a influÊncia da tecnologia para a socializaÇÃo …

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Edição 19 – Junho 2020 1 A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA PARA A SOCIALIZAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO DE CASO. SANTIAGO, Daniela Emilena 1 FERREIRA,João Pedro 2 RESUMO: Este trabalho, teve como objetivo identificar e analisar a influência da utilização de novas tecnologias no cotidiano de uma criança, buscando mensurar em que medida essa prática influencia na sua inserção social e familiar. Para analisar esse fenômeno recorremos ao autor L.S. Vygotsky. Em sua obra Pensamento e Linguagem, apoiado na corrente marxista, nos indicou que é por meio dos instrumentos e símbolos que o ser humano vai conhecendo o mundo. Para essa pesquisa, utilizamos observações, análises e entrevista semiestruturada abordando uma criança de 12 anos. Pressupomos que essa pesquisa nos levou a aprofundar o conhecimento a respeito do desenvolvimento infantil, considerando a influência dos fatores contemporâneos como a utilização da tecnologia nesse processo. Além disso, a nosso ver, foi possível compreender se a utilização das tecnologias, no espaço doméstico, influencia a inserção social e familiar da criança. Palavras-chave: Criança; tecnologia; Desenvolvimento infantil. ABSTRACT: This work addressed the objective of identifying and analyzing the influence of the use of new technologies in the daily life of a child, seeking to measure the extent to which this practice influences its social and family insertion. To analyze this phenomenon was resorted to the author L.S. Vygotsky. In his work, thought and language, supported by the Marxist current, indicated that it is through the instruments and symbols that the human being will know the world. For this research, we used observations, analyses and semi-structured interviews addressing a 12-year-old child. We assume that this research has led us to deepen knowledge about child development, considering the influence of contemporary factors such as the use of technology in this process. Moreover, in our view, it was possible to understand whether the use of technologies in the Keywords: Child; Technology; Child development. 1 Daniela Emilena Santiago é Assistente Social, docente dos cursos de Psicologia e Pedagogia da UNIP, Mestre em Psicologia e História pela Unesp, Doutoranda em História pela Unesp. E-mail: [email protected] 2 João Pedro Ferreira é Psicólogo, graduado em 2019 pela Unip de Assis-SP. E-mail: [email protected]

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Edição 19 – Junho 2020 1

A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA PARA A SOCIALIZAÇÃO

INFANTIL: UM ESTUDO DE CASO.

SANTIAGO, Daniela Emilena1

FERREIRA,João Pedro2

RESUMO: Este trabalho, teve como objetivo identificar e analisar a influência da

utilização de novas tecnologias no cotidiano de uma criança, buscando mensurar em que

medida essa prática influencia na sua inserção social e familiar. Para analisar esse

fenômeno recorremos ao autor L.S. Vygotsky. Em sua obra Pensamento e Linguagem,

apoiado na corrente marxista, nos indicou que é por meio dos instrumentos e símbolos

que o ser humano vai conhecendo o mundo. Para essa pesquisa, utilizamos observações,

análises e entrevista semiestruturada abordando uma criança de 12 anos. Pressupomos

que essa pesquisa nos levou a aprofundar o conhecimento a respeito do

desenvolvimento infantil, considerando a influência dos fatores contemporâneos como a

utilização da tecnologia nesse processo. Além disso, a nosso ver, foi possível

compreender se a utilização das tecnologias, no espaço doméstico, influencia a inserção

social e familiar da criança.

Palavras-chave: Criança; tecnologia; Desenvolvimento infantil.

ABSTRACT: This work addressed the objective of identifying and analyzing the

influence of the use of new technologies in the daily life of a child, seeking to measure

the extent to which this practice influences its social and family insertion. To analyze

this phenomenon was resorted to the author L.S. Vygotsky. In his work, thought and

language, supported by the Marxist current, indicated that it is through the instruments

and symbols that the human being will know the world. For this research, we used

observations, analyses and semi-structured interviews addressing a 12-year-old child.

