disse a doutrina, mas que, por vezes, age em desconsiderao a esta.

    Mais uma vez trata-se do problema de teorias que entendem o Direito como um sistema fechado de regras havendo coliso entre elas, ojuiz h que dar uma deciso do tipo "tudo ou nada", isto , em um tal sistema que no considera princp ios, as "colisiones de reglas traenconsigo una indeterminacin de la situacin jurdica, que slo cabe eliminar ya en trminos decisionistas" (HABERMAS, 1998, p. 279).

    Outro ponto que vale a pena ser lembrado que Kelsen no se volta para o caso concreto como evento nico e irrepetvel e a partir do qualse ter de encontrar a norma aplicvel. Todo esse processo reconstrutivo, circunscrito a uma poca e lugar especficos, faz parte da

    interpretao. Assim, mesmo que haja vrias interpretaes ou normas passveis de serem aplicveis ao caso, isso no quer dizer quetodas sejam adequadas .

    2.1.3. Estado Democrtico de Direito

    O Estado de Bem-estar comea a se desgastar principalmente aps os movimentos de contestao dos anos 60. Mas na dcada de 70,quando a economia sofre uma desacelerao (somada crise do petrleo), que ele entra em xeque. De fato, o Estado Interventor necessitade constante crescimento econmico que propicie grande arrecadao de impostos para que possa executar seus programas sociais.

    A crise gera reclamaes de certos setores por mais autonomia e que culpavam a interveno econmica do Estado e o p rotecionismocontra a livre circulao de mercadorias entre as naes como as principais causas da estagnao. Destes postulados nascem os

    conceitos hoje to di fundidos: "neoliberalismo" e "globalizao".

    De toda sorte, h pelo menos mais duas questes importantes primeiro, que, mesmo nos pases democrticos, a proposta maior (final)do Estado Assistencialista no se efetivou, qual seja, a de, a partir de condies materiais dadas pelo Estado, formar cidados auto-conscientes de seu papel na esfera pblica.

    Ao contrrio, o que se viu foi o Estado tomando para si toda a dimenso do pblico, deixando os indivduos na posio (cmoda?) declientes, numa relao paternalista e dependente .

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    A sociedade, ao mesmo tempo, tornou-se mais complexa, demandando novas pretenses a direitos a partir de diferentes concepes devida boa, s vezes incompatveis umas com as outras, e muitas vezes incompatveis com a concepo dominante cristalizada pelo Estado.

    Para dar conta dessa nova demanda que implica numa redefinio do que se entende por Estado, soberania popular , democracia,cidadania que implica na proteo a novas pretenses a direitos e como uma alternativa a uma concepo (uma volta) a um EstadoMnimo, construda a via do Estado Democrtico de Direito.

    Como dissemos, um projeto cujo "nico contedo (...) a institucionalizao aprimorada passo a passo do procedimento de formao

    racional da vontade coletiva, procedimento que no pode prejudicar os objetivos concretos dos envolvidos" (HABERMAS, 1990, p. 112).

    Delineia-se, pois, um novo paradigma, onde o cidado dever ter a oportunidade de influir nos centros decisrios e onde o pblico no seresume ao estatal (conforme infra). O paradigma do Estado Democrtico de Direito reclama um "direito participativo, pluralista eaberto" (CARVALHO NETTO, 2000, p. 481).

    No que toca interpretao, reclama-se uma maior ateno especificidade do caso concreto.

    Para, ento, traarmos os novos rumos da interpretao nesse novo paradigma, poderamos citar uma gama bem variada de autorespreferimos, contudo (tal como temos at agora feito), considerando o objetivo desta monografia, concentrarmo-nos em apenas alguns dosque, para esta, consideramos centrais. Procuraremos, no prximo captulo, ao mostrar as teorias desses autores, reforar a importncia

    da Teoria de Interpretao para todo o campo do Direito e, particularmente, no que toca ao controle difuso d e constitucionalidade.

    Tomamos aqui como central a Teoria do Discurso de Jrgen Habermas e, a partir de Habermas, teceremos breves consideraes sobreGadamer, Dworkin e, finalmente, Hberle.

    CAPTULO 3: DA INTERPRETAO NO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO E SUA IMPORTNCIA PARA O CONTROLE DIFUSODE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

    3.1. A Interpretao segundo a Teoria Discursiva de Jrgen Habermas

    Para entendermos a Teoria do Discurso de Habermas, comearemos explicando alguns de seus conceitos. Em primeiro lugar, o "girolingstico" feito pela Filosofia da Linguagem, que ele toma para desenvolver sua Teoria da Ao Comunicativa. O Captulo 1 do seu"Faticidade e Validade" retoma (e retrabalha) esses conceitos.

    Habermas mostra como a "razo prtica" expresso mais elaborada da filosofia iluminista (ao lado da "razo pura", ambos conceitoskantianos), uma filosofia centrada na razo que podia conhecer tudo, logo, sua denominao "filosofia da conscincia" recebe acontribuio da Filosofia da Histria (Hegel), mas acaba superada pela complexidade das sociedades modernas, onde o "indivduo" no

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    mais um ponto de partida, mas o comeo do problema. O ponto de partida agora lingstico, logo coletivo.

    Sem querer cair numa negao total da razo (como fazem os desconstrutivistas como Derrida) e por ainda acreditar num projeto"inacabado" da modernidade , retoma a razo para sua teoria, apenas que no como uma racionalidade individualista (onde osindivduos so tratados como mnadas que podem, isoladamente conhecer tudo atravs da razo). A razo prtica kantiana no podeproduzir normatividade por si, no pode explicar como as pessoas so livres e iguais.

