a influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM PSICOLOGIA II ALEXANDRE FONTOURA DOS SANTOS DANIELLLE ASSUMPÇÃO MARTA OTTON THAÍS DA SILVA VIEIRA A influência da tecnologia na interação social entre adolescentes

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No presente trabalho, procuramos analisar por meio de observações e reflexões teóricas qual é o impacto das tecnologias na qualidade da interação entre adolescentes, investigando o período de intervalo de alunos do Ensino Médio no Colégio Champagnat, uma escola particular, no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, RS.

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Page 1: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE PSICOLOGIA

PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM PSICOLOGIA II

ALEXANDRE FONTOURA DOS SANTOSDANIELLLE ASSUMPÇÃO

MARTA OTTONTHAÍS DA SILVA VIEIRA

A influência da tecnologia na interação social entre adolescentes

PROFESSOR ORIENTADOR: Mariana BarcinskiTURMA: 379

PORTO ALEGRE2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE PSICOLOGIA

ALEXANDRE FONTOURA DOS SANTOSDANIELLE ASSUMPÇÃO

MARTA OTTONTHAÍS DA SILVA VIEIRA

A influência da tecnologia na interação social entre adolescentes

Trabalho de conclusão para aprovação na disciplinaPrática Interdisciplinar II, na turma 379,no semestre I/2011, na Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul, na Faculdade de Psicologia.

ORIENTADOR: Mariana Barcinski

PORTO ALEGRE2011

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SUMÁRIO

1. Introdução.....................................................................................................................04

2. Adolescência.................................................................................................................06

3. A Onipresença da Informatização – do social ao psicológico......................................10

4. O Adolescente do século XXI no Colégio Champagnat.............................................. 15

5. Adolescência e Comunicação Virtual.......................................................................... 22

6. Considerações Finais.................................................................................................... 28

Referências Bibliográficas................................................................................................. 30

ANEXOS

Protocolo de Observação 1 ............................................................................................... 32

Protocolo de Observação 2 ............................................................................................... 36

Protocolo de Observação 3 ............................................................................................... 38

Protocolo de Observação 4 ............................................................................................... 42

Protocolo de Observação 5 ............................................................................................... 45

Protocolo de Observação 6 ............................................................................................... 47

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1. INTRODUÇÃO

Diferentes maneiras de pensar e de relacionar-se estão sendo elaboradas no mundo das

telecomunicações e da informática. Nesta era digital, as tecnologias da comunicação e

informação surgiram e proliferaram-se de uma forma tão veloz, que falta tempo para absorvê-

las, digeri-las e dominá-las.

Como contribui para este olhar Pierre Lévy:

Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência . A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do “nós”. Embora a digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização (LÉVY, 1996, p.11).

Os aparelhos eletroeletrônicos como telefone celular, ipod, ipad, entre outros, fazem

parte do cotidiano dos indivíduos, especialmente da geração que nasceu em um mundo de

onipresença da tecnologia. Portanto, cabe-nos perguntar até que ponto a sociabilidade entre

adolescentes tem sido alterada, influenciada ou, até mesmo, regida pelas mudanças provindas

da crescente informatização? Que tipo de papel as novas tecnologias ocupam em seus afazeres

diários e na constituição de suas relações em grupo?

No presente trabalho, procuramos analisar por meio de observações e reflexões

teóricas qual é o impacto das tecnologias na qualidade da interação entre adolescentes,

investigando o período de intervalo de alunos do Ensino Médio no Colégio Champagnat, uma

escola particular, no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, RS.

Segundo o site do Observatório da cidade de Porto Alegre, pertencente à prefeitura da

cidade, o colégio fica dentro do campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul, num bairro que se caracteriza por uma região de muitos estabelecimentos comerciários,

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além grandes contrastes residenciais, abarcando residências nobres em condomínios fechados

e bem como vilas com moradias precárias.

O trabalho foi realizado através de seis observações no referido colégio, em Porto

Alegre, RS, durante o intervalo (recreio), com 20 minutos de duração cada uma. Observamos

alunos que estão cursando o ensino médio na faixa etária de 14 a 17 anos. Os dados foram

registrados em diário de campo que constam como apêndices no relatório final.

Para refletirmos acerca das questões colocadas no presente projeto, abordaremos nos

capítulos a seguir as seguintes questões:

a) a adolescência no contexto da pós-modernidade;

b) contexto sócio-histórico da Revolução digital, que serve de palco para os

adolescentes observados;

c) ser adolescente no contexto do Colégio Champagnat;

d) a influência da tecnologia na interação dos adolescentes.

O método utilizado foi o de observação simples que, segundo Gil (1987, p.105), é

aquela em que “o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação que

pretende estudar, observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem. Neste

procedimento, o pesquisador é muito mais um espectador que um ator”.

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2. ADOLESCÊNCIA

O período do ciclo vital referente à adolescência traz uma série de concepções

pertinentes no que se refere à Psicologia. Período de mudanças corporais, psicológicas e

cognitivas, de revivências de conflitos da infância, de busca de um senso de identidade, tal

fase vêm acompanhada de sentimentos intensos, confusos e contraditórios, levando os jovens

a um grande número de descobertas, explorações, assim como angustias e questionamentos.

Se encararmos a questão do ponto de vista da Psicologia Social, podemos inferir em uma fase

em que o contexto social assume gradualmente maior importância do que na fase anterior, a

infância. Pois é neste momento que o sujeito passa a questionar não apenas a si, mas seu lugar

no mundo, do pequeno grupo à sociedade, em um emaranhado de influências, busca de

pertencimento e conquista de independências.

Acreditamos que através desta abordagem possa-se esboçar um delineamento básico

dos jovens da atualidade em movimentos culturais de massa. No entanto, não nos referimos

aos movimentos organizados, ideológicos, com finalidades próprias (tema que seria também

interessante), mas às marés de pensamentos, expressões e tendências que circundam nossa

sociedade (ocidental) na atualidade. Um destes fenômenos, onde a adolescência parece ocupar

um dos papéis principais seria o da virtualidade, a vida cercada pelo tecnológico.

Nascidos em um mundo já envolto nestas tecnologias acessíveis ao consumo, as novas

gerações tem dado muito que falar (e analisar), envolvendo os diferentes usos dos aparatos

avançados em sua busca por socialização e comunicação. Para avaliarmos questões de

importância ao tema, propomo-nos, brevemente, a sintetizar alguns conceitos chaves no que

se refere à adolescência.

Eizirik (2001) ressalta que a adolescência, embora seja um processo universal, assume

peculiaridades de acordo com a cultura vigente. Ou seja, o conceito adolescência apresenta

matizes próprias em diferentes sociedades, com uma valorização maior ou menor de seus

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processos. É valido lembrarmos que, apesar da anterioridade das referências a esta, só no

século XX a adolescência é tratada como um período próprio, separado da infância e adultez.

Em Sherif e Sherif (1965) também podemos referir que a adolescência está caracterizada

fundamentalmente por ser um período de transição entre a puberdade e o estado adulto do

desenvolvimento e que nas diferentes sociedades este período pode variar, assim como o

relacionamento do indivíduo na condição adulta.

O processo adolescência é bastante rico e complexo, envolvendo todo o círculo

familiar, onde podemos dizer que é um período de conflitos, tensões e novas descobertas.

Eizirik (2001) nos diz que os jovens vivem em busca de situações no mínimo inusitadas,

fazem questionamento de antigos costumes, buscam algo novo, adiante, através de sua

curiosidade muitas vezes se perguntando por que os adultos já se acomodaram. Ainda nos dias

de hoje, nos deparamos com as constantes mutações e vulnerabilidades dos nossos jovens

adolescentes. Como exemplo, temos o fascínio que estes têm por todos os aparelhos

eletrônicos, que representam um mundo a ser explorado. Podemos observar que mesmo diante

das invariáveis existentes através dos séculos, desde Aristóteles (que já abordava atemática),

mesmo por toda evolução humana e tecnologia, o adolescente continua a exercer a

necessidade de novas descobertas e busca de desejos e satisfação.

Aberastury e Knobel (1992, p. 08) referem que “devemos em parte considerar a

adolescência como um fenômeno específico dentro de toda a história do desenvolvimento do

ser humano, e por outro lado observar as circunstâncias de caráter geográfico e temporal-

histórico-social”. Ainda segundo este autor, não há dúvidas de que o elemento sociocultural

influi com um determinismo específico nas manifestações da adolescência, mas também

temos que considerar que por trás dessas expressões socioculturais existe um embasamento

psicológico que lhes dá características universais.

Frente a um mundo tão mutável e permissível, o adolescente apresenta uma série de

atitudes mutáveis e consequentes de uma contínua evolução pela qual o mundo moderno vive,

enquanto este, o adolescente, vive um processo evolutivo e preparatório para a maturidade.

Erikson (1968) aponta que, à medida que a adolescente lida com a diversidade humana e

aspectos da complexidade de sua personalidade, este se defronta com desafios psicossociais

dentro da sociedade, em um conflito identidade versus confusão. Neste, o jovem busca

estabelecer sua identidade através do convívio social, enquanto mantém antigas conexões com

elementos significativos do passado, formando assim novas ligações com valores de grupos

determinados, os quais podem ser de colegas, times, turmas, éticos ou algum outro em que

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Page 8: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

encontre identificação. A busca pela identidade se dá durante toda a adolescência, e ao longo

desse caminho um adolescente pode experimentar mais de uma maneira de ser, que é

chamada de aquisição da identidade.

O desenvolvimento da compreensão de si mesmo toma uma nova dimensão na

adolescência, com os jovens começando a se reconhecer, os quais refletem aspectos de

personalidade diferentes e algumas vezes contraditórios. Em busca de seu eu, os adolescentes

frequentemente representam intencionalmente um “falso eu”, algumas vezes para obterem

aceitação, para impressionar os outros, ganhar aprovação ou testarem um novo papel. O grupo

de colegas é uma fonte vital de informação e encorajamento. Para Berger:

A subcultura adolescente fornece um amortecimento entre o mundo das crianças e o mundo dos adultos, permitindo, por exemplo, um contexto social para o começo dos relacionamentos heterossexuais (BERGER, 2000, p. 342).

Calligaris (2000) faz uma leitura social da adolescência a partir do referencial

psicanalítico. Segundo ele, o adolescente “interpreta” e realiza o desejo inconsciente do adulto

moderno. Ao adolescente é permitida a vivência de um prazer pleno marcado pela ausência

dos limites aos quais os adultos têm que se submeter. Apesar das exigências ao jovem de que

se submeta às regras e limites sociais, nas entrelinhas o que ele deseja é a realização daquilo

que o adulto foi impedido de concretizar. A cultura atual valoriza a autonomia, a

independência e a liberdade, promovendo como ideal aquele que faz exceção à norma. É isso

que o adolescente em sua tentativa de reconhecimento pelo outro vai interpretar do discurso

da sociedade e vai tentar realizar com seu comportamento “aberrante”.