We assume that this research has led us to deepen knowledge about child development,

considering the influence of contemporary factors such as the use of technology in this

process. Moreover, in our view, it was possible to understand whether the use of

technologies in the

Keywords: Child; Technology; Child development.

1 Daniela Emilena Santiago é Assistente Social, docente dos cursos de Psicologia e Pedagogia da UNIP,

Mestre em Psicologia e História pela Unesp, Doutoranda em História pela Unesp. E-mail:

[email protected]

2 João Pedro Ferreira é Psicólogo, graduado em 2019 pela Unip de Assis-SP. E-mail:

[email protected]

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Edição 19 – Junho 2020 2

INTRODUÇÃO

A tecnologia vem evoluindo junto com a humanidade. Cada dia temos mais

recursos para nos auxiliar no dia-a-dia com diversos tipos de objetos tecnológicos

dentre os quais: videogames, relógios inteligentes, celulares de última geração,

computadores com sistemas independentes, realidade virtual entre outros. Conseguimos

utilizá-la não só para trabalho, relação social ou para diversão, mas podemos sim

utilizá-la para um bem maior: o conhecimento e benefício físico.

Para tanto, as tecnologias abarcam vários públicos, desde os adultos, jovens e

mesmo públicos infantis. Por isso, cada vez mais vemos que há um rol amplo de

produtos que são confeccionados e destinados para vários públicos. No universo infantil

os itens tecnológicos se popularizaram e tem se mostrado como uma atividade tanto

usada com finalidade educativa quanto com o objetivo de entretenimento. Porém, temos

visto que as tecnologias também têm comprometido a socialização infantil, uma vez que

sua utilização em excesso tem coibido momentos de vivência familiar e social,

sobretudo de crianças e também de adolescentes. Compreender em que medida a

recorrência a novas tecnologias interfere nos processos de socialização constitui o

objeto desse texto.

Inicialmente o interesse por esse tema surgiu partindo da observação de uma

criança, no processo de estágio curricular obrigatório de um dos autores enquanto

cursava Psicologia. Nessa circunstância observou que crianças, no momento do

intervalo escolar, rapidamente retiravam o celular da bolsa e muitas passavam o período

todo usando o aparelho. Observando crianças em vários cotidianos, além do espaço

escolar constatamos que é comum que crianças, cada vez com menor idade,

manipularem tablets, celulares e outros equipamentos dessa natureza. Via de regra,

nesses contextos, a criança ignora outras crianças ou adultos em detrimento dos

aparelhos tecnológicos.

Nesse sentido, temos cada vez mais a utilização pelas crianças de mídias e

dispositivos tecnológicos afins, porém, nesse contexto surge também o questionamento

social sobre até que ponto a tecnologia não comprometeria o desenvolvimento infantil,

e, mais, esse comprometimento não traria prejuízos ao desenvolvimento infantil? A

utilização dessas tecnologias poderia ser um dispositivo influente na segregação de

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Edição 19 – Junho 2020 3

crianças, em sua dificuldade de se relacionar com o outro, incluindo no seu contato e

aproximação familiar? Por conseguinte, cabe destacar que essas indagações nos

movimentaram na elaboração do presente projeto de pesquisa e, também são questões

que se mostram interessantes para toda uma sociedade contemporânea.

Além disso, entender o desenvolvimento infantil é vital e basal para a produção

de conhecimento. Dessa maneira podemos também justificar a realização desse artigo

ao considerarmos que estudar, conhecer os aspectos que influenciam o desenvolvimento

infantil é vital para várias áreas tais como a pedagógica, a psicológica, e outras afins.

Portanto, a produção de conhecimento nessa área, do desenvolvimento infantil, pode

iluminar outras áreas do saber e da intervenção profissional as quais tenham sua prática

orientada para a infância.

