a influÊncia do jornalismo no campo jurÍdico: …

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TCC I – Trabalho de Conclusão de Curso I Universidade Federal de Santa Maria Centro de Educação Superior Norte – RS Departamento de Ciências da Comunicação Curso de Comunicação Social – Jornalismo 04 a 08 de Janeiro de 2010 A INFLUÊNCIA DO JORNALISMO NO CAMPO JURÍDICO: ESTRATÉGIAS DA REVISTA ÉPOCA NO CASO “O UNIVERSO PARALELO DE FAUSTO” DUANE DOS REIS LÖBLEIN Artigo científico apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo como requisito para aprovação na Disciplina de TCC I, sob orientação do Prof. Luciano Miranda e avaliação dos seguintes docentes: Prof. Luciano Miranda Universidade Federal de Santa Maria Orientador Prof. Caroline Casali Universidade Federal de Santa Maria Prof. Márcia Fraz Amaral Universidade Federal de Santa Maria Prof. Andréa Weber Universidade Federal de Santa Maria (Suplente) Frederico Westphalen, 04 de janeiro de 2010 CESNORS Centro de Educação Superior Norte - RS

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TCC I – Trabalho de Conclusão de Curso I Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Educação Superior Norte – RS Departamento de Ciências da Comunicação Curso de Comunicação Social – Jornalismo 04 a 08 de Janeiro de 2010

A INFLUÊNCIA DO JORNALISMO NO CAMPO JURÍDICO:

ESTRATÉGIAS DA REVISTA ÉPOCA NO CASO “O UNIVERSO PARALELO DE FAUSTO”

DUANE DOS REIS LÖBLEIN Artigo científico apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo como requisito para aprovação na Disciplina de TCC I, sob orientação do Prof. Luciano Miranda e avaliação dos seguintes docentes:

Prof. Luciano Miranda Universidade Federal de Santa Maria

Orientador

Prof. Caroline Casali Universidade Federal de Santa Maria

Prof. Márcia Fraz Amaral Universidade Federal de Santa Maria

Prof. Andréa Weber Universidade Federal de Santa Maria

(Suplente)

Frederico Westphalen, 04 de janeiro de 2010

CESNORS Centro de Educação Superior Norte - RS

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A influência do jornalismo no campo jurídico: estratégias da revista Época no caso “O universo paralelo de Fausto”

Duane Löblein Luciano Miranda (orientador)

RESUMO O trabalho pretende elaborar reflexões acerca de como o campo jornalístico pode influenciar nas relações objetivas em outros campos sociais. Para tanto, são analisadas dezessete matérias publicadas pela revista Época, em 2008, referentes à Operação Satiagraha, enfatizando-se a matéria intitulada “O Universo Paralelo de Fausto”. O estudo das estratégias utilizadas pela publicação é realizado a partir da Teoria dos Campos Sociais, de Pierre Bourdieu, buscando melhor entendimento do espaço social por meio da compreensão das lutas internas e das disputas por tomadas de posição no interior dos campos jornalístico e jurídico. PALAVRAS-CHAVE: Campo Jornalístico; Campo Jurídico; Influência; Operação Satiagraha. 1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende compreender, por meio do emprego da Teoria dos Campos

Sociais (BOURDIEU, 1996), a influência do campo jornalístico em outros campos,

especificamente o campo jurídico. Com este objetivo, analisa-se um conjunto de práticas

levadas a cabo pela revista Época. Para isso, além do levantamento empírico que reúne

matérias publicadas em 2008 cujo destaque é despendido à matéria intitulada “O Universo

Paralelo de Fausto”, é realizada uma revisão de literatura, descrevendo-se características das

estruturas dos campos sociais envolvidos no caso analisado. Também serão abordadas

algumas teorias do jornalismo.

Os campos sociais diversificam o espaço social, por meio de sucessivas mudanças de

posição dos campos no interior desse espaço devido à intensa luta pelas tomadas de posição

na hierarquia interna dos respectivos campos, bem como às pressões externas que os

diferentes campos exercem uns sobre os outros. O campo jurídico é mais autônomo do que o

campo jornalístico porque sua lógica interna é a definidora das tomadas de posição no seu

interior. Já o campo jornalístico tem sua legitimidade dada pela lógica comercial, ou seja, por

uma heteronomia, e seus agentes usam as técnicas jornalísticas para galgar posições no

interior do campo do poder, com isso tornando o campo menos autônomo.

O poder de seus agentes faz do campo jornalístico um campo estratégico, pois pode

agir sobre diversos outros universos sociais (MARCHETTI apud MIRANDA, 2005, p. 110),

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como os campos jurídico e político, que tendem a se submeter à sua influência. Surge um jogo

de interesses em que as relações dos agentes com seus pares e com os agentes dos outros

campos são o ponto chave para as tomadas de posição dentro da hierarquia dos mesmos.

Na medida em que se percebem, de um modo geral, campos sociais tendentes à

manipulação das informações ou dos agentes encarregados de transmiti-las, e,

especificamente, o campo jornalístico tendente à manipulação dos detentores da informação

na tentativa de obtê-la e de assegurar a exclusividade do seu veículo na transmissão de tal

fato, será realizada a análise das regularidades objetivas nos usos sociais da técnica

jornalística.

2 CONCEITO DE CAMPO

O emprego do conceito de campo surgiu da tentativa do sociólogo francês Pierre

Bourdieu de definir sua recusa às concepções estruturalistas do espaço social que priorizavam

interpretações internas e explicações externas ignorando o campo como estrutura, ou seja, um

espaço determinado pelas relações objetivas entre seus agentes, e as posições ocupadas por

estes dentro desta estrutura.

A noção de campo é essencial para o entendimento das obras de Bourdieu:

Em termos analíticos, um campo pode se definir como uma rede ou configuração de relações objetivas entre posições. Estas posições definem-se objetivamente em sua existência e nas determinações que impõem aos seus ocupantes, quer sejam agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) - cuja posse implica o acesso aos lucros específicos que estão em jogo dentro do campo - e, por conseguinte, por suas relações objetivas com as demais posições (dominação, subordinação, homologia etc.). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmos social está constituído pelo conjunto destes microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que formam a base de uma lógica e uma necessidade especificas, que são irredutíveis às que regem os demais campos. (BOURDIEU e WACQUANT apud MIRANDA, 2005, p. 79.)

O espaço social então pode ser definido como macrocosmo que contém diversos

microcosmos ou campos autônomos que se estruturam a partir da posição e relação que

mantém com as demais posições e relações. Os campos encontram-se contidos no

macrocosmo do campo do poder, “definido pela dinâmica interna de uma classe,”

(MIRANDA, 2005, p. 80) e onde o poder é desigualmente distribuído. Assim, estruturados,

organizam-se em hierarquias próprias definidas pelo acesso ao poder.

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Sendo o poder distribuído de forma desigual, surge espaço para as lutas de classe,

dominantes versus dominados. A luta ocorre entre os agentes detentores do capital específico

do campo e os agentes que pretendem o possuir, e nessa arena existem regras e elementos

dispostos à luta. Sabendo de suas posições dentro da estrutura, os novatos só podem ser

admitidos se dispuserem das condições de acesso ao campo determinadas pela posição

dominante.

A concorrência pela legitimidade dentro do campo faz com que os agentes criem

formas de legitimação subversivas de consagração e tomada de posição. Segundo Bourdieu,

quanto mais o campo estiver em condições de abrigar esta arena, mais autônomo ele é, pois

assim os princípios segundo os quais se realizam as demarcações internas se fortalecem à

ação dos princípios externos de divisão.

Os diversos campos sociais encontram-se distribuídos dentro do espaço social e onde

se percebe a relação e a autonomia de cada um no interior do campo do poder. Para a

compreensão da influência do campo jornalístico em outro(s), é necessário entender o

funcionamento de cada um dos campos. Neste sentido, o campo jornalístico é analisado a

seguir.

2.1 O Campo Jornalístico

Em sua origem o campo jornalístico foi um segmento do campo cultural, apesar disso,

sempre foi mais ligado ao campo do poder do que ao campo literário. Isso porque a

legitimidade deste é dada pelo reconhecimento interno dos seus pares e no campo jornalístico

a autonomia de produção cultural é influenciada por fatores externos à estrutura do campo,

como as pressões comerciais por exemplo.

Produto da cultura média, em que a produção visa ao maior público e lucro possíveis,

o jornalismo contrapõe-se ao campo de produção restrita e age como um tradutor, ou melhor,

eufemizador. Surge dessa forma o conceito de objetividade tão defendido pelos agentes deste

campo para a distinção entre os jornais informativos e os opinativos. “Os jornalistas vieram a

crer na objetividade, na extensão que acreditaram, porque queriam, necessitavam, eram

forçados pela aspiração humana comum a procurarem escapar de suas próprias convicções

profundas de dúvida e impulso.” (SCHUSDSON apud MIRANDA, 2005, p. 118).

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Segundo Schudson (apud TRAQUINA, 2005), a objetividade possibilitou aos

profissionais do campo a troca da simples fé nos fatos pelo cumprimento de normas e técnicas

criadas para um mundo “no qual até os fatos eram postos em dúvida.” Ou seja, mesmo que

hoje a objetividade do jornalismo ocidental seja defendida pelos jornalistas e possa ser usada

por eles como válvula de escape para a responsabilidade de dizer o que dizem, possibilitou o

fortalecimento do que hoje baliza a legitimidade do campo: a credibilidade.

O ethos dominante, os valores e as normas identificadas com um papel de árbitro, os procedimentos identificados com o profissionalismo, faz com que dificilmente os membros da comunidade jornalística aceitem qualquer ataque à teoria do espelho porque a legitimidade e a credibilidade dos jornalistas estão assentes na crença social de que as notícias refletem a realidade, que os jornalistas são imparciais devido ao respeito às normas profissionais que asseguram o trabalho de recolher a informação e de relatar os fatos, sendo simples mediadores que reproduzem o acontecimento na notícia. (TRAQUINA, 2005, p. 149).

Dessa forma além de uma estratégia de separação, a objetividade surge como uma

defesa para os jornalistas que passam a difundir mensagens sob pretexto dessa técnica. Porém,

por mais imparcial que o jornalista procure ser no próprio processo de seleção da notícia há

resquícios da luta interna do campo em questão. A ilusão da imparcialidade surgiu no século

XX com o jornalismo de informação, o qual separava a opinião dos fatos, fortalecendo a

rejeição à subjetividade do jornalismo opinativo. Desde então cresce a crença no reflexo puro

da realidade, reforçada pela “teoria do espelho”:

Um novo paradigma das notícias como informação iria substituir, com ritmo e intensidade diversa nos diversos espaços nacionais, o velho paradigma que concebe o papel dos meios de comunicação social como arma política e os jornalistas como militantes partidários. Com o novo paradigma das notícias como informação, o papel do jornalista é definido como observador que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, cauteloso em não emitir opiniões pessoais. (TRAQUINA, 2005, p. 147).

Ao passo que o campo jornalístico é um campo estratégico pois, segundo Dominique

Marchetti, através dele pode-se agir sobre diversos outros universos sociais, inclusive campos

(MARCHETTI apud MIRANDA, 2005, p. 110). Ao que interessa a esta pesquisa, trata-se do

poder de agir sobre o campo jurídico, num jogo de interesses em que as relações dos agentes

com seus pares e com os agentes dos outros campos são o ponto chave para as tomadas de

posição dentro da hierarquia dos mesmos.

Para entender a influência do jornalismo fora dos seus domínios ontológicos é preciso

pensar-se que este é cada vez mais intimamente subordinado a pressões externas,

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principalmente pela lógica do mercado. Uma vez que a autonomia do campo se mede

principalmente pela quantidade de leitores (audiência) e de anunciantes; um veículo

jornalístico opera de acordo com uma lógica externa, o que Bourdieu denomina

“heteronomia”.

Bourdieu atenta que existem duas lógicas e dois princípios de legitimação: a lógica

autônoma, na qual a legitimação é concedida como no campo de produção restrita, pelos pares

que respeitam os valores internos do campo e a lógica heterônoma citada anteriormente.

Nessa lógica o princípio legitimador é o próprio público, ou seja, o lucro obtido e sancionado

pelo veredito do mercado.

O campo jornalístico tem suas posições hierárquicas ocupadas por agentes que podem

ser os veículos de comunicação ou os jornalistas como profissionais individualmente. Assim o

veículo é tanto mais autônomo quanto maior for o seu grau de abrangência sobre o maior

número de leitores e anunciantes. Já a autonomia dos jornalistas depende de diversos fatores

enumerados por Bourdieu no artigo L'emprise du Journalisme (1994)1: do grau de

concentração da imprensa que gera insegurança à medida que se diminui o número de

empregadores; depende também da posição do jornal no qual o jornalista está empregado (se

está mais perto do pólo intelectual ou do pólo comercial); da posição do jornal, que determina

fatores como a notoriedade do veículo e o salário do jornalista; e enfim da capacidade do

profissional de produzir informação (não agir apenas como vulgarizador científico por

exemplo).

Quanto ao grau de autonomia de um jornalista particular, depende em primeiro lugar do grau de concentração da imprensa (que, reduzindo o número de empregadores potenciais, aumenta a insegurança no emprego); em seguida, da posição de seu jornal no espaço dos jornais, isto é, mais ou menos perto do pólo comercial; depois, de sua posição no jornal ou órgão de imprensa (efetivo, free-lancer, etc), que determina as diferentes garantias estatutárias (ligadas sobretudo à notoriedade) de que ele dispõe e também seu salário (fator de vulnerabilidade às formas suaves de relações públicas e de menor dependência com relação aos trabalhos de sustento ou mercenários através dos quais se exerce a influência dos patrocinadores); e, enfim, de sua capacidade de produção autônoma da informação (sendo certos jornalistas, como os vulgarizadores científicos ou jornalistas econômicos, particularmente dependentes). (BOURDIEU, 1997, p.103)

Assim, o campo jornalístico submete-se não só às pressões de mercado, mas também

aos poderes presentes nos demais campos, em especial no campo político – sob a forma de

1 Artigo publicado em 1994 na revista Actes de la recherche en sciences sociales, Volume 101, Numéro 1, p. 3 – 9.

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constrangimento econômico – que exerce domínio sobre o funcionamento do campo. Miranda

(2005, p. 113) sistematiza esse jogo de influências citado por Bourdieu em duas formas:

dominação material e simbólica. A primeira dá-se através das pressões econômicas que o

Estado pode exercer sobre o veículo de comunicação, que se caracteriza pelo direcionamento

de verbas publicitárias, subvenções e incentivos fiscais. E a dominação simbólica consiste no

poder que o campo político tem de agendar a “ordem do dia”. Assim, não só o campo político,

mas também outros campos entram na disputa pelo monopólio da informação legítima.

Se antes a imprensa era encarada como um veículo neutro e imparcial, sem participação significante na vida política nacional, hoje ela assume um caráter ativo e interpretativo, e a cada dia, fica mais próximo o entrelaçamento dos acontecimentos políticos e a notícia: a imprensa pode tomar direções de sentido a partir do relato de determinado fato como perceber tendências de opinião ainda tênues e dar-lhes visibilidade, tornando-as eventos-notícias. (MARIANI apud SILVA, 2008, p.6)

Mantém-se assim o jogo em que o campo político, jurídico e demais tentam manipular

as informações ou os agentes encarregados de transmiti-las, ao passo que a imprensa tenta

manipular os detentores da informação a fim de tentar obtê-la e assegurar a exclusividade do

seu veículo na transmissão de tal fato. “Os editores e os repórteres descobriram-se não como

parceiros do governo, mas instrumentos do governo. Eles eram valorizados – e temidos – não

por sua capacidade de representarem a opinião pública, mas por seu poder de comandá-la.”

(SCHUDSON apud MIRANDA, 2005, p. 114).

A manipulação de opiniões é uma problemática que surge com o conceito de

objetividade e se estende para as representações públicas, ou seja, quando os jornalistas

exercem a função de porta vozes da sociedade, moldando visões de mundo. Esse poder de

manipular produz o “doxósofo”, que é o “técnico-da-opinião-que-se-crê-cientista”

(BOURDIEU apud MIRANDA, 2005, p. 119). Estes divulgam problemas e fatos políticos nas

suas próprias palavras, divulgando assim uma doxa (senso comum) a fim de que essa angarie

força e torne-se uma ideia-força.2 Para isso os jornalistas além de cederem à pressão externa

(mercadológica, política, etc.) depende das opiniões e depoimentos de cientistas ou

profissionais de alguma área específica (os quais têm opiniões de maior legitimidade) para

poder dar veracidade (crédito) às suas opiniões. Além disso, o campo jornalístico se pauta

2 Segundo Miranda (2005), ideia-força é aquela ideia cuja eficácia simbólica tende a ser transformada em eficácia material.

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muito nas atividades de outros campos sociais, como no caso da presente análise, a pauta é um

produto do campo jurídico.

2.2 O Campo Jurídico

O espaço do campo jurídico é estruturado a partir da constante disputa pelo

“monopólio do direito de dizer o direito”, segundo Bourdieu (2009b, p. 212) isso quer dizer,

“a boa distribuição ou a boa ordem, na qual se defrontam agentes investidos de competência

ao mesmo tempo social e técnica que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de

interpretar um corpus de texto que consagram a visão legítima, justa.” Nessa disputa só

concorrem os profissionais detentores dos meios necessários ao entendimento e interpretação

das leis, por exemplo, e a concorrência é não só pelo poder de interpretar tais códigos que

delimitam a estrutura do campo, mas também pelo poder de aplicar estes a casos sociais,

mantendo assim a ordem.

O campo do direito dispõe, ou deveria dispor, de um espaço social autônomo em

relação às pressões externas, onde se produz e se desempenha o poder jurídico.

As práticas e os discursos jurídicos são, com efeito, produto do funcionamento do campo cuja lógica específica está duplamente determinada: por um lado, pelas relações de força específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas. (BOURDIEU, 2009b, p. 211)

A disposição das posições na hierarquia do campo jurídico pode ser entendida pela

disposição do acesso aos meios jurídicos (capacidade de interpretação e aplicação de um texto

legítimo do direito). Porém, cada caso jurídico é diferente, e deve-se levar em conta que um

indivíduo torna-se parte do campo apenas quando se torna judiciável. Assim os juízes não são

apenas intérpretes e executores do código do direito, têm autonomia e credibilidade para

julgar cada aplicação usando-se das lacunas e ambiguidades da lei, ou seja, as soluções e

vereditos por eles definidas têm o crédito de terem sido apontadas de forma imparcial e de

acordo com as doutrinas do direito, e descomprometido a pressões externas.

Porém, a autonomia do campo jurídico acaba refletindo as mudanças externas,

sobretudo no que diz respeito a hierarquia da divisão do trabalho no seu interior:

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O campo jurídico, em consequência do papel determinante que desempenha na reprodução social, dispõe de uma autonomia menor do que de outros campos […]. Quer isto dizer que as mudanças externas nele se retraduzem mais directamente e que os conflitos internos nele são mais diretamente resolvidos pelas forças externas. Assim, a hierarquia na divisão do trabalho jurídico tal como se apresenta mediante hierarquia dos especialistas varia no decurso do tempo, ainda que em medida muito limitado (como disso é testemunho o estatuto da excelência que é sempre dado ao direito civil), em função sobretudo das variações das relações de força no seio do campo social, como se a posição dos diferentes especialistas nas relações de força internas do campo dependesse do lugar ocupado no campo político pelos grupos cujos interesses estão mais diretamente ligados as formas de direito correspondentes. (Bourdieu, 2009b, p. 251)

Estas relações de heteronomia existentes entre os campos político e jurídico podem ser

observadas no espaço publico brasileiro, o que será tratado na análise de alguns

acontecimentos envolvendo a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, e o campo jornalístico,

representado por meio da Folha de S. Paulo e da revista Época.

3 A OPERAÇÃO SATIAGRAHA

Deflagrada em 08 de julho de 2008 com a prisão de 17 pessoas indiciadas por diversos

crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e

formação de quadrilha, a Operação Satiagraha é fruto de investigações que tiveram início em

2004 com base em informações relacionadas ao esquema do mensalão3.

As informações que deram início às investigações foram, segundo a Polícia Federal

(PF), repassadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a Procuradoria da República em

São Paulo. Tal material evidenciou a existência de uma organização criminosa que, de acordo

com a PF, era comandada por Dantas e especializada em desvio de verbas públicas.

A PF identificou durante as investigações dois núcleos na suposta quadrilha, um deles

o já citado, especializado em desvio de dinheiro público e comandado por Daniel Dantas, e

um segundo especializado em lavagem de dinheiro e composto por empresários e doleiros

como Naji Nahas e Celso Pita. Negócios ligados ao nome do banqueiro dono do banco

Opportunity, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso até a gestão do atual governo

Lula, foram colocados no centro do debate político após a deflagração da operação. Dando

início a um embate entre as instâncias mais legitimadas do campo jurídico, o Supremo

Tribunal Federal, representado por Gilmar Mendes e a Justiça Federal representada pelo juiz 3 O mensalão foi um esquema comandado pelo empresário Marcos Valério em que parlamentares da base

aliada receberiam dinheiro para votar favoravelmente a projetos de interesse do governo.

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Fausto De Sanctis. A luta gira em torno da discussão acerca da necessidade de manter ou não

o banqueiro preso.

Cabe aqui fazer menção ao fato de Gilmar Mendes ser um agente que transita entre os

campos político e jurídico, integrante do circulo de relações do Partido da Social Democracia

Brasileira (PSDB) e indicado e nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (campo

político) a vaga de Ministro, e em 2008 assumiu o cargo que ocupa hoje no Supremo Tribunal

Federal – instância máxima do campo jurídico; comprovando a tese de que o campo jurídico

não é tão autônomo quanto deveria, e que se submete a pressões econômicas e políticas. A

propósito, Bourdieu diz que o campo jurídico não é “um universo puro de todo

comprometimento com as necessidades da política ou da economia.” (BOURDIEU, 1997,

p.116)

Antes mesmo de a operação ser deflagrada, o pedido de habeas corpus já era analisado

pelo STF, sob a forma de salvo-conduto preventivo. Com a prisão de Daniel Dantas, o

documento foi convertido de preventivo a liberatório e estes foram expedidos sob a alegação

de que não havia perigo de violência ou coação iminente à liberdade demonstrada de modo

objetivo ou, no mínimo, plausível. Concedendo assim, a liberdade aos acusados pela

operação, Daniel Dantas, Verônica Dantas, Daniele Silbergleid Ninnio, Arthur Joaquim de

Carvalho, Carlos Bernardo Torres Rodenburg, Eduardo Penido Monteiro, Dório Ferman,

Itamar Benigno Filho, Norberto Aguiar Tomaz, Maria Amália Delfim de Melo Coutrin e

Rodrigo Bhering de Andrade.