Márcia Messias, em A Importância da Adolescência no Processo de Individuação

(2011), avalia que o nível de informação elevado, a presença da tecnologia sofisticada e,

principalmente, os meios de comunicação de massa são divulgadores de sistemas culturais e

de crenças não muito consistentes, objetivando aos valores externos, calcados no consumo,

“em detrimento à essência do indivíduo”. Desta forma, causariam uma pobreza de recursos

no que se refere à apropriação que os adolescentes fazem do universo social e cultural à sua

volta, do mundo adulto, trazendo sérias consequências para a sua formação egoica, assim

como para a tomada de seu processo de individuação (segundo concepção Junguiana). Como

refere:

O principal objetivo nesta fase é o fortalecimento do ego, para que o indivíduo construa a sua própria identidade, permitindo que prossiga na busca de sua singularidade e sentido de vida. (...) A busca mais necessária, inconsciente e

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Page 9: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

incessante desta fase da vida é a estruturação do próprio eu, para que o jovem possa ingressar na vida adulta como um ente portador de identidade própria, ciente não apenas do que a vida pode lhe oferecer, mas, principalmente, das suas responsabilidades perante ela (MESSIAS, 2011).

A adolescência, em suas crises, seus riscos, suas perspectivas de conquista e de

esperanças de completude de aspirações configura para uma análise calcada na Psicologia

Social um fenômeno de elevada importância. Como fenômeno coletivo, talvez existam poucas

abordagens mais emergenciais que sua interação com a virtualidade e tecnologização da

sociedade pós-moderna.

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Page 10: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

3. A ONIPRESENÇA DA INFORMATIZAÇÃO – DO SOCIAL AO

PSICOLÓGICO

Imaginar a vida – mais propriamente em seu aspecto cotidiano, na atualidade –

desvinculada da presença constante das variadas formas da tecnologia de comunicação

tornou-se um esforço intelectual cada vez mais difícil. Isto porque a presença de um mercado

de consumo de proporções globais, outrora promotor de “encurtadores de distância”, tais

quais a locomotiva e o telégrafo, encontrou na informática e seus derivados uma verdadeira

ferramenta de expansão no que se refere ao estreitamento das comunicações.

Desde as últimas décadas do século XX, quando a humanidade (ou parte da

humanidade) passou de seu estado analógico ao digital, ou seja, vivenciou o surgimento e a

expansão da internet, a web passou a gerir em progressões geométricas o principal campo nas

comunicações à distância, estando presente em grande parte das nossas atividades diárias.

Em seu aspecto cotidiano (das obrigações e hábitos diários) a vida nos centros urbanos

mundiais goza das vantagens de um mundo conectado, nos cabe aqui avaliar esta mesma vida

em outros aspectos também pertinentes. Um destes aspectos seria o universo da sociabilidade,

do Homem como ser social, onde claramente a virtualidade e a conectividade vem

revolucionando os paradigmas vigentes. Outro aspecto também associado ao cotidiano

informatizado (e de maior relevância neste trabalho) seria o universo psi, da vida psicológica

do ser, no qual ainda se pergunta de que forma os diferentes usos da virtualidade podem vir a

agregar e/ou empobrecer a organização psíquica e o mundo interior dos indivíduos, ou até

mesmo de que forma esta mesma virtualidade torna-se repositório e ferramenta da

criatividade, vitalidade, saúde ou doença de seus usuários.

A ideia de analisar de que forma a tecnologia influencia as relações entre adolescentes

busca traçar um cruzamento destes impactos sócio-psico-culturais sobre aqueles que já

nasceram dentro deste mundo informatizado e voltado para a virtualização. Adiciona-se, aí, a

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pertinência de uma fase do desenvolvimento (a adolescência) marcada pela busca de

identidade, transição e despertar de potenciais biológicos e cognitivos, de forma natural

acossada pelas dúvidas, ânsias e inseguranças. Talvez não por acaso a maior aderência às

novidades tecnológicas, sobretudo do entretenimento, se encontra entre os jovens e

adolescentes, que buscam nestas uma fonte de divertimento, de exploração do mundo e de

comunicação.

É importante ressaltar que ao nos prontificarmos em avaliar, aqui, o impacto das novas

tecnologias sobre as relações entre adolescentes, refutamos qualquer tendência a aferir a estas

tecnologias atributos morais ou de qualidade, como boas ou más, saudáveis ou doentias.

Compreendemos se tratarem de meios, ferramentas e objetos que recebem o sentido atribuído

por cada indivíduo ou grupo social da forma a que estes aprouverem. Deste modo,

acreditamos que um uso criativo, equilibrado, compulsivo, ansioso, de dialogicidade e/ou de

dependência destes aparatos diz respeito à forma pela qual seus usuários fazem dos atributos

que estes oferecem.

Vale, ainda, apropriarmo-nos de alguns cuidados ressaltados por Pierre Lévy (2000)

sobre estas práticas, já que, apesar de não serem boas nem más, tampouco são neutras, visto

serem práticas condicionantes ou restritivas sobre os hábitos e mentalidades do indivíduo,

abrindo determinadas “possibilidades de um lado e fechando outras de outro”. Adiciona que

em sua análise ele não avalia o “impacto” das tecnologias, mas busca situar as

“irreversibilidades” provindas de seus diferentes usos, de explorar suas potencialidades e

“decidir o que fazer delas” (LÉVY, 2000).

A sociologia surgiu no século XIX como uma proposta para tentar dar conta das

mudanças sociais impactantes sobre a vida humana resultantes da Revolução Industrial, desde

metade do século XVIII. Na época, o surgimento do proletariado, a maior divisão técnica do

trabalho, a desqualificação do trabalhador, a formação de um imenso mercado de consumo, a

maior acessibilidade e comunicabilidade e a formação de grandes centros urbanos já eram

transformações tão velozes e intensas que a organização das sociedades não conseguia

acompanhar o significado dos efeitos decorrentes deste processo (HOBSBAWM, 2005). A

informatização é tida como a última, a mais nova revolução industrial, com transformações

ainda mais vertiginosas, cabendo aos sociólogos, psicólogos e demais estudiosos tentar trazer

à consciência coletiva as implicações deste processo, e tentar dele usufruir da melhor forma

possível objetivando o bem estar de seus usuários.

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Page 12: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

Sobre a velocidade da tecnologização e a forma pela qual nos adaptamos a isto Pierre

Lévy levanta algumas considerações pertinentes:

Se nos interessarmos sobretudo por seu significado para os homens, parece que (...) o digital, fluido, em constante mutação, seja desprovido de qualquer essência estável. Mas, justamente, a velocidade transformação é em si mesma uma constante – paradoxal – da cibercultura (LÉVY, 2000, p. 27).

Nesta mesma linha de pensamento, Lévy afirma que a velocidade de transformações

alavancada pela informatização da sociedade explicaria parcialmente a sensação de “impacto,

de exterioridade, de estranheza que nos toma sempre que tentamos aprender o movimento

contemporâneo das técnicas” (IDEM, p. 27). Tal sensação, que Lévy chama de

“desapossamento”, estaria presente em todas as pessoas, porém em diferentes graus, visto

que:

A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais ‘ligados’ encontram-se (...) ultrapassados pela mudança, já que ninguém pode participar ativamente da criação das transformações do conjunto de especialidades técnicas, nem mesmo seguir essas transformações de perto (IDEM, p. 28).

Uma das características da atualidade apontada por Bauman (2004b) é a ideia de que

estaríamos passando por uma pós-modernidade líquida. Devido à velocidade das mudanças

culturais e sociais promovidas pela revolução (sobretudo digital) nos meios de comunicação,

os padrões que regem a cultura e mentalidade contemporâneas não são fixos e constantes, mas

mutáveis, voláteis e inconstantes. Isto é visível nas sucessivas mudanças dos padrões

estéticos, ditados pela pelos círculos da moda, assim como pelo “estouro” de ideias, opiniões

e formas de pensamento diferentes que se manifestam com maior facilidade com o advento da

virtualidade. Em outra nomenclatura, o vazio de padrões de referências que sejam constantes

criaria um “caldo cultural” marcado pela horizontalidade e verticalidade. Neste, a

horizontalidade seria evidente, onde todas as ideias são válidas, a relatividade é total, “tudo

pode”, tudo é certo, sem referência a tradições ou ideais, a busca pela quantidade e novidade

das experiências. Desta forma, seria pobre em verticalidade, nos padrões pelos quais o sujeito

se aprofundaria em determinadas identidades, padrões sociais ou culturais, e outros tipos de

referenciais, assim como a busca pela qualidade das experiências.

Um dos efeitos desta liquidez seria a perda de referencias, sentidas no campo

psicológico pelos sintomas das chamadas patologias do vazio, como ansiedades, depressões,

fobias sociais, as quais podemos adicionar o sentimento vago de falta de sentido, perda de

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Page 13: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

identidade. Intimamente vinculada à expansão das tecnologias digitais, os fenômenos como a

difusão da web – com inúmeras salas de bate-papo, jogos de interação on-line, sites de vídeos

digitais e, sobretudo, redes sociais (onde a pessoa constrói perfis pela qual pretende/anseia ser

reconhecida) – acaba por sustentar uma atual primazia da imagem como meta ideal. Ou seja,

estaríamos, segundo Bauman, em uma época em que o parecer é mais importante do que o

ser.

Em Mal Estar na Pós-Modernidade (1999), Bauman salienta, ainda, que seria a

cultura um dispositivo de anti-aleatoriedade, exatamente por fixação de determinados

padrões-referências afim de que se possa se referenciar, interagir, aproximar ou distinguir (em

palavras nossas). Sendo característica da cultura virtual-tecnológica a extrema mutabilidade e

variabilidade da referência ético-moral-estética conforme o potencial de consumo de cada

moda, aparelho, uso, serviço ou conceito, tal cultura trata de oferecer exatamente a

aleatoriedade como proposta.

Os resultados mais expressivos destas rápidas transformações são mais evidentes

quando não elaboradas pela estrutura egoica de seus usuários1, e podem ser sentidos nas

anorexias e bulimias, isolamentos sociais (em certos casos), doenças psicossomáticas, doenças

autoimunes, drogadição, assim como nas já citadas patologias do vazio.

O psicólogo alemão Wolfgang Giegerich (2010) afirma que as mudanças oferecidas

pela internet têm levado o ser humano a um período de orientação externa, de estar voltado

para o externo como campo de seus processos de reflexão, de encontro pessoal, de busca de

significado. Diferente de uma orientação interna, de introspecção, de busca do Eu, ao que

Carl G. Jung (segundo coloca Giegerich) teria enfatizado como processo importante para a

análise psicológica.

Ela é (ou está destinada a tornar-se) o local de toda a informação. Em vez de olharmos para nós mesmos, temos que “log in” (conectarmo-nos) com a Web. (...) Uma indicação (tanto simbólica quanto literal) da orientação externa presente (representativa da nossa época) é a posição das pessoas na frente de um aparelho de televisão ou de um terminal de computador fitando fixamente para tela (em contraste com a forma de olhar introspectivamente para dentro). O lugar da vida real, onde bate o coração da sociedade, o lugar da “alma”, está em algum lugar lá fora “para além” da tela, na Web, mas não mais em nós. (...)Nós (cada vez mais) vivemos na Web, não em nós mesmos, não em nosso corpo, não na realidade. A Web não está apenas ao nosso redor, nós também nos encasulamos constantemente em suas informações e imagens quando nos ligamos na Web e, apenas ao fazer isso, ao nos

1 De forma generalizada, baseando-se na Psicologia Analítica, um ego forte (não rígido) seria o que teria material e condições para suportar, se articular e dialogar com as incongruências e conflitos gerados pelas pressões internas (traumas e complexos) e externas (dificuldades provindas do meio). Está vinculado, também, a um senso de EU, identidade e personalidade relativamente bem definidos (MESSIAS, 2011).

