a influência da publicidade de beleza na vida das mulheres...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 A influência da Publicidade de Beleza na vida das mulheres desde a infância até a idade adulta 1 Julia COUTO 2 Tereza Eliza DANTAS 3 Gabriela ALVES 4 Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES Resumo Este artigo tem como objetivo, discorrer sobre como a publicidade de beleza profere seu discurso reforçando padrões ditos femininos. Mostrar, com base em autores que discutam esse tema, que desde a infância, as mulheres são bombardeadas com inúmeros estereótipos estéticos que as acompanham até a idade adulta, causando inseguranças derivadas da consolidação do mito da beleza. Para exemplificar e facilitar o entendimento do tema, foi feito um estudo de análise com duas peças publicitárias, direcionadas aos dois públicos referentes à discussão, que veiculam padrões estéticos vigentes na sociedade contemporânea. Palavras-chave: padrão de beleza; infância; mulher; publicidade. Introdução O corpo feminino se transformou, ao longo do tempo, em um espetáculo oferecido pela mídia como forma de publicidade. A beleza feminina passou a ser vista como mercadoria, fazendo com que as produções midiáticas vendessem e faturassem através da exploração do corpo. Foi imposto, a partir da veiculação midiática, um padrão estético de beleza, que exige das mulheres uma preocupação para se aproximar do que é visto na televisão. As campanhas publicitárias mostram que a mulher pode ser bela, inteligente, bem-sucedida profissional e financeiramente, se ela usar as roupas, maquiagens, produtos de cabelo e de corpo, que estão sendo veiculados. São recursos que, se utilizados, prometem transformar a “mulher comum” em “mulher bonita”. 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Publicidade e Propaganda, da Intercom Júnior XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UFES, email: [email protected] 3 Estudante de Graduação 7º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UFES, email: [email protected] 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social da UFES, email: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

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A influência da Publicidade de Beleza na vida das mulheres desde a infância até a

idade adulta1

Julia COUTO2

Tereza Eliza DANTAS3

Gabriela ALVES4

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES

Resumo

Este artigo tem como objetivo, discorrer sobre como a publicidade de beleza profere seu

discurso reforçando padrões ditos femininos. Mostrar, com base em autores que discutam

esse tema, que desde a infância, as mulheres são bombardeadas com inúmeros estereótipos

estéticos que as acompanham até a idade adulta, causando inseguranças derivadas da

consolidação do mito da beleza. Para exemplificar e facilitar o entendimento do tema, foi

feito um estudo de análise com duas peças publicitárias, direcionadas aos dois públicos

referentes à discussão, que veiculam padrões estéticos vigentes na sociedade

contemporânea.

Palavras-chave: padrão de beleza; infância; mulher; publicidade.

Introdução

O corpo feminino se transformou, ao longo do tempo, em um espetáculo oferecido

pela mídia como forma de publicidade. A beleza feminina passou a ser vista como

mercadoria, fazendo com que as produções midiáticas vendessem e faturassem através da

exploração do corpo.

Foi imposto, a partir da veiculação midiática, um padrão estético de beleza, que

exige das mulheres uma preocupação para se aproximar do que é visto na televisão. As

campanhas publicitárias mostram que a mulher pode ser bela, inteligente, bem-sucedida

profissional e financeiramente, se ela usar as roupas, maquiagens, produtos de cabelo e de

corpo, que estão sendo veiculados. São recursos que, se utilizados, prometem transformar a

“mulher comum” em “mulher bonita”.

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Publicidade e Propaganda, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação

Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

2 Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UFES, email: [email protected]

3 Estudante de Graduação 7º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UFES, email: [email protected] 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social da UFES, email: [email protected]

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Os anúncios publicitários passaram a fazer parte da memória afetiva do consumidor,

mostrando um discurso de valorização das mulheres que “cuidam” do corpo e o mantêm

belo. Além da mídia apresentar uma mensagem apelativa, a beleza feminina aparece como

algo indispensável para uma vida feliz.