No que a isto se reportam os campos jornalístico e jurídico, começam a se entrelaçar

meses antes da deflagração da Operação Satiagraha. Em 26 de abril de 2008 o jornal A Folha

de S.Paulo veiculou uma matéria4 revelando que Daniel Dantas estaria sendo investigado por

uma das varas criminais da Justiça de São Paulo. Até então o campo jurídico não havia, pelo

menos não oficialmente, divulgado nenhuma informação a respeito das investigações da

operação Satiagraha, pois a mesma ocorria sob sigilo judicial.

Tal matéria foi utilizada pelos advogados responsáveis pela defesa do banqueiro dono

do Oppotunity, para o pedido de habeas corpus preventivo, alegando que os seus clientes

(Daniel e Verônica Dantas) estariam sob perigo iminente de prisão. O pedido de habeas

corpus foi negado em caráter liminar nas duas primeiras instâncias, o Tribunal Regional

Federal (TRF-3) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), respectivamente. 4 Ver anexo A – Matéria “Dantas é alvo de outra investigação da PF”. Folha de S.Paulo, 26/04/2008.

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A matéria veiculada pela Folha de S. Paulo mostra que mesmo antes da deflagração

da Operação Satiagraha os campos jornalístico e jurídico já influenciavam no funcionamento

interno um do outro. Na busca constante pelo “furo” jornalístico, a jornalista Andréa Michael

divulgou informações obtidas com auxilio de fontes de identidade indeterminada e que

deveriam ser mantidas em segredo judicial. Com a divulgação de tais fatos, a lógica do

processo foi alterada, os indivíduos suspeitos tiveram oportunidade de agilizar os pedidos de

habeas corpus preventivos, e trabalhar com antecedência em suas defesas, motivo pelo qual

as investigações eram mantidas sob sigilo.

Com a deflagração da operação e a prisão de Daniel Dantas e mais 16 pessoas, o

pedido foi enviado à instância máxima do campo jurídico, o Supremo Tribunal Federal. É

importante ressaltar que o STJ e o TRF-3 não julgaram o mérito do pedido e uma decisão do

STF pode ocorrer apenas em flagrante ilegalidade ou abuso de poder, como prevê a Súmula

6915.

Segue o trecho do parecer do Ministério Público Federal do dia 07 de julho de 2008:

EXCELENTÍSSIMO MINISTRO RELATOR 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão proferida pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima no HC n.º 107.514 (fls.319/320 do apenso 2), que indeferiu pedido de liminar formulado naqueles autos. 2. O paciente impetrou habeas corpus perante o TRF/3ª Região buscando ter acesso a suposta investigação em curso em uma das Varas Federais em São Paulo. Tal pedido teve como ponto de partida notícia publicada no jornal “Folha de São Paulo”, edição de 26/04/08, onde constou que o paciente seria alvo de investigações pela Polícia Federal, pela prática de “crimes financeiros”, “o que poderia culminar, inclusive, na sua prisão e de outras pessoas” (fls. 84/86 do apenso 1).6

Constata-se que o pedido de habeas corpus impetrado ao STF baseou-se em fatos

retirados de reportagem jornalística e não de investigações concretas da PF. Da sua parte,

contrariando as decisões das instâncias inferiores do campo jurídico, o Ministro Gilmar

Mendes concedeu a medida cautelar, expedindo os alvarás de soltura, aos acusados da

Operação Satiagraha, alegando não haver fundamentos suficientes que justificassem as

prisões:

o decreto de prisão temporária dos pacientes, seja por ser desnecessário o encarceramento para imediato interrogatório, seja por nada justificar a providência

5 A súmula 691 orienta os tribunais a não suprimir instâncias inferiores para que se recorra diretamente

ao STF no requerimento de habeas corpus. Ela só pode ser afastada em situações excepcionais, em que haja flagrante situação de constrangimento ilegal. 6 Ver anexo B - Parecer do Ministério Público

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para fins de confronto com provas colhidas; ainda que tais fundamentos fossem suficientes, o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial indica a desnecessidade da manutenção da custódia temporária para garantir a preservação dos elementos probatórios. 7

É perceptível a luta presente na lógica do funcionamento interno do campo jurídico.

Os agentes usam de suas competências sociais e técnicas, para adquirir o direito de dizer o

direito. Gilmar Mendes, como representante da instância máxima do campo jurídico, acaba

fazendo valer a sua interpretação dos códigos que estruturam e legitimam o campo.

A partir de sua deflagração, a Operação Satiagraha e os campos e agentes sociais

envolvidos passaram a ter grande visibilidade nos veículos de comunicação, principalmente

nas mídias televisiva e impressa, a revista Época foi uma delas. Neste sentido, as implicações

decorrentes da publicação da Folha de S. Paulo, produto do campo jornalístico influenciando

no funcionamento do campo jurídico, dão fundamento, pressuposto e justificativa, tendo em

conta a relevância do corpus apurado, ao estudo das tentativas da revista Época de obter êxito

equivalente.

4 A OPERAÇÃO SATIAGRAHA NA REVISTA ÉPOCA

A escolha da revista Época como agente do campo jornalístico deu-se por sua posição

legitimada (BOURDIEU, 1997) dentro do campo jornalístico, uma vez que adquiriu

credibilidade ao longo dos anos e por ser originária de uma instituição já legitimada a mais

tempo, as Organizações Globo. Trata-se de uma publicação semanal com circulação nacional.

A linha editorial da revista está ligada a constante busca por antecipar tendências e a notícia

em primeira mão. Segundo o site da revista8, buscam pela união do jornalismo investigativo

com o pensamento crítico, publicar as principais notícias e “delas extrair uma agenda de

construção do amanhã”. A revista mantém em parceria com o site G1, da globo.com, uma

versão online das edições. O site traz as edições semanais e é atualizado com as notícias do

dia.

Além do conteúdo da revista impressa, a revista online é atualizada diariamente e traz

reportagens especiais, mantendo ainda blogs de repórteres de mais diversas sucursais. A

7 Ver anexo C - Íntegra da decisão pelo deferimento de medida cautelar em habeas corpus pelo Ministro

Gilmar Mendes. 8 Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/

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missão da revista online é a mesma da versão impressa, porém o site traz uma visão ainda

mais crítica dos acontecimentos. Segundo Sérgio Lüdtke9, editor da publicação online, é um

“dever ter uma visão crítica dos problemas do Brasil e do mundo, antecipar os temas que

ganharão relevância e também propor uma agenda de soluções para eles.” A versão digital

prima pela interatividade propiciada pelas tecnologias.

Desde o dia 08 de julho de 2008 a revista Época veiculou notícias, reportagens e

textos opinativos (nos blogs) a respeito da Operação Satiagraha até culminar na matéria que

deu estímulo à presente pesquisa: “O Universo Paralelo de Fausto”. “Fausto” é Fausto de

Sanctis, juiz da 6ª Vara de Justiça de São Paulo responsável por decidir sobre os bens

jurídicos tutelados no caso em tela, isto é, o integrante do campo jurídico a quem cabe dizer o

direito.

A cobertura jornalística das investigações feitas no âmbito do campo jurídico pela PF,

dirigidas pelo delegado Protógenes Queirós, dá-se não só pela produção de notícias e

reportagens, mas também, e principalmente por meio de textos opinativos em blogs dos

repórteres da revista. Blogs são espaços opinativos e informativos alternativos, mas a política

editorial da empresa e a lógica da prática jornalística interferem nos textos veiculados em

todos os meios que levam o seu nome.

Neste sentido, o texto do repórter Ricardo Amaral, veiculado em sua coluna digital

(blog) no site da revista: o autor traz fatos históricos ligados a grampos telefônicos, e

questiona a necessidade do uso de grampos para a concretização de qualquer investigação.

O Presidente da CPI dos Grampos, Marcelo Itagíba (PMDB-RJ), ele mesmo um policial de carreira, sabe que em muitos casos seus colegas estão começando os inquéritos pelo pedido de escuta, para só no fim estabelecer se havia algum crime ou criminoso a ser investigado. Tornaram-se dependentes do grampo, como os viciados da cocaína. Não conseguem mais fazer o dever de casa: investigar com rigor, colher indícios e provas para a instrução do processo. (matéria 3)

Observa-se que Amaral desqualifica o trabalho realizado pela Polícia Federal,

alegando que esse integrante do campo jurídico não consegue fazer o que deve e por isso teria

prendido os indiciados já citados anteriormente. Trata-se de uma condenação explícita aos

métodos empregados pela PF para obtenção de informações à elaboração dos inquéritos por

ela conduzidos.

9 Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI5583-15247,00.html

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Na matéria que informa a deflagração da operação, assim como as prisões que esta

acarretou, é perceptível sua concessão aos investigados do direito constitucional da presunção

de inocência. Opção afim à reprodução da objetividade jornalística: os fatos são narrados

através da estratégia do distanciamento e os indiciados tratados como tais, de acordo com

aquela presunção. Porém, mais uma vez são os blogs dos repórteres da Época que revelam a

parcialidade da revista: “A Polícia Federal está conduzindo mais uma investigação importante

para o país. O maior inimigo dessa investigação é… A Polícia Federal. É o seu maior inimigo

porque é espetaculosa e covarde.”(matéria 2), diz Guilherme Fiuza, tachando as prisões

efetuadas como precoces e infundadas.

No dia 18 de julho, dez dias depois da deflagração da operação, a revista Época

publicou uma matéria sobre o delegado Protógenes Queiroz. O título já é bastante sugestivo:

“Desconfiado”, a matéria traz uma série de informações pessoais, o histórico do delegado

dentro da Polícia Federal e levanta questões referentes a uma ligação irregular de Protógenes

com a Confederação Brasileira de Futebol.

No parágrafo que segue ao título, percebe-se que o autor traz informações que podem

ser relevantes na formação da opinião dos leitores a respeito da conduta do delegado na

operação:

Antes de entrar para a PF, Protógenes trabalhava como advogado no Rio. Foi procurador do município de Niterói. Na polícia, sua ascensão se deu na gestão de Paulo Lacerda, antecessor de Corrêa e hoje diretor-geral da Abin. Sob o comando de Lacerda, Protógenes ocupava lugar de destaque na poderosa Diretoria de Inteligência (DIP), a central de grampos e investigações sensíveis da PF. (…) Quem o conhece não tem dúvida: ainda que esteja fora oficialmente, não vai abandonar a investigação contra Daniel Dantas e companhia. É o caso de sua vida.

Parece não ser coincidência que tal matéria tenha sido veiculada no mesmo dia do

afastamento de Protógenes Queiroz do comando da operação, nessa data a Polícia Federal

afirmou que isso devia-se a um curso que exigiria sua ausência. Quatro meses depois,

Protógenes foi oficialmente afastado do comando do caso, substituído por Ricardo Saadi.

Com isso o delegado foi desligado da Diretoria de Inteligência Policial (DIP). Noutros

termos, provavelmente a partir da influência do campo jornalístico, Queiroz perdeu, ao menos

temporariamente, a posição que ocupava na hierarquia do campo jurídico.

A cobertura da revista sobre fatos relativos à conduta pessoal e profissional dos

agentes do campo jurídico acabam por causar uma inversão de papéis. O delegado passa a ser

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suspeito e o crime organizado fica em segundo plano. Isso porque, recorrentemente, seja em

blogs e colunas ou em outras matérias jornalísticas, a revista desqualifica o trabalho

desenvolvido pelos agentes do campo jurídico. Esta luta em que os jornalistas se interessam

mais em realizar ataques ad hominem10 do que pelo conteúdo do que está em jogo, acaba por

conduzir os leitores a uma opinião desvirtuada a respeito dos fatos. A visão crítica defendida

pelo editor da publicação faz projetar sobre as notícias suas próprias inclinações. No intuito de

antecipar as notícias, e prever soluções para os fatos, a revista acaba deixando de

simplesmente informar para, diferentemente, investir na indução da formação da opinião

pública. Dito de outro modo, por meio dessa prática, busca persuadir seus leitores mediante a

difusão de ideias-força (CHAMPAGNE, 1996). Isso porque os atributos pessoais dos agentes

são levados ao centro da arena, em prejuízo do debate em torno dos seus argumentos e

condutas. A revista Época produz o que Bourdieu (1997) chama de “enfrentamento entre

pessoas em detrimento do confronto de seus argumentos.”

A produção dessa contenda em torno dos atributos pessoais dos agentes do campo

jurídico é feita pela revista Época através de uma regularidade de ataques ad hominem. Para a

percepção do uso desse tipo de estratégia, foram analisadas as matérias referentes à Operação

Satiagraha, veiculadas no período entre 08 de julho e 21 de novembro de 2008, num total de

20 semanas.

A análise das regularidades objetivas presentes nesse corpus proporcionou a

constatação de seis categorias11 de “golpes de força simbólica” (BOURDIEU, 2009b)12:

“Virtude”, “Moral/Pecado”, “Teoria da Conspiração”, “Delito/Crime”, “Campo Ideológico” e

“Super Herói”. A justificativa ao emprego das mesmas decorre tanto da recorrência quanto da

subjetividade de expressões a que lhes podem ser associadas. Essas categorias possuem uma

estreita relação entre si. Portanto, por vezes, pode-se questionar a presença de um “golpe”

(marca discursiva) em uma categoria e não em outra. Em alguns casos, um mesmo “golpe”

aparece em mais de uma categoria.

Destarte, foi realizada análise diacrônica do corpus de matérias com base em

classificação sincrônica das categorias construídas. Por conseguinte, o conceito de virtude foi

adaptado das categorias elencadas na Ética de Aristóteles (2008, p. 40), a partir das “duas 10

Ataque direto à pessoa. 11 Ver apêndice B – Tabela de categorias de golpes de força simbólica 12

Golpes de força simbólica são ideias força que se sustentam fundamentalmente pela difusão de palavras de ordem, visando angariar resultados materiais.

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espécies de virtude, a intelectual e a moral.” A revista Época ataca a “virtude” dos agentes e

instituições pela adjetivação pejorativa dos mesmos como por exemplo o título da matéria 6:

“Um tira fora de controle”, nesse caso o termo “tira” refere-se ao delegado Protógenes

Queiroz, que foi responsável pela deflagração da Operação Satiagraha. Cabe ressaltar que

nessa categoria os golpes são perceptivelmente ad hominem, ou seja, atacam diretamente a

pessoa dos reportados, estigmatizando-os por vezes de modo irônico, como nos seguintes

trechos ainda da matéria número 6: “Protógenes começa sua aula inaugural contando uma

história maluca, repleta de personagens estranhos.”; “A pertinácia do delegado em demonstrar

o envolvimento de seus alvos com o crime é a mesma que o leva a driblar com talento os

entraves jurídicos que podem atrapalhar suas investigações.” Concomitante, na sequência de

matérias, encontram-se classificações (BOURDIEU, 2009a) como “inimigo”, “escárnio” e

“covardia” (matéria 2); “competente”, “corajoso”, “desconfiado”, “Ás de frases” (matéria 6);

“exageros”, “bem intencionada”, “nobre”, republicano” (matéria 8); “orelhudos” (matéria 10);

“solitário”, “polêmico” (matéria 15); “vaidoso”, “justiceiro” (matéria 17).

Para Durkheim13, moral é “um sistema de regras de ação que predeterminam a

conduta". Deste conceito surge mais uma categoria de regularidades objetivas:

“Moral/Pecado”. O pecado corresponde ao não respeito do conjunto de regras que compõem a

moral, como por exemplo, na tentativa de atingir a integridade moral da PF, a “tentação de

ganhar os holofotes com Celso Pitta” (matéria 2) e “é uma investigação ainda precária, que

precisaria avançar mais em sigilo para realmente alcançar sua finalidade.” (matéria 3), ou

“Não conseguem mais fazer direito o dever de casa (...)” (matéria 10), ou ainda “A própria

nota oficial da Polícia Federal (criatividade não falta ao FBI brasileiro) não é coisa de gente

séria.” (matéria 3). A tentativa também pode ser comprovada nas expressões: “espalhafatosa”,

“policiais noveleiros” (matéria 3); “excessivamente centralizador”, “fez que toparia ser

subornado” (matéria 6); “descrença”, “pirotecnia” (matéria 8); “bisbilhotices sem valor

algum”, “inaceitável” (matéria 10); “revela desconhecimento” (matéria 14); “opção peculiar”

(matéria 17).

Uma teoria da conspiração surge quando o pano de fundo das observações sobre a vida

social ou, noutros termos, as concepções de mundo que dominam a difusão de determinadas

ideias, pauta-se na crença ou paranoia da recorrente existência de grupos de pessoas ou

organizações que manipulam evento para obter um determinado resultado; em segredo e às 13 Disponível em: http://www.culturabrasil.org/durkheim.htm

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escondidas do domínio público. Esta golpe de força simbólica é utilizado nas matérias 6 e 15

para rotular alguns agentes do campo jurídico e, assim, questionar suas ações e atributos

pessoais, como se nota nas frases da matéria 6 a respeito do delegado Protógenes Queiroz:

“desconfia tanto que beira a paranoia” e “Por suspeitar até da sombra (…).” Já nas matérias 8,

15 e 16, são as instituições envolvidas que estão sendo postas sob suspeição. A revista aponta

um “desacerto entre as instituições” - MP e PF, que não foi comprovado.

A categoria “Delito/Crime” surge do uso regular de termos e frases que remetem à

tentativa de conduzir o leitor a perceber agentes e instituições do campo jurídico como

infratores. Neste caso, “Crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta

violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob

ameaça de pena, ou que se considere afastável somente através da sanção penal” (FRAGOSO,

1980, p. 149). Tal estratégia pode ser notada nos trechos a seguir: “Se Dantas for culpado e

escapar impune, os maiores culpados serão Tarso Genro e a Polícia Federal. Quem vai

processá-los?” (matéria 3); “Tornaram-se dependentes do grampo, como os viciados da

cocaína.” e “São boas ideias para combater a indústria do grampo”(matéria 10). A publicação

refere-se ainda a atos criminosos ligados a agentes do campo jurídico: “comando paralelo”

(matéria 13); “serviço ilegal de escutas” (matéria 17).

Há também a categoria “Campo Ideológico”. Este “golpe” não se dirige a pessoas

nem a instituições, mas às relações de poder no contexto do universo de possíveis ideológicos.

Neste sentido, a matéria 7 explicita as relações de Humberto Braz com alguns membros do

campo político, especificamente de um partido político: “Braz contratou Greenhalg depois de

receber uma sugestão de seus amigos do PT.” Há trechos em que as classificações se fundem

ou se somam para um objetivo comum como o de ironizar o desenvolvimento da Operação

Satiagraha, como: “Somos um governo popular que manda rico para a cadeia. Para quem não

tinha notado, aí está o DNA da ópera bufa da prisão de Daniel Dantas. Um espetáculo

ideológico.”; neste trecho da matéria 3 se somam as categorias “Campo Ideológico” e

“Moral/Pecado”.

Por fim, uma última marca discursiva utilizada pela revista Época, na tentativa de

influenciar o jogo no interior do campo jurídico e de difundir uma doxa, é a estratégia do

Super Herói. Aqui os agentes do campo político são impressos como personagens se não

fictícios, pelo menos fora do comum, no mais das vezes de modo irônico. A revista utiliza

essa marca como estratégia para criticar as ações e decisões do campo jurídico e

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principalmente para dar mais visibilidade à pessoa do que aos acontecimentos. Esse golpe de

força simbólica pode ser percebido nos trechos: “O modelo Robin Hood” (matéria 7);

“superpoderes do guardião” (matéria 10); “cristão”, “um homem multitarefas” (matéria 15) e

“agir com heróis” (matéria 17; esta será tratada mais especificamente no tópico seguinte).

5 O CASO DA REVISTA ÉPOCA EM “O UNIVERSO PARALELO DE FAUSTO”

Mantendo o interesse pelos indivíduos envolvidos e não pelos acontecimentos, a

revista Época mantém o jogo de “simplificação demagógica” (BOURDIEU, 1997, p.135),

como na matéria intitulada “O Universo Paralelo de Fausto”, que foi capa da Época de 21 de

novembro de 2008 e traz um texto ambíguo a respeito do juiz, contendo informações da sua

vida privada e levantando dúvidas sobre seus métodos e sua idoneidade moral. Ao se analisar

a frase que intitula a matéria, nota-se que a mesma conota a existência de um mundo próprio

do juiz, sugerindo que De Sanctis vive e atua fora da realidade, em outro mundo. Tal texto

gerou polêmica e iniciou-se na Internet uma vasta discussão sobre o interesse público daquela

matéria e o que ela causaria a imagem do juiz, então acusado de agir como justiceiro e não

como magistrado.

Protestos pró e contra o juiz e a revista surgiram através de comentários no site da

Época online. Tais comentários a respeito da matéria incluíam pedidos de cancelamentos de

assinaturas. Como podemos constatar no comentário de David da Costa e Silva: “Comprei a

última edição de Época, vi a cobertura ‘imparcial’ dada à venda da Nossa Caixa ao Banco do

Brasil. A reportagem faltou pedir pra votarem no Serra em 2010. Deixo aqui uma sugestão de

reportagem para as próximas edições: ‘O universo paralelo de Serra’ Mas só aceito se fizerem

nos mesmos moldes da que fizeram para De Sanctis. Com uma foto tão distorcida quanto e

falando pontos positivos e negativos, como por exemplo: Serra sabia do ‘esquema dos

vampiros’ que proliferou durante sua gestão no Ministério da Saúde?”.