    Como Habermas quer trabalhar com a linguagem, com as interaes intersubjetivas, no pode aceitar uma racionalidade que se

    concentra no sujeito, por isso substitui a razo prtica pela razo comunicativa, que pode ser definida como sendo "el medio lingistico,mediante el que se concatenan las interacciones y se estructuran las formas de vida" (HABERMAS, 1998, p. 65) .

    So dois, basicamente, os pressupostos comunicao: que os agentes tenham uma atitude performativa e que se perceba que elesperseguem sem reservas seus fins ilocucionrios, isto , que os participantes num processo de entendimento ligam seu acordo "alreconocimiento intersubjetivo de pretensiones de validez susceptibles de crtica y se muestran dispuestos a asumir las obligacionesrelevantes para la secuencia de interacin que se siguen de un consenso" (HABERMAS, 1998, p. 66) .

    Estes pressupostos, assumidos pelos suj eitos que se envolvem numa interao orientada ao entendimento so contrafticos, idealizantes.Rompe-se, pois, com uma separao rgida entre "real" e "ideal". Como mostra Habermas, a "realidade" est permeada por idealidades.Importa, pois, para ele, que a comunicao efetivamente ocorra, dentro das condies i deais do discurso.

    Com a perda do monoplio da interpretao pela religio (ou de quaisquer outros referenciais unitrios), a integrao social apenas p odese dar em instncias que gerem consensos, ou ao menos, compromissos racionais entre os falantes. Assim, os participantes devem teriguais oportunidades de oferecer suas pretenses e se mostrar dispostos a terem as mesmas suscetveis crtica, para que se chegue omais prximo possvel a um consenso.

    A tenso entre Faticidade e Validade se mostra aqui no modo de integrao dos indivduos. A linguagem desempenha papel fundamental,contudo, os processos de entendimento apenas podero ocorrer se os participantes se comportarem no como observadores externos,nem como atores que visam seu prprio xito, mas tendo uma atitude performativa de algum que busca se entender com outro sobrealgo.

    Contudo, o risco de dissenso gerado por aquela tenso, isto , pelo posicionamento de afirmaes e negaes frente a pretenses devalidade, pode ser contornado com o conceito de "mundo da vida". que se todas as pretenses de validade estivessem ao mesmo tempoem discusso, o provvel dissenso da advindo resultaria mais em perda que em ganho discursivo (tornaria improvvel a integraosocial). Dessa forma, a ao comunicativa parte de um "horizonte de convicciones comunes aproblemticas" (HABERMAS, 1998, p. 83).

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    Este assentamento das questes bsicas da comunidade jurdi ca, sem embargo, comea a se agitar quando aumenta a complexidade destamesma sociedade, trazendo novas expectativas de comportamento, a partir de novas biografias. A partir do momento em que convicesde fundo comeam a se chocar, a Ao Comunicativa toma seu papel na manuteno (ou na reformulao) da integridade social, pois,como diz Jos E. Farias, "o dissenso o ponto de partida p ara a conquista do consenso" (FARIAS, 1978, p. 106).

    Estas sociedade complexas de que fala Habermas, onde o risco de dissenso crescente, so as sociedades modernas nas quais vivemos(chamadas, como j vimos, de "ps-modernas" por alguns).

    Jos Eduardo Farias acentua, por sua vez, que a crescente impossibilidade de consenso potencializada por uma sociedade de consumoque cobra contnua especializao de interesses e necessidades (gerando complexidade) e, ao mesmo tempo, impe padres mdios spessoas (estes, por sua vez, redutores de complexidade) (FARIAS, 1978, p. 32) .

    Este um problema central na obra de autores contemporneos.

    A questo da integrao social e do risco do dissenso, esto na base, por exemplo, da tenso entre a Faticidade da coero estatal(externa) e a Validade da fora de convices internas de que fala Habermas.

    A sada proposta por ele passa pelo reconhecimento da centralidade do Direito Positivo no contexto da integrao social. Vale a penarepisar que num contexto sacralizado de integrao social, a questo da legitimidade no toma grandes foros ao contrrio, justamente

    com a perda daquela centralidade e a necessria imposio do Direito referido no mais a Deus ou autoridade hereditariamenteconstituda, que a questo da legitimidade aflora.

    Nesse contexto, apenas com a crena de que o destinatrio da norma tambm um seu feitor que aimposio do Direito, inclusive atravs de sanes se pode justificar (HABERMAS, 1998, p. 94) .

    A soluo desse paradoxo do Direito (que produz a si mesmo e impe sanes) explicado pela relao interna entre aquele e a Poltica: oDireito se faz impor pela fora do aparelho estatal (que atribui fora coletivamente vinculante s suas decises). A Poltica, atravs doDireito, obtm forma jurdica. Isso explica a faticidade do Direito. Sua legitimidade, contudo, surge doutra face daquela relao, isto , oDireito cobra legitimidade a partir do processo de produo das normas .

    Com isso, colocando o Direito no centro da questo relativa ao problema da integrao social e mostrando sua relao com a Poltica,Habermas a resolve nos seguintes termos: "el proceso de producin de normas constituye por tanto, en el sistema jurdico el autnticolugar de la integrao social" (HABERMAS, 1998, p. 94) .

    Atravs do Processo Legislativo o Direito estabiliza as expectativas de comportamento dos cidados, expectativas estas apresentadas ediscutidas discursivamente. Para que isso ocorra, deve-se levar em conta o Princpio do Discurso, segundo o qual "vlidas son aquellasnormas (y slo aquellas normas) a las que todos los que puedan verse afectados por ellas pudiesen prestar su asentimiento como

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    participantes en discursos racionales" (HABERMAS, 1998, p. 172) .