“Por meio de um diálogo incessante entre o que veem e o que são, os

indivíduos insatisfeitos com sua aparência (particularmente as mulheres)

são cordialmente convidados a considerar seu corpo defeituoso. Mesmo

gozando de perfeita saúde, seu corpo não é perfeito e “deve ser corrigido”

por numerosos rituais de autotransformação, sempre seguindo os

conselhos das imagens-normas veiculadas pela mídia. (...) Elas constituem

o estereótipo ideal da aparência física em uma cultura de massa ao

banalizar a noção de metamorfose, de uma transformação corporal normal,

de uma simples manutenção do corpo: “Mude seu corpo, mude sua vida”

ou “Você pode ter um corpo perfeito” (MALYSSE, 2002, p.92)

Além da influência que a mídia tem sobre às mulheres, ela também interfere na

formação e na vida social da criança. O público, principalmente, pré-adolescente, não é

imune à cultura da valorização do belo e tem entrado cada vez mais cedo no mercado de

produtos de beleza. As empresas de setores correspondentes, como a O Boticário, enxergam

essa fragilidade, como uma oportunidade para conquistar o mercado.

Essa aproximação do mundo adulto com o mundo infantil, pode gerar fenômenos

nomeados, por exemplo, de “crianças adultizadas” ou “desaparecimento da infância”

(POSTMAN, 1999, p. 113), que expõe e influencia crianças a viverem como adultos, além

de reforçar os valores do “papel da mulher” na sociedade desde o princípio da vida. A

beleza começa a ser fundamental no processo de conquista das crianças, desenvolvendo o

sentimento de bem-estar e de conseguir fazer parte de um grupo.

A discussão que está presente neste artigo parte da interseção de dois temas aqui

apresentados: a mídia massiva como propagadora do “mito da beleza” e a introdução do

padrão de beleza desde a infância até a vida adulta. Para a base teórica serão estudados

autores como Naomi Wolf, Neil Postman e Adorno para discutir conceitos como “mito da

beleza”, construção da infância e posicionamentos midiáticos, além de outros teóricos que

auxiliarão na construção bibliográfica do artigo.

Como forma de exemplificar esses dois temas, serão analisadas duas peças

publicitárias da marca “O Boticário”, ambas em formato de vídeo, que foram veiculadas em

canais abertos e fechados da televisão. Como forma de mostrar a interseção dos temas, as

publicidades analisadas possuem direcionamentos diferentes, uma referente à crianças e

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outra à adultos, porém com o mesmo objetivo: vender produtos de beleza como

transformadores de vida.

“O mito da beleza” e o Aprisionamento Feminino

O mito da beleza surge como uma espécie de “arma social” que “cerca” os avanços

alcançados pelas mulheres dentro da sociedade vigente. Com a possibilidade de

qualificação, ascensão social, liberdade sexual, inserção no mercado de trabalho, entre

outros direitos conquistados, as mulheres se mostram resistentes e ameaçam as estruturas de

poder. Essa situação deriva numa resposta que se canaliza principalmente em expressões

mercadológicas de representação da beleza.

“Durante a última década, as mulheres abriram uma brecha na estrutura do

poder. Enquanto isso, cresceram em ritmo acelerado os distúrbios

relacionados à alimentação, e a cirurgia plástica de natureza estética veio a

se tornar uma das maiores especialidades médicas. (WOLF, 1992, p.12)

Os padrões de beleza não são estáticos. Com o passar dos anos e das épocas, eles se

modificam e as mulheres ficam à mercê dessas mudanças, que na maioria das vezes, não

condizem com a saúde do corpo e quase sempre são inalcançáveis pela maioria da

população.

“O padrão estético de beleza atual, perseguido pelas mulheres, é

representado imageticamente pelas modelos esquálidas das passarelas e

páginas de revistas segmentadas, por vezes longe de representar saúde,

mas que sugerem satisfação e realização pessoal e, principalmente, aludem

a eterna juventude. ” (BOHM, 2004, p.19)

Os padrões impostos socialmente e reforçados pela mídia, representam uma espécie

de obstáculo no bem-estar das mulheres. Segundo Naomi Wolf, em sua publicação de 1992,

“Quanto mais obstáculos legais e materiais vencidos pelas mulheres, mais rígidas, pesadas e

cruéis foram as imagens da beleza feminina a nós impostas”. Mesmo que as mulheres

cheguem ao topo de sua profissão e realização pessoal, esse caminho não é considerado

suficiente. A imagem física tende a ser um ponto muito valorizado de sua carreira, muitas

vezes mais valorizado que sua produção. Para a sociedade, não basta que uma mulher seja

uma boa profissional, já que se ela não estiver de acordo com os padrões de beleza

contemporâneos, ela não é considerada boa o suficiente.