O texto a que se refere é assinado pelo jornalista Walter Nunes. Traça um perfil de

Fausto De Sanctis através de testemunhos de adversários do Juiz. Trazendo a opinião dos

advogados de defesa de Daniel Dantas, de alguns magistrados colegas de trabalho, todas

pejorativas: “Aos 44 anos, separado, com fama de vaidoso, o juiz Fausto de Sanctis tem

alguns traços de comportamento que o diferenciam da maioria das pessoas.” Tal frase se

refere à escolha do juiz por ficar na primeira instância e, por consequência, no caso

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Satiagraha, negando uma promoção a desembargador; nela se verifica o golpe de força

simbólica à sua virtude e moral.

Nos trechos da mesma matéria, “Os advogados que defendem clientes que De Sanctis

ajudou a pôr na cadeia dizem que ele se comporta como um justiceiro – e não como um

verdadeiro magistrado.”,“O Fausto é um juiz sério e competente, mas às vezes se comporta

como se fosse o único. Ele acha que está sempre com a razão, afirma um colega. 'Ele dá a

impressão de que se coloca acima do tribunal'”, percebe-se que ela traz quase tão-somente

opiniões de adversário e colegas de magistrado com visões negativas do trabalho do juiz,

ficando evidente a parcialidade do texto e a utilização de “golpes de força simbólica”, não há

o contraditório de outras fontes, nem mesmo o próprio Fausto De Sanctis foi ouvido. Quando

aparecem falas suas, são de palestras que o mesmo proferiu ou ainda de interlocutores não

identificados.

Ao publicar:

Diferenças e conflitos entre juízes costumam confundir o cidadão comum. A Justiça não é uma ciência exata. Mesmo nos países de maior cultura jurídica, os magistrados vivem guerras doutrinárias. Referência mundial, a Suprema Corte americana divide-se entre conservadores e progressistas, que travam lutas permanentes em torno de questões como aborto, pesquisas com células-tronco ou casamento entre homossexuais,

o autor da matéria faz desconhecer que os juízes não apenas interpretam e executam as leis,

mas têm autonomia suficiente para julgar a aplicação a cada caso fazendo uso dos códigos que

permeiam o campo jurídico.

Ao longo do texto, percebe-se que a intenção é corroborar à tese dos advogados de

Daniel Dantas e outros indiciados de que o juiz Fausto De Sanctis não teria a isenção

tampouco a capacidade necessárias para julgar o caso do dono do banco Opportunity. Com

efeito, colocar em pauta a índole e a capacidade do juiz, foi uma manobra da defesa de Daniel

Dantas: “Na segunda-feira passada, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região examinou uma

acusação dos advogados de Daniel Dantas contra De Sanctis. Para eles, De Sanctis não tem a

isenção necessária para julgar Dantas. Se perdesse, De Sanctis seria afastado do caso. Acabou

absolvido.” Depois do afastamento do delegado Protógenes Queiroz, o afastamento de Fausto

De Sanctis seria mais um obstáculo vencido para a absolvição de Daniel Dantas.

O trecho da matéria “Um país só tem a ganhar quando um juiz dispensa promoções e

mordomias para fazer aquilo em que acredita e que considera seu dever. Mas só tem a perder

quando seus juízes tentam agir como heróis de disputas imaginárias – e não como magistrados

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imparciais, pagos para aplicar a lei.” evidencia a intenção de colocar em dúvida a

imparcialidade do juiz: para ocupar a posição que ocupa na hierarquia do campo jurídico e

deter o direito de dizer o direito e assim ser responsável, isto é, de ter competência legítima

aos mandatos de prisão da Operação Satiagraha derivados do seu poder legítimo de interpretar

e aplicar as leis para manter a ordem social. Assim, a matéria tenta desviar o foco das

atenções e investigações que são os crimes financeiros cometidos por Daniel Dantas e outros

acusados, para a figura de Fausto De Sanctis. Detentor dos meios de grande difusão, o campo

jornalístico consegue manipular a visibilidade que cada fato terá na mídia, mantendo na pauta

os agentes do campo jurídico sob ataque, em detrimento de crimes que estavam ou deveriam

estar sendo autônoma e legitimamente investigados por eles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática do conceito de objetividade, observada em tese pelos jornalistas

profissionais, no que se reporta ao estudo em tela, caracteriza-se pelo não cumprimento da

regra básica da imparcialidade ou da exigência de dar voz e vez a todas as partes interessadas

numa determinada questão. Dito de outro modo, a presente pesquisa constatou a frequente

utilização de “golpes de força simbólica” ad hominem pela revista Época, que contrariam a

lógica da objetividade jornalística.

Em diversos momentos a Época preferiu colocar em pauta características pessoais dos

agentes do campo jurídico, em detrimento dos seus argumentos e decisões, para assim os

desqualificar. Ao contrário do que defendem com a “teoria do espelho”, os agentes do campo

jornalístico analisados divulgam os acontecimentos relativos à Operação Satiagraha a partir

dos seus pontos de vista, realizando operação seletiva de fatos, de modo distorcido, na medida

em que não os contextualizam e que os combinam a classificações pejorativas àqueles a que

se referem. Com isso, influenciam a opinião a ser formada a respeito do conteúdo da

informação veiculada.

O uso de “golpes” justifica-se pela linha editorial da revista, que prima pela

antecipação da notícia, por vezes a criando, com vistas à produção de heteronomia em outros

campos sociais, modus operandi avesso aos princípios deontológicos da profissão, em que se

inclui informar os fatos com honestidade e equilíbrio. A análise do corpus de matérias

constatou que a revista Época inverte os papéis de juiz e réu, expondo os agentes do campo

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jurídico como incapazes, em detrimento da publicização dos crimes e pessoas por eles

investigados. Com efeito, a todo o momento a publicação ataca simbolicamente pessoas e

instituições, através de marcas discursivas recorrentes que visam o resultado de estigmatizar

os mesmos diante da opinião pública.

Destarte, na matéria “O universo paralelo de Fausto”, a tentativa de influenciar as

lógicas internas próprias do campo jurídico identifica-se pelo uso de golpes de força simbólica

para desmoralização e estigmatização de um agente. Tais “golpes” ajudam a fortalecer o

pedido de afastamento do juiz Fausto De Sanctis do caso, feito pelos advogados de Daniel

Dantas. Assim, o corpus analisado comprova o poder de influência do campo jornalístico

sobre um dos campos mais legitimados e autônomos do espaço social, o campo jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. (Coleção A obra prima de cada autor.) A SOCIOLOGIA em Émile Durkheim Disponível em: http://www.culturabrasil.org/durkheim.htm Acesso em: 14 de dez. 2009. BOURDIEU, P. As regras da arte: Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. _____. Sobre a televisão. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. _____. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2009a. (Coleção Estudos). _____. O Poder Simbólico. 12ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009b. BRITTOS, V.; GASTALDO, E. Mídia, poder e controle social. Disponível em: http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n13_Brittos%20e%20Gastaldo.pdf Acesso em: 14 out. 2009. CHAMPAGNE, P. Formar a opinião: o novo jogo político. 1ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996. FERNANDES, A. O Campo Político. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4619.pdf Acesso em: 9 set. 2009. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

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LÜDTKE, S. Nossa Missão. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI5583-15247,00.html Acesso em 05 dez. 2009. MIRANDA, L. Pierre Bourdieu e o campo da comunicação – por uma teoria da comunicação praxiológica. 1ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. (Coleção Comunicação) O QUE é teoria da conspiração? Disponível em: http://www.discoverybrasil.com/guia_conspiracao/teoria/index.shtml Acesso em: 14 de dez. 2009. SILVA, H. A democracia impressa: transição d o campo jornalístico e do político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa (1945-1948). Disponível em: http://www.anpuhsp.org.br/downloads/CD%20XIX/PDF/Autores%20e%20Artigos/Heber%20Ricardo%20da%20Silva.pdf Acesso em: 9 set. 2009. TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. 2ª ed. Florianópolis: Insular,2005.

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APÊNDICE A - Tabela de matérias da Época entre os dias 08/07 e 21/11/2008

TÍTULO DATA VEÍCULO AUTORIA 1 PF prende Celso Pitta,

Daniel Dantas e Naji Nahas 08/07/2008 Revista Época Da redação

2 Prisão ou Palhaçada? 08/07/08 Época Online-Blog

G. Fiúza

3 Chamem o Gilberto Braga 14/07/08 Época Online-Blog

G. Fiúza

4 Delegado da Operação Satiagraha pede afastamento do caso

15/07/08 Revista Época Da redação

5 Lula critica afastamento de delegado da Operação Satiagraha

16/07/08 Revista Época Da redação

6 Um tira fora de controle 18/07/08 Revista Época Rodrigo Rangel e Mariana Sanches

7 O guardião de Dantas 19/07/08 Época Online Guilherme Evelin e Wálter Nunes

8 O modelo Robin Hood na Justiça Brasileira

25/07/08 Época Online-Blog

Fernando Abrucio

9 Ministro (sic) do Supremo defendem decisão de Gilmar Mendes na Operação Satiagraha

01/08/08 Revista Época Da redação

10 O grampo é uma droga que vicia a polícia

01/08/08 Época Online-Blog

Ricardo Amaral

11 PF teve acesso a todas as ligações do país, diz jornal

03/08/08 Revista Época Da redação

12 Juiz Fausto De Sanctis pode se afastar do caso Daniel Dantas

21/08/08 Época Online Walter Nunes

13 Comando Paralelo 02/09/08 Revista Época Rodrigo Rangel e Andrei Meireles

14 Ministério da Defesa divulga nota sobre reportagem de Época

13/09/08 Revista Época Da redação

15 Protógenes vai à guerra 16/09/08 Revista Época Rodrigo Rangel 16 PF omitiu nomes de

policiais que participaram da Operação Satiagraha, diz MP

25/09/08 Revista Época Rodrigo Rangel

17 O Universo Paralelo de Fausto

21/11/08 Revista Época Walter Nunes

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APÊNDICE B - Tabela de categorias de golpes de força simbólica

Nº da matéria

Virtude Moral/ Pecado

Teoria da conspiração

Delito/ Crime

Campo ideológico

Super-herói

1 “ex-deputado federal (PT-

SP)”

2 “Inimigo” (atributo a instituição) “Apressa-

do” “Escárnio” “Covardia”

“Tentação”

3 “Ópera bufa”

“Precária” “Espalhafa

-tosa” “Não é

uma coisa de gente

séria” “Literatura de grêmio estudantil” “Policiais

noveleiros”

“Culpa-dos”

“Quem vai

processá-los”

“Governo popular manda

rico para a cadeia”

“Espetáculo ideológico” “Estandarte ideológico”

4 5 6 “Fora de

controle” (descontro-

lado) “Compe-

tente”, “corajoso” “Descon-

fido” “Maluca”

“Estranho” “Pertiná-

cia” “Ás de frases”

“Pôs a República em crise”. “é excessi-vamente

centraliza-dor”

“Fez que toparia ser subornado” “Alvoroço provocado”

“Desconfia-do”

“por não confiar”

“Desconfia tanto que

beira a paranoia”.

“Por suspeitar até

da sombra...”

“Amea-lhou”

7 “...seus amigos

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no PT.” 8 “Exageros

” “Bem-

intencio-nada”

“Nobre” “Republi-

cano”

“Descren-ça”

“Pirotecnia”

“Uso da estratégia” “Preferem”

“’Big Brother’ policial”

“O modelo Robin Hood”.

9 “Defende-ram publi-camente”

10 “Orelhu-dos”

“Juízes que se

conside-ram

ilumina-dos”

“inaceitá-vel”

“Bisbilho-tices sem

valor algum” “Não

conseguem mais fazer

direito”

“Dependentes do crime” “Indús-tria do

grampo”

“Super-poderes

do Guar-dião”

11 12 13 “Não foi

nem uma coisa nem

outra” “Não é de

todo convin-cente”

“Comando

Paralelo”

14 “revela desconheci

mento”

15 “solitário” “o inferno de Dantas” “polêmico

“discurso pronto”

“não apenas desconfia”

“que desconfia de

tudo” “Protógenes desconfia”

“desconfian-ça geral”

“cristão”

“um homem multi-

tarefas”

16 “desacerto

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entre as instituições” “o mal estar institucional

” 17 “vaidoso”

“sentido de dever”

“justiceiro”

“opção peculiar” “sempre com a razão”

“desprezo pelas leis”

“serviço ilegal de escutas”

“agir como

heróis”

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ANEXO A - Matéria “Dantas é alvo de outra investigação da PF”. Folha de S.Paulo, 26/04/2008.

Dantas é alvo de outra investigação da PF Banqueiro e sócios são investigados por supostos crimes financeiros após informações encontradas em computador Investigados afirmam que não receberam nenhuma informação da investigação; polícia vê acesso a informações privilegiadas Lula Marques - 21.set.05/Folha Imagem

O banqueiro Dantas, do Opportunity, durante depoimento às CPIs dos Correios e do Mensalão ANDRÉA MICHAEL DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Personagem crucial no processo de aquisição da Brasil Telecom pela Oi, o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, e seus principais sócios e executivos são alvo de uma outra investigação da Polícia Federal que começou com base na quebra de sigilo do computador central do banco apreendido pelos policiais federais em setembro de 2004. Segundo a equipe de policiais que trabalha no caso, a existência de fortes indícios de crimes financeiros poderia levar à prisão pelo menos 20 pessoas, cumprimento de mandados de busca e apreensão de documentos e bens em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Pará, além de procedimentos de cooperação de órgão policiais internacionais em três países: Estados Unidos, Itália e França. Além de Dantas, os principais alvos da investigação da PF são o sócio dele Carlos Rodemburg, sua irmã e também parceira de negócios, Verônica Dantas, além do empresário e especulador Naji Nahas. Dantas já responde a ação penal decorrente da Operação Chacal, deflagrada pela PF em setembro de 2004. É acusado de supostamente ter praticado os crimes de violação de sigilo de informação reservada e corrupção, ao contratar a Kroll para ter acesso a dados de pessoas e empresas em órgãos públicos os quais são considerados reservados. Em março de 2007, a pedido do Ministério Público Federal de São Paulo, fez-se a quebra do sigilo do servidor do Opportunity, com base em decisão judicial da 2ª Vara da Justiça Federal. O argumento dos procuradores foi a verificação da eventual existência de operações financeiras que pudessem comprovar o envolvimento de Dantas com operações relacionadas ao mensalão -a mesada paga por dirigentes petistas a parlamentares em troca de apoio ao governo no Congresso. A principal justificativa foi o fato de Dantas, por meio do Opportunity, ser o gestor da Brasil Telecom, dona da Telemig e da Amazonia Telecom, as principais fontes de recursos do mensalão.

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Feito o balanço, as telefônicas injetaram R$ 127 milhões nas contas da DNA Propaganda, agência administrada pelo empresário Marcos Valério, que segundo a PF montou a engenharia financeira por meio da qual o dinheiro foi entregue a parlamentares sem justificativa e de forma ilegal. Feita a análise inicial, verificou-se que a central de dados do banco não continha informações relevantes que pudessem ajudar a elucidar os responsáveis ou beneficiários do mensalão. No entanto, a quebra de sigilo prestou-se a identificar fortes indícios de prática de crime contra o sistema financeiro nacional e também de evasão de divisas. O acesso aos dados deu-se por uma manobra jurídica, pois já fora tentado anteriormente e negado pela primeira instância da Justiça Federal de São Paulo, Tribunal Regional Federal da 3ª Região e até pelo Supremo Tribunal Federal, em pedido encaminhado pela CPI dos Correios, na tentativa de elucidar a origem dos recursos ilegalmente pagos a parlamentares para concordar com as propostas do governo Lula. Desde meados de 2007, o inquérito que investiga Dantas e seus comandados está sob a presidência do delegado da PF Protógenes Queiroz, o mesmo que investigou e prendeu o hoje deputado Paulo Maluf e o contrabandista Law Kim Chong. Houve uma análise estratégica para conduzir a investigação. Dantas tem muitos informantes no meio de telecomunicações, até por já ter contratado espiões particulares que usam prática ortodoxas, a exemplo da Kroll, segundo acusa o Ministério Público Federal, e ser acionista da Brasil Telecom e também da Telemar. A opção foi grampear o fluxo de e-mails que circulam pelo servidor central do banco Opportunity. A troca de correspondência revelou as ligações de Dantas com Naji Nahas, inclusive o acesso a dados privilegiados do mercado financeiro, de acordo com a investigação. Segundo a PF, por conta do nível de dados que o grupo demonstra dominar, configura-se o acesso a informações privilegiadas em primeira mão ("inside information"), o que, pelas leis brasileiras, poderia ser enquadrado como crime contra o sistema financeiro.

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ANEXO B - Parecer do Ministério Público Federal MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARECER Nº 5.903 / WG HABEAS CORPUS Nº 95009-4/130 - SP IMPETRANTE : NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO E OUTRO (A/S) IMPETRADO : RELATOR DO HC N.º 107.514 DO STJ PACIENTES : DANIEL VALENTE DANTAS E VERÔNICA VALENTE DANTAS RELATOR : MINISTRO EROS GRAU – 2ª TURMA HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO DE LIMINARES EM HCs NO TRF/3ª REGIÃO E NO STJ. SÚMULA 691. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. NOTÍCIA VEICULADA NO JORNAL “FOLHA DE SÃO PAULO”. AUSÊNCIA DE AMEAÇA DE VIOLÊNCIA OU DE COAÇÃO IMINENTE À LIBERDADE. ACESSO A DADOS SIGILOSOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Este HC volta-se contra decisão que indeferiu liminar no HC n.º 107.514, em curso no Superior Tribunal de Justiça. O referido HC, por seu turno, combate indeferimento de liminar no âmbito do TRF/3ª Região. Aplica-se o enunciado da Súmula 691 – STF. 2. Notícias de jornal não se prestam para fundamentar pedido de habeas corpus. Faz-se imprescindível apresentar, na petição do writ of mandamus, e portanto, ab ovo, o ato ilegal ou abusivo e a autoridade coatora, o que não ocorreu. In casu, a partir de uma reportagem, que pode inclusive ter sido plantada – por motivos que se desconhece - os impetrantes tentam achar uma “autoridade coatora”, criando uma situação esdrúxula, data venia. 3. Se o deferimento de habeas corpus é incabível nesse contexto, muito mais se justifica o indeferimento da liminar no STJ. A decisão ora combatida, portanto, não se reveste de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, únicas situações em que a Jurisprudência desse Colendo STF tem admitido o afastamento excepcional do óbice expresso na Súmula 691. 4. As alegações formuladas pelos impetrantes, neste último writ, revelam conhecimento que vai além da informação veiculada pela imprensa, estando a indicar, como disse o magistrado em suas informações, que “devem ... revelar como tiveram conhecimento de tais novos detalhes, se nem mesmo a reportagem fornece essas MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 2 HC Nº 95009-4/130 - SP informações, salvo quanto “já ter contratado espiões particulares” o primeiro paciente (tudo conforme notícia da imprensa)”. E tal conduta constitui crime. 5. Correta a afirmação do magistrado singular: “A generalidade da questão poderia ensejar, no futuro, manipulação de

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informações de interesse de quaisquer partes com o objetivo de obtenção ilícita de informações por vias indiretas.” 6. Não obstante o Estatuto da Advocacia – Lei 8906/94 – garanta ao advogado, em seu art. 7º, inciso XIV, ter vista de autos de inquérito e/ou procedimentos, tal direito não é concedido de modo irrestrito e sobre quaisquer processos ou procedimentos. Há de se ter legitimidade e esta não decorre, nem pode decorrer, de reportagem jornalística, mas de fatos e atos concretos, onde aflorem a autoridade coatora, fumus boni iuris e periculum in mora, além da necessária prova pré-constituída. 7. Parecer pelo não conhecimento do writ; se conhecido, pela denegação. EXCELENTÍSSIMO MINISTRO RELATOR 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão proferida pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima no HC n.º 107.514 (fls. 319/320 do apenso 2), que indeferiu pedido de liminar formulado naqueles autos. 2. O paciente impetrou habeas corpus perante o TRF/3ª Região buscando ter acesso a suposta investigação em curso em uma das Varas Federais em São Paulo. Tal pedido teve como ponto de partida notícia publicada no jornal “Folha de São Paulo”, edição de 26/04/08, onde constou que o paciente seria alvo de investigações pela Polícia Federal, pela prática de “crimes financeiros”, “o que poderia culminar, inclusive, na sua prisão e de outras pessoas” (fls. 84/86 do apenso 1). MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 3 HC Nº 95009-4/130 - SP 3. Diante do indeferimento da liminar no TRF/3ª Região, a defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, onde também foi negado o pedido cautelar, pelo ilustre Ministro Arnaldo Esteves Lima, que menciona, verbis: “A liminar ou o salvo conduto pressupõem, como se sabe, para o seu deferimento, a existência ou iminência da prática de coação ilegal, em detrimento da liberdade, imediata ou mediata, conforme o caso, da locomoção, do ir, vir, ficar, etc., de alguém. Em suma, a ameaça de violência ou coação à liberdade, a que se refere a garantia fundamental do art. 5º, LXVIII, deve se revelar objetiva, iminente, plausível, não apenas hipotética, subjetiva, possível, valendo relembrar, no ponto, ensinamento doutrinário, a propósito do mandado de segurança, segundo o qual, em sua feição preventiva, o mesmo não tem cabimento contra o chamado "ato de hipótese", esta diretriz vale, mutatis mutandis , para o habeas corpus, também. O contexto de fato, pelo menos nesta fase inicial, não indica a presença de motivação convincente, a justificar o deferimento do "salvo conduto", o qual fica, assim, indeferido.” (fl. 320, do apenso 2 - grifos do original). 4. Voltando-se contra essa decisão, a defesa do paciente impetra este habeas corpus, alegando, em síntese: (1) que o decisum combatido reconheceu o fumus boni iuris, mas negou o periculum in mora, aplicando a Súmula 691/STF, o que não pode prevalecer; (2) que o

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entendimento de que a matéria jornalística não constitui prova suficiente para a concessão de salvo conduto contraria “a natureza das coisas, a lógica que envolve o trabalho jornalístico”, sendo evidente a ameaça de prisão do paciente; (3) que é inaceitável opor sigilo à defesa, pois a imprensa, “não se sabe por quem” (fl. 13), teve acesso ao teor da investigação em que se funda a reportagem. 5. À fl. 24, foram solicitadas informações ao r. Juízo da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo. Estas foram remetidas por fax ao gabinete do ilustre relator, após os autos estarem na Procuradoria- Geral da República, vindo, em seguida, ao nosso gabinete. (doc. nº 1, em anexo) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 4 HC Nº 95009-4/130 - SP É o relatório. 6. Como visto, este HC volta-se contra decisão que indeferiu liminar no HC n.º 107.514, em curso no Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o andamento processual constante do sítio eletrônico daquela Corte, o feito ainda não foi julgado. Cumpre notar que o referido HC, por seu turno, combate indeferimento de liminar no âmbito do TRF/3ª Região. 7. Consoante o mandamento expresso da Súmula 691 desse Eg. Tribunal, a presente ordem não deve ser conhecida, pois a apreciação deste writ, sem que haja o prévio julgamento do mérito pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Regional Federal, macula a ordem dos processos nos Tribunais Superiores – haveria julgamento per saltum, o que é inadmissível. 8. Em decisão recente, proferida no HC n.º 92.989/AC (publicação no DJE em 21/02/2008), o Ministro Celso de Mello destacou que apenas a situação de flagrante ilegalidade ou abuso de poder teria o condão de afastar a incidência da Súmula 691 e, ainda, que a jurisprudência dessa Corte “repele a possibilidade jurídico-processual de determinado Tribunal vir a ser prematuramente substituído pelo Supremo Tribunal Federal”. Essa tem sido a linha de entendimento manifestada em diversos julgados dessa Corte. 9. Por essa razão, cumpre verificar se o ato ora combatido implica em flagrante ilegalidade ou abuso de poder, o que justificaria, de modo excepcionalíssimo, o afastamento da Súmula 691/STF. 10. Este habeas corpus, assim como os outros dois impetrados anteriormente, têm por base a notícia publicada no jornal MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 5 HC Nº 95009-4/130 - SP “Folha de São Paulo”, em 26/04/08, que revelaria a existência de uma investigação sigilosa contra os pacientes, a partir de dados de um disco rígido obtidos por suposta “manobra jurídica”. 11. De acordo com a defesa, haveria grave risco de prisão dos pacientes, tendo em vista os fatos noticiados na reportagem em referência. Os impetrantes também alegam “haver dificuldade no acesso à investigação policial”.