    Questes ticas, polticas e pragmticas postas sero, pois, respondidas atendendo-se, em cada um dos correspondentes tipos dediscurso, s regras que operacionalizam o Princpio do Discurso.

    Nota-se que este princpio, (diferente da Moral), no procura dar contedo s questes quando propostas, mas apenas diz como podem aformao da opinio e da vontade serem institucionalizadas por um sistema de direitos que assegure participao no processo legislativoem condies de igualdade. Igual proteo de todos que significa que o processo democrtico h de assumir o riscode ter de aceitar que

    quaisquer temas e contribui es, informaes e razes alcancem a arena do debate pblico (HABERMAS, 1998, p. 646) .

    A tenso entre Faticidade e Validade se manifesta aqui no interior da Administrao da Justia, que precisa se equilibrar entre oprincpio da segurana jurdica e a pretenso de decises corretas. Por um lado o Direito estabiliza expectativas de comportamento e asimpe coercitivamente. Assim, as decises judiciais d evem restar consistentes com (i.., tomar como pano-de-fundo) "el marco del orden

    jurdi co vigente (...), [que ] el producto de todo un inabarcable tejido de decisiones pasadas del legislador e de los jueces, o de tradicionesarticuladas en trminos de derecho consuetudinario" (HABERMAS, 1998, p. 267).

    Por outro lado, a deciso tem de estar de acordo no apenas com o passado e com o direito vigente, mas tambm deve ser racionalmenteaceitvel. O problema da racionalidade das decises foi abordado por vrias teorias. Habermas seleciona algumas e passa a discorrersobre elas.

    Em primeiro lugar a Hermenutica Jurdica resolveu aquela questo inserindo a razo no contexto histrico da tradi o.

    Gadamer possui (entre outros) o mrito de explicitar a idia de que nenhuma regra pode regular sua prpria aplicao e foi ele quemprimeiro uniu este momento (da aplicao) com dois outros at ento separados: a compreenso e a interpretao. Para Gadamer, estestrs momentos formam um processo unitrio (GADAMER, 1988, p. 379) .

    Isso representa um ganho imenso para a prtica jurdica, pois agora denota-se que no possvel, e.g., aplicar uma norma sem, aomesmo tempo, compreend-la e interpret-la. No que o juiz escolhainterpretar (e compreender) a norma, mas que impossvel que eletente aplic-la sem, ao mesmo tempo, fazer incidir um juzo sobre a mesma. Afinal, "la generalidad de la norma se determina e interpretaen la concrecin del caso (...), [logo] es ajeno ao conocimiento jurdico el pretender una ciencia pura de lo verdadero en s,

    independentimiente de su lectura histrica y continuada hasta el presente" (GADAMER, 1988, p. 648).

    Gadamer salienta a historicidade de todo conhecimento. O passado compreensvel a partir de seu contraste com o presente. Aqueleelemento da tradio em aparece na linguagem (seguindo Heidegger), que, ao mesmo tempo que nos d o horizonte do presente, "traz amarca do passado, a vida do passado no presente e, portanto, constitui o movimento da tradio" (MOUFFE, 1996, p. 31) .

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    J aqui se v uma sofisticao com relao exegese, aos positivistas e aos historicistas. Em relao queles dois primeiros, pela crenaque possuam no texto, por acreditarem que o texto da regra pode regular a vida por si (e no s, mas tambm que o ordenamento poderegular todas as situaes de aplicao). Aos historicistas, por no compreenderem a diversidade dos horizontes (passado e presente),tratando os eventos histricos objetivamente (como se tal fosse possvel) assim, ao contrrio desses, Gadamer j consegue perceber aimpossibilidade de se querer interpretar o passado desde a perspectiva dos que o viveram, pois entre o passado e o agora h um ganho,um aprendizado que, quer queira quer no, condiciona o olhardo intrprete.

    uma crtica tambm a Kelsen, entre outras coisas, porque este apenas via sentido em se proceder a uma exerccio de interpretaoquando houvesse problemas de clareza do texto ou antinomias. Tambm por sua tentativa de construir uma Teoria Pura, fruto ainda deuma viso que cria na objetividade do conhecimento humano sem se aperceber que este construdo intersubjetivamente.

    Voltando a Gadamer, este explica que a pr-compreenso do juiz est determinada pelos topoida tradio, ou seja, de uma eticidade isso o que guia o estabelecimento de relao entre normas e estados de coisas. Com isso ele quer romper com a separao rgida entresujeito e objeto, j que o primeiro, antes ponto de partida, agora problemtico ao mesmo tempo, quer mostrar que o que o intrprete fazno buscar o "sentido original" do texto, mas proceder renovao da efetividade histrica do texto, referindo-se nova situao naqual procede a interpretao (OSUNA FERNNDEZ-LARGO, 1992, p. 87) .

    A cr tica de Habermas concentra-se j ustamente no recurso de Gadamer a uma tradio, pois, em sociedades plurais como a nossa, que

    portanto, possuem tradies diversas e igualmente vlidas, nenhum juiz tem condies de recorrer a um ethosreinante.Outra resposta racionalidade das decises a d Ronald Dworkin, com sua teoria deontolgica das pretenses de validade jurdicas.Dworkin, alm de romper com o crculo hermenutico, no permite que o Direito caia na contingncia (como os positivistas) ou esteja disposio de objetivos polticos (como os realistas) (HABERMAS, 1998, pp. 278-279).