É necessário indicar que esse artigo decorre da pesquisa de iniciação científica

realizada pelos autores a qual ficou intitulada: “Socialização e Atividade Lúdica da

Criança e o Uso das Tecnologias: um estudo de caso” iniciada no ano de 2018 e

concluída no ano de 2019 pelos autores. O texto que segue descreve parte dos resultados

identificados pelos autores por meio dessa pesquisa. É importante salientar que a

pesquisa de campo foi desenvolvida somente após a aprovação do Comitê de Ética da

UNIP. Para a elaboração desse artigo optamos por apresentar incialmente considerações

sobre o desenvolvimento infantil, partindo da perspectiva de L.S. Vigotski e seus

colaboradores e na sequência apresentaremos a pesquisa, detalhando os métodos usados

para a construção dos dados aqui destacados.

1. O DESENVOLVIMENTO INFANTIL SEGUNDO L.S. VIGOTSKI

Pensar esse tema de estudos nos orientou essencialmente a refletir sobre a

questão do desenvolvimento infantil. Para compreender o desenvolvimento infantil

recorremos a perspectiva do psicólogo russo L.S.Vygotsky e dos seus colaboradores,

Luria e Leontiev.

Bem Vygotsky (1996) nos coloca que o desenvolvimento do ser humano se dá

através da relação que a criança, ainda bebê, estabelece com o mundo. Assim, para ele,

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a partir do momento em que nascemos somos colocados em mundo do qual precisamos

ter conhecimento. Para o autor russo, o conhecimento do ser humano, dessa criança que

nasceu acontece através da mediação. É a mediação que permite a criança interiorizar

conceitos que estão postos no mundo.

Para que a mediação aconteça, Vygotsky (1996), apoiado na corrente marxista,

nos indica que é por meio dos instrumentos e símbolos que o ser humano vai

conhecendo o mundo. Os instrumentos, objetos são basais nesse processo, uma vez que

por meio do contato alcançado com tais itens é que a criança constrói e reconstrói

conceitos, dialeticamente. Outro elemento basal no sentido de viabilizar a mediação de

conceitos é o adulto. Para Vygotsky (1996) o primeiro momento de socialização da

criança é a família e, depois é a escola, o espaço pedagógico.

Seria dessa forma que o ser humano vai se desenvolvendo, ou seja, se

apropriando e conhecendo a realidade. Esse processo, denominado assim por Vygotsky

como apropriação é o que consolida a subjetividade e permite que o ser humano possa

construir sentidos e significados. O sentido é um conceito que o ser humano constrói,

porém, o sentido vem carregado de conotação pessoal. O significado, por outro lado,

refere-se ao conteúdo de um determinado conceito.

No processo de desenvolvimento da subjetividade é que o ser humano consegue

desenvolver as funções psíquicas superiores, como a memória, o pensamento, a

percepção e a atenção voluntária. As funções psíquicas superiores colaboram para a

ampliação do desenvolvimento infantil, e, permitem à criança refletir, mentalmente,

antes de adotar alguma decisão e cometer algum ato específico. A função psíquica

superior permite ainda que a criança apresente uma fala orientada, porque, estará

articulada ao pensamento.

Enfim, para Vygotsky (1996) é basal o papel da mediação do adulto e também

das instituições, dos instrumentos na construção do ser humano. A escola, para ele seria

um importante ator na construção da criança, sobretudo em relação a aprendizagem.

Mas, o autor enfatiza e discute com muita procedência a importância da atividade lúdica

no desenvolvimento da criança, aliás, destacando que a brincadeira é fundamental,

sobretudo a brincadeira de faz-de-conta posto que essa estimula a memória e a

imaginação.

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Edição 19 – Junho 2020 5

Por conseguinte, derivando dessa perspectiva, que, aqui resumimos por tratar-se

de um projeto de pesquisa, é que começamos a refletir sobre o desenvolvimento da

criança na sociedade contemporânea. Assim vejamos, obvio que Vygotsky (1996)

escreveu e se tornou extremamente popular no século XX, ou seja, apesar de seus

trabalhos apresentarem grande quantidade de pesquisas de campo, o autor pensou uma

criança do seu tempo. Atualmente, temos uma criança diferente, que, além de uma série

de aspectos afins, provém de uma sociedade em que temos grande influência do

desenvolvimento tecnológico.