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12. A reportagem questionada, contudo, não traz nenhum dado objetivo que justifique o deferimento de salvo conduto em favor dos pacientes, pois não há – como bem ressaltou o Ministro Arnaldo Esteves Lima, sequer periculum in mora ou a indicação precisa da autoridade coatora. De outro lado, a se admitir habeas corpus com base em notícias de imprensa estar-se-á admitindo, por conseqüência, manipulações e subjetivismos, incompatíveis com este remédio heróico. Se o mandamus não se compadece de dilação probatória, porque lhe é inerente prova préconstituída, muito mais não se compadece de impetração sem impetrado ou de autoridade coatora inexistente. 13. De outro lado, no primeiro habeas corpus, requerido perante a Corte Regional Federal, os impetrantes, como menciona o magistrado, “sequer fizeram constar que haveria inquérito policial instaurado contra os pacientes, muito menos deste (autos nº 2007.61.81.001285-2), e tampouco que tinha sido distribuído a esta 6ª. Vara Criminal.” (p. 2, das informações anexas). 14. Verifica-se, portanto, que os impetrantes, a cada nova impetração contra a última liminar indeferida, agregam novos dados e informações, tudo a partir de uma reportagem de jornal, fazendo uma instrução inadmissível. Afora isso, pretendem uma decisão liminar satisfativa, sem que as instâncias anteriores tenham apreciado o mérito do pedido. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 6 HC Nº 95009-4/130 - SP 15. No ponto, são informações da r. Autoridade singular, que evidenciam a inexistência dos requisitos para o conhecimento deste habeas corpus e muito menos o seu deferimento (fls. 3/7): “Ora, a existência eventual de informações de cunho estritamente sigiloso pode ensejar manipulação de informações de interesse de quaisquer partes com o objetivo de obtenção ilícita de informações por vias indiretas. Nesse diapasão forma as informações prestadas junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região por este magistrado e por outro do Fórum Criminal, titular da 9ª Vara, Hélio Egydio de Matos Nogueira, e acabaram por acarretar nova reflexão da Desembargadora Federal Cecília Mello que textualmente reviu sua própria decisão. A propósito, as informações prestadas por este juízo na ocasião foram no seguinte sentido: 'Vossa Excelência solicitou informações de todas as Varas Criminais da Subseção Judiciária Federal de São Paulo, não apenas do juízo impetrado (que, conforme apontado no tópico da solicitação, figuraria apenas o da 2ª Vara Federal Criminal), mas a 5ª Vara, bem como '...às demais Varas de São Paulo/Capital especializadas em matéria penal', ressalvando, quanto a estas, o devido sigilo. O Habeas Corpus interposto pelos impetrantes tem por lastro informação de determinado veículo de imprensa, ou melhor, uma determinada matéria jornalística, que revelaria a existência de uma investigação sigilosa, em curso, contra o primeiro paciente, a partir de

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dados de um disco rígido obtidos por suposta 'manobra jurídica'. A solicitação, mediante Habeas Corpus baseado num suposto vazamento de informação sigilosa, remete-se a expediente semelhante impetrado por um determinado advogado que, tendo tomado conhecimento da possível existência de procedimento contra seu cliente, teria questionado as Varas Criminais acerca da sua existência. Naquela ocasião, este magistrado decidiu: '...No que tange os procedimentos sigilosos, não há como atender ao requerente diante da própria natureza das eventuais diligências em curso pois, do contrário este juízo estará violando norma penal proibitiva em evidente ofensa ao art. 10 da Lei nº 9.296, de 24.07.2006, e ao próprio dispositivo citado pelo peticionário (art. 7º, XIII, da Lei nº 8.906, de 04.07.1994). Com relação aos feitos sem sigilo, diante da sua inexistência com relação ao requerente, caberá dirigir-se ao distribuidor, onde poderá obter a certidão negativa da Justiça Federal. Isto colocado e cuidando de requerimento genérico. INDEFIRO o pedido. Intime-se e arquive-se' (j. 11.11.2004). MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 7 HC Nº 95009-4/130 - SP Foi interposto Mandado de Segurança nº 2004.03.00.066217-6, cuja Relatora foi a Desembargadora Federal Vesna Kolmar, que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do C.P.C.. De fato, s.m.j., o presente writ parece mais uma tentativa na tomada de conhecimento prévio de feitos eventualmente sigilosos, causando certa perplexidade diante da imposição legal do segredo. Com efeito, o artigo da lei citado (artigo 10 da Lei nº 9.296, de 24.07.2006), o Código Penal (artigos 153, § 1º – A e 154), bem ainda a Resolução nº 589, de 29.11.2007, do Conselho da Justiça Federal (artigo 5º) deixam claro a obrigação do magistrado na preservação do sigilo sob pena de incidência criminal. A falta de concretude para o embasamento do Habeas Corpus resta claro a medida que sequer se sabe ao certo a real autoridade coatora, sendo de nota que a persistir o argumento genérico de violação de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com base em suposta matéria jornalística, demandaria a prestação de informações de todas as Varas Criminais existentes nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. A generalidade da questão poderia ensejar, no futuro, manipulação de informações de interesse de quaisquer partes com o objetivo de obtenção ilícita de informações por vias indiretas. Ora, se ilegalidade existir, esta deverá, se o caso, ser objeto de manifestação jurisdicional no momento oportuno e com a via adequadamente eleita, apontando-se a real autoridade coatora. Vossa Excelência solicita informações 'resguardando-se o devido sigilo', dando ensejo a todo tipo de interpretação quanto à possibilidade de revelação ou não de informações, textualmente nominada pelo legislador, como sigilosa, criando um sentimento de perplexidade deste

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magistrado diante da gravidade, não do teor da matéria jornalística (que deverá ser objeto, se o caso, de futura apreciação judicial), mas da tentativa transversa de obtenção de informações de procedimentos sob sigilo. Expresso, ainda, a Vossa Excelência que, em assim agindo, não pretendo de modo algum imiscuir-me, em questões que refogem à minha atividade jurisdicional, mas como forma de suscitar a análise de um tema que a todos interessa, subjacendo à questão envolvida, neste momento, o interesse público, diretamente, e o direito à defesa, indiretamente.' Como se percebe, a atuação dos impetrantes pode configurar tentativa de obtenção de informações de eventuais procedimentos sob sigilo (não apenas de inquérito policial, como curiosamente afirma), além mesmo da própria matéria jornalística. Qualquer informação sigilosa deste magistrado ou de qualquer outro implicaria na violação indevida com possibilidade de responsabilização.” MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 8 HC Nº 95009-4/130 - SP 16. Afora isso, não há, no caso, ameaça de violência ou coação iminente à liberdade demonstrada de modo objetivo ou, no mínimo, plausível. Tal situação, por certo, não recomenda a concessão da ordem, porque o inciso LXVIII do art. 5º da CF é claro ao dispor que o habeas corpus será concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nenhuma dessas hipóteses está configurada nestes autos. 17. Ora, se o deferimento de habeas corpus é incabível nesse contexto, muito mais se justifica, de conseguinte, o indeferimento da liminar no STJ. Não há como, na hipótese, superar o óbice expresso na Súmula 691. 18. No dizer da r. 2ª Turma dessa Egrégia Corte Suprema: “Competência criminal. Habeas Corpus. Impetração contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido ao STJ, indeferiu liminar. Não ocorrência de flagrante constrangimento ilegal. Não conhecimento. Aplicação da Súmula 691. Em princípio, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere liminar, se o caso não é de flagrante constrangimento ilegal.” (HC 93097/SP, Rel. Ministro Cézar Peluso, DJ 24.04.2008). 19. Além disso, não havendo flagrante ilegalidade ou abuso de poder não cabe ser deferida a liminar e muito menos o mérito deste writ, data venia. 20. Como ressaltou o juízo de origem nas informações encaminhadas a essa Corte, “a atuação dos impetrantes pode configurar tentativa de obtenção de informações de eventuais procedimentos sob MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 9

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HC Nº 95009-4/130 - SP sigilo (não apenas de inquérito policial, como curiosamente afirma), além mesmo da própria matéria jornalística”. 21. Não obstante o Estatuto da Advocacia – Lei 8906/94 – garanta ao advogado, em seu art. 7º, inciso XIV, ter vista de autos de inquérito, tal direito não é concedido de modo irrestrito e sobre quaisquer processos ou procedimentos. Há de se ter legitimidade e esta não decorre, nem pode decorrer, de reportagem jornalística, mas de fatos e atos concretos, onde aflorem a autoridade coatora, fumus boni iuris e periculum in mora, além da necessária prova pré-constituída. 22. Não é o caso dos autos! 23. Assim, conclui-se que qualquer ilegalidade vislumbrada pela defesa poderá ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário no momento oportuno e por meio da via própria, apontando-se de modo objetivo a autoridade coatora. 24. Ex positis, o parecer é pelo não conhecimento do habeas corpus; se conhecido, pela denegação. Brasília, 07 de julho de 2008. Wagner Gonçalves Subprocurador-Geral da República (Portaria PGR nº 522, 27/09/2005)

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ANEXO C - Íntegra da decisão pelo deferimento de medida cautelar em habeas corpus pelo Ministro Gilmar Mendes. MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 95.009-4 SÃO PAULO RELATOR : MIN. EROS GRAU PACIENTE(S) : DANIEL VALENTE DANTAS PACIENTE(S) : VERÔNICA VALENTE DANTAS IMPETRANTE(S) : NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO E OUTRO(A/S) COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 107.514 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DECISÃO: Em decisão de fls. 61-71, deferi o pedido de medida liminar para permitir o acesso aos autos pelos pacientes e seus procuradores dos processos autuados sob os nºs. 2007.61.81.001285-2; 2008.61.81.008936-1; e 2008.61.81.008919-1, em curso perante a 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo. Requisitei, ainda, ao Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo, cópia da decisão que decretou a prisão temporária dos pacientes e as correspondentes medidas de busca e apreensão, assim como outras informações que entendesse pertinentes. Comunicada a decisão ao Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo (fls. 74-79), as informações foram prestadas pelo Juiz Federal em Plantão Judiciário (fls. 81-83), nos seguintes termos: “Inicialmente, cabe frisar que o acesso aos autos foi imediatamente garantido em plantão, nos termos da decisão liminar de Vossa Excelência, sendo certo que até o presente momento não houve comparecimento de qualquer procurador ou advogado constituído. Tendo em vista a grande quantidade de volumes e apensos, bem como a complexidade do processo, não é possível, ao menos de imediato, a prestação das informações por Juiz de Plantão, razão pela qual entrei em contato com Juiz natural Dr. Fausto De Sanctis o qual comunicou-se com a Presidente do Tribunal Regional Federal da Terceira Região que, por sua vez, comprometeu-se a entrar em contato direto com o Supremo Tribunal Federal. Além disso, o referido Juiz natural do feito se prontificou em prestar as informações na primeira hora do dia 10 de julho de 2008, já que é feriado estadual, estando a Justiça Federal funcionando em regime de plantão. De toda sorte, encaminho, desde já, a íntegra da decisão por meio

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eletrônico. A transmissão via fac-símile é inviável em virtude da mesma contar com elevado número de laudas (175 folhas). Informo que na data de ontem, ou seja, em 08 de julho, foi deferida pelo Juiz Titular da 6ª Vara Federal Criminal, Dr. Fausto Martin De Sanctis, aos advogados constituídos que compareceram em Secretaria, a entrega de uma cópia de excerto da decisão relativa as prisões e buscas e apreensões, conforme certidão cuja segue, também em meio eletrônico. A íntegra da decisão e o acesso irrestrito aos autos não foi garantido de pronto, na medida em que alguns endereços constantes da referida decisão e, consequentemente dos autos, continham endereços ainda não diligenciados. Portanto, entendeu-se que a ciência de tais diligências pudesse prejudicar sua realização. Por outro lado, o acesso ao excerto da decisão, do qual não constaram endereços ainda não diligenciados poderia garantir a ampla defesa e propiciar eventual insurgência junto aos Tribunais. Sendo estas as informações que reputo cabíveis, sem prejuízo do envio de outras pelo Juiz natural do feito amanhã pela manhã, consigno protestos de elevada estima e consideração, me colocando a disposição para maiores esclarecimentos que Vossa Excelência entender pertinentes” (fls. 82/83). O Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo também enviou a este Tribunal documentos constantes dos processos autuados sob os nºs. 2007.61.81.001285-2; 2008.61.81.008936-1; e 2008.61.81.008919-1, inclusive o decreto de prisão temporária dos pacientes, os quais foram juntados aos autos deste habeas corpus. Assim, os elementos presentes nos autos já permitem o exame do pedido de concessão de liberdade, apresentado por meio da Petição n° 97672/2008, fundado na inexistência dos requisitos para o decreto de prisão temporária dos pacientes. Passo a decidir. Como indicado na decisão de fls. 61-71, o presente habeas corpus foi impetrado para (a) obtenção de acesso aos autos do inquérito e (b) expedição de salvo conduto que impedisse a prática de atos constritivos em desfavor dos pacientes, providências negadas em habeas corpus impetrados no Tribunal Regional Federal da 3ª Região

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e no Superior Tribunal de Justiça. Pendia o exame da liminar, nesta Corte, de parecer do Ministério Público Federal quando deflagrada a operação que culminou com a prisão temporária dos pacientes e de diversas outras pessoas, o que motivou novo requerimento dos impetrantes (Petição n° 97672/2008), reiterando o pedido de acesso aos autos do inquérito e, diante do novo quadro, a libertação dos pacientes, bem como de todos os demais funcionários/sócios/acionistas do “Opportunity Equity Partners” e do “Banco Opportunity”, conforme arrolados. Deferida, liminarmente, a consulta aos dados investigados, e devidamente recebida as informações do Juízo Federal impetrado, resta agora examinar o pedido de libertação, plenamente possível a esta Corte nos autos do mesmo habeas corpus de natureza preventiva inicialmente impetrado. A tal conclusão se chega porque o ato temido pelos impetrantes, consistente na expedição de medidas constritivas com base em investigações a cujos autos não conseguiam ter acesso, se tornou real. Nesse quadro, o writ preventivo assume, agora, caráter liberatório, indicando restar desatualizado o parecer ministerial na parte em que afirma o seguinte: “A reportagem questionada, contudo, não traz nenhum dado objetivo que justifique o deferimento de salvo conduto em favor dos pacientes, pois não há – como bem ressaltou o Ministro Arnaldo Esteves Lima, sequer periculum in mora ou a indicação precisa da autoridade coatora. De outro lado, a se admitir hábeas corpus com base em notícias de imprensa estar-se-á admitindo, por conseqüência, manipulações e subjetivismos, incompatíveis com este remédio heróico. Se o mandamus não se compadece de dilação probatória, porque lhe é inerente prova pré-constituída, muito mais não se compadece de impetração sem impetrado ou de autoridade coatora inexistente.” (fl. 38). Conforme consta da decisão do Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo, a prisão temporária dos pacientes foi decretada “como forma de se obter maiores elementos acerca do delito de corrupção

ativa, bem como dos demais delitos em averiguação”. Entendeu o Juízo Federal, dessa forma, que a prisão temporária seria “imprescindível às investigações”. Ademais, considerou-se que a prisão seria necessária para a “audiência imediata dos investigados”. Transcrevo o teor do

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decreto de prisão temporária dos pacientes: “10.2 PRISÃO TEMPORÁRIA A prisão temporária, de natureza cautelar, foi instituída pela Lei n.º 7.960, de 21.12.1989, e tem a finalidade de garantir a investigação criminal realizada por intermédio de procedimento criminal, sendo utilizada para a apuração de delitos de maior gravidade, entre estes os perpetrados contra o Sistema Financeiro Nacional e os cometidos por quadrilha ou bando. Para a sua decretação, faz-se necessária a imprescindibilidade para as investigações criminais e que o crime conste do rol de seu inciso III. A autoridade policial representou pela decretação da prisão temporária de Maria Alice Carvalho Dantas, Maria Amália Delfim de Melo Coutrin, Rodrigo Bhering de Andrade e Paulo Moisés, que estariam, em tese, vinculados a Daniel Valente Dantas. Representou, ainda, pela decretação desta medida em relação a Robert Naji Nahas, Nathalie Nahas Rifka, Toufik Hamal Rifka, Patrícia Nahas Germano, Maria do Carmo Antunes Jannini, Carmini Enrique Filho, Muriel Matalon e Andréa Luiza Miranda Michel Ferreira de Mello. O órgão ministerial manifestou-se contrariamente ao pedido em relação a esta última nominada. Já, desde o princípio das investigações, tem-se aferido que Daniel Valente Dantas voltar-se-ia, em tese, ao cometimento dos delitos, ora em averiguação, com a absoluta certeza de sua impunidade tanto é que diligentemente exerceria seu poder de mando sobre os demais investigados sem adoção de ações visíveis, porquanto se nome não consta de muitas empresas investigadas; utiliza-se de telefone com parcimônia, deixando entrever, em poucos, mas significativos diálogos, sua posição de proeminência; raramente faz uso de e-mail’s, fato por ele claramente revelado em um dos diálogos monitorados (a título ilustrativo, merece mais uma vez ser salientado sua articulação para confundir autoridade judiciária da Corte de New York na ocasião em que prestara depoimento em processo movido pelo Citibank) e, de forma evasiva, vale-se dos demais investigados, que comporiam formalmente se Grupo, cujas supostas atividades ilícitas estariam se divisando neste atual estágio de investigações. Como salientado em tópico precedente, o crime de corrupção ativa que teria sido perpretado por

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Humberto José da Rocha Braz e Hugo Chincaroni e que motivou a decretação de suas prisões preventivas, aparentemente guardaria liame com as condutas de Daniel Valente Dantas. Os vínculos desse investigado com aqueles que, aparentemente, em seu nome, oferecem e entregam à autoridade policial altas somas em dinheiro (para possivelmente afastá-lo, bem como sua irmã e outro familiar), fornecem subsídios ao juízo no sentido de que tais pessoas (Hugo e Humberto) teriam atuado sob suposta orientação do primeiro (Daniel Valente Dantas). Tal inferência, se de um lado impõe cautela na apreciação do pedido de decretação da prisão preventiva requerido pela autoridade policial e pelo Ministério Público Federal, de outro, aconselha a decretação de sua prisão temporária como forma de se obter maiores elementos acerca do delito de corrupção ativa, bem como dos demais delitos em averiguação, afigurando-se, pois a medida constritiva imprescindível às investigações. Por certo, a decretação da prisão temporária de Daniel Valente Dantas e das pessoas a ele vinculadas, como também a Naji Robert Nahas, não se justifica para simples tomada de depoimento do investigado, mas sua pertinência evidencia-se, além dos elementos acima, pela necessidade da audiência imediata dos investigados, para que seja possível confrontar com a prova já produzida e a ser obtida com a medida de Busca e Apreensão. Evita-se, com isto, destruição ou manipulação dos indícios existentes, que inviabilizaria a busca da verdade. Observo que as pessoas a seguir nominadas realizariam atividades supostamente ilícitas de interesse direto de Daniel Valente Dantas: Verônica Valente Dantas, Danielle Silbergleid Ninnio, Arthur Joaquim de Carvalho, Carlos Bernardo Torres Rodenburg, Eduardo Penido Monteiro, Dório Ferman, Itamar Benigno Filh, Norberto Aguiar Tomaz, Maria Amélia Delfim de Melo Coutrin e Rodrigo Bhering de Andrade. Estes manteriam estreitos vínculos em suas atividades diuturnas, conforme se extraiu dos monitoramentos telefônicos e telemáticos e das demais atividades desenvolvidas pelas equipes que conduzem a investigação, conferindo suporte para que seja decretada suas prisões temporárias, na forma prevista na Lei n.º 7.960, de 21.12.1989, de molde a evitar a troca de informações e a destruição da prova

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indiciária, com colheita célere de indispensáveis informações, viabilizando, desta feita, a eficácia da investigação, apesar – repise-se, de conhecimento prévio. Tais medidas sustentam-se, portanto, por existirem fundadas, razões acerca da prática dos delitos anteriormente elencados, dada a existência de vasta prova indiciária colhida no curso da presente investigação, e por não ser possível ignorar a gravidade que advém da macrocriminalidade econômica que se utiliza de mecanismos cada vez mais sofisticados para burlar o controle do Sistema Financeiro Nacional. De igual modo, devem ser decretadas as prisões temporárias de Naji Robert Nahas, Fernando Naji Nahas, Maria do Carmo Antunes Jannini, Antonio Moreira Dias Filho, Roberto Sande Caldeira Bastos, Celso Roberto Pitta de Carvalho, Carmine Enrique, Carmine Enrique Filho, Miguel Jurno Neto, Lucio Bolonha Funaro e Marco Ernest Matalon, supostamente vinculados a Naji Robert Nahas que, por sua vez, manteria aparente vínculo com Daniel Valente Dantas, fato também a ser melhor aclarado. O conjunto indiciário formado em relação a estes investigados revelaria, além de outros delitos, a existência de mercado informal de câmbio atuante, bem como de supostas remessas de valores ao exterior, sem a devida autorização das autoridades competentes, demonstrando, assim, a constatação de sérios indícios da suposta prática de crimes econômico-financeiros, sendo evidente a necessidade da presente medida cautelar, sob pena de comprometimento do sucesso da investigação criminal. A necessidade da prisão temporária de Celso Roberto Pitta de Carvalho decorre da relevância em se obter sua incontinenti versão sobre a origem dos valores que vem recebendo por meio dos demais investigados, qualificado pela autoridade policial, como fruto de corrupção. Para que as investigações tenham um bom andamento, é indispensável que os supostos autores dos delitos sejam ouvidos imediatamente para que não possam planejar e executar ações tendentes ao desfazimento de provas, impedindo, assim, o esclarecimento dos fatos. Desse modo, fica assegurado os seus isolamentos, para colheita de elementos aptos à elucidação dos crimes e quebra da cadeia de informações mantida entre alguns deles.