    Ao contrrio, Dworkin consegue mostrar como obter racionalidade nas decises jurdicas recorrendo aos princpios. Os princpios, queno so dados por topoihistoricamente comprovados, esto fundamentados no seu conceito de "interpretao construtiva", que buscaformular sues conceitos das prticas sociais, rejeitando, pois, esquemas vindos das cincias da natureza (DWORKIN, 1997, p. 57), talqual fizeram a maioria das teorias at ento expostas, inclusive Kelsen, pois que Dworkin ao invs de negar que cada intrprete possuipropsitos (escondendo-os sob o manto da objetividade), aceita-os, explicitando, ademais, que cada intrprete vai possuir finalidades

    distintas que vo orientar as interpretaes.

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    Cada juiz deve chegar a uma deciso vlida na medida em que ele compensa a indeterminao dodireito apoiando sua deciso na reconstruo que faz da ordem jurdica, de modo que o direito vigentepossa ser justificado a partir de uma srie ordenada de princpios. Esta tarefa, que cabe a todo juiz (dequalquer instncia), implica que ele deve decidir um caso concreto tendo em mira "o Direito emconjunto" (atravs dos princpios), o que nada mais do que sua obrigao prvia frente Constituio(HABERMAS, 1998, p. 286).

    A integridade a medida que garantir tanto a segurana jur dica quanto aceitabilidade racional sentena. "Segundo o Direito comointegridade, as proposies jurdicas so verdadeiras se constam, ou se derivam dos princpios de justia, eqidade [fairness] e devidoprocesso legal" (DWORKIN, 1999, p. 272). Ele procura ento princpios vlidos, a partir dos quais seja possvel justificar uma ordem

    jurdi ca concreta, de modo que nela se encaixem todasas decises como se fossem componentes coerentes (retiradas, claro, aquelas quepossuem erros).

    Reconhecendo a dificuldade de uma tal tarefa, Dworkin cria a figura do juiz Hrcules: um magistrado que, ao mesmo tempo, conhecetodos os princpios e v os elementos do direito vigente ligados por "fios argumentativos". Desde essa perspectiva, os juzes so, aomesmo tempo, autores (porque acrescentam algo ao Direito) e crticos (porque o interpretam). Por isso a analogia que faz entre aatividade interpretativa do juiz e um romance escrito em cadeia, onde cada autor escreve um captulo da histria (e para isso tem de leros antecedentes) (DWORKIN, 1999, p. 276 e segs e 1997, p. 51 e segs).

    A Teoria de Dworkin pretendia que o j uiz fosse capaz de dar a melhor interpretao a partir de vrios elementos (como a reconstruohistria institucional de uma comunidade especfica) contudo, vrios tm sido os autores que o questionam.

    Rosenfeld, por exemplo, alega que o conceito de integridade proposto por aquele "is too amorphous to furnish sufficient structure to thecounterfactual imagination (...). [Exceto se tomado o termo em] a contextually ground reconstruction adapted to the actual tensions andcontradictions found within prevailing social and political relations" (ROSENFELD, 1995, pp. 1067-1068 e 2000, p. 23).

    Habermas, por seu turno, questiona o papel solitrio do juiz "Hrcules", que pressupe algum que

    tenha a pretenso de um privilgio cognitivo que garanta, sozinho, a integridade da comunidadejurdica. Ora, se o Direito a principal forma de integrao social e deve respeitar o princpio daintegridade, logo, o juiz no deveria ficar sozinho na realizao de sua tarefa (HABERMAS, 1998, pp.293-294) .[31]

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    Para contornar isso, preciso, a partir dos postulados do agir comunicativo, isto , da prtica da argumentao, que exige de cadaparticipante a assuno das perspectivas de todos os outros (prevalncia do melhor argumento), para que se relacionem aquelasexigncias ideais Teoria do Direito apontadas por Dworkin no pessoa do juiz, mas ao contraditrio desenvolvido pelas partes (e ats interpretaes no-oficiaisproduzidas a todo momento por cada agente social).

    Assim, desde uma racionalidade comunicativa (e no mais individual), a interpretao no se d isolada, mas intersubjetivamente.

    Habermas prope, ento, uma Teoria da Argumentao que, levando a srio elementos como "argumentos", "correo", "discurso" (etc.),

    retirem do juiz aquelefardo. Desta forma, aquele que queira levar a cabo a interpretao, deve faz-lo levando em considerao "tambinla perspectiva de cad a uno de los dems potenciales participantes" (HABERMAS, 1998, p. 302).

    Este o ponto central, j fizemos meno importncia de, numa interao discursiva, considerar-se aexposio e prevalncia do melhor argumento (supra), pois, apenas assim, a deciso cumprir os doisrequisitos, quais sejam, certeza jurdica e tambm aceitabilidade racional. Esclarea-se, contudo, que oque as normas de Direito Processual devem fazer no garantir a argumentao como tal, mas criar oambiente que a possibilite ocorrer de forma livre (HABERMAS, 1998, p. 307).

    O processo deve garantir no apenas a possibilida de do contraditrio, mas que, efetivamente, as partes participem da formao doprovimento jurisdicional de forma que, caso isso no ocorra em um processo especfico de forma satisfatria, o mesmo seja tido comonulo. Nesse sentido o Professor Aroldo Plnio, "h processo sempre onde houver o procedimento realizado em contraditrio entre osinteressados, e a essncia deste est na simtrica paridade da participao, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele sointeressados porque, como seus destinatrios, sofrero seus efeitos" (GONALVES, 1992, p. 115) .