Assim, grande parte dos processos de interação nos quais a criança

convencionalmente estaria inserida acabam sendo suprimidos, na atualidade. Nos

grandes centros vemos que muitas famílias, em virtude de evitem a exposição das

crianças acabam as mantendo segregadas no interior das casas e com acesso a um rol

amplo de equipamentos tecnológicos. Nos centros de menor porte, o medo das famílias

também se mostra latente e adotam, também como medida, a segregação. Associada a

isso temos também uma precarização da vida como um todo o que obriga os familiares,

em sua maioria, a trabalharem por longos períodos, fazendo com que os aparelhos

eletrônicos sejam disponibilizados para a criança como um meio de mantê-la ocupada.

Esses e outros fatores afins acabaram mudando substancialmente o cotidiano das

crianças, resultando assim em uma alteração de como a criança se apropria do mundo,

como a criança estabelece a mediação e como ela funda a sua subjetividade, o seu

desenvolvimento. Portanto, nosso desejo foi o de olhar para um dos aspectos que pode

ter sido alterado na dinâmica da criança e que pode provocar alterações no seu

desenvolvimento uma vez que diminui a sua socialização, sua relação com os pares. Na

sequência apresentaremos a pesquisa realizada onde pudemos analisar, partindo do

estudo de caso, a influência da tecnologia na socialização infantil.

2. TECNOLOGIA E SOCIALIZAÇÃO INFANTIL: um estudo de caso

Para a realização dessa pesquisa partimos do entendimento de Minayo (1999)

acerca da pesquisa qualitativa uma vez que a mesma a compreende como uma

modalidade de produção de conhecimento que está assentada na construção de sentidos,

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de significados de um dado fenômeno estudado. Portanto, como desejamos identificar a

influência da utilização de mídias afins na socialização de crianças, compreendemos que

estamos construindo sentidos, significados sobre esse conceito e não apenas estamos

quantificando ou delimitando percentuais envoltos no fenômeno estudado.

Já no que concerne, especificamente, ao método usado para a realização da

pesquisa, recorrendo as delimitações de Gunther (2006), definimos por utilizar pesquisa

de campo, na qual usamos várias metodologias para a apreensão do objeto. Uma dessas

metodologias foi a entrevista semi-estruturada, uma vez que delimitamos eixos que

abordamos com a criança sujeito da pesquisa.

Nesse sentido, cabe ainda destacar que definimos por realizar a pesquisa com

uma criança, na idade de 12 anos, que frequentava a rede municipal de ensino do

município de Assis. A diretora da unidade de ensino em questão nos indicou o sujeito

da pesquisa. Fizemos a pesquisa após contato com os responsáveis pela criança, e após

submissão e a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unip. Consideramos a

delimitação pertinente uma vez que residimos na cidade, o que tornaria a realização da

pesquisa mais acessível. Para tanto, idealizamos o desenvolvimento da pesquisa na

escola Leny Barros da Silva porque foi nesse espaço que um dos autores desenvolveu o

estágio curricular obrigatório vinculado à área educacional.

Junto à criança inicialmente pensamos nas seguintes questões: qual o nome,

idade, série escolar e há quanto tempo estuda nessa escola; quais são as matérias que

mais gosta e porquê; o que faz no intervalo da escola; você sabe no que seus pais

trabalham?;quais são os meios de lazer que usa no fim de semana; quais equipamentos

eletrônicos que possui; quais e quantas atividades participa em família; recebe amigos

para brincar e brinca do quê? Partindo dessas questões a análise será construída

considerando-se os eixos: identificação geral da criança; atividades que a criança realiza

na escola e fora dela; a presença ou a ausência de mídias eletrônicas no cotidiano das

crianças interfere ou não em sua socialização?.