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A cobrança estética direcionada à mulher, transcende o âmbito profissional. A vida

pessoal começa a ser regida da mesma forma e com os mesmos tipos de exigências. As

relações sociais podem ser pautadas a partir dos estereótipos de beleza, por exemplo:

levando em consideração um recorte atual de beleza padrão, uma mulher de 22 anos e 52 kg

tem muito mais chances de se casar, ter filhos e se ascender socialmente do que uma mulher

de 22 anos que pese 62 kg.

O que se espera de uma mulher é que ela seja uma boa profissional, uma boa dona

de casa, uma boa mãe e ainda preencha aos requisitos de beleza que se implicam

principalmente na cultura da magreza e na busca da juventude eterna, assim reforçando

ideais estéticos baseados no capital e na influência mercadológica, que impulsionam e

mantém as indústrias de cosméticos e de intervenções cirúrgicas estéticas. Boa parte das

revistas direcionadas ao público feminino tratam exclusivamente desses assuntos e

principalmente sobre a beleza, o que reforça a ideia de que para se enquadrar socialmente

uma mulher precisa corresponder aos modelos de beleza que são veiculados. Quando uma

mulher abdica dessa imagem, ela não é representada pela mídia e dessa forma ela não é

considerada parte do todo, sofrendo assim uma espécie de exclusão social.

Um exemplo dessa imposição da beleza padrão e desse tipo de cobrança que é

sustentada, foi o episódio que aconteceu na última cerimônia do Oscar (2016), quando a

inglesa Jenny Beavan (ver Anexo C), vencedora da categoria melhor figurino, responsável

pela indumentária do filme “Mad Max: Estrada da Fúria” (George Miller, 2015), não foi

aplaudida por boa parte do público, formado por cineastas, atores e outros influenciadores

expoentes do cinema mundial, simplesmente por não se enquadrar ao padrão de magreza,

beleza e dress code esperado pela sociedade para um evento daquela importância. Uma

pessoa que não se enquadra ao padrão atual de beleza, que pode ser facilmente definido

como: “magra, jovem e bela” é vulnerável.

Uma mulher que não se enquadra, é exposta a uma série de represálias, por isso,

sente a necessidade de se “unir ao grupo”, se subentendo a uma série de alterações impostas

e bem quistas pela sociedade em geral. Isso não está ligado ao bem-estar da mulher e sim ao

bem-estar da sociedade que precisa de métodos que inoculem as lutas sociais femininas.

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A mídia televisiva como propagadora do mito da beleza.

A mídia televisiva desde a década de 60 se consolidou como uma das maiores fontes

de informação da atualidade. Os espectadores não se utilizam dos conteúdos veiculados

apenas como forma de entretenimento, posto que essas mensagens desempenham também

um papel informativo e de formação do imaginário coletivo, criando conceitos ou

reforçando ideias já existentes.

Existe um caráter ideológico-formal da televisão, ou seja, desenvolve-se

uma espécie de vício televisivo em que, por fim, a televisão, como

também outros veículos de comunicação de massa, convertesse pela sua

simples existência no único conteúdo da consciência, desviando as

pessoas por meio da fartura de sua oferta, daquilo que deveria se constituir

propriamente como seu objetivo e sua prioridade. (ADORNO; 1995; p:

80)

Dessa forma, os conteúdos veiculados nos meios televisivos tornam-se parâmetros

sociais e, consequentemente, a publicidade também se transforma em um formador de

opinião, divulgando e reforçando padrões sociais e estéticos e comportamentais, além de

estereótipos, em muitos casos lançando mão dessa influência para vender seus produtos.

Para além da simples divulgação de um produto, a publicidade televisionada passa a

inserir esses padrões e estereótipos na vida das pessoas desde muito cedo e continuam as

acompanhando durante um bom tempo, ditando os modelos sociais a serem seguidos.