    Apresentadas em linhas gerais uma Teoria da Interpretao que, conforme temos mostrado (e retomaremos ao final desta), mostra-semais adequada ao modelo difuso de controle de constitucionalidade, passaremos a fazer uma breve observao Teoria da Sociedade

    Aberta de Intrpretes da Constituio, de Peter Hberle, mostrando que apenas tomando a srio as vrias interpretaes feitas naperiferia, a Constituio poder desenvolver-se legitimamente.

    3.2. Interpretao Plural da Constituio: a contribuio de Hberle

    O primeiro pressuposto de Hberle em seu livro o de que no h norma jurdica de per se, seno a norma interpretada, e, por outrolado, "todo aquele que vive a Constituio um seu legtimo intrprete" . Qualquer medida que restrinja algum daqueles postulados

    fechaa comunidade de intrpretes.

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    O destinatrio da norma a interpreta pelo simples fato de ser afetado (positiva ou negativamente) pela mesma. Afinal, Hberleultrapassou a perspectiva que apenas consegue enxergar a possibilidade de interpretao quanto h obscuridade ou antinomias (cf.supra). Ao contrrio, inseres-se num paradigma que pressupe a condio hermenuticado ser humano.

    Importante ressaltar que a "sociedade aberta dos intrpretes da Constituio" no uma reivindicao de Hberle (algo como umaproposio de lege ferenda ), ao contrrio, segundo ele, isto j uma realidade (HBERLE, 1992, p. 30). Isso particularmentesignificativo num contexto como o da tradio do nosso constitucionalismo, pois se para ns pode parecer naturaluma concepo maisampla dos intrpretes da Constituio (resultado de um sistema de controle difuso de constitucionalidade das leis), na Alemanha issoparece ser um grande desafio, dada a conjuntura historicamente marcada pela centralizao da interpretao constitucional nas mosde uma Corte Constitucional.

    Talvez por isso ele tenha de insistirem dizer que "a interpretao constitucional jurdica traduz (apenas) a pluralidade da esfera pblicae da realidade (...), as necessidades e as possibilidades da comunidade, que constam do texto, que antecedem os textos constitucionais ousubjazem a eles" (HBERLE, 1992, p. 43).

    Percebe-se presente em sua teoria aquele Princpio do Discurso a que fizemos referncia supra quando Hberle postula que o DireitoConstitucional formado por "consensos", isto , pelos conflitos e compromissos entre participantes em um processo de aplicao doDireito.

    Hberle reivindica que os ju zes da Corte Constitucional alem aprimorem seus "instrumentos d e informao", principalmente quanto possibilidade de participao (plural) no processo constitucional. Noutro ponto da obra ele j propusera que, numa sociedade aberta, ademocracia se desenvolveria tambm por "formas refinadas de mediao do processo pblico e pluralista da poltica e da prxiscotidiana" (HBERLE, 1992, p. 48 e 36).

    Mais uma vez mostra-se o desafio que, num contexto institucional como o alemo, fazer com que as "interpretaes no-oficiais"cheguem at o rgoencarregado de interpretar a Lei Fundamental. No Brasil, como temos pontuado, ao contrrio, tal preocupao nodeve existir (ou fica extremamente minimizada) devido prtica do controle difuso de constitucionalidade entre ns. Por isso, nopodemos concordar com o "otimismo" mostrado por alguns juristas, entre eles Inocncio Mrtires Coelho, que viu na proposta deregulamentao da Ao Direta de Inconstitucionalidade "vrias aberturas hermenuticas (...) a conferir um carter pluralista ao

    processo objetivo de controle abstrato de constitucionalid ade" (COELHO, 1998, p. 130) , isto , que o dispositivo do referido projeto(agora arts. 6, 7, 2 e 9, 2 e 3 da Lei n 9.868/99, que prevem que o Relatorpoderrequisitar informaes dos rgos dos quaisadveio a lei e tambm receber informaes de outros rgos ou entidades, caso considere conveniente em vista da "relevncia da matria ea representatividade dos postulantes" alm de "informaes adicionais", percia, testemunho de entidades especializadas e i nformaesdos Tribunais Superiores, Federais e Estaduais sobre como tm eles aplicado a norma impugnada) teria, entre outras coisas, o "grandemrito" de trazer at ns a ampliao do crculo de i ntrpretes da Constituio de que falara Hberle.

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    Ao contrrio d o que disse o eminente doutrinador, pensamos que a posio "conservadora" assumida pela citada lei pende muito maispara um centralismo do que para uma abertura, haja vista a maneira como tem sido conformadoo sistema de controle concentrado deconstitucionalidade no Brasil.

    E mais, reafirmamos, se na Alemanha um tal discurso faz sentido, entre ns isto significa, no mnimo, um retrocesso, principalmentedentro de uma tendncia centralizadora do sistema de controle de constitucionalidade (e, logo, da interpretao da Constituio) noBrasil .

    CAPTULO 4.: O SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL NUM NOVO MARCO DEINTERPRETAO JURDICA

    No Captulo 3 estudamos a proposta habermasiana de interpretao jurdica, necessria, como vimos, para que a deciso jurisdicionalcumpra o requisito de aceitabilidade racional requerido pelo Direito Moderno.