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Page 14: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

ligarmos e nos envolvermos nela, está a Web sendo confirmada e mantida, está, na verdade, a Web em primeiro lugar (GIEGERICH, 2010, p.).

Os resultados de uma orientação externa em demasia, unilateral, seriam uma perda de

conexão interna (com seus próprios sentimentos) e perda de uma melhor capacidade de lidar

com os próprios complexos. Ao invés disto, a noção de EU se misturaria em demasia ao

coletivo, às características alheias sem uma distinção clara da separação entre sentimentos,

pensamentos ou desejos próprios aos coletivos. Neste ponto, culturas de massa, modismos e

outras necessidades transitórias seriam facilmente confundidos com necessidades internas

reais, próprias do sujeito. Se carregarmos este cenário de natural confusão de sentimentos e de

desencontro/busca da identidade, presentes no contexto da adolescência, esta análise ganha

matizes ainda mais pertinentes.

Podemos, por fim, trazer desta breve análise psico-social uma noção de que a

adolescência – carregada de inúmeros significados e transições – encontra no presente

momento de virtualização e de rápidas transições um cenário complexo, cheio de qualidades,

dificuldades, problemáticas e desafios. A transição de padrões, normas e aspectos culturais

traz a todos uma necessidade de adaptação, de encontro com novas perspectivas. A

adolescência virtualizada poderá trazer, às décadas vindouras, mudanças ou manutenções

neste padrão de liquidez e fragilidade de referências, onde acreditamos que ciências como a

psicologia tendem a ocupar um papel cada vez mais relevante ao perscrutar fenômeno tão

pertinente.

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Page 15: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

4. SER ADOLESCENTE DO SÉCULO XXI NO COLÉGIO

CHAMPAGNAT

No colégio fundado em 1920 pela congregação marista, ao que podemos conferir, há

uma ótima organização, com hora e lugar para tudo. Cada turma tem sua sala, cada professor

tem um horário com cada turma, cada membro da equipe pedagógica tem seu espaço físico.

Há o lugar do estudo, o lugar do lanche, o lugar do esporte, o lugar de descontrair. Neste

último, o recreio, concentramos nossas observações, em 6 momentos, entre 10h e 10h20min

da manhã.

Em seu próprio site, o colégio pontua como se dá esta forma de organização em nome

da segurança:

O Colégio Marista Champagnat, por estar inserido no campus da PUCRS, tem a segurança da universidade. Além disso, dispõe de câmeras nos locais mais movimentados. A Recepção acompanha o fluxo de saída e entrada dos alunos, através da carteira escolar, identificada com código de barras. As pessoas que circulam no ambiente escolar utilizam crachá de identificação. O uso do uniforme também é utilizado para a segurança dos alunos, pois assim é mais fácil identificá-los (COLÉGIO MARISTA CHAMPAGNAT, 2011). 2

Também fomos, depois de combinações formalizadas por escrito acerca das

observações, devidamente identificados e obrigados a utilizar o crachá de estagiário em todos

os momentos em que observamos o momento do recreio. Foucault (2002) nos fala da

construção da disciplina no século XVIII, no intuito de organizar os indivíduos nos espaços,

para obter deles a máxima eficácia e controle de suas atividades. O autor nos diz:

O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos há a repartir. É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimentos

2 Curiosamente podemos notar que, para haver tal organização e segurança, os aparatos tecnológicos de vigilância (tais como câmeras e identificação com códigos de barra) já se encontram a configurar o entorno dos jovens presentes no ambiente escolar cotidiano.

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descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar comunicação úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar (FOUCAULT, 2002, p. 123).

O Colégio Champagnat mostra-se na sua forma um espaço de manutenção da

disciplina, onde todos os alunos estão devidamente uniformizados, fazendo do recreio um

ambiente cercado de adolescentes azul marinho, conforme descrito nas observações nº 1 e 3,

respectivamente:

Rapidamente o pátio encheu-se de azul: os estudantes usavam calças jeans, leggings,

calças de abrigo com um moletom ou casaco com o logotipo do colégio (OBSERVAÇÃO nº

1).

Quando vou para o pátio, no horário marcado, com meu crachá de estagiário, o

cenário parece o mesmo da observação anterior: muito azul, muito tênis, muita calça jeans,

ninguém sozinho (OBSERVAÇÃO nº 3).

Ainda nos fala Foucault (2002) que, no âmbito dos ambientes de controle, entre eles,

as escolas, o tempo e a eficácia são controlados pelo mestre, numa relação unilateral de poder

entre mestre e aluno. O aluno é um corpo que deve ser moldado para atingir o máximo de sua

eficiência, para servir à sociedade como um adulto responsável. Diante disto, surge o conceito

de corpo dócil:

A disciplina fabrica assim corpos submissos e excitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por uma lado um “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição restrita (FOUCAULT, 2002, p. 119).

No entanto, não podemos fazer uma leitura reducionista e pensar que estes

adolescentes do século XXI, diante das demandas apontadas em capítulo anteriores,

simplesmente se submetam docilmente à imposição dos uniformes na escola. Também

observamos que, no meio desta massa homogênea azul, cada indivíduo traz uma característica

singular de sua personalidade e de sua geração: um boné, um brinco, unhas pintadas de cores

fortes, um celular:

Vi um grupo de 3 meninas sentadas embaixo da videira; duas delas seguravam um

celular. Duas delas ocupavam, cada uma, um banco. Uma delas era branca, com espinhas

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Page 17: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

nas bochechas, tinha longos cabelos castanhos, enrolados num grande coque. Usava calça

jeans, o casaco do colégio e um tênis All Star colorido. Tinha as unhas compridas, sem

esmalte. A outra menina no banco sentou de costas pra mim: era negra, com os cabelos

compridos, cheios de trancinhas, presos num rabo de cavalo. Usava calça jeans, com o

casaco do colégio e uma manta em tons de azul. Ela tinha gesso no pé direito e no pé

esquerdo um tênis. Haviam duas muletas no chão. A terceira menina sentou na estrutura de

concreto com ladrilhos: era branca, com longos cabelos compridos e soltos, usava calça

jeans, moletom do colégio, tênis e tinha as unhas pintadas de preto (OBSERVAÇÃO nº 1).

Uma menina é baixa, magra, com cabelos lisos e castanhos com as pontas

descoloridas. Veste calça jeans, um casaco com o logo do colégio e All Star claro. Ela fala no

telefone e, ao mesmo tempo faz gestos para um dos meninos: estatura média, cabelos pretos,

com um moicano não muito curto dos lados, com os cabelos todos penteados para frente,

cobrindo um pouco os olhos. Veste um abrigo preto, casaco do colégio e tênis. (...)A outra

menina fala no celular, enquanto segura um Toddynho. Ela tem estatura média, é magra, tem

os cabelos crespos e castanhos, presos num rabo de cavalo baixo. Veste uma calça jeans com

enormes bolsos atrás, moletom azul marinho e tênis (OBSERVAÇÃO nº 4).

Calligaris fala da trajetória do adolescente, que aprende na infância que, para ser um

adulto reconhecido pela sua sociedade, precisa ser singular, ou seja, “é necessário ser

desejável e invejável” (2009, p.13). No entanto, segundo Macedo, Monteiro & Gonçalves

(2010), como ele próprio não se reconhece neste seu novo corpo e sente que o olhar

apaixonado dos pais também não mais existe, fica desamparado; com isso, segue o árduo

trabalho de identificar quem ele é.

Nessa etapa da vida, as experiências têm como centro as problemáticas reativas ao próprio Eu, ou seja, na adolescência, o sujeito se depara com a inadiável exigência de rever o passado e preparar-se para o futuro. Assim como assumir um papel mais ativo em relação a suas transformações. (...) A adolescência alude a uma inquestionável pressão e tensão oriunda de novos processos identificatórios importantes para que se possa estabelecer uma nova modalidade de inserção como sujeito no cenário intersubjetivo (MACEDO, MONTEIRO & GONÇALVES, 2010, p.74 e 79).

Neste sentido, o adolescente “assume assim a tarefa de interpretar o desejo

inconsciente (ou simplesmente escondido, esquecido) dos adultos” (Calligaris, 2009, p.26), o

que gera ainda mais angústias e conflitos. Por isso, diante de outros adolescentes, ele sente um

apaziguamento, pois identifica os seus anseios nos seus pares. Na nossa opinião, esta busca

por uma nova identidade, não mais infantil, justifica as expressões de singularidade dos

17

Page 18: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

alunos do Colégio Champagnat, agregadas ao uniforme imposto pela escola. E diante destas

expressões também se constitui um ser adolescente, como nos diz Calligaris:

(...) são comunidades de estilo regradas por traços de identidade claros e definidos, pois os membros devem poder pertencer a elas sem ter de coçar a cabeça se perguntando: “Mas o que será que os outros querem para me aceitar?” Os grupos têm portanto em comum um look (vestimentas, cabelos, maquiagem), preferências culturais (tipo de música, imprensa) e comportamentos (bares, clubes, restaurantes, etc.) (CALLIGARIS, 2009, p. 57).

Outro ponto observado por nós diz respeito aos comportamentos de meninos e

meninas no momento do recreio. Apesar de compartilharem desta tarefa pela busca da

autonomia da vida adulta, neste momento de moratória de nos fala Calligaris (2009), onde ele

possui ferramentas para ser adulto, mas ainda não é autorizado a usá-las, percebemos que os

meninos usam bastante da agressividade como forma de comunicação e não demonstram

expressões de afeto, como abraço e beijo.

Os meninos ficam mais afastados, sentam um ao lado do outro, sem fechar um círculo,

eles se dão “soquinhos”, se empurram (OBSERVAÇÃO nº 1).

Os meninos se cutucam, empurram-se, não compartilham o lanche (poucos comem).

Parecem massas desajeitadas, buscando seu lugar ao sol. Eles parecem altos para a faixa

etária, em torno de 1,70m e 1,80m, muito magros, com as costas curvadas e as mãos nos

bolsos. O rosto ainda parece de criança, os traços delicados, mas, geralmente, coberto de

espinhas ou manchas. Eles não ficam parados no mesmo lugar, os joelhos ficam semi-

flexionados, os pés estão sempre mexendo ou chutando. É difícil perceber os corpos, porque

as roupas são largas, dando a impressão de que vão cair a qualquer momento. Os tênis são

de cano alto, estufados (OBSERVAÇÃO nº 3).

Há um grupo de 8 meninos, ao redor do banco, mas todos de pé. No meio do grupo,

vejo um menino de estatura média, magro, loiro, cabelos em pé e profundas covinhas em

forma de meia lua nas bochechas, que segura um game boy nas mãos. Ele mexe os polegares

rapidamente, enquanto fala com os outros meninos. Nenhum dos outros meninos observa o

seu jogo, eles falam entre si. Enquanto, mexe os polegares, ele chuta os colegas ao redor, até

que um deles segura o seu pé, e ele quase cai. Todos riem (OBSERVAÇÃO nº 4).