A escolha por uma criança definiu-se pelo fato de que na pesquisa qualitativa

não é necessária uma grande quantidade de números, uma vez que uma criança é

representativa. Nesse sentido, declinando uma vez mais das colocações de Gunther

(2006) escolhemos por realizar uma pesquisa na modalidade estudo de caso afinal

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vamos observar, analisar e estudar um aspecto de um fenômeno maior, amplo

considerando-o como uma possível expressão de uma realidade maior, ampla. Nesse

ínterim é mister indicar que compreendemos esse estudo de caso considerando-o

relacionado a uma realidade social, econômica, específica, na qual o desenvolvimento

tecnológico tem grande influência e importância. Por conseguinte, olhamos para um

fenômeno específico, mas não isolamos esse fenômeno da realidade em que vivemos e

na qual pesquisamos.

Tendo tais colocações arroladas, passamos a apresentação do caso em questão. O

sujeito desse estudo é V., doze anos de idade, que cursava em 2019 o sétimo ano do

ensino fundamental da instituição de ensino onde frequenta a um ano e oito meses.

Dessa forma, como indicamos na metodologia do projeto que seria realizada uma

entrevista apenas e consideramos que os resultados propostos para a pesquisa foram

alcançados de forma satisfatória. Além disso, a entrevista que realizamos mostrou-se

suficiente ao passo que nos permitiu apreender aspectos sobre a socialização da criança

entrevistada.

Para a realização da entrevista usamos o questionário composto pelas seguintes

questões: Qual é o seu nome?; Quantos anos você tem?; Você estuda em que ano da

escola V.?; A quanto tempo você estuda nesta escola?; Quais são as matérias que você

mais gosta?; Porque?; E o que você faz na escola na hora do recreio?; Você tem alguma

atividade que você mais gosta?; Você sabe onde seus pais trabalham?; Você sabe me

dizer o que eles fazem?; O seu pai trabalha em que?; E a sua mãe?; O que você gosta de

fazer no final de semana? Como lazer na sua casa?; Quais atividades que você gosta de

fazer quando você está na sua casa?; Você tem algum jogo em específico?; Mas jogo de

que, você diz?; E quais equipamentos eletrônicos você possui?; Você sabe quais

atividades você participa em família?; O que você faz com a sua família no final de

semana no lazer?; Você recebe amigos para brincar com você na sua casa?; E vocês

brincam do que quando estão lá?; E você gosta?; E você que chama os amigos para

brincar nesses equipamentos eletrônicos? Ou eles são eles que pedem”, E tem outra

atividade que você gosta sem ser equipamentos eletrônicos? Jogar no videogame?

Mexer no computador...; Mas você trocaria as atividades de videogame para brincar de

bola ou algo do tipo? E tem outra atividade que você gosta além destas que você falou

pra gente?; Só pra gente finalizar então V. quando você está no intervalo, no recreio da

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escola, você pode mexer em celular, tablete ou alguma coisa do tipo?; Mas tem alguma

restrição?; Tem um tempo para você brincar no celular?; E nas aulas, você pode

mexer?; E ela deixa quando?. E ainda tem alguma outra coisa que você deseje falar?.

As três primeiras questões: “Qual é o seu nome?; Quantos anos você tem?; Você

estuda em que ano da escola V.? E há quanto tempo você estuda nesta escola?”, foram

usadas para que fosse possível conhecer um pouco mais sobre o sujeito que participaria

da entrevista. Após a realização da entrevista foi possível identificar o nome da criança,

mas aqui a chamaremos apenas por V. tendo em vista a necessidade de preservação de

sua identidade. V. também nos informou que tem 12 anos, está no sétimo ano e estuda

na escola em questão há cerca de dois anos.

As outras questões: “Quais são as matérias que você mais gosta? ” e “Porque?”,

buscavam identificar informações sobre a interação da criança na escola, e, servir

também como uma forma de aproximação entre entrevistador e entrevistado. A essas

questões a criança respondeu que a matéria que mais gosta é matemática, tendo em vista

que é mais fácil a ela. A questão: “E o que você faz na escola na hora do recreio?”,

buscava identificar aspectos relacionados a interação da criança em sua atividade

escolar, ao que o sujeito entrevistado respondeu: “Fico brincando com os meus

amigos”, demonstrando assim que a criança tem momentos de interação com outras

crianças, mesmo tendo a opção da utilização de equipamentos eletrônicos ou

tecnológicos nos intervalos. Na sequência ainda foi perguntado a criança: “Você tem

alguma atividade que você mais gosta?”, buscando identificar qual seria a brincadeira

preferida da criança na escola, ao que a criança respondeu: “Não”, ou seja, não há

clareza da criança em afirmar sobre o que mais gosta de fazer no intervalo com os

amigos.