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Não se trata, pois, de medida midiática (como insistentemente veicula-se acerca de investigações conduzidas pela Polícia Federal), mas medida absolutamente indispensável para a apuração séria, criteriosa e circunspecta, com foco na sua eficácia. Há de se ressaltar que a decretação da prisão temporária não guarda qualquer relação com a circunstância de ter-se pretendido a todo custo obter informações do Poder Judiciário, após notícia veiculada em 26.04.2008 em jornal de grande circulação, sobre uma suposta investigação sigilosa em curso em face de sua pessoa, até porque compreensível. Portanto, existindo fundados indícios de que tais pessoas tenham participação nos fatos delituosos e pelos motivos já expostos, decreto suas prisões temporárias, pelo prazo de 05 (cinco) dias, com fundamento no art. 1º, incisos I e III, alíneas ‘l’ e ‘o’, da Lei nº 7.960, de 21.12.1989, observando-se o artigo 3º da Lei retro citada” (grifamos) O art. 1º da Lei n° 7.960, de 21.12.1989, prescreve que caberá prisão temporária: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso; b) seqüestro ou cárcere privado; c) roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante seqüestro; f) estupro; g) atentado violento ao pudor; h) rapto violento; i) epidemia com resultado de morte; j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; l) quadrilha ou bando; m) genocídio; n) tráfico de drogas; o) crimes contra o sistema financeiro. O § 2º do art. 1º da Lei n° 7.960/89 estabelece que “o despacho que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentado”. No caso em exame, a fundamentação utilizada pelo decreto de prisão temporária – indubitavelmente a espécie mais agressiva de prisão cautelar – não é suficiente para justificar a restrição à liberdade dos pacientes. Com efeito, não se pode decretar prisão temporária com base na mera necessidade de oitiva dos investigados, para fins de instrução processual. O interrogatório constitui ato normal do inquérito policial, em regra levado a efeito com o investigado solto, ante a

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garantia fundamental da presunção de inocência. Nesse ponto, ressalto que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, prisão com a exclusiva finalidade de interrogatório dos investigados, providência que, grosso modo, em muito se assemelha à extinta prisão para averiguação, que grassava nos meios policiais na vigência da ordem constitucional pretérita. Quanto ao pretendido confronto da prova que vier a ser obtida pela medida de busca e apreensão com o depoimento dos investigados, nada consta da decisão que justifique a necessidade de acontecer de imediato. Colhida a prova, poderá a mesma ser confrontada a qualquer tempo, não só com os interrogatórios, como com qualquer outro elemento anterior ou posteriormente coligido na investigação, o que independe do encarceramento decidido pelo juízo de primeiro grau. Evidencia-se, assim, uma patente violação a direitos individuais dos pacientes, caracterizada não apenas pela ausência de justa causa para a prisão temporária, decretada pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo, mas, principalmente, pela manutenção da restrição à liberdade dos pacientes frente ao atual contexto fático. Com efeito, ainda que justificável a prisão temporária decretada, é certo que, no contexto atual, sua manutenção se revela totalmente descabida, nisso considerando-se o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial, suficiente para que todos os elementos de prova buscados fossem recolhidos. A propósito, observese o teor do ofício 176/2008 – STG, encaminhado hoje, às 12:24, pelo Delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz ao juiz da 6ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de São Paulo, dando conta de que apenas dois mandados de busca e apreensão pendiam de cumprimento. A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5o), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância. O constituinte reconheceu, ainda, que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da

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continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais. E no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, talvez não haja qualquer exagero na constatação de que esses direitos cumprem um papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de direito. Como observa Martin Kriele, o Estado territorial moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do país – por exemplo, empresas e sindicatos –, por outro, deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição, aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado - Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado

Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150). O estado absolutista e os modelos construídos segundo esse sistema (ditaduras militares, estados fascistas, os sistemas do chamado “centralismo democrático”) não se mostram aptos a resolver essa questão. Segundo ressalta Kriele: “(...) A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e com o totalitarismo. Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição soviética de 1936 garante a `inviolabilidade da pessoa´. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição da União Soviética diz, mas adiante, que `a detenção requer o consentimento do fiscal do Estado´. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mas tão-somente uma autorização ao fiscal do

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Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar as instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes, o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação da `inviolabilidade da pessoa´ não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag; ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos. (Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del Estado. cit., p. 160-161) A solução do dilema – diz Kriele – consiste no fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos. Todavia, adverte Kriele, “sem divisão de poderes e em especial sem independência judicial isto não passará de uma declaração de intenções”. É que, explicita Kriele, “os direitos humanos somente podem ser realizados quando

limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está

baseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui a

defesa dos direitos humanos”. (KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p.150) Nessa linha ainda expressiva a conclusão de Kriele: “Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito. Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outros direitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a

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competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência. Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição (g.n)”. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p. 159-160. Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem constitucional como um todo. Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial! Não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. (Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18) Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária: “A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de

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guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law).” (BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98) Em verdade, tal como ensina o notável mestre italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie. Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin, também compreendo que a diferença entre um Estado totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão provisória. Registrem-se as palavras do professor Roxin: "Entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente. A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estadocidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão.Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário." (ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores del Puerto; 2000, p. 258) Nessa linha, sustenta Roxin que o direito

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processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental. (Cf.ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10). A prisão provisória é medida excepcional que, exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos consistentes e individualizados com relação a cada um dos cidadãos investigados (CF, art.93,IX e art. 5o, XLVI). A idéia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões provisórias. Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF, art. 5o, §1o). A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter criminal. Em nosso Estado de Direito, a prisão provisória é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos. No caso concreto, visualiza-se que a manutenção da prisão temporária tem por escopo a premissa de que a custódia dos pacientes será imprescindível para a regularidade dos trabalhos investigatórios, assim como para a imediata colheita de seus depoimentos. Resulta claro que a prisão temporária há que ser embasada em decisão judicial devidamente fundamentada nas hipóteses previstas no art. 1º da Lei n° 7.960/89. Como se observa, o provimento cautelar vincula-se à demonstração prévia de seus pressupostos, quais sejam, a plausibilidade do direito subjetivo invocado e a urgência da pretensão cautelar. Abre-se, portanto, a esta Corte, a via para o deferimento da medida liminar reparadora do estado de constrangimento ilegal causado pelas decisões das instâncias inferiores, ainda que essas tenham sido proferidas monocraticamente (não conhecimento da causa ou indeferimento de liminar, casos em que se possibilita o afastamento da Súmula no 691 do STF). Logo, vislumbro patente situação de constrangimento ilegal apta a afastar a aplicação da Súmula no 691/STF para admitir o cabimento deste pedido, nos termos dos precedentes firmados por esta Corte (cf. HC no 85.463/RJ, Rel. Carlos Britto, 1ª Turma, unânime, DJ de 10.2.2006; HC no 84.345/PR, Rel. Joaquim Barbosa, 2ª Turma,

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unânime, DJ de 24.3.2006; e HC no 87.353/ES, de minha relatoria, 2ª Turma, unânime, julgado em 7.11.2006). Pelo exposto, conclui-se: a) o conhecimento do pedido de liberdade por esta Corte se mostra possível em virtude da conversão da natureza do presente writ, de preventivo para liberatório; b) não há fundamentos suficientes que justifiquem o decreto de prisão temporária dos pacientes, seja por ser desnecessário o encarceramento para imediato interrogatório, seja por nada justificar a providência para fins de confronto com provas colhidas; c) ainda que tais fundamentos fossem suficientes, o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial indica a desnecessidade da manutenção da custódia temporária para garantir a preservação dos elementos probatórios. Nesses termos, defiro o pedido de medida liminar para que sejam suspensos os efeitos do decreto de prisão temporária expedido pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo nos autos dos processos nºs. 2007.61.81.001285-2; 2008.61.81.008936-1; e 2008.61.81.008919-1, no que se refere aos pacientes e às demais pessoas arroladas no pedido de extensão protocolizado nesta Corte sob nº 97.672. Deixo, porém, de analisar a possibilidade de extensão pretendida na referida petição para Maria Alice Carvalho Dantas e Humberto José Rocha Braz, por não estarem abrangidos pelo decreto de prisão temporária. Expeçam-se os alvarás de soltura em favor de: 1) Daniel Valente Dantas; 2) Verônica Valente Dantas; 3) Daniele Silbergleid Ninnio; 4) Arthur Joaquim de Carvalho; 5) Carlos Bernardo Torres Rodenburg; 6) Eduardo Penido Monteiro; 7) Dório Ferman; 8) Itamar Benigno Filho; 9) Norberto Aguiar Tomaz; 10) Maria Amália Delfim de Melo Coutrin; 11) Rodrigo Bhering de Andrade. Comunique-se com urgência. Junte-se aos autos a Petição n° 97672/2008. Após, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 9 de julho de 2008. Ministro GILMAR MENDES

Presidente (art. 13, VIII, RI-STF)

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ANEXO D – Matéria 1 08/07/2008 09:21 PF prende Celso Pitta, Daniel Dantas e Naji Nahas Operação Satiagraha da PF prendeu 17 acusados de fazer parte de uma quadrilha que teria cometido crimes financeiros Redação Época A Polícia Federal prendeu nesta terça-feira (8) o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, e o empresário Naji Nahas, acusados de comandar uma quadrilha que teria cometido crimes financeiros. Eles serão mantidos em celas separadas na sede da PF de São Paulo. Além dos três, outras 14 pessoas foram presas e sete suspeitos ainda estão sendo procurados. A operação aconteceu na manhã desta terça-feira (8), em Brasília, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, por acusações como sonegação fiscal, formação de quadrilha, evasão de divisas, corrupção e lavagem de dinheiro. A PF também cumpre 56 mandados de busca e apreensão. A PF informou que eles foram presos na operação Satiagraha, que investiga desdobramentos do caso do mensalão, o esquema de pagamento de propinas a deputados para que votassem a favor do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a PF, a operação tem como base informações repassadas pelo Supremo Tribunal Federal à Procuradoria da República no Estado de São Paulo. A investigação começou a partir da descoberta de uma organização criminosa, comandada por um banqueiro que, de acordo com a PF, praticava diversos crimes, "principalmente desvio de verbas públicas", por meio de empresas de fachada. O banqueiro em questão seria Dantas. SAIBA MAIS Além de Dantas, tiveram a prisão decretada o vice-presidente do Opportunity, Carlos Rodemburg, a irmã de Dantas, Verônica Dantas, e outras oito pessoas ligadas a ele: Daniele Ninio, Arthur Joaquim de Carvalho, Eduardo Penido Monteiro, Dorio Ferman, Itamar Benigno Filho, Norberto Aguiar Tomaz, Maria Amália Delfim de Melo Coutrin e Rodrigo Bhering de Andrade. De acordo com o Ministério Público Federal, esse grupo movimentou ilegalmente quase US$ 2 bilhões entre 1992 e 2004 por meio do Opportunity Fund, uma empresa offshore nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal no Caribe. A primeira investigação levou à descoberta de um segundo grupo, que seria comandado por Nahas. Este grupo, formado por empresários e doleiros, atuava de forma interligada com a primeira quadrilha. No mercado financeiro, graças ao recebimento de informações privilegiadas, cometiam fraudes para "lavar" o dinheiro obtido nos negócios da primeira quadrilha. Deste grupo foram decretadas as prisões de Fernando Nahas, filho de Naji, Maria do Carmo Antunes Jannini, Antonio Moreira Dias Filho, Roberto Sande Caldeira Bastos, Carmine Enrique, Carmine Enrique Filho, Miguel Jurno Neto, Lúcio Bolonha Funaro e Marco Ernest Matalon. Celso Pitta foi preso pois, segundo o MPF, era cliente dos doleiros e teve operações ilegais interceptadas pela PF. O MPF e a PF pediram também a prisão do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado federal (PT-SP), pela participação na organização de Daniel Dantas, mas o juiz federal Fausto de Sanctis entendeu que não havia provas suficientes contra ele. Prisão

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A PF divulgou imagens da prisão de Celso Pitta, em São Paulo. No vídeo, o ex-prefeito, ainda de pijamas, abre a porta de sua casa e se depara com uma delegada da PF, que comunica a prisão. Em seguida, vários agentes federais entram na casa do político para cumprir o mandado de busca e apreensão. A defesa de Celso Pitta ainda não se pronunciou. Nélio Machado, advogado de Daniel Dantas, criticou a prisão de seu cliente, que segundo ele é um "homem de bem". Ao jornal O Estado de S.Paulo, Machado afirmou que a prisão de Dantas teria sido "arquitetada por vingança" já que o empresário teria associação com uma gestão política anterior da Prefeitura de São Paulo. Ainda segundo ele, Dantas ficou "estigmatizado" pela Polícia Federal. Dantas O banqueiro Daniel Dantas é o fundador do grupo Opportunity e é famoso por sua associação com o Citigroup, terceiro maior banco dos Estados Unidos, para a compra da Brasil Telecom, durante as privatizações do setor de telecomunicações, na década de 1990. Após a compra da empresa, Dantas iniciou, em 2001, uma longa batalha jurídica com a Telecom Italia e o fundo de pensões Previ, parceiros na negociação. Em 2004, Dantas foi investigado pela operação Chacal da Polícia Federal, e acabou indiciado por ordenar espionagem contra funcionários do governo, em uma tentativa de garantir a continuidade do Opportunity como sócio da Brasil Telecom. Em 2005, Dantas voltou ao noticiário por ter, supostamente, participado do esquema de caixa 2 montado pelo PT, que deu origem ao mensalão, e por ter pagado propina para receber facilidade do governo Lula. Pitta Celso Pitta foi prefeito de São Paulo entre 1997 e 2000. Apadrinhado político do deputado Paulo Maluf (PP-SP), foi acusado durante seu governo de participar de um esquema de corrupção de venda de títulos públicos para pagar precatórios, documentos expedidos pela Justiça que determinam o pagamento de dívida da União, dos estados ou municípios, por meio de inclusão do valor do débito no orçamento do ano seguinte. Pitta negou as irregularidades, mas acabou condenado pela Justiça a devolver R$ 1,3 milhão aos cofres da Prefeitura de São Paulo. Nahas O investidor libanês Naji Nahas ganhou notoriedade por ter sido acusado de ser um dos responsáveis pela quebra da bolsa de valores do Rio de Janeiro, em 1989. Ele chegou a ser condenado a 24 anos de prisão, mas em 2005 acabou inocentado. Em 2007, Nahas iniciou uma disputa jurídica com a BM&F Bovespa, herdeira da bolsa do Rio, e briga por uma indenização por danos morais e materiais de R$ 10 bilhões.

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ANEXO E – Matéria 2 Prisão ou palhaçada? ter, 08/07/08 por gfiuza | categoria Sem categoria | tags Justiça A Polícia Federal está conduzindo mais uma investigação importante para o país. O maior inimigo dessa investigação é… A Polícia Federal. É o seu maior inimigo porque é espetaculosa e covarde. Como sempre, teve pressa em decretar prisões precoces, dificilmente sustentáveis numa fase tão inicial do processo. É a tentação de ganhar os holofotes com Celso Pitta, Daniel Dantas e Naji Nahas em cana – mesmo que seja uma cana efêmera, como deverá ser. Mas o abominável é filmar Celso Pitta de pijama e divulgar para todo o Brasil. É uma agressão, um escárnio, uma covardia. Se ficar provado que Pitta roubou milhões de reais do país, que seja condenado e cumpra uma pena exemplar. Isso não dá aos policiais o direito de abusar de um mandado judicial para mostrar o pijama de Celso Pitta aos brasileiros. O cidadão infrator não deixa de ser cidadão. Do contrário, como já dito aqui algumas vezes, é melhor pular a fase da humilhação e mandar logo para o microondas do Elias Maluco. Em respeito ao Estado de Direito e à dignidade dos brasileiros, os policiais que confundiram prisão com humilhação devem ser tratados na mesma classe de Pitta: a de réus. E devem torcer para que, no caso deles, ninguém confunda processo com esculacho.

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ANEXO F – Matéria 3

Chamem o Gilberto Braga seg, 14/07/08 por gfiuza | categoria Sem categoria | tags Justiça “Fica claro que a PF trata com neutralidade aqueles que são indiciados da mesma forma em todas as classes sociais.” Esta frase não está escrita em nenhum panfleto partidário de esquerda. Ela foi dita pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que vem a ser o chefe da Polícia Federal. Isto quer dizer o seguinte, em bom politiquês: “Somos um governo popular que manda rico para a cadeia.” Para quem não tinha notado, aí está o DNA da ópera bufa da prisão de Daniel Dantas. Um espetáculo ideológico. Podem ficar certos: é uma investigação ainda precária, que precisaria avançar mais em sigilo para realmente alcançar sua finalidade. Essa divulgação espalhafatosa e precoce é tudo o que um investigado pode querer. Dá-lhe a chance de se proteger melhor, numa fase em que ainda não há elementos suficientes para condená-lo. A própria nota oficial da Polícia Federal sobre a Operação Satiagraha (criatividade não falta ao FBI brasileiro) não é coisa de gente séria. Não há nela uma só informação que preste, só literatura de grêmio estudantil: “Os policiais apuraram a existência de uma grande organização criminosa, comandada pelo empresário Daniel Dantas, envolvida com a prática de diversos crimes.” Já podem ajudar o Gilberto Braga na próxima novela. O que esses policiais noveleiros fizeram foi amontoar uma série dessas operações jurídico-financeiras que ocorrem na penumbra no Brasil – como os bailes que os bancos dão no Imposto de Renda, por exemplo, e o governo popular não está nem aí – e tacar-lhes o carimbo espetaculoso de “grande organização criminosa”. Curiosamente, Marcos Valério, o homem que operou o lado mais sujo desses dutos (a compra de poder político na alta esfera da República) está assistindo a tudo no “Jornal Nacional”, refestelado na poltrona. Deve estar dizendo, como o resto dos brasileiros: “Esse Daniel Dantas é o fim da picada”. Anotem: uma investigação que poderia ser séria e importante para o Brasil foi transformada em estandarte ideológico, para mostrar em programa eleitoral banqueiro indo em cana. Resumindo: se Dantas for culpado e escapar impune, os maiores culpados serão Tarso Genro e a Polícia Federal. Quem vai processá-los?

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ANEXO G – Matéria 4 15/07/2008 19:37 Delegado da Operação Satiagraha pede afastamento do caso Protógenes Queiroz teria sido vítima de tentativa de suborno do braço direito de Dantas. Ele pediu afastamento do caso para fazer um curso Redação Época O delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, coordenador da Operação Satiagraha, pediu afastamento do inquérito. De acordo com a PF, Queiroz está matriculado em um curso superior de polícia desde março. Na segunda, começa a fase presencial do curso, em Brasília, e por isso teria de se ausentar do posto durante 30 dias. No entanto, ele já pediu para deixar o caso depois de finalizado o curso. Os delegados Karina Murakami Souza e Carlos Eduardo Pellegrini, que também haviam pedido afastamento, foram convencidos pela PF a voltar ao caso. A ação da Polícia Federal prendeu 24 pessoas, entre elas o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Todos são acusados de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e corrupção. Em reunião realizada na última segunda-feira (14), o presidente Lula e os ministros da coordenação política avaliaram que a Operação Satiagraha foi exitosa, dentro da legalidade, mas cometeu excessos na divulgação da operação. Suborno Humberto Braz, o braço direito do banqueiro Daniel Dantas, se entregou à PF no último domingo (13). Ex-presidente da Brasil Telecom, ele estava foragido desde o início da operação Satiagraha, na madrugada do dia 8. Braz é acusado de tentar subornar um delegado envolvido na operação para retirar o nome de Dantas e de seus familiares do processo. Em depoimento nesta terça-feira (15), ele permaneceu calado. Hugo Chicaroni, também preso na operação da PF, confessou a tentativa de suborno e continua preso na Polícia Federal.