    Como mostramos, a Hermenutica teve o mrito de inserir o texto em contextos de presente, passado e futuro (alm do conceito de pr-compreenses em que o intrprete est inserido), mostrando que a interpretao presente apenas pode ser coerente se, em primeirolugar, unir os horizontes (passado e presente) de interpretao contudo, resta problemtica a partir do momento em que se percebe

    no haver uma concepo de bem (ou uma tradio), mas que, ao contrrio, em sociedades hiper-complexas como as atuais hconcepes diferentes e at antagnicas e qualquer recurso " tradio" seria no mnimo algo arbitrrio e excludente das demais.

    Dworkin, a seu turno, tambm recorrendo a uma histria institucional, o faz de maneira mais sofisticada, pois o que ele busca nopassado a composio coerente de princpios de uma dada comunidade. Com isso poder-se- encontrar a "nica deciso correta" paracada caso. Sem embargo, este trabalho hercleosofre crticas por sobrecarregar sobremaneira a figura de um juiz solitrio.

    Assim, ao invs de ficarmos confiando nas qualidades pessoais e capacidade intelectual do juiz, devemos entender que a tarefa dainterpretao no lhe cabe isoladamente, mas um processo que comea com as interpretaes "no-oficiais" da sociedade aberta deintrpretes da Constituio e continua atravs das pretenses a direitos defendidas por cada parte no efetivo exerccio do contraditrio

    Concluindo, podemos ento e mostrar a relao do sistema de controle difuso de constitucionalidade das leis e atos normativos queprocedimentalmente possibilita, por um lado, que a interpretao se d de forma que aqueles pressupostos contrafticos da comunicao(de que falamos no Cap. 3) sejam tomados a srio, num procedimento realizado em contraditrio e por outro lado, que a argioincidental de inconstitucionalidade ummecanismo adequado ao reconhecimento da tantas vezes mencionada "sociedade aberta deintrpretes da Constituio" (muito mais do que o sistema de controle concentrado pode ser).

    Em primeiro lugar, o controle difuso de constitucionalidade, por ocorrer num contexto em que h um litgio subjacente, faz com que adisputa em torno da constitucionalidade da lei (ou ato normativo) gire em torno da aplicao desta a um caso concreto e, por outro lado,

    [35]

    [36]

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    reflete a interpretao que se tem dado Constituio numa poca e lugar especficos. A partir do momento em que as partes aduzem seusargumentos (e provas) isto , a partir do momento em que cada uma reconstri no apenas o fato, mas todo o ordenamento jurdico,mostrando a contradio presente ou no frente Constituio , o j uiz ter condies de avaliar a prevalncia d e uns sobre outrosparaaquele caso, isto , o juiz no estar definindo qualinterpretao se deve dar (ou no dar) Constituio e lei questionada em geral,mas apenas solucionando um caso, tendo em vista as razes aduzidas.

    Por outro lado, o controle difuso, ao permitir que vrios sujeitos questionem uma lei no porque (necessariamente) ela est em abstratocontrariando um dispositivo constitucional, mas porque, num caso concreto, ela esteja contrariando algumas das interpretaes das

    expectativas de comportamento que tm sucedido num dado momento e lugar isso confere a esta forma de controle um grandepotencial: de que as interpretaes realizadas por cada sujeito de direito sejam levadas em conta na proteo jurisdicional dosprincpios maiores daquela comunidade consagrados constitucionalmente. Por outro lado permite que a interpretao que se d Constituio no se imobilize, mas seja a todo tempo revitalizada, acompanhando as mudanas que se processam cada vez mais rpido na sociedade.

    O sistema de controle concentrado no possui aquele potencial. Jamais o Supremo Tribunal Federal ter condies de avaliar as vriassituaes criadas ou afetadas por uma dada lei que teve sua inconstitucionalidade requerida e mais, tampouco poder avaliar como setem processado, numa sociedade descentrada e complexa como a nossa, a tenso entre a Faticidade e a Validade da Constituio a quefizemos referncia anteriormente. Ao controle concentrado cabe, sim, a importante funo de " garantia do devido processo legislativo

    democrtico" (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 259).

    A situao do controle concentrado d e constitucionalidade no Bras il torna-se ainda mais problemtica realizao de uma p retensomais ampla e discursiva de interpretao constitucional diante da atual tendncia centralizadora que lhe tem informado(cf. supra, Cap.3.2.), pois, ainda que o processo nesse caso tambm se d em contraditrio, este necessariamente limitado s questio iuris(por suasprprias limitaes) e no possui condies para que as vrias interpretaes difusamente espalhadas pelo pas sejam levadas emconsiderao.

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    NOTAS

    1. Sobre a perda crescente do consenso no seio das atuais sociedades, ver FARIAS, 1978, p. 32. Note-se que no compartilhamos comRosenfeld da crena em uma sociedade "ps"-moderna. Ao contrrio, cfe. trabalharemos no Captulo 3, compartilhamos com Habermasacerca do "projeto incacabado da modernidade".

    2. Essa possibilidade do uso sem controle do Direito e das instituies pelo poder poltico, foi trabalhada por vrios autores. Apenas paracitar um: "O desenvolvimento das instituies sociais modernas e sua difuso em escala mundial criaram oportunidades bem maiorespara os seres humanos gozarem de uma existncia segura e gratificante (...). Mas a modernidade tem tambm um lado sombrio, que setornou muito aparente no sculo atual (...) [um dos quais foi] o uso consolidado do poder poltico, particularmente nos episdios detotalitarismo". GIDDENS, 1991, p. 16.

    3. Rosenfeld desenvolve sua teoria alternativa a partir da p. 188. Sobre o "pluralismo compreensivo", ver p. 153 e segs. Para uma crtica aeste, ver, e. g., ARATO, 2000, p. 1937 e segs.