Abordando sobre as perguntas de seus responsáveis como: “Você sabe onde seus

pais trabalham? ” e respondendo: “Sim” mas não descreveu o que os familiares faziam

como inserção laboral. Sendo assim, a necessidade da pergunta: “Você sabe me dizer o

que eles fazem? ” nos trouxe a informação: “Eles ficam trabalhando, vai pra casa, come

em casa e volta pro trabalho”. Para saber mais sobre essas pessoas que foi questionado

para V., “O seu pai trabalhar em que? ” com o apontamento: “Caminhões. ”. E também

foi realizada a pergunta: “E sua mãe? ” em: “Roupas, vendas.”. Entretanto essas

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informações foram de grande importância para que pudéssemos conhecer um pouco

sobre a dinâmica familiar da criança. No entanto, as respostas foram evasivas

considerando a faixa etária da criança.

A questão: “O que você gosta de fazer no final de semana? Como é o lazer na

sua casa? ”, buscava identificar questões relacionadas ao lazer fora do espaço da escola.

A criança, no entanto, não entendeu a pergunta e por conta disso reformulamos da

seguinte forma: “Quais atividades que você gosta de fazer quando você está na sua

casa?”. O sujeito entrevistado inicialmente disse que gosta de jogar destacando assim a

suposição de inúmeros jogos que pode ser descrito na categoria. Mesmo ao trazer a

pergunta: “Você tem algum jogo em específico? ” as respostas continuaram sendo

genéricas. Entretanto ao questioná-lo: “Mas jogo de que, você diz? ” nos trouxe a

compreensão que se tratava de jogos eletrônicos com a resposta: “De tiro, de rpg. ”.

Pedindo para informar: “E quais equipamentos eletrônicos você possui? ” afirmou V.:

“Celular e pc e Xbox. ”

Nesse sentido, podemos observar que a criança, ao ser questionada a respeito das

atividades do fim-de-semana apenas citou atividades ligadas a aparelhos tecnológicos.

Paiva;Costa (2015) nos indicam que esse tipo de verbalização é comum quando a

criança está mais habituada em utilizar esses dispositivos em seu cotidiano. De certa

forma, sabemos que a criança “expressa” aquilo que vivencia. No caso em pauta, apesar

de em outros questionamentos a criança indica que “prefere” brincadeiras tradicionais

vemos que ao relacionar as atividades que desenvolve nos finais de semana a criança

nem cita brincadeiras tradicionais.

Com a pergunta: “O que você faz com a sua família no final de semana no

lazer?” demandou que entrássemos um pouco mais afundo nessa questão em prol de

informações, pois a criança entrou em reflexão ao ser questionada respondendo apenas:

“Ah... ” e ficando em silêncio por um minuto. Reformulada a pergunta: “O que você faz

com a sua família no final de semana? ”, responde que: “Ah, fico conversando, fico

brincando... ”. Desse modo a pergunta subsequente: “Você sabe dizer quantas vezes

você faz isso no final de semana? ”, a criança destaca que são muitas as vezes na qual

conversa e brinca, portanto, na questão: “Quantas atividades você faz? ” há

controvérsias na conclusão desse assunto nos informando que: “Ah, faço bem pouco

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Edição 19 – Junho 2020 10

com a minha família.”. Baseado em seus relatos, pudemos verificar que a relação entre

ela com mediadores adultos se torna mínima tendo em vista que a frequência em seus

objetos eletrônicos aos finais de semana se mostrou mais presente.

Aqui temos outro destaque importante. A família é segundo nossos estudos em

Vigotski (1996) um dos principais elementos de socialização da criança. Ela é, antes da

inserção escolar o principal responsável pela socialização infantil. Assim, se a família

não dispõe de momentos de lazer junto à criança é natural que ela busque outros apoios.