Welzer-Lang (2001) e Ribeiro (2006) explicam que construção do ser masculino passa

por um profunda diferenciação do ser feminino e por estar afastado dos ambientes privados

destinados às mulheres. “Nesse aspecto é preciso ressaltar e deixar sempre ativo na

masculinidade a ideia de bravura, força física, agressividade, esperteza, interesse pelas

18

Page 19: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

mulheres, ausência de sentimentos” (Ribeiro, 2006, p. 157). Portanto, a demanda do

adolescente do sexo masculino é mostrar-se como um “Grande-Homem” (Welzer-Lang, 2001,

p. 466), aquele que domina as mulheres e os homens mais fracos.

As pseudobrigas nas quais, na realidade, o maior mostra sua superioridade física para impor seus desejos. As ofensas, o roubo, a ameaça, a gozação, o controle, a pressão psicológica para que o pequeno homem obedeça e ceda às injunções e aos desejos dos outros... Há um conjunto multiforme de abusos de confiança violentos, de apropriação do território pessoal, de estigmatização de qualquer coisa que se afaste do modelo masculino dito correto. Todas as formas de violência e de abuso que cada homem vai conhecer, seja como agressor, seja como vítima. (...) Exorcizar o medo agredindo o outro e gozar dos benefícios do poder sobre o outro é a máxima que parece estar inscrita no frontal de todas essas peças (IDEM, p. 464).

Houve um único momento de proximidade física entre dois meninos, por causa de um

game boy. Talvez neste caso, em detrimento da expressão da agressividade através da

virtualidade do jogo, fica autorizado a aproximação real de corpos que devem estar afastados

para a garantia da masculinidade:

Há um grupo de 8 meninos, ao redor do banco, mas todos de pé. No meio do grupo,

vejo um menino de estatura média, magro, loiro, cabelos em pé e profundas covinhas em

forma de meia lua nas bochechas, que segura um game boy nas mãos. (...) Então, um menino

do grupo de estatura média, cabelos encaracolados, pretos, que funga sem parar (parece

estar gripado), para do lado do menino com o jogo, encostando braço com braço. Está com

as mãos no bolso e tira uma delas, apontando o aparelho. Os dois conversam e riem, e o

grupo, na sua troca de posições, vai ficando de costas para os dois. Aqui aparece uma

proximidade física entre os meninos que nunca antes acontecera, permeada pelo jogo: parece

uma união de corpos no esforço de enfrentar os desafios que ocorre na tela.

O primeiro sinal bate e todos os meninos mantêm uma certa distância, mas os dois que

estão voltados para o jogo estão colados, literalmente. Um terceiro menino para na frente

dos dois, com a cabeça curvada para o jogo (ele vê o jogo de cabeça pra baixo). Então, ele se

encosta no outro braço do menino de covinhas, e os três falam e apontam o aparelho

(OBSERVAÇÃO nº 4).

Já as meninas, diante do pressuposto da feminilidade e delicadeza, através da

identificação com seus modelos de ser mulher, comportam-se de forma contrária e são

instruídas por suas famílias, mesmo que simbolicamente, à proteção do seu próprio corpo,

como portador da honradez. No Colégio Champagnat, observamos que as meninas ficam

muito próximas; beijam-se, abraçam-se, explicitam corporalmente seus afetos pelos grupos de

19

Page 20: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

amigas.

Vi um grupo de 3 meninas sentadas embaixo da videira; duas delas seguravam

celulares. (...) As duas param de teclar e C chega mais perto de A, que a abraça e depois dá

um tapinha em sua bunda. B se levanta e se apoia na barra de ferro, junto à estrutura de

concreto (OBSERVAÇÃO nº 1).

As meninas sentam muito próximas, tocam-se, comem uma o lanche da outra, parecem

um único organismo. (...) Há um grupo de 3 meninos e uma menina. A menina reclama de

frio, enquanto come um chocolate e segura uma caixa de suco. Dois meninos ficam parados,

cada um de um lado dela, bem juntos. O outro menino fica parado de frente pra ela, a uma

pequena distância (não grudado como as meninas ficam) (OBSERVAÇÃO nº 3).

Uma menina desliga o celular, coloca-o no bolso esquerdo, pega no bolso direito uma

manteiga de cacau e passa nos lábios. Guarda a manteiga de cacau e abraça o menino mais

baixo (OBSERVAÇÃO nº 4).

Na interação com os meninos, elas também demonstram agressividade, aparentemente

delicada, leves batidas nos colegas, na manutenção de sua honra e integridade moral:

Continuo olhando em volta quando vejo uma menina dançando (D). Paro para olhá-la

e vejo que ela está com um fone em um ouvido acoplado a um celular, que está na sua mão.

Junto com ela estão mais duas meninas. Não sei se ela está cantando ou conversando, porque

ela olha pras meninas enquanto dança, e as meninas olham para ela. D tem um pirulito na

boca.

D caminha até um menino, que segura seu rosto e aproxima o rosto dele ao dela, como

se fosse beijá-la na boca. Ele dá um beijo na bochecha dela bem apertado. Quando solta o

rosto de D, ela bate várias vezes no ombro dele (com a outra mão ela segura o celular), que

se afasta dela rindo e tentando segurar a mão dela. Então, D volta para as outras meninas

gesticulando e falando (OBSERVAÇÃO nº 3).

E, neste exercício de ser adolescente, na busca da singularidade, mas também do

pertencimento a um gênero, é importante ressaltar que estas formas de sociabilidade são

construções culturais, para além das questões biológicas:

Entre as próprias crianças, portanto, ser homem e ser mulher está relacionado não somente com o aparato anatômico-fisiológico, mas com concepções sociais, muitas aprendidas na família e no sistema das relações em que vivem. A categoria homem e mulher, neste caso, menino e menina, envolve atributos sociais e simbólicos, como poder fazer certas coisas, exercer legitimamente a sexualidade, assumir comportamentos dentro de uma determinada ordem (RIBEIRO, 2006, p. 168).

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Page 21: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

Um exemplo simples, mas pertinente, sobre a forma com que meninos e meninas se

relacionam pode ser contemplado abaixo:

(...) havia outro grupo, com quatro meninas e três meninos. Um menino estava de pé,

mexendo em um celular, enquanto o restante do grupo conversava. Alguns estavam sentados

nos bancos/canteiros e outros estavam de pé, logo à frente. Ele entrega (ou devolve) o celular

para uma menina, que estava sentada a sua frente e se vira para o grupo. Ela segue

manuseando o aparelho até o final do intervalo (OBSERVAÇÃO nº 5).

Neste exemplo em particular, percebemos a interação entre grupo formado por

meninos e meninas, em um comportamento amistoso. O compartilhamento do celular, neste

caso, tratava-se de mais uma das formas de interação no meio das muitas que se pôde verificar

neste exemplo, naquele momento. Apesar do silêncio de quem o usava (primeiro o rapaz,

depois a moça), sua utilização, e troca de mãos parecia fazer parte do contato como um todo.

Observamos, neste intermédio que a utilização de aparelhos tecnológicos não exclui-se

a estes inúmeros contextos do comportamento adolescente: serve como forma de distinção, tal

qual os bonés, as mantas, os tênis chamativos, e não apenas em seu nível estético, como

também de apreciação social. Por outro lado, os aparelhos também servem como símbolo de

pertencimento e de não diferenciação em relação ao grupo e à proteção que isto representa,

uma vez que sua utilização é uma atitude em comum aos demais adolescentes espalhados pelo

pátio.

21

Page 22: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

5. ADOLESCÊNCIA E COMUNICAÇÃO VIRTUAL

Era digital, mundo virtual, sociedade internáutica são alguns dos diversos termos que

vêm se incorporando ao nosso cotidiano e à nossa linguagem a fim de definir um espaço sem

fronteiras, onde impera o imediato e multiplicam-se possibilidades. Como detalhado em

capítulos anteriores, as novas tecnologias da comunicação e informação surgiram e

proliferam-se de uma forma tão veloz, que carecemos de tempo para absorvê-las, digeri-las e

dominá-las. Nesse caso, o mais comum é que se passe a utilizar tais tecnologias,

incorporando-as à vida cotidiana, sem mesmo perceber o quanto tais recursos favorecem

novas formas de estar no mundo e construir relacionamentos.

Os elementos de virtualidade e de velocidade que pautam as relações dos jovens

contemporâneos têm sido um grande desafio e, por vezes, geradores de descompasso no

encontro entre gerações. Os espaços que o jovem transita são diversos, possibilitando

diferentes olhares, relacionamentos e interações, estando muitas vezes a tecnologia presente

com eles ou no espaço onde se encontram. Wagner(2009) aborda esta temática nos ilustrando

que:

O jovem tem transitado cada vez mais em ambientes distintos. Nessa fase do desenvolvimento, as fronteiras entre o permitido e o proibido, o acessível e o inacessível são bastante flexíveis, já que as motivações essenciais do adolescente são o desafio e a descoberta. Nos diversos contextos de desenvolvimento em que circula, entre a família, a escola e os amigos, há significativa presença e influência das “Novas Tecnologias da Informação e Comunicação” (WAGNER, 2009, p.13).

Tais dispositivos tecnológicos passaram a fazer parte da juventude, ultrapassando

barreiras sociais, econômicas, culturais, introduzindo-se como um elemento democrático,

comum e quase uniformizador das diversas “adolescências”. Podemos dizer que o contexto

socioeconômico e cultural já não é mais um elemento diferenciador no que se refere ao uso e

conhecimento de novas tecnologias.

22

Page 23: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

Enfocamos aqui, entre as diferentes tecnologias mais habitualmente utilizadas pelos

adolescentes, o telefone celular. Apoiados em pesquisas desenvolvidas com essa população no

contexto brasileiro, descrevemos as diversas formas de uso desses meios de comunicação,

discutindo as facilidades e peculiaridades que caracterizam os contatos sociais por eles

estabelecidos. Segundo Wagner (2009), o uso do celular faz parte de um fenômeno mundial,

que vem gerando tendências de comportamento na juventude e se consolidando como o

equipamento eletrônico preferido dos adolescentes nos mais diversos países incluindo o

Brasil.

O Brasil já é considerado o primeiro país na América Latina em vendas de aparelhos

de telefone celular e atualmente, constitui o sexto maior mercado do mundo, possuindo 123

milhões de aparelhos no país, conforme relatórios da Telecomunicações Brasil. No ano de

2005, o IBGE realizou a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), investigando

acesso à internet e posse de telefone móvel celular para uso pessoal. Nessa pesquisa, foi

constatado que mais brasileiros têm telefone celular do que acessam a internet. De acordo

com o estudo, 36,7% da população com mais de 10 anos têm acesso a celular. Essa pesquisa

também revelou que o telefone convencional, que em outros tempos era um equipamento

disputado e valorizado pelas famílias, hoje já esta começando a fazer parte do passado. Isso

porque, segundo essa mesma pesquisa, o número de domicílios com telefone celular (59,3%)

superou o dos que possuem telefone fixo (48,1%) (TELECOMUNICAÇÕES BRASIL, 2011,

www.teleco.com.br/relatórios.asp).

Também é importante ressaltar que as pesquisas com enfoque comportamental das

pessoas que utilizam o celular ainda estão em fase de desenvolvimento. As pesquisas, no

entanto, revelam que os jovens representam sempre, nos mais diversos países onde são

investigados, o maior público consumidor dessa tecnologia.