A Construção Social da Infância e a Publicidade Infantil

De acordo com Postman (1999), na Era Medieval, o conceito de infância não existia

pela falta de alfabetização, pela não existência do conceito de educação e do conceito de

vergonha. Não existia a preparação da criança para o mundo adulto, os dois

compartilhavam os mesmos ambientes sociais e informacionais. É a partir da criação da

prensa tipográfica, associada à cultura da alfabetização, que surge o conceito moderno de

infância.

Fernanda Hamann (2002) aponta que a forma de se conceber a infância, varia de

tempo em tempo e de sociedade a sociedade. Cada contexto cultural é capaz de criar uma

maneira particular de concepção de criança, no sentido que as formas de se relacionar com

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ela, e o próprio papel dela na sociedade, resultam de uma complexa rede de valores e regras

predominantes nesta sociedade.

Se há poucos anos atrás, o que diferenciava a criança do adulto era a leitura, hoje, de

acordo com Postman (1999), a infância está fadada ao desaparecimento. O advento da

televisão é a causa dessa mudança recente. A velocidade das transformações sociais e

psicológicas, impulsionadas pelas transformações tecnológicas, faz com que ser criança

hoje seja diferente de ser criança há poucas décadas atrás. As programações televisivas, na

prática, estão mostrando aspectos sexuais a qualquer hora do dia, como por exemplo nas

novelas e publicidades de cerveja. A criança não é mais poupada desse tipo de conteúdo.

Em seu livro “Nascidos para Comprar”, Juliet Schor (2009) aborda a emergência de

uma nova aliança, a partir da segunda metade do século XX, em especial nas décadas de

1980 e 1990, entre crianças e consumo. As campanhas publicitárias começam a produzir

com o objetivo de fazer das crianças, consumidores relevantes.

Os arquitetos dessa cultura – as empresas de propaganda, o mercado e os

publicitários de produtos de consumo – têm se voltado para as crianças.

Embora elas tenham uma longa participação no do mercado consumidor,

até recentemente eram consideradas pequenos agentes ou compradores de

produtos baratos. Elas atraíam uma pequena parcela dos talentos e

recursos da indústria e eram abordadas principalmente por intermédio de

suas mães. Isso se alterou. Hoje em dia, crianças e adolescentes são o

epicentro da cultura de consumo norte-americana. Demandam atenção,

criatividade e dólares dos anunciantes. Suas preferências direcionam as

tendências de mercado. Suas opiniões modelam decisões estratégicas

corporativas. (SCHOR, 2009, p. 2)

Com o crescimento do direcionamento da publicidade infantil, a criança – e a

infância – começa a ser um tema bastante discutido por teóricos da pós modernidade.

Expressões como “perda da infância” se tornam comum entre os estudiosos. Essas

discussões se dão pela mudança da forma que as crianças estão se relacionando com o

mundo contemporâneo. A comunicação massiva, passa a dividir o papel de transmissão do

conhecimento, educação comportamental e valores, com os pais e as escolas. O acesso à

televisão, por exemplo, aproxima as crianças dos conhecimentos adultos.

“Com a ajuda de outros meios eletrônicos não impressos, a televisão recria

as condições de comunicação que existiam nos séculos XIV e XV.

Biologicamente estamos todos equipados para ver e interpretar imagens e

para ouvir a linguagem que se torna necessária para contextualizar a

maioria dessas imagens. O novo ambiente midiático que está surgindo

fornece a todos, simultaneamente, a mesma informação. (...) a mídia

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eletrônica acha impossível reter quaisquer segredos. Sem segredos,

evidentemente, não pode haver uma coisa como infância. ” (Postman,

1999, p. 94)

A partir desse momento, a indústria cultural passa a olhar para a infância, como um

nicho de consumidor potencial. Propagandas Publicitárias começam a “seduzir”

gradativamente o público infantil para comprar diversos tipos de produtos, desde roupas a

invenções tecnológicas.

De acordo com o Instituto Alana, as estratégias mais comuns para induzir ao

consumo no horário comercial são: a publicidade convencional; o licenciamento de

personagens da TV e cinema para atrelar sua imagem ao produto; e brindes nos postos de

venda - que muitas vezes, exigem complemento em dinheiro.

Quando os produtos e serviços são voltados para o público infantil, a publicidade

precisa ser olhada com mais delicadeza. Por serem indivíduos que ainda estão em

desenvolvimento, são mais vulneráveis aos apelos midiáticos.