Além disso é comum também que muitos familiares, por um grande número de fatores

afins, acabem “terceirizando” a educação dos filhos para equipamentos eletrônicos.

Apesar de a tecnologia poder ser usada como um apoio e que pode potencializar o

desenvolvimento da criança, também acaba enfraquecendo os laços entre pais e filhos.

Assim, o excesso de tecnologia compromete até mesmo os relacionamentos familiares.

O uso indiscriminado da tecnologia descontrói o vínculo afetivo entre

os membros da família, nesse sentido, a ausência de referência de

natureza emocional dificulta as crianças a desenvolverem sua

cognição no âmbito escolar, pois, a falta de equilíbrio entre o aspecto

cognitivo e afetivo compromete o desempenho escolar dos alunos.

(PAIVA; COSTA,2015, p.5)

Além disso o excesso de utilização de tecnologia compromete o

desenvolvimento cognitivo da criança, e, pode também resultar em prejuízos para o

desenvolvimento de sua aprendizagem. No caso da criança em pauta, segundo a direção

da escola, não observou-se dificuldade de aprendizagem mas dificuldade na

socialização com outras crianças.

Ainda sobre seus momentos de lazer trazendo as perguntas: “Você recebe

amigos para brincar com você na sua casa? ”, “E vocês brincam do que quando estão lá?

” nos afirma que mesmo com a socialização com outra criança neste ambiente familiar

os objetos eletrônicos permanecem como principais informa V.: “A gente fica brincando

de futebol, depois a gente fica jogando no pc ou no celular. ”. Na sequência a pergunta:

“E você gosta? ”, ao que a criança respondeu: “Gosto! ”. Como questionamento

subsequente: “E você que chama os amigos para brincar nesses equipamentos

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eletrônicos? Ou eles é que pedem”, acaba sendo respondida como ambas as partes que

possuem interesse pelos aparelhos eletrônicos, ou seja, tanto o sujeito entrevistado

quanto seus amigos demonstram também gostar de aparelhos eletrônicos.

Na verdade isso é algo muito cultural, uma vez que o brincar, assim como os

jogos usados e os brinquedos vão mudando ao longo dos anos. Atualmente observamos

que o aporte à tecnologia não é algo que acontece isoladamente, mas afeta várias

crianças da sociedade contemporânea. (CARNEIRO, 2013). Assim, a criança

participante da pesquisa apenas representa uma realidade que afeta várias outras

crianças.

Para sabermos mais sobre outras atividades, com a questão: “E tem outra

atividade que você gosta sem ser equipamentos eletrônicos?, o entrevistado relata que:

“Ah, eu gosto de jogar futebol quando eu...ou fico correndo. ” e mesmo questionado:

“Mas você trocaria as atividades de videogame para brincar de bola ou algo do tipo? ”,

V. aborda que: “Sim! ”. Com o fechamento neste contexto a questão: “E tem outra

atividade que você gosta além destas que você falou pra gente? ”, V. informa somente

estas atividades de sua preferência. Vemos que a criança cita o futebol, porém, nada

além dessa atividade. Ou seja, o escopo das brincadeiras é restrito.

Com o objetivo de sabermos mais fundo entre tecnologia e ambiente escolar a

questão: “Só pra gente finalizar então V., quando você está no intervalo, no recreio da

escola, você pode mexer em celular, tablete, ou alguma coisa do tipo? ”, “Mas tem

alguma restrição? ”, “Tem um tempo para você brincar no celular? ”, “E nas aulas, você

pode mexer? ”, e ao que detalhou V. que a aceitação de manuseio de objetos

tecnológicos é vista de forma tranquila, não havendo nenhuma restrição em seu uso,

porém há um tempo para a utilização desse aparato que só pode acontecer no intervalo.

Já em sala de aula, o uso só é permitido após a aprovação da professora, mas somente

quando as finalizações das atividades forem concluídas. Apesar de haver certo controle,

a possibilidade de uso na escola, onde geralmente a utilização é restrita, também pode

ser um estimulador para ampliar o uso de equipamentos eletrônicos pela criança.