Em cada país o celular tem uma conotação, Wagner (2009, p.47) exemplifica dizendo

que “no México, por exemplo, o celular é valorizado como um item de segurança; já no

Brasil, crianças e adolescentes adoram o status social que essa tecnologia oferece...”.A posse

de um celular muitas vezes é considerada como um elemento de projeção social na sociedade

de consumo onde o adolescente vive.

Verza (2008) nos aponta que a utilização dos celulares destina-se a várias finalidades,

onde através de levantamentos observaram que: 90,9% utilizam para falar com os pais com

mais frequência que para falar com os amigos (79,1%) e grande parte da amostra(74,3%)

utilizava o aparelho para emergências e para despertar (78,6%), evidenciando que as

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Page 24: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

finalidades do uso do celular voltadas às atividades instrumentais já fazem parte do cotidiano

desses jovens. Embora também seja considerado importante utilizar o celular para fins de

diversão (33,2%) e para compartilhar o aparelho com os amigos (18,4%).

Nas observações por nós realizadas o celular contou como o aparelho eletrônico que

verificamos com maior frequência. Até mesmo porque aqueles jovens que traziam fones aos

ouvidos muitas vezes os tinham conectados a este tipo de aparelho, como no trecho abaixo

selecionado:

Ele tem um fone de ouvido só numa orelha e segura o celular. Os três conversam.

Sentam daquela forma mais afastada dos meninos, mas o menino do fone senta mais afastado

ainda, fica curvado com a cabeça baixa, mexendo no celular. Logo em seguida volta a

conversar, ri bastante (OBSERVAÇÃO nº 4).

Do outro lado do pátio, em um grupo de três rapazes, um estava com o celular na

orelha. Pelo que parecia, estava esperando a ligação, pois conversava com os outros que

demonstravam estar brincando com ele. Logo que começou a falar ao aparelho, se distanciou

a cerca de quatro metros, enquanto os colegas seguiram dialogando entre eles. Neste

momento busquei me aproximar, para tentar ouvir o que conversavam. Aproximadamente um

minuto após, ele desliga e retorna ao grupo (OBSERVAÇÃO nº 2).

Assim como se utiliza o aparelho móvel e outras tecnologias para diversos fins,

percebe-se que a adolescência que compõe a pós-modernidade tem necessidade de fazer

muitas atividades ao mesmo tempo. São multiatarefados. Segundo Wagner (2009), em sua

obra Adolescência e Comunicação Virtual, com o aparelho móvel são possíveis realizar

diferentes tarefas do dia-a-dia ao mesmo tempo.

Como podemos constatar em outra observação:

Inicialmente observei um grupo de nove rapazes próximos a nós. Um deles estava com

um ipod em mãos, escutando com os fones enquanto falava com os outros. Neste mesmo

grupo, um deles estava sentado em um dos muitos canteiros de pedra que tem no pátio, com

uma espécie de mini-videogame nas mãos. Olhava ora para os colegas, ora para o

videogame. Depois de alguns minutos, guardou o aparelho e ficou dialogando

(OBSERVAÇÃO nº 2).

A questão da multitarefa constitui-se de uma característica central do fenômeno pós-

moderno, baseado na própria lógica de funcionalidade da web. Quando em acesso da

virtualidade, a execução de tarefas, como o digitar de um texto, por exemplo, muitas vezes é

intercalada à leitura de e-mails, conversas em programas de chat, ao escutar de alguma música

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Page 25: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

(mp3) ou ao baixar de algum arquivo ou programa. Isto nos suscita uma problemática muito

abrangente, que encontra na cultura digital não apenas a opção, mas o condicionamento a uma

atenção por demais fragmentada. Em determinados casos, esta fragmentação da atenção e, por

vezes, hiperatividade, se excessivas, geram déficits de atenção semelhantes às do TDA-H,

porém de forma aprendida, habituada, não biológica. É importante poder fragmentar a

atenção, desde que não em excesso e que se possa voltar a focar em determinada tarefa

quando necessário.

Com a nova tecnologia também surgiu uma nova linguagem, uma proliferação de

vocábulos que expressam novos interesses, novas necessidades, novas formas de vida, novos

relacionamentos e novos conflitos. Exemplo de vocábulos utilizados por usuários do aparelho

móvel: bluetooth, canais de notícias, iphone, mms (mensagem multimídia), papel de parede,

ringtones, sms (serviço de mensagem curta) e o mais utilizado torpedo.

Castells (1999) defende que a virtualização da sociedade não significa o fim dos

relacionamentos, mas os fortalece no sentido de que oferece às pessoas maior mobilidade de

espaço e aumenta a flexibilidade de tempo para interagir. Podemos também observar no

recreio escolar do Colégio Champagnat esta interação:

Pela maneira como usava o celular parecia que estava enviando uma mensagem, pois

digitava bem compenetrada no aparelho móvel. Volta e meia olhava para a amiga e

dialogava, como também baixava a cabeça e se compenetrava no manuseio do aparelho. O

primeiro sinal tocou. A amiga saiu de perto e ela continuou atenta ao que estava fazendo

(OBSERVAÇÃO nº 6).

Podemos inferir com tal comportamento que havia sido mantida a relação presente, ao

mesmo tempo em que a jovem interagia no seu celular com um terceiro elemento. Esta

mesma característica se apresenta em várias outras partes das observações citadas aqui.

Cheguei ao pátio central alguns minutos antes de iniciar o intervalo, para melhor me

posicionar. Assim que as turmas de adolescentes lotaram o ambiente, verifico um jovem

isolado (A), no meio do pátio. Ele estava sentado em um banco/canteiro circular, como os

muitos que tem no local. Usava bermuda, moletom e boné, e sua mão direita estava

enfaixada, o que não impedia que usasse o aparelho. Parecia manusear um celular ou ipod,

usando fones de ouvido, curvado sobre o aparelho. Intercalava-se entre digitar e olhar a

volta. Logo, outros três rapazes chegam e sentaram ao seu lado, começando a conversar. A

partir daí ele digitou um pouco menos, mas falou pouco.

(...)

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Page 26: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

Em meu retorno ao pátio, aquele rapaz que manuseava um aparelho desde o início do

intervalo (A), estava de novo sozinho, na mesma atitude de digitar e olhar a volta, curvado

sobre o aparelho. Não pude definir se jogava algum jogo ou se escrevia algo. Dois de seus

amigos se aproximavam dele de vez em quando e tentavam puxar assunto. O rapaz, porém,

continuava na mesma atitude. Pelo que constatei, esteve envolvido com o aparelho durante

todo o tempo do intervalo (OBSERVAÇÃO nº 5).

Já neste caso apresentado, o rapaz em questão manteve-se curvado sobre o aparelho do

início ao fim do intervalo de aula, muitas vezes aparentando querer estar só. Dentro das seis

observações que fizemos, este foi o único caso mais significativo onde o uso de novas

tecnologias aparentou interferir negativamente nas relações entre os jovens, para nossa

surpresa. Devido à grande adesão deste público aos aparelhos eletrônicos e, sobretudo, ao

conhecimento que temos através da observação despretensiosa no dia-a-dia, acreditávamos

que este fenômeno seria muito mais recorrente em um ambiente escolar, assim com a possível

verificação de jovens isolados, o que era comum haver na época escolar dos integrantes de

nosso grupo.

Como não eram muitos a usar aparelhos, passei a circular pela volta do pátio,

observando diferentes agrupamentos. Os jovens conversavam empolgados, e pude perceber

que havia uma boa quantidade de interação. Pude concluir que, pelo menos neste dia,

algumas das minhas expectativas não se confirmaram: não eram tão numerosos os jovens

com aparelhos em mãos e também não havia aqueles que se isolavam (pelo menos em

aparência) (OBSERVAÇÃO nº 2).

Isto nos pareceu um aspecto positivo, visto a aparente comunicabilidade elevada que

os adolescentes mantinham durante os rápidos 20 minutos de intervalo. Nossa expectativa

inicial era baseada na verificação do uso cotidiano que estes jovens fazem destas tecnologias

em diversos locais públicos, de forma visível, assim como nas discussões na mídia e em

Psicologia sobre o assunto.

Uma das hipóteses que levantamos para a utilização de aparelhos em grau abaixo do

que esperávamos diz respeito a alguns aspectos discutidos no capítulo 4, acerca dos corpos

dóceis, de Focault (2002). Nesta perspectiva, como os adolescentes do Ensino Médio passam

a manhã inteira dentro de sala de aula, onde a comunicação é limitada e focada para um

propósito em específico, o período de recreio serve como uma folga para este estado de

concentração e esforço. E seria neste momento de espairecer da rotina escolar que poderia se

dar vazão à toda necessidade de comunicabilidade.

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Page 27: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

Acreditamos que tal hipótese possa ter alguma relevância, devido ao que podemos

observar da própria estrutura do colégio, com regras bem definidas e com uma ordem bem

concretizada, a nosso ver. Também nos baseamos na experiência docente de alguns dos

integrantes de nosso grupo, dentro do sistema educacional privado.

Os grupos frequentemente se misturavam, se dividiam e faziam novos grupos.

Encontrei um grupo de seis meninas onde uma delas teclava ao celular, usando fones

acoplados ao celular, enquanto conversava com a que estava a sua frente. Quando ela

teclava parava de falar. Ao seu lado, outra conversava pelo celular. Isto durou pouco tempo,

pois logo o grupo se desfez e a que estava teclando acabou a sós com um rapaz que havia

chegado. Não pareciam ter muita intimidade, não falaram nada e a moça buscou as amigas

que estavam mais adiante (OBSERVAÇÃO nº 2).

Outra questão discutida em aula, quando da apresentação deste trabalho à turma do

terceiro nível da Faculdade de Psicologia da PUCRS, foi a qualidade das interações. Ou seja,

nos casos em que os adolescentes entregam-se à multitarefa – sendo o caso de teclar/interagir,

ou jogar/interagir –,discutiu-se a possível perda de qualidade na interação. Talvez a questão

não seja o “interagir ou não”, mas “de que forma se interage”, “com qual profundidade”. Tal

discussão veio à tona acerca do conceito de “se estar presente”, ou “se fazer presente” ao

momento em que se está vivenciando a virtualidade; fenômeno que não abrangeria apenas a

adolescência, e seria fruto das mudanças no ritmo de vida da sociedade urbanizada, conforme

pudemos analisar no capítulo 3.

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Page 28: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

CONCLUSÃO

As observações feitas no Colégio Champagnat se mostraram uma experiência valiosa,

suscitadora de muitas reflexões. Avaliar os grupos de adolescentes em suas comunicações

cheias de energia e vivacidade – entrecruzando com discussões teóricas de grande relevância

no que diz respeito aos fenômenos da pós-modernidade – mostrou-se um exercício intelectual

e de observação desafiador e estimulante.

Como comentado ao longo do trabalho, algumas expectativas pessoais do grupo não se

confirmaram, tais como a presença de indivíduos isolados (com adesão ou não de novas

tecnologias) e o uso mais frequente dos aparelhos em questão. Acreditamos que tais fatores

possam vir a estar relacionados com a curta duração do intervalo, momento propício e

esperado para uma maior interação por parte dos adolescentes.

Discutimos também importantes considerações de teóricos acerca do fenômeno das

comunicações virtuais, trabalhando-se a inserção da adolescência e suas demandas sociais e

psicológicas junto a isto. Levantamos a questão da multitarefa e de que forma esta nos coloca

frente a um quesito de qualidade na interação. No entanto, para um maior aprofundamento

neste ponto seriam necessárias observações mais prolongadas e detalhadas.