De acordo com o Art. 15 da Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, “A criança e o

adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em

processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais

garantidos na Constituição e nas leis”. Portanto, é entendido que as crianças e os

adolescentes ainda estão em fase de formação e não tem controle total sobre a sua própria

vida, dessa forma, devemos preservar a sua imagem e integridade. No Art. 17 dessa mesma

lei, é dito que “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,

psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da

identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Para garantir que essas leis sejam cumpridas e fiscalizadas, existe o Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Há algum tempo essas leis estão sendo feridas por publicidades consideradas

abusivas voltadas para o público infantil. Portanto, foi criada pelo Conanda a resolução nº

163, de 04 de abril de 2014, que considera “a prática do direcionamento de publicidade e

comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de

qualquer produto ou serviço” abusiva, sendo então ilegal segundo o Código de Defesa do

Consumidor. A resolução 163 lista os seguintes aspectos que caracterizam abusividade:

linguagem infantil, efeitos especiais e excessos de cores; trilhas sonoras de músicas infantis

ou cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com

apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de

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animação; bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes

colecionáveis ou com apelos ao público infantil; promoção com competições ou jogos com

apelo ao público infantil.

Análise das Publicidades

A publicidade infantil é produzida e apresentada para as crianças de forma muito

similar a publicidade adulta, o que pode ser entendida como uma forma de conquistar o

consumidor. Para Linn (2006), as crianças de hoje crescem em meio a um turbilhão de

marketing. Dessa forma, foram feitas análises de duas campanhas publicitárias, uma com o

viés para o público infantil e a outra com um direcionamento para o público adulto, de uma

mesma marca, a O Boticário, para comparar e exemplificar todos os conceitos que foram

utilizados ao longo deste artigo.

1.1. Petit Sophie 4

A Petit Sophie, é uma das linhas de perfumaria da marca O Boticário, criada em

2007 com o objetivo de desenvolver para garotas com idade entre 6 e 12 anos, maquiagens

e produtos para o corpo e cabelo. A campanha da linha, “Para brincar e brilhar” (ver Anexo

A), foi lançada em janeiro de 2015 e veiculada em formato de videocase para canais

infantis fechados da televisão. Com o intuito de lançar novos produtos da linha de beleza

exclusiva para crianças, a campanha em questão utilizou-se de imagens que poderiam estar

no meio cotidiano de uma adolescente.

Na campanha “Para brincar e brilhar”, a publicidade consegue chamar atenção do

seu público com uma maneira lúdica e que demonstre confiança. A primeira cena é de uma

menina tomando banho em uma banheira, dentro de um banheiro com as paredes rosas e

com bolhas de espumas saindo da água, já que ela está usando o sabonete da linha. “Alguns

detalhes deixam tudo diferente” é a primeira fala da gravação, “Um banho gostoso” segue

junto com a cena da banheira. Logo após a primeira cena, segue a mesma menina em um

outro ambiente, também com a maioria dos detalhes na cor rosa, deitada com as perninhas

se mexendo e passando um batom. Para acompanhar a cena, a fala que acompanha é “Um

sorriso bonito”, chamando atenção para o ato de passar o batom. A terceira cena, é em outro

4 Link de acesso à peça publicitária “Para brincar e brilhar” da marca Petit Sophie:

www.youtube.com/watch?v=uB3CoNzVM2U

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cenário, com uma penteadeira rosa e alguns produtos da linha em cima dela. A fala é “Um

toque especial” e a menina está passando blush no rosto. “E aí, tudo fica mais lindo e

divertido” é a locução das duas últimas cenas quando entram em transição. A mesma

menina espirra um pouco de perfume quando está em seu quarto, mais uma vez com todos

os detalhes na cor rosa, e como efeitos de mágica, a cena transita para um parque de

diversão. A publicidade termina mostrando todos os produtos da linha em um fundo cor de

rosa com a última fala da locução “Linha Petit Sophie de O Boticário, para brincar e

brilhar”.

De início pode-se perceber o uso de alguns recursos estratégicos para chamar a

atenção da criança, como a proposta de fazer um comercial parecido com um desenho

animado. Utilizando-se de cores suaves e leves, as imagens ganham um aspecto mais

fluido, e os tons que são sempre usados para remeter o feminino, como os vários tons de

rosa, são utilizados para direcionar a publicidade à um público de meninas.