    4. De resto, como todo trabalho cientfico hoje, no se pretende aqui a um tratado final (ou "universal") sobre a matria, mas um recorteda realidade, que leva em conta o risco da subjetividade (ao invs de pretender inalcanvel objetividade cartesiana), e que por issopode trabalhar com ela de forma a dar um contedo racionalmente aceitvel ao presente e que, por fim, tem em mente sua finitude espao-temporal, haja vista o carter sempre finito de qualquer trabalho que se pretenda cientfico.

    5. Permanece como a principal forma de controle de constitucionalidade mesmo aps a Constituio de 1988, a despeito de vozes emcontrrio, e.g., MENDES, 1998a, p. 304.

    6. Como mostra Juarez Tavares, a cincia jurdica centraliza seu objeto na estabilizao social, cujo alcance est subordinado aparadigmas, situados no comportamento (como expresso causal para produo de efeitos sociais) e na configurao dos elementosrelacionados ao sujeito responsvel (TAVARES, 2002, p. 4).

    7. Esta crtica de Savigny foi retirada de comentrios feitos por Eduardo ESPNOLA e Eduardo ESPNOLA FILHO, in: RepertrioEnciclopdico do Direito Brasileiro, vol. 28, p. 109.

    8. Savigny ensinava que interpretar reproduzir a idia original da lei e reconsiderar os fatos histricos e o sistema em que a lei estinserida. SAVIGNY,Sistema del Derecho Romano Actual, t. 1., p. 188, apudOSUNA FERNNDEZ-LARGO, 1992, pp. 21-25.

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    9. Como bem afirma Habermas, a legitimidade da ordem jurdica advinha da legalidade, isto , da correta observncia das normas quetratavam da produo de outras normas. (HABERMAS, 1998, pp. 271-272).

    10. Segundo Habermas, o princpio da integridade possibilita aos indivduos de uma comunidade se reconhecerem reciprocamente comolivres e iguais (tratamento em igual considerao e igual respeito) ademais, um princpio que deve ser observado no apenas peloscidados, mas tambm pelos "rganos de produccon de normas y de administracin de justici a". (HABERMAS, 1998, p. 285).

    11. Michel Rosenfeld acompanha essa mudana de perspectiva no tratamento que o constitucionalismo d "igualdade". Num primeiro

    estgio, h uma nfase na correlao entre desigualdade e as diferenas (feudalismo) depois, declara-se a igualdade e a identidade(liberalismo e as grandes declaraes de direitos) e somente num terceiro estgio avana-se para incorporar os dois anteriores pararedefinir uma igualdade que reconhece as diferenas, sem contudo explor-las por padres de dominao ou subordinao.(ROSENFELD, 1995, pp. 1092-1093).

    12. Vamos nesse tpico tratar apenas de Kelsen, dado o objetivo deste trabalho. Reconhecemos que uma reduo (por isso vamos, e.g.,tratar de Gadamer mais frente quando falarmos da Teoria do Discurso de Habermas), mas p recisamos nos concentrar naqueles autoresque, pensamos, vo nos ajudar a melhor observar a realidade da interpretao no controle difuso de constitucionalidade, nem que suacontribuio seja apenas para que critiquemos seu uso desconsiderando mudanas paradigmticas.

    13. E KELSEN,An Introduction to the Problems of Legal Theory, p. 27, apud, CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 33.

    14. Como argumenta o Prof. Marcelo, certamente nunca seria possvel listar toas as interpretaes possveis, seria necessria uma razosobre-humana para tanto. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 57).

    15. Sobre o "senso de adequabilidade", ver GNTHER, 1993 e CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 59. preciso lembrar, para no sermosinjustos com Kelsen ou com os que o precederam, que as crticas que fazemos baseiam-se na compreenso que temos sob um novoparadigma. Logo, ainda que possamos fazer este exerccio de crtica (at para apontar o anacronismo de pessoas que hoje querem aplicaraquelas teorias, sem ao menos terem o trabalho de reconstru-las), no podemos deixar de reconhecer o avano que cada uma delasrepresentou para sua poca, ainda que no supram hojenossas expectativas.

    16. Como bem expressa Habermas: "... a outra face de um Estado Social mais ou menos bem sucedido, aquela democracia de massas que

    toma traos de um processo de legitimao orientadoadministrativamente. A isso corresponde, no plano programtico, a resignao tanto o conformar-se com o escndalo de um destino naturalmente infligido pelo mercado de trabalho quanto a renncia democratizao da sociedade". (HABERMAS, 1990, p. 106).

    17. Por exemplo, por uma reformulao apenas do conceito de "soberania popular", ver HABERMAS, 1990 NEUENSCHWANDER, 1999CATTONI DE OLIVEIRA, 2000, p. 79 e segs. e ainda PRATES, 2000, p. 22. e segs.

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    18. Tomamos Habermas como centro de nosso estudo pela atualidade com que tem tratado das novas demandas da atual sociedadecomplexa. De fato, Habermas supera a filosofia tradicional e trabalha com a linguagem como mediumde interao social, possibilitandoprocedimentos que visam superao da atual crise de legitimidade de nossas instituies. No prximo captulo, retomaremos alguns deseus conceitos, o que, esperamos, deixar mais claro a razo da escolha daquele autor.