Devemos lembrar que o curto espaço de tempo que abarcou a presente experiência foi

de grande valor às proporções de nossa pesquisa, mas que ainda assim nos traz apenas uma

parcela de uma realidade rica em seu potencial de análise.

As mudanças sociais promovidas pela virtualidade, englobando o fenômeno amplo da

pós-modernidade, mostraram-se um campo fértil aos estudos da Psicologia Social. As

transformações que irrompem trazem uma série de questões acerca da apropriação

psicológica, comportamental, social e cognitiva daqueles que a vivenciam. Cabe à nossa área

de conhecimento, o estudo atento e detalhado a fim de se delinear seus efeitos, seus possíveis

usos para sua apropriação sadia, não apenas no que diz respeito à sua praticidade, mas

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Page 29: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

também ao potencial criativo a ela vinculado, permitindo um maior encontro do Ser Humano

consigo mesmo e não a fuga deste.

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Page 30: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

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SHERIF, Muzafer; SHERIF, Carolyn. Problems of youth: transition to adulthood in a changing world. Chicago: Aldine Publishing Co, 1965.

VERZA, Fabiana. O uso do celular na adolescência e sua relação com a família e grupo de amigos. 2008. 114f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade) – PUCRS, Porto Alegre, 2008. Disponível em <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php? codArquivo=1979>. Acesso em 06 jun. 2011.

WAGNER, Adriana; VERZA, Fabiana; SPIZZIRRI, Rosane; SARAIVA, Caroline Adolescência e Comunicação Virtual. São Leopoldo: Sinodal, 2009.

WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. In: Revista Estudos Feministas. Florianópolis: 2001, vol. 9 n.2, pp. 460-482.

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Page 32: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

DIÁRIO DE CAMPO

OBSERVAÇÃO Nº 1

OBSERVADOR: Thaís Vieira

DATA: 03.05.11

HORA: das 10h às 10h20min

LOCAL: Colégio Champagnat

DESCRIÇÃO DO LOCAL:

O local de observação onde os alunos do Ensino Médio passam o recreio é um pátio

quadrado, que fica com as salas de aula e da coordenação ao seu redor. Ele não é coberto por

nenhum toldo, contém muitos bancos de concreto, em formatos circulares, e árvores. Em um

dos seus cantos há uma videira, onde os galhos de várias árvores se enroscam numa estrutura

de ferro. Das barras de ferro que estão nesta estrutura, há um quadrado de concreto, coberto

de ladrilhos coloridos, com um banco em cada um dos seus lados.

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO

Depois de uma certa dificuldade em conseguir um colégio para observar, conseguimos

ser aceitos pelo Colégio Champagnat, com a ressalva de que as cartas de apresentação eram

premissas para o agendamento das observações. A impressão que fica é que, depois do

atentado no Rio de Janeiro, quando um ex-aluno de uma escola municipal da zona oeste a

invadiu e atirou contra alunos e professores, fazendo mais de uma dezena de vítimas, a

segurança nas escolas tornou-se um item no topo da lista. Tivemos algumas negativas, com a

alegação de que, no momento, as escolas em questão estão restringindo, mais do que nunca, a

entrada de estranhos. Não é dito que a causa é o atentado em Realengo, mas fica subentendida

a precaução: “sabe, depois daquilo tudo, precisamos ter mais cuidado”.

Então, neste grande cenário, que fica no centro do colégio, cheguei com meu colega

Alexandre, depois de passar pela recepção e recebermos nosso crachá de estagiários.

Conversamos sobre onde nos posicionarmos para fazer a observação e fomos abordados por

um funcionário do colégio, que nos deu bom dia e explicou que logo viriam os adolescentes e

algumas crianças, apontando as portas de onde cada um vinha. E, então, ele perguntou se não

estava faltando uma pessoa. Nós assentimos, explicando que ela não viria naquele dia. Ficou

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Page 33: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

claro que a estrutura do colégio estava bem informada do que faríamos, e os “olhos” desta

entidade estavam voltados para nós.

O funcionário nos deixou a sós, desejando um bom trabalho, e o sinal bateu.

Rapidamente o pátio encheu-se de azul: os estudantes usavam calças jeans, leggings, calças de

abrigo com um moletom ou casaco com o logotipo do colégio. Grande parte das meninas

usam os cabelos compridos, já os meninos usam diferentes cortes curtos: estilo Justin Bieber,

estilo emo, estilo moicano. Rapidamente foram se formando grupinhos em diferentes locais

do pátio. Não identifiquei ninguém sozinho: os alunos se organizavam desde pares até grupos

grandes. Alguns adolescentes circulavam entre um grupo e outro. Há grupos mistos e

separados por sexo. Achei interessante observar que os grupos separados por gênero se

configuravam de maneira diferente: as meninas ficam muito próximas umas às outras, em

formação circular, algumas de pé, outras sentadas. Elas se tocam, abraçam-se, beijam-se. Os

meninos ficam mais afastados, sentam um ao lado do outro, sem fechar um círculo, eles se

dão “soquinhos”, se empurram. Nos grupos mistos, predomina a mesma configuração das

meninas.

Vi um grupo de 3 meninas sentadas embaixo da videira; duas delas seguravam

celulares. Resolvi sentar num banco próximo a elas, enquanto o Alexandre preferiu circular

pelo pátio. Duas delas ocupavam, cada uma, um banco. Uma delas (A) era branca, com

espinhas nas bochechas, tinha longos cabelos castanhos, enrolados num grande coque. Usava

calça jeans, o casaco do colégio e um tênis All Star colorido. Tinha as unhas compridas, sem

esmalte. A outra menina (B) no banco sentou de costas pra mim: era negra, com os cabelos

compridos, cheios de trancinhas, presos num rabo de cavalo. Usava calça jeans, com o casaco

do colégio e uma manta em tons de azul. Ela tinha gesso no pé direito e no pé esquerdo um

tênis. Havia duas muletas no chão. A terceira menina (C) sentou na estrutura de concreto com

ladrilhos: era branca, com longos cabelos compridos e soltos, usava calça jeans, moletom do

colégio, tênis e tinha as unhas pintadas de preto. Ela segurava na mão um celular vermelho

brilhante com touchscreen.

A menina A estava sentada com os pés em cima da estrutura de concreto, com os

joelhos dobrados. Ela apoiou os braços nos joelhos e abriu um pacote do biscoito Club

Social, que estendeu para B e C. B pega uma bolacha e A pega depois. B está digitando no

celular, com as pernas juntas ao corpo, e os braços muito próximos à cabeça, apoiados nos

joelhos enquanto tecla. A e B comem e conversam. C está com as pernas esticadas sobre a

estrutura de concreto, deixando as pernas ao lado de C. C para de teclar (acho que ela estava

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Page 34: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

enviando uma mensagem de texto), participa da conversa com A e B e come o Club Social

que termina. Eu não consigo ouvir o que elas falam, porque o ambiente é muito barulhento,

mas elas gesticulam e riem muito.

C – Bah, mas minha mãe... – único trecho de frase que consigo ouvir. Elas riem muito

com essa frase.

A menina A coloca o pacote vazio do Club Social num bolso do casaco, e pega do

outro bolso um celular branco com um pin de enfeite e desliza o celular para cima. Com os

braços apoiados nas pernas, começa a teclar e para de falar com B e C. Ela fecha o celular e

volta para a conversa. Segundos depois, ela abre o celular e parece que está lendo uma

mensagem, pois demora alguns segundos para voltar a teclar e parar de conversar com B e C.

Ela mexe os polegares muito rapidamente, sorrindo (parece um riso malicioso). Para de teclar

e fica olhando o celular aberto. Logo em seguida, ela aperta um botão e parece ler uma nova

mensagem. Então, A volta a teclar rapidamente com seus polegares, enquanto B e C

gesticulam, riem e falam ao mesmo tempo. C está sempre com o celular na mão, mas sem

usá-lo. A, com o celular aberto, volta a conversar com B e C. C se levanta e fica de pé ao lado

de A, com um pé no banco. Ela e A teclam em seus celulares. As duas param de teclar e C

chega mais perto de A, que a abraça e depois dá um tapinha em sua bunda. B se levanta e se

apoia na barra de ferro, junto à estrutura de concreto. Fica com o joelho do pé engessado

apoiado na estrutura. C sai de perto de A e senta no lugar onde estava B.

Ao redor, há algumas crianças menores, entre 7 e 9 anos, também pelo pátio. Elas

correm por todo pátio. Chama-me a atenção uma menina com traços orientais, aparentando

uns 9 anos, que caminha olhando para os lados, como que procurando alguém. Mais adiante,

vejo um grupo de 4 meninas da mesma idade, que olham na direção dela e riem. Elas se

movimentam em conjunto, de acordo com a direção que a menina oriental se movimenta. A

menina as enxerga e corre até elas, enquanto elas riem. Saem todas caminhando em direção às

salas das séries iniciais.

O sinal bate e nenhum adolescente se mexe. A está de pé, com o pé em cima do banco

em que estava sentada, com o joelho dobrado e as mãos nos bolsos do casaco. B continua

sentada no banco e C continua de pé apoiada na barra de ferro. Só escuto A falar para C:

A – Te liga, tu é o primeiro amor da vida dele.

Durante todo tempo que estive ali sentada, senti-me invisível. Parecia que ninguém

notava minha presença ou, pelo menos, não se importava com ela a ponto de mudar de

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Page 35: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

atitude, ou me dirigir um olhar. Neste cenário intenso de sons e quantidades de jovens,

igualmente de azul, cada um exibia sutis diferenças: um boné, uma boina, um brinco, um anel.

O sinal bate novamente e A e C levantam-se e dirigem-se até as salas de aula. B pega

suas muletas e sai devagarzinho na mesma direção. A e C param e voltam para trás rindo,

indo na direção de C. Assim, as 3 caminham ao ritmo de C até a sala de aula, junto com todos

os outros adolescentes. O pátio ficou vazio.

Quando tínhamos ido marcar as observações com duas representantes do SOE, elas

nos disseram que veríamos muitos celulares no recreio. Eu também tinha esta premissa. Por

isso, fiquei surpreendida ao ver que os adolescentes não passam o recreio em torno dos

aparelhos eletroeletrônicos. Alguns utilizam o celular para ouvir música ou enviar mensagens

de texto. Não me pareceu que este uso esporádico tampouco isole um sujeito do grupo em que

está conversando. Não encontrei um eletroeletrônico que retirasse significativamente um

adolescente da interação com seus pares.

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Page 36: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

DIÁRIO DE CAMPO

OBSERVAÇÃO Nº 2

OBSERVADOR: Alexandre F. Santos

DATA: 03.05.11

HORA: das 10h às 10h20min

LOCAL: Colégio Champagnat

DESCRIÇÃO DO LOCAL

O mesmo da observação 1.

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO

Após a recepção, adentramos no amplo pátio do Colégio Champagnat. Como faltavam

alguns poucos minutos para o inicio do intervalo, resolvemos fazer um breve reconhecimento

do local, de seus acessos e de onde os alunos provavelmente iriam se colocar. Um funcionário

da escola veio nos cumprimentar. Era responsável pela segurança e já estava informado do

que buscávamos observar, nos dando algumas dicas de onde se agrupavam as diferentes séries

do Ensino Médio.