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ANEXO H – Matéria 5 16/07/2008 18:35 Lula critica afastamento de delegado da Operação Satiagraha O presidente ficou irritado com especulações de que Protógenes Queiroz teria deixado o comando das investigações por pressão da Polícia Federal Da Redação O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, na tarde desta quarta-feira (16), que o delegado federal Protógenes Queiroz, responsável pela Operação Satiagraha permaneça no caso para que não haja insinuação de que ele deixou o comando da operação por ter sido pressionado. "Moralmente, esse cidadão [o delegado] tem que ficar no cargo até terminar o relatório. A não ser que ele não queira. O que não pode é passar insinuações", disse o presidente. Em tom de crítica, o presidente ainda afirmou que Protógenes Queiroz passou quatro anos à frente das investigações do caso e que não poderia abandoná-lo justamente no momento de indiciar os acusados. Já o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que a saída do delegado não irá prejudicar as investigações. Independente de ele [o delegado Protógenes Queiroz] ter cometido, aqui ou ali, um eventual erro, que será avaliado por seus superiores, o inquérito foi bem feito, com boa estrutura probatória e já está praticamente pronto”, afirmou Tarso. O ministro afirmou que as investigações vão continuar a novos inquéritos podem ser abertos, se necessário. Tarso fez questão de afirmar que a que o delegado Queiroz deixou o inquérito por vontade própria e disse não acreditar em constrangimento. O delegado Protógenes Queiroz afastou-se da Operação Satiagraha, nesta terça-feira (15) para fazer um curso, segundo informou a assessoria de imprensa da Polícia Federal. Porém, existem informações de que o delegado deixou as investigações por pressão da cúpula da PF.

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ANEXO I – Matéria 6 18/07/2008 21:11 Um tira fora de controle O delegado que prendeu Daniel Dantas tem fama de competente e corajoso, mas costuma se meter em confusão por não confiar nos colegas da polícia Rodrigo Rangel e Mariana Sanches

DESCONFIADO O delegado Protógenes Queiroz na coletiva de imprensa sobre a Operação Satiagraha. O vazamento de informações foi um dos motivos que levaram a direção da PF a querer retirá-lo das investigações Academia Nacional de Polícia Federal, Brasília. O ano é 2003. Protógenes Queiroz entra na sala de aula. Ali, diante de dezenas de delegados recém-concursados, ele é o professor. Fora convidado pela direção da academia para ensinar sobre crime organizado. Protógenes começa sua aula inaugural contando uma história maluca, repleta de personagens estranhos. As várias histórias dentro da história não se encaixam. Os alunos se entreolham, perdidos. Até tentam, mas mal conseguem anotar o que conta o professor. O enredo finalmente chega ao fim, mas a confusão não. O professor, então, pergunta: “Entenderam?”. A resposta vem num uníssono: “Não!”. Até que Protógenes finalmente revela a intenção de sua tortuosa narrativa: “O crime organizado é assim, feito para vocês não entenderem”. O delegado que comandou a Operação Satiagraha, prendeu por duas vezes o banqueiro Daniel Dantas e pôs a República em crise é assim. Seus amigos e inimigos o vêem como um sujeito inteligente, sagaz, abnegado. Um tira nato, que desconfia de tudo. Desconfia tanto que beira a paranóia. Nascido na Bahia e criado no Rio de Janeiro, Protógenes tem 49 anos, dez deles na PF. Trabalha o tempo todo achando que tem alguém interessado em sabotar suas investigações. Foi assim que começou sua guerra particular com o comando da polícia na Operação Satiagraha – uma guerra que transcendeu os limites da corporação e, na semana passada, foi para dentro do gabinete do presidente da República. Por suspeitar até da sombra, é excessivamente centralizador. Filho de militar, Protógenes tem fama de exímio conhecedor do submundo dos crimes financeiros. Uma de suas maiores especialidades é preparar armadilhas para seus investigados. Foi assim que ele amealhou as provas que permitiram a prisão de Dantas. Procurado por emissários do banqueiro, que queriam livrá-lo da investigação, deu corda. Fez que toparia ser subornado. Destacou um dos poucos colegas em quem confia para representá-lo na negociata. Informou ao juiz do caso e flagrou a tentativa de corrupção. Esse tipo de ardil não é uma tática nova na carreira de Protógenes. Em 2004, quando soube que o ex-presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo Armando Mellão extorquia políticos e doleiros investigados na CPI do Banestado, ele procurou o advogado de um dos alvos da extorsão e armou o flagrante. Mellão dizia representar parlamentares da CPI, que investigava remessas ilegais de dinheiro ao exterior. Num quarto de hotel equipado com câmeras escondidas, Mellão foi preso em flagrante ao receber um envelope com R$ 580 mil. A pertinácia do delegado em demonstrar o envolvimento de seus alvos com o crime é a mesma que o leva a driblar com talento os entraves jurídicos que podem atrapalhar suas investigações. Foi assim no caso Daniel Dantas. Quando uma decisão da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, impediu a abertura dos arquivos dos computadores do

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Opportunity pela CPI dos Correios, em 2006, imaginava-se que ninguém mais poderia acessá-los. "O crime organizado é assim, feito para vocês não entenderem" PROTÓGENES QUEIROZ, delegado federal Os discos rígidos do banco, cujo conteúdo sempre despertou temor entre políticos de diferentes partidos, haviam sido apreendidos pela PF numa operação realizada dois anos antes. Protógenes leu o despacho e concluiu que o impedimento não valia para a polícia. Abriu um novo inquérito e, em segredo, conseguiu que a Justiça Federal liberasse o acesso. Por quase um ano, a apuração correu sem que os advogados de Dantas soubessem. Quando descobriram, a prisão do banqueiro já era iminente. Em seu currículo, Protógenes carrega operações de vulto. Foi ele quem prendeu o chinês Law Kin Chong, acusado de ser o maior contrabandista do país. Protógenes comandou a investigação a partir de Brasília, sem que seus colegas da Polícia Federal em São Paulo soubessem. Para ele, agentes da PF paulista davam proteção ao contrabandista – e compartilhar a apuração poria tudo a perder. Protógenes chegou a usar uma artimanha para impedir que os federais de São Paulo desconfiassem quando um avião da polícia aterrissou na cidade com os agentes destacados para prender Law. Um de seus homens chegou algemado, simulando que tudo não passava de uma operação para transferência de preso. Outra investigação célebre do delegado levou para a prisão o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf e seu filho, Flávio, acusados de evasão de divisas em 2004. Um ano depois, Protógenes desarticulou a Máfia do Apito, esquema em que árbitros manipulavam resultados de jogos de futebol para favorecer empresários que apostavam em sites ilegais. Suas incursões pelo mundo da bola prosseguiram com a Operação Perestroika, que investigou o envolvimento do magnata russo Boris Berezovski com investimentos suspeitos no Corinthians. Em todos esses casos, o estilo “dono da bola” de Protógenes prevaleceu. Mas foi na Satiagraha que seu comportamento mais incomodou a chefia da polícia. Para a direção da PF, ele é um delegado descontrolado demais para cuidar de uma investigação tão delicada. O temor aumentou quando surgiu a notícia de que a investigação começava a se avizinhar do Palácio do Planalto, com o secretário pessoal do presidente, Gilberto Carvalho, flagrado no grampo. Protógenes não dava satisfações à chefia sobre o rumo da apuração. s O motivo, segundo ele mesmo: absoluta desconfiança. Para o delegado, o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa é ligado ao ex-ministro José Dirceu – um dos investigados por supostas ligações com Daniel Dantas –, e isso poderia minar todo o trabalho. A desconfiança segue firme. Até sexta-feira, a tonelada de documentos e arquivos de computadores apreendidos na Satiagraha estava guardada numa sala da delegacia antidrogas da PF. A pedido de Protógenes, sensores foram instalados na sala. As fechaduras foram trocadas. Só a restrita equipe de Protógenes tinha a chave. Tudo para evitar que a “outra banda” da PF mexesse no material. A guerrilha interna na polícia transformou Protógenes em investigado. Pelo vazamento da operação na imprensa, ele terá de responder a dois procedimentos internos. Antes disso, seus passos já estavam sob a lupa da direção. O diretor-geral Corrêa pediu explicações sobre a suposta relação do flamenguista Protógenes com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira. O delegado teria integrado delegações oficiais da CBF a convite de Teixeira. Em agosto, viajou para Porto Alegre como integrante da comitiva da Fifa que vistoriou as instalações do Estádio Olímpico para a Copa de 2014. Amigos do delegado dizem que ele não cobra nada pela “consultoria informal” prestada à CBF e à Fifa. Pelo Ministério dos Esportes, Corrêa fez chegar a Teixeira seu descontentamento. Avisou: se a CBF quiser parceria com a polícia nos preparativos para a Copa, que seja formal – e sem

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Protógenes. A CBF diz que as ligações do delegado são com a Fifa, e não com Ricardo Teixeira. Antes de entrar para a PF, Protógenes trabalhava como advogado no Rio. Foi procurador do município de Niterói. Na polícia, sua ascensão se deu na gestão de Paulo Lacerda, antecessor de Corrêa e hoje diretor-geral da Abin. Sob o comando de Lacerda, Protógenes ocupava lugar de destaque na poderosa Diretoria de Inteligência (DIP), a central de grampos e investigações sensíveis da PF. Pai de três filhos de dois casamentos, o delegado é um workaholic assumido, mas arruma tempo para cuidar da própria imagem. Até pinta o cabelo. Nas operações de campo, aparece de roupa camuflada. No dia-a-dia, trabalha em ternos bem cortados e gravatas vistosas. Fala inglês e espanhol. Seu livro de cabeceira é A Arte da Guerra, de Sun Tzu, o popular manual de estratégia. Agora que virou personagem nacional tornou-se tema até de comunidades no Orkut. Quem o conhece não tem dúvida: ainda que esteja fora oficialmente, não vai abandonar a investigação contra Daniel Dantas e companhia. É o caso de sua vida. Protogênicas Protógenes Queiroz comandou a operação mais importante da Polícia Federal no ano. Mas não será lembrado só pelo alvoroço provocado pela investigação. Nos relatórios sobre os negócios de Daniel Dantas, o delegado revelou-se um ás de frases e conclusões mirabolantes. Murilo Ramos ‘‘Por final, o que se revelou até agora foi um jogo sujo e perigoso. O signatário desta, que devido às contingências, encontra-se trabalhando de forma cautelosa, a fim de evitar o mal maior’’ Visão do delegado sobre sua missão ‘‘O país e a sociedade brasileira será (sic) protegida desses verdadeiros ‘abutres’ do dinheiro que alimenta as ganâncias diárias daqueles que vivem no pântano da corrupção e malversação de recursos públicos’’ Visão sobre a cena pública brasileira ‘‘A mídia é um veículo independente, comprometido com a verdade e imparcial, certo? Errado’’ Tese sobre “a mídia manipulável e orientada pelo grupo de Dantas” depois de recorrer a uma frase do lingüista americano Noam Chomsky ‘‘Naji Nahas, devido a um megacontato no Federal Reserve, se privilegia de informações’’ Interpretação sobre a suposta dica que o investidor brasileiro teria recebido da queda de juros nos EUA com 20 dias de antecedência. Nahas poderia ter ouvido apenas o palpite de um bom consultor, mas essa hipótese não foi considerada ‘‘Há uma leve suspeita de que além de Nahas e Dantas existe um comando central acima deles, até então ainda não identificado’’ Especulação sobre possíveis tentáculos da organização ‘‘P.R. (servidor) poderia ser um agente infiltrado pela organização criminosa de Daniel Valente Dantas dentro da estrutura do Ministério da Defesa-Exército brasileiro, a fim de facilitar o tráfego de informações que servem aos interesses do grupo’’ Conclusão sobre um funcionário do Exército que também mantinha emprego no banco Opportunity ‘‘Se prevalecem grandemente da deficiência dos dirigentes da sociedade capitalista contemporânea. A globalização de mercados financeiros debilita o estado de direito, sua soberania e sua capacidade de agir’’ Visão sobre a globalização, com citação do sociólogo suíço Jean Ziegler, crítico contumaz dos bancos com quem Protógenes se identifica.

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ANEXO J – Matéria 7 19/07/2008 01:19 O guardião de Dantas Humberto Braz, o homem de confiança de Daniel Dantas preso na semana passada, é considerado o detentor dos maiores segredos do banqueiro Guilherme Evelin e Wálter Nunes O lobista Humberto Braz, braço direito do banqueiro Daniel Dantas, mora num apartamento confortável em Ipanema, no Rio de Janeiro. Até a Operação Satiagraha, a rotina de Braz, nos fins de semana, era reunir a família e fugir para uma casa na região serrana do Rio. Desde a semana passada, ele dorme num beliche de alvenaria e toma banho frio na Penitenciária Dr. José Augusto Salgado, na cidade de Tremembé, interior de São Paulo. Entre os vizinhos de cela de Humberto Braz estão Alexandre Nardoni, suspeito de matar a filha Isabella de 5 anos, e Matheus da Costa Meira, estudante de Medicina que assassinou três pessoas a tiros de metralhadora num cinema em São Paulo. Braz e Hugo Chicaroni, que se apresenta como professor universitário, eram no fim da semana passada os únicos integrantes ainda presos daquilo que a Polícia Federal definiu como a “organização criminosa” comandada por Dantas.

BRAÇO DIREITO Braz, em foto feita pela PF durante a investigação. Os papéis apreendidos em sua casa mostrariam indícios de pagamentos de propina Braz e Chicaroni são acusados de oferecer mais de R$ 1 milhão a um dos delegados envolvidos na Operação Satiagraha, para que ele retirasse das investigações os nomes de Daniel Dantas, de sua irmã Verônica e de um sobrinho. Chicaroni foi preso durante a operação. Braz escapou, passou alguns dias sumido e acabou se entregando à polícia na noite do último domingo. Chicaroni teria confirmado a tentativa de suborno, segundo a polícia. Braz, suposto chefe de Chicaroni, permanece em silêncio. As autoridades não esperam dele nenhuma colaboração. Dizem que, nos dias em que esteve foragido, Braz foi preparado para enfrentar uma temporada na prisão. Os investigadores estão convencidos de que Braz é o guardião de alguns dos principais segredos de Dantas e do grupo Opportunity. O maior indício é o material apreendido pelos federais no apartamento de Braz. Segundo ÉPOCA apurou, a polícia encontrou papéis que mostrariam nomes de pessoas que supostamente receberam ou receberiam dinheiro de Braz. Essa suspeita é reforçada pela própria história de Braz ao lado de Dantas. No Opportunity, ocupou a presidência da Brasil Telecom Participações, a empresa que controlava as operadoras de telefone Telemig, Amazônia Celular e Brasil Telecom. Na prática, ele era o embaixador de Dantas no mundo da política e dos negócios. De acordo com a CPI dos Correios, a Telemig e a Amazônia celular abasteceram com milhões de reais o esquema de financiamento a parlamentares afinados com o Palácio do Planalto que ficou conhecido como mensalão. O dinheiro era depositado como verba de publicidade nas agências de propaganda de Marcos Valério, e uma parte ia parar no bolso de políticos indicados por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Os negócios entre Dantas e a turma do mensalão teriam sido intermediados por Braz, um lobista conhecido por ser 100% fiel ao banqueiro e aos tratos que firmava. Em 2005, Braz foi demitido da BrT pela direção indicada pelos fundos de pensão de empresas estatais, depois que Dantas foi afastado do comando da empresa. Uma auditoria encomendada pela nova gestão encontrou indícios de uso da BrT em benefício de Dantas e do Opportunity e

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contra os interesses dos demais sócios: os fundos de pensão, o Citigroup e a Telecom Italia. Braz foi demitido por justa causa da BrT. Ele se tornou o principal personagem na briga de Dantas para retomar o controle da empresa. Para isso, trouxe para a órbita de Dantas um elenco de pessoas que, imaginava, poderia ajudá-los numa aproximação com o governo Lula. Braz tornou-se estratégico para Dantas com a eleição de Lula. “Quando o PT chegou ao Planalto, Dantas descobriu que metade do governo não gostava dele e a outra metade não o conhecia”, afirma um amigo de Braz. “Humberto tinha amigos em todos os partidos”. Eis um sinal da capacidade de Braz de superar obstáculos: ele conseguiu, em alguns momentos, virar um interlocutor do presidente da Previ, Sérgio Rosa. Foi uma proeza, pois Rosa nutre um ódio por Dantas que se tornou folclórico. Braz construiu uma fabulosa rede de amizades no tempo em que trabalhou na empreiteira Andrade Gutierrez, ao lado do Roberto Amaral, um dos lobistas mais famosos do Brasil no anos 90. Braz foi apresentado a Dantas por Amaral, que atuava na ocasião como consultor do banqueiro.

O FLAGRANTE Cena gravada que, segundo a PF, mostra o momento em que Braz e Chicaroni estariam tentando subornar um delegado Amaral foi o mestre de Braz nas artes do lobby, quando trabalharam juntos na Andrade Gutierrez, em São Paulo. Braz começou na Andrade como office boy. No fim dos anos 70, trabalhava na área de comunicação na sede da empreiteira em Belo Horizonte, onde nasceu. Ele vivia com a mãe viúva num conjunto habitacional de classe média baixa na capital mineira. Colegas de trabalho da época descrevem-no como um rapaz esforçado, comunicativo, sempre disposto a ajudar e querido por todos. Ao trabalhar na organização de eventos em Belo Horizonte, foi identificado como um talento pela área comercial. Acabou transferido para São Paulo. Nos últimos meses, Braz usava seu talento de comunicação e sua rede de contatos para rastrear a investigação da Polícia Federal contra Dantas, nos momentos em que ela ainda estava sob sigilo. Os grampos da Polícia Federal mostram Braz numa seqüência de conversas com o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Braz contratou Greenhalgh depois de receber uma sugestão de seus amigos no PT. As conversas de Braz com Greenhalgh resultaram nas tentativas de obter informações sobre a investigação da Operação Satiagraha de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência e amigo de Greenhalgh. Braz acionou Greenhalgh depois de descobrir que era seguido pelas ruas do Rio de Janeiro por agentes da Abin. Braz aprendeu as artes do lobby na empreiteira Andrade Gutierrez Em pelo menos um caso, as informações repassadas por Greenhalgh a Braz se mostraram precisas. Segundo os grampos da PF, Greenhalgh conseguiu adiantar o voto do ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), num julgamento em que o Opportunity era uma das partes. O caso opunha os investidores institucionais de fundos de ações contra o Opportunity. Interessava ao grupo de Dantas adiar a decisão judicial para forçar um acordo do Citigroup. No dia do julgamento, 15 de abril, Greenhalgh telefonou a Braz e o tranqüilizou dizendo que a votação no STJ seria “um abraço”. Em outro diálogo com Braz, Greenhalgh disse que Beneti apresentaria um pedido de vistas do processo. Isso de fato ocorreu. Como conclusão, a PF afirma que Greenhalgh fez “tráfico de influência e teria a informação privilegiada sobre o pedido de vista do ministro”. O desfecho só não foi como o grupo de Dantas queria porque um ministro que participava do julgamento, Massami Uyeda, resolveu antecipar o voto e acabou indo contra os interesses do Opportunity. Os flagrantes da PF mostram também Braz ao telefone em discussões cifradas sobre supostos pagamentos de propina. Numa conversa gravada em 4 de maio deste ano, Braz acertou com

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Norberto Tomaz, executivo do Opportunity, o pagamento de R$ 350 mil “de honorários advocatícios fictícios”, segundo a PF. O dinheiro, de acordo com o diálogo, seria posteriormente repassado a “várias pessoas físicas”. Em outra gravação, dez dias depois, Humberto Braz combinou com Norberto a melhor forma de justificar determinado pagamento. Braz sugeriu que o repasse fosse feito por meio de sua “empresinha de consultoria”. Norberto então perguntou que tipo de consultoria figuraria na nota fiscal. A resposta de Braz: “Qualquer coisa que diga respeito a consultoria empresarial. Pode ser consultoria de imprensa, pode ser intermediação de negócio”. Essa resposta parece revelar sobre as atividades de Braz. Hoje, ele é a personagem-chave para a conclusão das investigações da Operação Satiagraha.