Percebe-se que a imagem da criança é de pele e olhos claros e magra. Embora não

seja este o enfoque desta análise, não se pode desconsiderar a figura da criança que ilustra

esta publicidade. Este arquétipo é tão difundido na publicidade com o objetivo de reforçar

os padrões representativos dominantes na sociedade que, além de evidenciar um desacordo

com a ideia de diversidade étnica, como diz Inês Sampaio em seu livro Televisão,

publicidade e infância, “revelam (...) a tendência a representar imagens idealizadas e isentas

de qualquer negatividade” (SAMPAIO, 2000, p. 257).

Seguindo com a análise, a voz de locução off utilizada no vídeo, é uma voz adulta,

mas que imita a delicadeza de uma voz infantil, outra estratégia para se aproximar do

universo das crianças. Essas estratégias utilizadas pelo anunciante, conseguem atingir

diretamente o público, já que crianças, por não entenderem as formas de sedução das

publicidades, estão mais suscetíveis à manipulação. “A criança é transformada pela mídia

no modelo ideal de consumidor. Se, por um lado, ela não considerada socialmente como um

ser completo, por outro, na perspectiva de sua inserção na cultura, ela é plena para o

exercício de consumo” (MASQUETTI apud BAUDRILLARD, 2008, p. 2).

1.2. A Linda Ex5

5 Link de acesso à peça publicitária “A Linda Ex” da marca O Boticário: www.youtube.com/watch?v=r0vDe_Qq12Q

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A segunda peça utilizada para análise foi veiculada no ano de 2015 nos canais

abertos da televisão. Com o título “A Linda Ex” (ver Anexo B), a publicidade retrata casais

prestes a assinarem o divórcio. O vídeo começa com um quadro em que cada indivíduo

narra o motivo da separação. As mulheres proferem frases como “A gente virou sócio da

criação dos filhos”, “Acabou por um monte de coisinhas”, entre outras que remetem um

desgaste na relação. Quando as entrevistas passam a ser direcionadas aos homens, as

respostas mudam de direcionamento, como “Ficou comum”, “A gente se acostuma”,

“Acontece de parar de olhar”. Nessa pequena introdução já é possível notar a diferença dos

discursos.

As mulheres reclamam de coisas comuns ao casamento em geral, como falta de

cooperação por falta dos homens e um misto de coisas que levaram ao desgaste, já os

homens a todo tempo remetem a uma monotonia com a presença da esposa e falta de

atração.

A qualidade chamada "beleza" existe de forma objetiva e universal. As

mulheres devem querer encarná-la, e os homens devem querer possuir

mulheres que a encarnem. Encarnar a beleza é uma obrigação para as

mulheres, não para os homens, situação esta necessária e natural por ser

biológica, sexual e evolutiva. Os homens fortes lutam pelas mulheres

belas, e as mulheres belas têm maior sucesso na reprodução. A beleza da

mulher tem relação com sua fertilidade; e, como esse sistema se baseia na

seleção sexual, ele é inevitável e imutável. (WOLF 1992. P.15)

A publicidade sugere, depois das entrevistas, uma solução para o “problema” do

divórcio. Oferecem às mulheres um “dia de beleza”, onde elas serão maquiadas e

devidamente arrumadas para a assinatura do divórcio. Depois da nova roupagem, as

mulheres chegam à frente dos maridos deixando-os surpresos com a nova aparência de suas

ex esposas, enquanto repete-se a narração das frases que eles haviam proferido

anteriormente, reforçando o fato de que a separação por parte do marido teria se dado

resultante por conta da falta de interesse pela aparência da esposa, culpabilizando-a.

Após a assinatura do divórcio, frases como, “tudo pode acabar, menos sua

autoconfiança”, são projetadas na tela, deixando exposta a intenção da marca de associar

autoconfiança feminina com beleza padrão provinda de maquiagem e com o consumo dos

produtos da marca.

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Considerações Finais

Além de cumprir o seu principal objetivo de fomentação do consumo, a publicidade

pode atuar como um mecanismo de naturalização de discursos, impregnando às pessoas, os

estereótipos e modelos sociais da contemporaneidade.