Logo os adolescentes lotaram o ambiente, se organizando em diferentes grupos. O

pátio central, onde estávamos, reunia praticamente todos os alunos do Ensino Médio,

enquanto em pátios laterais se reuniram os mais novos.

Inicialmente observei um grupo de nove rapazes próximos a nós. Um deles estava com

um ipod em mãos, escutando com os fones enquanto falava com os outros. Neste mesmo

grupo, um deles estava sentado em um dos muitos canteiros de pedra que tem no pátio, com

uma espécie de mini-videogame nas mãos. Olhava ora para os colegas, ora para o videogame.

Depois de alguns minutos, guardou o aparelho e ficou dialogando.

Mais adiante, havia outro grupo, de quatro rapazes. Enquanto todos conversavam, ele

apenas permanecia ao lado, ouvindo os fones, sem dialogar. Mas, ao que parecia, ele se

mantinha atento aos colegas, por vezes observando ao redor.

Como não eram muitos a usar aparelhos, passei a circular pela volta do pátio,

observando diferentes agrupamentos. Os jovens conversavam empolgados, e pude perceber

que havia uma boa quantidade de interação. Pude concluir que, pelo menos neste dia, algumas

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Page 37: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

das minhas expectativas não se confirmaram: não eram tão numerosos os jovens com

aparelhos em mãos e também não havia aqueles que se isolavam (pelo menos em aparência).

Passei em frente à lancheria, parei na porta e observei o interior: estava praticamente

lotado, onde muitos alunos se enfileiravam para tentar chegar ao balcão. Do outro lado do

pátio, em um grupo de três rapazes, um estava com o celular na orelha. Pelo que parecia,

estava esperando a ligação, pois conversava com os outros que demonstravam estar brincando

com ele. Logo que começou a falar ao aparelho, se distanciou a cerca de quatro metros,

enquanto os colegas seguiram dialogando entre eles. Neste momento busquei me aproximar,

para tentar ouvir o que conversavam. Aproximadamente um minuto após, ele desliga e retorna

ao grupo.

Os grupos frequentemente se misturavam, se dividiam e faziam novos grupos.

Encontrei um grupo de seis meninas onde uma delas teclava ao celular, usando fones

acoplados ao celular, enquanto conversava com a que estava a sua frente. Quando ela teclava

parava de falar. Ao seu lado, outra conversava pelo celular. Isto durou pouco tempo, pois logo

o grupo se desfez e a que estava teclando acabou a sós com um rapaz que havia chegado. Não

pareciam ter muita intimidade, não falaram nada e a moça buscou as amigas que estavam

mais adiante.

Os adolescentes nos olhavam, por vezes, com expressões de aparente curiosidade. O

uso de tecnologias não era tão visível, como já comentado, menor do que esperávamos.

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Page 38: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

DIÁRIO DE CAMPO

OBSERVAÇÃO Nº 3

OBSERVADOR: Thaís Vieira

DATA: 04.05.11

HORA: das 10h às 10h20min

LOCAL: Colégio Champagnat

DESCRIÇÃO DO LOCAL:

O mesmo da observação 1. Como cheguei mais cedo hoje, fiquei esperando o horário

na recepção. É um grande balcão onde fica uma funcionária loira de olhos claros, em torno de

25 anos, com os cabelos presos num rabo de cavalo. Ela usa uniforme do colégio e reparei que

os funcionários que lidam diretamente com os estudantes também (“tios” do pátio e

recepcionista). Ao lado do balcão, há uma sala com portas de vidro e uma placa onde se lê

Sala de Visitas. Numa parede inteira, há um estante de vidro com muitos troféus e, no lado

oposto, 3 sofás de couro marrom de 2 lugares.

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO

No primeiro sofá da Sala de Visitas, há um menino, em torno de 10 anos, com capuz

na cabeça, deitado, encolhido no sofá, com os braços entre as pernas, dormindo. No último

sofá há um menino, por volta dos 8 anos, com um joguinho eletrônico nas mãos. Ele usa os

polegares agilmente e tem os braços apoiados nas pernas. A cabeça está muito próxima ao

joguinho. Ele está numa posição curvada, assim como estavam as meninas que teclavam nos

seus celulares na observação anterior.

Quando vou para o pátio, no horário marcado, com meu crachá de estagiário, o cenário

parece o mesmo da observação anterior: muito azul, muito tênis, muita calça jeans, ninguém

sozinho. Só que, em cada grupo que eu olhava, ninguém segurava um celular, um ipod, ou

coisa parecida. Resolvo sentar em um banco para escolher algum grupo, mesmo sem os

eletroeletrônicos e confirmo as configurações do dia anterior em relação ao gênero: as

meninas sentam muito próximas, tocam-se, comem uma o lanche da outra, parecem um único

organismo. Os meninos se cutucam, empurram-se, não compartilham o lanche (poucos

comem). Parecem massas desajeitadas, buscando seu lugar ao sol.

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Page 39: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

Eles parecem altos para a faixa etária, em torno de 1,70m e 1,80m, muito magros, com

as costas curvadas e as mãos nos bolsos. O rosto ainda parece de criança, os traços delicados,

mas, geralmente, coberto de espinhas ou manchas. Eles não ficam parados no mesmo lugar,

os joelhos ficam semi-flexionados, os pés estão sempre mexendo ou chutando. É difícil

perceber os corpos, porque as roupas são largas, dando a impressão de que vão cair a qualquer

momento. Os tênis são de cano alto, estufados.

Esses comportamentos não são lá muito diferentes do meu tempo de adolescente. Fico

me perguntando se a entrada da tecnologia mudou esses comportamentos típicos dos

adolescentes: encontrar quem sou eu, qual a minha identidade no grupo.

Vejo a menina com traços orientais da observação anterior caminhando com uma

outra menina de longos cabelos castanhos e lábios grossos. Elas têm as mãos no bolso e se

dirigem para o bar. Hoje, acho que por estar frio, os adolescentes estão mais encolhidos

fisicamente, com as mãos nos bolsos, e as meninas mais próximas do que nunca. Ninguém

está usando lã, ou casaco de nylon mais grosso para agasalhar.

Novamente a minha presença parece nada significar pra esses estudantes, pois sentam

próximos a mim, ou passam por mim sem me dirigir o olhar. Não houve mais nenhuma

manifestação de se aproximar e apontar que percebiam que eu estava ali.

Há algumas poucas manifestações de namoro: vejo dois casais, um caminhando de

mãos dadas e outro dando um breve beijo na boca, enquanto estão abraçados em volta de

outros colegas. Eles não estão a parte no grupo.

Passam por mim 3 meninas, uma ao lado da outra. A do meio está com um celular no

ouvido e diz para as outras: “Ah, ele não atende!”. E desliga o celular. Não sei se ligava para

alguém do colégio, ou de outro lugar, ou se era um personagem masculino, como um pai, um

tio, um irmão.

Vejo 3 meninos sentados, um ao lado do outro. Um deles está com fone em um ouvido

enquanto conversa com o menino ao lado. Eu o vi ontem, perto das meninas que observei,

fazendo a mesma coisa: usando o fone, mas conversando.

Há um menino loiro também com fone de ouvido, somente em um ouvido, numa roda

de meninas. Ele conversa com elas, uma se abraça nele.

Três meninos se aproximam de mim, um senta bem do meu lado, com um papel e

caneta na mão e copia os meus gestos. Eu olho pra ele, mas eles agem como se eu não

estivesse ali: não fazem contato visual, nem conversam comigo. O menino que estava do meu

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Page 40: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

lado se levanta e diz: “Vamos falar ali com ele”. Os três saem, apontando, talvez, que a minha

presença não foi ignorada, mas que eles ainda não sabem o que fazer com isso.

Há um grupo de 3 meninos e uma menina. A menina reclama de frio, enquanto come

um chocolate e segura uma caixa de suco. Dois meninos ficam parados, cada um de um lado

dela, bem juntos. O outro menino fica parado de frente pra ela, a uma pequena distância (não

grudado como as meninas ficam).

Chegam aos bancos que observei ontem B e C. B está com suas muletas e C segura

um cachorro-quente em cada mão. As duas sentam juntas na estrutura de concreto e C dá um

cachorro quente para B. As duas comem e conversam. B está com a perna engessada esticada

no banco em frente a ela.

Perto delas, há um grupo de 6 meninas e um menino. Uma delas está com uma

garrafinha de água em volta dos braços, com as mãos pra dentro do casaco. Ela puxa o canudo

com a boca e bebe. Outras duas meninas bebem a água, espichando o corpo, puxando o

canudo com a boca e bebendo. Elas não usam as mãos, parece que a garrafinha está gelada,

pois está suada.

Toca o primeiro sinal, e as minhas esperanças de observar alguma interação com

eletroeletrônicos de acordo com os apontamentos da equipe pedagógica do colégio e dos meus

próprios pressupostos não se concretizam. A premissa empírica quanto à influência maléfica

da tecnologia, que isola o indivíduo do seu meio social, não se confirma em novas

observações.

Continuo olhando em volta quando vejo uma menina dançando (D). Paro para olhá-la

e vejo que ela está com um fone em um ouvido acoplado a um celular, que está na sua mão.

Junto com ela estão mais duas meninas. Não sei se ela está cantando ou conversando, porque

ela olha pras meninas enquanto dança, e as meninas olham para ela. D tem um pirulito na

boca.

D caminha até um menino, que segura seu rosto e aproxima o rosto dele ao dela, como

se fosse beijá-la na boca. Ele dá um beijo na bochecha dela bem apertado. Quando solta o

rosto de D, ela bate várias vezes no ombro dele (com a outra mão ela segura o celular), que se

afasta dela rindo e tentando segurar a mão dela. Então, D volta para as outras meninas

gesticulando e falando. Ela olha o celular e clica nele com um polegar (parece estar trocando

de música). Ela vira de lado para as amigas enquanto canta e dança animadamente por alguns

segundos; fecha os olhos, levanta os braços, gira a cabeça. Ela então para e caminha até um

outro grupo de meninas sentadas em um banco. Conversa alguma coisa com elas. O sinal bate

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Page 41: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

novamente. D se vira e caminha até uma sala de aula, com o celular na mão e o fone de

ouvido. Na porta a que ela se dirige chega uma mulher com uma chave na mão. Os

adolescentes que estavam perto de D levantam e caminham até a mesma porta. Lentamente, o

pátio vai se esvaziando, até que todos estejam em suas salas.

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Page 42: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

DIÁRIO DE CAMPO

OBSERVAÇÃO Nº 4

OBSERVADOR: Thaís Vieira

DATA: 10.05.11

HORA: das 10h às 10h20min

LOCAL: Colégio Champagnat

DESCRIÇÃO DO LOCAL:

O mesmo da observação 1.

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO

Hoje cheguei na recepção do Champagnat e outra funcionária estava na recepção. Tive

de explicar quem eu era e o que ia fazer ali. Ela se revezava num rádio e num telefone,

tentando encontrar alguém que me liberasse. Tive a impressão de que ela ficou aliviada em

perceber que eu estava apta a entrar no colégio e me entregou um crachá de estagiária.