    19. Sobre a modernidade como um projeto inacabado, ver HABERMAS, 1999.

    20. Com relao razo prtica, a razo comunicativa comea por ter a vantagem de no ficar "atribuida al actor particular [como em

    Kant] o a un macrosujeto estatal-social [como em Hegel]". Idem, ibidem. Como mostra Giddens, "a racionalidade [em Habermas]presupone la comunicacin, porque algo es racional slo si rene las condiciones necesarias para forjar una compresin al menos conotra persona". (GIDDENS, 1994, p. 159). E ainda, Jos L. Aidar Prado, "o social origina-se em Habermas no a partir da soma deconscincias mondicas, mas da capacidade lingstica de produzir atos de fala". (PRADO, 1996, p. 21). Nesse sentido, a nfase passada semntica para a pragmtica.

    21. Sobre performactive act e os fins ilocucionrios da linguagem, ver, por exemplo, MAGALHES, 1997, onde a autora mostra comoAustin e Searle trabalham este tema. Austin promove o chamado "giro pragmtico", postulando pela primeira vez que "falar agir", isto ,que pelo ato da linguagem produzimos algo, assumimos compromissos (veja-se p. 105 e segs.). E tambm ROUANET, 1989, p. 24 e segs.

    22. Segundo ele, "apesar de voltado estabilizao da sociedade, o direito positivo tem em sua prpria estrutura uma instabilidade

    intrnseca" (p. 20).

    23. Ou, ainda tomando Jos E. Farias, " a partir do estabelecimento do princpio da legalidade que surge o moderno problema dalegitimidade das normas constitucionais, em funo da pergunta clssica: por que obedecer?" (FARIAS, 1978, p. 34).

    24. Sobre a relao interna entre Direito e Poltica, ver HABERMAS, 1998, Captulos III e IV e CATTONI DE OLIVEIRA, 2000.

    25. Observe-se, contudo, que Habermas no cai na mesma tentao iluminista de propor validade universal s normas jurdicas, masapenas "um procedimento para a validao dessas normas" (ROUANET, 1989, p. 68).

    26. Dito de outra forma, "todas as normas vlidas precisam atender condio de que as conseqncias e efeitos colaterais que

    presumivelmente resultaro da observncia geral destas normas para a satisfao dos interesses de cadaindivduo possam ser aceitasno coercitivamente por todosos envolvidos" (ROUANET, 1989, p. 27).

    27. Assim, segundo a Teoria do Discurso, a formao da vontade depende dos "pressupostos comunicativos que permitem aos melhoresargumentos entrarem em ao em vrias formas de deliberao, bem como dos procedimentos que asseguram processos justos denegociao" (HABERMAS, 1995, p. 112).

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    28. Antes ele j havia di to: "la comprensin no es nunca um comportamiento slo reproductivo, sino que es, a su vez, siempre productivo"(p. 366).

    29. E "la pertencia a la tradicin en la hermenutica jurdica no ha de presentarse como se fuera una restriccin de su horizonte, sinocomo una condicin de la possibilidad misma de acceder la compresin" (OSUNA FERNNDEZ-LARGO, 1992, p. 92).

    30. E ainda, como este autor expressa: "la historia de una norma jurdica y su jurisprudencia son vas ineludibles en la compresin de lamisma. Ningn intrprete puede pretender estar frente ao texto normativo libre de precompresiones, pues ello equivaldra a estar fuera

    de la historia y a hacer enmudecer a la norma" (p. 88).

    31. E, "el juez individual ha d e entender bsicamente su interpretacin constructiva como una empresa comn, que viene sostenida por lacomunicacin pblica de los ciudadanos" (p. 295).

    32. Ver tambm, CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 153 e segs.

    33. Apresentao feita por Gilmar F. Mendes ao livro de HBERLE, 1997, p. 9. Quanto condio da norma referida antes, Hbele vaidefender mais frente que a norma no uma "deciso prvia e acabada", h que se levar em conta os que participam da lei na "arenapblica" (pp. 30-31).

    34. No mesmo sentido, MENDES, 1998b, especialmente p. 458 e segs.

    35. Esta tendncia pode ser vista nos j citados textos (nota anterior) e tambm na clara inteno mostrada por Gimar F. Mendes emquerer conceber o Supremo Tribunal Federal como uma Corte Constitucional (semelhante inclusive ao Tribunal Constitucional alemo),como se observa de algumas de suas "teses" colocadas ao final do livro, e.g.: "a gradual evoluo [?] de um sistema de controle incidentepara um modelo no qual a funo principal do controle est concentrado no Supremo Tribunal Federal, refora o carter do Tribunal,como autntica Corte Constitucional, uma vez que ele no apenas detm o monoplio da censura no processo de controle abstrato de atosnormativos estaduais e federais em face da Constituio Federal, como tem a ltima palavra na deciso das questes constitucionaissubmetidas ao controle incidental" (MENDES, 1998a, p. 304, grifos nossos).

    36. Alm da fuso de horizontes, importante salientar a importncia de dois outros conceitos em Gadamer: a "efectualidade histrica"

    (a conscincia histrica se dirige ao efeito dos fatos histricos, acima de olhar os fenmenos em si documentados) e a "distncia notempo" (a idia inicial do texto no perdura platonicamente, mas, ao contrrio, ser definida pela situao do intrprete atual) (OSUNAFERNNDEZ-LARGO, 1992, pp. 55-59).

    Autor

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    Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia

    Mestre e Doutor em Direito Constitucional (UFMG). Professor Adjunto na Universidade Federal de Ouro Preto(UFOP) e na Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Professor permanente do Programa de Mestrado emDireito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Advogado no Cron - Advocacia.

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    Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

    BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Interpretao jurdica no marco do Estado Democrtico de Direito:. Revista Jus Navigandi,Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 6 jul. 2015.

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