Os padrões de beleza reforçados e até mesmo impostos pela mídia, estão

desassociados da realidade dos corpos femininos nos dias atuais. Esses padrões são

incentivados mesmo que para conquistá-los, sejam adotadas práticas que coloquem em

risco a saúde física e mental de quem deseja obter o físico “ideal”.

Pode-se observar que de acordo com os teóricos e a publicidade da Petit Sophie, a

mídia tem se utilizado de estratégias para conquistar um outro nicho de público, o infantil.

As crianças estão cada vez mais expostas às exigências estéticas da contemporaneidade. A

partir disso, encontram-se fenômenos que aproximam a realidade da criança de hoje com a

realidade da criança na Idade Média, onde não existia o conceito de infância.

A contribuição do artigo se refere à observação a partir dessa perspectiva: a

adultização de crianças como forma de sociabilização destas para o mercado de consumo.

Ou seja, o contexto histórico-cultural no qual a categoria infância começa a ser "adultizada"

se refere a valores sociais baseados no consumo como forma de inserção social e

construção de identidades (JOHN, 1999). As crianças se apresentam como um novo

"mercado" a ser explorado, e, para isso, os discursos que permeiam as ações de marketing

estão baseados no pressuposto de que elas "têm o direito" de fazer parte do mercado de

consumo, sendo que a resolução 163 do Conanda diz justamente o contrário.

As publicidades aqui analisadas, representam as primeiras mensagens de estímulo ao

consumo direcionadas às crianças e a continuação do discurso direcionado às mulheres

adultas. É estabelecido um vínculo entre consumidor e marca que nasce muito cedo e acaba

muito tarde.

Assim, com este artigo, esperamos ter trazido um convite à reflexão sobre as

consequências das ações da mídia sobre o público infantil e adulto de mulheres. É

necessário compreender que a imposição de um padrão de beleza em detrimento da

diversidade estética, destrói os princípios de igualdade de gênero, o que dificulta a inclusão

social feminina além de ferir os princípios de proteção ao desenvolvimento físico e mental

das crianças e adolescentes.

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Referências Teóricas

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as

mulheres. Rocco, Rio de Janeiro rj 1992

BOHM, Camila Camacho. Um peso, uma medida: O padrão da beleza feminina

apresentado por três revistas brasileiras. São Paulo: UNIBAN, 2004.

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Janeiro. Paz e Terra, 1995.

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Paulo: Instituto Alana, 2006.

HAMANN, Fernanda Passarelli. Erotização da Infância e Meios de Comunicação de

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POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.

SCHOR, Juliet B. Nascidos para comprar: Uma leitura essencial para orientarmos nossas

crianças na era do consumismo. Tradução: Eloisa Helena de Souza Cabral. São Paulo:

Editora Gente, 2009.

MASQUETTI, Maria Helena. Parecer Psicológico Sobre o Outdoor da Grife Lilica

Ripilica – Empresa Marisol S.A. Disponível em: http://www.alana.org.br. Data de acesso:

27 junho de 2016.

JOHN, D. R. Consumer socialization of children: a retrospective look at twenty-five years

of research. Journal of Consumer Research, Chicago, v. 26, n. 3, p. 183-213, 1999.

SOUZA, C. Oscar 2016: Artistas não aplaudem a vencedora de Melhor Figurino.

Disponível em: https://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/oscar-2016-artistas-nao-aplaudem-

a-vencedora-de-melhor-figurino/ Data de acesso: 19 de maio de 2016.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

13

ANEXOS

ANEXO A - Produto da campanha “Para brincar e brilhar” da Petit Sophie para O

Boticário. Fonte: http://boticario.vteximg.com.br/arquivos/ids/170488-1000-1000/15781-

petit-sophie-locao-hidratante.jpg

ANEXO B - Frame do vídeo da campanha “A Linda Ex” da O Boticário. Fonte:

https://i.ytimg.com/vi/sbFj8IvlomI/maxresdefault.jpg

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

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ANEXO C – Vencedora de Melhor Figurino Oscar 2016, Jenny Beavan

Fonte: http://www.gramposesapatilhas.com/wp-content/uploads/2016/02/jenny-beavan-

oscar-figurinista-2016.jpg