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ANEXO L – Matéria 8 25/07/2008 17:19 O modelo Robin Hood na Justiça brasileira null Fernando Abrucio A descrença nas instituições públicas é uma marca da história brasileira. Uma frase clássica de nossa política resume bem esse sentimento: “Aos amigos tudo; aos inimigos, a lei”. Ancorados nessa percepção, ricos e pobres têm procurado abrigo em arranjos informais. A elite, por meio de acesso privilegiado ao poder público. Ao povão não sobrou muita coisa, mas no andar de baixo também há espaço para soluções extralegais, como o compadrio ou o linchamento. Mesmo grupos bem-intencionados alimentam-se do descrédito em relação ao funcionamento do Estado. Escolheram um modelo Robin Hood de fazer justiça, baseado em remédios que podem enfraquecer as instituições que deveriam ser reformadas. Dois exemplos recentes seguiram essa linha de atuação. O primeiro é a Operação Satiagraha. Não se pode negar que a Polícia Federal tem realizado um papel extraordinário ao desvendar esquemas de corrupção e conluios entre o setor público e agentes privados. Mas nem sempre ela segue os requisitos legais em suas ações. Isso tem ocorrido porque integrantes da PF privilegiam os fins em relação aos meios. Só que numa democracia, como dizia o filósofo Norberto Bobbio, a observância dos procedimentos é fundamental para proteger os direitos de todos. É interessante notar que os exageros na Operação Satiagraha são vistos por seus executores como uma virtude, não como um defeito. A exposição pública dos acusados em situação constrangedora, em cadeia nacional de TV, transforma-se numa forma de pressionar e acelerar o processo, mediante a conquista do apoio popular. A descrença no funcionamento atual das instituições move esse tipo de estratégia, que se assemelha a um “big brother” policial. Nele, o “povo” poderá escolher seu “destino” sem intermediários. À pirotecnia da ação policial soma-se o caráter quase messiânico do relatório escrito pela equipe do delegado Protógenes Queiroz. Sem dúvida, foram recolhidas boas provas contra os acusados – como o vídeo referente à tentativa de extorsão de um membro da PF, a mando do banqueiro Daniel Dantas. Levando em conta os elementos do processo, o correto é que os acusados sejam profundamente investigados. Mas o texto produzido pela PF colocou no mesmo barco evidências e pessoas em situações distintas. E criou uma história mais ampla, pouco ancorada em fatos, que norteia todo o processo: esse episódio seria o início da redenção do Estado brasileiro. Foi essa visão que levou ao açodamento dos momentos finais da Operação Satiagraha. Esse modelo institui um “big brother” policial. Nele, o “povo” escolhe seu “destino” sem intermediários Tão bem-intencionada quanto a PF, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) publicou na última semana uma lista com os candidatos a prefeito e vice-prefeito das capitais que respondem a processos criminais ou por improbidade administrativa. Seriam os concorrentes com “ficha suja”. Como na Operação Satiagraha, a ação foi motivada pela nobre idéia de tornar o Estado brasileiro mais republicano – nesse caso, por meio do repasse de informações valiosas aos eleitores para que possam escolher melhor os governantes. Trata-se de mais um uso da estratégia Robin Hood. Os magistrados, descrentes da eficiência do Judiciário em condenar tais políticos, preferem fazer uma ligação direta com o eleitorado. Assim, se hoje não seria possível punir judicialmente os “políticos corruptos”, pelo menos

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seria factível puni-los pela via do voto. O problema é que, em nome da aceleração da justiça, são acusadas pessoas que poderão ser futuramente absolvidas pelo Judiciário. Quem pagará pelo possível dano eleitoral de quem for inocentado? O mais incrível desses exemplos de estratégia Robin Hood são seus defensores. Afinal, policiais federais e magistrados pertencem a duas burocracias estatais cujo papel é defender as leis e instituições existentes. Mas esses dois grupos republicanos e bem-intencionados deveriam se aliar a outras forças sociais para reformar o Estado brasileiro, particularmente o Judiciário. Justiça que tarda é injustiça, nos relembraria Rui Barbosa. Mas agir “por fora” da Justiça é um erro ainda maior, que não vai melhorar o espaço público brasileiro.

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ANEXO M – Matéria 9 01/08/2008 17:36 Ministro do Supremo defendem decisão de Gilmar Mendes na Operação Satiagraha Na primeira sessão do semestre, presidente do STF foi defendido pelos colegas por ter concedido habeas corpus a Daniel Dantas Redação Época Na primeira sessão do Supremo Tribunal federal depois do recesso de meio de ano, nesta sexta-feira (1º), vários ministros do STF defenderam publicamente o trabalho do presidente do STF, Gilmar Mendes. Mendes foi criticado por ter concedido por duas vezes habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, preso durante a Operação Satiagraha da Polícia Federal , acusado de envolvimento com crimes financeiros e com desvio de verbas publicas. O ministro Celso de Mello, o mais antigo da Corte, Celso de Mello, fez um pronunciamento exaltando a postura do presidente. Segundo Mello, as decisões de Mendes foram "revestidas de densa fundamentação jurídica". Para Mello, o presidente do STF agiu de forma segura e com determinação nas decisões. "(Ele) preservou a autoridade desta Suprema Corte e fez prevalecer, no regular exercício dos poderes processuais que o ordenamento legal lhe confere e sem qualquer espírito de emulação”, disse ele. Em breves falas, os demais ministros também se solidarizaram com Gilmar Mendes, com exceção de Eros Grau e Joaquim Barbosa, que não estavam no plenário. O único a não se pronunciar foi o vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que ocupa o assento ao lado de Gilmar Mendes no plenário. Os procuradores da República encabeçaram as críticas às decisões de Gilmar Mendes de liberar Dantas e outros investigados pela Operação Satiagraha. Um grupo de procuradores de São Paulo chegou a cogitar o impeachment do presidente do STF no Senado. STF Decisões de grande importância devem ser tomadas no decorrer do ano no Supremo. Entre as mais complexas estão a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, a lei de imprensa e o reconhecimento da união estável entre homossexuais. De imediato, já na semana que vem, o STF deverá dar seu parecer sobre a Lei de Inelegibilidade, que decidirá se os candidatos que respondem a processos na Justiça poderão se candidatar nas eleições municipais de outubro.

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ANEXO N – Matéria 10 01/08/2008 12:15 O grampo é uma droga que vicia a polícia null Ricardo Amaral

RICARDO AMARAL é repórter especial de ÉPOCA em Brasília. Envie seu e-mail pelo site: www.epoca.com.br/amaral Um dos mais experientes e astutos políticos da República, Tancredo Neves não gostava de conversas longas ao telefone. “Telefone serve no máximo para marcar encontro, de preferência no lugar errado”, ensinava. Para quem foi ministro de um governo cercado por golpistas (o segundo de Getúlio Vargas) e chefe da oposição parlamentar na ditadura dos militares, o conselho de Tancredo transbordava prudência. Ele sabia que era alvo de grampos plantados por adversários e pela polícia política. Era a cautela da resistência. Surpreendente – e inaceitável – é que sua recomendação permaneça atual, no 20º aniversário da Constituição democrática. Quando o ministro da Justiça declara que devemos nos conformar com o fato de que nossas conversas telefônicas estão sendo escutadas, como fez Tarso Genro há duas semanas, é sinal de algo muito errado acontecendo no país. É estarrecedora a informação de que juízes brasileiros autorizaram a polícia a montar 409 mil grampos “legais” em 2007. De acordo com a CPI dos Grampos da Câmara dos Deputados, esse número vem crescendo de forma exponencial desde 1996, quando o Congresso aprovou uma lei para regulamentar a escuta autorizada – uma exceção que a Constituição prevê para ajudar a polícia, o Ministério Público e a Justiça a obter provas contra criminosos. Os números mostram a banalização de um recurso que só deveria ser usado pela autoridade em último caso. A partir da ordem judicial para violar o sigilo de um só aparelho telefônico, uma engenhoca tecnológica batizada de Guardião tece uma rede de escuta capaz de envolver simultaneamente até 2 mil telefones que por acaso tenham falado com o número original. Só na Operação Satiagraha, que monitorou o círculo do banqueiro Daniel Dantas, a Polícia Federal ouviu 1.400 telefonemas por dia e produziu mais de 7 mil páginas de conversas transcritas. A maior parte disso, bisbilhotice sem valor algum para a inteligência ou para a Justiça. Em 1995, a PF desvendou o maior crime financeiro do país, no Banco Nacional, sem grampear ninguém Há quem considere os superpoderes do Guardião indispensáveis para enfrentar as sofisticadas organizações de traficantes e dos criminosos de colarinho branco. A história de sucessos da própria PF desmente essa balela. Em 1995, o delegado Paulo Lacerda, hoje diretor da Abin, desvendou a fraude das 900 contas falsas do extinto Banco Nacional sem escutar um só telefonema alheio. O caso Nacional, onde se investigou a origem de um rombo de US$ 6 bilhões, ainda é o maior crime financeiro do Brasil e um dos maiores do mundo. Para resolvê-lo, doutor Lacerda valeu-se de sua própria experiência como ex-bancário e contou com o apoio do perito contábil Geraldo Bertolo. Tiveram de suar a camisa, mas obtiveram provas robustas para levar à Justiça os controladores do banco, da família Magalhães Pinto, uma das mais poderosas do país. O melhor capítulo da Operação Satiagraha (o flagrante da tentativa de suborno de um delegado, que provocou a prisão de Humberto Brás, braço direito de Daniel Dantas, e pode

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levar o próprio banqueiro a juízo) também não foi obra do Guardião da PF. O presidente da CPI dos Grampos, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), ele mesmo um policial de carreira, sabe que em muitos casos seus colegas estão começando os inquéritos pelo pedido de escuta, para só no fim estabelecer se havia algum crime ou criminoso a ser investigado. Tornaram-se dependentes do grampo, como os viciados da cocaína. Não conseguem mais fazer direito o dever de casa: investigar com rigor, colher indícios e provas para a instrução do processo. Para não ser injusto com o ministro da Justiça, registre-se que ele enviou ao Congresso uma proposta para melhorar a legislação de 1996. É mais eficaz que repetir conselhos acacianos. Tarso Genro quer mais rigor dos juízes nas autorizações, que hoje podem ser concedidas até mesmo por um pedido verbal do delegado ou do promotor. Também quer responsabilizar autoridades que vazam o que escutaram e submeter juízes que agem mal a uma corregedoria. São boas idéias para abalar a indústria do grampo, especialmente as propostas para punir autoridades quando abusam de suas prerrogativas. Policiais orelhudos e juízes que se consideram iluminados não melhoram o combate ao crime. Apenas pioram a democracia.

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ANEXO O – Matéria 11 03/08/2008 12:16 PF teve acesso a todas as ligações do país, diz jornal Reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirma que a 6ª Vara Criminal Federal concedeu à PF o acesso aos cadastros e ao histórico de ligações de todos assinantes REDAÇÃO ÉPOCA Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo neste domingo (3) mostra que a equipe da Polícia Federal que comandou a operação Satiagraha teve acesso ao cadastro completo e ao histórico de ligações de qualquer assinante das companhias telefônicas que atuam no Brasil. De acordo o jornal, o acesso total não está previsto na lei 9.296, a “lei dos grampos”, mas vem sendo concedido com freqüência por alguns juízes de primeira instância. Desembargadores federais, e o Ministério Público, no entanto, costumam se opor à prática. Na operação Satiagraha, a autorização da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. De acordo com a Folha, a autorização obriga as empresas de telefonia a fornecerem uma senha genérica à PF a seus sistemas, o que dá aos investigadores acesso aos dados seguros dos usuários. Gravações das ligações, no entanto, não podem ser feitas. SAIBA MAIS Um juiz federal do Mato Grosso do Sul ouvido pelo jornal afirmou que a autorização é dada para tornar mais rápido o trabalho de investigação. Segundo ele, caso a Polícia Federal requisite uma ordem ao juiz determinando que a empresa telefônica forneça o cadastro e o histórico de ligações do dono do número grampeado, os dados podem demorar até uma semana para chegar aos investigadores. A opinião do juiz federal está longe de ser unanimidade. Durante as investigações da Satiagraha, segundo a Folha, a Vivo enviou um ofício ao juiz responsável pelo caso, Fausto Martin De Sanctis, afirmando que o Ministério Público entende que o fornecimento da senha não tem base legal e fere o direito constitucional do sigilo de dados pessoais. A operadora diz ainda que o sistema “dá margem a abusos”, pois os investigadores podem acessar qualquer número, e não apenas aqueles que aparecem nos grampos telefônicos. O delegado Protógenes Queiroz, que comandou as investigações, não comentou as denúncias. A Polícia Federal informou apenas que se limita a buscar os dados dos números de telefone de onde partiram ligações para os acusados. Legislação A operação Satiagraha, realizada no início de julho, primeiro ganhou notoriedade por mirar o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, o empresário Naji Nahas, e alguns de seus sócios que, segundo a PF, são responsáveis por vários crimes, como desvio de dinheiro público e evasão de divisas. Em um segundo momento, com o vazamento do inquérito para a imprensa, a forma como a PF investigou o caso ganhou mais destaque que as denúncias. Protógenes Queiroz, acusado de abusos, especialmente no que dizia respeito aos grampos telefônicos, acabou afastado da investigação. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou do Congresso mudanças na “lei do grampo”, e deve mobilizar a base do governo na Câmara e no Senado para modificar o texto. Uma das principais mudanças deve ser justamente na possibilidade de a Polícia Federal ter acesso a essa senha genérica. De acordo com a Folha, no atual texto da lei, de 1996, não há referência a essa prática pois, na época, a tecnologia existente não permitia o acesso aos sistemas das empresas telefônicas.

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ANEXO P – Matéria 12 21/08/2008 17:21 Juiz Fausto de Sanctis pode se afastar de caso Daniel Dantas O magistrado, que decretou duas vezes a prisão do banqueiro do Opportunity, pode se retirar do processo ao ser promovido a desembargador Wálter Nunes O juis Fausto de Sanctis, que decretou a prisão do banqueiro Daniel Dantas durante a Operação Satiagraha, pode se afastar do caso para se tornar desembargador do Tribunal Regional Federal O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, que decretou duas vezes a prisão do banqueiro Daniel Dantas durante a Operação Satiagraha, poderá ser promovido em breve a desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que compreende Mato Grosso do Sul e São Paulo. Ele concorre à vaga do desembargador Jediael Galvão Miranda, morto em um acidente de carro ocorrido no mês passado. No próximo mês outra vaga será aberta, já que o desembargador José Eduardo de Santos Neves irá completar 70 anos e terá de se aposentar. Os substitutos serão escolhidos por meio de uma eleição no Tribunal, ainda sem data marcada. SAIBA MAIS Para cada vaga é feita uma lista com o nome dos três juízes federais mais antigos na carreira. Essa relação é submetida a todos os desembargadores da região e, depois, enviada para aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fausto De Sanctis é o juiz federal com mais tempo no cargo. Por tradição, sempre o mais antigo é o escolhido. Procurado por ÉPOCA, o juiz Fausto de Sanctis não quis comentar a possibilidade de promoção. Caso ela ocorra, De Sanctis terá de abandonar o processo da Operação Satiagraha. Durante a ação da Polícia Federal, ele mandou prender duas vezes Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity. Nas duas ocasiões o banqueiro foi solto por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. O presidente do Supremo considerou que a segunda prisão de Dantas foi uma afronta do juiz a uma decisão da mais alta corte do país. O conflito abriu uma crise no Judiciário. Se De Sanctis for promovido, ele será a segunda autoridade envolvida com o caso a se afastar. O delegado Protógenes Queiroz deixou a Operação Satiagraha para fazer um curso na Polícia Federal. Saiu reclamando da falta de apoio para continuar investigando o caso. Antes, porém, Queiroz indiciou Daniel Dantas e outras nove pessoas relacionadas ao Banco Opportunity por gestão fraudulenta e formação de quadrilha.

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ANEXO Q – Matéria 13 2/09/2008 23:28 Comando paralelo Para investigar o banqueiro Daniel Dantas, o delegado Protógenes Queiroz teve o apoio dos serviços secretos das Forças Armadas. O Exército nega envolvimento no caso. Rodrigo Rangel e Andrei Meireles ELE FALOU O delegado Protógenes Queiroz, que comandou a Operação Satiagraha, da Polícia Federal Embora a expressão Satiagraha, em sânscrito, queira dizer resistência pacífica e silenciosa, a operação policial do delegado Protógenes Queiroz que levou esse nome não foi uma coisa nem outra. Envolveu ações truculentas e humilhantes, como a prisão do ex-prefeito Celso Pitta, retirado de casa algemado, diante das câmeras de TV. Produziu a prisão do banqueiro Daniel Dantas, que por duas vezes saiu da cadeia graças a habeas corpus assinado pelo Supremo Tribunal Federal. Já se sabia que a operação mobilizara oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o serviço de informações que serve à Presidência da República, e produziu escuta telefônica de lobistas, políticos, amigos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de empresários, jornalistas e mesmo de Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente. Mas não foi só isso. A Operação Satiagraha teve também vínculos com oficiais da ativa dos serviços secretos das Forças Armadas. A linha hierárquica desses oficiais vai até, em última instância, o ministro da Defesa, Nelson Jobim. O comando paralelo da operação foi formado em fevereiro. Convencido de que fora abandonado pela direção da Polícia Federal, que não oferecia os recursos nem os homens que considerava indispensáveis para o serviço, Protógenes convocou diversos militares para uma conversa num café de Brasília. Um dos personagens mais importantes desse encontro foi o major da Aeronáutica Paulo Ribeiro Branco Junior. Com 50 anos de idade, o major Branco tornou-se amigo de Protógenes há dois anos, quando ambos assistiram a um curso de Inteligência Estratégica na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro. ÉPOCA procurou o major Branco. “Não quero e nem vou falar sobre esse assunto”, disse. Embora hoje esteja lotado na área de educação da Aeronáutica, Branco fez carreira na área de inteligência e mantém vínculos e contatos nesse setor. Foi membro do Cisa, o serviço secreto da Aeronáutica. Branco compareceu à reunião do café em companhia de dois militares, que conhecia de seus tempos como araponga. Um deles era Francisco Ambrósio do Nascimento, espião aposentado, que seria chamado a fazer pequenos serviços para Protógenes, como analisar documentos e e-mails grampeados, em troca de um salário mensal de R$ 1.500. O vencimento era pago em dinheiro vivo e retirado da verba secreta que Protógenes tinha direito a usar na operação, prestando contas regularmente. O outro era o sargento Idalberto Matias de Araújo, personagem conhecido das sombras de Brasília. Ele teria um papel mais destacado na Satiagraha. Foi uma espécie de braço direito de Protógenes ao longo da operação. Conhecido em Brasília como “Sargento Dadá,” com 47 anos, Idalberto é um especialista em operações secretas de impacto. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, investigou ligações de Elcio Alvares, então ministro da Defesa, com o crime organizado no Espírito Santo. O caso acabou por tirar Elcio do governo. Na época, seu superior no serviço secreto era o major Branco, o mesmo presente ao café com Protógenes. Segundo fontes da Abin, ao lado de outros arapongas, Dadá é conhecido por atuar no mercado paralelo de dossiês contra políticos e empresários que anima o cotidiano de Brasília. Ele é amigo do sargento da PM Jairo Martins, ex-SNI. Martins alimentou tantas reportagens escandalosas que ficou célebre

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por declarar numa CPI que sonhava em ganhar o Prêmio Esso de Jornalismo – o que ainda não conseguiu. Dadá é considerado um operador de mão-cheia, com talento especial para seguir alvos sem ser descoberto. Também tem fama, no mercado profissional, de ser quase imbatível na tarefa de produzir grampos. “Sugeri o nome do Ambrósio”, disse Dadá a ÉPOCA. Mas ele afirma: “Não participei da operação e não tenho nada a ver com grampos clandestinos”. Essa versão não é de todo convincente. À frente de um inquérito sobre possíveis irregularidades na Operação Satiagraha, a procuradora da República no Distrito Federal Lívia Tinoco colheu depoimento de Dadá na segunda-feira. Filho de militar do Exército, Protógenes decidiu apurar uma suspeita que apareceu nas investigações e ficou registrada em grampos telefônicos – a contratação de um oficial do Exército que, formado no Instituto Militar de Engenharia, foi trabalhar no grupo Opportunity, do empresário Daniel Dantas. Convencido de que não se tratava de uma simples contratação de profissionais, mas de uma forma de aliciamento, Protógenes pediu apoio ao próprio comandante do Exército, general Enzo Peri, para que confirmasse algumas informações sobre o oficial. Conseguiu. “O comandante colocou o gabinete para cuidar do assunto”, diz Protógenes. Ele também fez contatos nos serviços reservados da Marinha e da Aeronáutica. Aos primeiros, pediu ajuda para identificar e localizar três veleiros de propriedade de Daniel Dantas. A informação acabou sendo fornecida pelo próprio banqueiro, ao ser preso: dois barcos estavam ao mar em Salvador e o terceiro em Trinidad e Tobago. Na Aeronáutica, ele pediu a localização de aviões de uso exclusivo. A inteligência da Aeronáutica produziu um relatório que apontava para quatro aviões, entre eles um Airbus, “igual ao do presidente Lula”, segundo descreve um agente próximo das investigações.

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ANEXO R – Matéria 14 13/09/2008 16:15 Ministério da Defesa divulga nota sobre reportagem de ÉPOCA Forças Armadas negam ter colaborado nas investigações da Operação Satiagraha. Leia em seguida a nota da redação de ÉPOCA. REDAÇÃO ÉPOCA Exército nega participação na Operação Satiagraha O Ministério da Defesa, após ouvir o Comando do Exército, esclarece que é falsa a afirmação contida em reportagem da revista Época dessa semana, segundo a qual o Exército teria participado da Operação Satiagraha. Os esclarecimentos dados pelo Exército, tanto à revista quanto a outros órgãos de imprensa, que abordaram anteriormente o assunto, mostram que as Forças investigou na verdade uma denúncia contra um suposto militar do Exército. A denúncia, que mostrou-se infundada, fora feita pelo delegado Protógenes Queiroz e apontava para supostas atividades externas que estariam sendo exercidas irregularmente por um suposto oficial do Exército. A apuração mostrou que o investigado não pertencia aos quadros do Exército, pois havia desistido da carreira militar após formar-se no Instituto Militar de Engenharia. Desde então, portanto, aquele ex-aluno não tinha qualquer vínculo com a Força. José Ramos Assessor de Comunicação do Ministério da Defesa A redação de ÉPOCA esclarece: A reportagem de Época oferece um relato consistente da participação de militares da ativa na Operação Satiagraha, dirigida pelo delegado Protógenes Queiroz. A revista descreve encontros realizados e identifica dois desses militares, cujos nomes estão na reportagem. Ambos foram ouvidos pela revista. Nenhum deles pertence ao Exército, mas à Aeronáutica. A nota do Ministério da Defesa não faz referência a essas revelações. Limita-se a divulgar informações sobre um episódio que envolve um ex-oficial do Exército. É uma manifestação que revela desconhecimento sobre o conteúdo da reportagem publicada.