Partindo no entanto da pesquisa que realizamos pudemos observar que a criança

apresentou muitas dificuldades com perguntas básicas como a ocupação dos familiares,

o que a criança gosta de fazer aos finais de semana sendo que tivemos que reformular

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Edição 19 – Junho 2020 12

muitas perguntas no momento da entrevista. Isso pode decorrer de dificuldades

intelectivas apresentadas pela criança e que mereceriam uma dedicação maior por parte

da pesquisa, porém, o diretor da escola onde a pesquisa ocorreu não indicou qualquer

tipo de dificuldade intelectiva por parte da criança. Nesse sentido a nosso ver grande

parte da dificuldade da criança pode estar associada a ausência de repertório para

responder às questões, até porque é uma criança com idade de doze anos ou seja poderia

argumentar melhor em suas colocações.

Essa ausência de conhecimento da profissão dos pais e também a falta de

conhecimento de outras brincadeiras para além do futebol representam um fenômeno

típico do brincar nas sociedades contemporâneas, conforme nos indica Carneiro (2012).

A autora até nos diz que nas sociedades modernas o uso em excesso de tecnologias

converte o brincar partilhado em um brincar individualizado. Ou seja, a criança muda a

forma de brincar e isso provoca alterações na maneira com que se relaciona com outras

crianças e também com os adultos. A ótica individualizada produz resultados negativos

para a socialização da criança e para a sua subjetividade e segundo a autora pode

prejudicar também o seu desenvolvimento futuro em diversas áreas como no trabalho,

na constituição familiar e nos estudos. De tal forma, a criança cresce alienada de si

mesmo e dos outros. E, em nossa pesquisa observamos que a criança sujeito da

entrevista demonstra alguns traços desse tipo de comportamento como narramos acima.

Por conseguinte, para esse caso em específico podemos inferir que a utilização da

tecnologia comprometeu a socialização da criança com outras crianças e com seus

familiares.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, o desenvolvimento da criança no século XXI encontra-se em rápida

mutação, e vem fortemente influenciado pelo aporte a questão da tecnologia. Nesse

sentido, a tecnologia integra o nosso cotidiano e também faz parte do dia-a-dia das

crianças. Essa influência traz muitos aspectos positivos, porém, também pode trazer

resultados negativos para o desenvolvimento infantil. Dentre esses aspectos podemos

citar a questão da socialização, fortemente influenciada pelo excesso de utilização dos

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Edição 19 – Junho 2020 13

aparelhos tecnológicos. As crianças tendem a optar por dispositivos eletrônicos que

pressupõe uma recreação e uma ludicidade individualizada rompendo assim com a

característica coletiva que comumente estava presente no brincar anteriormente.

Partindo do caso que estudamos observamos que uma criança já com doze anos

de idade apresenta dificuldades em relação a identificar a profissão dos pais, em

descrever quais atividades desenvolve no fim de semana. Vimos ainda que a criança não

possui um repertório amplo de brincadeiras para relatar, ao menos no concerne as

brincadeiras tradicionais. Nesse sentido observamos que a criança apresenta

dificuldades de socialização até mesmo com sua família, e que isso pode em grande

medida decorrer do processo de individualização da criança a partir do excesso da

utilização da tecnologia com função lúdica. Da mesma medida observamos que a

apresentação pela criança de tipos de jogos eletrônicos apresenta maior variedade,

indicando assim que a criança de fato utiliza bem mais equipamentos eletrônicos do que

brinquedos tradicionais.

Futuramente não sabemos que gerações serão constituídas e como serão os

relacionamentos e aspectos relacionados a vínculos, afetividade, por exemplo. No

entanto, podemos supor que o excesso de utilização das tecnologias pelas crianças hoje

poderá trazer resultados negativos para a sua socialização tanto atualmente quanto

futuramente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa olhada para além dos seus procedimentos.

In: _______ (Org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. 1ª ed. São

Paulo: Editora Cortez, 2011.

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