É um prédio antigo, muito bonito, talvez séc. XVIII, que destoa com as grades e portas

trancadas do séc. XXI. Dois tempos ali coexistem, sem se anular, mas sem deixar de soar

estranho o lirismo e o romantismo da arquitetura com a dureza das grades. Passei pela porta

que dá acesso ao pátio e olhei ao redor. O pátio estava vazio, silêncio absoluto, rodeado por

salas de aula com suas portas fechadas. Pensei com muita calma em que banco sentaria: não

queria pegar o lugar cativo de nenhum grupo e nem ficar numa posição difícil de observar os

estudantes. Escolhi um banco de concreto, um pedacinho dele, bem no meio do pátio.

O sinal toca e rapidamente o cenário se enche de azul e de vozes. Mais uma vez, vejo

as crianças menores correndo. Os estudantes do ensino médio caminham, parando ao redor

dos bancos, em grupos pequenos ou grandes. Novamente, não vejo ninguém sozinho.

Fixo minha atenção num grupo de quatro estudantes: dois meninos e duas meninas.

Elas vêm falando nos seus celulares. Todos param em frente a um banco de pé. Uma menina é

baixa, magra, com cabelos lisos e castanhos com as pontas descoloridas. Veste calça jeans,

um casaco com o logo do colégio e All Star claro. Ela fala no telefone e, ao mesmo tempo faz

gestos para um dos meninos: estatura média, cabelos pretos, com um moicano não muito

curto dos lados, com os cabelos todos penteados para frente, cobrindo um pouco os olhos.

Veste um abrigo preto, casaco do colégio e tênis. Ele diz coisas e a menina reage batendo

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Page 43: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

nele, mas com o celular no ouvido. O outro menino é muito alto e tem a mesma roupa e

penteado que o outro. Ele está sentado com as pernas esticadas, as costas curvadas e as mãos

no bolso. A outra menina fala no celular, enquanto segura um Toddynho. Ela tem estatura

média, é magra, tem os cabelos crespos e castanhos, presos num rabo de cavalo baixo. Veste

uma calça jeans com enormes bolsos atrás, moletom azul marinho e tênis. Ela se afasta do

grupo e anda em círculos enquanto fala no celular. A outra menina desliga o celular, coloca-o

no bolso esquerdo, pega no bolso direito uma manteiga de cacau e passa nos lábios. Guarda a

manteiga de cacau e abraça o menino mais baixo.

Próximo a mim, vejo o menino que vi nas outras observações sentado em pé com dois

outros meninos. Ele tem um fone de ouvido só numa orelha e segura o celular. Os três

conversam. Sentam daquela forma mais afastada dos meninos, mas o menino do fone senta

mais afastado ainda, fica curvado com a cabeça baixa, mexendo no celular. Logo em seguida

volta a conversar, ri bastante.

Dois grupos ficam muito próximos a mim, conversam como se eu não estivesse ali.

Senti-me invisível, cercada destes estudantes de azul, mas isso não era desconfortável. Eu

tinha a sensação de estar escondida no meio de todos eles. E sentia que podia observá-los sem

sentir que eu estava invadindo o seu espaço.

Volto a observar o grupo dos quatro alunos, e o menino alto está de pé. A menina do

cabelo descolorido na ponta está sentada. A menina dos cabelos crespos fala e empurra os

meninos, que mal se mexem do lugar. Eles todos riem e gesticulam muito. Não ficam muito

tempo parados no mesmo lugar. Ficam em círculo, mas vão trocando de posições a cada

empurrão.

Próximo ao grupo dos quatro, em outro banco, há um grupo de 8 meninos, ao redor do

banco, mas todos de pé. No meio do grupo, vejo um menino de estatura média, magro, loiro,

cabelos em pé e profundas covinhas em forma de meia lua nas bochechas, que segura um

game boy nas mãos. Ele mexe os polegares rapidamente, enquanto fala com os outros

meninos. Nenhum dos outros meninos observa o seu jogo, eles falam entre si. Enquanto,

mexe os polegares, ele chuta os colegas ao redor, até que um deles segura o seu pé, e ele

quase cai. Todos riem. O menino das covinhas volta os polegares ao jogo, falando ao mesmo

tempo. Este grupo também fica em formato circular, trocando posições. Então, um menino do

grupo de estatura média, cabelos encaracolados, pretos, que funga sem parar (parece estar

gripado), para do lado do menino com o jogo, encostando braço com braço. Está com as mãos

no bolso e tira uma delas, apontando o aparelho. Os dois conversam e riem, e o grupo, na sua

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Page 44: A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes

troca de posições, vai ficando de costas para os dois. Aqui aparece uma proximidade física

entre os meninos que nunca antes acontecera, permeada pelo jogo: parece uma união de

corpos no esforço de enfrentar os desafios que ocorre na tela.

O primeiro sinal bate e todos os meninos mantêm uma certa distância, mas os dois que

estão voltados para o jogo estão colados, literalmente. Um terceiro menino para na frente dos

dois, com a cabeça curvada para o jogo (ele vê o jogo de cabeça pra baixo). Então, ele se

encosta no outro braço do menino de covinhas, e os três falam e apontam o aparelho.

No grupo dos quatro, o menino alto se afasta do grupo com uma mão no bolso, e a

outra segurando um celular, que tecla com o polegar. Ele caminha enquanto faz isso. Na

minha frente passa uma menina e um menino de mãos dadas. O menino tecla no celular com a

mão esquerda enquanto caminham.

O segundo sinal bate e o menino de covinhas caminha muito vagarosamente em

direção às salas de aula, enquanto mantém os polegares no jogo. O menino de cabelos crespos

segue ao lado dele. Os demais integrantes de grupo também caminham vagarosamente em

direção a uma porta. Todos param em frente a ela e continuam conversando. O menino das

covinhas senta sozinho, mas perto do grupo, no degrau que fica em frente à porta, com os

antebraços apoiados nos joelhos, enquanto os polegares apertam os botões do jogo.

Aos poucos, outros estudantes dirigem-se às suas salas de forma bem lenta. Sem

pressa, conversando, as meninas abraçadas, os meninos com as mãos nos bolsos. Ficam

parados em frente às suas salas até que o professor chegue e, um a um, os alunos entram na

sala que se fecha. Retorna o silêncio e os bancos ficam sozinhos.

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DIÁRIO DE CAMPO

OBSERVAÇÃO Nº 5

OBSERVADOR: Alexandre Fontoura dos Santos

DATA: 11.05.11

HORA: das 10h às 10h20min

LOCAL: Colégio Champagnat

DESCRIÇÃO DO LOCAL:

O mesmo da observação 1.

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO

Cheguei ao pátio central alguns minutos antes de iniciar o intervalo, para melhor me

posicionar. Assim que as turmas de adolescentes lotaram o ambiente, verifico um jovem

isolado (A), no meio do pátio. Ele estava sentado em um banco/canteiro circular, como os

muitos que tem no local. Usava bermuda, moletom e boné, e sua mão direita estava enfaixada,

o que não impedia que usasse o aparelho. Parecia manusear um celular ou ipod, usando fones

de ouvido, curvado sobre o aparelho. Intercalava-se entre digitar e olhar a volta. Logo, outros

três rapazes chegam e sentaram ao seu lado, começando a conversar. A partir daí ele digitou

um pouco menos, mas falou pouco.

Procurei circular pelo ambiente e verificar outros exemplos. Mais a frente, uma

menina estava falando ao celular. Estava com mais duas que ela acompanhava caminhando.

No canto do pátio havia outra menina, sozinha, falando ao celular. Prosseguiu nesta atitude

por alguns minutos.

Fui até o bar do colégio, onde havia recebido informações de que alguns jovens

buscavam o local no intuito de usar a conexão wireless da PUCRS. Tal comentário veio

através de uma aluna da escola, conhecida de nossa colega de grupo Danielle. Atravessei o

ambiente, que estava lotado, onde a maioria esperava em filas para comprar lanches. Na porta

do bar havia um grupo de seis meninas sentadas em volta de uma mesa. Subi a escada ao lado

para observá-las do alto. Enquanto todas conversavam, uma manuseava o celular, em silêncio.

Como esta atitude não se modificou, prossegui investigando outras áreas. A área do bar não se

mostrou muito promissora para estas observações. Pelo menos neste dia.

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Em meu retorno ao pátio, aquele rapaz que manuseava um aparelho desde o início do

intervalo (A), estava de novo sozinho, na mesma atitude de digitar e olhar a volta, curvado

sobre o aparelho. Não pude definir se jogava algum jogo ou se escrevia algo. Dois de seus

amigos se aproximavam dele de vez em quando e tentavam puxar assunto. O rapaz, porém,

continuava na mesma atitude. Pelo que constatei, esteve envolvido com o aparelho durante

todo o tempo do intervalo.

Próximo a este rapaz, havia outro grupo, com quatro meninas e três meninos. Um

menino estava de pé, mexendo em um celular, enquanto o restante do grupo conversava.

Alguns estavam sentados nos bancos/canteiros e outros estavam de pé, logo à frente. Ele

entrega (ou devolve) o celular para uma menina, que estava sentada a sua frente e se vira para

o grupo. Ela segue manuseando o aparelho até o final do intervalo.

Enquanto todos entravam na sala de aula, havia uma menina que continuava a teclar

no celular, o que me parecia estar mandando uma mensagem de texto. Ficou ali o máximo que

pôde, tendo que entrar na sala, logo em seguida. Pela placa da sala, tratava-se de uma turma

de segundo ano do Ensino Médio.

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DIÁRIO DE CAMPO

OBSERVAÇÃO Nº 6

OBSERVADOR: Marta Otton

DATA: 11.05.11

HORA: das 10h às 10h20min

LOCAL: Colégio Champagnat

DESCRIÇÃO DO LOCAL:

O mesmo da observação 1.

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO

Chegando ao Colégio Champagnat já atrasada, aproximadamente 5 minutos, fui

prontamente falar com a funcionária que estava na portaria. Identifiquei-me. Ela, para minha

surpresa, já sabia quem eu era. Deu-me o crachá de estagiária e encaminhou-me para a porta

que dava acesso ao pátio.

Fui até a área onde estavam os adolescentes. O lugar era bonito e limpo. Já estavam no

recreio e havia muitos pequenos grupos, a maioria dividida por sexo. As meninas eram mais

carinhosas umas com as outras, enquanto alguns rapazes se empurravam e conversavam com

as mãos nos bolsos.

Vi alguns adolescentes com fones de ouvido, em uma só orelha. Conversavam também

com seus pares.

Nesta primeira observação encontrei apenas 3 estudantes manipulando o aparelho

celular. Fixei-me em uma menina que estava próxima a mim. Ela era magra, de estatura

média, cabelos pretos presos em um rabo-de-cavalo. Havia uma colega com ela, mais alta, de

cabelo solto e também tinha um grupo misto próximo a elas. Elas conversavam ao mesmo

tempo em que a menina de cabelos presos manipulava o aparelho. Pela maneira como usava o

celular parecia que estava enviando uma mensagem, pois digitava bem compenetrada no

aparelho móvel. Volta e meia olhava para a amiga e dialogavam, como também baixava a

cabeça e se compenetrava no manuseio do aparelho. O primeiro sinal tocou. A amiga saiu de

perto e ela continuou atenta ao que estava fazendo.

Os adolescentes ali presentes no pátio interagiam uns com os outros. Não me chamou

a atenção que houvesse alguém isolado.

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