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ANEXO S – Matéria 15 16/09/2008 13:59 Protógenes vai à guerra O delegado acusa o comando da Polícia Federal de vigiá-lo durante as investigações contra Daniel Dantas. E se prepara para reagir às acusações de que avançou o sinal na Operação Satiagraha Rodrigo Rangel, de Brasília

ELE FALOU O delegado Protógenes Queiroz, que comandou a Operação Satiagraha, da Polícia Federal O delegado Protógenes Queiroz, afastado do comando da Operação Satiagraha, é agora um homem solitário. Os aliados de antes, como o também delegado Paulo Lacerda, foram apeados do poder. E ele, Protógenes, já não tem mais a retaguarda da poderosa Diretoria de Inteligência Policial, o bunker da Polícia Federal que nos últimos anos funcionou como fábrica de provas contra toda espécie de criminosos no país. Protógenes integrava o primeiro time da DIP. Por suas mãos passaram alguns dos casos mais rumorosos da crônica policial brasileira, como os que levaram para a cadeia o contrabandista Law Kin Chong e o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf. No entanto, depois da Satiagraha, a operação que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, o delegado viu sua vida virar pelo avesso. Primeiro o inquérito saiu de suas mãos, com direito a manifestação até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, Protógenes se vê sob a acusação de ter montado um aparelho paralelo na operação para grampear clandestinamente altas autoridades da República. O inferno de Dantas, o banqueiro-alvo da Satiagraha, acabou por se transformar no inferno de Protógenes. O delegado promete reagir. E o início desta reação tem como alvo o atual comando da Polícia Federal. Ele não fala em nomes. Mas fica evidente: o destinatário dos tiros é o atual diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Em entrevista a ÉPOCA, Protógenes afirma que, após reduzir sensivelmente o número de policiais encarregados da investigação, a direção da polícia passou a vigiar os policiais que permaneceram no caso. SAIBA MAIS “Foi realizada vigilância sobre os membros da equipe. Inclusive algumas pessoas (que faziam o monitoramento) foram identificadas visualmente”, diz o delegado. “Naquele momento o que mais me indignava é que eu precisava de pessoas para trabalhar na missão e via um número identificado de policiais fazendo vigilância. Em troca de quê, qual o objetivo, recebendo ordem de quem, fazer aquilo para quê?”, indaga o delegado. “Tem que saber quem são essas pessoas, a serviço de quem estavam e quem mandou que elas nos vigiassem.” Protógenes é cuidadoso nas palavras. Teme ser alvo de mais represálias. Primeiro, ele hesita em atribuir tal vigilância à PF. Depois, aos poucos, vai avançando. E termina por fazer uma acusação ainda mais grave: diz que as informações levantadas pelos agentes encarregados de fazer a vigilância acabavam indo para as mãos do principal investigado do caso, o banqueiro Daniel Dantas. “Essa vigilância era confirmada com o que nós coletávamos na investigação. Nos dias em que eu me deslocava de Brasília para o Rio, do Rio para São Paulo, de São Paulo para o Rio ou de São Paulo para Brasília, nós tínhamos dados que (mostravam que) os investigados sabiam antecipadamente, até mesmo em tempo online, que eu estava me deslocando.” Protógenes diz que todas as dificuldades começaram a aparecer depois que o delegado Corrêa

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assumiu a direção da PF, em substituição a Paulo Lacerda. “Reduziram drasticamente o número de agentes”, diz. Antes, o núcleo duro da equipe tinha 18 policiais. “Depois, nós éramos apenas quatro.” O Ministério Público Federal em São Paulo abriu procedimento para apurar a denúncia do delegado. Dois agentes que participaram do monitoramento, com carros da PF e tudo, já teriam sido identificados. Na polícia, o delegado está numa espécie de período sabático. Mas, à exceção das leituras de sempre (agora ele relê um amarelado exemplar de “Princípios da Filosofia do Direito”, de Hegel), tem usado o tempo para se defender das acusações. Protógenes afirma que, por conta dos alvos de alto nível em que esbarrou ao longo da Satiagraha, acabou passando da posição de investigador à de investigado. “Tudo isso por causa de uma operação que investigou um banqueiro com ligações estreitas com o poder”, disse o delegado, que nega peremptoriamente qualquer ligação com escutas clandestinas. Ele diz que a reação à operação está diretamente relacionada ao potencial explosivo do caso. Sem titubear, Protógenes aponta para os discos rígidos de computador apreendidos numa parede falsa do apartamento de Dantas como o principal produto da operação. Diz que os discos escondem “alguns segredos que podem marcar a história do Brasil”. “Não posso falar mais porque o caso está sob segredo de justiça, mas espero que um dia o Brasil conheça o teor desse material.” Mesmo fora da investigação, o delegado não apenas desconfia, mas afirma ter certeza de que está sendo vigiado. Só conversa em telefones seguros. Nos três aparelhos celulares que carrega, fala apenas o trivial. Não aceita que lhe paguem nem um refrigerante. A amigos, costuma dizer que foi assim que se livrou de uma acusação de Hugo Chicaroni, o professor universitário que acabou preso ao tentar subornar um dos delegados da Satiagraha. Em depoimento, após ser preso, Chicaroni afirmou que era tão amigo de Protógenes que até pagava suas contas. O delegado abriu a carteira e mostrou um punhado de comprovantes de pagamento com seu próprio cartão de crédito. Dentre esses comprovantes havia um especial. Era do dia em que Protógenes e Chicaroni se encontraram numa pizzaria de Brasília. Foi um dos primeiros movimentos do professor universitário na tentativa de oferecer suborno aos delegados da Satiagraha. No primeiro sinal de que Chicaroni o acusaria de promiscuidade, o delegado tratou logo de mostrar que não aceitara as benesses do professor. Baiano de nascimento, mas criado no Rio de Janeiro, Protógenes ganhou esse nome porque seu pai, ex-militar do Exército, resolveu homenagear o almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha no primeiro governo de Getúlio Vargas e governador do Rio entre 1935 e 1937. Aos 49 anos, pai de três filhos de três casamentos diferentes, o delegado mais polêmico do momento é cristão – e demonstra ser bastante ligado à família. Um dos celulares que o acompanham 24 horas por dia serve apenas para falar com a mulher. O aparelho tem um toque diferente, daqueles bem escandalosos. Apesar de estar em meio a um furacão, Protógenes se mostra um homem multitarefas. Arruma tempo até para pagar as contas de casa. E o faz com atenção. A ponto de perceber que o plano de saúde está lhe cobrando em dobro a fatura do mês. O delegado reclama. E logo segue para o banco, tendo à mão meia dúzia de boletos, um deles das Casas Bahia. O delegado é de hábitos simples. Anda bem vestido, com gravatas vistosas. Mas não faz questão de luxo. Nos hotéis onde se hospeda, sua única preocupação é com a privacidade. Semana passada, em rápida viagem a Goiânia para receber uma homenagem, ele se ausentou por algumas horas do hotel. Ao retornar, não hesitou em pedir para trocar de quarto. A explicação para o pedido: enquanto estava fora, alguém poderia ter entrado e instalado uma escuta. No quarto novo, escolhido de supetão, não haveria esse risco.

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Na véspera, outra cena do delegado que desconfia de tudo. Era noite. Num restaurante do Setor Marista de Goiânia, ele se senta para jantar. O salão está vazio e, à exceção da mesa onde está sentado, um casal chega e ocupa justamente a mesa ao lado. Logo, começa a disparar flashes em direção à mesa do delegado. Protógenes desconfia. Eleva a voz. Quer que o casal perceba que ele está incomodado. A estratégia funciona. Coincidência ou não, o casal logo pede a conta e sai, apressado. Sem as prerrogativas dos tempos em que presidia o inquérito da Satiagraha, ao delegado agora resta a expectativa pelo resultado das quatro investigações abertas pelo Ministério Público e pela própria Polícia Federal para apurar supostos desvios em sua operação. “Isso tudo vai ser esclarecido”, afirma. Enquanto isso, Prótogenes colhe apoios pela internet, em seu blog pessoal, e começa a assumir um ativismo diferente daquele de antes: planeja viajar pelo país em atos contra a corrupção. O primeiro deles foi justamente o da semana passada, em Goiânia. O delegado foi aplaudido de pé por uma platéia formada, em sua maioria, por estudantes de direito. É uma cena do Protógenes solitário, que agora não anda mais cercado por seu staff. Ainda possui aliados, mas a crise os obrigou à discrição. Para esta quarta-feira (17), há mais um evento na agenda. Desta vez, em Porto Alegre. Na capital gaúcha, Protógenes participará de debate sobre corrupção a convite da deputada federal Luciana Genro, do PSOL. Falará sobre as dificuldades que enfrentou na Satiagraha e, inevitavelmente, sobre seu afastamento da investigação. Por ironia, discursará a convite da filha do ministro da Justiça, Tarso Genro, a quem a Polícia Federal está subordinada. O delegado tem discurso pronto para as críticas. Além de negar que tenha feito ou encomendado escutas ilegais, diz não haver nenhuma ilegalidade na participação de agentes da Agência Brasileira de Investigação (Abin) na Operação Satiagraha. “A Abin faz parte do Sistema Brasileiro de Inteligência, o Sisbin, e a troca de informações pelos órgãos que integram esse sistema é normal”, diz. A mesma explicação o delegado dá para a participação dos serviços secretos das Forças Armadas, revelada por ÉPOCA. O que nem Protógenes sabe dizer é até onde foram os agentes secretos nos quais depositou sua confiança. Há quem admita a possibilidade desses agentes, sabe-se lá movidos por quais interesses, terem implantado uma bomba-relógio dentro da investigação mais importante da vida do delegado. O clima, agora, é de desconfiança geral.

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ANEXO T – Matéria 16 25/09/2008 18:55 PF omitiu nomes de policiais que participaram da Operação Satiagraha, diz MP Episódio é a ponta aparente de um crescente desconforto entre as duas instituições, que se agravou a partir das investigações sobre suposto grampo no presidente da Supremo, Gilmar Mendes rodrigo rangel, de Brasília A investigação do suposto grampo no telefone do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, pode acirrar ainda mais a velha rixa entre a Polícia Federal e o Ministério Público. Uma tumultuada troca de ofícios entre a cúpula da polícia e procuradores encarregados do caso, na semana passada, transformou-se num episódio ilustrativo desse embate, até agora restrito aos bastidores. Como parte do procedimento instaurado no Ministério Público Federal em São Paulo para apurar o vazamento de informações sobre a Operação Satiagraha, em abril, o procurador da República Roberto Dassié Diana pediu à direção da Polícia Federal a listagem de todos os policiais, entre agentes e delegados, que de alguma maneira atuaram na investigação ao longo de seus quatro anos. A resposta, assinada pelo atual diretor-executivo da PF, Roberto Troncon, veio atravessada: por um lado, continha nomes de policiais que sabidamente não participaram da operação e, por outro, omitia nomes de policiais que sabidamente participaram da operação. O documento irritou o procurador. O ofício do delegado Troncon ignorava, por exemplo, o nome do delegado Eduardo Pellegrini, que teve atuação destacada na Satiagraha. "Isso mostra problemas de controle. É preciso saber quem teve acesso a quê. Afinal, a operação envolvia informação sigilosa", diz o procurador Roberto Diana. "Essa aparente falta de controle dificulta saber quem pode ter vazado a informação", afirma. Números de patrimônio Havia outros problemas no documento. No mesmo pedido em que solicitava a lista dos policiais, o procurador Roberto Diana requereu ainda a relação dos equipamentos utilizados na Satiagraha. Também nesse quesito, a resposta da PF ilustra bem o desacerto entre as duas instituições: a polícia mandou ao procurador uma lista que continha apenas os números de patrimônio dos equipamentos, sem discriminá-los. Ou seja, o número listado pode representar desde uma cadeira usada no bunker da operação até o Guardião, o famoso gravador de interceptações telefônicas empregado pela polícia. Roberto Diana é um dos encarregados, no Ministério Público Federal em São Paulo, de fazer o chamado controle externo da Polícia Federal. A ele cabe fiscalizar o trabalho da PF. Além de investigar o vazamento, o procurador também apura a denúncia do delegado Protógenes Queiroz, responsável pela Satiagraha, de que a cúpula da PF teria criado empecilhos para a investigação. Na última sexta-feira (19), o procurador Roberto Diana remeteu novo pedido à Polícia Federal, por fax, cobrando respostas mais precisas. Desta vez, ele quer que o diretor-geral da polícia, Luiz Fernando Corrêa, responda. Em representação enviada ao procurador, o delegado Protógenes afirma que, a partir da posse de Luiz Fernando Corrêa na direção da PF, a Satiagraha sofreu abalos em sua estrutura. O número de agentes foi reduzido e por três vezes a base da operação foi transferida de lugar. Em entrevista a ÉPOCA, Protógenes foi além: acusou o novo comando da PF de tê-lo vigiado, para em seguida repassar as informações ao principal investigado, o banqueiro

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Daniel Dantas. A investigação do procurador guarda relação direta com a do suposto grampo no ministro Gilmar Mendes, uma vez que na apuração do vazamento das informações da Satiagraha há nomes que também figuram no rol de suspeitos de participação no episódio do grampo. O mal-estar institucional entre PF e Ministério Público se repete na própria investigação do grampo. Procuradores destacados para apurá-lo não têm conseguido trocar informações com os delegados que comandam o inquérito aberto na polícia para tentar elucidar a suposta interceptação ilegal no telefonema de Gilmar Mendes. A posição da PF Procurada por ÉPOCA, a direção da PF nega que tenha omitido o nome do delegado Eduardo Pellegrini nos documentos enviados ao MP. O nome de Pellegrini, segundo a PF, estava relacionado em dois ofícios encaminhados ao procurador. Num desses documentos, a polícia admite que incluiu indevidamente o nome de um delegado, Rodrigo Costa, que atuou apenas na execução da operação, no dia em que o banqueiro Daniel Dantas foi preso. Indagada sobre o motivo de ter informado ao MP apenas os números de patrimônio dos equipamentos usados na operação, a PF informou que isso aconteceu porque, entre os documentos enviados ao procurador, o delegado Troncon incluiu um ofício de circulação interna da polícia, onde não havia discriminação de tudo o que foi utilizado na operação. Segundo a assessoria da polícia, a lista detalhada dos equipamentos está sendo providenciada e será remetida ao procurador na próxima semana.

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ANEXO U – Matéria 17 O universo paralelo de Fausto O juiz que mandou prender Daniel Dantas rejeita uma promoção na carreira e é acusado de atuar como justiceiro – e não como magistrado Wálter Nunes SOB PRESSÃO Fausto De Sanctis no prédio da Justiça Federal na semana passada, no dia em que interrogou Daniel Dantas. Na mesma semana, ele poderia ser promovido a desembargador. Preferiu continuar no caso Aos 44 anos, separado, com fama de vaidoso, o juiz Fausto De Sanctis tem alguns traços de comportamento que o diferenciam da maioria das pessoas. Em 17 anos de Justiça Federal, tornou-se uma das principais autoridades brasileiras quando o assunto é lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Com tanto conhecimento acumulado, De Sanctis poderia reforçar o orçamento com palestras para universidades privadas e para grandes investidores. Não é ilegal nem seria considerado imoral. Ele diz gostar de falar para grandes platéias, em conferências concorridas – mas afirma sempre falar de graça. Recentemente, fez uma palestra para um auditório de executivos do Bradesco, o segundo maior banco privado do país. No final do encontro, um senhor de rosto redondo e cabelos brancos exibiu um exemplar do livro que o próprio De Sanctis escreveu: Combate à Lavagem de Dinheiro – Teoria e Prática. Pediu um autógrafo. Sem reconhecer quem fazia o pedido, Fausto perguntou, descontraído: “Qual o seu nome?”. A cena chocou os presentes. Era Márcio Cypriano, presidente do Bradesco, um dos rostos mais conhecidos dos meios financeiros e personalidade freqüente em colunas sociais. Nascido e criado no bairro paulistano da Mooca, De Sanctis estudou piano durante nove anos. Costuma fazer turismo pelos países da África. No universo paralelo de Fausto De Sanctis, os banqueiros que ele conhece e reconhece são outros. De Sanctis mandou prender Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos, onde figurões da política e dos negócios mantinham investimentos. Acompanhou os processos envolvendo o Crefisul e os bancos suíços UBS e Credit Suisse, acusados de crimes financeiros. Também conduziu o inquérito que levou à prisão e extradição – por lavagem de dinheiro – do traficante colombiano Juán Carlos Abadia, que dirigia um império de cocaína num discreto Q.G. no interior de São Paulo. Mas Fausto De Sanctis tornou-se uma celebridade em função de um caso específico. Por duas vezes, mandou prender Daniel Dantas, dono do Opportunity, grupo financeiro investigado por tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Por duas vezes, Daniel Dantas recebeu um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal. As investigações prosseguem e há um novo relatório sobre a mesa de De Sanctis. A qualquer momento, ele pode dar sua sentença sobre o caso – e condenar Dantas por crimes financeiros. Filho de um funcionário público, nascido e criado no bairro operário da Mooca, em São Paulo, De Sanctis estudou piano durante nove anos. É um leitor voraz de Machado de Assis e está firmemente convencido de que alguns sabores da existência são mais divertidos que outros. Conta que só visita os Estados Unidos e a Europa em viagens de serviço. Por sua conta, prefere conhecer países africanos, como Quênia e Tanzânia, de onde trouxe objetos que decoram seu gabinete. Na semana passada, a vida colocou Fausto De Sanctis diante de uma dessas opções que podem definir o destino de uma pessoa – e fez uma opção muito peculiar.

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Há quase duas décadas na carreira, teve a oportunidade de ser promovido a desembargador. O posto lhe daria honrarias próprias de quem avança um degrau na hierarquia da Justiça e também iria abrir portas sociais de outro escalão. É provável que, dentro de pouco tempo, ele não só estivesse familiarizado com a fisionomia de grandes banqueiros, mas também de empresários de estatura e celebridades em geral. Teria direito a um aumento de 5% nos vencimentos de R$ 21 mil mensais e ganharia um carro com motorista, algo de extrema utilidade para enfrentar o trânsito paulistano e um símbolo de ascensão social. Saiba mais A contrapartida: De Sanctis seria obrigado a deixar de lado o trabalho de primeira instância, onde pode julgar e acompanhar casos graves e decisivos, para atuar como um juiz que revê decisões do patamar de baixo e tem um poder de influência sobre os rumos da Justiça nos andares de cima. Seria mentira dizer que Fausto De Sanctis não foi atormentado por dúvidas. Até a véspera da decisão, ele não sabia o que fazer – até porque, no mesmo período em que examinava a possibilidade de promoção, era obrigado a encarar uma investigação de seus pares que poderia terminar em humilhação pública. Na segunda-feira passada, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região examinou uma acusação dos advogados de Daniel Dantas contra De Sanctis. Para eles, De Sanctis não tem a isenção necessária para julgar Dantas. Se perdesse, De Sanctis seria afastado do caso. Acabou absolvido. Eram três votos. Ganhou por 2 a 1. Essa vitória, mesmo magra, animou-o. Ele resolveu seu futuro profissional depois da absolvição. Ao preferir o salário mais baixo e dispensar o carro com motorista, cometeu um gesto coerente com as regras que estabeleceu para si mesmo. A poucas horas de decidir, ele ainda estava em dúvida. “Se eu pudesse, deixaria que alguém resolvesse para mim”, afirmou a um interlocutor. De Sanctis tem esse sentido de dever, traço que faz dele uma personalidade admirada por boa parte dos colegas – e ajuda a entender as polêmicas que provoca e as críticas que recebe. Mais de 300 juízes e desembargadores saíram em sua defesa quando Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, derrubou seu segundo mandado de prisão contra Dantas sem aguardar pela manifestação de todas as instâncias anteriores. Em nome do dever, o juiz renunciou a um aumento no salário e mordomias para ficar onde está. “O Fausto é um juiz sério e competente, mas às vezes se comporta como se fosse o único. Ele acha que está sempre com a razão”, afirma um colega. “Ele dá a impressão de que se coloca acima do tribunal”. Diferenças e conflitos entre juízes costumam confundir o cidadão comum. A Justiça não é uma ciência exata. Mesmo nos países de maior cultura jurídica, os magistrados vivem guerras doutrinárias. Referência mundial, a Suprema Corte americana divide-se entre conservadores e progressistas, que travam lutas permanentes em torno de questões como aborto, pesquisas com células-tronco ou casamento entre homossexuais. De Sanctis tem admiradores no Supremo, como Joaquim Barbosa, o ministro que fez a denúncia dos envolvidos no inquérito do mensalão. Mas também tem críticos igualmente capazes e competentes, a começar por Gilmar Mendes. O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) foi ao Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, acusá-lo de conceder senhas para monitoramento telefônico de forma indiscriminada. De Sanctis nega: “Eu só autorizei 2,4% dos pedidos de escuta telefônica que chegaram até mim pela Polícia Federal”. É verdade. A investigação não se restringiu a senhas legais. Houve serviço ilegal de escutas paralelas em telefones de jornalistas, empresários e políticos que nada tinham a ver com as investigações.

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Os adversários dizem que Fausto se envolve tanto com suas causas que é possível enxergar lágrimas em seus olhos quando ele comenta algumas investigações. Os advogados que defendem clientes que De Sanctis ajudou a pôr na cadeia dizem que ele se comporta como um justiceiro – e não como um verdadeiro magistrado. A diferença entre o juiz e o justiceiro é que o primeiro pode ter as idéias que tiver, mas atua nos espaços da lei. O segundo usa a lei como pretexto para atuar num espaço além do que a lei autoriza. Esse é o ponto. Reconhecido pela perseverança no combate à lavagem de dinheiro, num país conhecido pela impunidade, De Sanctis, segundo seus críticos, revela desprezo por leis e valores que alimentam a essência de sua profissão. Há duas semanas, numa palestra no Rio de Janeiro, disse que “a Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, que contém um resumo das nossas idéias”. E completou o raciocínio dizendo: “Nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt”. Era uma referência a um filósofo de Direito alemão respeitado no mundo inteiro – mas que também foi militante do partido nazista de Adolf Hitler. Num artigo publicado dias depois na Folha de S.Paulo, a juíza Kenarik Boujikian Felippe recordou, sem citar De Sanctis pelo nome, que essa concepção da Constituição “revela uma visão distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz”. Ela também afirmou: “Os juízes estão subordinados ao povo, nos termos do ordenamento jurídico democraticamente constituído, e não podem se sobrepor a isso supondo-se eles mesmos o espírito do povo”. Um país só tem a ganhar quando um juiz dispensa promoções e mordomias para fazer aquilo em que acredita e que considera seu dever. Mas só tem a perder quando seus juízes tentam agir como heróis de disputas imaginárias – e não como magistrados imparciais, pagos para aplicar a lei. Os desdobramentos do caso Daniel Dantas deverão deixar claro a qual dessas categorias De Sanctis pertence.